Leis Extravagantes2007

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LEIS PENAIS EXTRAVAGANTES 1ª aula - 07/05/2007 Lei antidrogas Hoje nós vamos falar sobre a nova lei de tóxicos denominada de lei antidrogas (lei11.343/06). Essa lei entrou em vigor dia 8 de outubro de 2006 revogando expressamente as leis 6.368/76 e 10.409/02. Até o dia 8 de outubro de 2006 havia no brasil dois diplmas legais disciplinando a prevenção e repressão ao uso indevido e ao tráfico ilícito de drogas. Havia a lei 6368/76 definindo os crimes e cominando as sanções e a lei 10409 dispondo sobre o rito a ser observado no processo e julgamento dos crimes da lei 6368. Há na nova lei de drogas disposições penais mais gravosas do que as contidas na lei 6368 e há tb disposições penais benignas, normas penaisnovas que favorecem o agente. Vamos cuidar da objetividade jurídica da nova lei de drogas. O bem jurídico que a lei quer tutelar é a saúde pública e de acordo com a doutrina majoritária a saúde pública é o somatório das saúdes individuais. O bem jurídico saúde pública que é um bem jurídico supraindividual, é um bem jurídico coletivo, difuso, a saúde pública é o somatório das saúdes individuais ou, como preferem uns, é a saúde da coletividade. A tutela penal está direcionada a um bem jurídico supraindividual, mas indiretamente procura proteger sobretudo a saúde físico psíquica das pessoas. Em regra os crimes da nova lei de drogas são crimes comuns, ou seja, qualquer pessoa pode praticá-los; Qualquer pessoa pode praticar as cndutas típicas da lei1.343. Essa é a regra, mas há exceções. Há crimes proprio definidos na nova lei de drogas. O crime d art.38, por exemplo, crime culposo, é crime próprio (prescrever ou ministrar drogas). O sujeito ativo do art. 38 que corresponde ao art.15 da antiga lei6368, no que concerne a conduta de prescrever é o médico ou o dentista. No que tange à conduta de ministrar o sujeito ativo pode ser o médico, o dentista, o farmacêutico ou o profissional da enfermagem. Quem é o sujeito passivo dessas condutas 1

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LEIS PENAIS EXTRAVAGANTES

1ª aula - 07/05/2007

Lei antidrogas

Hoje nós vamos falar sobre a nova lei de tóxicos denominada de lei antidrogas (lei11.343/06). Essa lei entrou em vigor dia 8 de outubro de 2006 revogando expressamente as leis 6.368/76 e 10.409/02. Até o dia 8 de outubro de 2006 havia no brasil dois diplmas legais disciplinando a prevenção e repressão ao uso indevido e ao tráfico ilícito de drogas. Havia a lei 6368/76 definindo os crimes e cominando as sanções e a lei 10409 dispondo sobre o rito a ser observado no processo e julgamento dos crimes da lei 6368. Há na nova lei de drogas disposições penais mais gravosas do que as contidas na lei 6368 e há tb disposições penais benignas, normas penaisnovas que favorecem o agente.

Vamos cuidar da objetividade jurídica da nova lei de drogas. O bem jurídico que a lei quer tutelar é a saúde pública e de acordo com a doutrina majoritária a saúde pública é o somatório das saúdes individuais. O bem jurídico saúde pública que é um bem jurídico supraindividual, é um bem jurídico coletivo, difuso, a saúde pública é o somatório das saúdes individuais ou, como preferem uns, é a saúde da coletividade. A tutela penal está direcionada a um bem jurídico supraindividual, mas indiretamente procura proteger sobretudo a saúde físico psíquica das pessoas. Em regra os crimes da nova lei de drogas são crimes comuns, ou seja, qualquer pessoa pode praticá-los; Qualquer pessoa pode praticar as cndutas típicas da lei1.343. Essa é a regra, mas há exceções. Há crimes proprio definidos na nova lei de drogas. O crime d art.38, por exemplo, crime culposo, é crime próprio (prescrever ou ministrar drogas). O sujeito ativo do art. 38 que corresponde ao art.15 da antiga lei6368, no que concerne a conduta de prescrever é o médico ou o dentista. No que tange à conduta de ministrar o sujeito ativo pode ser o médico, o dentista, o farmacêutico ou o profissional da enfermagem. Quem é o sujeito passivo dessas condutas delituosas da lei 11.343/06? o sujeito passivo, em regra, é a própria coletividade ou, na expressão de outros, é o corpo social. O sujeito passivo mediato, em certos casos, é o próprio individuo (ex: tráfico que tenha como destinatário criança, inimputável, adolescente). A nova lei, seguindo a opção feita pelo legislador da lei 6368, manteve o sistema de definir as condutas típicas como normas penais em branco ou na expressão de alguns doutrinadores, são normas de cominação cega. Normas penais em branco em que a tipicidade depende de uma norma complementar. Isso está no parágrafo único do art. 1º, que reproduz o sistema consagrado pelo art. 36 da antiga lei 6368. A complementação desses tipos incriminadores é feita pelo Ministério da saúde, é feita pela ANVISA. O art. 1º, parágrafo único cuida do objeto material dos crimes da lei 11343. O objeto material é a droga. É fundamental saber que o complemento da norma penal em banco integra o tipo penal incriminador; Vale dizer, a portaria da ANVISA que elenca o rol de drogas, para o efeito de aplicação da lei 11343 integra os respectivos tipos penais incriminadores.

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A retirada de determinada droga do rol, da portaria da ANVISA, constitui verdadeira abolitio criminis. Equivale a uma lei penal benigna que retroagirá para alcançar inclusive os processos já decididos por sentença transitada em julgado. Ex: se amanhã a maconha for retirada desse rol, todos aqueles que tiverem sido condenados pelo uso indevido ou tráfico ilícito dessa substância, se valerão dessa nova lei. Por outro lado, a inclusão de determinada droga só permite a punição daqueles que tiverem realizado a conduta típica na vigência da nova portaria. Essa norma não pode retroagir. São os principios da retroatividade benigna e da irretroatividade da lei penal gravosa.

Vamos examinar as condutas típicas da lei 11343 salientando que essa lei mantem as dicotomias feitas pelos diplomas legais anteriores, a nova lei de drogas mantém a dicotomia entre o uso indevido e o tráfico ilícito de drogas. Em relação ao porte de drogas e condutas assemelhadas para consumo pessoal a nova lei implanta o que a doutrina vem denominando de justiça restaurativa. A lei está direcionada primordialmente para a prevenção, o tratamento e reinserção social do usuário. A nova lei de drogas, nesse particular, ao implantar esse sistema de justiça penal restaurativa não comina, não prevê para esse crime pena privativa da liberdade. O art. 28 que corresponde ao antigo art.16, não prevê pena de prisão para o porte de drogas e condutas assemelhadas para o consumo pessoal. Aliás, em circunstância alguma o autor daquelas condutas do art. 28 poderá ser encarcerado. A lei aqui não prevê pena privativa daliberdade e tão pouco permite a prisão cautelar.

Em relação ao tráfico de drogas a lei nova procura distinguir entre o traficante e o traficante esporádico cominando-lhes sanções penais distintas.

Vamos estudar agora o art. 28 que corresponde ao antigo art.16 da lei 6368. Esse art. tipifica o porte ilegal de drogas e condutas assemelhadas para consumo pessoal. O art. 28 está inserido no capítulo que trata dos crimes e das penais. Aqui surge uma das questões mais polêmicas: a questão é saber se o legislador teria descriminalizado esses comportamentos; é saber qual é a natureza jurídica da infração do art. 28. A questão é saber se houve a descriminalização ou despenalização. A doutrina se divide. Há quem entenda (Luiz flávio Gomes), que o legislador descriminalizou o porte de drogas. Teria havido a descriminalização das condutas definidas no art.28. Essas condutas não teriam mais a natureza jurídica de infração penal já que o legislador não cominou para esses fatos pena privativa de liberdade. Há duas formas de descriminalização: descriminalização total » em que a conduta deixa de constituir um ilícito, deixa de caracterizar uma ofença ao ordenamento jurídico. É a chamada descriminalização com a legalização das condutas. Além de descriminalizar as condutas o ordenamento jurídico os legaliza. Há também a descriminalização sem a legalização» aqui teria ocorrido a descriminalização sem a respectiva legalização desses comportamentos. Para o Luiz Flávio Gomes o art.28 define condutas ilícitas. Seriam ilícitos sui generis. Não se enquadraria nem na definição de crime e nem na definição de contravenção. Há nisso uma contradição. Para o Luiz Flavio Gomes é preciso reler o conceito de infração penal. Ao sustentar que essas condutas constituem um ilícito sui generis, o Luiz Flávio Gomes sugere que se deva refazer o critério de clasificação das infrações penais. Por que? Pq o direito brasileiro no que concerne a classificação das infrações penais adota o critério dicotômico ou bipartido.No brasil infração penal é gênero do qual são espécies os crimes ou delitos e as contravenções penais. Esse critério está consagrado no art. 1º da lei de introdução ao CP e na lei de contravenções penais. Dentro dessa classificação, ontologicamente,

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na essência não há diferença alguma entre crime ou delito e contravenção. Por que ontologicamente não há diferença entre crime e contravenção? Por que crime e contravenção são espécies do gênero infração penal. Qualitativamente não há diferença entre crime ou delito e contravenção. A diferença entre crime e contravenção é quantitativa, pois os crimes são apenados mais severamente. Para os crimes haverá pena privativa de liberdade (reclusão, detenção e multa). Para as contravenções penais será cominada pena de prisão simples e multa ou multa (alternativa, cumulativa ou isoladamente). Para o Luiz Flávio Gomes, com a nova lei de drogas (aqui está a contradição) o legislador teria adotado o critério tripartido de classificaçao das infrações penais. Por que? Por que nessa passagem do livro o Luiz Flávio Gomes sustenta que as infrações penais doravantes no brasil são os crimes, as contravenções e o ilícito sui generis do art. 28. Qual é a contradição entre a conclusão e a fundamentação desse raciocínio? É que ou o art. 28 é ilícito penal ou é ilícito sui generis. Se é ilícito sui generis não é ilícito penal.

Há quem sustente, na mesma linha de raciocínio do Luiz Flávio Gomes que o art. 28 define condutas contravencionais. Por que? Por que o legislador prevê para esses comportamentos pena de multa(art.28, parágrafo 6º).

Recentemente a primeira turma do STF decidiu que o art.28 define crimes, define infrações penais. No resumo da decisão está consignado que o STF repudia a doutrina que sustenta que o art. 28 define ilícitos sui generis. O art. 28 define crimes, define condutas penalmente reevantes para os quais o legislador não previu pena privativa da liberdade. Vale dizer, o art.28 teria despenalizado esses comportamentos. O que houve aqui foi a despenalização já que a lei não prevê pena privativa de liberdade para essas condutas. O legislador abrandou a resposta penal dada a esses comportamentos. É o que adoutrina vem chamando de justiça restaurativa.

Em concurso para Defensoria vocês podem sustentar que o legislador descriminalizou esses comportamentos. Teria havido aqui abolitio criminis. (isso deve ser sustentado para a defensoria).

Ainda que se considere, na linha da decisão do supremo, que o art.28 define crimes, ainda sim essa norma penal é mais benigna devendo retroagir para alcançar processo já decididos por sentença penal transitada em julgado.

Ex: suspensão condicional do processo pelo crime do art. 16 da antiga lei, se por ventura a suspensão for revogada e o processo prosseguir, ao final, no caso de condenação, somente poderão ser aplicadas ao réu as penas previstas no art.28 da lei nova.

Esse processo de despenalização do porte de drogas para o consumo pessoal, esse processo teve início não especificamente em relação ao crime do art. 16, teve início com a lei 9.714/98. Essa lei alterou o art. 44 do CP prevendo a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por pena ou penas restritivas de direito no caso de condenação que não ultrapasse a 4 anos. Desde de 98 já era possível a substituição da pena privativa de liberdade. Antes mesmo da alteração do art. 44 do CP já havia possibilidade, em relação ao crime do art.16, a possibilidade de suspensão condicional doprocesso (medida despenalizadora indireta). Depois, com advento da lei10259/01, passou a prevalecer na doutrina e na jurisprudencia o entendimento de que as infrações de menor potencial ofensivo eram as contravenções e os crimes em

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que a pena máxima cominada não excedesse a dois anos, ou seja, o crime do art.16 já era considerada infração de menor potencial ofensivo. A discussão sobre o conceito de infração de menor potencial ofensivo acabou com o advento da lei 11.313/06 que redefiniu o conceito de menor potencial ofensivo. Ou seja, dificilmente algué estará cumprindo pena de prisão pelo crime do art.16, já que o processo dedespenalização já se iniciou há muito.

O art. 28 reproduz o art.16 com o acréscmo de dois núcleos. O tipo incriminador d art.28 tipifica as condutas de adquirir, guardar, trazer consigo, transportar e ter em depósito drogas para consumo pessoal. Houve o acréscimo das condutas de transportar e ter em depósito. Essas condutas do art. 28 estão tb tipificadas no art.33.Qual a distinção no plano da tipicidade entre essas condutas? Qual a diferença entre esses tipos incriminadores? A distinção é feita no plano da tipicidade subjetiva. A configuração do art.28 além do dolo exige uma especial finalidae de agir por parte do sujeito que é o consumo pessoal. E se porventura o sujeito adquirir, transportar consigo a droga para o fim de consumo pessoal e revenda, o crime será o do art. 28 ou o do art.33? Aqui ocorre a aplicaçao do art.33, pois o crime do art.28 reclama essa especial e exclusiva finalidade de agir. Se o sujeito além de ter a finalidade de consumir a droga tiver a finalidade de adquirir para fim diverso, estará caracterizado o crime do art. 33. A conduta de consumir a droga é penalmente relevante? Não. O uso da droga é conduta penalmente irrelevante; É conduta atipica que não se amolda ao tipo incriminador do art.28. O fato é que o sujeito ao usar a droga, a estará trazendo consigo. O que a lei pune não é propriamente o uso. O que a lei pune é a conduta de trazir consigo a droga para a usá-la. A conduta de usar é atípica. Trazer a droga consigo para usá-la é conduta que se adequa ao art.28. Então, neste caso, a denúncia não tem que imputar a conduta de usar, mas sim a conduta de trazer consigo.

Bom, e o uso pretérito de drogas? O uso passado de drogas configura o crime do art. 28, configurava o antigo crime do art 16? Não pq sequer o uso é conduta típica.

Há quem sustente que o uso da droga constitui uma espécie de auto lesão sendo, portanto, impunível. A jurisprudencia repele essa tese ao argumento de que a saúde pública é o somatório das saúdes individuais.

Uma outra questão é sobre o princípio da insignificância ou princípio da bagatela em matéria de porte ou posse de drogas. Apesar de haver controvérsia na doutrina sobre a possibilidade de aplicação do principio da insignificância no direito penal brasileiro (há quem sustente que esse principio é estranho ao direito penal brasileiro por ferir o principio da legalidade), os tribunais, inclusive o STF e o STJ vem, em situações específicas a aplicação do principio da insignificância. Esse principio significa na doutrina uma espécie de corretivo ou de aperfeiçoamento do juízo de tipicidade. A tipicidade sob o aspecto formal decorre do enquadramento da conduta ao tipo incriminador. Formalmente típica é a conduta que se amolda objetiva e subjetivamente ao tipo incriminador. Mas o direito penal tem uma finalidade especifica que é a de tutelar bens jurídicos cuja mnutenção é considerada indisensável para a própria coexistência social. Logo, a conduta somente será típica se além de se enquadrar ao tipo incriminador, causar lesão ou perigo de lesão significativa ao bem juridico penalmente tutelado. Caso contrário a conduta será atípica. Então o principio da bagatela tem que ser utilizado no juízo de tipicidade da conduta. A questão aqui é saber se o porte ou a posse de ínfima quantidade de droga para consumo pessoal configura o crime do art.28. No STF, prevalece o entendimento de que o principio da insignificancia não pode ser utilizado em se tratando de crimes contra a saúde pública.

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O STF só admite a aplicação do principio da bagatela em relação a crimes que ofendem determinados bens jurídicos. Logo, a posse de ínfima quantidade de drogas para consumo pessoal configura o crime do art.28. Há decisões do STJ em sentido oposto, admitindo o principio da insignificancia no tocante a porte de ínfima quantidade de drogas para uso pessoal. Para o STJ essa conduta não teria potencialidade lesiva, seria um indiferente penal.

Como saber que o sujeito está realizando a conduta do art.28 ou o do art.33? Com a utilização dos critérios valorativos elencados no parágrafo 2º do art.28. A quantidade da droga apreendida não é o unico critério a ser utilizado no juízo de adequação típica. Além da quantidade há outros critérios: natureza, forma de acondicionamente, antecedentes do preso, local da prisão, mas a quantidade exerce enorme influencia no juizo de tipicidade. Aqui há duas regras que comportam exceções. De acordo com os tribunais a apreensão de grande quantidade de drogas faz presumir o tráfico. Essa presunção é relativa. Ex: o sujeito é flagrado transportando uma tonelada de cocaína » nesse caso a presunção vale. Por outro lado, a pequena quantidade de droga faz presumir o porte para consumo pessoal. Agora, essa presunção é desfazível! A quantidade por si só não determina o enquadramento típico. Além da quantidade outras circunstâncias tem que ser consideradas.

O legislador aqui inovou. Já na vigência da lei anterior os tribunais firmaram jurisprudencia no sentido de que a apreensão de grande quantidade de droga em hipótese de tráfico autoriza a majoração da pena base por conta de circunstância judicial desfavorável ao réu. Qual seria a circunstância judicial desfavorável ao réu? As consequencias do delito. Isso era a construção dos tribunais na interpretação do art.59 CP. Agora o legislador inovou em termos de lei. O legislador prevê que a quantidade da droga é critério que prepondera sobre as demais circunstâncias judiciais na aplicação da pena (art.42 da lei 11.343). Esses critérios valorativos que guiam a autoridade policial, o MP e o juiz quando da adequação típica da conduta, esses critérios agora se sobrepõem as circunstâncias judiciais do art.59 do CP.

Obs: fazer referência no parágrafo 2º do art.28 ao art.42.

O art.28, parágrafo 2º diz quais são os critérios a serem considerados para a diferenciação dos crimes do art.28 e essas mesmas condutas previstas no art.33. Esses critérios servirão tb para a fixação da pena base. Ou seja, são circunstâncias judiciais específicas dos crimes da lei 11.343/06.

E o fornecimento gratuito de drogas configura o crime do art. 33, caput; caracteriza o crime do art. 28 ou constitui a figura típica do parágrafo 3º do art.33(tráfico sentimental)? O crime do art.33, parágrafo 3º cuja pena máxima cominada é de um ano constitui infração de menor potencial ofensivo. A configuração desse tipo privilegiado exige que o sujeito ofereça ou forneça esporadicamente, ou seja, ocasionalmente a droga a pessoa de seu relacionamento para consumo comum (conjunto). Ausente uma dessas exigências o crime será o do caput do art. 33. Se o sujeito fornecer costumeiramente a droga o crime será o do caput do art.33. Se não houver nenhum relacionamento de amizade o crime será o do art.33, independentemente da finalidade de lucro. O fornecimento gratuito é uma das condutas que o caput do art.33 tipifica.

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E o plantio, colheita de plantas destinadas a preparação de drogas para uso pessoal configura o crime do art.28? Na vigência da lei6368 havia controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre o enquadramento típico dessa conduta. Para alguns, quem plantava, colhia, semeava plantas para o fabrico de substâncias entorpecentes, ainda que para consumo pessoal incidia nas penas do art.12, pois essas condutas não constavam do art.16. Então o crime, ainda que houvesse essa finalidade de plantio, colheita para o consumo pessoal ainda assim seria crime de tráfico (art.12). Para outros se devia utilizar da analogia in bonam partem punindo-se o agente pela prática do crime do art.16, em virtude da sua especial finalidade de agir. Havia quem considerasse (Damásio) que essa conduta era atípica. A lei nova acabou com essa discussão. Se o sujeito plantar, semear ou colher pequena quantidade de droga para consumo pessoal o crime será do parágrafo 1º do art.28. Se o plantio for de grande quantidade ou de pequena quantidade mas para outro fim, diferente do consumo pessoal, o crime será o do art.33, parágrafo 1º. Então são dois requisitos: pequena quantidade de droga e consumo pessoal. Essa pequena quantidade de droga é elemento normativo do tipo penal incriminador, pois exigirá uma valoração extra jurídica por parte do juiz definindo se a quantidade é ou não pequena.

O crime do art.28 e erro de tipo » vamos imaginar que o sujeito está transportando em seu veículo uma mala contendo cocaína sem portanto saber de tal fato. A hipótese é de erro de tipo. Pouco importa se o erro é escusável ou inescusável. Não há modalidade culposa do crime do art.28. O dolo do sujeito tem que abranger esse elemento do tipo. O sujeito tem que saber que está adquirindo, guardando ou mantendo em depósito drogas. Havendo erro sobre esse elemento do tipo o sujeito não será punido.

Vamos reler o art.28 ! Qual é a natureza jurídica da expressão ”sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”? É elemento normativo do tipo incriminador. Ex: um professor primário mantém consigo determinada quantidade de droga para exibí-las em saula de aula a seus alunos alertando-os sobre os seus efeitos maléficos. O professor age supondo lícita a sua conduta. A hipótese aqui tb é de erro de tipo que ainda que inescusável não permitirá a punição do agente, pois não há modalidade culposa do tipo do art.28.

Então, são duas hipóteses de erro de tipo: sobre a natureza do objeto transportado (o sujeito não sabe que está trazendo consigo droga) ou sobre essa autorização legal ou regulamentar.

Ex: sujeito adquire para consumo pessoal um pó branco supondo tratar-se de cocaína. Esse sujeito ao adquirir essa substância (que não é droga) realiza a conduta típica do art.28? Não. Trata-se de crime impossível por inidoneidade absoluta do objeto. E o sujeito que vende essa substância ao terceiro realiza a conduta típica do art.33? Não. Esse comportamento tem relevância penal? Há quem entenda que configura estelionato. A doutrina majoritária entende que não!

Dessas condutas do art.28 algumas são instatâneas e outras são permanentes. As condutas permanentes são: trazer consigo, transportar, guardar e ter em depósito a droga para consumo pessoal. Instantânea é a conduta de adquirir a droga.

Vamos analisar o preceito sancionatório do art.28! A rigor, qualitativamente, ontologicamente, a única pena prevista no art. 28 é a prestação de serviços a

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comunidade que é uma pena restritiva de direitos. A rigor a advertência e a frequencia a cursos e palestras sobre o efeito nocivo da droga não tem a natureza jurídica de pena embora a lei fale em pena e depois em medidas. O fato é que não há previsão de pena privativa de liberdade. Logo, partindo-se da linha de raciocínio do Supremo, esse crime do art.28 se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofencivo, pois não é punido sequer com pena privativa da liberdade. Vamos ver o art.48, parágrafo 1º! Vamos ver o parágrafo 5º do art.48! A lei prevê expressamente a possibildade de transação no tocante ao crime do art.28 A transação penal aqui versará sempre sobre as penas previstas no preceito sancionatório, ou seja, a transação penal versará sobre a advertência, prestação de serviços à comunidade e a frequencia a cursos e palestras sobre os efeitos nocivos da droga. Ex: O MP propõe a transação que é aceita pelo autor do fato e é homologada pelo juiz. E o autor do fato não cumpre a transação. Qual a consequencia do descumprimento da transação? Duas são as orientações: a primeira sustenta que deve haver a execução da setença homologatória da transação. A bem da verdade, a sentença homologatória da transação, sobretudo quando imposta pena restritiva de direito é inexequível, pois essa pena, decidiu o Supremo, uma vez aplicada em sede de transaçao penal não pode ser convolada em pena privativa da liberdade. A outra solução é o MP oferecer denúncia (é a solução que vem sendo adotada).

Aqui o legislador teria inovado estabelecendo providências a serem adotadas pelo juiz para viabilizar o cumprimento do acordo (art.28, parágrafo 6º). O juiz poderá submeter o autor do fato a admoestação verbal para depois aplicar a multa. A multa não está prevista propriamente como pena; A multa está prevista como meio de coerção, como uma providência que o juiz pode se utilizar para assegurar o cumprimento das penas só que a multa, ontologicamenete é a única pena. A multa é a única pena que embora não esteja efetivamente prevista como pena, é a única pena que poderá ser executada. Então caso haja descumprimento da transação o juiz deverá proceder da seguinte forma: admoestaçaõ e depois a multa. Aí surge um outro problema em relação a multa. Um outro problema é a execução da multa. Se o sujeito não pagar a multa a solução parece ser a da execução da sentença (não há jurisprudência sobre esse tema). A doutrina é escassa mas duas orientações surgiram: a primeira é a de que a execução deve ser feita no próprio juizado e a outra orientação é no sentido da execução nos moldes do art.51 do CP (execução no cível promovida pela fazenda pública).

Há um outro problema sobre a transação e o art. 28. De acordo com a lei 9.099 nos termos do art.76, o sujeito só poderá se beneficiar de uma nova transação depois de decorrido cinco anos. Há quem entenda que no sistema da lei de drogas essa transação será possível tantas quantas forem as incidências nos comportamentos do art.28, ou seja, não haveria essa restrição do transcurso do lapso de 5 anos para umanova transação. Por que? Pq diferentemente do que sucede no sistema do juizado, aqui na lei de drogas as penas a serem aplicadas no caso de condenação são as mesmas penas objeto da transação, ou seja, o processo penal seria instaurado para que ao final o juiz aplicasse ao réu as mesmas penas que poderiam ter sido impostas em sede de transação penal. É diferente do juizado. No juizado, quando se tratar de sentença condenatória, é aplicada a pena. Aqui em hipótese alguma o sujeito é preso. Dentro dessa linha de raciocínio, o MP somente oferecerá denúncia na eventualidade de o autor do fato não aceitar a transação. O professor fala que ainda não tem uma opinião. Essa linha de raciocínio encontra obstáculo na propria lei, pq a lei diferencia entre o tempo de duração das penas entre réu primário e réu reincidente

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(parágrafos 3º e 4º). Então, seria viável o oferecimento da denúncia exigindo-se o trancurso do prazo de cinco anos para nova transação para forjar reincidência de que trata a lei. Ex: há uma transação. Depois dessa transação o sujeito é flagrado trazendo consigo drogas para uso pessoal. Neste caso não é possível mais a transação pq seria necessário o decurso do prazo de 5 anos para aplicação desse benefício; seria caso de denúncia. Qual a finalidade da denúncia? Forjar a reincidência de que trata o paragrafo 4º. No caso de reincidência a duração das penas será de até 10 meses. É o dobro do prazo da pena aplicável ao primário. Caso contrário o sujeito vai sempre aceitar a transação e provavelmente não vai cumprí-la.

2ª aula - 14/05/2007

Hoje, vamos iniciar falando sobre as medidas processuais advindas do art. 28, para depois estudarmos o art.33 e seguintes.

Vimos na aula passada que o art. 28 define infração penal, define crime.

No art. 28. não há no seu preceito sancionatório previsão de pena privativa da liberdade. Trata-se, portanto de uma infração de menor potencial ofensivo da competência do JECrim.

Infração de menor potencial ofensivo sujeita ao procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.

É o que estabelece o art.48, parágrafo 1º da Lei 11.343/2006. A Lei ressalta tão somente a hipótese de concurso de crimes envolvendo o delito do art. 28.

Outro fato curioso da Lei Anti-Drogas, por exemplo, concurso material entre os crimes do art. 28 e o art. 33.

Neste caso, prevalecerá à competência do juízo comum, unidade de processo e julgamento no juízo comum sem prejuízo de possibilidade de transação penal quanto ao crime do art. 28.

Anotem a margem do art. 48, parágrafo 1º a Lei 11.313/06. Essa Lei, além de modificar a redação do art. 61 da Lei 9.099, além de redefinir o conceito de infração de menor potencial ofensivo, acrescentou o parágrafo único ao art. 60.

Nos termos do parágrafo único do art. 60, nos casos de conexão ou continência, prevalecerá a competência do juízo comum ou no Tribunal do Júri quando se tratar de crime doloso contra a vida, sem prejuízo da possibilidade de composição do dano civil e da transação penal.

Essa ressalva acerca do afastamento do procedimento sumaríssimo é feita pelo parágrafo 1º do art. 48. O parágrafo 1º do art. 48 tem que ser interpretado em consonância com o parágrafo único do art. 60 da Lei dos Juizados Especiais.

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Bom, crime do art. 28 e a prisão em flagrante.

Vamos ver o que diz a respeito disso o parágrafo 2º do art. 48 da Lei 11.343: tratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

Em relação ao que diz o art. 28, está no parágrafo 2º do art. 48 que não haverá prisão em flagrante. Mais uma vez é importante salientar que a prisão em flagrante tem um aspecto pré-processual no plano administrativo que se decompõe basicamente em dois momentos.

Há em um primeiro instante a chamada prisão captura. Prisão captura pode ser feita por qualquer pessoa do povo, tendo a autoridade policial e seus agentes o dever de efetuá-la.

Prisão captura está no art. 302 no Código de Processo Penal. O primeiro momento da prisão em flagrante é a prisão captura. A prisão captura pressupõe evidentemente a flagrância delitiva. A prisão captura é feita em uma daquelas situações previstas no art. 302 do Código de Processo.

Feita a prisão captura, o preso deverá ser imediatamente conduzido até a presença da autoridade policial que, se for o caso, providenciará a lavratura do auto de prisão em flagrante.

É a segunda fase. É a fase da documentação da prisão em flagrante em auto próprio. Lavrado auto de flagrante, se dá ao preso a nota de culpa. A entrega da nota de culpa ao preso aperfeiçoa a prisão em flagrante no plano administrativo.

Em relação ao crime do art. 28, há duas peculiaridades quanto à prisão em flagrante. Primeiramente, nas hipóteses do art. 28, será sempre possível a prisão em flagrante.

Aliás, a prisão captura é possível em qualquer espécie de infração penal. Por quê? Porque faz cessar a prática da infração penal restabelecendo a ordem jurídica.

Aqui, será possível a prisão captura, mas não haverá, em hipótese alguma, nos termos da Lei, a documentação da prisão em flagrante em auto próprio. Não haverá lavratura de auto de prisão em flagrante.

Até aqui, o sistema é o mesmo do que rege as infrações de menor potencial ofensivo. Bom, vamos às duas particularidades.

Primeiramente, é que em relação ao crime do art. 28, o preso sempre que possível deverá ser conduzido até o juizado especial criminal.

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No sistema do Código de Processo Penal, no sistema da Lei 9.099/95, no sistema do processo penal, o preso capturado em flagrante delito é imediatamente apresentado à autoridade policial a quem cabe verificar o fato e adotar as providências que entender cabíveis.

Aqui, não, aqui, o preso deverá, sempre que possível, ser apresentado ao juízo. Qual é o juízo competente para a transação, processo e julgamento em matéria do crime do art. 28? Juizado especial criminal.

Então, essa é a primeira particularidade: condução do preso até o juízo competente. É o que prevê o parágrafo 2º do art. 48.

Notem, a Lei não prevê a apresentação do preso ao juiz. Neste ponto, a Lei prevê a apresentação do preso ao juízo competente que é o juizado especial.

Qual é a finalidade dessa previsão? Possibilitar desde logo a adoção de uma solução conciliatória, a transação penal. Agora, a quem caberá em um primeiro momento, no juizado especial, tipificar criminalmente o fato objeto da ocorrência?

Todos vocês sabem que a tipificação do fato em matéria de drogas tem enorme relevância. Em se tratando do crime do art. 28, a solução será conciliatória. Em se tratando do crime do art. 33, a solução será conflitiva.

Bom, caberá o MP, em um primeiro momento, tipificar criminalmente o fato. Por quê? Porque no momento da captura em flagrante delito, quem estará definindo juridicamente o fato, ainda que se trate de uma definição precária e provisória, será o policial que tiver realizado a captura.

Então, caberá ao MP tipificar o fato. Se o promotor entender que é hipótese do art. 28, proporá a transação penal. Agora, é importante lembrar que as condutas previstas no art. 28 são típicas também a luz do art. 33. Essas condutas são comuns aos arts. 28 e 33.

A diferença entre esses tipos é feita no plano da tipicidade subjetiva. No caso do crime do art. 28, existe especial finalidade de agir por parte do sujeito. Será para consumo pessoal.

Bom, e se o promotor entender que o caso se enquadra no art. 33? Encaminhara o autor do fato à autoridade policial para a lavratura de auto de prisão em flagrante.

Notem, aqui há a prisão captura. Mas se o promotor entender que se enquadra no art. 33, será possível a lavratura de auto de prisão em flagrante.

Bom, vamos imaginar a seguinte hipótese. O promotor discorda da avaliação superficial feita por quem realizou a prisão captura, entendendo que a conduta do autor do fato se enquadra no art. 33. E se o juiz discordar do promotor? Se o juiz considerar que o fato se enquadra no art. 28, como fica?

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Bom, o juiz, entendendo que o caso é do art. 28, considerará possível a transação. De acordo com a jurisprudência, a iniciativa de proposta de transação penal é privativa do MP.

Cabe ao juiz, se o promotor injustificadamente deixar de formulá-la, aplicar o art. 28 do Código de Processo Penal por analogia e não encaminhará o autor do fato à polícia. Ele será liberado.

É possível cogitar nesses casos do art. 33 o oferecimento da denúncia pelo promotor? Não, por quê? Porque o promotor não terá atribuição para fazê-lo nem o juiz terá atribuição para processo e julgamento dos crimes do art. 33. Essa é a regra.

Bom, e se não for possível a imediata apresentação do preso ao juízo competente? De acordo com a Lei, o correto é que os tribunais instituam plantões de 24h em decorrência dessa exigência do art. 48, parágrafo 2º.

Bom, mas se não for possível a imediata apresentação do autor do fato ao juízo competente, essas providências são adotadas pela autoridade policial.

Aí, vem a segunda particularidade. A autoridade policial aqui providenciará a lavratura do termo circunstanciado ou termo de ocorrência encaminhando ao juizado especial criminal.

Aqui, vem a peculiaridade. Em se tratando de crime do art. 28, não haverá lavratura de auto de prisão em flagrante ainda que o autor do fato se recuse de assumir o compromisso de comparecer ao juizado especial.

É diferente do sistema da Lei 9.099/95. No sistema da Lei 9.099, art. 69, parágrafo único, se o autor do fato não assumir o compromisso de comparecer ao juizado especial, a autoridade policial providencia a lavratura de auto de flagrante e dá ao preso a nota de culpa, podendo, inclusive, haver encarceramento.

Aqui, não. Aqui, ainda que o autor do fato não queira assumir o compromisso de comparecer ao juizado especial, ainda assim a autoridade policial só vai providenciar a elaboração do termo circunstanciado.

Neste caso, em se tratando de crime do art. 28, o autor do fato assume ou não o compromisso de comparecer ao juizado especial e livra-se solto imediatamente após a lavratura do termo circunstanciado.

Em hipótese alguma, o autor dessas condutas previstas no art. 28 o autor do fato será encarcerado. Em hipótese alguma, haverá prisão cautelar ou a título de pena.

É uma situação semelhante a do art. 321 do Código de Processo Penal. Nas hipóteses previstas no art. 321, o preso em flagrante livra-se solto imediatamente após a lavratura do auto.

Aqui, sequer lavra-se o auto em flagrante. Após lavrado o termo circunstanciado, o autor do fato será imediatamente liberado.

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Bom, e a questão da inconstitucionalidade do parágrafo 2º? Essa questão já está posta no Supremo. Há quem veja o imediato encaminhamento do preso em flagrante ao juízo competente flagrante inconstitucionalidade.

Há quem entenda que esse dispositivo retira da autoridade policial o exercício de função própria de polícia judiciária. Que função seria essa? A função, no caso de prisão em flagrante delito, de tipificar criminalmente o fato.

Essa tarefa de tipificar criminalmente o fato estaria sendo atribuída pela Lei ao juízo competente, ao membro do MP junto ao juizado especial criminal.

Agora, não há nenhuma inconstitucionalidade aqui, porque essa tarefa de tipificar condutas, mesmo no caso de prisão em flagrante, não é privativa da autoridade policial.

Pergunta de aluno.

Resposta: a própria lavratura do termo circunstanciado, mesmo na hipótese do art. 28, tem que ser precedida da elaboração de laudo de constatação da natureza da substância apreendida.

Esse laudo constatação subsiste como condição de procedibilidade, como condição para que a autoridade policial possa validamente lavrar o auto de flagrante ou elaborar termo circunstanciado.

Então, no juizado especial criminal, deverá haver um perito habilitado a fazer esse laudo.

Pergunta de aluno.

Resposta: vamos ver o art. 27 caput.

Art. 27: as penas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.

Então, as penas previstas neste capítulo poderão ser aplicadas isoladas ou cumulativamente. Isso está no art. 27. Vamos agora ver o caput do art. 28.

Art. 28: quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas.

Isso quer dizer que a leitura isolada do art. 28 leva o intérprete a uma conclusão diferente. A leitura isolada leva o intérprete a concluir que essas penas têm que ser aplicadas cumulativamente.

Agora, o que vem prevalecendo na escassa doutrina a respeito desse assunto é que as penas podem ser aplicadas isoladamente.

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A expressão “as seguintes” é no sentido de que o juiz só pode aplicar ao autor do fato enquadrado no art. 28 essas penas. É o princípio da reserva legal. Mas as penas podem ser aplicadas isoladamente.

Mais ainda, isso vale inclusive para a transação penal. É diferente da transação penal de que trata a Lei 9.099/95. O art. 66 da Lei 9.099/95 permite ao MP propor antecipadamente ao autor do fato a aplicação de pena restritiva de direito, qualquer pena restritiva de direito ou denúncia.

Aqui, em se tratando do crime do art. 28, a transação somente poderá versar sobre essas penas previstas no art. 28, ou seja, o promotor não pode propor e tampouco o juiz aplicar outras penas restritivas de direito diferente da prestação de serviço à comunidade.

Agora, vamos para o art. 48. A leitura isolada do art. 48 leva a conclusão também equivocada de que apenas o crime do art. 28 é que se sujeita ao procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95, ou seja, apenas esse crime seria tratado como infração de menor potencial ofensivo. Os outros todos seriam da competência do juízo comum sujeitos ao procedimento especial da Lei de Drogas.

Não é bem assim. Há outros crimes da Lei 11.313/06 que se enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo. São infrações de menor potencial ofensivo os crimes do art. 28, caput e parágrafo 1º, art. 33, parágrafo 3º e art. 38.

Vamos ver o parágrafo 3º do art. 33: oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

Tráfico privilegiado ou, como preferem alguns, tráfico sentimental são expressões utilizadas para designar o fato típico do parágrafo 3º. Esse crime é punido com pena máxima que não excede um ano e se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo da competência do juizado especial criminal.

É possível neste caso transação penal? É possível, cai na regra geral da Lei 9.099. É diferente no tocante ao crime do art. 28 que é regida por disposição específica da Lei 11.313. A transação penal no caso do art. 33, parágrafo 3º é a da Lei 9.099/95.

Mais, neste caso, em relação à prisão em flagrante, aplica-se o art. 69, parágrafo único da Lei 9.099 e não o art. 48, parágrafo 2º e 3º da Lei 11.313.

Se o autor do fato não quiser assumir o compromisso de comparecer ao juizado especial, será lavrado o auto de flagrante. A lavratura do auto de flagrante, neste caso, desloca a competência para o juízo comum e impede a transação penal?

Não, por quê? Porque a infração, malgrado a lavratura do auto, continua sendo de menor potencial ofensivo. Logo, competência do juizado especial criminal e possível transação penal.

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Agora, na transação ao formular a proposta, o MP poderá propor ao autor do fato qualquer pena restritiva de direito.

A outra infração de menor potencial ofensivo é o crime do art. 38, crime culposo e próprio do médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem.

Art. 38: prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.

É a única modalidade culposa da Lei 11.313. A pena máxima cominada aqui é de dois anos de detenção. Logo, trata-se de infração de menor potencial ofensivo da competência do juizado especial.

Vamos estudar agora o crime do art. 33, tráfico ilícito de drogas. O art. 33 corresponde ao art. 12 da antiga Lei 6.368/66. Aliás, a descrição típica do art. 33 é igual ao do antigo art. 12.

O caput do art. 33 corresponde ao antigo art. 12. O legislador aqui mais uma vez procurou incriminar todos os comportamentos, todas as condutas que integram a dinâmica do tráfico ilícito de drogas. Trata-se, portanto, de um crime de ação múltipla ou de conteúdo variável.

A questão aqui é saber se esse tipo é um tipo misto alternativo ou cumulativo. É um tipo misto porque apresenta 18 condutas penalmente relevantes.

Prioritariamente, a doutrina não faz mais essa distinção. A priori, não se pode dizer se é tipo misto alternativo ou tipo misto cumulativo.

Mas quando o sujeito, no mesmo contexto fático, praticar mais de uma conduta do art. 33 incorrerá apenas uma vez nas sanções desse dispositivo. Normalmente, será punido pela conduta cronologicamente mais próxima da prisão.

Mas sempre que houver prova comum, o MP deverá fazer referência a todas as condutas típicas identificadas. Por quê? Porque isso vai influenciar na dosimetria da pena da pena-base. Serão consideradas na circunstância judicial a ensejar a exacerbação da pena-base.

É possível falar em se reconhecer concurso material entre essas condutas? Poderá se não houver nenhuma conexão entre as condutas.

O exemplo clássico é o sujeito que exporta ou importa cocaína e mantém depósito para fins de comércio de maconha. Não há nenhuma relação de condutas entre esses comportamentos.

São contextos fáticos diferentes que podem ensejar o concurso material de crimes. Mas a regra será a alternatividade.

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Bom, o sujeito passivo é a própria coletividade. Agora, quem pode ser o sujeito ativo das condutas típicas do art. 33? Trata-se de crime comum. Por quê? Porque a Lei não reclama condição especial do sujeito ativo.

Então, qualquer pessoa poderá praticar essas condutas típicas do art. 33. Há uma exceção. Há uma dessas condutas que só pode ser praticada por determinada categoria de pessoa. É a conduta de prescrever, receitar, indicar.

Essa conduta é própria do médico e do dentista. Sujeito ativo desse comportamento é o médico ou dentista. Essa prescrição aqui é a prescrição dolosa. Quando se tratar de prescrição culposa feita por médico ou dentista, o crime será o do art. 38.

Bom, os dois primeiros verbos são importar e exportar. Aqui, há em relação a essas condutas típicas um concurso aparente entre normas penais incriminadoras co-existentes.

Há um concurso aparente entre o art. 33 da Lei 11.313 e o art. 334 do Código Penal. Esse art. 334 define os crimes de contrabando e descaminho. Esse conflito é resolvido pelo princípio da especialidade.

Qual a norma penal a ser reconhecida? Qual o crime a ser considerado? O de tráfico. Qual é o plus especializante? O objeto material da conduta, a natureza da mercadoria da importação e exportação.

Há também um conflito aparente entre esse tipo do art. 33 da Lei 11.313 e o art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vamos comparar esses dois dispositivos.

Art. 243: vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida: pena - detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Esses verbos que definem a conduta típica do art. 243 têm correspondência no art. 33 da Lei 11.313. Também se fala aqui em conflito aparente entre tipos penais incriminadores.

É resolvido também pelo princípio da especialidade. Quando se tratar de venda, fornecimento, ministração de drogas à criança ou adolescente, o crime será do art. 33 da Lei 11.313, é o crime mais grave.

Nos outros casos, em se tratando de outras substâncias, o crime será o do art. 243 do ECA.

Também aqui no crime do art. 33, a exemplo do que foi dito na Lei anterior, há condutas típicas instantâneas e condutas típicas permanentes.

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Quais são as condutas típicas de natureza permanente do art. 33? Guardar, trazer consigo, transportar, ter em depósito e dispor à venda drogas. Preparar pode depender da forma de preparo. Remeter é conduta instantânea, porque a conduta se exaure no momento em que se remete.

Essa distinção entre crime permanente e instantâneo tem enorme relevância principalmente no que diz respeito à prisão em flagrante.

É possível falar em concurso material entre o tráfico de drogas na modalidade vender e a receptação? A situação mais comum é a do sujeito que vende a droga e recebe como pagamento coisa que é produto de roubo.

Há a venda com o recebimento em pagamento de coisa que sabe ser produto de crime. Aqui, toda jurisprudência é no sentido de reconhecer concurso material entre o tráfico e a receptação. Por quê? Porque os bens jurídicos que a Lei protege são distintos.

Agora uma outra situação comum é o sujeito flagrado trazendo consigo a droga para fins de tráfico portando arma de fogo. Há concurso material entre o tráfico e o porte ilegal da arma de fogo.

Por quê? Porque os bens jurídicos penalmente tutelados são distintos. No tráfico, a saúde pública. No porte ilegal de arma, a segurança coletiva.

Bom, mas a Lei nova tem gerado controvérsias neste particular. Por quê? Porque colocou o porte ilegal de arma de fogo na categoria de causa especial de aumento de pena desses delitos.

Vamos ver o art. 40, IV: as penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva.

O emprego de violência ou grave ameaça não é elementar do crime de tráfico, mas se houver por parte do traficante o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa, incidirá a causa de aumento de pena do art. 40, IV.

A questão aqui é saber se o emprego da arma que pressupõe porte funcionará tão somente como causa de aumento de pena, ficando o crime do Estatuto do Desarmamento absorvido ou se ainda é possível reconhecer concurso material desses delitos.

Duas orientações já estão sendo debatidas na doutrina e jurisprudência. Uma no sentido de que o tráfico absorve o crime do Estatuto do Desarmamento funcionando o porte ou emprego da arma de fogo como causa especial de aumento de pena, ou seja, o sujeito incidirá nas penas do art. 33 com o aumento previsto no art. 40, IV.

Agora, isso se o porte da arma de fogo tiver a finalidade específica de assegurar o tráfico. Tem que ter relação direta e específica com o tráfico.

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Outros sustentam e a meu ver com razão que a hipótese continua sendo de concurso material de crimes ao argumento de que os bens jurídicos penalmente tutelados são distintos, como já falei.

É concurso material sem prejuízo da causa de aumento do art. 40, IV. O problema é que para muitos o reconhecimento da causa de aumento constituirá um verdadeiro bis in idem.

Por que não constitui? Porque o emprego da arma de fogo não é elementar do tráfico. Agora, essa questão vem sendo uma das mais polêmicas. É o mesmo raciocínio da quadrilha armada e o porte ilegal de arma de fogo. O emprego de arma pela quadrilha não é elementar do tipo.

O que agrava a pena é o emprego da arma. O que constitui crime do Estatuto do Desarmamento é o porte. Empregar é uma coisa, portar é outra.

Outro exemplo, o sujeito rouba ou furta de farmácia onde o sujeito subtrai para revender. É flagrado na revenda. Neste caso, há concurso de crimes? Há concurso entre o roubo e o tráfico de drogas.

Bom, a última referência do art. 33 diz respeito ao fornecimento gratuito o que permite ao intérprete presumir que o crime do art. 33 embora denominado tráfico ilícito de drogas e tráfico é sinônimo de comércio, prescinda para a sua caracterização a finalidade de lucro, porque a Lei incrimina inclusive o fornecimento gratuito.

Vimos na aula passada que o fornecimento gratuito desde que esporádico da droga à pessoa de relacionamento do sujeito para uso compartilhado sujeita o autor às penas do parágrafo 3º do art. 33.

Art. 33, parágrafo 3º: oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

Então, são basicamente três requisitos para o reconhecimento dessa figura típica privilegiada do tráfico. Fornecimento esporádico da droga à pessoa de seu relacionamento. Tem que haver alguma relação entre as pessoas envolvidas no compartilhamento da droga para consumo em comum.

Então, fornecimento esporádico, pessoa de relacionamento do agente e compartilhamento da droga. Ausente um desses requisitos, o crime será o do tráfico do caput do art. 33.

Bom, na vigência da Lei anterior, o induzimento, a instigação, o auxílio ao uso de substância entorpecente constituía figura típica equiparada ao tráfico.

A Lei nova deu uma solução diferente para esse problema. Vamos ver o parágrafo 2º do art. 33: induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

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Então, esses comportamentos sujeitam o agente a penas menos severas. É possível inclusive, neste caso, a suspensão condicional do processo. É cabível por quê? Porque a pena mínima cominada é de um ano.

Bom, há aqui uma questão importante. Na vigência da Lei anterior, a punição do sujeito dependia do efetivo uso da droga pelo terceiro.

Agora, é diferente. Esses comportamentos deverão ser punidos ainda que a pessoa induzida, instigada ou auxiliada não faça efetivamente uso da droga. É instigação ao uso e não a usar!

Essa é uma modalidade de participação que a Lei colocou na categoria de crime autônomo, rompendo com a categoria monista. Aqui, o partícipe que induz, instiga ou auxilia realiza uma conduta autônoma.

Bom, vamos examinar algumas questões relativas ao preceito sancionatório do art. 33 e ao que dispõe o art. 44 da Lei. Primeira consideração que tem que ser feita é que a Lei agravou a pena mínima do tráfico.

Antes, o tráfico, no antigo art. 12, era punido com reclusão de 3 a 15 anos. Hoje, a pena é de 5 a 15 anos de reclusão. É uma Lei nova que agrava a situação do agente. É uma reformatio in pejus.

O parágrafo 4º do art. 33 introduziu uma causa especial de diminuição de pena em matéria de tráfico de drogas.

Parágrafo 4º do art. 33: nos delitos definidos no caput e no parágrafo 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Neste ponto, no que concerne à causa de diminuição de pena no parágrafo 4º do art. 33, a nova Lei de Drogas é Lei penal benigna, porque introduz uma causa especial de diminuição de pena para o tráfico de drogas.

Bom, neste ponto, a nova de drogas retroagirá devendo ser aplicada mesmo aos processos já decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Até então não havia essa especial causa de diminuição de pena.

Aí, surge a seguinte questão. Processo em grau de recurso ou processo já decidido com sentença condenatória já transitada em julgado, crime do art. 12.

Bom, processo em curso, a quem caberá aplicar a Lei penal benigna? Ao Tribunal que couber o julgamento do recurso.

Se a sentença condenatória já tiver transitado em julgado, ainda assim haverá a incidência dessa causa especial de diminuição de pena? Haverá, cabendo o juiz da execução penal aplicá-la. Então, quanto à competência, não há dúvida.

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Bom, vamos figurar o seguinte exemplo. O réu foi condenado à pena de três anos de reclusão. Pena mínima do art. 12. Ora, se a pena aplicada foi a mínima prevista no preceito sancionatório, é porque o réu é primário e de bons antecedentes.

Ele incide na causa de diminuição prevista no parágrafo 4º. Qual a pena que será aplicada ao sujeito neste caso? Sobre esses três anos têm que incidir a diminuição do parágrafo 4º, 1/3 a 2/3.

Qual é o critério do juiz? Não tem critério. A diminuição, penso eu, tem que ser feita pelo máximo de 2/3.

Agora, há quem entenda, a meu ver sem razão alguma, que neste caso a diminuição de pena deve incidir sobre o mínimo de cinco anos previstos no preceito sancionatório do art. 33. Por quê? Porque ainda assim a norma aplicada dessa maneira será benéfica para o réu.

Isso é inadmissível. Por quê? Porque a prevalecer esse entendimento a nova Lei de Drogas estaria retroagindo inclusive na parte que agrava a situação do réu. A pena mínima passaria a ser, mesmo nos crimes anteriores a ele, de cinco anos. Só que a Lei tem que retroagir em favor do réu. Está na Constituição.

Bom, mas aí surge um outro problema que exige mais cuidado ainda. A nova Lei de Drogas proíbe liberdade provisória, proíbe substituição da pena de prisão por restritiva de direito, proíbe sursis, enfim, contém uma série de restrições.

Mas não faz qualquer referência a regime de cumprimento de pena. Vamos ver o art. 44: Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

O art. 44 fala de tudo, mas não fala a regime de cumprimento de pena. Aí, surge a seguinte pergunta que é das mais importantes. Qual é o regime de cumprimento de pena no crime de tráfico?

Bom, o tráfico ilícito de droga é crime assemelhado aos crimes hediondos. Equiparação feita pelo art. 5º, XLIII da Constituição. A Constituição equipara o tráfico, a tortura e o terrorismo aos crimes hediondos.

Bom, até recentemente, a pena por crime hediondo ou assemelhado tinha que ser cumprida em regime integralmente fechado. Era uma exigência da Lei 8.062/90.

Primeiro ponto, crime de tráfico, qual é o sistema do regime de cumprimento de pena? O do Código Penal, art. 33, ou o da Lei dos Crimes Hediondos? Mas isso antes da vigência da Lei 11.464/07 que foi publicada agora recentemente. Ainda vou chegar nessa Lei.

Qual o regime de cumprimento de pena: o do Código Penal ou o da Lei dos Crimes Hediondos? Bom, duas orientações vêm sendo levantadas na doutrina e jurisprudência.

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Primeira, no silêncio da Lei, cabe ao juiz fixar o regime de cumprimento de pena de acordo com o Código Penal. Pelo sistema do Código Penal, pena fixada no mínimo com a redução prevista no parágrafo 4º, qual seria o regime? Aberto.

Por quê? Porque o réu é primário e de bons antecedentes, a pena aplicada não é superior a quatro anos. O regime aqui teria que ser o aberto.

Outra orientação que me parece mais correta é no sentido de que o tráfico é equiparado aos crimes hediondos. Logo, regime fechado para cumprimento integral da pena. Mas isso, repito, antes da Lei 11.464/07.

Bom, o STF, em fevereiro do ano passado, declarou incidenter tantum inconstitucional o regime integralmente fechado por considerá-lo ofensivo aos princípios da individualização e da humanidade da pena.

A nova composição do Supremo mudou o entendimento. Durante dezesseis anos, o Supremo decidiu que não havia inconstitucionalidade no regime integralmente fechado.

Mas a nova composição mudou o entendimento que por maioria declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do regime integral fechado.

Bom, aproveitando, o Ministro da Justiça encaminhou um projeto de Lei ao Congresso propondo, com base nessa declaração de inconstitucionalidade, requisitos especiais para a progressão do regime para os crimes hediondos e assemelhados.

Ele propôs mais, ele propôs a supressão da proibição da liberdade provisória. Está expresso na exposição de motivos. Bom, a partir desse projeto, o Congresso elaborou a Lei 11.464/07. Essa Lei altera a redação do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos.

Primeira, modificação foi no parágrafo 1º do art. 2º. Onde estava escrito “cumprido em regime integralmente fechado”, leia-se agora “inicialmente em regime fechado”.

Há requisitos específicos para a progressão do regime para crimes hediondos e assemelhados. Há progressão está na nova redação do parágrafo 3º.

Assim, a progressão exigirá cumprimento de 2/5 da pena, se o condenado for primário e de 3/5 se o condenado for reincidente.

Aí, veja bem, crime da Lei de Drogas. Crime de tráfico praticado antes da entrada em vigor da Lei 11.464/07. Deve-se entender que a pena deve ser cumprida, neste caso, em regime inicialmente fechado.

Quanto tempo de pena o condenado terá que cumprir para obter a progressão? É crime anterior à Lei 11.464. Tem que cumprir 1/6. Por quê? Porque neste caso a Lei 11.464/07 é mais gravosa e só se aplicam aos crimes ocorridos na sua vigência.

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Então, os condenados nos crimes dos arts. 12 e 33 até 29 de março terão que cumprir 1/6 da pena para obter a progressão. A partir da vigência da Lei nova, 2/5 se primário e 3/5 se reincidente.

Agora, o Supremo não vai retroceder, na vai mudar de opinião para dizer que não há inconstitucionalidade no regime cumprido integralmente fechado.

A idéia é o Supremo editar súmula vinculante dizendo que o regime integralmente fechado viola a Constituição. Mas vejam, em tese, a decisão do Supremo que declarou a inconstitucionalidade foi proferida incidentalmente.

Essa decisão só produz efeito concreto no processo em que foi proferido. Mas, hipoteticamente, se o Supremo retroceder para dizer que não há nenhuma inconstitucionalidade no regime integralmente fechado, neste caso, quanto tempo de pena o condenado terá que cumprir para obter a progressão? 2/5 se primário e 3/5 se reincidente.

Os MP’s continuam recorrendo de decisões que deferem a progressão para crimes anteriores à Lei.

Há um outro problema. O Supremo, a jurisprudência sempre entendeu em orientação amplamente dominante que eram incabíveis o sursi e a substituição de pena prevista no art. 44 do Código Penal em se tratando de condenação por tráfico ao argumento de que a pena, neste caso, teria que ser cumprida em regime integralmente fechado.

Essa era a orientação do Supremo anterior à decisão que declarou a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado.

Bom, o Supremo, depois de declarar a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, passou a admitir no tráfico o sursi, desde que preenchidos os requisitos do art. 77 do Código Penal e a substituição de pena do art. 44.

A nova Lei de Drogas proíbe tanto o sursi quanto a substituição de pena do art. 44 em relação ao tráfico. É uma orientação contida no parágrafo 4º do art. 33 e no art. 44.

Neste particular, ao proibir o sursi e a substituição de pena, a Lei de Drogas é Lei gravosa. Então, só incidirá em relação aos crimes praticados na sua vigência.

No tocante aos crimes anteriores, a prevalecer o entendimento do Supremo, será possível o sursi e a substituição de pena.

Logo vai surgir polêmica acerca da constitucionalidade dessas proibições.

Bom, alguma pergunta. Até semana que vem.

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3ª aula – 21/05/2007

Bom, hoje, vamos falar sobre o art. 34. Na aula passada, finalizei o estudo do art. 33 examinando a questão atinente à diminuição de pena prevista no parágrafo 4º.

Falei sobre as controvérsias existentes acerca do regime de cumprimento de pena no crime de tráfico do art. 33. Vamos falar hoje sobre o art. 34 que corresponde ao crime do art. 13 da antiga Lei 6.368/76. É o chamado tráfico de maquinário destinado a fabricação de drogas.

Art. 34: fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

O objeto material desse crime é qualquer maquinário, qualquer objeto destinado ao fabrico, produção ou preparação de drogas. Notem que não há, a rigor, maquinário e objetos que tenham essa destinação exclusiva de fabricar drogas.

Qualquer instrumento de laboratório é de utilização, em regra, lícita que pode ser empregado para esse fim de fabricar, produzir, preparar ilicitamente drogas.

A caracterização desse delito do art. 34 exige, portanto, essa especial finalidade de agir do sujeito ativo. O sujeito ativo empregará à máquina para o fim de produzir drogas ilícitas.

Ausente essa especial finalidade, o fato será tido como atípico, porque esses objetos em regra têm destinação lícita. Portanto, para a caracterização desse delito, é preciso ter provas sobre a finalidade do emprego ilícito.

O crime aqui é formal. É crime de antecipação antecipada. O crime se consuma independentemente do fabrico, preparação ou produção da droga.

Aí, surge a seguinte questão: sujeito flagrado mantendo um laboratório clandestino montado para a extração de substrato de cocaína, havendo apreensão dessa droga no local. Há apreensão do maquinário utilizado para a destilação da droga e arrecadação de droga no local.

Neste caso, há duas condutas típicas, duas condutas penalmente relevantes identificadas no fato. Condutas dos arts. 33 e 34. Hipótese de concurso de crimes ou crime do art. 33 que é o tráfico de drogas propriamente dito?

Concurso de crimes ou absorção do crime do art. 34 pelo art. 33? Na vigência da Lei anterior, prevalecia o entendimento no sentido de que o crime do antigo art. 12, atual art. 33, absorve o do art. 13, hoje art. 34.

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Vale dizer que o crime a ser considerado aqui é o mais grave, ou seja, tráfico ilícito de drogas, crime do art. 33. É como se o crime do art. 34 fosse subsidiário em relação ao art. 33. Não seria nem propriamente absorção e sim subsidiariedade.

Deve o juiz, nesses casos, considerar as condutas típicas do art. 34 quando da fixação da pena, ou seja, a caracterização desse fato justifica a exacerbação da pena.

Por outro lado, haverá necessidade da apreensão e perícia do maquinário. Perícia destinada à comprovação de que a máquina apreendida é apta ao fabrico, produção ou preparação de drogas.

Bom, e a apreensão de instrumentos a ser utilizada no consumo da droga? Esse comportamento caracteriza o crime do art. 34? Não. O crime do art. 34 exige para a sua configuração essa especial finalidade de agir. Esse fato em relação ao tipo do art. 34 não tem relevância penal.

Por fim, sobre o crime do art. 34 é saber se esse delito é equiparado aos crimes hediondos. Essa questão ainda tem não só importância teórica, mas também relevância prática.

A questão é saber se esse crime se sujeita à disciplina da Lei 8.072/90. Na vigência da Lei anterior, prevalecia na doutrina o entendimento de que sim, ou seja, o crime do art. 34 é equiparado aos crimes hediondos, sujeitando-se à disciplina da Lei 8.072/90.

Há outros, na doutrina e nos tribunais, defendendo posicionamento diverso. Há outros sustentando que equiparado aos crimes hediondos é o tráfico ilícito de drogas e não o tráfico ilícito de maquinário destinado ao fabrico da droga.

As duas orientações são sustentadas. O STF não teve, a rigor, oportunidade de se posicionar especificamente sobre o crime do antigo art. 13.

Mas na jurisprudência, à época da Lei 6.368, era tranqüilo o entendimento de que só o tráfico ilícito de drogas se sujeita à disciplina da Lei dos Crimes Hediondos. Esse entendimento deve prevalecer.

Por quê? Porque o crime do art. 34 não se trata de tráfico ilícito de drogas. O objeto material dessa conduta não é propriamente a droga, é o instrumento a ser empregado para a preparação ou produção de entorpecente.

Pergunta de aluno.

Resposta: é doloso. Aliás, todos os crimes da Lei 11.343/06 são punidos a título de dolo, salvo o crime culposo do art. 38. Não há modalidade culposa em relação aos demais delitos. Só o crime do art. 38 é punível a título de culpa.

Art. 35 corresponde ao antigo art. 14. Algumas questões sobre o art. 14 têm que ser abordadas para permitir uma melhor compreensão do art. 35.

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Bom, estava pacificado no STF o entendimento de que o art. 14 da Lei de Tóxicos havia sido derrogado. Vale dizer que foi revogado em parte pelo art. 8º da Lei 8.072/90.

Estava em vigor a descrição típica do art. 14 que corresponde exatamente a do atual art. 35. Estava revogado o preceito sancionatório. Esse comportamento na vigência da Lei anterior era punido com as penas previstas no art. 8º.

Era uma verdadeira combinação de leis Penais. Descrição típica do art. 14 e pena do art. 8º. Neste particular, é importante relembrar que a Lei de Crimes Hediondos foi considerada Lei Penal benéfica. Por quê? Porque diminuiu a pena cominada para o crime do art. 14.

As penas do art. 14 variavam entre três e dez anos de reclusão. O art. 8º estabeleceu penas de três a seis anos de reclusão. Bom, o atual art. 35 estabelece a pena que a Lei 6.368 cominava para a associação para o tráfico. A pena prevista no sentido art. 35 é de três a dez anos de reclusão.

Então, neste ponto, a nova Lei de Drogas agrava a punição do autor desse comportamento. Logo, o preceito sancionatório do art. 35 só se aplica aos crimes de associação para o tráfico ocorridos na vigência da Lei nova.

Mas aqui há uma particularidade a ser considerada. Cuidado com isso em prova. O crime do art. 35 corresponde ao crime do art. 14. As penas cominadas para o art. 35 são mais graves do que as previstas no art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos.

Mas esse crime do art. 35 é crime permanente. A associação para fins de tráfico é crime permanente. Vale dizer que esse crime estará se consumando enquanto perdurar a associação ilícita.

É possível inclusive que a consumação desse crime tenha se iniciado na vigência da Lei anterior, quando ainda em vigor a antiga Lei 6.368.

Mas se o crime ainda estiver em consumação e for descoberto já na vigência da Lei nova, as penas a serem aplicadas serão as do art. 35. Tudo de acordo com a Súmula 711 do Supremo.

Bom, o que configura a associação para o tráfico? O que caracteriza o crime do art. 35? Na vigência da Lei anterior, era tranqüilo o entendimento de que a caracterização para a associação para o tráfico exige o vínculo associativo de fato dissociado dos crimes efetivamente praticados.

Esse vínculo associativo tinha que ser mais ou menor estável ou permanente voltado para a prática dos crimes dos arts. 33 e seguintes. Notem bem, a caracterização do crime do art. 14 exigia prova da existência de vínculo associativo mais ou menos estável ou permanente, tal qual sucede o crime de quadrilha ou bando.

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Havia na vigência da Lei anterior como causa especial de aumento de pena a associação para prática do delito. Era causa de aumento de pena do art. 18, III da Lei 6.368/76.

Então, havia essa diferença na vigência da Lei anterior. Crime do art. 14: associação estável ou permanente para prática dos crimes relacionados ao tráfico de drogas. Causa especial de aumento de pena do art. 18, III: concurso eventual, concurso esporádico de pessoas.

A nova Lei de Drogas não reproduziu no seu texto essa causa especial de aumento de pena decorrente da associação que constava no art. 18, III da Lei antiga. Não há no rol do art. 40 da Lei nova qualquer referência à associação como causa de aumento de pena.

Neste particular, a nova Lei de Drogas ao suprimir a causa de aumento de pena decorrente da associação é Lei benigna que retroagirá para alcançar mesmo os processos decididos com sentença condenatória transitada em julgado.

Na vigência da Lei nova, o que se deve entender como associação para o tráfico? Aqui, duas orientações são possíveis. A primeira é a orientação que me parece a mais correta diz que a caracterização desse crime exige prova sobre a existência de vínculo associativo de fato. Exige prova acerca da estabilidade ou permanência da associação.

Esse, inclusive, é o sentido do verbo associar-se. Associação tem caráter de alguma estabilidade, alguma permanência, não caracterizando um encontro ocasional de pessoas que a partir daí pretendam realizar um comportamento.

Associação pressupõe estabilidade, permanência. Pressupõe projeção desse vínculo associativo de fato no tempo.

A outra orientação já defendida hoje por muitos é de que tendo a Lei suprimido a causa de aumento de pena de associação, o reconhecimento da caracterização do crime do art. 35 dispensa a prova da estabilidade ou permanência.

Então, esse crime do art. 35 se caracterizaria pelo simples concurso esporádico, concurso eventual, concurso transitório de pessoas. O caput do art. 35 fala na prática reiterada ou não dos crimes do art. 33.

Art. 35.  Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

O artigo fala em praticar reiteradamente ou não. Essa orientação não deve prevalecer, mas há quem a sustente.

Agora, há um problema em se admitir essa segunda orientação, apesar do texto do art. 35, apesar da supressão do aumento de pena. É que o crime do art. 35 a exemplo do crime do art. 14 é formal. É crime de consumação antecipada.

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Esse crime, em tese, se consuma independentemente da prática dos crimes de tráfico projetados pela associação criminosa. É crime formal de consumação antecipada.

O legislador pune aqui não é propriamente o fato de duas pessoas ou mais terem se associado na prática do delito. O que o legislador pune é o fato de duas ou mais pessoas terem se associado para a prática de delitos de tráfico de droga.

A prevalecer esse segundo entendimento, ou seja, de que o simples concurso de pessoas caracteriza o crime do art. 35, não seria possível reconhecer a sua configuração senão quando efetivamente realizados os atos de tráfico.

Vai prevalecer com absoluta certeza o mesmo entendimento que vigorava na vigência da Lei anterior, ou seja, a associação exige estabilidade ou permanência.

A rigor, qual é a distinção entre o crime de associação para o tráfico do art. 35 e o crime de quadrilha ou bando do art. 288 do Código Penal?

Há duas diferenças fundamentais. É que a configuração do crime do art. 35 exige associação estável ou permanente entre, no mínimo, duas pessoas. A expressão “quadrilha” é largamente usada na jurisprudência, mas absolutamente imprópria para designar o crime do art. 35. Então, a rigor, não se deve falar no crime de quadrilha.

Por quê? Porque quadrilha pressupõe quatro. É associação entre quatro ou mais pessoas para o fim de praticar número indeterminado de crimes.

Esse crime do art. 35 não é propriamente crime de quadrilha porque se caracteriza pela associação de no mínimo duas pessoas. Então, o nome correto é associação para o tráfico ou associação para fins de tráfico.

Agora, nesse ponto, são incluídos inclusive os inimputáveis. No cômputo do número de integrantes da quadrilha ou associação, estão incluídos os inimputáveis.

Qual é a outra distinção básica entre esses crimes? Diz respeito ao elemento subjetivo do tipo, a especial finalidade de agir. Qual é a especial finalidade de agir em se tratando do crime do art. 35? A prática reiterada ou não dos crimes dos arts. 33 e 34. É a associação direcionada para esse fim.

Agora, qual é a especial finalidade de agir que move os quadrilheiros? A prática de um número indeterminado de crimes. E quando se tratar de quadrilha ou associação voltada para a prática do tráfico de drogas e outros delitos como roubo, extorsão mediante seqüestro, homicídios e outros, qual é o crime a ser considerado? São finalidades plúrimas e uma só organização criminosa.

O crime do art. 35. É o crime da Lei especial que inclusive é punido mais severamente. É possível falar nesse caso em concurso material? Não. Por quê? Porque a quadrilha, a associação é uma só. Os fins que movem a associação ou os

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quadrilheiros é que são plúrimos. A finalidade é diversa, mas dentro da associação criminosa.

E se os associados efetivamente realizarem atos de traficância? E se os membros da associação vierem a praticar os crimes dos arts. 33 e 34, qual é a solução neste caso? A solução tranqüila é reconhecer o concurso material entre o crime de consumação antecipada, crime formal do art. 35 (associação para o tráfico) e o crime ou crimes de tráfico dos arts. 33 ou 34.

E se ao final do processo não restar comprovada a denúncia imputando aos acusados a prática do concurso material dos crimes dos arts. 35 e 33? Réu incurso nas penas dos arts. 35 e 33 na forma do art. 69 do Código Penal.

E se ao final do processo não tiver ficado comprovada a estabilidade ou permanência da associação? Aí, os réus poderão, se for o caso, ser condenados pelo crime do art. 33. Não há mais a possibilidade de exacerbação da pena pelo tráfico em decorrência da associação. A Lei nova suprimiu essa possibilidade.

O concurso de pessoas pode até ser considerado como circunstância judicial para exacerbar a pena-base, mas não funcionará mais como causa de aumento de pena.

Bom, examinamos o caput do art. 35. Vamos falar agora sobre o parágrafo único.

Parágrafo único do art. 35: nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

É uma forma estranha de legislar. O art. 35 define como crime a associação para o tráfico. O parágrafo único define um crime autônomo de associação. Associação para a prática do financiamento ou custeio do tráfico. É tipo penal autônomo do art. 36.

Vamos ver o art. 36: financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

Trata-se de financiar o tráfico ou o maquinário para preparação de drogas. Vamos falar mais a frente sobre o crime do art. 36 que é uma exceção pluralística à teoria monista consagrada pelo art. 29 do Código Penal.

Na vigência da Lei anterior, quem custeava o tráfico incorria nas penas do crime do art. 12. Esses comportamentos eram considerados típicos à luz do antigo art. 12, sujeitando o agente às penas do tráfico.

A Lei nova colocou essas condutas na categoria de crime autônomo, crime punido mais severamente do que o próprio tráfico. Qual é a pena que a Lei prevê no art. 36? Reclusão de oito a vinte anos.

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Então, esse crime do art. 36, financiamento do tráfico, é mais grave do que o crime de tráfico propriamente dito do art. 33.

Bom, mas a configuração do crime autônomo de associação para o custeio ou financiamento do tráfico, diferentemente do que sucede no crime de associação do caput, exige provas da finalidade da prática reiterada do crime do art. 36.

Vamos reler o parágrafo único do art. 35: nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

Prática reiterada do crime do art. 36. É a associação estável ou permanente para a prática reiterada do financiamento ou custeio do tráfico.

Agora, essa diferença pode ser explicada da seguinte forma. O crime do art. 36 exige habitualidade. É o financiamento ou custeio habitual. Tem que ter prova da habitualidade.

Esse crime do art. 36, crime autônomo de financiamento ou custeio do tráfico, é de natureza habitual, ou seja, a sua configuração exige a prática reiterada desses atos de financiamento ou custeio.

Outros consideram esse crime do art. 36 instantâneo, ou seja, um só ato de custeio ou financiamento caracteriza o crime do art. 36. Então, duas orientações são possíveis.

Uma orientação se baseia na redação do parágrafo único do art. 35: prática reiterada para a caracterização da figura típica. Outros sustentam que a figura típica é instantânea. Um só ato de financiamento ou custeio faz com o sujeito incida nas penas do art. 36.

Agora, outro aspecto aqui tem que ser considerado. Para os que sustentam que o crime é habitual, o ato isolado de custeio ou financiamento caracterizará participação no crime do art. 33.

A conduta não será evidentemente atípica. A conduta será típica por subordinação indireta em virtude da norma do art. 29 do Código Penal.

Agora, vamos ver o art. 40, VII: as penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços se o agente financiar ou custear a prática do crime.

O art. 40 trata de causas de aumento de pena aplicáveis aos crimes dos arts. 33 a 37. Bom, o financiamento ou custeio do tráfico é considerado crime autônomo, crime do art. 36, e funciona também como causa de aumento de pena.

É possível a co-existência do crime autônomo do art. 36 com essa causa especial de aumento de pena? Evidentemente que não, sob pena de bis in idem.

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Bom, então quando incidirá essa causa de aumento de pena? Essa causa de aumento de pena tem os mesmo verbos que integram a figura típica do art. 36. Então, quando a causa de aumento incidirá?

Os autores que escreveram sobre esse assunto que são poucos sustentam esse posicionamento. Bom, essa causa de aumento de pena somente incidirá quando não estiver configurado o crime autônomo do art. 36 que exige a habitualidade.

É fácil. A causa de aumento de pena dentro dessa linha de raciocínio somente incidirá quando não tiver configurado o crime do art. 36, crime autônomo que exige habitualidade.

Esse é mais um dos argumentos utilizados por aqueles que sustentam que o crime do art. 36 é habitual. Se não houver habitualidade, caso se trate de financiamento ou custeio esporádico, ocasional, o agente estará incurso nas penas do art. 33 com o aumento previsto no art. 40, VII.

Não haverá o reconhecimento do crime autônomo e o sujeito que custeou ou financiou o tráfico estará incurso nas penas do art. 33 com o aumento previsto no art. 40, VII.

Agora, por que isso é um absurdo? Por que não se pode admitir o concurso entre o crime autônomo do art. 36 e a causa de aumento de pena do art. 40, VII? Pelo princípio do non bis in idem.

Presta atenção: qual é a conduta típica do art. 36 que o sujeito pratica nesses casos? O custeio ou financiamento do tráfico. Essa é a conduta típica. Ora, se essa é a conduta típica do art. 36, essa mesma conduta não pode ser considerada depois para justificar a exacerbação da pena.

Assim, como está na Lei, essa causa de aumento de pena é inaplicável, porque ou estará configurado o crime do art. 36 e o sujeito será punido pela prática desse crime autônomo, haja ou não a existência da habitualidade, ou esse comportamento será punível com base no art. 33 sendo que a conduta típica aqui é o auxílio.

Qual auxílio? Custeio ou financiamento. Se essa conduta é a conduta típica, não pode ser usada para o aumento da pena.

Bom, falamos então sobre os arts. 35 e 36. Outro crime novo é o crime do art. 37.

Art. 37: colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

Informante é quem transmite informações a terceiros. A colaboração aqui se dá sob a espécie da informação. Esse informante pode ser servidor público, por

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exemplo, policial que dê à organização criminosa informações sobre a atividade de prevenção e repressão do delito, ou o particular.

Agora, eu tenho uma visão um pouco diferente da que vem sendo sustentada por aqueles que estão escrevendo sobre o assunto. Informante aqui é o que dá a informação. O fogueteiro que fica soltando fogos para avisar a chegada da polícia não é informante, a meu ver, que trata o art. 37. Esse sujeito fogueteiro, a meu ver, é partícipe do crime do art. 33.

Então, sobre o fogueteiro, há duas orientações. Primeira, é participação no crime do art. 33. Segunda, crime autônomo do art. 37. Mas eu tenho dificuldade de enquadrar essa conduta no art. 37. Temos que esperar a jurisprudência definir essa controvérsia.

Bom, agora, art. 38. É o crime culposo. O art. 38 corresponde ao antigo art. 15. Só que aqui o legislador, penso eu, por equívoco, não fez referência à qualidade especial do sujeito ativo dessas condutas, mas indiretamente faz no parágrafo.

Art. 38: prescrever ou ministrar, culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) dias-multa.

São duas as condutas típicas a luz do art. 38: prescrever e ministrar. Prescrever é receitar, é indicar mediante receita. A prescrição de que trata o art. 38 é chamada de prescrição irregular. A prescrição regular é feita para fins terapêuticos. Ministrar é inocular, é introduzir no organismo.

Quem é o sujeito ativo desses comportamentos típicos do art. 38? Na vigência da Lei anterior (e essa certamente vai ser a orientação agora com base na nova Lei), estava pacificado o entendimento de que a conduta de prescrever é típica do médico e do dentista.

Por quê? Porque somente o médico e o dentista têm habilitação profissional para prescrever drogas. Questão polêmica: e o veterinário? O veterinário não pode prescrever para o ser humano.

Então, o veterinário, se prescrever a droga, incorrerá nas penas do art. 12. A prescrição será dolosa. Por quê? Porque o veterinário sabe que não tem habilitação profissional para a prática dessa conduta.

E quanto ao ministrar? O ministrar do art. 15 é conduta do médico, dentista, farmacêutico ou profissional de enfermagem. Outra coisa, embora seja comum, o farmacêutico não tem habilitação profissional para prescrever drogas. Prescrição é ato do médico ou do dentista.

E se o médico a pedido do paciente fizer a prescrição irregular e for flagrado já depois de emitir a receita, mas antes de entregá-la ao seu destinatário, será hipótese do art. 38? É o caso em que a receita irregular é apreendida no consultório médico. Não é hipótese do art. 38.

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É hipótese do art. 33? Não, por quê? Porque o crime foi culposo, foi prescrição irregular. A hipótese é de tentativa do crime do art. 38? Não, porque não há tentativa de crime culposo. Então, esse fato é atípico. O fato é penalmente irrelevante.

A prescrição se consuma no momento em que o médico entrega a receita ao paciente. Enquanto não for efetivada a entrega, o crime estará em fase de execução. Como não há tentativa de crime culposo, não é possível punir essa conduta.

Por que não há tentativa de crime culposo? Porque na tentativa, o resultado não sobrevém por circunstâncias alheias à vontade do agente. Essa vontade é direcionada à prática de uma conduta penalmente relevante.

Aqui, não. Aqui, a vontade desse agente não é direcionada à prática de um comportamento típico. Logo, não se pode cogitar de tentativa de crime culposo.

Bom, esse crime do art. 38 se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Parágrafo único do art. 38: o juiz comunicará a condenação ao Conselho Federal da categoria profissional a que pertença o agente.

Embora o caput do art. 38 não faça menção à qualidade especial do sujeito ativo, o parágrafo único dá a entender que se trata de crime próprio, porque a condenação será comunicada ao Conselho Federal da profissão exercida pelo réu.

Para finalizar, médico com registro profissional suspenso que prescreva drogas pratica o crime do art. 33. Por quê? Porque o médico está com a sua habilitação profissional suspensa.

Para finalizar o estudo dos crimes, o estudo do art. 39. Art. 39: conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

O verbo é conduzir embarcação ou aeronave. O elemento modal do tipo é: após o consumo de drogas. Essa redação, a meu ver, é infeliz. A Lei fala em conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas.

Em uma interpretação rigorosa do tipo, é atípica a luz do art. 39 a conduta da embarcação ou aeronave fazendo uso da droga, porque aqui se fala em após o consumo.

Não conheço ainda jurisprudência sobre o tema. A maioria dos doutrinadores não examina o tipo do art. 39. Essa questão está esquecida.

Agora, há aqui uma solução. Quando o sujeito está usando, a rigor, essa conduta é atípica. Mas quando está usando, ele está sistematicamente consumindo. Então, ele está conduzindo após ter feito uso de parte da droga.

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O consumo é contínuo. Não é preciso que o sujeito tenha fumado todo cigarro de maconha a sua disposição ou ingerido qualquer outra droga na sua totalidade. Essa é a única interpretação possível para salvar esse tipo.

Mas o pior nem é isso. Fora a péssima redação do tipo, ainda há um outro questionamento. Qual é a pena que a Lei prevê para essa conduta? Detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.

A pena que a Lei prevê para o crime do art. 39 é a mesma pena prevista no art. 306 do Código de Trânsito. É a chamada embriaguez ao volante. Qual é o raciocínio que o Luiz Flávio Gomes faz?

O parágrafo único do art. 291 da Lei 9.503/97, Código de Trânsito, admite transação penal no crime do art. 306. O crime do art. 306 não se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Por quê? Porque a pena máxima cominada para esse crime é de três anos de detenção. Mas não obstante isso, embora não seja de menor potencial ofensivo, a Lei admite a transação pena.

Para o Luiz Flávio Gomes, deve-se empregar aqui a analogia in bona partem. Sendo possível a transação no crime de embriaguez ao volante, deve-se admiti-la também no crime do art. 39.

É um raciocínio até inteligente. Mas nós estamos falando aqui de embarcação e aeronave. A potencialidade lesiva dessa conduta é muito maior do que a relacionada à embriaguez ao volante. Mas fica aí o registro de que há quem sustente a possibilidade neste caso de transação penal.

Agora, há aí a previsão de aumento de pena. É o parágrafo único. Parágrafo único: as penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.

Se o veículo for para transporte coletivo de passageiros, a pena máxima passa para seis anos, o que afasta a meu ver o emprego da analogia.

Agora, justifica-se a pena mais grave se o veículo, ainda que destinado ao transporte coletivo de passageiro, não estiver transportando ninguém? Só se justificará essa pena mais severa se houver ao menos um passageiro no veículo? As duas orientações são possíveis.

Quando a Lei fala em transporte coletivo, ela está levando em conta a maior potencialidade lesiva da conduta. Se não há passageiro, não se justificaria a pena mais grave.

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Mas outros vão dizer que não, porque a Lei não fala em veículo transportando passageiro, fala em condução de veículo de transporte de passageiro.

Vamos falar sobre o art. 44 que estabelece uma série de restrições para alguns crimes dessa Lei.

Art. 44: os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Sobre a vedação do sursis e da substituição de pena, eu falei na aula passada que o Supremo vem admitindo essa substituição de pena no tocante aos crimes anteriores à Lei nova, partindo da premissa que o regime integralmente fechado viola a Constituição.

Então, a jurisprudência do Supremo hoje é no sentido de que, em relação aos crimes da Lei 6.369, anteriores à Lei 11.343, em tese, é possível mesmo em se tratando de tráfico o sursis e a substituição de pena do art. 44 do Código Penal.

Até aqui, já havíamos falado na aula passada. Mas há aqui uma questão nova. É que a Lei de Tóxico, com uma redação diferente, reproduz no tocante à liberdade provisória a vedação que se continha até pouco tempo na Lei dos Crimes Hediondos.

A Lei dos Crimes Hediondos proibia a liberdade provisória com ou sem fiança. É uma vedação que constava no art. 2º da Lei 8.072/90. Ocorre que recentemente a Lei dos Crimes Hediondos foi alterada. Ela foi alterada pela Lei 11.464/07. Essa Lei 11.464/07 suprimiu a proibição da liberdade provisória.

Qual é o problema que essa Lei nova trouxe? Isso vem sendo discutido no dia a dia. O problema é o seguinte: hoje, é possível, nos crimes hediondos, liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único.

Qual é o dever de natureza processual que a liberdade provisória do art. 310, parágrafo único impõe ao réu? Dever de comparecer a todos os atos do processo.

Então, é possível, doravante a vigência da modificação da Lei de Crimes Hediondos, nestes casos, a liberdade provisória. Aí surgiu a seguinte questão.

Essa Lei 11.464 alterou a Lei dos Crimes Hediondos que trata, na verdade, dos crimes hediondos e assemelhados. A questão aqui é saber se, em relação ao tráfico, subsiste a vedação imposta pela nova Lei de Drogas ou se essa nova vedação foi revogada pela Lei 11.464/07.

São duas as orientações. A primeira diz que, neste ponto, a nova Lei de Tóxicos foi tacitamente revogada pela 11.464/07. Por quê? Porque a Lei 8.072 se aplica aos crimes hediondos, ao tráfico, à tortura e ao terrorismo.

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No caput do art. 2º, há expressa referência ao tráfico ilícito de drogas. Logo, doravante no tráfico, é possível a liberdade provisória do art. 310, parágrafo único.

São dois os argumentos: sucessão de leis no tempo e princípio da especialidade. O princípio da especialidade é usado para explicar a outra orientação.

Outros vêm defendendo que subsiste a proibição de liberdade provisória no tráfico pelo princípio da especialidade. É que a Lei 11.343 trata especificamente da prevenção e repressão ao uso e tráfico ilícito de drogas.

Seria Lei especial que afastaria a incidência da outra Lei que é genérica. Só que essa outra Lei não é genérica. É também especial. Então, é mais uma confusão.

A tendência é o Supremo decidir que no tráfico é possível a liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único.

Aliás, pelo que consta da decisão do Supremo no tocante à inconstitucionalidade do Estatuto do Desarmamento, para o Supremo, lei ordinária não pode proibir a liberdade provisória. A liberdade provisória seria sempre possível.

Bom, para fechar, vamos ver o parágrafo único do art. 44: nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.

É mais uma norma penal benigna da nova Lei de Tóxicos. A nova Lei de Tóxicos exige, para o livramento condicional em matéria de tráfico, o cumprimento de 2/3 da pena e não ser o condenado reincidente específico.

Agora, esse reincidente específico da Lei especial é o reincidente na prática do tráfico, ou seja, houve uma mitigação do rigor da Lei penal.

No sistema dos crimes hediondos, o livramento exige cumprimento de 2/3 da pena e não ser o condenado reincidente específico em qualquer crime hediondo ou assemelhado.

Aqui, para o livramento, basta que o condenado não seja reincidente no tráfico. Ele pode ser reincidente em outro crime de natureza hedionda que não haverá óbice para o livramento no tocante ao tráfico.

Certamente, surgirão vozes sustentando que essa exigência, para que haja tratamento uniforme aos crimes hediondos e assemelhados, deve ser estendida a outros delitos. Isso não tem cabimento, mas certamente será sustentado.

Agora, outro aspecto relevante de natureza penal da nova Lei de Drogas. A nova Lei manteve a causa de exclusão da culpabilidade relativa à dependência toxicológica.

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Veja bem, a dependência química ou toxicológica é considerada pela Organização Mundial da Saúde uma perturbação da saúde mental, uma doença mental. Não se pode, de forma alguma, confundir dependência com vício. A dependência é perturbação da saúde mental, é doença.

Aqui, o legislador, no tocante à dependência, seguiu o critério biopsicológico normativo da antiga Lei de Tóxicos no art. 19 e do art. 26 do Código Penal.

O afastamento da culpabilidade, a inimputabilidade não decorre simplesmente da dependência, decorre do fato de a dependência, ao tempo do crime, ter subtraído por completo a capacidade de entendimento e de autodeterminação do agente.

É o critério biopsicológico normativo consagrado pelo art. 45 da Lei, semelhante ao art. 19 da Lei 6.368/76.

Art. 45: é isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

É a dependência que suprime a capacidade de entendimento. Neste caso, o réu é isento de pena qualquer que tenha sido o crime praticado.

Penso eu que deve prevalecer, neste ponto, o entendimento tranqüilo a respeito do art. 19 da antiga Lei de Tóxicos: qualquer que tenha sido o crime praticado da Lei de Drogas, inclusive o tráfico.

Por quê? Porque quando se tratar de outro crime praticado pelo dependente sem capacidade de entendimento, incidirá o sistema do art. 26 do Código Penal, ou seja, o dependente se sujeitará à medida de segurança.

Agora, o que há de diferente na Lei nova, penso eu é o seguinte. Na vigência da Lei anterior, nesses casos, o juiz tinha que se absolver o réu submetendo a tratamento médico especializado.

É o que constava dos arts. 19 e 29 da Lei 6.368. Era sentença absolutória imprópria. O juiz absolvia, mas submetia o réu a tratamento médico.

Alguns, inclusive, consideravam esse tratamento médico como uma medida de segurança. Outros consideravam uma medida de segurança sui generis porque não tinha prazo mínimo de duração. Outros consideravam uma medida curativa.

Bom, qual é a novidade? A novidade, penso eu, é que o juiz não está obrigado, nesses casos, a absolver o réu para tratamento médico. Diz o parágrafo único do art. 45 que o juiz poderá encaminhar o réu a tratamento médico especializado.

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Parágrafo único do art. 45: quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

Diz poderá. Não sei se a jurisprudência vai entender aqui esse poderá como deverá ou se será considerada como faculdade deferida pela Lei ao magistrado.

Agora, se a dependência apenas tiver diminuído a capacidade de entendimento? Aí, será caso de diminuição de pena prevista no art. 46.

Bom, alguma dúvida?

Pergunta de aluno.

Resposta: não, não há medida de segurança nos crimes da Lei de Tóxicos, porque a Lei prevê, para a dependência, um tratamento penal específico.

Mas isso para o dependente acusado de crime da Lei de Tóxicos, porque o dependente químico pode realizar um outro fato típico, como roubo ou homicídio e, neste caso, o dependente é doente mental sujeitando-se à medida de segurança.

Esse tratamento médico que a Lei nova prevê no parágrafo único e que na vigência da Lei anterior era obrigatório é reservado ao dependente que tenha praticado crime da Lei de Drogas. É um tratamento especial.

O dependente na prática de outros crimes se enquadra no art. 26 do Código Penal.

Bom, vamos ficar por aqui. Continuamos na próxima aula.

Não houve aula em 28/05/2007

4ª aula – 04/06/2007

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Bom, hoje, vamos terminar o estudo sobre a Lei de Drogas e começar a falar sobre a Lei de Tortura. Vamos falar sobre o procedimento, sobre os aspectos processuais da Lei 11.343.

Vamos analisar o procedimento a ser observado no processo e julgamento dos crimes da Lei 11.343/06. O procedimento está previsto a partir do art. 48. Relembro que há crimes na Lei de Drogas que se enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Esses crimes, cuja pena máxima não excede dois anos, são processados e julgados no âmbito da competência do juizado especial criminal com a observância do procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.

O procedimento especial da Lei 11.343 será observado no processo e julgamento do tráfico e condutas assemelhadas.

Bom, então, vamos começar pela fase pré-processual, fase do inquérito policial. O prazo para conclusão do inquérito nos crimes da Lei 11.343 está no art. 51. Prazo de 30 dias se o indiciado estiver preso em flagrante e preventivamente.

A qual juízo deverá ser encaminhado o inquérito policial estando o indiciado preso? São duas as hipóteses. Se o indiciado estiver preso em virtude de flagrante, o inquérito deverá ser encaminhado ao juízo que tiver recebido a comunicação da prisão.

A comunicação da prisão em flagrante previne a competência do juízo para a ulterior ação penal. No caso de haver mais de um juízo com competência em matéria criminal, a prevenção se dará pela precedência da distribuição.

No caso de prisão preventiva, o inquérito deverá ser encaminhado ao juízo que a houver decretado. Neste particular, é importante perceber que a Lei Anti-Drogas equiparou o prazo para conclusão do inquérito na hipótese de indiciado preso em flagrante ao prazo da prisão temporária.

Por quê? Porque o prazo da prisão temporária no tráfico é de 30 dias conforme dispõe hoje o parágrafo 3º do art. 2º da Lei 8.072/90.

Bom, e se o indiciado estiver solto? A autoridade policial terá 90 dias para concluir o inquérito. Esses prazos de 30 dias para indiciado preso e 90 dias para indiciado solto podem ser duplicados pelo juiz a pedido da autoridade policial ouvido o MP.

É imprescindível a manifestação do MP que poderá discordar da dilação, oferecendo desde logo a denúncia. Aliás, a relevância toda aqui diz respeito ao prazo para conclusão do inquérito no caso de indiciado preso.

São 30 dias prorrogados por outros 30, ou seja, esse prazo pode ser prorrogado pelo juiz ouvido sempre previamente o MP. Vamos ver o art. 51, caput e respectivo parágrafo.

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Art. 51: o inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto.

Parágrafo único: os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.

Dificilmente, haverá necessidade de duplicação do prazo estando o indiciado preso em flagrante. Na prática, no mais das vezes, não haverá necessidade de um prazo tão elástico para a conclusão do inquérito. Mas há essa possibilidade.

Bom, a nova Lei Anti-Drogas, seguindo o sistema das leis anteriores, exige o laudo de constatação da natureza da substância apreendida para a lavratura do auto de prisão em flagrante e oferecimento da denúncia.

A lavratura do auto de prisão em flagrante deverá ser precedida do laudo de constatação da substância. Esse laudo é normalmente chamado de laudo provisório.

Esse laudo de constatação tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade ou, em se tratando de lavratura de auto de prisão em flagrante, condição de perseguibilidade. É condição para que o delegado de polícia possa validamente determinar a lavratura do auto de prisão em flagrante.

Agora, é óbvio que essa exigência do laudo de constatação só se aplica aos crimes da Lei Anti-Drogas que deixam vestígios. Não se pode cogitar dessa exigência no tocante ao crime do art. 35, associação para o tráfico.

Por quê? Porque a associação para o tráfico, diferentemente do tráfico propriamente dito, é crime que não deixa vestígios.

E qual é a conseqüência da lavratura do auto de prisão em flagrante sem que a autoridade policial tenha antes providenciado a elaboração do laudo de constatação? Relaxamento da prisão. A prisão é considerada ilegal, devendo, portanto, ser relaxada.

Mesmo a lavratura do termo circunstanciado em relação ao crime do art. 28 deve ser precedida da elaboração desse laudo de constatação da natureza da substância apreendida.

O laudo de constatação pode ser feito por um só perito que não ficará impedido de participar do laudo toxicológico, do laudo definitivo. O laudo toxicológico ou laudo definitivo deve estar no processo até a sentença.

Esse laudo toxicológico ou definitivo funciona como uma espécie de condição de procedibilidade imprópria. É condição para que o juiz possa proferir sentença reconhecendo comprovada a materialidade do fato criminoso.

O perito que participou do laudo provisório pode depois subscrever o laudo definitivo. Vamos ver o art. 50, caput e parágrafos 1º e 2º.

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Art. 50: ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.

A cópia do auto de prisão em flagrante deve ser encaminhada à autoridade judiciária que dará vista ao MP.

Parágrafo 1º do art. 50: para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.

Parágrafo 2º do art. 50: o perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1o deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo

O laudo de constatação funciona como uma condição de procedibilidade. Notem bem que a Lei 11.343 não repete neste particular o que constava no art. 22, parágrafo 1º da Lei 6.368.

O art. 22, parágrafo 1º da Lei 6.368/66 exigia expressamente o laudo de constatação para a lavratura do flagrante e oferecimento a denúncia. A Lei atual faz essa exigência apenas para a lavratura do flagrante.

Bom, e se não tiver havido prisão em flagrante, poderá o MP validamente oferecer denúncia sem dispor do laudo de constatação da substância apreendida? Não. O laudo continua funcionando como condição especial da ação penal. É condição de procedibilidade dos crimes da Lei 11.343/06.

Isso se observa na própria redação do parágrafo 1º. Então, haverá necessidade desse laudo de constatação para o MP validamente oferecer denúncia. O laudo continua servindo como condição de procedibilidade propriamente dita. É condição especial da ação.

Questiona-se se a falta do laudo de constatação por haver desaparecido a droga pode ser suprida pela prova testemunhal. A questão é saber se é aplicável aos crimes da Lei 11.343 o disposto no art. 167 do Código de Processo Penal.

Há duas orientações sobre esse tema na doutrina e na jurisprudência. Na doutrina, prevalece o entendimento de que o art. 167 do Código de Processo Penal não se aplica aos crimes da Lei 11.343.

Aqui, a Lei exige o laudo de constatação como condição de procedibilidade e, depois, o laudo toxicológico definitivo como condição para a sentença.

O argumento é o de que dificilmente a prova testemunhal ou qualquer outra prova poderá suprir a falta do exame de corpo de delito, a falta da perícia, dando ao juiz a certeza necessária sobre a existência do crime para a sua condenação.

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Dificilmente, o juiz, com base em prova testemunhal, poderá ter certeza sobre a natureza da substância apreendida. A prova testemunhal seria imprestável para esse fim.

Mas há quem pense diferentemente. A jurisprudência, inclusive, majoritária pensa nesse sentido. Há quem entenda que, em tese, o art. 167 se aplica aos crimes da Lei de Drogas.

O problema é se saber se no processo essa outra prova testemunhal admitida em caráter supletivo dará ao juiz a certeza necessária sobre a natureza da droga objeto da acusação.

Essa uma que não tem a ver com admissibilidade da prova. A prova testemunhal seria admissível em caráter supletivo. A questão tem a ver com a valoração da prova. Dificilmente, essas outras provas, sobretudo, a prova testemunhal dará ao julgador a certeza sobre a natureza da substância.

Bom, concluído o inquérito, a autoridade policial encaminhará ao juízo ou diretamente ao MP, se o indiciado estiver solto, dando a classificação jurídico-penal do fato.

Cabe a autoridade policial, ao delegado de polícia, tipificar criminalmente o fato objeto da investigação. Então, a autoridade policial classificará o fato levando em conta critérios valorativos do parágrafo 2º do art. 28. Vamos ver o parágrafo 2º do art. 28 e depois o art. 52.

Art. 28, parágrafo 2º: para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Esses critérios deverão ser valorados pela autoridade policial quando da classificação jurídico-penal do fato.

Art. 52, I: findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo: I- relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente.

Essa classificação dada ao fato pela autoridade policial é provisória, podendo ser alterada pelo MP quando do oferecimento da denúncia.

A denúncia deverá ser oferecida dentro do prazo de dez dias a que alude o art. 54. O MP terá dez dias a contar do recebimento do inquérito para oferecer denúncia, arrolando testemunhas até o máximo de cinco e requerendo diligências. Vamos ver o art. 54, III.

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Art. 54, III: recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências: III - oferecer denúncia, arrolar até 5 (cinco) testemunhas e requerer as demais provas que entender pertinentes.

Notem bem que o MP ao oferecer denúncia no prazo de 10 dias previsto no art. 54 poderá requerer diligências e arrolar testemunhas até o máximo de cinco sob pena de preclusão.

Oferecida a denúncia, o juiz, antes de recebê-la, determinará a notificação do acusado para, no prazo de 10 dias apresentar defesa prévia.

Notem bem: aqui, no sistema da Lei Anti-Drogas, o recebimento da denúncia deve ser precedido de contraditório. Antes de receber a denúncia, antes, portanto, de proferir o despacho liminar positivo, deve o juiz providenciar a notificação do acusado para, no prazo de 10 dias, apresentar defesa prévia. É um contraditório prévio.

Vamos ver o art. 55: oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

Qual é a conseqüência do fato de o juiz receber desde logo a denúncia sem antes mandar notificar o acusado para os fins previstos no art. 55? A nulidade do processo desde o recebimento da denúncia. A hipótese aqui, não há dúvida, é de nulidade absoluta.

Por que nulidade absoluta? Porque a falta da notificação do acusado para os fins previstos no art. 55 viola, ainda que indiretamente, as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Por que ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório? Porque, na Lei Anti-Drogas, a defesa prévia é de fato uma defesa prévia.

Essa defesa prévia que as leis que estabelecem contraditório preliminar chamam de resposta preliminar é o momento processual que dispõe o acusado para arrolar testemunhas até o máximo de cinco, opor exceções e requerer diligências.

Notem bem: o acusado, depois de recebida a denúncia, não terá a oportunidade de arrolar testemunhas. Não haverá defesa prévia depois de recebida a denúncia como sucede nos procedimentos do Código de Processo Penal.

Aqui, a defesa prévia antecede a própria instauração da ação penal e é quando da apresentação da defesa prévia que o réu pode arrolar testemunha até o máximo de cinco, opor exceções e requerer diligências. Então, é hipótese de nulidade absoluta.

Vocês sabem que em relação ao art. 514 do Código, em relação à resposta preliminar do procedimento dos crimes funcionais, é diferente. A

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jurisprudência é toda no sentido de que a falta da notificação prevista no art. 514 é causa de nulidade relativa do processo.

Por quê? Porque depois de recebida a inicial acusatória, o acusado, funcionário público a quem a denúncia imputa a prática de crime funcional, poderá exercer amplamente o seu direito de defesa.

Mas aqui não é assim. Aqui, não haverá outra oportunidade para o réu arrolar testemunhas, opor exceções e requerer diligências. Vamos ver o parágrafo 1º do art. 55.

Parágrafo 1º do art. 55: na resposta, consistente em defesa preliminar e exceções, o acusado poderá argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas que pretende produzir e, até o número de 5 (cinco), arrolar testemunhas.

Além disso, poderá opor exceções. É o que diz o parágrafo 2º. Então, a hipótese aqui é de nulidade absoluta.

Bom, e se o acusado não for encontrado para ser notificado pessoalmente? E se o acusado estiver em local incerto e não sabido, como fica? Há quem entenda e é a opinião do Luiz Flávio Gomes que a notificação, neste caso, deve ser feita por edital. É uma notificação ficta, presumida.

Penso eu que a solução deve ser outra. A solução a meu ver não é o juiz mandar notificar o acusado por edital. A solução é o juiz nomear defensor para apresentar defesa prévia.

Aqui, na Lei Anti-Drogas, a defesa prévia é obrigatória. É diferente da defesa prévia dos procedimentos do Código de Processo Penal. É obrigatória conforme se depreende do parágrafo 3º do art. 55.

De qualquer maneira, a defesa prévia terá que ser apresentada. Se o acusado notificado pessoalmente não constituir advogado para fazê-lo, o juiz nomeará defensor para, em dez dias, apresentar a resposta preliminar.

Vamos ver o parágrafo 3º do art. 55: se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação.

Isso é importantíssimo. A defesa prévia é obrigatória. Como ela é obrigatória, penso eu que não se justifica a notificação pela via editalícia. É perda de tempo e de dinheiro.

Bom, depois de apresentada a defesa prévia, o juiz, antes de proferir a decisão sobre o recebimento da denúncia, terá que ouvir o MP? A Lei Anti-Drogas atual, diferentemente da anterior, não prevê a manifestação do MP sobre a defesa prévia. A Lei 10.409 tinha essa previsão.

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Aqui, não tem. Aqui, a denúncia pode ser rejeitada depois de apresentada a defesa prévia independentemente da manifestação do MP. Isso está no parágrafo 4º do art. 55.

Parágrafo 4º do art. 55: apresentada a defesa, o juiz decidirá em 5 (cinco) dias.

O juiz decidirá sobre o recebimento da inicial acusatória. E mais: o recebimento da denúncia pode ainda, nos termos da Lei Anti-Drogas, ser precedido da produção de provas determinadas pelo juiz.

Pode o juiz, por exemplo, antes de receber a denúncia, interrogar o acusado. É uma faculdade que lhe confere o parágrafo 5º do art. 55.

Parágrafo 5º do art. 55: se entender imprescindível, o juiz, no prazo máximo de 10 (dez) dias, determinará a apresentação do preso, realização de diligências, exames e perícias.

Todas essas provas serão colhidas, se for o caso, para viabilizar a decisão sobre o recebimento da denúncia.

Vejam bem, se for o caso, o acusado nesta fase do procedimento poderá, ao ser ouvido pelo juiz, se declarar dependente. A Lei prevê a possibilidade de o juiz ouvir o acusado antes mesmo do recebimento da denúncia.

Neste momento, ao ser ouvido pelo juiz, o acusado poderá se declarar dependente nos termos do art. 45 da Lei. Nós vimos em aulas passadas que a dependência química que ao tempo do crime tenha subtraído por completo a capacidade de entendimento e determinação do agente o isenta de pena.

A dependência nos moldes do art. 45 funciona como uma causa de exclusão da culpabilidade. O réu, neste caso, é inimputável. Há o afastamento da imputabilidade.

Neste caso, o juiz determinará a realização de perícia psiquiátrica. Será instaurado um incidente de dependência toxicológica, devendo a audiência de instrução e julgamento, se a denúncia for recebida, ser realizada dentro do prazo de 90 dias.

Vamos ver o art. 56, parágrafo 2º: a audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias.

Bom, se o juiz rejeitar a denúncia, poderá o MP recorrer em sentido restrito com fulcro no art. 571, I do Código. Mas e se a denúncia foi recebida?

Ao receber a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, determinando a citação do acusado e a notificação do MP. Esse é o conteúdo do despacho liminar positivo conforme prevê o art. 56.

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Art. 56: recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais.

Então, recebida a denúncia, o acusado agora terá que ser citado pessoalmente. A notificação para os fins previstos no art. 55 não dispensa a citação do acusado depois de recebida a denúncia. Recebida a denúncia, o acusado deverá ser citado pessoalmente sob pena de nulidade do processo.

A questão aqui é saber se é possível a citação por edital no caso de o réu não ser encontrado para ser citado pessoalmente. É possível a citação editalícia neste caso? Possível, se o réu não for encontrado para ser citado pessoalmente.

Chegamos a uma das questões mais polêmicas da Lei Anti-Drogas. O acusado havia sido antes notificado pessoalmente para apresentar resposta prévia e agora, citado por edital, não comparece nem constitui advogado para patrocinar a sua defesa.

Indaga-se: neste caso, ficam suspensos o processo e a prescrição? Aplica-se o art. 366 do Código? Penso que deve ser feita a seguinte distinção aqui.

Se o réu antes havia sido notificado pessoalmente não se aplica o art. 366. Por quê? Porque o réu está ciente do processo e da acusação. O réu sabe que está sendo acusado da prática de crime da Lei Anti-Drogas.

Ah, mas o processo se inicia com o recebimento da denúncia?!? Mais ou menos. A relação triangular com o juiz se inaugura com o recebimento da denúncia, se inaugura na verdade com a citação do réu. Mas é inegável que, a partir da notificação, há processo, há uma relação processual triangular.

Então, penso que se o réu está ciente da ação, o réu sabe que está sendo processado, não se aplica o art. 366. Não se justifica a aplicação do art. 366.

Por quê? Porque o art. 366, que prevê a suspensão do processo e a prescrição, parte da premissa de que no caso de citação por edital não se sabe ao certo se o réu tomou conhecimento do processo.

Mas aqui, sabe, porque o réu foi antes notificado pessoalmente. Então, ele está ciente da existência do processo. Então, penso que não se deve aplicar o art. 366 nesses casos.

O Luiz Flávio Gomes faz a seguinte observação: o art. 366 será aplicável ou não dependendo do teor da procuração que o acusado tenha outorgado ao seu advogado para a apresentação da defesa prévia. Isso parece algo meio fora da realidade!

Diz o Luiz Flávio: se a procuração foi outorgada apenas para a apresentação da defesa prévia, aplica-se o art. 366, suspendendo-se o processo e a prescrição. Por quê? Porque o réu não constituiu advogado nem compareceu para se defender no processo.

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Agora, se a procuração dá ao advogado poderes para a defesa do réu em eventual processo que venha a se instaurar em qualquer juízo ou Tribunal, aí, não se aplica o art. 366.

Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, inclusive porque nas hipóteses de nomeação de defensor público não há procuração específica. O que importa aqui é saber se o réu está ciente ou não da ação.

A revelia é uma opção do réu. Essa é uma revelia ciente. O que o Código de Processo Penal não admite mais é a revelia sem ciência, ou seja, quando não se sabe se o réu tomou ou não conhecimento do processo. Mas não é o caso aqui, porque ele tomou ciência no momento da notificação pessoal para a defesa prévia.

Bom, a Lei fala em notificação do assistente. Dificilmente, haverá no processo penal por crime da Lei Anti-Drogas a figura do assistente. Por quê? Porque o bem jurídico que a Lei protege é a saúde pública. É um bem jurídico coletivo. O sujeito passivo desses crimes é a própria coletividade. É o corpo social.

Mas não se descarta a existência de um sujeito passivo determinado. Por exemplo: tráfico que tenha como destinatário doente mental ou menor de idade ou ainda na prescrição ou ministração culposa. É possível falar nesses casos de sujeito passivo individual.

Aí, essa pessoa poderá habilitar-se no processo como assistente do MP. Fora dessa hipótese, não.

Bom, ao receber a denúncia nos crimes dos arts. 33 e seguintes, o juiz, se o acusado for funcionário público, poderá determinar o seu afastamento do serviço público. É hipótese de medida cautelar prevista no art. 56, parágrafo 1º.

Art. 56, parágrafo 1º: tratando-se de condutas tipificadas como infração do disposto nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o juiz, ao receber a denúncia, poderá decretar o afastamento cautelar do denunciado de suas atividades, se for funcionário público, comunicando ao órgão respectivo.

É medida cautelar nominada, típica da Lei Anti-Drogas. Notem bem que esse afastamento não é automático. Esse afastamento de que trata o art. 56, parágrafo 1º não é uma decorrência automática do recebimento da denúncia.

O juiz poderá, fundamentadamente, afastar o acusado funcionário público de suas atividades. A decisão sobre essa medida cautelar tem que ser fundamentada.

Qual é o remédio constitucional adequado para a impugnação desse provimento judicial? É o mandado de segurança. Por que o mandado de segurança e não propriamente o HC já que se trata de processo penal? Porque o que está em jogo aqui não é a liberdade de locomoção do acusado.

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O que está em jogo é o exercício por parte do acusado, funcionário público, de suas atividades. Mas não se deve descartar na linha da jurisprudência do STF a possibilidade de utilização de HC.

Por quê? Porque o STF, diferentemente do STJ, admite o HC como instrumento de controle da legalidade do processo. Havendo ou não restrição à liberdade de locomoção do réu.

Pergunta de aluno.

Resposta: essa medida cautelar pode ser determinada pelo juiz de ofício, independentemente de provocação. É de boa cautela que o promotor a requeira. Mas o juiz pode decidir sobre o afastamento de ofício, desde que fundamentadamente.

E se o promotor requerer essa medida cautelar do acusado e o juiz indeferir cabe recurso contra essa decisão? Recurso não cabe, porque o Código de Processo Penal não prevê recurso contra decisão que indeferir medidas cautelares.

Aqui, o MP poderá se utilizar da correição parcial que, no Rio de Janeiro, é chamada de reclamação. É caso de correição parcial.

Bom, na audiência de instrução e julgamento que é a única audiência que a Lei prevê, o réu será interrogado, as testemunhas serão ouvidas, haverá debates, alegações finais orais e o juiz proferirá sentença.

Notem bem que a audiência de instrução e julgamento é uma audiência concentrada. Nela, o réu é interrogado, as testemunhas são ouvidas, as alegações finais são apresentadas oralmente e, por fim, o juiz profere sentença.

Art. 57: na audiência de instrução e julgamento, após o interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, para sustentação oral, pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um prorrogável por mais 10 (dez), a critério do juiz.

Aqui, o importante é saber que a audiência é concentrada. A rigor, provavelmente, a prática do foro vai distorcer completamente o procedimento da Lei Anti-Drogas. Mas o importante é saber que a audiência é concentrada.

A rigor, essa audiência não pode ser fracionada. Não se deve, salvo em situações excepcionalíssimas, fracionar a audiência de instrução e julgamento. Não se deve, principalmente, fracionar a fase probatória.

As provas orais como depoimentos de testemunhas devem ser colhidas em uma só audiência e não se deve tolerar a substituição das alegações orais em memoriais.

Porém, na prática, as alegações serão feitas em memoriais, ou seja, na prática é provável que surja um terceiro procedimento, algo entre o procedimento da Lei Anti-Drogas e o procedimento sumário do Código de Processo Penal.

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Mas o correto é não haver a substituição dos debates por memoriais. Depois, o art. 58 prevê a sentença em audiência ou em 10 dias.

Para encerrarmos e passarmos para outra Lei, casos de conexão. Conexão envolvendo crime da Lei Anti-Drogas e crime do Estatuto do Desarmamento. Tráfico e porte de arma de fogo de uso proibido que é crime apenado com reclusão sujeito ao procedimento ordinário.

Neste caso, qual é o rito deve ser observado? Na vigência da Lei anterior, embora houvesse opinião em sentido contrário, era tranqüilo o entendimento que deve se seguir, nesses casos, o rito mais amplo que é o rito ordinário.

Penso eu que essa orientação vai prevalecer mesmo na vigência da nova Lei Anti-Drogas. Por quê? Certamente, haverá doutrina e jurisprudência sustentando que esse procedimento da Lei Anti-Drogas é melhor para o réu porque ele dá oportunidade de apresentar defesa prévia antes do recebimento da denúncia.

Mas o rito, a rigor, não é melhor. Não é melhor porque é um rito concentrado. Então, penso que vai prevalecer o entendimento de que o rito a ser seguido é o do Código de Processo Penal, ou seja, sempre o rito mais amplo, sempre o rito que favorecer o contraditório e a amplitude do direito de defesa.

Não há dúvida alguma que se a conexão envolver crime doloso contra a vida, deverá ser seguido o procedimento do Tribunal do Júri.

Pergunta de aluno.

Resposta: se a conexão abranger crime de tráfico e crime de porte ilegal de droga para consumo pessoal, ou seja, crimes dos arts. 33 e 28, prevalecerá, conforme art. 48, parágrafo 2º da Lei, competência do juízo comum.

Será observado o procedimento especial da Lei 11.343/06, mas sem prejuízo da possibilidade de transação penal quanto ao crime do art. 28. É o art. 60, parágrafo único da Lei 9.099 com a redação dada pela Lei 11.313/06.

Bom, para finalizar, vamos ver o art. 59: nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.

Esse artigo repetiu quase na literalidade o art. 594 do Código. Notem bem: a jurisprudência acerca do art. 594 do Código, hoje, é tranqüila no sentido de que o juiz somente poderá manter ou decretar a prisão do acusado quando da prolação da sentença condenatória fundamentadamente.

E qual o motivo que pode justificar a mantença se o réu já estiver preso ou a decretação da prisão quando da sentença condenatória recorrível?

Assegurar a aplicação da Lei penal. Não se descarta a possibilidade da mantença ou decretação da prisão para garantia da ordem pública ou da ordem

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econômica. Não podem ser descartados esses motivos como autorizadores da mantença ou decretação da prisão quando da sentença condenatória apelável.

Neste caso, o título prisional é a sentença condenatória. Mas a prisão só pode ser mantida ou decretada naquelas hipóteses previstas no art. 312 que trata da prisão preventiva.

Então, o motivo básico aqui é assegurar a aplicação da Lei penal. Isto independentemente da primariedade e bons antecedentes do acusado.

Se não houver motivo que justifique a mantença ou decretação da prisão, pouco importa se o réu é primário ou reincidente, se ele tem bons ou maus antecedentes. Neste caso, não havendo motivos que justifiquem a prisão, o réu poderá apelar em liberdade.

O Supremo decidiu recentemente sem examinar o aspecto constitucional da questão que o duplo grau de jurisdição integra o ordenamento jurídico brasileiro por força da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

O Supremo decidiu que o Pacto São José da Costa Rica, incorporado como Lei infraconstitucional, revogou, porque posterior, o art. 594 do Código.

O Supremo ainda não reconheceu que o duplo grau de jurisdição está previsto na Constituição. A jurisprudência ainda é no sentido de que duplo grau não é garantia constitucional expressa.

Agora, sobreveio a Lei de Tóxicos e a interpretação certamente será a mesma. O réu somente poderá ser mantido preso ou ter a sua prisão decretada na sentença condenatória apelável fundamentadamente para assegurar a aplicação da Lei penal.

Questão da prova de ontem: o Supremo vem decidindo que não há mais a sanção da deserção pela fuga do réu. O argumento é o seguinte: não se pode mais exigir a prisão para que o réu apele.

Esse pressuposto é ilegítimo. É a posição que o Supremo tem hoje sobre esse tema. Por isso, não se pode mais cogitar da deserção pela fuga do réu, ou seja, o art. 595 do Código teria sido revogado, não teria sido recepcionado pela Constituição.

Outra questão de prova que aparentemente teria a ver com o nosso assunto aqui da aula foi a primeira questão da nutricionista. Agora, eu não sei o que passa pela cabeça do examinador: o fato é atípico!

A questão não tem nada a ver com a Lei Anti-Drogas porque a nutricionista pediu exames complementares e prescreveu um produto dietético. O fato é atípico.

Agora, essa questão não tem nada a ver com a Lei Anti-Drogas. Teria a ver com exercício ilegal da medicina. Seria crime do art. 282 do Código Penal. Mas a resposta é que o fato é atípico.

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A outra questão do aditamento já tinha sido formulada em concursos passados. É outra questão que pergunta o que o promotor tem a fazer e a resposta é “nada”.

Por quê? Porque o aditamento é espontâneo. O aditamento espontâneo é uma decorrência do princípio da obrigatoriedade. Ele não tem que provocar o aditamento.

Ele teria que ter aditado a denúncia. Não aditou, a questão está preclusa. O que ele quer que diga é que a questão está preclusa e que o Tribunal não pode, em grau de recurso, aplicar o art. 384. Então, o que o promotor tem que fazer? Nada.

Bom, vamos passar para a Lei da Tortura, Lei 9.455/97. É a Lei que tipifica os crimes de tortura. Primeira questão a ser examinada sobre o crime de tortura: a tortura é crime assemelhado aos crimes hediondos.

Tráfico ilícito de drogas, tortura e terrorismo não são propriamente crimes hediondos. Trata-se de crimes assemelhados. São crimes equiparados. Essa equiparação é feita pelo art. 5º, XLIII da Constituição.

A jurisprudência trata tortura e tráfico como crimes hediondos. Mas não são propriamente crimes hediondos. Os crimes hediondos são os elencados no art. 1º da Lei 8.072/90. São crimes equiparados.

Segundo ponto: até advento da Lei 9.455/97, havia controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a existência no direito penal brasileiro do crime autônomo de tortura. O Brasil é signatário de convenções internacionais que o obrigam a reprimir e prevenir a tortura.

Malgrado já esteja na Constituição de 1988, só sobreveio legislação específica em 1997. Até então doutrina e jurisprudência debatiam sobre a existência ou não do tipo incriminador da tortura.

O Plenário do STF com composição inteiramente diversa da atual, por 6X5, decidiu que o crime do art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente constitui delito autônomo de tortura. Isso antes do advento da Lei 9.455/97.

Outros, na doutrina e jurisprudência, entendiam que havia no tocante à tortura a chamada carência tipológica, ou seja, não havia tipo autônomo definindo a tortura como crime.

Bom, a Lei 9.455/97 pôs fim a toda essa discussão, definindo as modalidades típicas da tortura e revogando expressamente o art. 233 do ECA. O art. 4º da Lei 9.455 revoga expressamente o art. 233 do ECA que definia um crime impróprio.

Por que crime impróprio? Crime impróprio porque o tipo incriminador do art. 233 exigia condição especial tanto do sujeito ativo como do sujeito passivo do delito.

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Quem era o sujeito passivo do crime do art. 233? A criança ou o adolescente. Quem era o sujeito ativo? Quem tivesse a criança ou adolescente com sua guarda e proteção. Mas esse artigo está revogado.

Bom, qual é o bem jurídico que a Lei da Tortura quer proteger? O bem jurídico aqui é a própria dignidade do ser humano. A Lei tutela direitos fundamentais do indivíduo, procurando protegê-lo de ataques de agentes estatais ou mesmo de particulares.

Aqui, há o primeiro ponto de especial atenção no estudo da Lei da Tortura: a Lei brasileira, diferentemente das leis européias mais modernas sobre o tema, não trata a tortura como crime próprio, como crime especial.

No direito estrangeiro, a tortura é tratada como crime próprio, como crime especial. O sujeito ativo da tortura é o funcionário público. No direito penal brasileiro, não.

No direito penal brasileiro, a tortura é tratada como crime comum, ou seja, o sujeito ativo do crime de tortura pode ser tanto o funcionário público como o particular.

A condição de funcionário público do sujeito ativo funciona como causa especial de aumento de pena, mas não é elementar do crime de tortura.

Quem é o sujeito passivo do crime de tortura? É o indivíduo. Bom, a descrição típica do crime de tortura está no art. 1º da Lei 9.455/97.

Art. 1º: constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa.

Notem bem: nestas modalidades do art. 1º, a caracterização da tortura como crime autônomo exige especial finalidade ou motivação do sujeito ativo.

Aqui na tortura, além do dolo como elemento subjetivo genérico, há elemento subjetivo especial relacionado com a finalidade ou motivação de agir do sujeito.

E qual é a especial finalidade de agir na hipótese do art. 1º, I, alienas “a” e “b”. Na primeira, é obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa.

É o policial que tortura com finalidade de extorquir confissão. É a especial finalidade de agir. Pode ser também um particular que tortura um devedor seu com a finalidade de obrigá-lo a confessar a dívida.

Sem essa especial finalidade de agir não haverá crime de tortura. Haverá outro delito como: ameaça, constrangimento ilegal ou lesões corporais.

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Vejam que o constrangimento, a grave ameaça e a violência física são elementares do crime da tortura. O crime de tortura absorve os crimes de constrangimento ilegal, ameaça e lesões corporais.

Na hipótese da alínea “b”, a finalidade é provocar ação ou omissão de natureza criminosa. Aqui, o torturador se utiliza da vítima da tortura para realizar uma conduta criminosa.

A hipótese é de autoria mediata. O torturador responde pelo crime de tortura e pelo crime que tiver sido praticado pela pessoa torturada.

Na alínea “c”, se faz referência à discriminação racial e religiosa. Aqui, é importante saber que a Lei da Tortura não abrange aqui como modalidade típica a discriminação sexual.

Há um projeto de Lei tramitando no Congresso que pretende alterar a Lei da Tortura para incluir na alínea “c” a discriminação sexual.

Além dessa especial finalidade de agir, há no caput do tipo um elemento normativo. Qual é o elemento normativo constante do art. 1º, I? O elemento normativo é a causação de sofrimento físico ou mental.

Aqui, parcela significativa da doutrina sustenta que a Lei da Tortura viola o princípio da taxatividade da Lei Penal ao deixar ao critério do juiz a valoração casuística da causação de sofrimento físico ou mental. Essa valoração é jurídica ou extrajurídica? Extrajurídica.

As lesões corporais decorrentes da violência física empregadas pelo agente são absorvidas no crime de tortura. Isso quando se tratar de lesões corporais de natureza leve.

E se a vítima sofrer em razão da violência empregada pelo torturador lesões de natureza grave ou gravíssima? Aí, tem que ser feita a seguinte distinção.

Se houver provas no tocante às lesões graves, se o sujeito dolosamente causar as lesões de natureza grave, estará caracterizado o concurso material entre o crime de tortura e o crime de lesão corporal de natureza grave.

Se as lesões corporais de natureza grave forem causadas culposamente pelo torturador, a hipótese será de tortura qualificada pelo resultado. É crime praeter doloso do parágrafo 3º do art. 1º.

Parágrafo 3º do art. 1º: se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.

Essas lesões aqui que agrava a tortura são puníveis a título de culpa. Dolo no tocante à tortura e culpa no que concerne a causação das lesões. Se houver dolo nas lesões graves ou gravíssimas, a hipótese será de concurso material.

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Bom, e se da violência empregada resultar a morte da vítima da tortura? Se a morte for causada culposamente estará caracterizada a forma qualificada do crime de tortura. Está no parágrafo 3º do art. 1º.

A morte que qualifica a tortura na segunda parte do parágrafo 3º do art. 1º é punível apenas a título de culpa. Também aqui a hipótese é de crime praeter doloso. Dolo no tocante à tortura e culpa no que concerne à causação da morte da vítima. É crime qualificado pelo resultado morte.

A quem compete processar e julgar a tortura qualificada pela morte da vítima? Ao juiz singular. Por quê? Porque a hipótese aqui não é de crime doloso contra a vida.

Se a morte foi produzida dolosamente, aí sim haverá concurso material de crimes. Haverá concurso material dos crimes de homicídio doloso e tortura.

A quem caberá processar e julgar os crimes de tortura e homicídio doloso praticado em concurso material? Ao Tribunal do Júri. Prorrogação da competência do Júri de que trata o art. 78, I do Código de Processo Penal.

Vamos figurar o seguinte exemplo: o sujeito tortura a vítima com a finalidade de obter uma declaração de dívida ou confissão da prática de crime. É crime autônomo de tortura. No contexto fático da tortura, o torturador resolve matar a vítima.

Então, em um mesmo contexto fático, o sujeito tortura a vítima com a finalidade de extorquir-lhe uma confissão ou declaração e, depois, obtida ou não a confissão, resolve matar a vítima dolosamente.

A hipótese aqui é de concurso material entre o homicídio qualificado pela tortura e o crime autônomo de tortura ou é caso de homicídio simples em concurso material com a tortura?

Eu acho que não há dúvida. Aparentemente, é possível dizer que o concurso é entre homicídio e a tortura sem a qualificadora correspondente. Mas essa não é a solução adequada. Por quê?

Porque a tortura que constitui crime autônomo da Lei 9.455 não se confunde com a tortura que qualifica o crime de homicídio que é o emprego de qualquer meio cruel, qualquer meio que cause sofrimento desnecessário à vítima.

Não há que se confundir a tortura como crime autônomo que exige especial finalidade de agir com a qualificadora do homicídio.

Não há bis in idem porque a tortura que qualifica o homicídio não é a tortura que constitui crime autônomo. Não é a tortura da Lei 9.455 que qualifica o homicídio.

A tortura que qualifica o homicídio tem que ser considerada na sua acepção vulgar. É qualquer meio cruel.

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Não há bis in idem no reconhecimento do concurso material entre a tortura como crime autônomo e o homicídio qualificado pela tortura, porque a tortura que qualifica o homicídio não é a tortura que constitui crime autônomo da Lei 9.455/97. É qualquer meio cruel que qualifica o homicídio.

Pergunta de aluno.

Resposta: aí é a tortura mais o homicídio simples ou homicídio qualificado havendo uma outra circunstância, não especificamente a tortura.

Vamos imaginar que, depois de consumada a tortura, depois de exaurido o crime de tortura, o torturador resolve matar a vítima utilizando-se de outro meio e não de um meio cruel.

Vamos imaginar que ele utiliza ouro meio não cruel, ou seja, não se utilizando da tortura que qualifica a homicídio. Deu um tiro, por exemplo.

Haverá concurso material entre o crime de tortura e o crime de homicídio simples ou qualificado por outra qualificadora diferente da tortura, do meio cruel.

O mais problemático é quando o sujeito, já desde o início da tortura, tortura com finalidade específica de matar a vítima ou assume o risco de produzir esse resultado. Aqui, a vontade de matar é concomitante à vontade de torturar.

Bom, nesse caso, concurso material entre o homicídio e a tortura ou só o crime de homicídio? A maioria dos autores que tratam desse tema sustenta que é caso de concurso formal de desígnios autônomos entre o homicídio e o crime de tortura.

Aí que vem a discussão com mais relevo. Como será punível essa conduta? A meu ver, não há bis in idem. Por quê? Porque as finalidades são distintas. A tortura que qualifica o homicídio não é propriamente a tortura que constitui crime autônomo.

Mas há quem sustente que, neste caso, há concurso entre a tortura e o homicídio qualificado por uma outra circunstância e não pela tortura, porque há uma só tortura no contexto fático.

São duas torturas diferentes. Uma tortura visa obter confissão e a outra tortura visa matar.

Mas aqui, o sujeito tortura desde o início com dupla finalidade. Há uma conduta só com desígnios autônomos. É caso de concurso formal impróprio. Tem que haver dois dolos. Se só houver o dolo do homicídio, não há tortura.

A tortura nesta modalidade tem que ter a especial finalidade de agir do sujeito ativo. Já no outro exemplo, é muito mais fácil distinguir as condutas.

Vamos ficar por aqui. Na próxima aula, partimos da alínea “c”.

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5ª aula – 11/06/2007

Bom, vimos que, nas hipóteses típicas do art. 1º, I, a tortura é crime cuja configuração exige especial finalidade de agir por parte do sujeito. Aqui, na hipótese do inciso I, a caracterização da tortura como crime autônomo dependerá da especial finalidade ou motivação que conduz a conduta do sujeito ativo.

Mais ainda: a tortura nestas hipóteses é crime formal, é crime de consumação antecipada. É crime que se consuma independentemente de o sujeito alcançar o fim visado no seu comportamento.

Além disso, nessas hipóteses do art. 1º, o crime de tortura absorve os crimes de lesão corporal leve, constrangimento ilegal e ameaça. Por quê? Porque são elementares do tipo.

Aqui, há um conflito aparente entre a tortura, crime autônomo, e os delitos de constrangimento ilegal, ameaça e lesões corporais de natureza leve. É um conflito que se resolve pelo princípio da consunção.

Vimos que as lesões corporais de natureza grave causados culposamente pelo torturador qualificam o delito de tortura. É a tortura qualificada que trata o parágrafo 3º do art. 1º.

Na hipótese de o torturador agir dolosamente no que concerne a causação das lesões de natureza grave, haverá concurso material entre os crimes de tortura e lesão corporal grave ou gravíssima.

O mesmo no que concerne a tortura qualificada pelo resultado morte. Tudo isso foi falado na última aula. O resultado morte como qualificadora do crime de tortura é punível tão somente a título de culpa. Vale dizer que essa forma qualificada da tortura pela morte ou lesões graves constitui crime praeter doloso.

Na eventualidade de o sujeito agir com dolo no tocante à causação da morte da vítima, haverá também aqui concurso material de crimes. Haverá concurso entre o crime de tortura e o crime de homicídio qualificado.

Não obstante a existência de opiniões em sentido contrário, prevalece o entendimento de que é caso de concurso material entre a tortura e o homicídio doloso qualificado pela tortura. Não se pode cogitar aqui de bis in idem.

Por quê? Porque a tortura que funciona como qualificadora do homicídio não se confunde com a tortura como crime autônomo da Lei 9.455/97.

E mais: nesta hipótese de concurso material entre o homicídio qualificado pela tortura e o crime autônomo da tortura, prevalecerá, sobre o aspecto processual, a competência do Tribunal do Júri. Vale dizer que caberá ao Tribunal do Júri julgar ambos os crimes.

Já a tortura qualificada pelo resultado morte punível a título de culpa é crime da competência do juiz singular.

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Bom, vamos às hipóteses do inciso II. Na hipótese do II do art. 1º, a tortura é considerada crime próprio. Por que crime próprio? Porque o sujeito ativo é quem mantém a vítima sob sua guarda, poder ou autoridade.

Mais ainda: a caracterização desse crime tem como pressuposto o fato de o sujeito submeter a vítima à grave sofrimento físico ou mental como forma de aplicar-lhe um castigo ou prevenir comportamentos indesejados por parte da pessoa torturada.

É isso que o diferencia quando praticada contra menor no caso do crime de maus tratos do art. 136 do Código Penal. Aqui, haverá por parte do torturador a finalidade de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Quando se tratar de crime praticado por funcionário público, restará absorvido, na hipótese do art. 1º, II, o crime do art. 4º, “b” da Lei 4.898/66. Vale dizer que o crime de tortura, nesta hipótese, absorve o crime de abuso de autoridade da Lei específica.

Pergunta de aluno.

Resposta: quando presente a especial finalidade de agir, o crime será o de tortura e não o de maus tratos do art. 136 do Código Penal.

A Lei prevê como causa de aumento de pena a circunstância de o agente da tortura ser funcionário público. É causa de aumento de pena de que trata o parágrafo 4º, I.

Nesta hipótese, em se tratando de tortura praticada por funcionário público, a autoridade aqui é elemento do tipo incriminador. O crime, nesta hipótese, é próprio. Em se tratando de crime próprio, crime de responsabilidade de funcionário público, não incidirá o aumento de pena previsto no parágrafo 4º do art. 1º.

Agora, não incidirá esse aumento de pena quando se tratar de modalidade típica do inciso II se praticado por autoridade. O conceito de autoridade para fins penais é análogo ao de funcionário público.

O conceito de autoridade para fins penais, para interpretação do art. 1º, II, está no art. 5º da Lei 4.898/65. Diz o art. 5º: considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Neste caso, como a autoridade é elementar do tipo, não incide o aumento de pena previsto no parágrafo 4º do art. 1º. Na hipótese do parágrafo 1º, também fica absorvido o crime de abuso de autoridade do art. 4º da Lei 4.898/65.

Parágrafo 1º do art. 1º: na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.

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Bom, o parágrafo 2º do art. 1º define crime omissivo. Aqui, o legislador dá tratamento diferenciado a quem tem o dever de impedir e se omite ou quem deixa de apurá-la. É crime omissivo do parágrafo 2º.

Parágrafo 2º do art. 1º: aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.

São duas as figuras típicas do parágrafo 2º. A primeira é a omissão do dever de evitar a conduta. Aqui, a omissão não consiste na simples abstenção. A omissão consiste na abstenção do dever de agir para impedir a ocorrência do resultado.

A hipótese é, portanto, de crime omissivo impróprio, crime comissivo por omissão. Aqui, a Lei abre uma exceção pluralista à teoria monista. Por quê? Porque elege essa categoria de crime a crime autônomo.

É crime autônomo punido menos severamente do que as demais modalidades da Lei de Tortura. A pena aqui, inclusive, é de detenção. No tocante à conduta de deixar de apurar a tortura, o crime é omissivo próprio, é simples abstenção do dever de agir.

Bom, primeiro aspecto relevante acerca desses crimes omissivos do parágrafo 2º do art. 1º: o condenado pelo crime de tortura iniciará o cumprimento da pena privativa da liberdade em regime fechado, salvo quando se tratar de condenação pelo delito do art. 1º, parágrafo 2º.

Essa ressalva está no parágrafo 7º do art. 1º. Qual regime de cumprimento de pena que será imposto ao réu condenado pelo crime do parágrafo 2º do art. 1º? O regime de pena será o aberto ou semi-aberto, dependendo da pena aplicada ao réu e das circunstâncias judiciais do art. 59.

Aqui, não há a exigência de cumprimento de pena em regime inicialmente fechado. Agora, o condenado por esse crime que é apenado com detenção poderá eventualmente vir a cumprir a pena em regime fechado? É possível cogitar do regime fechado em se tratando de condenação a pena de detenção?

Quais são os regimes de pena da detenção? Aberto ou semi-aberto. Não há regime fechado. Mas é possível cogitar o regime fechado. Quando? Na eventualidade de regressão de regime prevista no art. 118 da LEP. Fora daí, o condenado por esse crime cumprirá pena em regime semi-aberto ou aberto.

As causas de aumento de pena do crime de tortura estão no parágrafo 4º do art. 1º. A primeira é se o crime é cometido por agente público. O conceito de agente público é o de funcionário público que está no art. 327 do Código Penal e no art. 5º da Lei 4.898/65.

Aqui, é importante relembrar que a Lei penal brasileira não seguiu as legislações mais modernas desse tema. A Lei penal brasileira tipificou a conduta, em regra, como crime comum. O fato de o agente ser funcionário público funciona como causa de aumento de pena.

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A segunda causa de aumento de pena é se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos.

Aqui, merece especial consideração o aumento de pena quando a tortura é praticada contra a gestante. A questão é saber se o estado de gravidez da vítima tem que ser abrangido pelo dolo do sujeito, ou seja, saber se a incidência da causa de aumento de pena exige que o torturador tenha conhecimento do estado de gravidez da vítima. Na doutrina, há duas orientações.

A primeira que é majoritária sustenta que o reconhecimento da causa de aumento de pena exige que o torturador saiba que a mulher está grávida. Quando se trata de casos avançados de gestação, a gravidez é notória. Não é necessário que se demonstre.

O problema é quando se trata de gravidez recente, que ainda não possa ser percebida a primeira vista. Aí, não sabendo o torturador da gravidez, não incidirá o aumento de pena previsto no parágrafo 4º, II.

A outra orientação sustenta que esse aumento de pena tem natureza puramente objetiva, ou seja, decorre tão somente do estado de gravidez da vítima.

O estado de gravidez da vítima não é elementar do tipo incriminador. Não tem, portanto, que estar necessariamente abrangido pelo dolo do sujeito.

Se a vítima estiver grávida, desde que comprovado por perícia médica legal, incidirá o aumento de pena independentemente de o sujeito ter conhecimento do estado de gravidez.

A outra causa de aumento de pena diz respeito ao fato do crime de tortura ser cometido mediante seqüestro. Notem bem: o seqüestro aqui como causa especial de aumento de pena é o meio que se utilizou o agente para realizar a tortura.

O sujeito seqüestra a vítima com a finalidade de torturá-la. Concurso material entre os crimes de seqüestro e tortura com aumento de pena previsto no parágrafo 4º, III? Não, é hipótese de tortura com o aumento de pena decorrente do seqüestro. O seqüestro aqui é meio para a realização da tortura.

Bom, se o sujeito, depois de consumado o crime de tortura, mantiver a vítima seqüestrada, aí sim, aí haverá concurso material entre a tortura com o aumento de pena do seqüestro e o crime de seqüestro.

Aqui, o seqüestro tem que ser identificado em dois momentos. No primeiro momento, o seqüestro é realizado para o fim de tortura. O seqüestro é meio de realização da tortura.

Consumado o crime de tortura, o sujeito mantém a vítima privada da sua liberdade de locomoção. Aí, será crime de seqüestro em concurso material com a tortura incidindo a causa de aumento de pena pelo seqüestro.

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Aqui, não há bis in idem. Por quê? Porque a rigor são dois dolos distintos. O dolo do primeiro seqüestro é com a finalidade de realizar a tortura. Consumado o crime de tortura, o sujeito persiste mantendo a vítima privada da sua liberdade de locomoção. É outro dolo.

Bis in idem ocorreria no caso de se reconhecer o crime de seqüestro como meio para a realização da tortura como causa de aumento de pena e puni-lo também como crime autônomo.

Bom, ainda sobre o aspecto penal da Lei da Tortura, a Lei prevê a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada como efeito automático da condenação. É diferente da perda do cargo no sistema do Código Penal. Aqui, é efeito automático da condenação. Não precisa ser declarado continuadamente pelo juiz.

Há quem entenda, é a opinião entre outros do Luiz Flávio Gomes, que esse efeito automático da condenação não incide no caso do crime do art. 1º, parágrafo 2º. Por quê? Porque esse crime é apenado menos severamente do que as demais modalidades típicas da tortura.

As demais modalidades típicas da tortura são apenas com reclusão. A modalidade do parágrafo 2º do art. 1º é punível com detenção. A pena de detenção seria, na visão de alguns, inconjugável com esse efeito automático da condenação.

Eu penso que não, porque a Lei não faz distinção alguma. A Lei não distingue aqui no tocante a esse efeito da condenação os crimes comissivos e o crime omissivo do parágrafo 2º.

O art. 2º, por sua vez, contempla uma hipótese de extraterritorialidade incondicionada. Art. 2º: o disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira.

É uma outra hipótese de extraterritorialidade além daquelas previstas no art. 7º do Código Penal. A extraterritorialidade aqui é incondicionada. A aplicação da Lei penal brasileira independe do implemento das condições de procedibilidade do art. 7º.

Agora, vamos traçar uma comparação entre a Lei da Tortura e a Lei dos Crimes Hediondos. Relembro que a tortura não é propriamente crime hediondo. Os crimes hediondos são os elencados no art. 1º da Lei 8.072/90. A tortura é crime equiparado aos crimes hediondos. Esta equiparação está no art. 5º, XLIII da CFRB/88.

Bom, a Lei da Tortura, repetindo a Constituição, proíbe a fiança, a graça e a anistia. Essas proibições expressas no art. 1º, parágrafo 6º estão também previstas no art. 5º, XLIII da CFRB/88.

Vale dizer que o legislador se limitou a reproduzir as limitações contidas no texto constitucional. Ao proibir tão somente a fiança, a Lei admite ainda que implicitamente a liberdade provisória independentemente de fiança de que trata o art. 310, parágrafo único do Código de Processo Penal.

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Então, em relação à tortura, sempre coube liberdade provisória com base no art. 310, parágrafo único do Código de Processo Penal.

A Lei da Tortura, diferentemente da Lei dos Crimes Hediondos, não proíbe a liberdade provisória com ou sem fiança. A Lei da Tortura proíbe apenas a fiança, admitindo ainda que implicitamente a liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único.

Hoje, não há mais distinção alguma entre os crimes de tortura e os crimes hediondos neste particular. Por quê? Porque a recente Lei 11.464/07 que entrou em vigor no dia 29 de março, alterando a redação do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos, suprimiu a proibição da liberdade provisória.

Então, hoje, é possível, nos crimes hediondos e nos crimes de tortura, a concessão da liberdade provisória prevista no art. 310, parágrafo único do Código de Processo Penal que pressupõe a inocorrência dos motivos que autorizam a prisão preventiva.

Bom, a Lei da Tortura, ao proibir tão somente a concessão da graça e da anistia, ao não reproduzir a redação contida na Lei dos Crimes Hediondos acerca do indulto, torna possível a sua concessão, ou seja, no tocante ao crime de tortura, é lícito ao Presidente da República conceder indulto, porque a Lei não o proibiu.

Nesse particular, não houve nenhuma modificação na Lei dos Crimes Hediondos. Em relação aos crimes hediondos, subsiste a proibição do indulto.

Alguns, inclusive, consideram tal proibição inconstitucional. Há quem entenda que a Lei dos Crimes Hediondos, neste particular, é inconstitucional. Por quê? Porque extrapolou o que dispõe o art. 5º, XLIII da CFRB/88.

O art. 5º, XLIII da CFRB/88 que trata dos crimes hediondos e assemelhados proíbe apenas a anistia e a graça. Esse dispositivo não proíbe o indulto. Logo, não pode Lei infraconstitucional tolher a possibilidade que a Constituição confere ao Presidente da República de indultar.

Outros já não vêem inconstitucionalidade alguma na proibição. Por quê? Porque o indulto é uma espécie de graça coletiva.

A Lei da Tortura estabelece que a pena privativa da liberdade em caso de condenação deve ser cumprida inicialmente em regime fechado. É o parágrafo 7º do art. 1º. A Lei da Tortura sempre admitiu a progressão do regime prisional.

Sempre foi possível no caso de condenação de tortura a progressão de regime. Por quê? Porque a Lei da Tortura, diferentemente da Lei dos Crimes Hediondos, não fala em regime integralmente fechado. Regime fechado apenas para início de cumprimento da pena.

Recentemente, a Lei 11.464/07 em vigor desde o dia 29.03.07 passou a admitir a progressão de regime nos crimes hediondos. A Lei diz apenas que a pena deve ser cumprida inicialmente em regime fechado. É o art. 2º caput.

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Estabeleceu a Lei requisitos temporais específicos para a progressão. Quais são os requisitos temporais específicos que a Lei dos Crimes Hediondos com a redação que lhe deu a Lei 11.464/07 estabelece? Cumprimento de 2/5 da pena se o condenado for primário ou de 3/5 se reincidente.

Notem bem: essa Lei, no tocante aos requisitos temporais, só se aplica aos crimes de tortura praticados a partir do dia 29.03.07. Em relação aos crimes anteriores, o requisito temporal da progressão será do art. 112 da LEP, ou seja, cumprimento de 1/6 da pena.

Por quê? Porque a Lei penal não retroagirá, salvo quando para beneficiar o agente. Neste particular, a Lei 11.464/07, em relação ao crime de tortura, é gravosa, porque estabeleceu requisito temporal mais severo.

Agora, outro aspecto tem que ser considerado: a Súmula 698 do Supremo que diz que a possibilidade de progressão do regime no crime de tortura não se estende aos crimes hediondos e ao tráfico perdeu a eficácia diante do que dispõe a Lei 11.464/07.

A Súmula 698 do Supremo é inaplicável. É inaplicável porque editada a luz de um quadro legislativo hoje modificado. A Súmula 698 é de setembro de 2003. Ela foi editada ao tempo em que o STF julgava não haver inconstitucionalidade alguma no regime integralmente fechado.

O Supremo declarou incidentalmente, no controle difuso de constitucionalidade, a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado em 23.02.06. É outra data importante.

No crime de tortura, como não havia a exigência do regime integralmente fechado, sempre se admitiu, ainda que em tese, a concessão do sursi. É possível, desde que atendidos os requisitos específicos do art. 83, V do Código Penal.

Quais são os requisitos específicos do livramento condicional dos crimes hediondos e da tortura? O cumprimento de 2/3 da pena e não ser o condenado reincidente específico.

O que se entende como reincidente específico para esse fim? Para o fim do livramento condicional, considera-se reincidente específico o reincidente em qualquer crime hediondo ou assemelhado.

Outro aspecto penal relevante em relação aos crimes de tortura: a quem compete processar e julgar os crimes da Lei 9.455/97? São crimes que atingem a própria dignidade da pessoa humana. Quem processa e julga esses crimes? Em regra, a justiça estadual.

A competência será da justiça federal quando se tratar de tortura praticada por ou contra servidor público federal em razão das funções. Nesse sentido, há Súmula 147 do STJ.

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Embora, haja opinião em sentido contrário, prevalece o entendimento de que é também da alçada da justiça federal o processo e julgamento de crimes praticados por servidor público federal no exercício das funções ou em razão delas.

Nestas hipóteses, há interesse direto e imediato da União que justifica o reconhecimento da competência da justiça federal. Então, Súmula 147 e art. 109, IV da CFRB/88. Será da competência do juiz estadual como regra e excepcionalmente da justiça federal.

Pergunta de aluno.

Resposta: essa definição de grave violação dos direitos humanos que justifica o deslocamento da competência para a justiça federal de que trata o art. 109, parágrafo 5º da Constituição, já com a redação dada pela EC 45 é feita casuisticamente pelo Procurador Geral da República a quem cabe ajuizar e ao STJ julgar.

Nem todo crime de tortura justificará o deslocamento da competência. O deslocamento é sempre casuístico pressupondo grave violação aos direitos humanos.

E quando se tratar de tortura praticada pelo militar, policial militar ou militar do corpo de bombeiros, a quem caberá o respectivo processo e julgamento? Caberá à justiça comum e não à justiça militar.

Por quê? Porque não há no Código Penal Militar definição típica de tortura. A tortura não constitui crime militar próprio ou impróprio. Não, por quê? Porque o Código Penal Militar não contém definição típica de tortura.

O militar se sujeita às penas previstas na Lei de Tortura? Ele pode ser responsabilizado por crime de tortura? Evidentemente que pode, com base na Lei 9.455/97 e sempre pela justiça comum estadual ou federal. Em regra, estadual.

Pergunta de aluno.

Resposta: são duas partes que dividem o

art. 2º. Na primeira parte, não há dúvida: é hipótese de extraterritorialidade incondicionada. A segunda parte, para alguns, é de extraterritorialidade condicionada.

Haveria aqui a necessidade do implemento das condições de procedibilidade ou condições objetivas de punibilidade do parágrafo 2º do art. 7º para a possibilidade da aplicação da Lei Penal brasileira.

Agora, não há aqui jurisprudência sobre o tema e a doutrina se divide. Alguns sustentam que ambas as hipóteses do art. 2º contemplam uma situação de extraterritorialidade condicionada.

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É uma outra hipótese diferente daquela que o art. 7º prevê, ou seja, a aplicação da Lei Penal brasileira independeria do implemento das condições de procedibilidade previstas no Código Penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: a condição análoga a de escravo não é elementar do crime de tortura. É possível a coexistência da redução à condição análoga de escravo, art. 149 do Código Penal, com o crime de tortura.

Pergunta de aluno.

Resposta: não há procedimento específico previsto para o processo e julgamento dos crimes de tortura. A Lei 9.455/97 não prevê procedimento especial para o processo e julgamento dos crimes nela tipificados.

Qual procedimento será observado? Em regra, o ordinário. Por quê? Porque os crimes em regra são apenados com reclusão; ou sumário na hipótese do art. 1º, parágrafo 2º. Não há um rito específico para o crime de tortura.

Vamos passar agora para a Lei dos Crimes Hediondos. Diz a doutrina, a meu ver equivocadamente, que o legislador brasileiro infraconstitucional poderia ter seguido um entre três critérios de definição dos crimes hediondos.

Então, haveria três possibilidades para a definição dos crimes hediondos no direito penal brasileiro. Penso eu que isso é um equívoco. Quais são os critérios?

Primeiro critério é o legal. A Lei é que tem que definir os crimes hediondos. A definição dos crimes hediondos é imposta pela Lei.

Outro critério seria o judicial, ou seja, seria tarefa do juiz caso a caso definir o crime como hediondo. Teria o juiz que definir o fato no processo como hediondo.

Terceiro critério é chamado complexo ou misto. Ele propõe a combinação dos dois primeiros. Tanto a Lei como o juiz poderiam definir o crime como hediondo. O juiz não poderia se afastar do comando legal, mas poderia pegar o rótulo de hediondo e aplicar a outros crimes além daqueles previstos na Lei.

Toda doutrina pensa assim. Agora, isso, penso eu, está errado. Por quê? Porque o art. 5º, XLIII da CFRB/88 fala em crimes hediondos definidos em Lei. Basta ler a Constituição.

Esse é, apesar da crítica feita por alguns doutrinadores, inegavelmente o melhor critério. É o critério legal. É o que melhor atende a efetividade do princípio da reserva legal em matéria de direito penal.

Então, o critério que a Constituição impõe ao legislador ordinário é o da definição legal. A definição dos crimes hediondos tem que ser feita por Lei.

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A Lei que trata dos crimes hediondos é a Lei 8.072/90. Os crimes hediondos são os do art. 1º. Vamos ver o art. 1º.

Art. 1º: são considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

Art. 1º, I: homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V). Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

Essa Lei 8.930 é chamada Lei Glória Peres que incluiu o homicídio no rol dos crimes hediondos. Por incrível que pareça até então o homicídio não era considerado crime hediondo. Somente a partir dessa Lei é que o homicídio foi incluído no rol dos crimes hediondos.

São duas as hipóteses: homicídio qualificado e homicídio simples quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Vejam bem a impropriedade da Lei.

Qual é a atividade típica de grupo de extermínio? Matar! Praticar crime de homicídio. Então, o homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, é considerado crime hediondo.

Duas considerações têm que ser feitas aqui. Primeira: é inimaginável cogitar um homicídio simples praticado por um grupo de extermínio. Por quê? Porque o motivo que informa a conduta do grupo de extermínio é sempre torpe.

Então, esse homicídio será sempre qualificado pelo motivo torpe. É impossível cogitar homicídio simples neste caso.

Bom, mas ainda que se cogite de homicídio simples, o reconhecimento desse delito como de natureza hedionda escapa, como sustenta a maioria, da competência do conselho de sentença, escapa da competência do Tribunal do Júri.

Não caberá ao júri dizer se o crime é hediondo ou não. Caberá ao júri dizer se o crime foi praticado em atividade típica de grupo de extermínio.

Agora, é impensável falar em homicídio simples nesses casos. No mais das vezes, haverá o motivo torpe a qualificar a ação do grupo de extermínio.

Há uma outra questão que é mais polêmica e de ocorrência mais freqüente que diz respeito ao homicídio qualificado privilegiado. Vocês sabem que é possível a coexistência do privilégio do parágrafo 1º do art. 121 e as qualificadoras de natureza objetiva.

É possível compatibilizar, por exemplo, o motivo relevante de valor social ou moral com a utilização de recurso que impossibilite a defesa da vítima.

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Surge aqui a figura híbrida do crime qualificado privilegiado. Essa figura híbrida se sujeita à disciplina da Lei dos Crimes Hediondos? Há duas orientações. A primeira que me parece a mais correta diz que não.

Por quê? Porque o privilégio de ordem subjetiva se sobrepõe às qualificadoras de natureza objetiva. Inclusive, na dosagem da pena, o privilégio se sobrepõe à qualificadora.

Então, essa figura do homicídio qualificado privilegiado não se sujeita, para muitos, ao regramento da disciplina da Lei dos Crimes Hediondos.

Mas não por quê? Porque, neste caso da figura híbrida, o privilégio que tem natureza subjetiva se sobrepõe às qualificadoras de ordem objetiva.

A outra orientação diz que havendo reconhecimento de qualificadora, ainda que haja também reconhecimento de causa de diminuição de pena, aplica-se a Lei dos Crimes Hediondos.

O autor ??? diz que o Supremo decidiu que a disciplina dos crimes hediondos se aplica à figura do homicídio qualificado privilegiado.

Mas a informação que eu sempre tive é exatamente diferente, ou seja, o Supremo na última oportunidade que teve para decidir sobre o assunto firmou o entendimento de que a Lei dos Crimes Hediondos não se aplica à figura híbrida do homicídio qualificado privilegiado.

Art. 1º, II: latrocínio (art. 157, § 3o, in fine). Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

É o roubo seguido de morte. Aqui, é importante saber que essa expressão “latrocínio” utilizada para determinar o crime do art. 157, parágrafo 3º, parte final é estranha ao Código Penal.

O nomem iuris do crime do art. 157, parágrafo 3º parte final não é latrocínio, é roubo seguido de morte. Agora, há esse nome na Lei 8.072/90, mas até então, essa expressão era estranha ao Código Penal.

Mas o Código Penal de 1969 que foi revogado no período da vacatio legis continha um artigo cuja rubrica falava em latrocínio que era o roubo seguido de morte causada dolosamente pelo sujeito.

Pois bem, quando a Lei dos Crimes Hediondos entrou em vigor, surgiu controvérsia na doutrina e na jurisprudência sobre o alcance da expressão latrocínio.

Alguns doutrinadores sustentavam que a expressão “latrocínio” só se aplica ao roubo seguido de morte dolosa, não alcançando o roubo seguido de morte causada culposamente pelo roubador. Vale dizer que hediondo seria apenas o roubo seguido de morte dolosa.

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O roubo seguido de morte culposa não se sujeitaria ao rigor da disciplina da Lei 8.072/90. Aqui, é importante fazer uma observação. A morte que qualifica o roubo é punível tanto a título de dolo quanto de culpa.

O sujeito rouba e mata dolosamente a vítima. É crime de roubo seguido de morte. É crime complexo: roubo mais homicídio doloso. É crime complexo e pluriofensivo. É pluriofensivo porque a tutela penal está voltada para dois bens jurídicos: o patrimônio e a vida. O roubo seguido de morte dolosa é crime da competência do juiz singular.

O sujeito rouba e culposamente dá causa à morte da vítima. É crime do art. 157, parágrafo 3º do Código Penal.

Para alguns, apenas o roubo seguido de morte dolosa é que se sujeita à Lei dos Crimes Hediondos. Se a morte for causada culposamente, não se poderá cogitar da aplicação da Lei 8.072/90.

Bom, passados 17 anos da Lei 8.072/90, a doutrina ainda se divide, mas jurisprudência é firme no sentido de que, por opção do legislador já que o legislador indica o artigo da Lei e dá o nome do crime, o roubo seguido de morte quer se trate de morte dolosa ou culposa é crime hediondo.

Essa é a melhor orientação porque o legislador aqui indicou o artigo de Lei, art. 157, parágrafo 3º, dando a esse dispositivo o nome de latrocínio.

Hoje, de acordo com doutrina e jurisprudência, a expressão “latrocínio” define o roubo seguido de morte, sendo essa morte causada dolosa ou culposamente pelo sujeito.

Vocês sabem que no Código Penal há só três crimes qualificados pelo resultado morte em que a morte como resultado qualificador é punível tanto a título de dolo como de culpa.

Nos demais casos, a morte como resultado qualificador só é punível sempre a título de culpa. Quando causada dolosamente, haverá concurso material de crimes.

Entre, por exemplo, o estupro e o homicídio doloso; entre os maus tratos e o homicídio doloso.

Mas há três crimes que não são propriamente praeter intencionais, não são praeter dolosos. Há três crimes que são qualificados pelo resultado morte em que a morte como resultado qualificador é punível tanto a título de dolo e de culpa.

Que crimes são esses? O roubo, a extorsão e a extorsão mediante seqüestro. Todos são crimes hediondos: roubo seguido de morte, extorsão seguida de morte e extorsão mediante seqüestro seguida de morte.

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Esses crimes têm a morte como resultado qualificador quer quando causada dolosa quer quando produzida culposamente pelo sujeito. Por que isso? Pela escala penal que a Lei prevê para esses crimes.

É que a pena mínima cominada para esses crimes é superior ao somatório das penas do crime em concurso material com o homicídio doloso.

Por exemplo, roubo seguido de morte. Pena desse crime: reclusão de 20 a 30 anos. A pena mínima é de 20 anos de reclusão. Essa pena mínima para o roubo seguido de morte é superior ao somatório das penas do roubo circunstanciado em concurso com o homicídio doloso.

Pena mínima do roubo circunstanciado, praticado, por exemplo, com emprego de arma de fogo: 5 anos e 4 meses. Pena mínima do homicídio qualificado: 12 anos. Penas aplicadas em concurso material: 17 anos e 4 meses.

Ora, se a morte que qualifica o roubo fosse punida apenas quando causada culposamente, o sujeito que matasse culposamente a vítima do roubo seria apenado mais severamente do que aquele que desse causa à morte dolosamente.

Morte dolosa: 17 anos e 4 meses. Morte culposa: 20 anos. Para evitar essa distorção punitiva, a morte é punida como resultado qualificador a título de dolo e de culpa.

Então, o latrocínio a que se refere a Lei dos Crimes Hediondos é o roubo seguido de morte.

Art. 1º, III: extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o). Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

Essa morte também é punida a título de dolo e de culpa.

Art. 1º, IV: extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2o e 3o). Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

Aqui, uma das formas qualificadas da extorsão mediante seqüestro é o correspondente à morte da vítima. Prestem atenção: a morte que qualifica o crime de extorsão mediante seqüestro é a morte da pessoa seqüestrada. É a morte da vítima do seqüestro.

A morte de terceira pessoa causada no percurso do crime da extorsão mediante seqüestro é punível em concurso material.

Exemplo: o policial que se aproxima do local do cativeiro é morto. É crime de homicídio doloso punível em concurso material com a extorsão mediante seqüestro.

A morte que qualifica a extorsão mediante seqüestro é a morte da vítima do seqüestro.

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Esse é o crime punido mais severamente pela Lei Penal brasileira. A extorsão mediante seqüestro seguida de morte é punida com reclusão de 25 a 30 anos. É crime mais grave do direito penal brasileiro.

Vamos ver o art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos. O art. 9º prevê uma causa especial de aumento de pena que se aplica, entre outros crimes, ao roubo seguido de morte, à extorsão mediante seqüestro seguida de morte e a extorsão seguida de morte.

É causa de aumento de pena decorrente do fato de a vítima não ser maior de 14 anos, por exemplo, ou seja, aquelas hipóteses do art. 224 do Código Penal. A pena, neste caso, é acrescida da metade.

A incidência dessa causa especial de aumento de pena nesses crimes faz com haja uma só pena cominada para esses crimes. Qual pena? 30 anos de reclusão.

Para muitos, isso viola o princípio constitucional da individualização da pena. Por que viola? Porque não haverá, neste caso, pena mínima e pena máxima. Terá uma só pena de 30 anos de reclusão.

A doutrina praticamente toda sustenta a inconstitucionalidade do art. 9º no tocante a esses crimes por ofensa ao princípio constitucional da individualização da pena.

Bom, os incisos V e VI do art. 1º falam do estupro e do atentado violento ao pudor. Ambos são crimes contra os costumes, contra a liberdade sexual.

Art. 1º, V: estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único). Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

Art. 1º, VI: atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único). Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

A questão aqui mais polêmica ainda hoje é saber se são crimes hediondos o estupro e o atentado violento ao pudor na sua forma simples e qualificada ou apenas na forma qualificada.

Há duas orientações sobre esse tema. Essa controvérsia surge da má redação do preceito legal.

Há quem entenda que somente o estupro e o atentado violento ao pudor na forma qualificada pelas lesões de natureza grave ou morte da vítima se incluem no rol dos crimes hediondos.

As formas simples não seriam crimes hediondos. Por quê? Porque aqui a Lei fala em art. 213 e 214 e sua combinação.

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Outros, e essa é posição atual do STF, sustentam que o estupro e o atentado violento ao pudor, tanto na forma simples como na qualificado, se inserem como crimes hediondos.

Aqui, mais uma vez, o estupro e o atentado violento ao pudor são qualificados pelas lesões de natureza grave ou morte da vítima.

Esses resultados qualificadores são punidos apenas a título de culpa. O estupro e o atentado violento ao pudor, na sua forma qualificada, são crimes praeter dolosos.

Na hipótese de estupro ou atentado violento ao pudor seguido de morte dolosa, haverá concurso material entre o estupro ou atentado violento ao pudor e o homicídio qualificado.

Quem processa e julga o estupro ou atentado violento ao pudor qualificado pela morte da vítima? O juiz singular. Se a morte for causada dolosamente, haverá concurso material e competência do Tribunal do Júri.

Outra questão importante a ser enfrentada: estupro e atentado violento ao pudor nas hipóteses de presunção de violência do art. 224.

O art. 224 pode ser tratado como uma espécie de norma de adequação típica por subordinação indireta. Por quê? Porque o art. 224 define as hipóteses de presunção de violência que passam a ser elementares do tipo incriminador.

Estupro e atentado violento ao pudor são crimes praticados com emprego de violência física ou grave ameaça contra a vítima. Estabelece a Lei hipóteses de presunção de violência.

São hipóteses em que se presume que a vítima não possa validamente consentir com a prática da conjunção carnal ou dos atos libidinosos.

Então, essas hipóteses de presunção de violência por força do art. 224 passam a ser elementares dos tipos incriminadores do estupro e do atentado violento ao pudor.

Nestes casos, o estupro e o atentado violento ao pudor são considerados crimes hediondos? Embora haja quem entenda que não, embora haja quem entenda que só na forma qualificada é que esses crimes se inserem como crimes hediondos, o Supremo em mais de uma oportunidade assim como o STJ decidiram diferentemente.

STF e STJ decidiram que o estupro e o atentado violento ao pudor, mesmos nas hipóteses de presunção de violência, devem ser tratados como crimes hediondos.

Aí, surge um outro problema: o art. 9º prevê uma causa de aumento de pena aplicável ao estupro e ao atentado violento ao pudor quando a vítima estiver em uma das hipóteses do art. 224. O aumento é de metade.

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Neste caso, é possível a coexistência da presunção de violência do art. 224 como elemento do tipo e a causa de aumento de pena? Há duas orientações sobre esse tema na doutrina e na jurisprudência.

Há quem entenda que não. Essas hipóteses não podem coexistir. A presunção de violência como elementar do tipo incriminador afasta a possibilidade da incidência do aumento de pena previsto no art. 9º.

Por quê? Porque a presunção de violência é elementar do tipo. Se já constitui a figura típica, não pode depois servir de regramento para a exasperação da pena, sob pena de haver bis in idem.

A atual posição do Supremo entende que não há incompatibilidade alguma entre o reconhecimento da presunção de violência como elementar do tipo e a causa de aumento de pena.

Por quê? Porque, ainda que se utilizando de uma técnica legislativa imprópria, o legislador teve a finalidade de estabelecer uma pena mais severa para os casos de presunção de violência.

Ao invés de fazer isso através de preceito sancionatório autônomo, o legislador utilizou aqui uma redação inadequada para prever o aumento de pena nos casos de presunção de violência.

Agora, isso é bem controvertido! O certo seria o legislador criar um preceito sancionatório autônomo.

Uma outra questão importante sobre esses crimes diz respeito ao preceito sancionatório do estupro e do atentado violento ao pudor. As penas desses crimes foram alteradas pela Lei 8.072/90.

A escala penal agora é de 6 a 10 anos. A escala penal é a mesma para ambos os crimes. Sempre se entendeu que o estupro é crime mais grave do que o atentado violento ao pudor. Isso porque do estupro pode resultar a gravidez da vítima.

Por isso, o estupro sempre foi apenado mais severamente do que o atentado violento ao pudor. Mas a Lei 8.072/90 pôs fim a essa diferenciação.

O Professor ??? diz que o legislador violou, ao alterar a pena desses crimes, o princípio da proporcionalidade. Essa história de proporcionalidade e razoabilidade tem que ser vista com muito cuidado, porque o que é razoável para alguns pode não ser para outros.

Teria havido aqui a violação do princípio da proporcionalidade porque o legislador prevê para o estupro uma pena mínima igual ao do homicídio simples. A pena mínima do homicídio simples é de 6 anos. Isso violaria o princípio da proporcionalidade. Mas ninguém reconhece isso.

Art. 1º, VII: epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o). Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

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Aqui, é importante saber que esse resultado morte que qualifica o crime de epidemia é punido a título de culpa.

Art. 1º, VII-B: falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).

Por fim, para finalizar vem o crime de genocídio. É o parágrafo único: Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, tentado ou consumado. Parágrafo incluído pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994.

Então, sobre o genocídio, é importante saber que se trata de crime contra a humanidade. O genocídio não é crime doloso contra a vida. O genocídio é considerado crime contra a humanidade da competência da justiça federal.

O Brasil é signatário de tratados internacionais que o obriga a reprimir e punir o genocídio.

Bom, o STF recentemente decidiu uma questão importante. Decidiu que o genocídio pode ser imputado ao réu em concurso, para alguns, material e, para outros, formal, com os crimes de homicídio qualificado.

Aí, são duas as hipóteses possíveis. Se a denúncia descrever e imputar aos acusados apenas o crime de genocídio, a competência é do juiz federal singular para processar e julgar o crime de genocídio.

Se a denúncia descrever e imputar ao acusado a prática em concurso com homicídio, aí a competência será do Tribunal do Júri federal. Por quê? Por força da conexão dolosa.

Pergunta de aluno.

Resposta: para alguns, é caso de concurso formal entre genocídio e homicídio. Os ministros não examinaram essa questão a fundo. Mas para outros, é caso de concurso material.

Eu penso até que o mais correto é o concurso formal impróprio. São dois desígnios. Dolo de genocídio e dolo de homicídio.

Paramos aqui. Até semana que vem.

6ª aula – 18/06/2007

Vamos terminar de falar sobre a Lei dos Crimes Hediondos. Faltou falar, se não me engano, do art. 8º. O art. 8º trata da pena cominada para o crime de quadrilha ou bando direcionado à prática de crimes hediondos, tortura ou terrorismo.

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É importante lembrar que o crime de associação para o tráfico do art. 35 da nova Lei Anti-Drogas afasta, pelo princípio da especialidade, o reconhecimento do crime do art. 288. É o princípio da especialidade.

Hoje, associação para o tráfico é punida com reclusão de 3 a 10 anos. A nova Lei Anti-Drogas estabeleceu, no art. 35, a pena prevista originariamente prevista no art. 14 da antiga Lei de Tóxicos.

Vimos que o STF havia firmado entendimento de que o art. 14 da Lei 6.368/66 foi derrogado, ou seja, foi revogado em parte pelo art. 8º. Ocorreu a revogação do efeito sancionatório do art. 14.

Havia, antes da nova Lei Anti-Drogas, uma combinação de leis penais. A descrição típica do crime era a do art. 14 e as penas eram as do art. 8º. O art. 35 que corresponde ao antigo art. 14 estabeleceu a pena primitiva da associação para o tráfico, ou seja, de 3 a 10 anos.

Mas há no direito penal dois crimes de quadrilha ou bando. Há a quadrilha ou bando para a prática de crimes hediondos, tortura ou terrorismo punível com as penas previstas no art. 8º. A descrição típica é a do art. 288 com as penas do art. 8º.

E há a quadrilha ou bando direcionado para a prática de outros delitos, como roubo, furto, evasão de divisas, lavagem de capitais, etc. É a quadrilha ou bando do art. 288 do Código Penal punível com as penas previstas no próprio art. 288.

É importante relembrar que a quadrilha ou bando é crime formal, é crime de consumação antecipada. Qual é o bem jurídico que a Lei quer tutelar no crime de bando ou quadrilha? A paz pública.

O crime de quadrilha é formal de consumação antecipada. É crime que se consuma independentemente da prática dos crimes projetados. O que caracteriza o bando ou quadrilha é a existência de uma associação estável, mais ou menos permanente direcionada para a prática de um número indeterminado de crimes.

Os crimes efetivamente praticados são puníveis em concurso material com o delito de quadrilha. Quando o crime realizado pela quadrilha for um daqueles a que se refere o art. 1º da Lei 8.072/90, efetuado o tráfico de drogas, as penas serão as do art. 8, ou seja, de 3 a 6 anos de reclusão.

Quando se tratar de outros delitos diferentes daqueles a que alude a Lei dos Crimes Hediondos, as penas serão as do próprio art. 288, de 1 a 3 anos.

Bom, a quadrilha é uma associação estável e permanente de, no mínimo, quatro pessoas para a prática de um número indeterminado de crimes. A quadrilha ou bando é crime plurisubjetivo. É, na linguagem da doutrina tradicional, crime de concurso necessário. Tem que ter no mínimo quatro pessoas.

No cômputo do número de integrantes da quadrilha, estão incluídos inclusive os inimputáveis.

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Vamos estabelecer um vínculo entre o Código Penal, a Lei dos Crimes Hediondos e a chamada Lei do Combate ao Crime Organizado, Lei 9.034/95 que prevê como meio de investigação das organizações criminosas a infiltração de agentes policiais. Está no art. 2º, V da Lei 9.034/95.

Art. 2º, V: em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: V - infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

Essa mesma medida de investigação está prevista no art. 53 da Lei Anti-Drogas. A questão aqui é saber se o agente infiltrado na organização criminosa deve ser incluído no cômputo dos integrantes da quadrilha.

Mais a frente, nós vamos ver que a Lei 9.034/95, em uma omissão lamentável, não define organização criminosa ou associação criminosa e nem toda quadrilha ou bando é organização criminosa.

Por outro lado, a associação ou organização criminosa não depende do concurso estável e permanente de no mínimo quatro pessoas para a sua existência.

Bom, o agente infiltrado deve ser computado como membro da quadrilha? A maioria sustenta que sim, argumentando que a organização criminosa não é propriamente crime de quadrilha. Se, por ventura, a organização criminosa for integrada por três pessoas, o fato de o agente policial se infiltrar na organização faz com que se possa cogitar o reconhecimento do crime de quadrilha.

Repetindo: três pessoas podem e devem formar uma organização criminosa. A associação ou organização criminosa é, no direito penal brasileiro, um crime autônomo? Não. A Lei Penal não define organização e associação criminosa. Foi uma omissão lamentável da Lei.

A Lei 9.034/95 é a chamada Lei de Combate ao Crime Organizado. O art. 1º dessa Lei faz referência à associação e organização criminosa.

Em tese, a associação ou organização criminosa pode ser integrada por três pessoas sem, com isso, constituir crime autônomo.

Vai caracterizar a associação criminosa para autorizar a adoção dos métodos de investigação da Lei 9.034, mas não configura por si só o crime. Crimes serão, por ventura, as condutas realizadas pela organização criminosa.

Então, três pessoas associadas de forma estável e permanente não possibilitam o reconhecimento do crime de quadrilha, porque este pressupõe associação mais ou menos estável e permanente entre, pelo menos, quatro pessoas.

Com a infiltração do agente policial, o número de integrantes da organização criminosa passa para quatro. Então, o agente infiltrado deve ser

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computado entre os membros da organização criminosa de modo a possibilitar o reconhecimento do crime de quadrilha?

A maioria entende que sim. Por quê? Porque o agente infiltrado viverá sempre ou quase sempre na contingência de praticar crimes em conluio com os demais membros da organização criminosa. Logo, o agente infiltrado deve ser considerado como membro da quadrilha, sendo computado no número de integrantes da quadrilha.

Pergunta de aluno.

Resposta: o art. 288 do Código Penal define o crime de quadrilha ou bando. Pena cominada para quadrilha ou bando: 1 a 3 anos de reclusão. O art. 8º estabelece pena de 3 a 6 anos de reclusão quando a quadrilha for voltada para a prática de crimes hediondos, tortura e terrorismo.

Isso quer dizer que há dois crimes de quadrilha no direito penal brasileiro. Há a quadrilha direcionada para a prática de crimes hediondos, tortura e terrorismo que é apenada com reclusão de 3 a 6 anos. E há a quadrilha voltada para a prática de outros delitos que é punida com reclusão de 1 a 3 anos.

Pergunta de aluno.

Resposta: vejam bem, a Lei 9.034/95 tem a finalidade de combater o crime organizado. Isso está na disposição de motivos da Lei. A Lei fala em associação ou organização criminosa sem, no entanto, defini-la. A Lei não tipifica a associação ou organização criminosa.

Há quem diga que a associação criminosa é a quadrilha em termos. Mas em termos por quê? Porque nem toda quadrilha será a associação criminosa que a Lei 9.034/95 tem a finalidade de combater.

Por outro lado, a organização criminosa não exige o concurso de quatro pessoas. Há necessidade de, no mínimo, duas pessoas. Mas na prática, a organização é algo maior do que uma simples associação entre duas pessoas.

Mas, em tese, a associação entre duas pessoas para a prática de crime pode configurar uma associação criminosa de modo a ensejar a aplicação da medida de investigação pela Lei 9.034. Pode possibilitar a aplicação da Lei 9.034 sem que, com isso, constitua crime autônomo. Crime é a quadrilha ou bando.

Esse agente infiltrado em uma associação criminosa composta de três pessoas possibilitará, se houver vínculo com estabilidade e permanência para a prática de crime, o reconhecimento da quadrilha.

A questão é saber se esse policial infiltrado deve ou não ser computado para o fim de reconhecimento do crime de quadrilha. A maioria entende que sim. Por quê? Porque esse policial estará infiltrado em uma organização criminosa podendo, em virtude disso, praticar crimes.

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Vamos falar da recente Lei que vem gerando uma série de polêmicas que é a Lei 11.464/07 que alterou a Lei dos Crimes Hediondos. Essa Lei entrou em vigor no dia 29 de março.

Nós já falamos sobre isso, mas é importante repetir. A Lei dos Crimes Hediondos proibia, em termos genéricos, a liberdade provisória com ou sem fiança.

Bom, a proibição da liberdade provisória foi abolida pela Lei 11.464/07. A nova redação dos crimes hediondos proíbe, neste particular, apenas a fiança. Vale dizer que a Lei 11.464 repete o que consta na art. 5º, XLIII da CFRB/88.

É possível, portanto, nos crimes hediondos a liberdade provisória do art. 310, parágrafo único do Código. A liberdade provisória do art. 310, parágrafo único é cabível em relação ao preso em flagrante que pressupõe a inocorrência dos motivos que autorizam a prisão preventiva.

Ou seja, mesmos nesses crimes que o legislador considerou de relativa gravidade, será possível a concessão da liberdade provisória do art. 310, parágrafo único.

Um segundo ponto de alteração da Lei dos Crimes Hediondos diz respeito à progressão de regime prisional. Antes, a Lei dos Crimes Hediondos exigia o cumprimento da pena privativa em regime integralmente fechado. Essa exigência constava no parágrafo 1º do art. 2º da Lei 8.072/90.

Bom, então, a Lei antiga exigia o regime integralmente fechado. Mas depois de dezesseis anos julgando de maneira diametralmente oposta, o Supremo, apreciando pedido de HC, declarou incidenter tantum em controle difuso da constitucionalidade a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado por considerá-lo ofensivo aos princípios da individualização e da humanidade da pena.

Malgrado essa decisão tenha sido proferida no controle difuso, o STF vem conferindo uma espécie de eficácia erga omnes.

Não obstante o Senado não tenha editado resolução retirando, nesse ponto, a Lei dos Crimes Hediondos do ordenamento jurídico, o STF vem dando a essa decisão proferida em controle difuso efeitos erga omnes, assegurando ao condenado em crime hediondo à progressão de regime prisional. Vem fazendo isso desde 23 de fevereiro de 2006.

Agora, com a nova redação do caput art. 2º, não há dúvida alguma: é cabível a progressão do regime prisional. De acordo com o art. 2º, com a sua nova redação, o cumprimento da pena se iniciará em regime fechado.

Quais são os requisitos temporais específicos para a progressão nos crimes hediondos e assemelhados? O cumprimento de 2/5 da pena, se o condenado for primário, e de 3/5, se for reincidente.

Nesses casos, é afastada a regra do art. 112 da LEP. É afastado o requisito temporal do art. 112. Aqui, o requisito temporal é mais rigoroso.

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Caso se entenda como o Supremo vem considerando que o regime fechado é inconstitucional, esses requisitos específicos temporais somente incidirão no tocante aos crimes praticados a partir da data da vigência da Lei 11.464/07, ou seja, 29.03.07.

Por quê? Porque, nesse ponto, a Lei 11.464/07 agrava a situação do condenado. Antes o condenado teria que cumprir 1/6 da pena, agora, terá que cumprir 2/5 ou 3/5.

Em relação aos delitos anteriores, subsiste a existência da exigência de cumprimento de 1/6 da pena.

Há quem sustente que o regime integralmente fechado não viola o princípio constitucional da individualização. A mim, me parece que essa orientação está correta. Por que não viola? Porque a individualização da pena é feita em três etapas. A primeira é feita pelo legislador que comina as penas do delito. São penas mínimas e máximas. É a individualização da pena feita no plano legislativo.

Depois, a individualização da pena é feita no plano judicial. É feita pelo juiz no momento da sentença condenatória, no momento da dosimetria da pena. O juiz individualiza a pena de acordo com a Lei. A Lei aqui havia resolvido suprimir a possibilidade da progressão.

Depois, há a individualização da pena no plano administrativo no curso da execução penal. A execução penal é uma atividade complexa, porque envolve os planos judiciais e administrativos.

Então, caso se entenda que não há inconstitucionalidade alguma na exigência do regime integralmente fechado para os crimes cometidos até o início da vigência da Lei 11.464/07, o requisito temporal para a progressão será da Lei nova, ou seja, cumprimento de 3/5 ou de 2/5 da pena.

Por quê? Porque a prevalecer o entendimento, a progressão do regime só se tornou possível a partir da Lei nova 11.464/07. Logo, a Lei retroage inclusive quanto aos requisitos da proteção para alcançar os crimes praticados anteriormente.

Pergunta de aluno.

Resposta: se você sustentar que o regime integralmente fechado não viola a Constituição ou se o Supremo mudasse de opinião e voltasse a decidir como decidiu ao longo dos dezesseis anos iniciais de vigência da Lei dos Crimes Hediondos, nesse caso, a progressão seria possível a partir da Lei nova, a partir de 29.03.07.

Eu li em um artigo do Professor Renato ??? de São Paulo em que ele sustenta uma posição intermediária, um pouco diferente, mas é uma posição que a meu ver não condiz com a sistemática do direito penal. Eu não concordo com ele.

Ele diz o seguinte: para os crimes praticados até o dia 26.02.06, os requisitos da progressão são os da Lei nova: 2/5 ou 3/5 de cumprimento da pena. Por quê? Porque até essa data 23.02.06, a orientação do STF, pode se dizer até

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consolidada em Súmula, era no sentido de que o regime integralmente fechado não viola a Constituição.

A progressão só seria possível, diz esse professor, a partir da data em que o Supremo reconheceu incidenter tantum a inconstitucionalidade.

Entre o dia 23.02 e o dia 29.03, o requisito temporal para a progressão seria de 1/6 da pena. A partir do dia 29.03, a Lei nova incidiria em todas as suas disposições.

Esse autor faz o seguinte raciocínio que a mim não convém: até o dia 23.06.06, não havia possibilidade de progressão nesses crimes, porque para o Supremo não havia inconstitucionalidade alguma no regime integralmente fechado.

Então, quem cometeu crime hediondo ou assemelhado até o dia 23.02 terá direito agora à progressão, por força da Lei nova que incidirá inclusive quanto aos requisitos da progressão de regime prisional (2/5 e 3/5).

A partir do dia 23.02, com a declaração de inconstitucionalidade, a progressão se tornou possível. Do dia 23.02.06 ao dia 29.03.07, quem praticar crime hediondo ou assemelhado fará jus à progressão cumprindo 1/6 da pena. A partir do dia 29.03, progressão com cumprimento de 2/5 ou 3/5 da pena.

Eu não concordo com esse raciocínio. O correto é dizer que, se o regime integralmente fechado é inconstitucional, até 29.03, a progressão ocorrerá com 1/6 da pena. Se o regime fechado é constitucional, a progressão só se tornou possível a partir da Lei nova.

Essa posição intermediária de que se exige, para os crimes anteriores à declaração de inconstitucionalidade, o cumprimento de 2/5 ou 3/5 penso eu ser descabida.

Pergunta de aluno.

Resposta: o importante é saber qual é o tempo da prática do crime.

Pergunta de aluno.

Resposta: livramento condicional e progressão de regime não se confundem. A progressão de regime nos crimes hediondos e assemelhados exige o cumprimento de 2/5 ou 3/5 da pena. Já o livramento condicional exige o cumprimento de 2/3 da pena que é mais do que 2/5.

Além disso, há outro requisito específico que é não ser o condenado reincidente específico. Se o condenado for reincidente específico, não caberá o livramento condicional, ainda que cumpridos 2/3 da pena.

O reincidente específico está no art. 83, V do Código Penal. Esse dispositivo foi acrescentado pela Lei dos Crimes Hediondos. A Lei dos Crimes Hediondos ressuscitou a figura do reincidente específico.

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Quem é o reincidente específico de que trata o art. 83, V do Código Penal? É o reincidente em qualquer crime hediondo ou assemelhado. O sujeito foi condenado, primeiro, com sentença transitada em julgado, por tráfico de drogas.

Depois, comete crime de extorsão mediante seqüestro e vem a ser condenado. Esse sujeito é reincidente específico porque reincidiu na prática de crime hediondo e assemelhado.

Já que voltamos a esse tema, é importante relembrar que a nova Lei de Drogas, neste ponto, ao tratar do livramento condicional no tráfico, é Lei penal benigna, é Lei penal que favorece o condenado.

Por quê? Porque a Lei Anti-Drogas exige o cumprimento de 2/3 da pena para o livramento condicional e não cita o reincidente específico, só se esse reincidente específico for um reincidente no tráfico. Por quê? Porque a Lei Anti-Drogas é uma Lei especial.

A interpretação que se tem dado ao parágrafo único do art. 44 da Lei Anti-Drogas é a seguinte: o reincidente específico desse dispositivo é o reincidente do tráfico. Se for condenado por crime hediondo, poderá obter a progressão cumprindo 2/3 da pena.

Pergunta de aluno.

Resposta: a Lei processual penal não retroage. A Lei processual penal tem aplicação imediata. É o tempus regit actum em matéria processual. Aqui, se leva em conta o tempo da prática do ato processual.

A Lei processual penal tem aplicação imediata sem prejuízo, no entanto, da validade dos atos praticados sob a égide da Lei anterior. Não é que a Lei retroaja, a Lei tem eficácia imediata a partir daquele momento.

A Lei que passa a permitir, ainda que implicitamente, a liberdade provisória tem aplicação imediata? Tem.

Pergunta de aluno.

Resposta: mas isso é vedação de liberdade provisória. A Lei que passar a admitir a liberdade provisória terá aplicação imediata, sem prejuízo da aplicação dos atos anteriores.

Ou seja, neste caso, não será considerado erro judiciário, não gerará direito à indenização a prisão provisória mantida anteriormente em virtude da vedação da liberdade provisória. A liberdade provisória só será possível a partir dali.

Agora, é diferente da Lei que proíbe a liberdade provisória. Lei que venha a proibir liberdade provisória só se aplicará aos crimes cometidos na sua vigência. Por quê? Porque a proibição da liberdade provisória restringe o direito individual. Qual é o direito individual cerceado? O da liberdade provisória.

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Então, norma processual que imponha restrição a direito com garantia individual só se aplicará aos crimes cometidos na sua vigência. É uma exceção ao princípio da aplicação imediata da Lei processual penal.

Entretanto, a tendência é o Supremo declarar qualquer Lei que vede a liberdade provisória como inconstitucional. Mas caso venha essa Lei e o Supremo não a declare inconstitucional, ela só poderá ser aplicada aos crimes cometidos na sua vigência.

Por quê? Porque, embora a liberdade provisória seja instrumento predominantemente processual, é também um direito individual. Então, Lei que proíba ou vede liberdade provisória estará também restringindo direito individual.

Logo, não poderá ter aplicação imediata. Terá que ser respeitado o princípio da irretroatividade da Lei gravosa. É o que a doutrina chama de norma processual de conteúdo material ou norma processual imprópria.

É imprópria porque, embora seja de natureza predominantemente processual, ou ela tem reflexos penais ou ela atinge a direitos e garantias individuais.

Vamos estudar na seqüência a Lei de Combate ao Crime Organizado. É a Lei 9.034/95 e suas alterações feitas pela Lei 10.217. Vamos ver o art. 1º dessa Lei.

Art. 1º: esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo.

Então, vejam bem. A redação absolutamente imprópria e inadequada do art. 1º permite que se faça a distinção entre bando e quadrilha, organização criminosa e associação criminosa.

Por isso eu disse antes que a organização ou associação criminosa não é propriamente a quadrilha ou bando. Não há na Lei penal brasileira definição de crime organizado, definição de organização ou associação criminosa.

O que se faz na prática, na jurisprudência, é dispensar a certas quadrilhas o tratamento penal que a Lei 9.034/95 prevê. Eu particularmente nunca vi aplicação dessa Lei senão à quadrilha e aos crimes por elas praticados.

Teoricamente, a associação ou organização criminosa pode ser integrada por duas ou mais pessoas, no mínimo duas. Normalmente, essa Lei tem aplicação no tocante a certas quadrilhas.

E o que a Lei trouxe de novo foram métodos de investigação. Métodos, providências investigatórias, todas ou quase todas cabíveis na fase pré-processual. São os métodos de investigação a que se refere o art. 2º, já com a redação que lhe deu a Lei 10.217/2001.

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Art. 2º: em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: I – vetado.

Art. 2º, II: a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.

É a ação controlada. A ação controlada que enseja o que a doutrina chama de flagrante postergado, flagrante diferido, ou ainda, flagrante retardado.

Em que consiste a chamada ação controlada? O que é uma ação controlada? A chamada ação controlada consiste em um retardamento da prisão-captura (mantido o autor do fato criminoso sob vigilância, sob controle), para que esta se realize no momento mais oportuno para a obtenção de provas sobre a organização criminosa e suas atividades.

Esse é um abrandamento do dever do art. 301 do Código que impõe à autoridade policial e seus agentes de prenderem quem quer que se encontre em flagrante delito.

Nesses casos, o agente da autoridade policial poderá retardar o momento da prisão captura de maneira que essa providência seja realizada no momento mais oportuno para a obtenção de provas sobre a organização ou associação criminosa, sobre a quadrilha ou bando e suas atividades.

Existem duas críticas principais feitas pela doutrina. Primeira: a ação controlada de que trata o art. 2º inciso II, que tem como modelo um instituto semelhante no direito norte americano, é totalmente descontrolada, não há controle algum.

A ação controlada no direito americano e agora na Lei de Drogas está assim sofre controle imediato e direto do juiz e MP. Há um controle aqui de todos. Juiz e MP controlam a atividade ou a inação policial, controlam o retardamento da prisão em flagrante.

A polícia e seus agentes controlam, monitoram a atividade do sujeito ativo do delito para prendê-lo no momento mais oportuno sob o ponto de vista de obtenção de provas.

Aqui, não há controle algum, ninguém controla a atividade policial e a inação da atividade policial.

Outro aspecto: a Lei não diz em relação à quais crimes é possível a ação controlada e é obvio que a autoridade policial deve agir aqui com extrema cautela.

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Não se justifica, e isso é ponto comum entre os doutrinadores e mesmo nos tribunais, a ação controlada, o retardamento da prisão em flagrante em relação, por exemplo, a crimes de homicídio.

A polícia tenta identificar os integrantes do grupo de extermínio, quadrilha voltada para a prática de homicídios. Com essa finalidade, deixa de prender em flagrante um integrante da organização criminosa no momento da realização do homicídio, deixando com isso de evitar a própria prática do homicídio. Isso é inadmissível.

Outro exemplo: crime de extorsão mediante seqüestro, também é inconcebível a ação controlada. Não pode a polícia retardar a prisão captura, retardar a libertação da vítima para obter provas melhores sobre o fato.

Ou seja, quando o crime atingir e violar bens jurídicos individuais como a integridade corporal, liberdade pessoal, não se deve cogitar esse método de investigação.

Por que se fala em flagrante retardado ou flagrante postergado? Porque a prisão captura será retardada no tempo.

O que há, nesses casos, é também uma espécie de flagrante esperado, que não se confunde nem com o flagrante preparado, nem com o flagrante provocado. A polícia espera o momento mais oportuno para realizar a prisão captura.

Parte dessas críticas foi absorvida pelo legislador da Lei 11343, nova Lei Anti-Drogas. O art.53, II diz: a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Eu digo em parte pelo seguinte: essa ação controlada, essa não atuação policial desse dispositivo é uma espécie de ação controlada. Mas a ação controlada aqui autoriza o retardamento da prisão em flagrante apenas dos portadores de drogas.

Essa espécie de ação controlada depende de autorização judicial ouvido o MP. É diferente da ação controlada da Lei 9.034 que é determinada pela própria autoridade policial.

Essa não atuação policial do art.53, II exige autorização judicial ouvido o MP.

Pergunta de aluno.

Resposta: não fere o princípio da imparcialidade porque, no processo penal brasileiro, não há um juiz que acompanhe a investigação e outro juiz que processe e julgue ação penal.

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O juiz das medidas cautelares pré-processuais será em regra um juiz competente para a ação penal. Aqui ocorre o contrário: essas providências de natureza cautelar objeto de decisão judicial na fase do inquérito previnem a competência do juízo para a ulterior ação penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: a infiltração tanto da Lei 9.034 como da Lei Anti-Drogas exige autorização judicial prévia. Já a ação controlada não exige. A ação controlada da Lei 9.034 não exige autorização judicial nem manifestação do MP.

A atividade da polícia não é submetida a controle por parte do judiciário ou do MP. Mas, na Lei Anti-Drogas não; é diferente. Na Lei Anti-Drogas, a ação controlada é precedida de autorização judicial ouvido o MP, ou seja, a polícia terá depois que prestar contas sobre a sua atividade.

Há um outro aspecto aí: a Lei fala no art. 1º e repete no art. 2º da organização criminosa para a prática de crime. Logo, teoricamente, essa Lei não se aplica quando se tratar de organização criminosa para a prática de contravenções penais.

É preciso buscar na atividade da organização criminosa crimes que justifiquem a adoção dessas medidas.

Bom, vamos ver agora o inciso III. Art. 2º, III da Lei 9.034: o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.

O inciso III trata da quebra do sigilo bancário, fiscal, financeiro e de dados eleitorais do indivíduo. Essa quebra que a Lei permite se baseia no fato de que o direito constitucional à privacidade não é absoluto. Aliás, não há direitos absolutos.

Os direitos e interesses, mesmo quando constitucionalmente tutelados, devem conviver harmonicamente dentro do sistema jurídico. Há casos de conflito de valores. Nesses casos de conflito, cabe ao intérprete fazer uma ponderação, salvaguardando o bem ou interesse naquele fato considerado mais relevante.

O que justifica a quebra do sigilo bancário, fiscal, de dados eleitorais, financeiros do cidadão é o interesse público na prevenção e repressão do delito.

Um ponto que tem que ser abordado com mais ênfase diz respeito à obtenção desses dados cobertos pelo sigilo que pode ser quebrado por decisão judicial. A obtenção desses dados pode ser feita por ação direta do juiz que, ao obter diretamente o dado, por exemplo, da agência bancária, ficaria responsável pela preservação do sigilo.

É o que diz o art. 3º da Lei: nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.

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É atribuída aqui ao juiz função de natureza persecutória. O juiz aí se transformaria em agente da investigação. O juiz faria às vezes do policial que se dirige ao responsável pela guarda dos dados para obtê-los.

Pois bem, o STF declarou a inconstitucionalidade deste art. 3º no que concerne aos dados financeiros e eleitorais e julgou prejudicada a ação, a meu ver equivocadamente, no que tange aos dados cobertos pelo sigilo bancário e fiscal.

O STF julgou prejudicada a ação ao argumento de que este artigo, neste ponto, teria sido derrogado pela Lei Complementar 105/01. Agora, de qualquer maneira, esse artigo não está mais em vigor quer pela inconstitucionalidade, quer pela derrogação.

O fundamento da inconstitucionalidade que deveria ter atingido a totalidade do dispositivo é que não se pode admitir no sistema de processo penal brasileiro a figura do juiz inquisidor. Isso quebra a imparcialidade do magistrado ferindo o princípio do devido processo legal.

Então, o juiz pode determinar a quebra do sigilo nesses casos, mas não pode realizar diretamente e pessoalmente a diligência de obtenção desses dados.

Pergunta de aluno.

Resposta: a autorização é judicial, mas a diligência não pode ser executada pelo juiz.

Vamos para o art. 2º, IV: a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial.

O inciso IV trata da interceptação, escuta ou gravação através desses sistemas de tecnologias. Essas diligências são precedidas de circunstanciada autorização judicial.

Essa autorização judicial deve descrever todas as circunstâncias da diligência. Por isso, uma autorização judicial circunstanciada. Além de devidamente fundamentada, essa autorização tem que ser circunstanciada. Tem que descrever o método de realização da diligência, tempo de duração, etc.

Nesse ponto, surge a questão sobre a captação de sons e imagens em via pública. A doutrina majoritária e a jurisprudência sustentam que, em regra, não haverá nesses casos de gravação em via pública a autorização judicial prévia e circunstanciada a que se refere o inciso IV.

Quando se tratar de gravação de diálogo, gravação ambiental ou escuta ambiental clandestina de diálogo de pessoas presentes, haverá a necessidade de autorização prévia.

Eu falo como regra porque a gravação poderá ser feita independentemente de autorização judicial se realizada no momento da prática do

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crime. O sujeito está sendo vítima da prática de um crime e grava um diálogo. Isso é válido.

Agora, a gravação de diálogo em regra vai depender de autorização judicial prévia e circunstanciada. Já a filmagem em via pública, ou seja, captação de imagens não precisa.

Por quê? Porque não se pode falar propriamente em direito à privacidade a ser preservada. É óbvio que a utilização dessas imagens somente será possível para instruir a investigação criminal ou o processo penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: mas aí surgem outras questões que a Lei também não regulamenta. É outra omissão lamentável do legislador. Vejam bem: o agente infiltrado certamente está infiltrado em uma quadrilha ou organização criminosa. Ele certamente está infiltrado na contingência de praticar crimes.

Há de se estabelecer o limite ético desse comportamento? Não há limite ético algum! Ah, mas ele pode matar? Pode, porque se ele não matar ele morre! Se ele não matar no contexto de uma organização criminosa, fatalmente será descoberta a sua identidade.

Mas a Lei deixa em branco essa questão fundamental, primeiramente, quanto aos limites. Não há limites. Além dos limites, a Lei também não diz quais são as conseqüências do atuar do agente infiltrado.

Vamos imaginar que o sujeito se infiltrou em uma associação para o tráfico e os traficantes passem a comercializar drogas. Os traficantes começam a pilotar veículos transportando drogas. O sujeito está então realizando conduta de tráfico.

Pergunto: esse comportamento constitui crime? Vamos imaginar que esse agente infiltrado inclusive mate um outro policial para não ser descoberto e morrer. Esse comportamento constitui crime?

Temos que trabalhar com o conceito analítico de crime. Essa conduta é típica? A conduta é típica. A maioria entende que sim, salvo aqueles que adotam a teoria da tipicidade conglobante.

Aqui, faltaria, para a tipicidade, a antinormatividade do comportamento. Por quê? Porque é a própria Lei que determina a infiltração. Mas aí a crítica que se faz é que o que a Lei determina não é a prática dos crimes, mas sim a infiltração do agente na organização criminosa. Logo, a conduta é típica.

É típica porque a autorização não é para a prática de crime, mas sim para a infiltração. Agora, é óbvio que a infiltração vai gerar a prática de delitos.

Bom, a conduta é típica. Agora, a conduta é ilícita? Aqui, também há divisão porque o sujeito infiltrado estaria agindo no estrito cumprimento do dever legal.

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Mas o problema é que o dever legal aqui é de infiltração e não o dever de praticar crimes.

Aí, o fato é visto como típico e ilícito, passando-se ao exame da culpabilidade do agente. Tem que se verificar se era exigível, naquelas circunstâncias do agente infiltrado, um comportamento diverso, ou seja, conforme o direito.

Esse é o princípio reitor da culpabilidade. É o princípio da exigibilidade de conduta diversa. É verificar, no fato, se era exigível do agente infiltrado um outro comportamento ou se o agente atuou sob coação moral irresistível. Por exemplo, atuou para não morrer.

O fato é sempre ilícito, mas faltaria a culpabilidade. Faltaria, no fato, a exigibilidade de conduta diversa.

Há os que sustentam que o fato é típico, ilícito e o agente é culpável, sendo a infiltração uma causa pessoal de isenção de pena. Eu, particularmente, prefiro falar em ausência de culpabilidade, em inexigibilidade de conduta diversa.

Agora, eu reconheço que é difícil sempre e sempre se cogitar da inexigibilidade. São vários os acontecimentos que podem gerar diversas conseqüências penais.

Agora, de qualquer maneira, o sujeito não será punido. Ah, tem que ser punido dependendo do crime praticado?! É o limite ético! Eu acho isso muito difícil! Acho difícil falar em limite ético. O problema é que a Lei não fala de nada disso.

Vamos pular alguns dispositivos. Vamos para o art. 7º que veda a liberdade provisória: não será concedida liberdade provisória, com ou sem fiança, aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa.

É outra impropriedade da Lei. O difícil é definir a intensa e a efetiva participação do fato criminoso. Na verdade, a Lei de Combate ao Crime Organizado não contém uma vedação genérica acerca da liberdade provisória.

Eu não vejo aí uma vedação genérica. Por quê? Porque a liberdade provisória aqui será negada em relação aos sujeitos que tiverem tido intensa e efetiva participação no fato criminoso. Deixa aí ao juiz certa dose de discricionariedade no exame da efetiva e intensa participação do sujeito.

Bom, mas há uma situação esdrúxula, porque nos crimes considerados mais graves que são os hediondos e assemelhados, não há mais vedação da liberdade provisória. Essa alteração da Lei dos Crimes Hediondos é recente e muito posterior à Lei de Combate ao Crime Organizado.

Então, a meu ver, esse art. 7º está tacitamente revogado. Não se justifica mais a vedação da liberdade provisória da Lei de Combate ao Crime Organizado na medida em que a Lei dos Crimes Hediondos a permite para delitos que o legislador considera mais grave.

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A tendência é o Supremo, quando tiver oportunidade, ou seguir esse raciocínio da revogação tácita ou declarar inconstitucional essa proibição.

Outro ponto relevante que merece ser abordado é o da proibição do recurso em liberdade. É o art. 9º.

Art. 9º: o réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta Lei.

A tendência é o Supremo, se tiver oportunidade de se pronunciar sobre esse tema, dizer que este dispositivo tem que ser interpretado em consonância com a Constituição. É o Supremo reconhecer que o direito ao duplo grau de jurisdição afasta a proibição genérica do recurso em liberdade.

A prisão pode até ser mantida, se o réu estiver preso, ou pode ser decretada como providência de natureza cautelar. Qual o motivo que pode justificar a mantença ou a decretação da prisão do acusado quando da prolação da sentença condenatória apelável? A garantia da ordem pública ou da ordem econômica e o assegurar da Lei Penal.

A prisão pode ser mantida ou decretada, mas não pode ser exigida como pressuposto recursal objetivo.

O Supremo agora recentemente, embora em decisão de turma, decidiu que a prisão quando da condenação pode ser mantida ou decretada como medida cautelar, mas não se pode mais cogitar da prisão provisória para apelar.

De acordo com essa decisão do Supremo, esse pressuposto viola o princípio do duplo grau de jurisdição. Não quero confundi-los, mas há um problema na decisão.

Da leitura técnica do informativo, chegamos à seguinte conclusão. O Supremo, ao redigir assim, ao reconhecer que o duplo grau de jurisdição se sobrepõe à exigência de prisão provisória cautelar, afastou a aplicação do art. 594 do Código, cuja redação atual, se não me engano, é de 1973.

O argumento é que o Pacto São José da Costa Rica, incorporado ao direito brasileiro desde a sua ratificação pelo Senado, assegura o duplo grau de jurisdição.

O Supremo ainda não resolveu ao final qual é a sua decisão a respeito desse assunto. Mas vejam bem: caso se entenda que o Pacto São José da Costa Rica foi incorporado no direito brasileiro com status de Lei infraconstitucional (e essa é a atual posição do Supremo), a questão aqui neste caso foi resolvida de acordo com a sucessão de leis no tempo.

O pacto foi incorporado no direito brasileiro em 1992. A redação do art. 594 é de 1973, ou seja, o pacto é posterior ao Código.

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Mas a Lei de Combate ao Crime Organizado é posterior à ratificação pelo Brasil do pacto. Aí, não há sucessão de leis no tempo. Ou melhor: há em favor da Lei especial, da Lei de Combate ao Crime Organizado.

Aí, essa questão vai ter que ser examinada no momento oportuno sobre um outro prisma que é sobre o prisma da constitucionalidade. Essa questão está afeta ao Plenário.

O Supremo já decidiu várias vezes que o duplo grau de jurisdição não integra o rol de garantias individuais. Agora, essa questão voltou a ser discutida e está no Plenário.

Para afastar o art. 9º, o Supremo tem que reconhecer que o duplo grau está na Constituição. Eu penso que não dá para falar em sucessão de Lei no tempo.

Ou então teria que adotar uma solução intermediária sem entrar no aspecto da constitucionalidade que é dizer que o pacto está no ordenamento jurídico brasileiro entre a Constituição e as leis infraconstitucionais.

Seria inferior à Constituição, mas supralegal. Aí, estando acima da Lei, não precisa falar em inconstitucionalidade, o pacto afasta a Lei.

Pergunta de aluno.

Resposta: o que o Supremo decidiu recentemente é que o Pacto, assegurando o duplo grau de jurisdição, teria revogado o Código, ou seja, se sobreporia ao Código. Agora, por que se sobreporia ao Código já que o Supremo entende que o Pacto é Lei infraconstitucional? Pela sucessão de leis, porque o pacto é posterior ao Código.

Agora, esse argumento não vale para a Lei de Combate ao Crime Organizado, porque essa Lei é posterior.

Aí, você tem que trabalhar com outros argumentos. Tem que dizer que o duplo grau é uma disposição supralegal, está acima da Lei, mas abaixo da Constituição ou que é uma disposição constitucional. Aí, você declara a inconstitucionalidade do art. 9º.

Semana que vem, continuamos.

7ª aula – 25/06/2007

Boa noite, para finalizarmos o estudo da Lei de Combate do Crime Organizado, Lei 9.034/95, falta falar sobre o regime de cumprimento de pena. Terminei a aula tratando do art. 9º. Vamos ver agora o art. 10.

Art. 10: os condenados por crimes decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado.

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Até recentemente, até a alteração da Lei dos Crimes Hediondos, havia uma contradição aparente entre o que dispõe o art. 10 e a exigência do cumprimento da pena em regime integralmente fechado que a Lei dos Crimes Hediondos previa.

Essa contradição está superada. Não há mais contradição alguma. No caso dos crimes decorrentes da Lei 9.034, a pena será cumprida inicialmente em regime fechado.

A dúvida ocorria na hipótese de crime hediondo praticado por organização criminosa. Havia quem sustentasse regime integralmente fechado. Era a orientação amplamente majoritária. Mas havia também aqueles que defendiam a tese de que o art. 10, nesse ponto, havia revogado a Lei dos Crimes Hediondos.

Hoje, não há mais essa contradição uma vez que a Lei 11.464/07 alterou neste ponto a Lei 8.062/90.

Há uma outra contradição que é muito mais teórica do que de ordem prática. Vimos que não há propriamente, no direito penal brasileiro, crime de organização criminosa. Mas e se o crime praticado pela organização criminosa for apenado com detenção?

É uma hipótese remota porque normalmente a organização criminosa se dedica à prática de crimes graves, ou seja, crimes apenados com reclusão.

Mas hipoteticamente, caso se trate de crime punido com detenção, a pena deverá ser cumprida inicialmente em regime fechado? É possível sustentar duas posições.

A primeira é no sentido de que, não havendo distinção na Lei, ainda que se trate de crime punido com detenção, a pena deve ser cumprida em regime inicialmente fechado.

A orientação que me parece a mais correta é no sentido de que o regime fechado inicial só ocorre nos casos de crimes punidos com reclusão. Por quê? Porque não há nos crimes apenados com detenção cumprimento de pena em regime fechado, salvo na eventualidade de regressão.

O Código Penal prevê, para o crime punido com detenção, o regime semi-aberto e o aberto. Então, não me parece razoável exigir que a pena nesse caso seja cumprida em regime inicialmente fechado.

Agora, essa questão é muito mais doutrinária do que jurisprudencial porque dificilmente o crime praticado por uma organização criminosa será punido com detenção.

Bom, então encerramos a Lei de Combate ao Crime Organizado. Vamos falar hoje sobre a Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Lei 11.340/06. É a chamada Lei Maria da Penha.

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Essa Lei tem a finalidade de prevenir e reprimir os crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Primeiro aspecto a ser considerado é que o art. 44 da Lei 11.340/06 alterou o preceito sancionatório do crime de lesão corporal leve do art. 129, parágrafo 9º do Código Penal praticado no âmbito doméstico ou familiar.

Esse crime era punido com detenção de seis meses a um ano. A Lei Maria da Penha comina agora para essa figura típica pena de três meses a três anos de detenção.

O legislador, inexplicavelmente, reduziu a pena mínima para a metade. A pena mínima era de seis meses. Agora, a pena mínima é de três meses. Além disso, triplicou a pena máxima.

A pena máxima era de um ano, passando agora para três anos. Qual foi o intuito do legislador ao alterar a escala penal do crime do art. 129, parágrafo 9º?

O legislador teve o propósito de excluir esse crime do rol das infrações de menor potencial ofensivo. O crime do art. 129, parágrafo 9º, doravante, não constitui infração de menor potencial ofensivo.

Esse crime não se enquadra mais no conceito de infração de menor potencial ofensivo. Por quê? Porque a pena máxima cominada é de três anos de detenção.

Quem é o sujeito passivo desse crime? O sujeito passivo do crime do art. 129, parágrafo 9º é qualquer pessoa tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino.

Embora a alteração da pena cominada para o crime do art. 129, parágrafo 9º tenha sido feita pela Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o sujeito passivo desse crime é tanto a mulher como o homem. Aqui, não há distinção de gênero.

Bom, a pena mínima para essa figura típica é de três meses de detenção. Logo, no que concerne a esse crime, é possível cogitar da aplicação da medida despenalizadora da suspensão condicional do processo que trata do art. 89 da Lei 9.099/95.

Por quê? Porque a suspensão condicional do processo é cabível naqueles crimes cuja pena mínima cominada não exceda um ano. São crimes que a doutrina chama de infrações de leve potencial ofensivo para diferenciar das infrações de menor ofensivo.

Mas ainda, esse crime do art. 129, parágrafo 9º é uma forma qualificada do crime de lesão corporal leve. A lesão aqui é de natureza leve. Mas qual é a natureza jurídica da ação penal correspondente ao crime de lesão corporal leve? A ação penal nesses casos é pública condicionada à representação da vítima.

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A representação da vítima é condição de procedibilidade. Onde está a exigência de representação como condição de procedibilidade no crime de lesão corporal leve? Está no art. 88 da Lei 9.099/95.

Em tese, no tocante ao crime do art. 129, parágrafo 9º, é possível a aplicação de duas das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95. Quais são as medidas aplicáveis em tese ao crime do art. 129, parágrafo 9º? A exigência de representação (art. 88) e a suspensão condicional do processo (art. 89).

E quanto à transação penal? A transação penal, sem dúvida alguma, é inadmissível. Por quê? Porque o crime é punido com pena máxima superior a dois anos.

O art. 41 da Lei 11.340/06 proíbe a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher. Aliás, em aspecto penal, esse é o grande diferencial da Lei 11.340/06. Essa Lei proíbe terminantemente a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher.

O conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher está no art. 5º. Esta violência se manifesta sob as formas da violência física, violência psicológica, violência moral, violência patrimonial e violência sexual.

Os crimes do Código Penal ou de lei penal extravagante quando perpetrados em uma dessas situações descritas no art. 5º estarão sujeitos à disciplina da Lei 11.340/06.

Mas vamos voltar ao art. 41 que proíbe a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra mulher.

Antes de examinarmos o ponto mais polêmico do art. 41, a primeira questão a ser enfrentada é o seguinte: quais são as medidas despenalizadoras que a Lei 9.099/95 disciplina?

A composição dos danos civis com efeito penal, ou seja, a composição civil como causa de extinção da punibilidade nos crimes de ação pública condicionadas à representação e nos crimes de ação penal privada.

Nas infrações de menor potencial ofensivo que são as ações penais públicas condicionadas à representação ou na ação penal de iniciativa privada, o acordo civil homologado por sentença acarreta à renúncia ao exercício do direito de queixa ou representação.

Vale dizer que acarreta a extinção da punibilidade. Isso está no art. 64, parágrafo único da Lei 9.099/95.

Qual é a outra medida despenalizadora na seqüência? A transação penal. É cabível nas contravenções penais e nos crimes em que a pena máxima cominada não ultrapasse dois anos.

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A exigência de representação está no art. 88 para os casos de lesão corporal leve ou lesão corporal culposa. Essa representação é condição de procedibilidade para esses crimes.

Além disso, há a suspensão condicional do processo que, a rigor, nada tem a ver com o juizado especial criminal. A suspensão condicional do processo, apesar de introduzida no direito brasileiro pela Lei 9.099/95, nada tem a ver com os juizados especiais criminais.

Por quê? Porque a suspensão condicional do processo é cabível nos crimes cuja pena mínima cominada não exceda um ano ainda que a pena máxima prevista ultrapasse dois anos.

Ao proibir a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, a Lei está vedando a incidência de todas essas medidas despenalizadoras.

Há a proibição inclusive da aplicação da medida despenalizadora de suspensão condicional do processo (art. 89).

Bom, qual é a principal discussão acerca do art. 41? A grande polêmica em torno desse artigo diz respeito a sua constitucionalidade. A questão é saber se o art. 41 é compatível com a Constituição.

Há duas orientações sobre esse tema. A primeira é sustentada por doutrinadores de renome como o Damásio e o próprio Luiz Flávio Gomes. A primeira entende pela inconstitucionalidade desse dispositivo. Essa orientação é minoritária na jurisprudência.

Há quem entenda que essa proibição viola primeiramente o princípio da igualdade. Esse é o principal argumento utilizado pelos que defendem a tese da inconstitucionalidade do art. 41.

Isso porque proíbe a aplicação da Lei 9.099/95 tão só aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Se esses mesmos crimes tiverem como sujeito passivo pessoa do sexo masculino, ainda que praticado no âmbito doméstico ou familiar, será possível a incidência das medidas despenalizadoras da Lei 9.099. Então, a Lei, nesse particular, estaria conferindo tratamento diferenciado a iguais.

Outro argumento também sustentado pelos que defendem a tese da inconstitucionalidade consiste na violação do art. 98, I da CFRB/88. É que o art. 98, I permite a transação penal nas infrações de menor potencial ofensivo.

Se a Constituição no art. 98, I permite a transação penal nas infrações de menor potencial ofensivo, não se pode proibi-la genericamente só porque o crime tenha sido praticado com violência doméstica ou familiar contra a mulher.

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Mas vem prevalecendo o entendimento de que o art. 41 tem natureza jurídica de ação afirmativa. O art. 41 é uma espécie de ação afirmativa baseada no princípio da equidade.

O legislador, considerando que a mulher é a principal vítima da violência doméstica, resolveu conferir-lhe especial tutela jurídico-penal. É nisso que consiste essa ação afirmativa: especial tutela jurídico-penal para a mulher. Trata-se de dar tratamento desigual aos desiguais.

A finalidade aqui é proibir a violência de gênero, ou seja, a violência perpetrada no âmbito doméstico ou familiar contra a mulher. Essa é a orientação inclusive das Assessorias do PGJ.

É a orientação que vem sendo também a do Tribunal de Justiça. Não se tem reconhecido inconstitucionalidade no art. 41.

Vejam bem, esses crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, mesmo quando punidos com pena máxima não superior a dois anos, serão processados e julgados com a observância do procedimento comum previsto no Código de Processo Penal.

Se o crime for apenado com detenção, será seguido o procedimento comum sumário. Nos crimes punidos com reclusão, deverá ser observado o procedimento comum ordinário.

Nesses casos, ainda que se trate de crime que constitua infração de menor potencial ofensivo, a autoridade policial providenciará a lavratura de termo circunstanciado ou instaurará inquérito policial? Será caso de instaurar inquérito policial.

Na hipótese de prisão em flagrante, o delegado de polícia providenciará a lavratura do auto de prisão em flagrante ou fará termo circunstanciado? Será lavrado o auto de prisão em flagrante.

Quando se tratar de crime punido com detenção, a própria autoridade policial, depois de lavrado o auto de flagrante, concederá ao preso fiança. Por quê? Porque nos crimes apenados com detenção, cabe à própria autoridade policial, depois de lavrado o auto de flagrante, conceder fiança. Isso está no art. 322 do Código de Processo Penal.

Aí, surge uma questão importante a ser examinada. Uma das causas de inafiançabilidade é a presença dos requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva. Isso está no art. 324, IV do Código.

Art. 324, IV: não será, igualmente, concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).

Bom, neste ponto, a Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher também inovou. Por quê? Porque acrescentou um inciso ao art. 313 do Código

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de Processo Penal. Foi acrescentado o inciso IV no art. 313 pelo art. 42 da Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

O art. 313 trata das hipóteses de cabimento da prisão preventiva. Em que casos a prisão preventiva é cabível? A prisão preventiva, como regra, é cabível nos crimes punidos com reclusão e, excepcionalmente, nos crimes apenados com detenção se o réu for vadio ou reincidente em crime doloso.

O inciso IV alargou o âmbito de cabimento da prisão preventiva nos crimes apenados com detenção. O inciso IV prevê a prisão preventiva para assegurar o cumprimento das medidas protetivas de urgência deferidas em favor da mulher.

Art. 313: em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Então, a Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, além de alargar o âmbito de cabimento da prisão preventiva nos crimes punidos com detenção, prevê um outro motivo que serve para justificar essa providência de natureza cautelar.

Que motivo é esse que novo autoriza a prisão preventiva nos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher ainda que punido com detenção? Assegurar a medida protetiva urgente.

Esse é um outro motivo que se soma à garantia de ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e a aplicação da Lei Penal.

Aqui, a preventiva será aplicada com essa finalidade específica: assegurar o cumprimento da medida protetiva urgente.

Pois bem, vamos voltar à prisão em flagrante. Vamos falar da prisão em flagrante do crime do art. 129, parágrafo 9º cuja pena máxima agora é de três anos de detenção. É um crime que não se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Quando se tratar desse crime praticado com violência doméstica ou familiar contra a mulher, a própria autoridade policial, depois de lavrado o auto de flagrante, poderá conceder fiança? Poderá, porque esse crime é apenado com detenção.

A autoridade policial pode, nos crimes apenados com detenção, conceder fiança imediatamente após a lavratura do auto de flagrante. A questão aqui é saber se a autoridade policial pode deixar de arbitrar a fiança ao argumento de que estão presentes os motivos que autorizam a preventiva.

Pode o delegado deixar de arbitrar a fiança sob esse fundamento? A maioria entende que não. Por quê? Porque só pode examinar se estão presentes ou

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não os requisitos que autorizam a prisão preventiva quem tem competência para decretá-la. A competência para decretar a prisão preventiva é do juiz.

Bom, diante da proibição contida no art. 41, ou seja, proibição da incidência da Lei 9.099/95, em se tratando de crime do art. 129, parágrafo 9º, sujeito passivo mulher, a ação penal é pública incondicionada ou pública subordinada à representação?

Vem prevalecendo o entendimento (que me parece o mais correto) de que a ação penal nesses casos voltou a ser pública incondicionada. Por quê? Porque a exigência de representação para o crime do art. 129 do Código Penal está na Lei 9.099/95, art. 88.

Então, no crime do art. 129, parágrafo 9º praticado no âmbito doméstico ou familiar contra a mulher, a ação penal será pública incondicionada.

E quando se tratar de crime do art. 129, parágrafo 9º praticado contra homem? Aí a ação penal será pública condicionada à representação.

Para muitos, essa distinção fere o princípio constitucional da igualdade. Para outros, não fere. Para outros, o que há aqui é uma ação afirmativa. O legislador teve a finalidade de dar uma proteção penal específica à mulher.

Bom, o art. 41 fala de crime praticado com violência doméstica ou familiar contra a mulher. O art. 41 não alude, por exemplo, à infração penal. O art. 41 fala de crime.

Então, na hipótese de contravenção penal que tenha como sujeito passivo a mulher, será possível a aplicação das medidas despenalizadoras da Lei 9.099? Será, porque a Lei proibiu a aplicação da Lei 9.099 apenas em relação aos crimes.

Mas não é o simples fato de o sujeito passivo do delito ser mulher que enseja a proibição contida no art. 41. É preciso mais. É preciso que o crime tenha sido praticado no âmbito da violência doméstica ou familiar.

Não é correto dizer, por exemplo, que a lesão corporal do art. 129, quando praticado contra mulher, é crime de ação penal pública incondicionada. Será ação penal pública incondicionada se for crime do art. 129, parágrafo 9º praticado no âmbito doméstico ou familiar.

Se o sujeito passivo desse crime do art. 129, parágrafo 9º for homem, além de a ação penal ser pública condicionada à representação, caberá em tese a suspensão condicional do processo do art. 89.

Aí, incidirão duas das medidas despenalizadoras da Lei 9.099: exigência de representação e suspensão condicional do processo.

Outro aspecto importante relativo ao art. 41 diz respeito à aplicação desse artigo no tempo. Essa vedação contida no art. 41 só se aplica aos crimes

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praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher na vigência da Lei 11.340/06.

Essa vedação não alcança os crimes anteriores, porque a Lei penal não retroage salvo quando para beneficiar o agente. A proibição aqui é evidentemente gravosa.

Agora, vejam bem: em relação aos demais crimes do Código Penal em que há a incidência da representação, eventual retratação da representação somente será possível na presença do juiz e do MP.

No sistema do Código de Processo Penal, a vítima pode retratar-se da representação em sede policial. Mas aqui não. Aqui, eventual retratação da representação ou desistência da representação terá que ser manifestada em juízo, ou seja, na presença do juiz ouvido o MP.

Mas ainda: no sistema do Código de Processo Penal, a representação como condição de procedibilidade é retratável até o oferecimento da denúncia.

Oferecida a denúncia e iniciada a ação penal pública indisponível, a representação se torna irretratável. Mas aqui é diferente. Aqui, a retratação é possível até o recebimento da denúncia.

Nesse particular, não há dúvida. Nesse particular, ao prever a retratação da representação até o recebimento da denúncia, a Lei abranda o princípio da indisponibilidade da ação pública.

Art. 16 da Lei 11.340: nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

A manifestação da vontade da vítima vincula o MP. O MP não pode deixar de aceitar a retratação manifestada pela vítima. A retratação da representação extingue a punibilidade.

No art. 16, onde está escrito renúncia, leia-se retratação ou desistência da ação. A hipótese aqui não é de renúncia. Por quê? Porque não se renuncia a um direito já exercido. Nesta hipótese, a vítima já representou. Ela pode, então, até o recebimento da denúncia se retratar.

Outro aspecto importante da Lei: a quem caberá o processo e julgamento dos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher? A Lei prevê a criação de Juizados da Violência Doméstica ou Familiar contra a Mulher.

A Lei estabelece no art. 33 que, enquanto esses juizados não forem criados, a competência será dos juízos criminais comuns.

Art. 33: enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e

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criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Essa disposição do art. 33 é flagrantemente inconstitucional. Por quê? Porque invade área legislativa da alçada do estado-membro. Isso é matéria de organização judiciária.

O art. 33, ao prever que a competência será exercida até a criação dos juizados por vara criminal comum, viola o art. 125, parágrafo 1º da CFRB/88.

Aqui, no Rio de Janeiro, em um primeiro momento, o Tribunal de Justiça, através da Resolução 03/06, modificou a denominação dos juizados especiais criminais ampliando a sua competência.

Os juizados especiais criminais passaram a ser denominados Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Especiais Criminais.

Agora, recentemente, aqui na comarca da capital, foram criados dois juizados da violência doméstica ou familiar contra a mulher. Ambos foram resultantes de transformação de vara.

Bom, uma questão que também está gerando polêmica, mas que não deve trazer maiores conseqüências é saber se, com a criação desses novos órgãos, os processos em andamento nos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Especiais Criminais devem ser redistribuídos. Esses processos devem ser redirecionados a esses novos órgãos?

O Corregedor Geral de Justiça já editou provimento no sentido de que os processos em curso permanecem no juizado de origem. Então, os juizados especiais continuam sendo Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Especiais Criminais. Somente os processos novos serão encaminhados aos novos órgãos jurisdicionais.

Pergunta de aluno.

Resposta: tem que manter o nome pelo seguinte: se os juizados especiais criminais voltarem a ser tão somente juizados especiais criminais perderão a competência para aplicar a Lei Maria da Penha. Por quê? Porque a competência é determinada pela matéria.

Não há perpetuação da jurisdição quando a alteração da competência decorre de supressão ou inclusão de matéria nova. É o art. 87 do Código de Processo Civil que se aplica por analogia ao processo penal.

Então, esses juizados têm que continuar sendo denominados Juizados da Violência Doméstica ou Familiar contra a Mulher e Especiais Criminais. Assim, eles mantêm a competência para o processo em curso.

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Bom, esses Juizados têm competência em matéria criminal e cível. Agora, a competência cível é tão somente para decidir sobre medidas protetivas urgentes.

A competência cível aqui é competência relacionada à medida protetiva urgente cuja necessidade decorra da prática de crime com violência doméstica ou familiar contra a mulher.

O juizado da violência doméstica ou familiar contra a mulher não tem competência, por exemplo, para processar ação de reparação de dano material ou moral. Isso é da competência do juízo cível.

O juizado da violência doméstica e familiar contra a mulher não tem competência, por exemplo, para decidir sobre separação judicial. A competência aqui está relacionada com as medidas protetivas urgentes cuja necessidade decorra da prática de crime com violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Se a mulher, por exemplo, vai à delegacia, não representa, mas pede uma medida protetiva de urgência, essa medida deixa de ser cabível. Por quê? Porque a mulher não representou em relação ao fato criminoso.

Essas medidas protetivas são sempre vinculadas ao crime praticado com violência doméstica ou familiar contra a mulher. Outras medidas necessárias cautelares típicas do direito de família devem ser requeridas ao juízo de família competente.

Há um outro aspecto também importante sobre as medidas protetivas. Quem tem legitimidade para requerer essas medidas? Vamos ver o art. 22 da Lei.

Art. 22: constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras.

Primeiramente, qual é a natureza jurídica dessas medidas protetivas de urgência? Trata-se de providência de natureza cautelar. São medidas cautelares sempre relacionadas com o crime perpetrado com violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Entre essas cautelares que a Lei chama de medidas protetivas urgentes, há algumas que são típicas do processo penal. Vamos ver os incisos I, II e III.

Art. 22, I: suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

É uma cautelar típica penal. Está relacionada com matéria processual penal.

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Art. 22, II: afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.

Essa cautelar porque relacionada diretamente com o crime também tem natureza penal. Visa evitar o prosseguimento das agressões, visa evitar o prosseguimento das práticas criminosas.

A separação de corpos propriamente dita como providência cautelar do direito de família tem que ser requerida ao juízo de família competente.

Art. 22, III: proibição de determinadas condutas, entre as quais: a- aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor (o problema é fiscalizar essa medida); b- contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida.

Todas essas medidas são medidas cautelares típicas do processo penal. Quem tem legitimidade para requerê-las? O MP. E a ofendida? A rigor, não. Por quê? Porque a legitimidade para as ações cautelares segue a legitimidade para a ação principal.

A ofendida poderá requerer essas medidas quando se tratar de ação penal de iniciativa privada. Vamos acabar de ler o dispositivo.

Art. 22, IV: restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar.

Essa é uma cautelar típica cível. É uma cautelar de família relacionada ao fato criminoso. A própria ofendida poderá requerer essa providência.

Art. 22, V: prestação de alimentos provisionais ou provisórios. A mesma coisa.

Pergunta de aluno.

Resposta: a própria ofendida ao juiz criminal.

Quem julga os recursos interpostos contra as decisões proferidas no âmbito da competência do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher?

A competência é do Tribunal de Justiça. A turma recursal não tem competência para examinar essas decisões ainda que a decisão tenha sido proferida pelo Juizado da Violência Doméstica ou Familiar contra a Mulher e Especial Criminal.

Por quê? Porque as turmas recursais estão previstas na Lei 9.099/95 como órgão de segundo grau do Juizado Especial Criminal. Então, todos os recursos agora serão da competência do Tribunal de Justiça.

Vamos ver agora o parágrafo único do art. 5º.

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Art. 5º, parágrafo único: as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

A mulher, ainda que em uma relação homossexual, no papel masculino, está sob a proteção da Lei 11.340/06. Mas a recíproca não é verdadeira. O homem que exerce o papel feminino em uma relação homossexual não está sob a tutela específica da Lei 11.340/06.

Essa orientação sexual a que se refere à Lei é a orientação da mulher que a destinatária dessa especial proteção jurídica.

Pergunta de aluno.

Resposta: a mulher pode requerer essas medidas protetivas independentemente de assistência de advogado. A questão é saber se esse dispositivo é compatível com o art. 133 da CFRB/88. Alguns autores entendem que sim.

Pergunta de aluno.

Resposta: esses alimentos somente serão fixados pelo juiz criminal se não houver nenhuma decisão a respeito do tema.

Esses alimentos provisionais são alimentos a serem pagos durante a pendência da questão criminal. Não são os provisórios do direito de família. Se já houver no direito de família algo sobre aquela matéria, o juiz criminal não mudará essa sentença.

O Juizado da Violência Doméstica ou Familiar contra a Mulher é um órgão jurisdicional com competência preponderantemente em matéria criminal. A competência cível para as medidas cautelares tem sempre relação com o fato criminoso.

O juízo criminal do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não é um juízo de família. Questões próprias do direito de família têm que ser objeto de demanda no juízo competente.

Essas medidas cautelares podem ser requeridas enquanto tiverem relação com o fato criminoso, enquanto houver, no juizado, pendência sobre a questão penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: lesões corporais recíprocas. Crime do art. 129, parágrafo 9º. É um crime que tem como sujeito passivo a mulher e o homem.

Em relação ao crime praticado contra a mulher, a ação penal é pública incondicionada. A orientação nesse sentido é tranqüila. Agora, quanto ao crime em que foi vítima o homem, a ação penal será pública condicionada.

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Se o homem não representar, somente haverá ação penal sobre o crime em que foi vítima a mulher, porque a ação é pública incondicionada.

Pergunta de aluno.

Resposta: se naquele intervalo de tempo houver representação, o MP oferece denúncia ou adita denúncia se o processo já estiver em curso.

Pergunta de aluno.

Resposta: quem não terá direito a nada é o homem. A mulher, nesse caso, terá direito a todos os benefícios da Lei 9.099.

Agora, vamos voltar ao art. 41 que trata da proibição da aplicação da Lei 9.099. A questão é saber o seguinte: os crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher cuja pena máxima cominada não exceder dois anos são considerados infrações de menor potencial ofensivo ou deixaram de ostentar essa condição jurídica em virtude do que dispõe o art. 41?

Há autores que sustentam a tese de que esses crimes não são mais considerados infrações de menor potencial ofensivo. Por quê? Porque o art. 41 proíbe, em relação a eles, a incidência da Lei 9.099.

Eu penso que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Esses crimes continuam sendo infrações de menor potencial ofensivo, porque o critério de definição de infração de menor potencial ofensivo adotado pelo legislador é o da pena máxima cominada.

O crime cuja pena máxima cominada não exceder dois anos é infração de menor potencial ofensivo. Esses crimes, penso eu, continuam sendo infrações de menor potencial ofensivo em relação aos quais o legislador não admite mais a incidência da Lei 9.099.

Isso é possível? Eu tenho para mim que sim. Por quê? Porque a Constituição permite a transação nas infrações de menor potencial ofensivo. Isso me dá o caráter de excepcionalidade.

A Constituição permite, mas isso não quer dizer que o legislador ordinário tenha sempre que prever transação para infração de menor potencial ofensivo.

Então, na minha opinião, esses crimes continuam sendo infração de menor potencial ofensivo, mas sem a incidência da Lei 9.099/95.

Lembre-se que o crime do art. 129, parágrafo 9º não é mais infração de menor potencial ofensivo. Por quê? Porque punido com pena máxima superior a dois anos.

Essa discussão diz respeito apenas aos crimes cuja pena máxima não exceda dois anos.

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Pergunta de aluno.

Resposta: vamos ler então o art. 5º. Vamos trabalhar melhor esse artigo que define o conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher.

Art. 5º: para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.

Esse inciso I leva o intérprete a concluir que mesmo a mulher empregada doméstica, ainda que diarista, está sob uma especial proteção do direito penal.

Então, uma injúria praticada contra a empregada doméstica faz incidir o disposto na Lei 11.340/06. Neste caso, ainda que o crime perpetrado seja infração de menor potencial ofensivo, não será possível a aplicação da Lei 9.099/95.

Agora, caso se trate de empregado doméstico (do sexo masculino), é diferente. Aí, será possível. Se o crime tiver pena máxima cominada que não exceda dois anos ou pena mínima cominada que não ultrapasse um ano, será possível a aplicação das medidas despenalizadoras da Lei 9.099.

Art. 5º, II: no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.

Que tipo de vontade expressa pode criar vínculo familiar? Respostas de alunos.

Art. 5º, III: em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Qualquer relação íntima de afeto abrange, inclusive, o namoro. Mas essa relação íntima de afeto tem que ter o mínimo de estabilidade. Não pode ser um caso de um dia ou uma noite! Tem que haver um afeto mais intenso.

Pergunta de aluno.

Resposta: vamos ver o seguinte caso. Dois crimes conexos. Um deles foi praticado com violência doméstica ou familiar contra a mulher, mas o outro não foi.

Neste caso, por força da conexão, haverá em regra unidade de processo e julgamento. Qual é o juízo prevalente? O juizado da violência doméstica ou familiar contra a mulher. A competência aqui é determinada pela matéria.

Há uma única exceção que será quando o concurso abranger crime doloso contra a vida. Nesse caso, prevalecerá a competência do Tribunal do Júri.

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Bom, qual é a natureza jurídica da violência doméstica ou familiar em relação aos crimes de lesão corporal grave, gravíssima ou lesão corporal seguida de morte? Não importa, nesses casos, se a violência é contra a mulher ou contra o homem.

Vamos ver o parágrafo 10º do art. 129 do Código Penal: nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o

deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

Nos casos de lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte, essa violência doméstica contra o homem ou contra a mulher funciona como causa de aumento de pena.

A lesão leve é tipo específico. É forma qualificada da lesão leve. Caso se trate de lesão grave, gravíssima ou seguida de morte, essa situação funciona como causa especial de aumento de pena.

Vamos ver o parágrafo 11º do art. 129: na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

O parágrafo 11º foi acrescentado pela Lei Maria da Penha. Esse dispositivo também prevê uma causa de aumento de pena se o crime for praticado contra mulher ou homem portador de deficiência (deficiência física ou mental).

Esse aumento de pena alcança os crimes praticados contra homem ou mulher. É o crime do art. 129, parágrafo 11º.

Qual é a única diferença da Lei 11.340 em relação às outras leis penais? Qual é o traço distintivo básico dessa Lei em matéria penal? O traço distintivo básico é a proibição da incidência da Lei 9.099. Fora daí, não há quase nada de diferente.

Outro ponto de diferença é a representação retratável até o oferecimento da denúncia. Mas o básico mesmo é a proibição da incidência da Lei 9.099/95. Esse é o aspecto principal da Lei.

Vamos ficar por aqui. Na próxima aula, vamos falar sobre os crimes do Código de Trânsito.

8ª aula – 02/07/2007

Boa noite. Hoje, vamos falar sobre os crimes do Código de Trânsito, Lei 9.503/97. O Código de Trânsito, no que concerne à definição de crimes e cominação de sanções, é Lei Penal especial que afasta a incidência das disposições penais constantes no Código Penal.

O Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei 9.099/95 têm, em relação aos crimes de trânsito, aplicação subsidiária conforme prevê o art. 291. O art.

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291 inaugura as disposições penais e processuais penais do Código de Trânsito Brasileiro.

Ao invés de estudarmos primeiro as disposições gerais dos crimes de trânsito e depois os crimes de trânsito em espécie, vamos inverter o processo e estudar antes os crimes em espécie.

Vamos iniciar pelo crime do art. 302, crime de homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor.

Há entre o crime do art. 302 do Código de Trânsito e o crime do art. 121, parágrafo 3º do Código Penal um conflito aparente de normas. Esse conflito é solucionado pelo princípio da especialidade.

Qual é o plus especializante que distingue o crime do art. 302 da Lei 9.503 do crime de homicídio culposo do art. 121, parágrafo 3º do Código Penal?

A distinção está no fato de que o sujeito ativo, ao praticar o homicídio culposo, encontra-se na direção de veículo automotor. Esse é o plus especializante.

O conceito de veículo automotor está no art. 4º do Código de Trânsito. Esse conceito não abrange os ciclomotores. Os ciclomotores não são considerados veículos automotores.

Só se reconhecerá essa figura típica do art. 302 se o sujeito ativo, quando da prática da conduta culposa, se encontrar na direção do veículo automotor. Vamos figurar dois exemplos.

Vamos imaginar que um pedestre, por imprudência ou negligência, dê causa a uma colisão de veículos automotores. O pedestre provoca, com o seu comportamento imprudente, uma colisão de veículos da qual resulta a morte de ambos os condutores.

O pedestre, neste caso, apontado como autor da conduta culposa que deu ensejo à morte das vítimas, estará incurso nas penas do art. 302 do Código de Trânsito ou nas penas do art. 121, parágrafo 3º do Código Penal? Estará incurso nas sanções do art. 121, parágrafo 3º do Código Penal.

Por quê? Porque o pedestre que é sujeito ativo do delito, quando da realização do comportamento culposo, não se encontrava na direção de veículo automotor.

Outra hipótese: concorrência de culpa entre o condutor de veículo automotor e uma bicicleta causando a morte de pedestre. Neste caso, o condutor do veículo automotor será responsabilizado pelo art. 302 do Código de Trânsito, enquanto o ciclista estará incurso nas penas do art. 121, parágrafo 3º do Código Penal.

Qual é a escala penal que a Lei prevê para o crime do art. 302 do Código de Trânsito? Vamos ler o art. 302: praticar homicídio culposo na direção de veículo

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automotor. Penas: detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

A escala penal varia de dois a quatro anos de detenção. Logo, o crime do art. 302 se insere na competência do juízo comum. Trata-se de crime da competência do juízo comum. Por quê? Porque a pena máxima cominada é de quatro anos de detenção.

É possível cogitar da aplicação de algumas das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95 no tocante a esse crime? É possível, por exemplo, a suspensão condicional do processo? Em regra, não.

Por quê? Porque a pena mínima cominada para esse crime é de dois anos de detenção. O pressuposto fundamental de cabimento da suspensão condicional do processo é a pena cominada para o crime não exceder um ano.

Mas na doutrina bem como na jurisprudência, é tranqüilo o entendimento de que é possível aplicar ao crime do art. 302 do Código de Trânsito a figura do arrependimento posterior de que trata o art. 16 do Código Penal.

Não confundam o arrependimento posterior de que trata o art. 16 do Código Penal com o arrependimento eficaz. A figura do arrependimento posterior foi introduzida no direito penal brasileiro na reforma de 1984 como causa obrigatória de diminuição de pena.

É a reparação do dano por ato voluntário do agente antes do recebimento da denúncia nos crimes que não tenham sido praticados com violência ou grave ameaça contra a pessoa.

O art. 16 do Código Penal trata de uma causa obrigatória de diminuição de pena. É diferente da figura do arrependimento eficaz que, a exemplo da desistência voluntária, é uma causa de exclusão da tipicidade da tentativa.

Vamos ler o art. 16 do Código Penal: nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

É inadmissível se o crime tiver sido praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa. Por que a doutrina e a jurisprudência admitem a incidência dessa causa de diminuição de pena no tocante ao crime de homicídio culposo mesmo quando praticado na condução de veículo automotor?

Porque, no crime culposo, a violência perpetrada contra a vítima é involuntária. A violência é não intencional. Isso torna possível, desde que reparado o dano material, a incidência dessa causa de diminuição de pena.

Neste caso, será possível cogitar da suspensão condicional do processo. Por quê? Porque a incidência da causa de diminuição de pena fará com que a pena mínima cominada para o crime seja inferior a um ano.

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Qual será o quantum de diminuição da pena a ser considerada para o efeito de verificação do cabimento da suspensão condicional do processo? A fração máxima de diminuição, ou seja, dois terços.

Por quê? Porque se quer chegar à pena cominada para o delito. Isso vale também para a tentativa que é outra causa obrigatória de diminuição de pena.

Sempre que se quiser chegar à pena mínima cominada para o delito em que haja hipotética incidência de causa de diminuição de pena, deve ser aplicada a fração máxima de diminuição de pena prevista na Lei.

Quando se quer chegar à pena máxima de um crime em que haja hipotética causa de diminuição de pena, aplica-se o redutor da fração mínima.

Bom, o tipo culposo é tipo aberto. Caberá ao juiz casuisticamente verificar se o sujeito deu causa ao resultado morte por imprudência, negligência ou imperícia.

Mais ainda: esse crime do art. 302 é definido como tipo remetido. Notem que o Código de Trânsito não descreve o que caracteriza o homicídio culposo. Isso vale também para o crime do art. 303, lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor.

O Código fala em praticar homicídio culposo. Onde está a definição do tipo de homicídio culposo e da lesão culposa? No Código Penal.

Aí, surge a seguinte questão: não há, nos tipos correspondentes dos arts. 302 e 303, nenhuma referência à possibilidade de perdão judicial.

É diferente do que sucede em relação aos tipos correspondentes do Código Penal. Pois bem, é possível aplicar aos crimes dos arts. 302 e 303 o perdão judicial? É justamente porque se trata de crime remetido.

E mais: o art. 300 do Código de Trânsito que foi vetado pelo Presidente da República tratava do perdão judicial nos crimes de trânsito. A primeira vista, pode parecer, em virtude do veto presidencial, que não caiba a aplicação do perdão judicial aos crimes de trânsito.

Mas essa primeira conclusão é logo desfeita. Basta ler as razões do veto. O Presidente da República vetou esse artigo por considerar que o Código Penal trata do perdão judicial de forma mais abrangente do que traria o art. 300.

Agora, uma outra hipótese: policial militar em serviço, conduzindo viatura da polícia militar, atropela e mata um pedestre culposamente.

O crime a ser considerado é o crime de homicídio culposo do Código Penal Militar ou o crime de homicídio culposo do Código de Trânsito? Malgrado haja controvérsias, vem prevalecendo já há muito o entendimento de que o crime a ser reconhecido é o do Código de Trânsito e não o crime do Código Penal Militar.

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Por quê? Porque não há, no Código Penal Militar, definição de homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor e o plus especializante está nesta circunstância. O diferencial é esse.

Não há, no Código Penal Militar, definição típica de homicídio culposo e lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor. Vale dizer que esse crime não pode ser considerado crime militar próprio ou impróprio.

Agora, quando a vítima e o autor são militares, estando ambos em serviço, já se tem entendido pela configuração de crime militar. Isso ocorre pela circunstância de autor e vítima serem militares em serviço.

E mais ou menos assim que está na Súmula 06 do STJ: compete á Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade.

E se o sujeito ativo do crime de homicídio culposo, quando da realização da conduta típica, não dispuser de habilitação ou permissão para dirigir veículo automotor, o que acontece?

Nesse caso, haverá concurso material entre o crime de homicídio culposo e o crime de falta de habilitação do art. 309 ou a falta de habilitação aqui funcionará de maneira diferente?

Aqui, não haverá concurso de crimes. Por quê? Porque a falta de habilitação, no tocante aos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa, funciona como causa especial de aumento de pena. Está prevista no parágrafo único do art. 302.

Art. 302, parágrafo único: no homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação.

Então, aqui não haverá a possibilidade de reconhecimento de concurso entre os crimes de homicídio culposo ou lesão corporal culposa e o crime de falta de habilitação.

Nesta hipótese, é possível cogitar do reconhecimento da agravante prevista no art. 298, III? Vamos ler o art. 298, III que trata das agravantes específicas do crime de trânsito.

Art. 298: são circunstâncias que sempre agravam as penalidades dos crimes de trânsito ter o condutor do veículo cometido a infração: III - sem possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação.

A falta de habilitação também servirá para justificar, na segunda fase da dosimetria da pena, o agravamento da sanção imposta ao réu? Não, sob pena de haver bis in idem.

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Então, essa agravante do art. 298, III não se aplica aos crimes dos arts. 302 e 303. Em relação a esses tipos, a falta de habilitação serve como causa de aumento de pena.

Vamos figurar outra hipótese: o sujeito é denunciado e processado como incurso nas penas do art. 302, parágrafo único, I, ou seja, homicídio culposo com incidência da causa de aumento de pena pela falta de habilitação.

Ao final do processo, ele vem a ser absolvido da acusação da prática de homicídio culposo. A prova colhida revela que o réu não agiu culposamente. O evento lesivo ocorreu por culpa exclusiva da vítima.

É possível, neste caso, reconhecer a configuração do crime do art. 309? O Supremo já decidiu duas vezes no sentido negativo. Mas nessas duas hipóteses, a absolvição redundou no reconhecimento de que o réu não havia agido culposamente.

Se o réu não agiu culposamente e se a caracterização do crime do art. 309 exige a comprovação de uma direção que rebaixe os níveis desejados de segurança, não se poderia naquele processo condenar o réu por esse delito. O delito não estava, na verdade, configurado.

Não havia prova sobre a direção irregular. Isso afastou a possibilidade de reconhecimento dessa figura que funciona como causa de aumento de pena no tocante a esse crime como delito autônomo do art. 309.

Uma outra causa de aumento de pena é a omissão de socorro. Está no art. 302, parágrafo único, III.

Art. 302, parágrafo único: no homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente.

Aqui, a omissão de socorro funciona como causa especial de aumento de pena, afastando a incidência do delito autônomo do art. 304.

Aí, surge a seguinte indagação: em caso de morte com vítima instantânea, incidirá o aumento de pena previsto no parágrafo único, III do art. 302? Para mim, me parece que não.

Por quê? Porque é impossível a prestação de socorro à pessoa morta! Aqui, falta o próprio objeto material da conduta.

Não obstante isso, o parágrafo único do art. 304 prevê a punição do omitente ainda que a morte da vítima ocorra instantaneamente.

Parágrafo único do art. 304: incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.

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Nesse ponto, é tranqüilo o entendimento de que a Lei contemplou aqui uma hipótese de crime impossível por impropriedade absoluta do objeto. Não há como prestar socorro a cadáver.

Outra hipótese: o sujeito, conduzindo veículo automotor sob a influência do álcool ou substância de efeitos análogos, atropela e mata um pedestre. Homicídio culposo.

Neste caso, haverá concurso material entre o homicídio culposo e o crime de embriaguez ao volante do art. 306? Não, porque agora a embriaguez serve como causa de aumento de pena. É o inciso V incluído no parágrafo único do art. 302 pela Lei 11.275/06.

Agora, ainda é possível falar em concurso material entre o crime de homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor com a incidência da causa de aumento de pena correspondente à embriaguez ao volante e o crime de embriaguez ao volante do art. 306.

Mas quando? Quando esses crimes tiverem sido praticados em contextos fáticos distintos, ou seja, quando haja prova, por exemplo, de que o sujeito, antes do atropelamento, já vinha conduzindo seu veículo automotor sob a influência do álcool de maneira irregular.

Nesse caso, a meu ver, é possível falar de concurso material entre a embriaguez ao volante como crime autônomo do art. 306 e o homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor com a incidência da causa de aumento de pena do art. 302, parágrafo único, V.

Mas a maioria sustenta que agora a embriaguez vai servir especificamente como causa de aumento de pena.

Uma outra questão importante sobre homicídio culposo e lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor: a caracterização desses crimes exige que o comportamento culposo tenha ocorrido em via pública.

Exemplo: sujeito em estacionamento de shopping center colide com outro veículo matando seu condutor ou dando causa a lesões corporais no condutor do outro veículo.

O crime é do Código de Trânsito ou do Código Penal? Há quem entenda que o crime é o do Código Penal com base no art. 2º da Lei que diz que o Código regulamenta o trânsito, definindo o que se deve entender por via pública.

Mas é tranqüilo o entendimento em sentido diametralmente oposto. É tranqüilo o entendimento que o crime, nesses casos, é o do Código de Trânsito.

Por quê? Porque a Lei, nos tipos incriminadores desses delitos, não faz qualquer referência a esse elemento modal. Vamos ler. por exemplo. o art. 306.

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Art. 306: conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

Se o sujeito conduzir veículo automotor sob influência do álcool na garagem do seu prédio, estará caracterizado o crime do art. 306? Não, porque o estacionamento da garagem do prédio não é via pública.

A Lei aí faz referência à circunstância de a conduta típica ser realizada em via pública. Mas não há essa referência no tocante aos crimes dos arts. 302 e 303.

Pergunta de aluno.

Resposta: a omissão de socorro dos arts. 302 e 303 é a omissão de socorro do motorista causador do evento.

A omissão de socorro como crime autônomo do art. 304 é a omissão de socorro de motorista envolvido no evento que não lhe tenha dado causa. Os terceiros estranhos aos motoristas incorrerão nas penas do art. 135 do Código Penal.

Bom, muito do que eu falei para o homicídio culposo vale, como estou ressaltando, para a lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor.

Agora, há umas questões bem específicas acerca desse delito. Primeiramente, a gravidade das lesões, no crime culposo, é irrelevante para o efeito de tipicidade. Então, o crime será o do art. 303 ainda que as lesões sofridas pelas vítimas sejam graves ou gravíssimas.

Agora, esse crime é tratado como infração de menor potencial ofensivo, porque a Lei leva em conta aqui não o desvalor do resultado, mas sim o desvalor da conduta. A conduta culposa é menos reprovável do que o comportamento doloso.

A gravidade das lesões será considerada como circunstância judicial para o efeito da aplicação da pena-base. Qual é a circunstância judicial do art. 59 que tem a ver com a gravidade das lesões sofridas pela vítima? As conseqüências do crime.

Hoje, não há dúvida alguma: esse crime é considerado infração de menor potencia ofensivo. Por quê? Porque a pena privativa de liberdade máxima cominada não ultrapassa dois anos. A pena máxima é de dois anos. Trata-se, portanto, de crime da competência do juizado especial criminal.

Todas as medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95 podem ser aplicadas para esse crime: composição dos danos civis, transação penal, a exigência de representação e a suspensão condicional do processo.

Mas pode incidir em relação ao crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor causa de aumento de pena. É o que diz o parágrafo único do art. 303.

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Art. 303, parágrafo único: aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior.

Essa pena de dois anos aumentada da metade faz com que a sanção penal seja elevada a um patamar de três anos de detenção. Isso exclui esse delito do rol das infrações de menor potencial ofensivo, afastando, por conseguinte, a competência do juizado especial criminal.

Mas ainda assim, será possível aplicar para esse crime, no juízo comum, as medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95? Em relação à exigência de representação como condição de procedibilidade, não há dúvida alguma.

Isso porque a exigência do art. 88 da Lei 9.099/95 diz respeito ao crime de lesão corporal culposa. Não obstante o aumento de pena, esse crime é de lesão corporal culposa. Logo, ação penal correspondente é pública condicionada à representação. Não há dúvida sobre isso.

E a composição dos danos civis com efeito penal e a transação penal ainda serão aplicáveis a esse delito? A maioria entende que sim, porque o parágrafo único do art. 291 manda aplicar ao crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei 9.099.

Então, será possível, no juízo comum, primeiramente, a tentativa de composição dos danos civis. Se houver composição dos danos civis, haverá a extinção da punibilidade. Frustrada essa tentativa, caberá a transação penal. Frustrada a transação penal, haverá possibilidade de suspensão condicional do processo.

Então, a incidência do aumento de pena exclui o crime da competência do juizado especial, mas não impede a aplicação, no juízo comum, das medidas despenalizadoras por força do que dispõe o art. 291, parágrafo único.

Vamos ler o parágrafo único do art. 291: Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Qual o rito penal a ser observado no processo e julgamento nos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor? O Código de Trânsito prevê procedimento especial para o processo e julgamento dos crimes nele definidos? Não.

Então, o crime do art. 302 será processado e julgado no juízo comum, com observância do rito sumário do Código de Processo Penal. É o rito padrão nos crimes apenados com detenção.

O crime do art. 303 é crime da competência do juizado especial, incidindo o rito sumaríssimo da Lei 9.099/95. Se houver incidência da causa de aumento de pena, aí a competência passa para o juízo comum, devendo ser observado, no juízo comum, o procedimento sumário.

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Agora, é fato comum haver concurso formal entre os crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa na direção de veículo automotor.

Neste caso, a competência será do juízo comum por força da conexão, sem prejuízo, no entanto, da aplicação das medidas despenalizadoras da composição dos danos civis e da transação penal quanto ao crime de lesão corporal culposa. Isso está no parágrafo único art. 60 da Lei 9.099/95.

Agora, crime de lesão corporal culposa com aumento de pena no juízo comum: rito sumário. Mas é designada, antes do oferecimento da denúncia, uma audiência especial para fins de conciliação civil (composição dos danos civis) ou penal (transação penal). O oferecimento da denúncia deve ser precedido da tentativa, em audiência própria, da composição dos danos civis e da transação penal.

Bom, esses são os crimes do Código de Trânsito que atingem bens jurídicos individuais. Vamos estudar agora o crime do art. 304. É crime omissivo próprio.

Art. 304: deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública. Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.

É crime próprio do motorista envolvido no acidente que não tenha contribuído culposamente para a sua ocorrência. Se o motorista contribuiu culposamente, a omissão de socorro funcionará como causa de aumento de pena.

Agora, o dever de agir que a Lei impõe ao motorista pressupõe sempre a possibilidade de agir. Esse é o pressuposto básico. Só se pode falar em dever de agir se for possível nas circunstâncias do acontecimento.

Não se pode exigir a prestação de socorro por parte do motorista quando haja risco de deslizamento. Não há como prestar o socorre devido.

Também não se pode falar na exigência da prestação de socorro se o próprio motorista envolvido no evento tenha saído ferido. Só se fala em dever de agir dentro da possibilidade de fato de agir.

Há também aqui um conflito penal aparente entre normas penais co-existentes. Há conflito aparente entre o art. 304 do Código de Trânsito e o art. 135 do Código Penal. É um conflito que se resolve pelo princípio da especialidade.

Terceiros estranhos aos motoristas envolvidos que omitam socorro à vítima estarão incursos no art. 135 do Código Penal.

Qual é a pena que a Lei comina para o crime do art. 304? Pena de seis meses a um ano. A pena privativa não excede um ano. Trata-se de crime de menor potencial ofensivo da competência do juizado especial criminal.

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Vamos figurar uma hipótese: motorista envolvido no acidente que não tenha contribuído culposamente para a sua ocorrência omite socorro à vítima. Esse motorista estava conduzindo veículo automotor sem habilitação.

Neste caso, havendo prova da direção irregular, estará caracterizado o crime do art. 309. Haverá concurso material entre os crimes do art. 309 e 304 do Código de Trânsito.

É possível neste caso a aplicação da agravante do art. 298, III? Não, porque a falta de habilitação estará sendo compreendida como crime autônomo. Isso afasta a incidência do aumento de pena prevista no art. 298, III.

Pergunta de aluno.

Resposta: em relação ao carona, a situação é interessante. O sujeito ativo dos crimes dos arts. 302 e 303 é o motorista. Agora, em relação ao terceiro carona que induz ou instiga o motorista a realizar um comportamento culposo na direção do veículo, resultando na morte de alguém ou em lesões a terceiros, qual é o crime?

O crime é do art. 302 ou do art. 303 do Código de Trânsito? Ou o crime é o do art. 121, parágrafo 3º, II ou art. 129, parágrafo 6º do Código Penal?

Aqui, há controvérsia. Prevalece na doutrina o entendimento de que não é possível falar em participação em crime culposo. Se o crime culposo é aberto, aquele que realizar juntamente com terceiro a conduta culposa, ou seja, aquele que inobservar o dever de cuidado objetivo, será apontado como co-autor do delito.

Se for admitido como co-autor, o crime será o do art. 302 ou do art. 303 do Código de Trânsito. Para os que entendem ser possível a participação em crime culposo, o crime também será o do Código de Trânsito.

Agora, há quem entenda que esse crime é crime próprio. Não haveria nem co-autoria nem participação. O terceiro carona estaria realizando conduta típica do Código Penal. Seria uma exceção à teoria monista.

Esse não é o melhor entendimento. O melhor entendimento é o de que há co-autoria ou participação. Falar em rompimento à teoria monista me parece um exagero, porque a Lei não deu a esse crime tratamento diferenciado.

Vamos voltar ao parágrafo único do art. 304: incide nas penas previstas neste artigo o condutor do veículo, ainda que a sua omissão seja suprida por terceiros ou que se trate de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves.

Vocês sabem que, em relação ao crime do art. 135 do Código Penal, a jurisprudência amplamente majoritária diz que a omissão de socorro é suprida pelo socorro prestado à vítima por terceiros, ou seja, não há crime de omissão de socorro se terceiro presta socorro à vítima, sobretudo, quando o terceiro é pessoa mais habilitada para a prestação do socorro.

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Mas aqui é diferente. Aqui, a Lei ressalta que o omitente será punido ainda que a sua omissão seja suprida pelo socorro de terceiros.

Agora, só vai se cogitar dessa possibilidade quando o sujeito omitir o socorro e fugir do local. É o que acontece na prática. Aí, o crime será o do art. 304 em concurso material com o art. 305 - fuga do local do acidente.

Agora, fuga aqui não é para escapar da responsabilidade penal. Por quê? Porque esse motorista, hipoteticamente, não contribuiu culposamente para o acidente. É a fuga do local do acidente para escapar da responsabilidade civil.

Vamos ver o art. 305: Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída. Penas: detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Nesses casos, haverá dois crimes em concurso material: omissão de socorro e a fuga do local do acidente para escapar da responsabilidade civil.

Então, o sujeito ativo omitente da figura típica do art. 304 é o motorista envolvido no acidente que não tenha contribuído culposamente para a sua ocorrência. Se o sujeito tiver contribuído culposamente, a omissão de socorro funcionará como causa especial de aumento de pena.

Vamos falar agora sobre o art. 306 – embriaguez ao volante. Qual é o bem jurídico que a Lei quer proteger na incriminação da embriaguez ao volante? A segurança viária ou segurança no trânsito.

Esse bem jurídico é um bem jurídico individual ou coletivo? É bem jurídico coletivo. A embriaguez ao volante é chamada por alguns doutrinadores de crime de obstáculo.

O legislador aqui antecipa a tutela penal para proteger bens jurídicos supra-individuais, objetivando com isso evitar a lesão a bens jurídicos individuais. A tutela penal é antecipada para punir a embriaguez ao volante.

Se o bem jurídico é supra-individual, quem é o sujeito passivo desse crime? É a própria coletividade. Aí, surge talvez a questão mais polêmica do art. 306: o parágrafo único do art. 291 manda aplicar ao crime do art. 306 o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei 9.099/95.

Vamos começar pelo art. 88 da Lei 9.099/95. Sobre o que dispõe o art. 88? Sobre a representação como condição de procedibilidade. É possível falar em representação como condição de procedibilidade no crime de embriaguez ao volante?

Há duas orientações. A primeira é amplamente majoritária na doutrina e chancelada pelo STF. Há uma decisão do Supremo de 2003 no sentido de que não se pode cogitar de representação no tocante ao crime de embriaguez ao volante.

Essa incidência não se aplica ao crime do art. 306. Por quê? Porque em relação a esse crime não há vítima individualizada. A vítima é o corpo social.

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Agora, se não há vítima determinada, também não se pode falar em composição dos danos civis, porque o sujeito passivo é o corpo social. A coletividade é uma abstração.

Em sentido contrário, sustentando que a Lei não contém palavras inúteis, há ainda hoje a opinião do Professor Sérgio Roberto Bittencourt que faz uma interpretação literal do art. 291, parágrafo único.

A melhor interpretação é a lógico-sistemática. É a que leva em conta a natureza do bem jurídico penalmente tutelado e a condição do sujeito passivo desses delitos.

Resta examinar a possibilidade de transação penal. A embriaguez ao volante é punida com pena máxima de três anos, afastando esse crime do rol das infrações de menor potencial ofensivo.

Não obstante isso, a Lei manda aplicar a esse crime o art. 76. A Lei prevê a possibilidade de transação penal para o crime de embriaguez ao volante.

Também aqui há duas orientações. A primeira foi acolhida pelo STJ. A orientação é no sentido de que, não sendo a embriaguez ao volante infração de menor potencial ofensivo e a permitindo a Constituição apenas em relação a essa categoria de infrações penais, impossível aplicar neste caso a transação.

A outra posição que é majoritária na doutrina e no Tribunal de Justiça aqui do Rio de Janeiro entende que a Lei ordinária pode ampliar o cabimento da transação penal, desde que respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Isso teria ocorrido com o Código de Trânsito.

Prevalecendo esse segundo entendimento, antes de oferecer denúncia pelo crime de embriaguez ao volante, desde que preenchidos os requisitos do art. 76, o promotor deve propor ao indiciado a transação penal. Frustrada a tentativa de transação, segue-se o rito sumário.

Outra questão importante sobre esse delito é a seguinte: a embriaguez ao volante é crime de perigo? Em caso positivo, perigo abstrato ou concreto?

Crime de perigo abstrato: basta a prova de que o sujeito conduziu o veículo sob a influência do álcool. Crime de perigo concreto: além da prova da condução sob a influência do álcool, deve haver a demonstração de uma efetiva situação de perigo.

A doutrina quase toda vem afastando a figura do crime de perigo abstrato por considerá-la ofensiva ao princípio constitucional da não culpabilidade. Por quê? Porque nos crimes de perigo abstrato, há uma presunção absoluta do perigo.

Aqui, em relação à embriaguez ao volante, há quem diga e há decisões do STJ nesse sentido de que se trata de crime de perigo concreto. Teria que haver a comprovação do fato de que o sujeito, sob a influência do álcool, conduzia o seu veículo à por em risco a segurança de terceiros.

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Há quem entenda – e o Supremo decidiu assim recentemente – que esse crime não é de perigo. A embriaguez ao volante é um crime de lesão ao bem jurídico que a Lei quer proteger. É crime de lesão e de mera conduta.

Qual é a lesão ao bem jurídico que enseja a configuração desse crime? É a prova de direção anormal ou irregular. É a direção que rebaixa o nível de segurança no trânsito. Tem que haver prova da direção descuidada.

Por fim, temos a questão sobre a prova da embriaguez. Vejam bem: a Lei não fala em conduzir veículo automotor embriagado. A Lei fala em conduzir veículo automotor sob a influência do álcool ou substância de efeitos análogos.

Como se comprova isso? Bom, essa prova deve ser feita através de exames de alcoolemia que é o exame de dosagem de álcool no sangue ou pelo que se convencionou chamar de teste do bafômetro.

Mas a própria Lei admite que o motorista possa se recusar a participar desses exames. Isso está no art. 277, parágrafo 2º do Código de Trânsito. A Lei reconhece que o sujeito não é obrigado a produzir prova que possa incriminá-lo.

Mas a recusa do motorista não impedirá a prova da embriaguez. A prova será feita através de testemunhas. Está no parágrafo 2º do art. 277.

Parágrafo 2º do art. 277: no caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor.

Qualquer prova poderá demonstrar a circunstância da influência do álcool quando da direção anormal do veículo automotor. Mas a embriaguez por si só, sem a comprovação da direção irregular, constitui infração administrativa.

Haverá um rebaixamento de nível. Não se reconhece, nesse caso, a configuração de crime.

Agora, se o motorista não possui permissão ou habilitação para dirigir e dirige de maneira irregular, anormal, qual é a solução? A maioria entende que nesse caso incidirá a agravante prevista no art. 298, III.

Não é caso de concurso material de crimes. Por quê? Porque o bem jurídico penalmente tutelado por ambas as figuras típicas é o mesmo.

Tanto o tipo da embriaguez ao volante quanto o tipo da falta de permissão ou habilitação para condução de veículo visam proteger a segurança viária. Então, a falta de habilitação funciona aqui como circunstância agravante.

Bom, vamos ver o art. 307: violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código.

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A suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor pode ser imposta com fundamento neste Código como pena (art. 292 e art. 293) ou como providência de natureza cautelar (art. 294).

Da decisão sobre essa medida cautelar, caberá recurso em sentido estrito. É uma outra hipótese de cabimento de recurso em sentido estrito. É o parágrafo único do art. 294.

Bom, sobre o art. 307, não tem muito assunto a falar. Vamos para o art. 308: participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada.

Qual é o bem jurídico que a Lei tutela? Segurança viária. É um bem jurídico supra-individual. É a segurança do trânsito ou no trânsito. Quem é o sujeito passivo desse crime? É a coletividade, corpo social.

O sujeito ativo é quem estiver participando de competição automobilística não autorizada. Embora a Lei fale em competição automobilística, esse crime também se caracteriza na hipótese de disputa não autorizada envolvendo motocicletas.

Os terceiros que permanecem no local assistindo e incentivando a prática dessa conduta respondem como partícipes do delito. É hipótese de participação no crime de competição não autorizada. É a participação do art. 29 do Código Penal.

Em relação a esse crime do art. 308, não há dúvida de que é possível a transação penal. É possível por quê? Porque a pena máxima cominada para esse crime é de dois anos.

Quando da edição do Código, a participação em competição não autorizada não se incluía nas infrações de menor potencial ofensivo, porque até então constituíam infrações de menor potencial ofensivo apenas crimes cuja pena máxima não excedesse um ano.

Agora, não há dúvida: esse crime é infração de menor potencial ofensivo da competência do juizado especial criminal. É possível a transação.

Mas vamos voltar ao parágrafo único do art. 291 que manda aplicar a esse crime a composição dos danos civis e a representação. Também aqui há a mesma discussão da embriaguez ao volante.

Prevalece o entendimento de que a ação penal correspondente ao crime do art. 308 é pública incondicionada. Por quê? Porque o sujeito passivo desse delito é o corpo social.

A situação de perigo é inerente à própria competição não autorizada. Aqui, haverá sempre uma direção anormal, irregular gerando situação de risco.

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Bom, e se o participante de competição não autorizada, nesse contexto fático da disputa, praticar homicídio culposo ou lesão corporal culposa, qual é a solução?

A maioria sustenta que o crime de dano que atinge bem jurídico individual absorve o crime de perigo, ou seja, absorve a participação em competição não autorizada.

A circunstância de participação em competição não autorizada deve influenciar na fixação da pena-base. Ela deve ser considerada circunstância judicial a justificar a exacerbação da pena-base.

Bom, mas eu também entendo ser possível falar em concurso material. Se houver prova de que o sujeito já estava participando da competição anteriormente quando, em certo momento durante a competição, vem a dar causa às lesões ou ao homicídio culposo, penso que é possível falar em concurso de crimes. São bens jurídicos distintos.

Agora, é preciso haver prova não apenas da ocorrência da lesão ou do homicídio, mas também de que o sujeito já antes participava da competição. Mas a maioria entende que o crime de dano absorve esse crime de perigo ou de lesão ou mera conduta (como preferem chamar alguns).

E se o sujeito que participa da competição não tiver habilitação para conduzir o veículo, qual é a solução? A falta de habilitação aqui também vai funcionar como circunstância agravante. É o art. 298, III.

Por que circunstância agravante e não concurso material de crimes? Porque o bem jurídico que a Lei protege em ambas as situações é a segurança viária.

E se esse sujeito que participa da competição não autorizada conduz o veículo sob a influência do álcool, qual é a solução? Há concurso de crimes ou absorção de um pelo outro?

A maioria sustenta que a hipótese é de absorção do crime de participação em competição não autorizada pela embriaguez ao volante. Antes, se pensava diferentemente.

Antes do Código de Trânsito, quando esses crimes constituíam contravenção do art. 34, a idéia era outra. Hoje, a maioria sustenta que a embriaguez absorve a participação. Por quê? Porque a embriaguez é punida mais severamente do que a participação em competição não autorizada.

A pena máxima da participação é de dois anos. A pena máxima da embriaguez é de três anos. Não faria sentido o crime menos grave absorver o crime mais grave.

A participação vai funcionar também para justificar a exasperação da pena.

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Vamos para o art. 309 que trata da falta de habilitação: dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano.

O bem jurídico tutelado é a segurança viária e o sujeito passivo é a coletividade. A caracterização desse crime exige a prova de uma direção anormal e irregular.

Ocorre aqui a mesma discussão da embriaguez ao volante. É crime de perigo concreto, ou seja, tem que haver a prova da situação de perigo.

A maioria sustenta que o crime é de lesão do bem jurídico penalmente tutelado. Trata-se rebaixamento dos níveis de segurança viária, ou seja, além da falta de habilitação, tem que ter direção anormal.

Se for um sujeito dirigindo regularmente sem habilitação, caracterizará apenas infração administrativa. O crime exige a prova da direção anormal.

Bom, a contravenção do art. 32 foi revogada pelo art. 309. Sobre isso, anotem a Súmula 720 do Supremo.

O crime do art. 310 diz respeito à entrega temerária de veículo automotor para pessoa que não disponha de habilitação para conduzi-lo. Há pouca coisa a falar.

Art. 310: permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança.

É crime de mera conduta. É a entrega temerária a terceiros sem condições de dirigir. Ainda que a pessoa que receba o carro seja excelente condutor, o crime de entrega a pessoa sem habilitação estará caracterizado. Aquele que entregar o carro estará incurso nas penas do art. 310.

Essa é seguramente uma exceção pluralista à teoria monista. Até então, até o Código de Trânsito, quem entregasse o carro para que pessoa inabilitada o conduzisse respondia como partícipe da contravenção do art. 32.

Agora, há dois crimes: o do art. 309 (condução sem habilitação) e do art. 310 (entrega de veículo a pessoa não habilitada).

Pergunta de aluno.

Resposta: a entrega não precisa ser em via pública, mas a condução sim.

Pergunta de aluno.

Resposta: com base no que dispõe o art. 310, é possível até eventuais terceiros prejudicados processarem o estabelecimento comercial cujo manobrista

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entregou o veículo a pessoa que não tinha condições de dirigir por estado de embriaguez.

Há a responsabilidade penal de quem faz a entrega e responsabilidade civil de quem tinha a cautela.

Vamos ver o art. 311: trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano.

É a direção perigosa na proximidade de determinados lugares. O crime do art. 311 afasta a incidência do fato contravencional do art. 34 da Lei específica.

Agora, a caracterização do crime exige que no local haja grande movimentação de pessoas. Não há o crime do art. 311, segundo a doutrina, quando esse comportamento é realizado de madrugada na proximidade de uma escola.

Isso porque, nesse caso, não há a causação da situação de perigo que a Lei Penal quer evitar. Tem que haver grande número de pessoas.

O art. 312 trata da inovação artificiosa da prova. Há uma relação de especialidade entre esse crime e o do art. 347 do Código Penal – crime de fraude processual. Esse crime é especial.

Só para finalizarmos: vamos ver o art. 297 que trata da multa reparatória.

Vamos ler o art. 297: a penalidade de multa reparatória consiste no pagamento, mediante depósito judicial em favor da vítima, ou seus sucessores, de quantia calculada com base no disposto no § 1º do art. 49 do Código Penal, sempre que houver prejuízo material resultante do crime.

A multa reparatória de que trata o art. 297 é arbitrada pelo juiz quando da prolação da sentença condenatória. O valor da multa é revertido em benefício da vítima ou de seus sucessores.

O valor da multa reparatória não poderá exceder os prejuízos materiais comprovados no processo penal.

Quanto à natureza jurídica da multa, a questão é polêmica. Há três orientações. A multa reparatória é pena. Agora, se a multa reparatória é pena, o Código de Trânsito, nesse ponto, fere o princípio da reserva legal, porque a multa reparatória não está cominada nos tipos incriminadores. Ela está prevista genericamente nas disposições gerais dos crimes de trânsito.

Outros consideram a multa reparatória como uma sanção de natureza civil. É a opinião do Polastri. É antecipação da responsabilidade civil.

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O juiz penal fixará, quando da sentença, o valor da multa reparatória que será descontada do valor global da indenização devida à vítima ou seus sucessores. Seria antecipação da responsabilidade civil.

Tem se entendido que o juiz penal não pode de ofício aplicar a multa reparatória. A reparatória aplicada de ofício viola os princípios da ampla defesa e do contraditório. É o que tem entendido a jurisprudência.

Agora, quem formulará o pedido? Ou o MP ou a própria vítima ou seus sucessores. O MP pode formular o pedido ainda que se entenda que a multa reparatória não tenha natureza de pena.

A outra orientação é que me parece a melhor: a multa reparatória não é sanção penal nem civil, mas sim efeito da condenação. É efeito genérico ou específico da condenação? Efeito específico e motivado, inclusive porque cabe ao juiz fixar o valor da condenação.

Quem tem legitimidade para promover a execução da multa reparatória? A legitimidade, para os que entendem que a multa tem natureza civil, é da vítima ou seus sucessores e não do MP. Isso porque a multa é revertida em favor da vítima ou de seus sucessores.

Outro aspecto importante do dia a dia diz respeito à agravante do art. 298, II que trata da condução do veículo sem placa ou com placa falsificada.

Art. 298: são circunstâncias que sempre agravam as penalidades dos crimes de trânsito ter o condutor do veículo cometido a infração: II - utilizando o veículo sem placas, com placas falsas ou adulteradas.

Agora, se o próprio condutor for o responsável pela falsificação da placa, haverá concurso material entre o crime do Código de Trânsito e o crime do art. 311 do Código Penal. Nesse caso, na incidirá a agravante do art. 298, II.

Essa agravante, então, só incidirá no caso de o sujeito conduzir o veículo sem placa ou quando a adulteração da placa tiver sido feita por terceiros.

Aí, o terceiro responde pelo crime do art. 311 do Código Penal e o motorista responde pelo crime do Código de Trânsito com o aumento de pena do art. 298, II.

Pergunta de aluno.

Resposta: quando a placa está ilegível, é o mesmo que estar sem placa. Agora, essa situação de burlar o sistema do radar é infração administrativa.

Então, fechamos aí o Código de Trânsito. Se alguém tiver alguma dúvida, pode perguntar no início da próxima aula.

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9ª aula – 09/07/2007

Boa noite. Hoje, vamos falar sobre os crimes de abuso de autoridade. São os crimes da Lei 4.898/65. Apesar de ainda haver doutrina em sentido contrário como o Damásio de Jesus, prevalece a orientação de que a Lei 4.898/65 revogou os arts. 322 e 350 do Código Penal.

No tocante a esse conflito aparente entre a Lei 4.898/65 e os arts. 322 e 350 do Código Penal, se aplica o princípio da sucessão das leis penais no tempo. A Lei 4.898 é posterior ao Código Penal.

Bom, qual é o bem jurídico que a Lei tutela? O abuso de autoridade é crime de dupla objetividade jurídica. A tutela penal está voltada para o regular e eficiente funcionamento da administração pública, bem como a direitos e garantias individuais.

A objetividade jurídica mediata diz respeito à proteção da administração pública do estado. A tutela penal imediata está voltada a bens jurídicos garantidos pela Constituição, ou seja, direitos e garantias individuais.

Há também neste crime uma dupla subjetividade passiva. Quem é o sujeito passivo dos crimes de abuso de autoridade? Um sujeito passivo é o estado, ou seja, a administração pública. O outro sujeito passivo é a pessoa física ou jurídica que vá ter o seu direito violado. É, sobretudo, sujeito passivo nesses crimes a pessoa física que vá ter ferida a sua garantia individual.

Agora, quem é o sujeito ativo do abuso de autoridade? O abuso de autoridade incide na categoria dos crimes especiais ou próprios. O sujeito ativo é a autoridade, cujo conceito, para fins de aplicação dessa Lei, está no art. 5º da Lei 4.898/65.

Esse conceito do art. 5º é análogo ao conceito de funcionário público contido no art. 327 caput do Código Penal.

Art. 5º: considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Esse conceito é semelhante ao conceito de funcionário público do art. 327 do Código Penal. Entretanto, não se sujeitam à Lei de Abuso de Autoridade as pessoas a que confere o parágrafo 1º do art. 327 do Código Penal.

Art. 327, caput: considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Art. 327, parágrafo 1º: equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

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As pessoas a que se refere o parágrafo 1º do art. 327 do Código Penal são consideradas funcionários públicos por equiparação. Essas pessoas não se sujeitam a Lei de Abuso de Autoridade. Essas pessoas não são propriamente autoridades. O conceito de autoridade está no art. 5º da Lei especial.

O particular pode ser responsabilizado pela prática de crime de abuso de autoridade? Pode, desde que seja em concurso com funcionário público. Essa especial condição do sujeito ativo é elementar dos crimes de abuso de autoridade. É elementar de caráter pessoal. Essa especial condição se comunica entre autores e partícipes de acordo com o art. 30 do Código Penal.

Mas ainda, para que o particular responda por abuso de autoridade, é preciso que o dolo do particular abranja essa especial condição do sujeito ativo. É preciso que o particular saiba que está concorrendo para a prática de um crime de abuso de autoridade.

A configuração do crime de abuso de autoridade exige que o delito tenha sido praticado no exercício da função? O sujeito só responde por abuso de autoridade se houver praticado a conduta típica no exercício da função? Não.

A autoridade responderá por abuso se ao menos invocar a sua condição funcional para a prática do delito. Tem que haver alguma relação entre o abuso e o exercício da função por parte do sujeito ativo.

Por exemplo: policial de folga que realiza uma prisão ilegal invocando a sua condição de policial ou o policial que atenta contra a incolumidade física de alguém fora das funções invocando a sua condição funcional.

Nesses casos, estará configurado o abuso de autoridade. Por quê? Porque o sujeito ativo, ao realizar a conduta típica, valeu-se da sua condição funcional.

Bom, o policial militar pode ser sujeito ativo do crime de abuso de autoridade? Pode. Autoridade é qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública de natureza civil ou militar ainda que transitoriamente e sem remuneração.

Pois bem, há no Código Penal militar definição típica de abuso de autoridade análoga a da Lei 4.898/65? Não. Por não haver definição típica no Código Penal Militar, o abuso de autoridade não é crime militar próprio ou impróprio.

A quem cabe o processo e julgamento do policial militar acusado da prática de crime de abuso de autoridade? Cabe à justiça comum estadual com base na Lei 4.898/65. Por quê? Porque não há na legislação penal militar definição típica de abuso de autoridade.

Nesse sentido, há a Súmula 172 de STJ que diz: compete à Justiça Federal processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.

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O STJ se baseia no argumento de que não há no Código Penal Militar definição típica de abuso de autoridade.

Bom, mas aí surge uma outra questão: e se o policial militar em serviço, no mesmo contexto fático, praticar crime de abuso de autoridade consistente, por exemplo, em atentado de locomoção contra civil e lesões corporais, a quem caberá o processo e julgamento do policial militar no que tange ao crime de lesões corporais? A justiça militar estadual.

Por quê? Porque as lesões corporais perpetradas nesse contexto fático constituem crime de natureza militar. É crime militar impróprio. É crime praticado em uma das circunstâncias do art. 9º do Código Penal Militar.

E o abuso de autoridade, a quem cabe o processo e julgamento? O abuso de autoridade será julgado pela justiça comum estadual. Malgrado a conexão, é caso de disjunção processual obrigatória. Não obstante a conexão entre o abuso de autoridade e as lesões corporais, a separação de processos é obrigatória.

A separação dos processos é obrigatória de acordo com os arts. 69, I do Código de Processo Penal e art. 102, I, ‘a’ do Código de Processo Penal Militar. Ambos os Códigos determinam, nesses casos, a separação do processo.

Nem a justiça militar pode julgar o crime da competência da justiça comum, nem a justiça comum pode julgar o crime da competência da justiça militar.

Também aqui há Súmula do STJ. É a Súmula 90 do STJ: compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.

E se o abuso de autoridade for praticado por servidor público federal, por exemplo, policial federal ou fiscal da receita federal, a quem compete o respectivo processo e julgamento? Há duas orientações sobre esse tema.

A primeira amplamente majoritária é no sentido de que a competência, nesses casos, é da justiça federal. Por que da justiça federal? Porque o abuso de autoridade é crime de dupla objetividade jurídica e de dupla subjetividade passiva.

O crime de abuso de autoridade praticado por servidor público federal atinge inegavelmente o interesse da administração pública federal. Interessa à administração da justiça federal a atuação desse delito.

O entendimento amplamente majoritário, embora haja entendimento em sentido contrário, é que o crime praticado por ou contra servidor público federal em razão das funções incide na competência da justiça federal.

No tocante aos crimes praticados contra servidor público federal em razão das funções, há a Súmula do STJ. É a Súmula 147. Embora essa Súmula diga respeito a crime praticado contra servidor público federal, essa Súmula abrange, por seus próprios fundamentos, de acordo com a orientação majoritária, os crimes praticados por servidor público federal em razão das funções.

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Súmula 147 STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.

A Súmula 147 do STJ tem como fundamento legal o art. 109, IV da CFRB/88. Aqui, há um interesse específico da União na apuração do fato criminoso. O mesmo fundamento cabe para os crimes praticados por servidor público federal em razão das funções.

Mas em sentido contrário, há a opinião, entre outros, do Guilherme de Souza Nucci que diz que, nesse caso, não há nenhum interesse específico da União que justifique o reconhecimento da competência da justiça federal.

Mas é uma orientação isolada. É amplamente majoritário o entendimento de que a competência aqui é da justiça federal.

Se o crime for praticado por servidor público municipal ou estadual, a competência será, em regra, da justiça estadual.

Agora, aqueles que exercem ????, como por exemplo, o inventariante judicial, eles são considerados como autoridade para fins penais? Não. Eles não se sujeitam ao regramento da Lei 4.898/65.

Vamos voltar um pouco ao sujeito passivo. O sujeito passivo imediato é, em regra, o titular do direito ou garantia individual violada. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de abuso de autoridade? Pode.

A doutrina dá como exemplo, com respaldo na jurisprudência, o abuso de autoridade consistente em atentado na liberdade de associação ou abuso de autoridade consistente na violação de correspondência.

A ação penal, no abuso de autoridade, depende da concordância do sujeito passivo do delito? Vale dizer: a ação penal, nos crimes de abuso de autoridade, é pública condicionada à representação? Não.

De acordo com o art. 1º da Lei 5.249/67, a falta da representação não impede o início ou prosseguimento da ação penal do crime de abuso de autoridade.

A representação a que se referem os arts. 2º e 12 da Lei 4.898/65 não tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade. O legislador se utilizou da expressão dando-lhe um significado diferente daquele do Código de Processo Penal.

No sistema do Código de Processo Penal, a representação é uma condição especial da ação. É uma condição de procedibilidade. Nos crimes de abuso de autoridade da Lei 4.898/65, a representação é uma delação postulatória.

Através dessa delação, aquele que sofreu o abuso noticia a ocorrência do delito, pedindo a punição do seu autor. Então, a representação de que trata os arts. 2º e 12 da Lei 4.898/65 tem natureza de delação qualificada, delação postulatória.

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Vamos ver o art. 1º da Lei 5.249/67: a falta de representação do ofendido, nos casos de abusos previstos na Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, na obsta a iniciativa ou o curso de ação pública.

Então, a ação penal é pública incondicionada. Sendo pública incondicionada, tanto a autoridade policial, no que concerne à instauração do inquérito policial, como o MP, no que diz respeito à promoção da ação penal condenatória, podem agir de ofício. Eles podem agir independentemente de provocação.

Mas aí, surge um outro problema. É uma questão ainda polêmica sobre a Lei 4.898/65. A questão é saber se o abuso de autoridade pode ser tratado como infração de menor potencial ofensivo.

Por quê? Porque a pena privativa da liberdade máxima que a Lei comina para o abuso de autoridade é de seis meses de detenção.

Art. 6º, parágrafo 3º da Lei: a sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em: a) multa de cem a cinco mil cruzeiros; b) detenção por dez dias a seis meses; c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.

Então, a pena privativa de liberdade máxima cominada é de seis meses de detenção. O abuso de autoridade configura infração de menor potencial ofensivo? A doutrina se divide.

Por que se divide? Porque há doutrinadores, entre os quais Marcelo Polastri, que entendem que o abuso de autoridade, por atentar contra direitos e garantias individuais, não pode ser considerado infração de menor potencial ofensivo.

Não se pode considerar a violação de garantia e direito individual como infração de menor potencial ofensivo. Para os que pensam assim, isso seria uma contradição.

Se a Lei maior coloca determinados interesses na categoria de direitos ou garantias individuais, não se pode tratar a violação desses direitos ou garantias, sobre o aspecto penal, como infração de menor potencial ofensivo.

Outro argumento: o abuso de autoridade não pode ser considerado como infração de menor potencial ofensivo também por contar com um sistema punitivo especial, com sistema de penas específicas.

Esse sistema prevê a possibilidade da aplicação da pena de perda do cargo como pena principal. Essa pena pode ser aplicada isolada ou cumulativamente com a pena privativa de liberdade e a pena de multa, como prevê o art. 6º, parágrafo 3º.

Aqui, a perda do cargo é pena principal. É diferente do que ocorre no sistema do Código Penal. No sistema do Código Penal, a perda do cargo é efeito da condenação. Mas aqui se cuida de pena que pode ser aplicada isolada ou cumulativamente.

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Ora, se o abuso de autoridade conta com um sistema punitivo especial, ele não pode ser tratado como infração de menor potencial ofensivo. É inadmissível transação penal para a perda do cargo ou inabilitação para o exercício de função pública.

Essas penas não são, no sistema da Lei 4.848/65, restritivas de direito, menos ainda constituem efeito da condenação. Trata-se de penas principais. São penas que podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente com a privação da liberdade e a multa.

Outros consideram que o abuso de autoridade é uma infração de menor potencial ofensivo. O STJ já decidiu assim algumas vezes. É uma orientação que vem se firmando notadamente na vigência da Lei 11.313/06. Essa Lei pôs fim à controvérsia de infração de menor potencial ofensivo, alterando a redação do art. 61 da Lei 9.099/95.

De acordo com a nova redação do art. 61, consideram-se infrações de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes que a pena máxima não exceder dois anos.

O legislador levou em consideração então a pena máxima cominada para definir infração de menor potencial ofensivo e não o bem jurídico penalmente tutelado.

Se a pena máxima, então, não exceder a dois anos, o crime será considerado infração de menor potencial ofensivo da competência do juizado especial criminal, sendo permitida a transação penal.

Mas a transação penal aqui não versará em hipótese alguma sobre a perda do cargo, inabilitação para o exercício de função pública nem pena privativa da liberdade. A transação versará sobre penas restritivas de direito e multa.

Isso significa que não se pode aplicar para o abuso de autoridade a perda do cargo ou inabilitação para o exercício de função pública? Não, essas penas poderão ser aplicadas no caso de sentença condenatória.

Frustrada a tentativa de transação, o promotor oferecerá a denúncia. Se sobrevier sentença condenatória, o juiz poderá aplicar ao réu essas penas. O que não se admite é a transação sobre perda do cargo.

Ainda sobre essas penas do abuso de autoridade, a Lei comina pena privativa de liberdade de dez dias a seis meses, multa, perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública.

Pode o juiz, no caso de aplicar cumulativamente pena de multa, substituir a pena privativa da liberdade por uma outra pena de multa? Não pode, de acordo com a Súmula 171 do STJ.

Vamos ver agora os crimes de abuso de autoridade em espécie. Vamos começar com o caput do art. 3º: Constitui abuso de autoridade qualquer atentado.

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Notem bem: o crime de abuso de autoridade na modalidade do art. 3º não admite tentativa, porque se trata de crime de atentado. É crime de mero empreendimento.

O simples atentado ao direito ou garantia individual relacionado no art. 3º constitui crime de abuso de autoridade. Não há, portanto, possibilidade de tentativa.

Vamos para a alínea ‘a’: à liberdade de locomoção. Se esse atentado consistir em prisão ilegal, o crime será o do art. 4º, ‘a’. Há um conflito aparente entre o art. 3º, ‘a’ e o art. 4º, ‘a’.

Quando o atentado consistir em efetiva prisão ilegal, o crime será o do art. 4º, ‘a’. Vamos ver o art. 4º, ‘a’: constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder.

Então, se a hipótese for de prisão, o crime será o do art. 4º, ‘a’. Agora, se a autoridade policial detiver a pessoa, levando-a a delegacia, restringindo temporariamente a sua liberdade de locomoção, o crime será o do art. 3º. ‘a’. Na hipótese de prisão, notadamente se houver encarceramento, o crime será o do art. 4º, ‘a’.

Duas questões aqui importantes que sempre caem em prova. Constitui abuso de autoridade a prisão de prostitutas em via pública? Depende, porque para o direito penal brasileiro, a prostituição por si só não constitui crime ou contravenção.

A prostituição feminina ou masculina é um indiferente penal. O que a Lei Penal pune são as condutas que gravitam em torno da prostituição. A prostituição por si só é fato atípico. Logo, a prisão, nesses casos, constituirá abuso de autoridade.

A prisão será lícita se houver flagrante delito. Normalmente, há flagrante delito do crime de ato obsceno do art. 233 do Código Penal e de importunação ofensiva ao pudor do art. 61 da Lei das Contravenções Penais.

Se não houver flagrante delito, esse atentado será tido como abuso de autoridade.

A outra questão diz respeito à prisão de bêbado. Há duas orientações. A prisão será possível se estiver configurada a contravenção do art. 62 da Lei específica. Aí, haverá flagrante de fato contravencional a justificar a prisão captura.

Outros entendem que essa prisão que não seria propriamente uma prisão, mas sim uma mera detenção do embriagado, é possível independentemente do fato contravencional para proteger a própria pessoa até que passe o estado de embriaguez.

Ainda examinando o art. 3º, ‘a’ e 4º, ‘a’ em conjunto: outro ponto que merece destaque é a chamada prisão para averiguações. A prisão para averiguações é ilegal. Se for realizada, sujeita o agente às penas do crime de abuso de autoridade, ou seja, constitui abuso de autoridade a chamada prisão para averiguações.

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Por quê? Porque, de acordo com o art. 5º, LXI da CFRB/88, ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em Lei.

A Lei penal brasileira não prevê a prisão para averiguações. Logo, essa prática constitui crime de abuso de autoridade.

Quais são as espécies de prisão que podem ser realizadas independentemente de decisão judicial prévia e fundamentada? A prisão em flagrante, prisão de crime militar próprio e prisão de transgressão disciplinar militar.

Fora disso, a prisão dependerá sempre de ordem escrita e devidamente fundamentada da autoridade judiciária competente.

Agora, o que se entende por crime militar próprio? É o fato que só encontra tipicidade no Código Penal Militar.

Pergunta de aluno.

Resposta: a condução coercitiva pode ser feita nas hipóteses expressamente previstas no Código de Processo Penal. Mas a condução coercitiva não se confunde com prisão. Na condução, o sujeito é apresentado à autoridade para um determinado fim e depois é liberado. O Código de Processo Penal prevê a condução coercitiva do indiciado ou réu no art. 260 do Código.

O Código permite ainda a condução coercitiva do ofendido que injustificadamente deixa de atender a regular intimação. Por fim, há também a condução coercitiva de testemunhas que deixar de atender a regular intimação.

A condução coercitiva, que não se confunde com a prisão, pressupõe sempre o desatendimento injustificado de uma regular intimação. Primeiro, tem que haver a intimação.

Agora, duas questões importantes sobre o abuso de autoridade e o art. 4º, ‘a’. A primeira questão é a prisão administrativa. A prisão decretada por autoridade administrativa constitui abuso de autoridade? Constitui, salvo quando se tratar de transgressão militar. É o que diz o art. 5º. LXI da CFRB/88.

Bom, vamos ver o art. 230 do Estatuto da Criança e do Adolescente: privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Se a vítima do abuso for criança ou adolescente, o crime, nessa modalidade de privação da liberdade de locomoção, será do art. 230 do Estatuto da Criança e do Adolescente. É o princípio da especialidade.

Agora, esse crime constitui também infração de menor potencial ofensivo. É crime da competência do juizado especial criminal.

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Vamos para o art. 3º, ‘b’: à inviolabilidade do domicílio. Qualquer atentado contra a inviolabilidade do domicílio constitui abuso de autoridade. Anotem aí o art. 5º, XI da CFRB/88 que garante a inviolabilidade do domicílio.

Primeira questão importante acerca do art. 3º, ‘b’: há entre o art. 3º. ‘b’ e o art. 150, parágrafo 2º do Código Penal um conflito aparente. Esse conflito é resolvido pelo princípio da especialidade.

Vamos ver o art. 150, parágrafo 2º do Código Penal: aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.

Aqui, há um conflito aparente entre normas penais co-existentes que é solucionado pelo princípio da especialidade. Há duas orientações existentes na doutrina e na jurisprudência.

A primeira é no sentido de que o art. 3

º, ‘b’ revogou o art. 150, parágrafo 2º. É a orientação amplamente majoritária. É o princípio da especialidade.

Agora, há quem entenda que o crime é o do art. 150, parágrafo 2º. Assim, o art. 3º, ‘b’ se torna inaplicável. Mas prevalece o entendimento de que é o art. 3º, ‘b’.

Mas esse atentado, de acordo com a orientação doutrinária e jurisprudencial, é punível como crime autônomo apenas quando for um fim em si mesmo.

Quando o atentado à inviolabilidade do domicílio for, por exemplo, para possibilitar uma prisão ilegal, o crime será o do art. 4º, ‘a’. O abuso, nesta modalidade, fica absorvido pela privação da liberdade de locomoção do indivíduo. É o princípio da consunção.

Vamos ver outras questões importantes sobre o crime do art. 3º, ‘b’. Primeira questão importante: busca domiciliar. A busca domiciliar, em regra, deve ser precedida de autorização judicial. É o art. 5º, XI da CFRB/88.

Pode CPI determinar busca domiciliar ou essa ordem configurará abuso de autoridade? O Supremo firmou jurisprudência no sentido de que a CPI não pode ordenar ou autorizar a busca domiciliar. Aqui, há a chamada reserva de jurisdição. Somente o poder judiciário poderá autorizar validamente essa diligência.

Outra questão importante: é possível a busca e apreensão em escritório de advogado? É possível apenas para apreender documentos que constituam corpo de delito.

Vamos ver o art. 243, parágrafo 2º do Código de Processo Penal: não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.

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Também é possível essa diligência sem que se possa falar em crime de abuso de autoridade para a apreensão dos objetos utilizados na prática do crime. Fora daí, o escritório do advogado é indevassável. Isso está no art. 7º, II da Lei 8.906/94.

Além disso, a busca e apreensão em escritório de advogado deve ser acompanhada de representante da OAB, ou seja, a OAB deve ser previamente cientificada da diligência para a sua validade. O Supremo não declarou inconstitucional essa exigência.

Outro ponto importante acerca desse dispositivo: a busca domiciliar em regra deve ser precedida de autorização judicial. Em regra, por quê? Porque se houver consentimento do morador ou flagrante delito, a diligência poderá ser feita independentemente de autorização judicial a qualquer hora do dia ou da noite.

Muito bem, e se o policial que organiza a busca supõe estar caracterizado o flagrante delito, mas essa suposição se frustra, o que acontece? A busca domiciliar é realizada na suposição de que esteja ocorrendo naquele lugar uma situação de flagrante delito. Só que essa suposição não é confirmada.

Haverá nesse caso crime de abuso de autoridade? Não estará, porque há fundada suspeita. A suspeita fundada em elementos idôneos acerca da caracterização do flagrante delito afasta, para alguns, o dolo do abuso de autoridade. Não há aqui o dolo do abuso de autoridade.

Para outros, é caso de estrito cumprimento de dever legal putativo. Por quê? Porque o policial tem o dever de prender quem estiver em flagrante delito.

Vamos para o art. 3º, ‘c’: ao sigilo da correspondência. Anotem o art. 5º, XII da CFRB/88. Se esse crime fosse praticado por particular, a punição se daria com base no Código Penal, art. 151 ou 152 do Código Penal. Em se tratando de autoridade, o crime será o do art. 3º, ‘c’.

Aqui, há duas questões importantes. Primeira questão: o sigilo da correspondência é absoluto? Na doutrina, prevalece o entendimento de que o art. 5º, XII da CFRB/88 teria garantido em termos absolutos o sigilo da correspondência. Por quê? Porque o art. 5º, XII só permite a interceptação de ligação telefônica.

No entanto, a jurisprudência do STF é toda em sentido contrário. Prevalece na jurisprudência o entendimento de que o sigilo das comunicações não é direito absoluto. Esse direito pode ser relativizado com base no princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.

Para os que entendem que o sigilo da correspondência é absoluto, está revogado o art. 240, parágrafo 1º, ‘f’ do Código de Processo Penal.

De acordo com a doutrina, a carta aberta até pode ser apreendida, mas a carta fechada não pode. É inadmissível a busca domiciliar para esse fim. A busca aqui configuraria abuso de autoridade.

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Agora, na jurisprudência, prevalece o entendimento de que alínea ‘f’ está em vigor e de que é possível a busca domiciliar para a apreensão de cartas. Busca essa que deve ser precedida de autorização judicial.

Outra questão relevante a respeito desse tema diz respeito ao sigilo da comunicação por cartas de pessoas presas. Esse sigilo é tutelado pela LEP no art. 41, V. O preso tem direito ao contato com o mundo exterior através de correspondência escrita.

Pois bem, esse direito pode ser restringido? Ou esse direito que a LEP confere ao preso é absoluto? O Supremo já decidiu que é lícita a administração penitenciária restringir esse direito de comunicação por cartas.

É lícito ao administrador do estabelecimento prisional, especialmente naqueles casos em que haja notícia da prática de crime, devassar o conteúdo da correspondência. Ele pode por ato devidamente motivado violar o sigilo da correspondência.

De acordo com o Supremo, o parágrafo único do art. 41 da LEP foi recepcionado pela CFRB/88. É inadmissível pensar que o preso possa gozar de direitos absolutos no tocante à liberdade de comunicação pondo em risco a própria segurança do sistema prisional.

Agora, há quem entenda que a LEP, nesse ponto, não foi recepcionada pela Constituição. Há quem entenda que, nesse caso, há crime de abuso de autoridade. Mas é óbvio que não!

Vamos pular as alíneas seguintes e vamos para o art. 4º, ‘b’: constitui também abuso de autoridade submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em Lei.

Se o sujeito passivo dessa conduta for criança ou adolescente, o crime será o do art. 231 do ECA. Além disso, é possível que essa conduta, retomando outras aulas, constitua crime de tortura.

Agora, a questão mais polêmica em torno desse assunto diz respeito ao uso de algemas. De acordo com o art. 199 da LEP, o uso de algemas tem que ser regulamentado por decreto federal.

Agora, até hoje não há decreto federal que regulamente o uso de algemas. Vale dizer que o art. 199 da LEP não foi complementado por decreto federal.

Então, o uso de algemas constitui crime de abuso de autoridade? Não se houver motivos para isso. O pensamento dominante é de que o uso de algemas deve ser a regra. Essa regra somente poderá ser excepcionada em situações especialíssimas.

Por quê? Porque o uso de algemas, além de prevenir fugas, garante a integridade corporal do preso e de terceiros. Esse é um constrangimento que a razoabilidade e proporcionalidade recomendam.

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Bom, agora, vamos voltar ao art. 3º, ‘i’: constitui abuso de autoridade qualquer atentado à incolumidade física do indivíduo.

Aí, surge questão controvertida em torno das lesões corporais leves decorrentes desse crime de atentado. Há três orientações. A primeira corrente que é majoritária diz que a hipótese é de concurso material entre o abuso de autoridade e as lesões corporais leves.

Por quê? Porque o abuso de autoridade se consuma independentemente da causação das lesões. O abuso de autoridade se caracteriza independentemente da efetiva ofensa à integridade física da pessoa. Por isso, é caso de concurso material.

Outros entendem que a hipótese é de concurso formal. Para alguns, se trata de concurso formal perfeito e, para outros, se trata de concurso formal imperfeito.

Agora, há quem entenda que as lesões leves ficam absorvidas pelo abuso de autoridade. Isso quer dizer que o sujeito será punido tão só pelo abuso. Somente haverá concurso de crimes quando se tratar de lesões graves ou gravíssimas. As lesões leves são absorvidas pelo crime de abuso de autoridade.

Vamos agora para o art. 4º, ‘c’: constitui também abuso de autoridade deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa.

Se o sujeito passivo da apreensão for criança ou adolescente, o crime será o do art. 231 do ECA.

Aqui, é preciso, hoje, certo cuidado. Por quê? Porque sempre se entendeu que essa imediata comunicação da prisão em flagrante ao juiz que a Constituição exige e cuja falta constitui abuso de autoridade é a comunicação feita logo após a lavratura do auto de prisão em flagrante.

Por quê? Porque de nada adianta comunicar ao juiz a simples prisão captura. Qual é a finalidade dessa exigência constitucional cujo descumprimento constitui crime de abuso de autoridade?

A finalidade é possibilitar ao juiz o controle da legalidade da prisão em flagrante. Esse controle da legalidade da prisão em flagrante é feito com base na cópia do auto de prisão em flagrante.

Mas eu tenho para mim que essa situação mudou. Mudou com a Lei 11.449/07 que alterou a redação do art. 306 do Código de Processo Penal.

Art. 306: a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada.

O art. 306 com a redação dada pela Lei 11.449/07 reproduz o disposto no art. 5º, LXII da CFRB/88. Então, a prisão em flagrante será imediatamente

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comunicada ao juiz competente. A falta da comunicação constitui crime de abuso de autoridade.

Sempre se entendeu que a comunicação é feita imediatamente após a lavratura do auto respectivo. Mas vamos ver o que diz agora o parágrafo 1º do art. 306 com a redação que lhe deu a Lei 11.449/07.

Parágrafo 1º do art. 306 do Código de Processo Penal: dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.

Duas interpretações são possíveis aqui. A primeira é no sentido de que o Código de Processo Penal passou a exigir a imediata comunicação da prisão captura.

É a comunicação feita imediatamente após a apresentação do preso após a autoridade policial. O auto da prisão em flagrante é que tem que ser encaminhado ao juiz competente nas 24h seguintes da prisão.

A outra interpretação é no sentido de que não se comunica a prisão captura. Comunica-se a prisão em flagrante com a cópia do auto respectivo nas 24h seguintes à prisão. O delegado tem até 24h para providenciar a lavratura do auto de prisão em flagrante. Lavrado o auto, o juiz é comunicado com a cópia do auto respectivo.

Agora, a falta da comunicação da prisão em flagrante não enseja o seu relaxamento. Constitui abuso de autoridade, mas não constitui ilegalidade a ensejar o relaxamento.

Agora, art. 4º, ‘d’: deixar o juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada. Isso é crime próprio do juiz. É preciso haver o dolo de negar o relaxamento.

Art. 4º, ‘e’: levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em Lei.

Também aqui é preciso haver o dolo de negar a fiança permitida pela Lei.

Art. 4º, ‘f’: cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor.

A Lei, nesse ponto, é letra morta, porque esse crime constituirá sempre o crime mais grave de corrupção.

Art. 4º. ‘g’: recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa.

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Art. 4º, ‘h’: o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal.

Art. 4º, ‘i’: prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.

O importante aqui é saber se o preso temporário deve ser posto imediatamente em liberdade assim que expirar o prazo da prisão. Não há, neste caso, alvará de soltura. A ordem de soltura está incluída no mandado de prisão, porque a prisão é por tempo certo e determinado.

Vamos ver agora o art. 3º, ‘j’: aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Essa é uma norma penal em branco. Por quê? Porque outras leis regulamentarão o exercício da profissão ou da atividade. Aqui, entram em jogo as prerrogativas do advogado que estão elencadas no art. 7º da Lei 8.906/94.

Vamos ver o art. 7º, III: são direitos do advogado: comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.

A restrição dessa prerrogativa profissional constitui abuso de autoridade. Não pode o responsável pela custódia do preso obstar o contato pessoal e reservado entre o preso e seu advogado.

Vamos ver agora o inciso XIV do art. 7º: examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.

A restrição dessa prerrogativa também constitui crime de abuso de autoridade conforme art. 3º, ‘j’ da Lei.

Vamos ver o inciso XIX: recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional.

A Lei aqui tutela o sigilo profissional. O advogado pode se recusar sobre fatos que lhe foram confiados no exercício da sua função. O Código de Processo Penal proíbe o advogado de testemunhar sobre esses fatos. É o art. 206 do Código de Processo Penal.

Há duas questões importantes aqui. O advogado pode ser intimado para depor como testemunha, sujeitando-se, no caso de desatendimento, à condução coercitiva? Ou a simples intimação do advogado já constitui crime de abuso de autoridade?

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O advogado pode ser intimado para depor, sendo lhe lícito recusar-se a prestar depoimento sobre fatos que lhe tenham sido confiados em razão da profissão.

Agora, o advogado tem o dever de comparecer à presença da autoridade, se for intimado, podendo se recusar a testemunhar sobre o fato que tenha tomado conhecimento no exercício da profissão.

Por fim, vamos falar da prisão em flagrante do advogado, art. 7º, parágrafo 3º: o advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo.

Então, em relação a crimes praticados no exercício da profissão, o advogado somente poderá ser preso em flagrante por crime inafiançável. Mas mesmo no crime inafiançável, é possível a prisão captura. Não haverá, nos crimes afiançáveis, a lavratura do auto de flagrante, mas será possível a prisão captura.

Então, a prisão captura é possível, mas a lavratura do auto de prisão em flagrante constitui abuso de autoridade.

Bom, na próxima aula, ainda vamos falar alguma coisa sobre o abuso de autoridade, mas vamos começar a tratar do estatuto do desarmamento.

10ª aula – 16/07/2007

Boa noite. Hoje, vamos falar sobre a Lei 10.826/03. Quanto à Lei de Abuso de Autoridade, vimos a questão das prerrogativas do advogado.

Agora, a parte processual dessa Lei, eu não vou examinar porque nós vimos na aula passada que, de acordo com a jurisprudência, o abuso de autoridade constitui infração de menor potencial ofensivo da competência do juizado especial criminal, sujeitando-se, dessa forma, ao procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.

Hoje, vamos falar sobre o Estatuto do Desarmamento que revogou expressamente a Lei 9.43/97, conforme prevê o art. 36.

Art. 36: é revogada a Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997. É a revogação expressa da antiga Lei de Armas.

Qual é o bem jurídico que a Lei tutela na incriminação das condutas previstas no Estatuto do Desarmamento? O bem jurídico é, inegavelmente, a incolumidade pública no que concerne a segurança da coletividade.

A segurança pública é o bem jurídico que o Estatuto do Desarmamento quer proteger. A tutela penal imediata é a segurança pública. Mediatamente, a tutela penal se volta para direitos individuais, tais como a vida, integridade corporal e o patrimônio.

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Aliás, a proteção da segurança pública tem a finalidade de antecipar a atuação do direito penal. Tem a finalidade de evitar que bens jurídicos sejam atingidos.

Agora, qual é o sujeito passivo do Estatuto do Desarmamento? O sujeito passivo é a própria coletividade, é o próprio corpo social.

Levando-se em conta a objetividade jurídica do Estatuto do Desarmamento, a quem compete, em regra, o processo e julgamento desses crimes? A competência é da justiça estadual ou da justiça federal já que o Sistema Nacional de Armas é órgão da União vinculado ao Ministério da Justiça?

Vamos ler o art. 1º do Estatuto: o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, tem circunscrição em todo o território nacional.

Em virtude do que dispõe o art. 1º, a quem compete o processo e julgamento desses crimes? Apesar de haver opinião em sentido contrário, é tranqüila a orientação de que a competência para processo e julgamento desses crimes é da justiça estadual.

Por que da justiça estadual e não da justiça federal? Porque a tutela penal está voltada para a segurança da coletividade. Esses crimes não atingem diretamente interesse da União. Por quê? Porque o bem jurídico penalmente protegido é a segurança coletiva.

A competência será da justiça federal, por exemplo, no tocante ao art. 18 que fala da importação ou exportação ilegal de arma de fogo. Aqui, não há dúvida: a competência para o processo e julgamento do crime do art. 18 é da justiça federal.

Vamos ver o art. 18: importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

A competência aqui é da justiça federal porque compete a União fiscalizar as fronteiras. O exercício da alfândega é monopólio da União.

E no caso de comércio clandestino interestadual de armas, a quem caberá o respectivo processo e julgamento? Caberá à justiça estadual. Nesse ponto, no que concerne a competência da justiça federal para o processo e julgamento do crime do art. 18, é importante salientar o que dispõe a Súmula 122 do STJ.

De acordo com a Súmula 122 do STJ, no caso de conexão entre crimes da competência da justiça federal e crime da competência da justiça estadual, prevalecerá a jurisdição federal. Há a prorrogação da competência da justiça federal com a derrogação da competência da justiça estadual.

De acordo com a jurisprudência do STF que, neste particular, segue a doutrina majoritária, os crimes do Estatuto são de regra crimes de lesão e de mera

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conduta. Por que são crimes de mera conduta? Porque são crimes desprovidos de resultado naturalístico.

A Lei anterior, Lei 9.437, definia todas as condutas penalmente relevantes em um único artigo, era o art. 10. O Estatuto estabelece logo a distinção entre posse e porte ilegal de arma de fogo de uso não permitido, cominando sanções diferenciadas.

Antes, essas condutas sujeitavam o infrator a uma mesma escala penal. O Estatuto define esses crimes como tipos incriminadores autônomos.

A posse irregular de arma de fogo de uso permitido está regulada no art. 12. O porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e as condutas assemelhadas estão tipificadas no art. 14.

Vamos ver o art. 12: possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 14: portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

São dois tipos incriminadores distintos relacionados com arma de fogo de uso permitido. A posse está no art. 12 e o porte está no art. 14. Um outro tipo de crime é o do art. 16. O art. 16 tipifica o porte ou posse de arma de fogo de uso restrito e condutas assemelhadas.

Neste caso, as condutas de possuir e portar estão definidas no mesmo tipo incriminador.

Vamos ver o art. 16: possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Há os crimes relacionados com o comércio ilegal e contrabando de arma de fogo que são os crimes dos arts. 17 e 18. Bom, vamos estudar pontualmente essas condutas típicas, iniciando pelo art. 12.

Em relação à conduta de possuir dos arts. 12 e 16, houve período de vacatio legis do período de 23.12.2003 ao dia 23.06.2004. Foi o período em que os proprietários de arma de fogo tiveram a oportunidade de regularizá-la nos termos dos arts. 30 e 31 da Lei.

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Art. 30: os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos.

Durante esse período, a conduta de possuir arma de fogo era penalmente irrelevante. Houve um período de atipicidade temporária. Houve uma espécie de anistia no tocante às condutas dos arts. 12 e 16.

Pois bem, de acordo com a jurisprudência do Supremo, esse período de vacatio legis de atipicidade temporária não alcançou o crime de porte ilegal de arma de fogo. O porte, mesmo durante esse período, podia ser punido.

E quem já estava sendo processado ou mesmo quem já havia sido condenado com sentença transitada em julgado pela prática do crime do art. 10 da Lei 9.437/97 se beneficiou com esse período de vacatio legis relativo aos crimes do art. 12 e 16? Houve uma espécie de abolitio criminis?

Evidentemente que não, porque esses crimes já estavam consumados quando da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento. O Estatuto não descriminalizou a conduta, o Estatuto apenas deu aos proprietários de arma de fogo a oportunidade de regularizá-la.

Agora, quem iniciou a prática dessas condutas dos arts. 12 ou 16 ainda na vigência da Lei antiga e permaneceu agindo quando da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento estará sujeito às penas mais severas do Estatuto ou nas penas mais brandas da Lei já revogada? Qual Lei será aplicada?

A Lei vigente é a Lei da época da constatação do fato criminoso quando se tratar de crime de natureza permanente. Aplica-se a Lei da época da constatação do fato criminoso, ainda que a execução tenha se iniciado anteriormente. É o que estabelece a Súmula 711 do Supremo.

Bom, vamos ver o art. 12: possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Qual é o objeto material do crime do art. 12? Arma de fogo, acessórios ou munição de uso permitido.

Primeira questão sobre arma de fogo: arma de fogo ineficaz para produzir disparos constitui o crime do art. 12? Não, a hipótese é de fato atípico. Para alguns, trata-se de impropriedade absoluta do objeto. Para outros, trata-se de impossibilidade absoluta do meio.

E quando se tratar de arma com defeito no sistema de disparo? É considerado arma de fogo, constituindo os crimes dos arts. 12 ou 14. Esse raciocínio vale tanto para as armas de uso permitido como para as armas de uso proibido.

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A posse de que trata o art. 12 é a posse no interior da residência ou no local de trabalho do indivíduo. Possuir significa ter poder sobre a arma de fogo, significa tê-la como se fosse proprietário.

Exemplo: o sujeito que possui clandestinamente no interior de sua residência várias armas de fogo de uso permitido. A posse de várias armas de fogo no mesmo contexto fático constitui um só crime do art. 12 ou haverá tantos crimes quantas forem as armas apreendidas?

Será um só crime do art. 12. A quantidade de armas apreendidas deve influenciar na dosimetria da pena como circunstância judicial desfavorável ao réu.

Agora, se o sujeito possuir várias armas de fogo clandestinamente em locais diferentes, como fica a configuração do crime? Nesse caso, como as condutas são praticadas em contextos fáticos diferentes, haverá concurso material de crime.

Outra questão que gera controvérsia: o sujeito possui clandestinamente, na sua residência, armas de fogo de uso permitido e arma de fogo de uso proibido. Nesse caso, são duas armas diferentes: uma de uso permitido e outra de uso restrito.

Neste caso, haverá um só crime do art. 12 ou art. 16, haverá, portanto, um só crime do art. 16 que é o crime mais grave ou estará caracterizado concurso material de crimes? As duas posições são sustentadas.

Há quem entenda que é caso de concurso material, já que o sujeito, nessa hipótese, pratica condutas típicas diversas.

Mas há quem entenda que o crime mais grave absorve o crime menos grave. Isso é possível porque o bem jurídico que a Lei tutela em ambas as hipóteses é a segurança coletiva. O fato de ser apreendida mais de uma arma de categorias diferentes funcionaria como circunstância judicial, nessa hipótese, desfavorável ao réu.

Em relação à posse de arma de fogo de uso permitido do art. 12, há quem defenda a tese (é a opinião do Luiz Flávio Gomes) da aplicação do princípio da insignificância. A conduta de possuir arma de fogo não diminuiria a segurança coletiva. Isso é um absurdo, porque aí a posse clandestina passaria a ser legal! Mas é a opinião do Luiz Flávio Gomes.

Vamos falar sobre a posse clandestina de munição. O sujeito possui tão somente a munição compatível com revólver calibre 38. Essa conduta é típica a luz do art. 12? É, a munição é um dos objetos materiais do crime do art. 12. É conduta típica.

Há quem entenda (e essa questão está afeta ao Plenário do Supremo) que a incriminação dessa conduta fere o princípio da lesividade e da ofensividade. A criminalização desse comportamento viola o princípio da intervenção mínima do estado em matéria penal. Essa conduta, dizem os adeptos dessa tese, não tem potencialidade lesiva.

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A tendência é o Supremo decidir que não há ofensa alguma aos princípios da lesividade e da ofensividade e menos ainda ao princípio da intervenção mínima do direito penal na realização dessa conduta.

Aí, temos outro problema relacionado com esse tema: arma defeituosa inapta a produzir disparos cuja posse ou porte é conduta atípica. Posse de arma inapta e da respectiva munição configura conduta típica? Essa conduta se enquadra no art. 12?

Há duas orientações. A mim, me parece que é conduta típica, porque a posse de munição, independentemente da posse da arma de fogo, é conduta penalmente relevante. É conduta do art. 12. Essa munição pode ser utilizada em outra arma.

Há quem defenda a tese de que aqui não há tipicidade por ausência de ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado.

Mas a tendência é o Supremo reconhecer, nesse comportamento, relevância penal.

Outra questão importante sobre o objeto material dos crimes dos arts. 12, 14 e 16: a apreensão e perícia da arma são indispensáveis? A arma tem que ser apreendida e periciada para que se possam reconhecer os crimes do art. 12, 14 e 16?

É tranqüilo o entendimento de que é preciso sim a apreensão e perícia, porque somente através da perícia é que se constatará a potencialidade lesiva da arma. A perícia é indispensável.

Temos outra questão correlata: o emprego de arma funciona como causa de aumento de pena no crime de roubo. É o roubo circunstanciado.

Para o reconhecimento dessa causa de aumento de pena, é imprescindível a apreensão e exame da arma? Hoje, há duas orientações fortes na doutrina e na jurisprudência.

O STJ decidiu recentemente que o aumento de pena, nesses casos, prescinde a apreensão e perícia da arma, ou seja, somente com a perícia é que se saberá se o sujeito empregou na prática do crime uma arma.

A outra orientação que me a mais correta é no sentido do reconhecimento do emprego da arma na prática do roubo como causa de aumento de pena independentemente da apreensão e perícia desse objeto, desde que não haja dúvida alguma, pela prova produzida, que o sujeito tenha utilizado a arma de fogo na prática do crime. Se houver dúvida, é indispensável a perícia para o reconhecimento da causa de aumento de pena.

O emprego da arma de brinquedo autoriza o aumento de pena previsto no art. 157, parágrafo 2º do Código Penal? Arma de brinquedo é arma? Há duas orientações sobre esse tema.

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Uma orientação é no sentido de que a arma de brinquedo autoriza o aumento de pena no crime de roubo, porque a arma de brinquedo é capaz de intimidar a vítima.

Outra orientação que vinha prevalecendo anteriormente é no sentido de que brinquedo não arma. Arma não é brinquedo e brinquedo não é arma. O que autoriza o aumento da pena no crime de roubo é o emprego de arma. A utilização de arma de brinquedo constitui grave ameaça ao outro, mas não autoriza aumento de pena.

Aí, sem apreensão e perícia não se saberá se o instrumento empregado pelo agente é de fato uma arma.

Bom, vamos falar sobre o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito como crime autônomo e os delitos perpetrados com a utilização da arma.

Primeira hipótese: crime de homicídio e porte ilegal de arma de fogo. O homicídio absorve o crime de porte ilegal de arma de fogo? Duas orientações.

Primeira: não absorve porque o crime de porte ilegal de arma de fogo já estará consumado quando da execução do homicídio. Em regra, o sujeito já traz consigo a arma de fogo antes de utilizá-la na prática do homicídio. São dois os bens jurídicos ofendidos nessa hipótese: a vida e a incolumidade pública. Há concurso material.

Há quem entenda que haverá absorção. É caso de aplicação do princípio da consunção. O porte é o meio de que se utilizou o agente para realizar o crime de homicídio. É a hipótese em que o sujeito se arma especificamente para cometer o homicídio.

Agora, há uma questão ainda hoje que muitas vezes passa despercebida: ainda que se entenda que o homicídio absorve o porte ilegal de arma de fogo, é possível em tese falar no reconhecimento do concurso material entre o homicídio e a posse ilegal da arma de fogo, porque a posse ilegal da arma de fogo precede à prática do homicídio.

Mas é preciso haver prova de que o sujeito, antes de utilizar a arma na prática do crime, já a possuía.

Outra questão importante entre o porte e o crime de homicídio: o réu é absolvido da acusação da prática do crime de homicídio. Há a absolvição sumária com reconhecimento da legítima defesa.

Nesse caso, reconhecida a legítima defesa, é possível cogitar da punição do réu pelo crime remanescente de porte de arma de fogo? Será possível se o porte ilegal não tiver relação direta com a configuração da legítima defesa.

Aquele que tem medo de ser vítima de roubo ou seqüestro pode alegar uma espécie de legítima defesa preventiva para portar ilegalmente arma de fogo? Não! O reconhecimento da legítima defesa pressupõe a agressão atual e eminente.

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A agressão futura e hipotética não autoriza o porte ilegal de arma de fogo. Caso contrário, todos poderiam portar arma de fogo.

Agora, há uma outra situação que tem que ser aferida casuisticamente e que pode exculpar o porte ilegal de arma de fogo. É a inexigibilidade de conduta diversa.

O sujeito é proprietário de um pequeno estabelecimento comercial. Dia sim, dia sim, ele é roubado! Já se admitiu a possibilidade de esse sujeito invocar o princípio da inexigibilidade de conduta diversa para exculpar-se da acusação de porte ilegal de arma de fogo. Agora, isso tem que ser analisado caso a caso.

Outra questão importante sobre a arma e os crimes praticados com o seu emprego: quadrilha armada, art. 288, parágrafo único do Código Penal.

Parágrafo único do art. 288: a pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

É causa de aumento de pena. Mas é possível cogitar do reconhecimento de concurso entre o crime de quadrilha ou bando armado e o porte ilegal de arma de fogo? O Supremo vem decidindo pela possibilidade ao argumento de que o crime de quadrilha se caracteriza independentemente do emprego de arma.

O porte das armas pelos quadrilheiros é punido em concurso material com a quadrilha armada. Mas há quem entenda que se a quadrilha armada funciona como causa de aumento de pena, não se pode punir os quadrilheiros armados pelo crime do Estatuto do Desarmamento.

Vamos ver agora o art. 14: portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Uma das condutas típicas do art. 14 é a de adquirir. O sujeito que adquire arma de fogo de uso permitido produto de crime está sujeito às penas do art. 14 ou a hipótese é de receptação?

Essa questão é uma das mais polêmicas. Na doutrina, vem prevalecendo o entendimento (que me parece equivocado) de que se trata do crime do Estatuto em razão do princípio da especialidade, inclusive porque as penas dos arts. 14 e 16 são mais graves do que as penas do art. 180 do Código Penal.

Eu particularmente penso de maneira diferente. Eu entendo que a hipótese é de receptação, porque o plus especializante está no fato de a coisa ser produto de crime. Então, eu penso que o crime é de receptação em concurso material depois com o porte ilegal dessa arma.

Aliás, a Lei criou um crime curioso. É crime próprio do parágrafo único do art. 13: nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa

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de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.

Trata-se, portanto, de crime a prazo, porque o crime só se consuma depois de transcorridas 24h contadas da ocorrência do fato.

Bom, o legislador não incluiu nos arts. 14 e 16 o verbo “vender”. O art. 10 da Lei anterior tipificava expressamente o tipo vender.

Vender está abrangido na expressão ceder ainda que gratuitamente. Mas a venda feita habitualmente a título de comércio caracteriza o art. 17.

Art. 17: adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único do art. 17: equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

Quem vende arma de fogo à criança ou adolescente incorre nas penas do art. 242 do ECA ou nas sanções do art. 16, parágrafo único, V? O crime é o do Estatuto do Desarmamento pelo princípio da especialidade. Qual é o plus especializante? A arma de fogo.

O art. 242 foi parcialmente revogado no que concerne à venda e fornecimento de arma de fogo.

Agora, essa arma de que trata o inciso V do parágrafo único do art. 16 é tanto a arma de fogo, acessório, munição ou explosivo ou só se trata de arma de uso restrito ou proibido? Aqui, se trata de qualquer arma.

A Lei não prevê a exasperação da pena quando a hipótese é de venda de arma para criança ou adolescente no exercício de atividade comercial. Aliás, não há qualquer distinção nessas penas.

As penas cominadas para o art. 17 não são exasperadas quando o comércio é para a criança e o adolescente. Essa é uma crítica que a doutrina faz ao preceito sancionatório do art. 17.

A Constituição manda punir mais severamente os crimes praticados contra criança e adolescente. Aqui, a Lei falhou.

Vamos falar agora sobre as figuras típicas equiparadas. O Estatuto do Desarmamento criminalizou as condutas de portar, possuir, adquirir, transportar ou

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fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. Estou falando do art. 16, parágrafo único, IV.

Há quem entenda que os crimes do art. 16, parágrafo único, I e IV atingem como bem jurídico a administração pública, porque dificulta o controle do porte e posse dessas armas com a supressão do sinal de identificação.

Há quem defenda a tese de que a competência para processar e julgar esses crimes é da justiça federal, porque aqui haveria o atingimento direto de serviço prestado pela União.

Essa tese, entretanto, não tem tido colhida nos tribunais. Prevalece o entendimento de que a tutela penal imediata se volta à segurança pública. Daí a competência ser da justiça estadual.

Vamos mais a frente para depois voltar. Vamos para o art. 18. Há um conflito aparente entre o tipo incriminador do art. 18 e o tipo incriminador do art. 334 do Código Penal. É um conflito que se resolve pelo princípio da especialidade.

Quando se tratar de importação ou exportação de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente, o crime será o do art. 18. Será inclusive quando se tratar de favorecimento do contrabando.

Nesse caso, não será o crime do art. 318 do Código Penal, mas sim o art. 18 da Lei específica. Quando se tratar de favorecimento de contrabando de arma de fogo, o crime será o da Lei especial.

Pergunta de aluno.

Resposta: essas são normas penais em branco. Qual é o elemento normativo desses tipos dos arts. 12, 14 e 16? “Sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

Agora, vamos ver outro aspecto importante que vem criando polêmica.

Vamos ver o art. 15: disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Na vigência da Lei anterior, o disparo de arma de fogo era punido como crime autônomo se não caracterizasse o crime mais grave. Havia uma subsidiariedade expressa entre o crime de disparo de arma de fogo e o crime mais grave.

O crime de disparo de arma de fogo só era punido como figura típica autônoma se não constituísse o crime mais grave.

Bom, a Lei aqui inova dizendo que o disparo de arma de fogo será punível como crime autônomo se essa conduta não tiver como finalidade a prática de outro crime.

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Então, veja bem: o sujeito faz disparos na via pública visando atingir e matar um desafeto seu, consumando ou não o seu intento. O crime será o do art. 15 ou o do homicídio tentado ou consumado ou haverá concurso entre esses crimes?

O crime, de acordo com a redação do art. 15, é de homicídio consumado ou tentado porque o disparo foi o meio em que o agente se utilizou para concretizar o seu intento de homicídio.

E se o sujeito disparasse arma de fogo em via pública com a intenção de expor a perigo pessoa ou pessoas certas e determinadas, qual seria o crime? O sujeito age com dolo de perigo.

O crime, de acordo com a redação do art. 15, será o do Estatuto do Desarmamento ou o do art. 132 do Código Penal? Tendo o disparo uma finalidade específica, o crime será o do art. 132 que é punido menos severamente do que o crime do art. 15.

Essa é a orientação majoritária. Mas em sentido contrário, há a opinião do Fernando Capez para quem se deve desprezar a especial finalidade de agir (ou seja, desprezar o tipo) do sujeito, reconhecendo sempre o crime mais grave do art. 15. Mas isso é inadmissível.

Pergunta de aluno.

Resposta: não, o disparo mais o porte não é possível, porque o bem jurídico é o mesmo: segurança pública. A jurisprudência não admite o reconhecimento do concurso entre o crime do art. 15 e a posse ou porte da arma de fogo.

Pergunta de aluno.

Resposta: em relação às lesões culposas decorrentes de disparo de arma de fogo, não há dúvida, a intenção do agente não é provocar a morte nem provocar lesões em terceiros. Então, haverá em um caso desse o concurso material do crime do art. 15 e o crime de lesão culposa. Isso porque a intenção aqui não é causar a lesão ou morte.

Se a intenção for de causar a morte ou lesões, o crime será ou de homicídio ou de lesões corporais leves, graves ou gravíssimas.

Bom, vamos ao art. 13 que trata da omissão de cautela: deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade: pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

Esse é um crime culposo. Aqui, embora haja opinião em sentido contrário, prevalece o entendimento que a consumação desse crime exige que o menor de 18 anos ou a pessoa portadora de deficiência mental se apodere da arma de fogo.

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É necessário que haja o apoderamento por parte do menor ou do deficiente. A simples negligência, por si só, não caracteriza o crime do art. 13. Prevalece o entendimento de que a configuração do crime exige que o menor ou o deficiente se apodere da arma.

Bom, para finalizar, vamos falar da liberdade provisória e da fiança. O Supremo declarou inconstitucional o Estatuto do Desarmamento no que concerne a proibição da fiança e da liberdade provisória.

O STF declarou inconstitucional a proibição da fiança ao argumento de que esses crimes não podem ser equiparados aos crimes hediondos e assemelhados. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra.

A prevalecer esse entendimento, todas as proibições do Código Penal e do Código de Processo Penal que cuidam da fiança teriam sido revogadas pela Constituição. Mas esse foi o fundamento da decisão do STF.

A Lei também é inconstitucional no que tange à proibição da liberdade provisória. Essa proibição, segundo o Supremo, viola princípios constitucionais. Essa proibição viola, sobretudo, o princípio da presunção de inocência.

O Supremo, nessa decisão, finalizou no sentido de que Lei infraconstitucional não pode em hipótese alguma vedar em termos genéricos a liberdade provisória. A liberdade provisória foi vista como uma garantia individual que não pode ser suprimida por Lei ordinária.

Agora, não faria mais sentido o Estatuto proibir a liberdade provisória em relação aos crimes nele definidos tendo a Lei 11.464/07 suprimido essa proibição nos crimes hediondos e assemelhados.

Agora, na vigência da Lei 11.464/07, é possível liberdade provisória nos crimes hediondos e assemelhados, como já vimos em outras aulas.

Seria estranho a Lei permitir liberdade provisória em relação ao homicídio qualificado e proibi-la peremptoriamente em relação ao porte de arma de fogo.

Bom, prosseguimos na semana que vem falando do Estatuto do Idoso e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

11ª aula – 23/07/2007

Boa noite. Vamos corrigir a prova de ontem? Vamos. Primeira questão: no tocante ao primeiro grupo, a conduta é típica a luz do art. 12 da Lei 6.368/66, já que o art. 33 que corresponde ao antigo art. 12 é Lei penal mais severa. Nesse caso, ocorreria o fenômeno da ultratividade da Lei penal benigna e irretroatividade da Lei penal gravosa.

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Seria o art. 12 sem a incidência da causa de aumento de pena do art. 18, III. Por quê? Porque nesse particular, no que concerne ao art. 18, III, a nova Lei de Drogas não reproduziu a causa de aumento de pena que constava desse dispositivo. Embora os fatos sejam anteriores a Lei 11.343/06, essa Lei tem aplicação retroativa.

Não se pode cogitar, nesta hipótese, de reconhecimento do crime autônomo de associação para o tráfico, porque o que houve nessa hipótese foi um concurso eventual de pessoas. Foi um concurso transitório.

Quanto ao outro sujeito, a hipótese é do art. 33, parágrafo 3º da Lei nova, que tem, nesse particular, aplicação retroativa porque é Lei penal benigna. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo. Sendo hipótese de infração de menor potencial ofensivo, o MP em relação a esse crime proporá a transação penal com base no art. 76 da Lei 9.099/95.

Quanto ao uso, também há proposta de transação penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: não há conexão entre os fatos. São fatos distintos em que não há nenhuma ligação entre si. Então, a hipótese aqui não é de unidade de processo e julgamento. São dois procedimentos penais distintos.

Vamos pular a segunda questão. Vamos para a terceira questão. Bom, a hipótese é de lesão corporal dolosa. A hipótese é de lesão corporal leve qualificada do art. 129, parágrafo 9º no que concerne à Fabiana. E a hipótese é de lesão corporal qualificada do parágrafo 1º no que diz respeito ao Ricardo.

Em relação a esses fatos, incide a vedação do art. 40 da Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Vale dizer que é irrelevante a manifestação de vontade da vítima Fabiana no sentido de não querer ver o autor do fato submetido a processo penal condenatório.

O pensamento do examinador é não haver nenhuma inconstitucionalidade nessa vedação do art. 40.

Então, é caso do art. 129, parágrafo 9º no que concerne as lesões sofridas pela Fabiana e art. 129, parágrafo 1º quanto às lesões sofridas pelo Ricardo.

Pergunta de aluno.

Resposta: aqui, o candidato teria que ressaltar que é impossível atribuir-se a prática do art. 305 do Código de Trânsito, porque o sujeito ativo desse crime do art. 305 é o motorista envolvido no acidente que não tenha contribuído culposamente para a sua ocorrência.

A hipótese aqui não é de acidente. A hipótese é de crime doloso que afasta a possibilidade de reconhecimento do crime do art. 305. Fugir do local do acidente para escapar da responsabilidade penal é conduta penalmente irrelevante, salvo na hipótese do art. 305 do Código de Trânsito.

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Então, o Cornélio está incluído nas penas dos arts. 129, parágrafo 1º, I e art. 129, parágrafo 9º na forma do art. 70, segunda parte, do Código Penal.

Vamos ver agora a primeira questão de processo penal. Primeira questão, letra a: eu falei sobre isso na minha aula. Há duas orientações sobre o assunto.

Há quem entenda (é a posição majoritária na jurisprudência) que o art. 167 é aplicado inclusive em relação aos crimes da Lei de Drogas. Vale dizer que a falta do exame de corpo de delito pode ser suprido pela prova testemunhal, cabendo ao juiz valorar a prova testemunhal. Agora, dificilmente, a testemunha dará ao promotor a certeza necessária sobre a configuração do crime da Lei de Drogas. Mas isso fica no plano da valoração da prova.

Mas para o Polastri, em relação aos crimes da Lei Anti-Drogas, é inaceitável o art. 167 do Código de Processo Penal, porque, nesses casos, o exame de corpo de delito serve como condição de procedibilidade. É condição especial da ação penal.

Isso ocorre, para o Polastri, nos crimes da Lei de Drogas e nos Crimes contra a Propriedade Imaterial. Nesses casos, a própria instauração da ação penal depende da comprovação prévia da materialidade do delito feita através de prova pericial.

Primeira questão, letra b: na vigência da Lei anterior, estava sedimentado o entendimento de que, nos casos de conexão envolvendo crime da Lei de Drogas e crimes sujeitos a procedimento ordinário, deve ser seguido o procedimento ordinário que é o mais amplo.

Na vigência da Lei atual, ainda prevalece o entendimento de que o rito a ser observado é o comum ordinário, por ser o rito mais amplo.

A Lei anterior previa a observância do rito nela disciplinado. Era o art. 28. Mas mesmo havendo norma específica sobre o tema, era tranqüilo na jurisprudência de que o rito teria que ser o ordinário. Tem que sempre ser o procedimento mais amplo.

Primeira questão, letra c: poderá ser concedida a liberdade provisória. Hoje, em virtude da Lei 11.464/07 (Lei que alterou a Lei dos Crimes Hediondos para suprimir a vedação genérica da liberdade provisória), é possível se cogitar da concessão da liberdade provisória. Essa liberdade provisória pressupõe a inocorrência dos motivos que autorizam a prisão preventiva.

Ainda há jurisprudência no sentido de que a Lei de Drogas é Lei especial que, ao proibir expressamente a liberdade provisória, afasta a incidência nesse particular da Lei dos Crimes Hediondos.

Mas a Lei dos Crimes Hediondos foi alterada depois da entrada em vigor da nova Lei de Drogas. A alteração foi feita em 2007, posteriormente à nova Lei de Drogas.

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Segundo Polastri, é possível conceder ao réu, nesses casos, a liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único.

Bom, hoje, vamos falar sobre a Lei 9.099 e o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03. Desde logo, é importante frisar que não há mais controvérsia alguma sobre o conceito de infração de menor potencial ofensivo.

A Lei 11.313/06 alterou as Leis 9.099/95 e 10.259/01, redefinindo com clareza o conceito de infração de menor potencial ofensivo. Esse conceito é válido para as justiças comuns: estadual e federal. É o conceito válido para a definição da competência do juizado especial criminal.

São consideradas infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes cuja máxima cominada não exceda dois anos. Esse é o conceito de infração de menor potencial ofensivo contido no art. 61 da Lei 9.099/95 com a redação dada pela Lei 11.313.

Duas observações importantes. Primeira, as contravenções penais, independentemente da pena cominada, são todas infrações de menor potencial ofensivo. Não há nenhuma contravenção cuja pena máxima exceda dois anos.

Mas, se por ventura, o legislador estabelecer para um fato contravencional pena máxima superior a dois anos, ainda assim, estaremos diante de uma infração de menor potencial ofensivo.

E mais, as contravenções, mesmo quando praticadas contra os interesses da União ou suas entidades autárquicas ou empresas públicas, são processadas e julgadas no âmbito da justiça estadual. Elas são sempre da competência do juizado especial criminal estadual.

Por quê? Porque o art. 109, IV da CFRB/88 afasta os fatos contravencionais da competência dos juízes federais.

Questão importante: e se uma pessoa sujeita ao Tribunal Regional Federal vier a praticar uma contravenção, por exemplo, juiz federal, a quem caberá, nesse caso, o respectivo processo e julgamento? Será da competência da justiça estadual por se tratar de contravenção ou será da justiça federal em razão do foro por prerrogativa de função?

Nesse caso, prevalecerá a prerrogativa de foro. A competência será da justiça federal, não obstante a hipótese ser de contravenção penal.

Segunda observação: a Lei 11.313/06, ao redefinir o conceito de infração de menor potencial ofensivo, aboliu a ressalva que havia no art. 61 acerca do procedimento especial, ou seja, hoje, é irrelevante o fato de o crime cuja pena máxima cominada não exceder dois anos contar com procedimento especial.

O fato de haver previsão de procedimento especial não afasta o crime cuja pena máxima não exceda dois anos do rol das infrações de menor potencial ofensivo.

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Esses crimes, no âmbito do juizado especial criminal, serão processados e julgados com a observância do procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95, sendo permitida a composição dos danos civis com efeito penal e a transação penal. Não serão observados, no juizado especial criminal, os ritos específicos.

A Lei 11.313/06, além de redefinir o conceito de infração de menor potencial ofensivo, estabelece que, nos casos de conexão e continência, prevalecerá a competência do juízo comum. A expressão “juízo comum” abrange o juízo criminal comum e o Tribunal do Júri. Isso está no parágrafo único do art. 60 da Lei 9.099/95.

A Lei 9.099/95 disciplina, entre os arts. 69 e 76, a chamada fase preliminar que abrange as providências policiais cabíveis em se tratando de infração de menor potencial ofensivo e a fase de conciliação.

A conciliação tem duplo aspecto. Tem o aspecto civil consistente na composição dos danos civis. E tem a conciliação sob o aspecto penal que consiste na aplicação imediata da transação penal.

A partir do art. 77, a Lei disciplina o procedimento sumaríssimo do juizado especial criminal. O procedimento sumaríssimo tem início com o oferecimento da denúncia depois de frustradas as tentativas de conciliação.

Bom, vamos fazer agora o exame do Estatuto do Idoso. Vamos ver o art. 94: aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.

A redação dada ao art. 94 do Estatuto do Idoso não podia ser mais infeliz. Por quê? Porque o art. 94 manda aplicar aos crimes definidos no Estatuto do Idoso, cuja pena máxima cominada não exceda 4 anos, o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.

Tão logo o Estatuto do Idoso entrou em vigor, surgiu controvérsia na doutrina e na jurisprudência acerca da possibilidade de transação penal e composição de danos civis nos crimes do Estatuto cuja pena máxima cominada não excedesse quatro anos.

Duas orientações acerca desse tema se formaram. A primeira foi no sentido de que o Estatuto prevê essa possibilidade, ou seja, prevê a possibilidade de transação penal em relação aos crimes nele definidos cuja pena máxima cominada não exceda quatro anos. O Estatuto do Idoso manda aplicar o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.

Essa orientação se desdobra em duas correntes. A primeira sustenta que o Estatuto do Idoso teria ampliado o conceito de infração de menor potencial ofensivo. Pelo princípio da isonomia, seria cabível a transação no tocante a qualquer crime cuja pena máxima cominada não excedesse quatro anos. É um pensamento absurdo.

Essa vertente da primeira orientação não se sustenta mais, porque a Lei 11.313/06 que é posterior ao Estatuto do Idoso descreveu com clareza o conceito de

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infração de menor potencial ofensivo. As infrações de menor potencial ofensivo são as contravenções e os crimes cuja pena máxima cominada não exceda dois anos. Então, não teria havido ampliação desse rol pelo Estatuto do Idoso.

A segunda vertente de pensamento diz que a transação é possível apenas em relação aos crimes do Estatuto do Idoso cuja pena máxima não exceda quatro anos. É uma situação análoga a do Código de Trânsito.

É uma situação parecida com aquela prevista no parágrafo único do art. 291 do Código de Trânsito que manda aplica ao crime de embriaguez ao volante, cuja pena máxima cominada é de três anos, o art. 76 da Lei 9.099.

Essa orientação que sustenta a possibilidade de composição dos danos civis e transação penal nos crimes do Estatuto do Idoso cuja pena máxima comina não exceda quatro anos é minoritária.

Essa orientação doutrinária não conta com a chancela dos tribunais. A jurisprudência sustenta que não é esse o sentido que se deve dar ao art. 94 do Estatuto. O legislador não teve a finalidade de permitir, nesses casos, nem a transação penal nem a composição dos danos civis.

Antes passarmos para a segunda corrente que é a majoritária, quero dizer que não há nenhuma relevância no que diz respeito à composição dos danos civis.

Por quê? Qual é o efeito penal da composição dos danos civis em relação às infrações de menor potencial ofensivo? Respostas de alunos. Pois é, depende! Quando se tratar de infração de menor potencial ofensivo de ação penal pública incondicionada, a composição dos danos civis não produz nenhum efeito penal específico.

A composição dos danos civis homologada por sentença acarreta, nas infrações de menor potencial ofensivo de ação penal privada ou pública condicionada à representação, a extinção da punibilidade. Mas isso apenas nos casos de ação penal pública condicionada à representação ou ação penal privada. É o que está no parágrafo único do art. 74 da Lei 9.099/95.

É importante relembrar que a extinção da punibilidade decorre da sentença homologatória do acordo civil e não do seu efetivo cumprimento. Vale dizer que não pode o juiz condicionar a extinção da punibilidade ao cumprimento do acordo civil.

A Lei prevê que a extinção da punibilidade decorre da homologação do acordo civil. Se houver inadimplemento do acordo, a vítima poderá ajuizar, no cível, uma ação de execução fundada na sentença homologatória do acordo civil.

Agora, por que essa discussão não tem relevância para os crimes do Estatuto? Porque todos os crimes do Estatuto são crimes de ação penal pública incondicionada.

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Vamos ver o art. 95 do Estatuto: os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal.

Em razão disso, o acordo civil não produzirá nenhum efeito penal específico. Aliás, a Lei é redundante. A Lei não precisava dizer que os crimes são de ação penal pública incondicionada, porque essa é a regra. A Lei deve especificar a natureza da ação penal quando se tratar de ação penal pública condicionada ou ação penal privada.

Bom, e qual é a segunda orientação amplamente majoritária na doutrina e sedimentada na jurisprudência? De acordo com essa segunda orientação, o art. 94 manda aplicar aos crimes do Estatuto do Idoso cuja pena máxima cominada não exceda quatro anos tão somente o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099.

O procedimento sumaríssimo tem início com o oferecimento da denúncia e termina com a audiência de instrução e julgamento, art. 77 e art. 81. A Lei não manda aplicar a esses crimes a transação penal.

É diferente do que ocorre nos crimes do Código de Trânsito. O Código de Trânsito, no parágrafo único do art. 291, manda aplicar o art. 76 aos crimes nele previstos. Mas aqui, não. Aqui, a Lei manda aplicar a esses crimes o procedimento sumaríssimo.

Bom, qual é a finalidade do legislador ao mandar aplicar a esses crimes o procedimento sumaríssimo? A finalidade é conferir ao processo e julgamento dessas infrações penais a maior celeridade possível, de modo que o idoso possa ver o resultado da demanda.

Há até quem sustente a inconstitucionalidade do art. 94 por prever o procedimento sumaríssimo. Aqueles que não se enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo tem a garantia constitucional da ampla defesa. E esse procedimento sumaríssimo estaria atrelado às infrações de menor potencial ofensivo de acordo com o art. 98, I da CFRB/88.

Agora, essa posição é minoritária, porque escolher procedimento é matéria no âmbito discricionário do poder legislativo. A prevalecer esse entendimento, todas as leis que estabelecem procedimento especial serão consideradas inconstitucionais. Então, não há na verdade inconstitucionalidade alguma no art. 94.

Bom, o Damásio segue essa segunda orientação de que o art. 94 determina que se aplique aos crimes do Estatuto do Idoso apenas o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099.

Vamos ver a aplicação da Lei 9.099 no Estatuto do Idoso. Se a pena máxima cominada não exceder dois anos, será possível a transação penal. A maioria dos crimes se enquadra nesse conceito. São crimes da competência do juizado especial criminal.

Bom, e os crimes do Estatuto cuja pena máxima exceda dois anos, mas não ultrapassem quatro anos, como ficam? São crimes que não se

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enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo. São crimes da competência do juízo comum com a observância do procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.

Há a observância do procedimento sumaríssimo no juízo comum. Em relação à fase policial, deve ser instaurado inquérito. Por quê? Porque o termo circunstanciado é providência específica das infrações de menor potencial ofensivo.

Há a possibilidade, se for o caso, da suspensão condicional do processo. Lembre-se que a suspensão condicional do processo tem um âmbito de abrangência muito maior do que a transação penal. A transação penal é cabível, como regra, nas infrações de menor potencial ofensivo.

A suspensão condicional do processo é cabível naqueles crimes que a doutrina chama de leve potencial ofensivo para diferenciar das infrações de menor potencial ofensivo. São crimes cuja pena mínima cominada não exceda um ano.

Agora, os crimes do Estatuto do Idoso cuja pena máxima exceda quatro anos são crimes da competência do juízo comum com procedimento ordinário do Código de Processo Penal, com a possibilidade, se for o caso, da suspensão condicional do processo.

Vamos ver o art. 95: os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, não se lhes aplicando os arts. 181 e 182 do Código Penal.

O art. 95 contém duas disposições. A primeira trata da natureza da ação penal dos crimes do Estatuto do Idoso. A ação penal é pública incondicionada. Neste particular, como disse, a Lei é redundante.

A segunda disposição contida no art. 95 diz respeito à inaplicabilidade dos art. 181 e 182 do Código Penal aos crimes nele definidos. Também aqui há uma disposição redundante.

Não se aplica a esses crimes o art. 181, ou seja, não é possível, em relação aos crimes do Estatuto do Idoso, a aplicação das escusas absolutórias previstas no art. 181 do Código Penal.

Eu confesso que não consegui até hoje entender o art. 95! As escusas absolutórias do art. 181 dizem respeito especificamente aos crimes contra o patrimônio. O próprio Estatuto do Idoso acrescentou inciso ao art. 183 do Código Penal. Vamos ver primeiro o art. 181 e depois o art. 183.

Art. 181: é isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II - de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

Qual é a natureza jurídica das escusas absolutórias? Causas personalíssimas de isenção de pena.

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O art. 182 prevê hipóteses de ação penal pública condicionada à representação. São hipóteses em que não incidem as escusas absolutórias do art. 181. São hipóteses em que o fato criminoso é punível dependendo a ação penal da representação do ofendido.

Agora, vamos ver o art. 183, III que foi incluído pelo Estatuto do Idoso: não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores: III - se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Ora, para quê o art. 95 se o foi o próprio Estatuto do Idoso que acrescentou o inciso III ao art. 183 do Código Penal? Então, a ação penal é pública incondicionada, não incidindo as escusas absolutórias do art. 181.

Agora, essas escusas absolutórias não incidem mesmo quando se tratar de crime contra o patrimônio que tenha como sujeito passivo o idoso. Não é apenas em relação aos crimes do Estatuto do Idoso que não se aplicam as escusas absolutórias do art. 181.

Vamos ver outro aspecto importante do Estatuto. Vamos ver o art. 99: expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado: pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.

Parágrafo 1º do art. 99: se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo 2º do art. 99: se resulta a morte: pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Os parágrafos 1º e 2º do art. 99 cuidam de crimes praeter dolosos. Aqui, o resultado qualificador é punível a título de culpa. São lesões graves ou morte decorrente de comportamento culposo imputável ao agente.

Quando houver dolo no tocante a causação das lesões graves ou morte do idoso, a hipótese será de lesão corporal de natureza grave ou homicídio doloso. Se o sujeito tiver essa intenção, o crime será o do Código Penal.

A competência para processo e julgamento desses crimes nas formas qualificadas é do juiz singular.

Outra hipótese interessante é o que trata o art. 102. Vamos ver o art. 102: apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade: pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.

Há um conflito aparente entre esse tipo incriminador do art. 102 do Estatuto do Idoso e o crime de apropriação indébita do art. 168 do Código Penal.

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É um conflito que se resolve pelo princípio da especialidade, ou seja, o crime é o do Estatuto do Idoso, cuja pena é a mesma prevista para a apropriação indébita na forma simples.

Isso traz a seguinte questão. O aumento de pena do parágrafo 1º do art. 168 incide em se tratando de crime praticado contra idoso? Esse aumento de pena está previsto para o crime de apropriação indébita.

No caso de crime praticado contra idoso, o crime será o do Estatuto sem a possibilidade de aplicação do aumento de pena do parágrafo 1º do art. 168 do Código Penal. O legislador não previu no Estatuto do Idoso essa causa de aumento de pena. Então, nesse caso, o Estatuto do Idoso é Lei penal benigna.

Vamos ver o art. 107: coagir, de qualquer modo, o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração: pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

É uma espécie de constrangimento ilegal qualificado. O sujeito passivo desse constrangimento é o idoso. Também aqui há um aparente conflito entre o Código Penal e o Estatuto.

Prevalece a Lei especial que prevê penas mais gravosas para o autor desse comportamento.

Outro aspecto a ser analisado é o sujeito passivo desses crimes. O sujeito passivo dos crimes do Estatuto é o idoso, salvo em relação ao crime do art. 109.

Vamos ver o art. 109: impedir ou embaraçar ato do representante do Ministério Público ou de qualquer outro agente fiscalizador: pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa.

O sujeito passivo aqui é o MP ou qualquer outro agente fiscalizador. É crime que se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Vamos tratar agora dos crimes ambientais. São crimes da Lei 9.605/98. Primeira questão importante sobre essa Lei: a questão é saber se a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente por fato dessa Lei.

A questão é saber se o direito penal brasileiro admite a responsabilidade penal de pessoa jurídica. Essa questão passa necessariamente pelo exame do art. 225, parágrafo 3º da CFRB/88. Essa questão deve ser examinada pela ótica da Constituição.

Vamos ver o art. 225 da CFRB/88: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Parágrafo 3º da CFRB/88: as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções

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penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Então, a questão é saber se o art. 225, parágrafo 3º permite a punição da pessoa jurídica pela prática de crime contra o meio ambiente. Há sobre esse tema duas orientações.

Uma orientação, embora conte com prestígio de grandes doutrinadores, é minoritária. Pode-se dizer com segurança que essa orientação é minoritária. Essa orientação é no sentido da inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.605/98 que prevê expressamente a possibilidade de se imputar à pessoa jurídica a prática de crime ambiental.

De acordo com esses doutrinadores, a Constituição não admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica. O art. 225, parágrafo 3º da Constituição prevê sanções penais às pessoas físicas por suas condutas lesivas ao meio ambiente sem prejuízo das sanções civis e prevê sanções administrativas e civis para a pessoa jurídica por suas atividades lesivas ao meio ambiente.

É uma interpretação da literalidade do art. 225, parágrafo 3º da Constituição. Além disso, dizem esses doutrinadores que o art. 3º é inconstitucional também sob o prisma dos princípios da culpabilidade e da responsabilidade penal pessoal. São princípios inseridos no rol das garantias e direitos individuais.

Pergunta de aluno.

Resposta: é que o direito penal moderno se baseia na culpabilidade. A pena se baseia sempre na culpabilidade do agente que pressupõe capacidade de entendimento, de autodeterminação, de vontade.

Só se pode cogitar de culpabilidade em relação à pessoa física. A pessoa jurídica não se conduz. A pessoa jurídica não tem capacidade própria de entendimento ou de autodeterminação. Não se pode atribuir condutas à pessoa jurídica.

A pessoa jurídica não realiza condutas no sentido humano, ou seja, condutas finalisticamente dirigidas. A pessoa jurídica realiza atividades. Quem se comporta através da pessoa jurídica são as pessoas físicas que a compõem. Essas pessoas físicas sim é que podem ser punidas criminalmente.

Além disso, tem o princípio da responsabilidade penal pessoal, intransferível. A imposição de sanção penal à pessoa jurídica poderá atingir interesses de terceiros inocentes. A imposição de sanção penal à pessoa jurídica poderá atingir indistintamente todas as pessoas físicas que a compõe.

Bom, essa tese, hoje, é minoritária. Tanto é minoritária que o STF e STJ já admitiram a possibilidade de se imputar à pessoa jurídica a prática de crime ambiental. Segundo essas decisões do STJ e STF, essa possibilidade está prevista na própria Constituição. Estaria expressamente previsto no art. 225, parágrafo 3º.

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Dentro dessa linha de raciocínio de que a Constituição admite a responsabilização da pessoa jurídica nos crimes ambientais, a pessoa jurídica é vista como uma realidade diferenciada das pessoas físicas que a compõe. A pessoa jurídica não é vista como uma ficção ou abstração. A pessoa jurídica é real.

As penas a que se sujeitam as pessoas jurídicas estão previstas no art. 21. Vamos ver o art. 21: as penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade.

Logo, não se pode aplicar à pessoa jurídica pena privativa da liberdade. Porém, daí advém uma outra questão ainda mais complexa. As pessoas jurídicas de direito privado podem, segundo a doutrina, ser responsabilizadas sem dúvida alguma criminalmente em se tratando de delito contra o meio ambiente.

E as pessoas jurídicas de direito público, elas se sujeitam à responsabilidade penal por crime ambiental? Aí, a doutrina se divide. Não há, pelo que eu saiba, decisão dos tribunais superiores sobre esse tema.

Há quem admite a possibilidade de se atribuir à pessoa jurídica de direito público responsabilidade penal por crime ambiental. E há quem sustente, a meu ver com razão, o contrário. Não faz sentido algum punir criminalmente a pessoa jurídica de direito público.

Bom, tudo que diz respeito a esse tema é novo no nosso país e na maioria dos países. Há uma questão importante, mas, ao que eu saiba, ainda não foi enfrentada pelos tribunais. A questão é a seguinte: a pessoa jurídica é extinta no curso do processo penal.

Bom, a morte da pessoa física gera a extinção da punibilidade. E a dissolução da pessoa jurídica também é causa de extinção da punibilidade? Depende. É o que diz a doutrina.

Depende porque essa dissolução pode ser com o fim de evitar a responsabilização criminal. É possível que a atividade realizada pela pessoa jurídica volte a ser praticada pelos mesmos sócios através de uma outra empresa. Isso não é impossível nem improvável nos dias atuais.

Aí, o processo penal pode continuar para que se imponha a essa nova pessoa jurídica as sanções penais previstas na Lei.

Outra questão a ser vista: a prática de crime ambiental pode, sem dúvida alguma, ser imputada tão somente à pessoa física. Nem sempre os crimes ambientais são praticados por ou através de pessoas jurídicas. Muitas vezes, esses crimes são praticados por pessoas físicas. A pessoa física pode ser submetida a processo penal condenatório.

Mas a questão é saber se a pessoa jurídica pode ser isoladamente submetida a processo penal sem que sejam responsabilizadas criminalmente as pessoas físicas responsáveis pela conduta criminosa praticada em benefício da pessoa jurídica.

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Para que se reconheça a responsabilidade da pessoa jurídica, é preciso que a conduta criminosa tenha por objetivo satisfazer os seus interesses.

É possível então se responsabilizar apenas a pessoa jurídica sem se cogitar da responsabilização das pessoas físicas responsáveis pelo comportamento perpetrado em benefício da pessoa jurídica? Essa questão é polêmica.

A resposta passa pela análise do art. 3º. Vamos ver o art. 3º: as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Bom, então a conduta típica é praticada aqui por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da pessoa jurídica.

Parágrafo único: a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

A Lei teria consagrado no parágrafo único do art. 3º o sistema da dupla imputação. Nos crimes ambientais, diz a doutrina, haverá, quando a denúncia atingir pessoa jurídica, a chamada dupla imputação. Por que dupla imputação?

Porque a responsabilidade penal da pessoa jurídica não afasta a responsabilidade penal das pessoas físicas responsáveis pela realização do comportamento criminoso.

A denúncia, nesse caso, será oferecida contra a pessoa jurídica beneficiária do comportamento criminoso e contra as pessoas físicas responsáveis pela prática desse comportamento.

Bom, mas é possível responsabilizar apenas a pessoa jurídica? Há duas orientações. Para alguns, é possível porque as responsabilidades aqui são independentes.

Mas o Supremo já decidiu (e pelo que eu saiba só há essa decisão) que não. O Supremo já decidiu que, nesses casos, tem que haver a dupla imputação. A denúncia tem que alcançar a pessoa física.

Há quem fale em co-autoria necessária nos crimes ambientais. Seriam crimes de concurso necessário de pessoas. A pessoa jurídica seria o autor mediato da conduta. As pessoas físicas seria o autor ou co-autor imediato.

Aí, temos outro problema que decorre da responsabilidade penal da pessoa jurídica, ou seja, dessa dupla imputação que a Lei teria consagrado.

Na pessoa de quem será feita a citação da pessoa jurídica? Bom, muitas vezes, a citação será feita na própria pessoa do réu apontado como co-autor do delito.

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O sujeito é citado como denunciado na ação penal, mas recebe também a citação em nome da pessoa jurídica. É complicado.

Pergunta de aluno.

Resposta: a citação será feita no nome de quem o Estatuto Social indicar como apta a realizar esses atos.

Outro problema seria no interrogatório da pessoa jurídica. Como você vai interrogar a pessoa jurídica? A solução trazida pela doutrina é aplicar o sistema do processo do trabalho. O interrogatório seria feito através de preposto.

Outra questão seria em relação ao instrumento processual cabível para o trancamento da ação penal. O réu, pessoa física, pode utilizar o habeas corpus para esse fim, não há dúvida.

A pessoa jurídica poderá valer-se do habeas corpus para pedir o trancamento da ação penal? Não, em relação à pessoa jurídica, o remédio constitucional apropriado será o mandado de segurança.

Daí surge outra questão: o Tribunal, se conceder ordem de habeas corpus em favor de pessoa física para trancar ação penal, poderá eventualmente estender os seus efeitos para a pessoa jurídica. A pessoa jurídica, eventualmente, poderá ser beneficiária da ordem de habeas corpus concedida em favor da pessoa física.

Se o Tribunal reconhecer a atipicidade do fato, a ação penal será trancada em relação a ambos, tanto pessoa física quanto jurídica.

Outra questão importante da parte geral dos crimes ambientais. Vamos ver o art. 16: nos crimes previstos nesta Lei, a suspensão condicional da pena pode ser aplicada nos casos de condenação à pena privativa de liberdade não superior a três anos.

É diferente da regra do art. 77 do Código Penal. O Código Penal trata de crimes com pena até dois anos. A Lei Ambiental trata de crimes com pena até três anos.

É óbvio que a suspensão condicional da pena diz respeito tão somente à condenação de pessoa física. Não se pode cogitar de sursis em relação à pessoa jurídica já que esta não se sujeita à pena privativa da liberdade.

Outro aspecto importante da parte geral diz respeito à sentença penal condenatória. Todos vocês sabem que a sentença penal condenatória transitada em julgado é título executivo judicial.

A sentença condenatória transitada em julgado impõe ao condenado a obrigação de reparar o dano. Agora, é título executivo judicial sui generis. Por quê? Porque não fixa o valor da condenação. A sentença penal condenatória torna certo o dever de indenizar o dano, mas não estabelece o valor da indenização.

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O quanto da indenização terá que ser apurado através de liquidação de sentença no cível.

Nos casos de crimes ambientais, a sentença sempre que possível estabelecerá o valor mínimo para a reparação. Esse valor poderá ser complementado através de ação de liquidação de sentença no cível. É o que diz o art. 20.

Art. 20: a sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente.

Parágrafo único: transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá efetuar-se pelo valor fixado nos termos do caput, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido.

Então, o valor pode ser complementado através de liquidação de sentença.

Outro ponto importante diz respeito à transação penal e os crimes ambientais. A transação penal é cabível nos casos de crimes ambientais cuja pena máxima não exceda dois anos, ou seja, crimes ambientais que se enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

A transação penal, nesses casos, exige a composição do dano ambiental, salvo quando comprovada a sua impossibilidade. É o que diz o art. 27.

A composição do dano ambiental não é a efetiva reparação do dano ambiental. A composição do dano ambiental é pressuposto para a transação penal nos crimes ambientais. O pressuposto da transação não é a efetiva reparação do dano ambiental, mas sim o compromisso pelo autor do fato da obrigação de fazê-lo.

Art. 27: nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

A efetiva reparação será condição para que se possa declarar extinta a punibilidade.

Bom, vamos ficar por aqui. Na próxima aula, vamos falar sobre a suspensão condicional do processo e a competência.

Não houve aula em 30/07/2007

12ª aula – 06/08/2007

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Bom, vamos começar. Semana passada, não pude dar aula. Só que, além da aula de hoje, vou ter que dar mais uma aula semana que vem.

Vamos falar então sobre a transação penal e os crimes ambientais. A transação penal nos crimes ambientais deve ser precedida da composição do dano ambiental conforme prevê o art. 27 da Lei específica.

Essa é uma condição, pressuposto ou requisito específico da transação penal nos crimes ambientais: prévia composição do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo.

Sobre a suspensão condicional do processo ou sursi processual nos crimes ambientais, dispõe o art. 28. Há, na redação do art. 28, uma impropriedade terminológica.

O art. 28 fala: As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações.

Onde está escrito “crimes de menor potencial ofensivo” leia-se “crimes de leve potencial ofensivo”. São crimes cuja pena mínima cominada não exceda um ano.

A suspensão condicional do processo não é cabível tão só, apesar da redação do art. 28, em relação aos crimes de menor potencial ofensivo.

Nos crimes de menor potencial ofensivo, crimes cuja pena máxima cominada não exceda dois anos, é cabível a transação. Malograda a tentativa de transação, se for o caso, o MP poderá propor ao acusado a suspensão condicional do processo.

Essa suspensão condicional do processo não se confunde com a transação. Nas infrações de menor potencial ofensivo, são cabíveis tanto a transação como, eventualmente, a suspensão condicional do processo.

O art. 28 trata especificamente da suspensão que é cabível naqueles crimes em que a pena mínima cominada não excede um ano, ou seja, a suspensão condicional do processo tem um raio de abrangência muito mais amplo do que a transação penal.

Qual é a particularidade da suspensão condicional do processo nos crimes ambientais? Também aqui a Lei exige a reparação do dano ambiental para a declaração da extinção da punibilidade do acusado.

O acusado, ao aceitar a proposta de suspensão condicional do processo feita pelo MP, se comprometerá a reparar o dano ambiental, salvo na impossibilidade de fazê-lo.

Para a suspensão, basta que o acusado se comprometa a reparar o dano ambiental. Depois, para que o juiz possa declarar extinta a punibilidade, é

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preciso que o acusado tenha efetivamente reparado o dano ambiental. A reparação efetiva do dano ambiental é condição para que o juiz declare extinta a punibilidade.

A reparação do dano ambiental deve ser comprovada por perícia. Deve ser comprovada por laudo pericial conforme determina o inciso I do art. 28. Vamos ler o art. 28, caput e inciso I.

Art. 28: As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes modificações: I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5° do artigo referido no caput, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a impossibilidade prevista no inciso I do § 1° do mesmo artigo.

É a efetiva comprovação de reparação do dano ambiental. Pois bem, se por acaso o acusado não houver reparado integralmente o dano ambiental, já que há casos que a reparação completa demanda tempo excessivo, o juiz poderá prorrogar o período de suspensão do processo até o prazo máximo de quatro anos.

Qual é o período que a Lei prevê para a suspensão condicional do processo? Qual é o tempo do período chamado período de provas na suspensão condicional do processo? É o período entre dois e quatro anos.

O juiz pode prorrogar a suspensão até o prazo máximo de quatro anos. Se for o caso, pode acrescer a esse prazo um ano. É o que diz o inciso II do art. 28.

Art. 28, II: na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a reparação, o prazo de suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo previsto no artigo referido no caput, acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição.

A suspensão condicional do processo acarretará sempre a suspensão da prescrição. Pois bem, findo esse período de provas, findo o prazo da suspensão, será elaborado um novo laudo pericial.

Se a perícia, mais uma vez, constatar que, malgrado os esforços despendidos pelo acusado, não foi inteiramente reparado o dano, poderá o juiz prorrogar a suspensão até o prazo máximo previsto no inciso II, ou seja, prorrogar a suspensão até o prazo máximo de um ano.

Isso está no inciso IV. Vamos ver o inciso IV do art. 28: findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo de constatação de reparação do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão, até o máximo previsto no inciso II deste artigo, observado o disposto no inciso III.

Se por acaso o acusado não tiver conseguido reparar integralmente o dano, mas houver despendido todos os esforços possíveis, o juiz declarará extinta a punibilidade. É o inciso V do art. 28.

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Art. 28, V: esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências necessárias à reparação integral do dano.

O laudo terá que constatar, para fins de declaração de extinção da punibilidade, que o acusado adotou todas as providências ao seu alcance para reparar o dano ambiental.

Se a perícia constatar despendeu todas as providências ao seu alcance, o juiz declarará extinta a punibilidade. Essa é a sistemática da suspensão condicional do processo nos crimes ambientais.

Há duas particularidades. A primeira é que a declaração da extinção da punibilidade se combina sempre à efetiva comprovação de que o acusado reparou o dano ambiental, salvo a impossibilidade de fazê-lo.

A segunda particularidade é que, findo o período de suspensão, se ficar comprovado por perícia que o acusado adotou todos os meios ao seu alcance para reparar o dano, o juiz declarará, depois de esgotadas todas as possibilidades de prorrogação da suspensão, extinta a punibilidade.

Enquanto estiver suspenso o processo, estará igualmente suspenso o curso do prazo prescricional. Isso porque a reparação do dano ambiental exige anos e anos.

Pergunta de aluno.

Resposta: a sentença que tiver (não no caso de suspensão) o compromisso do acusado de reparar o dano ambiental já possibilitará, no cível, o ajuizamento de uma ação monitório.

Enquanto se tratar de transação penal, a prévia composição do dano ambiental já serve como título executivo.

Bom, alguma pergunta sobre transação? Para encerrarmos esse assunto, vamos falar sobre competência para o processo e julgamento dos crimes da Lei 9.605/98.

Ressalto, desde logo, que a Súmula 91 do STJ foi cancelada. A Súmula 91 conferia à justiça federal competência para processar e julgar os crimes contra a fauna. Essa Súmula, logo depois de editada a Lei 9.605/98, foi cancelada.

Foi cancelada por quê? Foi cancelada porque a tutela do meio ambiente é da competência da União, dos Estados e dos Municípios. Não cabe exclusivamente à União proteger o meio ambiente.

Em virtude disso, só se poderá cogitar da competência da justiça federal quando o crime ambiental atingir diretamente bem, serviço ou interesse da União.

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Somente quando for identificada lesão direta e imediata a bem, serviço ou interesse da União é que se reconhecerá a competência da justiça federal.

É o que sucede, por exemplo, no tocante a desmatamento de áreas de preservação ambiental cuja proteção esteja afeta exclusivamente ao IBAMA. Neste caso, a competência para o respectivo processo e julgamento será da justiça federal.

A caça predatória em florestas também sobre a proteção direta do IBAMA dá alçada à justiça federal, mas a competência não será sempre da justiça federal.

A competência será da justiça federal ou estadual dependendo da hipótese concreta. Vai depender de o crime ter lesado ou não diretamente bem, serviços ou interesses da União.

É importante relembrar que a justiça federal processo e julga os crimes de sua competência e os crimes conexos da alçada da justiça estadual.

No caso de conexão envolvendo crime da competência da justiça federal e crime da competência da justiça estadual, prevalece, nos termos da Súmula 122 do STJ, a jurisdição federal.

E mais, para encerrar, o STJ já admitiu em mais de uma oportunidade a aplicação do princípio da insignificância em relação aos crimes ambientais.

É importante recordar que o princípio da insignificância afasta a tipicidade da conduta. Retira a tipicidade material do comportamento. A conduta, apesar de formalmente típica, por não causar lesão significativa ao bem jurídico penalmente tutelado, é considerada materialmente atípica.

A primeira decisão do STJ admitindo a aplicação do princípio da insignificância em relação aos crimes ambientais diz respeito a um processo em que os réus eram acusados de caçar minhocas (espécies de preservação obrigatória). O STJ, aplicando o princípio da insignificância, trancou a ação penal.

Bom, vamos falar agora sobre os crimes contra a ordem tributária. São crimes da Lei 8.137/90. Na vigência dessa Lei, não se deve, tecnicamente, falar em crime de sonegação fiscal.

A antiga Lei que definia os crimes de sonegação fiscal foi revogada pela Lei 8.137/90 que trata, neste ponto, dos crimes contra a ordem tributária, dos quais a sonegação fiscal propriamente dita é uma das espécies.

Bom, qual é o bem jurídico que a Lei protege nos crimes contra a ordem tributária? A própria ordem tributária. A Lei quer tutelar a arrecadação tributária do estado. A tutela penal está voltada, portanto, ao fisco, à Fazenda, ao erário.

Notem bem: o que caracteriza o crime contra a ordem tributária não é o simples inadimplemento do contribuinte. O que caracteriza o crime contra a ordem tributária é a utilização de meios fraudulentos para burlar o fisco.

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O inadimplemento tributário por si só, ou seja, o fato de o contribuinte não recolher o seu tributo não constitui crime.

Bom, se o bem penalmente tutelado é a ordem tributária, quem é o sujeito passivo desses delitos? É o Estado, é a Fazenda. É a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal.

Bom, se o sujeito passivo desses crimes contra a ordem tributária é a Fazenda, a quem compete processá-los e julgá-los? A competência aqui variará de acordo com a competência para a arrecadação tributária.

Quando se tratar de tributo arrecadado pela União, a competência para processo e julgamento desses crimes será da justiça federal.

E quando se tratar de tributos municipais ou estaduais, de quem será a competência para processo e julgamento? Quando se tratar de tributo arrecadado pelo estado ou município, a competência será da justiça estadual.

Na hipótese de haver conexão envolvendo crimes contra a ordem tributária da União, do Estado-membro e dos Municípios, nesses casos, prevalecerá a jurisdição federal. Prevalecerá a competência da justiça federal nos termos da Súmula 122 do STJ.

Quem é o sujeito ativo dos crimes contra a ordem tributária? Aqui, é preciso distinguir. Os crimes dos arts. 1º e 2º são crimes do particular contra a ordem tributária. O sujeito ativo, nesses casos do art. 1º da Lei 8.137/90, é o particular, sempre pessoa física. O sujeito passivo é, no mais das vezes, o contribuinte.

Quando o contribuinte for pessoa jurídica, o sujeito ativo será quem se encontrar no Estatuto Social com poderes de administração. É o gerente-administrador. Enfim, a pessoa física que tiver, no âmbito da pessoa jurídica, com poder de decisão em matéria tributária.

Já os crimes do art. 3º são crimes funcionais. São crimes praticados por funcionários públicos contra a ordem tributária. O sujeito ativo dos crimes do art. 3º é o funcionário público, cujo conceito, para fins penais, está no art. 307 do Código Penal.

Aqui, uma observação: esses crimes funcionais definidos na Lei 8.137/90 no art. 3º têm correspondência no Código Penal. Haverá um conflito. Nessas hipóteses, em virtude do princípio da especialidade, prevalecerá o tipo incriminador da Lei específica. Prevalecerá, então, o crime do art. 3º.

Outro aspecto importante: esses crimes funcionais do art. 3º são afiançáveis. Por que são afiançáveis? Porque a pena mínima cominada não excede dois anos. A pena mínima cominada é de um ano. Logo, trata-se de crime afiançável.

Nos crimes de responsabilidade do funcionário público afiançáveis, o juiz, antes de receber a denúncia, deverá notificar o acusado para, no prazo de 15 dias, oferecer resposta. É uma resposta preliminar de que trata o art. 514 do Código de Processo Penal.

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Em resumo, o recebimento da denúncia, em se tratando de crime do art. 3º da Lei 8.137/90, tem que ser precedido da notificação do acusado para fins do que define o art. 514 do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade do processo penal desde o recebimento da denúncia inclusive.

Pergunta de aluno.

Resposta: vejam bem, o Plenário do Supremo reformulou, revisou a sua jurisprudência acerca da desnecessidade da notificação prevista no art. 514 do Código na hipótese de denúncia oferecida com base em inquérito policial.

O Supremo sempre decidiu assim e o STJ, seguindo essa orientação, editou a Súmula 330. O Supremo sempre decidiu que na hipótese de denúncia oferecida com base em inquérito policial é dispensável a notificação prevista no art. 514 do Código de Processo Penal.

Por quê? Porque o juiz pode, a vista do inquérito policial, verificar desde logo que há justa causa para o recebimento da denúncia.

Pois bem, recentemente, o Plenário do Supremo reformulou essa orientação, decidindo que, em se tratando de crime funcional afiançável, o recebimento da denúncia tem sempre que ser precedida da notificação prevista no art. 514 do Código.

E mais, embora o STJ não tenha cancelado formalmente a Súmula 330, essa orientação prevalece inclusive no seu campo. O STJ vem seguindo a nova orientação do STF consagrada em decisão plenária de que foi relator o Ministro Sepúlveda Pertence.

Agora, detalhe, apenas o crime do art. 3º, III que comporta fiança. Os outros têm pena mínima de três anos.

Bom, em relação aos crimes dos arts. 1º e 2º, há controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca do aspecto formal da denúncia. Essa controvérsia diz respeito aos chamados crimes societários. São crimes societários porque praticados no ambiente de pessoas jurídicas.

No mais das vezes, nos crimes contra a ordem tributária praticado em ambiente de pessoa jurídica, é impossível a denúncia individualizar as condutas dos acusados.

Isto é, dificilmente, haverá provas sobre a participação de cada um dos sócios com poder de decisão na sociedade na empreitada criminosa comum.

Pois bem, sobre esse tema, há duas orientações na doutrina e na jurisprudência, ou seja, sobre o aspecto formal da denúncia nos crimes societários, em especial nos crimes contra a ordem tributária dos arts. 1º e 2º.

É provável que o Supremo altere essa sua orientação, mas o Supremo vinha admitindo que a denúncia contivesse uma imputação mais ou menos genérica,

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sem especificar a contribuição de cada um dos acusados, cada um dos sócios na empreitada criminosa comum.

Notem bem: imputação genérica acerca da participação de cada um dos acusados na prática criminosa, mas imputação determinada quanto ao fato. A denúncia tem que pormenorizar os fatos. A denúncia tem que descrever os fatos e imputá-los aos acusados.

No mais das vezes, não terá o MP, já na denúncia, como pormenorizar a participação de cada um dos acusados na prática criminosa comum.

Neste ponto, o Supremo e o próprio STJ flexibilizam a exigência de que a denúncia deva sempre, no caso de concurso de pessoas, individualizar as condutas entre os co-autores.

De acordo com esse entendimento, na instrução criminal, sob contraditório, se poderá esclarecer a efetiva participação de cada um dos acusados no fato. Essa apuração pormenorizada fica, de acordo com essa linha de raciocínio, para a fase da instrução criminal.

Agora, vejam bem: o direito penal brasileiro repudia a responsabilidade penal objetiva. Está no art. 19 do Código Penal. Não é o simples fato de esse sujeito figurar como sócio, por exemplo, no contrato social que induzirá a sua responsabilidade penal pelo crime contra a ordem tributária.

É preciso que haja alguma prova mínima da participação do acusado na prática do crime comum. Isso é complicado, porque sem a participação do sócio no inquérito, dificilmente o crime será apurado, salvo naqueles casos de terceiros que são utilizados como verdadeiros “laranjas” em sociedades comerciais.

Esses terceiros, quando submetidos a processo penal acusatório, esclarecem a verdade!

Bom, a segunda orientação que conta com o apoio do STJ e de doutrinadores como o Luiz Flávio Gomes, Paulo José da Costa Souza, ??? e que inclusive, penso eu, é a orientação que o Supremo passará a adotar é a seguinte: é formalmente inepta a denúncia que não descrever a participação dos acusados no cometimento do crime contra a ordem tributária.

A denúncia já teria que descrever a participação de cada um dos acusados no crime societário. Essa orientação praticamente inviabiliza o processo penal no crime contra a ordem tributária.

Diz a doutrina, com apoio de parte da jurisprudência, que para evitar que isso ocorra, o oferecimento da denúncia deve ser precedido de inquérito policial.

O MP não pode ou não deve, nesses casos, prescindir o inquérito policial, já que o inquérito policial poderá esclarecer a efetiva contribuição de cada um dos sujeitos na prática do delito.

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Bom, vamos ver os crimes do art. 1º e do art. 2º. Quanto aos crimes do art. 1º, depois de muita discussão, a jurisprudência do STF firmou o seguinte entendimento.

De acordo com o entendimento do Supremo, os crimes do art. 1º são crimes materiais, ou seja, são crimes de conduta e resultado. São crimes que se consumam com a efetiva supressão do pagamento do tributo devido.

São crimes materiais que, em tese, admitem tentativa. Embora a tentativa, seja dificilmente reconhecida, porque ou o sujeito consegue atingir o fim almejado ou o fato sequer chega a ser descoberto ou apurado.

Já os crimes do art. 2º são crimes formais, ou seja, são crimes de consumação antecipada. Eles dificilmente são reconhecidos como figura típica autônoma. Dificilmente, há processo pelos crimes do art. 2º.

São crimes formais de consumação antecipada, porque a finalidade do sujeito de suprimir ou reduzir o pagamento do tributo ensejará o reconhecimento do crime mais grave do art. 1º.

Esses crimes do art. 2º são, inclusive, considerados infrações de menor potencial ofensivo. São crimes cuja pena máxima cominada não excede dois anos. São crimes, portanto, da competência do juizado especial criminal estadual ou federal.

Bom, vamos ler o art. 1º: constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas.

O crime se consuma com a supressão ou redução do pagamento do tributo ou contribuição social devida. Contribuição social é supérflua porque é espécie do gênero tributo.

Bom, vamos ver a questão mais polêmica acerca do crime do art. 1º: qual é a natureza jurídica do exaurimento da via administrativa? Qual é a natureza jurídica da conclusão do processo administrativo fiscal em relação ao crime do art. 1º da Lei 8.137?

Qual é a natureza jurídica do tributo devido em relação ao crime do art. 1º? A existência de um tributo devido é elemento normativo do tipo incriminador. É elemento do tipo. O crime consiste na supressão ou redução do pagamento do tributo devido.

De acordo com a legislação brasileira, a quem cabe proceder ao lançamento do tributo? A quem cabe constituir o crédito tributário? A quem cabe, enfim, dizer que há tributo devido? Ao fisco, à administração tributária.

Ou seja, só se poderá cogitar da existência de tributo devido após o lançamento definitivo do tributo. Isto é, após o exaurimento, após a conclusão do processo administrativo fiscal.

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Por quê? Porque o recurso administrativo fiscal suspende a execução do crédito tributário. Enquanto o contribuinte impugnar o lançamento em sede administrativa, enquanto o contribuinte recorrer administrativamente do lançamento, não se poderá falar ainda na existência de tributo devido.

O STF, seguindo essa linha de raciocínio, decidiu que os crimes do art. 1º só se consumam com o lançamento do tributo. Vale dizer que a ação penal por crime contra a ordem tributária do art. 1º somente poderá ser instaurada depois do lançamento definitivo do tributo, ou seja, depois de exaurida a via administrativa.

Somente após a conclusão do processo administrativo fiscal, é que se poderá cogitar da consumação do crime do art. 1º.

Então, qual é a natureza jurídica desse exaurimento? Para alguns, é elemento normativo do tipo incriminador. Para outros, é condição objetiva de punibilidade. Há acórdãos do STF em ambos os sentidos.

Mas de qualquer maneira, a prescrição, no tocante ao crime do art. 1º, não corre, ou seja, não se inicia enquanto não for feito o lançamento definitivo desse tributo.

Por isso, eu penso que é melhor considerar o lançamento desse tributo como elemento normativo do tipo incriminador. O elemento normativo, a rigor, é a existência de tributo devido. Por quê? Porque o crime é redução ou supressão do pagamento do tributo devido.

De acordo com essa orientação do Supremo que é seguida por todos os tribunais (aqui, é possível afirmar que dificilmente o Supremo mudará o curso da sua jurisprudência), enquanto não houver o esgotamento da via administrativa, é inadmissível a instauração de inquérito policial e de ação penal.

Não há justa causa para a instauração de inquérito policial ou de processo penal condenatório enquanto pendente de julgamento o recurso na via administrativa, ou seja, enquanto não houver o exaurimento do processo administrativo fiscal.

Por quê? Porque ainda não há crime contra a ordem tributária a ser apurado. Ainda não se pode falar propriamente em crime contra a ordem tributária.

Segundo o Supremo, se ainda não há crime, a prescrição não corre. A prescrição terá início com o esgotamento da via administrativa.

Agora, é importante registrar que há outras duas orientações acerca desse tema. A orientação do Supremo, repito, em relação ao crime do art. 1º, no tocante à necessidade do esgotamento da via administrativa para a instauração do inquérito policial ou de ação penal é tranqüila e é seguida por todos os tribunais.

Mas há outras duas orientações a respeito desse assunto que merecem ser mencionadas. Há quem entenda que essa orientação prevalecia antes do Plenário do STF formar jurisprudência a respeito do assunto. Nesse sentido, há quem entenda

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que a impugnação do lançamento do tributo em sede administrativa não impede a instauração penal por crime contra a ordem tributária do art. 1º.

O argumento básico e fundamental era o de que há absoluta separação entre as funções administrativas e jurisdicionais. O exercício da função jurisdicional não pode ficar subordinado ao esgotamento do processo administrativo fiscal.

A iniciativa persecutória do MP não pode ser tolhida pela interposição de recurso em sede administrativa. Vale dizer que o MP pode oferecer e o juiz receber a denúncia mesmo na hipótese do art. 1º independentemente da conclusão do processo administrativo fiscal.

Aí, há duas orientações. Essa linha de pensamento se desdobra em duas vertentes. A primeira vertente sustenta que é lícito ao juiz criminal decidir sobre a configuração de crime. A ação penal pode ser instaurada, a denúncia pode ser oferecida e recebida independentemente da conclusão do processo administrativo fiscal.

Então, essa orientação se desdobra em duas vertentes. A primeira, então, diz que é lícito ao juiz criminal decidir livremente sobre a caracterização de crime contra a ordem tributária.

Vale dizer: eventual decisão proferida em sede administrativa que desconstitua o lançamento preliminar não impedirá o juiz penal de condenar o réu. O juiz criminal é livre para decidir. A decisão proferida pela autoridade fiscal não vincula o juiz penal.

Aos que seguem essa linha de raciocínio, essa orientação sempre foi minoritária. Sempre prevaleceu o entendimento de que a impugnação do tributo em sede administrativa é uma questão prejudicial, cabendo ao juiz suspender o processo penal até que haja, na esfera administrativa, uma solução.

Então, seria uma questão prejudicial devolutiva facultativa. Seria uma questão prejudicial nos temos do art. 93 do Código de Processo Penal.

Aí sim, a decisão proferida pela autoridade tributária, a quem incumbe a constituição do débito tributário, vinculará o juiz penal. A desconstituição do débito fará com que o juiz tenha que absolver o réu. Por quê? Porque aí não haverá supressão ou redução do tributo devido.

A diferença básica entre as duas orientações, ou seja, entre a hoje majoritária (orientação do Supremo) e essa outra é a seguinte: para o Supremo, a ação penal não pode ser instaurada enquanto não houver conclusão do processo administrativo fiscal. O lançamento definitivo é elemento do tipo ou condição objetiva de punibilidade. A prescrição não corre enquanto não houver lançamento definitivo.

De acordo com essa outra orientação, a ação penal pode ser instaurada independentemente da conclusão do processo administrativo fiscal. No entanto, este fica suspenso até que essa condição prejudicial seja decidida no âmbito da administração. A suspensão do processo acarreta a suspensão da prescrição. São os

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arts. 93 do Código de Processo Penal e art. 116 do Código Penal. Agora, essa orientação está ultrapassada.

Vamos falar agora sobre os crimes do art. 2º. São crimes formais, de consumação antecipada e que se enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Em relação a esses crimes, é possível a instauração da ação penal, oferecimento e recebimento da denúncia antes de feito o lançamento definitivo do tributo? É, por quê?

É possível porque esses crimes são justamente de consumação antecipada. Eles são crimes formais. Essa exigência de esgotamento da via administrativa diz respeito tão só aos crimes do art. 1º, não alcançando os delitos do art. 2º.

Bom, aí surge uma questão que é das mais polêmicas e de grande ocorrência. Vamos imaginar que, antes de exaurido o processo administrativo fiscal, a denúncia impute aos acusados a prática em concurso de crime contra a ordem tributária do art. 1º e formação de quadrilha para a prática de crime contra a ordem tributária.

A denúncia é oferecida antes de exaurido o processo administrativo fiscal. Muito bem, em relação quanto ao crime contra a ordem tributária, não há dúvida: inexiste justa causa para a instauração da ação penal. Inexiste crime que possa ser imputado aos acusados. A caracterização desse delito depende do lançamento definitivo do tributo.

Mas e quanto ao crime de quadrilha, a ação penal pode prosseguir? Há duas orientações. O STJ, em mais de uma oportunidade decidiu que o trancamento da ação penal deve alcançar ambos os crimes.

Vale dizer que, nesta hipótese, a ação penal deve ser trancada (ou extinta sem julgamento do mérito) tanto em relação ao crime contra a ordem tributária como no tocante ao crime de quadrilha. Mas isso, desde que a quadrilha tenha a finalidade de praticar crimes contra a ordem tributária.

Um dos argumentos utilizados nessas decisões é o de que o simples fato de o sujeito integrar uma sociedade comercial ou figurar como sócio de uma pessoa jurídica não induz a sua responsabilidade no crime de quadrilha.

Se a sociedade for lícita, não se pode cogitar que isso caracterize crime de quadrilha. A quadrilha é associação, no mínimo, de quatro pessoas com o fim de praticar crimes. E aqui a associação não está voltada para a prática de crimes, mas sim fins lícitos.

É óbvio que a sociedade formalmente constituída não está voltada para a prática de crimes. A finalidade da pessoa jurídica é lícita. Logo, se a finalidade é lícita, não se pode falar em quadrilha. Então, a ação penal tem que ser trancada em relação a ambos os crimes: crime contra a ordem tributária e crime contra a paz pública.

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Bom, mas o Supremo sempre reformou essas decisões do STJ, realçando o caráter autônomo do crime de quadrilha. A quadrilha é crime autônomo. É crime formal, de consumação antecipada, ou seja, é crime que se consuma independentemente da prática dos crimes projetados pela associação criminosa.

Então, é possível, nesses casos, de acordo com a jurisprudência do Supremo, o prosseguimento da ação penal nos crimes de quadrilha.

Na verdade, isso é complicado. Se a quadrilha descrita na denúncia tem a finalidade de praticar crimes contra a ordem tributária e não há ainda a possibilidade de se reconhecer o crime contra a ordem tributária, seria até um contra-senso prosseguir com a ação penal contra a quadrilha.

Mas a quadrilha é crime autônomo. É crime que se consuma independentemente da prática dos crimes projetados.

Bom, e os crimes de falso realizados para que o sujeito obtenha a efetiva supressão ou diminuição do pagamento do tributo devido como ficam?

Por exemplo, art. 1º, I tem uma modalidade de falsidade ideológica e o inciso II também. O inciso III tem uma modalidade de falsidade material.

Esses crimes de falso são absorvidos pelos crimes contra a ordem tributária a vista do princípio da consunção ou é possível reconhecer o concurso de delitos?

Depende. Se a potencialidade lesiva do falso se esgotar na prática do crime contra a ordem tributária, haverá a absorção. Caso contrário, não. Normalmente, o crime contra a ordem tributária absorve a falsidade ideológica ou material.

Por quê? Porque a potencialidade lesiva do falso se esgota na prática do crime contra a ordem tributária. É o enunciado da Súmula 17 do STJ: quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

A Súmula diz respeito ao estelionato, mas é cabível também nos crimes contra a ordem tributária.

Bom, então, nós vimos que a configuração do crime do art. 1º se subordina ao exaurimento da via administrativa, ou seja, ao lançamento definitivo do tributo.

A ação penal, nesses crimes, é pública. O início da ação penal depende da representação fiscal para fins penais de que trata o art. 83 da Lei 9.430/96? Esse dispositivo trata da representação fiscal para fins penais.

Vamos ler o art. 83 da Lei 9.430/96: a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

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Vejam bem, de acordo com o art. 83, a representação fiscal será encaminhada ao MP depois de concluído o processo administrativo. Feito o lançamento definitivo do tributo, a autoridade fiscal, vislumbrando a ocorrência de crime contra a ordem tributária, encaminhará ao MP representação fiscal para fins penais de que trata o art. 83.

Muito bem, essa representação fiscal é uma condição de procedibilidade? Vale dizer: o MP se subordina à representação fiscal para poder validamente oferecer denúncia? Não.

A ação penal dos crimes contra a ordem tributária é pública incondicionada. Essa representação fiscal não tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade.

Trata-se de uma noticia criminis ou de uma delação. O art. 83 cria, para a autoridade fiscal, dever de ofício análogo ao que o art. 40 do Código de Processo Penal impõe aos tribunais que é o dever de comunicar ao MP a ocorrência de crime contra a ordem tributária de que tenha tomado conhecimento em processo administrativo fiscal.

Essa representação só pode ser encaminhada ao MP após o término do processo fiscal.

Pergunta de aluno.

Resposta: o MP, se tomar conhecimento da ocorrência do crime contra a ordem tributária por outros meios, poderá oferecer denúncia sem a representação fiscal. O MP não depende da representação fiscal para oferecer denúncia.

O MP depende, nesses casos dos crimes do art. 1º, da conclusão do processo administrativo para denunciar, mas poderá fazê-lo independentemente da representação fiscal.

Essa representação fiscal é uma noticia criminis que funciona como peça de informação. Geralmente, nos crimes contra a ordem tributária, o MP dispensa o inquérito e oferece denúncia com base na representação fiscal.

Mas essa representação, conforme já decidiu o Plenário do Supremo, não é condição de procedibilidade, porque a ação penal aqui é pública incondicionada. Agora, dificilmente, o MP tomará ciência de crime contra a ordem tributária senão através da representação fiscal.

Bom, vamos falar sobre os crimes de apropriação indébita de contribuição previdenciária, crime do art. 168-A do Código Penal.

Art. 168-A: deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

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É a apropriação indébita de contribuição previdenciária. Em relação a esse crime, quem é o sujeito passivo do crime de apropriação indébita de contribuição previdenciária? É o INSS. Trata-se, portanto, de crime da alçada da justiça federal.

Em relação a esse crime, é necessário o esgotamento da via administrativa para o oferecimento da denúncia? Não. O exaurimento da via administrativa é necessário tão só para a denúncia e para a própria configuração do crime no tocante aos crimes contra a ordem tributária do art. 1º da Lei 8.137/90 e não quando se tratar de apropriação indébita de contribuição previdenciária.

Há acórdãos recentes do STJ nesse sentido. O precedente é o HC 2006.024.9644.6/RJ.

Vamos então para o assunto mais complicado de todos que é a extinção da punibilidade. Vamos devagar para não enrolar. Vamos falar da extinção da punibilidade e o pagamento do tributo devido. Vamos fazer um histórico acerca desse tema.

Vamos ler o art. 14 da Lei 8.137/90. Só para adiantar, o art. 14 foi revogado pela Lei 8.383/91. De acordo com o art. 14, o pagamento do tributo devido, inclusive os acessórios, antes do oferecimento da denúncia extinguia a punibilidade. Esse artigo foi revogado pela Lei 8.383/91. Foi revogado durante o Governo Collor.

Depois disso, sobreveio a Lei 9.249/95 que trata do imposto de renda de pessoa jurídica. Essa Lei estabeleceu, no seu art. 34, a extinção da punibilidade nos crimes definidos na Lei 8.137/90 quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

É o que diz o art. 34 da Lei 9.249/95. O pagamento do tributo e acessórios antes do recebimento da denúncia funciona como causa de extinção da punibilidade.

Pois bem, na vigência desse artigo (a maioria, hoje, considera revogado o art. 34) surgiram, pelo menos, duas orientações doutrinárias e jurisprudenciais acerca do efeito, no âmbito penal, do parcelamento do débito tributário obtido pelo contribuinte junto à administração pública.

Duas orientações diametralmente opostas surgiram. Primeira: o parcelamento do débito, antes do recebimento da denúncia, extingue a punibilidade. Bastaria o pagamento de uma das parcelas para que ocorresse a extinção da punibilidade.

Por quê? Porque o art. 34 fala de extinção da punibilidade quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição. A Lei não fala em extinção da punibilidade quando o agente pagar o tributo. A Lei fala em promover o pagamento do tributo.

Se o sujeito obtém o parcelamento perante a autoridade tributária e dá início ao pagamento, está extinta a punibilidade. O sujeito demonstra que quer adimplir com a sua obrigação tributária.

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Mais ainda: havia dentro dessa linha de raciocínio quem sustentasse a ocorrência de uma novação. O parcelamento extinguiria o débito tributário primitivo, fazendo surgir para a administração fiscal um novo crédito tributário. Esse parcelamento seria uma novação, extinguindo a punibilidade.

Bom, o STJ decidia assim. Era amplamente majoritário esse entendimento. Era quase que uníssono no âmbito do STJ. Mas o Supremo tinha jurisprudência tranqüila em sentido diametralmente oposto.

De acordo com a jurisprudência do Supremo, somente o pagamento integral do débito tributário é que extinguiria a punibilidade. Promover o pagamento significava pagar, ou seja, quitar a dívida tributária até o recebimento da denúncia.

Havia até quem admitisse sem base na Lei a suspensão do processo até o cumprimento do acordo, ou seja, até o pagamento integral do valor parcelado.

Tudo com o intuito de privilegiar a arrecadação tributária, ou seja, já desde essa Lei, o direito penal tributário ??? com o seu caráter subsidiário ou fragmentário.

O direito penal tributário vinha sendo utilizado desde então como um dos principais instrumentos de arrecadação do estado. Era a arrecadação sob a ameaça da sanção penal. Se o sujeito pagasse até o recebimento da denúncia, segundo art. 34, extinguia-se a punibilidade.

Hoje, há, no âmbito federal, a Lei 10.684/03. É o art. 9º da Lei. Lê primeiramente a ementa da Lei: altera a legislação tributária, dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e dá outras providências.

Vamos ver o art. 9º dessa Lei: é suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1 o e 2 o da Lei n o 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

Aí, começam a surgir os principais problemas. O art. 9º trata do parcelamento dos créditos tributários da União. Vale dizer: diz respeito aos tributos da União e contribuições sociais. Não alcança, na sua literalidade, os tributos estaduais e municipais. É o primeiro ponto a ser examinado: esse artigo diz respeito ao parcelamento dos tributos federais.

Pois bem, o caput do art. 9º estabelece que a inclusão da pessoa jurídica relacionada com o agente do crime tributário nesse programa de parcelamento de dívida suspende a pretensão punitiva do estado.

Então, durante o período do parcelamento regularmente avençado com a administração pública federal nos moldes da Lei 10.684/03, fica suspensa a pretensão

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punitiva do estado. O estado não poderá instaurar inquérito ou ação penal com base nesses fatos. Fica suspensa a pretensão punitiva.

Bom, e nos termos do parágrafo 1º do art. 9º, a prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. Se o estado não pode promover a ação penal condenatória, a prescrição não corre.

Nos termos do parágrafo 2º: extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

Então, o pagamento integral do débito, inclusive acessórios, extingue punibilidade em qualquer fase do inquérito ou do processo penal. Aqui, é diferente das leis anteriores.

As leis anteriores estabeleciam um marco acerca da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo ou contribuição social devidos, inclusive acessórios. Esse marco era o oferecimento de denúncia. Depois, passou a ser o recebimento da denúncia. Agora, não há mais distinção alguma. O pagamento integral do tributo em qualquer fase do processo extingue a punibilidade.

Vejam bem, há inclusive quem entenda - e o STJ decidiu assim recentemente – que como a Lei não estabelece limite para a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido, isso pode ocorrer mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Isso é um absurdo!

Eu particularmente penso que não. Eu penso que a Lei limita ao trânsito em julgado da condenação. Mas como a Lei não estabelece um marco final, há quem sustente essa possibilidade mesmo quando o pagamento do tributo ocorrer após o trânsito em julgado da condenação.

Pergunta de aluno: é minoritária?

Resposta: é minoritária. Professor lendo algo: 5ª Turma do STJ. Habeas Corpus. Apropriação indébita previdenciária (se vale para apropriação indébita, vale com muito mais razão para os crimes contra a ordem tributária). Parcelamento do débito originário da ação penal. Recebimento da denúncia. Suspensão da pretensão punitiva. Incidência da benesse legal, art. 9º da Lei 10.684. Trânsito em julgado da condenação. Ordem concedida para suspender a pretensão executória da pena aplicada.

Entenderam? Você vai suspender a pretensão executória da pena aplicada. Se o sujeito integralizar o pagamento, extingue-se a punibilidade. O acórdão é de 03.02.2007. HC 68789 da Bahia.

Só uma observação: em relação aos crimes de apropriação indébita previdenciária, em relação à apropriação indébita das ??? retidas pelo empregador, a Lei proíbe expressamente o parcelamento.

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O Presidente da República vetou, neste ponto, a Lei 10.684/03. Mesmo assim, o INSS tem concedido administrativamente o parcelamento. Uma vez concedido o parcelamento, fica suspensa a pretensão punitiva do estado. Se o processo estiver em curso, ficam suspensos o processo e a prescrição.

Esse acórdão permitiu que o parcelamento obtido mesmo após o trânsito em julgado da condenação suspendesse a pretensão executória do estado. Se suspende a pretensão executória, uma vez integralizado o pagamento, estará extinta a punibilidade. Isso é um absurdo, mas é a decisão do STJ!

Naquele recurso de apropriação indébita, se o sujeito reparar o dano antes do recebimento da denúncia, haverá arrependimento posterior. É causa de diminuição de pena, mas há processo, sentença e condenação.

A Lei não admite na apropriação indébita previdenciária, mas o STJ admitiu que o parcelamento do débito suspendesse o processo e a pretensão executória.

Qual é a repercussão do art. 9º no tocante aos crimes contra a ordem tributária no estado ou município? O art. 9º foi feito no REFIS – programa de parcelamento de créditos feito pela União, ou seja, tributo e contribuições devidos à União.

Agora, nada obsta – não me recordo do artigo do Código Tributário, se não me engano é o art. 156 – que a administração tributária parcele os seus créditos. Essa é uma norma geral que vale para todos os entes da federação.

Se houver parcelamento no âmbito do estado ou município, ficará suspensa por analogia (pelo princípio da isonomia) a pretensão punitiva do estado, ou seja, não haverá nem inquérito nem processo. Se o parcelamento for obtido durante o processo, ficarão suspensos o processo e a prescrição. Feito o pagamento integral, estará extinta a punibilidade.

Pergunta de aluno.

Resposta: o art. 9º diz respeito aos tributos arrecadados pela União, não alcançando os tributos estaduais e municipais. Mas estados e municípios – e essa é uma regra geral do Código Tributário, art. 156 salvo engano – podem parcelar o pagamento dos seus débitos.

Tanto estados como municípios podem instituir programas de parcelamento de débitos. Esse parcelamento é discricionário. Normalmente, é regulamentado por Lei, justamente para evitar que se privilegie alguém em detrimento do outro.

Mas o sujeito que obtiver a nível estadual ou municipal o parcelamento do débito tributário poderá se beneficiar do art. 9º da Lei do REFIS, ou seja, feito o parcelamento, fica suspensa a pretensão punitiva do estado.

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Não deve haver inquérito nem ação penal, se o parcelamento for feito antes do inquérito ou da ação penal. Se o parcelamento for obtido no curso da ação penal, ficam suspensos o processo e a prescrição.

O pagamento integral do débito, inclusive acessórios, extinguirá a punibilidade em qualquer fase do processo. Mas a meu ver, apenas até o trânsito em julgado da condenação, mas há quem admita esse efeito mesmo depois de transitada em julgado a condenação.

É a aplicação da analogia in bona partem. É o princípio da isonomia. Não há razão em dar tratamento diferenciado aos réus simplesmente em razão da natureza do ente estatal que tenha o seu interesse lesado.

Por isso que o direito penal tributário é uma forma de cobrança de tributo. Descaracterizou-se por completo o direito penal. Não tem finalidade punitiva, mas sim de arrecadação.

Para finalizarmos, outro aspecto relevante desses crimes é o princípio da bagatela. É possível cogitar da aplicação do princípio da insignificância como uma causa de exclusão da tipicidade material da conduta nos crimes contra a ordem tributária?

O princípio da insignificância exclui a tipicidade sobre o aspecto material da conduta. A conduta subsiste formalmente típica, mas é considerada atípica por não causar lesão significativa ao bem jurídico penalmente tutelado. A lesão ao bem jurídico, nesses casos, é considerada desprezível.

Esse princípio pode ser aplicado quando se tratar de crime contra a ordem tributária? A doutrina, sem exceção, admite essa possibilidade. A doutrina e jurisprudência admitem essa possibilidade. Têm como parâmetro o desinteresse do estado manifesto legitimamente através de leis e de atos normativos acerca da cobrança do crédito tributário.

Por exemplo, a Procuradoria da Fazenda está dispensada de executar os créditos tributários que não ultrapassem R$ 10.000,00 (dez mil reais). O estado reconhece que a sua máquina judiciária é cara, lenta e ineficaz.

É melhor deixar de executar o crédito do que despender mais recursos para esse fim. Logo, se a supressão ou redução do tributo não exceder esse valor, não há crime. É fato atípico.

No âmbito previdenciário, em relação às contribuições previdenciárias devidas ao INSS, até R$ 5.000,00, o INSS não executa o seu crédito. Logo, nesses casos, há quem entenda que se aplica o princípio da insignificância.

Agora, em relação às contribuições previdenciárias, há um “porém”. A maioria dos doutrinadores e a própria jurisprudência admitem a incidência desse princípio nos crimes de apropriação indébita previdenciária e de supressão ou redução do pagamento de contribuição previdenciária.

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Agora, a Lei não diz isso! Vamos ver o art. 168-A, parágrafo 3º, II do Código Penal que trata do perdão judicial: é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Ou seja, a Lei não prevê aqui a insignificância da lesão ao bem jurídico como causa de afastamento da tipicidade. A Lei trata a insignificância da lesão ao bem jurídico penalmente tutelado como causa de perdão judicial. O perdão judicial seria aplicado pelo juiz quando da sentença.

Sentença que para alguns, segundo a Súmula 18 de STJ, é meramente declaratória da extinção da punibilidade. Para outros, a sentença é condenatória imprópria.

O mesmo no art. 337-A: suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas.

Esse é um crime específico que antes estava definido no art. 1º da Lei 8.137. Agora, está no Código Penal. É a sonegação de contribuição previdenciária.

Aí, vem o parágrafo 2º, II do art. 337-A: é facultado ao juiz deixar de aplicar a pena (perdão judicial) ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

É a mesma coisa! O INSS não vai ajuizar ação de execução do crédito previdenciário. Se não há interesse no exercício do direito de agir, não há também interesse no direito de agir em sede penal. É a opinião de alguns: princípio da insignificância.

Mas a Lei dá ao fato tratamento diverso. A insignificância funciona como causa de perdão judicial. Agora, é cada vez menor o número de processos penais desses crimes. Basta o sujeito obter o parcelamento do débito para ficar suspensa a pretensão punitiva do estado. Integralizado o pagamento, extingue-se a punibilidade.

Semana que vem vamos falar sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e ????.

13ª aula – 13/08/2007

Bom, vamos ver os aspectos penais e processuais da Lei de Imprensa. Vamos tratar dos crimes de imprensa, ressaltando, desde logo, que essa expressão “crime de imprensa” é incorreta. Não há propriamente crime de imprensa. O que há são crimes praticados por intermédio da imprensa.

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O que caracteriza os crimes da Lei de Imprensa é o fato de o sujeito praticá-lo por intermédio da imprensa. São crimes que consistem em abuso do poder de expressão, abuso do poder de informação conforme dispõe o art. 12 da Lei 5.250/67.

Vamos examinar o art. 12: aqueles que, através dos meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão pelos prejuízos que causarem.

É Lei penal especial a Lei de Imprensa no que concerne à definição dos crimes que afasta a incidência dos tipos incriminadores semelhantes previstos em outros diplomas legais. A particularidade aqui está no crime por meio da imprensa.

O que se entende aí por imprensa e crime praticado por intermédio da imprensa? Vamos ler o parágrafo único do art. 12: são meios de informação e divulgação, para os efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiodifusão e os serviços noticiosos.

Jornais, revistas e outras publicações periódicas. Para a classificação do delito como delito de imprensa, há necessidade de que o meio de informação tenha a característica da periodicidade.

Hoje, é tranqüilo o entendimento de que os jornais, os boletins, os informativos periódicos veiculados através da Internet são considerados meios de informação.

O livro é considerado meio de informação para o efeito de aplicação da Lei de Imprensa? Não, porque nele não há a característica da periodicidade.

O mais importante aqui, em relação ao que dispõe o art. 12, parágrafo único, é a comprovação dos crimes contra a honra da Lei de Imprensa com os crimes contra a honra definidos em outros diplomas legais. A Lei de Imprensa pune os crimes de calúnia (art. 20), difamação (art. 21) e injúria.

O que distingue os crimes contra a honra da Lei de Imprensa dos crimes contra a honra tipificados no Código Penal? A distinção básica está no meio utilizado pelo sujeito para atingir a honra de terceiro.

A calúnia, difamação ou injúria será punida com base na Lei de Imprensa quando perpetrada através de meio de comunicação, através da Imprensa. É o princípio da especialidade.

Mas vejam bem: o fato de o jornal, periódico, programa televisivo ou de rádio noticiar o crime contra a honra já praticado não enseja o reconhecimento do crime da Lei de Imprensa.

Há casos em que o crime contra a honra já está consumado e é noticiado por meio da imprensa. Neste caso, a figura típica a ser reconhecida será do Código Penal. Noticiar crime contra a honra, sem o intuito de propagar a ofensa, constitui fato

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atípico, ou seja, não caracteriza crime da Lei de Imprensa. O crime foi consumado anteriormente.

Se por acaso a calúnia, difamação ou injúria praticada por intermédio da imprensa tiver a finalidade de propaganda eleitoral, neste caso, o crime a ser reconhecido será o da Lei de Imprensa ou do Código Eleitoral em razão da especial finalidade de agir? O crime será o do Código Eleitoral. É o princípio da especialidade.

Vamos ver o art. 324 do Código Eleitoral: caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

Caluniar alguém na propaganda eleitoral ou com finalidade de propaganda eleitoral será crime de calúnia do Código Eleitoral do art. 324.

Os arts. 325 e 326 definem, respectivamente, a difamação e a injúria. Neste caso, em razão da especial finalidade de agir do sujeito e levando-se em consideração ter sido a conduta praticada durante a propaganda eleitoral, o crime será o do Código Eleitoral.

A ação penal correspondente aos crimes contra a honra da Lei Eleitoral, dos arts. 324, 325 e 326, é pública incondicionada. Aqui, está em jogo a higidez do processo eleitoral.

Malgrado se trate de crime contra a honra, a ação penal é sempre pública incondicionada, diferentemente do sistema da Lei de Imprensa em que a ação penal nos crimes contra a honra, em regra, é de iniciativa privada.

Outro aspecto importante em relação a um eventual conflito entre normas penais incriminadoras envolvendo a Lei de Imprensa: crime contra a honra praticado por intermédio da imprensa que ??? um dos oficiais da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica. Então, crime contra a honra praticado através da imprensa por militar em atividade contra militar em atividade.

Qual crime a ser considerado: da Lei de Imprensa porque a conduta foi perpetrada através de meio de comunicação, como boletim periódico ou crime do Código Penal Militar? A hipótese aqui, também pelo princípio da especialidade, é de crime do Código Penal Militar.

É hipótese de crime contra a honra do Código Penal Militar cuja ação penal é igualmente pública incondicionada. É hipótese de crime militar impróprio, porque esta conduta está tipificada tanto na legislação penal comum como na legislação penal militar.

O crime é considerado militar impróprio porque praticado por militar em situação de atividade contra militar em situação de atividade.

Bom, a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra da Lei de Imprensa? Em termos gerais, a pessoa jurídica pode figurar como sujeito passivo de crime contra a honra?

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No que consiste o crime de calúnia? A calúnia consiste em atribuir falsamente a alguém a prática de crime. A calúnia é crime contra a honra objetiva.

Pode pessoa jurídica ser sujeito passivo do crime de calúnia? Não, salvo quando se tratar de imputação de prática de crime ambiental já que é possível cogitar, como vimos em aulas passadas, da responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes da Lei Ambiental, Lei 9.605/98.

E no tocante à difamação, como fica? A difamação é crime contra a honra objetiva. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de crime de difamação? Pode. É tranqüilo na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a pessoa jurídica, que tem honra objetiva e goza de reputação social, pode ser sujeito passivo da difamação.

E quanto ao crime de injúria? A injúria é crime contra a honra subjetiva. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de injúria? Não, porque a pessoa jurídica não tem honra subjetiva.

E no sistema da Lei de Imprensa? No sistema da Lei de Imprensa, há controvérsia sobre se a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo nos crimes de calúnia e injúria. Quanto à difamação, não há dúvida. Quanto à difamação, pode a pessoa jurídica figurar como sujeito passivo.

Em relação aos crimes de injúria e calúnia, há controvérsia. Há controvérsia porque a Lei prevê uma causa especial de aumento de pena nos crimes praticados contra a honra de pessoa jurídica.

Vamos ver o art. 23, III da Lei: as penas cominadas dos arts. 20 a 22 aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: III- contra órgão ou autoridade que exerça função de autoridade pública.

Onde está autoridade, leia-se entidade. Há quem entenda que, por conta dessa causa especial de aumento de pena, a pessoa jurídica possa figurar como sujeito passivo tanto da difamação como da calúnia e da injúria nos crimes da Lei de Imprensa.

O Supremo já decidiu em mais de uma oportunidade que a pessoa jurídica pode, em função dessa causa de aumento de pena, figurar como sujeito passivo tanto da calúnia quanto da injúria, bem como no crime de difamação.

Bom, os crimes contra a honra da Lei de Imprensa se enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo? Vale dizer: são considerados de menor potencial ofensivo os crimes contra a honra praticados por meio da imprensa?

Nós vimos em aulas passadas que não há mais controvérsia, não há mais polêmica sobre o conceito de infração de menor potencial ofensivo. A Lei 11.313/06 pôs fim à discussão definindo com infração de menor potencial ofensivo as contravenções e os crimes em que a pena máxima cominada não exceda dois anos.

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É irrelevante hoje, para esse novo conceito de infração de menor potencial ofensivo, o crime contar com procedimento especial. Os crimes da Lei de Imprensa contam com procedimento especial nela previsto. Isso não mais os exclui do rol das infrações de menor potencial ofensivo.

Os três crimes contra a honra da Lei de Imprensa se enquadram nesse conceito? Não, a calúnia não se enquadra. Vamos ver o preceito sancionatório do art. 20.

Art. 20: caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: pena: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários-mínimos da região.

A pena máxima cominada para o crime de calúnia da Lei de Imprensa é superior a dois anos. Logo, o crime de calúnia da Lei de Imprensa não se subsume ao conceito de infração de menor potencial ofensivo. Trata-se, em razão da pena máxima cominada, de crime da competência do juízo comum.

Aqui, um parêntese: há uma decisão do Supremo Tribunal Federal, acórdão relatado pelo Ministro Eros Grau, anterior à Lei 11.313/06. É uma decisão do Supremo que exclui os crimes contra a honra da Lei de Imprensa do rol das infrações de menor potencial ofensivo.

O argumento utilizado pelo Ministro Eros Grau na época era o de que esses crimes contam com procedimento especial. Hoje, apenas a calúnia não se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Mas é possível, em relação à calúnia, cuja pena mínima cominada é de três meses, a suspensão condicional do processo.

Pergunta de aluno: em relação à pessoa jurídica, tem algum posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio?

Resposta: admite-se porque a Lei prevê o aumento de pena quando o crime é praticado contra órgão ou entidade que exerça função de autoridade pública. Essa causa de aumento de pena é prevista indistintamente para os crimes de calúnia, injúria e difamação.

Bom, nos crimes de difamação ou injúria, na hipótese de incidência de causa de aumento de pena prevista no art. 23, esses crimes estarão excluídos da competência do juizado especial criminal? Eles deixarão de constituir infração de menor potencial ofensivo?

Qual é a pena máxima da difamação? Detenção de três a dezoito meses. A pena máxima aumentada de 1/3 vai para dois anos. Logo. A difamação, mesmo com o aumento de pena prevista no art. 23, se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

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O mesmo diz respeito à injúria cuja pena máxima é de um ano. Um ano mais quatro meses dá um ano e quatro meses. Só a calúnia, portanto, crime do art. 20, é que não se enquadra no conceito de infração de menor potencial ofensivo.

Bom, no sistema do Código Penal, são crimes a calúnia, difamação e injúria contra mortos? Não. O Código Penal prevê tão somente a punição da calúnia contra memória do morto.

No sistema da Lei de Imprensa, é diferente. A Lei de Imprensa prevê no art. 24 a punição da calúnia, difamação e injúria contra a memória dos mortos. É diferente do que dispõe o Código Penal. O Código Penal, no art. 138, parágrafo 2º, prevê apenas a punição da calúnia contra a memória do morto.

Bom, vamos falar do sujeito ativo nos crimes de imprensa. Tem mais incidência prática no tocante aos crimes contra a honra. Bom, em relação à figura do sujeito ativo, a Lei de Imprensa adotou, no que concerne à responsabilidade penal, o que a doutrina chama de responsabilidade penal sucessiva ou por cascata de que tratam os arts. 28 e 37.

Não se trata de uma responsabilidade penal solidária. A responsabilidade penal é sucessiva: na ordem prevista nos arts. 28 e 37 da Lei.

Há quem considere que esse sistema que é tradicionalmente adotado pelo direito brasileiro pode constituir uma espécie de responsabilidade penal objetiva que o Código Penal, no art. 19, proíbe. É uma responsabilidade penal objetiva que é considerada atentatória à dignidade da pessoa humana.

Só pode haver responsabilização penal de dolo ou de culpa. Esses têm que estar sempre presentes na conduta perpetrada pelo sujeito.

No entanto, o próprio STF, mesmo na vigência da Constituição de 1988, já decidiu em mais de uma oportunidade que o sistema da responsabilidade penal sucessiva não viola nem a Constituição nem o Código Penal, ou seja, não viola o princípio da dignidade da pessoa humana nem ofende o art. 19 do Código Penal.

Trata-se de Lei Penal especial que adota sistema de responsabilização penal compatível com natureza dos crimes praticados por meio da imprensa.

A responsabilidade penal que a Lei de Imprensa consagra passa pelo autor das palavras consideradas ofensivas à honra alheia atingindo até o jornaleiro, o vendedor do periódico. Normalmente, isso se resolve processando o editor, quando o escrito não é identificado, ou o diretor-presidente do meio de comunicação. Tudo na forma da responsabilidade penal sucessiva dos arts. 28 e 37.

Essa responsabilidade penal sucessiva não é solidária. Não se pode escolher dentre essas pessoas aquela que se quer processar. O ofendido ou o MP terá que observar essa sucessão dos arts. 28 e 37.

Pergunta de aluno.

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Resposta: o diretor-presidente e o editor têm responsabilidade sobre o que é veiculado no meio de comunicação. Presume-se que essas pessoas saibam do teor das matérias que estão veiculando.

Dos autores modernos que escrevem bem sobre esse assunto é o Roberto Delmanto. O que alguns reclamam para que possa haver a efetiva punição dessas pessoas é a prova inequívoca colhida na instrução criminal do dolo.

Os arts. 28 e 37 estabeleceriam uma presunção iuris tantum de que essas pessoas estão cientes do teor ofensivo das matérias que veiculam. Agora, essa presunção admite prova em sentido contrário. Se não, aí sim, a responsabilidade penal sucessiva seria uma espécie de responsabilidade penal objetiva.

Tem que haver, dentro dessa perspectiva, a prova do dolo. Mas não é o que a jurisprudência consagra já que considera a presunção absoluta. Mas por que tem haver prova do dolo? Porque não há punição deste comportamento a título de culpa.

Então, teria que haver prova do dolo para que essas pessoas elencadas nos arts. 28 e 37 possam ser punidas por crime praticado através da imprensa.

Vamos ver o art. 28: o escrito publicado em jornais ou periódicos sem indicação de seu autor considera-se redigido.

Se houver indicação do autor do escrito, será ele o autor do delito. E se não souber quem é o autor do escrito? Aí, segue-se a responsabilidade sucessiva do art. 28. Primeiramente, vem o redator, depois o redator chefe, depois o gerente e assim sucessivamente.

Pergunta de aluno: e como faz a denúncia?

Resposta: faz nessa ordem. A responsabilidade de um exclui o outro. Por isso, se fala em responsabilidade em cascata.

Pergunta de aluno.

Resposta: ele tem a responsabilidade pelo que veicula. Aquele que dá notas ofensivas à honra de terceiros responde. Ainda que haja contrato com natureza jornalística, isso exclui a responsabilidade civil, mas não a responsabilidade penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: mas quando é programa de televisão ou de rádio, o problema é outro. O problema diz respeito às entrevistas. Há entrevistas veiculadas através do rádio ou televisão que contêm expressões ofensivas à honra alheia.

Nesse caso, a responsabilidade é da pessoa entrevistada. Hoje, a jurisprudência é tranqüila nesse sentido. A responsabilidade por eventual crime contra a honra, nesses casos, é do entrevistado.

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Tem que haver prova de que o entrevistado concordou com a veiculação da entrevista. Essa prova decorre da própria entrevista. Quem não quer que as suas palavras sejam propaladas não dá entrevista. Então, se há entrevista, a responsabilidade é da pessoa entrevistada, salvo se houver uma distorção do que houver sido dito.

Pergunta de aluno.

Resposta: a presunção, para a maioria, é absoluta. As pessoas respondem pelo crime da Lei de Imprensa independentemente da prova inequívoca do dolo ou da culpa, mais especificamente a prova inequívoca do dolo.

Há quem sustente uma tese mais moderna que seria compatível com o princípio da culpabilidade de que a presunção aqui é relativa. Essas pessoas, quando formalmente acusadas da prática de delitos, teriam a oportunidade de demonstrar que não agiram dolosamente.

Pergunta de aluno.

Resposta: o redator, diretor e editor têm o dever de controlar e saber o que está sendo veiculado no periódico. Toda revista passa por uma revisão final e as pessoas têm o dever de saber o que estão veiculando.

Pergunta de aluno.

Resposta: os próprios jornais já descriminam os responsáveis por cada seção. Eles indicam os responsáveis pelo editorial. O problema é quando se trata de boletins informativos de pequeno porte. Aí, muitas vezes, não se sabe ao certo quem é o responsável. Para evitar a impunidade, nesses casos, é que a Lei adota o sistema da responsabilidade sucessiva.

Bom, então esse é o sistema da Lei: responsabilidade penal sucessiva que não se confunde com a responsabilidade penal solidária, ou seja, o ofendido ou MP, ao oferecer denúncia ou queixa, tem que respeitar essa ordem de responsáveis sobre o aspecto penal. O ofendido e o MP não podem ao seu critério escolher a figura do acusado.

A ação penal, nesses crimes contra a honra da Lei de Imprensa, é, em regra, de iniciativa privada. É o mesmo sistema do Código Penal. Será pública condicionada à representação nos crimes contra a honra de servidor público em razão das funções. A Lei fala em funcionário público.

Será pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça nos crimes contra a honra do Presidente da República ou de chefe de governo de estado estrangeiro. Tudo de acordo com o art. 40.

Vamos examinar uma questão já suficientemente debatida, mas que merece ser tratada em um primeiro momento: crime contra a honra de servidor público em razão das funções praticado por intermédio da imprensa.

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Diz a Lei que a ação penal, nesse caso, é pública condicionada à representação. O Supremo, entretanto, admite, nessas hipóteses, uma espécie de legitimidade concorrente entre o MP e o próprio ofendido, ou seja, o ofendido pode escolher a natureza da ação penal. O ofendido pode representar ao MP ou promover ele próprio a ação penal.

Essa orientação, hoje, está consagrada na Súmula 714 do Supremo que se baseia no art. 5º, X da CFRB/88. Está nos acórdãos que serviram de referência para essa Súmula. A honra é direito individual. Não se pode subtrair do ofendido, por ser funcionário público, o direito de defender diretamente a sua honra.

A Súmula 714 vale, inclusive, para os crimes da Lei de Imprensa. Trata-se de legitimidade concorrente. Alguns preferem falar de legitimidade alternativa. É a opinião do Eugenio Pacelli.

Bom, aí, vem uma outra questão importante: qual é o prazo, nos crimes contra a honra na Lei de Imprensa, para o exercício do direito de queixa e representação? Qual é a natureza jurídica desse prazo sobre um duplo aspecto: 1- o prazo é penal ou processual? 2- o prazo é decadencial ou prescricional?

A resposta leva inexoravelmente o intérprete à dúvida. A resposta está no art. 41, parágrafo 1º: o direito de queixa ou de representação prescreverá se não for exercido dentro de três meses da data da publicação ou transmissão.

Diz o parágrafo 1º do art. 41 que o ofendido poderá exercer o direito de queixa ou de representação dentro do prazo de três meses a contar da data da publicação ou transmissão da matéria incriminada sob pena de prescrição.

Bom, a primeira questão é justamente essa: esse prazo para o exercício do direito de queixa e representação nos crimes da Lei de Imprensa é decadencial ou prescricional? Apesar de haver vozes em sentido contrário, prevalece o entendimento de que o prazo é decadencial. Onde está escrito prescreverá leia-se “decairá”.

O prazo é decadencial. Mas, diferentemente do que sucede em relação ao prazo decadencial previsto no art. 38 do Código de Processo Penal, aqui, a Lei prevê a interrupção do prazo para o exercício do direito de queixa ou representação.

Essa é uma noção básica de direito penal e de direito processual penal que todos doutrinadores ensina: qual é a diferença básica entre prazo decadencial para o prazo prescricional?

O prazo decadencial, como ensina o Tourinho, é insuscetível de interrupção ou suspensão. O prazo decadencial é fatal, é contínuo, é peremptório. O prazo prescricional é suscetível de interrupção e suspensão. Essa é a diferença básica.

Aqui, a Lei prevê a interrupção do prazo decadencial. Está previsto no parágrafo 2º, alíneas “a” e “b”, ou seja, esse é um prazo decadencial sui generis. Por quê? Porque suscetível de interrupção.

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É por isso que há doutrinadores, Freitas ??? e Darcy Miranda, que sustentam que o prazo é prescricional. Eles dizem que o legislador não se equivocou ao falar de prescrição. Não, por quê? Porque esse prazo é passível de interrupção.

Bom, a interrupção se dará: pelo requerimento judicial de publicação de resposta ou pedido de retificação até que este seja indeferido ou efetivamente atendido e pelo pedido judicial de declaração de inidoneidade do responsável, até o seu julgamento.

São as causas interruptivas do prazo previstas no parágrafo 2º, alíneas “a” e “b” do art. 41. Aí, surge um outro problema que diz respeito ao pedido de explicações que alguns chamam de interpelação judicial. O pedido de explicações está aludido no art. 25 da Lei de Imprensa que corresponde ao art. 144 do Código Penal.

Vamos ver o art. 25: Se de referências, alusões ou frases se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julgar ofendido poderá notificar judicialmente o responsável, para que, no prazo de 48 horas, as explique.

Qual é a natureza jurídica do pedido de explicações de que trata o art. 25 da Lei de Imprensa? O pedido de explicações é uma espécie de medida cautelar preparatória da ação penal nos crimes contra a honra que previne a competência do juízo ou Tribunal, mas não interrompe nem suspende o prazo decadencial para o exercício do direito de queixa e representação.

Esse pedido de explicações que alguns chamam de interpelação judicial é obrigatório? Não, é uma providência facultativa. Trata-se de providência cautelar que será ajuizada ou não a critério exclusivo do ofendido.

Quem processa essa medida cautelar? O juiz ou Tribunal competente para a eventual ação penal condenatória. Vejam bem: se o suposto autor das ofensas for pessoa que goze de foro por prerrogativa de função, caberá ao respectivo Tribunal processar o pedido de retificações.

Por exemplo, se o autor das expressões injuriosas, difamatórias ou caluniosas for o governador do estado, ele se sujeita originariamente à jurisdição do STJ em matéria criminal.

Quem processará, nesse caso, o pedido de explicações feitas ao governador do estado? O STJ. A competência será sempre do Tribunal a que couber o processo e julgamento da ação principal que é a ação penal condenatória.

Aqui, é importante relembrar que a instauração de ação penal condenatória em face de governador do estado depende de licença prévia da assembléia legislativa local. Lembrem-se sempre disso.

A Emenda Constitucional 35/2000 aboliu a licença prévia da casa legislativa para a instauração de processo penal condenatório contra parlamentar. A ação penal pode ser instaurada contra parlamentar independentemente de licença prévia da casa legislativa a que pertença o acusado.

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Mas subsiste em relação ao Presidente da República e ao governador do estado essa necessidade de licença prévia. Em relação ao Presidente, cabe à Câmara dos Deputados. No tocante ao governador, cabe a assembléia legislativa local. É o princípio da federação.

Ao receber a denúncia, o STJ determina cautelarmente o afastamento do governador de suas funções. Esse afastamento que tem natureza processual penal tem conseqüências drásticas, conseqüências jurídicas relevantes. Daí a necessidade de controle político prévio para a instauração de processo penal condenatório contra governador.

Bom, quando se tratar de crime contra a honra de funcionário público praticado por meio da imprensa, poderá o MP, em nome do funcionário público ofendido, formular pedido de explicações de que trata o art. 25 da Lei? Não, a legitimidade do MP é para promover a ação penal, promovê-la mediante representação do ofendido.

A legitimidade para requerer as explicações é sempre do próprio ofendido. O MP é parte ilegítima nessa ação cautelar. Notem que esse pedido de explicações precede o exercício do direito de queixa e representação.

Bom, diz aqui o art. 25, parágrafo 1º que se, neste prazo, o notificado não der explicação, ou, a critério do juiz, essas não forem satisfatórias, responderá pela ofensa.

Ou seja, cabe ao juiz verificar se as explicações apresentadas pelo suposto autor do crime contra a honra são satisfatórias. Agora, a que juiz o parágrafo 1º do art. 25 está se referindo? Ao juiz que processa a medida cautelar de explicações ou esse juiz é o juiz da ação penal?

Não há dúvida alguma, o juiz a que se refere o parágrafo 1º é o juiz da ação penal. Ele decidirá se as explicações são satisfatórias quando do recebimento da denúncia ou queixa, ou seja, no juízo de admissibilidade da ação penal.

Se o juiz considerar satisfatórias as explicações, rejeitará a denúncia ou a queixa. Se não as tiver como satisfatórias, receberá a denúncia ou a queixa. Não cabe ao juiz do processo de interpelação adentrar no mérito das explicações apresentadas. Essa tarefa é do juiz quando do recebimento da denúncia ou da queixa.

Agora, quem primeiro dirá se as explicações são satisfatórias ou não? O próprio ofendido. O juiz primário dessas explicações é o próprio ofendido. Se o ofendido considerar satisfatórias as explicações, ele não exercerá o direito de queixa ou representação. Se as considerar insatisfatórias, poderá a seu critério exercer esse direito.

Bom, mas o pedido de resposta interrompe o prazo decadencial. Está no parágrafo 2º, “a” do art. 41. E o direito de resposta é assegurado pela Lei de Imprensa a quem se julgar ofendido, quem terá o direito de se defender, responder ou retificar informações incorretas.

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Mas é preciso cuidado. É sempre um ponto objeto de pergunta em concurso o direito de resposta. Sobre o direito de resposta, dispõe o art. 29 e seguintes.

Primeira questão importante sobre o direito de resposta: a quem o ofendido endereçará o pedido de resposta? Ao responsável pela publicação ou transmissão da matéria, ou seja, esse pedido é, no primeiro momento, extrajudicial. É feito diretamente ao responsável pela publicação ou transmissão da matéria a ser respondida ou retificada.

Dentro de que prazo esse pedido deverá ser feito? Qual a conseqüência da sua inobservância? Esse pedido deve ser feito dentro do prazo de sessenta dias a contar da data da publicação ou transmissão sob pena de decadência do direito de resposta. Está no parágrafo 2º do art. 29.

Vamos ver o parágrafo 2º do art. 29: a resposta, ou retificação, deve ser formulada por escrito, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da data da publicação ou transmissão, sob pena de decadência do direito.

Via extrajudicial. É pedido amigável ao responsável pela publicação ou transmissão da matéria. O prazo é de 60 dias sob pena de decadência do direito de resposta. A empresa responsável pela publicação do direito de resposta deverá atender ao pedido dentro do prazo previsto no art. 31.

Se o pedido extrajudicial não for atendido dentro do prazo do art. 31, aí sim, o interessado poderá ajuizar pedido de resposta. O pedido judicial pressupõe o exaurimento da via administrativa, da extrajudicial. Somente depois de transcorrido o prazo a que se refere o art. 31, é o interessado poderá ajuizar pedido de resposta. Isso está no art. 32.

Art. 32: se o pedido de resposta ou retificação não for atendido nos prazos referidos no art. 31, o ofendido poderá reclamar judicialmente a sua publicação ou transmissão.

Aí, surge uma outra questão: dentro de que prazo o interessado poderá formular esse pedido judicial de direito de resposta? A Lei estabelece prazo decadencial ou prescricional para o ofendido reclamar judicialmente os seus direitos? Não, mas no silêncio da Lei, diz a doutrina e assim decide a jurisprudência, inclusive o Supremo, deve se aplicar, por analogia, o prazo de sessenta dias a contar do esgotamento dos prazos do art. 31.

Aí, alguns falam: sessenta dias sob pena de decadência. Outros falam: sob pena de prescrição. Mas seguramente tem que se aferir esse prazo. Tem que haver um prazo para o ofendido, se quiser, pedir o direito de resposta.

Pergunta de aluno.

Resposta: o pedido extrajudicial feito diretamente à empresa jornalística é condição para o posterior pedido de resposta. O interesse de agir no tocante à medida judicial surge depois de transcorrido o prazo do art. 31. Até então, não há interesse de agir pela via judicial e o interesse de agir é uma das condições da ação.

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O exercício do direito de ação penal ou civil extingue o direito de resposta. É o parágrafo 3º do art. 29. Aquele que ajuizar ação de reparação de danos ou propuser ação penal condenatória perderá o seu direito de resposta. Esse direito de resposta poderá ser assegurado pela sentença condenatória em eventual sentença condenatória.

Outra questão importante sobre prazo nos crimes da Lei de Imprensa: prazo prescricional dos crimes da Lei de Imprensa. O prazo da prescrição da pretensão punitiva é sempre de dois anos, art. 41, caput. O prazo de prescrição da pretensão executória é o dobro do tempo de pena aplicada pela sentença.

Vamos ver o art. 41: a prescrição da ação penal, nos crimes definidos nesta Lei, ocorrerá 2 (dois) anos após a data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no dobro do prazo em que for fixada.

Bom, duas questões importantes sobre prescrição e crimes da Lei de Imprensa. Primeira: é tranqüilo, na jurisprudência do Supremo e dos tribunais em geral, que as causas interruptivas da prescrição se aplicam aos crimes da Lei de Imprensa.

Vale dizer que o recebimento da denúncia e a sentença condenatória interrompem a prescrição. As causas interruptivas da prescrição previstas no art. 117 aplicam-se aos crimes da Lei de Imprensa, malgrado inexista expressa previsão nesse sentido.

Outro ponto importante: não há prescrição retroativa nos crimes da Lei de Imprensa. A prescrição da pretensão punitiva se dará sempre em dois anos a contar da publicação ou transmissão da matéria.

Não se à Lei de Imprensa a Súmula 146 do Supremo. Não se aplica aos crimes de imprensa o disposto no art. 110, se não me engano, parágrafo 2º do Código Penal. Não há prescrição retroativa.

Outro problema: e quando a multa for a única pena aplicada? A pena de multa prescreve, de acordo com o Código Penal, em dois anos. E aqui nos crimes de imprensa? Nos crimes de imprensa, essa questão é das mais polêmicas.

Para alguns, a multa prescreverá, mesmo nos crimes de imprensa, em dois anos. Vejam bem, estamos falando da multa como única pena aplicada pela sentença. Prescrição em dois anos, ou seja, a prescrição da multa se daria em tempo superior à prescrição da pretensão punitiva no tocante à pena privativa da liberdade.

Por isso, há quem entenda e essa é a orientação majoritária que a multa aplicada na sentença deve prescrever no dobro da pena máxima cominada para o crime prevista em abstrato.

Bom, vamos a outras questões importantes sobre a Lei de Imprensa, para finalizarmos. Primeiramente, nos processos penais por crime de imprensa, é sempre obrigatória a intervenção do MP, quer se trate de ação pública, quer se trate de ação penal de iniciativa privada, sob pena de nulidade do processo. É o que diz o art. 40, parágrafo 2º.

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É diferente do sistema do Código de Processo Penal. No sistema do Código de Processo Penal, não há previsão expressa de nulidade em decorrência da falta da intervenção do MP na ação penal exclusivamente privada.

A Lei fala em nulidade na ação pública e na ação privada subsidiária da pública. Está no art. 564, III, “d” do Código de Processo Penal. Não há nulidade em se tratando de ação penal privada propriamente dita.

Aqui, na Lei de Imprensa é diferente. O MP tem que intervir obrigatoriamente tanto na ação pública como na ação privada. A falta de intervenção do MP na ação pública gera nulidade absoluta do processo penal. Ausência de intervenção do MP em ação de iniciativa privada nos crimes de imprensa gera nulidade relativa do processo penal.

Vamos ver o parágrafo 2º do art. 40: sob pena de nulidade, é obrigatória a intervenção do Ministério Público, em todos os processos por abuso de liberdade de imprensa, ainda que privados.

Pergunta de aluno.

Resposta: mera irregularidade. No sistema do Código de Processo Penal, a falta da participação do MP na ação penal pública é causa de nulidade absoluta do processo. Na ação penal privada subsidiária da pública, a falta de intervenção do MP é igualmente causa de nulidade do processo, nulidade relativa. Art. 162 do Código de Processo Penal.

Na ação pena de iniciativa privada, a Lei não prevê a nulidade do processo em decorrência da falta da intervenção do MP. A falta da intervenção do MP é considerada mera irregularidade.

Agora, na Lei de Imprensa, é diferente. Na Lei de Imprensa, o MP intervém obrigatoriamente na ação pública sob pena de nulidade absoluta do processo e na ação de iniciativa privada sob pena de nulidade relativa do processo.

Outro aspecto importante para se memorizar é quanto ao prazo para o oferecimento da denúncia. Na Lei de Imprensa, o prazo para o MP oferecer denúncia é de dez dias. No caso de inércia do MP, poderá o ofendido oferecer queixa subsidiária.

Está no art. 40, parágrafo 1º.

Agora, finalizando o estudo da Lei de Imprensa, vamos ver duas outras questões. Primeiramente, competência territorial, competência de foro.

Vamos ver o art. 42: lugar do delito, para a determinação da competência territorial, será aquele em que for impresso o jornal ou periódico, e o do local do estúdio do permissionário ou concessionário do serviço de radiodifusão, bem como o da administração principal da agência noticiosa.

Esse art. 42, aqui no Rio de Janeiro, tem tido remota discussão que passou a ocorrer com a transferência para Duque de Caxias das oficias do jornal O Globo.

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O lugar da impressão é, de acordo com o art. 42, o foro competente para o processo e julgamento da ação penal. Então, o foro competente para processo e julgamento da ação penal por crime de imprensa envolvendo as Organizações Globo seria o de Duque de Caxias. É a literalidade da primeira parte do art. 42.

Mas o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro vem entendendo, pelos inúmeros conflitos suscitados, que o foro competente é o da comarca da capital, onde está situada a administração do jornal. É a parte final do artigo que diz: bem como o da administração principal da agência noticiosa.

Outro ponto importante que é sempre objeto de questionamento é quanto ao interrogatório do réu nos processos por crime da Lei de Imprensa.

Todos vocês sabem que no sistema do Código de Processo Penal, o interrogatório do réu que compareceu ao juízo é indispensável. O interrogatório do chamado réu presente é indispensável. Sua falta é causa de nulidade do processo. Para alguns, é causa de nulidade absoluta (orientação majoritária). Para outros, é causa de nulidade relativa.

Mais ainda, o Código de Processo Penal permite ao juiz determinar a condução coercitiva do réu para interrogá-lo. Está previsto no art. 260 do Código de Processo Penal.

Art. 260 do Código de Processo Penal: se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.

Sem embargo da opinião, entre outros, do Rene Ariel Dotti no sentido de que o art. 260, neste ponto, não foi recepcionado pela Constituição em razão do direito constitucional ao silêncio, é tranqüilo o entendimento de que o juiz pode mandar conduzir o réu para interrogá-lo. O réu pode até permanecer calado, mas o juiz, por outro lado, pode mandar conduzir a sua presença.

Bom, mas esse sistema do Código não se aplica aos crimes da Lei de Imprensa. Em relação aos crimes da Lei de Imprensa, somente haverá interrogatório a pedido o réu. O réu somente será submetido a interrogatório se o requerer.

Aliás, esse é o melhor sistema. Já que o interrogatório é visto predominantemente como meio de defesa e o réu pode permanecer em silêncio, melhor então que só haja interrogatório a pedido do réu. Esse é o sistema da Lei de Imprensa consagrado pelo art. 45, III.

Art. 45, III: poderá o réu requerer ao juiz que seja interrogado, devendo, nesse caso, ser ele ouvido antes de inquiridas as testemunhas.

O réu, então, somente será interrogado a pedido. Se o réu pedir, aí sim, caberá ao juiz interrogá-lo sob pena de nulidade do processo. Se o réu requerer o interrogatório, o juiz terá que realizá-lo. Querem fazer alguma pergunta.

Pergunta de aluno.

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Resposta: a Lei não diz qual é o prazo prescricional da multa. Mas isso só vai ter efeito no art. 16. Só há duas hipóteses em que a multa pode ser aplicada isoladamente: art. 16 e injúria. Na injúria, não tem efeito porque a pena máxima é de um ano. O prazo da multa seria de dois anos. É o prazo de prescrição do Código Penal.

Já no art. 16, a pena máxima é de três meses. O dobro seriam seis meses. Aí, é 1/4 dos dois anos.

Pergunta de aluno.

Resposta: isso, é prescrição da pretensão executória, porque a multa cominada cumulativa ou isoladamente com a pena privativa da liberdade prescreve no prazo de dois anos.

Na programa, seriam 24h de aula. Hoje, vamos falar do ECA, das medidas sócio-educativas. Na próxima aula, vamos falar sobre ???. Vou finalizar falando da Lei de Lavagem de Capitais.

Vamos falar sobre a aplicação das medidas sócio-educativas ao adolescente. Vamos começar o estudo pelas disposições gerais acerca da prática de ato infracional. Vamos iniciar pelo art. 103 da Lei 8.069/90.

Esse ponto está na maioria dos concursos em processo penal na aplicação das medidas sócio educativas a ato infracional e em direito de ???.

Vamos ver o art. 103: considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

O ato infracional é a conduta que encontra definição na Lei penal como crime ou contravenção. O ato infracional é atribuível ao adolescente. Adolescente é a pessoa entre doze e dezoito anos incompletos.

O ato infracional é, então, a conduta que encontra definição na Lei penal como crime ou contravenção. Crime ou contravenção penal definido na legislação penal comum. A legislação penal comum abrange o Código Penal e as leis penais extravagantes.

Vamos ver o art. 104 do Estatuto que reproduz o disposto no art. 27 do Código Penal: são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.

Os menores entre doze e dezoito anos incompletos se sujeitam, quando acusados da prática de ato infracional análogo a crime ou contravenção, às medidas sócio-educativas elencadas no art. 112.

A questão mais polêmica aqui é a seguinte: é possível a antecipação da responsabilidade penal? O direito penal brasileiro adota, no que concerne à inimputabilidade dos menores de dezoito anos, o critério biológico puro.

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A Lei presume a imaturidade mental dos menores de dezoito anos. Fala-se aqui em critério biológico puro. Eu prefiro falar em critério cronológico. É um critério de idade. Essa presunção que é uma presunção absoluta não se baseia em critério biológico científico comprovado.

Essa presunção que é, entre nós, absoluta é uma opção de política criminal. O estado brasileiro optou - e essa opção foi feita pelo constituinte de 1988 - por não punir criminalmente os menores de dezoito anos. É o critério biológico puro ou critério cronológico, como preferem outros.

É possível a redução ou antecipação da responsabilidade penal? É possível estabelecer responsabilidade penal, por exemplo, como muitos sugerem, a partir de dezesseis anos ou a partir de quatorze anos desde que haja perícia médico-legal comprovando a maturidade da pessoa?

Aí, entra a polêmica. Essa inimputabilidade dos menores de dezoito anos está prevista na Constituição. Está previsto no art. 228 da CFRB/88.

A questão é saber se o art. 228, apesar de não estar inserido entre os direitos e garantias individuais, é cláusula pétrea? Há quem entenda que sim. Há quem entenda – é a opinião, entre outros, do Professor Rene Ariel Dotti – que a inimputabilidade do menor de dezoito anos é direito fundamental. É, portanto, cláusula pétrea, insuscetível de modificação através de emenda à Constituição.

Mas prevalece o entendimento – e há projeto de leis tramitando no Congresso que certamente receberão parecer favorável das comissões de constituição e justiça tanto da Câmara como do Senado – prevalece o entendimento de que essa disposição pode ser alterada por emenda à Constituição. Não se trata de uma cláusula pétrea. Isso não é direito fundamental do indivíduo.

A inimputabilidade até os dezoito anos é uma opção de política criminal. Logo, pode o legislador optar por reduzir ou antecipar a responsabilidade penal.

Bom, no sistema vigente, os menores de dezoito anos são inimputáveis, sujeitando-se à disciplina do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Bom, vamos passar para o art. 161. Nos casos de apuração de ato infracional praticado por adolescente, qual o procedimento judicial adequado para a investigação? Pode haver, nesses casos, inquérito policial? Não. Ao invés de instaurar inquérito, a autoridade policial instaurará um auto de investigação de ato infracional.

É o nome que se dá a esse procedimento investigatório: auto de investigação de ato infracional. Notem bem, o auto de investigação de ato infracional atribuído a adolescente não é, a rigor, um substitutivo do inquérito. Não se deve falar em substitutivo do inquérito.

Esse procedimento é semelhando ao inquérito policial, mas com ele não se confunde. Trata-se de um equivalente. É um procedimento policial próprio para averiguação de ato infracional atribuído a adolescente.

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Quais são as características desse procedimento policial? É um procedimento inquisitivo ou inquisitório, escrito e sigiloso. Há semelhança com o inquérito policial.

O Estatuto prevê prazo para conclusão desse procedimento policial? Não. Aplica-se, por analogia, o disposto no art. 10 do Código de Processo Penal, mas com uma particularidade.

Atenção, uma observação: o Estatuto tem uma linguagem própria. Não se deve falar em prisão em flagrante por ato infracional. Fala-se aqui em apreensão e não propriamente prisão do adolescente por ato infracional.

Quando se tratar de apreensão de adolescente por ato infracional praticado com o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa, a autoridade policial obrigatoriamente deverá lavrar auto de apreensão por ato infracional, ouvindo as testemunhas e o adolescente.

Esse auto de apreensão de adolescente pela prática de ato infracional deverá ser lavrado com a observância no que couber das formalidades relativas a um auto de flagrante.

Nos demais casos, ou seja, quando se tratar de ato infracional correspondente a crime ou contravenção que não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, a autoridade policial poderá – é uma faculdade do delegado de polícia – substituir o auto de apreensão por boletim de ocorrência circunstanciado. É um termo de ocorrência circunstância.

Aí, surge a seguinte questão: em caso de ato infracional correspondente ao tráfico de drogas ou associação para o tráfico praticado por adolescente, a autoridade policial, em tese, poderá substituir o auto de apreensão por boletim circunstanciado? Em tese, poderá. Agora, essa providência não é recomendada.

Na prática, dificilmente, o auto de apreensão será substituído em hipótese de tráfico por boletim circunstanciado. Agora, vejam bem, a violência e grave ameaça não são figuras típicas do tráfico. É que no mais das vezes, no momento da prisão, há resistência ou emprego de arma. Tudo a justificar a lavratura do auto de apreensão.

Bom, o Estatuto, no caso de comparecimento à polícia dos pais ou responsável, prevê a imediata liberação do adolescente mediante termo de compromisso de responsabilidade assinado pelos pais ou responsável, salvo quando, desde logo, pela gravidade do fato, for recomendável a internação. É o que diz o art. 174.

Pergunta de aluno.

Resposta: lavra-se o flagrante para o maior e o auto de apreensão para o adolescente. O auto de apreensão é na delegacia especializada. O auto de flagrante pode ser na especializada ou na ???.

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Pergunta de aluno.

Resposta: pode. Aqui no Rio, desde 2004, há duas delegacias especializadas. A mais antiga é para quando a criança ou adolescente aparece como autor de ato infracional e a outra é especializada em matéria de crime praticado contra a criança ou adolescente.

A criança e o adolescente devem ser encaminhados à delegacia especializada para lavratura do auto de apreensão pela prática de ato infracional. O maior deve ser encaminhado para ????. Agora, nada impede que o auto de prisão em flagrante seja lavrado na própria especializada.

Aqui, deverá haver duas peças: o auto de prisão em flagrante e o auto de apreensão que podem ser lavrados na própria delegacia especializada.

Agora, se houver delegacia especializada, não se concebe a lavratura do auto de apreensão em outra delegacia. O auto tem que ser lavrado sob pena de responsabilização administrativa e até penal, se for o caso, na delegacia especializada.

Pergunta de aluno.

Resposta: deveria haver plantão na especializada para atender.

O importante é saber que a própria autoridade policial poderá liberar o adolescente mediante termo de compromisso firmado pelo adolescente e responsabilidade assinado pelos pais ou responsável. É o art. 174. Salvo quando a gravidade do ato justificar a internação.

Se o adolescente não for desde logo liberado, caberá a autoridade policial apresentá-lo imediatamente ao MP. É o que dispõe os arts. 175 e 179.

O adolescente será apresentado ao MP e ouvido informalmente. Essa oitiva pode e deve ser feita independentemente da presença de advogado ou defensor. Essa oitiva informal realizada pelo MP não é fase integrante do processo propriamente dito para apuração do ato infracional.

Se possível, o promotor, além de ouvir o ofendido, deverá ouvir o seu responsável e, se for o caso, as testemunhas, inclusive, lavrando termo. É uma oitiva informal que deve ser documentada.

Pergunta de aluno.

Resposta: a medida sócio-educativa tem dupla finalidade. Daí vem o nome. A medida sócio-educativa tem finalidade retributiva, ressocializadora e preventiva.

A medida sócio-educativa não é uma providência de caráter exclusivamente punitivo, de natureza retributiva. Mas não se pode negar essa sua

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finalidade, a final pressupõe a prática de ato análoga a crime ou contravenção. Mas ela é, sobretudo, uma medida educativa.

Fala-se em ressocialização, mas no mais das vezes trata-se mesmo de uma socialização!

Bom, aí o MP, depois de ouvido informalmente o adolescente, oitiva de que trata o art. 179, poderá adotar uma das seguintes providências (providências a que se refere o art. 180): o MP poderá promover o arquivamento dos autos (a Lei fala em promover e não em requerer), conceder a remissão como forma de exclusão do processo ou representar à autoridade judiciária para aplicação de medida sócio-educativa. É a representação.

A representação funciona aqui como semelhante à denúncia do processo penal comum. A representação é o instrumento da demanda na ação sócio-educativa. Ao invés de oferecer denúncia, o MP oferece representação.

Aqui, uma observação: a ação sócio-educativa é sempre pública incondicionada. Não há ação sócio-educativa de iniciativa privada e menos ainda condicionada à representação do ofendido.

Ainda que o crime correspondente ao ato infracional seja de ação penal de iniciativa privada, por exemplo, dano, ou de ação pública condicionada, por exemplo, lesões corporais leves, a ação sócio-educativa é sempre pública incondicionada.

Vale dizer: cabe ao MP promovê-la independentemente da manifestação de vontade de quem quer que seja.

Qual é o prazo a que dispõe o MP para adotar uma dessas medidas a que se refere o art. 180? O Estatuto não diz. Então, aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Penal. Se o adolescente estiver apreendido, cinco dias. Se estiver em liberdade, quinze dias.

Vamos começar na próxima aula a partir do art. 180. Fechamos semana que vem!! Até semana que vem.

14ª aula – 20/08/2007

...análogo a crime ou contravenção. (Muito ruído!!!) Deve o MP proceder à oitiva informal do adolescente. Cabe ao MP, à vista do auto de investigação de ato infracional, ???, adotando, após isso, uma das seguintes providências.

O MP, depois de ouvir informalmente o adolescente, poderá oferecer representação. A representação é a petição inicial da ação sócio-educativa. Ao oferecê-la, que é a petição inicial da ação sócio-educativa, o MP imputa formalmente ao adolescente, assim denominado de representado, a prática de ato infracional análogo a crime ou contravenção.

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Notem bem, essa representação, que é a petição inicial da ação sócio-educativa, deve descrever o ato infracional análogo a crime ou contravenção com todas as suas circunstâncias, imputando sua prática do adolescente.

O Estatuto do Adolescente, Lei 8.069/90, neste ponto, impõe à observância do devido processo legal. A aplicação das medidas sócio-educativas exige o devido processo legal. A Lei impõe o devido processo legal, assegurando ao adolescente o contraditório e a ampla defesa.

Por isso, essa representação tem que ser formalmente apta, tem que ser formalmente perfeita, sob pena de o juiz rejeitá-la de plano. A representação poderá ser oferecida oralmente, devendo, nesse caso, ser reduzida a termo.

Vamos ver o parágrafo 1º do art. 182: a representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária.

Oferecida à representação de que trata o art. 182, o juiz da infância e da juventude designará audiência de apresentação do adolescente. O juiz receberá a representação designando a audiência de apresentação do adolescente, decidindo, nessa oportunidade, sobre a manutenção ou decretação da internação.

O juiz, ao designar dia e hora para audiência de apresentação, decidirá fundamentadamente sobre a mantença ou decretação da internação do adolescente. Isso está no art. 184.

Tanto o adolescente como o responsável deverão ser cientificados do teor da representação, sobretudo o adolescente. O adolescente ter que ser citado e notificado, se for o caso, para comparecer à audiência de apresentação. É o que diz o parágrafo 1º do art. 184.

Se o adolescente não for encontrado para ser cientificado pessoalmente da representação, o juiz determinará a sua apreensão. Determinará a busca e apreensão do adolescente conforme prevê o parágrafo 3º do art. 184.

Na audiência de apresentação que já integra o procedimento para a imposição de medida sócio-educativa, serão ouvidos o adolescente e o seu responsável. Art. 186 do Estatuto.

Finda a audiência de apresentação, o defensor constituído ou dativo disporá do prazo de três dias para apresentar defesa prévia, podendo arrolar testemunhas independente de número. Art. 186, parágrafo 3º.

Transcorrido esse prazo contado da audiência de apresentação, haverá a chamada audiência de continuação. Na audiência de continuação, serão ouvidos em contraditório o ofendido e as testemunhas. Se houver ofendido, sua oitiva será feita nesse ato processual. Serão ouvidas as testemunhas arroladas na representação, bem como as testemunhas arroladas pela defesa prévia.

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Se tiver nos autos relatório elaborado por equipe multidisciplinar, haverá o debate, alegações finais orais, proferindo o juiz, em seguida, sentença. A sentença é proferida na própria audiência de continuação.

A audiência é rápida, sumária. Haverá duas audiências: audiência de apresentação e audiência de continuação. Tudo dentro do prazo máximo de 45 dias a contar da internação provisória do adolescente.

Essa internação provisória é uma espécie de prisão preventiva. É uma providência de natureza cautelar possível em procedimento instalado pela prática de ato infracional. Nesse caso, o procedimento deverá estar concluído no prazo máximo de 45 dias a contar da internação.

É o que prevê o art. 183: o prazo máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento, estando o adolescente internado provisoriamente, será de quarenta e cinco dias.

A extrapolação desse prazo importará na soltura do adolescente.

Uma outra questão importante sobre o procedimento judicial: o juiz da infância e juventude pode conceder ao adolescente remissão judicial como forma de suspensão ou extinção do processo para a apuração da prática de ato infracional. É a remissão como forma de suspensão ou extinção do processo de que trata o art. 188.

Art. 188: a remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo, poderá ser aplicada em qualquer fase do procedimento, antes da sentença.

Essa remissão de que trata o art. 188 é concedida pelo juiz como forma de extinção ou suspensão do processo. Ao conceder a remissão, o juiz poderá aplicar ao adolescente medida sócio-educativa. A remissão é uma espécie de perdão.

O juiz poderá aplicar ao adolescente medidas sócio-educativas que não importe em privação da liberdade de locomoção. Vale dizer que o juiz não poderá aplicar ao adolescente, ao conceder remissão, a medida de semiliberdade ou internação. É vedada a aplicação das medidas sócio-educativas de semiliberdade e internação.

Vamos ver o art. 127: A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação.

Decisão do Plenário do STF, relatada pelo Ministro Moreira Alves, se não me engano, firmou o entendimento de que a imposição de medida sócio-educativa quando da remissão concedida pelo juiz não ofende o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e o do contraditório.

Não por quê? Porque a imposição da medida sócio-educativa, quando conseqüência da remissão, não constitui maus antecedentes, ou seja, não gera maus antecedentes por não importar no reconhecimento da procedência do fato.

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Então, o juiz ao remir/perdoar o adolescente, impondo-lhe medida sócio-educativa, não estará reconhecendo, ainda que ???, a procedência da representação.

O argumento utilizado, quando se sustenta a inconstitucionalidade do art. 127, nesse particular, no que concerne à imposição de medida sócio-educativa quando da concessão da remissão judicial, é o de que a aplicação da medida importa em reconhecimento ainda que em parte da procedência da representação.

A imposição dessa medida subtrai do adolescente o direito de defesa. É que o Estatuto, seguindo a linha garantista da CFRB/88, processualizou, jurisdicionalizou a imposição de medida sócio-educativa a adolescente a quem se atribui à prática de ato infracional. Com a remissão, imposta a medida sócio-educativa, o adolescente não teria como se defender.

Mas essa norma foi considerada constitucional, foi considerada válida com a aplicação da medida sócio-educativa porque constitui interesse do próprio adolescente, sem impor-lhe medida restritiva da liberdade de locomoção.

Agora, essa remissão é a remissão judicial. É a remissão concedida pelo juiz como forma de suspensão ou extinção do processo. É a remissão de que trata o art. 188. Combinem os art. 188 com o art. 127.

Mas depois de ouvir informalmente o adolescente, ao invés de oferecer representação, o MP pode conceder-lhe remissão como forma de exclusão do processo. É a remissão de que trata o art. 180, II.

A questão aqui é saber se essa remissão concedida pelo MP produz efeitos independentemente de homologação judicial. A remissão concedida pelo MP produz desde logo efeitos? Não, essa remissão é submetida em um primeiro instante ao controle judicial.

A ação sócio-educativa é sempre pública incondicionada, ou seja, independe da declaração de vontade de quem quer que seja. Ainda que o crime análogo seja de ação pública condicionada de representação, o MP poderá promover a ação sócio-educativa independentemente da concordância do ofendido.

Pois bem, segundo ponto: qual é o princípio reitor da ação sócio-educativa? Qual princípio rege a ação sócio-educativa: princípio da obrigatoriedade ou o princípio da disponibilidade? Princípio da disponibilidade.

Por que princípio da disponibilidade e não o princípio da obrigatoriedade? Justamente porque o MP pode deixar de promover a ação sócio-educativa concedendo remissão ao adolescente. É a remissão de que trata o art. 180, II. É a remissão como forma de exclusão do processo.

Essa remissão, quando concedida pelo MP, produz desde logo efeitos ou se sujeita à homologação judicial? Essa remissão se sujeita ao controle judicial. Ela se sujeita à homologação judicial na forma prevista no art. 181.

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Art. 181: promovido o arquivamento dos autos ou concedida a remissão pelo representante do Ministério Público, mediante termo fundamentado, que conterá o resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade judiciária para homologação.

Não obstante a ação sócio-educativa seja informada pelo princípio da disponibilidade, a remissão como forma de exclusão do processo se sujeita à homologação judicial.

Bom, o juiz, se concordar com a remissão, a homologará. Se dela discordar, encaminhará os autos para consideração do Procurador Geral de Justiça que dirá a palavra final.

Por que a palavra final aqui é a do Procurador Geral de Justiça e não do Poder Judiciário? Porque essa decisão é da alçada do MP. O MP deixa de promover a ação sócio-educativa conforme lhe faculta a Lei.

É uma espécie de sistema acusatório de processo, inércia da jurisdição, no tocante à apuração dos atos infracionais análogos a crime ou contravenção.

Vamos ver o parágrafo 2º do art. 181: Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar.

Só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar. Então, se o Procurador Geral de Justiça insistir na remissão, o juiz estará obrigado a homologá-la. Por quê? Porque essa decisão é ato do Ministério Público. Não tem o juiz como compelir o MP a promover a ação sócio-educativa.

Vale dizer que a palavra final sobre a remissão concedida pelo MP, havendo discordância por parte do juiz, é do MP, é do Procurador Geral de Justiça que preserva a estrutura acusatória deste procedimento.

É preservada a estrutura acusatória do procedimento para a averiguação da prática de ato infracional informado pelo princípio do devido processo legal. É preservada a inércia da jurisdição.

Bom, mas aí surge o seguinte problema: diz o art. 126 a quem compete conceder a remissão. Vamos ler o art. 126: antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.

Essa é a remissão concedida pelo MP. De acordo com o art. 127, a remissão poderá incluir, se for o caso, medidas sócio-educativas, exceto a semiliberdade e internação. É o art. 127.

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Art. 127: a remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação.

Aqui, está a questão talvez até hoje ainda mais polêmica do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pode o MP, ao conceder a remissão, nela fazer incluir medidas sócio-educativas?

A Lei prevê essa possibilidade. Está expresso nos arts. 126 e 127. A remissão pode incluir mesmo quando concedida pelo MP. O art. 127 segue o art. 126 que trata da remissão concedida pelo MP, podendo incluir medidas sócio-educativas.

No entanto, a jurisprudência amplamente majoritária rechaça essa possibilidade por considerá-la ofensiva, principalmente, ao princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

De acordo com a jurisprudência, a aplicação de qualquer medida sócio-educativa é ato privativo do juiz que se sujeita ao devido processo legal.

E aí, tem que diga: mas, nesse caso, a remissão é homologada pelo juiz! A remissão é homologada pelo juiz, mas não tem o adolescente nesse caso como se defender da imputação. A medida sócio-educativa é imposta sem o devido processo.

Então, mesmo havendo homologação judicial, mesmo não havendo discordância por parte do juiz, a imposição da medida sócio-educativa quando da remissão retira do adolescente o direito de defesa. E mais: se houver discordância por parte do juiz, quem dirá a palavra final sobre a remissão será o próprio MP, será o Procurador Geral de Justiça.

Tudo isso, de acordo com a jurisprudência, fere o devido processo legal. O STJ editou já há muitos anos Súmula nesse sentido. Editou Súmula sobre a sua jurisprudência dominante. É a Súmula 108 do STJ. Vamos ver a Súmula 108.

Pergunta de aluno.

Resposta: quem pode conceder a remissão? O MP e o juiz. A remissão concedida pelo MP é forma de exclusão do processo, é forma de evitar que o adolescente seja formalmente submetido a um processo. Remissão como forma de exclusão do processo de que trata o art. 126.

E há a remissão concedida pelo juiz, art. 188, como forma de exclusão ou suspensão do processo. É forma de extinção ou suspensão do processo, ou seja, essa remissão do ???? pressupõe representação devidamente formalizada.

De acordo com a jurisprudência, inclusive do Plenário do Supremo, o juiz pode, ao conceder a remissão judicial, aplicar ao adolescente medidas sócio-educativa que não importem em privação da liberdade de locomoção, ou seja, são vedadas as medidas sócio-educativas da internação e da semiliberdade. Arts. 188 e 127 do Estatuto.

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É ato do juiz que não fere, de acordo com o Supremo, a Constituição, não fere o princípio do devido processo, da ampla defesa e do contraditório.

Já o MP não pode subordinar, condicionar a remissão ao cumprimento pelo adolescente de medidas sócio-educativa. O MP, se pretender impor ao adolescente medidas sócio-educativa, terá que formalizar a representação. Ele terá que submetê-la ao devido processo legal.

O MP pode conceder a remissão. Quanto a isso, não há dúvida alguma. É como forma de exclusão do processo. Mas não pode, de acordo com a orientação jurisprudencial majoritária, impor neste ato ao adolescente medida sócio-educativa.

Vamos ver a Súmula 108. Súmula 108 do STJ: a aplicação de medidas sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.

E mais: exige processo. É um dado fundamental: exige processo. Eu particularmente penso que essa orientação devia ser revista, sobretudo, porque hoje a legislação penal brasileira admite, nas infrações de menor potencial ofensivo, a transação penal.

Essa remissão aí poderia ser vista, subordinando-se evidentemente à concordância do adolescente, a uma espécie de transação. ???, de acordo com a jurisprudência tranqüila, as medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95 como transação penal, suspensão condicional do processo, acordo civil como causa de extinção da punibilidade são inaplicáveis aos atos infracionais praticados por adolescente.

A sistemática da Lei 9.099/95 que prevê as medidas despenalizadoras não se aplica ao processo para apuração da prática de ato infracional por adolescente. Não, por quê? Não porque o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, já contém disposições específicas que afastam a obrigatoriedade da ação sócio-educativa. Tem remissão como forma exclusão, suspensão ou extinção do processo.

Pergunta de aluno.

Resposta: não, porque essa remissão não é vista, não é admitida, sequer para que haja imposição de medida sócio-educativa, como transação. A remissão é ato do MP do qual não participa o adolescente. Participa o juiz que exerce o controle da oportunidade e da conveniência da remissão. Participa o juiz, em um primeiro momento, mas não o adolescente.

O adolescente não é chamado para aceitar ou recusar a remissão. O MP simplesmente deixa de oferecer a representação concedendo remissão. A remissão é uma espécie de ato unilateral. Não é um ato consensual. Não é um ato cujos efeitos dependam da aceitação do adolescente.

O MP simplesmente se utiliza da faculdade que o Estatuto lhe confere de deixar de promover a ação sócio-educativa. O MP pode deixar de promover a ação sócio-educativa - daí o princípio da disponibilidade – optando por conceder ao adolescente remissão. Remissão que não pode, de acordo com os tribunais, vir acompanhada da imposição de medida sócio-educativa.

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Pergunta de aluno.

Resposta: muitas vezes há, outras não. Se houver recurso, os tribunais todos seguem a jurisprudência do STJ. Súmula 108.

Outra possibilidade é a representação, remissão e arquivamento do auto de investigação do ato infracional ou peça de informação semelhante que noticia a prática de ato infracional.

O arquivamento segue uma sistemática semelhante a do art. 28 do Código, ou seja, em um primeiro momento, há um controle judicial do arquivamento que poderá ensejar uma espécie de controle administrativo, controle interno feito no âmbito do MP pelo chefe da instituição.

São os parágrafos 1º e 2º do art. 188, ou seja, o arquivamento se sujeita à homologação judicial. Se o juiz ???, quem dirá a palavra final será o Procurador Geral de Justiça. É o parágrafo 2º do art. 188.

Bom, para finalizar e passar para a Lei de Licitações, dois aspectos importantes do Estatuto da Criança e do Adolescente examinados a luz do novo Código Civil que estabelece a maioridade a partir dos 18 anos. Art. 5º do Código Civil em vigor.

Bom, a primeira questão é saber se o art. 5º revogou, ainda que tacitamente, o art. 121, parágrafo 5º do Estatuto. O parágrafo 5º prevê a liberação compulsória do adolescente internado aos 21 anos.

É o parágrafo 5º examinado a luz do parágrafo 3º. O parágrafo 3º diz: em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

O período máximo de internação que é a medida mais severa em hipótese alguma excederá o período de três anos. É o parágrafo 3º do art. 121. Ao completar 21 anos, o adolescente será compulsoriamente liberado.

Bom, a questão aqui é saber se desapareceu a possibilidade da internação do adolescente entre 18 e 21 anos. A internação terá o prazo máximo de três anos e poderá estender-se até que o adolescente complete 21 anos. Art. 121, parágrafo 3º.

Há quem entenda – orientação minoritária – que o novo Código Civil revogou nesse ponto o Estatuto da Criança e do Adolescente. Toda e qualquer medida sócio-educativa, inclusive a internação, somente poderá ser aplicada até os 18 anos. Até a maioridade.

Esse entendimento é um absurdo, é um contra-senso porque aí o sujeito que praticasse ato infracional na véspera de completar 18 anos não receberia nenhuma resposta do Estado pela prática da sua conduta. Ele permaneceria absolutamente impune.

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A maioridade civil nada tem a ver com o critério cronológico que o Estatuto da Criança e do Adolescente adota. A Lei pode inclusive – e se cogita disso no Congresso Nacional – prever a imposição de medidas sócio-educativas à pessoa maior de 21 anos, desde que ao tempo da prática do ato essa pessoa fosse menor de 18 anos.

O que se leva em conta para a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente para imposição dessas medidas sócio-educativas é a idade do adolescente ao tempo da prática do ato infracional. O legislador pode ampliar esse período que hoje vai até os 21 anos até 25 anos que é a idade possível de se estender a medida sócio-educativa.

Pergunta de aluno: isso é um projeto?

Resposta: é um projeto. Hoje, pela Lei em vigor, a medida sócio-educativa de internação pode se estender até os 21 anos.

Ao completar 21 anos, independentemente de qualquer outra consideração, o adolescente será imediatamente liberado. Se for mantido internado, haverá constrangimento ilegal remediado pelos habeas corpus, sem prejuízo de apuração do crime, se não me engano, do art. 243 do Estatuto.

Se a pessoa permanecer internado após completar 21 anos com medida sócio-educativa imposta pela prática de ato infracional, haverá constrangimento ilegal sanado pelo habeas corpus. Haverá constrangimento ilegal sanado pelo habeas corpus sem prejuízo da apuração de crime próprio do Estatuto.

Bom, outra questão polêmica: a Lei prevê a possibilidade da internação que é a medida sócio-educativa mais grave até os 21 anos. Indaga-se: e a medida de semiliberdade? A semiliberdade é, depois da internação, a medida sócio-educativa mais gravosa. Ambas, semiliberdade e internação importam em restrição da liberdade de locomoção do adolescente.

A internação pode se estender até os 21 anos. E a semiliberdade? Há duas orientações. Uma é amplamente majoritária. É a posição, por exemplo, do STF. Há acórdão recente relatado pelo Ministro Lewandowski nesse sentido.

De acordo com o Supremo, tanto a internação quanto à semiliberdade podem estender-se até os 21 anos. Para o Supremo, não é uma interpretação, em tese, desfavorável ao adolescente do art. 121, parágrafo 5º. Isso, de acordo com o Supremo, está contido no próprio parágrafo 5º.

Se a Lei admite internação até os 21 anos, é intuitivo que se possa manter a semiliberdade até esse período de tempo, até que o adolescente complete 21 anos.

Não é apenas a internação que pode estender-se até os 21 anos. A semiliberdade que é a outra forma de restrição da liberdade de locomoção do adolescente pode igualmente estender-se até essa idade. Ao completar 21 anos, o adolescente que estiver internado ou em semiliberdade será liberado. Ele não estará mais sujeito a ??? da Infância e da Juventude.

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Pergunta de aluno.

Resposta: isso. O parágrafo 2º do art. 120 diz: a medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação. “No que couber” alcança o parágrafo 5º que é o período de duração ???.

A tese mais liberal diz que “no que couber” é no que couber, salvo quanto ao tempo de duração. O tempo máximo de duração seria até os dezoito anos.

“No que couber” de acordo com o Supremo, ??????, isso decorre de interpretação lógico-sistemática do Estatuto, o “no que couber” diz respeito inclusive ao tempo de duração da medida. O máximo de três anos e até os 21 anos é o tempo de duração tanto da semiliberdade como da internação.

O que não se admite é que a semiliberdade e a internação excedam três anos. Essas medidas não podem exceder a três anos, mas podem estender-se até o sujeito completar 21 anos.

Pergunta de aluno.

Resposta: cabe até os dezoito anos. Ao completar os 18 anos, o sujeito estaria isento da ??? do Juízo da Infância e Juventude. Com 18 anos haveria extinção automática da medida sócio-educativa.

Mas para o Supremo, não. Tanto para o Supremo quanto para os tribunais em geral, essas medidas que têm o prazo máximo de duração de três anos se estendem até que a pessoa complete 21 anos.

Penso – e há precedente nesse sentido – que o processo para imposição da medida sócio-educativa pode se iniciar inclusive depois de o sujeito ter completado 18 anos, desde ao tempo da prática do ato infracional fosse ele menor de 18 anos.

Se não a maioridade serviria como uma extinção da punibilidade e não é isso que o Estatuto prevê. Na verdade, essas medidas ???????. Elas se sujeitam ao prazo máximo de duração de até três anos e são aplicáveis até os dezoito anos, salvo essas hipóteses de serem aplicadas e executadas entre 18 e 21 anos.

Pergunta de aluno.

Resposta: não há previsão de ação sócio-educativa privada subsidiária da pública. A Lei não prevê essa possibilidade. A ação é pública e incondicionada. Não há nem ação privada, nem ação privada subsidiária em matéria de medida sócio-educativa.

Pergunta de aluno.

Resposta: não tem prescrição. Até 18 anos, pode ????. Essas duas podem ser aplicadas e executadas até completar 21 anos. A prescrição, na verdade, é a maioridade. Completando 18 anos, não estará mais sob a jurisdição do Juízo da

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Infância e Juventude, salvo no tocante à medida de semiliberdade e internação que podem ser aplicadas até os 21 anos.

Pergunta de aluno.

Resposta: prazo prescricional pela metade é no direito penal quando o réu for menor de 21 anos, mas é lá no direito penal, não aqui no processo para apuração de ato infracional.

Pergunta de aluno.

Resposta: se você aplicar prescrição às medidas sócio-educativas você não vai aplicar nunca essas medidas.

Pergunta de aluno. (debates entre os alunos e o professor)

Resposta: posso até ver, mas reduzir pela metade é na prescrição penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: bom, o STJ mudou a composição, vou ver. Agora, como é que você vai aplicar a prescrição penal em medida sócio-educativa? Resposta de aluno.

Bom, o sujeito pratica lesão corporal. Na lesão corporal, a prescrição é de quatro anos. Ele pratica com dezessete anos. Não tem como! Não tem mais medida sócio-educativa.

Pergunta de aluno.

Resposta: aplica-se o prazo prescricional pela metade?!? Resposta de aluno. Eu vou ver melhor!

Pergunta de aluno.

Resposta: mas aí teria que estar na súmula. Mas se estivesse na súmula...

Pergunta de aluno.

Resposta: todos falando ao mesmo tempo!!! Como é que vai aplicar a prescrição pela metade do Código Penal! ??????

Os acórdãos que eu conheço anteriores ?????. Continua valendo o prazo da prescrição contado pela metade ao menor de 21 anos, continua valendo a possibilidade de semiliberdade e internação até os 21 anos. Agora, prescrição penal no Estatuto é complicado. Eu vou ver melhor. Confesso que eu...

Pergunta de aluno.

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Resposta: Súmula 338 de maio de 2007 diz: a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas. Manda aplicar pela metade? Bom, vou ver isso. Manda aplicar pela metade ao argumento de que o Código Civil não revogou o Código Penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: é, mas aí é aquilo que eu falei antes. Só pode ser. Mas aí não tem nada a ver com a prescrição penal. Aí, o prazo é aos 18 anos. Aí, é o que eu falei: essas medidas prescrevem aos 18 anos.

Eu posso marcar uma aula só para isso! O que a súmula diz é que as medidas sócio-educativas estão sujeitas à prescrição. Não é a prescrição penal, é a prescrição, vamos dizer, da pretensão do Estado em impor a medida sócio-educativa que não é pretensão punitiva. É uma prescrição sócio-retributiva. Até aí, tudo bem. Ela se dá aos 18 anos.

Agora, alguns admitem e eu particularmente penso assim que a medida sócio-educativa pode ser aplicada ao adolescente mesmo após ele haver completado 18 anos, desde que, ao tempo da prática do ato, ele fosse menor de 18 anos.

O que a Súmula diz, acredito eu, é que não. É que essas condutas têm que ser apuradas até ele completar 18 anos. Agora, se for aplicar a tabela da ???, não tem como aplicar nenhuma medida.

O sujeito praticou o ato infracional análogo a crime ou contravenção antes de completar 18 anos. Essas medidas têm que ser aplicadas até os 18 anos, sob pena de prescrição. Aplicadas até os 18 anos, essas duas, semiliberdade e internação, podem estender-se até os 21 anos. ????, mas a medida tem que ser aplicada até o 18 anos sob pena de prescrição.

Pergunta de aluno.

Resposta: não é penal. É prescrição da medida sócio-educativa. Agora, não é para trazer para o Estatuto os prazos prescricionais do Código Penal. É inviável.

Pergunta de aluno.

Resposta: você tem que aplicar até os 18 anos. Professor e alunos falando ao mesmo tempo!

Para salvar a aula e a turma, você falou em aplicar a prescrição. Não é aplicar a tabela de prescrição. É considerar a prescrição da medida sócio-educativa. Ela tem um tempo de prescrição? Tem. Qual é? 18 anos. A medida tem que ser imposta até os 18 anos, podendo ser executada, no caso de semiliberdade e internação, até os 21 anos.

Entendeu? Ela tem que ser aplicada até os 18 anos. Aí, vem esse raciocínio: se ele comete o ato infracional na véspera de completar 18 anos, não sofrerá imposição de medida.

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Agora, sobre essa Súmula, vou ver isso melhor, porque me interessa muito. Agora, o entendimento do STJ ????, porque conduz a situações anormais e absurdas que é o sujeito permanecer absolutamente impune em virtude do tempo da prática do ato infracional.

Mas aí é outra questão. Prescreveu aos 18 anos, a maioria admite. Eu é que digo que, por coerência, já que essa medida pode ser executada até os 21 anos porque o que se leva em conta aqui é a idade do sujeito ao tempo da prática do ato infracional, o processo poderia ser instaurado mesmo depois que o sujeito tivesse completado 18 anos, até os 21 anos.

Por quê? Porque essas medidas só vão até os 21 anos. Entre 18 e 21, o processo poderia ser instaurado para ????. Agora, não é trazer para as medidas sócio-educativas os prazos de prescrição do Código Penal.

Pergunta de aluno.

Resposta: eu penso, ????, que a medida pode ser aplicada e executada até os 21 anos. Ela pode ser aplicada mesmo depois de o sujeito completar 18 anos, desde que ao tempo do crime ele tivesse 18 anos.

Eu confesso que eu nem vi essa Súmula e olha que eu revi a matéria. Como está na Súmula, ao que me parece, a medida tem que ser aplicada até os 18 anos sob pena de prescrição.

É que ela diz que a prescrição penal incide nas medidas sócio-educativas. Mas não é a prescrição penal, é a prescrição da medida sócio-educativa.

Pergunta de aluno.

Resposta: o art. 121, parágrafo 5º permite a internação até os 21 anos. Isso não há dúvida. Agora, o que a Súmula parece sugerir é que a medida tem que ser aplicada até os 18. Se até os 18 anos não terminar o processo e não houver sentença impondo a medida até os 18 anos, ocorre a prescrição.

Agora, contar a metade, não, porque não é contar o prazo prescricional. Essa história de contar a metade é na discussão sobre o Código Civil e o Código Penal. Continua valendo a redução do prazo prescricional previsto no Código Penal se o réu ao tempo do crime for menor de 21 anos. Não houve nenhuma alteração em função do novo Código Civil.

Agora, aqui, não. Aqui, você não aplica o prazo prescricional do Código Penal. Aqui, você aplica a prescrição. Quando? Aos 18 anos. É outra coisa.

Você não tem que levar em conta a data na sentença. Você leva em conta a idade dele ao tempo da prática do ato. Se não, o sujeito que cometer o ato com 16 ou 17 anos, ou seja, próximo dos 18 anos, permanecerá impune.

Pergunta de aluno.

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Resposta: não, porque não se sujeita ao contraditório.

Pergunta de aluno.

Resposta: depois de ouvir o adolescente em juízo, com base naquelas declarações prestadas ????.

Pergunta de aluno.

Resposta: a prova emprestada é até admitida no processo penal desde que não possa ser produzida em juízo. Só se admite prova emprestada de outro processo quando a prova não pode ser produzida em processo penal. As declarações do adolescente, em regra, podem ser colhidas pelo juiz criminal.

Bom, vamos ver agora os aspectos penais da Lei de Licitações, Lei 8.666/93. Eu não vou falar sobre licitação. Vou falar sobre os aspectos penais da Lei de Licitação.

Os contratos administrativos devem, em regra, ser precedidos de procedimento licitatório. É a licitação prévia como diz o art. 37, XXI da CFRB/88.

Estão sujeitos à Lei de Licitações, neste ponto, no que concerne ao contrato administrativo, a administração direta e indireta. Tanto a administração direta quanto à administração indireta se sujeitam (art. 2º) à disciplina da Lei 8.666/93. Estão incluídas as empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações.

Toda a estrutura penal da Lei 8.666/93 se destina a preservação da higidez dos procedimentos licitatórios e ulteriores contratos administrativos que venham a ser efetivados, celebrados.

Bom, de todos os crimes, o mais importante – se é que se pode falar em grau de importância em relação a qualquer espécie de infração penal – é o do art. 89. É o crime mais comum da Lei de Licitações.

Art. 89: dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.

Dispensar ou inexigir a licitação fora das hipóteses previstas em lei é a primeira parte do artigo. A regra é a exigência do prévio procedimento licitatório. A licitação somente pode ser dispensada nas hipóteses expressamente previstas no art. 24.

Aqui, um parêntese: há um entrelaçamento absoluto entre as normas penais e disposições administrativas da Lei de Licitações. Não há como interpretar essa figura típica senão a luz das disposições do procedimento licitatório.

A Lei só autoriza a dispensa de licitação, que é ato discricionário, nas hipóteses previstas no art. 24. Esse tipo incriminador do art. 89 é uma espécie de norma penal em branco. A dispensa de licitação está prevista no art. 24 e a inexigibilidade de procedimento licitatório está prevista no art. 25.

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Bom, não vou entrar nas questões de direito administrativo. Aliás, se vocês quiserem aprender questões sobre a Lei de Licitações, eu proponho as aulas do Professor Luis Oliveira. Não vou entrar nas questões mais aprofundadas de administrativo.

Mas a doutrina se divide sobre a natureza do rol do art. 25 que trata da inexigibilidade de licitação. Para alguns, esse rol é taxativo, absolutamente taxativo.

O doutrinador de direito penal Paulo José da Costa Júnior e ????, que são os autores mais festejados de direito penal em licitações, sustentam que as hipóteses de dispensa e inexigibilidade são taxativas. A doutrina de direito penal diz que o rol desses artigos é taxativo, não podendo ser ampliados.

Mas entre os doutrinadores de direito administrativo, prevalece o entendimento de que taxativo é o rol do art. 24 que trata de dispensa de licitação. Eu não concordo, eu penso que ambos são taxativos.

O rol do art. 25 não teria essa característica porque a ausência de competição, a impossibilidade de se estabelecer competição é motivo de inexigibilidade da licitação. Na ausência de competidores, não há como se exigir licitação.

Bom, qual é o bem jurídico que a Lei tutela nos tipo incriminador do art. 89? O bem jurídico é a administração pública. Esse crime atinge os interesses da administração pública. É crime, portanto, contra a administração pública na vertente da moralidade e probidade dos atos administrativos.

A Lei quer proteger a moralidade e probidade da administração pública. Protege também o erário. Tutela o patrimônio público. Não falem em “erário público”, porque erário é dinheiro público.

Então, aqui a Lei protege o erário, protege todo o dinheiro da administração pública. Mas a tutela penal está voltada precipuamente para a moralidade e probidade da administração.

Por quê? Porque esse crime do art. 89 se consuma ainda que não haja efetivo prejuízo para a administração pública, ainda que da celebração do contrato com dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação não resulte prejuízo patrimonial para a administração pública.

Mas haverá sempre prejuízo para a probidade e para a moralidade do ato administrativo. É a ofensa aos princípios da administração pública estampados no art. 37 da CFRB/88.

Bom, neste caso em que o bem jurídico penalmente tutelado é a administração, quem é o sujeito passivo desse crime do art. 89? O sujeito passivo é a própria administração.

Quando se tratar de crime do art. 89 praticado em detrimento da União, a competência para respectivo processo e julgamento será da justiça federal. Art. 109,

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IV da CFRB/88. Nos demais casos, ou seja, se for administração pública estadual ou municipal, a competência será da justiça estadual.

Quem é o sujeito ativo desse crime do art. 89? O sujeito ativo é, de acordo com a doutrina, o funcionário público que disponha do poder de dispensar ou inexigir a licitação. O sujeito ativo é o servidor público punido, portanto, por crime funcional.

O sujeito ativo é o chefe do poder. É o chefe do poder executivo: presidente, governador, prefeito. No poder judiciário, presidente do tribunal. No poder legislativo, presidente da assembléia, presidente da Câmara, presidente do Senado. No MP, procurador geral. Mas melhor falar aqui no sujeito ativo como ordenador da despesa.

Nem sempre o ordenador da despesa, a depender da estrutura administrativa, é o chefe do poder. Essa tarefa é, no mais das vezes, delegada a secretários. Então, o sujeito ativo desse crime é o ordenador da despesa.

Agora, o particular pode concorrer para a prática desse crime do art. 89 que é crime funcional? Pode concorrer para a prática desse crime.

Então, o particular pode ser apontado como partícipe do crime do art. 89. Mas ele, particular, pode ser sujeito ativo de um crime autônomo. Na verdade, é esse mesmo crime na modalidade prevista parágrafo único do art. 89.

O particular aqui a que se refere o parágrafo único do art. 89 é o beneficiário da celebração do contrato com a dispensa ilegal de licitação.

Vamos ver o caput do art. 89: dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único do art. 89: na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

De acordo com a doutrina, o particular a que se refere o parágrafo único do art. 89, ou seja, particular que celebra contrato com a administração pública beneficiando-se da dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação é sujeito ativo de crime autônomo.

O particular beneficiário da dispensa ou inexigibilidade irregular de licitação não é co-autor ou partícipe do crime do caput do art. 89. Ele é, apesar da má técnica legislativa, sujeito ativo de crime autônomo incurso nas mesmas penas a que se sujeita o funcionário público.

O particular pode aparecer como partícipe do crime do caput ou figurar como sujeito ativo do crime autônomo do parágrafo único.

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Há um outro aspecto fundamental aqui que precisa ser considerado: na hipótese do art. 89, a ilicitude penal e a ilicitude administrativa são indissociáveis.

Por quê? Porque esse comportamento do caput do art. 89 configurará sempre ilícito administrativo sujeitando o servidor público às sanções administrativas previstas em Lei. Configura ainda o ilícito penal do art. 89.

Não há como dissociar o ilícito administrativo do ilícito penal nem o ilícito penal do ilícito administrativo. Esse comportamento constitui a um só tempo ilícito penal e ilícito administrativo.

Bom, então, a primeira parte do art. 89 trata da dispensa ou inexigibilidade da licitação feita fora dos casos previstos em Lei. A segunda parte trata da dispensa ou inexigibilidade feita sem observância das formalidades legais. São as formalidades previstas no art. 26.

Vamos ver o art. 89: dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.

Essas formalidades estão previstas, se não me engano, no art. 26. Vejam bem: o crime aí se consuma pela simples inobservância das formalidades atinentes à dispensa ou inexigibilidade da licitação.

Ainda que a licitação seja efetivamente dispensa a critério do administrador – critério discricionário - ou inexigível, haverá crime se não tiver sido observado o procedimento de dispensa ou inexigibilidade previsto em Lei.

Pergunta de aluno.

Resposta: a ignorância não configura. Todos os crimes da Lei de Licitações são puníveis na modalidade dolosa e não na modalidade culposa. Então, o crime tem que ser culposo.

Vejam bem: a ignorância por si só não configuraria. Não há punição dessas condutas a título de culpa. Agora, o sujeito não pode invocar ignorância para eximir-se de responsabilidade penal. Se não, também seria fácil dizer que não conhecia a Lei.

Mas vamos chegar a um ponto mais específico do crime do art. 89. Uma das formalidades da dispensa ou inexigibilidade é o parecer jurídico.

Vamos ver o art. 38, parágrafo único: as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.

É a reserva de mercado do advogado. É o parecer jurídico da assessoria jurídica da administração. Aí surge uma questão importante: essa é uma formalidade essencial, porque a dispensa ou inexigibilidade de licitação tem que ser precedida de

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procedimento onde será justificada, motivada e fundamentada a dispensa ou inexigibilidade de licitação.

Bom, o Procurador do Estado ou do Município pode ser sujeito ativo do crime do art. 89? Poder pode, mas esse crime é doloso. O advogado, consultor jurídico, tem liberdade para emitir sua opinião sobre os fatos sob consulta.

O advogado é um técnico. Eventual erro profissional, eventual erro técnico desacompanhado de dolo próprio do crime não configura o crime do art. 89.

Isso tem que aferido casuisticamente, porque muitas vezes o Procurador está mancomunado com o ordenador de despesa. Caso em que aparecerá como partícipe do crime. Agora, é preciso fazer a prova do dolo.

É comum o ordenador de despesa investigado ou acusado no caso de denúncia já oferecida basear sua defesa ??? que seguiu a orientação de sua assessoria jurídica. Aí, é preciso verificar caso a caso, porque ambos poderão ser responsabilizados pela prática do crime do art. 89.

Pergunta de aluno.

Resposta: é crime próprio, ??? mão própria. O crime de mão própria é o crime de atuação pessoal. O crime nas modalidades de dispensar ou inexigir licitação é de mão própria. O ordenador de despesa tem o poder de dispensar ou inexigir o procedimento licitatório.

Agora, isso não impede que o particular seja apontado como partícipe do delito. Não pode como co-autor porque ele não pode executar o ato formal de dispensa ou inexigibilidade da licitação. Mas ele pode configurar como partícipe.

Bom, vamos duas outras questões. Quando o sujeito dispensa ou deixa de exigir a licitação fora dos casos previstos em Lei, ou seja, fora, portanto, das hipóteses previstas nos arts. 24 e 25, desde que presente o dolo, não há dúvida que está configurado o crime do art. 89.

Isso porque o sujeito deixou de fazer a licitação fora das hipóteses previstas em Lei. Agora, e quando o sujeito fundamenta a dispensa ou a inexigibilidade da licitação em uma das hipóteses dos arts. 24 e 25 da Lei, o que acontece?

A fundamentação legal correta sobre a dispensa ou inexigibilidade afasta a possibilidade de caracterização do crime do art. 89? Não. Por quê? Porque é preciso identificar a correspondência entre a situação fática e a Lei.

O que ocorre muitas vezes é que a situação de fato não se adequa às hipóteses previstas em Lei. A desconformidade entre o fato e a Lei importa no reconhecimento ainda que em tese do crime do art. 89. Então, não basta que o sujeito invoque o dispositivo legal. É preciso que o fato guarde correspondência com a hipótese prevista em Lei.

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Bom, alguma pergunta sobre o crime do art. 89? Ele é o crime mais grave. Pena de detenção de três a cinco anos e multa. Vale dizer que o crime do art. 89 não admite nenhuma das medidas despenalizadoras da Lei 9.099.

Não, por quê? Porque a pena mínima é superior a um ano e a máxima é superior a dois anos. Além disso, a multa está prevista cumulativamente.

Aliás, uma observação: o Supremo decidiu agora recentemente que se houver previsão alternativa de multa para o delito será possível a suspensão condicional do processo ainda que a pena privativa de liberdade cominada no mínimo exceda um ano.

Aí, você tem que levar em conta a pena menos rigorosa que é a pena de multa. Quando a multa está cominada alternativamente, quando a multa não é prevista cumulativamente, é cabível a suspensão condicional do processo ainda que a pena mínima cominada para a pena privativa de liberdade ultrapasse um ano.

Alunos falando junto com o professor!

Vamos passar para o art. 90: frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

Esse é dos crimes da Lei de Licitações talvez a preferência dos particulares e de alguns servidores públicos. Primeira observação que tem que ser feita: de acordo com a doutrina, o sujeito ativo desse crime é o particular, mas não só o particular.

É que o particular pode fraudar o procedimento licitatório em conluio com o servidor público. Esse não é um crime apenas do particular contra a administração. O servidor público pode agir em concurso com o particular respondendo pelo crime do art. 90.

Há várias modalidades de fraude do procedimento licitatório que vão encontrar tipicidade no art. 90.

Vamos ver o art. 91: patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário.

Esse é um crime de advocacia administrativa. É o servidor público que, se valendo da sua condição funcional, patrocina perante a administração pública interesse privado.

Vejam bem: duas ou três observações importantes acerca do crime do art. 91. Primeira: há um conflito aparente entre o tipo do art. 91 e o inciso do art. 321 do Código Penal que trata do crime de advocacia administrativa.

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Esse conflito aparente se resolve pelo princípio da especialidade, ou seja, quando esse comportamento for praticado em procedimento licitatório, o crime será da Lei especial.

Mas aqui há uma peculiaridade nesse crime: a caracterização do crime depende de o poder judiciário anular o ato administrativo, invalidar o contrato administrativo.

Vamos ver de novo o art. 91: patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário.

Ou seja, a punição desse comportamento se subordina à invalidação do ato administrativo pelo poder judiciário. Esse crime é punido mais severamente do que o crime do art. 321 do Código.

Há uma outra advocacia administrativa na Lei 8.137/90. Está no art. 3º, III. É outro crime análogo ao crime do art. 321. É a advocacia administrativa punida mais severamente.

Vamos ver o art. 92: admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei.

É crime funcional. É crime de responsabilidade de funcionário público.

Muito bem, vamos ver o art. 93: impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório.

Esse tipo do art. 93 derrogou, para alguns, e, para outros, revogou totalmente o art. 335 do Código Penal. Para muitos – é a opinião do Damásio – houve revogação completa do art. 335. Para outros, houve derrogação, ou seja, revogação parcial. É a questão mais importante aí: o confronto entre o art. 93 e o art. 335 do Código Penal.

Art. 94: devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo.

Essa é uma espécie de violação de sigilo funcional que tem como correspondente no Código Penal o art. 326. Esse artigo revogou o art. 326. É Lei penal especial.

Vamos ler de novo o art. 94: devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo.

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“Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório”. Quem é o sujeito ativo desse crime? Servidor público. É crime próprio. É crime de responsabilidade do funcionário público.

“Ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo”. O terceiro aqui pode ser particular interessado no procedimento licitatório. Devassar é conduta do servidor público. E proporcionar a terceiro é conduta do servidor que beneficia o particular. É ato bilateral entre o servidor público e particular.

Art. 95: afastar ou procura afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo.

Esse também tem correspondente no art. 335. É Lei penal especial que afasta nesse ponto a aplicação do art. 335.

Parágrafo único do art. 95: incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida.

Derroga o Código Penal.

Art. 96: fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente (aí vêm as condutas nos incisos).

?????

Comentários de uma aluna: inclusive no inciso V vai ter a pena mais grave dessa parte de licitação que é detenção de três a seis anos e multa.

Art. 97: admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo.

Primeiro tem que haver o processo de declaração de inidoneidade do procedimento. A legislação impõe procedimento prévio declarando a inidoneidade da empresa ou da pessoa para contratar com a administração pública.

Parágrafo único do art. 97: incide na mesma pena aquele que, declarado inidôneo, venha a licitar ou a contratar com a Administração.

Art. 98: obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito.

Também é crime funcional.

Art. 99: a pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente.

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Esse último artigo tem correspondência com o art. 358 do Código Penal.

Agora, para finalizarmos, vamos examinar o art. 83 da Lei que é uma das questões mais importantes sobre fraude à licitação.

Art. 83: os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo.

O art. 83 inclusive ??? os artigos que tratam das disposições penais da Lei. Mas o art. 83 prevê, no caso de condenação de funcionário público (a própria Lei dá o conceito de funcionário público), que o funcionário público perderá o cargo, emprego, função ou mandato.

Duas orientações acerca desse tema. No sistema do Código Penal, art. 92, a perda do cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo é efeito da condenação no caso de pena aplicada ao réu superior a um ano. Pena aplicada ao réu superior a um ano motivadamente. Isso não é efeito automático.

Então, o juiz motivadamente poderá decretar a perda do cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo. Mas a condenação tem que ter pena superior a um ano.

Aqui, a condenação por crime dessa Lei, independentemente da pena aplicada, geraria automaticamente o que alguns preferem chamar de efeito genérico da condenação e o que outros preferem falar em pena acessória. A condenação a crime da Lei geraria a perda do cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo.

Pergunta de aluno.

Resposta: seria uma pena acessória ou efeito automático da condenação, ou seja, o juiz não precisa declarar a perda do cargo motivadamente. Essa seria uma decorrência da condenação independentemente da pena aplicada.

Doutrina e jurisprudência se dividem. Elas se dividem porque a Lei que alterou o art. 92 do Código Penal é de 1996, ou seja, é posterior à Lei de Licitações. Está no art. 92, parágrafo 1º, I se não me engano. Essa Lei de 1996 foi editada três anos depois da Lei de Licitações. É a Lei 9.268/96.

Bom, rapidamente, vamos ver o procedimento penal dos crimes da Lei de Licitações. Há crimes que se enquadram no conceito de infração de menor potencial ofensivo – pena máxima até dois anos. É só ver qual é a pena máxima cominada.

Em relação aos crimes da Lei de Licitações cuja pena máxima cominada não exceder dois anos, a competência será do juizado especial criminal, estadual ou federal, observando o procedimento sumaríssimo da Lei 9.099/95.

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Nos demais casos, será seguido o procedimento previsto nos arts. 100 e seguintes da Lei de Licitações. Vamos ver rapidamente para conhecer e entender o procedimento do processo penal dos crimes da Lei de Licitações.

Recebida a denúncia, está no art. 104, o acusado será citado e interrogado, dispondo a partir daí o prazo de dez dias para apresentar defesa prévia. O prazo de defesa prévia aqui é de dez dias a contar do interrogatório.

No processo penal dos crimes da Lei de Licitações, o MP e o acusado, cada qual poderá arrolar até cinco testemunhas, o MP ao oferecer denúncia e o acusado na defesa prévia.

O MP e o acusado poderão requerer diligências. O MP poderá requerer ao oferecer a denúncia e o acusado na defesa prévia. Diligências requeridas pelo MP quando do oferecimento da denúncia está no art. 399 do Código de Processo Penal. Pelo réu, quando da defesa prévia, art. 104.

Findo o prazo da defesa prévia, haverá uma audiência para inquirição das testemunhas. Serão inquiridas em audiências sob contraditório as testemunhas arroladas pelo MP e réu.

Ouvidas as testemunhas e realizadas as diligências deferidas pelo juiz, vale dizer, concluída a instrução criminal probatória, passa-se a fase das alegações finais escritas no prazo de cinco dias previsto no art. 105. Por fim, sentença.

É um procedimento concentrado. É importante saber que se a pena mínima cominada não for superior a um ano, será possível a suspensão condicional do processo.

Alguma pergunta? Bom, concluímos aí o programa. Podemos marcar uma aula para segunda-feira. Aí, vou ver essa Súmula direito e falar sobre a delação premiada.

15ª aula – 27/08/2007 (última)

Boa noite. Ficamos de falar especificamente sobre a Súmula 338 do STJ. De acordo com a Súmula 338, a prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente. É isso que diz a Súmula.

Muito bem, lendo o paradigma, lendo os acórdãos que serviram de base para a edição da Súmula, vejo na leitura desses acórdãos que o STJ estende todo o regramento da prescrição, todas as regras concernentes à prescrição penal às medidas sócio-educativas, inclusive a regra constante do art. 106 do Código Penal que prevê a redução do prazo prescricional à metade quando o réu ou autor do ato infracional for menor de 21 anos.

Ou seja, em se tratando de ato infracional análogo a crime ou contravenção, aqueles prazos prescricionais do art. 109 serão sempre reduzidos à metade.

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Aí disso, se verifica o seguinte: o prazo máximo da medida sócio-educativa de internação que é a medida sócio-educativa mais gravosa é de três anos. Nós estamos tratando de ato infracional. Caso se tratasse de crime, a prescrição se daria em oito anos de acordo com o art. 109, IV.

Prazo de oito anos porque o máximo da pena, ou melhor, da medida sócio-educativa superior a dois anos não excede quatro anos. Assim, quando se tratar de adolescente, esse prazo será contado da metade. Logo, o prazo máximo da prescrição é de quatro anos.

Quando se tratar da medida sócio-educativa de liberdade assistida, quando aplicada no prazo mínimo que é a regra de seis meses, art. 118, parágrafo 2º, a prescrição ocorrerá em seis meses. Ela ocorreria em um ano. Mas o prazo reduzido da metade seria de seis meses.

Quer dizer, basta, nesses casos, o adolescente se evadir. Se o adolescente se evadir e a recaptura não ocorrer dentro do prazo de seis meses, ocorrerá a prescrição.

Agora, que espécie de prescrição? Aqui, não se pode falar em prescrição da pretensão punitiva e tampouco prescrição da pretensão executória. É prescrição da medida sócio-educativa.

Agora, repito: os tribunais estaduais, inclusive o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul, não admitem a aplicação da regra da prescrição aos atos infracionais do Estatuto da Criança e do Adolescente.

É o STJ que vem admitindo essa possibilidade. Há duas decisões mais antigas do STJ. A primeira é de 2005 e a outra é de agora mais recente aplicando ao Estatuto da Criança e do Adolescente o sistema de prescrição do Código Penal.

A orientação do STJ está em desacordo com a jurisprudência da maioria dos tribunais estaduais. Nos tribunais estaduais e em toda doutrina acerca do assunto, prevalece o entendimento que, em virtude do caráter sócio-educativo dessas medidas, não se pode cogitar das regras de prescrição do Código Penal. Toda doutrina é nesse sentido bem como os tribunais estaduais.

Não há precedentes no Supremo sobre esse tema. Agora, todos os precedentes do STF a respeito das medidas sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente ressaltam que o que deve se considerar para esse fim é a idade do sujeito ao tempo da prática do ato infracional.

Aliás, é o que está escrito no art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Todas as decisões do Supremo fazem essa ressalva. Leva-se em conta aqui, para efeito de aplicação das medidas sócio-educativas a idade do sujeito ao tempo da prática do ato infracional.

Pergunta de aluno.

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Resposta: aí, é possível a aplicação da medida de internação até os 21 anos, porque não ocorreu a prescrição.

Semana retrasada, o STJ editou uma outra Súmula também relacionada ao Estatuto da Criança e do Adolescente. É a Súmula 342. Foi publicada no dia 13.08.07.

Súmula 342: no procedimento para aplicação de medida sócio-educativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.

O STJ vem anulando diversos procedimentos relacionados ao adolescente ao argumento de que, mesmo havendo confissão, mesmo tendo o adolescente confessado a prática do ato infracional, é indispensável para o efeito de aplicação de medida sócio-educativa, a colheita de outras provas.

Então, não podem o MP e o defensor, no caso de o adolescente confessar a prática do ato infracional, desistir das provas requeridas. Outro absurdo! É para demorar mais ainda.

Ainda que o adolescente confesse, é indispensável, nesses casos, para viabilizar a imposição de medida sócio-educativa, a designação da audiência de continuação. Não basta a audiência de apresentação na qual o adolescente confessa.

Mesmo havendo confissão, o juiz está obrigado, ainda que as partes desistam das provas arroladas, a designar audiência de continuação. Vale dizer: está obrigado a colher as provas indicadas pelo MP.

A confissão do adolescente, ainda que corroborada pelo laudo de avaliação psico-social não é suficiente para a imposição da medida sócio-educativa. É a Súmula 342.

Vamos ver dois outros temas relevantes acerca do Estatuto. Primeiro: adolescente acusado da prática de ato infracional análogo a crime perpetrado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União e suas entidades autárquicas ou empresas públicas.

A quem caberá o respectivo processo e julgamento desse ato infracional? A quem caberá decidir sobre a imposição de medidas sócio-educativas ao adolescente? O STJ tem jurisprudência tranqüila e pacificada no sentido de que a competência, nesses casos, é da Infância e da Juventude.

A competência é da justiça estadual. A competência é do juiz da Infância e Juventude, mesmo na hipótese de o ato infracional atingir bens, serviços ou interesses da União. Prevalece a competência da justiça especializada. Na verdade, prevalece a competência do juízo.

Outro tema também relevante acerca do Estatuto: imposição da medida de internação a adolescente acusado da prática de ato infracional análogo ao tráfico ilícito de drogas. Adolescente que não registra antecedentes na prática de ato infracional.

221

É possível, nesse caso, a aplicação da medida de internação? A Lei prevê a possibilidade de internação nos crimes praticados sem o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa não registrando o adolescente envolvimento anterior com a prática de ato infracional?

Vamos ver o art. 122 do Estatuto: A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa (não é a hipótese!); II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Bom, não há a rigor previsão na Lei. A Lei não prevê no art. 122 essa possibilidade. Entretanto, o STF, em inúmeros acórdãos, admite nesses casos a aplicação da medida sócio-educativa de internação ao argumento principal de que o tráfico é crime equiparado aos crimes hediondos. É crime de superlativa gravidade de acordo com a própria Constituição.

A Constituição prevê um tratamento penal diferenciado para os crimes hediondos, tráfico, terrorismo e a tortura. Está no art. 5º, XLIII. Então, o Supremo é muito mais rigoroso no exame dessas questões.

Agora, a rigor, eu vejo que os tribunais estaduais divergem. Há decisões em ambos os sentidos. A rigor, a Lei não contempla no art. 122 a possibilidade de imposição de medida de internação a adolescente que não registre envolvimento anterior com a prática de ato infracional acusado da prática do tráfico.

Bom, vamos falar sobre a delação premiada na Lei dos Crimes Hediondos e na Lei de Combate ao Crime Organizado. Vou iniciar pela leitura do art. 7º da Lei 8.072/90 que acrescentou parágrafo ao art. 159 do Código Penal.

O parágrafo 4º do art. 159 foi acrescentado pelo art. 7º da Lei 8.072/90 com a redação dada pela Lei 9.269/96.

Parágrafo 4º do art. 159: se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

O parágrafo 4º é causa de diminuição de pena aplicável ao co-autor ou partícipe do crime de extorsão mediante seqüestro que fornecer informações que possibilitem a libertação do seqüestrado.

A hipótese aqui é denominada pela doutrina de delação eficaz. Por que delação eficaz? Porque a diminuição de pena prevista no art. 159, parágrafo 4º exige que das informações dadas pelo co-autor ou partícipe do delito resulte a libertação da pessoa seqüestrada. Não basta o autor ou partícipe delatar o crime a autoridade.

É preciso que dessa delação resulte a libertação da pessoa seqüestrada. Por isso, se fala em delação eficaz. Outra linguagem é a delação premiada. Premiada por quê? Porque da delação resulta a diminuição da pena no caso de condenação. Essa é uma das expressões do chamado direito penal premial.

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Pergunta de aluno.

Resposta: delação premiada como expressão do chamado direito penal premial, ou seja, a redução da pena é um prêmio que a Lei confere ao delator. A Lei, neste caso, fomenta a traição e estimula a delação entre co-autores e partícipes.

A delação funciona especificamente como causa de diminuição de pena. É importante saber que a redação primitiva desse parágrafo acrescentado ao art. 159 pela Lei dos Crimes Hediondos previa a diminuição de pena pela delação que possibilitasse a libertação do seqüestrado tão só quando a extorsão mediante seqüestro fosse praticada por quadrilha ou bando.

A Lei 9.269/96 corrigiu essa imperfeição, prevendo diminuição de pena para os casos de concurso de pessoas. Não há necessidade que a extorsão mediante seqüestro tenha sido praticada por quadrilha. Basta a caracterização da co-autoria ou da participação no crime de extorsão mediante seqüestro.

Agora, vamos para o art. 8º, parágrafo único. É outra hipótese de delação premiada prevista na Lei dos Crimes Hediondos. Art. 8º, parágrafo único da Lei 8.072/90 é causa especial de diminuição de pena que diz respeito ao crime de quadrilha ou banco, crime do art. 288 do Código Penal.

Aqui, uma observação: há hoje no direito penal brasileiro duas espécies de crime de quadrilha. Há a quadrilha ou bando do art. 288 do Código Penal que se caracteriza por uma associação mais ou menos estável ou permanente entre no mínimo quatro pessoas para a prática de um número indeterminado de crimes.

Importante relembrar que quadrilha ou bando é crime formal, é crime de consumação antecipada. É crime que se consuma independentemente da prática dos crimes projetados, independentemente da prática dos crimes idealizados pela associação criminosa.

E há a quadrilha ou bando do art. 288 do Código Penal combinado com o art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos. Quadrilha ou bando voltada especificamente para a prática de crimes hediondos, tortura ou terrorismo.

Essa figura típica resulta da combinação dos arts. 288 e 8º da Lei dos Crimes Hediondos. Parte da tipicidade objetiva está no art. 288, parte no art. 8º da Lei 8.072/90.

A especial finalidade de agir da quadrilha está prevista no art. 8º. Essa quadrilha é punida mais severamente do que a quadrilha do art. 288 do Código Penal. É punida com reclusão de três a seis anos.

A diminuição de pena está prevista para a hipótese de integrante da quadrilha que denunciar a organização criminosa à autoridade possibilitando o seu desmantelamento. Vamos ver o parágrafo único do art. 8º.

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Parágrafo único do art. 8º: o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.

O problema aqui é definir desmantelamento de quadrilha. O que caracteriza o desmantelamento da quadrilha? Até hoje, doutrina e jurisprudência não chegaram a uma conclusão uniforme acerca do conceito de desmantelamento de quadrilha.

O desmantelamento decorreria da cessação das atividades criminosas da quadrilha. A paralisação das atividades criminosas da quadrilha é que facilitaria o seu desmantelamento.

Isso decorreria, por exemplo, da redução do número de associados, de quadrilheiros a menos de quatro. A quadrilha se configura por no mínimo quatro pessoas.

Se em virtude dessa delação, membros da quadrilha forem presos, se houver redução do número de pessoas associadas para fins criminosos ao patamar inferior a quatro, a quadrilha está desmantelada.

Aí, incide a redução de pena prevista no parágrafo único do art. 8º. Essa redução de pena diz respeito especificamente ao crime de quadrilha.

Outros entendem que desmantelamento da quadrilha se dá com a identificação e prisão de todos os seus membros, de todos os quadrilheiros e eventuais colaboradores.

Seria necessária a prisão, não bastando a simples identificação do membro da quadrilha. Por quê? Porque os membros, apesar de identificados, poderiam dar prosseguimento as suas práticas criminosas.

O problema é que, muitas vezes, mesmo depois da prisão, a quadrilha continua operando, continua agindo de dentro dos estabelecimentos prisionais.

Há pouquíssima jurisprudência sobre a delação premiada do parágrafo único do art. 8º. Por quê? Porque na prática a delação aqui não funciona propriamente como causa de diminuição de pena.

A delação, no mais das vezes, serve como verdadeira causa de extinção da punibilidade, porque o delator não raro é morto por seus comparsas. É o que acontece!

Então, vocês vão encontrar pouquíssima jurisprudência a respeito dessa causa de diminuição de pena. Aí, funciona como causa de extinção da punibilidade possibilitada pela morte do agente!

É possível a coexistência das causas de diminuição de pena do art. 7º que acrescentou o parágrafo 4º do art. 159 e do parágrafo único do art. 8º da Lei dos

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Crimes Hediondos? Essas duas causas de diminuição de pena a que eu estou me referindo podem coexistir?

Possível. Por quê? Porque cada uma delas diz respeito a um crime específico. Essa causa de diminuição de pena do parágrafo único do art. 8º refere-se ao crime de quadrilha, enquanto a diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do art. 159 do Código Penal diz respeito ao crime de extorsão mediante seqüestro.

Em sentido contrário, sem explicação alguma, mas como anotação a essas leis, há a opinião do Guilherme de Souza Nucci para quem é inadmissível a co-existência dessas causas de diminuição de pena. Mas elas podem coexistir porque dizem respeito a crimes diversos.

Vamos agora para a Lei 9.034/95. Vamos ver o art. 6º da Lei de Combate ao Crime Organizado.

Art. 6º: Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.

Essa causa de diminuição de pena prevista no art. 6º, também hipótese de delação premiada, exige que uma delação espontânea. Vale dizer: o membro da organização criminosa deve espontaneamente, por ato próprio – espontaneidade que não se confunde com a simples voluntariedade – delatar os crimes, possibilitando o esclarecimento de sua autoria.

Essa delação aqui, além de espontânea, tem que possibilitar o esclarecimento do fato criminoso e de sua autoria. A diminuição de pena incide no tocante aos crimes para os quais o delator tenha concorrido seja como co-autor ou partícipe.

Não há, a rigor, no direito penal brasileiro, uma figura típica autônoma que defina o crime de “organização criminosa”. Então, essa diminuição de pena vai incidir em relação aos crimes efetivamente praticados, crimes para os quais tenha o delator concorrido, seja como co-autor ou partícipe. Também sobre o art. 6º, há escassa jurisprudência.

Na seqüência das aulas, falamos sobre a Lei de Tóxicos. Vamos examinar outra hipótese de delação premiada, outra hipótese de causa de diminuição de pena.

Art. 41 da Lei 11.343/06 prevê a diminuição de pena no caso de delação que possibilite a identificação de co-autores ou partícipes do crime da Lei Anti-Drogas. Essa diminuição de pena diz respeito especificamente ao tráfico, art. 33, e crimes assemelhados, art. 34, art. 35, art. 36 e art. 37. Então, do art. 33 ao art. 37.

Pergunta de aluno.

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Resposta: o problema é que não há propriamente produto do crime. O produto seria a renda auferida com o tráfico de drogas. Agora, o dinheiro ou renda auferida com o tráfico de drogas não é propriamente produto do crime.

Mas o produto do crime tem esse sentido: possibilitar a apreensão do dinheiro ou renda obtida através do tráfico de drogas.

Estamos falando da delação premiada em relação às leis que nós estudamos. Vamos agora ver a Lei 8.137/90 no art. 16, parágrafo único. É outra causa de diminuição de pena.

Art. 16, parágrafo único: nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.

É outra hipótese de delação premiada. Diz respeito especificamente aos crimes contra a ordem econômica e tributária.

Essa causa de diminuição de pena teria a finalidade – existe jurisprudência oposta – de possibilitar o MP quando do oferecimento da denúncia à individualização das condutas dos co-autores e evitar, portanto, nesses casos, o oferecimento de denúncia contendo acusação genérica.

Nós vimos que, nos crimes contra a ordem tributária, crimes praticados no âmbito de pessoas jurídicas, crimes societários, dificilmente o MP terá como, ao oferecer denúncia, descrever pormenorizadamente e individualizar as condutas dos acusados, porque essas decisões acerca da prática de crime contra a ordem tributária são muitas vezes tomadas em ambientes fechados no seio da organização da pessoa jurídica.

Sem a delação de um dos envolvidos, dificilmente a denúncia terá como especificar as condutas dos co-autores e partícipes. Então, a Lei, com a finalidade de estimular a delação, confere ao delator que confessar a prática do crime e revelar a trama criminosa uma diminuição especial da pena.

Essa é a finalidade da delação premiada do parágrafo único do art. 16 da Lei 8.137/90. Alguma pergunta sobre as delações?

Pergunta de aluno.

Resposta: vejam bem, nesses casos em que a delação premiada funciona como causa de diminuição de pena, em todas essas hipóteses, a delação é possível até a sentença condenatória.

Pergunta de aluno.

Resposta: crime de lavagem de dinheiro seria a da Lei de Proteção à Testemunha, mas aí fica fora do tema das aulas. Querem que eu fale? Respostas de alunos.

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Vamos ver a Lei 9.613/98. Vamos ver o parágrafo 5º do art. 1º da Lei 9.613/98. É a lei que trata dos crimes de lavagem, ocultação de bens, direitos e valores.

Diz aqui: a pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

O diferencial aqui é que o parágrafo 5º prevê não apenas a possibilidade de diminuição da pena imposta ao réu. O parágrafo 5º não trata tão somente de uma causa de diminuição de pena. Dispõe ainda sobre a possibilidade de uma espécie de perdão judicial. O juiz pode deixar de aplicar a pena.

O deixar de aplicar a pena em relação aos crimes da Lei 9.613/98 constitui uma espécie de perdão judicial. O juiz reconhece que a acusação procede, mas deixa de impor ao acusado pena em virtude do efeito prático de sua delação.

É mais uma hipótese de expressão do direito penal premial. O direito penal premial aqui sob dois aspectos: delação como causa de diminuição de pena ou como hipótese de isenção de pena pelo perdão judicial.

Pergunta de aluno.

Resposta: a rigor, não. Qual é a natureza jurídica hoje do perdão judicial? Perdão judicial é considerado – está no art. 107, IX do Código Penal – causa extintiva da punibilidade.

De acordo com a jurisprudência sumulada do STJ a sentença que concede o perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade. Súmula 18.

Logo, o réu não tem, nesse caso, penso eu, interesse jurídico em ajuizar medida de reabilitação. Não, por quê? Porque a sentença é declaratória da extinção da punibilidade.

Agora, é importante saber que perdão judicial independe de aceitação. O perdão é ato do juiz que deixa de aplicar ao réu a pena.

É diferente do perdão como causa de extinção da punibilidade nos crimes de ação penal de iniciativa privada que é um negócio jurídico. É ato consensual.

Cabe ao juiz conceder ou aplicar o perdão judicial, deixando de impor a pena.

Isso também sucede genericamente de acordo com a Lei de Proteção à Testemunha. Na Lei de Proteção à Testemunha, a delação funciona ora como causa de diminuição de pena, ora como causa de perdão judicial.

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Outras perguntas? Nada sobre as aulas que estudamos? Não ficou nenhuma dúvida?

Pergunta de aluno.

Resposta: não, conceder a redução se ao tempo da sentença tiver 70 anos.

Pergunta de aluno.

Resposta: pois é, mas há uma discussão prévia. Isso é interessante. Vamos ver o art. 115. Mas antes disso, há outra discussão.

Vamos ver o art. 115: são reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

Setenta anos ou mais. Completou setenta anos, é maior de sessenta anos.

Bom, a primeira discussão aqui que vocês devem levar para os concursos, principalmente da Defensoria Pública, é saber se o Estatuto do Idoso, ao estabelecer que seja considerada idosa a pessoa com sessenta anos, teria repercutido na disciplina da prescrição penal.

Esse entendimento, penso eu, não tem fundamento algum, mas há quem entenda que desde a edição do Estatuto do Idoso, a prescrição deve ser contada da metade quando o acusado ao tempo da sentença for pessoa com sessenta anos completos.

Agora, o Estatuto do Idoso não repercutiu na estrutura da prescrição penal. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. A redução da prescrição é a hipótese de o réu, ao tempo da sentença, ter setenta anos completos.

A discussão também é: setenta anos ao tempo da sentença que é ato do juiz ou também setenta anos ao tempo do acórdão? Aí, o Supremo vem divergindo.

Para alguns, sentença é sentença mesmo. Na linguagem do Código, é sentença absolutória ou condenatória. É sentença proferida pelo juiz de primeiro grau para onde pode se considerar sentença como ato judicial.

Inclusive porque, nos casos de competência originária dos tribunais, não há propriamente prolação de sentença. O Tribunal não profere sentença. O Tribunal prolata um acórdão.

Então, são setenta anos ao tempo da sentença. É o pensamento da maioria. Ou aplica-se o art. 115 ao tempo do acórdão, do julgamento da apelação, se o réu tiver setenta anos.

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A Lei fala setenta. Acórdão, penso eu, só na hipótese de competência originária, porque aí, não há sentença. Entenderam? Nos casos de competência originária, não há prolação de sentença. Só há acórdão. Aí, você vai considerar a idade do réu ao tempo do acórdão.

Agora, quando se tratar de sentença proferida por juízo singular, a sentença a que se refere o art. 115 é a decisão do juiz de primeiro grau.

Pergunta de aluno.

Resposta: é do acórdão para traz.

Pergunta de aluno.

Resposta: mas aí, é diferente porque anulou a sentença. A sentença anulada não produziu efeito algum.

É que alguns querem estender a prescrição pela metade ao réu que ao tempo do acórdão, decisão de segundo grau, tiver setenta anos. Ao tempo da sentença, o sujeito ainda não havia alcançado essa idade. Ele completou setenta anos em grau de recurso. Para alguns, teria que ser beneficiado com essa regra do art. 115.

Agora, quando a sentença for anulada, não. Aí, é diferente porque se trata de uma nova sentença. Na nova sentença, o sujeito já terá setenta anos. Ele já tem setenta ao tempo do acórdão, não é!

Há uma decisão do Supremo bem interessante, mas que não é bem sobre isso. É uma decisão que muda todo raciocínio sobre a suspensão condicional do processo. É uma decisão nova interessante.

O Supremo admitiu a suspensão condicional do processo em relação a crimes em que a Lei comine alternativamente pena de multa. Se houver previsão de multa alternativa à pena privativa da liberdade (multa cominada alternativamente), será possível, de acordo com esse precedente do Supremo, a suspensão ainda que a pena mínima cominada para o crime exceda um ano.

Por quê? Porque a multa é ontologicamente pena menos grave do que a pena privativa da liberdade. Se a Lei prevê a multa alternativamente, se o juiz pode aplicar pena privativa da liberdade ou multa, essa é a pena a ser considerada para o efeito de suspensão.

Há uma outra questão que apareceu logo depois da aula. O julgamento ainda está em curso. Mas o Supremo provavelmente modificará sua orientação a respeito do tema.

Eu falei para vocês sobre a autonomia do crime de quadrilha em relação ao crime contra a ordem tributária. Nós vimos que nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, crimes materiais, crimes de supressão ou redução do pagamento do tributo devido, é indispensável o exaurimento da via administrativa, é indispensável o

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exaurimento do procedimento administrativo fiscal para que o MP possa validamente oferecer denúncia.

Em relação aos crimes do art. 1º, o lançamento definitivo é visto por alguns, como o Ministro Pertence, como condição objetiva de punibilidade. Para outros, opinião do Ministro Joaquim Barbosa, é elemento do tipo. É elemento normativo do tipo incriminador do art. 1º.

Enquanto não houver o lançamento definitivo, enquanto não houver a conclusão do processo administrativo fiscal, o crime do art. 1º não estará consumado. O crime só estará consumado ou só será punível depois do implemento dessa condição objetiva da punibilidade ou aperfeiçoamento da figura típica, ou seja, lançamento definitivo do tributo como elemento normativo do tipo incriminador.

O Supremo vinha admitindo a possibilidade de prosseguimento da ação penal pelo crime de quadrilha mesmo quando concedida ordem de habeas corpus para trancar o processo em relação ao crime do art. 1º da Lei 8.137/90. Quadrilha esta organizada, constituída para praticar crime contra a ordem tributária, crimes do art. 1º.

O argumento do Supremo é que a quadrilha ou bando é crime formal, é crime de consumação antecipada. É crime que se consuma independentemente da perpetração dos crimes idealizados.

Ao que parece, o Supremo vai alterar o seu posicionamento a respeito desse tema e vai seguir a orientação até então minoritária do Tribunal no sentido de que não se pode falar em quadrilha, em se tratando de crime contra a ordem tributária, enquanto não for possível a acusação pela prática do crime.

Por quê? Porque a empresa, pessoa jurídica é constituída nesses casos para fins lícitos, para fins econômicos e comerciais. Somente depois de identificar a prática do crime contra a ordem tributária é que se poderia cogitar do crime de quadrilha.

Então, a tendência é o Supremo mudar a opinião. A tendência é o Supremo dizer que a ação penal no crime de quadrilha, especificamente em se tratando de quadrilha para a prática de crime contra a ordem tributária, a acusação de quadrilha só caberá depois de exaurida a via administração.

Aí, sim a acusação poderá imputar aos acusados a prática em concurso material com os crimes de quadrilha e contra a ordem tributária.

Pergunta de aluno.

Resposta: a quadrilha é crime formal. Mas a associação aqui é organizada com fins lícitos. O sujeito não se associa com alguém para praticar crime. Os crimes são decorrentes de uma atividade lícita. Esse é o argumento que deve prevalecer.

Só se pode falar em quadrilha para a prática de crime contra a ordem tributária depois de identificada a prática desses delitos.

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Outro assunto importante que não é propriamente tema da aula, mas está em voga: interrogatório por sistema de vídeo conferência. É o chamado interrogatório on line.

O Supremo decidiu que a prática de ato processual mediante a utilização de sistema vídeo conferência, não apenas no interrogatório do réu, mas também em inquirição de testemunhas, viola o princípio constitucional da ampla defesa.

Viola o princípio ou subprincípio da imediaticidade, o contato pessoal entre juiz e réu ou entre juiz e depoente ou entre juiz e vítima, além do defensor e MP.

Se por acaso o Congresso editar Lei – e há projeto de Lei em curso no Congresso – estabelecendo a possibilidade de utilização do sistema de vídeo conferência para a realização de atos do processo penal, o Supremo certamente declarará inconstitucional essa Lei.

Pergunta de aluno.

Resposta: o princípio maior da ampla defesa e o princípio da imediaticidade do contato pessoal entre juiz e réu.

Agora, uma pergunta básica: o particular pode eventualmente ser acusado da prática de crime funcional, da prática de crime de responsabilidade de funcionário público? Pode.

Pode, por quê? Falamos sobre isso quando tratamos dos crimes funcionais. Pode porque a posição de funcionário público é elementar do tipo incriminador comunicando-se entre os co-autores e partícipes, entre os concorrentes. Tudo de acordo com o art. 30 do Código Penal.

A dúvida é saber se o particular deve ser acusado em co-autoria ou na modalidade participação. Agora, é óbvio que o particular pode ser acusado da prática de crime de peculato que é crime funcional.

Pergunta de aluno.

Resposta: o Supremo já havia decidido e decidiu no mesmo sentido agora que a delação anônima do crime, por si só, não autoriza nem a instauração de inquérito policial nem a abertura de ação penal.

Ou seja, a delação anônima de crime não autoriza a instauração da atividade persecutória do estado. Por quê? Porque a Constituição proíbe o anonimato. Se a Constituição proíbe o anonimato, uma notícia anônima de crime não justifica sequer a instauração formal do inquérito.

Antes da prática de qualquer ato persecutório ou judicial, cabe ao estado, mais especificamente à polícia, verificar se a delação anônima de crime procede. Só então, aí sim, poderá instaurar formalmente o inquérito policial.

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O Código de Processo Penal prevê a possibilidade de verificação prévia da procedência das informações para a ulterior abertura de inquérito policial? Prevê. Está no art. 5º, parágrafo 3º.

Pergunta de aluno.

Resposta: primeiro, tem que saber se aquela informação procede, para só depois instaurar o inquérito.

Agora, uma visão mais extremada (e dessas decisões do Supremo, você pode até extrair essa conclusão), você pode sustentar que a delação anônima de crime não autoriza sequer o procedimento previsto no art. 5º, parágrafo 3º.

Vocês podem taxar a delação anônima de crime e de prova ilícita que invalidaria todas as outras provas, porventura, colhidas a partir daí.

É um absurdo, porque bastaria o próprio autor do crime delatá-lo à polícia ligada ao sistema de disque denúncia que a partir daí tudo seria ilícito. Mas dessa decisão do Supremo, você pode extrair essa conclusão.

Agora, essas delações anônimas de crime são estimuladas. Aqui, no Rio de Janeiro, há esse serviço excelente do disque denúncia que garante o anonimato. A partir dessas informações, verificada a procedência, se abre formalmente o inquérito.

Outra decisão interessante do Supremo: o STF admitiu a execução provisória da pena, estando o réu preso, mesmo antes do trânsito em julgado da condenação para o MP.

Mas neste caso, havia uma particularidade. Qual era a particularidade? É que a pena havia sido aplicada no máximo. Logo, a pena não poderia mais ser agravada.

O Supremo não admite início da execução penal, mesmo estando o réu preso, se houver recurso da acusação postulando agravamento da pena. Por quê? Porque aí a pena poderá eventualmente ser exasperada.

Mas se a pena já foi aplicada no máximo, não há óbice algum para a execução provisória. Aí, a contagem do lapso temporal é feita tendo como base a pena aplicada no máximo.

Não é que o Supremo tenha passado a admitir a execução provisória, estando o réu preso, mesmo pendente de julgamento de recurso da acusação. Não é isso. Essa possibilidade ocorre quando a pena for aplicada no máximo. Se a pena for aplicada no máximo, não há mais como se cogitar do seu agravamento.

Pergunta de aluno.

Resposta: entenderam a pergunta? É importante: a Lei da Violência Doméstica contra a Mulher, a Lei 11.340/06, acrescentou uma agravante ao rol do art. 61. Ela perguntou quando essa agravante vai ser aplicada.

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Ela vai ser aplicada em relação a todo crime praticado com violência doméstica ou familiar contra a mulher, salvo no caso do art. ???, parágrafo 9º, porque lá a violência já é elementar do tipo.

Bom, é isso. Foi um prazer estar com vocês aqui. Finalizamos, aí o módulo.

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