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Revista Linguasagem – 21° Edição
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Leitura de imagens e narrativas: entrecortando-se na produção escrita.
Elizângela Fernandes dos Santos1
Sandra Patrícia Ataíde Ferreira2
INTRODUÇÃO
É por se acreditar que a produção de textos (orais e escritos) é o ponto de partida e ponto de
chegada de todo processo de ensino/aprendizagem e também, por ser um espaço de interlocução –
“onde o sujeito articula aqui e agora um ponto de vista sobre o mundo” - (GERALDI, p.136, 1997)
e também um ponto de encontro de fenômenos linguísticos, fazer uso do texto (narrativo) representa
o momento de o sujeito distanciar-se de sua produção em direção a um discurso que retoma
acontecimentos sucessivos - sejam fictícios ou não – explicitando-os através de personagens, espaço
e tempo determinados. Além disso, o uso do texto narrativo estimula o desvendar de vivências
passadas, experiências pessoais a que cada indivíduo interioriza. Em outras palavras, significa dizer
“o passado não é o antecedente do presente, é sua fonte” Bosi (1987. p. 48) . Explorar, portanto, o
texto narrativo é, também, possibilitar o reconhecimento cognitivo deste evento, pois não é apenas
recapitular, mas também evidenciar a reconstrução e mobilização de um sujeito que dialoga com o
seu entorno. Assim, os conhecimentos, a bagagem simbólica que cada indivíduo carrega consigo
deve ser explorado na escola, um espaço de intensa diversidade e propiciadora de diferentes
estímulos, despertando-se para a realidade de que o aluno convive em seu cotidiano com diferentes
formas de linguagem, como assegura Orlandi (1988 p.38).
No caso do presente estudo, a proposta didática analisada vislumbrou articular a produção
de um texto narrativo escrito (uma linguagem verbal) à leitura de imagens (uma linguagem visual),
tratando-se, pois, de uma tentativa de explorar a intertextualidade (relação de um texto com outro)
bastante citada nos manuais de Língua Portuguesa, mas pouco explorada pelos professores que
esquecem que mais do que uma utilização de outros textos (verbais e não verbais), esta
intertextualidade permite uma reflexão sobre as leituras anteriores e valoriza o vasto conjunto de
conhecimentos construídos que, na superfície textual encontram-se mergulhados a nível sintático
(elemento linguísticos) e significativo (elementos não linguísticos). A partir disso, três
questionamentos emergem: a) quais são os elementos lingüísticos e não lingüísticos ativados no ato
1 Graduada em Letras pela UFPE e Especialista em Psicologia na Educação do Departamento de Psicologia e
Orientação Educacionais, do Centro de Educação, da UFPE. E-mail: [email protected] 2 Professora Adjunto do Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais, do Centro de Educação, da UFPE. E-
mail: [email protected]
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da produção escrita? b) Qual a contribuição da leitura de imagens (socialmente conhecidas) na
produção da narrativa em seus aspectos não linguísticos? c) Em que medida o uso das imagens,
socialmente conhecidas, interferem no desenvolvimento da situação–problema dentro da história?
Esses questionamentos impulsionaram a realização desse trabalho que visa explorar a leitura
de imagens e suas implicações pedagógicas como instrumento dialógico no ato de contar histórias
bem como a identificação e o comprometimento de estruturas lingüísticas e não lingüísticas na
composição do texto narrativo - história.
Após um levantamento na literatura nacional acerca do uso da imagem articulado à
produção escrita do texto narrativo, encontrou-se apenas um estudo comparativo entre as mais
diversas formas de se ler um texto narrativo (JUNIOR, 2004), Característica das leituras de
imagens por alunos dos primeiros anos do Ensino fundamental. Com outra proposta pedagógica
encontraram-se as publicações de Martins, (2005), e a de Gouvêa (2005) que objetivou uma
investigação acerca de como as imagens presentes em livros didáticos de ciências são lidas e
compreendidas por estudantes, cujo título Práticas de leitura de Imagens em livros didáticos de
Ciências. Outra publicação foi na área de educação sobre imagem e texto verbal nos livros do
ensino fundamental II de Belmiro (UFF/2004), Imagens e textos verbais na construção dos jovens
sujeitos leitores, e, por último, a de SIMÕES e DUTRA (UFRJ/2006) sobre Iconicidade, a leitura e
o projeto do texto.
Assim, diante deste panorama, acredita-se que o presente estudo pode trazer contribuições
relevantes no sentido de favorecer uma reflexão, por parte dos professores ou profissionais da área
de produção textual, acerca do uso das imagens como ferramenta propiciadora da produção escrita,
com conteúdos diversificados, e como possibilitadora do acionamento dos conhecimentos de
mundo, das experiências culturais e individuais conservados na memória, como assegura Ferrara
(1993).
DISCUSSÃO TEÓRICA
Leitura de imagens
Uma das mais antigas formas de relação do homem com o mundo é através das imagens.
Elas circulam em nossa sociedade, ora como expressão de uma cultura ou ideologia, ora como
revelação de uma comunicação com o outro, com a sociedade, a fim de instaurar novas leituras,
registrar novas formas que resultam nas mais diversas imagens. Entretanto, mais que um resultado
de ação artística e criativa, a imagem também é fruto do comportamento humano diante de um
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ponto de vista. Talvez seja por isso o interesse de historiadores, antropólogos, sociólogos e
educadores em discutir o que está por trás das imagens e, mais, em usá-las como proposta de
construção do conhecimento. Sim, porque a imagem deixa de ser uma mera ilustração para passar a
ser uma representação cognitiva e lingüística (BARBOSA, 1995).
O texto não-verbal ou a linguagem visual que muitas vezes “comunica de forma mais
direta e objetiva do que as palavras” (PICCININI; GOUVÊA; MARTINS, 2005, p.5 ), é espaço,
também, para a problematização não só da própria linguagem visual, mas também do que está
envolvido em sua leitura. Leitura esta compreendida como um processo de construção de sentidos,
no qual jogam a intencionalidade do autor, a materialidade do texto e as possibilidades de
ressignificação do leitor. Em outras palavras, as diversas faces de um texto não-verbal é um campo
excelente para se desenvolver a produção de outros textos, pois a imagem desenvolve com o texto
verbal uma relação de complementaridade.
A complementaridade das imagens e das palavras também reside no fato de
que se alimentam umas das outras. Não há qualquer necessidade de uma co-
presença da imagem e do texto para que o fenômeno [complementaridade]
exista. As imagens engendram as palavras que engendram as imagens em
um movimento sem fim. (JOLY, 1996, p. 121)
Isto consiste em dizer que a imagem dificilmente pode mostrar aquilo que a escrita
possibilita, por exemplo, comentários, legendas, títulos, artigos de imprensa, relações espaço -
temporais, assim como dificilmente a escrita mostra aquilo que a imagem possibilita, por exemplo,
o seu valor sígnico ainda que de modo disperso, mas representado pelos traços, tamanhos, textura,
cores etc.
A complementaridade onsiste em conferir à imagem uma significação que
parte dela, sem com isso ser-lhe intrínseca. Trata-se, então, de uma
interpretação que excede a imagem, desencadeia palavras, um pensamento,
um discurso interior, partindo da imagem que é suporte, mas que
simultaneamente dela se desprende. (JOLY, 1996, p.120)
Portanto, a imagem enquanto linguagem não é tomada no sentido de transmissão de
informação, mas como mediadora (transformadora) entre o homem e a realidade natural e social
(ORLANDI, 1988, p. 38); que instaura diversas possibilidades de significados/compreensões a
partir da sua articulação com o sujeito, historicamente situado. Como assegura Ferrara (1993, p.
15),
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[...] seu sentido [da imagem] por força sobretudo da fragmentação que o
caracteriza, não sugere a priori, mas decorre da sua própria estrutura
significante, do próprio modo de produzir-se no e entre os valores sígnicos
que o compõem. Este significado não está dado, mas pode produzir-se.
Assim, a leitura de imagem possibilita ao seu leitor a capacidade de relacionar-se com o
universo simbólico a que está submetido, bem como a exercitar a intertextualidade e a
interdiscursividade. (ORLANDI, 1988, p. 38)
E diante da infinidade de leituras possíveis a partir da imagem, fazer seu uso em sala de aula
significa desencadear a leitura de mundo que o aluno traz, ou seja, as suas experiências com todas
as formas de linguagem e da sua articulação dentro e para o uso do texto verbal.
A leitura da imagem como uma tecnologia incorporada à cultura, está
ampliando seu campo e retomando a projeção que teve no passado. O texto
ocupou grande espaço a partir da invenção da imprensa e da democratização
do acesso à informação escrita. Na chamada sociedade moderna, a ênfase
dada à educação pela imagem, muitas vezes, vista como uma atividade
marginal, associada à ornamentação ao lúdico, ao dispensável, secundário,
ilustrativo, acelerou, consequentemente, uma perda gradual da educação
pela imagem. Hoje ninguém aprende a lê-la (BARBOSA, 1995. p. 6)
Interpretar a mensagem visual é, portanto, dialogar de maneira a explorar não uma
mensagem preexistente, mas em compreender o que essa mensagem, naquelas circunstâncias,
provoca de significações aqui e agora, é compreender o que ela nos suscita, é compará-la com
outras interpretações e nesse embate “construir uma interpretação num momento X, e em
circunstância Y”. (JOLY, 1996 p.66).
Elementos linguísticos e não - linguísticos
O estudo do texto como manifestação de fenômenos lingüísticos e não - linguísticos
chegou ao Brasil em meados da década de 80, através da lingüística textual (FÁVERO, 2002, p.5),
que define o texto como:
[...] qualquer passagem falada ou escrita que forma um todo significativo
independente da sua extensão. Trata-se, pois, de um contínuo comunicativo
contextual caracterizado de textualidade: contextualização, coesão,
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coerência, intencionalidade, informatividade, aceitabilidade, situcionalidade
e intertextualidade.
Assim, independente da sua extensão ou da quantidade de idéias suscitadas, o texto
para sê-lo necessita de eventos comunicativos interligados, os quais ocorrem dentro e fora dele.
Logo, a partir desta dinâmica regida pelo campo sintático e campo semântico, o texto é dotado de
características: sociocomunicativas; semântico–conceituais; unidades sintáticas e espaço para a
inscrição do outro. Em outras palavras, quando se produz um texto (oral ou escrito) ele é regido por
regras sociais de interação comunicativa determinadas pelo conhecimento partilhado entre os
interlocutores, ou seja, precisa ser percebida pelo recebedor como um todo significativo (COSTA
VAL, 1999, p. 4). Além disso, a autora destaca que o texto é formado por constituintes linguísticos
que devem se mostrar reconhecivelmente integrados, de modo a permitir que ele (texto) seja
percebido como um todo coeso. E por fim, é para o outro que se produz o texto e esse outro não se
insere apenas na leitura, ou na produção de sentidos, mas também já no ato da produção textual,
como condição necessária para que o texto exista.
Texto (oral ou escrito) é precisamente o lugar das correlações: construído
materialmente com palavras (que portam significados) organizadas em
unidades maiores para construir informações cujo sentido/orientação
somente é compreensível na unidade global do texto. Este dialoga com
outros textos sem os quais não existiria. (LEITE, 1997, p.102).
A construção material a que se refere a autora diz respeito ao modo como os elementos
lingüísticos, presentes na superfície textual, encontram-se interligados (sintaxe); já a unidade global
refere-se às relações de sentido que se estabelecem entre os enunciados que compõem o texto,
fazendo com que a interpretação de um elemento qualquer seja dependente da interpretação de
outros. Têm-se, portanto, a classificação de dois fatores de textualidade responsáveis por essa
dinâmica textual lingüística, que são: a coesão e a coerência textuais. A primeira que diz respeito à
forma (coesão) e a segunda, ao campo conceitual, ambas trabalhando para um discurso
significativo.
Coesão Textual
A utilidade dos mecanismos de coesão como fatores de eficácia do discurso, segundo
Costa Val (1999, p. 7-8), “torna a superfície textual estável e econômica, enquanto fornece
possibilidades variadas para a continuidade e a progressão do texto além da explicitação de
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relações, principalmente, na escrita.” Eis aí, segundo a própria autora, uma das grandes facetas do
recurso coesivo dentro do texto: o efeito gradual entre um jogo de escolhas lingüísticas que
constroem comunicação entre as partes micro - textuais do texto. E ainda de acordo com Costa Val
(1999. p, 21):
A continuidade tem a ver com sua unidade, pois um dos fatores que fazem
com que se perceba um texto como um todo único é a permanência, em seu
desenvolvimento, de elementos constantes. Uma seqüência que trate a cada
passo de um assunto diferente certamente não será aceita como texto.
Logo, coesão não se esgota como recurso de ligar ou conectar uma palavra à outra, uma
frase à outra, mas também se estende a uma relação macro - textual no sentido da inteira
distribuição significativa. Nesse sentido, Nunes (1996, p. 29) afirma:
A coesão define-se, então, como um fenômeno da organização superficial
do texto. Orientado para o estabelecimento da continuidade seqüencial que,
por sua vez, viabiliza e assimila um outro tipo de continuidade que a
constituição semântica do texto impõe.
Sobre a relação entre a coesão e a coerência, há autores, como Marcusch (1985) e Koch
(2005), que asseguram que é possível um texto ser dotado de coerência sem coesão. Isto quer dizer
que, em muitos momentos, a não explicitude das unidades lingüísticas na superfície do texto não
compromete o desencadear das idéias e dos objetivos significativos dentro do discurso. Embora,
neste trabalho, não se tem a pretensão de entrar no mérito desta questão, defende-se que ambas,
coesão e coerência, caminham juntas e harmonicamente.
Segundo Fávero (2002), didaticamente, a coesão se apresenta em três tipos de
modalidades: a referencial (ocorre entre dois ou mais elementos da superfície textual que remetem
a um mesmo referente); a sequencial (diz respeito aos procedimentos linguísticos responsáveis pelo
estabelecimento de tipos de interdependência semântica e pragmática entre enunciados ou parte
deles) e a recorrencial (constitui um meio de articular a informação nova à velha, o fluxo
informacional, progride, caminha).
Dentre as unidades lingüísticas que compõem a superfície do texto tem-se o uso dos
artigos definidos, os pronomes demonstrativos (para determinar entidades já mencionadas), uso dos
pronomes anafóricos (que concordam em gênero e número com o termo que substituem). Essas
unidades aparecem na superfície textual promovendo não só a continuidade no plano linguístico,
mas também a progressão, que no caso da coesão, é a retomada de elementos linguísticos com a
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finalidade de trazer a informação nova. “Há no português, construções, palavras e locuções que
servem para destacar de maneira especial o tópico de uma passagem colocando-o em posição de
foco: até, quanto a, a respeito de, etc...” Entretanto, o uso dessas unidades também pode ser
suprimido a fim de causar um efeito estilístico (realçar ou suavizar algum termo ou expressão), mas
que são, rapidamente, reiteradas pela gramática intuitiva a que todo falante detém (COSTA VAL,
1999). Isto proporciona o momento de encontro e reflexão de todo os conhecimentos simbólicos
construídos a partir das relações interativas e contextualizados.
Coerência Textual
Para alguns teóricos (Marcuschi e Koch), definir a coerência textual é tarefa bastante
difícil, pois a sua responsabilidade em tornar uma seqüência lingüística em texto, exige a ativação
de outras instâncias (conhecimento de mundo, conhecimento partilhado, inferências, etc...) que
extrapolam a superfície textual, mas que são necessárias para a produção da unidade global
significativa do texto.
Ainda que não se consiga com exatidão definir a coerência, pode-se ao menos reconhecer
o espaço de constante diálogo em que ela se constrói. E essa constatação é resultado da relação
interdependente entre quem escreve ao produzir e quem lê ao atribuir (interpretar), conforme
assegura Orlandi (1988). Ou seja, é o processo de interação comunicativa entre o leitor e o produtor
que estabelece a construção do sentido ou dos sentidos em um texto.
Seu [o texto] sentido por maior precisão que lhe queira dar seu autor, e ele o
sabe, é já na produção um sentido construído a dois. Quanto mais, na
produção, o autor imagina leituras possíveis que pretende afastar mais a
construção do texto exige do autor o fornecimento de pistas para que a
produção do sentido na leitura seja mais próxima ao sentido que lhe quer dar
o autor. (ORLANDI, 1997, p. 102)
Assim, o sentido não existe em si, mas é determinado por posições ideológicas colocadas
em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas, e a mudança de sentido da
palavra vai depender do objetivo a que se quer dar o produtor. Logo, é possível reconhecer que
além da construção da coerência ser num espaço simbolicamente instituído por meio da linguagem,
também é resultado de uma operação cognitiva, pois não só a seleção de idéias e eventos advindos
do produtor textual é “responsável pela a construção do sentido, mas também depende,
fundamentalmente, do leitor, de sua atitude de cooperação, de sua habilidade de desvendar o sentido
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do texto e, especialmente, de sua bagagem cognitiva” (TREVISAN, 1992, p. 23). Logo, construir o
significado de um texto e, por conseguinte, dizer ser ele é coerente, necessita da interação de outros
eventos tais como os conhecimentos de mundo, o enciclopédico, o contextual, os armazenados na
memória, as crenças, as convicções, as atitudes diante da situação apresentada. Em outras palavras,
“o conhecimento veiculado pelo texto é captado, ao adequar-se aos conhecimentos armazenados na
memória, no momento da atividade de compreensão” (TREVISAN, 1992, p. 24)
A relação da memória com a armazenagem de conhecimentos e a utilização deles é
fundamental na atividade de compreensão, logo, na constituição da coerência. Tais conhecimentos,
como dizem Koch e Travaglia (1998, p. 187), consistem em “uma espécie de dicionário
enciclopédico do mundo e da cultura arquivado na memória e que são adquiridos pelos indivíduos à
medida que vivemos, tomando contato com o mundo que nos cerca e experimentando uma série de
fatos”. O conhecimento de mundo a que cada usuário da língua apreende, desempenha importante
papel no estabelecimento da coerência. De modo que quanto maior for o grau de compartilhamento
entre os elementos ativados pelo texto e o conhecimento de mundo pelo leitor, tanto maior será a
compreensão que este terá do texto. Há, portanto, necessidade de certo equilíbrio entre o
conhecimento de mundo de produtor e do leitor, como salienta Trevisan (1992). Esse equilíbrio
refere-se aos conhecimentos que os indivíduos têm em comum. Esse tipo de conhecimento está
relacionado à forma de o indivíduo construir o sentido do texto através de informações novas e
velhas.
Se um texto contivesse apenas informação nova, seria inteligível, pois
faltariam ao leitor/receptor as bases (âncoras) a partir das quais ele poderia
proceder ao processamento cognitivo do texto. De outro lado, se o texto
contivesse somente informação dada, ele seria altamente redundante, isto é,
caminharia em círculo sem preencher seu propósito comunicativo. (KOCH;
TRAVAGLIA, 1998, p. 64)
Isso significa dizer que nesse jogo pela busca entre o ponto de equilíbrio (informação
nova versus informação velha) verifica-se que a “apreensão do sentido do texto não ocorre somente
a partir do texto, mas vai além” (TREVISAN, 1992, p. 27). O texto, a partir das unidades
lingüísticas que apresenta, permite, então, leituras não intencionadas ou previstas pelo produtor, de
modo que este nunca poderá prever todas as leituras possíveis que o texto suscita como diz Koch
(2005). E essas leituras possíveis é conseqüência da construção única e particularizada do individuo
que, no ato da compreensão, desenvolve um processo, também único e particularizado, de
estabelecer conexões entre a superfície lingüística com toda a sua bagagem de conhecimentos e que
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“o levam a construir o sentido do texto que lê ou escuta” (TREVISAN, 1992, p.53). A essa
atividade de produzir a construção de um sentido a partir da conexão entre elementos formais do
texto com o conhecimento de mundo, crenças, etc..., denomina-se inferência.
O ato de inferir, ou seja, de preencher e recuperar as informações implícitas é decisivo na
produção do sentido, logo, no estabelecimento da coerência, pois elas contribuem para a
organização do sentido. E essa contribuição essencial à compreensão do texto é possibilitar o acesso
a informações futuras e estabelecer a continuidade de sentido, tornando-se um fator fundamental
para a construção da coerência.
PRODUÇÃO TEXTUAL NARRATIVA: HISTÓRIAS
O ato de contar histórias, seja pela modalidade oral ou escrita, é uma prática bastante
comum entre os usuários de uma língua. Isso, não só porque a narrativa, fundamentalmente,
organiza facilmente nosso pensamento ou interação com os outros seres humanos, mas também
porque a narrativa é produzida por um sujeito – num dado grupo social, num dado tempo e num
determinado espaço – que expõe idéias, anseios, temores, expectativas da sua época e da sua
sociedade, conforme Eco (1994 apud BROCKMEIER ;HARRÉ, 2003).
Todo texto narrativo tem um caráter histórico, não no sentido de que narra fatos históricos,
mas no de revelar idéias e concepções do período em que ele foi produzido.
Em seu sentido mais corrente e geral, a narrativa é o nome para um conjunto
de estruturas lingüísticas e psicológicas transmitidas cultural e
historicamente, delimitadas pelo nível do domínio de cada indivíduo e pela
combinação de técnicas sócio-comunicativas e habilidades lingüísticas.
(BRUNER, 1991, p. 21 apud BROCKMEIER; HARRÉ 2003)
Observa-se, então, que a produção de um texto narrativo permite ao indivíduo exercitar a
reflexão (semântica e lingüística) através da retomada de acontecimentos passados, presentes e até
mesmo, a confabulação de ações futuras. Ou seja, ao se narrar algo, ou algum evento, uma situação
complicada, uma intenção, um sonho, uma angustia, a situação comunicativa estruturada pelos
elementos constitutivos do gênero narrativo, demonstram as mudanças progressivas de estado que
vão ocorrendo com as pessoas e com as coisas através do tempo. Tem a ver com a transmissão de
nossa cultura e tradições e é um tipo de produção que, depois de feita, tem vida independente do
autor e da época, mantendo-se sempre atual. É importante ressaltar também, a acepção que aqui se
dá ao termo autor, sob a luz do caráter discursivo do sujeito, que está determinado pela
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exterioridade (contexto sócio-histórico) e que implica numa posição de natureza mais social,
autônoma, ao mesmo tempo em que ele se remete à sua própria interioridade (ORLANDI, 1988, p
79). Assim, produzir narrativas significa delimitá-las por princípios de constituição bastante
precisos, sendo possível especificar seu início, desenvolvimento e seu final apresentando
características peculiares como: organizações lingüísticas (elementos coesivos) e componentes
estruturais (personagens, tempo e espaço bem definidos, verbos de ação, enredo fixo). Segundo a
teoria de Larivaille (1982) a narrativa para passar do estado inicial para chegar ao estado final se
organiza em três seções:
►Estado inicial: nele é feita a apresentação das personagens, lugar e tempo;
►Transformação: processo dinâmico, que provoca mudança no estado inicial;
►Estado final: novo equilíbrio, que resulta das mudanças que o estado inicial sofreu.
E esse processo se apresenta bastante nas narrativas, principalmente, a mudança de um
estado que é marcada pela relação temporal/espacial que acarreta num momento transitório regido
pela dinâmica das ações.
Uma narrativa ideal começa por uma situação estável que uma força
qualquer vem perturbar. Disso resulta um estado de desequilíbrio, pela a
ação de uma força dirigida em sentido inverso, o equilíbrio é restabelecido:
o segundo equilíbrio é semelhante ao primeiro, mas os dois nunca são
idênticos. (PERRONI, 1992, p. 74)
Esse desequilíbrio a que se refere a autora, é desencadeado por ações singulares (inclusão
de novos personagens, exploração de outros cenários ou comportamentos) que levam a uma
mudança de estado e, consequentemente, ao desenrolar da história.
O interessante é que, por um lado, na medida em que nos conta as histórias de alguns
personagens, geralmente em tempo e espaço bem definidos, um universo fictício pode ser visto
como um pequeno mundo infinitamente mais limitado que o mundo real. Por outro lado, na medida
em que adicionam alguns indivíduos, circunstâncias e eventos ao conjunto do universo real (que
serve como fundamento), podem-se considerar maior que o mundo de nossas experiências. “A
partir desse ponto de vista, o universo fictício não termina com a estória propriamente, mas se
extende indefinidamente.” (Eco, 1994 apud BROCKMEIER ;HARRÉ, 2003). Isso devido ao fato
das narrativas, mais do que as outras seqüências tipológicas (argumentar, expor, descrever etc...)
evidenciar aspectos indissociáveis dos jogos de linguagem, das práticas concretas colocadas em
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ação através do uso das palavras às quais carrega consigo os traços de todos os sujeitos, possíveis e
reais, que já empregaram tal palavra. Como diz Eco (1994, p.63 apud BROCKMEIER ;HARRÉ,
2003).
[...] os leitores ou ouvintes de uma estória fictícia precisam conhecer várias
coisas sobre o mundo real para poderem assumi-lo como o fundamento
correto para o mundo fictício. Eles permanecem com um pé no mundo de
fato e o outro no universo narrativo do discurso.
Tal análise faz concluir que o conteúdo de uma história não existe em si mesmo, mas
relacionado com situações vividas, recriadas a partir dessas mesmas experiências, mas de uma
forma tão intensa que o sentido posterior que lhes é dado aprofunda e esclarece a própria
experiência. A linguagem assume, assim, uma potencialidade de organização de sentido que, posta
em prática pelo produtor, traz à superfície realidades que foram marcantes ao longo de um percurso
pessoal.
A realidade cotidiana é percebida por cada um de nós de um modo muito
particular, damos sentido às situações por meio do nosso universo de
crenças, elaborado a partir das vivências, valores e papéis culturais inerentes
ao grupo social a que pertencemos. As representações nos permitem
decodificar e interpretar as situações que vivemos. Os nossos filtros
interpretativos nos permitem apropriarmo-nos dessa realidade e agirmos
sobre ela utilizando, por vezes, modelos que antecipam o comportamento
dos outros. E assim vamos construindo um percurso individual feito de
cruzamentos de histórias que vivemos ou que ouvimos contar. (GALVÃO,
2002, p. 342)
E essa realidade de caráter subjetivo alcança sucesso quando os interlocutores envolvidos
começam a se entrecortar na construção/interpretação dessa história, é como se a aceitabilidade
daquele evento narrado dependesse de ambos (produtor e leitor), ou seja, o cruzamento de histórias
que vivemos ou que ouvimos falar, bem como aceitar esse discurso significa despertar os
conhecimentos partilhados, crenças, ideologias a que os interlocutores/narradores dentro de um
contexto-histórico estão submetidos. Portanto, não basta, apenas, fazer a narração de um evento
respeitando as estruturas e a forma, mas o processo de contar história aponta, também, para a
necessidade de considerar os aspectos macro-lingüísticos relativos a um determinado tipo de texto.
Logo, diversos fatores estão envolvidos no estabelecimento da compreensão, ou melhor, da
coerência, daquilo que está sendo narrado, seja do ponto de vista daquele que recebe o texto
(leitor/ouvinte), seja daquele que produz o texto (narrador).
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Segundo a gramática de história (STEIN, 1982), esses aspectos são: manutenção do tópico,
relação entre os eventos narrados e relação entre os eventos presentes no desenvolvimento da
história e de seu desfecho, os quais são assim definidos:
► Manutenção dos personagens ao longo da narrativa: agentes que participam e estão engajados
nos eventos que compõem a história;
► Relação entre os eventos narrados que precisam estar conectados entre si pelos personagens, e
que contribuem para a unidade da narração;
► Relação entre os eventos presentes no desenvolvimento da história e seu desfecho, de forma que
uma história coerente deve finalizar com uma conclusão ou desfecho que envolve tanto os
personagens, como também uma relação estreita com os episódios narrados.
A utilização desses aspectos permite a progressão textual, bem como a articulação de
informações velhas às novas. Assim, não só cabe à superfície textual a responsabilidade de fazer
progredir o texto, mas também promover as relações pragmático-semânticas difundidas no texto e
inferidas a partir dele.
DELINEAMENTO METODOLÓGICO
Tendo como objetivos identificar o uso dos elementos linguísticos e não -linguísticos na
produção do texto narrativo escrito e observar a leitura de imagens na produção do mesmo, buscou-
se evidenciar a presença e a seleção desses elementos nos textos produzidos por alunos do 7º ano do
Ensino Fundamental de uma escola particular. O corpus analisado é composto por quatro textos de
uma turma de total de 36 alunos. A escolha por esses textos segue o critério da não repetição das
imagens que ao total foram seis (O coisa, Cinderela, Alladin, Pocahontas, Ursinho Pooh, Tinger
Bell).
A atividade ocorreu em sala de aula, na disciplina de redação e a aplicação didática seguiu o
modelo de Ott (1984 apud BROCKMEIER; HARRÉ 2003) que postula a seqüência didática,
usando a leitura de imagem como objeto de análise.
O primeiro passo foi preparar os alunos para atividade, fazendo especulações acerca das
imagens. Em seguida, as imagens foram afixadas no quadro branco e os educandos foram
questionados quanto ao que viam, como: as emoções que cada uma suscita, suas trajetórias e o
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contexto que foram originadas, fazendo, portanto, um trabalho de ativação de conhecimentos
prévios e de interpretação. Por último, foi pedido que elaborassem um texto narrativo (gênero
estudado na unidade escolar em questão) a partir da leitura daquelas imagens.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Baseada nos critérios de Fávero (2002) e Antunes (1996), através do mapeamento colorido
disperso no texto (partes destacadas coloridas) inicialmente, procedeu-se a uma análise das histórias
em relação aos fenômenos linguísticos, percorrendo a seguinte ordem: a) coesão referencial por
substituição - analisando as ocorrências das pro - formas pronominais e adverbiais; b) coesão
referencial por reiteração – analisando a ocorrência dos hiperônimos e hipônimos; c) coesão
sequencial temporal – analisando as ocorrências das ordenações lineares dos elementos; d) coesão
sequencial conexão – analisando os operadores lógicos e discursivos. Como segue abaixo:
OCORRÊNCIAS DOS FENÔMENOS LINGUISTICOS
Coesão Referencial por Substituição e Reiteração.
A coesão Referencial subdivide-se em: por substituição e por reiteração. Ambas, presentes
em todos os textos analisados. A por substituição apresenta-se de duas maneiras: uma, recorrendo-
se ao uso das pro-formas1 pronominais, que dizem respeito ao uso dos pronomes em 3ª pessoa,
sendo o mais comum nos textos analisados o emprego de ele(s)/ela(s) - que também recebe a
classificação de pronome anafórico - retomado de um termo escrito anteriormente na superfície
textual - e a outra pelas por - formas adverbiais, que dizem respeito ao emprego dos advérbios (no
nosso caso, apenas o de lugar).
A coesão por reiteração, que é a repetição de expressões no texto, se apresenta por meio da
utilização de hiperônimos, hipônimos2, sinonímia
3 e repetição do item lexical.
Coesão sequencial por conexão
1 Elemento gramatical representante de uma categoria como, por exemplo, o nome; caracteriza-se por baixa densidade
sêmica ; traz as marcas do que substitui. (FÁVERO , 2002, p.24). 2 É quando o primeiro elemento mantém com o segundo uma relação parte-todo, elemento-classe. (FÁVERO 2002, p.
24) 3 É a identidade semântica entre os elementos lexicais.
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Diz respeito às relações entre as partes do texto que devem estabelecer conexões (operadores
do tipo lógico4 e discursivo
5). Nos textos analisados, todos utilizaram esse recurso, seja pelo uso das
conjunções aditivas e/nem - presentes em todo o corpus - seja pelo uso das contrajunções ou
conjunções opositivas. E também o uso da relação causa versus conseqüência presente nos Textos 1
e 4. Abaixo um exemplo do Texto 1:
Texto 1: Um novo quase habitante
Um dia, nos Estados Unidos da América, tinha um ursinho muito divertido chamado Puft,
que mora em uma floresta muito encantadora e (conjunção aditiva) viu na televisão a folia que era
o carnaval no Brasil e Pernambuco.
Passado seis Puft comprou a passagem e ( conjunção aditiva) foi para o Brasil, lá ele já viu
no aeroporto a alegria que o “time” brasileiro representava, logo que chegou em Pernambuco foi
para um hotel cinco estrelas, e (conjunção adversativa) como na floresta em que vivia não existia
dinheiro ele pagou a diária com uma pombinha de ouro.
No dia do carnaval Puft colocou uma fantasia, de empresário (porque - conjunção causal -
é totalmente diferente de um empresário) e (conjunção aditiva) foi pular carnaval, tirou muitas fotos
e (conjunção aditiva) depois de um mês voltou para sua terra natal.
Quando chegou lá mostrou suas fotos aos seus amigos que decidiram juntamente com Puft a
ir todos os anos ao Brasil e (conjunção aditiva) todos os anos vi ao Brasil com seus amigos, Puft
virou um quase habitante.
MATRIZ (termo de origem) REFERENTE (termo de origem
retomado)
Estados Unidos da América
Floresta (hiperônimo);
lá (pro - forma adverbial);
terra natal (sinonímia).
Puft
ele (pro-forma ronominal/pronome
anafórico);
Fantasia de empresário (Sinonímia).
Brasil
lá (pro-forma adverbial);
Pernambuco (hiperônimo)
Observa-se que o uso da conjunção (e) é bastante freqüente, mas também que, os seus
sentidos são bem diferentes. Ora, provocando o sentido de adição de idéias/ações, ora causando a
4 A relação lógica que o escrito/locutor estabelece entre duas proposições. (FÁVERO, 2002)
5 Tem por função estruturar os enunciados do texto dando-lhes os seus sentidos argumentativos. (FÁVERO, 2002)
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idéia de adversidade, oposição. Cabe ao leitor perceber a relação que um enunciado tem com o
outro para realizar a identificação das conjunções aditivas e adversativas.
Existe também a ocorrência da conjunção com valor causal (porque) que narra o motivo de
usar a fantasia de empresário. Já a ocorrência da hiperonímia, que estabelece uma relação de
inclusão entre a parte com o todo, isto é, entre Estados Unidos da América (todo) e floresta (parte),
e, entre Brasil (todo) e Pernambuco (parte), é um recurso coesivo interessante que delimita,
especifica os fatos narrados. O uso da sinonímia, outro recurso coesivo bastante utilizado, recupera
textualmente, exemplo, os Estados Unidos da América substituído por terra natal.
Texto 2: Aladin é um voador
Era uma vez um menino chamado Aladin, todo mundo chamava ele de Alan. Alan tinha
um tapete voador, pois (conjunção causa) ele voava quando tinha alguma emergência.
Um dia ele tinha uma emergência, e (conjunção aditiva) teve que voar, na hora que ele vôo
ele viu uma menina muito linda voando e (conjunção aditiva) se apaixonou à primeira vista, quase
que ia caindo de tão linda era linda. Quando chegou contou logo(conjunção conclusiva) pro seu
melhor amigo que era o macaquinho. Ele foi com o macaquinho atrás da menina, mas
(conjunção adversativa) ele não viu, procurou tanto que ele nem achou. Chegaram em casa muito
cansados foram dormi.
No outro dia o macaquinho tava dizendo que ela não existia, mas (conjunção adversativa)
alan tava dizendo que era verdade, depois de muito tempo descobriram quer era só um sonho de um
menino alan.
MATRIZ (termo de origem) REFERENTE(termo de origem retomado)
Alladin um menino (sinonímia);
ele (pro-forma pronominal/pronome anafórico);
Allan (sinonímia).
Menina Ela (pro-forma pronominal/ pronome anafórico).
Macaquinho Amigo (sinonímia)
Novamente, o uso da conjunção aditiva nesse Texto 2 é bastante recorrente e sempre com o
sentido de adição de idéias/ações. Outra conjunção usada é a que exprime oposição, sendo
identificada por Fávero (2002) como contrajunção. No caso do Texto 2, ocorre no momento que
Alladin procura a menina mas não a encontra. Ora, mesmo Alladin tendo uma visão mais
privilegiada, pois estava voando, ainda assim não encontrou a tal menina.
Um fenômeno interessante que ocorreu no Texto 2 é o fato de que no final do penúltimo
parágrafo aparece a desinência de número, ainda que os sujeitos não tenham sido explicitados
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naquela oração, assegurando assim, a progressão textual no nível horizontal e proporcionando o
sentido do texto em cada um dos seus segmentos, como se exemplifica abaixo:
“[...] Chegaram em casa muito cansados foram dormi.[...]”
Texto 3: O possível fim do era uma vez.
Uma vez (EU) estava andando perto do porto do Recife e (conjunção aditiva) vi alguns
personagens de desenhos animados presos por correntes grandes e grossas, entre eles estavam As
menina superpoderosas, o coisa, a tinger bell, os simpsons e pocarrontas. Fui ver o que estava
havendo ali, Perguntei ao comandante do navio o que havia e (conjunção aditiva) ele disse que os
personagens foram presos pelo encantado de Sher. Então (conjunção conclusiva) eu fingi que
também estava presa, (EU) fui até o covel do mal do encantado e (conjunção aditiva) lá tinham
vários frascos coloridos, Eu me escondi e (conjunção aditiva) vi o encantado dizer: Ó meu povo de
armados, eu o grande Rei encantado, guardarei sua graça e magia dentro desse potes coloridos.
Eu neste momento vi a pocarrontas se soltando e (conjunção aditiva) enquanto o encantado
Virava Para Beber água ela o golpeou nas costas e (conjunção aditiva) fugiu, fui atrás dela e vi ela
num barco indo embora, Fiquei feliz por ela mas (conjunção aditiva) voltei para ajudar os outros,
destranquei o barco e (conjunção aditiva) quando todo já entravam, (EU) levei um soco na cara do
comandante e (EU) caí no chão quando vi pocarrontas apareceu e jogou o capitão fora do navio,
Manda todos entrarem e (conjunção aditiva) fez meu nariz parar de sangrar. (EU) Desci do navio e
(conjunção aditiva) todos os animados foram embora, Para onde não sei, só sei que até hoje não vi
mais a pocarrontas, só sinto que ela está sempre ao meu lado, sempre perto de mim.
MATRIZ (termo de origem) REFERENTE (termo de origem
retomado)
Porto do Recife Ali (pro-forma adverbial).
Personagens Eles (pro-forma pronominal/anafórico);
Todos (pro-forma pronominal)
Pocahontas Ela (pro-forma pronominal/ anafórico);
Dela (pro-forma)
Cavel do mal
Lá (pro- forma adverbial)
Comandante Capitão (sinonímia)
Barco Navio (sinonímia)
Eu Mim/me/meu (pro-forma pronominal)
No Texto 3, o narrador participa de todos os eventos narrados, concluí-se isso devido ao fato
de alguns verbos se encontrarem em 1ª pessoa do singular:
“[...] Uma vez (EU) estava andando [...]” / “[...] (EU) Fui ver o que estava havendo ali[...]”
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O reporte do pronome (EU) mediante o uso dos verbos conjugados em 1ª pessoa do singular
torna a classificação linguística desse narrador-personagem em sujeito oculto, que é bastante
trabalhado em todos os manuais de Língua Portuguesa, e, portanto, um excelente recurso coesivo.
O uso da sinonímia que, no Texto 3, é realizada entre os termos comandante e capitão,
ocorrendo a simetria entre os dois termos, apenas, a nível de superfície textual que, rapidamente,
um reporta-se ao outro, mas que ambas não apresentam semelhanças de funções em suas condições
reais.
Fora isso, observa-se que diferentemente do Texto 1, o uso da pro-forma adverbial (ali)
aparece apenas uma vez, ainda que exista dois cenários (dentro do navio e no porto do Recife),
embora o navio esteja dentro do porto do Recife. Talvez tenha sido esse o raciocínio do produtor em
retomar o cenário apenas uma vez. Porém isso torna o texto confuso, principalmente, na ocasião
narrada (2º parágrafo)
Não se sabe, portanto, em que cenário está o narrador-personagem na hora em que viu
Pocahontas indo embora, mas que retorna para ajudar os outros personagens. O uso dos anafóricos
mais uma vez é requisitado, igualmente nos textos anteriores, mas não porque o aluno desse nível
escolar tenha noção de redundância, mas por uma questão lógica de ser mais fácil recapitular algo
disperso na superfície textual do que as estruturas não recobráveis.
Texto 4: Mudança de vida …
Como podemos vê, a moça ao lado é Cinderella, a garota que se casou com um príncipe
por causa (conjunção causal) de um sapatinho de cristal. Ela casou-se e (conjunção aditiva) foi
morar num incrível palácio, porém (conjunção adversativa) o príncipe andava mudado, não queria
mais sair com Cinderella, nem (conjunção aditiva) dava mais flores e (conjunção aditiva) por isso
ela andava entristecida. Um dia o príncipe saiu no meio da noite e Cinderela o seguiu ele o
encontrou dando uma aliança para outra mulher, então (conjunção conclusiva) ela correu para o
palácio, pegou suas roupas e (conjunção aditiva) se separou do principe que logo (conjunção
conclusiva) casou de novo. Cinderela decepcionada logo (conjunção conclusiva) ficou em um bar
olhando o movimento e apareceu um homem, sentou-se ao lado dela e (conjunção aditiva) convidou
ela para cantar e (conjunção aditiva) ela não recusou subiu no palco e (conjunção aditiva) deu um
tremendo show e desde então dedicou sua vida a carreira de cantora e virou uma pop star super.
MATRIZ (TERMO DE ORIGEM) REFERENTE (termo de origem
retomado)
Cinderella Moça/garota/pop star (sinonímia);
Ela (pro-forma pronominal/anafórico).
Príncipe Ele (pro-forma pronominal/ anafórico).
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No Texto 4, a ocorrência do referente anafórico (ela) equipara-se com a quantidade de vezes
que aparece a matriz (Cinderella), diferentemente de todos os textos que ora apareciam mais a
matriz (como acontece com a matriz príncipe), ora mais o anafórico. Outro detalhe é quanto ao uso
da sinonímia, por exemplo, a matriz Cinderella aparece através dos referentes (moça; garota). O
mais interessante é que os termos garota e moça, textualmente, exprimem o mesmo sentido, pois as
diferenças entre moça e garota nem sempre são claras no contexto real para esse público (alunos do
7º ano). Neste texto não ocorre a pro – forma adverbial. Talvez isso se deva ao fato deste apresentar
três cenários bastante isolados um do outro (palácio, local do encontro e bar).
O uso da conjunção aditiva (e) mais uma vez se repete, entretanto, nesse texto ocorre
também o único caso de conjunção aditiva, nem, quando comparado aos outros textos analisados. O
relevante dessa conjunção é que além de adicionar idéias, dá uma atribuição negativa ao invés de
utilizar puramente o advérbio de negação não. Há também a escolha de uma contrajunção ou
conjunção adversativa, diferente do mas, que no caso foi o uso do porém. Não que mude o sentido
de unir ações opostas, mas que em todos os textos analisados, a primeira ocorrência dessa
conjunção (porém) se deu nesse texto. Outro evento inédito foi o uso da conjunção causal por
causa:
„[...] Como podemos vê, a moça ao lado é Cinderella, a garota que se casou com um príncipe por
causa de um sapatinho de cristal [...]”
A relação de causa e conseqüência comumente andam juntas, entretanto no caso do Texto 4,
não haveria a necessidade de explicitar a causa, o motivo (sapatinho de cristal que coube no pé de
Cinderela) que fez o príncipe casar-se com Cinderela. Assim, caso o produtor houvesse omitido a
causa, mesmo assim, seria possível concluir como foi que as coisas aconteceram, uma vez que o
conto de fadas Cinderela é socialmente conhecido nesse público. Exemplo:
“[...] essa é a Cinderela que casou - se com o príncipe [...]”
Coesão Sequencial temporal
Esse tipo de coesão diz respeito à progressão do fluxo informacional, ou seja, faz o discurso
“caminhar”. Portanto, é o meio de articular a informação velha à nova, ordenando linearmente os
fatos. A ocorrência da coesão sequencial temporal foi utilizada nos Textos 3 e 4 analisados, como
demonstrado nos exemplos que se seguem.
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TEXTO 3: O possível fim do era uma vez.
“[...] pocarrontas se soltando [...]” “[...] ela indo embora [...]” “[...] pocarrontas apareceu e
jogou o capitão fora do navio, mandou todos entrarem [...]”
O referente Pocarrontas foi retomado sendo que, nesse caso, com a função de adiantar o
discurso, ou seja, registrando as diferentes ações por ela praticadas.
TEXTO 4: Mudança de vida.
“[...] apareceu um homem, sentou-se ao lado dela e convidou ela para cantar e ela não
recusou subiu no palco e deu um tremendo show [..]”
O referente Cinderela foi retomado pela pro - forma pronominal ela, mas que introduziu
novas ações, permitindo, portanto, ocorrer a progressão textual.
OCORRÊNCIAS DOS FENÔMENOS NÃO-LINGUÍSTICOS
Para essa análise será realizada, primeiramente, a constatação das características do gênero
narrativo história, e, em seguida, destacar-se-á a importância das inferências e conhecimentos de
mundo para se atingir uma leitura global e, por conseguinte, significativa.
A construção psicológica e o percurso a que cada produtor-aluno se propôs a fazer, dentro
do texto narrativo, são fruto dos conhecimentos armazenados, das leituras de mundo que cada
autor/narrador tem. Para tanto, utilizar-se á das seguintes nomenclaturas baseadas em Beaugrande e
Dressler (1981) considerando os seguintes aspectos:
a) A manutenção dos personagens: são os personagens que participam e que estão engajados nos
eventos que compõem a história.
Tipo P1: personagem principal indefinido.
Tipo P2: personagem principal definido que desaparece no decorrer da história.
Tipo P3: personagem principal definido e mantido ao longo de toda a narração.
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b) A relação entre os eventos narrados: é a articulação, o diálogo entre as partes do texto que
garantem a progressão textual.
Tipo E1: aquelas histórias que apresentam vários eventos, sendo difícil definir o principal,
mas que apresentam alguma relação entre si, estando, por exemplo, ligados pelos mesmos
personagens e ao redor de uma trama principal.
Tipo E2: histórias que apresentam um evento principal, trama ou situação-problema central,
bem definida que rege toda a história e as ações dos personagens.
c) A relação entre os eventos presentes no desenvolvimento da história e seu desfecho: é a
finalização da história que envolve tantos os personagens, como também uma relação estreita com
os episódio narrados.
Tipo D1: neste caso há ausência de um desfecho.
Tipo D2: apesar de a história apresentar um desfecho, este não apresenta uma relação com o
evento principal ou mesmo com o tema tratado na história.
Tipo D3: desfecho definido e em estreita relação com o evento principal, trama ou situação-
problema.
No Texto 3, a narrativa se procede com narrador personagem, ou seja, ele participa dos
eventos narrados. E isso se constata pela a utilização dos enunciados de fazer7 e ser
8, como mostram
os exemplos abaixo:
“Uma vez (eu) estava andando perto do porto do recife e (eu) vi alguns personagens de desenhos
[...] Eu neste momento vi a pocarrontas se soltando [...]”
Além dessa característica, o Texto 3 também apresenta uma outra particularidade – o não
aparecimento de um personagem principal, mas de dois protagonistas: o autor da narrativa e a
Pocahontas.
7 Fazer: são os que mostram as transformações, os que correspondem às passagens do enunciado de um estado a outro.
(FIORIN, 2006, p.28)
8 Ser: são os que estabelecem uma relação de junção/disjunção/junção entre um sujeito e o objeto (FIORIN, 2006, p. 28)
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A ocorrência do evento (P1 - personagem principal indefinido) é mantida ao longo da
narrativa, portanto, não ocorre a perda da continuidade textual, visto que o leitor consegue
engendrar a compreensão do texto através das ações mobilizadas ora pelo o autor do texto, ora pelas
atitudes de Pocahontas.
Os textos 1, 2 e 4 apresentam a ocorrência (P3). Os personagens Pooh, Aladin e Cinderela,
respectivamente, desde o primeiro parágrafo, são apresentados como principais, como se observa
nos trechos iniciais das histórias a seguir:
“Um dia, nos Estados Unidos da América, tinha um ursinho muito divertido chamado Puft, que
mora em uma floresta muito encantadora [...]”
“Era uma vez um menino chamado Aladin, todo mundo chamava ele de Alan.Alan tinha um tapete
voador, pois ele voava quando tinha alguma emergência.”
“Como podemos vê, a moça ao lado é Cinderella, a garota que se casou com um príncipe por causa
de um sapatinho de cristal.”
Quanto à relação entre os eventos, os Textos 1 e 4 apresentam a ocorrência (E2- história
com trama que rege toda a história), pois a seqüência de ações marcadas pela mudança de
parágrafo, no caso do Texto 1, revela essa continuidade de ações, como se verifica abaixo:
“Um dia, nos Estados Unidos da América, tinha um ursinho muito divertido chamado Puft,
que mora em uma floresta muito encantadora e viu na televisão a folia que era o carnaval no Brasil
e Pernambuco.
Passado seis Puft comprou a passagem e foi para o Brasil, lá ele já viu no aeroporto a alegria
que o “time” brasileiro representava, logo que chegou em Pernambuco foi para um hotel cinco
estrelas, e como na floresta em que vivia não existia dinheiro ele pagou a diária com uma pombinha
de ouro.”
Já no Texto 4, uma série de atitudes praticadas pelo príncipe (mudança de comportamento),
foi gerando outras, em Cinderela ( a desconfiança de que algo não estava bem entre os dois).
Observa-se que diferentemente do Texto 1, o Texto 4, inicialmente, apenas descreve a condição de
Cinderela e de como se tornou princesa. É no final de um possível parágrafo (uma vez que o
narrador produziu o seu texto em apenas um) que começam as mudanças. Observe:
“[...] porém o príncipe andava mudado, não queria mais sair com Cinderella, nem dava mais flores e
por isso ela andava entristecida Um dia o príncipe saiu no meio da noite e Cinderela o seguiu ele o
encontrou dando uma aliança para outra mulher, então ela correu para o palácio, pegou suas roupas
e se separou do príncipe que logo casou de novo.”
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O fato do aluno-autor ter produzido apenas um parágrafo talvez esteja associado à questão
do desfecho ser encarado por ele como finalizador de apenas uma situação-problema: “mudança de
vida”. Ou seja, Cinderela se separa, mas supera o problema (a traição) e torna-se uma pop star.
Mas não é só o Texto 4 que apresenta desfecho definido e em estreita relação com o evento
principal ou situação-problema (D3), os Textos 1 e 3 também seguem esse tipo de desfecho, pois o
Pooh (Texto 1) vai ao Brasil, diverte-se no carnaval pernambucano, volta para os EUA e todos os
anos vem para o Brasil nesse período. Já no Texto 3, os personagens principais (narrador
personagem e Pocahontas) se mobilizam: ela quer volta para ajudar o narrador personagem, que já a
tinha ajudado anteriormente, e ao qual auxilia na hora em que o nariz dele está sangrando. E isso
também o classifica como uma história com evento principal, trama ou situação-problema central,
bem definido que rege toda a história e as ações dos personagens (E2), como mostra o trecho da
história abaixo:
“[...] voltei para ajudar os outros, destranquei o barco e quando todo já entravam, levei um soco na
cara do comandante e caí no chão quando vi pocarrontas apareceu e jogou o capitão fora do navio,
Manda todos entrarem e fez meu nariz parar de sangrar.”
Apenas o Texto 2 apresenta vários eventos, sendo difícil definir o principal (E1) e a
finalização da história não apresenta uma relação com o evento principal ou mesmo com o tema
tratado na história (D2). Isso porque o aluno-autor, primeiramente, diz que Aladin usa o tapete
mágico apenas nos casos de emergência, mas não informa-nos qual emergência, pois enquanto voa
ele avista uma moça muito bonita que o tira da sua missão :
“Um dia ele tinha uma emergência, e teve que voar, na hora que ele vôo ele viu uma menina muito
linda voando e se apaixonou à primeira vista, quase que ia caindo de tão linda era linda [..]”
Percebe-se, portanto, que o autor não retoma mais a tal emergência. O desfecho em (D2) é
praticamente a conseqüência dessa falta de continuidade do evento principal (E1), ou seja, o que foi
dito no primeiro parágrafo, não se relaciona em quase nada com o que foi dito no último, como se
pode verificar:
“Era uma vez um menino chamado Aladin, todo mundo chamava ele de Alan. Alan tinha um tapete
voador, pois ele voava quando tinha alguma emergência.” (PRIMEIRO PARÁGRAFO)
“No outro dia o macaquinho tava dizendo que ela não existia, mas alan tava dizendo que era
verdade, depois de muito tempo descobriram quer era só um sonho de um menino Alan.” (
ÚLTIMO PARÁGRAFO)
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A questão da inferência, outro parâmetro de análise do presente artigo, que necessita do
conhecimento de mundo para que ela ocorra, foi requisitada em todos os textos, portanto, entre
aquilo que o autor quer dizer e aquilo que o leitor infere, depende da seleção de palavras e de
conhecimento de mundo que detém o autor.
Assim, para cada texto analisado se fará apenas um recorte de conhecimento inferido e de
mundo. No caso do Texto 1 o fato de o ursinho Pooh ser dos EUA (uma superpotência mundial,
tanto economicamente, como politicamente forte = conhecimento inferido) fez com que seu autor
também produzisse que ao invés de ser potinho de mel (o qual Pooh adora) fosse de ouro, até
porque mel não pagaria as despesas de se hospedar num hotel cinco estrelas, conforme o autor
narra.
“[...] logo que chegou em Pernambuco foi para um hotel cinco estrelas, e como na floresta
em que vivia não existia dinheiro ele pagou a diária com uma pombinha de ouro.”
Como o ursinho Pooh é dos Estados Unidos, é provável que tenha dinheiro e não pode se
hospedar em qualquer hotel, e esse raciocínio é fruto do conhecimento a que todos nós temos em
relação a quem vem de outros países, principalmente EUA, onde muitas pessoas vão para lá com a
finalidade de “ajuntar” dinheiro. Outro aspecto interessante, é quanto à fantasia do ursinho, que no
caso é de empresário:
“No dia do carnaval Puft colocou um fantasia, de empresário (porque é totalmente diferente de um
empresário) [...]”
Portanto, para o produtor do texto fantasia tem que ser algo diferente de quem ou do que
você é, o fato, provavelmente, de o ursinho Pooh ter se hospedado em um hotel cinco estrelas, ter
vindo dos Estados Unidos da América, ter dinheiro mas não ser pessoa. A fantasia de empresário
(ou seja, uma pessoa) seria uma boa indumentária que representa bem o que você é, no caso dele,
um ursinho rico.
Já no Texto 2, o fato de Allan ter se apaixonado à primeira vista por uma menina muito
linda e talvez se desviado da sua “emergência”, faz concluir que vale a pena ir atrás dela
(conhecimento inferido), entretanto, ele a procura mas não encontra:
“[...] Ele foi com o macaquinho atrás da menina, mas ele não viu, procurou tanto que ele nem
achou.”
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É se baseando talvez na ideia de que nos sonhos acontecem coisas inexplicáveis, que o autor
narra o fato de Allan não ter encontrado essa menina linda, pois ela era tão linda que não era
possível existir (conhecimento inferido a partir dos contos de fadas e da experiência sobre os
sonhos):
“[...] Chegaram em casa muito cansados foram dormi. No outro dia o macaquinho tava dizendo que
ela não existia, mas alan tava dizendo que era verdade, depois de muito tempo descubriram quer era
só um sonho de um menino alan.”
No Texto 3, assim como em quase todas as histórias de conto de fadas, há o súdito (o
comandante), o vilão (o Rei Encantado) e a turma do bem (as meninas super-poderosas, o coisa, a
tinger bell, os simpsons e a pocahontas). O vilão vive num castelo (navio) e tem o poder de fazer o
mal (guardar em potes as magias que cada personagem possui) e para destruí-lo tem-se que unir
forças (narrador-personagem e Pocahontas). Esse raciocínio paralelo orientou a construção do
enredo dessa narrativa. (Conhecimento de mundo)
A autora se apropriou de todos esses conhecimentos para articular, a partir da imagem de
Pocahontas (conhecida pela sua bravura), o percurso que cada personagem tomaria. Percebe-se que,
quando o encantado (o vilão) bebe água, ele dá às costas (Conhecimento inferido), pois é a hora em
que Pocahontas se solta e o golpeia. Pode-se inferir que esse golpe foi em um momento de
distração, uma vez que se não o fosse, ele (rei encantado) teria visto:
“[...] Eu neste momento vi a pocarrontas se soltando e enquanto o encantado Virava Para Beber
água ela o golpeou nas costas e fugiu [...]”
O Texto 4, em que aparece Cinderela como personagem principal, tem trama desenrolada a
partir de uma seqüência de atitudes por parte do príncipe, como se pode observar no trecho em
seguida:
“[...] o príncipe andava mudado, não queria mais sair com Cinderella, nem dava mais flores e por
isso ela andava entristecida Um dia o príncipe saiu no meio da noite e Cinderela o seguiu ela o
encontrou dando uma aliança para outra mulher [...]”
Assim, a mudança de comportamento do príncipe com Cinderela acrescida às saídas à noite,
bem como ao acontecimento de vê-lo entregando uma aliança para outra mulher, faz concluir que é
uma traição (conhecimento inferido). Para o aluno-produtor, as seqüências de comportamentos
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apresentadas pelo príncipe, são indícios de quem pratica uma traição. E isso pode ser inferido pelo o
que diz o aluno-produtor mais adiante:
“[...] Cinderela o seguiu ele o encontrou dando uma aliança para outra mulher, então ela correu para
o palácio, pegou suas roupas e se separou do príncipe que logo casou de novo.”
Mas Cinderela superou essa traição, tornando-se cantora. Assim, para a autora do texto, em
um momento como esse de separação, de decepção, nada como se dedicar à vida profissional
(conhecimento de mundo trazido para o texto).
“[...] Cinderela decepcionada logo ficou e em um bar olhando o movimento e apareceu um homem,
sentou-se ao lado dela e convidou ela para cantar e ela não recusou subiu no palco e deu um
tremendo show e desde então dedicou sua vida a carreira de cantora e virou uma pop star super
famosa.”
Antes Cinderela era apenas uma princesa que era sustentada pelo príncipe, agora, uma super
pop star que “deu a volta por cima”.
. Pensa-se que a imagem contribui na construção narrativa, através do desencadear que ela
provoca, justamente, na articulação daquilo que o autor/narrador sabe a respeito do mundo, bem
como a respeito daquilo que se quer dizer (ORLANDI, 1988). Significa dizer, que em todos os 4
(quatro) textos analisados neste artigo, a leitura de imagem foi realizada de modo denotativo, ou
seja, objetivamente, descrevendo as pessoas, as ações. E de modo conotativo, isto é, ressaltando as
apreciações do intérprete, aquilo que a imagem sugere e/ou faz pensar o leitor, enveredando-se,
portanto, para a utilização das inferências e do conhecimento de mundo.
Partindo-se do pressuposto de que estes textos foram produzidos sob um contexto não de
avaliação, mas sim de instrumento de sondagem acerca do gênero narrativo história e,
principalmente, que a produção dos mesmos foi realizada a partir da leitura de imagens de desenhos
animados socialmente conhecidos pela faixa etária investigada, evidenciou que ler uma imagem
possibilita o desprendimento da realidade na qual os personagens estão submetidos, bem como a
superação da primeira impressão que a linguagem iconográfica pode estabelecer. Assim, articular as
imagens com a narrativa não cumpre a função, apenas, de ilustrar, mas também de produzir
conhecimento e desvelar as nossas próprias emoções e experiências.
Considerações Finais
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Com este estudo verificou-se que trabalhar com narrativas escolares é uma atividade
enriquecedora não só pela variedade de recursos linguísticos ali requisitados, mas também pelo
acesso à bagagem simbólica a que cada indivíduo constrói, e que é acionada no ato daquela
produção. Porém, ao associá-la ao uso da linguagem iconográfica, amplia-se esse sentido, pois a
narrativa envereda para uma atividade lúdica e inusitada, mas ao mesmo tempo torna-se veículo de
respostas das intervenções do meio sobre nós, logo um trabalho que vai além do domínio do gênero
narrativo história, mas que também evidencia o desempenho expressivo de toda bagagem simbólica
a que nós, usuários da língua, detemos, acionando a memória, estimulando o senso critico da
apreciação de uma imagem e a observação do mundo ao redor (ORLANDI, 1988).
A aula de produção textual articulada as mais diversas formas de linguagem que circulam
em nosso meio social, permite destacar em sala de aula, as relações entre as modalidades escritas e
visuais, ou seja, reconhece que independentemente do suporte a que essa linguagem seja veiculada,
continua sendo o lugar de correlações (LEITE, 1997), isto é, tanto as palavras como as imagens
portam significados, e que organizadas, juntamente, objetivam construir sentidos e trazer
informações. E isso, foi encontrado em todos os textos analisados, ora mais evidente, como nos
Textos 1, 2 e 4, ora menos articulado com a imagem em si, mas sim, com o conhecimento acerca do
personagem, como no Texto 3. Mas em todos eles, confirma- se o que Joly (1996) afirma sobre a
relação de complementaridade entre o verbal e não verbal. Com isso, conclui-se que a imagem e
escrita se alimentam uma da outra, entrecortando-se para a expansão da compreensão textual e a
concretização do imaginário.
Outro resultado relevante diz respeito à cooperação harmônica dos recursos coesivos para a
construção do sentido, logo a coerência. Observou-se, por exemplo, que no Texto 3 quanto mais
equivocado é o uso de estruturas lingüísticas na superfície textual, mais difícil torna-se a produção
de sentidos e, consequentemente, mais incoerente torna-se o texto. Assim como, outro fator
responsável pela incoerência nos textos analisados (Texto 3), foi a dificuldade de desenvolver a
situação-problema (parte constitutiva) do gênero história com a imagem observada. Pois, para que
ocorra a progressão de cenas e fatos, dependem de uma intriga, de uma situação difícil, de uma
mudança de um estado para outro, como atesta Fiorin (2006) e que no caso desse Texto (3) não foi
contemplada. Então, a partir dessa verificação, surge o seguinte questionamento: em que medida o
uso de imagens, socialmente conhecidas, dificultam a criação da situação-problema na história?
Manejar com todas essas instâncias que se afloram nessa atividade de interlocução é
reconhecer que produzir um texto é ir além da escrita e da leitura, mas é também a capacidade de se
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reportar a construções cognitivas que se registram nas palavras. Verifica-se, portanto, que o texto
(narrativo) é um excelente campo de reflexão da escrita, mas não porque ela conecta um enunciado
ao outro, ou por que transforma os conteúdos - através de personagens individualizados - mas
também porque dessa conexão emerge o diálogo necessário para a compreensão significativa do
texto entre o autor e o leitor, através das inferências e conhecimentos de mundo.
Mais do que dar uma sugestão de atividade de produção textual a partir de leitura de
imagens, é instaurar o seu confronto com a finalidade de perceber que os recursos linguísticos, não
linguísticos e a imagem, quando associados, promovem o despertar de interpretações, cumprindo
com um dos principais propósitos da linguagem: espaço de interlocução.
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ANEXO
FIGURA 1
FIGURA 2
FIGURA 4: Cinderela
Figura 4
FIGURA 3