Ler o mar

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EB SANTA MARINHA MARATONA DE LEITURA: A LER O MAR

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MAR

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O MAR

Este é o maronde os barcos viajam, os peixes moram, os golfinhos saltam, as baleias lançam repuxos, as crianças nadam, os jardins são de coral e sabem a sal.

Este é o mar que se esgota em esgoto, se lixa em lixo, o das marés negras, das redes de arrasto, dos rastos de sangue, dos cemitérios nucleares, dos muitos azares.

Este é o mar. Quem é que entende a canção das ondas?

Luísa Ducla Soares

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“O castelo de areia"

Fiz um castelo de areiaMesmo à beirinha do marÀ espera que uma sereiaAli quisesse morar

Ó mar,Ó mar...Mas foi só uma gaivotaQue ali me foi visitar

Ó mar,Ó mar...Mas foi uma verde ondaQue ali me foi visitar.

E levou o meu castelo,O meu castelo de areiaPara no mar morar neleA minha linda sereia.

Luísa Ducla Soares

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CANTIGA AO DESAFIO

-Menina, que sabe ler,também sabe soletrar!Diga lá, minha menina:quantos peixes há no mar?

-Quantos peixes há no mareu já te vou responderSão metade e outros tantosfora os que ainda estão por nascer.

Diz-me lá, ó cantador,quantas penas tem um pato?quantos picos um ouriço,quantos cabelos um gato?

-Menina, perguntas bem,agora respondo eu:penas, picos e cabelossó têm os que Deus lhe deu.

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-Menina que tanto sabe,responda a esta pergunta:que ciência tem o mar,que tanta água em si junta?

-A ciência que o mar tem,não é coisa de pasmar:não há rio nem regatoque ao mar não vá parar.

Alice Vieira, Antologia “Eu bem vi nascer o Sol”

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HISTÓRIA DO SR. MAR

Deixa contar...Era uma vezO senhor MarCom uma onda...Com muita onda...

E depois?E depois...Ondinha vai...Ondinha vem...Ondinha vai...Ondinha vem...E depois...

A menina adormeceuNos braços da sua Mãe...

Matilde Rosa Araújo

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A Barca

Belaera aquelabarcano marbelaa sereiaa cantar.

Belaera aquelabarca no mar.

Papiniano Carlos

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À Volta de um Búzio

Dizem que o búzio nos trazao ouvido o som do mar.Mas eu acho que é mentira:se encosto o búzio ao ouvidosó ouço as ondas do ar.

As ondas do ar me trazemforte cheiro a maresia.as eu acho que é mentira:o mar não mora nas nuvens,nunca em nuvens viveria.

Descem as nuvens no marse acaso a chuva acontece,Mas eu acho que é mentira:se encosto o búzio ao ouvido,ouvir o mar me parece.

Maria Alberta Menéres

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Pelas valetas das vielas

“E foram-se as caravelaspelas valetas das vielasouvindo tocar violas dentro delas.Só levavam ar a bordocom cheirinho de alecrime desenhada nas velasuma corola de jasmim.E foi assim que a viagemdestas caravelaschegou ao fim,como um rumor de mara ecoar dentro de mim.

Luís Infante, Carla Pott

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PPORTUGAL

Somos vizinhos do marque nos dá sonho e comidalembrando o que descobrimoscom tantos anos de vida.Mareantes, emigrantes,fomos sempre buscar foraaquilo que nos faltavasem perder pela demora.Temos uma mesa de reise uma história de grandeza,mas baixamos a cabeçadando lugar à tristeza.»

José Jorge Letria

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ESPUMA

Mais leve que a pluma que no ar balança, pela praia dançaa ligeira espuma. Dançando se afaga no alado bailar! Pétalas de vaga, poeiras do mar...

E na dança etérea, que imparável ronda! Bafo de matéria,penugem da onda.

Afonso Lopes Vieira

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Cantares de búzios

Ai ondas do mar, ai ondas,ó jardins das alvas flores,sobre vós, ondas, ai ondas,suspiram os meus amores.

No fundo dos búzios cantao mar que chora a cantaró mar que choras cantando,eu canto e estou a chorar!

Ai ondas do mar, ai ondas,eu bem vos quero lembrar:«a minha alma é só de Deuse o meu corpo da água do mar!»

Afonso Lopes Vieira (1878-1946)

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A rosa e o mar

Eu gostaria ainda de falarDa rosa brava e do mar.A rosa é tão delicada,O mar tão impetuoso, que não sei como os juntarE convidar para o cháNa casa breve do poema.O melhor é não falar:Sorrir-lhes só da janela.

Eugénio de Andrade

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PRAIA

Na luz oscilam os múltiplos navios Caminho ao longo dos oceanos frios

As ondas desenrolam os seus braçosE brancas tombam de bruços

A praia é lisa e longa sob o ventoSaturada de espaços e maresia

E para trás fica o murmúrioDas ondas enroladas como búzios.

Sophia de Mello Breyner

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Barca Bela

Pescador da barca bela,Onde vais pescar com ela,Que é tão bela,Ó pescador?

Não vês que a última estrelaNo céu nublado se vela?Colhe a vela,Ó pescador!

Deita o lanço com cautela,Que a sereia canta bela...Mas cautela,Ó pescador!

Não se enrede a rede nela,Que perdido é remo e velaSó de vê-la,

Ó pescador!Pescador da barca bela,Inda é tempo, foge dela,Foge dela,Ó pescador!

Almeida Garrett

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ESTOU AQUI

Estou aqui sentado - ali o mar,as palmeiras.O leite fresco, o pão na mesa.O gesto sempre igualda luz, o mesmo olhar da ave.Existe uma harmoniaentre a luz e o mar,a mesma provavelmenteentre a palmeira e a ave,o leite e o pão.E com a palavra, o seuvoo a prumo,com a palavra qual é a relação ?

Eugénio de Andrade

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Foi no mar que aprendi

Foi no mar que aprendi o gosto da forma belaAo olhar sem fim o sucessivoInchar e desabar da vagaA bela curva luzidia do seu dorsoO longo espraiar das mãos de espuma

Por isso nos museus da Grécia antigaOlhando estátuas frisos e colunasSempre me aclaro mais leve e mais vivaE respiro melhor como na praia

Sophia de Mello Breyner Andresen

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Vozes Do Mar

Quando o sol vai caindo sobre as águasNum nervoso delíquio d’oiro intenso,Donde vem essa voz cheia de mágoasCom que falas à terra, ó mar imenso?

Tu falas de festins, e cavalgadasDe cavaleiros errantes ao luar?Falas de caravelas encantadasQue dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d'epopeias?Tens anseios D'amarguras? Tu tens também receios,Ó mar cheio de esperança e majestade?!D

Donde vem essa voz, ó mar amigo?...... Talvez a voz do Portugal antigo,Chamando por Camões numa saudade!

Florbela Espanca

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MAR SONORO

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,A tua beleza aumenta quando estamos sósE tão fundo intimamente a tua vozSegue o mais secreto bailar do meu sonho,Que momentos há em que eu suponhoSeres um milagre criado só para mim.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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FUNDO DO MAR

No fundo do mar há brancos pavores, Onde as plantas são animais E os animais são flores. Mundo silencioso que não atinge A agitação das ondas.Abrem-se rindo conchas redondas, Baloiça o cavalo-marinho. Um polvo avança No desalinho Dos seus mil braços, Uma flor dança,Sem ruído vibram os espaços.

Sobre a areia o tempo poisa Leve como um lenço.

Mas por mais bela que seja cada coisa Tem um monstro em si suspenso.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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HEROÍSMOS

Eu temo muito o mar, o mar enorme,Solene, enraivecido, turbulento,Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;O mar sublime, o mar que nunca dorme.

Eu temo o largo mar rebelde, informe,De vítimas famélico, sedento,E creio ouvir em cada seu lamentoOs ruídos dum túmulo disforme.

Contudo, num barquinho transparente,No seu dorso feroz vou blasonar,Tufada a vela e n'água quase assente,

E ouvindo muito ao perto o seu bramar,Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,Escarro, com desdém, no grande mar!

Cesário Verde

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MarDe todos os cantos do mundoAmo com um amor mais forte e mais profundoAquela praia extasiada e nua,Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

EsperoEspero sempre por ti o dia inteiro,Quando na praia sobe, de cinza e oiro,O nevoeiroE há em todas as coisas o agoiroDe uma fantástica vinda.

As ondas quebravam uma a umaEu estava só com a areia e com a espumaDo mar que cantava só para mim.

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Dia do mar no arDia do mar no ar, construídoCom sombras de cavalos e de plumas

Dia do mar no meu quarto-cuboOnde os meus gestos sonâmbulos deslizamEntre o animal e a flor como medusas.

Dia do mar no ar, dia altoOnde os meus gestos são gaivotas que se perdemRolando sobre as ondas, sobre as nuvens.

BarcosDormem na praia os barcos pescadoresImóveis mas abrindoOs seus olhos de estátua

E a curva do seu bicoRói a solidão.

Page 24: Ler o mar

PraiaAs ondas desenrolavam os seus braçosE as brancas tombam de bruços.

LusitâniaOs que avançam de frente para o marE nele enterram como uma aguda facaE proa negra dos seus bracos Vivem de pouco pão e de luar.

OndasOnde-- ondas-- mais belos cavalosDo que estes ondas que vóis soisOnde mais bela curva de pescoçosOnde mais bela crina sacudidaOu impetuoso arfar no mar imensoOnde tão ébrio amor em vasta praia.

Sophia de Mello Breyner Andresen

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DESCOBRIMENTO

Um oceano de músculos verdesUm ídolo de muitos braços como um polvo Caos incorruptível que irrompe E tumulto ordenado. Bailarino contorcido Em redor dos navios esticadosAtravessamos fileiras de cavalosQue sacudiam as crinas nos alísios O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo Para mostrar as praias E um povoDe homens recém-criados ainda cor de barroAinda nus ainda deslumbrados

Sophia de Mello Breyner Andresen

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GAIVOTA

Se uma gaivota viessetrazer-me o céu de Lisboano desenho que fizesse,nesse céu onde o olharé uma asa que não voa,esmorece e cai no mar.

Que perfeito coraçãono meu peito bateria,meu amor na tua mão,nessa mão onde cabiaperfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,dos sete mares andarilho,fosse quem sabe o primeiroa contar-me o que inventasse,se um olhar de novo brilhono meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coraçãono meu peito bateria,meu amor na tua mão,nessa mão onde cabiaperfeito o meu coração.

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Se ao dizer adeus à vidaas aves todas do céu,me dessem na despedidao teu olhar derradeiro,esse olhar que era só teu,amor que foste o primeiro.

Que perfeito coraçãono meu peito morreria,meu amor na tua mão,nessa mão onde perfeitobateu o meu coração.

Alexandre O’Neil

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DESCOBRIMENTO

Um oceano de músculos verdesUm ídolo de muitos braços como um polvo Caos incorruptível que irrompe E tumulto ordenado. Bailarino contorcido Em redor dos navios esticadosAtravessamos fileiras de cavalosQue sacudiam as crinas nos alísios O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo Para mostrar as praias E um povoDe homens recém-criados ainda cor de barroAinda nus ainda deslumbrados

Sophia de Mello Breyner Andresen

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MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar!Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.

Quem quere passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

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O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguêsDo mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa

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O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do marNa noite de breu ergueu-se a voar;A roda da nau voou três vezes,Voou três vezes a chiar,E disse: «Quem é que ousou entrarNas minhas cavernas que não desvendo,Meus tectos negros do fim do mundo?»E o homem do leme disse, tremendo:«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?De quem as quilhas que vejo e ouço?»Disse o mostrengo, e rodou três vezes,Três vezes rodou imundo e grosso.«Quem vem poder o que só eu posso,Que moro onde nunca ninguém me visseE escorro os medos do mar sem fundo?»E o homem do leme tremeu, e disse:«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,Três vezes ao leme as reprendeu,E disse no fim de tremer três vezes:«Aqui ao leme sou mais do que eu:Sou um povo que quer o mar que é teu;E mais que o mostrengo, que me a alma temeE roda nas trevas do fim do mundo,Manda a vontade, que me ata ao leme,De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa

Page 32: Ler o mar

HEROÍSMOS

Eu temo muito o mar, o mar enorme,Solene, enraivecido, turbulento,Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;O mar sublime, o mar que nunca dorme.

Eu temo o largo mar rebelde, informe,De vítimas famélico, sedento,E creio ouvir em cada seu lamentoOs ruídos dum túmulo disforme.

Contudo, num barquinho transparente,No seu dorso feroz vou blasonar,Tufada a vela e n'água quase assente,

E ouvindo muito ao perto o seu bramar,Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,Escarro, com desdém, no grande mar!

Cesário Verde

Page 33: Ler o mar

ARIANE

Ariane é um navio. Tem mastros, velas e bandeira à proa, E chegou num dia branco, frio, A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou Dentro da claridade destas grades... Cisne de todos, que se foi, voltou Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era Um tal milagre assim: era um navio Que se balança ali à minha espera Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos Sair desta prisão em corpo inteiro, E levantar âncora, e cair nos braços De Ariane, o veleiro. Miguel Torga

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CALMA

Que costa é que as ondas contamE se não pode encontrarPor mais naus que haja no mar?O que é que as ondas encontramE nunca se vê surgindo?Este som de o mar praiarOnde é que está existindo?

Ilha próxima e remota,Que nos ouvidos persiste,Para a vista não existe.Que nau, que armada, que frotaPode encontrar o caminhoÀ praia onde o mar insiste,Se à vista o mar é sozinho?

Haverá rasgões no espaçoQue dêem para outro lado,E que, um deles encontrado,Aqui, onde há só sargaço,Surja uma ilha velada,O país afortunadoQue guarda o Rei desterradoEm sua vida encantada?

Fernando Pessoa

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COMEÇA A VIAGEM

Era uma vez um povo de marinheiros e de heróis, o povo português, o nosso povo, que já lá vão muitos anos – mais de quatrocentos – quis descobrir o caminho marítimo para a Índia. A Índia aparecia então, aos olhos de todos os Europeus, como terra esplendor e riqueza, que todos os homens desejam, mas onde era difícil, quase impossível chegar.

Quatros pequenos navios, - tão pequenos sobre o imenso, ignorado Oceano! – quatro naus comandadas pelo grande capitão Vasco da Gama, lançaram-se através do Atlântico, só conhecido até ao Cabo da Boa Esperança, dobraram esse Cabo e puseram-se de vale para a região que demandavam,

O vento era brando, o mar sereno. Até então a viagem correra sossegada. Mas os perigos seriam constantes, a travessia arriscada, a viagem longa. E ninguém sabia ao certo o rumo a seguir, pois nunca outra gente se atrevera sequer a tentar tão comprida e custosa navegação.

Só a coragem e a audácia dos Portugueses seria capaz da proeza heróica!

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Iam os barcos já na costa de Moçambique, rápidos, entre a branca espuma das ondas.

A Índia estava longe.

Mas o caminho para alcançá-la era aquele, diziam os sábios e marinheiros. – e decerto lá chegariam Vasco da Gama e os seus marujos, se o vento e o mar lhes fossem favoráveis e, sobretudo, se a coragem os não abandonasse.

Ai deles, porém!

Sempre que um povo ou um homem tenta desvendar e conhecer paragens até então ignotas, ou realizar um acto nobre e grande, parece que as forças da Natureza, ou a inveja dos outros homens, tudo fazem para os não deixar vencer …

Iam senti-lo e sabê-lo bem os nossos temerários antepassados!

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E antes de senti-lo e sabê-lo – já os deuses ou forças, que vivem nas coisas e nas almas, discutiam se sim ou não os deviam deixar triunfar.

Júpiter, que era o Deus dos Deuses, senhor do Mundo; Vénus, filha de Júpiter, Deusa do Amor e da Ternura; Baco, o Deus da Folia e do Vinho; Marte, o Deus da Guerra; Apolo, o Deus da Luz e do Calor; e Neptuno, o Deus do Mar, Juntaram-se todos para resolver se dariam ou não auxílio aos Portugueses.

Basta que Júpiter desencadeasse um grande temporal sobre as frágeis embarcações, para que um naufrágio as engolisse logo e, com elas, os tripulantes e o próprio Vasco da Gama …

Era isto o que nem Vénus nem Marte – amigos dos Portugueses, que são, como ambos esses Deuses, afectuosos e valentes – de maneira alguma queriam.

Mas Baco – sempre tonto e mau, que tivera outrora grande poder na Índia e receava que os Portugueses, conquistando-a, até a lembrança do seu reinado de lá afastassem – Baco preparava-se para os inquietar, desanimando a lusa energia com toda a espécie de maldade e perfídias.

No palácio luminoso, perto das estrelas, em que habitualmente se reuniam – grande conversa e discussão houve entre os Deuses a propósito dos nossos Portugueses e da melhor decisão a tomar sobre o destino das suas naus….

(João Barros)

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No palácio luminoso, perto das estrelas, em que habitualmente se reuniam – grande conversa e discussão houve entre os Deuses a propósito dos nossos Portugueses e da melhor decisão a tomar sobre o destino das suas naus….

(João Barros)

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DESCOBRIMENTO

Um oceano de músculos verdesUm ídolo de muitos braços como um polvo Caos incorruptível que irrompe E tumulto ordenado. Bailarino contorcido Em redor dos navios esticadosAtravessamos fileiras de cavalosQue sacudiam as crinas nos alísios O mar tomou-se de repente muito novo e muito antigo Para mostrar as praias E um povoDe homens recém-criados ainda cor de barroAinda nus ainda deslumbrados

Sophia de Mello Breyner Andresen

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MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu salSão lágrimas de Portugal!Por te cruzarmos, quantas mães choraram,Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, ó mar!Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma não é pequena.

Quem quere passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

Page 41: Ler o mar

O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguêsDo mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Fernando Pessoa

Page 42: Ler o mar

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do marNa noite de breu ergueu-se a voar;A roda da nau voou três vezes,Voou três vezes a chiar,E disse: «Quem é que ousou entrarNas minhas cavernas que não desvendo,Meus tectos negros do fim do mundo?»E o homem do leme disse, tremendo:«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?De quem as quilhas que vejo e ouço?»Disse o mostrengo, e rodou três vezes,Três vezes rodou imundo e grosso.«Quem vem poder o que só eu posso,Que moro onde nunca ninguém me visseE escorro os medos do mar sem fundo?»E o homem do leme tremeu, e disse:«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,Três vezes ao leme as reprendeu,E disse no fim de tremer três vezes:«Aqui ao leme sou mais do que eu:Sou um povo que quer o mar que é teu;E mais que o mostrengo, que me a alma temeE roda nas trevas do fim do mundo,Manda a vontade, que me ata ao leme,De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa

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ARIANE

Ariane é um navio. Tem mastros, velas e bandeira à proa, E chegou num dia branco, frio, A este rio Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho, fundeou Dentro da claridade destas grades... Cisne de todos, que se foi, voltou Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era Um tal milagre assim: era um navio Que se balança ali à minha espera Entre as gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos Sair desta prisão em corpo inteiro, E levantar âncora, e cair nos braços De Ariane, o veleiro. Miguel Torga

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Tenho uma Janela

Tenho uma janela que dá para o mar barcos a sair barcos a entrar

tenho uma janela que dá para o mar sonhos a partir sonhos a chegar

tenho uma janela que dá para o mar um fio de fumo uma sombra além uma história antiga um cantar de vela um azul de mar

Page 45: Ler o mar

tenho uma janela que seria bela seria mais bela que qualquer janela janela fosse ela de Lua ou de estrela ou qualquer janela de qualquer escola se não fosse aquele pescador já velho que anda pela praia a pedir esmola barcos a sair barcos a entrar chego-me à janela e não vejo o mar.

(Mário Castrim)