Letícia Moresco

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL À EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS A IMPORTÂNCIA DO RESGATE DAS HISTÓRIAS DE VIDA COMO CONDIÇÃO PARA A ASSUNÇÃO DA SUBJETIVIDADE: UM ESTUDO A PARTIR DO CONTEXTO DOS EDUCANDOS DO PROEJA Letícia Moresco Orientador: Prof. Vilmar Alves Pereira Bento Gonçalves 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSION AL À

EDUCAÇÃO BÁSICA NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

A IMPORTÂNCIA DO RESGATE DAS HISTÓRIAS DE VIDA COMO CONDIÇÃO PARA A ASSUNÇÃO DA SUBJETIVIDADE: UM ESTUD O

A PARTIR DO CONTEXTO DOS EDUCANDOS DO PROEJA

Letícia Moresco Orientador: Prof. Vilmar Alves Pereira

Bento Gonçalves

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA ___________________________________________________________________________ M843i Moresco, Letícia

A importância do resgate das histórias de vida como condição para a assunção da subjetividade: um estudo a partir do contexto dos educandos do PROEJA / Letícia Moresco ; orientador Vilmar Alves Pereira. – Bento Gonçalves, 2009.

20 f. : il. Trabalho de conclusão (Especialização) – Universidade Federal do Rio Grande

do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Curso de Especialização em Educação Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos, 2009, Porto Alegre, BR-RS.

1. Educação. 2. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com

a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos. 3. PROEJA. 4. Memórias de vida – Subjetividade - PROEJA. I. Pereira, Vilmar Alves. II. Título

CDU 374.7:159.9

_____________________________________________________________________________ CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação. (Jaqueline Trombin – Bibliotecária responsável - CRB10/979)

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A IMPORTÂNCIA DO RESGATE DAS HISTÓRIAS DE VIDA COMO CONDIÇÃO PARA A ASSUNÇÃO DA SUBJETIVIDADE: UM ESTUDO A PARTI R DO CONTEXTO DOS EDUCANDOS DO PROEJA

Letícia Moresco1

Vilmar Alves Pereira2

Resumo: Este artigo tem a pretensão de relembrar momentos da história de vida de um grupo de educandos do Proeja, para assim, trabalhar com suas memórias de vida. Suas falas vão compor um panorama geral, onde poderemos conhecer as razões que causaram sua ruptura com o ensino escolar. Também serão apresentados os motivos que o fizeram retornar agora ao Proeja, suas expectativas e perspectivas de vida nesta nova etapa formativa. Palavras-chave: memórias de vida, subjetividade, proeja. Introdução

Nesta pesquisa vamos trabalhar em torno das falas dos educandos do Proeja,

resgatando lembranças que vão compor sua história de vida. Estes educandos tiveram em seu

percurso de vida, fatos que resultaram na ruptura com o ensino escolar, assim seus relatos vão

mostrar os motivos dessa privação, seja na infância ou na adolescência.

Este estudo pretende conhecer uma parte dos sujeitos que compõem o Proeja, a fim de

verificar não só os motivos que o afastaram da escola, mas também quais foram às razões que

fizeram com que este sujeito voltasse agora a um ensino com ênfase profissionalizante. A

partir de experiências relevantes buscamos refletir sobre a visão que o educando tem de si

próprio e do Proeja, suas perspectivas e possibilidades de intervenção social com práticas que

valorizam as histórias de vida deste sujeito.

Em termos gerais, o contexto profissional e por vezes pessoal traz esses educandos de

volta a escola. A entrevista oral vai proporcionar um melhor conhecimento deste grupo, bem

como as influências, expectativas e mudanças que ele vem passando em razão do retorno a

escola. Através deste aprofundamento será possível ao corpo docente e administrativo do

IFRS engendrar novos projetos e pesquisas em torno desta modalidade de ensino.

Acreditamos que a sociedade, e principalmente o mundo do trabalho estão exigindo

cada vez mais conhecimento, isso possivelmente está impulsionando as pessoas a freqüentar o

Proeja. O recomeço no Proeja pode melhorar a vida profissional e pessoal do sujeito que, em

1 Estudante de Pós Graduação do curso de Especialização em Proeja convênio UFRGS/IFRS-BG, Graduada em Licenciatura Plena em História pela Universidade de Caxias do Sul. e-mail: [email protected] 2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Professor Adjunto na Universidade Federal do Pampa na área de Fundamentos da Educação. Líder do Grupo de Pesquisa no CNPQ - Formação do Educador. e-mail:[email protected].

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virtude disso, poderá ter transformações que vão despertar suas capacidades, abrir novos

caminhos, levar esse educando a se reconhecer como sujeito de sua história e sociedade.

Momentos relevantes da história de vida de sete educandos serão resgatados pelas

entrevistas, orientadas por um roteiro prévio. A pesquisa, de abordagem qualitativa, tem como

fundamentação teórica autores como Janaina Amado, Eclea Bosi, Selva Guimarães, Antonio

Montenegro, João Carlos Tedesco, Amarildo Trevisan. Estes e outros são os autores que vão

embasar teoricamente esta pesquisa, que tem como reflexo ver como o Proeja tem

influenciado na vida desses sujeitos, as transformações e contribuições que vem acontecendo.

1. Situando a temática

1.1 O ensino de História

No ambiente escolar, não raras vezes a História vem sendo vista de uma forma muito

simplista e limitada. Alguns “professores”, dentro da perspectiva tradicional, compartilham

com os alunos uma idéia de que a história é um conjunto de fatos que aconteceram, e que

estão ali para serem transmitidos pelo “professor” e decorados pelos “alunos”.

Porém a história é muito mais complexa que isto. Segundo Carr (1985), os fatos e

documentos são essenciais ao historiador. “Mas que não se tornem fetiches. Eles por si

mesmos não constituem a história”. O historiador enquanto pesquisador é um selecionador de

fatos, para com estes fazer as devidas interpretações. A História é um conhecimento que está

sempre em construção, não se esgota em si, portanto não pode ser vista de forma acabada.

Muitos educadores apóiam-se exclusivamente no livro didático, apresentando seu

conteúdo como único, verdadeiro e completo. Sendo a história composta por interpretações de

fragmentos históricos pré-selecionados, devem ser apresentados aos educandos todos os

objetos de estudo possíveis para que este visualize a história como um processo que está

sempre em construção.

A partir do momento que o historiador faz uma interpretação, ele seleciona o que

considera importante e exclui o que acredita que naquele momento não tem valor. Esse

contexto se verifica na seguinte afirmação:

É comum dizer-se que os fatos falam por si. Naturalmente isto não é verdade. Os fatos falam apenas quando o historiador os aborda, é ele quem decide quais fatos que vêm à cena e em que ordem ou contexto. (CARR, 1985, p.14)

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Thomson (2006), traz uma abordagem a respeito da memória como história, na qual

ressalta que, é impossível ser neutro quando se tratam de fatos, conceitos e interpretações.

Entende-se que todo historiador está impregnado de tendências econômicas, sociais e

políticas, e por vezes escrevendo uma história que seja interessante para determinado grupo,

Estado ou classe social.

O que se tem hoje são questionamentos e críticas sobre a questão do ensino da

“história tradicional”, que valoriza somente o que está nos documentos, livros e

acontecimentos em torno dos dirigentes. Em contrapartida a esta metodologia, que é apenas

um repasse de cópias para os educandos, que por sua vez irão decorar os fatos, está a chamada

“história crítica”, que propõe a construção do conhecimento. Abordagens semelhantes são

realizadas por autores como Fonseca (1994) que trata do consumismo de livros didáticos e da

imposição de uma história excludente, ou ainda, Candiotto (2006) que remete seus estudos a

relação entre práticas históricas e produção de verdades.

Uma história que além de apresentar suas interpretações é problematizadora, parte do

contexto local e social do educando, para provocá-lo a construir o seu conhecimento, através

da mediação do educador. Um sujeito que exerça seus direitos e deveres de cidadão, sabendo

que está inserido em um sistema social de classes, e que pode e deve ser ativo na participação

de mudanças e transformações.

Esta supremacia do livro didático e da produção historiográfica começa a ser

questionada e revista por volta dos anos 80.

As discussões recorrentemente priorizaram os seguintes aspectos: a produção de conhecimento histórico como forma de romper o papel reprodutivista que tradicionalmente é conferido ao 1° e 2° graus; o livro didático: o significado de sua utilização e análise dos conteúdos veiculados; o ensino temático como proposta alternativa ao ensino tradicional de história e experiências utilizando diferentes linguagens e recursos no ensino, tais como música, literatura, filmes TV, histórias em quadrinhos e outros documentos [...] (FONSECA, 1994, p.86).

A mudança não ocorre apenas nas escolas, surgem nas universidades novas

abordagens e ampliam-se os campos de pesquisa. Um exemplo dessa mudança é os estudos

feitos sobre a História Social do Trabalho, que pode ser verificado através da seguinte

afirmação:

Tratam desde as condições de trabalho, no interior das indústrias, à participação dos trabalhadores no processo político institucional – estado e partidos – até as chamadas formas “surdas” de dominação e resistência e o cotidiano dos trabalhadores fora dos muros das fábricas. (FONSECA, 1994, p.117).

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Temas que não recebiam valor e não apareciam na história tradicional, relacionados

aos movimentos sociais, as mulheres, aos negros e lutas operárias, agora começam a ser

investigados e trabalhados. Agora temos os defensores de uma história, que se utiliza de

métodos que estão voltados para a reflexão e investigação, incentivando a construção do

conhecimento.

Um dos desafios da escola hoje é justamente não se limitar à mera transmissão de

conteúdos, mas proporcionar uma situação em que o educando tenha consciência crítica sobre

a sociedade que vive e que ele é um sujeito que deve intervir nos contextos de sua vida com o

trabalho.

Uma das formas de trabalhar este aspecto é através do resgate da memória a nível

regional, com grupos e pessoas que ainda não estão incluídos na história, que não tiveram

suas histórias registradas.

Trabalhar com a metodologia da história oral, através de depoimentos e análises dos

mesmos, agregar novos conhecimentos ao processo histórico, valorizando assim a história de

grupos “esquecidos” pela história. De acordo com Montenegro (1994): “Vale destacar que o

trabalho da história oral junto aos segmentos populares resgata um nível de historicidade que

comumente era conhecida através da versão produzida pelos meios oficiais”.

A história oral ainda é motivo de discussão e questionamentos entre os especialistas da

área. Alguns afirmam que ela se restringe apenas a uma técnica, outros a vêem como uma

disciplina, mas há também quem afirme que ela é uma metodologia.

Em meio a convergências, uma dos problemas apontados remete ao fato de alguns

considerarem primordial que o historiador tenha um distanciamento temporal de seu objeto de

estudo, para evitar pesquisas tendenciosas. Pesquisadores que sentiram esta dificuldade

imposta pela história assim como Ferreira (2006) apresenta: “A história criava limitações para

o trabalho com a proximidade temporal, por temer que a objetividade da pesquisa pudesse

ficar comprometida”.

Porém o historiador do tempo presente vem apresentando pontos a seu favor a partir

do fato de que ele é contemporâneo de seu objeto. As pessoas que participam daquilo que ele

analisa, assim como uma grande quantia de fontes, estão próximas a ele. A seriedade em seu

trabalho, para que possa ser reconhecido, consiste em saber filtrar o verdadeiro do falso.

Em tempos regidos pelo neoliberalismo, o historiador precisa encontrar um equilíbrio

na forma de trabalhar sua disciplina. Juntamente com a nova e atraente forma de organizar

conteúdos a partir de cenários, tramas e cenas cotidianas, o educador deve orientar o aluno a

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perceber todo o processo histórico, importância da memória popular, trabalhando como

mediador para a compreensão da realidade e do compromisso social.

De acordo com Fonseca (1994), para isso está se deixando de lado aquela História que

privilegia fatos, personagens heróicos e mitos nacionais, para dar lugar a uma História

problematizadora, que relaciona passado/presente. Para isso é necessário que o profissional

esteja comprometido a abandonar o método tradicional de reproduzir história, e se direcione

para uma produção de conhecimento que promova a criticidade e a democracia.

Conforme Thompson (1992) o que se requer é uma história que leve a ação; não para

confirmar, mas para refletir e evoluir a forma de pensar. A história deve apresentar uma

compreensão que colabore e incentive ações de transformação, saindo daquele método de

repetição e reprodução, que não acrescenta e não produz conhecimento algum.

O ensino de história atual vem passando por mudanças significativas, com novas

abordagens e temáticas que contribuem para a pesquisa. É neste sentido que a memória passa

a constituir um novo referencial.

1.2 Trabalhando com a memória

As análises em torno da memória e às práticas da história oral começaram a ganhar

espaço no Brasil a partir da década de 1970, e até hoje, mesmo depois de muitos debates

envolvendo os métodos e abordagens das lembranças, do tempo, dos sujeitos e outros fatores,

ainda existem polêmicas sobre suas dimensões. Internacionalmente nos anos 60 já haviam

avanços a esse respeito, porém, no Brasil isso demorou mais:

Coincidentemente, o desdobramento do golpe militar de 64, no Brasil – bem como vários outros países da América Latina na década de 1960-, coibiu projetos que gravassem experiências, opiniões ou depoimentos. Em conseqüência disso, enquanto no resto do mundo proliferavam projetos de história oral, nós nos retraíamos, deixando para o futuro algo que seria inevitável. (MEIHY, 1998, p.33)

Enfatizando aquilo que está próximo, o cotidiano, o normal, seus elementos giram em

torno da memória coletiva, individual ou social, valorizando suas manifestações e abordando

questões epistemológicas.

O exercício de relembrar evoca toda uma forma de viver, com características de

determinado grupo étnico-social, inseridos em um tempo e espaço definidos. A memória, por

meio da elaboração da narração, estrutura um sentido de identidade das pessoas, de

pertencimento a um grupo.

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A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. (LE GOFF, 1992, p. 476)

O objetivo do trabalho da memória é dar corpo, reconstruir o passado através de seus

fragmentos.

Fragmentos podem não ser meramente sobras; podem, sim, tornar-se totalidades, plausíveis e passiveis de identidade, de junção/unificação e de arqueologia sócio e histórico-cultural. (TEDESCO, 2004 p.38):

Múltiplos temas como o privado, o cotidiano, a politização social, os atores sociais, o

mundo das subjetividades, as heterogeneidades e a transitoriedade dos conceitos, podem ser

trabalhados e analisados, proporcionando uma nova orientação às noções tradicionais. Com

isso novas perspectivas de estudo permitirão uma ampliação das esferas do conhecimento.

A estrutura do cotidiano, com suas formas participativas de viver, processos de

socialização e ações recíprocas, organiza entre os sujeitos uma ligação social. Este vínculo,

que ocorre entre os grupos que formam a sociedade e que são conseqüências do contrato

social, pode ter como um fator mediador à memória. Sem a memória as manifestações

culturais e da família, as tradições e todos os aspectos que unem a comunidade ficariam

perdidos.

Conforme as Orientações Curriculares (2008), a memória e a educação patrimonial

devem ser trabalhadas de forma a valorizar a pluralidade cultural e o patrimônio cultural.

Através deste viés, identificar e questionar as construções da memória e de patrimônio

cultural, que são de caráter político ou que ressaltam a hegemonia de determinados grupos ou

classes.

Conforme Le Goff (1992), algumas memórias foram esquecidas ou silenciadas por

outras de cunho político ou ideológico. Pensar no potencial destas memórias, através de

pesquisas que retomam experiências e raízes culturais antes deixadas de lado, de forma a

perceber as contradições e transformações pela qual a sociedade passa, percebendo-se o

educando como um sujeito participativo da construção da História.

A memória permite também novas interpretações daquilo que supostamente possa ter

sido manipulado, orientando o educando na compreensão e aprofundamento das relações

sociais e políticas e das diversidades étnicas, religiosas, sexuais, combatendo sempre todo o

tipo de preconceito.

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1.3. Modernidade e mudança social

Na modernidade a memória aparece como uma idéia de pluralidade de funções, como

um quadro de atividades de seleção, filtragem social, preenchendo as necessidades e

interesses do presente.

A reconstrução e seleção da memória coletiva é um fator de identidade, tanto

individual como de um grupo. Isso também é relevante para a preservação de certos eventos

significativos para os grupos sociais. Essa afirmação identitária e de continuidade é possível

através da preservação de um conjunto de elementos do passado, presentes na memória e que

devem ser reinterpretados e reformulados.

Inserida num sistema capitalista de organização, a modernidade tem uma idéia de

transtemporalidade, alterando as dimensões temporais:

O que é moderno hoje pode tornar-se antigo amanhã... Essa dimensão produz implicações para a memória, pois as dimensões temporais se alteram. A tradição constitui-se nesse horizonte do velho/novo. Para a memória, a idéia de passado ganha dimensão de presente; no entanto, para a consciência histórica, o passado é passado. (TEDESCO, 2004, p.58)

Em tempos de modernidade, onde o consumo e a diferenciação social predominam, a

tradição perde lugar para um grande número de informações lançadas pela mídia.

Informações, experiências passageiras e fatos que surgem e rapidamente são descartados para

dar lugar ao novo que está vindo, dificultando assim a sedimentação da memória e a

continuidade da tradição.

Essa dificuldade de continuação de uma consciência coletiva é proposital. Setores

governamentais e aqueles que comandam a economia mundial estão muito mais interessados

em moldar sujeitos que não tenham uma memória ativa, a não ser aquela de curto prazo e

superficial.

Explica Tedesco (2004) que esta distorção onde a memória perde sua ligação de

continuidade da identidade, reflete no campo das responsabilidades sociais, na perda do

próprio passado, permitindo que se abra espaço para as invenções históricas feitas para

favorecer os poderes.

A forma de como a memória é conduzida é uma questão antiga. Determinados

acontecimentos e experiências permanecem vivos no tempo enquanto outros são excluídos, o

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que resulta numa preponderância de uma pelo esquecimento do outro, que não

necessariamente é menos importante.

O que temos é uma história de heróis que é cultuada pela classe dominante, para assim

justificar a autenticidade e força de sua situação sem questionamentos e reafirmando sempre

seus interesses e dominação social e cultural.

Dentro da escola, pode-se utilizar da memória para incentivar questionamentos perante

estas premissas, proporcionando a construção de um conhecimento com uma visão crítica

onde o sujeito perceba que muitas histórias e fatos foram ocultados ou descartados conforme

os interesses dos dirigentes. Estas mesmas memórias, quando resgatadas, em seu contexto têm

um grande potencial transformador, uma vez que os sujeitos passam a ter maior poder de

argumentação perante os sistemas de manipulação do neoliberalismo.

Este potencial transformador acaba sendo reprimido com as tendências do

neoliberalismo ligadas a educação, uma vez que nessa tendência o sistema busca moldar o

sujeito para uma realidade de competição e excelência de produção para o mercado de

trabalho. Quando essa forma de educar predomina, o sujeito tem sua liberdade de expressão

limitada e o resgate da memória fica prejudicado.

1.4. O ensino de História e o neoliberalismo

As regras e ideais do projeto neoliberal não se limitam apenas no campo social,

político ou econômico, seus interesses refletem também na área educacional. Isso implica

numa tendência a adaptar a escola conforme seus moldes:

Das escolas é exigido um funcionamento que tenha como referência à organização empresarial, que possibilite a competição entre elas e permita que elas atinjam uma posição privilegiada no mercado de serviços escolares, podendo, assim, atrair alunos/clientes, enviados por pais/consumidores. (CORSETTI, apud Lenskij &Helfer, 2000, p.12)

Nesta redefinição que passa o campo educacional, que visa preparar um sujeito para o

mercado de trabalho, as novas categorias e conceitos estão baseadas nas leis do mercado. As

discussões não são mais as lutas do passado, mas sim a eficiência, a qualidade e a

produtividade, não valorizando a memória coletiva.

O comprometimento do educador de História está em trabalhar os conhecimentos

históricos, sempre associados aos aspectos que compõem a realidade social vivida, não apenas

formando sujeitos funcionais, mas despertando-os para as transformações, tornando-os

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sujeitos de cultura, críticos e reflexivos diante de toda e qualquer forma de dominação e

alienação.

1.5. A mímesis como alternativa pedagógica

O que temos hoje nas preocupações pedagógicas, no que se refere ao conhecimento, é

uma idéia que se equipara à exatidão da ciência moderna, onde um sujeito só poderá aprender

algo diante de uma postura de dominação do objeto. Conforme podemos verificar:

Ao criar relações epistemológicas rígidas, de isolamento metódico ou de neutralização de um dos pólos do conhecimento, a Pedagogia causa rupturas e distanciamentos com o universo da cultura por um lado, e, com a realidade que encontra-se imersa em suas práticas, por outro. (TREVISAN, 2000, p. 1)

Contrapondo o padrão moderno de cientificidade em que a Pedagogia está

fundamentada, temos como alternativa a mímesis, que desenvolve o prazer de aprender, numa

metodologia que ensina através do lúdico e de uma maneira menos impositiva. Assim, o

sujeito tem autonomia em sua relação e produção do conhecimento. No que diz respeito a isso

Trevisan ressalta:

Na modernidade, o conceito de mímesis é instituído por Benjamin e Adorno enquanto possibilidade de um “conhecimento” sem dominação e sem violência, situado exatamente como antítese do modo de pensar racionalista e dominador que funciona como alicerce teórico do pensamento moderno. (TREVISAN, 2000, p.20)

A mímesis permite e incentiva o espaço da criatividade, de um ser espontâneo e com

uma vivência mais autentica isso na tentativa de libertar o sujeito da forma submissa em que

age, sempre conforme as regras do mundo sistêmico. Em tempos de crise da racionalidade

ocidental, em que a pedagogia se apóia nas regras da exatidão da ciência, a mímesis propicia e

trabalha num novo tipo de conhecimento.

Abordar este aspecto pedagogicamente significa que o ensino, partindo das vivências

dos educandos, promova novos espaços para também novos diálogos, permitindo sempre a

interação e contextualização do objeto de estudo com aspectos da vida real.

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2. Pesquisa de campo: da infância até a vida adulta, o que constitui a história de vida

dos educandos do PROEJA

Para constituirmos o perfil dos educandos que fazem parte do Proeja do IFRS – BG

foram realizadas entrevistas orais e gravadas, com sete educandos da turma 2008. Com isso

pretendemos uma melhor compreensão e apreensão do presente através do conhecimento das

experiências passadas ao longo da trajetória desses sujeitos.

Um roteiro foi elaborado com 11 questões para orientar as entrevistas, que foram

realizadas individualmente, e que tem como objetivo possibilitar que esses educandos

revivam, pela memória, sua trajetória de vida. Acontecimentos considerados importantes

foram narrados desde a infância até os dias de hoje, apontando por fim as perspectivas e

expectativas dos educandos em relação ao Proeja, a sua vida pessoal e profissional. As

mudanças que eles percebem em sua vida e o que ainda está por vir diante desta nova etapa

serão refletidas ao final das entrevistas. Utilizaremos nomes fictícios visando proteger a

integridade moral desses educandos sujeitos.

2.1 Roteiro para a entrevista dos educandos

Infância

1. Como foi a sua infância? Fale sobre alguma lembrança importante que marcou a sua

infância.

2. Em que meio você viveu a infância, área urbana ou rural?

3. Quais as brincadeiras que você mais gostava?

4. Como era sua relação com seus pais?

Escola

5. Qual foi o seu primeiro contato com a escola, e como foi?

6. O que seus pais pensavam a respeito de você freqüentar a escola?

7. Você se recorda de sua primeira professora? Como ela era?

Dificuldades encontradas em suas trajetórias

8. Fale um pouco de suas conquistas na vida adulta.

9. O que em sua experiência de vida, você não gosta de lembrar?

10. Fale das recordações do seu primeiro emprego: dificuldades que teve e fatores

positivos.

11. O que o Proeja está significando em sua vida?

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2.1.1 Relato da infância

A maioria dos educandos considera sua infância como um período importante e de

boas lembranças, quase todos viveram com os pais e ressaltam a importância deste

relacionamento. Os dois educandos que não tiveram a presença dos pais foram os que

enfrentaram maiores dificuldades e as lembranças da infância não são boas.

No relato de Julia, perder o pai com 3 anos foi um fato que mudou toda a sua vida.

Morando com a mãe, dois irmãos doentes e um tio, este foi um tempo que ela não gosta de

lembrar, “eu não gostaria nunca de voltar atrás”, isso porque seu tio reprimia sua mãe e

quando lhe convinha as agredia, tornando o convívio algo insuportável, porém sem

alternativa.

Caso semelhante aconteceu com o educando Paulo, que perdeu a mãe com dois anos e

foi criado pelos tios. Este também relembra as dificuldades deste tempo, e tem um sentimento

de que estava “sozinho” no mundo atrás de suas conquistas, relatando que “o modo como fui

criado, sempre tive que correr atrás das coisas que queria”.

O que podemos observar é que os educandos que tem as melhores lembranças da

infância são aqueles que tiveram a presença dos pais em seu crescimento. Os dois

entrevistados que não tiveram essa presença de estrutura familiar, foram os que encontraram

maiores dificuldades e guardam em suas recordações da infância momentos de tristeza e

dificuldade, não apresentando alegrias ao relembrar estes momentos.

Além da lembrança da família, outro fator relevante e que veio unido a recordação

familiar foi o meio vivido nesta infância. O contexto vivido na infância, área urbana ou rural,

também foi comentado pelos educandos.

Pelos seus relatos, a maioria, cinco deles, nasceram no meio rural e passaram parte da

sua infância morando lá. Conforme Andréia, ela veio a conhecer a cidade com sete anos

quando começou a freqüentar a escola, antes disso viveu apenas no meio rural.

Temos também a narração de Marcos, que assim como outros, passou a infância e

adolescência trabalhando com a família na lavoura, isto porque a principal renda da família

provinha da agricultura,

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2.1.2 Brincadeiras na infância

Conforme o que foi relembrado pelos educandos, pode-se verificar que muitas

brincadeiras estavam também associadas à vida em comunidade e ao lazer. Segundo o

educando Marcos, o final de semana era esperado com alegria “trabalhava durante a semana

e sábado e domingo jogava futebol”. Semelhantemente, Maria também ressaltou o final de

semana como um dia em que os vizinhos se reuniam para conversar, enquanto isso as crianças

brincavam “de esconde-esconde, pega-pega, mata mosquito”.

Alguns educandos observaram que as brincadeiras de sua época hoje estão esquecidas.

Daniela observa esta mudança e reforça a afirmação: “as brincadeiras eram mais sadias”.

Outra narração dessa diferença acontece no relato de Julia, que se divertia em roubar frutas

dos vizinhos para ter o prazer de vê-los correr atrás. Entre estas lembranças, o bom

relacionamento com outras crianças do mesmo convívio mostrou-se marcante.

Nas falas podemos observar a relevância de uma memória coletiva, onde as

lembranças mais marcantes foram associadas à interação com um determinado grupo de

pessoas, que por sua vez compartilham as mesmas lembranças. No mesmo espaço e tempo

foram vivenciados relacionamentos que acarretam num sentimento de identidade e

pertencimento.

2.1.3 Relacionamento com os pais

Na questão que se refere à relação com os pais, todos a consideram importante os

ensinamentos passados por eles. Ao refletir sobre experiências vividas alguns educandos

concordam que durante sua infância não compreendiam algumas atitudes dos pais, porém

agora percebem que o objetivo deles sempre foi proporcionar ensinamentos que indicavam

bons valores e princípios.

Assim afirma o educando Paulo, que mesmo acreditando que sua mãe não lhe

compreendia, como ele gostaria e sentindo-se muitas vezes por ela reprimido, suas ações eram

pensando no seu futuro. Conforme o que lhe ensinou ele ressalta que “agora eu penso em

nunca fazer coisa errada, nunca fiz”.

Além deste aspecto, a educanda Ana menciona que hoje o tratamento entre pais e

filhos mudou muito, a sua família tinha como característica a rigidez, “o que ele dizia era

aquilo e a gente aceitava, não retrucava como hoje em dia os filhos fazem”, observa Ana

referindo-se ao modo de educação, onde o pai tinha sempre a última palavra.

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Todos afirmaram a importância de uma boa estrutura familiar, de um diálogo e têm os

pais, ou pelo menos um deles como referência em vários aspectos.

2.1.4 Contato inicial com a vida escolar

No caso de Marcos, o contato com a escola aconteceu quando ele já tinha 15 anos, isso

porque trabalhava com a família na agricultura, impedindo-o de freqüentar a escola. Julia

também não estava inserida de forma adequada na escola durante sua infância, não conseguiu

aprender a ler. Freqüentou até a 3ª série e não teve a possibilidade de seguir, pois trabalhava

para ajudar a mãe. Falando de sua experiência com a escola ela lembra que “enquanto a

professora tomava a lição dos alunos, que faziam fila, ela fazia com que eu limpasse a

escola”.

Como um momento feliz, este primeiro encontro com a escola é lembrado pelos outros

educandos. Visto pela educanda Andréia como “uma novidade”, unindo o fato de sair do

interior, vir para a área urbana e conhecer a escola. Daniela também lembra com alegria e

afirma que a escola “era bem diferente de hoje”, referindo-se a um caráter mais rígido e

repressor, junto a isso a mãe também acompanhava de perto o comportamento da filha.

2.1.5 O que pensavam os pais sobre a escola

No que diz respeito à opinião dos pais em relação aos filhos freqüentarem a escola, a

grande maioria incentivava e acreditava ser importante, mesmo quando não era possível

concretizar o ato de estudar. As limitações, o trabalho ou problemas de uma família pode

interromper esta fase escolar, este foi o caso de Maria, Julia e Marcos. No caso de Marcos,

segundo ele “a lavoura estava em primeiro lugar”, por isso ele e seus irmãos descontinuaram

os estudos para trabalhar com a família na agricultura.

Ana e Andréia afirmaram que os pais não tiveram a oportunidade de estudar, porém

sempre fizeram questão de mostrar a importância do estudo. Conforme Andréia, apesar das

dificuldades os pais diziam que era preciso estudar “para ser mais do que eles foram”.

Com o mesmo discurso seguiu Daniela, onde a mãe reforçava a necessidade de ir à

escola, “tinha que ir pro colégio”, mas mesmo assim ela não apreciava a escola e diz “eu não

era de estudar, não gostava”, mas freqüentava porque a mãe obrigava.

2.1.6 Lembranças da primeira professora

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A imagem da primeira professora pode influenciar totalmente uma criança na forma

como ela encara o estudo e a escola como um todo. Seguindo neste pensamento temos o caso

de Maria que afirmou não ter boas recordações da primeira professora e acrescenta que “ela

era um modelo de professora bem ruim”. Seu estímulo e gosto pela escola começaram na 3ª

série, isto porque houve troca de professora.

Oposto a isso temos Ana, Andréia e Marcos que têm boas lembranças, creditando as

mesmas elogios e lembrando-se até mesmo do nome.

Já para Daniela a lembrança mais forte que lhe vem é da diretora da escola que “era

bem rígida, mas eu gostava dela, gosto até hoje”. Gostava também dos professores e recorda

de sua época comparando as diferenças do ensino na sua infância e agora, sendo um ensino

rígido e que os alunos não questionavam “não podia falar na sala de aula”.

2.1.7 Conquistas e experiências na vida adulta

No que diz respeito às conquistas mais recentes, Maria tem alegria em lembrar do seu

trabalho, narrando que ele é gratificante, uma experiência totalmente positiva. Precisou

dedicar-se, pois ao sair de sua casa no interior, não tinha experiência alguma com móveis e

“cheguei lá eu não sabia nada, porque eu sempre morei no interior... entrei trabalhando na

produção e já subi de cargo”, esta foi à experiência que mais lhe surpreendeu e marcou.

Já Ana vê como uma conquista sua estrutura familiar, e ressalta a importância do

estudo tanto na esfera da vida pessoal como profissional, “mantenho minha família e

incentivo meus filhos a estudar para que eles não passem pelo que eu passei”.

Julia contou que em sua vida adulta entrou em depressão por causa da morte da mãe, e

em razão disso recebeu indicação médica e apoio das filhas para retomar os estudos,

começando na Eja e posteriormente chegando ao Proeja. Ela diz que inicialmente sentiu muita

dificuldade, pois não sabia ler “estou falando melhor também, eu não sabia falar o português,

falava o italiano”. Isso lhe proporcionou muitas melhorias, inclusive na auto-estima.

Para Marcos o momento de conquista envolve várias experiências, começando com

sua saída de casa aos 18 anos ingressando no quartel “aí parti para minha vida sozinho, daí

tive muita dificuldade, mas também muita alegria”. Conseguindo um emprego, alcançou

também uma de suas melhores experiências de vida “morei cinco anos no exterior”.

A situação na vida de Paulo começou a se transformar nos últimos quatro anos,

quando veio morar em Bento Gonçalves e teve muitos altos e baixos, tanto na vida pessoal

Page 17: Letícia Moresco

como profissional “já caí, já tentei me erguer, me ergui, mas por não saber fazer as coisas caí

de novo”. Chegou a trabalhar em dois postos de gasolina ao mesmo tempo, incluindo sábado e

domingo, tem consciência que precisa se esforças para atingir seus objetivos, pois não tem

aonde se apoiar.

2.1.8 Experiência que não gosta de lembrar

Lembranças que alguns gostariam de esquecer, ou se pudessem, mudariam o passado.

Ana lamenta-se ao recordar que por causa da interrupção de seu processo escolar, o trabalho

tornou-se um sacrifício “tem que ficar naquilo e agüentar”, contando sobre momentos

humilhantes e sem outra escolha.

Afirma Julia que o pior momento de sua vida foi à infância “se perguntasse: tu quer

voltar o tempo da tua infância, que muitos gostam de voltar a infância, eu não, eu prefiro

agora”, depois disso também enfrentou dificuldades no inicio do casamento, porém agora sua

vida já está estruturada e superou o que passou.

Nesta mesma linha, Marcos também conta sobre suas dificuldades quando começou a

estudar, isto somente com 15 anos, além disso, considera este um tempo fora da escola um

tempo perdido.

Daniela relata o início do casamento como uma experiência que não lhe traz boas

recordações “fui morar com sogra e com sogro”, não conseguia se entender com a sogra, pois

existiam diferenças entre seu lar anterior e a estrutura familiar do marido.

2.1.9 O primeiro emprego

Conforme Ana, sua experiência inicial no trabalho, foi numa empresa de móveis, e não

foi boa porque era um período em que greves estavam acontecendo “a firma toda parou, eu

também parei, e quando voltei me botaram pra rua. Trabalhei lá três meses”. Após ela

conseguiu outro trabalho, em uma padaria, após três meses de trabalho a padaria encerrou as

atividades.

A história de Julia também foi de dificuldade em seu primeiro emprego, trabalhou

apenas duas semanas e precisou pedir demissão porque um superior seu a assediava. Não

desistiu, começou a fazer faxinas e posteriormente trabalhou como costureira. E declara:

“Antes não tinha nem prazer de viver, porque uma que aonde eu trabalhava era humilhante, e

as condições financeiras não me ajudavam, hoje, eu não to rica, mas as condições financeiras

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me ajudam mais. Agora eu renasci”, e ressalta também que não se arrepende de seus esforços

e sacrifícios.

2.1.10 O significado do Proeja na vida do sujeito

Ao questionarmos os educandos sobre a sua visão em ralação ao Proeja em suas vidas,

os depoimentos têm em comum, relatos positivos e de boas perspectivas. Maria mostra grande

interesse em continuar estudando, fala do apoio vindo dos professores e diz: “Eu vejo o Proeja

como aprender cada dia mais, eu volto pra casa cada dia com um conhecimento a mais”. Este

sentimento verdadeiro de que cada aula o educando se complementa, construindo a cada dia

seu conhecimento, são estímulos para que ele volte a escola nas próximas aulas.

O mundo do trabalho também é uma preocupação na vida desses sujeitos. A fala de

Ana reflete esta afirmação, pois vê o Proeja como “uma nova chance, uma nova oportunidade,

espero conseguir um emprego melhor”. Ela tem consciência que diploma não garante nada a

ninguém, porém continuar estudando é um passo importante na tentativa de mudar de

emprego. Esta preocupação também pode ser sentida nas falas de Marcos, que pretende

continuar estudando, fala em mudar de emprego e em sua perseverança diante das aulas

afirmando que “aprendo aos pouquinhos, tenho um pouco de dificuldade, mas estou gostando

muito”.

Julia faz reflexões sobre as transformações que sentiu em sua vida pessoal, relatando

que “o Proeja foi pra mim um remédio, um animo”, ao se referir que se encontrava muito

deprimida e o Proeja está ajudando neste aspecto. Enfrentando dificuldades e sofrendo

humilhações no meio de trabalho, encorajou-se agora a demitir-se, afirmando “que ninguém

tem o direito de humilhar ninguém”. Antes se considerava uma “coitada” por não saber ler,

agora percebe que tem valor como sujeito, tem novas atitudes, demonstrando que está em

assunção diante de seu contexto de vida, como sujeito.

Podemos também observar a relação entre os educandos, o convívio em sala de aula

revela novas amizades que vão ajudar a compor um cenário favorável a permanência deste

educando na escola. Paulo fala disso quando relata que vai sentir saudades dos colegas nas

férias. Ele se percebe agora num momento de mudança e vê o Proeja como um estímulo na

luta pelas dificuldades do dia-a-dia, dizendo que: “Com o Proeja eu tô aprendendo a ser um

outro tipo de pessoa. Eu pensava muita coisa ruim, agora eu penso coisas boas, eu penso em

lutar ainda mais pelo que eu quero, mudei muito com a minha família também”.

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Daniela também fala da ligação com os colegas, relatando que no início sentiu-se

deslocada, mas agora adora. Ressalta a importância de receber incentivos dentro e fora da

escola, das pessoas que fazem parte de sua vida: “minha mãe, minha irmã, filha e por último o

marido”.

Todos os educandos se mostraram satisfeitos com a escola no geral, falando do bom

relacionamento com os educadores, que não se prendem a um conteúdo programático e

permitem que diálogos com outras temáticas relacionadas aos contextos ali encontrados,

tornando o ambiente agradável e mais construtivo. Entre isso, Andréia fala da imagem que as

pessoas de fora tem da escola: “Mas lá paga, lá é caro. Não sei o que que tem com a imagem

daqui”, aos se referir aos comentários de outras pessoas, que acreditam que a escola não é

gratuita e também desconhecem os cursos oferecidos na mesma.

Considerações finais

Este trabalho apresenta um estudo sobre o recurso da memória como condição para a

assunção da subjetividade, numa reflexão a partir das falas dos educandos do Proeja.

Nos relatos provocados pelas entrevistas, foi constatado que muitos educandos

apresentaram um significativo entusiasmo ao relembrarem suas memórias de vidas, sendo que

para alguns, essas memórias os remetem a uma reflexão crítica de suas trajetórias e também

de suas posições na família e na sociedade hoje.

Quando o sujeito se remete a sua infância com muitas dificuldades ou alegrias,

imediatamente a relaciona com as condições de vidas de seus familiares. Essas condições

tratam, não apenas no que diz respeito a condições financeiras, mas também sobre temas

relacionados à socialização e a convivência, envolvendo valores tais como respeito e

harmonia nas relações familiares e da sociedade em que estão inseridos, tornando-se dessa

forma, sujeitos críticos de suas próprias memórias.

A valorização da família, através dos exemplos de seus pais, consta como forma de

referência para as conquistas e experiências da vida adulta de muitos desses sujeitos. Estas

conquistas, as quais incluem ainda a independência e a sustentabilidade alcançadas, sempre os

fazem pensar a respeito da transformação acontecida em suas formas de vidas, principalmente

pela mudança do meio rural para o meio urbano. As transformações os fazem refletir sobre as

mudanças de comportamento entre educador e educando vivenciadas tanto por esses sujeitos

agora no proeja, quanto por seus filhos em outras modalidades de ensino.

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As trajetórias de vida desses educandos têm como reflexão fatores entre educação e

trabalho, e isso os remetem a questionamentos a respeito das dificuldades enfrentadas no

mundo do trabalho. O abandono, ou o ingresso tardio, na escola está diretamente relacionado

às questões culturais de priorização pelo trabalho, geralmente braçal, pela falta de informação

dos pais e também pelas necessidades de sustentabilidade financeira.

Nos questionamentos que pautam sobre o significado do Proeja em suas vidas, temos

unanimidade nos depoimentos no que diz respeito a uma oportunidade positiva e de boas

expectativas. Este momento torna-se bastante significativo em suas vidas, não apenas pelo

retorno ao mundo da educação, como pelo estímulo à auto-estima desses educandos.

Nesse mesmo contexto, percebemos a existência de muitas perspectivas em relação ao

mundo do trabalho, uma transformação positiva torna-se possível devido a essa assunção

como sujeito e ao empoderamento perante as dificuldades enfrentadas nas ralações sociais do

campo profissional. Este empoderamento se verifica na fala do educando, ao comentar:

“Ninguém tem o direito de humilhar ninguém”.

Ainda relacionada à experiência do Proeja, o convívio social e a troca de experiência

de vidas são fatores significativos na continuidade de suas histórias de vidas. Quando o sujeito

relata que vai sentir saudades dos “professores” e colegas, evidencia seu crescimento pessoal,

intelectual e afetivo.

Nas discussões contemporâneas a respeito de educação, muitos temas tratam da

observação e da identificação do perfil dos educandos como estratégia inicial e fundamental

para a tomada de ações mediante a diversidade de idéias existente no ambientes de ensino e

de aprendizagem. Este contexto fica ainda mais claro, quando se trata da educação de jovens e

adultos, conforme ficou evidenciado pela presente pesquisa.

Quando se trata da modalidade de ensino do Proeja, a referida observação e

identificação, não pode se isentar das memórias de vida apresentadas por seus educandos, pois

tais memórias os remetem a uma nova e transformadora realidade, uma vez que se trata da

retomada de uma caminhada, interrompida por fatores sociais, familiares e do mundo do

trabalho.

Zanchetti, et al. (2009 p.53), remetem-se a uma experiência vivida envolvendo

educandos, educadores e gestores do Proeja, onde as memórias as angústias e os anseios dos

educandos foram os fatores norteadores das observações e discussões a respeito das ações

inerentes a essa modalidade de ensino.

Nessa mesma experiência, relatos de educandos mostram que, quando a valorização do

sujeito e de seus saberes é considerada no processo de ensino e de aprendizagem, o educando

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se motiva ainda mais na busca do seu crescimento pessoal e na investigação de suas

inquietações, sejam estas geradas por novos horizontes, na forma de observação do contexto,

ou trazidas de suas memórias através do decorrer do tempo.

A partir das falas dos educandos apresentadas nesse estudo e nas experiências

vivenciadas por educadores e educandos do IFRS-BG, percebemos que a construção do

currículo, as ações referentes às metodologias de ensino e a contextualização da

interdisciplinaridade, ficam significativamente facilitadas quando considerados os saberes e as

memórias dos educandos do Proeja, principalmente em momentos que se referem às ciências

sociais e humanas como é o caso do ensino de história.

Dentre tantos, um dos desafios para os envolvidos nessa modalidade de ensino é

resgatar os anseios e desafios em relação ao mundo do trabalho, uma vez que se trata de um

curso técnico em comércio, o qual está diretamente relacionado com a atividade profissional

dos educandos, levando em consideração esses fatores na construção do currículo e no projeto

pedagógico do curso.

Outra sugestão para educadores e gestores do Proeja é elaborar ações ligadas a

construção do conhecimento considerando as memórias e experiências de vida dos sujeitos,

elencadas com metodologias tais como a construção de temas geradores e redes temáticas,

contribuindo de forma significativa para a consolidação da interdisciplinaridade.

O Proeja, através do seu decreto tem como proposta contemplar a inclusão e a

retomada do direito a educação, interrompido por fatores que não são ignorados por seus

educandos, deve seguir um caminho que contemple as memórias de vida de seus educandos.

Nesse contexto, novas e construtivas práticas no que se refere à Educação Profissionalizante

de Jovens e Adultos podem ser concretizadas visando a assunção da subjetividade.

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