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LETRAMENTO DIGITAL, INCLUSÃO DIGITAL E CIDADANIA UM OLHAR PARA ALÉM DO ACESSO ÀS TIC Este painel está vinculado ao eixo temático: “Didática e prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação pública”, subeixo: “Práticas pedagógicas: constituição da docência em outros olhares”. Tem por objetivo apresentar discussões teórico-empíricas por meio dos resultados de três investigações acerca da atuação e formação docente a partir da implantação de três projetos de pesquisa no estado de Goiás que envolviam as tecnologias digitais: o “Professor Conectado”, o “Inclusão Digital - Conhecimento e Cidadania” e o “Programa Um Computador por Aluno - PROUCA”. Buscou-se compreender, principalmente, como ocorre o processo de atuação e formação docente, o papel que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) desempenhavam na realização destes três projetos e em que medida eles trabalhavam na perspectiva da inclusão ou exclusão digital dos sujeitos, partícipes deles. A primeira investigação aponta reflexões a respeito de como ocorrem, por meio dos notebooks recebidos do Projeto “Professor Conectado”, as práticas de letramento digital de professores da rede municipal de ensino de Anápolis; a segunda, aponta reflexões envolvendo a atuação de bolsistas de iniciação científica, futuros docentes, no processo de alfabetização de idosos por meio das mídias digitais no Projeto “Inclusão Digital e Social-Conhecimento e Cidadania”; a terceira propõe reflexões a partir de análise sobre o desenvolvimento do PROUCA, no sentido de discutir e superar as contradições do conceito de inclusão digital e do modelo formativo docente, que teve como pressupostos básicos a fragmentação e a hierarquização, baseando-se em uma racionalidade instrumental. O painel propõe sob essas três perspectivas, que as tecnologias digitais no campo da atuação e formação docente, bem como da educação escolar como um todo, deve-se vincular a uma concepção emancipadora e crítica, que supera uma visão meramente reprodutivista que permeia a formação docente para o uso das TIC. Palavras-chave: Professor Conectado, PROUCA, Inclusão Digital XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 2684 ISSN 2177-336X

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LETRAMENTO DIGITAL, INCLUSÃO DIGITAL E CIDADANIA UM OLHAR

PARA ALÉM DO ACESSO ÀS TIC

Este painel está vinculado ao eixo temático: “Didática e prática de ensino:

desdobramentos em cenas na educação pública”, subeixo: “Práticas pedagógicas:

constituição da docência em outros olhares”. Tem por objetivo apresentar discussões

teórico-empíricas por meio dos resultados de três investigações acerca da atuação e

formação docente a partir da implantação de três projetos de pesquisa no estado de

Goiás que envolviam as tecnologias digitais: o “Professor Conectado”, o “Inclusão

Digital - Conhecimento e Cidadania” e o “Programa Um Computador por Aluno -

PROUCA”. Buscou-se compreender, principalmente, como ocorre o processo de

atuação e formação docente, o papel que as tecnologias de informação e comunicação

(TIC) desempenhavam na realização destes três projetos e em que medida eles

trabalhavam na perspectiva da inclusão ou exclusão digital dos sujeitos, partícipes deles.

A primeira investigação aponta reflexões a respeito de como ocorrem, por meio dos

notebooks recebidos do Projeto “Professor Conectado”, as práticas de letramento digital

de professores da rede municipal de ensino de Anápolis; a segunda, aponta reflexões

envolvendo a atuação de bolsistas de iniciação científica, futuros docentes, no processo

de alfabetização de idosos por meio das mídias digitais no Projeto “Inclusão Digital e

Social-Conhecimento e Cidadania”; a terceira propõe reflexões a partir de análise sobre

o desenvolvimento do PROUCA, no sentido de discutir e superar as contradições do

conceito de inclusão digital e do modelo formativo docente, que teve como pressupostos

básicos a fragmentação e a hierarquização, baseando-se em uma racionalidade

instrumental. O painel propõe sob essas três perspectivas, que as tecnologias digitais no

campo da atuação e formação docente, bem como da educação escolar como um todo,

deve-se vincular a uma concepção emancipadora e crítica, que supera uma visão

meramente reprodutivista que permeia a formação docente para o uso das TIC.

Palavras-chave: Professor Conectado, PROUCA, Inclusão Digital

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USO DAS MIDIAS DIGITAIS NA ALFABETIZAÇÃO DE IDOSOS:

EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR

Eliane Gonçalves Costa Anderi CCSEH/UEG- doutoranda da PUC/Goiás

[email protected]

Resumo

O presente trabalho é uma reflexão que surgiu a partir do desenvolvimento da pesquisa

Inclusão digital e social – conhecimento e cidadania. Neste texto, apresentaremos

algumas questões que surgiram durante o desenvolvimento da pesquisa e que se

relacionam com a alfabetização de pessoas idosas, ao usarem as mídias digitais. E,

também, às questões que se relacionam com a formação de professores alfabetizadores.

Um dos objetivos da pesquisa: Inclusão digital e social – conhecimento e cidadania - foi

identificar as estratégias de leitura empregadas pelas pessoas idosas e de baixo

letramento, no uso de diversas mídias digitais. A ideia de que boa parte das pessoas

idosas veem as tecnologias com receio, mas ao mesmo tempo as admiram, por isto

compreender como se dá o seu uso pode contribuir para a criação de práticas

pedagógicas que possibilitem o avanço desse grupo no desenvolvimento da leitura,

independente do suporte do texto. A pesquisa teve uma abordagem qualitativa em que

se fez uso da observação como um aspecto importante na coleta de dados. Além disso,

também se lançou mão da aplicação de questionários para identificar quais eram os

interesses que as pessoas idosas e de baixo letramento têm em relação ao uso das mídias

digitais e por último, buscou-se identificar qual seria a mídia que eles mais se

interessam em utilizar. Após esse levantamento, foram realizadas oficinas com um

grupo de idosos, no uso de diferentes mídias: desktop, notebook, netbook, tablet,

smartphone, tevê digital interativa, tendo o cuidado de todos os equipamentos terem

acesso à internet. A partir das oficinas é que surgiu a necessidade de alfabetizar ou de

ampliar os processos de leitura e de escrita dos sujeitos que participaram da pesquisa.

PALAVRAS CHAVE: Alfabetização de idosos. Formação de professores. Mídias

digitais.

INTRODUÇÃO

O trabalho ora apresentado fez parte do projeto de pesquisa denominado

Inclusão digital e social – conhecimento e cidadania. A pesquisa teve como objetivo

identificar e analisar o desempenho de pessoas de várias gerações e com diferentes

níveis de letramento, em relação ao acesso ao conhecimento mediado pelas tecnologias

digitais. A investigação teve como sujeito pessoas de mais de 57 anos.

Neste texto apresentar-se-á algumas reflexões sobre dois aspectos que surgiram

durante a pesquisa: a alfabetização de adultos, usando mídias digitais e internet e a

formação de professores com foco na alfabetização de idosos.

O interesse em estudar os idosos e pessoas com baixo letramento e sua

desenvoltura em um mundo permeado por tecnologias, partiu do pressuposto de que

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esse novo desenho social altera as demandas sociais, afeta as políticas públicas e traz

novas situações para se viver melhor. Práticas antes simples e mecânicas, como receber

a aposentadoria ou preencher um formulário em papel, passaram a ser feitas em

terminais eletrônicos. Além disso, os formulários, em geral, são digitais, o que acarreta

dificuldade para esse segmento da população que, na maioria dos casos, não têm

familiaridade com o manuseio dos equipamentos e também de sua linguagem.

Silveira (2001) observa que a inclusão social também passa pela inclusão digital,

uma vez que é pela rede mundial de computadores – a Internet –, que circula boa parte

da informação e negar a estas camadas já excluídas de importantes direitos sociais,

como saúde e educação, conhecimento e possibilidade de acesso a essas tecnologias

significa, mais uma vez, desvalorizá-las por questões nas quais são mais vítimas do que

responsáveis.

Levando-se em conta a rápida atualização (ciclos menores) das ferramentas

tecnológicas (desktop, notebook, tablet, smartphone, tevê digital interativa), é que se

pensou em possibilitar aos sujeitos da pesquisa o contato com essas diferentes mídias, a

fim de se identificar em quais delas ou quais sistemas de uso, seria mais adequado e

fácil de usar. Somando-se a identificar suas especificidades no modo de aprender a

manejar essas tecnologias, ou ainda as principais barreiras e preferências encontradas,

segundo a percepção de cada participante do projeto.

Tratou-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, em que os dados foram

coletados por meio de observação e registro escrito nos cadernos de protocolo e ainda,

por meio de filmagens dos sujeitos durante a realização das atividades no Laboratório

de Mídias Interativas e Laboratório Interdisciplinar de Formação do Educador

(LIM/LIFE).

Os sujeitos da pesquisa são idosos que frequentam o Centro de Convivência de

Idosos (CCI), situação que se torna um facilitador, pois é um grupo que já tem como

rotina, participar das atividades desenvolvidas nesse espaço de convivência, e a

pesquisa se constituiria em mais uma atividade para eles sem que tivesse que ser feita

em dias diferentes dos que já estavam definidos em sua rotina. Além disso, esse grupo

já tem a prática de se locomover em pela cidade por meio de transporte coletivo o que

facilitaria a frequência nas oficinas.

Para garantir a participação desses idosos, fez-se um contato com a direção da

instituição para a apresentação da proposta e solicitação de apoio aos frequentadores do

Centro. Após esse contato inicial, o grupo de pesquisadores passou a conversar,

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individualmente, com alguns frequentadores e também participou de um dos encontros

deles, de modo a apresentar a todos o projeto e convidá-los a fazer parte. Na medida em

que eles manifestavam interesse, era aplicado um questionário com o objetivo de

identificar quem usava alguma tecnologia; e no caso de usar, que tecnologia era essa; o

que desejavam aprender e qual motivação tinham para esse aprendizado. Também nesse

contato inicial, já definia para os que manifestavam interesse, os dias e horários de

ocorrência das oficinas.

As oficinas ocorreram no LIM/LIFE. Os sujeitos eram atendidos

individualmente ou em duplas pelas bolsistas que atuavam no projeto. Nessas oficinas

os participantes (idosos) eram colocados diante das diferentes tecnologias existentes no

laboratório (desktop, notebook, tablet, celular do tipo smartphone Android e Windows,

tevê digital interativa) e incentivados a manuseá-las. As atividades realizadas nos

equipamentos eram sugeridas por eles e recebiam todas as orientações e ajuda das

bolsistas, envolvidas no projeto. Todo esse processo foi registrado no caderno de

protocolo, em filmagens e fotografias.

Alfabetizar usando tecnologias digitais

Parte-se da compreensão de que a prática da leitura constitui-se em um elemento

importante para o desenvolvimento do ser humano, tanto no que se refere às estruturas

superiores de pensamento, quanto para a constituição do sujeito e de sua cidadania. Ler

é uma atitude não só para conhecer, decifrar códigos e inteirar-se dos argumentos dos

outros, mas, é acima de quaisquer outros interesses, uma ação do pensamento, pois se

aprende com a leitura, aprende-se a pensar, lendo e aprende-se a ler, lendo.

No movimento histórico da humanidade, a apropriação da linguagem escrita

pelo ser humano possibilitou que essa prática se incorporasse às suas atividades

cotidianas, tornou o domínio de técnicas de leitura, de escrita e do letramento um

importante componente de inserção do sujeito no meio social, interferindo na sua

atuação como cidadão.

Para Scliar, (2008), leitura quer dizer a maneira de compreender e de interpretar

o mundo, ou seja, que o ato de ler não se restringe somente à leitura da palavra escrita,

mas que a escrita, segundo Martins (apud SCLIAR, 2008), provavelmente seja o mais

perfeito e o menos obscuro sistema de linguagem. Quanto mais o ser humano domina

ferramentas cognitivas de interpretação, mais condição terá de compreender e atuar

sobre sua realidade.

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Também foram levados em conta os pressupostos que alguns estudiosos da

educação, ligados ao processo de ensinar e aprender Libâneo (2013), Cagliari (2009),

Brandão (2004), Nunez e Pacheco (1998), têm sobre o que ocorra no ato da

aprendizagem. Isto é, é importante que o conteúdo seja significativo para a pessoa que

irá aprender, além disso, é necessário que ela tenha motivos para aprender algo. Este

motivo pode ser interno, o que é chamado de motivação, ou externo, entendido como

objetivo a ser alcançado com aquilo que está sendo estudado.

O fato de os estudantes apresentarem desejos e necessidades diferentes uns dos

outros quanto ao conteúdo da aprendizagem, coloca para os professores um grau

elevado de dificuldade na organização das atividades de ensino, na medida em que em

uma sala de aula encontramos muitas diferenças com relação a esses elementos. Com a

internet, o professor passa a ter a possibilidade de encontrar uma diversidade de

conteúdo para atender aos diferentes desejos e necessidades. Todavia, não basta só ter a

internet, ela tem de ser de fácil acesso, rápida e constante, mas não prescinde

conhecimento sobre o conteúdo que irá trabalhar por parte do professor.

As condições de infraestrutura do equipamento e da internet é um elemento

necessário para iniciar o processo de alfabetização dos idosos. O fato de eles já terem

muita experiência de vida, de terem criado seus filhos, numa sociedade grafocêntrica,

possibilitou que desenvolvessem estratégias de sobrevivência nessa sociedade. Essas

estratégias envolvem desenvolvimento da capacidade de fazer inferência, de testar

hipóteses, de selecionar aquelas que se ajustam ou não a determinadas situações. A

inferência, a seleção e a dedução são formas intelectuais de lidar com o mundo; mesmo

que limitadas, são formas intelectuais e a ampliação da capacidade de operar

conceitualmente com a realidade depende muito do desenvolvimento da linguagem.

DISCUSSÃO E RESULTADOS

As repostas dadas aos questionários possibilitaram caracterizar os sujeitos da

pesquisa e identificar, além de um perfil sociocultural, também as expectativas que eles

traziam em relação ao uso das tecnologias digitais. A análise dos relatos das estudantes

do curso de Pedagogia, bolsistas de iniciação científica que participaram da pesquisa,

atuando junto aos idosos, nos permitiu refletir sobre questões que envolvem a formação

do professor alfabetizador e a organização do processo pedagógico junto a esse grupo

de pessoas.

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Quem eram os sujeitos da pesquisa

Participaram da pesquisa 47 sujeitos, com idade entre 57 e 81 anos, sendo que

76,6% do sexo feminino. A maioria apresentou baixa ou nenhuma escolarização

(59,7%) e 10,6% possuía nível médio e 4,3% ensino superior. A partir desses dados

constata-se que, do ponto de vista da escolarização, mesmo sendo um grupo constituído

de pessoas com mais de 57 anos, a desigualdade dentro dessa faixa etária é muito

grande. O que demonstra os resultados das políticas educacionais até agora

implementadas no país.

Com relação ao estado civil, 40,4% dos sujeitos são viúvas e viúvos; 25,6% são

casados; 12,8% nunca casaram e 10,6% são divorciados. Quanto à posse de alguma

tecnologia ou ferramenta tecnológica, o resultado obtido foi: a) os que afirmam possuir

televisão e celular 83%; b) os que possuem rádio 63, 8%; c) DVD 49%; d) computador

34,0%; e) internet 27,7%; f) e-mail 12,8%; g) 8,5% participam de redes sociais; h)

6,4% possuem tablete; i) 2,1% videogame.

Os dados dessa pesquisa não se diferem da pesquisa nacional TIC-domicílio

(2013), realizada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI), quanto às desigualdades dos

domicílios com internet e daqueles sem internet. A pesquisa nacional revela que 43%

dos domicílios brasileiros possuem acesso à Internet; portanto, 57% ainda continuam

sem. Nessa pesquisa, em que os sujeitos são pessoas idosas, a desigualdade se mostra

ainda maior, pois somente 27,7% das pessoas afirmaram ter internet em casa, contra

72,3% que não têm. O que nos leva a inferir que a exclusão digital entre o segmento de

pessoas idosas é muito maior.

Com relação a quais tecnologias eles mais utilizam, o resultado foi: a) celular

(78,7%); b) televisão (72%); c) rádio (42,0%); d) DVD 17%; e) computador 10,6%; f)

internet, e-mail, as redes sociais 2,1%. Os dados com relação ao celular também

confirmam o que já foi evidenciado na pesquisa TIC Domicílios Empresas (2013), com

uma tendência de ampliação do número de usuários.

Outro fato que nos chamou a atenção foi que somente os sujeitos do sexo

masculino afirmaram fazer uso do caixa eletrônico, o que correspondeu a 4,3% da

amostra. Todavia, a maioria dos pesquisados afirmou ser aposentado ou pensionista, em

que o recebimento da aposentadoria ou da pensão é feito por meio do caixa eletrônico.

O que nos leva a inferir que, da amostra, somente 4,3% faz uso dessa tecnologia com

certa autonomia, os outros ficam na dependência de outra pessoa. A Pesquisa TIC-

domicílio (2013) revelou que 68% da população que usa internet no Brasil utiliza os

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serviços do governo eletrônico (e-gov) com monitoramento, ou seja, com certo nível de

ajuda, mas

Entre os usuários de Internet que utilizam tais serviços com mais frequência,

estão aqueles que possuem Ensino Superior (86%), com idade entre 35 a 44

anos (74%) e pertencentes à classe A (87%). Estima-se que 48,4 milhões de

brasileiros de 16 anos ou mais sejam usuários de algum dos serviços de

governo eletrônico pesquisados pela TIC Domicílios. (TIC Domicílio

Empresa 2013, p.181)

Nessa pesquisa não foi feita nenhuma pergunta com relação à posse de bens ou

renda familiar, mas no contato direto com os idosos e pelas informações quanto à

escolarização, pudemos inferir que a maioria estaria classificada entre as classes C e D1.

O que confirma a afirmação acima de que o uso de serviços na internet é feito pelas

pessoas jovens, com escolarização em nível superior e de classes econômicas mais

elevadas.

Todos os sujeitos manifestaram interesse em aprender a manusear algumas

dessas tecnologias, e o que eles mais apontaram que querem aprender é: a) Celular –

70,2% sujeitos; b) computador -49%; c) Internet -40%; d) caixa eletrônico 25,5%; e)

WatsApp 6,4%; f) Tablet 4,3%. O e-mail, redes sociais, o chat, música, pen drive foram

apontados somente uma vez.

A questão sobre os motivos que têm para aprender aquela tecnologia ou aquela

ferramenta foi uma questão aberta, cada um falava seu motivo ou motivos e a

pesquisadora registrava. As respostas dadas foram organizadas e depois foram

classificadas por aproximação. Agrupamos os motivos em oito grupos: a)

comunicação/relações sociais foi apresentado por 21,3% dos sujeitos; b) conquistar

autonomia ou independência 21,3%; c) para entretenimento 17,2%; d) para auxiliar no

trabalho 4,2%, mesmo sendo aposentados ou pensionistas; e) para o

autodesenvolvimento ou atualização 23,4%; f) relacionamento amoroso/afetivo 2,1%, g)

curiosidade/interesse 6,4%; h) acesso/ consumo2 8,5%.

Observa-se que há uma diversidade de motivos para aprender a utilizar, mas o

que é mais importante é o fato de desejarem aprender. O que nos leva a deduzir que

qualquer projeto de ensino que envolva as tecnologias digitais com pessoas idosas não

pode desconsiderar a diversidade de desejos, e não pode ser orientado no sentido de

uma proposta pedagógica única para todos. Isto também vem confirmar hipóteses de

outras pesquisas que trabalham com educação de adultos, evidenciando que não há um

caminho único de ensiná-los, que o sucesso do trabalho com esse grupo depende muito

do sentido que eles encontram no que estão aprendendo. Mas, pelo fato de não saberem

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alguma coisa não significa que são incapazes de aprender, pois mesmo sendo idosos

acreditam em futuro e querem continuar aprendendo as coisas.

Também ficou evidente a importância que o domínio das habilidades de leitura

adquiriu para esse grupo de pessoas, mesmo alguns equipamentos apresentarem uma

interface amigável, dedutível, pois lançam mão de ícones facilmente dedutíveis, como

os que apresentam nos atuais modelos celulares do tipo smartphone. Saber ler uma

mensagem escrita no facebook ou no WatsApp, conseguir realizar uma atividade

autonomamente, “sem precisar de ninguém”, foi o desejo manifestado pela maior parte

dos sujeitos da pesquisa.

A experiência de alfabetizar usando mídias digitais

Além de ensiná-los a usar os equipamentos, também foi necessário trabalhar

com o ensino da leitura e da escrita, pois a falta de domínio dessas duas modalidades

restringia o uso dos equipamentos e com base nesses conhecimentos, a primeira coisa

que se fazia era identificar as suas áreas de interesse.

Uma das senhoras do grupo gostava muito de fazer crochê, por isso, o trabalho

com ela começou com a visita aos sites que tinham receitas desta habilidade manual.

Ela reconhecia os pontos que eram mostrados nos desenhos e a bolsista ia lhe

mostrando o que estava escrito. Uma ensinava o crochê, a outra ensinava a ler. A partir

dessa interação D. Divina foi se soltando e verbalizando as dificuldades, as confusões

que fazia em relação às letras ou em relação à escrita de algumas palavras, ou em

relação ao significado de outra, bem como ao tipo da letra que era empregada. Era nesse

diálogo que se encontrava as informações para organizar os próximos encontros.

A utilização do teclado do computador para digitar uma lista de compras do

supermercado foi uma experiência muito interessante, pois, segundo a D. Divina, o uso

do teclado é mais fácil do que escrever com o lápis, porque se pode usar só um dedo e,

se errar, nem precisa de borracha, aperta-se outro botão e apaga. Fazer as letras

utilizando o lápis ou a caneta é mais difícil, afirma ela.

O que estava sendo colocado é que o esforço exigido em coordenar o

movimento motor de grafar a letra cursiva, simultaneamente à decodificação desta letra,

é mais difícil, pois ela tem os “dedos duros” e tem dificuldade de recordar o traçado da

letra cursiva. Ao passo que, no computador, esse esforço é diminuído, pois no teclado já

mostra a letra, não precisa buscar na memória qual é a letra e qual é o traçado dela;

basta apertar, para a letra aparecer na tela.

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Cagliari (2009) faz crítica àqueles métodos de alfabetização, que impõem a

escrita cursiva como a única para ser usada no início do processo defendendo que

A escrita de forma é muito mais fácil de aprender e reproduzir que a cursiva.

Além disso, é a escrita de forma que aparece nos livros (exceto nas

cartilhas...). A escrita cursiva tem um uso muito particular, individual,

mesmo nos dias de hoje. É de difícil leitura e exige um domínio perfeito dos

movimentos para a sua realização, o que representa um esforço muito grande

por parte das crianças, que nem sequer conseguem segurar o lápis e controlá-

lo com facilidade. (p. 83)

Isto também é válido para o adulto, que pela pouca prática de escrita também

encontra dificuldade motora na manipulação dos instrumentos de escrita, lápis ou

caneta, pois estes exigem movimentos motores específicos para produzir a escrita

cursiva e isto acaba ampliando um pouco mais as dificuldades em produzi-la. O autor

considera o sistema cursivo o mais complicado do mundo, porque varia muito na

medida em que segue as idiossincrasias de cada usuário. Para uma pessoa que está

começando a ler, ler o que escreveu ou ler o que o colega escreveu é algo muito difícil.

Neste ponto, o ensino da escrita fazendo uso do teclado reduz algumas dificuldades do

processo, principalmente quando se trata de adultos.

Enviar mensagens de texto pelo celular e comentar ou mandar mensagens

escritas pelo facebook foi uma demanda apresentada por D. Maria, pois seus familiares

moram em outra cidade e ela gostaria de escrever para enviar mensagens a eles. Mesmo

sem o domínio da ortografia, da pontuação e das regras de produção dos diferentes tipos

de textos, ela se colocava diante do desafio de aprender a escrever, para se comunicar

com outras pessoas. Antes de ensinar a escrever, é preciso saber o que os estudantes

esperam da escrita, que utilidades eles julgam que ela possui e isto deve servir de

elemento para organizar o processo inicial de ensino da escrita.

Quando D. Maria trouxe para a bolsista, futura professora, o que ela queria

aprender a escrever, deixava implícito que já sabia para que serve a escrita; que sentido

tem a escrita para ela. Estudantes que vêm de contextos em que as atividades cotidianas

são mais oralizadas, com pouco uso da escrita, oferecem certa resistência ou

desinteresse pelas atividades de escrever que são apresentadas pela escola. Esse

fenômeno pode ser explicado pelo não entendimento da função social da escrita: para

quê se escreve? Que sentido tem a escrita para aquele grupo de estudantes, naquele

contexto sociocultural? Com D. Maria isto não aconteceu, pois ela já disse o que

desejava escrever. Cagliari (2009) afirma que ninguém escreve sem motivo; a pessoa,

ao escrever, espera ser lida por alguém e D. Maria nos colocou diante desta situação,

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pois ela queria escrever para que seu texto fosse para as redes sociais e lido pelas

pessoas que fazem parte dessa rede. Sendo assim, mesmo com toda dificuldade que

envolve a produção de um texto escrito, houve empenho na execução da tarefa.

Não basta saber escrever para escrever. É preciso ter uma motivação para

isso. Grande parte da população das cidades trabalha em serviços que não

exigem a escrita. Por isso, os programas de alfabetização – sobretudo de

adultos – precisam ser elaborados não em função de uma cultura julgada

ideal e excelente para todos, mas de acordo com as reais necessidades e

anseios de cada um. (CAGLIARI, 2009, p. 88).

D. Maria apresentava rudimentos de escrita, pois ora ela escrevia a palavra com

todas as letras, ora faltando uma ou mais letras. Como era um texto, o que ela estava

escrevendo, em muitos momentos era impossível ser decodificado por alguém que não

estivesse próximo a ela e que não soubesse o que ela queria comunicar. Para que a

escrita dela fizesse sentido não só para ela, mas também para qualquer leitor, foi

necessário abordar algumas normas gramaticais, ortografia e pontuação que, neste caso,

não se trataram de meros exercícios de memorização de classe gramatical, regras de

pontuação ou de ortografia, mas sim, de buscar nesses conteúdos as informações

necessárias para que o seu texto fosse lido e fizesse sentido para quem o lesse.

Nessa experiência foi possível refletir sobre a necessidade de se pensar em outra

forma de organizar o ensino da alfabetização de pessoas adultas, que além de respeitar e

valorizar todo o conhecimento que acumularam durante suas vidas, também o toma

como ponto de partida para a aquisição de novos conhecimentos, sem empregar

abordagens infantilizadas de ensino e sem negligenciar os conteúdos científicos, de

modo a criar condições intelectuais para que essas pessoas possam seguir avançando no

processo de desenvolvimento do conhecimento e de ampliação das capacidades

cognitivas.

As mídias digitais serviram de atrativo para esse grupo, pois desejam agir com

autonomia e independência, mas esta autonomia e esta independência com relação à

tecnologia dependem da capacidade de ler, visto que as mídias são apenas ferramentas.

Não restam dúvidas de que são ferramentas bastante atrativas, mas não prescindem dos

professores, dos técnicos, da infraestrutura.

O baixo nível de compreensão da leitura dos brasileiros tem sido evidenciado em

várias pesquisas (Retratos da Leitura no Brasil, 2008), (Retratos da Leitura no Brasil,

2011). Essa ausência de compreensão do que se lê incide sobre o exercício pleno da

cidadania, na medida em que as pessoas que não conseguem compreender aquilo que

leu no jornal, na revista, na lei, no contrato de trabalho e nos contratos de forma geral,

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ficam reféns da opinião do outro e da boa ou má fé, ou seja, não são capazes de analisar

as intenções que estão postas no texto, tirando as próprias conclusões e avaliando se o

que está ali expresso atende ou não aos seus interesses.

Nessa perspectiva, a tarefa de formar o leitor passa então a ser também uma luta

para se assegurar o exercício da cidadania, pois muito mais que decodificar, o leitor

deve ser capaz de emitir opinião e de se posicionar criticamente diante do que está

sendo lido, o que se faz por meio de um amplo repertório linguístico, do

estabelecimento de relações entre o texto, o contexto e as intenções do discurso, o que é

assegurado pela prática cotidiana de leitura de diferentes tipos de textos, em diferentes

suportes. Vale ressaltar que aqui estamos nos referindo a um leitor que segundo Yunes

(2002) tem no ato de ler

“[...] um ato de atualização e de despojamento do pensar e pensar-se longe

dos pré-juízos e pré-conceitos com que o senso comum ilude a maioria dos

alfabetizados de quaisquer linguagens em leituras prontas por antecipação,

taxando as demais segundo um juízo de falso e verdadeiro que não subsiste

objetivamente, pois há que se levar em conta o sujeito – que as produz e

recebe – e suas circunstâncias”. (YUNES, 2002, p.39).

Significa reconhecer que o leitor tem capacidade de pensar e de se expressar

cada vez mais adequadamente em sua relação social, e que isto pode possibilitar - lhe

desobstruir o caminho que lhe impede de avançar no processo de construção de sua

cidadania e que o constitui como sujeito, fortalecendo lhe o espírito crítico.

CONSIDERAÇÔES FINAIS

O trabalho de alfabetizar os idosos usando as mídias digitais se mostrou como

sendo uma importante experiência formativa para as acadêmicas do curso de Pedagogia,

pois as questões trazidas pelos sujeitos da pesquisa exigiram não só a retomada de

conteúdos de algumas disciplinas, já estudadas no curso, mas também exigiu buscar

outros conteúdos de outras áreas de conhecimento.

Esse movimento de retomar conteúdos e de buscar outros ainda não estudados se

apresenta como um importante elemento que é próprio da pesquisa, pois tiveram que

problematizar, levantar dúvidas, formular hipótese em que não se tinha as respostas já

prontas ou procedimentos pré-definidos para que fossem aplicados. Nessa situação, as

estudantes bolsistas, e, nós professores formadores, tivemos que nos debruçar sobre os

estudos de teorias relacionadas com a aquisição da linguagem escrita, por parte de

pessoas adultas, na tentativa de compreender como esses adultos entendem essa

linguagem, qual importância era dada para o conhecimento da escrita e quais os

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2694ISSN 2177-336X

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conhecimentos já possuíam sobre esta modalidade apesar de serem falantes da língua.

Compreender essas questões e organizar o processo de ensino para esse grupo se

colocou como um problema complexo para todos nós.

Durante a pesquisa ficou claro, para o grupo, a limitação de se trabalhar com

propostas prontas de alfabetização como nos modelos apostilados, pois a

heterogeneidade dos sujeitos e de seus níveis de letramento se apresentou como sendo

praticamente impossível empregar um único caminho ou método de alfabetização para

todos os sujeitos que participavam da pesquisa. Essa impossibilidade de uniformização

ou de padronização exigiu de nós um conhecimento mais aprofundado da língua

materna do ponto de vista da norma padrão, na escrita ou ainda, compreensão das

características dos falantes dessa língua na relação com a escrita padrão, pois a fala e a

escrita são instâncias diferentes da língua.

Compreender a natureza da fala, a natureza do ensino da leitura e da escrita nos

deu condições de também compreender porque uma pessoa escreve dessa ou daquela

forma. Por que ao tentar escrever um texto emenda uma palavra com outra ou retira uma

sílaba de uma palavra e justapõe outra, faz trocas de letras ou omite algumas. Esses

conhecimentos teóricos sobre a constituição da língua escrita deram mais condições de

planejar situações de ensino que se aproximem mais das características do grupo de

estudantes com o qual estávamos trabalhando. Isto equivale a dizer que para ser

professor de alfabetização não basta só saber ler e escrever e dominar algum método de

alfabetização há muitos outros conhecimentos que são necessários.

A pesquisa também nos possibilitou entender que para ensinar os idosos a ler e

escrever, além de se estabelecer uma relação de confiança e de respeito entre o

professor e o estudante idoso, há também que conhecer a língua materna e compreender

o pensamento do adulto idoso que vem de diferentes grupos de falantes da língua, o que

exige do professor muito estudo teórico. Diferente do que vem sendo empregado nos

programas de alfabetização de adultos que selecionam pessoas da comunidade, sem

nenhuma formação para ministrar aulas para este segmento, mas que acabam por

empregar os mesmos métodos que são empregados com as crianças, contribuindo para

ampliar o sentimento de incompetência que eles trazem, desencadeando um processo de

evasão desses estudantes, na medida em que não conseguem aprender.

A pesquisa indicou que para falar em inclusão digital das pessoas com baixo

letramento há que se investir ainda mais em políticas de alfabetização e de letramento

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para pessoas idosas, mas é necessário contar com professores bem formados e com boa

estrutura material e pedagógica para atuar com esse segmento.

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In: YUNES, E. (Org.). Pensar a leitura: complexidade. Rio de Janeiro: Ed PUC – Rio;

São Paulo: Loyola, 2002, p. 13-51.

1 Classe social: o conceito de classe social aqui empregado é o mesmo que utilizado pela Associação

Brasileira de Empresas de pesquisas (Abep). A entidade utiliza para tal classificação a posse de alguns

itens duráveis de consumo doméstico, mais o grau de instrução do chefe da família declarado. A posse

dos itens estabelece um sistema de pontuação em que a soma para cada domicílio resulta na classificação

como classes econômicas A1, A2, B1, B2, C, D e E. Para a análise dos dados, essas categorias foram

sintetizadas em A, B, C e DE. (TIC Pesquisa Domicilio Empresa 2013, p.141)

2 Consumo na perspectiva de Canclini que entende que o consumo oferece cidadania e identidade.

Segundo o autor, a ausência de espaços públicos de socialização, as pessoas consomem o que o grupo a

que pertence consume para, a partir desse consumo, constituir-se como cidadão.

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PRÁTICAS DE LETRAMENTO DIGITAL E ATUAÇÃO DOCENTE: O CASO

DO PROJETO “PROFESSOR CONECTADO”

Elson Marcolino da Silva

Universidade Estadual de Goiás, Câmpus Anápolis de CSEH

[email protected]

RESUMO O objetivo deste artigo é apresentar reflexões empírico-teóricas sobre as práticas de

letramento digital desenvolvidas por professores beneficiados pelo projeto “Professor

Conectado”. Para tanto, o estudo foi guiado pela seguinte problemática: - Como

ocorrem, por meio dos notebooks recebidos do Projeto “Professor Conectado”, as

práticas de letramento digital de professores da rede municipal de ensino de Anápolis?

A investigação configura-se como estudo qualitativo. Para a realização da pesquisa,

além de estudos teóricos e documentais fizemos também, trabalho empírico, em que os

dados foram coletados por meio da realização de entrevistas semiestruturadas com

dezessete professores da rede municipal de ensino de Anápolis que receberam

notebooks do Projeto “Professor Conectado”. Os dados foram analisados à luz da

metodologia Análise de Conteúdo. Os resultados do estudo apontam principalmente

que, dentro de uma perspectiva socio-histórica, os sujeitos investigados parecem

apresentar condições razoáveis de desenvolvimento de práticas de letramento digital,

por meio dos notebooks recebidos do Projeto “Professor Conectado”. Uma vez que,

pelo menos, a “posse” do computador e a “capacitação inicial” para os usos

pedagógicos das TIC em sala de aula foram-lhes garantido por parte dos organizadores

do Projeto. Entretanto, a análise do corpus da pesquisa possibilitou inferir também que

as práticas de letramento digital dos professores investigados podem estar sendo

desenvolvidas subsidiadas teoricamente por pressupostos do neotecnicismo pedagógico,

no que tange habilidades e comportamentos que estão sendo demandadas pela nova base

produtiva.

Palavras-chave: TIC. Análise de Conteúdo. Letramento.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é apresentar reflexões teórico-empíricas sobre as práticas

de letramento digital de professores beneficiados pelo projeto “Professor Conectado”.

Para tanto, foi guiado pela seguinte problemática: - Como ocorrem, por meio dos

notebooks recebidos do Projeto “Professor Conectado”, as práticas de letramento digital

de professores da rede municipal de ensino de Anápolis?

A investigação configura-se como estudo qualitativo. Para a realização do

projeto, além de estudos teóricos e documentais, realizamos também, trabalho empírico

em que os dados foram coletados por meio da realização de entrevistas semiestruturadas

com dezessete professores da rede municipal de ensino de Anápolis que receberam

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notebooks do Projeto “Professor Conectado”. Os dados foram analisados à luz da

metodologia Análise de Conteúdo.

O presente artigo está organizado em três partes. Na primeira, apresentamos

discussões teóricas em relação ao letramento digital. Na segunda parte, intitulada “O

Projeto Professor Conectado”, discorremos sobre as principais características e

objetivos do Projeto “Professor Conectado”. A terceira parte deste artigo diz respeito

aos resultados e discussões do trabalho.

O estudo é considerado importante, na medida em que é nítida a presença das

tecnologias digitais no campo escolar, sobretudo na organização do trabalho pedagógico

da escola. O fato das tecnologias digitais estarem presentes no ambiente escolar parece

criar uma situação em que, mais cedo ou mais tarde, os professores desenvolvam

práticas de letramento digital, por meio dos vários artefatos tecnológicos de natureza

eletrônico-digital. O resultado do estudo aponta que os sujeitos parecem apresentar

condições razoáveis de desenvolvimento de práticas de letramento digital, por meio dos

notebooks recebidos do Projeto, uma vez que, pelo menos, a “posse” do computador e a

“capacitação inicial” para os usos pedagógicos das TIC em sala de aula foram-lhes

garantido por parte dos organizadores do Projeto. Também, identificamos que as

práticas de letramento digital dos professores investigados podem estar sendo

desenvolvidas subsidiadas por pressupostos do neotecnicismo pedagógico, no que tange

a habilidades e comportamentos que estão sendo demandados pela nova base produtiva.

Esperamos que a realização deste estudo gere debates e encaminhamentos sobre

as práticas de letramento digital desenvolvidas em espaços escolares e não escolares.

O LETRAMENTO DIGITAL

Para Kenski (2007), com o advento e desenvolvimento das tecnologias

eletrônicas de informação e computação, vai se configurando um novo tipo de

linguagem, denominada de linguagem digital. Segundo a autora, a linguagem digital é

considerada, após a oralidade e a escrita, a “terceira linguagem” que surge e se

desenvolve em articulação com as tecnologias eletrônicas de informação e

comunicação. Entre as múltiplas TIC, a linguagem digital se expressa também por meio

dos computadores e da internet.

As práticas sociais, decorrentes dos usos que as pessoas fazem da linguagem

digital, mediada pelo computador e internet, é o que Soares (2002) e Coscarelli &

Ribeiro (2005) denominam de práticas de letramento digital.

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Para Soares (2002), o conceito de letramento, na “cultura” do papel, é

considerado como “[...] estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas

cultiva as práticas sociais que usam a escrita [...]” (p. 47). Já no campo da “cultura

digital”, o termo letramento é reconceituado e passa a ser entendido como uma condição

que caracteriza as pessoas que se apropriam da nova tecnologia digital e, com isto,

exercem práticas de leitura e escrita na “tela” do computador.

Coscarelli & Ribeiro (2005, p. 9), entendem o conceito de letramento mediado

pelas “telemáticas” como “[...] a ampliação do leque de possibilidades de contato com a

leitura e a escrita também em ambiente digital”. Tanto Soares (2002) quanto Coscarelli

& Ribeiro (2005), entendem que as práticas de letramento digital surgem e se

desenvolvem em decorrência dos usos e da presença das mídias digitais na sociedade

contemporânea, incluindo o computador e a internet.

Ainda que não se possa afirmar com toda certeza sobre a origem das primeiras

práticas de letramento digital, pois ainda são poucos os estudos voltados para este

fenômeno, o fato é que, o surgimento dos primeiros computadores em redes possibilitou

o desenvolvimento das primeiras práticas de letramento digital.

Segundo Harasim et al. (2005), a década de 1960 é considerada como um

momento histórico em que, pela primeira vez, ocorreu uma comunicação por meio de

redes de computadores, utilizando, para isto, o correio eletrônico e os computadores de

tempo compartilhado. Segundo os autores, para que as pessoas se comunicassem, via

computadores, naquela época “[...] enviavam mensagens pelos mesmos computadores

mainframe, por meio de terminais burros a eles conectados ou através de linhas

telefônicas discadas (locais e interurbanas).” (HARASIM ET AL, 2005, p. 21-22).

Tomando como base os estudos realizados por Harasim et al (2005), que inferem

ser a década de 1960 o período em que são realizadas as primeiras comunicações on-

line por meio do computador, podemos supor, então, que o surgimento dos primeiros

computadores eletrônicos em rede, ainda nos anos 60, possibilitou o desenvolvimento

das primeiras práticas de letramento digital.

A criação da ARPANET, também na década de 1960, e posteriormente da

internet, em meados da década de 1980, conforme relata Castells (1999), contribuíram,

mais ainda, para o desenvolvimento de novas práticas de letramento digitais em vários

domínios sociais. Deste período inicial, marcado pelo surgimento dos primeiros

artefatos tecnológicos de natureza microeletrônica-digital, até os dias atuais, as práticas

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de letramento digital têm-se ampliado e complexificado em decorrência, sobretudo, do

desenvolvimento e usos dos aparatos tecnológicos dessa natureza.

No estágio atual da sociedade, as práticas de letramento digital mediadas pelos

computadores/internet, emergem em várias esferas sociais e possibilitam usos

comunitários quase infinitos. Por exemplo, quando as pessoas acessam em casa, no

trabalho, no lazer, etc. a internet para: a) fins comerciais, - compras e vendas de

produtos e mercadorias, fechar negócios usando assinatura digital; b) busca de

informação e conhecimento na rede, usando os sites de buscas lá disponíveis; c) se

comunicar e interagir em tempo real através das redes sociais e chats; c) aperfeiçoar sua

formação acadêmica e profissional, entre outras possibilidades quase infinitas dos usos

da internet. Além das quase infinitas possibilidades, proporcionadas em função das

práticas de letramento ocorridas em ambientes digitais, é importante termos, também, a

visão de que essas práticas de letramento podem trazer consequências para a sociedade.

Neste sentido, ainda que não tenha se utilizado explicitamente do termo

letramento digital em sua obra, Schaff, no início da década de 1990, já inferia sobre as

possíveis consequências que a sociedade enfrentaria em decorrência dos usos e fins das

tecnologias informatizadas. Advertia o autor, nos primórdios da publicação da sua obra:

“Por um lado, a automação e a robotização provocarão um grande incremento da

produtividade e da riqueza social; por outro lado, os mesmos processos reduzirão, às

vezes de forma espetacular, a demanda de trabalho humano.”. (SCHAFF, 1995, p. 27).

No campo da educação escolar, o surgimento e desenvolvimento das TIC na

“sociedade do conhecimento”, têm trazido novos desafios aos profissionais da

educação, sobretudo àqueles que lidam diretamente com a organização do trabalho

pedagógico escolar. Para Ramal (2002), a primeira questão que se coloca quando se

pensa na introdução das tecnologias digitais na área da educação escolar é,

inevitavelmente, a questão pedagógica. Neste sentido, entendemos ter sido de

fundamental importância compreender quais são os pressupostos teórico-pedagógicos

que vêm orientando nas últimas décadas as práticas escolares e em que medida esses

pressupostos subsidiam, também, as práticas de letramento digitais de alunos e

professores.

O PROJETO “PROFESSOR CONECTADO”

O Projeto “Professor Conectado”, lançado em 2010, foi uma iniciativa da

Prefeitura Municipal de Anápolis. Essa iniciativa surgiu, sobretudo, pelo fato da

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Prefeitura entender a importância de inserir os professores no “mundo” digital, bem

como deles usarem os recursos tecnológicos digitais, inclusive os notebooks,

concebendo-os como novas ferramentas pedagógicas, tendo em vista que as mudanças

na sociedade tecnológica são constantes.

A princípio, na fase inicial do Projeto foram entregues, por meio da Secretaria

Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia – SEMECT- Diretoria de Ciência e

Tecnologia da cidade de Anápolis, cerca de 1700 micro-computadores portáteis para as

professoras regentes de sala de aula, “vislumbrando grandes possibilidades de melhoria

no ensino público da cidade”. (PROJETO PROFESSOR CONECTADO, 2010, p. 2)

Segundo Santos (2013), o Tesouro Público da Prefeitura Municipal de Anápolis,

por meio do Fundo Municipal de Desenvolvimento da Educação, foi o responsável pelo

fomento do projeto. O objetivo maior do Projeto “Professor Conectado” é propiciar o

enriquecimento da prática pedagógica dos professores da rede municipal de ensino da

cidade de Anápolis, por meio do uso de notebooks e, com isto, melhorar a qualidade da

educação pública na cidade. Segundo consta no Projeto “Professor Conectado” os

objetivos dele são:

Ofertar aos professores da Rede Municipal de Educação de Anápolis o acesso

às novas tecnologias da informação e comunicação por intermédio do

microcomputador; usar as novas tecnologias para aprimorar o direito de

ensinar e aprender bem; propiciar a inclusão digital dos professores;

viabilizar a utilização das ferramentas operacionais proporcionadas pelo

software livre – Linux; fornecer a todos os professores das unidades escolares

um microcomputador portátil (notebook) (PROJETO PROFESSOR

CONECTADO, 2010, p. 3-4)

O projeto “Professor Conectado” não se resume apenas a entrega dos notebooks

aos professores regentes da rede municipal de ensino. Mas, também, contempla a

capacitação docente para os usos técnico-pedagógicos das mídias digitais. A

capacitação para os docentes regentes da rede municipal de ensino, no que tange aos

usos dos notebooks do “Professor Conectado” para fins técnico-pedagógicos, foi

ofertada por uma empresa e ocorreu por meio do curso “Cultivar Educação”. Esse

curso, com carga horária total de 60 horas, sendo 40 presenciais e 20 online, foi

ministrado pelos profissionais da própria empresa contratada para prestar os serviços de

capacitação aos docentes.

Segundo Santos (2013), a proposta pedagógica do curso “Cultivar Educação”

estava organizada em momentos “práticos” em que os docentes manusearam os

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2701ISSN 2177-336X

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softwares dos notebooks, entre eles o Linux. Já a segunda parte do curso, dizia respeito

à fundamentação teórica, a cerca do tema “Educação e Tecnologia”.

Entretanto, e de acordo com Santos (2013), este curso pode não ter sido

realizado de forma suficiente, especialmente no que tange em subsidiar os professores

para os usos eficientes dos notebooks no processo de ensino e aprendizagem, devido,

entre outros fatores, à curta duração dele e aos horários que nem sempre atendiam a

disponibilidade de todos os professores cursistas, somando-se a dissociação entre a

teoria e a prática.

DISCUSSÃO E RESULTADOS

A análise do corpus da pesquisa nos possibilitou a criação de categorias, sendo

elas: a) Perfil dos sujeitos e condições para o desenvolvimento das práticas de

letramento digital; b) Usabilidades do notebook do “Professor Conectado”; c) Notebook

e desenvolvimento de capacidades e comportamentos.

a) Perfil dos sujeitos e condições para o desenvolvimento das práticas de

letramento digital

A análise do corpus do estudo nos possibilitou realizar um perfil em relação ao

gênero, tempo de experiência de docência, formação acadêmica, questão salarial, há

quanto tempo os sujeitos da pesquisa haviam recebido o notebook do Projeto “Professor

Conectado”, bem como inferir se o Projeto dava, ou não, as condições para que os

professores desenvolvessem suas práticas de letramento digital, por meio dos notebooks

recebidos via projeto “Professor Conectado”.

Os sujeitos da pesquisa foram dezessete professores que ministram aulas na

primeira fase do Ensino Fundamental de escolas públicas da rede municipal de ensino

de Anápolis – Goiás. A maioria é do sexo feminino (14); o tempo de experiência como

docente na Educação Básica é superior a dez anos de trabalho e todos possuem

graduação em licenciaturas e pós-graduação lato-sensu na área da educação. A média

salarial é de R$3.000,00 por mês e todos disseram ter recebido notebook do projeto

“Professor Conectado” há mais de quatro anos. Também, os sujeitos da pesquisa

relataram ter participado de cursos de capacitação para usos pedagógicos dos notebooks

em sala de aula do notebook.

Para Mendes (2011), no estágio atual em que se encontra a sociedade, marcada

pelo desenvolvimento acirrado das tecnologias digitais, é necessário que o docente

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durante a sua formação profissional esteja em contato direto com as tecnologias digitais

não apenas de forma técnica, mas também, e principalmente, pedagógica para que possa

fazer usos críticos destas tecnologias em suas práticas escolares.

Segundo Smith (2001), ainda que não seja possível precisar uma definição clara

e única do que venha a ser uma pessoa letrada digitalmente, em função da complexidade

e amplitude que carrega o referido termo, o fato é que, na medida em que as pessoas vão

fazendo usos dos artefatos tecnológicos digitais e, com isto, desenvolvendo práticas de

letramento digital, vão sendo-lhes impostas novas demandas que não ficam limitadas

apenas ao conhecimento técnico dos usos das tecnologias, mas também, apropriação do

saber crítico que passa a orientar também as suas práticas de letramento digital nos mais

variados suportes tecnológico-digitais.

Na tentativa de desmitificar o que caracterizaria uma pessoa letrada

digitalmente, Souza (2007) defende a tese que o letrado digitalmente não corresponde

necessariamente a um “gênio” em computadores, caracterizado como aquele sujeito que

domina tudo sobre hardware, que sabe tudo sobre os últimos lançamentos de softwares

ou que acessa sites variados instantaneamente.

Para Soares (2002), as práticas de letramento digital, ou de letramentos digitais,

precisam ser compreendidas dentro de uma perspectiva de contextos socioculturais e

desenvolvidas para necessidades e finalidades especificas dos sujeitos.

Com a análise desta categoria, podemos inferir que os docentes estudados

parecem apresentar condições razoáveis para o desenvolvimento de práticas de

letramento digital, por meio dos notebooks recebidos do Projeto uma vez que, pelo

menos, a “posse” do computador e a “capacitação inicial” para os usos pedagógicos das

TIC, em sala de aula, foram-lhes garantido por parte dos organizadores do Projeto.

b) Usabilidades do notebook do “Professor Conectado”

A usabilidade está sendo entendida, aqui, como um termo que pode ser usado

para identificar e descrever como ocorre a relação entre sujeitos em uma determinada

interface que, no caso desde trabalho, diz respeito ao modo como os professores sujeitos

da pesquisa desenvolvem suas práticas de letramento digital, por meio do notebook

recebido pelo projeto “Professor Conectado”. De acordo com Souza (2007), a

usabilidade é um fenômeno estudado comumente nas áreas das Ciências da

Computação. Entretanto, atualmente tem despertado o interesse dos linguistas e dos

linguistas aplicados. Ainda segundo essa autora, à medida que as pessoas foram se

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apropriando da Internet, foram se constituindo comunidades de estudiosos também

interessados em criar textos mais de acordo com o “meio” e as necessidades de leitores

específicos da tela do computador e o incômodo deles “[...] passou a ser estudado e os

resultados disto foram revertidos para a melhora das condições de uso do meio, ao que

se denominou Usabilidade.” (SOUZA, 2007, p. 56).

A partir de uma perspectiva sócio-histórica de letramento, em que as práticas de

letramento digitais são consideradas dentro da visão de usos e necessidades dos sujeitos

que as desenvolvem, os dezessete sujeitos que participaram da pesquisa parecem ter seu

nível de letramento digital caracterizado como razoável. Isto, porque, a análise deste

dado nos permitiu inferir que fazem usos dos notebooks do “Professor Conectado”

especialmente para “digitar trabalho” (16), b) “buscar informações na tela” (17) e c)

“enviar eletronicamente os seus planos didáticos por meio de e-mail” (14). Encontramos

na análise deste dado um fator importante que pode ser indício de que os professores

estão fazendo usos dos notebooks recebidos do projeto „Professor Conectado‟ numa

perspectiva de melhoria do seu trabalho na escola. Partimos deste pressuposto, em

função de que a “tríade” identificada na análise deste dado, quer seja: „digitar

trabalhos‟, „buscar informações na tela‟ e “enviar eletronicamente os seus planos

didáticos por meio de e-mail” é considerada fundamental para se começar, pelo menos,

a pensar em um trabalho escolar qualificativo usando, para isto, o notebook.

Ainda que não se possa concordar plenamente com os estudos sobre letramento

digital de Ward e Karet (1997), uma vez que suas teorizações estão subsidiadas em

visões restritas sobre letramento digital que se pautam apenas em competências

individuais do sujeito e nos aspectos técnicos da “máquina”, não levando em

consideração a dimensão sociocultural das práticas de letramento digital. Esses autores

apresentam em seus estudos algumas “macro-habilidades”, na tentativa de identificar

uma pessoa letrada digitalmente por meio da internet, sendo elas: saber enviar e

responder e-mails, navegar na tela do computador, saber usar aplicativos e outras

ferramentas de comunicação incluindo texto, áudio e vídeo na Internet.

Assim é que inferimos, por meio desta categoria de análise, que os sujeitos

estudados podem ser considerados letrados digitalmente, isto porque identificamos que

eles desenvolvem práticas de letramento digital, por meio dos notebooks do projeto

“Professor Conectado” em situações e necessidades específicas.

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c) Notebook e desenvolvimento de capacidades e comportamentos

Com a análise desta categoria foi possível inferir que dos dezessete sujeitos,

partícipes deste estudo, dezesseis acreditam que os usos do notebook podem contribuir

para a melhoria das suas aulas, sobretudo porque com os usos dos notebooks recebidos

do “Professor Conectado”, poderão “trabalhar em equipe” (09), “serem mais criativos”

(05) bem como “ouvir mais os colegas da escola” (02). Também, com a realização da

análise desta categoria pudemos inferir que os professores desenvolvem suas práticas de

letramento digital, por meio dos notebooks do projeto para “motivação dos alunos”,

(10) “digitar planos” (03), e “ampliação do conteúdo” (03).

Com a análise desta categoria, identificamos e analisamos que as práticas de

letramento digital dos professores investigados podem estar sendo desenvolvidas,

subsidiadas por pressupostos do neotecnicismo pedagógico, no que tange a habilidades

e comportamentos que estão sendo demandados pela nova base produtiva.

Segundo Freitas (1995) e Kuenzer (2002), na fase atual do desenvolvimento do

capital, trabalhar em equipe, saber se relacionar com outros pares, usar a criatividade e

saber utilizar várias tecnologias simultaneamente, fazem parte do rol das capacidades e

comportamentos que passam a interessar, nas últimas décadas, à nova base produtiva.

Segundo esses autores, isto é uma das exigências do capital em relação ao novo perfil de

trabalhador e está relacionado com a multifuncionalidade e polivalência do mundo do

trabalho.

Para Saviani (2008), com as mudanças ocorridas nas últimas décadas na base

produtiva do capital que vão demandando novos comportamentos e capacidades, a

escola é, mais uma vez, convocada a formar os alunos de acordo com essas capacidades

e comportamentos, exigidos pela nova base produtiva. Entres muitas e complexas

capacidades e comportamentos exigidos por esta nova base estão: trabalhar em equipe

de forma empreendedora e criativa, valorização da comunicação com os colegas; e

capacidade de contextualizar a gradação dos conteúdos necessários para a continuidade

dos estudos; capacidade de tomar iniciativa, capacidade de criar e de apropriar-se dos

conteúdos disciplinares.

A identificação de capacidades e comportamentos que são considerados, pela

literatura, como “condições” básicas que devem fazer parte do perfil do “novo”

trabalhador, reforçou, mais ainda, estudos que chamam atenção que as atividades

pedagógicas mediadas pelo computador e pela internet estariam desencadeando práticas

de letramento digital reprodutivistas.

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2705ISSN 2177-336X

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CONSIDERAÇÔES FINAIS

Retomando a pergunta central que subsidiou a realização do estudo, quer seja: -

Como ocorrem, por meio dos notebooks recebidos do Projeto “Professor Conectado”, as

práticas de letramento digital de professores da rede municipal de ensino de Anápolis?

Inferimos que as práticas de letramento digital dos sujeitos estudados podem ser

consideradas razoáveis, se as analisarmos dentro de uma perspectiva histórica, uma vez

que são construídas dentro das necessidades de usos deles para finalidades específicas.

Também, pudemos inferir que as práticas de letramento digital podem estar sendo

subsidiadas teoricamente por pressupostos pedagógicos do neotecnicismo, sobretudo em

relação às novas capacidades e comportamentos, demandadas pela nova base produtiva.

REFERÊNCIAS

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A INCLUSÃO/EXCLUSÃO DIGITAL VIA AMBIENTE ESCOLAR:

UMA ANÁLISE A PARTIR PROUCA EM GOIÁS

Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar;

Docente na UFG. Professora do PPG em Educação em Ciências e

Matemática. [email protected]

Joana Peixoto

Docente no IFG. Professora do PPG Educação para Ciências e Matemática do IFG e

colaboradora no PPGE da PUC Goiás. [email protected]

Resumo

Este artigo discute as questões que emergiram de pesquisa sobre a formação de

professores para a inclusão digital, pela via do ambiente escolar, no contexto do

Programa Um Computador por Aluno no estado de Goiás. Este trabalho é parte de três

pesquisas realizadas no estado de Goiás, em que se discute o PROUCA em diferentes

vertentes. Estas questões são abordadas partindo-se da discussão sobre inclusão digital

pela via do ambiente escolar, com base em princípios do materialismo histórico-

dialético. Foram pesquisados 76 professores das nove escolas contempladas com o

Programa no estado, por meio de pesquisa exploratória, empírica (entrevistas

semiestruturadas e observações in loco nas escolas) e análise documental sobre o

processo formativo docente para o trabalho com os laptops. Há uma debilidade no

conceito de inclusão digital ao colocá-la como oposição a exclusão, visto que é pautado

em modelo estadunidense de acesso às tecnologias digitais e se efetiva de forma a

promover uma inclusão precária, ao se propor o acesso e não a discussão e solução dos

problemas sociais que levam a necessidade de inclusão. A contradição e a alienação são

utilizadas para questionar o conceito de inclusão digital e para demonstrar que o modelo

formativo docente teve como pressupostos básicos a fragmentação e a hierarquização,

baseando-se em uma racionalidade instrumental. Sinteticamente, percebemos que as

políticas de inclusão digital ao se aliarem a lógica mercadológica dos organismos

internacionais, imputam ao docente um modo de pensar e agir baseado nas leis do

mercado e do capital. Esta racionalidade se fundamenta muito mais na lógica do

resultado e na reprodução de normas e leis do que no desenvolvimento intelectual

autônomo.

Palavras-chave: Inclusão excludente. Formação de professores. Materialismo

histórico-dialético.

O Programa Um Computador por Aluno (PROUCA) foi criado e regulamentado

pela Lei nº 12.249, de 10 de junho de 2010. De acordo com o Ministério da Educação/

Secretaria de Educação a Distância (MEC/SEED), a intenção do governo federal com

relação ao PROUCA é implantar

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uma nova forma de utilização das tecnologias digitais nas escolas públicas,

balizada pela necessidade de:

a) melhoria da qualidade da educação;

b) inclusão digital;

c) inserção da cadeia produtiva brasileira no processo de fabricação e

manutenção dos equipamentos. (BRASIL, 2010b, p. 9).

Dos eixos balizadores deste programa, nos centraremos neste trabalho na

discussão do conceito de inclusão digital, todavia é necessário deixar brevemente nosso

posicionamento quanto como concebemos a qualidade da educação e do vínculo a

inserção na cadeia produtiva.

O conceito de qualidade pública da educação brasileira difere bastante de um

autor a outro e do referencial teórico ao qual se alia. Evangelista (2013) e Libâneo

(2013) ao falarem sobre a atuação das agências de financiamento internacional ao

sistema educacional brasileiro colocam que para estes, a qualidade da educação está

atendida por aquele sistema que combate a miséria, possui eficiência na gestão para

obtenção de resultados e que atenda ao mercado de trabalho. Os mesmos autores

ressaltam que, ao se possuir atuação dos organismos internacionais em nosso processo

educativo, a escola esvazia-se de seu conteúdo científico, histórico-cultural, tecnológico

e artístico. Sentido este, que deve ser o que compõe e fundamenta a escola e o meio de

balizamento para definição do conceito de qualidade.

Quanto ao Programa objetivar a incentivar a cadeia produtiva brasileira no

processo de fabricação e manutenção dos equipamentos, nos posicionamos contra o elo

direto e de submissão entre educação e economia, já que a relação direta entre a

qualificação do sujeito e movimentação da economia nos direciona a um viés de

competitiva, formação tecnocentrada e na lógica mercadológica de compreensão do

mundo, sociedade e sujeito.

Estes dois elementos balizadores do Programa nos dão indícios de qual projeto

de sociedade e educação o PROUCA está vinculado e, consequentemente, para que fins

os laptops chegam às escolas, a manutenção e criação de um mercado consumidor.

Assim, iniciamos nossa discussão dos princípios da inclusão digital retomando

ao que diz a Lei n. 12.249, que apresenta em seu capítulo II, artigo 7, as finalidades do

Programa, que são:

[...] promover a inclusão digital nas escolas das redes públicas de ensino

federal, estadual, distrital, municipal ou nas escolas sem fins lucrativos de

atendimento a pessoas com deficiência, mediante a aquisição e a utilização de

soluções de informática, constituídas de equipamentos de informática, de

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programas de computador (softwares) neles instalados e de suporte e

assistência técnica necessários ao seu funcionamento [...] (BRASIL, 2010a,

s/p, grifo nosso).

Neste contexto, a política pública de inclusão digital é apresentada como uma

oportunidade de, por meio da inserção dos laptops, acabar com as diferenças sociais e

desigualdades presentes no mundo capitalista, proposta oportuna apresentada por

Libâneo (2010) no conceito de escola do acolhimento para os pobres.

Este Programa foi implantando em 300 escolas brasileiras, distribuídas nas

unidades federativas. Além desta etapa, chamada de fase II ou piloto, houve também o

UCA Total, em que todos os alunos da rede pública de um município recebiam o seu

laptop. As máquinas foram adquiridas, via pregão eletrônico, com configurações

distintas, conforme as empresas que as construíram e ganharam o edital, sejam elas a

Classmate/Intel, a Mobilis/Encore e a XO/OLPC.

Observamos que há uma postura determinista (FEENBERG, 2010; PEIXOTO,

2015) no discurso do Programa, imputando ao computador a capacidade de suavizar os

problemas sociais brasileiros, aliando o benefício de acesso às tecnologias de

informação e comunicação (TIC), como direito do cidadão de ser incluído no progresso

econômico mundial.

Como afirma a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), aqueles a quem é negado o direito de desenvolver as

habilidades e competências exigidas pelas novas TICs tornam-se cada vez

menos capazes de se inserir e de participar de economias e sociedades

crescentemente dependentes de tecnologia. (CÂMARA DOS DEPUTADOS,

2008, p. 25).

Para Peixoto e Araújo (2012), é necessário o enfrentamento da complexidade

teórica e prática na relação entre a educação e as tecnologias, para que possamos

superar as explicações simplistas, o julgamento das práticas ou a imposição de normas

aos professores, gestores e alunos.

As desigualdades de acesso e de uso das tecnologias são, na verdade, o

prolongamento de desigualdades econômicas e sociais pré-existentes (PEIXOTO;

ECHALAR, 2013). E os programas governamentais partem do pressuposto de que as

necessidades dos menos favorecidos são atendidas com a posse de um aparato digital

que, por si só, garantiria a imersão na rede mundial de computadores. Tais programas

“[...] não se comprometem, de fato, com as condições infraestruturais para a sua

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implantação, já que não a contextualizam às condições de cada região e não propõem a

participação dos sujeitos envolvidos em sua implementação” (ECHALAR, 2015, p. 33).

Observamos um discurso marcado pela ideia que o acesso e a aquisição de bens

tecnológicos possibilitariam a melhoria do padrão de vida dos sujeitos dos países pobres

e em desenvolvimento. Esse processo ilusório de elevação social por meio da aquisição

de bens, faz-se presente no ambiente escolar, quando as políticas públicas são pensadas

de maneira articulada aos objetivos da escola e da formação de seus professores.

Assim, temos como problema norteador das discussões deste trabalho: como a

inclusão digital via ambiente escolar se articula ao processo formativo dos professores

para o trabalho na modalidade 1:1i? Discutiremos o conceito da inclusão digital via

ambiente escolar a partir do contexto da implantação do PROUCA no Brasil e no estado

de Goiás, a partir do tratamento da questão da inclusão digital via ambiente escolar

como resultado de políticas públicas vinculadas aos organismos multilaterais em nosso

país, os quais visam à manutenção da desigualdade social por meio de um processo de

inclusão excludente (MARTINS, 2012; SARIAN, 2012).

Para tanto, nos pautamos no materialismo histórico-dialético como aporte

teórico capaz de nos fornecer base para melhorar a compreensão da realidade concreta,

a partir das particularidades inerentes a um contexto.

O presente trabalho resulta de um processo investigativo que se deu por meio de

uma pesquisa exploratória, documental e empírica, nas nove escolas contempladas pelo

Programa em Goiás, visando perquirir os processos lógico-históricos entre a realidade

aparente e a concreta dessa política, por meio das particularidades das escolas goianas

entre os anos de 2012 e 2014.

Cabe, aqui, esclarecer os diversos vínculos que culminam neste trabalho, que se

coloca num ponto de convergência de mais três pesquisas sobre o tema: a pesquisa

“Programa Um Computador por Aluno – PROUCA – questões pedagógicas”,

coordenado pela Profa. Dra. Mirza Seabra Toschi, da Rede Goiana de Pesquisa em

Políticas Públicas e Inclusão Digital (REPPID); a pesquisa “PROUCA em Goiás:

Processos Formativos e Concepções Pedagógicas”, financiada pela FAPEG através do

Edital 005/2012, e coordenada pela Profa. Dra. Adda Daniela Lima Figueiredo Echalar,

em andamento. E a tese de doutorado desta mesma professora, que estudou o processo

formativo docente para a inclusão digital via ambiente escolar, nas escolas

contempladas pelo PROUCA.

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A fase inicial da pesquisa caracterizou-se por um estudo exploratório que se

realizou no contexto da participação em outro projeto de pesquisa vinculado à REPPID

com objetivo de propiciar a familiarização com o assunto ainda pouco conhecido,

habilitando-nos para a elaboração do problema de pesquisa e a escolha dos métodos.

Concomitante a essa fase exploratória, que ocorreu em quatro visitas às escolas

contempladas pelo Programa, localizadas em Goiânia, Ouro Verde e Trindade,

iniciamos a coleta de documentos oficiais.

Dois critérios pautaram a seleção dos sujeitos de pesquisa:

1º) ser docente ou gestor na escola contemplada pelo PROUCA, na atualidade,

ou estar vinculada a ela por cargos administrativos;

2º) ter iniciado ou concluído a formação ofertada pelo Núcleo de Tecnologia

Educacional (NTE) ou pelo GT da UFG.

Caso o sujeito da pesquisa tivesse interesse e possibilidade de enviar materiais

complementares sobre a formação recebida para o trabalho com os laptops, estes

poderiam ser encaminhados à pesquisadora posteriormente, por e-mail.

As entrevistas foram realizadas em grupo, de uma forma geral, podendo ser

individual quando a escola assim se posicionava, sendo realizada pelos integrantes do

Kadjót - grupo de estudos e pesquisas sobre as relações entre as tecnologias e a

educação – coordenado pela Profa. Dra. Joana Peixoto.

Assim, o corpus textual desta pesquisa é composto por documentos oficiais do

Programa, sites do governo, blogs das escolas participantes, memoriais dos docentes

sobre seus processos formativos, depoimentos de professores atuantes em sala ou que

desempenham cargo de gestão obtidos por meio de entrevistas e observações realizadas

nas nove escolas goianas contempladas pelo PROUCA.

A inclusão digital e o reforço da utopia técnica

A tese de Echalar (2015) ao percorrer o processo lógico-histórico da

implementação do PROUCA em Goiás identifica que é a lógica do mundo econômico

que determina a concepção pedagógica e a forma de sua implementação.

Assim, consideramos que a inclusão digital para inclusão social via ambiente

escolar não favorece a melhoria da renda e o acesso à educação. Isso porque não vemos

como possível que questões técnicas, como o acesso ao equipamento, sejam capazes de

modificar o status de uma sociedade pautada nos princípios do capitalismo: domínio do

dono da produção sobre o usuário e desigualdade como força motriz do sistema.

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2712ISSN 2177-336X

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Para tanto, a associação direta entre inclusão digital via ambiente escolar e

inclusão social pode ser colocada em questão a partir de dois aspectos: o teórico e o

prático-político. O primeiro coloca em questão o próprio conceito de inclusão digital,

demonstrando seu caráter tecnologicamente determinista (FEENBERG, 2004, 2010;

PEIXOTO, 2015). No que diz respeito ao segundo aspecto, apresentamos as políticas de

inclusão digital, via ambiente escolar como estratégias do estado neoliberal para alinhar

os programas educacionais às demandas econômicas.

O princípio a ser questionado é a contraposição deste conceito à exclusão

digital/social. Isso porque o debate sobre quem são os excluídos se baliza pelo padrão

norte-americano de aquisição e difusão das tecnologias de informação e comunicação

(TIC). A definição de exclusão digital é, então, marcada pela problemática do retardo,

que mede o caminho a ser percorrido pela distância entre uma experiência mais

avançada e as outras, necessariamente, atrasadas. Ou seja, o horizonte apresentado é de

obter uma utilização das TIC tão intensiva quanto nos EUA.

Martins (2012, p. 26) ao discutir este conceito salienta que a exclusão se refere

ao conjunto de dificuldades, aos modos e problemas de uma inclusão excludenteii ou,

como apresentada pelo autor, uma “inclusão precária e instável, marginal” e não a

oposição da inclusão. Isso porque a ideia de exclusão digital se refere às desigualdades

criadas pela difusão das TIC numa sociedade centrada no tratamento e na transmissão

da informação (CASTELLS, 2005). Além disso, Martins (2012) e outros autores ainda

salientam que:

Nossos resultados indicam que a criação de maior „igualdade digital‟ pode

levar não a simples reprodução da desigualdade social pelo sistema escolar,

identificada há mais de 30 anos na França [...], mas a um efeito ainda mais

perverso: a ampliação das desigualdades! Seria uma triste ironia, resultado de

políticas mal pensadas e também da fragilidade das investigações científicas

críticas no campo em questão. (DWYER et al., 2007, p. 1.326, grifo do

autor).

Esse tipo de inclusão excludente, apresentada por Dwyer et al. (2007), é

resultado do modelo econômico baseado na concentração de renda, conforme discorrido

na tese de Echalar (2015) e Sarian (2012) ao analisarem o PROUCA. Mas a chamada,

“sociedade da informação” cria novas exclusões sociais e agrava algumas já existentes.

Contudo, a natureza universalista da assunção dos conhecimentos

organizados e sistemáticos em níveis cada vez mais elevados encontra

obstáculos difíceis de serem transpostos no interior de contextos sociais

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2713ISSN 2177-336X

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marcados pela desigualdade na apropriação dos bens socialmente produzidos

[...]. Eis porque, mais recentemente, essas barreiras vêm sendo administradas

pela categoria exclusão. A tal categoria, por vezes e abusivamente, atribui-se

a capacidade de explicar os males de nossa sociedade. (CURY, 2008, p. 209).

Avançando nessa questão, autores indicam que não basta identificar quem são os

excluídos, mas sim a razão de eles o serem (LABONTE, 2004; CURY, 2008).

Inclusão digital e o aumento da desigualdade social

Da fase UCA, anterior a lei que implementa o programa, a fase PROUCA,

observamos uma trajetória que marca o percurso da inclusão digital, via ambiente

escolar, no Brasil, por condicionalidades econômicas. Tais marcas se refletem desde os

aspectos operacionais de aquisição de equipamentos até o processo de formação de

professores, deixando uma forte lacuna no que diz respeito ao seu fundamento

pedagógico. Em consequência disso, foi possível identificar a debilidade inerente à

conceituação de inclusão e exclusão digital, bem como caracterizar a abordagem

instrumental como fundadora do processo formativo docente (ECHALAR, 2015).

Percebemos, com este estudo, que o Estado, ao fazer concessões e parcerias com

os organismos internacionais, imputa ao docente um modo de pensar e agir baseado nas

leis do mercado e do capital. Esta racionalidade se fundamenta muito mais na lógica do

resultado e na reprodução de normas e leis do que no desenvolvimento intelectual

autônomo.

A lógica que fundamenta o Programa está bem marcada no processo de

formação dos “docentes e dirigentes envolvidos com o UCA”, que aparece como um

dos quatro pilares deste Programa (BRASIL, 2010b). Estudos de Marques (2009),

Figueiredo e Peixoto (2012; 2013), Peixoto e Figueiredo (2013), Santos (2012), Santos

(2014), Silva e Toschi (2012), Toschi (2014) apontam um processo desarticulado e com

lacunas. Santos (2012, p. 9) salienta que o tipo de formação ofertada ao professor é

“fator dificultador - muitas vezes impeditivo” para que eles possam promover a sua

inclusão digital e a de seus alunos.

Observamos que o processo formativo proposto pelo PROUCA se deu por meio

de uma divisão de trabalho que distingue claramente quem concebe e quem executa.

Organiza-se de maneira fragmentada, conforme a divisão capitalista do trabalho em que

a atividade intelectual e a técnica cabem a indivíduos distintos. (MARX; ENGELS,

2007). Essa fragmentação e hierarquização contribuem para um processo de alienação

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(MARX, 2004) dos professores que se localizam apenas como executores de ações que

possuem uma dimensão intelectual.

As relações da One Laptop Per Child (OLPC), idealizadora do Programa

brasileiro, com o nosso governo revelam-se como uma proposta de acordos de

“qualificação da educação brasileira” por meio do uso de laptops educacionais,

conforme as orientações da Unesco e de outros órgãos internacionais (documentos da

Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação Genebra (2003), “Túnis” (2005) e

“Padrões de Competência em TIC para Professores” (UNESCO, 2009) que priorizam a

economia em detrimento da pedagogia.

Ao propor o provimento de um computador portátil para cada aluno da escola

pública, o PROUCA não coloca apenas no rol de ações a promoção de nova categoria

de bens a serem integrados à “lógica” do que é considerado indispensável para a vida

moderna. Trata-se, também, de um projeto de remodelação social, que se apoia no ideal

de um homem digital e autônomo, mas também flexível e reificado.

O processo de implantação do PROUCA em Goiás se articula de forma coerente

com o projeto de inclusão excludente já observado nas orientações da OLPC e do

PROUCA em nível nacional.

O exame do plano conceitual e contextual das políticas públicas de inclusão

digital via ambiente escolar, nos permite compreender os fundamentos da apologia a

uma utopia digital que privilegia o acesso à informação em detrimento de uma política

social. Em outras palavras, a promessa de aquisição de TIC é uma típica utopia

tecnológica favorecida pelas transformações contemporâneas do capitalismo, logo pela

noção de desenvolvimento do mercado de informações e pelas “necessidades” sociais

de modernização.

Assim, a problemática da chamada inclusão digital pode ser analisada em duas

dimensões: 1) as TIC como possibilidades da unidade dialética inclusão/exclusão, em

que o processo de universalização do domínio das TIC é parte de um projeto

democrático (VIEIRA PINTO, 2005); e 2) o combate ao tecnocentrismo. Trata-se,

então, de considerar que os problemas sociais são complexos e articulam o local, o

nacional e o global aos contextos políticos, sociais, econômicos e temporais de cada

grupo, inclusive à fragmentação social vivida por seus sujeitos.

Para tanto, é inviável separar sujeito e objeto, conteúdo e forma, contextos e

programas, visto que essa dicotomia deflagra uma alienação em que fatos determinados

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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são reconhecidos “[...] como aplicação prática dos sistemas de conceitos, pelos quais

estes fatos são apreendidos” (HORKHEIMER, 1980, p. 131).

Na vertente dialética para análise do conceito de inclusão digital, fazemos a

crítica ao determinismo tecnológico como fundamento que procura ocultar a

contradição que está em sua base, desviando o foco para o sujeito excluído e não para a

exclusão das desigualdades, que culmina na alienação social. No âmbito escolar, este

fato se fundamenta na busca da superação da racionalidade instrumental, baseada, entre

outras, na centralidade da técnica (COSTA; LEME, 2014; DINIZ-PEREIRA, 2011;

GATTI, 2010), em que as TIC que adentram a escola são fatores de ascensão social e

melhoria da qualidade de vida por gerar inovação, motivação e mudanças pedagógicas.

No bojo dessa discussão, vemos como positivo o desvelar das contradições sobre

o conceito de inclusão digital, via ambiente escolar, porque é, no ato de reconhecer as

contradições de cada conceito que compõe a sociedade, em seu tempo histórico, que os

cidadãos podem agir de forma crítica, consciente e responsável na busca por uma nação

cujas desigualdades sejam menores e a Educação se consolide no caráter público,

gratuito, laico, de qualidade e com permanência de sucesso.

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