letras & artes - UCDigitalis: Página principal · 2016-03-22 · Condições de Uso destas...

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A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. Ao utilizador é apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s) título(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autorização do respetivo autor ou editor da obra. Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo Código do Direito de Autor e Direitos Conexos e demais legislação aplicável, toda a cópia, parcial ou total, deste documento, nos casos em que é legalmente admitida, deverá conter ou fazer-se acompanhar por este aviso. Abertura: Cesariny vs O’Neill Autor(es): Pereirinha, Ana Maria Publicado por: Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/37352 Accessed : 7-Feb-2019 04:42:00 digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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Abertura: Cesariny vs O’Neill

Autor(es): Pereirinha, Ana Maria

Publicado por: Crescente Branco: Associação Cultural e Recreativa

URLpersistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/37352

Accessed : 7-Feb-2019 04:42:00

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Em 1989, recém-terminada a licenciatura em Estudos Portugueses, e aluna do primeiro ano de mestrado em Literatura e Cultura Portuguesa Contemporâneas, fui convidada, pela Professora Clara Crabée Rocha, minha professora de licenciatura e de mestrado na Universidade Nova de Lisboa, para elaborar uma biografia resumida, mas completa, do poeta Alexandre O’Neill, que integrasse as Poesias Completas, por ela organizadas para a IN-CM em 1986, que iriam merecer uma reedição.

Tratava-se de uma edição especial para lançar nas comemorações do Dia de Portugal de 1990, celebradas em Braga e comissariadas pelo escritor António Alçada Baptista, onde O’Neill — que falecera em 1986 — seria condecorado postumamente como Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

O convite serviu-me para muito – muitíssimo! Creio que qualquer cabeça mais sensata e prática do que minha teria aproveitado de imediato a deixa para se lançar a uma tese de mestrado sobre o poeta. Não foi o caso. Já andaria na altura muito focada no que viria a ser o seu objecto, e que era totalmente diferente: a obra de Maria Gabriela Llansol (tanto

ANA MARIA PEREIRINHAdirectora editorial

ABERTURA

Cesariny vs O’Neill

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quanto sei, a primeira dissertação de mestrado feita sobre ela). António Alçada, com o seu charme e a sua imensa generosidade e delicadeza, brincava de vez em quando, entre conversas sobre poesia, o movimento surrealista e a lista variada das pessoas com quem falar para construir uma cronologia o mais completa possível da vida de Alexandre O’Neill, dizendo: «Ai, Pereirinha, Pereirinha, a única coisa que nos separa é um llansol... »

Foram meses de trabalho intenso e de uma imensa riqueza. Em primeiro lugar, pelo conhecimento da obra de O’Neill – inclusive o seu último livro, uma quase plaquette que saíra pela Moraes quando o poeta já estava hospitalizado e era, em 1989, bastante difícil de encontrar: O Princípio de Utopia, O Princípio de Realidade... foi assim integrado nas Poesias Completas, completando-as de facto. Depois, pelo contacto com muitas pessoas que não sonharia sequer poder vir a conhecer e que os meus tímidos 24 anos abordavam, certamente, com alguns gaguejos: a irmã Maria Amélia O’Neill, Noémia Delgado, Jaime Cortesão Casimiro, Sam Levy, Hugo O’Neill, João Pulido Valente, Pamela Ineichen Pinheiro, só para referir alguns dos que, pela idade ou pelo estatuto, me fizeram suar no primeiro contacto (para se revelarem, de resto, todos de uma simpatia desarmante).

Creio que Mário Cesariny terá sido deixado quase para o fim, justamente a «ganhar balanço» para falar com «o» poeta enorme, o grande cúmplice e amigo de O’Neill da época das fotos icónicas do Grupo Surrealista de Lisboa, que me poderia dar «ao vivo» e com uma visão «de dentro», aquela parte da história que se encontrava difusa por tantos livros, noutra perspectiva – que perguntas lhe poderia eu fazer que não parecessem patetas, ignaras, despropositadas? No primeiro contacto telefónico, atendeu-me uma senhora (que vim a perceber ser a irmã, Henriette, com quem Cesariny vivia, na casa da Rua Basílio Teles). Mário Cesariny não estava, ou não estaria disponível. Deixei recado sobre aquilo a que ia, voltei a ligar, e dessa vez cheguei à fala com o poeta. Da conversa recordo apenas o essencial

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– que estava totalmente disponível para responder às minhas perguntas, mas que preferia fazê-lo por escrito, em vez de pessoalmente. As perguntas foram formuladas e a carta seguiu –dactilografada, sem dela ter guardado rascunho, nem cópia. Algum tempo depois, recebi a carta que aqui se publica. O seu conteúdo foi quase por completo desaproveitado na «Biografia Cronológica» que acabou por ser publicada e se queria concisa e curta, não ultrapassando as 20 páginas de livro para uma vida inteira de poeta e homem.

Não perguntei mais nada a Cesariny: depois de ter cedido a um impulso, no final da carta, de alimentar a correspondência e a minha curiosidade sobre o assunto («Pergunte outras coisas — a que eu possa responder»), o poeta arrependeu-se e rasurou a oferta. E eu tenho este defeito de ler bem o sentido das ofertas e das rasuras, e de entender as mensagens assim transmitidas. Em todo o caso tenho mantido esta carta inédita por várias razões e por nenhuma em particular — por pudor, também. Cesariny não teria papas na língua, mas em todo o caso escreveu-a como correspondência pessoal, e nunca investiguei se partilhou em escritos públicos algumas das considerações que aqui tece. Por outro lado, não creio que delas venha grande mal ao mundo, nem a ninguém, e creio que é uma peça, no mínimo, curiosa. Para mim, é importante. Espero que possa ser útil a exegetas ou estudiosos do nosso curioso Movimento Surrealista, quem sabe, a algum presente ou futuro estudioso de Cesariny, ou de O’Neill. E que desperte o interesse, e o prazer, dos leitores da Delphica «Percebe-se?»

13 de Outubro 2014

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CARTA

Lx, 14 Dez. 89

Para:Ana Maria Pereirinha

Na sua carta de 13-11-89 a Ana Maria faz-me seis perguntas. Vou procurar “dizer”:

– Quando conheci o Alexandre O’Neill, em 1945, segundo diz na sua carta, fiquei por saber “onde vivia, de que sobrevivia, onde morava”. Não era assunto que interessasse ao nosso convívio, então bastante mergulhado nas actividades do MUD juvenil, mas já então bastante renitente à consigna, literária e outra, do neo-realismo. Parece-me que fomos apresentados pelo José Cardoso Pires, então colega do Luís Pacheco em Ciências. Para ser mais (ou infelizmente menos?) objectivo, digo-lhe que talvez ocasionalmente o tenha sabido (?), mas não tenho qualquer memória desses pormenores do pormenor. Tenho-a, sim , mas do ano 1947 (ou a partir dêle), ano em que estava a morar em casa da mãe, no Bairro Social do Arco do Cego. Mas a relação dele com a mãe era decerto difícil e agitada porque ele falava em mudar-se – como creio que mudaria depois, para casa de um tio, não sei qual.

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Entretanto, e em 1950, ele ainda aí se encontrava (em casa da mãe), ou ali teria voltado, já que é desse ano (1950) o pequeno “cadavre-exquis” que eu, com o António Maria Lisboa, o Pedro Oom e o fantasma do Mário de Sá-Carneiro, fizemos à mesa pé de galo (pires volante...) e que saiu publicado na “Antologia Surrealista do Cadáver-Esquisito” na Edição Guimarães 1961 (sai reeditada agora na Assírio & Alvim, e antes, parece-me, do que a Ana Maria receba esta carta...).

Em todo o caso, e tanto quanto durou a maior intensidade do nosso convívio, até Agosto de 1948, mês e ano em que deixei o “Grupo Surrealista de Lisboa” – cuja formação, ou intuito de formação foi inicialmente nossa (“nossa”, aqui, quer dizer, minha, dele O’Neill, do António Domingues e do João Moniz Pereira) – lembro que a situação do O’Neill era a de desempregado a tempo inteiro. (No que muito se parecia com a minha, de estudante fingido). Lembro-me ainda que nos inícios do nosso convívio, que incluía ainda uma grande camaradagem com o Cardoso Pires e com o Luís Pacheco – ano da altura da saída do volume “Bloco” – Teatro,Poesia,Conto” – “Primeira Pedra” (onde entre outros colaoraram Jaime Salazar Sampaio, Mário Ruivo, Cardoso Pires, e Luís Pacheco – o total (exceptuando o “conto” do Luís Pacheco), investido num neo-realismo furioso, imediatamente apreendido à saída e seguido de desmantelamento da tipografia impressora, cujo dono teve de passar a fotógrafo e exilar-se em Almada...). – Lembro-me, ainda, que entre mim, o Cardoso Pires e o O’Neill chegou a pôr-se a ideia de alugarmos uma pequena casa em comum para uso mútuo. Ideia que ficou em ideia. Mútuo, sim, tive um atelier-água-furtada, com o Alexandre O’Neill e o António Domingues, durante alguns meses, num alto prédio antigo da Av. da Liberdade (ainda lá está o prédio, esqueço o número da porta). Mas esse era sobretudo local de convívio e pinturices, colagens e poemas – com o António Domingues, também. Êsse, terá sido em 1947. [rasurado: até à minha saída para França, no ano seguinte] Foi aí que o O’Neill fez tintas-da-china e colagens e o “texto” e as imagens de “A Ampola Miraculosa”, que saiu nos “Cadernos Surrealistas” e nunca mais vi reimpressa nas colectâneas que lhe têm feito. Porquê? É, realmente, a sua primeira publicação.

– A amizade era realmente forte entre nós. Sobrevinda mais de uma convergência intelectual – que depois se dissipou – que do acaso firme de se ser primo ou “camarada de armas” ou de liceu. Mas tampouco posso acudir-lhe quanto a essa reminiscência de suicídio, ou tentativa dêle, em Sintra ou noutro lugar. Não digo que não tenha havido. Não me recordo. Mas acho que o O’Neill não era o tipo do suicida suicida-mesmo: o que se mata. Era mais o do ir-se vendo-se morrer. Ou viver. Ou, morto, não aceitar-se isso. Percebe-se?

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Depois de 1948 – e do encontro esporádico de 1950, ano em que eu e alguns dos outros não aceitantes em participar do quadrado formado pelo sic Grupo Surrealista de Lisboa (que se dissolve em 1949) expuzemos pela 2ª vez em Lisboa, na livraria A Bibliófila, R. da Misericórdia – e na qual o O’Neill chegou a participar também, extra-catálogo, como o Pedro Oom – passaram-se muitos muitos anos em que deixei de encontrar o O’Neill. São os anos todos do 1º casamento e os do 2º, com a Teresa P.G. Já nos anos 60, jantei uma ou duas vezes com o O’Neill e a Teresa, em casa deles. Mas nenhum de nós rememorou nenhum dos tempos passados. Ele então acompanhava bastante com o João Palma-Ferreira – fizeram uma revista de curta duração, a “Critério”.

Sobre inteligências e desinteligências entre nós, remeto-a para o caderno que publiquei em Março de 1974: “Contribuição ao Registo de Nascimento, Existênca e Extinção do Grupo Surrealista de Lisboa”, que imprime cartas várias e bastante esclarecedoras. Ou melhor – dado que isso é publicação muito esgotada – para a segunda edição, feita pela Assírio & Alvim, do meu livro “As Mãos Na Água A Cabeça No Mar”, onde saiem re-impressas essas cartas. Numa delas o O’Neill dá-me as razões por que não partiu comigo e com o João Moniz Pereira para Paris, como estava combinado. Não conheço outras, embora alguém (que não o O’Neill) já me tenha falado num impedimento pidesco. (Tipo não concessão de passaporte). Como há-de saber-se isso? Pela minha parte, só posso pensar numa lenda simpática (ou antipática), pois houve vários meses de convívio seguido meu com ele, desde que regressei de Paris, em Outubro de 47, e nunca o O’Neill me referiu tal coisa. Também é possível que tal tenha sucedido depois da visita da Nora Mitrani, que por aqui passou em 1950 e teve um affaire com êle (como é bem sabido por “Um Adeus Português”, e outros, poemas). Diz-se, muita gente o diz e é capaz de ser verdade, que depois da partida da N. Mitrani, o O’Neill tentou ir juntar-se a ela, em Paris. E que o tentou desesperadamente – e ai podia incluir-se a possível não-concessão do passaporte, por pressões várias, talvez da própria família (estou só a conjecturar). Sei ue a mãe do O’Neill, embora protegendo-o como mãe dedicada, considerava uma desgraça sem par a vida do filho. Poeta!, Surrealista!! – vagamundo... Quando eu fui para Paris, onde fiquei durante três meses, a minha mãe, alarmada com a falta de notícias minhas, foi uma vez a casa do O’Neill, tentando saber da mãe dele a minha morada parisina. A mãe do O’Neill mostrou, lavada em lágrimas, “o quarto do filho”, atafulhado de ossos e de outros objectos desnaturados que tanto eu como ele às vezes apanhávamos do “lixo” das ruas – e do lixo, mesmo – como criação de ready-mades e pequenas esculturas. Lembro uma, minha (deslumbrante! Mas logo a seguir perdida...que pêna!): era a fôrma, de gesso amarelo

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e gaze, onde tinha estado metido todo um torso de mulher forte, gorda, decerto de meia-idade...Evidentemente muito mais belo do que a Vénus de Milo...E fôra aberto pela lateral...Um espanto! O O’Neill, porém, (.?..) cava-se pelos ossos, juntava foros deles: pequenos, médios (de mamutes, não poderia ser...). Lembro-me – lembro-lhe – que a única fotografia existente – e publicada – do Grupo Surrealista de Lisboa, tirada num jardim de Campo de Ourique onde o António Pedro tinha atelier, mostra o O’Neill com, saindo-lhe da manga do casaco, não a mão habitual, mas um osso, fémur de ninguém passado a fémur próprio.Quanto a prisão (prisão mesmo) do O’Neill, não conheço nenhuma.

Mas eis que...no SUPLEMENTO ILUSTRADO de “O JORNAL” de 30 Nov. A 7 Dez. 1989, vem de sair uma entrevista feita por Fernando Assis Pacheco a Fernando Correia da Silva (Mata-Cães), onde este anti-canídeo se refere, e longamente, ao Alexandre O’Neill do período em que este, depois de considerar “estar o Surrealismo reduzido, como merece, “às alegres actividades de dois ou três pequenos aventureiros” re-tombe no neo-realismo (: “só entre os homens e pelos homens/ vale a pena lutar”, escreve ele então, muito tôlo, sem saber sequer o que fica escrito – parece uma profissão de fé homossexual, abrenúncio! –). Disso, conta F.C.S. muitas coisas e outras saberá, pelo que lhe sugiro se lhe dirija. (A minha alguma demora em responder à sua carta foi sobretudo motivada pelo desejo de poder indicar-lhe uma entrevista, com data e local de saída – tinha-a perdido de vista, entre a minha papelada).

– O trabalho da Maria de Fátima Marinho é de uma nulidade aflitiva. O único caso de informação-interpretação pessoal, tipo achêga de inquiridor, que ela apresenta, é erro total. É quando, referida a uma carta minha para o João Gaspar Simões, eu digo “os ficheiros da inteligência de ao pé do S. Luís”, e ela explica que “ao pé do S. Luís” é o café Chiado, o extinto Café Chiado, quando, qualquer pessoa que viva em Lisboa pode aperceber-se que “ficheiros” e “ao pé do S. Luís” refere a sede da Pide, na R. António Maria Cardoso. Porém a Fátima Marinho é, ou vive, no Porto...

[RASURADO: Pergunte outras coisas – a que eu possa responder.]

P.S. – Pouco depois, ou não muito depois, daquele “Da Morte Impossível de Alexandre O’Neill” saído no Semanário em 29.11.86, publiquei no mesmo “Semanário” um texto sobre a visita da Nora Mitrani a Lisboa e a relação O’Neill-Mitrani. Leu?

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