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Leve um e pague dois: inusitadas conseqüências jurídicas da desvalorização monetária. Relato da revisão dos contratos de arrendamento mercantil indexados ao dólar *1 * Este caso foi produzido no ano de 2007 por Maria Paula Bertran, mestre e doutoranda em Direito na Universidade de São Paulo, com a colaboração de André Rodrigues Corrêa, professor da DIREITO GV, e integra a segunda rodada de casos da “Casoteca Latino-americana de Direito e Política Pública” (www.direitogv.com.br/casoteca ). O financiamento deste caso foi propiciado por acordo de cooperação técnica celebrado entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV/EDESP. O projeto da Casoteca tem três objetivos: (i) fornecer um acervo de casos didáticos sobre direito e política pública na América Latina; (ii) estimular a produção contínua de novos casos por meio do financiamento de pesquisa empírica; (iii) provocar o debate sobre a aplicação do “método do caso” como uma proposta inovadora de ensino. Os casos consistem em relatos de situações-problema reais, produzidas a partir de investigação empírica e voltadas para o ensino. Evidentemente, não comportam uma única solução correta. A Casoteca permite uso aberto e gratuito de seu conteúdo, que é protegido por uma licença Creative Commons (Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil). A licença pode ser acessada através do link: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/ . 1 A redação deste caso foi inspirada nas conclusões obtidas na dissertação de mestrado da autora, intitulada “Análise Economica como Critério Orientador da Decisão Judicial: Aplicações e Limites. Estudo a partir do caso de revisão dos contratos de arrendamento mercantil com paridade cambial”, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em outubro de 2006. Reforça-se nessa oportunidade os agradecimentos não só aos que foram imprescindíveis para aquele trabalho, como também aos que foram tão prestativos na empreitada de elaboração deste caso. Muito obrigada ao Professor Ronaldo Porto Macedo Jr., pela orientação no mestrado e na redação do caso, ao Professor André Correia e a Mário Schapiro, pela orientação da redação do caso, à Fundação Getúlio Vargas, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo - FAPESP e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação – CAPES, (através da Bolsa de Excelência Acadêmica), aos executivos das firmas entrevistadas, ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de S. Paulo – IME/USP e ao Centro de Estatística Aplicada - CEA, através dos Professores de Estatística Clélia Maria de Castro Toloi, Sérgio Wechsler, Cláudia Monteiro Peixoto, Carlos Alberto de Bragança Pereira, Gilberto Alvarenga Paula, de Elaine Fischer Bosco, dos estatísticos Edilene Freire Nascimento Gomes, Karen Elisa do Vale Nogueira, Davi Kobayashi Colombo, Fernando Vieira Bonassi e Luis Gabriel Marques Reginato. Agradecimentos ainda a Henrique Vincetim Lisboa, aos Professores Décio Zylbersztajn, Celso Campilongo, José Eduardo Faria, Francisco Satiro e Diogo Coutinho. A João Frederico Bertran Wirth Chaibub, Alberto A. Muñoz, Leandro Varison, Christiane Leles, Christian Rosa e Catarina Barbieri.

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Leve um e pague dois: inusitadas conseqüências jurídicas da desvalorização monetária.

Relato da revisão dos contratos de arrendamento mercantil indexados ao dólar*1

* Este caso foi produzido no ano de 2007 por Maria Paula Bertran, mestre e doutoranda em Direito na Universidade de São Paulo, com a colaboração de André Rodrigues Corrêa, professor da DIREITO GV, e integra a segunda rodada de casos da “Casoteca Latino-americana de Direito e Política Pública” (www.direitogv.com.br/casoteca). O financiamento deste caso foi propiciado por acordo de cooperação técnica celebrado entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV/EDESP. O projeto da Casoteca tem três objetivos: (i) fornecer um acervo de casos didáticos sobre direito e política pública na América Latina; (ii) estimular a produção contínua de novos casos por meio do financiamento de pesquisa empírica; (iii) provocar o debate sobre a aplicação do “método do caso” como uma proposta inovadora de ensino. Os casos consistem em relatos de situações-problema reais, produzidas a partir de investigação empírica e voltadas para o ensino. Evidentemente, não comportam uma única solução correta. A Casoteca permite uso aberto e gratuito de seu conteúdo, que é protegido por uma licença Creative Commons (Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil). A licença pode ser acessada através do link: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/. 1 A redação deste caso foi inspirada nas conclusões obtidas na dissertação de mestrado da autora, intitulada “Análise Economica como Critério Orientador da Decisão Judicial: Aplicações e Limites. Estudo a partir do caso de revisão dos contratos de arrendamento mercantil com paridade cambial”, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em outubro de 2006. Reforça-se nessa oportunidade os agradecimentos não só aos que foram imprescindíveis para aquele trabalho, como também aos que foram tão prestativos na empreitada de elaboração deste caso. Muito obrigada ao Professor Ronaldo Porto Macedo Jr., pela orientação no mestrado e na redação do caso, ao Professor André Correia e a Mário Schapiro, pela orientação da redação do caso, à Fundação Getúlio Vargas, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo - FAPESP e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação – CAPES, (através da Bolsa de Excelência Acadêmica), aos executivos das firmas entrevistadas, ao Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de S. Paulo – IME/USP e ao Centro de Estatística Aplicada - CEA, através dos Professores de Estatística Clélia Maria de Castro Toloi, Sérgio Wechsler, Cláudia Monteiro Peixoto, Carlos Alberto de Bragança Pereira, Gilberto Alvarenga Paula, de Elaine Fischer Bosco, dos estatísticos Edilene Freire Nascimento Gomes, Karen Elisa do Vale Nogueira, Davi Kobayashi Colombo, Fernando Vieira Bonassi e Luis Gabriel Marques Reginato. Agradecimentos ainda a Henrique Vincetim Lisboa, aos Professores Décio Zylbersztajn, Celso Campilongo, José Eduardo Faria, Francisco Satiro e Diogo Coutinho. A João Frederico Bertran Wirth Chaibub, Alberto A. Muñoz, Leandro Varison, Christiane Leles, Christian Rosa e Catarina Barbieri.

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REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Em janeiro de 1999 a moeda nacional desvalorizou-se abruptamente em relação ao dólar,

após alguns anos de estabilidade promovida pela instituição de intervenção estatal no controle do

câmbio. Os contratos que previam reajuste acorde à variação cambial tiveram suas parcelas, em

poucas semanas, quase duplicadas nos seus valores em reais. A reação dos contratantes de

arrendamento mercantil2, destacadamente a dos consumidores que buscavam adquirir veículos de

passeio, mas também de empresas e outras pessoas jurídicas, que adquiriam variados bens de

produção, foi a de pleitear a revisão desses contratos. Formou-se, assim, tanto na história das

negociações empresariais brasileiras, quanto na história da jurisprudência brasileira de revisão

judicial de contratos, um de seus mais importantes e acalorados casos.

1. RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA

1.1 Os contratos de arrendamento mercantil

O arrendamento mercantil é definido pela Lei 6.099, de 1974 como “o negócio jurídico

realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na

qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela

arrendadora, segundo especificações da arrendatária, e para uso próprio desta”3.

A doutrina o define como um contrato complexo. Congrega aspectos de locação e,

facultativamente, aspectos de compra e venda. Seu funcionamento é basicamente o seguinte: uma

empresa ou pessoa natural deseja utilizar determinado equipamento ou mesmo um imóvel. Uma

empresa de arrendamento mercantil (no Brasil, necessariamente constituída como Sociedade

Anônima ou atuante através de banco múltiplo com carteira de arrendamento mercantil, deve ainda

receber tratamento de instituição financeira4), adquire tal bem. Não raro, ocorre que a arrendadora

seja controlada pelo próprio fabricante dos bens. No caso de fabricante de veículos, por exemplo,

2 Nomenclatura brasileira para o termo inglês leasing. 3 Art. 1º, parágrafo único. 4 “sociedades de arrendamento mercantil devem adotar a forma jurídica de sociedades anônimas e a elas se aplicam, no que couber, as mesmas condições estabelecidas para o funcionamento de instituições financeiras na Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964” – Art. 4º. Da Resolução Banco Central 2.309/96.

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dá-se à arrendadora o sugestivo apelido de “Bancos de Quatro Rodas”5. A arrendadora aluga o bem

para o arrendatário por determinado prazo de tempo. Terminado o prazo de locação, ao arrendatário

são dadas três opções: a) devolução do bem; b) renovação da locação; c) compra do bem pelo valor

residual fixado no momento inicial do contrato.6

Duas são as principais modalidades de arrendamento mercantil7. O arrendamento mercantil

operacional (também chamado industrial ou renting) remonta no Brasil, segundo a doutrina, aos

anos 19208, “quando indústrias norte-americanas alugavam seus produtos, a fim de assegurar o

escoamento, e comprometendo-se a fornecer uma prestação de serviços de conservação das

máquinas.”9 Nessa modalidade de arrendamento mercantil pode-se dizer que o “aluguel” é, em

certo sentido, mais destacado que a “compra e venda”. Isso ocorre em função de algumas

características marcantes do arrendamento mercantil operacional: o material poder ser “alugado”

várias vezes a locatários diversos, a normal prestação de serviços de manutenção da coisa locada, a

eleição de bens estandardizados, geralmente mantidos em estoque pelo locador e, principalmente, a

prática de valores mensais que se aproximam de efetivos aluguéis, de modo que o valor de

aquisição do bem, ao final do período locatício, se aproxima do valor de mercado daquele bem, sem

significativos abatimentos devidos em função das parcelas de “aluguel” pagas.

O arrendamento mercantil financeiro é a modalidade que mais nos interessa para o relato da

revisão dos contratos. Nessa modalidade pode-se dizer que a “compra e venda” é mais importante

que o “aluguel”. Isso faz com que o arrendamento mercantil financeiro seja visto, por vezes, como

uma especial modalidade de financiamento.

Resolução 2.309, de 28 de agosto de 1996

5 À época da crise dos contratos, havia muitas instituições desse gênero, como a Fiat Leasing S.A e o Banco Ford, por exemplo. Em função do processo de concentração das instituições bancárias pelo qual o Brasil passou nos últimos anos, muitos foram incorporados por conglomerados econômicos maiores. Subsistem, todavia, vários exemplos de instituições financeiras ligadas a fabricantes de bens de consumo e que contêm financeiras autorizadas a operar arrendamento mercantil, tais como o Banco IBM, o Banco Toyota, o Banco Honda ou Banco GM. 6 Cf. WALD, Arnold. A introdução do leasing no Brasil. RT, 415/10. 7 Para outras modalidades, entre as quais lease back, self leasing, societé de paille, lease purchase, operações sindicalizadas de leasing, ver FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro – Produtos e Serviços. 16a. ed., 2006, p. 283 a 290 e MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Leasing, 4ª. Ed., São Paulo, RT, 2002, p. 60 a 75. 8 Para uma análise de como a prática negocial por vezes antecede sua regulamentação legal, ver Simpósio Nacional sobre Leasing, editado pelo Instituto de Organização Racional do Trabalho – IDORT, São Paulo, 1973, contendo as transcrições do evento realizado em tal ano e MANCUSO, Rodolfo Camargo. Leasing, 4ª. Ed., São Paulo, RT, 2002, Capítulo 5. 9 Revista Forense, 274/16, citado por MANCUSO, Rodolfo Camargo. Leasing, 4ª. Ed., São Paulo, RT, 2002, p. 55.

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Art. 5º. Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que:

I – as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela

arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do

bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um

retorno sobre os recursos investidos;

II – as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos a operacionalidade

do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;

III – o preço para exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser,

inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

Ao final do período de locação, o exercício do direito de aquisição de propriedade do bem

deve ser manifestado com o depósito do chamado valor residual garantido (VRG), parcela que pode

variar do preço de mercado do bem a um valor irrisório. Na grande maioria dos contratos de

arrendamento mercantil de veículos cujas parcelas eram indexadas ao dólar, o VRG contratado era

um real (R$ 1,00).

O arrendamento mercantil foi originalmente criado e regulamentado para que os

arrendatários fossem empresas. Em 198310 viabilizou-se sua adoção para pessoas naturais. Todavia,

ainda que permitido havia mais de uma década, os contratantes pessoas naturais eram praticamente

inexistentes até meados dos anos 9011.

De fato, as maiores utilidades do arrendamento mercantil não eram para as pessoas naturais,

mas para as pessoas jurídicas. As principais vantagens, de natureza contábil e tributária.

Contabilmente, o prazo de operação é compatível com prazo de amortização econômica do bem.

Com o arrendamento mercantil as corporações liberam capital de giro, pois não têm que despender

à vista os valores para aquisição de seus bens de capital. Entre os aspectos tributários, apontam-se a

economia do imposto de renda (através da dedução proporcionada pelo pagamento de aluguéis e da

não imobilização de equipamento) e as vantagens de utilização de um mecanismo de financiamento

sobre o qual não incide o genericamente chamado Imposto sobre Operações Financeiras - IOF.

Existe ainda a possibilidade de atualização dos equipamentos, especialmente pertinente para os bens

de rápida obsolescência, durante a vigência dos contratos, entre outros12.

10 Lei 7.132, de 12 de outubro de 1983. 11 Depoimento de Carlos Tafla, Diretor Executivo da Associação Brasileira de Empresas de Leasing - ABEL. 12 FORTUNA, Mercado Financeiro – Produtos e Serviço, op. cit., p. 281.

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IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS

Sobre a nomenclatura do IOF pode-se dizer que existem em verdade cinco diferentes impostos, incidentes sobre as operações de crédito, câmbio, seguro, títulos mobiliários ou valores mobiliários. Sua finalidade é eminentemente extrafiscal, o que significa que o Estado se serve do tributo para outros fins, além de arrecadar recursos. No final dos anos 90 o IOF foi utilizado para reprimir o consumo no Brasil, em um dos esforços para fazer o Plano Real ter sucesso. Por essas épocas Zé quis trocar seu carro por um modelo mais novo. Sua primeira reação foi quebrar o porquinho. Percebeu, porém, que suas economias de poupança não eram suficientes para viabilizar a compra. Procurou uma instituição financeira que lhe aprouvesse os recursos. Essa operação seria uma operação de crédito. Suas modalidades eram variadas: mútuo bancário, cheque especial, crédito direto ao consumidor, entre outros. Sobre o crédito que Zé pretendia obter, (além dos juros que deveria pagar à instituição financeira), a União estipulou uma alíquota de IOF especialmente alta. Seu ânimo para trocar de carro recebeu um banho de água fria. Naquela mesma semana leu na banca de jornal uma notícia que trouxe novo ânimo para se despedir do carro velho. No dia seguinte, Zé fez um contrato de arrendamento mercantil.

GAZETA MERCANTIL

26 de agosto de 1999

Leasing supera crediário nas vendas de veículos -

aumento do IOF no crédito ao consumidor é

causa da mudança

(...) Após reajuste, em maio último, do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que passou de 6% para 15% e é cobrado nos financiamentos por Crédito Direto ao Consumidor (CDC), as vendas de automóveis pelo sistema de arrendamento mercantil (leasing), isento de IOF, aumentaram muito e, em alguns casos, já representam 70% dos negócios das concessionárias. (...) 13

13 Todos os excertos de jornais foram reproduzidos de FREITAS FILHO, Roberto. Cláusulas Gerais e Interferência nos Contratos: A Jurisprudência do STJ nos Contratos de Leasing. Tese de Doutoramento em Filosofia e Teoria Geral do Direito, defendida junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2006.

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Desde a promulgação da Lei do Real (Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994), o arrendamento

mercantil passou a ser um excelente negócio também para pessoas físicas. O principal fator (mas

não o único, como visto) era a adoção da correção das parcelas pelo dólar. O dispositivo

proporcionou até mesmo que, por vezes, as parcelas dos meses seguintes à vigência dos contratos

fossem menores que as parcelas iniciais (em função, principalmente, de importações maiores que

exportações e entrada de capitais especulativos, ao longo de todo o quadriênio 1994-1998).14

14 Para conhecer o preço do dólar em relação ao real diariamente, visite o sítio www.bancocentral.gov.br.

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O Estado de São Paulo

08 de setembro de 1997

Leasing é opção barata para parcelar a compra de carro

Entre as opções de compra a prazo de carro, o leasing aparece como a mais barata. (...) Vantagem – para comparar as condições, veja este exemplo: na Davox, concessionária da Volkswagen, quem compra um Gol no valor de R$ 13 mil à vista, pelo leasing, em 24 meses, com entrada de R$ 2,6 mil (20% do valor do bem), economizará R$ 1.992,00 durante esses dois anos. Nesse exemplo, a prestação mensal é de R$ 647,00 no leasing e de R$ 732,00 no CDC. Os juros pagos são menores no leasing, de 2.8% ao mês. No CDC, as taxas são de 3,5%. Segundo o vice-presidente-executivo da Associação Brasileira das Empresas de Leasing (ABEL), Rafael Cardoso, as taxas mensais costumam variar de 1,9% a 3% em contratos pré-fixados, e de 1,5% a 2%, nos atrelados ao dólar.

EXAME

06 de maio de 1998

Edição 661

Por que nove entre dez brasileiros que compram a prazo

estão escolhendo o leasing em vez de uma operação de financiamento comum

Chegou a hora de você escolher a forma de pagamento. Sua carteira não suportaia um desembolso à vista. O vendedor então diz: “O senhor não gostaria de fazer um leasing?”Se você ainda tinha alguma dúvida sobre a melhor decisão a tomar, não hesite. Diga rapidamente que sim. O leasing é hoje a melhor forma de financiamento do mercado. Não é à toa que 90% dos brasileiros que comprar carro a prazo estão fazendo a mesma coisa, segundo a Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras – ANEF. (...) O.k., o leasing está com tudo. Mas pergunte aos consumidores que compraram o seu carro pelo leasing se sabem explicar como esse sistema funciona. Muitos, certamente, vão engasgar para responder. (...) No Brasil ocorre o oposto [do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa]. O leasing é muito similar a um financiamento comum. O que se faz normalmente é pegar o valor do veículo e dividir em parcelas iguais. O resíduo é diluído nas parcelas. (...) Muita gente acha que contrair uma dívida em dólar é algo muito perigoso. Mas pergunte se alguém que fez algum contrato nos últimos três anos indexado ao dólar se arrependeu. A resposta certamente será não. No último ano, a variação média do

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dólar foi de apenas 7,41%, inferior à TR, de 9,76%, no mesmo período. ‘O leasing em dólar é muito mais interessante do que o indexado à TR’, diz Marco Bonomi, diretor da financeira do Unibanco.

1.2 Contexto econômico de celebração e ruptura dos contratos

Os doze meses que antecederam o Plano Real, iniciado em 1994, apresentaram uma taxa de

inflação acumulada de 2.000%. Tal índice satisfatoriamente informa que as sucessivas tentativas de

controle inflacionário que o antecederam (Plano Cruzado, em 1986; Bresser, em 1987; Verão, em

1989; Collor I, em 1990 e Collor II, em 1991) não foram bem-sucedidas em seus propósitos. Ainda

que enfrentando percalssos iniciais15, o Plano Real, diferentemente de seus antecessores, promoveu,

em 1996, uma inflação anual de 9% e taxas posteriores que satisfaziam parâmetros igualmente

razoáveis.

Paralelamente ao êxito no controle da inflação, o Plano Real incorreu em falhas. A mais

importante para a discussão do presente trabalho foi a excessiva aposta do câmbio como

instrumento básico da política econômica. Com um aumento de importações associado a baixos

índices de exportação, além do financiamento do endividamento externo, a superestimada

apreciação cambial da moeda nacional não tardaria em mostrar seus efeitos, alguns anos depois da

implementação do Plano Real16. Relatos dos dias de hoje mostram que a preocupação com o câmbio

existira desde o início da implantação, ainda no segundo semestre de 199417.

Entre 1994 e 1998 o mercado mundial passou por três importantes crises: México, ao final

de 1994, com reflexos em mercados emergentes, principalmente no primeiro semestre de 1995;

Sudeste Asiático (originalmente Tailândia e, a partir dela, na Coréia do Sul, Indonésia e Malásia),

em 1997; e, finalmente, Rússia, em 1998. Depois de passar por ataques especulativos nessas três

15 “(...) a inflação mantinha certa resistência à queda, cabendo citar que, nos primeiros 12 meses do Plano Real (junho 1994 - junho 1995) a variação dos preços medida pelo INPC [Índice Nacional de Preço ao Consumidor] foi de 33%”. GIAMBIAGI, Fábio. “Estabilização, Reformas e Desequilíbrios Macroeconômicos: Os Anos FHC”, in GIAMBIAGI, Fábio, VILLELA, André, CASTRO, Lavínia Barros e HERMANN, Jennifer (orgs.) Economia Brasileira Contemporânea (1945-2004), Rio de Janeiro, Elsevier, 2005, p. 168. 16 Idem. pp. 169 a171. 17 Segundo os relatos de Fernando Henrique Cardoso, então Presidente da República, já em dezembro de 1994 “(...) parecia claro que a taxa de câmbio a 82 centavos de real por dólar criaria problemas futuros para as exportações, encarecendo os produtos brasileiros. Mas interferir no câmbio quando o sistema financeiro internacional dava sinais de fadiga [crise do México] seria insensatez. Esse permanente pesadelo acompanhou o governo até janeiro de 1999, quando os mercados nos obrigaram a permitir a flutuação do câmbio.” Cf. A Arte da Política – A História que Vivi, p. 339.

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oportunidades, Fernando Henrique Cardoso tomava posse de seu segundo governo, em janeiro de

1999.

Pouco antes das eleições de 1998 era negociado acordo com o Fundo Monetário

Internacional para obtenção de recursos que permitissem enfrentar o adverso quadro externo que se

insinuava. O empréstimo foi obtido, sem que qualquer mudança na estrutura cambial fosse acordada

com o Fundo.

Ainda que os dilemas promovidos pela valorização da moeda nacional não passem

desapercebidos pelos dirigentes da área econômica18, as controvérsias sobre como proceder a um

ajuste eram muitas, como se pode comprovar pelos atritos políticos verificados dentro da própria

equipe econômica, principalmente entre os pólos orientados pela manutenção das taxas de câmbio

(Gustavo Franco) e pela tentativa de uma liberalização gradual, através de mecanismos que

levassem à flutuação ao longo de todo o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (em um

primeiro momento, Luíz Carlos e José Roberto Mendonça de Barros, André Lara-Resende e

Francisco Lopes. Com o afastamento dos primeiros em função de demissão conjunta,

primordialmente por Francisco Lopes, que se tornaria presidente do Banco Central).

A necessidade de alteração do câmbio fora tomada. Sua feitura seria através da nomeada, à

época, “diagonal endógena”. Ou, conforme nomeada pelo próprio Francisco Lopes “banda

inteligente”19, que teria teto inicialmente fixado em R$ 1,32 e piso em R$ 1,20. A nova banda foi

lançada no dia 13 de janeiro de 1999 e passou a vigorar imediatamente. Naquela terça-feira foram

gastos um bilhão, novecentos e sessenta milhões de dólares, pelo Banco Central, de modo a

proporcionar o fechamento do câmbio dentro da banda, em R$ 1,3193. No dia seguinte, o Banco

Central gastou mais dois bilhões e oitocentos milhões de dólares para fazer com que a cotação

estivesse no teto da banda. No terceiro dia, o Banco Central decidiu que não mais faria intervenções

no mercado. Na sexta-feira o dólar fechou a R$ 1,4659, com uma valorização de 21% em relação ao

dia 12 de janeiro, segunda-feira, último dia em que vigorou o sistema de câmbio fixo20.

19 Tratava-se, em verdade de uma “banda diagonal, cujos limites — teto e piso — são alterados juntos, de tempos em tempos, com movimentos previsíveis. Podem mudar na mesma proporção, o que deixa inalterado o intervalo entre piso e teto, ou podem mudar de forma irregular, com o teto se distanciando cada vez mais do piso” Idem. pp. 472 e 473. 20 Ibidem. pp. 476.

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Nos dias que se seguiram, 21 e 22 de janeiro, o dólar fechou a R$ 1,70, através da reação

dos mercados sobre o boato de que o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, seria afastado. Em tais

dias, ainda tentativas de soluções alternativas para o câmbio. Possíveis soluções seriam o

fechamento do mercado em uma sexta-feira para discutir com o FMI as melhores medidas a serem

adotadas, restaurar uma banda tradicional com teto mais alto, fixar o câmbio (como à época, o fez a

Argentina) ou deixar o câmbio flutuar. A decisão do Presidente da República foi pela flutuação21.

Em 29 de janeiro, com saques em massa promovidos pelo disseminado pavor de confisco de

poupança e congelamento de preços, o dólar fechou a R$ 2,07. Desvalorizou-se a moeda nacional

71% em 17 dias. Encerrava-se, assim, um ciclo de quatro anos de câmbio fixo e valorização

artificial da moeda nacional22.

Começavam, assim, os problemas dos consumidores que mantinham contratos de

arrendamento mercantil de veículos com cláusula de reajuste das parcelas atreladas ao dólar e das

empresas de arrendamento mercantil, devedoras de recursos captados no mercado internacional e

que necessariamente deveriam ser pagos em moeda estrangeira.

Variação do preço da moeda norte-americana, através de médias mensais23:

21 “Reiterei minha preocupação antiga: decidir antes que as reservas se esgotassem. A situação, no entanto, mudara. A fim de deter a sangria das reservas, tanto uma banda bem mais larga quanto a flutuação do câmbio me pareciam opções viáveis, embora envolvessem riscos. A opinião do BC era de permitir a flutuação, com o que concordei”. CARDOSO, A Arte da Política – A História que Vivi, op. cit. p. 413. 22 PRADO, A Real História do Real – Uma Radiografia da Moeda que Mudou o Brasil. Op. cit., p. 482. 23 Dados obtidos a partir das séries gratuitas disponíveis no sítio da FGVDADOS, da Fundação Getúlio Vargas. http://fgvdados.fgv.br/dsp_gratuitas.asp [30/06/2005]

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Ano/Mês

abr/05jun/04ago/03out/02dez/01fev/01abr/00jun/99ago/98out/97jan/97

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

1.3 Contexto normativo: Lei do Real e Código de Defesa do Consumidor

A Lei n.º 8.880, de 27 de maio de 1994, é também conhecida com Lei do Real, por ter sido

responsável pela instituição da Unidade Real de Valor – URV e das principais regras sobre o então

novo programa de estabilização econômica. Além de instituir a nova moeda, a Lei do Real

extinguiu a validade e eficácia de quaisquer contratos vinculados ao reajuste de variação cambial.

Exceções foram admitidas apenas às previsões legais esparsas e aos contratos de arrendamento

mercantil. Todavia, a exceção não era admitida a quaisquer contratos de arrendamento mercantil.

Para que os contratos pudessem ter reajuste vinculado ao dólar eram necessárias duas condições: a)

serem arrendadores e arrendatários residentes e domiciliados no Brasil e b) serem os recursos

destinados aos contratos de arrendamento mercantil provenientes do exterior.

Assim, somada à não incidência do IOF, a possibilidade de reajuste dos contratos a partir da

variação cambial do dólar, critério muito favorável à época, foi imprescindível para o crescimento

do mercado de arrendamento mercantil, não só entre pessoas jurídicas, mas principalmente entre

pessoas naturais.

O que era um dispositivo legal extremamente favorável ao arrendamento mercantil mostrou-

se, com a ruptura das bandas cambiais, um problema para o mercado. Os contratantes que em

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janeiro de 1999 eram parte em contratos de arrendamento mercantil com cláusulas de reajuste

vinculadas ao dólar viram-se, em apenas 17 dias, expostos a uma alteração de parcelas que excedia

os 70%. E esse era apenas o começo da crise.

A exceção criada pela Lei do Real para os contratos de arrendamento mercantil transformou-

se de benemérita a vilã na mesma velocidade em que se alterava o câmbio. A situação proporcionou

considerável pânico nos galpões, fábricas e hangares em que se abrigavam bens de produção

adquiridos por contratos com cláusula de reajuste ligada à variação cambial. Lares e garagens, nos

quais se abrigavam veículos (bens precipuamente adquiridos pelo arrendamento mercantil por

pessoas naturais) adquiridos também por arrendamento mercantil, vivenciavam correspondente

sentimento.

A solução para o problema (ao menos no ponto de vista dos arrendatários) passava pela

revisão dos contratos. Suas argumentações pautar-se-iam em elementos variados. Falou-se da

necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes na obrigação. Muito se

pensou também na necessidade de conformação de arranjos que desestimulassem a devolução em

massa dos bens. Afinal, o que a arrendadora faria com seus depósitos repletos de máquinas e

veículos devolvidos? Os arrendatários que não se serviam dos objetos dos contratos como bens de

produção viam-se resguardados de maneira especial. Todos aqueles que se enquadrassem na

condição de consumidores encontravam no Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n.º 8.078,

de 11 de setembro de 1990) previsão expressa de proteção.

Código de Defesa do Consumidor

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de

produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em

desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo

do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

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A partir de 2003, com o início da vigência do novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de

janeiro de 2002) que substituiu o conjunto de normas de 1916, outros dispositivos legais muito

provavelmente seriam invocados para orientar e justificar a revisão, pró-adquirente, dos contratos

de arrendamento mercantil.

Não havia, entre arrendadores e arrendatários, uma postura única para solução do problema.

A decisão do contratante, tanto pessoa natural quanto pessoa jurídica, de adimplir o contrato nas

condições originais, pleitear a revisão extrajudicial ou, por fim, a revisão judicial, estava

grandemente associado ao tempo que faltava para o término do contrato. Quem tinha poucas

parcelas para pagar, preferiu adimpli-las, (mesmo com a alta do dólar), pois o acréscimo não seria

significativo em relação ao montante já investido no bem. Diferentemente, quem estava no início do

contrato tinha mais estímulos para pleitear revisão ou mesmo para devolver o bem, haja vista que o

valor estipulado pelo novo ajuste excederia em muito o valor de mercado do veículo.

Outras diferenças podem ser apontadas entre pessoas naturais e pessoas jurídicas quanto ao

tratamento dado pelas arrendadoras. Um dos elementos percebidos nas entrevistas realizadas com

executivos das empresas de arrendamento mercantil apontava o interesse de fazer com que os

percalços desse episódio não interferissem no relacionamento e confiança conquistados de alguns

clientes destacadamente importantes. A importância de um cliente é normalmente proporcional a

seu volume de negócios.

Conversa em um elegante escritório de instituição financeira

MPB: Mas uma dúvida, que eu tenho que é se havia diferença de tratamento entre pessoa física e pessoa jurídica.

Diretor Financeiro da XI$ Arrendamento Mercantil, subsidiária do Banco XI$: Sim, sim, pessoa jurídica são cliente mais fiéis, tem outros produtos no Banco, tem tratamento diferenciado. Aí a gente chamava o cliente pra negociar. Totalmente diferente. Nosso grande valor proporcional das carteiras, inclusive, estava concentrado nos clientes grandes. Transportadoras, Empresas de ônibus, grandes industriais, operações de corporate, enfim os grandes valores. Se você pegasse, ô, tinha problema de dez milhões de dólares.

MPB: Hum, hum.

Diretor Financeiro da XI$ Arrendamento Mercantil, subsidiária do Banco XI$: Se eu pegar em termos de valor, sete milhões, ou mais, estava concentrado em clientes corporate. Clientes grandes, clientes que até hoje fazem hedge, que querem operações em dólar. Só que a grande quantidade de clientes estava na pessoa física. Outros três ou quatros milhões que sobravam de um mesmo empréstimo externo, estavam pulverizados em milhares de contratos.

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MPB: Sim... Em carrinhos?

Diretor Financeiro da XI$ Arrendamento Mercantil, subsidiária do Banco XI$: Em carrinhos,

pulverizados, aí... Esse era o maior desafio, por isso, que a gente, em uma ocasião, trouxe os operadores [de todo o Brasil] para cá [sede da instituição] [para conversarem sobre como procederem]. Esse de varejo, inclusive de pessoas jurídicas... ai, não consigo. Fizemos de tudo. Gerentes, diretores, até o Comitê Executivo do Banco, chamaram os clientes grandes e disseram: “Ó, escuta, precisamos negociar. Você não pode ficar sem pagar, né?” Esses tiveram acordos. Por vez, fizeram melhores. Outros até piores. Mas, normalmente, melhores que os das pessoas físicas. Tanto é que a gente tem quase mil contratos de pessoas físicas que estão em juízo ainda, né? Até hoje.

24

Para a revisão dos contratos de pessoas naturais, a maior parte dos entrevistados aponta não

ter encontrado uma postura unívoca desde o início dos problemas, em janeiro de 1999, com a

liberação do câmbio. Em menor número, a postura das arrendadoras foi de completa negação de

uma solução alternativa ao encarecimento da prestação do arrendatário pessoa física. Tinham que os

valores, mesmo que duplicados em real em tão pouco tempo, eram devidos. E ponto final. Ou,

melhor, até que em contrário disponha uma sentença judicial. Sem dúvida, essas instituições foram

as que contra si mais tiveram demandas.

Fluxo de consciência do Antônio,

que “financiava” seu carrinho pelo tal do leasing, em março de 1999.

O negócio apertou quando a parcela dobrou. Ainda bem que a mãe tinha uma poupança. Deu pra pagar tudo sem ficar com o nome sujo na praça. UFA! Finalmente! Bem que meu primo disse que esse cara era mesmo um excelente advogado! Me descolou a tal da liminar! Isso quer dizer que eu não preciso pagar por enquanto, mas não significa dizer que não vou deixar de pagar no futuro. Entendi. Tudo bem, ao menos me dá um respiro.

No grupo majoritário de instituições que se abriram para renegociar os contratos, as posturas

não foram unívocas nem em relação ao comportamento de todas as instituições, nem em relação às

diferentes táticas que adotaram, ao longo dos meses que se seguiram ao início de 1999. A postura

da maioria das instituições financeiras em apoiar renegociações suscitou entre representantes das

próprias arrendadoras, bem como em magistrados e outros juristas, a impressão de que a exigência

legal de que os contratos de arrendamento mercantil só poderiam ter seu reajuste associado à

24 Entrevista realizada no primeiro semestre de 2005.

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variação cambial se os recursos destinados a tais operações houvessem sido captados no exterior

não havia sido cumprida. Afinal, mesmo que as arrendadoras não estivessem dispostas a terem

todos os bens devolvidos por falta de adimplemento, elas deveriam ter tomado recursos que seriam

repassados a seus credores internacionais também em dólar. Se não recuperassem dos consumidores

o valor das parcelas corrigido pela alta do dólar, como saldariam suas dívidas vincendas? Nesse

sentido, o depoimento do Diretor do Banco Z€, à época Diretor da Z€ Leasing S.A, financeira

exclusiva dos veículos da montadora Z€: “No nosso caso, garanto: existia captação em dólar.

Quando eu falo captação em dólar, explico que até poderia ser local a nossa captação, mas a gente

captava de outro banco que nos repassava em dólar. E nós honramos todos os nossos

compromissos. Nossa instituição não foi ao Judiciário para rever os empréstimos com nossos

credores.”

Uma primeira postura de muitas das arrendadoras foi feita imediatamente após janeiro e

consistia em congelar parcelas, pré-fixando-as em um valor médio de dólar, por um breve período

de tempo. Ainda nos dizeres do Diretor Financeiro da XI$: “A primeira etapa foi não repassar

integralmente, no ato. Mantemos a prerrogativa do cliente de escolher passar ou não, aquela alta

do dólar, numa parcela em um único mês. Então, a gente prefixou o dólar. Na época, a R$ 2,40, se

não me engano. R$2,30 ou R$2,40, dependendo a época, Pré-fixar isso e apurar isso. Apurar essas

diferenças e diluir pro final do contrato. Jogar pra frente, pra que não desse tanto impacto

financeiro no bolso dos clientes, de pessoas físicas ou jurídicas, até então. Só que essa estratégia

foi boa por dois ou três meses. Porque o dólar se mostrou em constância de alta, que não ia parar

tão já. Essas diferenças que a gente negociava basicamente três parcelas, pré-fixava o dólar em

três parcelas, a gente viu que, esses três meses não foram suficiente para conter alta dólar e o

dólar continuou subindo, e essas diferenças acumularam ainda mais.”

CONTRATOS DE LEASING EM DÓLAR – PESSOAS FÍSICAS

COMUNICADO AO PÚBLICO

A ABEL – Associação Brasileira das Empresas de Leasing, representando suas associadas, vem a público esclarecer: As Empresas de arrendamento mercantil (Leasing), na sua grande maioria, já vêm renegociando seus contratos, procurando adequar as parcelas à capacidade de pagamento de cada arrendatário oferecendo, entre outras, as alternativas abaixo:

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- congelamento das parcelas de janeiro, fevereiro, março e abril; - transferências das diferenças oriundas deste congelamento para as parcelas restantes e/ou dos prazos dos contratos. Assim, esta Associação, para preservar a legalidade, os direitos e as obrigações assumidos nos contratos, recomenda aos arrendatários que, antes de qualquer providência unilateral, procurem as sociedades arrendadoras para, dentro das normas que regulam o arrendamento mercantil, buscar, caso a caso, soluções conciliadoras e que atendam aos interesses das partes.

(Comunicado divulgado em nosso site e nos principais jornais do País em 12.2.99)25

Os entrevistados (representantes de empresas de arrendamento mercantil) que buscaram

dialogar com os consumidores apontaram que cerca de 90% de seus contratos foram resolvidos

amigavelmente. Mesmo os entrevistados que em um primeiro momento mostraram-se inflexíveis a

qualquer tipo de negociação acabaram cedendo a posturas mais conciliatórias e buscando seus

arrendatários. O uso de mala direta e anúncio em jornal foi muito profícuo para tal objetivo.

Se o estabelecimento de uma taxa pré-fixada de dólar não era razoável para toda a crise

cambial que se seguiu após janeiro de 1999, outras soluções foram negociadas26, ainda que com

uma casuística muito maior, que não permitiu a estipulação de parâmetros tão bem definidos,

através das entrevistas.

Todavia, resta uma pergunta: os arrendatários que já se viam resguardados contra o aumento

das parcelas através de liminares judiciais faziam parte dos 90% de contratantes que resolveram o

problema através da autocomposição? Sim. Isso é possível ao imaginarmos que os contratantes,

especialmente os consumidores pessoas naturais, poderiam ter variados estímulos para desistir de

uma lide que, ao menos por hora, estavam ganhando.

Fluxo de consciência do Antônio, em março de 2000.

Puxa, tá ficando caro esse advogado... A gente combinou uns milrréis pra acompanhar o processo, mas não imaginava que ia demorar tanto pra acabar. E essa lata velha agora! Estragou de novo. Precisava passar esse carrinho pra frente. Com o dinheiro, financiar um outro, mais novo. Vou conversar com o despachante pra saber se a papelada está em ordem. Vendo o velho esse mês 25 Reproduzido da compilação “Variação cambial nos contratos de arrendamento mercantil (leasing)”, Associação Brasileira das Empresas de Leasing – ABEL, São Paulo, s/d, p. 13. O logo da associação no rodapé do texto reproduz a diagramação original do documento. 26 Ver o Anexo do Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre parte das arrendadoras e o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça.

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e logo em seguida descolo outro carro, ao menos uns dois ou três anos mais novo.

1.4 A escolha da revisão judicial

A despeito da argumentação de que os problemas da enorme maioria dos contratos de

arrendamento mercantil foi resolvida sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário, é um erro

imaginar que as demandas que foram para os juízos eram poucas. De maneira alguma.

Especialmente entre as pessoas naturais que compraram veículos de passeio, servindo-se do

arrendamento mercantil como uma mera forma de financiamento. Podemos estimar que no Brasil

tenha havido algumas dezenas de milhares de ações.

Ao lado das ações individuais, importante notar a importância das ações civis públicas. O

mecanismo processual de defesa dos direitos individuais homogêneos foi responsável por grande

parte do impacto que a revisão dos contratos de arrendamento mercantil provocou na história da

jurisprudências brasileira. Podem ser citadas várias ações civis públicas, propostas por diferentes

legitimados: pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo27, pelo Movimento das Donas

de Casa e Consumidores de Minas Gerais28e ainda pelos Ministérios Públicos do Estado de São

Paulo29 e Santa Catarina30.

Uma vez tomada a decisão de recorrer ao Poder Judiciário, três amplos cenários se tornaram

possíveis:

I - Entendimento, pelo magistrado, de que o arrendatário aceitara a cláusula de variação

cambial e, desta forma, arcara com os riscos do negócio, nada sendo possível alegar em seu favor.

Suas opções diante de tal decisão seriam apenas as de devolver o bem ou adimplir regularmente,

com o acréscimo promovido pela alta do dólar, as parcelas restantes.

“Ação de Revisão Contratual - Arrendamento mercantil. Reajuste pela variação cambial - Procedência - Alegadas inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e inocorrência de onerosidade excessiva ou fato novo imprevisivel . Acolhimento . Observância da lei consumerista cabível, mas não autorizadora da substituição do indexador pretendida . Condição livremente pactuada . Inexistência de onerosidade excessiva, por ter o arrendatário assumido os riscos da opção feita e por estar a arrendante, também, obrigada a satisfazer seus credores externos na

27 Primeira Vara Federal de S. Paulo. Processo n. 1.999.61.00.004437-1 28 Vigésima Terceira Vara Cível de Belo Horizonte. Processo n. 024.99.005.622 29RESP. 369744/SC Recurso especial número. 2001/0127597-7. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. 30 Ver decisão no anexo.

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moeda forte - Variação cambial não configuradora, ademais, de fato imprevisível, por já ter ocorrido precedentemente no País e no exterior - Recurso provido. Embora seja verdade que na locação pura o entendimento dominante aponta no sentido da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, envolvendo o arrendamento mercantil também uma promessa de venda e compra, mediante opção ao término do prazo pactuado, onde o preço corresponde ao valor residual, fica ele submetido às regras desse diploma, por estar havendo aquisição de bem por consumidor final. Ainda que aplicável ao arrendamento mercantil o código consumerista, de todo desautorizado, mesmo sob seu manto, que se passe a encontrar nulidades em cláusulas contratuais livremente ajustadas, sem afronta aos preceitos legais, ou a pretender revisão de uma ou mais delas unicamente porque, em determinado momento, não mais convêm ao contratante, dito consumidor. Nem mencionado código permite modificar ajuste, mesmo em contrato de adesão, sob fundamento de onerosidade excessiva, porque havido, posteriormente, pelo contratante de menor poder econômico como desfavorável a ele em algum aspecto. Se, ao momento de contratar, teve esse contratante como conveniente e oportuno aceitar a atualização das contraprestações segundo a variação cambial, optando por ela não obstante de maior risco, porém então de menor custo, descabido que pretenda alegar, agora, que se viu compelido por seu arrendador a tal. Se o fez foi por ter tido como adequada a seu negócio, naquele momento, podendo, em não sendo, ter recorrido a outras instituições financeiras ou a outra modalidade de indexador. Assumiu os riscos da contratação, tal como posta, havendo de cumprir aquilo que ficou pactuado.”

31

II - Estabelecimento, pelo representante do Poder Judiciário, de que o risco do negócio era

exclusivamente da empresa de arrendamento mercantil, de tal sorte que esta deveria arcar sozinha

com os prejuízos advindos da alta da moeda norte-americana32. Nesse tipo de decisão os

magistrados normalmente estabeleciam que um novo índice econômico, (mais usualmente o Índice

Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística – IBGE), deveria determinar os valores para a revisão das parcelas restantes para

adimplemento dos contratos. Para as empresas de arrendamento mercantil restariam os prejuízos em

relação a credores estrangeiros, os quais disponibilizaram elevados créditos, da ordem de milhões

de dólares, às empresas de arrendamento mercantil, as quais, por sua vez, repartiam o montante em

operações de varejo. Em função das entrevistas sabe-se que nenhuma empresa de arrendamento

mercantil, necessariamente instituição financeiras, pleiteiou revisão de seus contratos de crédito

internacionais.

“Arrendamento mercantil - revisão contratual - reajuste das prestações atreladas à variação cambial - admissibilidade - incidência do código de defesa do consumidor. Risco que deve ser assumido pela arrendadora em captar recursos no

31 Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo. Apelação com revisão nº 603744-00/0. Relator: Desembargador Vieira de Moraes. 32 A sujeição dos prejuízos decorrentes da alta do dólar exclusivamente às empresas de arrendamento mercantil era não raro formalmente justificada com duas importantes argumentações. A primeira é a de que o valor residual garantido, elemento característico fundamental da operação de arrendamento mercantil, era ficto em uma série de contratos (através de sua diluição ao longo das parcelas ou de atribuição final de valor irrisório). Indevida, pois, a utilização de recursos provindos do exterior aplicada a contratos com indexação cambial, conforme disposto pela Lei 8.880/94 e sumulado pelo STJ através da Súmula 263 (posteriormente modificada pela súmula 293). A outra argumentação é a de que as instituições financeiras não conseguiriam provar que os recursos utilizados para viabilizar as operações de arrendamento mercantil de fato provieram de captações externas, condição também indispensável para a legalidade da prática de indexação cambial dos contratos, ainda conforme a Lei 8.880/94.

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exterior, ao custo mais baixo, injetando-o no mercado interno. “A legislação consumerista, ao contrário da teoria da imprevisão, para que se possibilite a revisão de cláusulas contratuais, não exige a ocorrência de um fato imprevisto pelas partes, ou que seja extraordinário, bastando que, no curso do contrato de prestações continuadas (ou diferido), as obrigações do consumidor se tornem excessivamente onerosas (ad. 6°, V, do CDC), modificando o ambiente em que pactuada a avença. Ademais, o risco pela captação de recursos mais baratos no exterior, injetando-o no mercado interno, deve ser suportado pela arrendadora, em razão de ser exercida por essas instituições, precipuamente, a atividade financeira, sujeitando-se estas aos percalços da economia interna”33

O QUE E UM ÍNDICE ECONÔMICO?

“Um índice de preços é, em termos econométricos, o que se chama de ‘número-índice’. Este é um conceito que ‘permite a comparação do nível geral de magnitude de um grupo de variáveis distintas, mas relacionadas, em duas ou mais situações’34. Um índice de preços fundamentalmente compara os preços de um determinado grupo de bens ao longo do tempo, focando-se em suas variações, de modo a apontar a inflação, deflação ou manutenção das médias para determinado grupo de produtos. Os procedimentos para determinação de um índice passam, primeiramente, pela determinação de uma cesta de produtos (bens ou serviços) que sejam representativos dos gastos de um determinado setor da economia ou mesmo de famílias. Se o objeto do índice é medir a variação dos preços médios das atividades de um pescador, por exemplo, a primeira tarefa será realizar estabelecer quais são os componentes que caracterizam sua atividade. Uma possível combinação envolveria alguns metros de cânhamo e outros tantos de rede; sal; combustível para motor ou manutenção de velas (se o pescador típico servir-se mais de barcos a motor que de barcos a vela, esse elemento deverá estar proporcionalmente representado na composição da cesta); alimentação durante a pesca e reserva de água doce, por exemplo. Uma vez estabelecida a cesta ou conjunto de bens cuja variação se pretende observar, passa-se à etapa de pesquisa desses preços. O terceiro passo será calcular o custo da cesta selecionada. Por fim, comparando os dados obtidos com o resultado do mês-base, obtém-se a relação entre tais resultados e, com isso, o índice35.

Muito dificilmente alguém manteria uma estrutura cara e dispendiosa para acompanhar a variação dos preços dos pequenos pescadores, o que explicita o caráter meramente exemplificativo do exercício teórico acima. Todavia, diferentemente do que muitos possam achar, não existe um índice único de medição da variação dos preços. Há índices que medem exclusivamente os elementos que interferem na variação de custos da construção civil, outros que medem a variação do consumo de famílias com diferentes rendas, que medem a variação dos preços de aquisição nos atacadistas, do preço das obras públicas, do custo de mão-de-obra de montagem e manutenção industriais e do transporte rodoviário de carga, citando-se apenas os exemplos nacionais de tradição consolidada e realizados por instituições de grande notoriedade, como a Fundação Getúlio Vargas, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, FIPE, associada à Universidade de São Paulo - USP e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.

33 Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo. Apelação com revisão nº 641490-00/8. Relator: Desembargador Francisco Thomaz. 34 Cf. KARMEL, P.H. E POLASE. M. Estatística Geral Aplicada para Economistas. São Paulo, Atlas, 1974, p. 381 35 Cf. MANKIW, Gregory. Introdução à Economia, Rio de Janeiro, Campus, 2004. Recomenda-se especial atenção ao didático capítulo 23, intitulado “Calculando o custo de vida”.

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A eleição do INPC talvez não tenha sido uma escolha consciente da maioria dos magistrados e mesmo dos advogados. Todavia, foi uma escolha bastante adequada, pois é o índice que melhor reflete a situação do consumidor e com isso revela aumentos proporcionais aos de outros gastos de um consumidor médio, coerentes com o que o indivíduo pagará, mês a mês, a mais no supermercado, na escola dos filhos, no aluguel, entre outros.” 36

III - Por fim, o terceiro entendimento era o de que nenhuma das decisões anteriormente

apontadas seria adequada. O correto era dividir os ônus da desvalorização cambial, metade a

metade, entre arrendante e arrendatário. Esse acabou sendo o conteúdo do voto do relator na decisão

do Superior Tribunal de Justiça que pacificou37 a compreensão do colegiado sobre o caso.

“A desvalorização do real em relação ao dólar, em face da cláusula de indexação, acarreta

onerosidade excessiva para o devedor, mas, salvo melhor juízo, não traz qualquer benefício ao credor, que apenas repassa para o financiador externo os reais adicionalmente necessários para pagar os dólares originariamente contratados. É preciso que isso fique claro: não se pode suprimir a cláusula de variação cambial em relação ao consumidor, sem transferir os respectivos efeitos para o arrendador, que é, no particular, intermediário de recursos externos. Quid, tendo em vista o artigo 6º da Lei nº 8.880, de 1994, cujo teor ‘é nula de pleno direito a contratação de reajustes vinculados à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas físicas e domiciliadas no país, com base em captação de recursos provenientes do exterior’, aplicação da cláusula de reajuste vinculado à variação cambial parece ser de rigor, quando não se tratar de uma relação de consumo. Presente a relação de consumo — e tendo em vista o artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza a revisão de cláusulas contratuais que se revelem excessivamente onerosas em razão de fatos supervenientes — pergunta-se: O risco próprio da cláusula de indexação cambial não excluiria a aplicação dessa norma legal? Se, a despeito da natureza da cláusula, o consumidor está protegido, qual a medida da onerosidade excessiva? O dimensionamento dessas questões exige que se esboce a conjuntura macroeconômica e como era percebida. As partes contavam com a estabilidade do real durante o prazo contratual. A longo prazo, sabia-se — a despeito da posição pública do Governo — que ela não subsistiria, porque comprometia nossa balança comercial. O papel governamental era esse mesmo, porque qualquer dúvida, a propósito, prejudicaria irremediavelmente a política econômica, toda atrelada à chamada âncora — o vocábulo diz tudo — cambial. A probabilidade de mudanças nesse âmbito, portanto, fazia parte do cenário, mas as partes quiseram, ambas, acreditar que teriam tempo de fazer um bom negócio. Cada qual, por isso, tem uma parcela de (ir)responsabilidade pela onerosidade que dele resultou, e nada mais razoável que a suportem. Tal é o regime legal, que protege o consumidor da onerosidade excessiva, sem prejuízo das bases do contrato. Se a onerosidade superveniente não pode ser afastada sem grave lesão à outra parte, impõe-se uma solução de eqüidade. O acórdão recorrido, data venia, errou ao aliviar o arrendador daquela parcela de

36 Excerto do artigo “Índices Econômicos e reajuste nos contratos de concessão: uma análise do setor elétrico”, in Revista de Direito Público da Economia – RDPE, n. 16, out./dez. 2006, pp. 130 e 131, de autoria da mesma autora deste relato de jurisprudência. 37 Muito se especula, especialmente entre advogados, sobre as idiossincrasias de determinados juízos ou cortes. Todavia, raríssimos são os levantamentos quantitativos sobre decisões judiciais, fazendo com que análises fragmentadas passem à história da jurisprudência como representativas de toda uma época. Isso se deu, como se verá, no caso de revisão dos contratos de arrendamento mercantil de veículos em função da alta do dólar em 1999. Grande parte do meio jurídico comenta que a decisão que solucionou o problema foi a decisão “meio a meio”, proferida pelo STJ, sem mencionar, porém, que mesmo o STJ viveu grandes embates antes de se firmar com tal posição. Para rico e minucioso trabalho de reconstrução dos vários votos proferidos pelo STJ antes da sentença “meio a meio”, ver FREITAS FILHO, Roberto. Cláusulas Gerais e Interferência nos Contratos: A Jurisprudência do STJ nos Contratos de Leasing, op. cit., nota de rodapé número 12.

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onerosidade que poderia suportar, não excessiva, lesando gravemente o consumidor ao imputar-lhe integralmente os efeitos do fato superveniente”

38

O fato de uma decisão ser proferida por tribunal superior, todavia, muda as decisões que já

foram dadas em primeira e segunda instâncias? Que problemas pessoas como Antônio teriam para

tentar obter uma decisão como a do autor que conseguiu a decisão acima? Até que ponto a decisão

final é representativa da decisão que a maioria das pessoas recebe? O que é preciso para que uma

questão jurídica seja apreciada por um tribunal superior?

Algumas dessas perguntas podem ser respondidas por uma informação muito interessante,

colhida através da análise de centenas de decisões judiciais: de 481 decisões proferidas pelo

Tribunal de Justiça de São Paulo, entre julgamentos de liminares e apelações, apenas 8 resolveram a

questão da maneira como o STJ resolveu acima. Em termos percentuais, isso representa pouco mais

de 2% dos casos. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua vez, em 1.224 houve apenas

1 decisão concorde o posicionamento do STJ. Um número insignificante.

As tabelas abaixo mostram a variação do posicionamento jurídico entre o TJSP e o TJRS em

relação ao caso de revisão dos contratos de arrendamento mercantil, tanto nas decisões liminares

como nas sentenças39. Foram excluídas as decisões meio a meio, pois numericamente

insignificantes.

38 Recurso Especial nº 473141. 39 Para outros estudos quantitativos sobre o Poder Judiciário brasileiro, ainda que com enfoques diversos, ver REZENDE, Christiane Leles. Pacta Sunt Servanda? O Caso dos Contratos de Soja Verde., projeto de doutoramento da Faculdade de Econômica, Administração e Contabilidade da Universidade de S. Paulo, FEA-USP, apresentado no seminário PENSA de 25 de abril de 2006, FERRÃO, Brisa; RIBEIRO, Ivan. Os Juízes Brasileiros Favorecem A Parte Mais Fraca ? X Latin American and Caribbean Law and Economics Conference, 2006. Disponível [on-line] em http://www.utdt.edu/~alacde/Papers/Paper16.pdf [29/06/2006].

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60

80

100

120

140

160

180

200

1 2

Favoráveis aos consumidores / Favoráveis às empresas

Decisões Liminares Proferidas em Segunda Instância

TJSP

TJRS

Ainda que sutilmente mais propensa à manutenção do dólar como índice de reajuste dos

contratos, verifica-se razoável divisão da jurisprudência paulista. A jurisprudência gaúcha, por sua

vez, foi quase unanimemente favorável à exclusão do dólar (e estabelecimento de outro índice,

como visto, na maioria das vezes o INPC, do IBGE) para revisão das parcelas restantes dos

contratos.

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114

1017

7011

0

200

400

600

800

1000

1200

1 2

Favoráveis aos consumidores / Favoráveis às empresas

Decisões Definitivas Proferidas em Segunda Instância

TJSP

TJRS

A manifestação dos Tribunais em caráter definitivo reproduziu as observações feitas em

caráter liminar, mantendo-se o TJSP sutilmente mais favorável aos consumidores e à revisão dos

contratos, ao passo que o TJRS mostrou-se favorável às empresas em cerca de apenas 1% dos

casos.

Estabelecido esse interessante panorama de três possíveis decisões judiciais, uma pergunta

pode surgir ao leitor: afinal, como um juiz decide?

A obtenção da decisão jurídica como simples operação silogística (em que a premissa maior

é a norma, a premissa menor é o ato ou omissão e, como conclusão, apresenta-se a decisão) não

representa concepção pacífica40, mostrando-se ainda mais limitada em um contexto de problemas de

interpretação, inflação legislativa, lacunas normativas, antinomias e considerações

principiológicas41. Diz-se mesmo, por vezes, que a obtenção da decisão judicial é em verdade muito

melhor representada pelo procedimento inverso ao da operação silogística. Nela, o primeiro passo 40 “Já Aristóteles, afinal, notara que, se era fácil relativamente identificar a premissa maior – o princípio ético vinculante para o comportamento: a justiça a ser respeitada – era extremamente difícil justificar e aceitar que o conflito descrito na premissa menor (a ação x é injusta) constituísse um caso particular contido na generalidade da premissa maior. Ou seja, a aceitação geral de que a justiça deve ser feita não leva, por si, à premissa de que a ação x é injusta e, portanto, deve ser rejeitada. É preciso dizer o que é a justiça e provar que a ação x é um caso de ação injusta. Eis o problema da subsunção”. FERRAZ FILHO, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo Atlas, 1998, p. 315. 41 Ver, por exemplo, FARIA, José Eduardo. Justiça e Conflito – Os Juízes em Face dos Novos Movimentos Sociais, São Paulo, RT, 1992.

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da atividade de decidir é determinar do conteúdo dispositivo. A conduta da premissa maior

estabelece-se apenas em momento posterior, com a função de justificar o conteúdo da decisão42. Em

função dos labirintos de normas e da interpretação sistemática, é quase sempre possível, com algum

“malabarismo jurídico”, elaborar uma premissa maior de acordo com a (ou alguma) lei.

Se correta a assunção de que o conteúdo da decisão por vezes precede a determinação da

categoria jurídica em que o caso se deve subsumir, sobreleva-se em importância o estudo de quais

possam ser os critérios que verdadeiramente orientam o juiz na atividade de decidir. Surge, assim,

uma outra pergunta: Admitindo-se que um magistrado indispense certas operações lógicas para

fundamentar as decisões que profere (ao menos para si próprio, independentemente dos elementos

que aponte na redação da sentença), de que instrumentos se serve o magistrado para obter a solução

de um caso?

A Filosofia do Direito é o campo em que as respostas a essas perguntas podem ser melhor

exploradas. Um dos pontos de vista (mas não o único e possivelmente não o predominante) pode

ser visto no quadro abaixo:

“Consoante os ensinamentos de Perelman e Tyteca43, argumentação opõe-se a demonstração. A teoria da demonstração funda-se na idéia de evidência, concebida como a força diante da qual todo pensamento do homem normal tem de ceder. Em conseqüência, no plano do raciocínio demonstrativo, toda prova seria redução à evidência, sendo que o evidente não teria necessidade de prova. Em contraposição, a teoria da argumentação desenvolve-se a partir da idéia de que nem toda prova é concebível como redução à evidencia, mas requer técnicas capazes de provocar ou acrescer a adesão dos espíritos às teses que se apresentam. A demonstração, nesse sentido, liga-se aos raciocínios lógico-formais, como os matemáticos, enquanto a argumentação, não pressupondo a construção de sistemas axiomatizáveis, com seus axiomas e regras de transformação, refere-se antes aos raciocínios persuasivos, como são os políticos e os jurídicos, cuja validade é restrita a auditórios particulares, não pretendendo adquirir a universidade da demonstração.

Na mesma linha de pensamento, o jusfilósofo Theodor Viehweg44, ao versar o tema, entende a argumentação jurídica como uma forma típica de raciocínio. O raciocínio jurídico, para ele, tem um sentido argumentativo: raciocinar, juridicamente, é uma forma de argumentar. Argumentar significa, num sentido lato, fornecer motivos e razões dentro de uma forma específica. Captando o pensamento jurídico na sua operacionalidade, Viehweg assinala, pois, que a decisão jurídica aparece, neste sentido, como uma discussão racional, isto é, como um operar racional do discurso,

42 SICHES, L. Recasens. Tratado General de Filosofia del Derecho, Mexico, Porrua, 1959, citado por FERRAZ JR. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação, op. cit. p. 316. 43 PERELMAN, Chaim, TYTECA, L. Albrechts. Traité de l’argumentation, Bruxelles, Université Libre de Bruxelles, 1970. 44 Topik und Jurisprudenz. Munchen, Beck, 1974. 45 Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação, op. cit. p. 323.

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cujo terreno imediato é um problema ou um conjunto deles. O pensamento jurídico de onde emerge a decisão deve ser, assim, entendido basicamente como ‘discussão de problemas’.”45

Em termos muito casuísticos e não generalizantes, a análise de alguns acórdãos mostra

alguns dos elementos que os juízes levam em consideração para decidir. Interessantes situações

aquelas em que o autor da ação revisional pleiteava a eleição de índice menos oneroso que o dólar

em função de sua hipossuficiência46 como consumidor, tendo como objeto da demanda, todavia, um

veículo de alto luxo. Decisões que desconsideravam o tipo de veículo objeto do contrato, porém,

também eram muito comuns.

“Arrendamento mercantil. Revisão de cláusula contratual. Indexação das prestações pelo dólar norte-americano. Queda das bandas cambiais. Teoria da imprevisão e onerosidade excessiva. Inadmissibilidade. O art. 6° do Código de Defesa do Consumidor se aplica ao contrato de “leasing” no entanto, o propósito do legislador ao inserir esta cláusula legal, não seria, por óbvio, o de permitir fosse negada validade à Teoria Geral do Contrato. No caso, não se pode falar em imprevisibilidade de um contrato que tem por base de atualização a denominada variação cambial. Ora, variação cambial significa possibilidade de elevação ou diminuição da cotação de determinada moeda em face de outra. Historicamente, para nossa infelicidade, no Brasil, costumeiramente as variações tem se dado em sentido de baixa. Sintomaricamente somente quando a moeda estrangeira tem sua cotação elevada em face do Real é que o devedor reclama de sua incidência; quando o viés do dólar era de baixa, não havia qualquer discordância quanto à sua aplicação. Tampouco há que se falar no caso concreto em onerosidade excessiva. Nesse passo verifico que os autos dizem respeito à aquisição de veículo importado, zero quilômetro, marca MITSUBISHI, modelo L200 4x4, ano 1998 Não cuidam, portanto, de um carro popular, ou mesmo daquele vendido à população em geral com o sugestivo apelo consumista de “semi-usado “. Quem adquire um carro importado, último tipo, tem pleno conhecimento de que seu preço tanto no mercado internacional quanto no nacional, tem seu valor atrelado à moeda norte-americana, e, por isso, presume-se ter condições de pagar o seu valor de mercado (vale dizer, o seu preço cotado em dólar norte-americano). Em vista disto, não se revela razoável a presunção, ante as condições do negócio realizado pelo arrendatário, que estivesse ele impossibilitado de satisfazer as contraprestações atreladas ao dólar. Deveria o autor, portanto, ter demonstrado no que residiria a impossibilidade de cumprir aquilo que ajustara livremente no contrato. Do contrário, revela-se desprovido de razão qualquer pedido revisional. RECURSO PROVIDO”47

Nos anos que se seguiram ao turbulento episódio de revisão dos contratos, foi consenso não

só entre os entrevistados, mas na população em geral, que novos contratos de arrendamento

46 A hipossuficiência do consumidor se divide em hipossuficiência jurídica, técnica e econômica, para a maior parte da doutrina. O tema é de profundo interesse e a delimitação dos diferentes tipos de hipossuficiência abrangidos pela doutrina e jurisprudência do Brasil e do muno, palpitante. 47 Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo. Apelação com revisão nº680639-00/7. Relator: Desambargador Amorim Cantuária. No mesmo sentido, “Leasing com variação cambial – Teoria da imprevisão. Aumento repentino do dólar americano. Veículo Chevrolet Tigra ano 1998. Expio. Ribeiro da Silva vencido, por entender não se tratar de veículo popular. Agravo Improvido.” Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 605780-00 /6 Relator: Desembargador Campos Petroni. Também: “Tenho entendido pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, art. 6o, nos casos de veículo popular, em que seus adquirentes acreditaram nas promessas do Real moeda forte em relação ao dólar norte-americano, e não atinaram para as conseqüências das cláusulas impressas em letras miúdas. Todavia, no caso dos autos trata-se de carro importado BMW, modelo 318TI, ano 1997, no valor de R$ 33.628,65”. Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo. Agravo de Instrumento n. 575.649-8, voto n. 3872. Relator: Ribeiro da Silva. Ver ainda Segunda Vara do Guarujá. Processo n.º 593/99 – Reintegração de Posse. Processo n.º 804/99 – Consignação em Pagamento. Juiz de Direito: Guilherme da Costa Manso Vasconcellos.

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mercantil para pessoas naturais haviam “sumido” do mercado. Os entrevistados foram perguntados

se a postura do Poder Judiciário teria sido a responsável por tal desaparecimento. O raciocínio que

permeava a pergunta era o de que o estabelecimento judicial de índices menos onerosos ao

consumidor, bem como a decisão “meio a meio”, representariam perdas para as empresas de

arrendamento mercantil, pois através da intervenção estatal do Poder Judiciário os entes privados

poderiam se sentir desestimulados a continuar atuando em um mercado de incerteza quanto ao

retorno financeiro48. A análise econômica do direito, também chamada law and economics é a

corrente doutrinária que estuda o impacto dos fenômenos jurídicos na economia, bem como a

relação da economia com os institutos jurídicos.

Parte dos entrevistados respondeu positivamente à pergunta, afirmando que a postura do

Poder Judiciário interferia na realização dos negócios.

Diretor Jurídico do Banco ¥, ligado à montadora ¥: Eu acho que a gente tem tentado mostrar é que isso tudo pode gerar um impacto na economia do Estado. Porque obviamente eu acho que se vai olhar com mais cuidado pra que é que se financia. A gente tem uma taxa refletindo o risco. Então, ao mesmo tempo que fazendo acordos a gente incrementa a indústria, à medida em que a justiça também alberga esse tipo de ações você pode estar imaginando o efeito contrário: uma taxa que cubra o risco do local. Eu não tenho nada sobre [que comprove] isso, tá? Mas é uma conseqüência que é quase que natural.

Essa postura não foi, porém, confirmada pela maior parte dos entrevistados. Na verdade, boa

parte deles até mesmo se surpreendeu com a pergunta, estranhando que houvesse, no meio jurídico,

quem apontasse a redução dos contratos de arrendamento mercantil como decorrência do negativo

impacto das decisões do Poder Judiciário. Uma das apostas de diminuição dos contratos de

arrendamento mercantil para pessoas naturais era a redução do IOF nos anos que se seguiram a

1999, fazendo com que as vantagens do arrendamento mercantil em relação a outras formas de

obtenção de crédito para aquisição de veículos não fossem mais tão significativas.

48 Para reconstruir o argumento da pergunta, ver o artigo ARIDA, Pérsio, BACHA, Edmar Lisboa e LARA-RESENDE, André. “Credit, Interest and jurisdictional uncertainty: Conjectures on the case of Brazil”, Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Política Econômica, Casa das Garças, 2004. (Publicado também em Inflation Targeting, Debt, and the Brazilian Experience: 1999 to 2003, GIAVAZZI, GOLDFAJN E HERRERA (orgs.), Cambridge, MIT Press, 2005.

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Estudo estatístico realizado através do Centro de Estatística Aplica do Instituto de

Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo49 mostra que a impressão de alguns juristas

de que o sumiço de novos contratos de arrendamento mercantil não teve qualquer relação com as

decisões dadas pelo Poder Judiciário. Sua correlação existe mesmo é com a cotação do dólar. Isso

mostra que uma utilização superficial dos instrumentos que a análise econômica do direito fornece

pode gerar conclusões precipitadas extremamente errôneas50.

O estudo da estatística pode ser uma excelente arma para que o jurista compreenda melhor

seu ofício. Apenas para que se tenha uma idéia visual de como o comportamento de novos contratos

de arrendamento mercantil se deu em relação a diferentes fatores que poderiam ter influído no

mercado, dispomos abaixo a superposição de algumas séries temporais, duas a duas. Destaque-se,

porém, que a mera análise inferencial não permite tirar conclusões mais profundas, pois os dados

são aqui dispostos de maneira bruta, não tendo sequer sido feitas séries estacionárias51.

Porcentagem de contratos de arrendamento mercantil realizados por pessoas naturais

superposto ao número de decisões judiciais.

49 Para a análise estatística completa que compara as séries temporais do volume de novos contratos com o IOF, o dólar e as decisões do TJSP, ver TOLOI, Clélia Maria de Castro; GOMES, Edilene Freire Nascimento e NOGUEIRA, Karen Elisa do Vale. Relatório de análise estatística sobre o projeto: “Evolução do número de contratos de leasing para veículos”. São Paulo, IME-USP, 2005. (RAE – CEA – 05P17). 50 Cf. BERTRAN, Maria Paula Costa. “Análise Econômica como Critério Orientador da Decisão Judicial: Aplicações e Limites. Estudo a partir do caso de revisão dos contratos de arrendamento mercantil com paridade cambial”, defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em outubro de 2006. Texto a ser publicado com o título provisório de Judiciário e Economia: algumas verdades e muitos mitos. Estudo a partir do caso de revisão dos contratos de arrendamento mercantil. No prelo. 51 As séries estacionárias são seqüências de subtrações que retiram os vieses de alta ou baixa de uma seqüência de números. Ao realizar tal procedimento pode-se efetivamente saber qual foi o comportamento do dado que se observa, sem ter impressões erradas, causadas pelos dados antecedentes ou subseqüentes.

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dez/99

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dez/04

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% Contratos de leasing realizados

por Pes. Fís.

0 30

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Número de Decisões Judiciais

P

orcentagem de contratos de arrendam

ento mercantil realizados por pessoas naturais

superposto a cotação média do dólar.

0

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jan/97

jul/97

jan/98

jul/98

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jan/00

jul/00

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jul/02

jan/03

jul/03

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jul/04

jan/05

jul/05

% Contratos de leasing realizados

por Pes. Fís.

0 1 2 3 4 5

Cotação Média do Dólar

Porcentagem

de

contratos de

arrendamento

mercantil

realizados por

pessoas naturais

superposto a alíquota de IOF.

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0

0,004

0,008

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0,016

0,02

Alí

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de I

OF

52

Por que tudo isso aconteceu? Por que o IOF se mostrou tão pouco influente no

comportamento dos contratos? Por que o gráfico das decisões judiciais é um morro seguido um

vale? O que é preciso saber para prestar consultoria jurídica a uma empresa de arrendamento

mercantil? Quais deveriam ter sido as preocupações do legislador que tratou dessa matéria? Quais

foram seus acertos? Quais foram suas falhas? Como a Argentina lidou com problema semelhante, à

época do “corralito”? Quem pôde obter a decisão do STJ ganhou em relação aos que fizeram

acordos53? Finalmente: como comprar um carro novo?

Que essas e muitas outras dúvidas advenham da leitura deste caso.

Bons estudos!

52 Gráfico extraídos de TOLOI, Clélia Maria de Castro; GOMES, Edilene Freire Nascimento e NOGUEIRA, Karen Elisa do Vale. Relatório de análise estatística sobre o projeto: “Evolução do número de contratos de leasing para veículos”. São Paulo, IME-USP, 2005. (RAE – CEA – 05P17). 53 Interessantíssimas pistas sobre isso podem ser encontradas em WECHSLER, Sérgio; KOBAYASHI, Davi; BONASSI, Fernando Vieira e REGINATO, Luis Gabriel Marques “Relatório de Análise Estatística sobre o projeto ‘Análise Econômica do Direito aplicada a decisões judiciais: o caso dos contratos de arrendamento mercantil para compra de veículos com cláusulas de reajuste associadas ao dólar’.” São Paulo, IME-USP, 2005. (RAE – CEA – 06P06).

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ANEXO I

Três foram as principais fontes para obtenção de dados para realização deste trabalho: i)

entrevistas com representantes das empresas de arrendamento mercantil mais atingidas pela revisão

dos contratos de arrendamento mercantil; ii) levantamento das decisões judiciais proferidas pelo

Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP e pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS, ou

compiladas por entidades privadas e revistas jurídicas, bem como mapeamento das várias decisões

proferidas monocraticamente por ministros do STJ antes da postura final do Tribunal, que

consolidou a posição “meio a meio”.

A primeira fonte de dados contou com os depoimentos, guiados por roteiro de entrevista

(Vide ANEXO I), dos representantes dos agentes do mercado de arrendamento mercantil. Foram

entrevistadas oito instituições financeiras. Foram ainda entrevistados executivos das duas

associações representativas do setor. O conteúdo das entrevistas foi orientado por um questionário,

também anexo deste relato de jurisprudência, para fins didáticos e elucidativos de como fazer uma

pesquisa de campo. O conteúdo das entrevistas distanciaram-se por vezes do roteiro, quer porque os

agentes não tinham lembrança de detalhes perguntados (destacadamente sobre elementos

quantitativos), quer porque suas percepções sobre o episódio extrapolavam qualquer previsão do

roteiro.

A segunda fonte de informações, ainda não concluída, é o levantamento de decisões

judiciais. Tanto em caráter liminar como na análise de acórdãos, o levantamento jurisprudencial foi

feito de maneira exaustiva no TJRS54. Do levantamento gaúcho foram obtidas mil duzentas e vinte e

quatro (1224) decisões. No TJSP não há, diferentemente da primeira fonte, possibilidade de coleta

exaustiva das decisões através de qualquer sistema (disponível na internet ou no próprio tribunal) de

busca de jurisprudência por tema ou assunto55.

A escolha da coleta de dados desses dois tribunais, especificamente, objetiva investigar

eventuais diferenças de sensibilidade aos argumentos formadores da decisão, bem como de seu

54 Segundo informação constante do sítio do próprio TJRS. Do mesmo modo, investigações no Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG e no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ são passíveis de serem feitas exaustivamente, pois todas as decisões (desde os anos 2000 e 1996, respectivamente) são dispostas na base de buscas. As informações foram prestadas por Verônica Paiva Leal (bibliotecária - TJMG) e Rita da Matta (técnica judiciária - TJRJ). 55 Informação fornecida por Maria Del Carmen Alvarez (escrevente-chefe – TJSP).

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caráter dispositivo, dada a visão generalizada de ser o TJRS mais defensor dos interesses dos

consumidores56 enquanto que o TJSP seria colegiado de maior conservadorismo. Com isso

pretende-se mostrar que a reconstrução de jurisprudência de um caso importante, como o da revisão

dos contratos de arrendamento mercantil, deve recuar no tempo e procurar a formação da decisão

em primeiro e segunda instâncias, e não apenas na manifestação de uma Corte Superior.

No TJSP os desembargadores escolhem quais decisões devem ser dispostas ao público

através de acesso eletrônico e quais não deverão ser tornadas públicas através dos sistemas de busca

de jurisprudência. Dado, portanto, o caráter enviesado da amostra disponível pela busca simples de

jurisprudência, optou-se, no TJSP, por fazer uma busca pelo nome das partes dos processos (o

acesso a tal recurso permite a análise da totalidade dos dados, exaustivamente, não passando por

qualquer critério de seleção, como acontece com o acervo de consulta por tema ou palavra chave).

Para a obtenção de um número adequado de ementas para ser submetido a análises estatísticas,

foram pesquisadas todas as decisões de duas empresas de arrendamento mercantil (Fiat Leasing e

Safra Leasing) e cerca de setenta por cento das ementas de uma terceira (BCN Arrendamento

Mercantil S.A.), todas elas, à época, destacadamente atingidas pela revisão dos contratos. Das

decisões analisadas, (aproximadamente cinco mil no total, sendo que desse montante, mil setecentas

e oito (1.708) eram do Fiat Leasing, mil duzentas e vinte e seis (1.226) do Safra Leasing e duas mil,

quatrocentas e noventa e uma (2.491) do BCN Leasing), apenas quatrocentas e oitenta e uma (481)

referiam-se ao episódio de revisão dos contratos de arrendamento mercantil ocasionados pela alta

da moeda norte-americana.

Todas as decisões judiciais foram compiladas e tabuladas, de acordo com o seu teor,

seguindo orientação da tipologia ideal acima mencionada, que divide as possibilidades de decisão

em i) contrárias aos arrendatários (e favoráveis às instituições financeiras), ii) contrárias aos

arrendadores (e favoráveis aos adquirentes de veículos) e iii) “salomônicas”. Serão ainda divididas

entre decisões liminares e definitivas.

Os dados puros obtidos se encontram tabulados em planilhas. Uma das planilhas é

encontrada como anexo, também para fins didáticos.

56 Entre outras razões, pela força do movimento do “Direito Alternativo”, consideravelmente difundido no meio gaúcho. Ver, entre outros, CARVALHO, Amílton Bueno. Direito Alternativo: Teoria e Prática, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004.

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Outras importantes fontes qualitativas de decisões, (não inseridas nas estatísticas realizadas

por este estudo, tendo sido consideradas apenas para formulação de seus aspectos teóricos

qualitativos) foram a análise exaustiva de todas as edições, de janeiro de 1999 a janeiro de 2005,

dos periódicos Revista dos Tribunais, Revista de Direito do Consumidor e Revista de Direito

Mercantil, bem como pela compilação, em três volumes, de decisões fornecidas pela Associação

Brasileira das Empresas de Leasing – ABEL.

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ANEXO II

ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

1.1 Quando a instituição financeira é procurada por clientes que solicitam revisão de contratos de financiamento ou empréstimo, quais são os procedimentos mais comuns, em ordem de ocorrência (1 para o mais usual e 3 para o menos usual): ( ) negar a possibilidade de revisão ( ) originariamente negar a possibilidade de revisão, mas viabilizá-la se houver insistência do cliente ( ) estipular, de plano, a possibilidade de revisão 1.2 A negação da possibilidade de revisão dos contratos de financiamento ou empréstimo dá-se por quais razões, em ordem de ocorrência (1 para o mais usual e 4 para o menos usual): ( ) a instituição financeira não tem como arcar com uma renegociação que favoreça o cliente em seu prejuízo ( ) o valor do empréstimo é pequeno, de modo que dificilmente o cliente proporia demanda judicial para pleitear a revisão ( ) a instituição financeira teme uma reação em cascata caso comece a conceder revisão a alguns de seus clientes ( ) outra

1.3 A possibilidade de revisão dos contratos de financiamento ou empréstimo dá-se por quais razões, em ordem de ocorrência (1para o mais usual e 4 para o menos usual): ( ) os possíveis custos de uma demanda judicial excedem as perdas que a instituição financeira teria promovendo a revisão do contrato, conforme a solicitação do cliente ( ) as instituições financeiras arcam com custos imprevisto para não desgastarem a imagem da instituição/cativarem os clientes ( ) as instituições financeiras reservam em suas provisões uma “margem de manobra” especificamente para os casos de revisão de contratos ( ) outra 2. Especificamente sobre os casos de revisão dos contratos de arrendamento mercantil de automóveis, em função da alta do dólar em 1999: 2.1 Qual foi o procedimento da [nome da empresa] quando procurado por seus clientes para revisão dos contratos indexados ao dólar (1 para o mais usual e 3 para o menos usual): ( ) negar a possibilidade de revisão ( ) originariamente negar a possibilidade de revisão, mas viabilizá-la se houver insistência do cliente ( ) estipular, de plano, a possibilidade de revisão 2.2 Em porcentagem dos contratos, em quanto se estima a ocorrência de: a) revisão contratual extra-judicial (através de acordo): _____%

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b) revisão contratual judicial: _____% c) ausência de pedido de revisão contratual: _____% 2.3 Em que parâmetros foram feitas, por esta instituição, a revisão extra-judicial dos contratos? ( ) dilação dos prazos para pagamento e manutenção do montante devido pela correção do dólar ( ) desconto sobre o montante devido em dólar, com manutenção dos prazos de pagamento ( ) eleição de outro índice, que não o dólar, para o reajuste das parcelas

( ) outra 2.3.1 Qual foi o montante médio de desconto concedido, sobre o valor em dólares? ( ) até 10% ( ) de 10 a 25% ( ) de 25% a 40% ( ) de 40% a 50% ( ) de 50% a 60% ( ) de 60% a 70% ( ) de 70% a 80% 2.3.1.2 Esse montante era igual para contratos de pessoas físicas e pessoas jurídicas? 2.3.1.3 Esse montante era igual para contratos de aquisição de veículos de passeio de luxo e populares? 2.4 Em que situações eram feitos os acordos? Como se processava a negociação? A instituição contatou os devedores ou esperou que eles chegassem até as agências em busca de renegociação? Os clientes propunham os padrões de revisão ou a instituição já tinha os padrões a serem colocados?

2.5 Na sua opinião, o consumidor teria ganhado ou perdido ao fazer um acordo extra-judicial? Valia a pena entrar com uma ação do Judiciário? 2.5.1 Qual foi o tempo médio para o estabelecimento de acordo, (do início das negociações até a apresentação de uma solução final)? _____meses 3.1 Qual foi o montante do prejuízo médio causado pela revisão extra-judicial dos contratos, em relação ao valor dos contratos? ( ) até 10% ( ) de 10 a 25% ( ) de 25% a 40% ( ) de 40% a 50% ( ) de 50% a 60% ( ) de 60% a 70%

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( ) de 70% a 80% 3.2 Qual foi o montante do prejuízo causado pela revisão judicial dos contratos, em relação ao valor dos contratos? ( ) até 10% ( ) de 10 a 25% ( ) de 25% a 40% ( ) de 40% a 50% ( ) de 50% a 60% ( ) de 60% a 70% ( ) de 70% a 80% 4. Quais mecanismos foram mais usados pela instituição financeira como forma de proteção contra os pedidos de revisão: ( ) hedge, com compra de títulos da dívida pública indexados ao dólar ( ) hedge, com compra de outros títulos, que não da dívida pública ( ) pleitear a manutenção dos termos originais dos contratos no Judiciário ( ) outra 5.1 Nos anos posteriores a 1999, o número de contratos de leasing para pessoas físicas: ( ) aumentou ( ) diminuiu ( ) manteve-se estável 5.2 Apontar porcentagem estimada, em relação a 1999, do aumentou ou diminuição dos contratos: _____ % 5.3 Razões para o aumento ou diminuição dos contratos de leasing para pessoas físicas: 5.4 Nos anos posteriores a 1999, o número de contratos de leasing para pessoas jurídicas: ( ) aumentou ( ) diminuiu ( ) manteve-se estável 5.5 Apontar porcentagem estimada, em relação a 1999, do aumentou ou diminuição dos contratos: _____ % 5.6 Razões para o aumento ou diminuição dos contratos de leasing para pessoas jurídicas:

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ANEXO III

PLANILHA EXEMPLIFICATIVA DA TABULAÇÃO DAS DECISÕES

JUDICIAIS

Legendas utilizadas para tabulação das decisões: A1 : agravos de instrumento pró consumidor A2 : agravos de instrumento contra consumidor A3: agravos de instrumento “salomônicos” B1: apelações pró consumidor B2: apelações contra consumidor B3: apelações “meio a meio” TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

Agravos de Instrumento Apelações

Ano/Mês A1 A2 A3 B1 B2 B3 Total Mensal

jan-99 0 0 0 0 0 0 0

fev-99 0 0 0 0 0 0 0

mar-99 9 0 0 0 0 0 9

abr-99 14 0 0 0 0 0 14

mai-99 42 0 0 0 0 0 42

jun-99 26 0 0 0 0 0 26

jul-99 0 0 0 0 0 0 0

ago-99 18 0 0 0 0 0 18

set-99 17 0 0 0 0 0 17

out-99 10 0 0 9 0 0 19

nov-99 19 0 0 12 1 0 32

dez-99 7 0 0 37 1 0 45

jan-00 0 0 0 0 0 0 0

fev-00 5 0 0 1 0 0 6

mar-00 4 0 0 34 1 0 39

abr-00 6 1 0 39 0 0 46

mai-00 4 0 0 46 0 0 50

jun-00 4 0 0 41 0 0 45

jul-00 0 0 0 0 0 0 0

ago-00 5 0 0 32 0 0 37

set-00 2 0 0 35 0 0 37

out-00 0 0 0 72 0 0 72

nov-00 0 0 0 56 0 0 56

dez-00 0 0 0 47 1 0 48

jan-01 0 0 0 0 0 0 0

fev-01 0 0 0 1 0 0 1

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mar-01 0 0 0 32 0 0 32

abr-01 0 0 0 31 0 0 31

mai-01 0 0 0 39 0 0 39

jun-01 0 0 0 31 5 0 36

jul-01 0 0 0 0 0 0 0

ago-01 0 0 0 18 0 0 18

set-01 0 0 0 12 1 0 13

out-01 0 0 0 4 0 0 4

nov-01 0 0 0 27 1 0 28

dez-01 0 0 0 14 0 0 14

jan-02 0 0 0 0 0 0 0

fev-02 0 0 0 1 0 0 1

mar-02 0 0 0 26 0 0 26

abr-02 0 0 0 14 0 0 14

mai-02 0 0 0 12 0 0 12

jun-02 0 0 0 6 0 0 6

jul-02 0 0 0 0 0 0 0

ago-02 0 0 0 5 0 0 5

set-02 0 0 0 12 0 0 12

out-02 1 0 0 16 0 0 17

nov-02 0 0 0 35 0 0 35

dez-02 0 0 0 40 0 0 40

jan-03 0 0 0 0 0 0 0

fev-03 0 0 0 7 0 0 7

mar-03 0 0 0 6 0 0 6

abr-03 0 0 0 8 0 0 8

mai-03 0 0 0 16 0 1 17

jun-03 0 0 0 9 0 0 9

jul-03 0 0 0 0 0 0 0

ago-03 0 0 0 2 0 0 2

set-03 0 0 0 5 0 0 5

out-03 0 0 0 5 0 0 5

nov-03 0 0 0 9 0 0 9

dez-03 1 0 0 5 0 0 6

jan-04 0 0 0 0 0 0 0

fev-04 0 0 0 0 0 0 0

mar-04 0 0 0 8 0 0 8

abr-04 0 0 0 16 0 0 16

mai-04 0 0 0 2 0 0 2

jun-04 0 0 0 8 0 0 8

jul-04 0 0 0 0 0 0 0

ago-04 0 0 0 3 0 0 3

set-04 0 0 0 7 0 0 7

out-04 0 0 0 14 0 0 14

nov-04 0 0 0 8 0 0 8

dez-04 0 0 0 9 0 0 9

jan-05 0 0 0 1 0 0 1

fev-05 0 0 0 0 0 0 0

mar-05 0 0 0 12 0 0 12

abr-05 0 0 0 12 0 0 12

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mai-05 0 0 0 6 0 0 6

jun-05 0 0 0 2 0 0 2

jul-05 0 0 0 0 0 0 0

Total 194 1 0 1017 11 1 1224

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ANEXO IV

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

TERMO DE COMPROMISSO

DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

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Pelo presente instrumento, a SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO - SDE e o DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR - DPDC, DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, situado na Esplanada dos Ministérios, Brasília, Distrito Federal, neste ato representados por seus titulares os Senhores Doutores RUY COUTINHO DO NASCIMENTO, Secretário de Direito Econômico e JOSÉ HUMBERTO FERNANDES RODRIGUES, Diretor do DPDC - Substituto e as Associadas da ANEF - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS FINANCEIRAS DAS MONTADORAS, com sede na Av. Indianópolis, 496 em São Paulo - SP, constantes do Anexo I e que passa a fazer parte integrante deste Termo de Compromisso, neste ato representadas pela ANEF, que, por seus Representantes Legais, Sr. MARCOS VINICIUS MOYA, portador da Cédula de Identidade no 8754307, expedida pela SSP-SP, e Sr. FERNANDO MASCARENHAS, portador da Cédula de Identidade no 11593974, expedida pela SSP-SP, com escritório no endereço acima citado, conforme instrumento hábil, acostado às fls. do Processo Administrativo no 08012.000846/99-35, doravante denominada COMPROMISSÁRIA, com fundamento no art. 113, § 6o da Lei no 8078, de 11 de setembro de 1990, combinado com o artigo 6o do Decreto no 2181, de 20 de março de 1997, têm entre si justo e acertado o seguinte:

a) considerando que as partes lavraram, em 18 de fevereiro p. p., TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (doravante denominado TERMO I), levando em conta notícias trazidas ao conhecimento do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico - DPDC/SDE por parte de consumidores pessoas físicas que realizaram contratos de arrendamento mercantil indexados à correção cambial do dólar norte-americano para obtenção de veículos, doravante denominados ARRENDATÁRIOS, e em decorrência do regime de flutuação cambial adotado pelo país, resultou em desequilíbrio orçamentário desfavorável às suas condições financeiras;

b) considerando que o TERMO I objetivou o restabelecimento do equilíbrio orçamentário dos ARRENDATÁRIOS, de forma a permitir a continuidade dos contratos firmados dentro das normas legais que regulam o arrendamento mercantil, evitando-se a inadimplência dos consumidores e a proliferação de ações judiciais;

c) considerando que o TERMO I atingiu aos objetivos propostos e que tem sua validade encerrada em 30 de abril de 1999, acrescendo o fato de que a presente situação de estabilidade no sistema de câmbio flutuante propicia a busca de soluções definitivas para o tema;

d) considerando por derradeiro que a fase na qual tramita o referido Procedimento Administrativo, suspenso pela Cláusula 6a do TERMO I, admite o ajustamento da conduta diante da norma de proteção e defesa do

consumidor, antes mesmo da apresentação da defesa, resolvem celebrar este

TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA,

doravante denominado TERMO II, de conformidade com as cláusulas e condições seguintes:

DO OBJETO

CLÁUSULA PRIMEIRA

Este TERMO II tem por objeto continuar a manter o equilíbrio orçamentário dos ARRENDATÁRIOS, de forma a permitir a continuidade dos contratos firmados dentro das normas legais que regulam o arrendamento mercantil.

Compromete-se a COMPROMISSÁRIA, por suas Associadas, a adotar modelo de renegociação estabelecida na Cláusula Segunda que reduza os valores em equivalentes dólares norte-americanos expressos nos boletos de pagamentos mensais de modo que, em Reais, o valor da mensalidade seja aproximadamente o mesmo pago nos últimos quatro meses durante a vigência do TERMO I.

As Associadas comprometem-se, ainda, a estender o prazo contratual pelo tempo necessário para a quitação integral do saldo devedor do ARRENDATÁRIO, nas condições pactuadas no presente TERMO II.

A adoção deste modelo supera os motivos que deram causa à instauração do Procedimento Administrativo supra citado, no âmbito de atuação de cada uma das Associadas da COMPROMISSÁRIA, propiciando alternativas que amenizam o impacto da flutuação livre do câmbio.

Registre-se que a COMPROMISSÁRIA, por suas Associadas, não aplicará a multa de mora de 10% para aqueles ARRENDATÁRIOS que estiverem adimplentes com suas obrigações até 17de maio de 1999. A isto acresça-se o não encaminhamento aos serviços de proteção ao crédito, como SERASA, DPC, SPC dentre outros, como também de ações protestativas dos ARRENDATÁRIOS que aderirem e cumprirem às condições previstas neste TERMO II.

DAS OBRIGAÇÕES POSITIVAS

CLÁUSULA SEGUNDA

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Para a consecução do objeto deste TERMO II, a COMPROMISSÁRIA compromete-se a reduzir o valor em equivalentes dólares norte-americanos das prestações mensais devidas pelos ARRENDATÁRIOS pelo seguinte critério:

toma-se como base o valor em Reais das prestações dos últimos quatro meses, apurado pela aplicação da taxa referencial de R$1,23/US$1,00 estabelecida no TERMO I, sobre o valor das prestações mensais originalmente contratado em dólares norte-americanos;

divide-se este valor em Reais pela cotação PTAX do dólar norte-americano para o dia 30.04.99 (R$1,6676/US$1,00);

determina-se, assim, nova quantidade de dólares norte-americanos a ser paga mensalmente pelo ARRENDATÁRIO;

encontrado tal valor em dólares norte-americanos, o ARRENDATÁRIO deverá efetuar os seus respectivos pagamentos, multiplicando a nova quantidade de dólares norte-americanos assim obtida, pela taxa de câmbio do dia do pagamento, conforme definido em contrato.

As diferenças apuradas relativamente ao valor devido, conforme previsto em contrato, decorrentes da adoção dos TERMOS I e II, serão incorporadas ao saldo devedor do contrato, alongando-se o prazo originalmente previsto pelo tempo necessário para permitir a liquidação do saldo devedor, respeitando-se o valor da prestação mensal em dólares norte-americanos, recalculada conforme estabelecido no parágrafo anterior deste TERMO II.

As Associadas da COMPROMISSÁRIA utilizarão o critério definido no TERMO I, até que disponibilizem o modelo ora adotado, garantindo aos ARRENDATÁRIOS o prazo de até 17 de maio de 1999 para adesão às condições deste TERMO II.

Poderão ser ajustadas condições de pagamento diferentes da aqui elencada, desde que solicitadas pelos ARRENDATÁRIOS e aceitas pela COMPROMISSÁRIA.

CLÁUSULA TERCEIRA

As condições deste TERMO II serão disponibilizadas aos ARRENDATÁRIOS com operações contratadas até 12 de janeiro de 1999, com as obrigações em dia até 17 de maio de 1999, incluindo aqueles que aderiram e cumpriram com as condições previstas no TERMO I, que assim procederão à regularização de suas obrigações sem a incidência de multa e comissão de permanência.

Obriga-se, ainda, a COMPROMISSÁRIA, a apresentar e a esclarecer aos ARRENDATÁRIOS o alcance deste TERMO II, de forma clara, precisa e ostensiva, onde prevaleça o equilíbrio e a transparência da relação.

A COMPROMISSÁRIA obriga-se, também, a divulgar, a partir da assinatura deste TERMO II, o conteúdo do aqui pactuado aos ARRENDATÁRIOS, principalmente àqueles que têm reclamações/representações contra a COMPROMISSÁRIA, oferecendo-lhes a opção de renegociação dentro dos termos aqui pactuados, bem como dar ciência deste compromisso a cada uma de suas Associadas.

CLÁUSULA QUARTA

A COMPROMISSÁRIA deve ainda:

a) não encaminhar aos serviços de proteção ao crédito e protestar os seus ARRENDATÁRIOS que aderirem e cumprirem às condições previstas no presente TERMO II, de modo a preservar o crédito dos ARRENDATÁRIOS;

b) continuar a praticar a multa moratória limitada ao percentual de 2% (dois por cento) do valor da prestação inadimplida. Caso haja contrato que ainda não preveja este limite, a COMPROMISSÁRIA obriga-se por suas Associadas a promover a imediata adequação;

c) encaminhar relatório ao DPDC demonstrando o cumprimento das obrigações previstas no presente TERMO II.

DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

CLÁUSULA QUINTA

A COMPROMISSÁRIA, nos termos da Lei no 8078, de 11 de setembro de 1990, assume as obrigações aqui estabelecidas em nome de suas Associadas, que formal e individualmente aderem ao presente TERMO II, através de procuração anexada ao TERMO I.

DAS INFORMAÇÕES

CLÁUSULA SEXTA

A COMPROMISSÁRIA fornecerá as informações inerentes a este TERMO II que eventualmente lhe forem requisitadas pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, durante o período de sua vigência.

A COMPROMISSÁRIA comunicará, também, e de imediato, ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, qualquer mudança no seu ato constitutivo, em seu quadro de dirigentes, em seu objeto social, em suas atividades, ou em sua localização.

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DA SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

CLÁUSULA SÉTIMA

O Procedimento Administrativo, objeto deste TERMO II, também referido no TERMO I, ficará suspenso durante o período de vigência deste, sem qualquer discussão de mérito, tendo continuidade com relação à Associada da COMPROMISSÁRIA que, individualmente, deixar de cumprir quaisquer das obrigações aqui estabelecidas, sem prejuízo da execução "ex vi" do disposto no § 6o do art. 113, da Lei no 8078, de 1990.

DO ARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

CLÁUSULA OITAVA

Uma vez cumpridas as obrigações aqui pactuadas por parte das Associadas da COMPROMISSÁRIA, e, ainda, tendo elas submetido o relatório a que se refere a letra "c" da Cláusula Quarta, o DPDC poderá determinar o arquivamento do Procedimento Administrativo relativamente a cada uma das Associadas da COMPROMISSÁRIA.

DA MULTA

CLÁUSULA NONA

Pelo descumprimento das obrigações assumidas neste TERMO II, as Associadas da COMPROMISSÁRIA ficarão sujeitas, desde já, à multa equivalente a 10% (dez por cento) do saldo devedor de cada contrato em que se verificar prática que se demonstre contrária às condições aqui pactuadas, na forma prevista no § 3o do art. 6o do Decreto 2181,de 1997, observando-se os limites do Parágrafo único do art. 57 da Lei no 8078, de 1990.

DA VIGÊNCIA DO COMPROMISSO

CLÁUSULA DEZ

As obrigações aqui pactuadas vigerão pelo prazo remanescente dos contratos dos ARRENDATÁRIOS que aderirem e cumprirem com as condições deste TERMO II.

DA PUBLICIDADE

CLÁUSULA ONZE

As partes signatárias obrigam-se a dar plena e ampla divulgação deste TERMO II aos órgãos e associações federais, estaduais e municipais, públicos e privados, de proteção e defesa do consumidor.

Este TERMO II será publicado, em sua íntegra, no Diário Oficial da União, para que surta seus efeitos legais e jurídicos, a partir de 1o de maio de 1999.

E, por estarem de acordo, assinam o presente TERMO II, em duas vias de igual teor e forma, sendo uma via entregue ao Representante Legal das Associadas da COMPROMISSÁRIA e a outra via juntada ao Processo Administrativo instaurado.

Em 30 de abril de 1999

JOSÉ HUMBERTO FERNANDES RODRIGUES

Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor

Substituto

Marcos Vinicius Moya

Fernando Mascarenhas

Presidente Vice-Presidente

ANEF - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS FINANCEIRAS DAS MONTADORAS

Testemunhas: RENAN CALHEIROS

Ministro de Estado da Justiça

RUY COUTINHO DO NASCIMENTO

Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça

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TERMO DE COMPROMISSO

DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

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Pelo presente instrumento, a SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO – SDE e o DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR – DPDC, DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, situado na Esplanada dos Ministérios, Brasília, Distrito Federal, neste ato representados por seus titulares os Senhores Doutores RUY COUTINHO DO NASCIMENTO, Secretário de Direito Econômico e NELSON FARIA LINS D’ALBUQUERQUE JUNIOR, Diretor do DPDC e as Associadas da ANEF- ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS FINANCEIRAS DAS MONTADORAS, com sede na Av. Indianópolis, 496 em São Paulo – SP, constantes do Anexo I e que passa a fazer parte integrante deste Termo de Compromisso, neste ato representadas pela ANEF, que, por seus Representantes Legais, Sr. MARCOS VINÍCIUS MOYA , portador da Cédula de Identidade n.º 8754307, expedida pela SSP-SP, e Sr. FERNANDO MASCARENHAS, portador da Cédula de Identidade n.º 11593974, expedida pela SSP-SP, com escritório no endereço acima citado, conforme instrumento hábil, acostado às fls. do Processo Administrativo n.º 08012.000846/99-35, doravante denominada COMPROMISSÁRIA, com fundamento no artigo 113, § 6º, da Lei n.º 8078, de 11 de setembro de 1990, combinado com o Artigo 6º do Decreto n.º 2181, de 20 de março de 1997, têm entre si justo e acertado o seguinte:

A - Considerando as notícias trazidas ao conhecimento do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico – DPDC / SDE por parte de consumidores pessoas físicas que realizaram contratos de arrendamento mercantil indexados à correção cambial do dólar norte-americano para obtenção de veículos, doravante denominado como ARRENDATÁRIOS, e em decorrência do regime de flutuação cambial adotado pelo país, resultou em desequilíbrio orçamentário desfavorável às suas condições financeiras; B - Considerando que a situação atual configura insegurança, e que o consumidor, ao adquirir o bem contava com uma prestação adequada à sua capacidade de pagamento, e que, a permanecer o que ora se identifica, vislumbra-se a inadimplência ou a devolução do bem, cenário que aponta para a inevitável proliferação de ações judiciais; C – Considerando a expressa demonstração da COMPROMISSÁRIA em pactuar o que abaixo se

compromete, continuando a disponibilizar aos consumidores alternativas que possibilitem o reequilíbrio orçamentário e continuidade dos contratos, e D – Considerando, por derradeiro, que a fase na qual tramita o referido procedimento administrativo admite o ajustamento da conduta, diante da norma de proteção e defesa do consumidor, antes mesmo da apresentação da defesa, RESOLVEM celebrar este Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, doravante denominado TERMO, de conformidade com as Cláusulas e condições seguintes:

DO OBJETO

CLÁUSULA PRIMEIRA

Este TERMO tem por objeto restabelecer o equilíbrio orçamentário dos ARRENDATÁRIOS, de forma a permitir a continuidade dos contratos firmados dentro das normas legais que regulam o Arrendamento Mercantil. Compromete-se a COMPROMISSÁRIA, por suas Associadas, a adotar uma taxa de câmbio referencial a ser aplicada aos referidos contratos, de modo a alcançar e superar os motivos que deram causa à instauração do procedimento administrativo supracitado, no âmbito de atuação de cada uma de suas Associadas, com vistas a buscar alternativas que amenizem o impacto da flutuação livre do câmbio. Estes compromissos serão demonstrados pela COMPROMISSÁRIA, se e quando solicitados, ao término do prazo do cumprimento deste TERMO. Registre-se que a COMPROMISSÁRIA, por suas Associadas, não aplicará a multa de mora de 10% para aqueles ARRENDATÁRIOS que estiverem adimplentes com suas obrigações até 14.01.99. A isto acresça-se o não encaminhamento aos serviços de proteção ao crédito, como Serasa, DPC, SPC, dentre outros, como também de ações protestativas dos ARRENDATÁRIOS que aderirem e cumprirem às condições previstas neste TERMO.

DAS OBRIGAÇÕES POSITIVAS

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CLÁUSULA SEGUNDA Para a consecução do objeto deste TERMO, a COMPROMISSÁRIA compromete-se a adotar a taxa de conversão do dólar norte-americano em relação ao Real no nível de US$ 1,00/ R$ 1,23, que será mantida até 30 de abril de 1999. As diferenças apuradas relativamente ao valor devido, conforme previsto em contrato, serão incorporadas ao saldo devedor do contrato e diluídas no prazo remanescente, podendo-se alongar o prazo em até metade do número de prestações vincendas, a critério dos ARRENDATÁRIOS. Poderão ser ajustadas condições de pagamento diferentes das aqui elencadas, desde que solicitadas pelos ARRENDATÁRIOS e aceitas pela COMPROMISSÁRIA. Os ARRENDATÁRIOS que eventualmente tenham efetuado pagamentos de parcelas vencidas a partir de 14.01.99 com valor do dólar norte-americano acima da taxa referencial aqui acordada, terão o direito de, a seu critério e mediante solicitação, compensar os valores pagos a maior, decorrentes desse fato, nos pagamentos seguintes à publicação deste TERMO. Os ARRENDATÁRIOS que estavam com as obrigações em dia até 14.01.99 e em função do ajuste cambial passaram à inadimplência, terão prazo estabelecido até 15.03.99 para procederem à regularização de suas obrigações, sem que recaia sobre estas multa e comissão de permanência. Obriga-se, ainda, a COMPROMISSÁRIA, a apresentar e a esclarecer aos ARRENDATÁRIOS o alcance do presente TERMO, de forma clara, precisa e ostensiva, onde prevaleça o equilíbrio e a transparência da relação. A COMPROMISSÁRIA obriga-se, também, a divulgar, a partir da assinatura deste TERMO, o conteúdo do aqui pactuado aos ARRENDATÁRIOS, principalmente àqueles que têm reclamações/representações contra a COMPROMISSÁRIA, oferecendo-lhes a opção de renegociação dentro dos termos aqui pactuados, bem como dar ciência deste compromisso a cada uma de suas Associadas. CLÁUSULA TERCEIRA A COMPROMISSÁRIA compromete-se a:

A – Não encaminhar aos serviços de proteção ao crédito e protestar os seus ARRENDATÁRIOS que aderirem e cumprirem às condições previstas no presente TERMO, de modo a preservar o crédito dos arrendatários até 30 de abril de 1999. B – Continuar a praticar a multa moratória limitada ao percentual de 2% (dois por cento) do valor da prestação inadimplida. Caso haja contrato que ainda não preveja este limite, a COMPROMISSÁRIA obriga-se por suas Associadas, a promover a imediata adequação.

DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

CLÁUSULA QUARTA

A COMPROMISSÁRIA, nos termos da Lei n.º 8078, de 11 de setembro de 1990, assume as obrigações aqui estabelecidas em nome de suas Associadas, que formal e individualmente aderem ao presente TERMO, através da procuração anexa a este.

DAS INFORMAÇÕES

CLÁUSULA QUINTA A COMPROMISSÁRIA, compromete-se a fornecer as informações inerentes a este TERMO que eventualmente lhe forem requisitadas pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, durante o período de sua vigência . A COMPROMISSÁRIA comunicará, também, e de imediato, ao Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, qualquer mudança no seu ato constitutivo, em seu quadro de dirigentes, em seu objeto social, em suas atividades, ou em sua localização.

DA SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CLÁUSULA SEXTA O Procedimento Administrativo, objeto deste TERMO, ficará suspenso durante o período de vigência deste TERMO, sem qualquer discussão de mérito, tendo continuidade com relação à

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Associada da COMPROMISSÁRIA que, individualmente, deixar de cumprir quaisquer das obrigações aqui estabelecidas, sem prejuízo da execução judicial “ex vi” do disposto no § 6º do artigo 113 da Lei n.º 8078/90. O descumprimento das obrigações assumidas neste TERMO será apurado mediante processo regular, assegurado à COMPROMISSÁRIA e suas Associadas o amplo direito de defesa.

Descumprido o presente TERMO pela COMPROMISSÁRIA, ou suas Associadas, sem prejuízo das penalidades aqui previstas, ser-lhe-ão restituídos todos os prazos que eventualmente tenha perdido durante a fase de defesa, em virtude das negociações com as autoridades competentes.

DA MULTA

CLÁUSULA SÉTIMA

Pelo descumprimento das obrigações assumidas neste TERMO, as Associadas da COMPROMISSÁRIA ficarão sujeitas, desde já, à multa equivalente a 10% do saldo devedor de cada contrato em que se verificar prática que se demonstre contrária as condições aqui pactuadas, na forma prevista no § 3° do art. 6° Decreto 2181/97, observando-se os limites Parágrafo único do art. 57, da Lei 8078/90.

DA VIGÊNCIA DO COMPROMISSO

CLÁUSULA OITAVA

As obrigações pactuadas neste TERMO serão cumpridas pela COMPROMISSÁRIA, estabelecendo-se o prazo de vigência até 30 de abril de 1999, quando, então, reunir-se-á com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico, com a finalidade de avaliar os termos e condições aqui pactuados.

DA PUBLICIDADE

CLÁUSULA NONA

As partes signatárias obrigam-se a dar plena e ampla divulgação deste TERMO aos órgãos e associações federais, estaduais e municipais, públicos e privados, de proteção ou defesa do consumidor. Este TERMO será publicado, em sua íntegra, no Diário Oficial da União, para que surta seus efeitos legais e jurídicos. E, por estarem de acordo, assinam o presente TERMO, em 2 (duas) vias de igual teor e forma, sendo uma via entregue ao Representante Legal das Associadas da COMPROMISSÁRIA e a outra via juntada ao processo administrativo instaurado.

BRASÍLIA – DF, 18 DE FEVEREIRO DE 1999

Nelson Faria Lins D’albuquerque Junior

DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO

Marcos Vinícius Moya

Presidente Fernando Mascarenhas

Vice-Presidente ANEF – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS FINANCEIRAS DAS MONTADORAS

Testemunhas:

Dr. RENAN CALHEIROS

Ministro de Estado da Justiça

Dr. RUY COUTINHO DO NASCIMENTO

Secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça.

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