LIANE FATIMA PASINATO RANZAN …¡tima...de uma forma ou de outra, estiveram e continuam comigo...
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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC
ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LIANE FATIMA PASINATO RANZAN
CORPOREIDADE E APRENDIZAGEM:
IMPLICAÇÕES NAS EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS
Joaçaba/SC
2017
LIANE FATIMA PASINATO RANZAN
CORPOREIDADE E APRENDIZAGEM:
IMPLICAÇÕES NAS EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) – Mestrado em Educação, da Universidade do
Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de Joaçaba, como
requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Roque Strieder
Joaçaba/SC
2017
LIANE FATIMA PASINATO RANZAN
CORPOREIDADE E APRENDIZAGEM:
Implicações nas experiências formativas
Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGE) – Mestrado em Educação, da
Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de
Joaçaba, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre
em Educação.
Aprovada em ........ de ................ 2016.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Roque Strieder
Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC
________________________________________
Prof. Dr. Clenio Lago
Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC
________________________________________
Prof. Dr. Leonel Piovezana – UNOCHAPECÓ
AGRADECIMENTOS
Agradecer é um momento de louvor, a todas as pessoas que de perto ou de longe,
de uma forma ou de outra, estiveram e continuam comigo nessa caminhada de
conhecimento, crescimento, de novos saberes, contribuindo para que a pesquisa se
tornasse realidade. É chegada a hora de compartilhar essa vitória, conquistada com muito
empenho, esforço, dedicação, sofrimentos, alegrias, com familiares e amigos. Para todas
essas pessoas, deixo aqui meu sincero agradecimento.
Em primeiro lugar agradeço a Deus pelo dom da vida e por me conduzir com fé e
força divina na caminha diária da vida.
Agradeço especialmente ao professor Dr. Roque Strieder, que, como orientador
fez o seu papel essencial e especial, com zelo, paciência, amor, dedicação e incentivo.
Soube conduzir com orientação o crescimento e amadurecimento da teoria para o
aprendizado e construção de ciência para que esse trabalho se concretizasse.
Agradeço à amiga Beatriz Ana Zambon Ferronato, por todos os dias de amizade
e companheirismo e, acima de tudo, pela ajuda imprescindível, ouvindo, lendo,
sugerindo, ajudando.
Agradeço aos meus queridos irmãos e irmãs que souberam me apoiar e entender
minha ausência para elaboração desse trabalho.
Agradeço ao meu esposo Hildo Antônio Ranzan, companheiro, pelo amor,
carinho e compreensão que soube entender minhas ausências.
Agradeço à minha linda filha Caroline Pasinato Ranzan, por me entender e
incentivar, aceitando minhas ausências e principalmente por acreditar no meu sonho.
Agradeço em especial à professora Dra. Ortenila Sopelsa pelo seu carinho e
acolhida, que sempre esteve disponível para esclarecer dúvidas e ensinar a traçar
caminhos de Alteridade.
Agradeço aos professores: Profº. Dr. Elton Nardi, Profº. Dr. Clenio Lago,
Profº. Dr. Maurício Farinon, Profº. Dr. Paulino Eidt, Profª. Dra. Maria Tereza
Trevisol, Profª. Dra. Luiza Helena Dalpiaz, Profº Dr. Luiz Carlos Lückmann, que
sempre me acolhiam com abraços, sorrisos, palavras de incentivo, esclarecendo dúvidas
e por sua disponibilidade ao diálogo.
Agradeço a todos os professores do Programa de Mestrado em Educação da
UNOESC – Joaçaba por estarem sempre disponíveis ao diálogo com suas aulas
incentivadoras que me ajudaram a crescer como pesquisadora em aperfeiçoar meus
conhecimentos.
Agradeço às escolas, professores e alunos que me autorizaram, se prontificaram
a disponibilizar o espaço e os dados necessários para a concretização deste trabalho. Agradeço à minha sobrinha Valéria Moscon que disponibilizou tempo de escuta
incentivo, ajuda, orientação e apoio.
Agradeço ainda aos meus colegas e amigos da turma XII do mestrado em
Educação, pelos abraços que acolhiam e aqueciam nossas vivências, sorrisos e desabafos
nas discussões teóricas. Agradecer a todos os professores que fizeram parte da minha
pesquisa e a todos que de uma forma ou de outra auxiliaram na concretização desta
pesquisa.
CORPO
Por Clenio Lago
Corpo que chora,
Que ri,
Sente
E ama!
Corpo que enlouquece,
Quase se esquece,
Que é de anseios sementes
De emoções latentes!
Corpo que é corpo,
Se é, porque sente
O frio e o quente,
A língua e os dentes...
O ódio e o amor carentes,
O tesão presente!!!
Corpo só é corpo
Por que pede,
Quer,
Por que deixa
E se queixa...
Por que espírito é corpo
Em um único instante,
Meio afoito,
Meio ofegante,
Todo cambiante!
É latejante!
RESUMO
A presente dissertação tem como temática central de pesquisa, Corporeidade e
aprendizagem: implicações nas experiências formativas, vista como construção social e
resultante de um processo histórico. O objetivo principal versou em investigar como a
corporeidade está presente nos processos de aprendizagem e nas experiências formativas.
Como metodologia, para a obtenção dos dados, utilizei-me de entrevistas com perguntas
semiestruturadas e observações. Fez-se observação de educandos nos diversos ambientes
da escola e entrevistas com perguntas semiestruturadas, gravadas, com os professores
regentes da turma e outros profissionais. Buscou-se compreender as percepções que os
professores têm sobre corporeidade e aprendizagem, atuantes em turmas do 2º ano do
Ensino Fundamental, rede municipal. A partir desses dados, foram analisadas as
implicações de suas concepções no fazer pedagógico. Na fundamentação teórica as
reflexões se apoiaram, entre os autores: Assmann (1995, 1998), Foucault (2014),
Maturana e Varella (2001), Merleau-Ponty (1994), Maturana e Verden-Zöller (2004), Le
Breton (2013), Hermida e Zoboli (2012), Strieder (2004), Lago (2014) entre outros,
acerca de concepções de corpo/corporeidade, aprendizagem e implicações nas
experiências formativas construídas ao longo da história da humanidade. Considero
importante no processo de educação e construção do conhecimento, as concepções de
corpo, corporeidade, aprendizagem e experiências formativas, como condição existencial,
que situa o sujeito como ser no mundo. As apreciações das observações e das entrevistas
realizadas com os sujeitos envolvidos na pesquisa foram feitas articulando teoria e prática,
buscando um diálogo com os diversos autores pesquisados. Percebe-se que ainda persiste
na escola uma educação pautada no dualismo corpo/mente.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Experiências formativas. Corporeidade.
Aprendizagem.
ABSTRACT
The present dissertation has the central theme of research, Corporeity and learning:
implications in the formative experiences, seen as social construction and resulting from
a historical process. The main objective was to investigate how corporeity is present in
learning processes and formative experiences. As methodology, to obtain the data, I used
interviews with semi-structured questions and observations. Students were observed in
the different environments of the school and interviews with semi-structured, recorded
questions with the teachers of the class and other professionals. The aim was to
understand the perceptions that the teachers have about body and learning, acting in
classes of the 2nd year of Elementary School, municipal network. From these data, the
implications of their conceptions in the pedagogic process were analyzed. In the
theoretical basis the reflections were supported by Assmann (1995, 1998), Foucault
(2014), Maturana and Varella (2001), Merleau-Ponty (1994), Maturana and Verden-
Zöller (2004), Le Breton 2013), Hermida and Zoboli (2012), Strieder (2004), Lago (2014)
and others, about conceptions of body / body, learning and implications in the formative
experiences built throughout the history of humanity. I consider important in the process
of education and construction of knowledge, conceptions of body, corporeity, learning
and formative experiences, as an existential condition, which places the subject as being
in the world. The evaluations of the observations and interviews with the subjects
involved in the research were made articulating theory and practice, seeking a dialogue
with the various authors researched. It is perceived that an education based on the dualism
of body / mind still persists in school.
Keywords: Education. Formative experiences. Corporeity. Learning.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8
2 CORPOREIDADE: UMA HISTÓRIA ENVOLVENTE ...................................... 17
3 EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E CORPOREIDADE ..................................... 30
4 APRENDIZAGEM, UMA REDE DE INTERAÇÕES .......................................... 38
5 A CORPOREIDADE NO COTIDIANO DA ESCOLA ......................................... 50
5.1 ESCOLAS MUNICIPAIS ENVOLVIDAS NA PESQUISA .................................. 52
5.1.1 Escola Municipal Mateus Dal Pozzo .................................................................. 52
5.1.2 Escola Municipal Caetano Peluso ...................................................................... 55
5.2 PROCEDIMENTOS E COLETA ............................................................................ 56
5.3 RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO EMPÍRICA DOS EDUCANDOS NOS
DIVERSOS ESPAÇOS EM QUE CIRCULAM NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE
ENSINO FUNDAMENTAL MATEUS DAL POZZO DE PARAÍ E CAETANO
PELUSO DE PROTÁSIO ALVES/RS .......................................................................... 58
5.3.1 Escola Municipal de Ensino Fundamental Mateus Dal Pozzo ........................ 58
5.3.2 Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso ............................ 60
5.3.3 Reflexões a partir das observações feitas com os educandos ........................... 62
5.4 PESQUISA REALIZADA COM OS PROFESSORES DAS ESCOLAS E DEMAIS
PROFISSIONAIS QUE ATUAM NAS TURMAS DO 2º ANO ................................... 66
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 75
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 81
8
1 INTRODUÇÃO
A criança expressa, na sua corporeidade, aquilo que está sentindo, vivenciando e
aprendendo na educação infantil e primeiros anos do ensino fundamental. As aprendizagens
acontecem no corpo e com o corpo, pois “as estruturas não estão pré-formadas dentro do sujeito,
mas constroem-se à medida das necessidades e das situações” (PIAGET, 1987, p. 387), mas
também nas experiências com o meio onde está inserida. Pode-se dizer que o corpo é o primeiro
caderno no qual se escrevem as primeiras e mais profundas aprendizagens que vão durar por
toda a vida.
Nesta pesquisa, venho, com muito empenho, dedicação e sentimentos, escrever sobre
corporeidade, aprendizagem e suas implicações nas experiências formativas. O estudo
problematiza sobre o tema que tem a ver com minhas próprias experiências de vida e de tantas
outras experiências, como a de professores, alunos e cotidiano escolar, fundamentada na
contribuição teórica de autores e especialistas que escrevem e pesquisam sobre o assunto.
O tema escolhido, Corporeidade e aprendizagem: implicações nas experiências
formativas tem como problemática de estudo: como a corporeidade está presente nos processos
de aprendizagem e nas experiências formativas?
O assunto dessa pesquisa vai abordar as palavras corpo, corporeidade, aprendizagem,
experiências formativas e educação, buscando entender, à luz de vários autores, como a
corporeidade está presente no processo de aprendizagem e em cada situação das experiências
realizadas com o mundo à sua volta. Estas, são experiências que o ser humano vai reportando
ao corpo, pois, de acordo com Merleau-Ponty (1994, p. 114), “só posso compreender a função
do corpo vivo realizando-a eu mesmo e na medida em que sou um corpo que se levanta em
direção ao mundo”. Esse desempenho, que o corpo do ser humano realiza, são aprendizagens
que o educando alcança num todo, como destaca Fernández (1990, p. 57), “em todo processo
de aprendizagem estão presentes os quatro níveis (organismo, corpo, inteligência, desejo)”. A
aprendizagem não acontece caso se recuse algum desses estados. Este ser humano, transpassado
pela vontade de desejo, inteligência, envolve uma corporeidade, um corpo, onde o próprio
sujeito aprende, tem prazer, reflete, sofre e, a partir dessas vivências, busca uma reação
corporal.
Kant (1999), no livro Sobre a Pedagogia escreve que o ser humano é forçado a retirar
de dentro de si, aos poucos, o que tem de melhor para dar ao mundo.
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A aprendizagem e a corporeidade integram tudo o que somos. E é com essa corporeidade
que a criança/educando vai experimentando, experienciando novas e diferentes vivências de
mundo, sejam elas positivas ou negativas, avançando para novas aprendizagens.
Às vezes, esse corpo, que não costuma ser entendido e atendido na escola, ou até mesmo
em casa, pode estar doente, pedindo socorro, demonstrando essa situação em forma de
agressividade, agitação, sofrimento, manifestando-se em sintomas, como dores de barriga, de
cabeça, ânsia de vômito, dentre outras.
A corporeidade pode ser negada ao vivenciar problemas em casa com os pais, ou alguma
dificuldade com relação à aprendizagem escolar. Tanto os pais, quanto os professores, na sua
singularidade, podem não entender e nem compreender o que se passa com a criança/educando,
e o preconceituam de: desinteressado, hiperativo, inquieto, parado, agressivo, com déficit de
atenção, falta de vontade, entre outras denominações. Nessas manifestações adversas
demonstradas, a criança/educando pode estar solicitando um olhar, um afago, uma escuta mais
atenta para com ela, por parte dos professores, dos pais e da própria instituição. No tocante a
essas situações, Hermida e Zoboli (2012, p.11) afirmam em estudo realizado:
[...] que as influências da concepção cartesiana1, do disciplinamento dos corpos e da
supervalorização da cognição ainda prevalecem nas escolas nos dias de hoje.
Currículos escolares e as práticas educativas tradicionais [...]. O corpo das crianças é
suprimido do cotidiano escolar e disciplinado através de práticas pedagógicas que
sujeitam as crianças a ficarem horas sentadas numa carteira realizando atividades
escritas de um determinado conteúdo, e deixam de lado atividades que envolvam
ações, manifestações e expressões corporais.
Essas concepções que buscam controlar e manipular são, muitas vezes, realizadas sem
que o ser humano – professores, pais, cuidadores – tenham conhecimento das prováveis
implicações e das intervenções a médio e longo prazo. Entende-se que os modos de lidar com
o corpo são de grande importância para a vida humana, fato que tornaria mais real o
compromisso educacional com o desejo de cuidar do corpo, em todos os espaços, sejam sociais
ou escolares. Os professores precisam buscar luzes teóricas específicas para potencializarem
reflexões e debates sobre as formas de lidar com a corporeidade e respectivas implicações, sem
que sejam semeadoras de dor e sofrimento, mas sim de acolhimento, amorosidade, vendo o
educando na sua individualidade. Essa compreensão e forma de trabalhar leva o professor a ver
o educando como ele é. O professor teria que trabalhar no coletivo para que o educando aprenda
a conviver em grupos, com o sugere Freire (1989, p. 13), a escola deveria trabalhar em equipes,
1 Os autores Jorge Fernando Hermida e Mayam de Andrade Bezerra procuram analisar historicamente as raízes
das concepções atuais de corpo sugeridas ao longo da história.
10
“fazer trabalhos coletivos”, mexer com a emoção através das relações. Isso ocorre, sobretudo,
em momentos de recreação. A mesma, segundo Cavallari e Zacarias (1994) “é o momento ou
a circunstância, através da qual, o indivíduo satisfaz suas vontades e anseios relacionados ao
seu prazer de forma espontânea”. Ela deve ser escolhida de acordo com os interesses comuns
dos participantes, sobretudo no recreio, sendo que educandos com características idênticas têm
maior possibilidade de se aproximarem e se agruparem na busca da atividade recreativa que
mais se adapta ao seu comportamento.
A escola é um ambiente onde os pais levam os filhos para aprenderem saberes que não
são dados somente pelos professores, mas devem ser construídos pelo educando enquanto
experiências de seu mundo cotidiano. O educando quando chega à escola não vem como uma
folha em branco, traz um conhecimento, uma linguagem diferente da que vai aprender na
escola. Conhecimentos esses, que vai aprender ao relacionar as letras, números com as
experiências e vivência de seu mundo na relação com o outro e no meio onde se relaciona. No
aprender a ler, escrever, contar somar, dividir, subtrair entre tantas outras coisas, através do
brincar, rolar, dramatizar, que são expressões da corporeidade.
O educando tem desejos enormes em sua corporeidade para aprender a ler, escrever,
desenhar, pintar, brincar, mas, na maioria das vezes, a prática pedagógica se revela controversa
e o desejo de aprender da criança esbarra na lógica das concepções cartesianas2. Suportes
teóricos podem ampliar noções de cuidados corporais em contextos de contemporaneidade3.
A escola é vista, por alguns autores, como um espaço onde o educando recebe muitos
conhecimentos teóricos, matemáticos, empíricos, ficando boa parte do tempo sentado, com
poucas atividades de expressão corporal e artística. Essa lógica tradicional de escola, prisioneira
da concepção de aprendizagem como processo mental, leva educando e professor a um estresse
mental e cognitivo, pelo excesso, e corporal, pela ausência de manifestações e expressões
corporais. Fernández (1990) considera que o espaço educacional deve ser um ambiente de
confiança, de jogo e liberdade para que a aprendizagem possa ocorrer no corpo com fluidez e
prazer. Segundo a autora, “o corpo também é imagem de gozo, o dispor do corpo dá ao ato de
conhecer a alegria sem a qual não há verdadeira aprendizagem” (p. 60).
Para Freire (1989), a “tarefa da escola é pegar tudo que a pessoa faz fora dela e dar uma
linguagem mais elaborada”, pois o que ela traz consigo, de sua cultura, são brincadeiras do faz
2 A lógica cartesiana apresenta o corpo como diversas partes isoladas não contemplando a visão do corpo como
um todo. 3 Por contemporaneidade entendemos que é o período específico em que nos encontramos atualmente. Iniciou com
a Revolução Francesa e foi fortemente marcado pela corrente filosófica iluminista.
11
de conta, onde seu corpo, é a peça principal do jogo, da brincadeira, dos movimentos e, essa
“ação corporal é a fonte das produções humanas” (p. 13), construídas diariamente. É aquela
onde o educando, segundo o autor:
Para uma pessoa desenvolver um sentimento de amor, precisa de uma fonte. Essa
fonte será, provavelmente, a relação corporal que ela vai ter com as outras pessoas, o
que vai ver nas outras pessoas e em si mesma, o que vai tocar nas outras pessoas, o
que ela vai abraçar, o coração que vai palpitar e assim por diante. Para compreender
uma operação aritmética, terá que subir em lugares altos, mais baixos, percorrer
distâncias maiores, menores, cansar mais, cansar menos. Uma comparação de
quantidade nascerá desse equacionamento que uma pessoa faz de suas ações de correr,
andar, dormir, comer mais e menos, de jogar, de lançar um objeto. A matemática é
uma representação desse tipo de ação (FREIRE, 1989 p. 13.)
Educar e conhecer não é tarefa fácil. Ambas podem ocorrer se houver efetiva
preocupação para trabalhar com criatividade, fomentando experiências de aprendizagens em
que o educando constrói saberes para vivenciar seu cotidiano em convivência com outros e com
o entorno ambiente. Essas informações priorizam a corporeidade viva, pois conforme Assmann
(1998), “o corpo é, do ponto de vista científico, a instância fundamental para articular conceitos
centrais para uma teoria pedagógica. Somente uma teoria da corporeidade pode fornecer as
bases para uma teoria pedagógica” (p. 34). O conhecimento dos “processos auto organizativos
da corporeidade viva” (p. 34), possibilita uma pedagogia como metamorfose com
reconhecimento das surpresas e dos imprevistos. Então, todo e qualquer saber terá um registro
corporal e para que na escola um agir pedagógico possa desenvolver e criar as bases para uma
teoria pedagógica eficiente, o professor deve estar em constante aperfeiçoamento, renovando
esse agir pedagógico, pois a complexidade cotidiana do modo de vida humano assim o exige.
A corporeidade é o que o ser humano constrói a cada instante, na relação com o outro e
com o mundo e que, é por meio do corpo que existimos que nos relacionamos com os demais
seres. A aprendizagem, no dizer de Assmann (1998), é uma rede de interações neuronais
complexas, dinâmicas e auto organizativas da corporeidade viva, na relação com o seu meio. É
preciso aprimorar as formas de operações reflexivas e de compreensão no âmbito escolar e
social, já que, conforme Isele e Strieder, muitas vezes:
As novas formas de intervenção, de controle e de manipulação são realizadas sem que
as pessoas tenham consciência das possíveis implicações de médio e longo prazo.
Então, cremos ser de grande relevância compreender melhor esses “jeitos de lidar”
com o corpo, no decorrer da história, para visualizar um compromisso educacional
com a criação do desejo de cuidado com o corpo, tanto em âmbito social, quanto
escolar. Também conhecer luzes teóricas capazes de potencializar debates e reflexões
sobre as novas formas de intervenção no corpo e respectivas implicações. E como
12
esses suportes teóricos podem ampliar noções de cuidado como forma de evitar exage-
ros nas práticas de intervenção corporais, muitas vezes irreversíveis (2014, p. 544).
A instituição escolar é um dos ambientes onde o sujeito - criança, adolescente, professor
– realiza experiências formativas, é espaço para reflexões, indagações, construção do
conhecimento e também de interações com o outro. A aprendizagem não é somente uma
dimensão intelectual, mas vincula-se às emoções, percepções, imaginações, entendimentos e
intersubjetividades, que acompanham os conteúdos e o imaginário de cada ser histórico
humano, em contextos de contemporaneidade. Na visão de Merleau-Ponty (1994, p. 207),
enquanto o corpo, a corporeidade, contextualizada, está diante de mim e oferece suas variações:
“[...] eu não estou diante do meu corpo, estou em meu corpo, ou antes, sou o meu corpo”, o
acúmulo dessas construções de experiências visuais, táteis formam o conjunto na percepção do
próprio corpo.
Pensar o corpo e tentar compreender melhor faz parte do desafio educacional, pois o
corpo é nosso referencial com o mundo. É por meio dele que existimos e nos relacionamos com
os demais seres. A partir do conhecimento do corpo, seja na dimensão da fenomenologia de
Merleau-Ponty (1994), e/ou na luz de outros autores, precisa-se salientar a prioridade ao corpo,
delinear concepções como sujeito, que por meio de experiências, percebe-se e aparece diante
de sua presença enquanto corpo no mundo. A corporeidade se manifesta efetivamente pelos
sentidos, pelo gesto, pela mão que toca, sente e partilha emoções e significados, enquanto se
realiza como ser humano. De acordo com Vasquez (2007, p. 229), “o homem afirma-se, criando
ou humanizando o que toca”. O ser humano é um artista que busca dar forma ao que e com
quem está interagindo no momento. Enquanto ser no mundo, dependendo das experiências que
realiza, o ser humano registra-as em sua corporeidade, enquanto as vivencia e as aperfeiçoa. E,
nesse sentido, além da família e do meio cultural, compete à escola proporcionar ações, onde o
educando possa utilizar não só o corpo, mas também os movimentos, como forma de
desenvolver a criatividade e as habilidades de conhecimento, como interação social e relação
interpessoal, convivendo num mundo, permitindo que a aprendizagem se solidifique pelo corpo
e no corpo.
Busca-se investigar e observar se a escola dá a devida importância para a corporeidade
e aprendizagem na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Já que o
objetivo geral da pesquisa de campo é investigar e observar, em cotidianos escolares se a
corporeidade do educando é compreendida pelo professor e se a mesma está presente na
aprendizagem escolar e nas experiências formativas.
13
O foco da pesquisa de campo é observar como a corporeidade e a aprendizagem está
presente nas experiências formativas. Para realizar a investigação sobre o tema de estudo, fiz
uso de descritores como: corporeidade, aprendizagem, experiências formativas aliadas à
educação. Visitei o acervo de Dissertações e Teses da Biblioteca da Unoesc/Joaçaba. Também
pesquisei no Banco de Teses e dissertações da Capes, do ICAP, IBICT e INTERNET, entre
outros e selecionei os que mais se aproximavam com o tema de pesquisa. Além da busca teórica,
a investigação foi conduzida no espaço escolar com observações nas relações estabelecidas
entre professor x educandos, educandos x educandos.
A questão principal é: investigar, em cotidianos escolares, se a corporeidade do
educando é compreendida pelo professor e se a mesma está presente no processo de
aprendizagem e nas experiências formativas. A partir dessa questão, seguem os demais
questionamentos: a) De que diferentes formas se manifesta a corporeidade entre educandos x
professores e educando x educando no espaço escolar? b) Na perspectiva das experiências
formativas, como se manifesta a corporeidade do educando e do professor?
O objetivo geral da pesquisa foi investigar e observar em cotidianos escolares, se a
corporeidade do educando é compreendida pelo professor e se a mesma está presente na
aprendizagem escolar e nas experiências formativas. Para tanto, foram delineados os seguintes
objetivos específicos: a) buscar teoricamente conceitos de corporeidade, aprendizagem e
experiências formativas; b) observar, no espaço escolar, como se manifesta a corporeidade dos
educandos e professores investigados, em relação ao processo de aprendizagem. c) observar a
chegada dos educandos à escola, na entrada para a sala de aula, na sala de aula, no recreio e na
saída da escola.
A partir de observações a pesquisa propõe, na concepção do pensamento de vários
autores, compreender como o educando expressa sua corporeidade nas experiências cotidianas,
suas decorrências na aprendizagem e articulações nessa inter-relação corporal com o outro, com
sua própria transformação, validando sua constituição como ser no mundo por meio de
experiências formativas, no meio escolar e social. Conforme Gatti, (2012, p. 15), “a
identificação do campo das pesquisas em educação tem sido objeto de análises mais intensas
nos últimos anos”. A autora apresenta “três aspectos que interferem” nesta identificação de
reflexão científica dos espaços a serem preenchidos nas “ciências humanas e sociais”, tais
como: “o das denominações e conceitos utilizados, a própria ideia de campo nas questões de
identidade e formas investigativas”. O último aspecto se une nas aberturas da pesquisa em
educação e nas relações que se constroem com o social.
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Pensar educação é sem dúvida alguma colocar em foco a corporeidade, pois vivemos
um momento em que a educação se encontra com ideias contrárias ao que lhe é proposto na
prática pedagógica, onde o discurso encaminhado para reflexões e a complexidade ainda se
distanciam das práticas de ensino que continuam voltadas, em grande parte, para um ensino
tradicional.
Conceber a pesquisa educacional como objeto de estudo a partir do tema Corporeidade,
aprendizagem, experiências formativas, remete-nos a entender o significado das palavras-
chave: corpo, corporeidade, aprendizagem, experiências formativas e educação.
Conforme Strieder (2004, p. 291), “a aprendizagem necessita ser compreendida como
algo não linear e nem fragmentário”, mas “no limiar da ordem para o caos e do caos para a
ordem”, pois não tem como prever, determinar, calcular, porque ela é única, ela acontece no
corpo, é corporal, é um constante fazer e desfazer, que no caminhar das fronteiras do aprender
vai (des) construindo para (re) construir novos saberes, conhecimentos e experiências de
aprendizagens.
Para Richardson, o objetivo fundamental da pesquisa qualitativa está no
aprofundamento das entrevistas e nas “análises qualitativas da consciência articulada dos atores
envolvidos na pesquisa” (RICHARDSON, 2008, p. 102). Richardson faz referência aos
processos metodológicos em que as pesquisas qualitativas do campo da investigação utilizam-
se, em particular, das “técnicas de observação e entrevistas, devido à propriedade com que esses
instrumentos penetram na complexidade de um problema” (p. 82).
Na sequência, o autor afirma que os “instrumentos utilizados” (2008, p. 87) e aplicados
para um mesmo grupo nos dão um maior delineamento para a confiabilidade do método
qualitativo e a sua validade, produzindo intervenções próximas entre o pesquisador e os sujeitos
envolvidos na pesquisa, possibilitando-lhes detalhes das informações coletadas para se fazer
uma boa análise e chegar a um maior entendimento das questões pesquisadas.
Conforme Zanten (2004, p. 27), há dois aspectos importantes a considerar na pesquisa.
O primeiro trata do desenvolvimento do conhecimento e o outro do papel do conhecimento
científico, “para nos ajudar a refletir sobre os métodos de investigação, sobre a maneira como
levantamos e interpretamos os dados coligidos, como utilizamos e restituímos os resultados”.
Para Gaskell (2010, p. 68-69) “a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar
opiniões ou pessoas, mas, ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes
representações sobre o assunto em questão” a partir das quais o “pesquisador” deverá refletir,
e de como este local pode ser “segmentado com relação ao tema”. O objetivo é elevar, ao
15
máximo, as oportunidades de compreender e incluir as distintas formas tomadas pelos
componentes do contexto social.
Este é um estudo na linha de Pesquisa de “Processos Educacionais” do Programa de
Mestrado em Educação da UNOESC, e a abordagem de investigação será qualitativa e num
contexto como o descrito por Gatti,
Resta-nos, então, considerar questões do tipo; como colocamos nossos problemas de
investigação? O que é uma questão que pode sem dúvida ser qualificada como de
pesquisa em educação? Qual o nosso foco? Então, temos que pensar o que constitui
uma ótica propriamente educacional, portanto, considerar de onde partimos e onde
queremos chegar. A educação é o ponto de partida e de chegada? (GATTI, 2012, p.
20).
A presente pesquisa de campo foi realizada por meio de investigações e observações
de professores e educandos, no exercício de atividades pedagógicas em duas escolas públicas
municipais de ensino fundamental. Escola municipal de ensino fundamental Caetano Peluso,
situada na zona urbana do município de Protásio Alves e na Escola Municipal Matheus Dal
Pozzo, centrada na cidade de Paraí. Ambos os municípios estão localizados no interior da serra
gaúcha. A amostra de pesquisa foi composta por educandos de 2º ano do Ensino Fundamental,
seus respectivos professores e demais profissionais que atuam com a mesma turma. Além de se
submeterem à observação, os professores participaram de uma entrevista individual com
questões semiestruturadas e gravadas.
O trabalho inicia com estudo bibliográfico, tendo o intuito de aprofundar a questão da
corporeidade, aprendizagem e implicações nas experiências formativas. Em seguida, através da
pesquisa de campo, observar no cotidiano escolar, como a corporeidade se manifesta no
educando, se a mesma está presente na aprendizagem escolar e de que formas o professor
compreende o mesmo nas suas múltiplas manifestações corporais, com relação às experiências
formativas.
Esta pesquisa está estruturada, além dessa introdução, em mais três segmentos. O
segundo capítulo, Corporeidade, uma história envolvente, busca trazer concepções teóricas à
luz de autores como: Merleau-Ponty (1994), Assmann (1995, 1998); Le Breton (2013);
Foucault (2014); Hermida e Zoboli (2012), Fernández (1990, 2001), Strieder (2004),
Gonçalves, (2012); Descartes (1987); Hermann (2011, 2014); Agamben (2009), entre outros
que aprofundaram a questão corporeidade e aprendizagem.
Quanto ao terceiro capítulo trata de Experiências formativas e corporeidade no
pensamento de autores como: Gadamer (2005, 2015); Maturana (2004); Maturana e Verden-
16
Zöller (2004); Lago (2014); Hermann (2002, 2010); Lago e Farinon (2014); Strieder (2004),
entre outros.
O quarto capítulo, A aprendizagem, uma rede de interações, tem por objetivo trazer
conceitos de aprendizagem à luz de diversos autores como: Maturana e Varela (2001);
Maturana e Verden-Zöller (2004); Basso (2012); Fernández, (1990; 2001); (ASSMANN, 1998,
2001); Gonçalves (2012); Morin (2000); Strieder e Zimmermann (2012); Dalpiaz (2014), entre
outros.
No quinto capítulo, A corporeidade no cotidiano da escola, primeiramente aborda a
contextualização das referidas escolas-alvo desta pesquisa e, na sequência, apresenta a análise
dos dados pesquisados nas escolas, como se manifesta a corporeidade nos processos de
aprendizagem que implicam nas experiências formativas, à luz dos autores estudados, ou seja,
Maturana (1998, 2001), Maturana e Varela (2001), Maturana e Verden-Zöller (2004), Merleau-
Ponty (1994, 2000), Fontanella (1995), Restrepo (1998), Strieder (2004), Strieder e
Zimmermann (2012), Gonçalves (2012), Assmann (1995; 1998) entre outros.
Nas considerações finais, apresento os resultados coligidos e de que forma os mesmos
contribuem nas relações que ocorrem no espaço escolar, com referência à corporeidade e
aprendizagem e suas implicações nas experiências formativas, entre professor/educando,
educando/educando. Também faço reflexões sobre o pensamento e a visão dos professores
entrevistados na pesquisa empírica com questões semiestruturadas e gravadas.
17
2 CORPOREIDADE: UMA HISTÓRIA ENVOLVENTE
O corpo forma parte da maioria das aprendizagens, não só como signos, mas como
instrumento de apropriação do conhecimento. O corpo é signo pois através dele
realizam-se as demonstrações, “como fazer”, mas sobretudo por que através do olhar,
as modulações da voz e a veemência do gesto canalizam-se o interesse e a paixão que
o conhecimento significa para o outro (FERNÁNDEZ, 1991, p. 60).
Este capítulo reúne a contribuição de autores refletindo algumas concepções sobre
corporeidade e aprendizagem. Trata-se de concepções de corporeidade de acordo com o
pensamento no mundo ocidental, da antiguidade até a contemporaneidade.
Corporeidade vem sendo tema de reflexão e debate nas áreas de Educação, Educação
Física, Fonoaudiologia, Psicologia, Fisioterapia, Psicopedagogia, entre outras, como uma
definição que integra tudo aquilo que somos: corpo, mente, espírito, movimento, a relação com
o eu, com os demais seres e tudo o que nos rodeia. A corporeidade traz as marcas de um corpo
cheio de significados para um mundo de relações e de convívio com o meio onde o sujeito está
inserido, interage consigo mesmo, com o outro e com todos os demais seres e objetos a sua
volta.
As várias maneiras de pensar o corpo, o modo como o ser humano vem se relacionando
consigo mesmo, na sociedade, natureza e mundo, acontecem no meio, na cultura onde o
indivíduo está inserido. Essas formas de interação com o mundo não são estáveis, pois sofrem
influência e mudanças do ser humano em decorrência do seu processo histórico e de sua
construção humana. Zoboli (2012) afirma que “o existir humano se dá através do corpo”, pelo
pensar, sentir e agir consigo mesmo, com o outro e o mundo, no transcurso de sua história.
Desta forma propõe-se uma breve contextualização do corpo, considerando as concepções
sobre o mesmo na história filosófica, com aspectos que vão desde a Idade Antiga à Idade
Contemporânea, destacando como cada tempo observou, viu o corpo e o definiu (ZOBOLI,
apud, HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 15-17).
Na Idade Antiga, segundo Zoboli (2012), o corpo fora visto e conceituado, seguindo o
curso da história do evoluir humano, através de binômios “união/separação, corpo/alma e
sensível/inatingível”. Ainda conforme o autor, no pensamento de outros filósofos, essa
disposição aparece, “na Grécia Antiga com Pitágoras, Parmênides e Sócrates”, mas tem como
seu maior ídolo em Platão:
18
Platão (427-347 a. C) fez nascer no pensamento filosófico uma profunda ruptura entre
o mundo inteligível/mente e o mundo sensível/corpo. Para Platão, o homem era
dividido em corpo e alma. No diálogo Fédon, Platão afirma que a alma tem como
função comandar o corpo e o corpo tem como função a obediência à alma. (ZOBOLI,
apud HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 17).
No diálogo de Fédon, Platão nos diz que a alma e o corpo não podem existir um sem o
outro, pois os dois se completam. Entretanto, mesmo complementando, Platão deu margem para
uma hierarquia, na qual a alma é tida como superior ao corpo, a razão superior à sensibilidade,
ou seja, há uma divisão do pensamento sobre alma e corpo, sensível e inteligível. Para
Aristóteles, discípulo de Platão, no dizer de Zoboli (2012) “a alma está definida por esse
filósofo, não somente como ato da matéria em ordem ao conjunto dos elementos corpóreos,
mas ao conjunto de órgãos de um corpo físico que tem vida em potência”. Ou seja, a alma não
é só responsável “pelo pensamento, mas também pela sensação, pela nutrição, pelo apetite,
dentre outros”. A alma como “princípio de vida” na “relação mecânica com o corpo”,
transforma-se como potência “força motora da metafísica” (p. 19). A posição de Aristóteles tem
uma perspectiva diferenciada da de Platão, embora mantenha a dicotomia entre alma e corpo.
Aristóteles sublinha a sensibilidade em relação ao plano do pensamento (ZOBOLI, apud,
HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 19). Na Idade Antiga frisou-se mais a relação corpo e alma,
como elementos de uma visão dualista.
Para os cristãos, todas as obras, preces e iniciativas apostólicas, vida matrimonial e
familiar, trabalho cotidiano, descanso do corpo e da alma e mesmo as dificuldades da vida, se
praticadas no Espírito, suportadas pacientemente tornam-se, a forma que os cristãos consagram
a Deus o próprio mundo/corpo. Prestando a Ele, em toda parte, na santidade de sua vida, um
culto de adoração.
Para os cristãos, na Idade Média, era justo oferecer a Deus sacrifícios em sinal de
adoração e de reconhecimento, de súplica e de comunhão: "É verdadeiro sacrifício toda ação
feita para se unir a Deus em santa comunhão e poder ser feliz" (CATECISMO DE A à Z). Para
ser verídico, o sacrifício externo deve ser a expressão do sacrifício do espírito: "Meu sacrifício
é um espírito contrito" (BIBLIA SAGRADA, Sl 51,19, 1991 p. 725). O único sacrifício perfeito
é o que Cristo ofereceu na cruz, em total oblação ao amor do Pai e para os cristãos, salvação.
Unindo-se a seu sacrifício, o cristão pode fazer de sua vida um sacrifício a Deus.
O momento do Sacrifício tem na Eucaristia o seu Ápice. Santo Agostinho resumiu
admiravelmente a doutrina que incita a uma participação cada vez mais completa no sacrifício
de nosso redentor, que é celebrado na Eucaristia:
19
Este é o sacrifício dos cristãos: "Em muitos, ser um só corpo em Cristo" (Rm 12,5). E
este sacrifício, a Igreja não cessa de reproduzi-lo no sacramento do altar bem
conhecido pelos fiéis, onde se vê que naquilo que oferece, se oferece a si mesma
(CATECISMO DE A-Z).
Observo, e é visível não só na Idade Média, mas ainda hoje, muitos cristãos que
sacrificam o próprio corpo. Através dos atos de ajoelhar-se, sofrer, fazer romarias, caminhadas,
jejuns, subir escadas como forma de remissão dos pecados. Em forma de oferecimento, ou até
mesmo “Promessas”. Fatos que para os católicos significa que, fora da Cruz não existe outra
escada por onde subir ao céu. Para os cristãos não há distinção corpo e alma, mas que o corpo
sacrificado, redime a alma do pecado. Que sacrificando o corpo paga pelos seus erros, ou pede
algo em troca.
Na Idade Média a Igreja, conforme Zoboli (2012) destaca o pensamento de seus
“filósofos e doutores, como São Francisco de Assis, São Paulo Apóstolo, Santo Agostinho e
São Tomás de Aquino”, cristalizando “a visão dualista do ser humano concebida na Idade
Antiga por Platão”. Essas concepções atribuíam ao corpo e aos seus desejos “conotações
relacionadas ao diabo/satanás – pecado – e, a alma/espírito” implicações de “Deus/salvação”
(ZOBOLI, apud, HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 22).
Esses discursos filosóficos constituíram argumentos e justificativas para os métodos
propagados pela igreja católica, de submissão do corpo à alma, de que, “o corpo é sacrificado
a fim de elevar a alma a uma condição mais próxima do divino” (p. 22). Os escritos de São
Paulo, no livro do Novo Testamento da Bíblia, segundo Zoboli (2012, p. 23) trazem como
questão afirmativa do evangelista: “não sabereis que o vosso corpo é um templo do Espírito
Santo que está em nós e que já não pertenceis a vós mesmos?”. Esses documentos referenciam
o corpo como templo do Espírito Santo, “morada do sopro divino” (p. 23). Corpo dado como
sendo a edificação da alma que o aviva e o faz pertencer a essa edificação divina. Para o autor
(2012, p. 25), no pensamento cristão, “é no corpo que se alojam o pecado e as fraquezas do
homem, que devem, através de seu espírito, buscar a santidade. Para a alma se purificar e chegar
até Deus, o corpo precisa ser sacrificado” (p. 25) e “o preço que ele paga para ter acesso a essa
eternidade é a renúncia de seu próprio corpo” (p. 26). Essa dominância do pensamento católico
que minimiza a vida terrena, corporal, em prol da vida eterna, prometida através da redenção
dos pecados corporais, vai sofrer alguma mudança no advento das ciências biológicas. A partir
do aparecimento “da anatomia e o advento da medicina, o corpo deixou” de ser olhado somente
como uma ‘marionete divina’, sendo observado pelo “viés da ciência” (p. 31) (ZOBOLI, apud
HERMIDA E ZOBOLI, 2012).
20
Com o desenvolvimento das ciências, no fim da Idade Média, a Igreja Católica vê
diminuído seu privilégio de sabedoria exclusiva. As grandes descobertas, as navegações e a
matemática de Newton levaram a história para uma nova etapa, uma nova fase na qual a ciência
toma o lugar da religião, mas sem reverter as relações dicotômicas, pois a razão, sucedâneo da
mente/alma, continua sua primazia sobre o corpo.
Com efeito, ao aceitar a separação de corpo e espírito como entidades que se negam
mutuamente, inicia-se, para nós e para os demais, um sofrimento que só pode
desaparecer com uma experiência de unidade que os junte de novo (MATURANA;
VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 129).
O corpo sempre foi objeto de questionamentos, porém, durante a era clássica, segundo
Foucault (2014), encontram-se sinais de uma “grande atenção dedicada ao corpo - ao corpo que
se manipula, modela-se, treina-se, que obedece, responde, torna-se hábil ou cujas forças se
multiplicam” (p. 134). Ainda, conforme o autor, o corpo dócil torna-se objeto de manipulação,
de métodos “que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade”, que se pode chamar de “disciplina”, processos disciplinares “nos
conventos, nos exércitos, nas oficinas” (p. 135), conforme afirma o autor.
“O ‘homem-máquina’ de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da
alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de
‘docilidade’ que une ao corpo analisável, o corpo manipulável. É dócil um corpo que
pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e
aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2014, p.134).
Certamente, não é a primeira vez, que o corpo é objeto de investimentos tão autoritários
e imediatos e, na maioria das sociedades, ele fica preso no interior de poderes muito estreitos,
que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações, fazendo com que sinta, experimente a
repressão, sentindo-se como que preso a comandos.
O controle e a eficácia dos movimentos, bem como sua organização interna, realizam-
se sobre as forças e os sinais emitidos pelo corpo. Suas modalidades implicam em um processo
constante que atenta aos processos de atividades mais do que sobre seus resultados, exercendo
uma conversão que separa ao máximo, o tempo, o espaço e os movimentos. Essas formas são
as que permitem controle cauteloso que opera a sujeição das forças e lhe impõem uma troca de
docilidade e utilidade, que são as chamadas “disciplinas”.
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo
humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades, nem tampouco
aprofundar sua sujeição, mas à formação de uma relação que no mesmo mecanismo o
21
torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. (FOUCAULT, 2014,
p. 135).
A disciplina, segundo Foucault, busca produzir “corpos submissos” e, na medida em
que se deixa levar pela “maquinaria do poder” o torna dependente, realizando um domínio sobre
os corpos dos outros, tornando-os corpos dóceis (p. 135). Essa repressão disciplinar forma no
corpo o elo de coerção como uma habilidade maior e de uma superioridade relevante. “A
disciplina é uma anatomia política do detalhe” (p. 137) e uma “mecânica do poder” (p. 135),
agindo sobre o corpo como deseja, com os métodos, agilidade e a potência com que se origina.
“O tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder” (p. 149). O corpo
do ser humano, quando se dispõe a disciplinas, ordens, manipulação, transforma-se em um
objeto “que se pode colocar, mover, articular com outros” corpos (p. 161). “O corpo se constitui
como peça de uma máquina multissegmentar” (FOUCAULT, 2014, p. 162).
Kant coloca a disciplina como aspecto fundamental na formação humana transformando
a animalidade em humanidade. O ser humano é “a única criatura que precisa ser educada”. E,
por educação, Kant entende “o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e
a instrução com a formação”, sendo o sujeito “educando e discípulo” (1999, p.11).
A selvageria consiste na independência de qualquer lei. A disciplina submete o
homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis. Mas
isso deve acontecer bem cedo. Assim, as crianças são mandadas cedo à escola, não
para que aí aprendam alguma coisa, mas para que aí se acostumem a ficar sentadas
tranquilamente e a obedecer pontualmente àquilo que lhes é mandado, a fim de que
no futuro elas não sigam de fato e imediatamente cada um de seus caprichos (KANT,
1999, p. 13).
Na modernidade as ideias cartesianas são como o mundo se mostra, ou seja, “tal como
ele se apresenta ao intelecto”, composto somente por uma expansão da “essência da
corporeidade”. Que, para Descartes,
a passagem da certeza a respeito da existência do pensamento (res cogitans) para a
certeza sobre a existência do mundo físico (res extensa) pressupõe, assim, o apoio em
Deus (res infinita). Deus serve de intermediário entre duas certezas: a de que “sou
uma coisa que pensa” e a de que tenho realmente um corpo (DESCARTES, 1987, p.
XVIII).
Descartes sustenta duas finitudes, a do pensamento e da extensão do mundo físico
existentes no ser humano, uma dualidade entre corpo/alma responsável pela articulação entre
corpo/mente. Zoboli (2012), no pensamento de vários pensadores, nos diz que, enquanto
Descartes sustenta a supremacia da razão, encontramos na fase tardia da modernidade o
22
pensamento de Espinosa (1632-1677), a dualidade mente/corpo não faz sentido, sendo
necessário afirmar “a existência de somente uma realidade” (p. 35). Na sequência o autor nos
diz que, Pascal (1623-1662) “tece fortes críticas a Descartes”, elaborando normas filosóficas
centradas “na contraposição” de dois componentes essenciais, mas “não excludentes do
conhecimento” (p. 35). Que são eles: “a razão - que tende ao lógico e ao exato – e o coração –
que transcende o mundo exterior e é capaz de aprender o inefável e o sagrado” (p. 35, grifos do
original). O autor, seguindo o pensamento de Pascal, funda uma expressão que atravessa o
tempo e resume sua doutrina: “o coração tem razões que a própria razão desconhece” (ZOBOLI,
apud, HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 36).
O pensamento moderno coloca o corpo como o outro da razão, porém diferentes
concepções não mais percebem a vida como impulso divino e o corpo começa a ser considerado,
a partir de Arthur Schopenhauer (1788 -1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900), não mais
como oposição corpo e alma, pois afirmam que “estamos profundamente ligados por um
processo vital, que traz consigo a força das pulsões instintivas” (HERMANN, 2014, p. 64).
Zoboli (2012), a respeito do pensamento contemporâneo de Friedrich Nietzsche, afirma
que o filósofo alemão, ao “apontar suas armas ao Estado, à Igreja e à ciência”, desorganiza
“toda uma forma de pensamento científico e moral da história filosófica” (p. 36). Para o autor,
seguindo as ideias de Nietzsche, abre-se um espaço central no propósito de transportar “o corpo
como objeto para o pensamento e o conhecimento” (ZOBOLI, apud, HERMIDA E ZOBOLI,
2012, p. 36).
Conforme a obra A Gaia Ciência, Nietzsche nos afirma,
com bastante frequência, eu me perguntei se, calculando por alto, a filosofia até agora
não foi em geral somente uma interpretação do corpo e um mal entendido sobre o
corpo. Por trás dos mais altos juízos de valor, pelos quais até agora a história do
pensamento foi guiada, estão escondidos mal-entendidos sobre a índole corporal, seja
de indivíduos, seja de classes ou de raças inteiras. (NIETZSCHE, 2001, p. 190).
Para o autor, a “história do pensamento” foi conduzida e oculta a “mal-entendidos” a
respeito do caráter “corporal” em todos os tipos de cultura. (ZOBOLI, 2012, p. 36).
Nietzsche, em Assim falava Zaratustra, refere-se àqueles que desprezam o corpo
dizendo:
Eu sou corpo e nada mais. A alma é apenas designativo de qualquer coisa do corpo.
O corpo é uma grande razão, uma pluralidade com um só sentido, uma guerra e uma
paz, um rebanho e um pastor. [...] há mais razão em teu corpo do que em tua melhor
sabedoria. E quem sabe por que é que teu corpo necessita precisamente de tua melhor
sabedoria? (NIETZSCHE, 2012, p. 39).
23
Já Marques (1989) valoriza os conceitos de Nietzsche sobre o corpo e a vontade de
potência, que se estabiliza na medida em que avançam para novos caminhos de compreensão,
“produzindo a singularidade e a diferença”. No dizer da autora, “o fio condutor do corpo será
como o fio de Ariadne que orientará a experiência nos termos desconhecidos da singularidade
e da diferença” (MARQUES, 1989, p. 59, apud HERMANN, 2014, p.78).
Por sua vez, Hermann, em seu artigo Breve investigação genealógica sobre o outro
(2011), introduz a relação entre o outro e o corpo, sugerindo alguns conceitos que compreendem
as dificuldades de relação com o outro. Assim, procura entender, a partir da teoria platônica,
perguntando-se por que “o estranho ou o outro se situa no corpo e no afastamento penoso das
pulsões e dos afetos”. Nesse entendimento de natureza humana, no qual “o corpo é o outro da
alma”, ambos se tornam desconhecidos “à própria identidade de si”. O corpo compreende “a
multiplicidade, a pluralidade da realidade”, do que é palpável e “as coisas que se mantêm
idênticas não é possível apreender de outra forma, senão com o raciocínio da inteligência”
(HERMANN, 2011, p. 139). A alma, conserva a identificação com ela mesma, pelo seu
desempenho racional, enquanto que o corpo, instigado pela diversidade sensível, estimula-se
para o afastamento da união. Na sequência, a autora declara que, embora sejam evidentes as
muitas formas de entendimento e reflexões, “há algo que escapa, projeta o eu em algo
inexcedível e independente, fratura a identidade e traz a existência do outro, seja no plano
corpóreo, das ações, do imaginativo ou daquilo que amedronta” (HERMANN, 2011, p. 140).
Hermann encontra, na filosofia de Schopenhauer e Nietzsche, forças que conduzem ao
avanço de um processo vital, que ultrapassa a oposição corpo e alma. Schopenhauer coloca o
corpo como sendo o centro, não porque “queira contrapor-se à ideia idealista do mais além da
alma”, mas para acabar com a ilusão de que é possível fugir à tirania desse corpo. (HERMANN,
2014, p. 64-66).
Friedrich Schiller (1759 -1805) abre caminhos, com sua obra A formação estética da
humanidade, em que o ser humano encontra-se dividido entre o impulso formal, quando age
levado exclusivamente pela razão e pelo impulso sensível o humano age levado pela sua
natureza sensível. Schiller traz o impulso lúdico que é a maneira em que os dois impulsos atuam
juntos. “O impulso sensível torna contingente a nossa índole formal, e o impulso formal torna
contingente nossa índole material” (2015, p. 70), assim:
O impulso lúdico, portanto, no qual ambas atuam juntas, tornara contingentes tanto
nossa índole formal quanto a material, tanto nossa perfeição quanto nossa felicidade;
justamente porque torna ambas contingentes, e por que a contingência também
24
desaparece com a necessidade, ele suprime a contingência nas duas, levando forma à
matéria, e realidade a forma (SCHILLER, 2015, p. 70).
A partir de Schiller a corporeidade também pode ser pensada em outra perspectiva, uma
vez que não somos somente matéria, tampouco somente espírito, mas a conjugação de ambos.
Um dos aspectos do pensamento contemporâneo é retomar, sem se opor, os diferentes
modos de pensamentos concebidos pela humanidade. Há uma relação com o passado que,
segundo Agamben (2009, p. 58) remonta a afirmação de Nietzsche “o contemporâneo é o
intempestivo”, é algo a ser atualizado, desconectando-se e dissociando-se do presente. A
contemporaneidade é vivenciada no presente, relacionando-se primeiramente como arcaica,
para depois ser percebida como moderna. “Os índices e as assinaturas do arcaico” (AGAMBEN
2009, p. 58) são, dessa forma, o contemporâneo do moderno onde, a possibilidade de vivermos
na sociedade atual constitui-se uma presença que não somente sente e acolhe, mas também,
responde aos questionamentos do tempo presente.
Aqueles que procuraram pensar a contemporaneidade puderam fazê-lo apenas com a
condição de cindi-la em mais tempos, de introduzir no tempo uma essencial
desomogeneidade. Quem pode dizer: ‘o meu tempo’ divide o tempo, escreve neste
uma censura e uma descontinuidade; e, no entanto, exatamente através dessa censura,
dessa interpolação do presente na homogeneidade inerte do tempo linear, o
contemporâneo, coloca em ação uma relação especial entre os tempos. Se, como
vimos, é contemporâneo quem fraturou as vértebras do seu tempo (ou, ainda, quem
percebeu a falha ou o ponto de quebra), ele faz dessa fratura o lugar de um
compromisso e de um encontro entre os tempos e as gerações (AGAMBEN, 2009, p.
71).
Contemporâneo, na visão de Agamben (2009, p. 72), é aquele que não somente percebe
o “escuro do presente”, mas o assimila na sua determinada clareza e, “é também aquele que,
dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com
os outros tempos, de nele ler, de modo inédito”, não só a história em si, mas também a história
da corporeidade, a história do ser humano. Contemporaneidade é como um acontecimento que
tem a capacidade de transformação, em que um tempo se coloca em relação a outros tempos,
podendo interpretar de maneira original a história, mencionando-a segundo uma exigência que
não procede de modo algum de “seu arbítrio, mas de uma exigência a qual não pode responder”
(AGAMBEN, 2009, p. 72).
Na visão de Gonçalves (2012, p. 84), a época contemporânea mostra o ser humano em
avanço, assumindo a consciência de suas capacidades de modificar sua vida social, incentiva e
valoriza “o sentido da história”. As mudanças ocorrem somente com as modificações do ser
humano e de suas relações constituídas com os outros. Já, “a práxis dos indivíduos, na sociedade
25
contemporânea, é uma práxis fragmentária”, que perdeu a orientação de seu comando, “que é a
humanização” do ser humano ao longo do seu “processo histórico” (GONÇALVES, 2012, p.
83).
Na sequência, para Le Breton (2013, p. 28), o corpo, em nossa sociedade
contemporânea, não é mais a determinação de características, de uma identidade que não se
possa atingir, mas uma construção do ser no mundo, uma hierarquia de junções e limites, um
componente passageiro, sujeito capaz de uma infinidade de igualdades. “Se em todas as
sociedades humanas o corpo é uma estrutura simbólica”, aqui “torna-se uma escrita altamente
reivindicada, embasada por um imperativo de se transformar, de se modelar, de se colocar no
mundo” (p. 31). Assim, “o selo do domínio é o paradigma da relação com o próprio corpo no
contexto contemporâneo” (LE BRETON, 2013, p. 32).
A partir de minhas pesquisas observei que o ser humano, como indivíduo na sociedade
contemporânea, está sujeito a todo instante há várias transformações corporais, sociais e
culturais. Nessa busca incessante, procura adaptar-se às mudanças que lhe são exigidas no
ambiente em que historicamente está imerso. Nessa relação, o sujeito, por não saber tomar os
devidos cuidados necessários para seu crescimento, na maioria das vezes, prejudica seu
desenvolvimento nas tarefas cotidianas. Com isso, suprime-se, descuidando de si, de seu
próprio corpo no habitual do seu dia a dia, põe em jogo sua corporeidade, sua essência singular,
seus valores culturais, suas capacidades, que podem auxiliá-lo como ferramentas de ação para
uma nova tomada de consciência de si e de sua corporeidade.
Nos termos de Assmann, a corporeidade (1998, p. 150) aspira a um conceito “pós-
dualista do organismo vivo”, para ultrapassar “as polarizações semânticas contrapostas”, entre,
“corpo/alma, matéria/espírito, cérebro/mente”, afirmando que a definição de corporeidade está
a serviço de assuntos urgentes ligados às questões referentes à: “aprendizagem como processo
corporal; o estatuto do corpo na era do virtual, a ameaça de neoplatonismos com o advento da
inteligência artificial e da vida artificial” (1998, p. 150, grifos do autor). E, na sequência, o
autor assegura:
A corporeidade não é fonte complementar de critérios educacionais, mas seu foco
irradiante primeiro e principal. Sem uma filosofia do corpo, que pervada tudo na
educação, qualquer teoria da mente, da inteligência, do ser humano global enfim, é,
de entrada falaciosa (ASSMANN, 1995, p. 77).
É pela corporeidade que se manifestam aspectos de nossa existência, de nossa cultura,
sociedade e mundo. Comparar e confrontar a corporeidade, conhecimento e vivência do corpo,
26
na educação, é um dos caminhos necessários para articular conceitos fundamentais para uma
nova ação pedagógica nos processos de aprendizagem.
Segundo Assmann (1998, p. 150), “o termo corporeidade pretende expressar um
conceito pós-dualista do organismo vivo”, a partir do qual o autor assegura:
A corporeidade – com seu vetor historicizante ao nível bio-psico-energético, a
motricidade – constitui a instância básica de critérios para qualquer discurso
pertinente sobre o sujeito e a consciência histórica. A ideia central é a seguinte: a
corporeidade não é fonte complementar de critérios educacionais, mas seu foco
irradiante primeiro e principal (ASSMANN, 1998, p. 150).
No pensamento de Strieder (2004, p. 292), a corporeidade compreende “a relação
bio/social integradora de um sistema vivo, dinâmico e agregador”, com o meio no qual o ser
humano vive. Tudo o que ela faz, interage, realiza com e em movimento no seu entorno. É nessa
dinâmica que o ser humano incorpora, assimila, aprende e repassa aquilo que sabe e aprende,
dando sequência para novas aprendizagens. Segundo o autor (2004), a dinâmica contemporânea
da aprendizagem surge desses “atratores estranhos”, transforma-se num movimento intenso,
energético, satisfazendo “a vida e a aprendizagem”. Faz uma ligação “irreversível” que não tem
volta, não podendo ser determinada e nem avaliada. Mas, “é aberta em si mesma, frágil e
transitória, não-predizível, ela é única de cada vez, ela é corporal, ela é possível” (STRIEDER,
2004, p. 292).
Já para Gonçalves (2012, p. 102), “a corporeidade é uma forma” do ser humano, estar
no mundo e que não há outros meios de viver no mundo sem seu próprio corpo. O corpo é o
veículo, sem o qual o ser humano não pode estar no mundo e, ter um corpo vivo, é engajar-se
em um mundo já definido. Esse corpo vive aprendendo com o que lhe é dado, tornando-se
presença viva no mundo. Somos presença no mundo por intermédio de nosso corpo. Por meio
da nossa expressão, da nossa comunicação, vamos revelando, mostrando nossa linguagem
corporal através do riso, do olhar, das mãos, enfim, na nossa postura e de todas as expressões
da corporeidade, que permitem uma maior compreensão do outro. A autora segue afirmando
que
ser-no-mundo com o corpo significa estar aberto ao mundo e, ao mesmo tempo,
vivenciar o corpo na intimidade do EU: sua beleza, sua plasticidade, seu movimento,
prazer, dor, harmonia, cansaço, recolhimento e contemplação. Ser-no-mundo com um
corpo significa ser vulnerável e estar condicionado às limitações que o corpo nos
impõe pela sua fragilidade, por estar aberto a uma infinidade de coisas que ameaçam
sua integridade. Ser-no-mundo com o corpo significa a presença viva do prazer e da
dor, do amor e do ódio, da alegria e da depressão, do isolamento e do
comprometimento. Ser-no-mundo com o corpo significa movimento, busca e abertura
de possibilidades, significa penetrar no mundo e, a todo momento, criar o novo. Ser-
27
no-mundo com o corpo significa a presença viva da temporalidade, que se concretiza,
primeiramente, por um crescer de possibilidades, ao atuar no mundo, e, depois
progressivamente, por uma consciência das limitações que o ciclo da nossa vida
corporal nos impõe. Ser-no-mundo com um corpo significa a presença constante da
ameaça de seu perecimento pela doença e pela morte. (GONÇALVES, 2012, p. 103).
Este estar e ser-no-mundo, com nossa corporeidade, significa vivenciar tudo o que o
universo nos oferece a cada momento, alcançando com o movimento do nosso corpo, na medida
em que nos abrirmos para o novo. No dizer de Merleau-Ponty (1994, p. 212), “nossos
movimentos” hereditários vão se interligando a outros campos, como o motor, o da visão e o
sensorial, onde “nossos poderes naturais” buscam significações mais importantes que, até o
momento, estavam somente em nosso campo perceptivo ou prático. Os movimentos, que se
reorganizam, preenchem as perspectivas ofuscadas. Na maioria das vezes, o movimento
corporal é considerado como parte constituinte de um todo na formação humana para o
desenvolvimento da corporeidade. A partir da visão do autor,
[...] nosso corpo é para nós o espelho de nosso ser, senão porque ele é um eu natural,
uma corrente de existência dada, de forma que nunca sabemos se as forças que nos
dirigem são as suas ou as nossas – ou antes elas nunca são inteiramente nem suas nem
nossas (PONTY, 1994, p. 236).
A partir de observações identifiquei as vivências que o ser humano faz com seu corpo,
as experiências culturais em que cada sujeito se movimenta, pratica e vivencia diariamente,
transformam-se em construções dos processos de aprendizagem, com espaços de diálogos
constantes com os conhecimentos humanos, desejando reconhecimento na contemporaneidade.
Para Hermida e Zoboli (2012), no pensamento de Merleau-Ponty “a ciência precisa ver
a vida humana como espiritual e corporal ao mesmo tempo e sempre apoiada no corpo, afinal,
o corpo é o lugar em que o homem se experimenta como existente” (HERMIDA E ZOBOLI,
2012, p. 37).
Corporeidade e aprendizagem andam juntas, e uma não significa nada sem a outra, que,
na concepção de Gonçalves (2012), o corpo se revela, constitui-se, esconde-se, mostra-se e
também sofre mudanças que o mundo lhe oferece.
Em Hermida e Zoboli (2012, p.15-16) “o existir humano” acontece pelo corpo e através
dele estabelecem-se relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo. E para decifrá-lo,
necessita-se decodificar, compreender o processo cultural que ele representou ou representa, no
ambiente em que se formou. O corpo de cada ser humano retém um pouco da memória
universal. De acordo com Tassoni (2000, p.13), “as formas de expressão que utilizam
exclusivamente o corpo, como o toque, os olhares e as modulações da voz, vão ganhando maior
28
complexidade”. A forma como lida com sua corporeidade, seus limites e possibilidades, que
não são universais, dependem do processo histórico, da construção social diária e de como esses
elementos interagem com o meio, modificando-o. Esse também atua sobre ele, influenciando e
direcionando suas formas de sentir, pensar e agir, ligadas aos condicionamentos sociais e
culturais de suas aprendizagens.
Conforme Gonçalves (2012, p. 13):
A cultura imprime suas marcas no indivíduo, ditando normas e fixando ideias nas
dimensões intelectual, afetiva, moral e física, ideais essas que indicam à Educação o
que deve ser alcançado no processo de socialização. O corpo de cada indivíduo de um
grupo cultural revela, assim, não somente sua singularidade pessoal, mas também tudo
aquilo que caracteriza esse grupo como uma unidade. Cada corpo expressa a história
acumulada de uma sociedade que nele marca seus valores, suas leis, suas crenças e
seus sentimentos, que estão na base da vida social.
A cultura, na qual nós humanos estamos inseridos no decorrer do processo histórico, vai
deixando marcas em toda estatura corporal, ao mesmo tempo em que, nós, pelas interações e
relações, produzimos cultura. Cada indivíduo expressa em sua corporeidade as marcas da
história que vive, de seus valores, suas crenças, leis e sentimentos que formam a base da vida e
de seu contexto social.
Segundo afirmação de Daolio (1995, apud BARRETO, 2009),
O corpo é uma síntese da cultura, porque expressa elementos específicos da sociedade
da qual faz parte. O homem, por meio do seu corpo, assimila e se apropria dos valores,
normas e costumes sociais, em um processo de incorporações (a palavra é
significativa). Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um
conteúdo cultural que se instala no seu corpo no conjunto de suas expressões,
(BARRETO, 2009, p. 71).
A história do corpo em cada cultura, mesmo que esquecida e descuidada, revela o ser
humano. É por meio da corporeidade que ele se apropria das informações que a sociedade
expressa como características peculiares. Desse meio social, o sujeito apropria-se de valores,
tradições e princípios, incorpora aquilo que lhe é transmitido através da cultura de forma
transgeracional. Nesse sentido, o ser humano aprende, expressa e repassa a história acumulada
de cada época, expressa e repassa as próprias dificuldades, independentemente de sua
constituição física e orgânica.
O corpo é a configuração que faz parte das aprendizagens, não só como instrumento,
mas também como signo de conhecimentos. E, no dizer de Fernández (1991, p. 60) o corpo é
signo, e nele se manifestam as demonstrações de “como fazer”, principalmente por intermédio
29
do olhar, das mudanças do timbre da voz e a intensidade do gesto que canalizam a importância
e o entusiasmo que o conhecimento significa para o outro. Considerando que “não há
aprendizagem que não esteja registrada no corpo”, o processo de aprendizagem só é possível
quando acontece a experiência por certas coordenações na rede de coordenações dos sujeitos
envolvidos. Como sequência do próximo capítulo, serão abordados, mais especificamente, os
envolvimentos do corpo com a aprendizagem que, no pensamento de Assmann (2001), todo
conhecimento se estabelece como aprendizagem, mediada pelos movimentos externos e
internos da nossa corporeidade. Segundo o autor, “toda aprendizagem tem uma inscrição
corporal” (ASSMANN, 2001, p. 47), sendo que a mesma somente acontece, quando se funda
na corporeidade.
Percebe-se que o corpo, desde a antiguidade, é sem dúvida parte de um todo. O corpo
está presente em todas as interações humanas ao longo da história. Nessa interação, o ser
humano traz em sua corporeidade tudo aquilo que vivencia ao longo de sua história, de sua
cultura e está sujeito às várias transformações corporais na qual está imerso. Sendo assim, o
corpo sofre a influência do seu ambiente cultural e social no transcurso de sua história consigo
mesmo, com o outro. Através do pensar, do agir, do querer, pelo modo de se relacionar, a
corporeidade expressa sua identidade cultural, pessoal e com todos os demais seres, objetos a
sua volta. No pensamento de Maturana e Verden-Zöller (2004), “Tornamo-nos o que somos”
pelo modo como nos movimentamos, agimos com os outros ou simplesmente a sós, e, a cada
instante estabelecendo espaços de relação e transformação em nossa corporeidade. O corpo, no
experienciar, está sempre em ação na constituição do eu para novas experiências.
No decorrer da história da humanidade, o corpo sempre foi e continua sendo variável
para questionamentos, interrogações, estudos e reflexões. É importante pensar e trabalhar a
corporeidade desde a concepção da liberdade corporal, seja na questão religiosa, cultural na
qual estamos inseridos e em nossa forma de ser e agir. A partir dessas considerações abordarei,
de forma específica, as experiências formativas e a corporeidade, para entender melhor a
caminhada do ser humano criança em processo de formação e transformação de sua
corporeidade e do meio onde está inserido.
30
3 EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E CORPOREIDADE
Nas experiências formativas, a consciência entra em confronto não apenas consigo
mesma, mas primordialmente, com o outro, pressupondo a renovação dessa
experiência (LAGO e FARINON, 2014, p. 762).
Esse confronto da consciência nas experiências formativas, na relação com o outro, na
visão dos autores e na preocupação estética de Adorno (2003, apud LAGO; FARINON, 2014),
permite questionar a partir de diferentes bases teóricas tanto o processo formativo como o da
aprendizagem. Reconhecer essas diferentes bases é permitir-se diferentes formas de
conhecimento e diferente formação, capaz de concretizar a capacidade de realizar experiências
de aprendizagem. Segundo Lago e Farinon (2014), no pensamento Adorniano, o pensar
significa realizar experiências profundas. A sala de aula nos termos educacionais é o ambiente
onde o conviver e o experienciar constantes levam o educando a encontrar o prazer de aprender
e conviver com o diferente na alteridade.
Essas experiências, na medida em que acontecem em nossa corporeidade, desenvolvem-
se em relações de convivência e vivência diária com o outro, experiências que modificam a
forma de ser e aprender. Essas experiências de mundo, que o corpo realiza e ao mesmo tempo
oferece ao outro, despertam a consciência sobre a natureza percebida, aumentando o nível das
experiências formativas.
Uma experiência deriva sempre de uma pergunta e de resposta para que, a partir da
mesma, possam surgir outras perguntas e assim, sucessivamente. Então, o que é experiência?
O que é uma experiência de vida? Uma experiência em corporeidade?
Segundo Gadamer (2005, p. 473), “toda experiência pressupõe a estrutura da pergunta”
e não se realizam experiências sem o exercício de perguntar, “do perguntar”. Lago (2014, p.
92), a partir de Gadamer, afirma que a pergunta, por constituir a base das experiências, põe em
jogo a decepção, a rejeição e a recusa no “viger do outro que se efetiva como pergunta”. Para
que a experiência possa se tornar uma experiência formativa, o indivíduo coloca em jogo “o já
sabido”. Para Lago, na pergunta “o interrogado” é posto num determinado comando, em que
lhe é sugerido responder sob uma certa expectativa, pois “a pergunta rompe, de certo modo, o
ser do interrogado” (p. 92). É como se a pergunta quebrasse “o círculo vicioso sem destruí-lo”
e sem prejudicar a ninguém, mas de uma forma a lhe oxigenar e reconfigurar uma nova
“intencionalidade” na pergunta, interpelando o outro para obter uma resposta ainda mais
31
profunda. A pergunta é como um desafio para novas interrogações, ficando, como que, em
aberto para novas experiências.
No dizer de Lago (2014, p. 93), se a pergunta e a resposta não gerarem desafios, “não
se configura o jogo, a experiência, uma vez que esta depende de uma resposta para realizar-se
em plenitude e converter-se em nova pergunta”. O autor relata que, “na estrutura do perguntar
e do responder, a experiência se efetiva como diálogo profundo”, visto que “a dialética da
experiência” tem seu fim e não num conhecimento conclusivo, mas “nessa abertura à
experiência”, uma vez que é colocada em ação pela própria experiência. E, colocando-se nesse
contexto, as afirmações de Gadamer são esclarecedoras:
A experiência só se atualiza nas observações individuais. Não se pode conhecê-la
numa universalidade prévia. É nesse sentido que a experiência permanece
fundamentalmente aberta para toda e qualquer nova experiência – não só no sentido
geral da correção dos erros, mas porque a experiência está essencialmente dependente
de constante confirmação, e na ausência dessa confirmação ela se converte
necessariamente noutra experiência diferente (2015, p. 460).
As experiências acontecem através da corporeidade com um ser aberto e envolvido no
mundo. De acordo com Hermann (2010, p. 93) “a partir de meados do século 20, a estética da
existência” traz novas reflexões a respeito da forma de ser, como “arte de viver”. Ela busca
colocar em diálogo as regras classificadas como obrigatórias para estabelecer um jeito novo de
viver a partir das experiências, que constroem conhecimentos num sujeito aprendente. Para a
autora, a queda de categorias de integração e finalização geram uma perda de sentido na troca
de saberes e refletem nas relações entre o sujeito e o mundo, o particular e o universal,
dificultando as formas de integrar experiências individuais e projetos de humanidade e de
mundo.
O corpo, na medida em que o ser humano vai se movimentando, interage, desenvolve-
se e cria novas experiências e, nessa relação, transforma-se com o meio dando continuidade às
experiências formativas. Essa relação dinâmica de interação com o ambiente modifica-o e,
sendo modificado, esse viver humano está relacionado em convivências realizadas em
“conversações e redes de conversações”. Pois, o que nos transforma e nos funde como seres
humanos, é a “nossa existência no conversar” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER 2004, p.
31). Esse conversar surgiu como uma forma do agir na relação com o outro, através do linguajar
e do emocionar, que é o que nos constitui como humanos.
Conforme Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 63),
32
Nós humanos, podemos ter de maneira espontânea, num momento ou em outro de
nossas vidas, uma experiência peculiar. E a vivemos como uma percepção súbita de
nossa conexão e participação num domínio mais amplo de existência, para além do
entorno imediato.
Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 129) sustentam, o fato de existirmos em nossas
corporeidades como um todo, ou seja, uma forma de viver no mundo, “em nossa coexistência
corporal com os outros”. É o que os autores chamam de vida espiritual. Todas as experiências
humanas e espirituais acontecem como um componente das redes de conversações que formam
a cultura pela qual nascemos e são congregadas com o emocionar. Aquilo que chamamos de
vida espiritual é uma experiência de pertencimento a um domínio de “existência multicorporal
maior que o da própria corporeidade”. Em nossa cultura, a instrumentalização que ocorre nas
relações interpessoais leva a “uma vida que desvaloriza a aceitação mútua” e “ensinamos nossas
crianças a não amar”. Amar é como uma forma de conviver “nas ações que constituem o outro,
como um legítimo outro, em convivência conosco” (p. 129).
Devido à separação de corpo e espírito em nossa cultura – e à frequente
instrumentalização das relações interpessoais –, muitas de nossas crianças crescem
sem visão social e de si mesmas, por não aprenderem a viver a aceitação mútua e plena
como algo natural e espontâneo (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 130).
Nas experiências de aprendizagem realizadas pelo ser humano, esse participa como um
ser único, num momento em que acontecem modificações e transformações, não apenas em seu
ser corporal e motriz, mas, na totalidade, como um ser engajado na relação de
comprometimento com os outros e o mundo a sua volta. De acordo com Neuenfeld (2003), há
o “momento de buscar a realização pessoal”, no qual o indivíduo busca satisfazer seus anseios
e necessidades voltados ao lazer, constrói relações e valores. Ainda, segundo o autor, nem
sempre há possibilidades de trocas, de interação social, a partir da qual as necessidades de seus
sujeitos são contempladas.
Segundo Maturana e Varela (2001), toda a experiência de fora é “validada de uma
maneira particular pela estrutura humana”, e o encadeamento entre a ação e a experiência, a
“inseparabilidade entre ser de uma maneira particular e como o mundo nos parece ser, nos diz
que todo ato de conhecer faz surgir um mundo” (p. 31). O fenômeno do conhecimento
apresenta-se como “um todo integrado e está fundamentado da mesma forma em todos os seus
âmbitos” (p. 33). Toda experiência vivida interfere na corporeidade, pois cada experiência
provoca mudanças, mesmo que, às vezes, “não sejam completamente visíveis” (MATURANA
e VARELA, 2001, p. 189).
33
Maturana e Varela (2001) afirmam que “a educação é um processo contínuo que dura
toda vida” e “os educandos confirmam em seu viver” as experiências do mundo “que viveram
em sua educação” (p. 29). A educação potencializa a humanização da sociedade no sentido em
que abre caminhos e possibilidades, através da formação dos sujeitos.
Gadamer (2015) fala do conceito de formação (Bildung), cuja origem da palavra vem
da Idade Média, passando pelo Barroco, por uma “espiritualização com bases religiosas no
‘Messias’ [...], e, finalmente na determinação fundamental de Herder, como ‘formação que
eleva à humanidade’” (p. 44-45). No século XIX, conservaram-se, na religião, a dimensão dessa
palavra e o “conceito de formação foi determinado a partir daí”.
O antigo conceito de formação dava a ideia de referência à aparência externa do ser
humano. “Hoje, a formação está estreitamente ligada ao conceito de cultura e designa, antes de
tudo, a maneira especificamente humana de aperfeiçoar suas aptidões e faculdades”. A
formação decorre “totalmente daquilo em que e através do que alguém é instruído”. Assim, “na
formação adquirida nada desaparece, tudo é preservado” (GADAMER, 2015, p. 45).
Segundo Lago (2014), “o homem, quando atinge a maioridade, a consciência de si para
si, como ser de relação, compreende-se como formação” Neste sentido, um povo de uma cultura
madura, “tem como problema central” o ser humano “e sua formação”. A Bildung “visa ao mais
alto nível de excelência possível, a partir de uma força criativa autônoma pela qual o ser humano
livremente é capaz de autoformar-se e atingir por si só a condição humana” (LAGO, 2014, p.
25).
No dizer de Hermann (2010, p. 120).
O conceito de Bildung (formação), transformado pela hermenêutica, implica
reconhecer a capacidade de luta do sujeito em se autoeducar, em saber que ele pode
reagir para além de todas as adaptações, para além de todos os projetos de sentido que
lhe são oferecidos por certos ordenamentos simbólicos e que nunca é totalmente
aprendido pelos nossos esquemas conceituais – ou seja, a preservação da dimensão
fundamental do conceito clássico de Bildung: a liberdade do indivíduo para
determinar seu processo de formação. O que é irrevogável na formação, sua marca e
vestígio mais persistente, é a ideia de que a pessoa se constitui a si mesma num vínculo
com o mundo, um trabalho feito com “paciência e suavidade” - algo que a
hermenêutica sabe ser próprio da aventura humana.
Hermann mostra que o conceito de formação (Bildung) encontra “na ideia de
experiência, a possibilidade de redimensioná-lo, ajustado à contemporaneidade, quando as
ações formativas não mais convergem para unidade e a totalidade”, diferente da maneira como
a “Bildung foi concebida nos séculos 18 e 19” (HERMANN, 2010, p. 109).
34
Na busca de nos reconhecermos como sujeitos aprendentes e auto-educantes, através da
experiência hermenêutica como “um processo educativo”, que segundo Hermann (2010, p.
118), nos leva à ação reflexiva sobre nosso eu, como também a recusar certas interpretações de
mundo, recriando novas aprendências com o mesmo. Portanto, a experiência nos põe sempre
em situações limite, recordando nossa finitude para assim criarmos novas experiências. Nesse
experienciar, o corpo é aquele que está sempre em ação no processo de constituição do eu.
As experiências formativas vão mudando nossa corporeidade conforme as implicações,
no decorrer do percurso, de nossas observações, vivências que se manifestam através da
linguagem, gestos, atitudes e ações positivas ou negativas. O ser humano experimenta outras
vivências concretas no dia a dia com seu corpo e, para que essas aprendizagens ocorram de
forma construtiva, o ambiente onde o sujeito vive deve propiciar novas experiências.
Pela perspectiva hermenêutica, “o conceito de formação é afetado pela problematização”,
na compreensão do que “se refere a dar sentido para o saber cultural” uma vez que,
em sua trajetória, a ideia de formação assume uma proximidade com o conceito de
cultura, no sentido de desenvolvimento das capacidades humanas, refletindo uma
profunda mudança espiritual. Esse entendimento de formação encontra sua concepção
mais apurada no idealismo alemão. Hegel familiarizou a ideia de educação como
formação (HERMANN, 2002, p. 99).
Hermann (2002) reforça no pensamento de Uhle, pela hermenêutica, chegar “à
exigência formativa de desparticularizar o ‘eu’: como auto experiência do ‘eu’ em seus
horizontes não-conceituados e como um fazer-se geral, mediante a ampliação e, com isso, uma
participação maior nas esferas de sentido” (UHLE, 1997, p. 70, apud HERMANN, 2002, p.
101). A compreensão da hermenêutica “permite que a educação, como processo formativo,
vincule o ‘eu’ e o mundo, de forma a dar sentido àquilo que não vem só de nós mesmos, mas
reconhecer a verdadeira grandeza das produções culturais” e assim “enriquecer nossa própria
interioridade” (HERMANN, 2002, p. 102). A formação consiste em dar abertura para
reconhecer e aceitar o outro, bem como o saber cultural.
Segundo Farinon e Lago (2014), no cenário da alteridade e da diversidade, a necessidade
de repensar a educação, “na perspectiva de uma formação forte”, exige que “as ações
pedagógicas e as próprias instituições de ensino deveriam ter a preocupação central de realizar
experiências formativas” pelas quais “os indivíduos experienciassem um processo ético de
desenvolvimento interno de si” (FARINON E LAGO, 2014, p.10, grifos do original).
Boufleuer (2014) entende a educação no sentido de articular experiências provenientes
do passado com as do presente, proporcionando às novas gerações “conhecer o que as gerações
35
anteriores acumularam como aprendizados relativos ao modo humano de ser e de interagir com
os outros e com o seu entorno natural”. (BOUFLEUER, 2014, p. 72)
Ainda, segundo o mesmo autor, ao emergir no mundo e no contexto em que estiver,
“cada ser humano é como que convidado a inserir-se na história da espécie humana, por meio
da incorporação de características” que, através do tempo, “levaram os seres humanos a se
diferenciarem dos indivíduos das demais espécies”. O autor ainda prossegue afirmando que
“para se constituir sujeito do tempo presente, cada qual necessita incorporar a experiência
histórica da espécie humana mediante processo de aprendizagem” (BOUFLEUER, 2014, p.
74). Construímos, no dizer de Boufleuer, um mundo mais humano, baseado nos padrões
culturais, “graças à competência pedagógica”, que “implicam determinados modos de ser e
agir”, de expressar-se e relacionar-se. Esses são padrões que se modificam a todo instante pela
“capacidade recriadora presente no modo humano de aprender” (p. 74). E em cada época
histórica, o ser humano se vale da sua “capacidade criadora para” constituir “o seu mundo
humano”, também para os que “contam com a herança das gerações anteriores”. “Esse mundo”
sempre se expressa de uma forma “de um determinado estágio de desenvolvimento das
ciências”, dos modos “de organização e convivência social e dos modos de conduta e de
expressão individual”. Essas gerações e épocas não podem ser percebidas de uma forma
estanque. O que tem de verdadeiro “são contínuas interações entre quem ‘veio antes’ e quem
‘está chegando’, fazendo com que a experiência humana se expresse como experiência
pedagógica” (2014, p. 75).
Existimos neste mundo como uma soma de situações e experiências vivenciadas até o
momento em que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”. E
prossegue o autor,
se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de
passagem, então a experiência é uma paixão. Não se pode captar a experiência a partir
de uma lógica da ação, a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto
sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação, mas a
partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo (BONDÍA,
2002, p. 26).
No dizer de Maturana e Verden-Zöller (2004), “a vida humana, como toda vida animal,
é vivida no fluxo emocional que constitui, a cada instante, o cenário básico a partir do qual
surgem nossas ações” (p. 29). Assim, ao considerarmos “os fundamentos emocionais de nossa
cultura”, temos condições de entendê-la melhor. E se conseguimos entender “os fundamentos
emocionais do nosso ser cultural, talvez possamos também deixar que o entendimento e a
36
percepção influenciem nossas ações, ao mudar nosso emocionar em relação ao nosso ser
cultural” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 30).
Atualmente, segundo Maturana e Verden-Zöller (2004), “o espaço da vida humana está
desfigurado pela civilização moderna, que se tornou demasiadamente rápida, ruidosa e
desvitalizada”, pois o ser humano distorceu “as condições normais para o desenvolvimento da
consciência humana na criança” (p. 195). Ainda, é por meio dos seus próprios movimentos que
a criança toma consciência de sua forma corporal humana e é estando consciente disso que ela
pode “criar um mundo coerente com o espaço operacional” onde vive, “constituindo-o como
um entorno” no qual pode mover-se com liberdade, sendo, assim, “meu entorno, meu mundo
[...], a expansão do meu corpo” (p. 159). Os autores ressaltam que “a criança só adquire sua
consciência social e autoconsciência quando cresce na consciência operacional de sua
corporeidade”, através de interações e brincadeiras, desenvolvendo-se pela ação e pela
experiência. Maturana e Varela (2001, p. 32), ao falarem de ações e experiências não se referem
somente ao que acontece no plano físico, mas “essa característica do fazer humano se aplica a
todas as dimensões do nosso viver”, e isso inclui necessariamente as interações, as relações e
inter-relações humanas. (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 229).
As vivências e experiências que vamos realizando, construindo-se diariamente com
aquelas já apreendidas, nos ajudam a realizar novas experiências de coordenações na rede de
conversações, edificando dentro de nós um novo saber. Nessa rede de conversações, na
afirmação de Maturana e Verden-Zöller (2004), se queremos entender o que nos acontece no
decurso delas, precisamos primeiramente identificar as emoções que estão implicadas na ação
das ações, que é onde ocorrem “as coordenações de coordenações de ações que tal conversação
implica” (p. 32). Portanto, precisamos estar atentos aos entrelaçamentos entre os linguajares e
o emocionar e vice-versa, no sujeito implicado. Essas emoções são aquelas que, nos diferentes
arranjos corporais, determinam a ação.
Quando experienciamos no emocionar, positivo ou negativo, nossas aprendizagens
também serão interações positivas ou negativas, pois Maturana e Verden-Zöller (2004)
sustentam “que a emoção define a ação” (p. 32).
Para Strieder (2004), essas interações devem ser compreendidas, pois são elas que
ajudam a entender que todo ser vivo é fruto de relações com o meio, seu entorno e as sucessivas
transformações estruturais. Nessa dinâmica, “assim como existe uma correlação entre a vida e
a cognição, talvez a solidariedade possa ser fruto da aprendizagem com uma consequente
mudança estrutural e, portanto, passível de desenvolvimento” (STRIEDER, 2004, p. 344).
37
Na visão de Lago e Farinon (2014), realizar experiências formativas, significa dar
oportunidade ao outro de estabelecer conexão com o si mesmo do outro. E o espaço escolar é
também um ambiente que propicia experiências de relações humanas, de encontros,
desencontros e de reflexões. Essas práticas de vivências corporais que o indivíduo desenvolve
no seu dia a dia o constituem como um sujeito aprendente.
O espaço escolar também é um meio onde o corpo do educando está presente em todas
as experiências de vivências humanas, que acontecem no operar da corporeidade através do
diálogo, da participação, na convivência e nas conversações que se constroem na relação com
outro. Também presentes no convívio da aceitação mútua, no confronto com o outro. Nesta
relação o educando dilata sua consciência corporal, e nesta dinâmica passa a construir novas
experiências pedagógicas de mundo, de educação e humanização.
Todos os espaços em que o ser humano, o educando transita, são oportunidades que
favorecem relações de convivência positiva ou negativa e nesse operar a emoção determina a
ação, amplia sua consciência social, funcional e corporal para novas vivências e experiências
em sua corporeidade como ser no mundo. O construir-se humano se faz através de todas as
extensões do viver consigo mesmo, com o outro e seu entorno. O espaço escolar, a sala de aula
é também, um dos meios que proporciona troca de experiências, vivências entre educadores e
educandos e educandos / educandos, num processo contínuo de aprender a aprender com prazer.
Nessa lógica de pensamento, de experiências e vivências corporais que o ser humano,
através das várias transformações corporais, social e cultural as quais está imerso, e o
acompanham no seu dia a dia, vão se constituindo com aprendizagens ao longo da vida. No
próximo capítulo abordarei: A aprendizagem, uma rede de interações.
38
4 APRENDIZAGEM, UMA REDE DE INTERAÇÕES
Todo saber tem um aprender e, aprender é construir esses saberes e conhecimentos,
conforme veremos nas concepções a respeito da aprendizagem, a partir de diversos autores.
Mas o que é aprendizagem? De que forma a corporeidade está presente na aprendizagem?
Como ocorre a aprendizagem? Essas questões e outras mais que ocorrem a cada dia entre os
educadores, vem abrir caminhos de pesquisa para novos conhecimentos e novas ações.
No dizer de Maturana e Varela (2001), hoje a tendência é refletir sobre a
aprendizagem como fenômeno de mudança de comportamento, a partir de tudo aquilo que
articulamos por via de trocas com o meio. Esse aprender nos leva à compreensão de nossa
dinâmica estrutural interna, dos envolvimentos biológicos de cada ser humano. Essa
vinculação conservará a harmonia do crescimento e o funcionamento do organismo no meio
onde vive. Significa uma contínua aprendizagem viabilizada e potencializada pelo seu
próprio funcionamento linguístico. Na sequência, os autores dizem: “falamos em
conhecimento toda vez que observamos uma conduta efetiva [...] num contexto assinalado -
ou seja, num domínio que definimos com uma pergunta (explícita ou implícita), que
formulamos como observadores” (MATURANA e VARELA, 2001, p.195).
Para Maturana e Verden-Zöller (2004), ao conviver com aprendência, fluímos em
um campo de atos e ações a outro, num sucessivo emocionar e, a esse convívio de trocas,
chamamos de conversar, onde o viver ocorre “em redes de conversações” (p. 9). Dessa forma
“a criança cria seu espaço psíquico” (p. 12), no ambiente de relações e convivência familiar
e escolar, na relação corporal com sua mãe e com educadoras. Desse contato, pode resultar
a experiência da convivência numa total confiança recíproca, capaz de gerar uma
aprendizagem a ser levada para toda sua vida. Os autores ressaltam que, “para entender o
que acontece numa conversação, é preciso prestar atenção ao entrelaçamento do emocionar
e do linguajar nela implicado” (p. 32). E continuam afirmando que “nossas mães nos
ensinam sem saber que o fazem” (p. 43), vamos aprendendo com elas na simplicidade de um
conviver não pensado, um emocionar realizado na convivência, característica de cada
cultura. Para compreender como ocorrem modificações culturais, é importante olhar para os
acontecimentos que originaram as alterações na rede de conversações que formam a cultura
em alteração. Todas as experiências acontecem como parte da rede de conversações que
compõe a cultura, sendo que “a aprendizagem do emocionar é transferível” (p. 63). Essa
39
dinâmica, em que os familiares e educadores escolares aprendem a trabalhar na recíproca
confiança e aceitação através de brincadeiras que envolvem o corpo, permite e promove o
desenvolvimento da consciência corporal dos filhos e alunos, reconhecendo-se com eles no
brincar.
No Brasil, vemos esta experiência sendo concretizada através da Base Nacional
Comum Curricular. A mesma “é uma exigência colocada para o sistema educacional
brasileiro pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996; 2013) ” (MEC,
2016, p.24). Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica
(Brasil, 2009) e o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014) fomentam as mesmas ideias,
que segundo o MEC se constitui um avanço para a “construção da qualidade da educação”
(MEC, 2016).
Dessa forma, entende-se a Base Nacional Comum Curricular, segundo o Art. 14 das
DCNGEB - Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (BRASIL,
2010), como:
os conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas
políticas públicas e que são gerados nas instituições produtoras do conhecimento
científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das
linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas
formas diversas de exercício da cidadania; nos movimentos sociais (Parecer
CNE/CEB nº 07/2010, p. 66).
Nesses termos, percebe-se que há conhecimentos que são produzidos por influência
da cultura e originários de diversos interesses e que integram a BNCC. Os mesmos são
indispensáveis e todos os educandos devem ter acesso na Educação Básica. A eles, sem
dúvida, deve se incorporar, no currículo escolar, a parte diversificada, com o intuito de
reduzir as desigualdades educacionais da nação, como proposto no Art. 15 das DCNGEB.
A parte diversificada enriquece e complementa a base nacional comum,
prevendo o estudo das características regionais e locais da sociedade, da cultura,
da economia e da comunidade escolar, perpassando todos os tempos e espaços
curriculares constituintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio,
independentemente do ciclo da vida no qual os sujeitos tenham acesso à escola
(Parecer CNE/CEB nº 07/2010, p. 66).
Desse modo, levando em conta o fato de que o país abrange uma dimensão
continental, é correto ressaltar que existem fatores que fazem parte do ser humano em
diferentes contextos, sobretudo marcados pelos contextos regionais e que devem estar
40
presentes no currículo escolar. A partir deles é que os indivíduos (educandos e professores)
se relacionam, trocam ideias, estabelecem afinidades, demonstram simpatia ou mesmo
repulsa quando convivem. É na interação com o outro que as crianças vão se constituindo
como alguém com um modo próprio de agir, sentir e pensar, quer seja pela convivência, pelo
modo de brincar, quando participam de situações do cotidiano e conseguem se expressar
através da corporeidade, construindo, assim, sua identidade pessoal e cultural.
A fim de valorizar suas características próprias e a de outros, a criança compreende
a sua existência que é marcada pelo desenvolvimento da sua consciência corporal, uma vez
que Maturana e Verden-Zöller (2004) afirmam, “ela aprende de seu corpo e o aceita como
seu domínio de possibilidades, ao aprender a viver consigo mesma e com os outros” (p. 228).
Esse processo só acontece, porque o desenvolvimento da criança se realiza na dinâmica da
“integridade biológica sensório-motora, emocional e intelectual” e ao conviver com a
absoluta confiança e segurança na mãe, no pai e educadores. Dessa forma, a criança só
adquire consciência social e autoconsciência, quando as desenvolve “na consciência
operacional de sua corporeidade” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 229).
Ainda para Maturana e Verden-Zöller (2004), “o modo como uma criança vive a sua
corporeidade, nos primeiros anos de vida” (p.132), é fundamental para o seu
desenvolvimento como um todo. Os autores prosseguem afirmando que nós, seres humanos,
nos tornamos “aquilo que nossas corporeidades se tornam enquanto vivemos” e crescemos
como diferentes sujeitos “nas diversas culturas às quais pertencemos”, ocorrendo “de modo
espontâneo no processo de viver” (p. 138). E, “assim, tornamo-nos aquilo que somos num
curso de mudança corporal” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 139).
No decorrer desse movimento, Maturana e Varela (2001), reforçam que “conhecer é
uma ação efetiva, ou seja, uma efetividade operacional no domínio de existência do ser
vivo”. A partir de então, o fenômeno do conhecimento ocorre num “todo integrado e está
fundamentado da mesma forma em todos os seus âmbitos” (p. 35). Ainda para os autores,
“fazer surgir um mundo é a dimensão palpitante do conhecimento” (p. 33), que se constitui
no ato de conhecer por mais visível que possa equivaler nossa experiência. Assim, “todo
fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer” (p. 32), que se aplicam às diferentes
dimensões na nossa vida, de nossa cultura. Isso envolve nosso corpo tendo a linguagem
como ponto de partida, uma vez que é “um fazer humano, realizado por alguém em particular
num determinado lugar” (p. 32). Na sequência os autores afirmam,
em outras palavras, nosso marco inicial, para gerar uma explicação cientificamente
validável, é entender o conhecimento como ação efetiva, ação que permita a um
41
ser vivo continuar sua existência em um determinado meio ao fazer surgir o seu
mundo (MATURANA; VARELA, 2001, p. 36).
Numa concepção diferente para Basso (2012), apoiada em Piaget, os elementos
responsáveis pelo desenvolvimento e aprendizagem, são muitos e a aprendizagem acontece
sempre por situações externas ao sujeito. Ele acredita que a ação do sujeito, por meio das
experiências, deriva da atuação com o ambiente - o indivíduo precisará contrabalançar a ação
mediante outras ações. Nesse processo, a base de equilibração está na
assimilação/acomodação, de modo que Piaget garante que a criança só adquire pensamento
e linguagem se passar pelas múltiplas fases de desenvolvimento psicológico, iniciando do
singular para o social.
Ainda no pensamento de Basso (2012), a concepção de aprendizagem segundo
Vigotski, é a de que o pensamento surge por meio do vocábulo, das palavras, pois a criança
se apropria das falas, pela relação com a fala do outro em situações de interlocuções.
Segundo a autora, no pensamento de Vigotski, a aprendizagem tem um desempenho
fundamental no desenvolvimento do saber e do conhecer, para toda e qualquer metodologia
da aprendizagem. E também é ensino-aprendizagem, porque envolve todos aqueles que
aprendem e todos aqueles que ensinam bem como as relações entre todos os envolvidos.
Segundo Fernández (1998), apoiada em Piaget, toda modalidade de aprendizagem se
constrói do nascimento até o último instante de nossa vida e, através dela, encontramo-nos
com as angústias essenciais do conhecer e desconhecer. Essa modalidade de aprendizagem
tem sua história construída pelo sujeito com seu grupo familiar e com as experiências de
aprendizagem, interpretadas por ele e seus familiares. A aprendizagem é um método, na qual
interferem a inteligência, o desejo, o corpo e o organismo, integrados e equilibrados.
Também a estrutura mental tende ao equilíbrio, moldando a realidade, sistematizando-se
entre dois movimentos, os quais Piaget determinou como assimilação e acomodação
invariáveis. Assim, a assimilação é o movimento do processo da acomodação pelo qual os
conhecimentos do ambiente alteram-se para serem incorporados à estrutura do organismo.
Já a acomodação é a agitação do processo de adaptação pelo qual o organismo se altera
conforme as características do objeto a ser introduzido. Então para a autora (1998), “uma
aprendizagem normal supõe uma modalidade de aprendizagem na qual se produz um
equilíbrio entre os movimentos assimilativos e os acomodativos” (p. 110). Essas
modalidades de aprendizagem estão intimamente ligadas à estrutura da personalidade do
sujeito.
42
Por sua vez, Fernández (2001) entende que as questões de aprendizagem e de ensino
abrangem todos os seres humanos que “contam com um organismo transformado
(humanizado) em corpo” (p. 58), de modo que estão envolvidos o desejo e a inteligência.
Nessa relação joga-se com os aspectos conscientes, inconscientes e pré-conscientes
estimulados pelo desejo do outro. A autora ainda nos diz, “toda situação de aprendizagem é
intersubjetiva, mesmo a solitária construção teórica” (FERNÁNDEZ, 2001, p. 58).
Diferentemente para Assmann (1998, p. 40),
a aprendizagem não é um amontoado sucessivo de coisas que se vão reunindo. Ao
contrário, trata-se de uma rede ou teia de interações neurais extremamente
complexas e dinâmicas, que vão criando estados gerais qualitativamente novos no
cérebro humano. É a isto que dou o nome de morfogênese do conhecimento. Neste
sentido, a aprendizagem consiste numa cadeia complexa de saltos qualitativos da
auto-organização neural da corporeidade viva, cuja clausura operacional [...], se
auto organiza enquanto se mantém numa acoplagem estrutural com o seu meio.
Dessa forma, nem todos os temas e instantes da aprendizagem podem ser igualmente
“reconfigurantes em relação ao sistema complexo de atratores cérebro/mente” (ASSMANN,
1998, p. 41), mas um processo pedagógico tende a ser significativo para o aprendente,
quando envolve não só cérebro/mente, mas toda a corporeidade. Assim, o “termo
‘aprendizagem’ (“apprentissage”) deve ceder o lugar ao termo ‘aprendência’
(“appernance”). Segundo Assmann, o termo aprendência “traduz melhor, pela sua própria
forma, este estado de estar-em-processo-de-aprender”, função esta “do ato de aprender que
constrói e se constrói, e seu estatuto de ato existencial que caracteriza efetivamente o ato de
aprender, indissociável da dinâmica do vivo” (1998, p. 128).
Na verdade, a aprendizagem é como uma trama de intercâmbios neurais, inscrita na
corporeidade de cada indivíduo. Por isso, o corpo é a referência dessa auto-organização
neural da e na corporeidade viva. Em cada época, o ser humano expressa, em sua
corporeidade, informações da sociedade cultural da qual fazia e/ou faz parte. A
aprendizagem traz consigo as marcas das experiências vividas em cada momento da história
cultural, característica essencial do ato de aprender.
Para Assmann (1998, p. 39-40), o contexto em que se vivencia o conhecimento,
singular em cada ser humano, tem o seu momento, seu tempo de aprender. “Aprender é uma
propriedade emergente da auto-organização da vida” e significa que o ser humano a realiza
diariamente na relação com o outro e na relação com o entorno ambiente. A aprendizagem
não é um acúmulo de coisas, mas um fio, um veio condutor de intercâmbios neurais
43
complexos e dinâmicos, criando novas circunstâncias de informação para o ser humano. Para
o autor, a aprendizagem acontece no decorrer de toda nossa vida como uma experiência auto
organizativa, ou seja,
toda morfogênese do conhecimento é constituída por níveis emergentes a partir
dos processos auto organizativos da corporeidade viva. Por isso todo
conhecimento tem uma inscrição corporal e se apoia numa complexa interação
sensorial. O conhecimento humano nunca é pura operação mental. Toda ativação
da inteligência está entretecida de emoções (ASSMANN, 1998, p. 33).
Nessa concepção, Assmann (1998) defende que toda a aprendizagem ocorre a partir
do corpo e das experiências sensoriais, tidas como acontecimentos em que a corporeidade
viva está presente e o corpo, do ponto de vista do rigor da ciência e do âmbito de sua área, é
de extrema importância como inter-relação. Segundo o autor (1998), é somente através de
uma teoria da corporeidade que se podem compreender as bases de uma teoria pedagógica.
Ainda, conforme o mesmo autor (2001, p. 137), o conhecimento e a verdade são construídos
pelo sujeito e “não há conhecimento objetivo ou verdade objetiva a serem ensinados”.
Se os construtivistas entendem que o conhecimento e a verdade são formados por
nós mesmos e de que não há conhecimento e verdade objetiva, então não existe uma
realidade “lá fora”. As concepções de realidades construídas nas experiências de mundo, nas
experiências culturais de aprender, compreender, compartilhar e debater posições, são vistas
como diferentes formas e possibilidades de aprendizagens. Segundo os objetivistas, como
anuncia Assmann, “o conhecimento e a verdade existem fora da mente do indivíduo”, por
isso são objetivos. Assim, importa falar aos estudantes a respeito de um mundo “e espera-se
que eles repliquem em sua mente” os conteúdos e as estruturas desse mundo. O objetivismo
acredita “que o conhecimento é algo fixo” (p. 137), e a aprendizagem “é vista como uma
réplica/um replicar da base de conhecimentos dos entendidos (expertos)”.
Assmann (2001) aceita, mas reage à tese que comprova a capacidade do ser humano
de observar, inventar, analisar, apreender e manejar regras e questiona: O que podemos
refletir sobre isso? O autor considera dois aspectos: “o lado positivo da admirável aptidão
humana para ajustar-se a regras” e também “o risco do aviltamento da capacidade reflexiva
nos adestramentos para fixar-se em regras” (p. 140). Na visão do autor, o potencial para o
adestramento tem capacitado o ser humano a trabalhar aceitavelmente como animal
instrucional, que o reduz a isso. É a redução do humano à uma máquina instrumental.
Precisamos ultrapassar as ações pedagógicas restritas a ordens instrucionais, com base em
44
regras especificas, por não ser propriedades de aprendizagem, mas de memorizações.
Assmann questiona: o que é possível saber dos potenciamentos escondidos pelo excesso de
normativos, negligenciando que “parâmetros ordenadores e caóticos não tão facilmente
perceptíveis, das interferências mútuas entre estados globais e processos cognitivos
punctuais” (ASSMANN, 2001, p. 141-142) inferem na dinâmica da aprendizagem.
Compreender as formas do conhecimento, como estados perceptíveis “gerados pelos
processos auto organizativos corporais”, apoiados na interação sensorial, é considerar a
existência de processos desenvolvidos no interior do organismo - endógenos - e os
provenientes do meio ambiente como variáveis que podem ser um “propiciador ou
obstaculizador dos processos vitais”. Na concepção de Assmann (2001), essa complexidade
aprendente tende a explicar de forma diferente o como “avaliar certos enigmas do
comportamento humano” (ASSMANN, 2001, p. 142).
Ainda, segundo Assmann (1998), a aprendizagem emerge de uma auto-organização
da vida a partir da criação de conexões com o meio e todo seu entorno, sendo o organismo
vivo coparticipe dessas interações. Um organismo, constituído como tal, tem uma pré-
disposição para aprender nesse contexto processual.
A partir dessa concepção, podem-se entender as dificuldades que crianças sentem ao
terem que ficar paralisadas em sua corporeidade. Elas são reflexos de uma educação
tradicional na qual o corpo não tem participação. Na percepção de Gonçalves (2012, p. 34),
“a aprendizagem de conteúdo, é uma aprendizagem sem corpo”, não só porque os alunos
permaneciam sem movimentar o corpo, mas também pelas formas de trabalhar os conteúdos.
Os “métodos de ensino” tradicionais mantêm os alunos em um mundo distante daquele no
qual eles vivem ou gostariam de viver, do como seu corpo pensa e de como pensam com seu
corpo. A autora relata que a aprendizagem na escola, na maioria das vezes, não acontece
com a produção de “experiências sensoriais”, mas com o acúmulo de “conhecimentos
abstratos” e “com pouca participação do corpo”. São situações pelas quais a criança pode
sentir-se reprimida, frustrada e ficar indiferente com relação à sua aprendizagem e ao meio
ambiente (GONÇALVES, 2012).
Gonçalves (2012, p. 34) assegura que:
a aprendizagem de conteúdo é uma aprendizagem sem corpo, e não somente pela
exigência do aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características
dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocam em um mundo diferente
daquele no qual ele vive e pensa com seu corpo.
45
Segundo Borneman4 (1981, apud GONÇALVES, 2012), Aprendizagem como
processo mental, ausência do corpo é uma “aprendizagem como inimiga do corpo”. Assim,
na escola, a aprendizagem “não se dá como elaboração de experiências sensoriais”, mas,
“como um acumular de conhecimentos abstratos, que são aprendidos por meio de palavras,
fotografias, números e fórmulas, com pouca participação do corpo, originando uma cinética
reprimida e frustrada” (GONÇALVES, 2012, p. 34-35).
No dizer de Strieder (2004, p. 150), a aprendizagem não acontece “no interior do
organismo humano”, mas o organismo humano, ao participar “de outros sistemas mais
amplos” e de diferentes processos, “cria condições para as mudanças”. À medida que as
pessoas se relacionam em seus diversificados espaços, experimentam “processos de
desenvolvimento” e estabelecem requisitos para as transformações. Quando o ser humano
compartilha suas práticas ocorre o envolvimento nesses subsistemas, permitindo
compartilhar “processos mais amplos”.
Em descrição diferenciada, para os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 38)
a aprendizagem:
[...] implica sempre alguma ousadia: diante do problema posto, o aluno precisa
elaborar hipóteses e experimentá-las. Fatores e processos afetivos, motivacionais
e relacionais são importantes nesse momento. Os conhecimentos gerados na
história pessoal e educativa têm um papel determinante na expectativa que o aluno
tem da escola, do professor e de si mesmo, nas suas motivações e interesses, em
seu autoconceito e em sua autoestima. Assim como os significados construídos
pelo aluno estão destinados a ser substituídos por outros no transcurso das
atividades, as representações que o aluno tem de si e de seu processo de
aprendizagem também. É fundamental, portanto, que a intervenção educativa
escolar propicie um desenvolvimento em direção à disponibilidade exigida pela
aprendizagem significativa. Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, o
aluno constrói uma representação de si mesmo como alguém capaz. Se, ao
contrário, for uma experiência de fracasso, o ato de aprender tenderá a se
transformar em ameaça, e a ousadia necessária se transformará em medo, para o
qual a defesa possível é a manifestação de desinteresse. A aprendizagem é
condicionada, de um lado, pelas possibilidades do aluno, que englobam tanto os
níveis de organização do pensamento como os conhecimentos e experiências
prévias, e, de outro, pela interação com os outros agentes.
A concepção de aprendizagem, como representação, proposta nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (1997) encontra-se ultrapassada, em relação às concepções que
buscamos apresentar, com base em Maturana e Varela (2001) e também a defendida por
Assmann (1997) e outros autores. Mais do que representar, a criança precisa experienciar
4 Ernest Borneman. Leibfeindiliches Lernen. 1981.
46
suas vivências, ser reconhecida como alguém capaz de auto-organização. Então deve
compreender que a aprendizagem não é somente cognição, mas um experienciar-se corporal,
intelectual e socialmente.
Reafirmamos, com base em Assmann (1995, p. 57), que a aprendizagem é um
processo contínuo do ser humano e, de auto-organização bio-psico-energética, que envolve
nossa corporeidade. Educar é compreender como a formação de seres humanos intensifica
“seu próprio potencial humano” através da corporeidade, pela “bio-ecologia-social”. O autor
acrescenta que essa capacitação básica, só é possível a partir do momento em que nos
assumirmos como seres humanos “numa sociedade ampla, complexa e tecnificada”. Esta
“inserção” não se define somente com ideias de “politização” e cidadania, mas é capaz de
envolver as circunstâncias da existência humana no envolvimento social e na “dimensão
corporal” (p. 57). Em seu argumento, Assmann garante que é “chegada a hora de ter a
ousadia de afirmar que o ético-político e as opções solidárias precisam ser definidas a partir
da Corporeidade”. E que também é apropriado para a aprendizagem, que se englobe nessa
explicação, “a dimensão instrucional – aprendizagem de conteúdos e procedimentos –
quanto o aprender a aprender, do agir e do pensar, sem nunca descuidar do ‘criativiver e da
fraternura”’. (ASSMANN, 1995, p. 59, grifos do autor).
Aprendizagem, para Santos, Caminha e Freitas (2012), não acontece unicamente no
domínio da dimensão intelectual, mas aprendemos “com a totalidade de nosso corpo”,
através de nossas sensações, imaginações, percepções e intuições geradas e “estimuladas
pela intersubjetividade” (SANTOS; CAMINHA E FREITAS, 2012, p. 80).
Hermida e Bezerra (2012) traçam pequeno contexto histórico do desenvolvimento
das concepções de aprendizagem e afirmam que teóricos na área da psicologia como: Piaget,
Wallon, Vigotski e outros, se sobressaíram no campo educacional ao “proporem novas
formas de compreender a criança, o seu desenvolvimento e como ocorre a aprendizagem”.
Esses pensadores buscaram entender, para além do tradicional, o desenvolvimento da
criança, “como sujeito ativo no processo ensino-aprendizagem”. Baseados nessas teorias,
muitos profissionais de educação buscam nesses ensinamentos aprofundar suas práticas
pedagógicas e repensar concepções em relação ao corpo da criança, até então relegado ao
esquecimento. A aprendizagem, vista como mentalização aos poucos, permitiu espaço ao
corpo. (HERMIDA; BEZERRA, 2012, p. 133).
Para Morin em Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000, p. 76),
aprender é ‘estar aqui’ e significa “aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar”.
47
Tudo se aprende nas e por meio de todas as culturas existentes no planeta. Necessitamos
aprender a ser humanos no viver, no repartir e no compartilhar, melhorar os sentidos como
humanos, em constante processo de vir a ser. Em Cabeça Bem-Feita, Morin (2000, p. 53)
escreve “seria preciso demonstrar que a aprendizagem da compreensão e da lucidez, além
de nunca ser concluída, deve ser continuamente recomeçada”. Diria reinventada a cada dia
para que o ser humano possa ver-se como um sujeito em contínuo processo do aprender.
Nesse processo de aprendizagem, segundo Fernández (2001, p. 59), “o sujeito
aprendente articula o sujeito desejante com o sujeito cognoscente”. Torna-se corpo em um
organismo singular, torna-se “corpo-instituinte” em um “organismo-sistema social” em
evidência. “Sujeito-aprendente” é aquele que interliga o “sujeito cognoscente e o sujeito
desejante”, construindo continuamente um corpo com o outro, com conhecimento, com
cultura e outros meios tecnológicos (p. 55).
Processos de aprendência possibilitam novas experiências de aprendizagens,
redimensionam nossos modos de ser e estar no mundo, de viver e estar em aprendizagem
com outros. Na visão de Fernández (2001, p. 69) “aprender é construir espaços de autoria”
onde o sujeito organiza suas concepções com as significações que constrói através das
experiências diárias de ser e de mundo.
Para Strieder e Zimmermann, (2012, p. 88), na concepção de Demo (2002) “a
aprendizagem é um fenômeno complexo, não linear”, não tem “como ser confundida com
instrucionismo”. O instrucionismo aborda “a aprendizagem como se fosse um fenômeno
linear” e não “como estratégia de aprendizagem, pois restringe e anula aquele que aprende”,
perturbando “a dinâmica não linear, capaz de promover saltos qualitativos no modo de ser e
de vir a ser do sujeito aprendente” (p. 88).
Strieder e Zimmermann (2012) ainda afirmam que os alicerces “epistemológicos”
procedentes “da física e da biologia” nos estimulam a entender “a aprendizagem não mais
como um resultado de acúmulo de informações instrucionais captadas do meio ambiente”.
A mudança de processo e da maneira de ser para eles “depende da estrutura interna do
indivíduo aprendente” e da “dinâmica das inter-relações” que acontecem “entre o indivíduo
e meio ambiente”. Essas “mudanças dependem do universo das circunstâncias que envolvem
o aprendente” e nele geram “modificações no fluir das emoções e das ações” (p. 157).
No final do século XX, uma comissão internacional propôs esboços para a educação
no século XXI. Em relatório para a UNESCO, essa comissão, posicionou-se sobre uma
compreensão de educação como um processo de nossa vida, fundamentada em quatro pilares
48
distintos de aprendizagens: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos
e aprender a ser” (DALPIAZ, 2014, p.3). Devido a insustentabilidade do desenvolvimento
econômico a qualquer custo, questionou-se sobre como a humanidade aprende a conviver
no mundo. Segundo Dalpiaz, (2014, p. 3), no relatório Delors (et al 1998), “a aprendizagem
refere-se ao ‘desenvolvimento de novos critérios ou capacidades para resolver problemas ou
a revisão de critérios e capacidades existentes que lhes inibem a resolução’”. A autora frisa
que a educação continuada e a educação permanente, tanto no que se refere à educação e
formação escolar e acadêmica como a dos demais âmbitos, visam a um maior
desenvolvimento na produção de conhecimento, ocorrendo uma ruptura epistemológica com
o tradicional. Por sua vez, no pensamento de Strieder (2004), a aprendizagem ocorre ao
longo da vida, sendo uma necessidade que gera a evolução. Dessa maneira, esse processo
demanda uma procura constante pela informação e sua transformação em conhecimento que
suscita novas experiências de vida.
As reflexões anteriores permitem afirmar que os questionamentos feitos no início
deste capítulo, não possuem uma única resposta/alternativa. Há uma diversidade de
possibilidades de formas de pensar, de aprender com e nos cotidianos, diversos em cada
época da história, diversos nas culturas diversas e, acima de tudo, diversos na especificidade
de cada ser humano. A aprendizagem ocorre por processos distintos tais como são distintas
as experiências de vida de cada ser humano. Assim, é prudente afirmar que a aprendizagem
é um processo contínuo de estar aberto ao novo, de experienciar o próprio existir no espaço
de convívio. E quanto mais intensificarmos nosso desejo de aprender nas convivências com
o outro, mais nos humanizamos. A educação, tal qual a aprendizagem, é uma constante
evolutiva capaz de realizar a transformação do ser humano, num ser humano diferente e
melhor. Por fim, no pensamento de Strieder e Zimmermann (2012), o processo de aprender
solicita e abrange uma série de percepções e emoções que motivam a dinâmica da vida. O
processo educativo e de aprendizagem ocorre de forma participativa, harmoniosa, na
convivência entre todos os envolvidos no espaço onde acontece o aprender.
A escola é um dos espaços onde ocorrer a aprendizagem não somente de conteúdo,
mas, pelas trocas de experiências que se sucedem entre educando/educando e
educando/educadores pela vivência e convivência diária numa rede de interações consigo
mesmo e com o outro. Já que, no pensamento de Fernàndez (1998), o ambiente escolar deve
dispor um espaço de confiança, de liberdade e de jogo, onde propicie experiências de
aprendizagem com fluidez através da corporeidade e o educando sinta-se autor de seu
49
próprio aprender. Compete a escola oferecer experiências interpessoais de movimentos,
trocas entre os educandos, e favoreça o desenvolvimento da criatividade, das habilidades,
em que possa ocorrer uma aprendizagem que se solidifique no corpo e pelo corpo.
O capítulo a seguinte tratará, A corporeidade no cotidiano da escola mais
especificamente, a relação e as implicações do envolvimento da corporeidade nos processos
de aprendizagem e nas experiências formativas.
50
5 A CORPOREIDADE NO COTIDIANO DA ESCOLA
O corpo aprende? Como aprende? A corporeidade está relacionada com a
aprendizagem? A corporeidade está presente no processo de aprendizagem e nas
experiências formativas?
Este capítulo tem por objetivo apresentar o conteúdo das observações da pesquisa
empírica realizada junto às escolas, cujo objetivo principal fora: Investigar em cotidianos
escolares se e como, a corporeidade se apresenta no processo de aprendizagem e nas
experiências formativas.
O corpo humano é a primeira referência da experiência humana. O ser humano por
meio de sua corporeidade, do seu movimentar-se entra em contato consigo mesmo e com
toda a realidade do mundo a sua volta. A partir desse movimentar-se, o ser humano
desenvolve, aprende, em sua corporeidade forma características, atitudes, juntamente com o
pensar, falar e outras manifestações que vão se transformando conforme suas necessidades
e sua compreensão. Os processos de aprendizagem também se modificam, vão sendo
diferentes em cada época e local em que o sujeito convive por estarem ligados aos
acontecimentos históricos, culturais e sociais no ambiente e sociedade em que vive. Tudo
isso tem a ver com a forma, o jeito que o ser humano aprende, de como se apropria de valores,
normas, costumes em família, na escola, na comunidade e na sociedade.
Para Maturana (1998), “o humano se constitui no entrelaçamento do emocional com
o racional” (p. 18). O racional se constitui na ligação das operações dos sistemas de
argumentação que se constroem na linguagem para justificar e ou defender as suas ações. A
peculiaridade do humano não está no manipular, “mas na linguagem e no entrelaçamento
com o emocionar” (p.19). Então, o autor continua, “a linguagem é um operar em
coordenações consensuais de coordenações consensuais de ações” (p. 20).
No decorrer da nossa vida, vamos nos constituindo e nos tornando humanos a partir
das interações, das trocas, vivências e convivências com nossa corporeidade. Para Maturana
e Verden-Zöller (2004, p.139),
as conversações em que participamos ao longo de nossas vidas – particularmente
durante a infância – constituem tanto o fundo que demarca o curso de nossas
mudanças estruturais epigenéticas, quanto o âmbito de possibilidades no qual se
dá o nosso contínuo devir estrutural como seres humanos. [...], tudo o que fazemos
em nossas ações, em nossos movimentos – o modo como nos conduzimos em
51
nossas corporeidades como corporeidades interativas -, surge como dimensões da
cultura em que acontece nossa epigênese [...]. Tornamo-nos o que somos segundo
o modo como nos movemos – a sós ou com os outros – e à maneira como nos
tocamos mutuamente, constituindo, momento a momento, espaços de ação na
transformação de nossa corporeidade.
O ser humano, na medida em que se desenvolve, aprende e evolui em sua
corporeidade, a partir daquilo que ocorre enquanto vive, cresce como ser diferente na cultura
à qual pertence. Essas transformações se sucedem à medida que também compartilha das
diversas “conversações de (coordenações consensuais recursivas de ações e emoções) ”, e
que formam as diversas “dimensões da cultura” a que pertencem (MATURANA e VENDER
– ZÖLLER, 2004, p. 139).
Para Maturana e Varela (2001, p. 265), “todo conhecer humano pertence a um desses
mundos e é sempre vivido numa tradição cultural”. A tradição é a maneira de como vemos
e agimos, de nos forma de escondermos, pois ela se fundamenta daquilo que a história
acumulou como sendo estável regular e certo, “e a reflexão que permite ver o óbvio só
funciona com aquilo que perturba essa regularidade”. Todas as heranças biológicas
iniciaram-se com a origem da vida e se prolongam a cada instante na história de outras vidas
que virão. Dessas diferentes heranças linguísticas, é que surgem “todas as diferenças de
mundos culturais” (p. 265).
Conforme evoluímos, dentro dos limites biológicos, nos tornamos aquilo que
queremos ser no decorrer das modificações que vão acontecendo em nossa corporeidade.
Elas têm a ver com o diálogo que acontece da relação consigo mesmo, com o outro e com
meio. Biologicamente, no dizer de Maturana (1998, p. 16), “as emoções são disposições
corporais que determinam ou especificam domínios de ações”.
Para Maturana e Verden-Zöller (2004), a criança que não busca viver sua infância
numa relação completa de “confiança e aceitação” (p. 45), num contato corporal íntimo com
sua mãe, sua família, passa a ter dificuldades de se desenvolver, aprender e adequar-se bem
no ambiente familiar e perante a sociedade. Assim, a maneira como vive a infância e a forma
como passa da infância para a vida adulta, são aspectos fundamentais e constitutivos de seu
ser. Isso está relacionado com as vivências de cada cultura, do meio onde a criança está
inserida. Os autores ainda relatam que, “na condição de maneira de viver, uma cultura é uma
rede de conversações mantida de maneira transgeracional, como um núcleo de coordenações
consensuais, de ações e emoções” (MATURANA e VERDEN– ZÖLLER, 2004. p. 59).
52
Cada criança chega à escola trazendo em sua corporeidade a maneira, a forma de se
relacionar com outras crianças e pessoas. Uma forma parecida ou igual ao convívio corporal
que teve e tem com seus familiares e, como escrevem Maturana e Verden-Zöller, a criança
que não viveu bem no espaço familiar, numa relação de mútua aceitação e confiança, carrega
no íntimo de sua corporeidade dificuldades de se relacionar, de se desenvolver e aprender
adequadamente nos diversos espaços do convívio escolar e social terá prejuízo na sua
aprendizagem como um todo.
5.1 ESCOLAS MUNICIPAIS ENVOLVIDAS NA PESQUISA
Para a pesquisa empírica, foram nomeadas duas escolas municipais de dois
municípios distantes, aproximadamente cinquenta quilômetros um do outro. As duas escolas
estão localizadas no centro das cidades devido à nucleação. Esse fator fechou as escolas
municipais do interior, pelo baixo número de educandos em localidades da zona rural. Uma
das escolas pesquisadas localiza-se no Município de Paraí/RS, que tem aproximadamente
oito mil habitantes, denominada Escola Municipal de Ensino Fundamental Mateus Dal
Pozzo. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso, situa-se no Município
de Protásio Alves/RS, que tem aproximadamente três mil habitantes. As pessoas que residem
nesses municípios são descendentes de cultura italiana - predominação maior - cultura alemã,
polonesa e outras de menor presença.
5.1.1 Escola Municipal Mateus Dal Pozzo
A Escola Mateus Dal Pozzo foi criada pela resolução 122/76 (2016, p. 8) e devido ao
baixo número de educandos, foi transferida para o centro da cidade de Paraí, à Rua Padre
Félix Busatta, 725, funcionando inicialmente com os dois primeiros anos. Projeto
Pedagógico (2016, p. 6). Gradativamente, foi sendo contemplada com as demais séries do
Ensino fundamental e Educação Infantil. Atualmente, atende um grande número de
educandos residentes no município e um número menor de filhos de agricultores e
53
trabalhadores das indústrias. Muitos desses educandos são provenientes de outros
municípios. Seus familiares vêm atraídos pelo trabalho na indústria de móveis ou de basalto,
entre outras e pela melhoria na condição social. Segundo o Projeto Pedagógico da escola
(2016, p. 18) a mesma oferece, além do turno regular, o turno integral. Nesta modalidade do
turno integral, são atendidas crianças da Educação Infantil ao 4º ano do Ensino Fundamental
de nove anos. Os educandos do turno Integral chegam à escola às seis e vinte da manhã,
tomam café e depois têm aula normal até às 11:30h. Após a aula, os educandos do turno
Integral, almoçam e na parte da tarde recebem atendimento pedagógico, reforço escolar,
aulas diferenciadas, como: Inglês, Espanhol, Informática, Cultura Afro e Indígena, Capoeira,
Educação Ambiental, Música, Dança. Além dessas, há através de projetos de oficinas
pedagógicas de Artes, Hora do conto, entre outras, proporcionando um diferencial como
maior aprendizado e desenvolvimento em todos os sentidos corporal, cognitivo, afetivo e
convívio social. Conforme o Projeto Pedagógico, é importante desenvolver “temáticas como
criticidade, participação, saber popular e o saber científico, integrar família x escola x
comunidade para formar uma escola cidadã, humanitária e cristã onde se tenha clareza da
diversidade e que saiba aceitar os limites pessoais de cada um” (2016, p. 7). No pensamento
de Assmann (1998), aprender é uma forma da auto-organização do ser vivo em que o
aprendente vai criando novos jeitos de organizar as informações que vai recebendo na
relação com o outro e poder avançar ainda mais em saltos qualitativos da sua auto-
organização neural enquanto corporeidade viva.
Os educandos da Educação Infantil chegam à escola às seis horas e vinte minutos e
permanecem até às dezoito horas e vinte minutos, recebendo cinco refeições, garantindo
melhores condições para seu aprendizado. Já os do Ensino Fundamental do turno Integral
até o quarto ano, chegam a escola às sete horas e vinte minutos e saem às dezessete horas e
vinte minutos, recebendo três refeições. A Instituição Escolar busca integrar a família como
parceira em prol do desenvolvimento e crescimento do educando com: Gincana Familiar,
comemorando o dia da família, Dia da Vovó, valorizando a importância dos avós, indo a
escola contando histórias de vida, Semana da Arte e Cultura com participação de outras
Escolas de municípios vizinhos com Teatros entre outros eventos. Também desenvolve
projetos partindo da realidade e do interesse dos educandos como: Sobre a Paz, A
importância da leitura, O dia do abraço, Datas comemorativas como Dia das mães, Dia dos
pais, Festa junina, Semana da Pátria, Folclore, entre outros (PROJETO PEDAGÓGICO,
2016, p. 9).
54
Atualmente a Escola Mateus Dal Pozzo tem um corpo docente composto por vinte e
oito professores, mais quinze funcionárias, além da equipe diretiva. A escola possui
aproximadamente quatrocentos educandos, distribuídos entre a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental dos nove anos. Dispõe de uma infraestrutura com salas de aula, de professores,
setor administrativo, área de alimentação, laboratório de informática, biblioteca
informatizada, áreas livres, cobertas, ginásio de esportes e demais espaços necessários
(PROJETO PEDAGÓGICO, 2016, p. 9).
O trabalho realizado, na Escola Mateus Dal Pozzo, é organizado coletivamente
através de discussões, troca de ideias e experiências, visando ao bem-estar integral e coletivo
da comunidade escolar, prezando pelo bem-estar de toda equipe escolar. Também são
oportunizados cursos de formação aos professores e equipe administrativa no decorrer do
ano letivo escolar. Esses são organizados pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
A mesma possui Regimento Escolar, documento este, que orienta as ações escolares. A
escola conta também com o Círculo de Pais e Mestres (CPM), que rege o bom funcionamento
da escola e dos recursos (PROJETO PEDAGÓGICO, 2016, p. 10-11).
A escola tem como filosofia: “viabilizar um processo de educação humanizada,
participativa e criativa, onde o educando possa desenvolver suas potencialidades, e partir em
busca da construção do conhecimento, através de sua realidade e de seus valores. Tornar a
escola um centro de formação de cidadãos críticos, conscientes, responsáveis, atuantes,
capazes de perceber e conhecer a comunidade em que vivem, a fim de poder recriá-la,
transformá-la, e com isso construir a sua história” (2016, p. 4). Além disso, os princípios e
diretrizes que, dentre outros são:
Uma educação formadora de sujeitos críticos, capazes de contribuir para sua
própria história; - A escola como um espaço coletivo, onde se constroem direitos
e deveres e democrática, onde prevaleça o diálogo, a justiça e a igualdade; - A
construção do conhecimento como processo coletivo constante; - A valorização
da vida com qualidade social e condições dignas de existência para todos; -
Planejamento participativo, desenvolvendo a interdisciplinaridade, trabalhando
projetos, entre outros princípios. [...] (PROJETO PEDAGÓGICO2016, p. 12-13).
A metodologia da ação pedagógica da Educação Infantil “fundamenta-se nos níveis
do desenvolvimento e de construção do conhecimento pela criança e oportuniza a construção
de experiências enriquecedoras e significativas, realizadas através do lúdico” (2016, p. 13).
No Ensino Fundamental, a metodologia que a escola oferece, “contempla a apropriação,
elaboração e reconstrução do conhecimento”. Embasa-se no processo da “ludicidade, nas
55
práticas sociais da leitura e da escrita, na lógica, na percepção, na significância, na relação e
demais fatores que envolvam o contexto escolar, desde que as atividades se constituam em
‘desafios’, despertando a atenção e o ‘querer saber mais’” (PROJETO PEDAGÓGICO,
2016, p. 13-14).
O Ensino Fundamental procura desenvolver “a autonomia intelectual e social através
da investigação e da pesquisa, tendo como facilitador o diálogo com a realidade [...]. Esse
processo ocorre através da aprendizagem significativa, do prazer de aprender, da diversidade
de estratégias de organização e aplicação qualitativa do conhecimento, do aprender” (2016,
p. 14). Além disso, “a avaliação caracteriza-se como um processo contínuo, participativo,
cumulativo e interativo, envolvendo todos os segmentos da comunidade escolar” (PROJETO
PEDAGÓGICO, 2016, p. 25).
Assim, “a escola é um espaço plural que ensina a pensar, avaliar, construir
coletivamente e de forma prazerosa” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2016, p. 22).
5.1.2 Escola Municipal Caetano Peluso
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso situa-se na região
central do município de Protásio Alves e desenvolve atividades educativas desde 2005.
Iniciou suas atividades na zona urbana, localizada na Rua José Câmara, número 220. A
maioria dos educandos são provenientes das comunidades do interior que se deslocam até a
escola através de transporte coletivo. A escola atende crianças na educação infantil, na faixa
etária de 4 a 5 anos e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, totalizando cento e trinta
educandos, aproximadamente. A estrutura física interna conta com salas de aula, setor
administrativo, sala de professores, laboratório de informática, sala de recursos
multifuncional, sala de leitura/biblioteca, auditório, área de alimentação e demais espaços
necessários. Na área externa, há uma área coberta com brinquedos diversificados e um
ginásio de esporte. A escola funciona nos dois períodos, matutino e vespertino. Conta com
um corpo docente de onze professores, direção, psicóloga, nutricionista, fonoaudióloga.
Duas vezes por semana, a Secretaria de Educação oferece, aos educandos da Escola Caetano
Peluso, oficinas de: Capoeira, Dança, Teatro, Futebol, Vôlei, Informática, Língua Inglesa e
Xadrez (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO 2016, p. 3-4).
56
A filosofia da escola está focada em uma educação de boa qualidade, tendo como
guia o conhecimento a busca da aprendizagem, compreensão de ideias, valores e formação
de hábitos de convivência. “Está centrada em um espaço onde o aluno irá construir seu
conhecimento prático e teórico, garantindo aos educandos as possibilidades de um completo
desenvolvimento intelectual, sócio-emocional e cognitivo”, a fim de ressaltar sua
“criatividade, responsabilidade, participação, espontaneidade e a construção de sua própria
história”. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2016, p. 5).
Em ambas as Escolas Municipais, com base nos PPPs, desenvolvem-se e são
valorizadas atividades lúdicas, momentos de descontração e aprendizagens. A família,
sempre que convidada, busca participar como forma de valorizar a integração, descontração,
aprendizagem, participando e interagindo nas festividades, como datas comemorativas, dia
das Mães, dia dos Pais, gincanas, teatro, danças, entre festividades. São momentos onde a
escola realiza atividades e, na maioria das vezes, sem se dar conta de que a mesma está
envolvendo a corporeidade, não só do aluno, mas de toda família e equipe escolar,
proporcionando aprendizagens corporais e culturais. Essas atividades englobam conteúdos,
matérias escolares e também solidificam uma formação corporal, uma troca de
aprendizagens entre pais, filhos e instituição escolar.
5.2 PROCEDIMENTOS E COLETA
A reflexão sobre os dados coletados foi realizada à luz dos referenciais teóricos
trabalhados no decorrer da pesquisa, considerando as seguintes categorias: educando e
interação com sua corporeidade; entendimento sobre corporeidade e aprendizagem; relações
ente corporeidade, aprendizagem e experiências formativas. Para Gil, “a análise qualitativa
depende de muitos fatores; tais como a natureza dos dados coletados, a extensão da amostra,
os instrumentos de pesquisa e os pressupostos teóricos que nortearão a investigação” (2009,
p. 133).
O público alvo da pesquisa são educandos que frequentam os 2ºs anos do ensino
fundamental das escolas municipais Mateus Dal Pozzo e Caetano Peluso, e seus respectivos
professores. A escolha do 2º ano foi feita considerando que nessa faixa etária o corpo do
57
educando ainda se encontra em contínuo movimento, mas já entra em conflito com as
exigências do tempo necessário para permanecer sentados por muito tempo em uma carteira,
a fim de poder dar conta daquilo que lhe é proposto.
Para atender aos objetivos propostos, os dados foram coletados por meio de
observações dos educandos nos diversos espaços frequentados por eles como: chegada dos
educandos à escola; na entrada para a sala de aula; na sala de aula; no recreio; na saída da
escola. Com os professores foi realizada uma entrevista com questões semiestruturadas e
com gravação das falas dos mesmos. Em cada escola a entrevista foi realizada com o
professor regente da turma, professor de educação física, psicopedagogo ou coordenador.
Na entrevista com questões semiestruturadas, foram envolvidos membros da equipe diretiva,
professor regente da turma, de Ed. Física e coordenador ou psicopedagogo. As questões
visavam saber o entendimento dos mesmos sobre corporeidade e aprendizagem e, se na
concepção dos mesmos, a corporeidade está presente na aprendizagem e nas experiências
formativas.
Através da observação, buscou-se visualizar, como se manifesta a corporeidade do
educando x professor e educando x educando nas experiências formativas e nos processos
de aprendizagem, nos diversos espaços escolares, onde transitam. Alguns tópicos de
observação: a) como acontecem movimentos de proximidade entre professo x educando e
este dele e com os próprios educandos x educandos? b) como o educando manifesta sua
corporeidade nos diversos espaços escolares em que transita? c) como se revela a
corporeidade diante das experiências formativas? Na minha compreensão esses são alguns
questionamentos, observações que a equipe diretiva juntamente com os profissionais da
educação necessitaria realizar diariamente para avaliar como ocorre a aprendizagem.
Realizei quatro encontros de observações nos espaços descritos anteriormente. A
observação foi feita nas duas escolas municipais, com permanência em cada local de quatro
horas, tempo necessário para observar como as crianças chegavam à escola, como ocorria a
interação com sua corporeidade, com os outros colegas e professores no meio escolar.
58
5.3 RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO EMPÍRICA DOS EDUCANDOS NOS
DIVERSOS ESPAÇOS EM QUE CIRCULAM NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE
ENSINO FUNDAMENTAL MATEUS DAL POZZO DE PARAÍ E CAETANO PELUSO
DE PROTÁSIO ALVES/RS
A pesquisa empírica da observação das turmas do Segundo Ano ocorreu da seguinte
maneira. Foram realizados quatro encontros em cada escola: a) na chegada dos educandos à
escola; b) na entrada para a sala de aula c) na sala de aula; d) no recreio; e) na saída da escola.
5.3.1 Escola Municipal de Ensino Fundamental Mateus Dal Pozzo
A observação dos educandos na Escola Mateus Dal Pozzo, iniciou-se observando a
chegada à escola. A grande maioria dos educandos chega de ônibus, outras vêm com seus
pais de carro, aproveitando a ida para o trabalho. Algumas crianças vêm a pé sozinhas ou na
companhia de outras ou acompanhadas pelos pais e ou responsáveis. Alguns educandos, ao
chegarem à escola, permanecem em frente à mesma para esperar outros colegas e ali ficam
em grupos conversando ou jogando à espera do sinal para formarem a fila e entrarem para a
sala de aula. Outros exploram o ambiente ao seu redor, distanciando-se, correndo e
conhecendo o que há de diferente. As ações desempenhadas pelas crianças correspondem
bem ao que Maturana e Varela (2001) mencionam com relação a ações e experiências que
acontecem no plano físico, mas de maneira que essa característica do fazer humano se aplica
ao modo de viver, incluindo as interações, as relações e inter-relações humanas.
Na observação dos educandos, quando estão dispostos em fila antes da entrada, local
onde realizam a oração para, em seguida, acompanharem a professora para a sala de aula,
percebe-se que é um momento em que a corporeidade não fica inerte, pois as crianças
conversam, brincam, se tocam, cutucam, cantam alguma música com gestos. Os que estão
mais próximos da professora seguem em fila, os do final da fila, conscientemente, mostram-
se mais agitados, extravasando emoções, sentimentos daquilo que sentem no momento,
revelando-se ao outro através da corporeidade. Lago e Farinon (2014) explicitam que é por
meio das experiências de relações humanas que a consciência entra em confronto, consigo
59
mesma e com o outro, renovando essa experiência. E em todo o espaço escolar, há ambiente
propício para as relações de encontros, desencontros e de reflexões. Em toda prática de
vivências corporais, o indivíduo se constitui como um sujeito aprendente.
Ao entrarem na sala de aula, os educandos dirigem-se cada um para suas devidas
carteiras. Alguns já sentam e vão tirando da mochila o material escolar, outros ficam em pé
e antes de sentar retiram seu material e outros sentam ou ficam de pé conversando com o
colega até a professora dar as instruções do dia, como, pedir para sentar e pegar o material
escolar. Ressalto que neste ambiente os educandos encontram-se dispostos um atrás do
outro, de uma forma totalmente tradicional. Somente no momento em que todos estão
devidamente em seus lugares a professora então dá início à aula.
Nessa turma, nota-se que a professora, na sua organização diária dos conteúdos a
serem desenvolvidos, busca de uma forma muito clássica organizar os educandos para que
não se distraiam e nem distraiam os demais colegas. A professora adota a seguinte estratégia:
não podem ficar de pé, pois a mesma gosta de atendê-los individualmente na classe para que
não se levantem, agitem, atrapalhem e desconcentrem os demais colegas. Os educandos
devem levantar o braço ou chamar a professora e ela vai até a classe do mesmo e os atende
individualmente em suas necessidades ou dúvidas. Percebe-se, nessa verificação que
corporeidade e aprendizagem andam juntas, e uma não significa nada sem a outra porque,
segundo a visão de Gonçalves (2012), o corpo se revela, constitui-se, mostra-se e necessita
passar pelas mudanças que o mundo lhe oferece.
O recreio é caracterizado como um momento onde a corporeidade é manifestada de
muitas formas, brincando, correndo, pulando corda, praticando salto em distância, jogando
amarelinha, pega-pega, subindo em árvore, rolando, jogando futebol. Enfim, uma série de
brincadeiras que o tempo se torna curto para poder realizar tudo o que gostariam. O recreio
é o momento mais dinâmico e alegre para os educandos, que ao toque do sinal, insistem em
ficar um pouco mais, finalizando a atividade que estava sendo realizada, fazendo uso da
conversa, do movimento, do contato, em que o uso do corpo é essencial.
De acordo com Gonçalves (2012, p. 104) “a experiência do movimento corporal
revela-nos uma sabedoria corporal”. Dessa forma, ao observar os movimentos dos alunos,
concordo com Gonçalves quando também afirma que “o corpo estabelece, com as coisas que
constituem seu espaço, um campo de presença, uma relação mágica de intimidade” (2012,
p. 104).
60
O movimento protagonizado pela corporeidade das crianças também remete ao jogo
que, segundo Gadamer (2015, p. 160), “se assenhora do jogador”, ou seja, a essência do jogo
está em possuir um espírito especial e próprio. Assim, para a criança pode aplicar-se o dizer
de Gadamer quando afirma que “jogar é um processo natural” e “um puro representar-se a
si mesmo” (2015, p. 158).
Na saída da escola, observa-se que os educandos saem correndo, pulando,
expressando-se em sua corporeidade e, nesse movimentar-se, extravasam emoções e
sentimentos. Para alguns de alegria e euforia pelo aprendizado do dia, para outros, pelas
experiências vivenciadas e, assim, “em cada ação motora está presente o germe da
criatividade que faz surgir o novo” (GONÇALVES, 2012, p. 112). Nesse sentido, Freire
(1997), enfoca que nos anos iniciais, sobretudo, os atos motores são fundamentais quando
as crianças se relacionam com o outro e compreendem as relações estabelecidas.
5.3.2 Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso
Na Escola Municipal Caetano Peluso a chegada à escola é com o desembarque na
calçada em frente à escola, onde há somente uma pequena via prioritária para a
movimentação dos veículos de transporte escolar. A maior parte dos educandos vem de
ônibus. Os demais vêm a pé, com os pais que na ida para o trabalho já deixam seus filhos na
escola. Outros vêm acompanhados até a escola pela mãe.
No pátio da escola, antes do sinal, os educandos ficam brincando no parquinho,
outros nas casinhas de boneca espalhadas no pátio (sobretudo as meninas), já outros ficam
sentados em grupos conversando, brincando, caminhando sob árvores que se encontram
nesse lugar. “Sentir as emoções, transmitir vontades, decidir sobre o que quer fazer, explorar
as potencialidades com vigor são mensagens emitidas pelas crianças por meio dos
movimentos corporais” (PORTO, 1995, p. 90). Alguns educandos vão se posicionando para
serem os primeiros na fila enquanto esperam o momento da oração antes da entrada para a
sala de aula. Enquanto esperam na fila, trocam ideias, movimentam-se, fazem algumas
brincadeiras, usando o corpo, pois conversam, mexem com o colega, empurram-se, cutucam,
outros ficam sentados esperando o sinal para entrar na fila.
61
Na entrada para a sala de aula os educandos que estão mais no final da fila ficam
se empurrando, conversando, brincando, rindo, já os que estão mais perto da professora
buscam seguir um atrás do outro. Observa-se que, a corporeidade manifesta-se mesmo em
fila seguindo uma certa ordem, pois os educandos estão sempre em movimento, uma vez
que essa característica é inerente à criança que participa ativamente das experiências de
mundo. O movimentar-se é constante na vida deles. Segundo Merleau-Ponty (1994), o
movimento corporal é considerado elemento da formação humana e se apoia na
corporeidade.
Em sala de aula os educandos tomam seus devidos lugares, escolhidos pela
professora, um atrás do outro, de forma tradicional. Dependendo da atividade a professora
sugere e/ou os educandos perguntam se podem sentar-se dois a dois ou até três a três.
Geralmente repetem essa solicitação, mas fica a critério da professora aceitar ou não a
proposta. Em alguns momentos, a professora trabalha em grupos com os educandos no chão
ou agrupados nas classes, também os deixando livres para interagir entre si, numa
demonstração de compreensão da necessidade do movimento pela criança. De acordo com
Gonçalves (2012, p. 153) “em cada movimento corporal, o novo é criado”, pois “o
movimento corporal nunca se repete” e “uma situação nunca é a mesma” como também não
o é o ser humano.
O recreio é o momento onde o corpo mais evidencia suas emoções, como forma de
alegria, felicidade, prazer, entusiasmo, participação, euforia, rejeição, tristeza, uma
infinidade de adjetivos positivos e negativos. Essas manifestações são percebidas, de um
lado, pelo sorriso das crianças, pelas faces coradas e pela excitação do movimento. De outro
pela inconformidade da não aceitação ou exclusão de alguma criança do grupo ou
desentendimentos que normalmente ocorrem. De acordo com Porto (1995, p. 106) “a
excitação é tão aparente que, se o corpo está apto ou não para realizar tal tarefa, não importa”,
da mesma forma, “se o corpo está gostando ou não de participar daquela atividade, também
não é importante” e, assim, “se o corpo se cansa, ele não pode parar”. Já para Gonçalves
(2012), a corporeidade no brincar envolve “confraternização, comunicação com os outros,
em um contexto livre de ameaças”. Assim, “no cerne do lúdico, parece estar a criatividade,
ação humana com vistas a criar a cada momento o novo, em um envolvimento ativo”. No
convívio com os outros e com o mundo “o movimento em si é a finalidade” (2012, p. 161).
De acordo com Porto (1995, p. 91) “a agitação e a ansiedade fazem parte destas ações das
62
crianças e, principalmente, a criatividade e a autonomia, que são impedidas de ser exploradas
na presença do professor, aparecem de maneira enfática quando ele se ausenta”.
Nesse momento o educando age com sua corporeidade com liberdade brincando de
pega-pega, amarelinha, pula corda, balanço, escorregador. Corre, pula, grita, briga, discute
e volta a entender-se com o outro. Por vezes se faz necessária a intervenção da professora
para resolver certas situações mais complicadas como no jogo de futebol, quando não
obedecem a regas e acabam discutindo ou brigando, usando da corporeidade para se defender
e ou ficando chateado e saindo do jogo. O tempo do recreio parece nunca ser o suficiente
para as crianças, pelo prazer que sua corporeidade expressa.
A saída da escola acontece de uma forma muito diferente da entrada para a sala de
aula. Nesse momento os educandos saem conversando, gritando, correndo. É onde a
corporeidade do educando mais evidencia prazer, alegria, euforia. Maturana e Verden-Zöller
(2004), destacam que é por meio dos próprios movimentos que a criança toma consciência
de sua forma corporal humana e se estiver consciente disso, ela pode “criar um mundo
coerente com o espaço operacional” onde está, “constituindo-o como um entorno” no qual
pode mover-se com liberdade. Dessa maneira, “meu entorno, meu mundo [...], a expansão
do meu corpo” (MATURANA E VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 159).
A seguir apresento as reflexões a respeito das observações feitas com os educandos
das referidas escolas pesquisadas.
5.3.3 Reflexões a partir das observações feitas com os educandos
Na observação dos educandos de ambas as escolas, a chegada, para alguns, se
expressa pela corporeidade como forma de alegria, encontro, brincadeiras, aprendizagens
com os colegas. Já para outros, a chegada à escola é de responsabilidade, seriedade. Para a
grande maioria dos educandos, a chegada à escola, ao recreio e a outros espaços ditos livres
como em frente à escola, na fila enquanto esperam o sinal para entrar na sala de aula, irem
ao ginásio, é um momento onde eles encontram a possibilidade de soltar um pouco mais o
próprio corpo. Realizar ali diversas atividades de expressões corporais tais como: cantos,
mímicas, gestos, falas, atitudes de aproximação, jogos, pega-pega, pula corda, amarelinha,
futebol. Essas são maneiras de se comunicar, movimentar a potência que circula em sua
63
corporeidade como formas de aprendizagens, trocas de ideias e sentimentos. Já para outros,
(uma pequena minoria) o corpo é estático, observa-se neles um olhar que fala de alegria, dor,
tristeza, preocupação, medo, insegurança, o que, porém, não impede o aprendizado, mas que
de alguma forma, pode dificultar.
Esses momentos, tanto os de alegria como os de tristeza são ricos para os professores,
porque o corpo do educando mostra como ele está ou se sente. Observar a criança que cria,
inventa, fantasia histórias e brinca permite ao professor ajudá-la a reconhecer-se autora no
seu fazer e no seu aprender.
O corpo do ser humano é a chave mestra de como ele é, se vê ou se sente. Percebe-
se na grande maioria que, o corpo não consegue ficar quieto, parado, tem que estar em
movimento realizando alguma atividade. Em todas as idades e níveis de ensino, o educando
se revela por meio da linguagem corporal através do olhar, do riso, das expressões faciais,
ou mesmo por meio das quais se permite que o outro possa compreendê-lo como um ser no
mundo, pois não há um caminho pré-estabelecido, mas, “o devir evolutivo é uma deriva que
segue qualquer direção na qual se mantém o viver” no evoluir biológico e cultural de sua
maturidade. Ainda de acordo com os autores “amor e brincadeira são modos de vida e
relação” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 248-249). O ser humano não seria
humano sem espaço para o amor e para o brincar, que o tornam um ser no mundo.
Gonçalves, afirma:
Ser-no-mundo com um corpo significa ser vulnerável e estar condicionado às
limitações que o corpo impõe pela sua fragilidade, por estar aberto a uma
infinidade de coisas que ameaçam sua integridade. Ser-no-mundo com o corpo
significa a presença viva do prazer e da dor, do amor e do ódio, da alegria e da
depressão, do isolamento e do comprometimento. Ser-no-mundo com o corpo
significa movimento, busca e abertura de possibilidades, significa penetrar no
mundo e, a todo momento, criar o novo. [...] (GONÇALVES, 2012, p. 103).
Manifestações corporais fazem os educandos, seja no espaço, família ou em
ambientes de outras organizações humanas. Espaços como rua, praça, parque, casa são
espaços da criança/educando como oportunidade de movimentar-se andar, correr, pular,
jogar, rolar, ou até mesmo se expressar por outros movimentos como gesticular, rir, gritar,
cantar, abraçar, tocar o outro entre outras formas. São formas verbais e não verbais, que
auxiliam a comunicação e o contato pelo corpo e através do corpo. São experiências vividas
na corporeidade que ajudam os educandos/crianças a desenvolverem sua consciência, sua
64
capacidade de conviver nos diversos espaços em que transitam, levando-os a buscar novas
formas de aprendizagens, que segundo Maturana e Verden-Zöller afirmam:
Na criança, a consciência individual surge com o desenvolvimento de sua
consciência corporal, quando ela aprende seu corpo e o aceita como seu domínio
de possibilidades, ao aprender a viver consigo mesma e com os outros na
linguagem. [...] A criança só adquire sua consciência social e autoconsciência
quando cresce na consciência operacional de sua corporeidade. Ela só pode crescer
dessa maneira quando o faz numa dinâmica de brincadeiras com a mãe e o pai
(2004, P. 228-229).
No processo de construção e desenvolvimento a criança amplia sua consciência
corporal, que acontece a partir da consciência operacional do mundo em que vive. Todas as
dimensões do existir humano acontecem no operar de sua corporeidade.
No recreio, os educandos têm maior liberdade para realizar com criatividade
brincadeiras onde a corporeidades se evidencia com maior livre-arbítrio. Essa liberdade é
observada e limitada dentro do espaço e do tempo escolar. A sala de aula também pode e
deve estabelecer-se em um espaço de liberdade e experiências. E esse processo, ao constituir-
se de desafios para o educando, contribui para que o aprender ocorra de forma prazerosa.
Segundo Gonçalves (2012),
a experiência corporal e do movimento inclui a percepção, anterior a qualquer
formação de conceitos, das possibilidades e dos limites do corpo físico –
“conhecimento” esse fundado em experiências anteriores e nas características da
situação presente – e, ao mesmo tempo, a percepção do mundo circundante, em
sua relação com ele. A experiência corporal está no cerne da transformação do
“corpo próprio” no decorrer de nossa vida e na realização de cada movimento. [...]
(GONÇALVES, p. 146)
Em todas as observações, constatou-se que há um bom vínculo educando/educando
e educando/professor. O momento da saída nas duas escolas é o que mais chama atenção,
pois há na grande maioria um extravasamento de emoções expressas na corporeidade dos
educandos como movimentos intensos de liberdade. Movimentos esses que de forma criativa
podem ser integrados ao espaço escolar da sala de aula.
Em ambas as escolas, há manifestações da corporeidade entre professor/educando e
educando/educando em forma de toque, elogios, limites, valorização, incentivo,
acompanhando, questionando, observando e organizando-os. Observou-se também que os
educandos de ambas as escolas, participam indo ao quadro realizando atividades, com
questionamentos, tirando dúvidas, ajudando os colegas que têm maior dificuldade em se
65
concentrar, prestar atenção e realizar as tarefas num tempo maior dado para a realização das
mesmas.
Verificaram-se nas escolas observadas dificuldades que as professoras encontram em
trabalhar, desenvolver atividades dos conteúdos planejados, onde as mesmas estão
relacionadas com a corporeidade dos educandos. Pois ainda permanece uma concepção
equivocada de que a aprendizagem é um processo mental e isso as professoras pesquisadas
deixaram transparecer em suas falas.
As dificuldades que os educandos possuem, ou até mesmo as que vão adquirindo em
situações de vivência em outros espaços por não saberem lidar com as questões emocionais
surgidas na escola e na própria sociedade, vão somatizando em sua corporeidade. Essas
questões como dificuldades de compreensão, aos poucos vão debilitando sua autoestima, sua
autoimagem perante eles mesmos com relação aos seus colegas e demais ambientes onde se
relacionam, dificultando a aprendizagem, não só escolar, mas como um todo. Segundo
Fernández (1990, p. 59) “desde o princípio até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo. Uma
aprendizagem nova vai integrar a aprendizagem anterior”. E, a autora segue afirmando:
Assim, ao educador não deveria bastar-lhe que seu aluno faça bem as
multiplicações e divisões, ou responda a uma avaliação. Existe um sinal
inconfundível para disfarçar a ortopedia da aprendizagem: o prazer do aluno
quando consegue uma resposta. [...] sua corporização prática em ações ou em
imagens que necessariamente resultam em prazer corporal (FERNÁNDEZ, 1990,
p. 59).
Na vertente auto organizativa não há apropriação, mas sim construção do
conhecimento, do objeto sobre o qual está aprendendo, que expressa em sua corporeidade o
prazer de sentir-se em aprendizagem. Percebe-se, então, que a corporeidade dos educandos
se manifesta nas experiências formativas de forma espontânea, participativa através de
observações, questionamentos, trocas de ideias entre professor/educandos e
educandos/educandos, ajudando-se, lendo, escrevendo, mostrando, aprendendo e ensinando.
As experiências de aprendizagens duram a vida toda. Elas acontecem e passam
sempre pelo corpo. Se não passar pelo corpo não ocorre aprendizagem. A aprendizagem é
corporal porque o prazer de aprender passa pelo corpo e a experiência corporificada, resulta
em novas experiências de prazer.
Essa satisfação, esse prazer foi observado, por exemplo, em um momento, na sala de
aula, em que a professora da escola Mateus Dal Pozzo trabalhou um texto sobre a Mãe. Após
a leitura silenciosa e oral a professora questionava os educandos para saber se os mesmos
66
haviam lido e entendido sobre o texto. Percebi que respondiam as questões com interesse,
entusiasmo e alegria. A corporeidade dos educandos, na referida atividade, manifestou-se de
tal forma que foi oportunizada pela professora, tornando-se participativa, na troca de ideias
e resgate de vivências relacionadas ao texto.
Segundo Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 29) é “no fluxo emocional” que se
“constitui, a cada instante, o cenário básico a partir do qual surgem nossas ações”. São nossas
emoções e não a razão que determinam nosso fazer e agir. Assim nossas atividades “ocorrem
como conversações e redes de conversações” (2004, p. 31). O conversar espontâneo da
criança é um “afazer tipicamente humano” que pode ser canalizado de forma criativa em
sala de aula.
Concluo que a escola pode ser um espaço no qual o educando não só aprende, mas
constrói novas informações, novos conhecimentos e conceitos para que, a partir desses,
consiga constituir-se como ser humano. A escola é um espaço dinâmico e, através de seus
professores, pode dinamizar um constante processo de formação que propicie observação e
o reconhecimento dos educandos como sujeitos com afetos, emoções, possibilidades,
linguagem, movimento e limitações. Que possa reconhecê-los como protagonistas e autores
de seu próprio aprender, de sua própria história. Isso muito depende da continuidade da
formação dos professores, através de leitura, estudo, debates e reflexões profundas.
Professores e educandos podem estar em constante aprender com e através de seus corpos,
de sua corporeidade. Isso se evidencia em concepções sobre o que é ser gente, o que é
aprender, o que é viver como gente.
5.4 PESQUISA REALIZADA COM OS PROFESSORES DAS ESCOLAS E DEMAIS
PROFISSIONAIS QUE ATUAM NAS TURMAS DO SEGUNDO ANO
A entrevista realizada com as professoras e demais profissionais que trabalham com
as turmas do Segundo Ano, que foram alvo da pesquisa, buscou saber a formação de cada
profissional e qual a compreensão que os mesmos têm sobre o tema abordado. As questões
propostas foram: 1) qual sua formação educacional, curso, ano e instituição? 2) possui
atualizações posteriores a sua formação? 3) quantos anos atua na área da educação? 4) para
67
você, o que é aprendizagem? 5) O que você entende por corpo, corporeidade? 6) no decorrer
de sua formação havia disciplinas sobre o assunto corpo, corporeidade? 7) na sua concepção,
o corpo está relacionado com a aprendizagem?
Começo, designando os profissionais, professores por letras maiúsculas do alfabeto,
como: Professora A, B, C, D, E, F. Após, descreverei o que cada profissional relatou na
sequência sobre cada questão, na ordem das perguntas. As questões um, dois, três e seis estão
descritas na tabela abaixo, e as demais questões na sequência
TABELA 1
PROFESSORA
ÚLTIMA
FORMAÇÃO
ANO
ESPECIALIZAÇÃO
FORMAÇÃO
CONTINUADA
ANOS DE
SERVIÇO
DISCIPLINA
RELACIONADA AO
CORPO/
CORPOREIDADE
A
Pedagogia
Séries
Iniciais
Universidade
de Passo
Fundo– UPF.
2004
Pós-graduação em
Educação e
Infância
Associação
Catarinense,
Faculdade de
Joinville – Nova
Prata, 2006
Sim
23 anos
Sim
B Licenciatura
Educação
Física
Universidade
de Passo
Fundo –
UPF.
2013
Curso Pilates
Universidade de
Passo Fundo, 2014.
Sim
2 anos
Sim
C
Graduação
Pedagogia
Licenciatura
Plena séries
Iniciais
Universidade
de Passo
Fundo.
2001
Pós-graduação
Educação e
Infância,
Universidade de
Santa Catarina na
APAE de Nova
Prata, 2003.
- Especialização
em Educação
Especial UNESP -
Tuiuti do Paraná
Passo Fundo. 2008.
Sim
12 anos
Sim
68
- Especialização
em Deficiente
Visual
- Especialização
para Surdos
UNESP Tuiuti do
Paraná Passo
Fundo. 2010.
-Especialização
AEE, MEC
UNESP Tuiuti do
Paraná Passo
Fundo, 2014.
D Graduação
Pedagogia
Educação
Infantil
Séries
Iniciais e
Segundo
Grau
UNOPAR
Veranópolis
2010
Pós-graduação
Especialização em
Psicopedagogia
UNIASELVI
Protásio Alves,
2014.
Sim
24 anos
Sim
E Graduação
em
Licenciatura
em Educação
Física
UNOPAR
Veranópolis.
2013
Pós-graduação em
Educação Física
Escolar em Inter
recreação e
Interdisciplinaridad
e, CENSUPEG,
Nova Prata, 2014.
Sim
3 anos
Sim
F Graduação
Pedagogia de
Férias
Universidade
de Ijuí.
UNIJUÍ.
1996
Pós-graduação em
Psicopedagogia,
pela Universidade
de Caxias do Sul
em Nova Prata,
2010.
Sim
25 anos
Sim
Com base na tabela, a coluna sete, traz sobre a questão: Possui atualizações
posteriores a sua formação? Pode-se perceber que cada professora ou profissional de áreas
afins procura dar continuidade ao aprofundamento de sua formação e conhecimento,
concordando com o dizer de Lago (2014, p. 71), “o modo como experimentamos uns aos
outros, as tradições, o mundo revela que nós não estamos encerrados entre barreiras
69
intransponíveis”, mas, em devir, aberto as possibilidades mostrando “como modo de ser,
como temporalidade, importante condição à formação”. Além disso, “a educação nunca se
efetivará como controle metodológico e epistemológico” (LAGO; FARINON, 2014, p. 769),
mas no domínio do conhecimento que possibilita uma emancipação que possa se concretizar
como autoformação que permite ao professor-educador repensar sua formação e que tipo de
sujeito pretende formar enquanto educador. As professoras pesquisadas, no decorrer de sua
vida profissional, manifestam a busca por uma formação que possibilita emancipação
conforme propõe Lago e Farinon.
Nas palavras de Lago e Farinon (2014, p. 770) “na construção das habilidades em
sala de aula, na significação do conhecimento adquirido, não é raro o professor ser
surpreendido pelo educando, pela sua autoconstrução”, como espaço de autoria e construção
de seu próprio aprender.
Nesse sentido as professoras pesquisadas, no geral, demonstraram interesse em
manterem-se atualizadas participando de formação continuada. De acordo com Strieder
(2004, p. 159) “a aprendizagem precisa estender-se ao longo da vida, como necessidade para
gerar a evolução, e isso implica uma ávida procura de informação e sua necessária
transmutação em conhecimento”.
A quarta questão traz a compreensão de aprendizagem das investigadas. A professora
A, disse, “a aprendizagem é tudo aquilo que o aluno ou a pessoa faz e cresce como ser, é
mudança de comportamento e a partir do momento em que a pessoa aprende alguma coisa,
ela vai mudar seu comportamento, sua atitude, suas ações”. Para Strieder (2004, p. 292) “a
aprendizagem exige um constante refazer e desfazer, viabilizando apropriações”.
A professora B afirmou que a aprendizagem “é um processo muito grande que
envolve cada dia [...] aprender alguma coisa, entender sobre si, sobre seu corpo” e ainda
como o corpo é usado e “como usa seus pensamentos”. Para a professora B, persiste uma
vertente racionalista de aprendizagem um corpo que “usa seus pensamentos”. Mas, como
destaca Strieder (2004, p. 292), a corporeidade compreende “a relação bio/social integradora
de um sistema vivo, dinâmico e agregador”, tendo relação com o meio no qual o ser humano
convive. É nessa dinâmica que o ser humano incorpora, assimila, aprende e repassa aquilo
que sabe e aprende, tendo chances para novas mudanças e aprendizagens.
A professora C afirma que “a aprendizagem é um todo. Acho que a gente vive o
eterno aprendizado [...] a palavra aprendizagem é muito além do ler, escrever e dos cadernos
[...] a gente está aprendendo com o contato, com a conversa, com a interação, com a
70
experiência; aprender é ação, é emoção o que nos motiva, nos marca e se transforma em
aprendizado”. Vale expor a visão de Maturana e Varela (2001), que dizem que toda a
experiência de fora é “validada de uma maneira particular pela estrutura humana”. A
professora faz um encadeamento entre a ação que pratica e as experiências que traz em sua
bagagem, buscando a “inseparabilidade entre ser de uma maneira particular e como o mundo
nos parece ser” (p. 31). O aprendizado apresenta-se como “um todo integrado e está
fundamentado da mesma forma em todos os seus âmbitos” (p. 33).
A professora D expõe, “aprendizagem é aquilo que a gente aprende no dia-a-dia, que
tu aprendes com o outro, tu aprendes ensinando, tu aprendes em dobro”.
Para a professora E, “é tudo o que a gente pode aprender as maneiras que a gente
utiliza para conseguir isso. No caso do aluno, que estratégias que eu vou usar para que eles
aprendam, levando em conta a capacidade de realização de cada um. É tudo o que eu posso
ensinar para eles [...]. Importa colocar uma conhecida frase de Freire (1987), que corrobora
com a opinião da professora: “O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto
educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa”
(FREIRE, 1987, p. 39). E tudo o que eles possam estar aprendendo, desde lateralidade, tudo
enfim, mas é tudo o que eu posso passar para eles, que eles possam aprender”. Já para a
professora F, aprendizagem, “é um conjunto de fatores, e uma soma, um contexto,
movimento, família, escola, o social, o afetivo”. Tudo o que se aprende “desde o útero da
mãe, sons, movimentos, não deixam de ser diferentes formas, mas [...] são aprendizagens”.
Segundo Dalpiaz (2014, p. 1017-1032), no pensamento de Delors (2009),
aprendizagem é fundamentada em quatro pilares distintos como: “aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a viver com os outros, aprender a ser”. Nesse sentido, as
professoras entrevistadas, cada uma a seu modo, entendem a aprendizagem como um
processo fundamentado nos diferentes pilares, sobretudo na concepção das professoras D, E
e F. O aprender a conhecer envolve os instrumentos utilizados para a compreensão, o
aprender a fazer corresponde à ação em si, o aprender a viver juntos parte da cooperação
entre todos nas atividades empreendidas e o aprender a ser, torna-se a soma dos itens
anteriores. No dizer de Morin (2000, p. 55) “todo desenvolvimento verdadeiramente humano
significa o desenvolvimento conjunto nas autonomias individuais, das participações
comunitárias e dos sentimentos de pertencer à espécie humana”.
Para Fernández (2001, p. 63), “não aprendemos com qualquer um, aprendemos com
aquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar” (p. 63). Já Maturana enfatiza que,
71
aprendizagem “vem da palavra apreender, que quer dizer, pegar ou captar algo”. Na
sequência o autor afirma que aprendizagem, “não é a captação de nada: é o transformar-se
em um meio particular de interações recorrentes”. Diferentemente da concepção de
Maturana e Verden-Zöller (2004), no geral, as professoras pesquisadas ainda concebem a
aprendizagem como uma representação o que significa a conservação de resquícios da
educação tradicional. A professora A afirma que aprender “é mudança de comportamento”,
não havendo ainda a compreensão de que “há uma inseparabilidade entre o que fazemos e
nossa experiência do mundo” (MATURANA; VARELLA, 2001, p. 31).
Na afirmação de Assmann (2001, p. 192), “o aprender se refere ao desenvolvimento
de uma rede de experiências pessoais de conhecimento socialmente validável no convívio
humano”, onde a aquisição de conhecimento é diferente da aquisição de saberes prontos. O
conhecimento surge no aprender. A professora F entende, que esse “desenvolvimento de
uma rede de experiências [...] do convívio humano” ao afirmar que “aprendizagem é um
conjunto de fatores, é uma soma [...], um contexto, movimento, família, escola, o social [...]”.
Para Sopelsa (2009, p. 256) “um tipo de mediação significativa implica,
necessariamente, uma compreensão do aprender com o processo do corpo todo, e não de
uma racionalidade abstrata, dicotômica, distanciada e, muitas vezes, sem sentido para o
aluno”. A afirmação da professora B, ao mesmo tempo em que vem ao encontro desta
concepção: “aprender [...] envolve entender sobre si, sobre seu corpo, como usa [...]”,
também conclui seu dizer com uma fala de concepção cartesiana quando afirma: “[...] e como
usa seus pensamentos”.
Na quinta questão, desejamos conhecer e entender o que cada professor entende por
corpo, corporeidade. Na compreensão da Professora A, “é tudo o que envolve o corpo
humano e o que está relacionado a ele. O toque, por exemplo, é uma coisa muito importante
[...], existem crianças que ficam retraídas quando tu chegas perto. Então essa questão do
toque [...] tem a ver com a corporeidade, que leva à aprendizagem. [...] ela aprende vendo
que a gente tem esse contato direto com ela. [...]. A professora A acredita que o corpo tem
relação com o aprender e afirma que isso ocorre “até na maneira de sentar, se posicionar”.
Para Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 139), nos tornamos aquilo que somos de acordo
como nos movemos e “à maneira como nos tocamos mutuamente, constituindo, momento a
momento, espaços de ação na transformação de nossa corporeidade”.
Para a Professora B, “corporeidade é o aluno ou a pessoa ter noção do seu corpo, dos
seus limites, ver o que dá para fazer, o que consegue fazer, até onde pode chegar e ter uma
72
consciência do que [...] pode praticar com teu corpo além de só pensar, mas o corpo, ele
ajuda bastante se demonstra, se desenvolve”. A professora B, da mesma forma, divide-se
entre uma concepção de “corporeidade viva” (ASSMANN, 1998, p. 34) e a ideia de
limitação pela racionalidade.
A Professora C respondeu que “o corpo é um, é que na verdade corpo e mente não
são separados, são um todo, e na verdade se formos pensar mais nessa questão da
aprendizagem. Então eu acho que o nosso corpo é o canal de aprendizagem que muitas vezes
não é explorado, não se deixa fluir, não se deixa dar essa vazão [...]. No entendimento da
Professora D, corporeidade são “os movimentos [...], eles se desenharem, se tocarem, se
olharem. Eles têm que se conhecer”. Para a Professora F “o corpo é aquilo que expressa”.
Embora as professoras C, D e F manifestem uma visão de compreensão da importância do
corpo na aprendizagem, esta ainda é bastante frágil e carente de embasamento teórico. De
acordo com Assmann (1998, p. 39) “aprender é uma propriedade emergente da auto-
organização da vida”. Nessa direção Strieder e Zimmermann (2012, p. 106) afirmam que
“todo o processo de aprendizagem acontece, não de forma estática, mas dentro de um
processo de desestabilização e de ruptura de forma similar à vida”, e isso ocorre “na
amorosidade, na convivialidade constituindo-se de momentos de ordem e desordem”. O
movimento e a dinamicidade da criança vão contra um conceito de ensino e escola
estagnados. No dizer de Merleau-Ponty (1994, p. 228), “meu corpo é também aquilo que me
abre ao mundo e nele me põe em situação”. E, “o movimento da existência em direção ao
outro, em direção ao futuro, em direção ao mundo pode recomeçar, assim como um rio
degela”.
A sexta questão perguntou se no decorrer de sua formação havia disciplinas que
trataram sobre a temática corpo, corporeidade. Todas as professoras pesquisadas
responderam afirmativamente. Porém, o simples fato de ter havido disciplinas com conteúdo
sobre corporeidade, não significa que tenha havido a compreensão desse importante
conceito. Nosso corpo, no dizer de Merleau-Ponty (1994, p. 210), é comparado a uma obra
de arte, “ele é um nó de significações vivas e não a lei de um certo número de termos co-
variantes”. De que “todo hábito é ao mesmo tempo motor e perceptivo”, pois, “reside, entre
a percepção explícita e o movimento efetivo, nesta função fundamental que delimita ao
mesmo tempo nosso campo de visão e nosso campo de ação”.
A questão sete buscou saber se as professoras consideram que o corpo está
relacionado com a aprendizagem. Cada uma no seu entender disse: A Professora A, narra,
73
“que o corpo está relacionado porque faz parte, o corpo faz parte do processo de todo, é o
corpo que está ali em interação, interagindo e, com certeza faz parte sim do todo”. A
professora ensaia um pensamento de que o corpo faz parte do processo da aprendizagem
como um todo, mas ainda está distante da visão de Strieder, de que “há fortes indícios de
que um processo pedagógico terá sucesso e será significativo para o aprendente se for capaz
de produzir uma reconfiguração no sistema interno corpo/cérebro/mente/entorno”
(STRIEDER, 2004, p. 295-296).
A Professora B, relata, “olha, sim. Acredito que sim. O que eu aprendi na faculdade
sim. Tu dominando teu corpo, o teu jeito, os teus pensamentos, tu tens mais uma facilidade,
tu consegues pula, tu consegues até mesmo que o aluno vá se motivando, eu percebo isso.
Novamente surge na fala da professora a concepção de que o corpo precisa ser dominado.
“Um corpo bem-disciplinado forma o contexto de realização do mínimo gesto” e também “é
a base de um gesto eficiente” (FOUCAULT, 2014, p. 149-150). A referida professora ainda
cita um exemplo de frase dita por um aluno: “Profe, hoje eu não consigo sacar lá no vôlei”.
E continua, “Aí amanhã ele consegue, aí ele já vai mais animado também para a aula. Acho
que sim, que ajuda bastante na aprendizagem”. Assim como se posiciona de forma
tradicional em relação ao corpo disciplinado, também manifesta acreditar na importância da
dinamicidade do corpo. Em Merleau-Ponty (1994, p. 185), “a tradução do percebido em
movimento passa pelas significações expressas da linguagem, enquanto o sujeito normal
penetra no objeto pela percepção, assimila sua estrutura, e através de seu corpo o objeto
regula diretamente seus movimentos”.
Já a Professora C, expõe que “nós não somos nem só corpo, nem só mente [...], é um
conjunto e o corpo ele precisa estar bem, estar se sentindo bem, estar num ambiente
prazeroso, desenvolver coisas prazerosas, se as coisas se dão pela ação, quem desenvolve a
ação é o corpo”. A professora C aproxima-se das concepções que embasam essa pesquisa de
que o corpo é foco importante e principal para a aprendizagem. Também concorda que o
corpo necessita estar em movimento. Da mesma forma aponta a importância de um ambiente
prazeroso. Em Merleau-Ponty (1994), o corpo manifesta a cada movimento sua existência
e sua forma de ser e pensar. Merleau-Ponty (1994, p. 229) afirma, “o corpo exprime a
existência total, não que ele seja seu acompanhamento exterior, mas porque a existência se
realiza nele”.
A Professora D, diz que os educandos “têm que se conhecer, eles precisam se
conhecer, conhecer o corpo deles. Eles precisam se conhecer, eles se olhando e observando
74
o colega. ” A professora traz uma ideia, embora imatura, de percepção da importância do
corpo em relação à aprendizagem. Entende-se ainda que, no processo educativo, em geral,
há necessidade de se “reconhecer que é na corporeidade dos seres humanos que se realizam
os processos auto organizadores e que é a partir desses processos que o ser humano constrói
conhecimentos” (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2012, p. 103).
As concepções reveladas pelas professoras ainda carecem de amadurecimento na
compreensão de que “meu corpo é esse núcleo significativo que se comporta como uma
função geral e que, todavia, existe e é acessível” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 204) e é o
foco principal da aprendizagem. “Nele aprendemos a conhecer esse nó entre essência e a
existência”. Na sequência o autor afirma, “considero o meu corpo, que é o meu ponto de
vista sobre o mundo, como um dos objetos desse mundo” (1994, p. 204).
Devemos estar abertos, aos diferentes jeitos de aprender e aprender com prazer.
Assmann (1998, p. 171) afirma que “o prazer é uma força dinamizadora da aprendizagem”.
Assim, se faz necessário e urgente “resgatar a dimensão de prazerosidade intrinsecamente
ligada à intencionalidade ou dinâmica operante dos seres vivos”. Ainda segundo o mesmo
autor, “o reencantamento da educação requer a união entre a sensibilidade social e eficiência
pedagógica” (1998, p. 34). A escola não pode ser um simples espaço onde são “repassados
conhecimentos prontos”, mas um deve ser um espaço “e clima organizacional propício à
iniciação e vivências personalizadas do aprender a aprender” (1998, p. 33). A “fascinação”
e a “inventividade” devem permear o ambiente pedagógico. O Ambiente pedagógico
necessita de reencantamento, com ênfase na “produção de experiências de aprendizagem”
(1998, p. 29), já que toda a aprendizagem passa por uma inscrição corporal e tem a ver com
a experiência do prazer. Assim, ressalto a importância da formação dos professores com
relação à corporeidade que é parte fundamental para que ocorra a aprendizagem, já que toda
a aprendizagem passa pelo corpo.
75
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa demandou a construção de um diálogo sobre corporeidade,
aprendizagem e implicações nas experiências formativas, entre pesquisadora e teóricos, bem
como a partir de observações realizadas nas escolas pesquisadas. O ser humano expressa,
em sua corporeidade, tudo o que sente e vivencia em cada momento da vida. Pesquisar,
estudar e vivenciar a corporeidade, nos leva à consciência de que somos seres que nos
afirmamos em nossas aprendizagens e que, como sistemas auto organizativos, construímos
conhecimentos e experiências em todos os afazeres cotidianos. A instituição escolar é um
dos espaços, onde se oportuniza esse conhecimento através de experiências construídas na
relação com o outro e consigo mesmo. Corporeidade e aprendizagem integram tudo o que
somos. Com base em Assmann (1995), as concepções sobre o que acontece com nosso corpo,
enquanto nos movimentamos, pensamos, somos e fazemos, ocorre como processos auto
organizativos de nossa corporeidade.
As reflexões realizadas ajudaram-me a compreender e ampliar questões muito
importantes acerca da corporeidade, aprendizagem e implicações nas experiências
formativas, ligadas a concepções, com relação à minha história de vida. Antes de delinear
considerações referentes às percepções dos sujeitos envolvidos na pesquisa empírica,
apresentarei algumas concepções referentes às minhas experiências enquanto educadora,
psicopedagoga e pesquisadora em relação ao tema pesquisado, o modo como elas me
envolvem e me instigam a buscar respostas às minhas inquietações e indagações como
pesquisadora.
Desde o início de minha caminhada como aluna, percebia minhas próprias
dificuldades e, no decorrer da formação, busquei e busco superar essas concepções
tradicionais enraizadas em minha corporeidade. Não só como aluna, mas também como
profissional, percebo que tenho um longo caminho a percorrer na superação das próprias
dificuldades com relação às práticas ritualizadas na corporeidade. Porém, sempre busco,
através das formações, novas mudanças de superação na certeza de que é esse o caminho a
ser percorrido: o de buscar e propor novas concepções com desejo e prazer de mudanças na
educação, que priorizem o educando como ser humano, olhando-o em sua totalidade em prol
de uma pedagogia fundamentada nos processos de aprender a conhecer, a conhecer-se e,
acima de tudo, aprender a ser na convivência, na relação com o outro. Com isso, precisei
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quebrar barreiras, desconstruir certos paradigmas em minha história, em minha cultura para
poder visualizar e vislumbrar possíveis formas de educação e aprendizagens, além de buscar
novas formas de conhecimentos.
Nos registros de minha pesquisa, via-me usando e escrevendo termos de uma visão
ainda pobre e fragmentária de ser humano, mas procuro a cada dia superar essas concepções,
com leituras, pesquisas, observações e orientações. Percebo e entendo que essa superação
não acontece do dia para a noite, nem de uma forma simples, mas com muito empenho e
dedicação. É necessário muito estudo, leituras e reflexões constantes se quisermos fazer a
diferença. Assim sendo, coloco-me, portanto, como educadora e pesquisadora junto aos
demais educadores e pesquisadores na investigação de uma educação de qualidade, voltada
para a corporeidade, aprendizagem e suas implicações nas experiências formativas.
Pelas experiências e vivências nos diversos espaços de minha prática pedagógica,
ressalto que quando falo de corporeidade, não é somente a questão biológica, mas de um
corpo que tem história e que carrega as marcas de todo os contextos sociais vivenciados por
ele, que o constituíram e o constituem, como um corpo produto e produtor de uma cultura,
de uma sociedade ainda excludente. Para Strieder (2004), as ofertas de experiências e
aprendizagens no contexto educacional e social, aceitam a dinâmica das inquietações e veem
nos processos de auto-organização, alternativas de criatividade e de organizações solidárias.
Nesse contexto de compreensão, avanço afirmando que as concepções referentes à
corporeidade e aprendizagem necessitam ser reavaliadas e repensadas nos diversos espaços
educacionais. Isso acontece quando ocorrem formas de experienciar vivências corporais,
com mais desejo, prazer, fomentando a construção de um novo jeito de ser autor de sua
própria história, de sociedade e de mundo.
Esse diferente sujeito se define por ser, por ocupar e fazer parte desse mundo que o
rodeia, de interagir e saber relacionar-se com outros seres, outros corpos. Esses diferentes
jeitos e olhares vão fazer com que caiam barreiras, constituídas por concepções de
racionalidade acima da emoção, de indiferença, de exclusão, que vêm enraizadas na nossa
cultura e modo de ser e viver, no estabelecimento de relações de conhecimentos e saberes
entre todos.
Compreendo, com base nos dados investigados, a necessidade de mudanças no que
cabe aos processos educacionais, uma pedagogia voltada para a inclusão corporal em sua
totalidade. Uma educação que olhe e assuma a corporeidade humana, superando a dicotomia
dualista de corpo/mente, para formular novos paradigmas de uma educação que penetre e
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que invada novos caminhos. As novas descobertas, trilhas e mudanças de paradigmas,
através das quais o ser humano/educando encontra espaços de novos conhecimentos, de
autorias, proporcionaria uma educação mais humanizadora.
O professor/educando, para aprender, necessita pôr-se em jogo, em movimento, com
seu corpo, sua inteligência e desejo, que é também desejo do outro. Gadamer (2015, p. 162)
afirma que “entregar-se à tarefa do jogo é, na verdade, um modo de identificar-se com o
jogo”. Assim, “para os jogadores isso significa que não irão simplesmente exercer seus
papéis como em todo e qualquer jogo”, mas no jogar “eleva-se à sua idealidade própria”
(2015, p. 164). Dessa forma, o processo de aprendizagem pode ocorrer de forma prazerosa,
pois, segundo Assmann (1998, p. 30) “o conhecimento só emerge em sua dimensão
vitalizadora quando tem algum tipo de ligação com o prazer”.
O prazer de estar aprendendo através das experiências propostas contribui para “a
qualidade cognitiva da educação e deve ser encarada primordialmente” (ASSMANN, 1998,
p. 30), na ação pedagógica. Assim, uma educação que venha ao encontro do aprender pelo
corpo e pela prazerosidade, transforma em obsoletos os paradigmas educacionais que
consideram a aprendizagem como um processo consciente e produto da inteligência.
Valorizar o corpo em todos os seus aspectos cognitivos, afetivos e socioculturais, contribui
para uma aprendizagem qualitativa. Essas mudanças tornam-se importantes para que se
possa fazer surgir uma educação de novos conceitos, novos paradigmas educacionais, nas
experiências formativas de ser humano.
Conforme o pensamento de Assmann (1998), a aprendizagem nos faz construir
mundos onde caibam outros mundos, onde todos possam estar incluídos. Abertos a novas
aprendizagens com o outro, construímos novas realidades de experienciar o novo,
possibilitando uma educação, uma formação humanizadora. Dessa forma, a educação deve
possibilitar o autoconhecimento do educando, que busca uma maior compreensão de si
mesmo, do outro e de mundo. Isso será possível à medida que a reflexão, através da formação
continuada, for uma prática instituída em nossas escolas. Ao longo da pesquisa, percebeu-
se, nas falas das professoras, que em suas práticas pedagógicas ainda conservam concepções
marcadas pelo dualismo, pelo disciplinamento, com algumas aberturas ou tentativas que
permitem acenar para sua superação. Para superá-las, o professor precisa ousar romper
barreiras, ir além, buscar formações que levem a uma prática de educação mais
humanizadora. No pensamento de Verden-Zöller (2004) e com Maturana (1998, 2001), nós
seres humanos, tornamo-nos aquilo que, no decorrer de nossa vida, vamos vivenciando,
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experienciando em nossa corporeidade e vamos nos tornando aquilo que somos no curso das
mudanças, das conversações que realizamos com o meio no qual acontecem nossas
alterações.
Esta pesquisa, Corporeidade e aprendizagem: implicações nas experiências
formativas buscou investigar e observar como a corporeidade está presente nos processos de
aprendizagem e de que maneira a mesma se manifesta entre
professor/educando, educando/educando no espaço escolar. Nos diversos espaços escolares
em que os educandos se locomovem, pude perceber que a corporeidade de cada um, se
manifesta das mais variadas formas, dentro daquilo que estão sentindo, vivenciando e
aprendendo, manifestos em seu correr, brincar, pular, escrever, dançar, chorar, sorrir,
abraçar, saltar, criar, enfim uma infinidade de coisas positivas e ou negativas. Todos esses
afazeres denotam como o corpo é capaz de potencializar, produzir, guardar e revelar
sentimentos a si e com quem estiver interagindo com ele. Todas essas ações que acontecem
e se revelam no espaço escolar, tornam o educando autor de sua própria história e de suas
aprendizagens. Segundo Maturana e Varella (2001, p. 265), “de nossas heranças linguísticas
diferentes surgem todas as diferenças de mundos culturais”, e como seres humanos temos
condições de viver e “dentro dos limites biológicos, podem ser tão diversas quanto se
queira”.
Concluo, a partir das questões direcionadas às professoras, que as mesmas ainda não
têm claramente a percepção de que as questões referentes à corporeidade e sua importância
na aprendizagem, não dizem somente respeito à corporeidade dos educandos, como também
a questões ligadas à sua própria corporeidade. A continuidade de estudos, aprofundamento
e reflexões é o caminho para uma mudança de mentalidade que se afaste de modelos
tradicionais e se encaminhe para uma educação mais humanizadora.
De acordo com Strieder (2004, p. 281), é preciso “uma interação dinâmica entre os
corpos, tanto os corpos consigo mesmos, quanto com o seu entorno”. Ainda para o autor “a
partir da capacidade auto-organizativa” (p. 283), o ser humano se renova e evolui de maneira
eficaz, quando todas as partes interagem cooperativamente de forma amorosa e prazerosa.
Esse é um desafio complexo, uma vez que, para que ocorra a aprendizagem, o educando
necessita estar em contínua interação com todo o sistema auto organizativo do qual faz parte.
E nessa reflexão, como atesta a poesia a seguir, de Lago (2016 – no prelo), nascem ações
praticadas que condicionam o ser a experimentar, pela corporeidade, diferentes sensações,
quer seja de prazer, resignação ou sofrimento.
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CORPOREIDADE
Almas sofridas,
Vidas perdidas.
Sentidas em corpos cindidos
Pelo sangue vertido
Nos olhares perdidos...
De corpos sofridos
Em almas feridas
De almas sofridas...
Por vidas marcadas
Vivendo, vivendo,
Querendo mais ou menos nada...vida
Corpo e alma?
Nem um e nem outro.
A dor é só uma!
A alegria e o gozo também!
Feitos reféns!
“Pobres” do além!
O agir pedagógico, numa dinâmica humanizadora de interações constantes com o
outro, possibilita ao professor olhar, acolher e valorizar o educando para que o mesmo
construa experiências formativas em sua corporeidade e em seu ser no mundo. O educador
com uma visão mais abrangente do universo do aluno, leva em conta a revisão de suas
atitudes metodológicas e epistemológicas, portas para promover uma formação integral do
ser. Frente aos desafios que se apresentam, é preciso oportunizar às crianças diferentes
experiências formativas como corporeidade, a partir da capacidade que o ser tem de sentir e
utilizar o corpo por meio de sua interação com o mundo. Corpo e corporeidade devem ser
focados com unidade, ou seja, como prega Merleau-Ponty (1994), o corpo visto como
sujeito, como essência e como existência, envolto em relações complexas.
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Entretanto, uma formação em corporeidade persiste repleta de questionamentos, um
tema aberto para debates, reflexões e projeções formativas mais humanizadas. Porém, é
fundamental por parte dos educadores, compreenderem o valor da formação continuada e a
importância da corporeidade nos processos educativos. Da mesma forma, o papel da escola
está em oportunizar “experiências de aprendizagem que lhes permitam continuar aprendendo
ao longo de toda a vida”, pois “ninguém mais conclui na escola a sua formação” 5
(ASMANN, 2000, p. 13).
Na medida em que, ao educando, são proporcionadas experiências de vivências em
sua corporeidade, seu corpo torna-se capaz de produzir emoções e saberes, em si e em
relação ao outro e a continuar aprendendo, por toda sua vida, revelando-se sujeito e autor de
sua própria história.
Este estudo e resultados da pesquisa realizada não se esgotam, mas abrem caminhos
para questionamentos para uma continuidade na busca de novas práticas que considerem a
corporeidade do educando no processo de aprendizagem em suas experiências formativas.
5 5Prefácio do livro: STRIEDER, Roque. Educar para a iniciativa e a solidariedade. Ed. Unijui, 2004.
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