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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA UNOESC ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LIANE FATIMA PASINATO RANZAN CORPOREIDADE E APRENDIZAGEM: IMPLICAÇÕES NAS EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS Joaçaba/SC 2017

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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC

ÁREA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LIANE FATIMA PASINATO RANZAN

CORPOREIDADE E APRENDIZAGEM:

IMPLICAÇÕES NAS EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS

Joaçaba/SC

2017

LIANE FATIMA PASINATO RANZAN

CORPOREIDADE E APRENDIZAGEM:

IMPLICAÇÕES NAS EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação (PPGE) – Mestrado em Educação, da Universidade do

Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de Joaçaba, como

requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Roque Strieder

Joaçaba/SC

2017

LIANE FATIMA PASINATO RANZAN

CORPOREIDADE E APRENDIZAGEM:

Implicações nas experiências formativas

Projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação

em Educação (PPGE) – Mestrado em Educação, da

Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc, Campus de

Joaçaba, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre

em Educação.

Aprovada em ........ de ................ 2016.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Dr. Roque Strieder

Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC

________________________________________

Prof. Dr. Clenio Lago

Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC

________________________________________

Prof. Dr. Leonel Piovezana – UNOCHAPECÓ

AGRADECIMENTOS

Agradecer é um momento de louvor, a todas as pessoas que de perto ou de longe,

de uma forma ou de outra, estiveram e continuam comigo nessa caminhada de

conhecimento, crescimento, de novos saberes, contribuindo para que a pesquisa se

tornasse realidade. É chegada a hora de compartilhar essa vitória, conquistada com muito

empenho, esforço, dedicação, sofrimentos, alegrias, com familiares e amigos. Para todas

essas pessoas, deixo aqui meu sincero agradecimento.

Em primeiro lugar agradeço a Deus pelo dom da vida e por me conduzir com fé e

força divina na caminha diária da vida.

Agradeço especialmente ao professor Dr. Roque Strieder, que, como orientador

fez o seu papel essencial e especial, com zelo, paciência, amor, dedicação e incentivo.

Soube conduzir com orientação o crescimento e amadurecimento da teoria para o

aprendizado e construção de ciência para que esse trabalho se concretizasse.

Agradeço à amiga Beatriz Ana Zambon Ferronato, por todos os dias de amizade

e companheirismo e, acima de tudo, pela ajuda imprescindível, ouvindo, lendo,

sugerindo, ajudando.

Agradeço aos meus queridos irmãos e irmãs que souberam me apoiar e entender

minha ausência para elaboração desse trabalho.

Agradeço ao meu esposo Hildo Antônio Ranzan, companheiro, pelo amor,

carinho e compreensão que soube entender minhas ausências.

Agradeço à minha linda filha Caroline Pasinato Ranzan, por me entender e

incentivar, aceitando minhas ausências e principalmente por acreditar no meu sonho.

Agradeço em especial à professora Dra. Ortenila Sopelsa pelo seu carinho e

acolhida, que sempre esteve disponível para esclarecer dúvidas e ensinar a traçar

caminhos de Alteridade.

Agradeço aos professores: Profº. Dr. Elton Nardi, Profº. Dr. Clenio Lago,

Profº. Dr. Maurício Farinon, Profº. Dr. Paulino Eidt, Profª. Dra. Maria Tereza

Trevisol, Profª. Dra. Luiza Helena Dalpiaz, Profº Dr. Luiz Carlos Lückmann, que

sempre me acolhiam com abraços, sorrisos, palavras de incentivo, esclarecendo dúvidas

e por sua disponibilidade ao diálogo.

Agradeço a todos os professores do Programa de Mestrado em Educação da

UNOESC – Joaçaba por estarem sempre disponíveis ao diálogo com suas aulas

incentivadoras que me ajudaram a crescer como pesquisadora em aperfeiçoar meus

conhecimentos.

Agradeço às escolas, professores e alunos que me autorizaram, se prontificaram

a disponibilizar o espaço e os dados necessários para a concretização deste trabalho. Agradeço à minha sobrinha Valéria Moscon que disponibilizou tempo de escuta

incentivo, ajuda, orientação e apoio.

Agradeço ainda aos meus colegas e amigos da turma XII do mestrado em

Educação, pelos abraços que acolhiam e aqueciam nossas vivências, sorrisos e desabafos

nas discussões teóricas. Agradecer a todos os professores que fizeram parte da minha

pesquisa e a todos que de uma forma ou de outra auxiliaram na concretização desta

pesquisa.

CORPO

Por Clenio Lago

Corpo que chora,

Que ri,

Sente

E ama!

Corpo que enlouquece,

Quase se esquece,

Que é de anseios sementes

De emoções latentes!

Corpo que é corpo,

Se é, porque sente

O frio e o quente,

A língua e os dentes...

O ódio e o amor carentes,

O tesão presente!!!

Corpo só é corpo

Por que pede,

Quer,

Por que deixa

E se queixa...

Por que espírito é corpo

Em um único instante,

Meio afoito,

Meio ofegante,

Todo cambiante!

É latejante!

RESUMO

A presente dissertação tem como temática central de pesquisa, Corporeidade e

aprendizagem: implicações nas experiências formativas, vista como construção social e

resultante de um processo histórico. O objetivo principal versou em investigar como a

corporeidade está presente nos processos de aprendizagem e nas experiências formativas.

Como metodologia, para a obtenção dos dados, utilizei-me de entrevistas com perguntas

semiestruturadas e observações. Fez-se observação de educandos nos diversos ambientes

da escola e entrevistas com perguntas semiestruturadas, gravadas, com os professores

regentes da turma e outros profissionais. Buscou-se compreender as percepções que os

professores têm sobre corporeidade e aprendizagem, atuantes em turmas do 2º ano do

Ensino Fundamental, rede municipal. A partir desses dados, foram analisadas as

implicações de suas concepções no fazer pedagógico. Na fundamentação teórica as

reflexões se apoiaram, entre os autores: Assmann (1995, 1998), Foucault (2014),

Maturana e Varella (2001), Merleau-Ponty (1994), Maturana e Verden-Zöller (2004), Le

Breton (2013), Hermida e Zoboli (2012), Strieder (2004), Lago (2014) entre outros,

acerca de concepções de corpo/corporeidade, aprendizagem e implicações nas

experiências formativas construídas ao longo da história da humanidade. Considero

importante no processo de educação e construção do conhecimento, as concepções de

corpo, corporeidade, aprendizagem e experiências formativas, como condição existencial,

que situa o sujeito como ser no mundo. As apreciações das observações e das entrevistas

realizadas com os sujeitos envolvidos na pesquisa foram feitas articulando teoria e prática,

buscando um diálogo com os diversos autores pesquisados. Percebe-se que ainda persiste

na escola uma educação pautada no dualismo corpo/mente.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Experiências formativas. Corporeidade.

Aprendizagem.

ABSTRACT

The present dissertation has the central theme of research, Corporeity and learning:

implications in the formative experiences, seen as social construction and resulting from

a historical process. The main objective was to investigate how corporeity is present in

learning processes and formative experiences. As methodology, to obtain the data, I used

interviews with semi-structured questions and observations. Students were observed in

the different environments of the school and interviews with semi-structured, recorded

questions with the teachers of the class and other professionals. The aim was to

understand the perceptions that the teachers have about body and learning, acting in

classes of the 2nd year of Elementary School, municipal network. From these data, the

implications of their conceptions in the pedagogic process were analyzed. In the

theoretical basis the reflections were supported by Assmann (1995, 1998), Foucault

(2014), Maturana and Varella (2001), Merleau-Ponty (1994), Maturana and Verden-

Zöller (2004), Le Breton 2013), Hermida and Zoboli (2012), Strieder (2004), Lago (2014)

and others, about conceptions of body / body, learning and implications in the formative

experiences built throughout the history of humanity. I consider important in the process

of education and construction of knowledge, conceptions of body, corporeity, learning

and formative experiences, as an existential condition, which places the subject as being

in the world. The evaluations of the observations and interviews with the subjects

involved in the research were made articulating theory and practice, seeking a dialogue

with the various authors researched. It is perceived that an education based on the dualism

of body / mind still persists in school.

Keywords: Education. Formative experiences. Corporeity. Learning.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8

2 CORPOREIDADE: UMA HISTÓRIA ENVOLVENTE ...................................... 17

3 EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E CORPOREIDADE ..................................... 30

4 APRENDIZAGEM, UMA REDE DE INTERAÇÕES .......................................... 38

5 A CORPOREIDADE NO COTIDIANO DA ESCOLA ......................................... 50

5.1 ESCOLAS MUNICIPAIS ENVOLVIDAS NA PESQUISA .................................. 52

5.1.1 Escola Municipal Mateus Dal Pozzo .................................................................. 52

5.1.2 Escola Municipal Caetano Peluso ...................................................................... 55

5.2 PROCEDIMENTOS E COLETA ............................................................................ 56

5.3 RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO EMPÍRICA DOS EDUCANDOS NOS

DIVERSOS ESPAÇOS EM QUE CIRCULAM NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE

ENSINO FUNDAMENTAL MATEUS DAL POZZO DE PARAÍ E CAETANO

PELUSO DE PROTÁSIO ALVES/RS .......................................................................... 58

5.3.1 Escola Municipal de Ensino Fundamental Mateus Dal Pozzo ........................ 58

5.3.2 Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso ............................ 60

5.3.3 Reflexões a partir das observações feitas com os educandos ........................... 62

5.4 PESQUISA REALIZADA COM OS PROFESSORES DAS ESCOLAS E DEMAIS

PROFISSIONAIS QUE ATUAM NAS TURMAS DO 2º ANO ................................... 66

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 75

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 81

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1 INTRODUÇÃO

A criança expressa, na sua corporeidade, aquilo que está sentindo, vivenciando e

aprendendo na educação infantil e primeiros anos do ensino fundamental. As aprendizagens

acontecem no corpo e com o corpo, pois “as estruturas não estão pré-formadas dentro do sujeito,

mas constroem-se à medida das necessidades e das situações” (PIAGET, 1987, p. 387), mas

também nas experiências com o meio onde está inserida. Pode-se dizer que o corpo é o primeiro

caderno no qual se escrevem as primeiras e mais profundas aprendizagens que vão durar por

toda a vida.

Nesta pesquisa, venho, com muito empenho, dedicação e sentimentos, escrever sobre

corporeidade, aprendizagem e suas implicações nas experiências formativas. O estudo

problematiza sobre o tema que tem a ver com minhas próprias experiências de vida e de tantas

outras experiências, como a de professores, alunos e cotidiano escolar, fundamentada na

contribuição teórica de autores e especialistas que escrevem e pesquisam sobre o assunto.

O tema escolhido, Corporeidade e aprendizagem: implicações nas experiências

formativas tem como problemática de estudo: como a corporeidade está presente nos processos

de aprendizagem e nas experiências formativas?

O assunto dessa pesquisa vai abordar as palavras corpo, corporeidade, aprendizagem,

experiências formativas e educação, buscando entender, à luz de vários autores, como a

corporeidade está presente no processo de aprendizagem e em cada situação das experiências

realizadas com o mundo à sua volta. Estas, são experiências que o ser humano vai reportando

ao corpo, pois, de acordo com Merleau-Ponty (1994, p. 114), “só posso compreender a função

do corpo vivo realizando-a eu mesmo e na medida em que sou um corpo que se levanta em

direção ao mundo”. Esse desempenho, que o corpo do ser humano realiza, são aprendizagens

que o educando alcança num todo, como destaca Fernández (1990, p. 57), “em todo processo

de aprendizagem estão presentes os quatro níveis (organismo, corpo, inteligência, desejo)”. A

aprendizagem não acontece caso se recuse algum desses estados. Este ser humano, transpassado

pela vontade de desejo, inteligência, envolve uma corporeidade, um corpo, onde o próprio

sujeito aprende, tem prazer, reflete, sofre e, a partir dessas vivências, busca uma reação

corporal.

Kant (1999), no livro Sobre a Pedagogia escreve que o ser humano é forçado a retirar

de dentro de si, aos poucos, o que tem de melhor para dar ao mundo.

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A aprendizagem e a corporeidade integram tudo o que somos. E é com essa corporeidade

que a criança/educando vai experimentando, experienciando novas e diferentes vivências de

mundo, sejam elas positivas ou negativas, avançando para novas aprendizagens.

Às vezes, esse corpo, que não costuma ser entendido e atendido na escola, ou até mesmo

em casa, pode estar doente, pedindo socorro, demonstrando essa situação em forma de

agressividade, agitação, sofrimento, manifestando-se em sintomas, como dores de barriga, de

cabeça, ânsia de vômito, dentre outras.

A corporeidade pode ser negada ao vivenciar problemas em casa com os pais, ou alguma

dificuldade com relação à aprendizagem escolar. Tanto os pais, quanto os professores, na sua

singularidade, podem não entender e nem compreender o que se passa com a criança/educando,

e o preconceituam de: desinteressado, hiperativo, inquieto, parado, agressivo, com déficit de

atenção, falta de vontade, entre outras denominações. Nessas manifestações adversas

demonstradas, a criança/educando pode estar solicitando um olhar, um afago, uma escuta mais

atenta para com ela, por parte dos professores, dos pais e da própria instituição. No tocante a

essas situações, Hermida e Zoboli (2012, p.11) afirmam em estudo realizado:

[...] que as influências da concepção cartesiana1, do disciplinamento dos corpos e da

supervalorização da cognição ainda prevalecem nas escolas nos dias de hoje.

Currículos escolares e as práticas educativas tradicionais [...]. O corpo das crianças é

suprimido do cotidiano escolar e disciplinado através de práticas pedagógicas que

sujeitam as crianças a ficarem horas sentadas numa carteira realizando atividades

escritas de um determinado conteúdo, e deixam de lado atividades que envolvam

ações, manifestações e expressões corporais.

Essas concepções que buscam controlar e manipular são, muitas vezes, realizadas sem

que o ser humano – professores, pais, cuidadores – tenham conhecimento das prováveis

implicações e das intervenções a médio e longo prazo. Entende-se que os modos de lidar com

o corpo são de grande importância para a vida humana, fato que tornaria mais real o

compromisso educacional com o desejo de cuidar do corpo, em todos os espaços, sejam sociais

ou escolares. Os professores precisam buscar luzes teóricas específicas para potencializarem

reflexões e debates sobre as formas de lidar com a corporeidade e respectivas implicações, sem

que sejam semeadoras de dor e sofrimento, mas sim de acolhimento, amorosidade, vendo o

educando na sua individualidade. Essa compreensão e forma de trabalhar leva o professor a ver

o educando como ele é. O professor teria que trabalhar no coletivo para que o educando aprenda

a conviver em grupos, com o sugere Freire (1989, p. 13), a escola deveria trabalhar em equipes,

1 Os autores Jorge Fernando Hermida e Mayam de Andrade Bezerra procuram analisar historicamente as raízes

das concepções atuais de corpo sugeridas ao longo da história.

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“fazer trabalhos coletivos”, mexer com a emoção através das relações. Isso ocorre, sobretudo,

em momentos de recreação. A mesma, segundo Cavallari e Zacarias (1994) “é o momento ou

a circunstância, através da qual, o indivíduo satisfaz suas vontades e anseios relacionados ao

seu prazer de forma espontânea”. Ela deve ser escolhida de acordo com os interesses comuns

dos participantes, sobretudo no recreio, sendo que educandos com características idênticas têm

maior possibilidade de se aproximarem e se agruparem na busca da atividade recreativa que

mais se adapta ao seu comportamento.

A escola é um ambiente onde os pais levam os filhos para aprenderem saberes que não

são dados somente pelos professores, mas devem ser construídos pelo educando enquanto

experiências de seu mundo cotidiano. O educando quando chega à escola não vem como uma

folha em branco, traz um conhecimento, uma linguagem diferente da que vai aprender na

escola. Conhecimentos esses, que vai aprender ao relacionar as letras, números com as

experiências e vivência de seu mundo na relação com o outro e no meio onde se relaciona. No

aprender a ler, escrever, contar somar, dividir, subtrair entre tantas outras coisas, através do

brincar, rolar, dramatizar, que são expressões da corporeidade.

O educando tem desejos enormes em sua corporeidade para aprender a ler, escrever,

desenhar, pintar, brincar, mas, na maioria das vezes, a prática pedagógica se revela controversa

e o desejo de aprender da criança esbarra na lógica das concepções cartesianas2. Suportes

teóricos podem ampliar noções de cuidados corporais em contextos de contemporaneidade3.

A escola é vista, por alguns autores, como um espaço onde o educando recebe muitos

conhecimentos teóricos, matemáticos, empíricos, ficando boa parte do tempo sentado, com

poucas atividades de expressão corporal e artística. Essa lógica tradicional de escola, prisioneira

da concepção de aprendizagem como processo mental, leva educando e professor a um estresse

mental e cognitivo, pelo excesso, e corporal, pela ausência de manifestações e expressões

corporais. Fernández (1990) considera que o espaço educacional deve ser um ambiente de

confiança, de jogo e liberdade para que a aprendizagem possa ocorrer no corpo com fluidez e

prazer. Segundo a autora, “o corpo também é imagem de gozo, o dispor do corpo dá ao ato de

conhecer a alegria sem a qual não há verdadeira aprendizagem” (p. 60).

Para Freire (1989), a “tarefa da escola é pegar tudo que a pessoa faz fora dela e dar uma

linguagem mais elaborada”, pois o que ela traz consigo, de sua cultura, são brincadeiras do faz

2 A lógica cartesiana apresenta o corpo como diversas partes isoladas não contemplando a visão do corpo como

um todo. 3 Por contemporaneidade entendemos que é o período específico em que nos encontramos atualmente. Iniciou com

a Revolução Francesa e foi fortemente marcado pela corrente filosófica iluminista.

11

de conta, onde seu corpo, é a peça principal do jogo, da brincadeira, dos movimentos e, essa

“ação corporal é a fonte das produções humanas” (p. 13), construídas diariamente. É aquela

onde o educando, segundo o autor:

Para uma pessoa desenvolver um sentimento de amor, precisa de uma fonte. Essa

fonte será, provavelmente, a relação corporal que ela vai ter com as outras pessoas, o

que vai ver nas outras pessoas e em si mesma, o que vai tocar nas outras pessoas, o

que ela vai abraçar, o coração que vai palpitar e assim por diante. Para compreender

uma operação aritmética, terá que subir em lugares altos, mais baixos, percorrer

distâncias maiores, menores, cansar mais, cansar menos. Uma comparação de

quantidade nascerá desse equacionamento que uma pessoa faz de suas ações de correr,

andar, dormir, comer mais e menos, de jogar, de lançar um objeto. A matemática é

uma representação desse tipo de ação (FREIRE, 1989 p. 13.)

Educar e conhecer não é tarefa fácil. Ambas podem ocorrer se houver efetiva

preocupação para trabalhar com criatividade, fomentando experiências de aprendizagens em

que o educando constrói saberes para vivenciar seu cotidiano em convivência com outros e com

o entorno ambiente. Essas informações priorizam a corporeidade viva, pois conforme Assmann

(1998), “o corpo é, do ponto de vista científico, a instância fundamental para articular conceitos

centrais para uma teoria pedagógica. Somente uma teoria da corporeidade pode fornecer as

bases para uma teoria pedagógica” (p. 34). O conhecimento dos “processos auto organizativos

da corporeidade viva” (p. 34), possibilita uma pedagogia como metamorfose com

reconhecimento das surpresas e dos imprevistos. Então, todo e qualquer saber terá um registro

corporal e para que na escola um agir pedagógico possa desenvolver e criar as bases para uma

teoria pedagógica eficiente, o professor deve estar em constante aperfeiçoamento, renovando

esse agir pedagógico, pois a complexidade cotidiana do modo de vida humano assim o exige.

A corporeidade é o que o ser humano constrói a cada instante, na relação com o outro e

com o mundo e que, é por meio do corpo que existimos que nos relacionamos com os demais

seres. A aprendizagem, no dizer de Assmann (1998), é uma rede de interações neuronais

complexas, dinâmicas e auto organizativas da corporeidade viva, na relação com o seu meio. É

preciso aprimorar as formas de operações reflexivas e de compreensão no âmbito escolar e

social, já que, conforme Isele e Strieder, muitas vezes:

As novas formas de intervenção, de controle e de manipulação são realizadas sem que

as pessoas tenham consciência das possíveis implicações de médio e longo prazo.

Então, cremos ser de grande relevância compreender melhor esses “jeitos de lidar”

com o corpo, no decorrer da história, para visualizar um compromisso educacional

com a criação do desejo de cuidado com o corpo, tanto em âmbito social, quanto

escolar. Também conhecer luzes teóricas capazes de potencializar debates e reflexões

sobre as novas formas de intervenção no corpo e respectivas implicações. E como

12

esses suportes teóricos podem ampliar noções de cuidado como forma de evitar exage-

ros nas práticas de intervenção corporais, muitas vezes irreversíveis (2014, p. 544).

A instituição escolar é um dos ambientes onde o sujeito - criança, adolescente, professor

– realiza experiências formativas, é espaço para reflexões, indagações, construção do

conhecimento e também de interações com o outro. A aprendizagem não é somente uma

dimensão intelectual, mas vincula-se às emoções, percepções, imaginações, entendimentos e

intersubjetividades, que acompanham os conteúdos e o imaginário de cada ser histórico

humano, em contextos de contemporaneidade. Na visão de Merleau-Ponty (1994, p. 207),

enquanto o corpo, a corporeidade, contextualizada, está diante de mim e oferece suas variações:

“[...] eu não estou diante do meu corpo, estou em meu corpo, ou antes, sou o meu corpo”, o

acúmulo dessas construções de experiências visuais, táteis formam o conjunto na percepção do

próprio corpo.

Pensar o corpo e tentar compreender melhor faz parte do desafio educacional, pois o

corpo é nosso referencial com o mundo. É por meio dele que existimos e nos relacionamos com

os demais seres. A partir do conhecimento do corpo, seja na dimensão da fenomenologia de

Merleau-Ponty (1994), e/ou na luz de outros autores, precisa-se salientar a prioridade ao corpo,

delinear concepções como sujeito, que por meio de experiências, percebe-se e aparece diante

de sua presença enquanto corpo no mundo. A corporeidade se manifesta efetivamente pelos

sentidos, pelo gesto, pela mão que toca, sente e partilha emoções e significados, enquanto se

realiza como ser humano. De acordo com Vasquez (2007, p. 229), “o homem afirma-se, criando

ou humanizando o que toca”. O ser humano é um artista que busca dar forma ao que e com

quem está interagindo no momento. Enquanto ser no mundo, dependendo das experiências que

realiza, o ser humano registra-as em sua corporeidade, enquanto as vivencia e as aperfeiçoa. E,

nesse sentido, além da família e do meio cultural, compete à escola proporcionar ações, onde o

educando possa utilizar não só o corpo, mas também os movimentos, como forma de

desenvolver a criatividade e as habilidades de conhecimento, como interação social e relação

interpessoal, convivendo num mundo, permitindo que a aprendizagem se solidifique pelo corpo

e no corpo.

Busca-se investigar e observar se a escola dá a devida importância para a corporeidade

e aprendizagem na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Já que o

objetivo geral da pesquisa de campo é investigar e observar, em cotidianos escolares se a

corporeidade do educando é compreendida pelo professor e se a mesma está presente na

aprendizagem escolar e nas experiências formativas.

13

O foco da pesquisa de campo é observar como a corporeidade e a aprendizagem está

presente nas experiências formativas. Para realizar a investigação sobre o tema de estudo, fiz

uso de descritores como: corporeidade, aprendizagem, experiências formativas aliadas à

educação. Visitei o acervo de Dissertações e Teses da Biblioteca da Unoesc/Joaçaba. Também

pesquisei no Banco de Teses e dissertações da Capes, do ICAP, IBICT e INTERNET, entre

outros e selecionei os que mais se aproximavam com o tema de pesquisa. Além da busca teórica,

a investigação foi conduzida no espaço escolar com observações nas relações estabelecidas

entre professor x educandos, educandos x educandos.

A questão principal é: investigar, em cotidianos escolares, se a corporeidade do

educando é compreendida pelo professor e se a mesma está presente no processo de

aprendizagem e nas experiências formativas. A partir dessa questão, seguem os demais

questionamentos: a) De que diferentes formas se manifesta a corporeidade entre educandos x

professores e educando x educando no espaço escolar? b) Na perspectiva das experiências

formativas, como se manifesta a corporeidade do educando e do professor?

O objetivo geral da pesquisa foi investigar e observar em cotidianos escolares, se a

corporeidade do educando é compreendida pelo professor e se a mesma está presente na

aprendizagem escolar e nas experiências formativas. Para tanto, foram delineados os seguintes

objetivos específicos: a) buscar teoricamente conceitos de corporeidade, aprendizagem e

experiências formativas; b) observar, no espaço escolar, como se manifesta a corporeidade dos

educandos e professores investigados, em relação ao processo de aprendizagem. c) observar a

chegada dos educandos à escola, na entrada para a sala de aula, na sala de aula, no recreio e na

saída da escola.

A partir de observações a pesquisa propõe, na concepção do pensamento de vários

autores, compreender como o educando expressa sua corporeidade nas experiências cotidianas,

suas decorrências na aprendizagem e articulações nessa inter-relação corporal com o outro, com

sua própria transformação, validando sua constituição como ser no mundo por meio de

experiências formativas, no meio escolar e social. Conforme Gatti, (2012, p. 15), “a

identificação do campo das pesquisas em educação tem sido objeto de análises mais intensas

nos últimos anos”. A autora apresenta “três aspectos que interferem” nesta identificação de

reflexão científica dos espaços a serem preenchidos nas “ciências humanas e sociais”, tais

como: “o das denominações e conceitos utilizados, a própria ideia de campo nas questões de

identidade e formas investigativas”. O último aspecto se une nas aberturas da pesquisa em

educação e nas relações que se constroem com o social.

14

Pensar educação é sem dúvida alguma colocar em foco a corporeidade, pois vivemos

um momento em que a educação se encontra com ideias contrárias ao que lhe é proposto na

prática pedagógica, onde o discurso encaminhado para reflexões e a complexidade ainda se

distanciam das práticas de ensino que continuam voltadas, em grande parte, para um ensino

tradicional.

Conceber a pesquisa educacional como objeto de estudo a partir do tema Corporeidade,

aprendizagem, experiências formativas, remete-nos a entender o significado das palavras-

chave: corpo, corporeidade, aprendizagem, experiências formativas e educação.

Conforme Strieder (2004, p. 291), “a aprendizagem necessita ser compreendida como

algo não linear e nem fragmentário”, mas “no limiar da ordem para o caos e do caos para a

ordem”, pois não tem como prever, determinar, calcular, porque ela é única, ela acontece no

corpo, é corporal, é um constante fazer e desfazer, que no caminhar das fronteiras do aprender

vai (des) construindo para (re) construir novos saberes, conhecimentos e experiências de

aprendizagens.

Para Richardson, o objetivo fundamental da pesquisa qualitativa está no

aprofundamento das entrevistas e nas “análises qualitativas da consciência articulada dos atores

envolvidos na pesquisa” (RICHARDSON, 2008, p. 102). Richardson faz referência aos

processos metodológicos em que as pesquisas qualitativas do campo da investigação utilizam-

se, em particular, das “técnicas de observação e entrevistas, devido à propriedade com que esses

instrumentos penetram na complexidade de um problema” (p. 82).

Na sequência, o autor afirma que os “instrumentos utilizados” (2008, p. 87) e aplicados

para um mesmo grupo nos dão um maior delineamento para a confiabilidade do método

qualitativo e a sua validade, produzindo intervenções próximas entre o pesquisador e os sujeitos

envolvidos na pesquisa, possibilitando-lhes detalhes das informações coletadas para se fazer

uma boa análise e chegar a um maior entendimento das questões pesquisadas.

Conforme Zanten (2004, p. 27), há dois aspectos importantes a considerar na pesquisa.

O primeiro trata do desenvolvimento do conhecimento e o outro do papel do conhecimento

científico, “para nos ajudar a refletir sobre os métodos de investigação, sobre a maneira como

levantamos e interpretamos os dados coligidos, como utilizamos e restituímos os resultados”.

Para Gaskell (2010, p. 68-69) “a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar

opiniões ou pessoas, mas, ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes

representações sobre o assunto em questão” a partir das quais o “pesquisador” deverá refletir,

e de como este local pode ser “segmentado com relação ao tema”. O objetivo é elevar, ao

15

máximo, as oportunidades de compreender e incluir as distintas formas tomadas pelos

componentes do contexto social.

Este é um estudo na linha de Pesquisa de “Processos Educacionais” do Programa de

Mestrado em Educação da UNOESC, e a abordagem de investigação será qualitativa e num

contexto como o descrito por Gatti,

Resta-nos, então, considerar questões do tipo; como colocamos nossos problemas de

investigação? O que é uma questão que pode sem dúvida ser qualificada como de

pesquisa em educação? Qual o nosso foco? Então, temos que pensar o que constitui

uma ótica propriamente educacional, portanto, considerar de onde partimos e onde

queremos chegar. A educação é o ponto de partida e de chegada? (GATTI, 2012, p.

20).

A presente pesquisa de campo foi realizada por meio de investigações e observações

de professores e educandos, no exercício de atividades pedagógicas em duas escolas públicas

municipais de ensino fundamental. Escola municipal de ensino fundamental Caetano Peluso,

situada na zona urbana do município de Protásio Alves e na Escola Municipal Matheus Dal

Pozzo, centrada na cidade de Paraí. Ambos os municípios estão localizados no interior da serra

gaúcha. A amostra de pesquisa foi composta por educandos de 2º ano do Ensino Fundamental,

seus respectivos professores e demais profissionais que atuam com a mesma turma. Além de se

submeterem à observação, os professores participaram de uma entrevista individual com

questões semiestruturadas e gravadas.

O trabalho inicia com estudo bibliográfico, tendo o intuito de aprofundar a questão da

corporeidade, aprendizagem e implicações nas experiências formativas. Em seguida, através da

pesquisa de campo, observar no cotidiano escolar, como a corporeidade se manifesta no

educando, se a mesma está presente na aprendizagem escolar e de que formas o professor

compreende o mesmo nas suas múltiplas manifestações corporais, com relação às experiências

formativas.

Esta pesquisa está estruturada, além dessa introdução, em mais três segmentos. O

segundo capítulo, Corporeidade, uma história envolvente, busca trazer concepções teóricas à

luz de autores como: Merleau-Ponty (1994), Assmann (1995, 1998); Le Breton (2013);

Foucault (2014); Hermida e Zoboli (2012), Fernández (1990, 2001), Strieder (2004),

Gonçalves, (2012); Descartes (1987); Hermann (2011, 2014); Agamben (2009), entre outros

que aprofundaram a questão corporeidade e aprendizagem.

Quanto ao terceiro capítulo trata de Experiências formativas e corporeidade no

pensamento de autores como: Gadamer (2005, 2015); Maturana (2004); Maturana e Verden-

16

Zöller (2004); Lago (2014); Hermann (2002, 2010); Lago e Farinon (2014); Strieder (2004),

entre outros.

O quarto capítulo, A aprendizagem, uma rede de interações, tem por objetivo trazer

conceitos de aprendizagem à luz de diversos autores como: Maturana e Varela (2001);

Maturana e Verden-Zöller (2004); Basso (2012); Fernández, (1990; 2001); (ASSMANN, 1998,

2001); Gonçalves (2012); Morin (2000); Strieder e Zimmermann (2012); Dalpiaz (2014), entre

outros.

No quinto capítulo, A corporeidade no cotidiano da escola, primeiramente aborda a

contextualização das referidas escolas-alvo desta pesquisa e, na sequência, apresenta a análise

dos dados pesquisados nas escolas, como se manifesta a corporeidade nos processos de

aprendizagem que implicam nas experiências formativas, à luz dos autores estudados, ou seja,

Maturana (1998, 2001), Maturana e Varela (2001), Maturana e Verden-Zöller (2004), Merleau-

Ponty (1994, 2000), Fontanella (1995), Restrepo (1998), Strieder (2004), Strieder e

Zimmermann (2012), Gonçalves (2012), Assmann (1995; 1998) entre outros.

Nas considerações finais, apresento os resultados coligidos e de que forma os mesmos

contribuem nas relações que ocorrem no espaço escolar, com referência à corporeidade e

aprendizagem e suas implicações nas experiências formativas, entre professor/educando,

educando/educando. Também faço reflexões sobre o pensamento e a visão dos professores

entrevistados na pesquisa empírica com questões semiestruturadas e gravadas.

17

2 CORPOREIDADE: UMA HISTÓRIA ENVOLVENTE

O corpo forma parte da maioria das aprendizagens, não só como signos, mas como

instrumento de apropriação do conhecimento. O corpo é signo pois através dele

realizam-se as demonstrações, “como fazer”, mas sobretudo por que através do olhar,

as modulações da voz e a veemência do gesto canalizam-se o interesse e a paixão que

o conhecimento significa para o outro (FERNÁNDEZ, 1991, p. 60).

Este capítulo reúne a contribuição de autores refletindo algumas concepções sobre

corporeidade e aprendizagem. Trata-se de concepções de corporeidade de acordo com o

pensamento no mundo ocidental, da antiguidade até a contemporaneidade.

Corporeidade vem sendo tema de reflexão e debate nas áreas de Educação, Educação

Física, Fonoaudiologia, Psicologia, Fisioterapia, Psicopedagogia, entre outras, como uma

definição que integra tudo aquilo que somos: corpo, mente, espírito, movimento, a relação com

o eu, com os demais seres e tudo o que nos rodeia. A corporeidade traz as marcas de um corpo

cheio de significados para um mundo de relações e de convívio com o meio onde o sujeito está

inserido, interage consigo mesmo, com o outro e com todos os demais seres e objetos a sua

volta.

As várias maneiras de pensar o corpo, o modo como o ser humano vem se relacionando

consigo mesmo, na sociedade, natureza e mundo, acontecem no meio, na cultura onde o

indivíduo está inserido. Essas formas de interação com o mundo não são estáveis, pois sofrem

influência e mudanças do ser humano em decorrência do seu processo histórico e de sua

construção humana. Zoboli (2012) afirma que “o existir humano se dá através do corpo”, pelo

pensar, sentir e agir consigo mesmo, com o outro e o mundo, no transcurso de sua história.

Desta forma propõe-se uma breve contextualização do corpo, considerando as concepções

sobre o mesmo na história filosófica, com aspectos que vão desde a Idade Antiga à Idade

Contemporânea, destacando como cada tempo observou, viu o corpo e o definiu (ZOBOLI,

apud, HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 15-17).

Na Idade Antiga, segundo Zoboli (2012), o corpo fora visto e conceituado, seguindo o

curso da história do evoluir humano, através de binômios “união/separação, corpo/alma e

sensível/inatingível”. Ainda conforme o autor, no pensamento de outros filósofos, essa

disposição aparece, “na Grécia Antiga com Pitágoras, Parmênides e Sócrates”, mas tem como

seu maior ídolo em Platão:

18

Platão (427-347 a. C) fez nascer no pensamento filosófico uma profunda ruptura entre

o mundo inteligível/mente e o mundo sensível/corpo. Para Platão, o homem era

dividido em corpo e alma. No diálogo Fédon, Platão afirma que a alma tem como

função comandar o corpo e o corpo tem como função a obediência à alma. (ZOBOLI,

apud HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 17).

No diálogo de Fédon, Platão nos diz que a alma e o corpo não podem existir um sem o

outro, pois os dois se completam. Entretanto, mesmo complementando, Platão deu margem para

uma hierarquia, na qual a alma é tida como superior ao corpo, a razão superior à sensibilidade,

ou seja, há uma divisão do pensamento sobre alma e corpo, sensível e inteligível. Para

Aristóteles, discípulo de Platão, no dizer de Zoboli (2012) “a alma está definida por esse

filósofo, não somente como ato da matéria em ordem ao conjunto dos elementos corpóreos,

mas ao conjunto de órgãos de um corpo físico que tem vida em potência”. Ou seja, a alma não

é só responsável “pelo pensamento, mas também pela sensação, pela nutrição, pelo apetite,

dentre outros”. A alma como “princípio de vida” na “relação mecânica com o corpo”,

transforma-se como potência “força motora da metafísica” (p. 19). A posição de Aristóteles tem

uma perspectiva diferenciada da de Platão, embora mantenha a dicotomia entre alma e corpo.

Aristóteles sublinha a sensibilidade em relação ao plano do pensamento (ZOBOLI, apud,

HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 19). Na Idade Antiga frisou-se mais a relação corpo e alma,

como elementos de uma visão dualista.

Para os cristãos, todas as obras, preces e iniciativas apostólicas, vida matrimonial e

familiar, trabalho cotidiano, descanso do corpo e da alma e mesmo as dificuldades da vida, se

praticadas no Espírito, suportadas pacientemente tornam-se, a forma que os cristãos consagram

a Deus o próprio mundo/corpo. Prestando a Ele, em toda parte, na santidade de sua vida, um

culto de adoração.

Para os cristãos, na Idade Média, era justo oferecer a Deus sacrifícios em sinal de

adoração e de reconhecimento, de súplica e de comunhão: "É verdadeiro sacrifício toda ação

feita para se unir a Deus em santa comunhão e poder ser feliz" (CATECISMO DE A à Z). Para

ser verídico, o sacrifício externo deve ser a expressão do sacrifício do espírito: "Meu sacrifício

é um espírito contrito" (BIBLIA SAGRADA, Sl 51,19, 1991 p. 725). O único sacrifício perfeito

é o que Cristo ofereceu na cruz, em total oblação ao amor do Pai e para os cristãos, salvação.

Unindo-se a seu sacrifício, o cristão pode fazer de sua vida um sacrifício a Deus.

O momento do Sacrifício tem na Eucaristia o seu Ápice. Santo Agostinho resumiu

admiravelmente a doutrina que incita a uma participação cada vez mais completa no sacrifício

de nosso redentor, que é celebrado na Eucaristia:

19

Este é o sacrifício dos cristãos: "Em muitos, ser um só corpo em Cristo" (Rm 12,5). E

este sacrifício, a Igreja não cessa de reproduzi-lo no sacramento do altar bem

conhecido pelos fiéis, onde se vê que naquilo que oferece, se oferece a si mesma

(CATECISMO DE A-Z).

Observo, e é visível não só na Idade Média, mas ainda hoje, muitos cristãos que

sacrificam o próprio corpo. Através dos atos de ajoelhar-se, sofrer, fazer romarias, caminhadas,

jejuns, subir escadas como forma de remissão dos pecados. Em forma de oferecimento, ou até

mesmo “Promessas”. Fatos que para os católicos significa que, fora da Cruz não existe outra

escada por onde subir ao céu. Para os cristãos não há distinção corpo e alma, mas que o corpo

sacrificado, redime a alma do pecado. Que sacrificando o corpo paga pelos seus erros, ou pede

algo em troca.

Na Idade Média a Igreja, conforme Zoboli (2012) destaca o pensamento de seus

“filósofos e doutores, como São Francisco de Assis, São Paulo Apóstolo, Santo Agostinho e

São Tomás de Aquino”, cristalizando “a visão dualista do ser humano concebida na Idade

Antiga por Platão”. Essas concepções atribuíam ao corpo e aos seus desejos “conotações

relacionadas ao diabo/satanás – pecado – e, a alma/espírito” implicações de “Deus/salvação”

(ZOBOLI, apud, HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 22).

Esses discursos filosóficos constituíram argumentos e justificativas para os métodos

propagados pela igreja católica, de submissão do corpo à alma, de que, “o corpo é sacrificado

a fim de elevar a alma a uma condição mais próxima do divino” (p. 22). Os escritos de São

Paulo, no livro do Novo Testamento da Bíblia, segundo Zoboli (2012, p. 23) trazem como

questão afirmativa do evangelista: “não sabereis que o vosso corpo é um templo do Espírito

Santo que está em nós e que já não pertenceis a vós mesmos?”. Esses documentos referenciam

o corpo como templo do Espírito Santo, “morada do sopro divino” (p. 23). Corpo dado como

sendo a edificação da alma que o aviva e o faz pertencer a essa edificação divina. Para o autor

(2012, p. 25), no pensamento cristão, “é no corpo que se alojam o pecado e as fraquezas do

homem, que devem, através de seu espírito, buscar a santidade. Para a alma se purificar e chegar

até Deus, o corpo precisa ser sacrificado” (p. 25) e “o preço que ele paga para ter acesso a essa

eternidade é a renúncia de seu próprio corpo” (p. 26). Essa dominância do pensamento católico

que minimiza a vida terrena, corporal, em prol da vida eterna, prometida através da redenção

dos pecados corporais, vai sofrer alguma mudança no advento das ciências biológicas. A partir

do aparecimento “da anatomia e o advento da medicina, o corpo deixou” de ser olhado somente

como uma ‘marionete divina’, sendo observado pelo “viés da ciência” (p. 31) (ZOBOLI, apud

HERMIDA E ZOBOLI, 2012).

20

Com o desenvolvimento das ciências, no fim da Idade Média, a Igreja Católica vê

diminuído seu privilégio de sabedoria exclusiva. As grandes descobertas, as navegações e a

matemática de Newton levaram a história para uma nova etapa, uma nova fase na qual a ciência

toma o lugar da religião, mas sem reverter as relações dicotômicas, pois a razão, sucedâneo da

mente/alma, continua sua primazia sobre o corpo.

Com efeito, ao aceitar a separação de corpo e espírito como entidades que se negam

mutuamente, inicia-se, para nós e para os demais, um sofrimento que só pode

desaparecer com uma experiência de unidade que os junte de novo (MATURANA;

VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 129).

O corpo sempre foi objeto de questionamentos, porém, durante a era clássica, segundo

Foucault (2014), encontram-se sinais de uma “grande atenção dedicada ao corpo - ao corpo que

se manipula, modela-se, treina-se, que obedece, responde, torna-se hábil ou cujas forças se

multiplicam” (p. 134). Ainda, conforme o autor, o corpo dócil torna-se objeto de manipulação,

de métodos “que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de

docilidade-utilidade”, que se pode chamar de “disciplina”, processos disciplinares “nos

conventos, nos exércitos, nas oficinas” (p. 135), conforme afirma o autor.

“O ‘homem-máquina’ de La Mettrie é ao mesmo tempo uma redução materialista da

alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de

‘docilidade’ que une ao corpo analisável, o corpo manipulável. É dócil um corpo que

pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e

aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2014, p.134).

Certamente, não é a primeira vez, que o corpo é objeto de investimentos tão autoritários

e imediatos e, na maioria das sociedades, ele fica preso no interior de poderes muito estreitos,

que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações, fazendo com que sinta, experimente a

repressão, sentindo-se como que preso a comandos.

O controle e a eficácia dos movimentos, bem como sua organização interna, realizam-

se sobre as forças e os sinais emitidos pelo corpo. Suas modalidades implicam em um processo

constante que atenta aos processos de atividades mais do que sobre seus resultados, exercendo

uma conversão que separa ao máximo, o tempo, o espaço e os movimentos. Essas formas são

as que permitem controle cauteloso que opera a sujeição das forças e lhe impõem uma troca de

docilidade e utilidade, que são as chamadas “disciplinas”.

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo

humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades, nem tampouco

aprofundar sua sujeição, mas à formação de uma relação que no mesmo mecanismo o

21

torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. (FOUCAULT, 2014,

p. 135).

A disciplina, segundo Foucault, busca produzir “corpos submissos” e, na medida em

que se deixa levar pela “maquinaria do poder” o torna dependente, realizando um domínio sobre

os corpos dos outros, tornando-os corpos dóceis (p. 135). Essa repressão disciplinar forma no

corpo o elo de coerção como uma habilidade maior e de uma superioridade relevante. “A

disciplina é uma anatomia política do detalhe” (p. 137) e uma “mecânica do poder” (p. 135),

agindo sobre o corpo como deseja, com os métodos, agilidade e a potência com que se origina.

“O tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder” (p. 149). O corpo

do ser humano, quando se dispõe a disciplinas, ordens, manipulação, transforma-se em um

objeto “que se pode colocar, mover, articular com outros” corpos (p. 161). “O corpo se constitui

como peça de uma máquina multissegmentar” (FOUCAULT, 2014, p. 162).

Kant coloca a disciplina como aspecto fundamental na formação humana transformando

a animalidade em humanidade. O ser humano é “a única criatura que precisa ser educada”. E,

por educação, Kant entende “o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e

a instrução com a formação”, sendo o sujeito “educando e discípulo” (1999, p.11).

A selvageria consiste na independência de qualquer lei. A disciplina submete o

homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis. Mas

isso deve acontecer bem cedo. Assim, as crianças são mandadas cedo à escola, não

para que aí aprendam alguma coisa, mas para que aí se acostumem a ficar sentadas

tranquilamente e a obedecer pontualmente àquilo que lhes é mandado, a fim de que

no futuro elas não sigam de fato e imediatamente cada um de seus caprichos (KANT,

1999, p. 13).

Na modernidade as ideias cartesianas são como o mundo se mostra, ou seja, “tal como

ele se apresenta ao intelecto”, composto somente por uma expansão da “essência da

corporeidade”. Que, para Descartes,

a passagem da certeza a respeito da existência do pensamento (res cogitans) para a

certeza sobre a existência do mundo físico (res extensa) pressupõe, assim, o apoio em

Deus (res infinita). Deus serve de intermediário entre duas certezas: a de que “sou

uma coisa que pensa” e a de que tenho realmente um corpo (DESCARTES, 1987, p.

XVIII).

Descartes sustenta duas finitudes, a do pensamento e da extensão do mundo físico

existentes no ser humano, uma dualidade entre corpo/alma responsável pela articulação entre

corpo/mente. Zoboli (2012), no pensamento de vários pensadores, nos diz que, enquanto

Descartes sustenta a supremacia da razão, encontramos na fase tardia da modernidade o

22

pensamento de Espinosa (1632-1677), a dualidade mente/corpo não faz sentido, sendo

necessário afirmar “a existência de somente uma realidade” (p. 35). Na sequência o autor nos

diz que, Pascal (1623-1662) “tece fortes críticas a Descartes”, elaborando normas filosóficas

centradas “na contraposição” de dois componentes essenciais, mas “não excludentes do

conhecimento” (p. 35). Que são eles: “a razão - que tende ao lógico e ao exato – e o coração –

que transcende o mundo exterior e é capaz de aprender o inefável e o sagrado” (p. 35, grifos do

original). O autor, seguindo o pensamento de Pascal, funda uma expressão que atravessa o

tempo e resume sua doutrina: “o coração tem razões que a própria razão desconhece” (ZOBOLI,

apud, HERMIDA E ZOBOLI, 2012, p. 36).

O pensamento moderno coloca o corpo como o outro da razão, porém diferentes

concepções não mais percebem a vida como impulso divino e o corpo começa a ser considerado,

a partir de Arthur Schopenhauer (1788 -1860) e Friedrich Nietzsche (1844-1900), não mais

como oposição corpo e alma, pois afirmam que “estamos profundamente ligados por um

processo vital, que traz consigo a força das pulsões instintivas” (HERMANN, 2014, p. 64).

Zoboli (2012), a respeito do pensamento contemporâneo de Friedrich Nietzsche, afirma

que o filósofo alemão, ao “apontar suas armas ao Estado, à Igreja e à ciência”, desorganiza

“toda uma forma de pensamento científico e moral da história filosófica” (p. 36). Para o autor,

seguindo as ideias de Nietzsche, abre-se um espaço central no propósito de transportar “o corpo

como objeto para o pensamento e o conhecimento” (ZOBOLI, apud, HERMIDA E ZOBOLI,

2012, p. 36).

Conforme a obra A Gaia Ciência, Nietzsche nos afirma,

com bastante frequência, eu me perguntei se, calculando por alto, a filosofia até agora

não foi em geral somente uma interpretação do corpo e um mal entendido sobre o

corpo. Por trás dos mais altos juízos de valor, pelos quais até agora a história do

pensamento foi guiada, estão escondidos mal-entendidos sobre a índole corporal, seja

de indivíduos, seja de classes ou de raças inteiras. (NIETZSCHE, 2001, p. 190).

Para o autor, a “história do pensamento” foi conduzida e oculta a “mal-entendidos” a

respeito do caráter “corporal” em todos os tipos de cultura. (ZOBOLI, 2012, p. 36).

Nietzsche, em Assim falava Zaratustra, refere-se àqueles que desprezam o corpo

dizendo:

Eu sou corpo e nada mais. A alma é apenas designativo de qualquer coisa do corpo.

O corpo é uma grande razão, uma pluralidade com um só sentido, uma guerra e uma

paz, um rebanho e um pastor. [...] há mais razão em teu corpo do que em tua melhor

sabedoria. E quem sabe por que é que teu corpo necessita precisamente de tua melhor

sabedoria? (NIETZSCHE, 2012, p. 39).

23

Já Marques (1989) valoriza os conceitos de Nietzsche sobre o corpo e a vontade de

potência, que se estabiliza na medida em que avançam para novos caminhos de compreensão,

“produzindo a singularidade e a diferença”. No dizer da autora, “o fio condutor do corpo será

como o fio de Ariadne que orientará a experiência nos termos desconhecidos da singularidade

e da diferença” (MARQUES, 1989, p. 59, apud HERMANN, 2014, p.78).

Por sua vez, Hermann, em seu artigo Breve investigação genealógica sobre o outro

(2011), introduz a relação entre o outro e o corpo, sugerindo alguns conceitos que compreendem

as dificuldades de relação com o outro. Assim, procura entender, a partir da teoria platônica,

perguntando-se por que “o estranho ou o outro se situa no corpo e no afastamento penoso das

pulsões e dos afetos”. Nesse entendimento de natureza humana, no qual “o corpo é o outro da

alma”, ambos se tornam desconhecidos “à própria identidade de si”. O corpo compreende “a

multiplicidade, a pluralidade da realidade”, do que é palpável e “as coisas que se mantêm

idênticas não é possível apreender de outra forma, senão com o raciocínio da inteligência”

(HERMANN, 2011, p. 139). A alma, conserva a identificação com ela mesma, pelo seu

desempenho racional, enquanto que o corpo, instigado pela diversidade sensível, estimula-se

para o afastamento da união. Na sequência, a autora declara que, embora sejam evidentes as

muitas formas de entendimento e reflexões, “há algo que escapa, projeta o eu em algo

inexcedível e independente, fratura a identidade e traz a existência do outro, seja no plano

corpóreo, das ações, do imaginativo ou daquilo que amedronta” (HERMANN, 2011, p. 140).

Hermann encontra, na filosofia de Schopenhauer e Nietzsche, forças que conduzem ao

avanço de um processo vital, que ultrapassa a oposição corpo e alma. Schopenhauer coloca o

corpo como sendo o centro, não porque “queira contrapor-se à ideia idealista do mais além da

alma”, mas para acabar com a ilusão de que é possível fugir à tirania desse corpo. (HERMANN,

2014, p. 64-66).

Friedrich Schiller (1759 -1805) abre caminhos, com sua obra A formação estética da

humanidade, em que o ser humano encontra-se dividido entre o impulso formal, quando age

levado exclusivamente pela razão e pelo impulso sensível o humano age levado pela sua

natureza sensível. Schiller traz o impulso lúdico que é a maneira em que os dois impulsos atuam

juntos. “O impulso sensível torna contingente a nossa índole formal, e o impulso formal torna

contingente nossa índole material” (2015, p. 70), assim:

O impulso lúdico, portanto, no qual ambas atuam juntas, tornara contingentes tanto

nossa índole formal quanto a material, tanto nossa perfeição quanto nossa felicidade;

justamente porque torna ambas contingentes, e por que a contingência também

24

desaparece com a necessidade, ele suprime a contingência nas duas, levando forma à

matéria, e realidade a forma (SCHILLER, 2015, p. 70).

A partir de Schiller a corporeidade também pode ser pensada em outra perspectiva, uma

vez que não somos somente matéria, tampouco somente espírito, mas a conjugação de ambos.

Um dos aspectos do pensamento contemporâneo é retomar, sem se opor, os diferentes

modos de pensamentos concebidos pela humanidade. Há uma relação com o passado que,

segundo Agamben (2009, p. 58) remonta a afirmação de Nietzsche “o contemporâneo é o

intempestivo”, é algo a ser atualizado, desconectando-se e dissociando-se do presente. A

contemporaneidade é vivenciada no presente, relacionando-se primeiramente como arcaica,

para depois ser percebida como moderna. “Os índices e as assinaturas do arcaico” (AGAMBEN

2009, p. 58) são, dessa forma, o contemporâneo do moderno onde, a possibilidade de vivermos

na sociedade atual constitui-se uma presença que não somente sente e acolhe, mas também,

responde aos questionamentos do tempo presente.

Aqueles que procuraram pensar a contemporaneidade puderam fazê-lo apenas com a

condição de cindi-la em mais tempos, de introduzir no tempo uma essencial

desomogeneidade. Quem pode dizer: ‘o meu tempo’ divide o tempo, escreve neste

uma censura e uma descontinuidade; e, no entanto, exatamente através dessa censura,

dessa interpolação do presente na homogeneidade inerte do tempo linear, o

contemporâneo, coloca em ação uma relação especial entre os tempos. Se, como

vimos, é contemporâneo quem fraturou as vértebras do seu tempo (ou, ainda, quem

percebeu a falha ou o ponto de quebra), ele faz dessa fratura o lugar de um

compromisso e de um encontro entre os tempos e as gerações (AGAMBEN, 2009, p.

71).

Contemporâneo, na visão de Agamben (2009, p. 72), é aquele que não somente percebe

o “escuro do presente”, mas o assimila na sua determinada clareza e, “é também aquele que,

dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com

os outros tempos, de nele ler, de modo inédito”, não só a história em si, mas também a história

da corporeidade, a história do ser humano. Contemporaneidade é como um acontecimento que

tem a capacidade de transformação, em que um tempo se coloca em relação a outros tempos,

podendo interpretar de maneira original a história, mencionando-a segundo uma exigência que

não procede de modo algum de “seu arbítrio, mas de uma exigência a qual não pode responder”

(AGAMBEN, 2009, p. 72).

Na visão de Gonçalves (2012, p. 84), a época contemporânea mostra o ser humano em

avanço, assumindo a consciência de suas capacidades de modificar sua vida social, incentiva e

valoriza “o sentido da história”. As mudanças ocorrem somente com as modificações do ser

humano e de suas relações constituídas com os outros. Já, “a práxis dos indivíduos, na sociedade

25

contemporânea, é uma práxis fragmentária”, que perdeu a orientação de seu comando, “que é a

humanização” do ser humano ao longo do seu “processo histórico” (GONÇALVES, 2012, p.

83).

Na sequência, para Le Breton (2013, p. 28), o corpo, em nossa sociedade

contemporânea, não é mais a determinação de características, de uma identidade que não se

possa atingir, mas uma construção do ser no mundo, uma hierarquia de junções e limites, um

componente passageiro, sujeito capaz de uma infinidade de igualdades. “Se em todas as

sociedades humanas o corpo é uma estrutura simbólica”, aqui “torna-se uma escrita altamente

reivindicada, embasada por um imperativo de se transformar, de se modelar, de se colocar no

mundo” (p. 31). Assim, “o selo do domínio é o paradigma da relação com o próprio corpo no

contexto contemporâneo” (LE BRETON, 2013, p. 32).

A partir de minhas pesquisas observei que o ser humano, como indivíduo na sociedade

contemporânea, está sujeito a todo instante há várias transformações corporais, sociais e

culturais. Nessa busca incessante, procura adaptar-se às mudanças que lhe são exigidas no

ambiente em que historicamente está imerso. Nessa relação, o sujeito, por não saber tomar os

devidos cuidados necessários para seu crescimento, na maioria das vezes, prejudica seu

desenvolvimento nas tarefas cotidianas. Com isso, suprime-se, descuidando de si, de seu

próprio corpo no habitual do seu dia a dia, põe em jogo sua corporeidade, sua essência singular,

seus valores culturais, suas capacidades, que podem auxiliá-lo como ferramentas de ação para

uma nova tomada de consciência de si e de sua corporeidade.

Nos termos de Assmann, a corporeidade (1998, p. 150) aspira a um conceito “pós-

dualista do organismo vivo”, para ultrapassar “as polarizações semânticas contrapostas”, entre,

“corpo/alma, matéria/espírito, cérebro/mente”, afirmando que a definição de corporeidade está

a serviço de assuntos urgentes ligados às questões referentes à: “aprendizagem como processo

corporal; o estatuto do corpo na era do virtual, a ameaça de neoplatonismos com o advento da

inteligência artificial e da vida artificial” (1998, p. 150, grifos do autor). E, na sequência, o

autor assegura:

A corporeidade não é fonte complementar de critérios educacionais, mas seu foco

irradiante primeiro e principal. Sem uma filosofia do corpo, que pervada tudo na

educação, qualquer teoria da mente, da inteligência, do ser humano global enfim, é,

de entrada falaciosa (ASSMANN, 1995, p. 77).

É pela corporeidade que se manifestam aspectos de nossa existência, de nossa cultura,

sociedade e mundo. Comparar e confrontar a corporeidade, conhecimento e vivência do corpo,

26

na educação, é um dos caminhos necessários para articular conceitos fundamentais para uma

nova ação pedagógica nos processos de aprendizagem.

Segundo Assmann (1998, p. 150), “o termo corporeidade pretende expressar um

conceito pós-dualista do organismo vivo”, a partir do qual o autor assegura:

A corporeidade – com seu vetor historicizante ao nível bio-psico-energético, a

motricidade – constitui a instância básica de critérios para qualquer discurso

pertinente sobre o sujeito e a consciência histórica. A ideia central é a seguinte: a

corporeidade não é fonte complementar de critérios educacionais, mas seu foco

irradiante primeiro e principal (ASSMANN, 1998, p. 150).

No pensamento de Strieder (2004, p. 292), a corporeidade compreende “a relação

bio/social integradora de um sistema vivo, dinâmico e agregador”, com o meio no qual o ser

humano vive. Tudo o que ela faz, interage, realiza com e em movimento no seu entorno. É nessa

dinâmica que o ser humano incorpora, assimila, aprende e repassa aquilo que sabe e aprende,

dando sequência para novas aprendizagens. Segundo o autor (2004), a dinâmica contemporânea

da aprendizagem surge desses “atratores estranhos”, transforma-se num movimento intenso,

energético, satisfazendo “a vida e a aprendizagem”. Faz uma ligação “irreversível” que não tem

volta, não podendo ser determinada e nem avaliada. Mas, “é aberta em si mesma, frágil e

transitória, não-predizível, ela é única de cada vez, ela é corporal, ela é possível” (STRIEDER,

2004, p. 292).

Já para Gonçalves (2012, p. 102), “a corporeidade é uma forma” do ser humano, estar

no mundo e que não há outros meios de viver no mundo sem seu próprio corpo. O corpo é o

veículo, sem o qual o ser humano não pode estar no mundo e, ter um corpo vivo, é engajar-se

em um mundo já definido. Esse corpo vive aprendendo com o que lhe é dado, tornando-se

presença viva no mundo. Somos presença no mundo por intermédio de nosso corpo. Por meio

da nossa expressão, da nossa comunicação, vamos revelando, mostrando nossa linguagem

corporal através do riso, do olhar, das mãos, enfim, na nossa postura e de todas as expressões

da corporeidade, que permitem uma maior compreensão do outro. A autora segue afirmando

que

ser-no-mundo com o corpo significa estar aberto ao mundo e, ao mesmo tempo,

vivenciar o corpo na intimidade do EU: sua beleza, sua plasticidade, seu movimento,

prazer, dor, harmonia, cansaço, recolhimento e contemplação. Ser-no-mundo com um

corpo significa ser vulnerável e estar condicionado às limitações que o corpo nos

impõe pela sua fragilidade, por estar aberto a uma infinidade de coisas que ameaçam

sua integridade. Ser-no-mundo com o corpo significa a presença viva do prazer e da

dor, do amor e do ódio, da alegria e da depressão, do isolamento e do

comprometimento. Ser-no-mundo com o corpo significa movimento, busca e abertura

de possibilidades, significa penetrar no mundo e, a todo momento, criar o novo. Ser-

27

no-mundo com o corpo significa a presença viva da temporalidade, que se concretiza,

primeiramente, por um crescer de possibilidades, ao atuar no mundo, e, depois

progressivamente, por uma consciência das limitações que o ciclo da nossa vida

corporal nos impõe. Ser-no-mundo com um corpo significa a presença constante da

ameaça de seu perecimento pela doença e pela morte. (GONÇALVES, 2012, p. 103).

Este estar e ser-no-mundo, com nossa corporeidade, significa vivenciar tudo o que o

universo nos oferece a cada momento, alcançando com o movimento do nosso corpo, na medida

em que nos abrirmos para o novo. No dizer de Merleau-Ponty (1994, p. 212), “nossos

movimentos” hereditários vão se interligando a outros campos, como o motor, o da visão e o

sensorial, onde “nossos poderes naturais” buscam significações mais importantes que, até o

momento, estavam somente em nosso campo perceptivo ou prático. Os movimentos, que se

reorganizam, preenchem as perspectivas ofuscadas. Na maioria das vezes, o movimento

corporal é considerado como parte constituinte de um todo na formação humana para o

desenvolvimento da corporeidade. A partir da visão do autor,

[...] nosso corpo é para nós o espelho de nosso ser, senão porque ele é um eu natural,

uma corrente de existência dada, de forma que nunca sabemos se as forças que nos

dirigem são as suas ou as nossas – ou antes elas nunca são inteiramente nem suas nem

nossas (PONTY, 1994, p. 236).

A partir de observações identifiquei as vivências que o ser humano faz com seu corpo,

as experiências culturais em que cada sujeito se movimenta, pratica e vivencia diariamente,

transformam-se em construções dos processos de aprendizagem, com espaços de diálogos

constantes com os conhecimentos humanos, desejando reconhecimento na contemporaneidade.

Para Hermida e Zoboli (2012), no pensamento de Merleau-Ponty “a ciência precisa ver

a vida humana como espiritual e corporal ao mesmo tempo e sempre apoiada no corpo, afinal,

o corpo é o lugar em que o homem se experimenta como existente” (HERMIDA E ZOBOLI,

2012, p. 37).

Corporeidade e aprendizagem andam juntas, e uma não significa nada sem a outra, que,

na concepção de Gonçalves (2012), o corpo se revela, constitui-se, esconde-se, mostra-se e

também sofre mudanças que o mundo lhe oferece.

Em Hermida e Zoboli (2012, p.15-16) “o existir humano” acontece pelo corpo e através

dele estabelecem-se relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo. E para decifrá-lo,

necessita-se decodificar, compreender o processo cultural que ele representou ou representa, no

ambiente em que se formou. O corpo de cada ser humano retém um pouco da memória

universal. De acordo com Tassoni (2000, p.13), “as formas de expressão que utilizam

exclusivamente o corpo, como o toque, os olhares e as modulações da voz, vão ganhando maior

28

complexidade”. A forma como lida com sua corporeidade, seus limites e possibilidades, que

não são universais, dependem do processo histórico, da construção social diária e de como esses

elementos interagem com o meio, modificando-o. Esse também atua sobre ele, influenciando e

direcionando suas formas de sentir, pensar e agir, ligadas aos condicionamentos sociais e

culturais de suas aprendizagens.

Conforme Gonçalves (2012, p. 13):

A cultura imprime suas marcas no indivíduo, ditando normas e fixando ideias nas

dimensões intelectual, afetiva, moral e física, ideais essas que indicam à Educação o

que deve ser alcançado no processo de socialização. O corpo de cada indivíduo de um

grupo cultural revela, assim, não somente sua singularidade pessoal, mas também tudo

aquilo que caracteriza esse grupo como uma unidade. Cada corpo expressa a história

acumulada de uma sociedade que nele marca seus valores, suas leis, suas crenças e

seus sentimentos, que estão na base da vida social.

A cultura, na qual nós humanos estamos inseridos no decorrer do processo histórico, vai

deixando marcas em toda estatura corporal, ao mesmo tempo em que, nós, pelas interações e

relações, produzimos cultura. Cada indivíduo expressa em sua corporeidade as marcas da

história que vive, de seus valores, suas crenças, leis e sentimentos que formam a base da vida e

de seu contexto social.

Segundo afirmação de Daolio (1995, apud BARRETO, 2009),

O corpo é uma síntese da cultura, porque expressa elementos específicos da sociedade

da qual faz parte. O homem, por meio do seu corpo, assimila e se apropria dos valores,

normas e costumes sociais, em um processo de incorporações (a palavra é

significativa). Mais do que um aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um

conteúdo cultural que se instala no seu corpo no conjunto de suas expressões,

(BARRETO, 2009, p. 71).

A história do corpo em cada cultura, mesmo que esquecida e descuidada, revela o ser

humano. É por meio da corporeidade que ele se apropria das informações que a sociedade

expressa como características peculiares. Desse meio social, o sujeito apropria-se de valores,

tradições e princípios, incorpora aquilo que lhe é transmitido através da cultura de forma

transgeracional. Nesse sentido, o ser humano aprende, expressa e repassa a história acumulada

de cada época, expressa e repassa as próprias dificuldades, independentemente de sua

constituição física e orgânica.

O corpo é a configuração que faz parte das aprendizagens, não só como instrumento,

mas também como signo de conhecimentos. E, no dizer de Fernández (1991, p. 60) o corpo é

signo, e nele se manifestam as demonstrações de “como fazer”, principalmente por intermédio

29

do olhar, das mudanças do timbre da voz e a intensidade do gesto que canalizam a importância

e o entusiasmo que o conhecimento significa para o outro. Considerando que “não há

aprendizagem que não esteja registrada no corpo”, o processo de aprendizagem só é possível

quando acontece a experiência por certas coordenações na rede de coordenações dos sujeitos

envolvidos. Como sequência do próximo capítulo, serão abordados, mais especificamente, os

envolvimentos do corpo com a aprendizagem que, no pensamento de Assmann (2001), todo

conhecimento se estabelece como aprendizagem, mediada pelos movimentos externos e

internos da nossa corporeidade. Segundo o autor, “toda aprendizagem tem uma inscrição

corporal” (ASSMANN, 2001, p. 47), sendo que a mesma somente acontece, quando se funda

na corporeidade.

Percebe-se que o corpo, desde a antiguidade, é sem dúvida parte de um todo. O corpo

está presente em todas as interações humanas ao longo da história. Nessa interação, o ser

humano traz em sua corporeidade tudo aquilo que vivencia ao longo de sua história, de sua

cultura e está sujeito às várias transformações corporais na qual está imerso. Sendo assim, o

corpo sofre a influência do seu ambiente cultural e social no transcurso de sua história consigo

mesmo, com o outro. Através do pensar, do agir, do querer, pelo modo de se relacionar, a

corporeidade expressa sua identidade cultural, pessoal e com todos os demais seres, objetos a

sua volta. No pensamento de Maturana e Verden-Zöller (2004), “Tornamo-nos o que somos”

pelo modo como nos movimentamos, agimos com os outros ou simplesmente a sós, e, a cada

instante estabelecendo espaços de relação e transformação em nossa corporeidade. O corpo, no

experienciar, está sempre em ação na constituição do eu para novas experiências.

No decorrer da história da humanidade, o corpo sempre foi e continua sendo variável

para questionamentos, interrogações, estudos e reflexões. É importante pensar e trabalhar a

corporeidade desde a concepção da liberdade corporal, seja na questão religiosa, cultural na

qual estamos inseridos e em nossa forma de ser e agir. A partir dessas considerações abordarei,

de forma específica, as experiências formativas e a corporeidade, para entender melhor a

caminhada do ser humano criança em processo de formação e transformação de sua

corporeidade e do meio onde está inserido.

30

3 EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E CORPOREIDADE

Nas experiências formativas, a consciência entra em confronto não apenas consigo

mesma, mas primordialmente, com o outro, pressupondo a renovação dessa

experiência (LAGO e FARINON, 2014, p. 762).

Esse confronto da consciência nas experiências formativas, na relação com o outro, na

visão dos autores e na preocupação estética de Adorno (2003, apud LAGO; FARINON, 2014),

permite questionar a partir de diferentes bases teóricas tanto o processo formativo como o da

aprendizagem. Reconhecer essas diferentes bases é permitir-se diferentes formas de

conhecimento e diferente formação, capaz de concretizar a capacidade de realizar experiências

de aprendizagem. Segundo Lago e Farinon (2014), no pensamento Adorniano, o pensar

significa realizar experiências profundas. A sala de aula nos termos educacionais é o ambiente

onde o conviver e o experienciar constantes levam o educando a encontrar o prazer de aprender

e conviver com o diferente na alteridade.

Essas experiências, na medida em que acontecem em nossa corporeidade, desenvolvem-

se em relações de convivência e vivência diária com o outro, experiências que modificam a

forma de ser e aprender. Essas experiências de mundo, que o corpo realiza e ao mesmo tempo

oferece ao outro, despertam a consciência sobre a natureza percebida, aumentando o nível das

experiências formativas.

Uma experiência deriva sempre de uma pergunta e de resposta para que, a partir da

mesma, possam surgir outras perguntas e assim, sucessivamente. Então, o que é experiência?

O que é uma experiência de vida? Uma experiência em corporeidade?

Segundo Gadamer (2005, p. 473), “toda experiência pressupõe a estrutura da pergunta”

e não se realizam experiências sem o exercício de perguntar, “do perguntar”. Lago (2014, p.

92), a partir de Gadamer, afirma que a pergunta, por constituir a base das experiências, põe em

jogo a decepção, a rejeição e a recusa no “viger do outro que se efetiva como pergunta”. Para

que a experiência possa se tornar uma experiência formativa, o indivíduo coloca em jogo “o já

sabido”. Para Lago, na pergunta “o interrogado” é posto num determinado comando, em que

lhe é sugerido responder sob uma certa expectativa, pois “a pergunta rompe, de certo modo, o

ser do interrogado” (p. 92). É como se a pergunta quebrasse “o círculo vicioso sem destruí-lo”

e sem prejudicar a ninguém, mas de uma forma a lhe oxigenar e reconfigurar uma nova

“intencionalidade” na pergunta, interpelando o outro para obter uma resposta ainda mais

31

profunda. A pergunta é como um desafio para novas interrogações, ficando, como que, em

aberto para novas experiências.

No dizer de Lago (2014, p. 93), se a pergunta e a resposta não gerarem desafios, “não

se configura o jogo, a experiência, uma vez que esta depende de uma resposta para realizar-se

em plenitude e converter-se em nova pergunta”. O autor relata que, “na estrutura do perguntar

e do responder, a experiência se efetiva como diálogo profundo”, visto que “a dialética da

experiência” tem seu fim e não num conhecimento conclusivo, mas “nessa abertura à

experiência”, uma vez que é colocada em ação pela própria experiência. E, colocando-se nesse

contexto, as afirmações de Gadamer são esclarecedoras:

A experiência só se atualiza nas observações individuais. Não se pode conhecê-la

numa universalidade prévia. É nesse sentido que a experiência permanece

fundamentalmente aberta para toda e qualquer nova experiência – não só no sentido

geral da correção dos erros, mas porque a experiência está essencialmente dependente

de constante confirmação, e na ausência dessa confirmação ela se converte

necessariamente noutra experiência diferente (2015, p. 460).

As experiências acontecem através da corporeidade com um ser aberto e envolvido no

mundo. De acordo com Hermann (2010, p. 93) “a partir de meados do século 20, a estética da

existência” traz novas reflexões a respeito da forma de ser, como “arte de viver”. Ela busca

colocar em diálogo as regras classificadas como obrigatórias para estabelecer um jeito novo de

viver a partir das experiências, que constroem conhecimentos num sujeito aprendente. Para a

autora, a queda de categorias de integração e finalização geram uma perda de sentido na troca

de saberes e refletem nas relações entre o sujeito e o mundo, o particular e o universal,

dificultando as formas de integrar experiências individuais e projetos de humanidade e de

mundo.

O corpo, na medida em que o ser humano vai se movimentando, interage, desenvolve-

se e cria novas experiências e, nessa relação, transforma-se com o meio dando continuidade às

experiências formativas. Essa relação dinâmica de interação com o ambiente modifica-o e,

sendo modificado, esse viver humano está relacionado em convivências realizadas em

“conversações e redes de conversações”. Pois, o que nos transforma e nos funde como seres

humanos, é a “nossa existência no conversar” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER 2004, p.

31). Esse conversar surgiu como uma forma do agir na relação com o outro, através do linguajar

e do emocionar, que é o que nos constitui como humanos.

Conforme Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 63),

32

Nós humanos, podemos ter de maneira espontânea, num momento ou em outro de

nossas vidas, uma experiência peculiar. E a vivemos como uma percepção súbita de

nossa conexão e participação num domínio mais amplo de existência, para além do

entorno imediato.

Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 129) sustentam, o fato de existirmos em nossas

corporeidades como um todo, ou seja, uma forma de viver no mundo, “em nossa coexistência

corporal com os outros”. É o que os autores chamam de vida espiritual. Todas as experiências

humanas e espirituais acontecem como um componente das redes de conversações que formam

a cultura pela qual nascemos e são congregadas com o emocionar. Aquilo que chamamos de

vida espiritual é uma experiência de pertencimento a um domínio de “existência multicorporal

maior que o da própria corporeidade”. Em nossa cultura, a instrumentalização que ocorre nas

relações interpessoais leva a “uma vida que desvaloriza a aceitação mútua” e “ensinamos nossas

crianças a não amar”. Amar é como uma forma de conviver “nas ações que constituem o outro,

como um legítimo outro, em convivência conosco” (p. 129).

Devido à separação de corpo e espírito em nossa cultura – e à frequente

instrumentalização das relações interpessoais –, muitas de nossas crianças crescem

sem visão social e de si mesmas, por não aprenderem a viver a aceitação mútua e plena

como algo natural e espontâneo (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 130).

Nas experiências de aprendizagem realizadas pelo ser humano, esse participa como um

ser único, num momento em que acontecem modificações e transformações, não apenas em seu

ser corporal e motriz, mas, na totalidade, como um ser engajado na relação de

comprometimento com os outros e o mundo a sua volta. De acordo com Neuenfeld (2003), há

o “momento de buscar a realização pessoal”, no qual o indivíduo busca satisfazer seus anseios

e necessidades voltados ao lazer, constrói relações e valores. Ainda, segundo o autor, nem

sempre há possibilidades de trocas, de interação social, a partir da qual as necessidades de seus

sujeitos são contempladas.

Segundo Maturana e Varela (2001), toda a experiência de fora é “validada de uma

maneira particular pela estrutura humana”, e o encadeamento entre a ação e a experiência, a

“inseparabilidade entre ser de uma maneira particular e como o mundo nos parece ser, nos diz

que todo ato de conhecer faz surgir um mundo” (p. 31). O fenômeno do conhecimento

apresenta-se como “um todo integrado e está fundamentado da mesma forma em todos os seus

âmbitos” (p. 33). Toda experiência vivida interfere na corporeidade, pois cada experiência

provoca mudanças, mesmo que, às vezes, “não sejam completamente visíveis” (MATURANA

e VARELA, 2001, p. 189).

33

Maturana e Varela (2001) afirmam que “a educação é um processo contínuo que dura

toda vida” e “os educandos confirmam em seu viver” as experiências do mundo “que viveram

em sua educação” (p. 29). A educação potencializa a humanização da sociedade no sentido em

que abre caminhos e possibilidades, através da formação dos sujeitos.

Gadamer (2015) fala do conceito de formação (Bildung), cuja origem da palavra vem

da Idade Média, passando pelo Barroco, por uma “espiritualização com bases religiosas no

‘Messias’ [...], e, finalmente na determinação fundamental de Herder, como ‘formação que

eleva à humanidade’” (p. 44-45). No século XIX, conservaram-se, na religião, a dimensão dessa

palavra e o “conceito de formação foi determinado a partir daí”.

O antigo conceito de formação dava a ideia de referência à aparência externa do ser

humano. “Hoje, a formação está estreitamente ligada ao conceito de cultura e designa, antes de

tudo, a maneira especificamente humana de aperfeiçoar suas aptidões e faculdades”. A

formação decorre “totalmente daquilo em que e através do que alguém é instruído”. Assim, “na

formação adquirida nada desaparece, tudo é preservado” (GADAMER, 2015, p. 45).

Segundo Lago (2014), “o homem, quando atinge a maioridade, a consciência de si para

si, como ser de relação, compreende-se como formação” Neste sentido, um povo de uma cultura

madura, “tem como problema central” o ser humano “e sua formação”. A Bildung “visa ao mais

alto nível de excelência possível, a partir de uma força criativa autônoma pela qual o ser humano

livremente é capaz de autoformar-se e atingir por si só a condição humana” (LAGO, 2014, p.

25).

No dizer de Hermann (2010, p. 120).

O conceito de Bildung (formação), transformado pela hermenêutica, implica

reconhecer a capacidade de luta do sujeito em se autoeducar, em saber que ele pode

reagir para além de todas as adaptações, para além de todos os projetos de sentido que

lhe são oferecidos por certos ordenamentos simbólicos e que nunca é totalmente

aprendido pelos nossos esquemas conceituais – ou seja, a preservação da dimensão

fundamental do conceito clássico de Bildung: a liberdade do indivíduo para

determinar seu processo de formação. O que é irrevogável na formação, sua marca e

vestígio mais persistente, é a ideia de que a pessoa se constitui a si mesma num vínculo

com o mundo, um trabalho feito com “paciência e suavidade” - algo que a

hermenêutica sabe ser próprio da aventura humana.

Hermann mostra que o conceito de formação (Bildung) encontra “na ideia de

experiência, a possibilidade de redimensioná-lo, ajustado à contemporaneidade, quando as

ações formativas não mais convergem para unidade e a totalidade”, diferente da maneira como

a “Bildung foi concebida nos séculos 18 e 19” (HERMANN, 2010, p. 109).

34

Na busca de nos reconhecermos como sujeitos aprendentes e auto-educantes, através da

experiência hermenêutica como “um processo educativo”, que segundo Hermann (2010, p.

118), nos leva à ação reflexiva sobre nosso eu, como também a recusar certas interpretações de

mundo, recriando novas aprendências com o mesmo. Portanto, a experiência nos põe sempre

em situações limite, recordando nossa finitude para assim criarmos novas experiências. Nesse

experienciar, o corpo é aquele que está sempre em ação no processo de constituição do eu.

As experiências formativas vão mudando nossa corporeidade conforme as implicações,

no decorrer do percurso, de nossas observações, vivências que se manifestam através da

linguagem, gestos, atitudes e ações positivas ou negativas. O ser humano experimenta outras

vivências concretas no dia a dia com seu corpo e, para que essas aprendizagens ocorram de

forma construtiva, o ambiente onde o sujeito vive deve propiciar novas experiências.

Pela perspectiva hermenêutica, “o conceito de formação é afetado pela problematização”,

na compreensão do que “se refere a dar sentido para o saber cultural” uma vez que,

em sua trajetória, a ideia de formação assume uma proximidade com o conceito de

cultura, no sentido de desenvolvimento das capacidades humanas, refletindo uma

profunda mudança espiritual. Esse entendimento de formação encontra sua concepção

mais apurada no idealismo alemão. Hegel familiarizou a ideia de educação como

formação (HERMANN, 2002, p. 99).

Hermann (2002) reforça no pensamento de Uhle, pela hermenêutica, chegar “à

exigência formativa de desparticularizar o ‘eu’: como auto experiência do ‘eu’ em seus

horizontes não-conceituados e como um fazer-se geral, mediante a ampliação e, com isso, uma

participação maior nas esferas de sentido” (UHLE, 1997, p. 70, apud HERMANN, 2002, p.

101). A compreensão da hermenêutica “permite que a educação, como processo formativo,

vincule o ‘eu’ e o mundo, de forma a dar sentido àquilo que não vem só de nós mesmos, mas

reconhecer a verdadeira grandeza das produções culturais” e assim “enriquecer nossa própria

interioridade” (HERMANN, 2002, p. 102). A formação consiste em dar abertura para

reconhecer e aceitar o outro, bem como o saber cultural.

Segundo Farinon e Lago (2014), no cenário da alteridade e da diversidade, a necessidade

de repensar a educação, “na perspectiva de uma formação forte”, exige que “as ações

pedagógicas e as próprias instituições de ensino deveriam ter a preocupação central de realizar

experiências formativas” pelas quais “os indivíduos experienciassem um processo ético de

desenvolvimento interno de si” (FARINON E LAGO, 2014, p.10, grifos do original).

Boufleuer (2014) entende a educação no sentido de articular experiências provenientes

do passado com as do presente, proporcionando às novas gerações “conhecer o que as gerações

35

anteriores acumularam como aprendizados relativos ao modo humano de ser e de interagir com

os outros e com o seu entorno natural”. (BOUFLEUER, 2014, p. 72)

Ainda, segundo o mesmo autor, ao emergir no mundo e no contexto em que estiver,

“cada ser humano é como que convidado a inserir-se na história da espécie humana, por meio

da incorporação de características” que, através do tempo, “levaram os seres humanos a se

diferenciarem dos indivíduos das demais espécies”. O autor ainda prossegue afirmando que

“para se constituir sujeito do tempo presente, cada qual necessita incorporar a experiência

histórica da espécie humana mediante processo de aprendizagem” (BOUFLEUER, 2014, p.

74). Construímos, no dizer de Boufleuer, um mundo mais humano, baseado nos padrões

culturais, “graças à competência pedagógica”, que “implicam determinados modos de ser e

agir”, de expressar-se e relacionar-se. Esses são padrões que se modificam a todo instante pela

“capacidade recriadora presente no modo humano de aprender” (p. 74). E em cada época

histórica, o ser humano se vale da sua “capacidade criadora para” constituir “o seu mundo

humano”, também para os que “contam com a herança das gerações anteriores”. “Esse mundo”

sempre se expressa de uma forma “de um determinado estágio de desenvolvimento das

ciências”, dos modos “de organização e convivência social e dos modos de conduta e de

expressão individual”. Essas gerações e épocas não podem ser percebidas de uma forma

estanque. O que tem de verdadeiro “são contínuas interações entre quem ‘veio antes’ e quem

‘está chegando’, fazendo com que a experiência humana se expresse como experiência

pedagógica” (2014, p. 75).

Existimos neste mundo como uma soma de situações e experiências vivenciadas até o

momento em que “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”. E

prossegue o autor,

se a experiência é o que nos acontece, e se o sujeito da experiência é um território de

passagem, então a experiência é uma paixão. Não se pode captar a experiência a partir

de uma lógica da ação, a partir de uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto

sujeito agente, a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação, mas a

partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo (BONDÍA,

2002, p. 26).

No dizer de Maturana e Verden-Zöller (2004), “a vida humana, como toda vida animal,

é vivida no fluxo emocional que constitui, a cada instante, o cenário básico a partir do qual

surgem nossas ações” (p. 29). Assim, ao considerarmos “os fundamentos emocionais de nossa

cultura”, temos condições de entendê-la melhor. E se conseguimos entender “os fundamentos

emocionais do nosso ser cultural, talvez possamos também deixar que o entendimento e a

36

percepção influenciem nossas ações, ao mudar nosso emocionar em relação ao nosso ser

cultural” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 30).

Atualmente, segundo Maturana e Verden-Zöller (2004), “o espaço da vida humana está

desfigurado pela civilização moderna, que se tornou demasiadamente rápida, ruidosa e

desvitalizada”, pois o ser humano distorceu “as condições normais para o desenvolvimento da

consciência humana na criança” (p. 195). Ainda, é por meio dos seus próprios movimentos que

a criança toma consciência de sua forma corporal humana e é estando consciente disso que ela

pode “criar um mundo coerente com o espaço operacional” onde vive, “constituindo-o como

um entorno” no qual pode mover-se com liberdade, sendo, assim, “meu entorno, meu mundo

[...], a expansão do meu corpo” (p. 159). Os autores ressaltam que “a criança só adquire sua

consciência social e autoconsciência quando cresce na consciência operacional de sua

corporeidade”, através de interações e brincadeiras, desenvolvendo-se pela ação e pela

experiência. Maturana e Varela (2001, p. 32), ao falarem de ações e experiências não se referem

somente ao que acontece no plano físico, mas “essa característica do fazer humano se aplica a

todas as dimensões do nosso viver”, e isso inclui necessariamente as interações, as relações e

inter-relações humanas. (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 229).

As vivências e experiências que vamos realizando, construindo-se diariamente com

aquelas já apreendidas, nos ajudam a realizar novas experiências de coordenações na rede de

conversações, edificando dentro de nós um novo saber. Nessa rede de conversações, na

afirmação de Maturana e Verden-Zöller (2004), se queremos entender o que nos acontece no

decurso delas, precisamos primeiramente identificar as emoções que estão implicadas na ação

das ações, que é onde ocorrem “as coordenações de coordenações de ações que tal conversação

implica” (p. 32). Portanto, precisamos estar atentos aos entrelaçamentos entre os linguajares e

o emocionar e vice-versa, no sujeito implicado. Essas emoções são aquelas que, nos diferentes

arranjos corporais, determinam a ação.

Quando experienciamos no emocionar, positivo ou negativo, nossas aprendizagens

também serão interações positivas ou negativas, pois Maturana e Verden-Zöller (2004)

sustentam “que a emoção define a ação” (p. 32).

Para Strieder (2004), essas interações devem ser compreendidas, pois são elas que

ajudam a entender que todo ser vivo é fruto de relações com o meio, seu entorno e as sucessivas

transformações estruturais. Nessa dinâmica, “assim como existe uma correlação entre a vida e

a cognição, talvez a solidariedade possa ser fruto da aprendizagem com uma consequente

mudança estrutural e, portanto, passível de desenvolvimento” (STRIEDER, 2004, p. 344).

37

Na visão de Lago e Farinon (2014), realizar experiências formativas, significa dar

oportunidade ao outro de estabelecer conexão com o si mesmo do outro. E o espaço escolar é

também um ambiente que propicia experiências de relações humanas, de encontros,

desencontros e de reflexões. Essas práticas de vivências corporais que o indivíduo desenvolve

no seu dia a dia o constituem como um sujeito aprendente.

O espaço escolar também é um meio onde o corpo do educando está presente em todas

as experiências de vivências humanas, que acontecem no operar da corporeidade através do

diálogo, da participação, na convivência e nas conversações que se constroem na relação com

outro. Também presentes no convívio da aceitação mútua, no confronto com o outro. Nesta

relação o educando dilata sua consciência corporal, e nesta dinâmica passa a construir novas

experiências pedagógicas de mundo, de educação e humanização.

Todos os espaços em que o ser humano, o educando transita, são oportunidades que

favorecem relações de convivência positiva ou negativa e nesse operar a emoção determina a

ação, amplia sua consciência social, funcional e corporal para novas vivências e experiências

em sua corporeidade como ser no mundo. O construir-se humano se faz através de todas as

extensões do viver consigo mesmo, com o outro e seu entorno. O espaço escolar, a sala de aula

é também, um dos meios que proporciona troca de experiências, vivências entre educadores e

educandos e educandos / educandos, num processo contínuo de aprender a aprender com prazer.

Nessa lógica de pensamento, de experiências e vivências corporais que o ser humano,

através das várias transformações corporais, social e cultural as quais está imerso, e o

acompanham no seu dia a dia, vão se constituindo com aprendizagens ao longo da vida. No

próximo capítulo abordarei: A aprendizagem, uma rede de interações.

38

4 APRENDIZAGEM, UMA REDE DE INTERAÇÕES

Todo saber tem um aprender e, aprender é construir esses saberes e conhecimentos,

conforme veremos nas concepções a respeito da aprendizagem, a partir de diversos autores.

Mas o que é aprendizagem? De que forma a corporeidade está presente na aprendizagem?

Como ocorre a aprendizagem? Essas questões e outras mais que ocorrem a cada dia entre os

educadores, vem abrir caminhos de pesquisa para novos conhecimentos e novas ações.

No dizer de Maturana e Varela (2001), hoje a tendência é refletir sobre a

aprendizagem como fenômeno de mudança de comportamento, a partir de tudo aquilo que

articulamos por via de trocas com o meio. Esse aprender nos leva à compreensão de nossa

dinâmica estrutural interna, dos envolvimentos biológicos de cada ser humano. Essa

vinculação conservará a harmonia do crescimento e o funcionamento do organismo no meio

onde vive. Significa uma contínua aprendizagem viabilizada e potencializada pelo seu

próprio funcionamento linguístico. Na sequência, os autores dizem: “falamos em

conhecimento toda vez que observamos uma conduta efetiva [...] num contexto assinalado -

ou seja, num domínio que definimos com uma pergunta (explícita ou implícita), que

formulamos como observadores” (MATURANA e VARELA, 2001, p.195).

Para Maturana e Verden-Zöller (2004), ao conviver com aprendência, fluímos em

um campo de atos e ações a outro, num sucessivo emocionar e, a esse convívio de trocas,

chamamos de conversar, onde o viver ocorre “em redes de conversações” (p. 9). Dessa forma

“a criança cria seu espaço psíquico” (p. 12), no ambiente de relações e convivência familiar

e escolar, na relação corporal com sua mãe e com educadoras. Desse contato, pode resultar

a experiência da convivência numa total confiança recíproca, capaz de gerar uma

aprendizagem a ser levada para toda sua vida. Os autores ressaltam que, “para entender o

que acontece numa conversação, é preciso prestar atenção ao entrelaçamento do emocionar

e do linguajar nela implicado” (p. 32). E continuam afirmando que “nossas mães nos

ensinam sem saber que o fazem” (p. 43), vamos aprendendo com elas na simplicidade de um

conviver não pensado, um emocionar realizado na convivência, característica de cada

cultura. Para compreender como ocorrem modificações culturais, é importante olhar para os

acontecimentos que originaram as alterações na rede de conversações que formam a cultura

em alteração. Todas as experiências acontecem como parte da rede de conversações que

compõe a cultura, sendo que “a aprendizagem do emocionar é transferível” (p. 63). Essa

39

dinâmica, em que os familiares e educadores escolares aprendem a trabalhar na recíproca

confiança e aceitação através de brincadeiras que envolvem o corpo, permite e promove o

desenvolvimento da consciência corporal dos filhos e alunos, reconhecendo-se com eles no

brincar.

No Brasil, vemos esta experiência sendo concretizada através da Base Nacional

Comum Curricular. A mesma “é uma exigência colocada para o sistema educacional

brasileiro pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996; 2013) ” (MEC,

2016, p.24). Além disso, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica

(Brasil, 2009) e o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2014) fomentam as mesmas ideias,

que segundo o MEC se constitui um avanço para a “construção da qualidade da educação”

(MEC, 2016).

Dessa forma, entende-se a Base Nacional Comum Curricular, segundo o Art. 14 das

DCNGEB - Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (BRASIL,

2010), como:

os conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas

políticas públicas e que são gerados nas instituições produtoras do conhecimento

científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das

linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas

formas diversas de exercício da cidadania; nos movimentos sociais (Parecer

CNE/CEB nº 07/2010, p. 66).

Nesses termos, percebe-se que há conhecimentos que são produzidos por influência

da cultura e originários de diversos interesses e que integram a BNCC. Os mesmos são

indispensáveis e todos os educandos devem ter acesso na Educação Básica. A eles, sem

dúvida, deve se incorporar, no currículo escolar, a parte diversificada, com o intuito de

reduzir as desigualdades educacionais da nação, como proposto no Art. 15 das DCNGEB.

A parte diversificada enriquece e complementa a base nacional comum,

prevendo o estudo das características regionais e locais da sociedade, da cultura,

da economia e da comunidade escolar, perpassando todos os tempos e espaços

curriculares constituintes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio,

independentemente do ciclo da vida no qual os sujeitos tenham acesso à escola

(Parecer CNE/CEB nº 07/2010, p. 66).

Desse modo, levando em conta o fato de que o país abrange uma dimensão

continental, é correto ressaltar que existem fatores que fazem parte do ser humano em

diferentes contextos, sobretudo marcados pelos contextos regionais e que devem estar

40

presentes no currículo escolar. A partir deles é que os indivíduos (educandos e professores)

se relacionam, trocam ideias, estabelecem afinidades, demonstram simpatia ou mesmo

repulsa quando convivem. É na interação com o outro que as crianças vão se constituindo

como alguém com um modo próprio de agir, sentir e pensar, quer seja pela convivência, pelo

modo de brincar, quando participam de situações do cotidiano e conseguem se expressar

através da corporeidade, construindo, assim, sua identidade pessoal e cultural.

A fim de valorizar suas características próprias e a de outros, a criança compreende

a sua existência que é marcada pelo desenvolvimento da sua consciência corporal, uma vez

que Maturana e Verden-Zöller (2004) afirmam, “ela aprende de seu corpo e o aceita como

seu domínio de possibilidades, ao aprender a viver consigo mesma e com os outros” (p. 228).

Esse processo só acontece, porque o desenvolvimento da criança se realiza na dinâmica da

“integridade biológica sensório-motora, emocional e intelectual” e ao conviver com a

absoluta confiança e segurança na mãe, no pai e educadores. Dessa forma, a criança só

adquire consciência social e autoconsciência, quando as desenvolve “na consciência

operacional de sua corporeidade” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 229).

Ainda para Maturana e Verden-Zöller (2004), “o modo como uma criança vive a sua

corporeidade, nos primeiros anos de vida” (p.132), é fundamental para o seu

desenvolvimento como um todo. Os autores prosseguem afirmando que nós, seres humanos,

nos tornamos “aquilo que nossas corporeidades se tornam enquanto vivemos” e crescemos

como diferentes sujeitos “nas diversas culturas às quais pertencemos”, ocorrendo “de modo

espontâneo no processo de viver” (p. 138). E, “assim, tornamo-nos aquilo que somos num

curso de mudança corporal” (MATURANA e VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 139).

No decorrer desse movimento, Maturana e Varela (2001), reforçam que “conhecer é

uma ação efetiva, ou seja, uma efetividade operacional no domínio de existência do ser

vivo”. A partir de então, o fenômeno do conhecimento ocorre num “todo integrado e está

fundamentado da mesma forma em todos os seus âmbitos” (p. 35). Ainda para os autores,

“fazer surgir um mundo é a dimensão palpitante do conhecimento” (p. 33), que se constitui

no ato de conhecer por mais visível que possa equivaler nossa experiência. Assim, “todo

fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer” (p. 32), que se aplicam às diferentes

dimensões na nossa vida, de nossa cultura. Isso envolve nosso corpo tendo a linguagem

como ponto de partida, uma vez que é “um fazer humano, realizado por alguém em particular

num determinado lugar” (p. 32). Na sequência os autores afirmam,

em outras palavras, nosso marco inicial, para gerar uma explicação cientificamente

validável, é entender o conhecimento como ação efetiva, ação que permita a um

41

ser vivo continuar sua existência em um determinado meio ao fazer surgir o seu

mundo (MATURANA; VARELA, 2001, p. 36).

Numa concepção diferente para Basso (2012), apoiada em Piaget, os elementos

responsáveis pelo desenvolvimento e aprendizagem, são muitos e a aprendizagem acontece

sempre por situações externas ao sujeito. Ele acredita que a ação do sujeito, por meio das

experiências, deriva da atuação com o ambiente - o indivíduo precisará contrabalançar a ação

mediante outras ações. Nesse processo, a base de equilibração está na

assimilação/acomodação, de modo que Piaget garante que a criança só adquire pensamento

e linguagem se passar pelas múltiplas fases de desenvolvimento psicológico, iniciando do

singular para o social.

Ainda no pensamento de Basso (2012), a concepção de aprendizagem segundo

Vigotski, é a de que o pensamento surge por meio do vocábulo, das palavras, pois a criança

se apropria das falas, pela relação com a fala do outro em situações de interlocuções.

Segundo a autora, no pensamento de Vigotski, a aprendizagem tem um desempenho

fundamental no desenvolvimento do saber e do conhecer, para toda e qualquer metodologia

da aprendizagem. E também é ensino-aprendizagem, porque envolve todos aqueles que

aprendem e todos aqueles que ensinam bem como as relações entre todos os envolvidos.

Segundo Fernández (1998), apoiada em Piaget, toda modalidade de aprendizagem se

constrói do nascimento até o último instante de nossa vida e, através dela, encontramo-nos

com as angústias essenciais do conhecer e desconhecer. Essa modalidade de aprendizagem

tem sua história construída pelo sujeito com seu grupo familiar e com as experiências de

aprendizagem, interpretadas por ele e seus familiares. A aprendizagem é um método, na qual

interferem a inteligência, o desejo, o corpo e o organismo, integrados e equilibrados.

Também a estrutura mental tende ao equilíbrio, moldando a realidade, sistematizando-se

entre dois movimentos, os quais Piaget determinou como assimilação e acomodação

invariáveis. Assim, a assimilação é o movimento do processo da acomodação pelo qual os

conhecimentos do ambiente alteram-se para serem incorporados à estrutura do organismo.

Já a acomodação é a agitação do processo de adaptação pelo qual o organismo se altera

conforme as características do objeto a ser introduzido. Então para a autora (1998), “uma

aprendizagem normal supõe uma modalidade de aprendizagem na qual se produz um

equilíbrio entre os movimentos assimilativos e os acomodativos” (p. 110). Essas

modalidades de aprendizagem estão intimamente ligadas à estrutura da personalidade do

sujeito.

42

Por sua vez, Fernández (2001) entende que as questões de aprendizagem e de ensino

abrangem todos os seres humanos que “contam com um organismo transformado

(humanizado) em corpo” (p. 58), de modo que estão envolvidos o desejo e a inteligência.

Nessa relação joga-se com os aspectos conscientes, inconscientes e pré-conscientes

estimulados pelo desejo do outro. A autora ainda nos diz, “toda situação de aprendizagem é

intersubjetiva, mesmo a solitária construção teórica” (FERNÁNDEZ, 2001, p. 58).

Diferentemente para Assmann (1998, p. 40),

a aprendizagem não é um amontoado sucessivo de coisas que se vão reunindo. Ao

contrário, trata-se de uma rede ou teia de interações neurais extremamente

complexas e dinâmicas, que vão criando estados gerais qualitativamente novos no

cérebro humano. É a isto que dou o nome de morfogênese do conhecimento. Neste

sentido, a aprendizagem consiste numa cadeia complexa de saltos qualitativos da

auto-organização neural da corporeidade viva, cuja clausura operacional [...], se

auto organiza enquanto se mantém numa acoplagem estrutural com o seu meio.

Dessa forma, nem todos os temas e instantes da aprendizagem podem ser igualmente

“reconfigurantes em relação ao sistema complexo de atratores cérebro/mente” (ASSMANN,

1998, p. 41), mas um processo pedagógico tende a ser significativo para o aprendente,

quando envolve não só cérebro/mente, mas toda a corporeidade. Assim, o “termo

‘aprendizagem’ (“apprentissage”) deve ceder o lugar ao termo ‘aprendência’

(“appernance”). Segundo Assmann, o termo aprendência “traduz melhor, pela sua própria

forma, este estado de estar-em-processo-de-aprender”, função esta “do ato de aprender que

constrói e se constrói, e seu estatuto de ato existencial que caracteriza efetivamente o ato de

aprender, indissociável da dinâmica do vivo” (1998, p. 128).

Na verdade, a aprendizagem é como uma trama de intercâmbios neurais, inscrita na

corporeidade de cada indivíduo. Por isso, o corpo é a referência dessa auto-organização

neural da e na corporeidade viva. Em cada época, o ser humano expressa, em sua

corporeidade, informações da sociedade cultural da qual fazia e/ou faz parte. A

aprendizagem traz consigo as marcas das experiências vividas em cada momento da história

cultural, característica essencial do ato de aprender.

Para Assmann (1998, p. 39-40), o contexto em que se vivencia o conhecimento,

singular em cada ser humano, tem o seu momento, seu tempo de aprender. “Aprender é uma

propriedade emergente da auto-organização da vida” e significa que o ser humano a realiza

diariamente na relação com o outro e na relação com o entorno ambiente. A aprendizagem

não é um acúmulo de coisas, mas um fio, um veio condutor de intercâmbios neurais

43

complexos e dinâmicos, criando novas circunstâncias de informação para o ser humano. Para

o autor, a aprendizagem acontece no decorrer de toda nossa vida como uma experiência auto

organizativa, ou seja,

toda morfogênese do conhecimento é constituída por níveis emergentes a partir

dos processos auto organizativos da corporeidade viva. Por isso todo

conhecimento tem uma inscrição corporal e se apoia numa complexa interação

sensorial. O conhecimento humano nunca é pura operação mental. Toda ativação

da inteligência está entretecida de emoções (ASSMANN, 1998, p. 33).

Nessa concepção, Assmann (1998) defende que toda a aprendizagem ocorre a partir

do corpo e das experiências sensoriais, tidas como acontecimentos em que a corporeidade

viva está presente e o corpo, do ponto de vista do rigor da ciência e do âmbito de sua área, é

de extrema importância como inter-relação. Segundo o autor (1998), é somente através de

uma teoria da corporeidade que se podem compreender as bases de uma teoria pedagógica.

Ainda, conforme o mesmo autor (2001, p. 137), o conhecimento e a verdade são construídos

pelo sujeito e “não há conhecimento objetivo ou verdade objetiva a serem ensinados”.

Se os construtivistas entendem que o conhecimento e a verdade são formados por

nós mesmos e de que não há conhecimento e verdade objetiva, então não existe uma

realidade “lá fora”. As concepções de realidades construídas nas experiências de mundo, nas

experiências culturais de aprender, compreender, compartilhar e debater posições, são vistas

como diferentes formas e possibilidades de aprendizagens. Segundo os objetivistas, como

anuncia Assmann, “o conhecimento e a verdade existem fora da mente do indivíduo”, por

isso são objetivos. Assim, importa falar aos estudantes a respeito de um mundo “e espera-se

que eles repliquem em sua mente” os conteúdos e as estruturas desse mundo. O objetivismo

acredita “que o conhecimento é algo fixo” (p. 137), e a aprendizagem “é vista como uma

réplica/um replicar da base de conhecimentos dos entendidos (expertos)”.

Assmann (2001) aceita, mas reage à tese que comprova a capacidade do ser humano

de observar, inventar, analisar, apreender e manejar regras e questiona: O que podemos

refletir sobre isso? O autor considera dois aspectos: “o lado positivo da admirável aptidão

humana para ajustar-se a regras” e também “o risco do aviltamento da capacidade reflexiva

nos adestramentos para fixar-se em regras” (p. 140). Na visão do autor, o potencial para o

adestramento tem capacitado o ser humano a trabalhar aceitavelmente como animal

instrucional, que o reduz a isso. É a redução do humano à uma máquina instrumental.

Precisamos ultrapassar as ações pedagógicas restritas a ordens instrucionais, com base em

44

regras especificas, por não ser propriedades de aprendizagem, mas de memorizações.

Assmann questiona: o que é possível saber dos potenciamentos escondidos pelo excesso de

normativos, negligenciando que “parâmetros ordenadores e caóticos não tão facilmente

perceptíveis, das interferências mútuas entre estados globais e processos cognitivos

punctuais” (ASSMANN, 2001, p. 141-142) inferem na dinâmica da aprendizagem.

Compreender as formas do conhecimento, como estados perceptíveis “gerados pelos

processos auto organizativos corporais”, apoiados na interação sensorial, é considerar a

existência de processos desenvolvidos no interior do organismo - endógenos - e os

provenientes do meio ambiente como variáveis que podem ser um “propiciador ou

obstaculizador dos processos vitais”. Na concepção de Assmann (2001), essa complexidade

aprendente tende a explicar de forma diferente o como “avaliar certos enigmas do

comportamento humano” (ASSMANN, 2001, p. 142).

Ainda, segundo Assmann (1998), a aprendizagem emerge de uma auto-organização

da vida a partir da criação de conexões com o meio e todo seu entorno, sendo o organismo

vivo coparticipe dessas interações. Um organismo, constituído como tal, tem uma pré-

disposição para aprender nesse contexto processual.

A partir dessa concepção, podem-se entender as dificuldades que crianças sentem ao

terem que ficar paralisadas em sua corporeidade. Elas são reflexos de uma educação

tradicional na qual o corpo não tem participação. Na percepção de Gonçalves (2012, p. 34),

“a aprendizagem de conteúdo, é uma aprendizagem sem corpo”, não só porque os alunos

permaneciam sem movimentar o corpo, mas também pelas formas de trabalhar os conteúdos.

Os “métodos de ensino” tradicionais mantêm os alunos em um mundo distante daquele no

qual eles vivem ou gostariam de viver, do como seu corpo pensa e de como pensam com seu

corpo. A autora relata que a aprendizagem na escola, na maioria das vezes, não acontece

com a produção de “experiências sensoriais”, mas com o acúmulo de “conhecimentos

abstratos” e “com pouca participação do corpo”. São situações pelas quais a criança pode

sentir-se reprimida, frustrada e ficar indiferente com relação à sua aprendizagem e ao meio

ambiente (GONÇALVES, 2012).

Gonçalves (2012, p. 34) assegura que:

a aprendizagem de conteúdo é uma aprendizagem sem corpo, e não somente pela

exigência do aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características

dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocam em um mundo diferente

daquele no qual ele vive e pensa com seu corpo.

45

Segundo Borneman4 (1981, apud GONÇALVES, 2012), Aprendizagem como

processo mental, ausência do corpo é uma “aprendizagem como inimiga do corpo”. Assim,

na escola, a aprendizagem “não se dá como elaboração de experiências sensoriais”, mas,

“como um acumular de conhecimentos abstratos, que são aprendidos por meio de palavras,

fotografias, números e fórmulas, com pouca participação do corpo, originando uma cinética

reprimida e frustrada” (GONÇALVES, 2012, p. 34-35).

No dizer de Strieder (2004, p. 150), a aprendizagem não acontece “no interior do

organismo humano”, mas o organismo humano, ao participar “de outros sistemas mais

amplos” e de diferentes processos, “cria condições para as mudanças”. À medida que as

pessoas se relacionam em seus diversificados espaços, experimentam “processos de

desenvolvimento” e estabelecem requisitos para as transformações. Quando o ser humano

compartilha suas práticas ocorre o envolvimento nesses subsistemas, permitindo

compartilhar “processos mais amplos”.

Em descrição diferenciada, para os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 38)

a aprendizagem:

[...] implica sempre alguma ousadia: diante do problema posto, o aluno precisa

elaborar hipóteses e experimentá-las. Fatores e processos afetivos, motivacionais

e relacionais são importantes nesse momento. Os conhecimentos gerados na

história pessoal e educativa têm um papel determinante na expectativa que o aluno

tem da escola, do professor e de si mesmo, nas suas motivações e interesses, em

seu autoconceito e em sua autoestima. Assim como os significados construídos

pelo aluno estão destinados a ser substituídos por outros no transcurso das

atividades, as representações que o aluno tem de si e de seu processo de

aprendizagem também. É fundamental, portanto, que a intervenção educativa

escolar propicie um desenvolvimento em direção à disponibilidade exigida pela

aprendizagem significativa. Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, o

aluno constrói uma representação de si mesmo como alguém capaz. Se, ao

contrário, for uma experiência de fracasso, o ato de aprender tenderá a se

transformar em ameaça, e a ousadia necessária se transformará em medo, para o

qual a defesa possível é a manifestação de desinteresse. A aprendizagem é

condicionada, de um lado, pelas possibilidades do aluno, que englobam tanto os

níveis de organização do pensamento como os conhecimentos e experiências

prévias, e, de outro, pela interação com os outros agentes.

A concepção de aprendizagem, como representação, proposta nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (1997) encontra-se ultrapassada, em relação às concepções que

buscamos apresentar, com base em Maturana e Varela (2001) e também a defendida por

Assmann (1997) e outros autores. Mais do que representar, a criança precisa experienciar

4 Ernest Borneman. Leibfeindiliches Lernen. 1981.

46

suas vivências, ser reconhecida como alguém capaz de auto-organização. Então deve

compreender que a aprendizagem não é somente cognição, mas um experienciar-se corporal,

intelectual e socialmente.

Reafirmamos, com base em Assmann (1995, p. 57), que a aprendizagem é um

processo contínuo do ser humano e, de auto-organização bio-psico-energética, que envolve

nossa corporeidade. Educar é compreender como a formação de seres humanos intensifica

“seu próprio potencial humano” através da corporeidade, pela “bio-ecologia-social”. O autor

acrescenta que essa capacitação básica, só é possível a partir do momento em que nos

assumirmos como seres humanos “numa sociedade ampla, complexa e tecnificada”. Esta

“inserção” não se define somente com ideias de “politização” e cidadania, mas é capaz de

envolver as circunstâncias da existência humana no envolvimento social e na “dimensão

corporal” (p. 57). Em seu argumento, Assmann garante que é “chegada a hora de ter a

ousadia de afirmar que o ético-político e as opções solidárias precisam ser definidas a partir

da Corporeidade”. E que também é apropriado para a aprendizagem, que se englobe nessa

explicação, “a dimensão instrucional – aprendizagem de conteúdos e procedimentos –

quanto o aprender a aprender, do agir e do pensar, sem nunca descuidar do ‘criativiver e da

fraternura”’. (ASSMANN, 1995, p. 59, grifos do autor).

Aprendizagem, para Santos, Caminha e Freitas (2012), não acontece unicamente no

domínio da dimensão intelectual, mas aprendemos “com a totalidade de nosso corpo”,

através de nossas sensações, imaginações, percepções e intuições geradas e “estimuladas

pela intersubjetividade” (SANTOS; CAMINHA E FREITAS, 2012, p. 80).

Hermida e Bezerra (2012) traçam pequeno contexto histórico do desenvolvimento

das concepções de aprendizagem e afirmam que teóricos na área da psicologia como: Piaget,

Wallon, Vigotski e outros, se sobressaíram no campo educacional ao “proporem novas

formas de compreender a criança, o seu desenvolvimento e como ocorre a aprendizagem”.

Esses pensadores buscaram entender, para além do tradicional, o desenvolvimento da

criança, “como sujeito ativo no processo ensino-aprendizagem”. Baseados nessas teorias,

muitos profissionais de educação buscam nesses ensinamentos aprofundar suas práticas

pedagógicas e repensar concepções em relação ao corpo da criança, até então relegado ao

esquecimento. A aprendizagem, vista como mentalização aos poucos, permitiu espaço ao

corpo. (HERMIDA; BEZERRA, 2012, p. 133).

Para Morin em Os sete saberes necessários à educação do futuro (2000, p. 76),

aprender é ‘estar aqui’ e significa “aprender a viver, a dividir, a comunicar, a comungar”.

47

Tudo se aprende nas e por meio de todas as culturas existentes no planeta. Necessitamos

aprender a ser humanos no viver, no repartir e no compartilhar, melhorar os sentidos como

humanos, em constante processo de vir a ser. Em Cabeça Bem-Feita, Morin (2000, p. 53)

escreve “seria preciso demonstrar que a aprendizagem da compreensão e da lucidez, além

de nunca ser concluída, deve ser continuamente recomeçada”. Diria reinventada a cada dia

para que o ser humano possa ver-se como um sujeito em contínuo processo do aprender.

Nesse processo de aprendizagem, segundo Fernández (2001, p. 59), “o sujeito

aprendente articula o sujeito desejante com o sujeito cognoscente”. Torna-se corpo em um

organismo singular, torna-se “corpo-instituinte” em um “organismo-sistema social” em

evidência. “Sujeito-aprendente” é aquele que interliga o “sujeito cognoscente e o sujeito

desejante”, construindo continuamente um corpo com o outro, com conhecimento, com

cultura e outros meios tecnológicos (p. 55).

Processos de aprendência possibilitam novas experiências de aprendizagens,

redimensionam nossos modos de ser e estar no mundo, de viver e estar em aprendizagem

com outros. Na visão de Fernández (2001, p. 69) “aprender é construir espaços de autoria”

onde o sujeito organiza suas concepções com as significações que constrói através das

experiências diárias de ser e de mundo.

Para Strieder e Zimmermann, (2012, p. 88), na concepção de Demo (2002) “a

aprendizagem é um fenômeno complexo, não linear”, não tem “como ser confundida com

instrucionismo”. O instrucionismo aborda “a aprendizagem como se fosse um fenômeno

linear” e não “como estratégia de aprendizagem, pois restringe e anula aquele que aprende”,

perturbando “a dinâmica não linear, capaz de promover saltos qualitativos no modo de ser e

de vir a ser do sujeito aprendente” (p. 88).

Strieder e Zimmermann (2012) ainda afirmam que os alicerces “epistemológicos”

procedentes “da física e da biologia” nos estimulam a entender “a aprendizagem não mais

como um resultado de acúmulo de informações instrucionais captadas do meio ambiente”.

A mudança de processo e da maneira de ser para eles “depende da estrutura interna do

indivíduo aprendente” e da “dinâmica das inter-relações” que acontecem “entre o indivíduo

e meio ambiente”. Essas “mudanças dependem do universo das circunstâncias que envolvem

o aprendente” e nele geram “modificações no fluir das emoções e das ações” (p. 157).

No final do século XX, uma comissão internacional propôs esboços para a educação

no século XXI. Em relatório para a UNESCO, essa comissão, posicionou-se sobre uma

compreensão de educação como um processo de nossa vida, fundamentada em quatro pilares

48

distintos de aprendizagens: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos

e aprender a ser” (DALPIAZ, 2014, p.3). Devido a insustentabilidade do desenvolvimento

econômico a qualquer custo, questionou-se sobre como a humanidade aprende a conviver

no mundo. Segundo Dalpiaz, (2014, p. 3), no relatório Delors (et al 1998), “a aprendizagem

refere-se ao ‘desenvolvimento de novos critérios ou capacidades para resolver problemas ou

a revisão de critérios e capacidades existentes que lhes inibem a resolução’”. A autora frisa

que a educação continuada e a educação permanente, tanto no que se refere à educação e

formação escolar e acadêmica como a dos demais âmbitos, visam a um maior

desenvolvimento na produção de conhecimento, ocorrendo uma ruptura epistemológica com

o tradicional. Por sua vez, no pensamento de Strieder (2004), a aprendizagem ocorre ao

longo da vida, sendo uma necessidade que gera a evolução. Dessa maneira, esse processo

demanda uma procura constante pela informação e sua transformação em conhecimento que

suscita novas experiências de vida.

As reflexões anteriores permitem afirmar que os questionamentos feitos no início

deste capítulo, não possuem uma única resposta/alternativa. Há uma diversidade de

possibilidades de formas de pensar, de aprender com e nos cotidianos, diversos em cada

época da história, diversos nas culturas diversas e, acima de tudo, diversos na especificidade

de cada ser humano. A aprendizagem ocorre por processos distintos tais como são distintas

as experiências de vida de cada ser humano. Assim, é prudente afirmar que a aprendizagem

é um processo contínuo de estar aberto ao novo, de experienciar o próprio existir no espaço

de convívio. E quanto mais intensificarmos nosso desejo de aprender nas convivências com

o outro, mais nos humanizamos. A educação, tal qual a aprendizagem, é uma constante

evolutiva capaz de realizar a transformação do ser humano, num ser humano diferente e

melhor. Por fim, no pensamento de Strieder e Zimmermann (2012), o processo de aprender

solicita e abrange uma série de percepções e emoções que motivam a dinâmica da vida. O

processo educativo e de aprendizagem ocorre de forma participativa, harmoniosa, na

convivência entre todos os envolvidos no espaço onde acontece o aprender.

A escola é um dos espaços onde ocorrer a aprendizagem não somente de conteúdo,

mas, pelas trocas de experiências que se sucedem entre educando/educando e

educando/educadores pela vivência e convivência diária numa rede de interações consigo

mesmo e com o outro. Já que, no pensamento de Fernàndez (1998), o ambiente escolar deve

dispor um espaço de confiança, de liberdade e de jogo, onde propicie experiências de

aprendizagem com fluidez através da corporeidade e o educando sinta-se autor de seu

49

próprio aprender. Compete a escola oferecer experiências interpessoais de movimentos,

trocas entre os educandos, e favoreça o desenvolvimento da criatividade, das habilidades,

em que possa ocorrer uma aprendizagem que se solidifique no corpo e pelo corpo.

O capítulo a seguinte tratará, A corporeidade no cotidiano da escola mais

especificamente, a relação e as implicações do envolvimento da corporeidade nos processos

de aprendizagem e nas experiências formativas.

50

5 A CORPOREIDADE NO COTIDIANO DA ESCOLA

O corpo aprende? Como aprende? A corporeidade está relacionada com a

aprendizagem? A corporeidade está presente no processo de aprendizagem e nas

experiências formativas?

Este capítulo tem por objetivo apresentar o conteúdo das observações da pesquisa

empírica realizada junto às escolas, cujo objetivo principal fora: Investigar em cotidianos

escolares se e como, a corporeidade se apresenta no processo de aprendizagem e nas

experiências formativas.

O corpo humano é a primeira referência da experiência humana. O ser humano por

meio de sua corporeidade, do seu movimentar-se entra em contato consigo mesmo e com

toda a realidade do mundo a sua volta. A partir desse movimentar-se, o ser humano

desenvolve, aprende, em sua corporeidade forma características, atitudes, juntamente com o

pensar, falar e outras manifestações que vão se transformando conforme suas necessidades

e sua compreensão. Os processos de aprendizagem também se modificam, vão sendo

diferentes em cada época e local em que o sujeito convive por estarem ligados aos

acontecimentos históricos, culturais e sociais no ambiente e sociedade em que vive. Tudo

isso tem a ver com a forma, o jeito que o ser humano aprende, de como se apropria de valores,

normas, costumes em família, na escola, na comunidade e na sociedade.

Para Maturana (1998), “o humano se constitui no entrelaçamento do emocional com

o racional” (p. 18). O racional se constitui na ligação das operações dos sistemas de

argumentação que se constroem na linguagem para justificar e ou defender as suas ações. A

peculiaridade do humano não está no manipular, “mas na linguagem e no entrelaçamento

com o emocionar” (p.19). Então, o autor continua, “a linguagem é um operar em

coordenações consensuais de coordenações consensuais de ações” (p. 20).

No decorrer da nossa vida, vamos nos constituindo e nos tornando humanos a partir

das interações, das trocas, vivências e convivências com nossa corporeidade. Para Maturana

e Verden-Zöller (2004, p.139),

as conversações em que participamos ao longo de nossas vidas – particularmente

durante a infância – constituem tanto o fundo que demarca o curso de nossas

mudanças estruturais epigenéticas, quanto o âmbito de possibilidades no qual se

dá o nosso contínuo devir estrutural como seres humanos. [...], tudo o que fazemos

em nossas ações, em nossos movimentos – o modo como nos conduzimos em

51

nossas corporeidades como corporeidades interativas -, surge como dimensões da

cultura em que acontece nossa epigênese [...]. Tornamo-nos o que somos segundo

o modo como nos movemos – a sós ou com os outros – e à maneira como nos

tocamos mutuamente, constituindo, momento a momento, espaços de ação na

transformação de nossa corporeidade.

O ser humano, na medida em que se desenvolve, aprende e evolui em sua

corporeidade, a partir daquilo que ocorre enquanto vive, cresce como ser diferente na cultura

à qual pertence. Essas transformações se sucedem à medida que também compartilha das

diversas “conversações de (coordenações consensuais recursivas de ações e emoções) ”, e

que formam as diversas “dimensões da cultura” a que pertencem (MATURANA e VENDER

– ZÖLLER, 2004, p. 139).

Para Maturana e Varela (2001, p. 265), “todo conhecer humano pertence a um desses

mundos e é sempre vivido numa tradição cultural”. A tradição é a maneira de como vemos

e agimos, de nos forma de escondermos, pois ela se fundamenta daquilo que a história

acumulou como sendo estável regular e certo, “e a reflexão que permite ver o óbvio só

funciona com aquilo que perturba essa regularidade”. Todas as heranças biológicas

iniciaram-se com a origem da vida e se prolongam a cada instante na história de outras vidas

que virão. Dessas diferentes heranças linguísticas, é que surgem “todas as diferenças de

mundos culturais” (p. 265).

Conforme evoluímos, dentro dos limites biológicos, nos tornamos aquilo que

queremos ser no decorrer das modificações que vão acontecendo em nossa corporeidade.

Elas têm a ver com o diálogo que acontece da relação consigo mesmo, com o outro e com

meio. Biologicamente, no dizer de Maturana (1998, p. 16), “as emoções são disposições

corporais que determinam ou especificam domínios de ações”.

Para Maturana e Verden-Zöller (2004), a criança que não busca viver sua infância

numa relação completa de “confiança e aceitação” (p. 45), num contato corporal íntimo com

sua mãe, sua família, passa a ter dificuldades de se desenvolver, aprender e adequar-se bem

no ambiente familiar e perante a sociedade. Assim, a maneira como vive a infância e a forma

como passa da infância para a vida adulta, são aspectos fundamentais e constitutivos de seu

ser. Isso está relacionado com as vivências de cada cultura, do meio onde a criança está

inserida. Os autores ainda relatam que, “na condição de maneira de viver, uma cultura é uma

rede de conversações mantida de maneira transgeracional, como um núcleo de coordenações

consensuais, de ações e emoções” (MATURANA e VERDEN– ZÖLLER, 2004. p. 59).

52

Cada criança chega à escola trazendo em sua corporeidade a maneira, a forma de se

relacionar com outras crianças e pessoas. Uma forma parecida ou igual ao convívio corporal

que teve e tem com seus familiares e, como escrevem Maturana e Verden-Zöller, a criança

que não viveu bem no espaço familiar, numa relação de mútua aceitação e confiança, carrega

no íntimo de sua corporeidade dificuldades de se relacionar, de se desenvolver e aprender

adequadamente nos diversos espaços do convívio escolar e social terá prejuízo na sua

aprendizagem como um todo.

5.1 ESCOLAS MUNICIPAIS ENVOLVIDAS NA PESQUISA

Para a pesquisa empírica, foram nomeadas duas escolas municipais de dois

municípios distantes, aproximadamente cinquenta quilômetros um do outro. As duas escolas

estão localizadas no centro das cidades devido à nucleação. Esse fator fechou as escolas

municipais do interior, pelo baixo número de educandos em localidades da zona rural. Uma

das escolas pesquisadas localiza-se no Município de Paraí/RS, que tem aproximadamente

oito mil habitantes, denominada Escola Municipal de Ensino Fundamental Mateus Dal

Pozzo. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso, situa-se no Município

de Protásio Alves/RS, que tem aproximadamente três mil habitantes. As pessoas que residem

nesses municípios são descendentes de cultura italiana - predominação maior - cultura alemã,

polonesa e outras de menor presença.

5.1.1 Escola Municipal Mateus Dal Pozzo

A Escola Mateus Dal Pozzo foi criada pela resolução 122/76 (2016, p. 8) e devido ao

baixo número de educandos, foi transferida para o centro da cidade de Paraí, à Rua Padre

Félix Busatta, 725, funcionando inicialmente com os dois primeiros anos. Projeto

Pedagógico (2016, p. 6). Gradativamente, foi sendo contemplada com as demais séries do

Ensino fundamental e Educação Infantil. Atualmente, atende um grande número de

educandos residentes no município e um número menor de filhos de agricultores e

53

trabalhadores das indústrias. Muitos desses educandos são provenientes de outros

municípios. Seus familiares vêm atraídos pelo trabalho na indústria de móveis ou de basalto,

entre outras e pela melhoria na condição social. Segundo o Projeto Pedagógico da escola

(2016, p. 18) a mesma oferece, além do turno regular, o turno integral. Nesta modalidade do

turno integral, são atendidas crianças da Educação Infantil ao 4º ano do Ensino Fundamental

de nove anos. Os educandos do turno Integral chegam à escola às seis e vinte da manhã,

tomam café e depois têm aula normal até às 11:30h. Após a aula, os educandos do turno

Integral, almoçam e na parte da tarde recebem atendimento pedagógico, reforço escolar,

aulas diferenciadas, como: Inglês, Espanhol, Informática, Cultura Afro e Indígena, Capoeira,

Educação Ambiental, Música, Dança. Além dessas, há através de projetos de oficinas

pedagógicas de Artes, Hora do conto, entre outras, proporcionando um diferencial como

maior aprendizado e desenvolvimento em todos os sentidos corporal, cognitivo, afetivo e

convívio social. Conforme o Projeto Pedagógico, é importante desenvolver “temáticas como

criticidade, participação, saber popular e o saber científico, integrar família x escola x

comunidade para formar uma escola cidadã, humanitária e cristã onde se tenha clareza da

diversidade e que saiba aceitar os limites pessoais de cada um” (2016, p. 7). No pensamento

de Assmann (1998), aprender é uma forma da auto-organização do ser vivo em que o

aprendente vai criando novos jeitos de organizar as informações que vai recebendo na

relação com o outro e poder avançar ainda mais em saltos qualitativos da sua auto-

organização neural enquanto corporeidade viva.

Os educandos da Educação Infantil chegam à escola às seis horas e vinte minutos e

permanecem até às dezoito horas e vinte minutos, recebendo cinco refeições, garantindo

melhores condições para seu aprendizado. Já os do Ensino Fundamental do turno Integral

até o quarto ano, chegam a escola às sete horas e vinte minutos e saem às dezessete horas e

vinte minutos, recebendo três refeições. A Instituição Escolar busca integrar a família como

parceira em prol do desenvolvimento e crescimento do educando com: Gincana Familiar,

comemorando o dia da família, Dia da Vovó, valorizando a importância dos avós, indo a

escola contando histórias de vida, Semana da Arte e Cultura com participação de outras

Escolas de municípios vizinhos com Teatros entre outros eventos. Também desenvolve

projetos partindo da realidade e do interesse dos educandos como: Sobre a Paz, A

importância da leitura, O dia do abraço, Datas comemorativas como Dia das mães, Dia dos

pais, Festa junina, Semana da Pátria, Folclore, entre outros (PROJETO PEDAGÓGICO,

2016, p. 9).

54

Atualmente a Escola Mateus Dal Pozzo tem um corpo docente composto por vinte e

oito professores, mais quinze funcionárias, além da equipe diretiva. A escola possui

aproximadamente quatrocentos educandos, distribuídos entre a Educação Infantil e o Ensino

Fundamental dos nove anos. Dispõe de uma infraestrutura com salas de aula, de professores,

setor administrativo, área de alimentação, laboratório de informática, biblioteca

informatizada, áreas livres, cobertas, ginásio de esportes e demais espaços necessários

(PROJETO PEDAGÓGICO, 2016, p. 9).

O trabalho realizado, na Escola Mateus Dal Pozzo, é organizado coletivamente

através de discussões, troca de ideias e experiências, visando ao bem-estar integral e coletivo

da comunidade escolar, prezando pelo bem-estar de toda equipe escolar. Também são

oportunizados cursos de formação aos professores e equipe administrativa no decorrer do

ano letivo escolar. Esses são organizados pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura.

A mesma possui Regimento Escolar, documento este, que orienta as ações escolares. A

escola conta também com o Círculo de Pais e Mestres (CPM), que rege o bom funcionamento

da escola e dos recursos (PROJETO PEDAGÓGICO, 2016, p. 10-11).

A escola tem como filosofia: “viabilizar um processo de educação humanizada,

participativa e criativa, onde o educando possa desenvolver suas potencialidades, e partir em

busca da construção do conhecimento, através de sua realidade e de seus valores. Tornar a

escola um centro de formação de cidadãos críticos, conscientes, responsáveis, atuantes,

capazes de perceber e conhecer a comunidade em que vivem, a fim de poder recriá-la,

transformá-la, e com isso construir a sua história” (2016, p. 4). Além disso, os princípios e

diretrizes que, dentre outros são:

Uma educação formadora de sujeitos críticos, capazes de contribuir para sua

própria história; - A escola como um espaço coletivo, onde se constroem direitos

e deveres e democrática, onde prevaleça o diálogo, a justiça e a igualdade; - A

construção do conhecimento como processo coletivo constante; - A valorização

da vida com qualidade social e condições dignas de existência para todos; -

Planejamento participativo, desenvolvendo a interdisciplinaridade, trabalhando

projetos, entre outros princípios. [...] (PROJETO PEDAGÓGICO2016, p. 12-13).

A metodologia da ação pedagógica da Educação Infantil “fundamenta-se nos níveis

do desenvolvimento e de construção do conhecimento pela criança e oportuniza a construção

de experiências enriquecedoras e significativas, realizadas através do lúdico” (2016, p. 13).

No Ensino Fundamental, a metodologia que a escola oferece, “contempla a apropriação,

elaboração e reconstrução do conhecimento”. Embasa-se no processo da “ludicidade, nas

55

práticas sociais da leitura e da escrita, na lógica, na percepção, na significância, na relação e

demais fatores que envolvam o contexto escolar, desde que as atividades se constituam em

‘desafios’, despertando a atenção e o ‘querer saber mais’” (PROJETO PEDAGÓGICO,

2016, p. 13-14).

O Ensino Fundamental procura desenvolver “a autonomia intelectual e social através

da investigação e da pesquisa, tendo como facilitador o diálogo com a realidade [...]. Esse

processo ocorre através da aprendizagem significativa, do prazer de aprender, da diversidade

de estratégias de organização e aplicação qualitativa do conhecimento, do aprender” (2016,

p. 14). Além disso, “a avaliação caracteriza-se como um processo contínuo, participativo,

cumulativo e interativo, envolvendo todos os segmentos da comunidade escolar” (PROJETO

PEDAGÓGICO, 2016, p. 25).

Assim, “a escola é um espaço plural que ensina a pensar, avaliar, construir

coletivamente e de forma prazerosa” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2016, p. 22).

5.1.2 Escola Municipal Caetano Peluso

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso situa-se na região

central do município de Protásio Alves e desenvolve atividades educativas desde 2005.

Iniciou suas atividades na zona urbana, localizada na Rua José Câmara, número 220. A

maioria dos educandos são provenientes das comunidades do interior que se deslocam até a

escola através de transporte coletivo. A escola atende crianças na educação infantil, na faixa

etária de 4 a 5 anos e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, totalizando cento e trinta

educandos, aproximadamente. A estrutura física interna conta com salas de aula, setor

administrativo, sala de professores, laboratório de informática, sala de recursos

multifuncional, sala de leitura/biblioteca, auditório, área de alimentação e demais espaços

necessários. Na área externa, há uma área coberta com brinquedos diversificados e um

ginásio de esporte. A escola funciona nos dois períodos, matutino e vespertino. Conta com

um corpo docente de onze professores, direção, psicóloga, nutricionista, fonoaudióloga.

Duas vezes por semana, a Secretaria de Educação oferece, aos educandos da Escola Caetano

Peluso, oficinas de: Capoeira, Dança, Teatro, Futebol, Vôlei, Informática, Língua Inglesa e

Xadrez (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO 2016, p. 3-4).

56

A filosofia da escola está focada em uma educação de boa qualidade, tendo como

guia o conhecimento a busca da aprendizagem, compreensão de ideias, valores e formação

de hábitos de convivência. “Está centrada em um espaço onde o aluno irá construir seu

conhecimento prático e teórico, garantindo aos educandos as possibilidades de um completo

desenvolvimento intelectual, sócio-emocional e cognitivo”, a fim de ressaltar sua

“criatividade, responsabilidade, participação, espontaneidade e a construção de sua própria

história”. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2016, p. 5).

Em ambas as Escolas Municipais, com base nos PPPs, desenvolvem-se e são

valorizadas atividades lúdicas, momentos de descontração e aprendizagens. A família,

sempre que convidada, busca participar como forma de valorizar a integração, descontração,

aprendizagem, participando e interagindo nas festividades, como datas comemorativas, dia

das Mães, dia dos Pais, gincanas, teatro, danças, entre festividades. São momentos onde a

escola realiza atividades e, na maioria das vezes, sem se dar conta de que a mesma está

envolvendo a corporeidade, não só do aluno, mas de toda família e equipe escolar,

proporcionando aprendizagens corporais e culturais. Essas atividades englobam conteúdos,

matérias escolares e também solidificam uma formação corporal, uma troca de

aprendizagens entre pais, filhos e instituição escolar.

5.2 PROCEDIMENTOS E COLETA

A reflexão sobre os dados coletados foi realizada à luz dos referenciais teóricos

trabalhados no decorrer da pesquisa, considerando as seguintes categorias: educando e

interação com sua corporeidade; entendimento sobre corporeidade e aprendizagem; relações

ente corporeidade, aprendizagem e experiências formativas. Para Gil, “a análise qualitativa

depende de muitos fatores; tais como a natureza dos dados coletados, a extensão da amostra,

os instrumentos de pesquisa e os pressupostos teóricos que nortearão a investigação” (2009,

p. 133).

O público alvo da pesquisa são educandos que frequentam os 2ºs anos do ensino

fundamental das escolas municipais Mateus Dal Pozzo e Caetano Peluso, e seus respectivos

professores. A escolha do 2º ano foi feita considerando que nessa faixa etária o corpo do

57

educando ainda se encontra em contínuo movimento, mas já entra em conflito com as

exigências do tempo necessário para permanecer sentados por muito tempo em uma carteira,

a fim de poder dar conta daquilo que lhe é proposto.

Para atender aos objetivos propostos, os dados foram coletados por meio de

observações dos educandos nos diversos espaços frequentados por eles como: chegada dos

educandos à escola; na entrada para a sala de aula; na sala de aula; no recreio; na saída da

escola. Com os professores foi realizada uma entrevista com questões semiestruturadas e

com gravação das falas dos mesmos. Em cada escola a entrevista foi realizada com o

professor regente da turma, professor de educação física, psicopedagogo ou coordenador.

Na entrevista com questões semiestruturadas, foram envolvidos membros da equipe diretiva,

professor regente da turma, de Ed. Física e coordenador ou psicopedagogo. As questões

visavam saber o entendimento dos mesmos sobre corporeidade e aprendizagem e, se na

concepção dos mesmos, a corporeidade está presente na aprendizagem e nas experiências

formativas.

Através da observação, buscou-se visualizar, como se manifesta a corporeidade do

educando x professor e educando x educando nas experiências formativas e nos processos

de aprendizagem, nos diversos espaços escolares, onde transitam. Alguns tópicos de

observação: a) como acontecem movimentos de proximidade entre professo x educando e

este dele e com os próprios educandos x educandos? b) como o educando manifesta sua

corporeidade nos diversos espaços escolares em que transita? c) como se revela a

corporeidade diante das experiências formativas? Na minha compreensão esses são alguns

questionamentos, observações que a equipe diretiva juntamente com os profissionais da

educação necessitaria realizar diariamente para avaliar como ocorre a aprendizagem.

Realizei quatro encontros de observações nos espaços descritos anteriormente. A

observação foi feita nas duas escolas municipais, com permanência em cada local de quatro

horas, tempo necessário para observar como as crianças chegavam à escola, como ocorria a

interação com sua corporeidade, com os outros colegas e professores no meio escolar.

58

5.3 RESULTADOS DA OBSERVAÇÃO EMPÍRICA DOS EDUCANDOS NOS

DIVERSOS ESPAÇOS EM QUE CIRCULAM NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE

ENSINO FUNDAMENTAL MATEUS DAL POZZO DE PARAÍ E CAETANO PELUSO

DE PROTÁSIO ALVES/RS

A pesquisa empírica da observação das turmas do Segundo Ano ocorreu da seguinte

maneira. Foram realizados quatro encontros em cada escola: a) na chegada dos educandos à

escola; b) na entrada para a sala de aula c) na sala de aula; d) no recreio; e) na saída da escola.

5.3.1 Escola Municipal de Ensino Fundamental Mateus Dal Pozzo

A observação dos educandos na Escola Mateus Dal Pozzo, iniciou-se observando a

chegada à escola. A grande maioria dos educandos chega de ônibus, outras vêm com seus

pais de carro, aproveitando a ida para o trabalho. Algumas crianças vêm a pé sozinhas ou na

companhia de outras ou acompanhadas pelos pais e ou responsáveis. Alguns educandos, ao

chegarem à escola, permanecem em frente à mesma para esperar outros colegas e ali ficam

em grupos conversando ou jogando à espera do sinal para formarem a fila e entrarem para a

sala de aula. Outros exploram o ambiente ao seu redor, distanciando-se, correndo e

conhecendo o que há de diferente. As ações desempenhadas pelas crianças correspondem

bem ao que Maturana e Varela (2001) mencionam com relação a ações e experiências que

acontecem no plano físico, mas de maneira que essa característica do fazer humano se aplica

ao modo de viver, incluindo as interações, as relações e inter-relações humanas.

Na observação dos educandos, quando estão dispostos em fila antes da entrada, local

onde realizam a oração para, em seguida, acompanharem a professora para a sala de aula,

percebe-se que é um momento em que a corporeidade não fica inerte, pois as crianças

conversam, brincam, se tocam, cutucam, cantam alguma música com gestos. Os que estão

mais próximos da professora seguem em fila, os do final da fila, conscientemente, mostram-

se mais agitados, extravasando emoções, sentimentos daquilo que sentem no momento,

revelando-se ao outro através da corporeidade. Lago e Farinon (2014) explicitam que é por

meio das experiências de relações humanas que a consciência entra em confronto, consigo

59

mesma e com o outro, renovando essa experiência. E em todo o espaço escolar, há ambiente

propício para as relações de encontros, desencontros e de reflexões. Em toda prática de

vivências corporais, o indivíduo se constitui como um sujeito aprendente.

Ao entrarem na sala de aula, os educandos dirigem-se cada um para suas devidas

carteiras. Alguns já sentam e vão tirando da mochila o material escolar, outros ficam em pé

e antes de sentar retiram seu material e outros sentam ou ficam de pé conversando com o

colega até a professora dar as instruções do dia, como, pedir para sentar e pegar o material

escolar. Ressalto que neste ambiente os educandos encontram-se dispostos um atrás do

outro, de uma forma totalmente tradicional. Somente no momento em que todos estão

devidamente em seus lugares a professora então dá início à aula.

Nessa turma, nota-se que a professora, na sua organização diária dos conteúdos a

serem desenvolvidos, busca de uma forma muito clássica organizar os educandos para que

não se distraiam e nem distraiam os demais colegas. A professora adota a seguinte estratégia:

não podem ficar de pé, pois a mesma gosta de atendê-los individualmente na classe para que

não se levantem, agitem, atrapalhem e desconcentrem os demais colegas. Os educandos

devem levantar o braço ou chamar a professora e ela vai até a classe do mesmo e os atende

individualmente em suas necessidades ou dúvidas. Percebe-se, nessa verificação que

corporeidade e aprendizagem andam juntas, e uma não significa nada sem a outra porque,

segundo a visão de Gonçalves (2012), o corpo se revela, constitui-se, mostra-se e necessita

passar pelas mudanças que o mundo lhe oferece.

O recreio é caracterizado como um momento onde a corporeidade é manifestada de

muitas formas, brincando, correndo, pulando corda, praticando salto em distância, jogando

amarelinha, pega-pega, subindo em árvore, rolando, jogando futebol. Enfim, uma série de

brincadeiras que o tempo se torna curto para poder realizar tudo o que gostariam. O recreio

é o momento mais dinâmico e alegre para os educandos, que ao toque do sinal, insistem em

ficar um pouco mais, finalizando a atividade que estava sendo realizada, fazendo uso da

conversa, do movimento, do contato, em que o uso do corpo é essencial.

De acordo com Gonçalves (2012, p. 104) “a experiência do movimento corporal

revela-nos uma sabedoria corporal”. Dessa forma, ao observar os movimentos dos alunos,

concordo com Gonçalves quando também afirma que “o corpo estabelece, com as coisas que

constituem seu espaço, um campo de presença, uma relação mágica de intimidade” (2012,

p. 104).

60

O movimento protagonizado pela corporeidade das crianças também remete ao jogo

que, segundo Gadamer (2015, p. 160), “se assenhora do jogador”, ou seja, a essência do jogo

está em possuir um espírito especial e próprio. Assim, para a criança pode aplicar-se o dizer

de Gadamer quando afirma que “jogar é um processo natural” e “um puro representar-se a

si mesmo” (2015, p. 158).

Na saída da escola, observa-se que os educandos saem correndo, pulando,

expressando-se em sua corporeidade e, nesse movimentar-se, extravasam emoções e

sentimentos. Para alguns de alegria e euforia pelo aprendizado do dia, para outros, pelas

experiências vivenciadas e, assim, “em cada ação motora está presente o germe da

criatividade que faz surgir o novo” (GONÇALVES, 2012, p. 112). Nesse sentido, Freire

(1997), enfoca que nos anos iniciais, sobretudo, os atos motores são fundamentais quando

as crianças se relacionam com o outro e compreendem as relações estabelecidas.

5.3.2 Escola Municipal de Ensino Fundamental Caetano Peluso

Na Escola Municipal Caetano Peluso a chegada à escola é com o desembarque na

calçada em frente à escola, onde há somente uma pequena via prioritária para a

movimentação dos veículos de transporte escolar. A maior parte dos educandos vem de

ônibus. Os demais vêm a pé, com os pais que na ida para o trabalho já deixam seus filhos na

escola. Outros vêm acompanhados até a escola pela mãe.

No pátio da escola, antes do sinal, os educandos ficam brincando no parquinho,

outros nas casinhas de boneca espalhadas no pátio (sobretudo as meninas), já outros ficam

sentados em grupos conversando, brincando, caminhando sob árvores que se encontram

nesse lugar. “Sentir as emoções, transmitir vontades, decidir sobre o que quer fazer, explorar

as potencialidades com vigor são mensagens emitidas pelas crianças por meio dos

movimentos corporais” (PORTO, 1995, p. 90). Alguns educandos vão se posicionando para

serem os primeiros na fila enquanto esperam o momento da oração antes da entrada para a

sala de aula. Enquanto esperam na fila, trocam ideias, movimentam-se, fazem algumas

brincadeiras, usando o corpo, pois conversam, mexem com o colega, empurram-se, cutucam,

outros ficam sentados esperando o sinal para entrar na fila.

61

Na entrada para a sala de aula os educandos que estão mais no final da fila ficam

se empurrando, conversando, brincando, rindo, já os que estão mais perto da professora

buscam seguir um atrás do outro. Observa-se que, a corporeidade manifesta-se mesmo em

fila seguindo uma certa ordem, pois os educandos estão sempre em movimento, uma vez

que essa característica é inerente à criança que participa ativamente das experiências de

mundo. O movimentar-se é constante na vida deles. Segundo Merleau-Ponty (1994), o

movimento corporal é considerado elemento da formação humana e se apoia na

corporeidade.

Em sala de aula os educandos tomam seus devidos lugares, escolhidos pela

professora, um atrás do outro, de forma tradicional. Dependendo da atividade a professora

sugere e/ou os educandos perguntam se podem sentar-se dois a dois ou até três a três.

Geralmente repetem essa solicitação, mas fica a critério da professora aceitar ou não a

proposta. Em alguns momentos, a professora trabalha em grupos com os educandos no chão

ou agrupados nas classes, também os deixando livres para interagir entre si, numa

demonstração de compreensão da necessidade do movimento pela criança. De acordo com

Gonçalves (2012, p. 153) “em cada movimento corporal, o novo é criado”, pois “o

movimento corporal nunca se repete” e “uma situação nunca é a mesma” como também não

o é o ser humano.

O recreio é o momento onde o corpo mais evidencia suas emoções, como forma de

alegria, felicidade, prazer, entusiasmo, participação, euforia, rejeição, tristeza, uma

infinidade de adjetivos positivos e negativos. Essas manifestações são percebidas, de um

lado, pelo sorriso das crianças, pelas faces coradas e pela excitação do movimento. De outro

pela inconformidade da não aceitação ou exclusão de alguma criança do grupo ou

desentendimentos que normalmente ocorrem. De acordo com Porto (1995, p. 106) “a

excitação é tão aparente que, se o corpo está apto ou não para realizar tal tarefa, não importa”,

da mesma forma, “se o corpo está gostando ou não de participar daquela atividade, também

não é importante” e, assim, “se o corpo se cansa, ele não pode parar”. Já para Gonçalves

(2012), a corporeidade no brincar envolve “confraternização, comunicação com os outros,

em um contexto livre de ameaças”. Assim, “no cerne do lúdico, parece estar a criatividade,

ação humana com vistas a criar a cada momento o novo, em um envolvimento ativo”. No

convívio com os outros e com o mundo “o movimento em si é a finalidade” (2012, p. 161).

De acordo com Porto (1995, p. 91) “a agitação e a ansiedade fazem parte destas ações das

62

crianças e, principalmente, a criatividade e a autonomia, que são impedidas de ser exploradas

na presença do professor, aparecem de maneira enfática quando ele se ausenta”.

Nesse momento o educando age com sua corporeidade com liberdade brincando de

pega-pega, amarelinha, pula corda, balanço, escorregador. Corre, pula, grita, briga, discute

e volta a entender-se com o outro. Por vezes se faz necessária a intervenção da professora

para resolver certas situações mais complicadas como no jogo de futebol, quando não

obedecem a regas e acabam discutindo ou brigando, usando da corporeidade para se defender

e ou ficando chateado e saindo do jogo. O tempo do recreio parece nunca ser o suficiente

para as crianças, pelo prazer que sua corporeidade expressa.

A saída da escola acontece de uma forma muito diferente da entrada para a sala de

aula. Nesse momento os educandos saem conversando, gritando, correndo. É onde a

corporeidade do educando mais evidencia prazer, alegria, euforia. Maturana e Verden-Zöller

(2004), destacam que é por meio dos próprios movimentos que a criança toma consciência

de sua forma corporal humana e se estiver consciente disso, ela pode “criar um mundo

coerente com o espaço operacional” onde está, “constituindo-o como um entorno” no qual

pode mover-se com liberdade. Dessa maneira, “meu entorno, meu mundo [...], a expansão

do meu corpo” (MATURANA E VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 159).

A seguir apresento as reflexões a respeito das observações feitas com os educandos

das referidas escolas pesquisadas.

5.3.3 Reflexões a partir das observações feitas com os educandos

Na observação dos educandos de ambas as escolas, a chegada, para alguns, se

expressa pela corporeidade como forma de alegria, encontro, brincadeiras, aprendizagens

com os colegas. Já para outros, a chegada à escola é de responsabilidade, seriedade. Para a

grande maioria dos educandos, a chegada à escola, ao recreio e a outros espaços ditos livres

como em frente à escola, na fila enquanto esperam o sinal para entrar na sala de aula, irem

ao ginásio, é um momento onde eles encontram a possibilidade de soltar um pouco mais o

próprio corpo. Realizar ali diversas atividades de expressões corporais tais como: cantos,

mímicas, gestos, falas, atitudes de aproximação, jogos, pega-pega, pula corda, amarelinha,

futebol. Essas são maneiras de se comunicar, movimentar a potência que circula em sua

63

corporeidade como formas de aprendizagens, trocas de ideias e sentimentos. Já para outros,

(uma pequena minoria) o corpo é estático, observa-se neles um olhar que fala de alegria, dor,

tristeza, preocupação, medo, insegurança, o que, porém, não impede o aprendizado, mas que

de alguma forma, pode dificultar.

Esses momentos, tanto os de alegria como os de tristeza são ricos para os professores,

porque o corpo do educando mostra como ele está ou se sente. Observar a criança que cria,

inventa, fantasia histórias e brinca permite ao professor ajudá-la a reconhecer-se autora no

seu fazer e no seu aprender.

O corpo do ser humano é a chave mestra de como ele é, se vê ou se sente. Percebe-

se na grande maioria que, o corpo não consegue ficar quieto, parado, tem que estar em

movimento realizando alguma atividade. Em todas as idades e níveis de ensino, o educando

se revela por meio da linguagem corporal através do olhar, do riso, das expressões faciais,

ou mesmo por meio das quais se permite que o outro possa compreendê-lo como um ser no

mundo, pois não há um caminho pré-estabelecido, mas, “o devir evolutivo é uma deriva que

segue qualquer direção na qual se mantém o viver” no evoluir biológico e cultural de sua

maturidade. Ainda de acordo com os autores “amor e brincadeira são modos de vida e

relação” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004, p. 248-249). O ser humano não seria

humano sem espaço para o amor e para o brincar, que o tornam um ser no mundo.

Gonçalves, afirma:

Ser-no-mundo com um corpo significa ser vulnerável e estar condicionado às

limitações que o corpo impõe pela sua fragilidade, por estar aberto a uma

infinidade de coisas que ameaçam sua integridade. Ser-no-mundo com o corpo

significa a presença viva do prazer e da dor, do amor e do ódio, da alegria e da

depressão, do isolamento e do comprometimento. Ser-no-mundo com o corpo

significa movimento, busca e abertura de possibilidades, significa penetrar no

mundo e, a todo momento, criar o novo. [...] (GONÇALVES, 2012, p. 103).

Manifestações corporais fazem os educandos, seja no espaço, família ou em

ambientes de outras organizações humanas. Espaços como rua, praça, parque, casa são

espaços da criança/educando como oportunidade de movimentar-se andar, correr, pular,

jogar, rolar, ou até mesmo se expressar por outros movimentos como gesticular, rir, gritar,

cantar, abraçar, tocar o outro entre outras formas. São formas verbais e não verbais, que

auxiliam a comunicação e o contato pelo corpo e através do corpo. São experiências vividas

na corporeidade que ajudam os educandos/crianças a desenvolverem sua consciência, sua

64

capacidade de conviver nos diversos espaços em que transitam, levando-os a buscar novas

formas de aprendizagens, que segundo Maturana e Verden-Zöller afirmam:

Na criança, a consciência individual surge com o desenvolvimento de sua

consciência corporal, quando ela aprende seu corpo e o aceita como seu domínio

de possibilidades, ao aprender a viver consigo mesma e com os outros na

linguagem. [...] A criança só adquire sua consciência social e autoconsciência

quando cresce na consciência operacional de sua corporeidade. Ela só pode crescer

dessa maneira quando o faz numa dinâmica de brincadeiras com a mãe e o pai

(2004, P. 228-229).

No processo de construção e desenvolvimento a criança amplia sua consciência

corporal, que acontece a partir da consciência operacional do mundo em que vive. Todas as

dimensões do existir humano acontecem no operar de sua corporeidade.

No recreio, os educandos têm maior liberdade para realizar com criatividade

brincadeiras onde a corporeidades se evidencia com maior livre-arbítrio. Essa liberdade é

observada e limitada dentro do espaço e do tempo escolar. A sala de aula também pode e

deve estabelecer-se em um espaço de liberdade e experiências. E esse processo, ao constituir-

se de desafios para o educando, contribui para que o aprender ocorra de forma prazerosa.

Segundo Gonçalves (2012),

a experiência corporal e do movimento inclui a percepção, anterior a qualquer

formação de conceitos, das possibilidades e dos limites do corpo físico –

“conhecimento” esse fundado em experiências anteriores e nas características da

situação presente – e, ao mesmo tempo, a percepção do mundo circundante, em

sua relação com ele. A experiência corporal está no cerne da transformação do

“corpo próprio” no decorrer de nossa vida e na realização de cada movimento. [...]

(GONÇALVES, p. 146)

Em todas as observações, constatou-se que há um bom vínculo educando/educando

e educando/professor. O momento da saída nas duas escolas é o que mais chama atenção,

pois há na grande maioria um extravasamento de emoções expressas na corporeidade dos

educandos como movimentos intensos de liberdade. Movimentos esses que de forma criativa

podem ser integrados ao espaço escolar da sala de aula.

Em ambas as escolas, há manifestações da corporeidade entre professor/educando e

educando/educando em forma de toque, elogios, limites, valorização, incentivo,

acompanhando, questionando, observando e organizando-os. Observou-se também que os

educandos de ambas as escolas, participam indo ao quadro realizando atividades, com

questionamentos, tirando dúvidas, ajudando os colegas que têm maior dificuldade em se

65

concentrar, prestar atenção e realizar as tarefas num tempo maior dado para a realização das

mesmas.

Verificaram-se nas escolas observadas dificuldades que as professoras encontram em

trabalhar, desenvolver atividades dos conteúdos planejados, onde as mesmas estão

relacionadas com a corporeidade dos educandos. Pois ainda permanece uma concepção

equivocada de que a aprendizagem é um processo mental e isso as professoras pesquisadas

deixaram transparecer em suas falas.

As dificuldades que os educandos possuem, ou até mesmo as que vão adquirindo em

situações de vivência em outros espaços por não saberem lidar com as questões emocionais

surgidas na escola e na própria sociedade, vão somatizando em sua corporeidade. Essas

questões como dificuldades de compreensão, aos poucos vão debilitando sua autoestima, sua

autoimagem perante eles mesmos com relação aos seus colegas e demais ambientes onde se

relacionam, dificultando a aprendizagem, não só escolar, mas como um todo. Segundo

Fernández (1990, p. 59) “desde o princípio até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo. Uma

aprendizagem nova vai integrar a aprendizagem anterior”. E, a autora segue afirmando:

Assim, ao educador não deveria bastar-lhe que seu aluno faça bem as

multiplicações e divisões, ou responda a uma avaliação. Existe um sinal

inconfundível para disfarçar a ortopedia da aprendizagem: o prazer do aluno

quando consegue uma resposta. [...] sua corporização prática em ações ou em

imagens que necessariamente resultam em prazer corporal (FERNÁNDEZ, 1990,

p. 59).

Na vertente auto organizativa não há apropriação, mas sim construção do

conhecimento, do objeto sobre o qual está aprendendo, que expressa em sua corporeidade o

prazer de sentir-se em aprendizagem. Percebe-se, então, que a corporeidade dos educandos

se manifesta nas experiências formativas de forma espontânea, participativa através de

observações, questionamentos, trocas de ideias entre professor/educandos e

educandos/educandos, ajudando-se, lendo, escrevendo, mostrando, aprendendo e ensinando.

As experiências de aprendizagens duram a vida toda. Elas acontecem e passam

sempre pelo corpo. Se não passar pelo corpo não ocorre aprendizagem. A aprendizagem é

corporal porque o prazer de aprender passa pelo corpo e a experiência corporificada, resulta

em novas experiências de prazer.

Essa satisfação, esse prazer foi observado, por exemplo, em um momento, na sala de

aula, em que a professora da escola Mateus Dal Pozzo trabalhou um texto sobre a Mãe. Após

a leitura silenciosa e oral a professora questionava os educandos para saber se os mesmos

66

haviam lido e entendido sobre o texto. Percebi que respondiam as questões com interesse,

entusiasmo e alegria. A corporeidade dos educandos, na referida atividade, manifestou-se de

tal forma que foi oportunizada pela professora, tornando-se participativa, na troca de ideias

e resgate de vivências relacionadas ao texto.

Segundo Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 29) é “no fluxo emocional” que se

“constitui, a cada instante, o cenário básico a partir do qual surgem nossas ações”. São nossas

emoções e não a razão que determinam nosso fazer e agir. Assim nossas atividades “ocorrem

como conversações e redes de conversações” (2004, p. 31). O conversar espontâneo da

criança é um “afazer tipicamente humano” que pode ser canalizado de forma criativa em

sala de aula.

Concluo que a escola pode ser um espaço no qual o educando não só aprende, mas

constrói novas informações, novos conhecimentos e conceitos para que, a partir desses,

consiga constituir-se como ser humano. A escola é um espaço dinâmico e, através de seus

professores, pode dinamizar um constante processo de formação que propicie observação e

o reconhecimento dos educandos como sujeitos com afetos, emoções, possibilidades,

linguagem, movimento e limitações. Que possa reconhecê-los como protagonistas e autores

de seu próprio aprender, de sua própria história. Isso muito depende da continuidade da

formação dos professores, através de leitura, estudo, debates e reflexões profundas.

Professores e educandos podem estar em constante aprender com e através de seus corpos,

de sua corporeidade. Isso se evidencia em concepções sobre o que é ser gente, o que é

aprender, o que é viver como gente.

5.4 PESQUISA REALIZADA COM OS PROFESSORES DAS ESCOLAS E DEMAIS

PROFISSIONAIS QUE ATUAM NAS TURMAS DO SEGUNDO ANO

A entrevista realizada com as professoras e demais profissionais que trabalham com

as turmas do Segundo Ano, que foram alvo da pesquisa, buscou saber a formação de cada

profissional e qual a compreensão que os mesmos têm sobre o tema abordado. As questões

propostas foram: 1) qual sua formação educacional, curso, ano e instituição? 2) possui

atualizações posteriores a sua formação? 3) quantos anos atua na área da educação? 4) para

67

você, o que é aprendizagem? 5) O que você entende por corpo, corporeidade? 6) no decorrer

de sua formação havia disciplinas sobre o assunto corpo, corporeidade? 7) na sua concepção,

o corpo está relacionado com a aprendizagem?

Começo, designando os profissionais, professores por letras maiúsculas do alfabeto,

como: Professora A, B, C, D, E, F. Após, descreverei o que cada profissional relatou na

sequência sobre cada questão, na ordem das perguntas. As questões um, dois, três e seis estão

descritas na tabela abaixo, e as demais questões na sequência

TABELA 1

PROFESSORA

ÚLTIMA

FORMAÇÃO

ANO

ESPECIALIZAÇÃO

FORMAÇÃO

CONTINUADA

ANOS DE

SERVIÇO

DISCIPLINA

RELACIONADA AO

CORPO/

CORPOREIDADE

A

Pedagogia

Séries

Iniciais

Universidade

de Passo

Fundo– UPF.

2004

Pós-graduação em

Educação e

Infância

Associação

Catarinense,

Faculdade de

Joinville – Nova

Prata, 2006

Sim

23 anos

Sim

B Licenciatura

Educação

Física

Universidade

de Passo

Fundo –

UPF.

2013

Curso Pilates

Universidade de

Passo Fundo, 2014.

Sim

2 anos

Sim

C

Graduação

Pedagogia

Licenciatura

Plena séries

Iniciais

Universidade

de Passo

Fundo.

2001

Pós-graduação

Educação e

Infância,

Universidade de

Santa Catarina na

APAE de Nova

Prata, 2003.

- Especialização

em Educação

Especial UNESP -

Tuiuti do Paraná

Passo Fundo. 2008.

Sim

12 anos

Sim

68

- Especialização

em Deficiente

Visual

- Especialização

para Surdos

UNESP Tuiuti do

Paraná Passo

Fundo. 2010.

-Especialização

AEE, MEC

UNESP Tuiuti do

Paraná Passo

Fundo, 2014.

D Graduação

Pedagogia

Educação

Infantil

Séries

Iniciais e

Segundo

Grau

UNOPAR

Veranópolis

2010

Pós-graduação

Especialização em

Psicopedagogia

UNIASELVI

Protásio Alves,

2014.

Sim

24 anos

Sim

E Graduação

em

Licenciatura

em Educação

Física

UNOPAR

Veranópolis.

2013

Pós-graduação em

Educação Física

Escolar em Inter

recreação e

Interdisciplinaridad

e, CENSUPEG,

Nova Prata, 2014.

Sim

3 anos

Sim

F Graduação

Pedagogia de

Férias

Universidade

de Ijuí.

UNIJUÍ.

1996

Pós-graduação em

Psicopedagogia,

pela Universidade

de Caxias do Sul

em Nova Prata,

2010.

Sim

25 anos

Sim

Com base na tabela, a coluna sete, traz sobre a questão: Possui atualizações

posteriores a sua formação? Pode-se perceber que cada professora ou profissional de áreas

afins procura dar continuidade ao aprofundamento de sua formação e conhecimento,

concordando com o dizer de Lago (2014, p. 71), “o modo como experimentamos uns aos

outros, as tradições, o mundo revela que nós não estamos encerrados entre barreiras

69

intransponíveis”, mas, em devir, aberto as possibilidades mostrando “como modo de ser,

como temporalidade, importante condição à formação”. Além disso, “a educação nunca se

efetivará como controle metodológico e epistemológico” (LAGO; FARINON, 2014, p. 769),

mas no domínio do conhecimento que possibilita uma emancipação que possa se concretizar

como autoformação que permite ao professor-educador repensar sua formação e que tipo de

sujeito pretende formar enquanto educador. As professoras pesquisadas, no decorrer de sua

vida profissional, manifestam a busca por uma formação que possibilita emancipação

conforme propõe Lago e Farinon.

Nas palavras de Lago e Farinon (2014, p. 770) “na construção das habilidades em

sala de aula, na significação do conhecimento adquirido, não é raro o professor ser

surpreendido pelo educando, pela sua autoconstrução”, como espaço de autoria e construção

de seu próprio aprender.

Nesse sentido as professoras pesquisadas, no geral, demonstraram interesse em

manterem-se atualizadas participando de formação continuada. De acordo com Strieder

(2004, p. 159) “a aprendizagem precisa estender-se ao longo da vida, como necessidade para

gerar a evolução, e isso implica uma ávida procura de informação e sua necessária

transmutação em conhecimento”.

A quarta questão traz a compreensão de aprendizagem das investigadas. A professora

A, disse, “a aprendizagem é tudo aquilo que o aluno ou a pessoa faz e cresce como ser, é

mudança de comportamento e a partir do momento em que a pessoa aprende alguma coisa,

ela vai mudar seu comportamento, sua atitude, suas ações”. Para Strieder (2004, p. 292) “a

aprendizagem exige um constante refazer e desfazer, viabilizando apropriações”.

A professora B afirmou que a aprendizagem “é um processo muito grande que

envolve cada dia [...] aprender alguma coisa, entender sobre si, sobre seu corpo” e ainda

como o corpo é usado e “como usa seus pensamentos”. Para a professora B, persiste uma

vertente racionalista de aprendizagem um corpo que “usa seus pensamentos”. Mas, como

destaca Strieder (2004, p. 292), a corporeidade compreende “a relação bio/social integradora

de um sistema vivo, dinâmico e agregador”, tendo relação com o meio no qual o ser humano

convive. É nessa dinâmica que o ser humano incorpora, assimila, aprende e repassa aquilo

que sabe e aprende, tendo chances para novas mudanças e aprendizagens.

A professora C afirma que “a aprendizagem é um todo. Acho que a gente vive o

eterno aprendizado [...] a palavra aprendizagem é muito além do ler, escrever e dos cadernos

[...] a gente está aprendendo com o contato, com a conversa, com a interação, com a

70

experiência; aprender é ação, é emoção o que nos motiva, nos marca e se transforma em

aprendizado”. Vale expor a visão de Maturana e Varela (2001), que dizem que toda a

experiência de fora é “validada de uma maneira particular pela estrutura humana”. A

professora faz um encadeamento entre a ação que pratica e as experiências que traz em sua

bagagem, buscando a “inseparabilidade entre ser de uma maneira particular e como o mundo

nos parece ser” (p. 31). O aprendizado apresenta-se como “um todo integrado e está

fundamentado da mesma forma em todos os seus âmbitos” (p. 33).

A professora D expõe, “aprendizagem é aquilo que a gente aprende no dia-a-dia, que

tu aprendes com o outro, tu aprendes ensinando, tu aprendes em dobro”.

Para a professora E, “é tudo o que a gente pode aprender as maneiras que a gente

utiliza para conseguir isso. No caso do aluno, que estratégias que eu vou usar para que eles

aprendam, levando em conta a capacidade de realização de cada um. É tudo o que eu posso

ensinar para eles [...]. Importa colocar uma conhecida frase de Freire (1987), que corrobora

com a opinião da professora: “O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto

educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa”

(FREIRE, 1987, p. 39). E tudo o que eles possam estar aprendendo, desde lateralidade, tudo

enfim, mas é tudo o que eu posso passar para eles, que eles possam aprender”. Já para a

professora F, aprendizagem, “é um conjunto de fatores, e uma soma, um contexto,

movimento, família, escola, o social, o afetivo”. Tudo o que se aprende “desde o útero da

mãe, sons, movimentos, não deixam de ser diferentes formas, mas [...] são aprendizagens”.

Segundo Dalpiaz (2014, p. 1017-1032), no pensamento de Delors (2009),

aprendizagem é fundamentada em quatro pilares distintos como: “aprender a conhecer,

aprender a fazer, aprender a viver com os outros, aprender a ser”. Nesse sentido, as

professoras entrevistadas, cada uma a seu modo, entendem a aprendizagem como um

processo fundamentado nos diferentes pilares, sobretudo na concepção das professoras D, E

e F. O aprender a conhecer envolve os instrumentos utilizados para a compreensão, o

aprender a fazer corresponde à ação em si, o aprender a viver juntos parte da cooperação

entre todos nas atividades empreendidas e o aprender a ser, torna-se a soma dos itens

anteriores. No dizer de Morin (2000, p. 55) “todo desenvolvimento verdadeiramente humano

significa o desenvolvimento conjunto nas autonomias individuais, das participações

comunitárias e dos sentimentos de pertencer à espécie humana”.

Para Fernández (2001, p. 63), “não aprendemos com qualquer um, aprendemos com

aquele a quem outorgamos confiança e direito de ensinar” (p. 63). Já Maturana enfatiza que,

71

aprendizagem “vem da palavra apreender, que quer dizer, pegar ou captar algo”. Na

sequência o autor afirma que aprendizagem, “não é a captação de nada: é o transformar-se

em um meio particular de interações recorrentes”. Diferentemente da concepção de

Maturana e Verden-Zöller (2004), no geral, as professoras pesquisadas ainda concebem a

aprendizagem como uma representação o que significa a conservação de resquícios da

educação tradicional. A professora A afirma que aprender “é mudança de comportamento”,

não havendo ainda a compreensão de que “há uma inseparabilidade entre o que fazemos e

nossa experiência do mundo” (MATURANA; VARELLA, 2001, p. 31).

Na afirmação de Assmann (2001, p. 192), “o aprender se refere ao desenvolvimento

de uma rede de experiências pessoais de conhecimento socialmente validável no convívio

humano”, onde a aquisição de conhecimento é diferente da aquisição de saberes prontos. O

conhecimento surge no aprender. A professora F entende, que esse “desenvolvimento de

uma rede de experiências [...] do convívio humano” ao afirmar que “aprendizagem é um

conjunto de fatores, é uma soma [...], um contexto, movimento, família, escola, o social [...]”.

Para Sopelsa (2009, p. 256) “um tipo de mediação significativa implica,

necessariamente, uma compreensão do aprender com o processo do corpo todo, e não de

uma racionalidade abstrata, dicotômica, distanciada e, muitas vezes, sem sentido para o

aluno”. A afirmação da professora B, ao mesmo tempo em que vem ao encontro desta

concepção: “aprender [...] envolve entender sobre si, sobre seu corpo, como usa [...]”,

também conclui seu dizer com uma fala de concepção cartesiana quando afirma: “[...] e como

usa seus pensamentos”.

Na quinta questão, desejamos conhecer e entender o que cada professor entende por

corpo, corporeidade. Na compreensão da Professora A, “é tudo o que envolve o corpo

humano e o que está relacionado a ele. O toque, por exemplo, é uma coisa muito importante

[...], existem crianças que ficam retraídas quando tu chegas perto. Então essa questão do

toque [...] tem a ver com a corporeidade, que leva à aprendizagem. [...] ela aprende vendo

que a gente tem esse contato direto com ela. [...]. A professora A acredita que o corpo tem

relação com o aprender e afirma que isso ocorre “até na maneira de sentar, se posicionar”.

Para Maturana e Verden-Zöller (2004, p. 139), nos tornamos aquilo que somos de acordo

como nos movemos e “à maneira como nos tocamos mutuamente, constituindo, momento a

momento, espaços de ação na transformação de nossa corporeidade”.

Para a Professora B, “corporeidade é o aluno ou a pessoa ter noção do seu corpo, dos

seus limites, ver o que dá para fazer, o que consegue fazer, até onde pode chegar e ter uma

72

consciência do que [...] pode praticar com teu corpo além de só pensar, mas o corpo, ele

ajuda bastante se demonstra, se desenvolve”. A professora B, da mesma forma, divide-se

entre uma concepção de “corporeidade viva” (ASSMANN, 1998, p. 34) e a ideia de

limitação pela racionalidade.

A Professora C respondeu que “o corpo é um, é que na verdade corpo e mente não

são separados, são um todo, e na verdade se formos pensar mais nessa questão da

aprendizagem. Então eu acho que o nosso corpo é o canal de aprendizagem que muitas vezes

não é explorado, não se deixa fluir, não se deixa dar essa vazão [...]. No entendimento da

Professora D, corporeidade são “os movimentos [...], eles se desenharem, se tocarem, se

olharem. Eles têm que se conhecer”. Para a Professora F “o corpo é aquilo que expressa”.

Embora as professoras C, D e F manifestem uma visão de compreensão da importância do

corpo na aprendizagem, esta ainda é bastante frágil e carente de embasamento teórico. De

acordo com Assmann (1998, p. 39) “aprender é uma propriedade emergente da auto-

organização da vida”. Nessa direção Strieder e Zimmermann (2012, p. 106) afirmam que

“todo o processo de aprendizagem acontece, não de forma estática, mas dentro de um

processo de desestabilização e de ruptura de forma similar à vida”, e isso ocorre “na

amorosidade, na convivialidade constituindo-se de momentos de ordem e desordem”. O

movimento e a dinamicidade da criança vão contra um conceito de ensino e escola

estagnados. No dizer de Merleau-Ponty (1994, p. 228), “meu corpo é também aquilo que me

abre ao mundo e nele me põe em situação”. E, “o movimento da existência em direção ao

outro, em direção ao futuro, em direção ao mundo pode recomeçar, assim como um rio

degela”.

A sexta questão perguntou se no decorrer de sua formação havia disciplinas que

trataram sobre a temática corpo, corporeidade. Todas as professoras pesquisadas

responderam afirmativamente. Porém, o simples fato de ter havido disciplinas com conteúdo

sobre corporeidade, não significa que tenha havido a compreensão desse importante

conceito. Nosso corpo, no dizer de Merleau-Ponty (1994, p. 210), é comparado a uma obra

de arte, “ele é um nó de significações vivas e não a lei de um certo número de termos co-

variantes”. De que “todo hábito é ao mesmo tempo motor e perceptivo”, pois, “reside, entre

a percepção explícita e o movimento efetivo, nesta função fundamental que delimita ao

mesmo tempo nosso campo de visão e nosso campo de ação”.

A questão sete buscou saber se as professoras consideram que o corpo está

relacionado com a aprendizagem. Cada uma no seu entender disse: A Professora A, narra,

73

“que o corpo está relacionado porque faz parte, o corpo faz parte do processo de todo, é o

corpo que está ali em interação, interagindo e, com certeza faz parte sim do todo”. A

professora ensaia um pensamento de que o corpo faz parte do processo da aprendizagem

como um todo, mas ainda está distante da visão de Strieder, de que “há fortes indícios de

que um processo pedagógico terá sucesso e será significativo para o aprendente se for capaz

de produzir uma reconfiguração no sistema interno corpo/cérebro/mente/entorno”

(STRIEDER, 2004, p. 295-296).

A Professora B, relata, “olha, sim. Acredito que sim. O que eu aprendi na faculdade

sim. Tu dominando teu corpo, o teu jeito, os teus pensamentos, tu tens mais uma facilidade,

tu consegues pula, tu consegues até mesmo que o aluno vá se motivando, eu percebo isso.

Novamente surge na fala da professora a concepção de que o corpo precisa ser dominado.

“Um corpo bem-disciplinado forma o contexto de realização do mínimo gesto” e também “é

a base de um gesto eficiente” (FOUCAULT, 2014, p. 149-150). A referida professora ainda

cita um exemplo de frase dita por um aluno: “Profe, hoje eu não consigo sacar lá no vôlei”.

E continua, “Aí amanhã ele consegue, aí ele já vai mais animado também para a aula. Acho

que sim, que ajuda bastante na aprendizagem”. Assim como se posiciona de forma

tradicional em relação ao corpo disciplinado, também manifesta acreditar na importância da

dinamicidade do corpo. Em Merleau-Ponty (1994, p. 185), “a tradução do percebido em

movimento passa pelas significações expressas da linguagem, enquanto o sujeito normal

penetra no objeto pela percepção, assimila sua estrutura, e através de seu corpo o objeto

regula diretamente seus movimentos”.

Já a Professora C, expõe que “nós não somos nem só corpo, nem só mente [...], é um

conjunto e o corpo ele precisa estar bem, estar se sentindo bem, estar num ambiente

prazeroso, desenvolver coisas prazerosas, se as coisas se dão pela ação, quem desenvolve a

ação é o corpo”. A professora C aproxima-se das concepções que embasam essa pesquisa de

que o corpo é foco importante e principal para a aprendizagem. Também concorda que o

corpo necessita estar em movimento. Da mesma forma aponta a importância de um ambiente

prazeroso. Em Merleau-Ponty (1994), o corpo manifesta a cada movimento sua existência

e sua forma de ser e pensar. Merleau-Ponty (1994, p. 229) afirma, “o corpo exprime a

existência total, não que ele seja seu acompanhamento exterior, mas porque a existência se

realiza nele”.

A Professora D, diz que os educandos “têm que se conhecer, eles precisam se

conhecer, conhecer o corpo deles. Eles precisam se conhecer, eles se olhando e observando

74

o colega. ” A professora traz uma ideia, embora imatura, de percepção da importância do

corpo em relação à aprendizagem. Entende-se ainda que, no processo educativo, em geral,

há necessidade de se “reconhecer que é na corporeidade dos seres humanos que se realizam

os processos auto organizadores e que é a partir desses processos que o ser humano constrói

conhecimentos” (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2012, p. 103).

As concepções reveladas pelas professoras ainda carecem de amadurecimento na

compreensão de que “meu corpo é esse núcleo significativo que se comporta como uma

função geral e que, todavia, existe e é acessível” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 204) e é o

foco principal da aprendizagem. “Nele aprendemos a conhecer esse nó entre essência e a

existência”. Na sequência o autor afirma, “considero o meu corpo, que é o meu ponto de

vista sobre o mundo, como um dos objetos desse mundo” (1994, p. 204).

Devemos estar abertos, aos diferentes jeitos de aprender e aprender com prazer.

Assmann (1998, p. 171) afirma que “o prazer é uma força dinamizadora da aprendizagem”.

Assim, se faz necessário e urgente “resgatar a dimensão de prazerosidade intrinsecamente

ligada à intencionalidade ou dinâmica operante dos seres vivos”. Ainda segundo o mesmo

autor, “o reencantamento da educação requer a união entre a sensibilidade social e eficiência

pedagógica” (1998, p. 34). A escola não pode ser um simples espaço onde são “repassados

conhecimentos prontos”, mas um deve ser um espaço “e clima organizacional propício à

iniciação e vivências personalizadas do aprender a aprender” (1998, p. 33). A “fascinação”

e a “inventividade” devem permear o ambiente pedagógico. O Ambiente pedagógico

necessita de reencantamento, com ênfase na “produção de experiências de aprendizagem”

(1998, p. 29), já que toda a aprendizagem passa por uma inscrição corporal e tem a ver com

a experiência do prazer. Assim, ressalto a importância da formação dos professores com

relação à corporeidade que é parte fundamental para que ocorra a aprendizagem, já que toda

a aprendizagem passa pelo corpo.

75

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa demandou a construção de um diálogo sobre corporeidade,

aprendizagem e implicações nas experiências formativas, entre pesquisadora e teóricos, bem

como a partir de observações realizadas nas escolas pesquisadas. O ser humano expressa,

em sua corporeidade, tudo o que sente e vivencia em cada momento da vida. Pesquisar,

estudar e vivenciar a corporeidade, nos leva à consciência de que somos seres que nos

afirmamos em nossas aprendizagens e que, como sistemas auto organizativos, construímos

conhecimentos e experiências em todos os afazeres cotidianos. A instituição escolar é um

dos espaços, onde se oportuniza esse conhecimento através de experiências construídas na

relação com o outro e consigo mesmo. Corporeidade e aprendizagem integram tudo o que

somos. Com base em Assmann (1995), as concepções sobre o que acontece com nosso corpo,

enquanto nos movimentamos, pensamos, somos e fazemos, ocorre como processos auto

organizativos de nossa corporeidade.

As reflexões realizadas ajudaram-me a compreender e ampliar questões muito

importantes acerca da corporeidade, aprendizagem e implicações nas experiências

formativas, ligadas a concepções, com relação à minha história de vida. Antes de delinear

considerações referentes às percepções dos sujeitos envolvidos na pesquisa empírica,

apresentarei algumas concepções referentes às minhas experiências enquanto educadora,

psicopedagoga e pesquisadora em relação ao tema pesquisado, o modo como elas me

envolvem e me instigam a buscar respostas às minhas inquietações e indagações como

pesquisadora.

Desde o início de minha caminhada como aluna, percebia minhas próprias

dificuldades e, no decorrer da formação, busquei e busco superar essas concepções

tradicionais enraizadas em minha corporeidade. Não só como aluna, mas também como

profissional, percebo que tenho um longo caminho a percorrer na superação das próprias

dificuldades com relação às práticas ritualizadas na corporeidade. Porém, sempre busco,

através das formações, novas mudanças de superação na certeza de que é esse o caminho a

ser percorrido: o de buscar e propor novas concepções com desejo e prazer de mudanças na

educação, que priorizem o educando como ser humano, olhando-o em sua totalidade em prol

de uma pedagogia fundamentada nos processos de aprender a conhecer, a conhecer-se e,

acima de tudo, aprender a ser na convivência, na relação com o outro. Com isso, precisei

76

quebrar barreiras, desconstruir certos paradigmas em minha história, em minha cultura para

poder visualizar e vislumbrar possíveis formas de educação e aprendizagens, além de buscar

novas formas de conhecimentos.

Nos registros de minha pesquisa, via-me usando e escrevendo termos de uma visão

ainda pobre e fragmentária de ser humano, mas procuro a cada dia superar essas concepções,

com leituras, pesquisas, observações e orientações. Percebo e entendo que essa superação

não acontece do dia para a noite, nem de uma forma simples, mas com muito empenho e

dedicação. É necessário muito estudo, leituras e reflexões constantes se quisermos fazer a

diferença. Assim sendo, coloco-me, portanto, como educadora e pesquisadora junto aos

demais educadores e pesquisadores na investigação de uma educação de qualidade, voltada

para a corporeidade, aprendizagem e suas implicações nas experiências formativas.

Pelas experiências e vivências nos diversos espaços de minha prática pedagógica,

ressalto que quando falo de corporeidade, não é somente a questão biológica, mas de um

corpo que tem história e que carrega as marcas de todo os contextos sociais vivenciados por

ele, que o constituíram e o constituem, como um corpo produto e produtor de uma cultura,

de uma sociedade ainda excludente. Para Strieder (2004), as ofertas de experiências e

aprendizagens no contexto educacional e social, aceitam a dinâmica das inquietações e veem

nos processos de auto-organização, alternativas de criatividade e de organizações solidárias.

Nesse contexto de compreensão, avanço afirmando que as concepções referentes à

corporeidade e aprendizagem necessitam ser reavaliadas e repensadas nos diversos espaços

educacionais. Isso acontece quando ocorrem formas de experienciar vivências corporais,

com mais desejo, prazer, fomentando a construção de um novo jeito de ser autor de sua

própria história, de sociedade e de mundo.

Esse diferente sujeito se define por ser, por ocupar e fazer parte desse mundo que o

rodeia, de interagir e saber relacionar-se com outros seres, outros corpos. Esses diferentes

jeitos e olhares vão fazer com que caiam barreiras, constituídas por concepções de

racionalidade acima da emoção, de indiferença, de exclusão, que vêm enraizadas na nossa

cultura e modo de ser e viver, no estabelecimento de relações de conhecimentos e saberes

entre todos.

Compreendo, com base nos dados investigados, a necessidade de mudanças no que

cabe aos processos educacionais, uma pedagogia voltada para a inclusão corporal em sua

totalidade. Uma educação que olhe e assuma a corporeidade humana, superando a dicotomia

dualista de corpo/mente, para formular novos paradigmas de uma educação que penetre e

77

que invada novos caminhos. As novas descobertas, trilhas e mudanças de paradigmas,

através das quais o ser humano/educando encontra espaços de novos conhecimentos, de

autorias, proporcionaria uma educação mais humanizadora.

O professor/educando, para aprender, necessita pôr-se em jogo, em movimento, com

seu corpo, sua inteligência e desejo, que é também desejo do outro. Gadamer (2015, p. 162)

afirma que “entregar-se à tarefa do jogo é, na verdade, um modo de identificar-se com o

jogo”. Assim, “para os jogadores isso significa que não irão simplesmente exercer seus

papéis como em todo e qualquer jogo”, mas no jogar “eleva-se à sua idealidade própria”

(2015, p. 164). Dessa forma, o processo de aprendizagem pode ocorrer de forma prazerosa,

pois, segundo Assmann (1998, p. 30) “o conhecimento só emerge em sua dimensão

vitalizadora quando tem algum tipo de ligação com o prazer”.

O prazer de estar aprendendo através das experiências propostas contribui para “a

qualidade cognitiva da educação e deve ser encarada primordialmente” (ASSMANN, 1998,

p. 30), na ação pedagógica. Assim, uma educação que venha ao encontro do aprender pelo

corpo e pela prazerosidade, transforma em obsoletos os paradigmas educacionais que

consideram a aprendizagem como um processo consciente e produto da inteligência.

Valorizar o corpo em todos os seus aspectos cognitivos, afetivos e socioculturais, contribui

para uma aprendizagem qualitativa. Essas mudanças tornam-se importantes para que se

possa fazer surgir uma educação de novos conceitos, novos paradigmas educacionais, nas

experiências formativas de ser humano.

Conforme o pensamento de Assmann (1998), a aprendizagem nos faz construir

mundos onde caibam outros mundos, onde todos possam estar incluídos. Abertos a novas

aprendizagens com o outro, construímos novas realidades de experienciar o novo,

possibilitando uma educação, uma formação humanizadora. Dessa forma, a educação deve

possibilitar o autoconhecimento do educando, que busca uma maior compreensão de si

mesmo, do outro e de mundo. Isso será possível à medida que a reflexão, através da formação

continuada, for uma prática instituída em nossas escolas. Ao longo da pesquisa, percebeu-

se, nas falas das professoras, que em suas práticas pedagógicas ainda conservam concepções

marcadas pelo dualismo, pelo disciplinamento, com algumas aberturas ou tentativas que

permitem acenar para sua superação. Para superá-las, o professor precisa ousar romper

barreiras, ir além, buscar formações que levem a uma prática de educação mais

humanizadora. No pensamento de Verden-Zöller (2004) e com Maturana (1998, 2001), nós

seres humanos, tornamo-nos aquilo que, no decorrer de nossa vida, vamos vivenciando,

78

experienciando em nossa corporeidade e vamos nos tornando aquilo que somos no curso das

mudanças, das conversações que realizamos com o meio no qual acontecem nossas

alterações.

Esta pesquisa, Corporeidade e aprendizagem: implicações nas experiências

formativas buscou investigar e observar como a corporeidade está presente nos processos de

aprendizagem e de que maneira a mesma se manifesta entre

professor/educando, educando/educando no espaço escolar. Nos diversos espaços escolares

em que os educandos se locomovem, pude perceber que a corporeidade de cada um, se

manifesta das mais variadas formas, dentro daquilo que estão sentindo, vivenciando e

aprendendo, manifestos em seu correr, brincar, pular, escrever, dançar, chorar, sorrir,

abraçar, saltar, criar, enfim uma infinidade de coisas positivas e ou negativas. Todos esses

afazeres denotam como o corpo é capaz de potencializar, produzir, guardar e revelar

sentimentos a si e com quem estiver interagindo com ele. Todas essas ações que acontecem

e se revelam no espaço escolar, tornam o educando autor de sua própria história e de suas

aprendizagens. Segundo Maturana e Varella (2001, p. 265), “de nossas heranças linguísticas

diferentes surgem todas as diferenças de mundos culturais”, e como seres humanos temos

condições de viver e “dentro dos limites biológicos, podem ser tão diversas quanto se

queira”.

Concluo, a partir das questões direcionadas às professoras, que as mesmas ainda não

têm claramente a percepção de que as questões referentes à corporeidade e sua importância

na aprendizagem, não dizem somente respeito à corporeidade dos educandos, como também

a questões ligadas à sua própria corporeidade. A continuidade de estudos, aprofundamento

e reflexões é o caminho para uma mudança de mentalidade que se afaste de modelos

tradicionais e se encaminhe para uma educação mais humanizadora.

De acordo com Strieder (2004, p. 281), é preciso “uma interação dinâmica entre os

corpos, tanto os corpos consigo mesmos, quanto com o seu entorno”. Ainda para o autor “a

partir da capacidade auto-organizativa” (p. 283), o ser humano se renova e evolui de maneira

eficaz, quando todas as partes interagem cooperativamente de forma amorosa e prazerosa.

Esse é um desafio complexo, uma vez que, para que ocorra a aprendizagem, o educando

necessita estar em contínua interação com todo o sistema auto organizativo do qual faz parte.

E nessa reflexão, como atesta a poesia a seguir, de Lago (2016 – no prelo), nascem ações

praticadas que condicionam o ser a experimentar, pela corporeidade, diferentes sensações,

quer seja de prazer, resignação ou sofrimento.

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CORPOREIDADE

Almas sofridas,

Vidas perdidas.

Sentidas em corpos cindidos

Pelo sangue vertido

Nos olhares perdidos...

De corpos sofridos

Em almas feridas

De almas sofridas...

Por vidas marcadas

Vivendo, vivendo,

Querendo mais ou menos nada...vida

Corpo e alma?

Nem um e nem outro.

A dor é só uma!

A alegria e o gozo também!

Feitos reféns!

“Pobres” do além!

O agir pedagógico, numa dinâmica humanizadora de interações constantes com o

outro, possibilita ao professor olhar, acolher e valorizar o educando para que o mesmo

construa experiências formativas em sua corporeidade e em seu ser no mundo. O educador

com uma visão mais abrangente do universo do aluno, leva em conta a revisão de suas

atitudes metodológicas e epistemológicas, portas para promover uma formação integral do

ser. Frente aos desafios que se apresentam, é preciso oportunizar às crianças diferentes

experiências formativas como corporeidade, a partir da capacidade que o ser tem de sentir e

utilizar o corpo por meio de sua interação com o mundo. Corpo e corporeidade devem ser

focados com unidade, ou seja, como prega Merleau-Ponty (1994), o corpo visto como

sujeito, como essência e como existência, envolto em relações complexas.

80

Entretanto, uma formação em corporeidade persiste repleta de questionamentos, um

tema aberto para debates, reflexões e projeções formativas mais humanizadas. Porém, é

fundamental por parte dos educadores, compreenderem o valor da formação continuada e a

importância da corporeidade nos processos educativos. Da mesma forma, o papel da escola

está em oportunizar “experiências de aprendizagem que lhes permitam continuar aprendendo

ao longo de toda a vida”, pois “ninguém mais conclui na escola a sua formação” 5

(ASMANN, 2000, p. 13).

Na medida em que, ao educando, são proporcionadas experiências de vivências em

sua corporeidade, seu corpo torna-se capaz de produzir emoções e saberes, em si e em

relação ao outro e a continuar aprendendo, por toda sua vida, revelando-se sujeito e autor de

sua própria história.

Este estudo e resultados da pesquisa realizada não se esgotam, mas abrem caminhos

para questionamentos para uma continuidade na busca de novas práticas que considerem a

corporeidade do educando no processo de aprendizagem em suas experiências formativas.

5 5Prefácio do livro: STRIEDER, Roque. Educar para a iniciativa e a solidariedade. Ed. Unijui, 2004.

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