Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

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UNIVERSIDADE PARANAENSE CURSO DE PSICOLOGIA CAMPUS SEDE – CASCAVEL LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Daiana Cristina Orlandi Fernanda Fagnani Soares Helen Christie F. Viana Luciana Deixun Franzini Orientadora: Profª Ms Marivania Cristina Bocca CASCAVEL, OUTUBRO DE 2003

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UNIVERSIDADE PARANAENSE

CURSO DE PSICOLOGIA

CAMPUS SEDE – CASCAVEL

LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Daiana Cristina Orlandi Fernanda Fagnani Soares Helen Christie F. Viana Luciana Deixun Franzini Orientadora: Profª Ms Marivania Cristina Bocca

CASCAVEL, OUTUBRO DE 2003

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Daiana Cristina Orlandi

Fernanda Fagnani Soares

Helen Christie F. Viana

Luciana Deixun Franzini

LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Trabalho de conclusão de curso elaborado para ser submetido à banca avaliadora, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia, na Universidade Paranaense. Orientadora: Profª Ms. Marivania Cristina Bocca

CASCAVEL, OUTUBRO DE 2003

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Daiana Cristina Orlandi

Fernanda Fagnani Soares

Helen Christie F. Viana

Luciana Deixun Franzini

LIBERDADE ASSISTIDA: UM ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO DE SENTIDOS Trabalho de conclusão de curso elaborado para ser submetido à banca avaliadora, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia, na Universidade Paranaense. Orientadora: Profª Ms. Marivania Cristina Bocca

COMISSÃO EXAMINADORA

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DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado aos adolescentes que

colaboraram com a pesquisa ...

“Criança, que hoje chora nos braços do abandono,

que não tem o calor do amor,

o teto de um lar regular,

mas o prenúncio da vida perdida,

sei que o seu caminho, sozinho,

continuará até o fim assim

e que nessa viagem sem belas paisagens,

por estradas frias, sombrias,

o desatino será certamente o seu destino.

Criança, que hoje chora nos braços do abandono,

sem ter dono, sem ter o sono

tranqüilo do infante, mas vive constante

sem ter abrigo, sem ter amigo,

completamente perdida na solidão,

sem que o olhar do seu irmão,

que passa indiferente, contente,

detenha-se sobre sua triste sorte

e procure ajudá-la a crescer, viver,

ressuscitá-la dessa vida, que é morte.

Criança, que hoje chora nos braços do abandono,

que não tem o regaço da mãe para seu cansaço,

que não tem a presença do pai para secar seu lacrimejar,

e mesmo o auxilio de alguém caridoso, despretensioso

para sentir a grande necessidade e ter caridade

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de olhar para o abandono da criança,

que não pode ser vista como esperança,

quando sua vida presente desmente

que possa ter um alegre amanhã.

Chore, criança abandonada, desesperada,

que, talvez, o seu grito de orfandade

desperte a nossa sociedade, pois já é tempo

de sensibilizar o coração do seu irmão,

fazê-lo sentir que foi justamente por não ouvir

o seu choro, que hoje os homens, em coro,

lamentam os seus crimes, a sua agressividade,

e se julgam também culpados, por terem gerado,

com tanta indiferença, a sua nefasta presença,

de homem revoltado, delinqüente, afeito à maldade,

como fruto da nossa própria comunidade”.

Paulo Lúcio Nogueira, 1977.

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Deus, pela oportunidade de

crescimento pessoal e profissional, às nossas famílias, pelo

apoio e à nossa orientadora, pela atenção e dedicação.

Talvez não saibamos expressar em palavras o

especial carinho, o amor sincero e a gratidão que vos

dedicamos ...

“Dividi, pois, convosco, os méritos desta conquista,

porque ela vos pertence, ela é tão vossa quanto minha”.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................ 1

1.1 A Adolescência..........................................................................................................

1

2 JUSTIFICATIVA........................................................................................................ 13

3 OBJETIVOS................................................................................................................. 15

3.1 Objeto Geral............................................................................................................... 15

3.2 Objetivos Específicos................................................................................................. 15

3.3 Contexto da Pesquisa................................................................................................. 16

18

4 METODOLOGIA.........................................................................................................

4.1 Participantes...............................................................................................................

19

5 O ATO INFRACIONAL.............................................................................................. 22

5.1 Medidas Sócio-Educativas......................................................................................... 18

5.1.1 Advertência............................................................................................................. 30

5.1.2 Obrigação de Reparar o Dano................................................................................. 31

5.1.3 Prestação de Serviço à Comunidade....................................................................... 31

5.1.4 Regime de Semi-liberdade...................................................................................... 32

5.1.5 Internação................................................................................................................ 33

5.1.6 Liberdade Assistida................................................................................................. 34

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6 RESULTADOS E DISCUSSÃO..................................................................................

6.1 Família.....................................................................................................................

6.2 Olhar social.............................................................................................................

6.3 Ação Policial...........................................................................................................

6.4 Relacionamento.......................................................................................................

6.5 Trabalho...................................................................................................................

6.6 Ato Infracional........................................................................................................

6.7 Drogas....................................................................................................................

6.8 Medidas Sócio-Educativas....................................................................................

38

38

44

49

53

55

59

63

66

7 COMENTÁRIOS E CONTRIBUIÇÕES.....................................................................

72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................

75

ANEXOS.........................................................................................................................

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RESUMO

Esta pesquisa compreende a produção de sentidos dos adolescentes em conflito com a lei, que cumprem medida sócio-educativa – Liberdade Assistida na cidade de Cascavel, Estado do Paraná. Aborda temas como: o ato infracional, medidas sócio-educativas, em especial a Liberdade Assistida e adolescência num contexto sócio-econômico, histórico e cultural. A proposta de análise e compreensão dos dados foi feita com base nos pressupostos teóricos e metodológicos da produção de sentidos de Mary Jane Spink, que aborda o Construcionismo Social. Neste trabalho, os critérios que podem definir a adolescência são construídos pela cultura. O que sabemos é que ela não é uma fase natural do desenvolvimento e sim um período que teve origem junto com o surgimento do mundo moderno. O problema é que o padrão existencial valorizado na sociedade se aproxima cada vez mais da conduta delituosa, na voracidade nos gastos, no sexo, nas drogas. Isto faz com que alguns adolescentes cometam atos infracionais para atender a demanda capitalista, que estabelece o que é preciso para não ser excluído. Estes adolescentes buscam reconhecimento e autonomia e vêem no delito, um meio “fácil” de alcançá-los. Marques (1999), diz que os atos infracionais cometidos por adolescentes, devem ser analisados dentro de um contexto maior, que envolvam a situação familiar, social e principalmente pessoal. O sistema sócio-econômico, político e familiar fornecem as condições para o ato infracional, que reflete em todos os parâmetros da sociedade. Pela necessidade de oferecer condições dignas de atendimento, que possibilitem a construção de projetos de vida, rompendo com a prática do ato infracional, os menores de 18 anos ficam sujeitos às normas da legislação especial – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que recebem sanções designadas como medidas sócio-educativas. Nesta pesquisa, foi enfatizada a medida sócio-educativa, Liberdade Assistida, que é imposta a adolescentes em conflito com a lei e que consiste em submeter o adolescente a um conjunto de condições no seu modo de viver, cujo cumprimento fica sujeito a acompanhamento. Os dados para esta pesquisa foram coletados através de entrevistas individuais, gravadas e, posteriormente, transcritas. Os tópicos das entrevistas abordaram as seguintes questões: os sentidos que os adolescentes produzem em relação aos seus atos ditos infracionais; que sentidos são produzidos pelos adolescentes a partir do olhar social; e, como é produzido o sentido da medida sócio-educativa, Liberdade Assistida, pelos adolescentes em conflito com a lei.

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1 INTRODUÇÃO

1.1 A Adolescência

Segundo Chagas (2002), etimologicamente falando, adolescência provém do

verbo adolescerê, que significa brotar, fazer-se grande. A adolescência pode ser considerada

como um fenômeno moderno que, aliás, surgiu e se desenvolveu nos EUA a partir do início

do século XX. Essa posição propõe uma compreensão da adolescência como uma invenção da

modernidade.

A adolescência, embora não sendo apresentada enquanto processo de

mudança ou fase que a determinasse, alguns comportamentos eram marcadamente e, até certo

ponto, determinantes dos homens jovens. A crise na adolescência como a entendemos hoje,

naquele período, não era referenciada.

Crianças e adolescentes já não são mais os mesmos – participam avidamente

do mundo dos adultos e se transformam nos novos convidados da realidade orgástica do

consumo e dos prazeres. A adolescência, por sua vez, é uma atitude cultural.

As referidas crianças, das quais estamos falando, dizem respeito a uma

grande parcela de crianças brasileiras que vivem em condições precárias, são elas muitas

vezes que auxiliam na sobrevivência de suas famílias, são pequenos trabalhadores braçais.

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Por todas as implicações, efeitos e conseqüências que esta situação suscita,

essas crianças não sofrem crises psíquicas, característica da adolescência.

Então não podemos dizer, levando em conta as questões acima referidas,

que no mundo em que elas vivem existe adolescência, porque a adolescência é um fenômeno

construído pelo mundo moderno.

Segundo a psicóloga Ana Luíza de Souza Castro (2002), “a adolescência é

uma etapa do desenvolvimento biopsicosocial do ser humano, um período de transição entre a

infância e a idade adulta, que continua um processo dinâmico de evolução da vida, iniciado

com o nascimento”.

Bock (1999), considera que o período da adolescência é uma preparação

para a vida adulta, entende-se porque ele acontece de maneira diferente para cada um dentro

de um espaço de tempo indeterminado.

Ela pode começar aos 9 e ter duração relativamente curta ou, por exemplo,

prolongar-se até os 25 anos, isto depende do contexto sócio-econômico e cultural em que o

adolescente vive. Se for de classe alta, tem um amadurecimento, geralmente tardio. Ao

contrário, uma criança que precisa trabalhar muito cedo para sobreviver, já está

amadurecendo, se preparando para o mundo adulto.

Para Melman, a crise psíquica na adolescência como um processo de

transição entre um mundo infantil e adulto, pode ser assinalada como um fenômeno

característico das sociedades pós-industriais capitalistas (apud CHAGAS, 2002).

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É neste período que a puberdade, fenômeno fisiológico que compreende as

mudanças corporais e hormonais (primeira menstruação na menina ou primeira ejaculação no

menino), representa as mudanças físicas e orgânicas – e a adolescência, as mudanças

psicológicas, sociais e culturais.

Para Chagas (2002), as características físicas e biológicas devem ser

consideradas enquanto “marcas” de transição entre a vida infantil e a adulta, o que não

significa dizer que a determinação da fase adolescente seja definitivamente e exclusivamente

reconhecida por intermédio da idade e pelas alterações orgânicas.

Para se pensar em adolescência, é preciso considerar, de modo especial, os

aspectos psicológicos, fatores sócio-culturais e cognitivos envolvidos no processo.

O adolescente, ao mesmo tempo em que deseja crescer, tornar-se adulto e

autônomo, sente-se profundamente ameaçado e hesitante.

Segundo Bock (1999), “o período da adolescência depende da relação do

indivíduo com o campo social”. Os critérios que podem definir a adolescência são construídos

pela cultura, o que sabemos é que ela não é uma fase natural do desenvolvimento e sim

produto do sistema sócio-econômico.

O período que caracteriza a adolescência é ambíguo, contraditório e cheio

de dúvidas, dois caminhos se cruzam: a infância e a responsabilidade a que remete o novo

período. Entendendo assim, podemos pensar que a adolescência não tem idade certa para

iniciar.

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Existem crianças que precisam entrar no mercado de trabalho antes mesmo

de terminar o ensino primário, para ajudar no sustento da família. Existem também as de

classe alta, que parecem nunca sair da adolescência, porque ainda não possuem a preparação

para entrar no mundo adulto.

Frase chocante que mostra a realidade de nosso sistema capitalista, onde o

que impera é a desigualdade é a citada por Dimenstein (2002): “chorando diante dos policiais,

com lágrimas escorrendo pelo rosto, um garoto chupava chupeta. Nos dedos, tinha um

cigarro. Viver na rua é aprender a ser adulto antes do tempo, misturar chupeta com tragada de

cigarro”. A rua é uma escola preparatória, a criança marginal vai tornar-se um adulto

marginal, isto porque a sociedade não oferece um mínimo de condições básicas de vida.

Para Oliveira (1999), a autonomia na adolescência é um momento em que

ocorre a independência do universo familiar. O filho se distância dos pais, se isolando, na

busca de outros interesses, dos seus próprios interesses que, muitas vezes, com esta atitude,

cria um clima de conflito entre ele e os pais.

O adolescente agora é capaz de refletir sobre seu próprio pensamento e

construir suas próprias teorias, em igualdade com o adulto, com isto, o jovem amplia suas

referências, não se contentando com aquilo que seu ambiente lhe oferece, fugindo do concreto

atual na direção do abstrato e do possível.

Isto muitas vezes é confundido com rebeldia, mas é apenas uma nova

habilidade que permite ao adolescente maior independência no seu plano de idéias.

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Buscando a singularidade, ele acaba confrontando os pais, embora esta

atitude contestadora acaba, às vezes, suscitando na família, a emergência do conhecido

estereótipo da ovelha negra. Conquistar a autonomia muitas vezes significa para o adolescente

inviabilizar o reconhecimento.

Segundo Oliveira (1999), “a adolescência é a busca de um lugar, uma tarefa

historicamente agenciada, sem duração determinada, ambígua e solitária”.

Birman propõe que, para o sujeito traçar na carne o seu destino singular,

buscar sua autonomia, é preciso que ele se dê conta de que a condição de desamparo é

insuperável e marca a subjetividade para todo o sempre (apud, OLIVEIRA, 1999).

Para Oliveira (1999), o desenvolvimento psicológico do adolescente se

traduz numa seqüência de experiências intra-psíquicas, no sentido de desligamento, que

consiste na separação, resultando a aquisição da autonomia e do reconhecimento. Os

adolescentes enfrentam dificuldades, pois não têm definição sobre qual seu verdadeiro papel,

não sabe se ainda esta brincando e aprendendo ou trabalhando e reproduzindo, ou seja, se é

criança ou adulto.

Nem a sociedade, nem a família, nem as instituições têm uma posição, então

o adolescente se sente e até se torna um sem-lugar. Historicamente, a adolescência seria uma

prova da alteração cultural com modernidade. Alguns conflitos importantes podem aparecer

durante a construção da identidade do adolescente. O rumo que ele dá para sua vida acaba

tendo influências da sociedade, a qual cobra de cada pessoa um papel social, preferentemente

definido e o mais definitivo possível.

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Numa fase onde a identidade do adolescente ainda não se completou fica

difícil falar em papel social definitivo.

O adolescente questiona a conhecida vida familiar, os conceitos tradicionais

aceitos, as regras e os padrões pré-estabelecidos, em busca de algo que seja realmente seu.

O que ele precisa é encontrar sua posição no espaço e no tempo, com uma ideologia de vida

própria.

Buscando afirmar seus interesses o adolescente coloca-se em posição de

confronto a tudo que lhe sugira cerceamento pessoal.

Oliveira (1999), diz que a adolescência é um período de transição marcado

pela luta, pelo seu lugar no espaço e no tempo. O adolescente sai em campo, na grande luta

por si mesmo, precisa descobrir quem é, enfrentando um longo período de dúvidas,

questionamentos e conflitos. A cultura narcísica incentiva a auto-afirmação do tipo

individualista e predatória.

“Neste processo de busca do reconhecimento de experiências emocionais,

sentiu prazer, dor, medo e raiva, viveu para que este processo pudesse ser desencadeado”

(OLIVEIRA, 1999).

Na construção do caminho que leve o adolescente em direção a si mesmo e

ao seu reconhecimento, vive períodos de isolamentos, onde seus próprios conceitos se

formam, construindo suas teorias, criando suas referências, satisfazendo-se não só apenas com

aquilo que o ambiente lhe oferece.

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A busca de autonomia faz parte do universo juvenil como também se trata

de um ideal social, a responsabilização estimulada nos jovens é de natureza narcísica, que é

alimentada por uma lógica de mercado que faz emergir uma autonomia dominada por forças

reativas, ou seja, o mercado é quem determina as coordenadas que alinham nossos modos de

viver, isto tem pouco haver com produzir o real e saudável para existência humana.

Os jovens querem na hora aquilo que desejam, pois se trata de uma

sociedade voltada para o prazer e que estimula uma geração a desejar em tempo real.

O adolescente já confuso e desamparado pode tornar-se mais dependente

ainda das centrais de distribuição de valores, encontrando nisso um refúgio.

O problema é que o padrão existencial valorizado no mercado capitalista se

aproxima cada vez mais da conduta delituosa, porque estimula a voracidade nos gastos, no

sexo, nas drogas, no apetite e na ânsia de levar vantagem, no fascínio pelo triunfo a qualquer

preço, no fascínio da dominação – que levam muitos adolescentes a tirarem do seu

vocabulário algumas expressões, tais como: com licença, por favor, desculpa ou muito

obrigado.

O que parece estar em cena é o absoluto desprezo pelo outro e, esta

intolerância pelo outro, é alimentada pela engrenagem narcisista de nossos tempos, através de

protótipos da supremacia pelo sarcasmo ou pela força física.

No caminho para criar uma identidade, surgem coisas que lhe foram

impostas, sofre uma série de pressões, vindas do contexto sócio-cultural que se encontra.

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O sistema capitalista não é repressivo, mas sim de indução ao desejo. Para

conviver no mundo contemporâneo é preciso fazer parte da massa, mas o indivíduo tem

necessidade de mostrar sua existência, mostrar o “seu eu”, é como se ele criasse uma

identidade globalizada flexível, que muda conforme os movimentos do mercado.

Conforme Oliveira (1999), adolescência é um modelo de consumo.

Enquanto isso, o adolescente não é apenas o consumidor preferencial, mas um divulgador de

estilos. Esse modelo de consumo acaba sendo reforçado porque os adolescentes são

numerosos.

As etiquetas dos produtos se tornam um “identificador de tribos”, que divide

os sujeitos em “clãs”. Oliveira (1999) entende esse processo como marcas da colonização

brasileira, a colônia era imagem de referência, o que todos queriam ser. O mecanismo de

idealização está presente na história da construção da sociedade brasileira.

Bock (1999), diz que o sistema capitalista determina as normas sociais e a

ordem social vigente, muitas vezes, faz com que as pessoas procurem agir de maneira a se

adaptar a estas regras.

Esta demanda está explícita na mídia, que indica os produtos que estão na

moda, como o tênis X, o boné Y e outros produtos de consumo que estão além das condições

financeiras destes jovens, que são presas fáceis dos apelos consumistas.

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Gonçalves (2002), cita uma frase dita por um adolescente (Paulo, de 17

anos), que representa a busca de reconhecimento através do delito: “Por que faço isso? Porque

exijo sê respeitado e só consigo isso sendo o que sou (...)”.

Podemos visualizar tal cenário desolador na produção cinematográfica,

Cidade de Deus, que mostra a estória de um menino que busca o reconhecimento através do

delito.

Para Goffman (1988), estigma seria “a situação do indivíduo que está

inabilitado para a aceitação social plena”. A sociedade estabelece os critérios para categorizar

os indivíduos, diz o que é necessário para ser aceito no meio social e as características que

devem ser repudiadas nas pessoas e que servem para excluí-las da sociedade. Então, um

atributo que estigmatiza alguém, pode servir para confirmar a normalidade do outro. No caso

dos adolescentes em conflito com a lei, a estigmatização acontece, pois eles destoam do

grupo, não aderem as normas sociais e o desvio se refere a sua periculosidade.

“A relação de tal destoante com o grupo e a concepção que os membros

fazem dele são tais que impedem a reestruturação em virtude do desvio”, segundo Goffman

(1988).

Oliveira (1999), se refere à questão do consumismo, na seguinte frase: “é

assim que, sem griffe nem “senha de reconhecimento”, esses adolescentes da periferia

transitam pela cidade mas não são vistos, como se não pertencessem a esta paisagem

oficial, tornando-se estrangeiros em sua própria terra e desequipados para a viagem

contemporânea”.

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E afirma que, consumir estes produtos ofertados pela mídia, passa a ser um

modo de existir e ser notado na vida pública. E assim, o dinheiro acaba se tornando algo

muito significativo e condena o indivíduo a viver em função dele para perder, ganhar,

acumular e principalmente consumir, nessa sociedade, nessas cidades onde o jovem é

induzido a gastar dinheiro o tempo todo. É como se as pessoas fossem prisioneiras a céu

aberto e as escolhas fossem pré-estabelecidas, o mercado nos torna gados cibernéticos que

pastam entre os serviços e mercadorias ofertadas. Em outras palavras, o consumo passa a ser

sinônimo de inclusão, onde os que não consomem são privados dessa sociedade (OLIVEIRA,

1999).

Tais adolescentes não sabem o que fazer com essa demanda, pois é preciso

ser autônomo, é preciso ser livre, repetem os apelos mediáticos, ao mesmo tempo em que a

cultura narcísica vem provando uma retratação na vida pública – torna-se ilusoriamente uma

via de acesso a uma relação social, pois ser individualista não é mais pecado, ao contrário, a

auto-suficiência e a disputa são atributos necessários à sobrevivência na selva

contemporânea.

Com o crescimento dos filhos, os pais sentem várias emoções e muitas, nem

sempre agradáveis. Surgem vivências de estar sendo “desrespeitosamente” contestado, de ter

a autoridade posta à prova, de que sua visão de mundo não é a única nem a melhor ideologia

de vida.

Para Bock (1999), a função social da família é transmitir os valores

dominantes de nossa cultura, as idéias dominantes de determinado momento histórico,

mostrando assim seu caráter conservador e de manutenção social.

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A família vive de acordo com as interferências culturais e históricas,

conforme estes valores mudam, vão se criando indivíduos diferentes e novas subjetividades,

acompanhando assim a nova realidade histórica.

Grande parte dos adolescentes que cometem atos infracionais tem em casa

suas primeiras experiências de violência como: maus-tratos, agressão física, psicológica e

abuso sexual.

Grande parte dos agressores, cerca de 90%, já sofreram algum tipo de

violência na infância ou adolescência. Muitas vezes as condições de vida pouco propícias

levam os jovens a atitudes auto-destrutivas, como o uso de drogas, o alcoolismo e o suicídio.

Para Dimenstein (2002), os que se envolvem com drogas se afastam da

escola, não conseguem levar uma vida normal, entram para o crime, onde muitos viram

traficantes e morrem em brigas. A grande maioria começa a fumar maconha muito cedo,

depois, para sustentar o vicio começa a roubar.

Numa pesquisa realizada no Rio de Janeiro e em Recife com 61 jovens que

cumpriam pena em instituições e prisões para menores, constatou-se que, em 80% das

famílias pesquisadas, os pais são separados ou as mães, solteiras, o que as leva sair de casa

para trabalhar, ficando cada vez menos tempo com os filhos (DIMENSTEIN, 2002).

A situação de abandono em que ficam os filhos mais jovens, carentes não só

financeiramente, mas também de orientação educacional, disciplina e contato afetivo, os torna

presas fáceis da criminalidade.

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Estudos feitos pela FEBEM, com crianças que cometeram atos de violência,

confirmam que, “o menor tende a reproduzir o que aprende na família. Se aprendeu a resolver

problemas com violência, assim agirá na vida adulta” (CASTRO, 2002).

Para Oliveira (1999), existe hoje uma acentuada crise na dimensão coletiva,

pois é compreensível reforçar as estratégias de sobrevivência salve-se quem puder. Em

tempos de globalização fica mais acentuada a premissa: “cada um por si e foda-se o resto”.

Perdendo, assim, a confiança no outro, pois este se torna competidor, um inimigo, um

obstáculo a ser vencido.

As figuras de autoridade serão os alvos preferidos da contestação do

adolescente. Nessa fase se questiona o juiz, o padre, o pastor, o professor. Além disso, espera-

se que os conflitos de valores e de poder possam se generalizar para uma questão ideológica.

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2 JUSTIFICATIVA

É necessário que comecemos a compreender os diferentes sentidos que os

adolescentes produzem no meio em que estão inseridos e a partir disso, proporcionar políticas

de tratamento mais adequadas.

Escolhemos o tema e decidimos fazer este trabalho pelo interesse em

conhecer e compreender a situação que esses adolescentes “ditos” infratores estão vivendo.

Como esses adolescentes percebem e convivem com a medida sócio-educativa, Liberdade

Assistida.

Entendendo a sociedade como construída por um processo sócio-histórico-

econômico-politico e cultural, gostaríamos de compreender e visualizar mais profundamente

essas práticas sociais e os determinantes deste meio.

Com a idéia de que as pessoas são produtos e produtores do meio em que

estão vivendo, nosso interesse se focalizou em saber desses adolescentes qual era o contexto

que estavam vivendo, quais as necessidades e os desejos que os levavam a cometer os atos

“ditos” infracionais e a resposta viria da produção de sentidos que eles nos trariam.

É fácil observarmos pelas ruas adolescentes cometendo atos “ditos”

infracionais, mas não conseguíamos entender a finalidade e a razão de cada um em agir dessa

maneira.

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Como a quantidade de adolescentes em conflito com a lei é alta, decidimos

conhecer as formas de tratamento que estes recebiam quando eram detidos pelos policias.

Fomos, num primeiro momento, ao Serviço de Atendimento Social – SAS,

onde os adolescentes ficam internados até que o juiz decida qual a medida sócio-educativa

que irão cumprir.

Optamos, após o conhecimento dessas medidas, em realizar nosso trabalho

na medida sócio-educativa Liberdade Assistida, por ser um local onde os adolescentes vão

uma vez por semana cumprir a medida e continuam tendo contato com a sociedade.

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3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo Geral

O objetivo geral é compreender a produção de sentidos dos adolescentes que

estão em conflito com a lei e cumprem medida sócio-educativa – Liberdade Assistida.

3.2 Objetivos específicos

a) verificar os sentidos que são produzidos pelos adolescentes em relação

aos seus atos “ditos” infracionais;

b) estudar os sentidos produzidos a partir do olhar social em relação aos

adolescentes;

c) compreender os sentidos produzidos pelos adolescentes em conflito com

a lei, sobre a medida sócio-educativa – Liberdade Assistida.

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3.3 Contexto da Pesquisa

A pesquisa foi realizada em Cascavel, Estado do Paraná, uma cidade

praticamente nova, com apenas 49 anos e, aproximadamente, 280 mil habitantes, que foi

efetivamente ocupada através do tropeirismo, dos ervateiros e dos padres jesuítas.

O primeiro foco de habitação ocorreu depois das Revoluções de 1924 e

1930, onde os novos habitantes – querendo mudar de vida, se encontraram com ervateiros

argentinos que exploravam a extração da erva-mate na região.

Depois da Revolução de 30, Cascavel que já era trilha de tropeiros

ervateiros, sendo impulsionada pela força da madeira.

A preocupação com a situação das fronteiras do Brasil fez com que Getúlio

Vargas criasse o Território Federal do Iguaçu, propiciando a migração de catarinenses e

gaúchos, passando Cascavel, por sua posição estratégica, a ser pólo político de toda região.

É sede de grandes cooperativas que demonstram a importância da pesquisa,

planejamento e produção. É sede da Ferroeste – ferrovia que liga áreas produtoras ao Porto de

Paranaguá e aos países do Mercosul.

Cascavel conta como um dos pontos turísticos e de lazer, o Lago Municipal

no Parque Ecológico Paulo Gorski. Os atrativos turísticos compreendem também os recursos

naturais como rios, montanhas, cataratas e pesqueiros (SPERANÇA, 2002).

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A pesquisa foi realizada no Centro de Cumprimento de Medidas Sócio-

Educativas – CCMSE, local onde é cumprida a medida de Liberdade Assistida.

Até maio de 2002, antes de ser municipalizado, o programa Liberdade

Assistida funcionava no Fórum da cidade, contando com a parceria da Prefeitura Municipal,

através do Sistema de Atendimento a Infância – SAI.

Após a municipalização, houve um avanço no tratamento para os

adolescentes em conflito com a lei, que cumprem medida sócio-educativa, Liberdade

Assistida. Este avanço diz respeito à melhoria das condições físicas que passou a ter um local

próprio para o cumprimento.

Em Cascavel, os encontros para o cumprimento da medida acontecem uma

vez por semana, sendo que os adolescentes são divididos em dois grupos, devido ao pequeno

espaço físico. Os encontros são realizados nas quartas e quintas-feiras à tarde.

Os adolescentes contam com uma equipe interdisciplinar formada por uma

assistente social e estagiárias; uma psicóloga e estagiárias de psicologia; dois facilitadores;

professor de dança e professor de xadrez.

A medida Liberdade Assistida, geralmente é aplicada aos adolescentes

reincidentes ou que demonstrem tendência para reincidir e consiste no acompanhamento,

auxílio e orientação do adolescente, conforme previsto no artigo 118 do Estatuto da Criança e

do Adolescente – ECA.

Page 29: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

29

4 METODOLOGIA

Os dados para essa pesquisa foram coletados através de entrevistas

individuais, que foram gravadas e, posteriormente, transcritas em número suficiente

(dentro da disponibilidade de cada entrevistado). As questões da entrevista seguiram um

roteiro flexível, onde foram permitidos, adaptações e enriquecimentos, quando se fizeram

necessários, para poder responder aos tópicos envolvidos no problema de pesquisa.

No início de cada encontro individual, foi realizado um rapport1, cuja

finalidade era propiciar uma relação facilitadora para o desenvolvimento da entrevista.

Nesse momento também foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, bem como assegurado

o sigilo quanto a suas identidades.

Lembrando que todos estão passando ou já passaram por instituições como

o Conselho Tutelar e a Vara da Infância e Juventude, há um determinado tempo, estavam,

portanto, em condições de responder ou atender aos objetivos da pesquisa, como por exemplo,

a questão que se refere ao sentido que os mesmos possuem das instituições que os atendem.

Os tópicos das entrevistas abordaram as seguintes questões: os sentidos que

os adolescentes produzem em relação aos seus atos “ditos” infracionais; que sentidos são

produzidos pelos adolescentes a partir do olhar social; como é produzido o sentido da medida

sócio-educativa, Liberdade Assistida, pelos adolescentes em conflito com a lei.

1 Termo utilizado para definir uma Entrevista inicial.

Page 30: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

30

A análise e a compreensão dos dados foi feita com base nos pressupostos

teóricos e metodológicos da produção de sentidos, dentro do paradigma do Construcionismo

Social elaborados por Mary Jane Spink (1999).

O Construcionismo Social entende a produção de sentido como uma

construção social interativa, diferente do Construtivismo, que vê a produção de sentido como

uma atividade intra-individual.

Os sentidos são construídos a partir do contexto sócio-econômico, cultural e

político em que o indivíduo está inserido. A produção de sentido sobre as coisas é uma

atividade que o homem desenvolve em suas relações, as quais são permeadas por uma

diversidade de discursos.

Construcionismo Social entende a produção de sentido como uma

construção social interativa, diferente do Construtivismo que vê a produção de sentido como

uma atividade intra-individual. O construcionismo social é uma vertente da psicologia social,

e tem sua base teórica fundamentada na sociologia, antropologia e filosofia, o que nos oferece

uma visão histórico-político, econômico, social e cultural. Então percebemos o homem em

sua construção social que cresce e amuderece nesta relação.

Construcionismo Social entende a produção de sentidos, como uma

construção social interativa, na qual o sujeito produz seus sentidos no contexto ao qual esta

inserido e na sua relação com o mesmo. Trabalhamos então numa pesquisa qualitativa de

onde partimos da qualidade do discurso do sujeito.

Page 31: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

31

Os sentidos são construídos a partir do contexto sócio-econômico, cultural e

político em que o indivíduo está inserido. A produção de sentido sobre as coisas é uma

atividade que o homem desenvolve em suas relações as quais são permeadas por uma

diversidade de discursos.

Esta pesquisa não seguiu uma leitura específica, fomos em busca de autores

que percebem a adolescência como construção. Um exemplo de autor Carmem Oliveira que é

psicanalista contemporânea e que sua teoria coube perfeitamente em nossa fundamentação,

por ter uma visão da adolescência como construção. Porém, leituras que percebem o homem

como um agente determinista, ou uma visão desenvolvimentista não se adequaram.

4.1Participantes

Fizeram parte da pesquisa cinco adolescentes do sexo masculino, cuja idade

oscila entre 16 e 20 anos2, e que estão em cumprimento da medida sócio-educativa –

Liberdade Assistida, por terem se envolvido em infrações. Os critérios utilizados para a

escolha dos participantes, foram: quanto a disponibilidade de cada um deles; e que estivessem

iniciando o cumprimento da medida.

2 Aqui entendemos adolescentes como aquele que está vivendo um período de transição, uma atitude cultural e, portanto, não é compreendido como fase natural de desenvolvimento humano. Assim, sua faixa etária oscila, diferente da visão jurídica que entende adolescente aquele maior de 12 e que não atingiu 18 anos.

Page 32: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

32

5 O ATO INFRACIONAL

Em sua obra, Foucault (2002), nos explica um pouco sobre a produção da

verdade, que seria inventada. Se pensarmos a adolescência como uma verdade inventada, ou

seja, criada pelo mundo moderno, é possível entender todas as mudanças na legislação

destinada a estes jovens.

Nosso país possui cerca de 25 milhões de adolescentes entre 12 e 18 anos.

Deste total, 10 em cada 10 mil praticam algum ato infracional que ocasiona uma medida

sócio-educativa, sendo que mais de 70% dos delitos cometidos são contra o patrimônio

(CASTRO, 2002).

De acordo com Volpi (1999), apenas 10% do total das infrações ocorridas

são cometidas por adolescentes. Hoje no Brasil, existem cerca de 4.100 jovens com menos de

dezoito anos privados de liberdade. Isso corresponde a apenas 3% do total de todos os adultos

presos no país.

No país, há registros de atos violentos cometidos por adolescentes desde o

século XIX. As grandes cidades eram espaços povoados por crianças pobres e “vadias”, que

cometiam delitos e eram presas em cadeias públicas como criminosos comuns.

Nos primeiros anos do século XX surgiram projetos legislativos defendendo

o direito dos adolescentes e, em 1913, foi criada a primeira instituição para atender o infrator,

era o Instituto Sete de Setembro.

Page 33: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

33

Desde então, as instituições de atendimento as crianças e adolescentes foi

evoluindo, passando pelo Serviço de Assistência ao Menor – SAM, depois pela Fundação

Nacional de Bem Estar do Menor – FUNABEM. Segundo Gonçalves (2002), até o fim da

década de 80 a lei que “amparava” as crianças e adolescentes de nosso país era o Código de

Menores.

Segundo Sêda, vivia-se sob uma doutrina social e legal para meninos e

meninas que era a da “menoridade absoluta”, ou da doutrina da situação irregular que era

qualquer condição de vida que requeressem medidas de proteção ou de reeducação. “Ser

pobre, vítima de abuso, maltrato, exploração, abandono da família, do Estado ou da

sociedade, já era motivo para uma criança ou adolescente ser privado de liberdade” (apud

GONÇALVES, 2002).

Nessa época, era comum, por exemplo, encontrar adolescentes na FEBEM,

por estarem perambulando nas ruas.

Com a aprovação da Constituição Brasileira, baseada na Doutrina da

Proteção Integral, que via as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, inimputáveis

até os 18 anos e sujeitos às normas da legislação especial, o Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA.

Dessa forma, foi abolido o Código de Menores, que era estigmatizante e

preconceituoso, substituindo-se, assim, o discriminador termo “menor”, pelos termos,

“criança” e “adolescente”, que se tornam cidadãos – sujeitos de direitos, pessoas em

desenvolvimento que devem ser tratadas com prioridade absoluta.

Page 34: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

34

Procurando definir o que significa o ato infracional, destacamos algumas

citações.

O artigo 113 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, entende por

ato infracional, a “conduta descrita como crime ou contravenção penal” e, crime, seria

“toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena” (FRAGOSO, 2003).

Segundo definição de Oliveira:

“O delito somente pode ser entendido como um fato datado geográfica

e historicamente, uma vez que determinado comportamento legal em

uma sociedade, em uma cultura específica ou em um período histórico

torna-se ilegal em um outro contexto. É por isto que os critérios são

mutáveis culturalmente, tanto na tipologia dos atos infracionais quanto

nos limites etários, que variam de tempos em tempos e de lugar para

lugar” (OLIVEIRA, 1999, p. 27).

De acordo com Bock (1999), “o infrator é aquele que transgrediu alguma

norma ou alguma lei tipificada no Código Penal ou no sistema de leis de uma determinada

sociedade”, o infrator é aquele que cometeu um crime – a infração – e será punido por isso,

isto é, terá uma pena também prevista em lei e aplicada pelo juiz ou seu representante.

Atos infracionais, cometidos por adolescentes, devem ser analisados dentro

de um contexto maior, que envolve situação familiar, social e principalmente pessoal.

O sistema sócio-econômico, político e familiar, fornece as condições para o

ato infracional, que reflete em todos os parâmetros da sociedade.

Page 35: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

35

Assim, os atos de infração revelam a problemática envolvida em uma

sociedade.

Segundo o Senador José Lindoso:

“Dentro desse contexto, o adolescente deve ser considerado como

vítima de uma sociedade de consumo, desumana e muitas vezes cruel,

e como tal deve ser tratado e não punido, preparado profissionalmente

e não marcado pelo rotulo fácil de infrator, pois foi a própria

sociedade que infringiu as regras mínimas que deveriam ser oferecidas

ao ser humano quando nasce, não podendo, depois, agir com

verdadeiro rigor penal contra um menor, na maioria das vezes

subproduto de uma situação social anômala. Se o menor é vitima,

devera sempre receber medidas inspiradas na pedagogia corretiva”

(apud NOGUEIRA, 1998. p. 4).

De acordo com os comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,

“tanto o infante como o adolescente não passam de menores e, como tais, devem ser tratados,

assistidos, amparados, reeducados, reconhecendo-se os seus direitos, mas dando-lhes também

responsabilidade, pois só assim serão participantes cônscios de uma nova sociedade livre, mas

responsável” (NOGUEIRA, 1998, p. 12).

Para Oliveira (1999), essa fase de delinqüência, que muitos autores colocam

como “normal” ou benigna para o período adolescente, tem que ser distinguida como uma

conduta juvenil desaprovada pela sociedade ou reveladora das dificuldades dos adolescentes e

aquela determinante de uma intervenção do Estado.

Sobre a adequação da medida sócio-educativa a cada delito, Gemelli afirma:

Page 36: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

36

“É necessário adequar a pena a quem consumou a ação delituosa, as

suas condições subjetivas, que, em sua variedade, configuram-se na

personalidade do delinqüente e na atividade e atitudes suas, assim

como as condições sociais em que a ação delituosa foi consumada (...)

é necessário, também, reconstruir a gênese do delito e enquadrar tal

ação na personalidade de quem a realizou, e no modo em que foi

elaborada e com base nos dados recolhidos, infligir uma pena que vise

a reeducar quem violou a lei” (apud COSTA, 1986, p. 87).

Consoante Bocca (2002), “pode-se dizer que o adolescente que se encontra

em conflito com a lei expressa através de seus atos, o “mal-estar”de sua experiência de

abandono físico e afetivo, seus desassossegos, suas angústias, o preconceito vivido e a falta de

oportunidade em meio a sociedade”, o qual acaba sendo visto apenas como o agente da

violência e não como vítima da desorganização social.

Para Marques (1999), no que diz respeito ao autor do crime, o Código

vigente não o pune pelo seu modo de ser, e sim por aquilo que fez em determinação da ordem

jurídica, mas depois de verificar e avaliar a criminalidade de sua conduta, dosa e gradua a

sanção cabível considerando os fatores pessoais que lhe marcam a individualidade concreta de

agente do crime.

Para Volpi (1999), “a prática do ato infracional não é incorporada como

inerente à sua identidade, e vista sim como circunstância de vida que pode ser modificada”.

A violência e a agressão são fatores comuns na história de vida de

adolescentes em conflito com a lei. A agressão entre familiares é constante, como situações de

ameaça a sua integridade física e segurança, como brigas entre gangues.

Page 37: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

37

O adolescente contemporâneo não está confortável nem se sentindo bem em

sua época histórica, comenta Oliveira (1999), e isso faz com que ele se enuncie através de

comportamentos delitivos. Todos buscam o reconhecimento e o desenvolvimento da

autonomia, mas nem todos têm oportunidade para isso.

A prática do ato infracional leva a desadaptação e prejudica a vida social,

emocional e cognitiva do adolescente.

As medidas coercitivas desempenham um papel limitado, criam uma

desvantagem: tornar necessária uma força externa vigilante e permanente, porque do ponto de

vista psicológico, a coerção não possui necessariamente a propriedade de despertar no

culpado o sentimento de culpa, ao contrário, o castigo congela e endurece, aguça sentimentos

de aversão, conduz a uma humilhação voluntária, retarda o desenvolvimento da culpabilidade.

A repressão punitiva só manifesta ao adolescente que seu gesto não foi

entendido como deveria, o que pode levá-lo a aumentar a dose de rebeldia. Como disse

Foucault (2002), a punição é tudo que é capaz de fazer alguém sentir a falta que cometeu,

tudo que for capaz de humilhar ou de confundir. O castigo disciplinar tem como função

reduzir desvios.

Através do delito, haveria uma inequívoca busca de auto-afirmação na

forma de exibicionismo e atrevimento, conseguindo adquirir o reconhecimento de sua

coragem, todos lhe olhando e temendo-o, não lhe causava constrangimento ser identificado

como ladrão, ao contrário, sentia-se o máximo, dando lugar a lei do mais forte, relacionando o

poder à vontade de dominar.

Page 38: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

38

Podemos ainda identificar intenções de disputa, evidenciando que

rivalização com o outro é uma estratégia fundamental para a auto-afirmação, é preciso superar

o outro e até mesmo dominá-lo para o sujeito se sentir valorizado.

Baseando-se em Volpi (1999), entendemos o quanto é importante a

integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança

Pública e Assistência Social. Integração esta que, inclusive, vem sendo reclamada na maioria

dos estados brasileiros, porque sua inexistência resulta no desrespeito dos direitos dos

adolescentes ou extrapolação dos prazos legais, mantidos em delegacias de adultos, ficando

expostos a graves riscos, como sua integridade física.

O adolescente “dito” infrator carrega consigo importantes cicatrizes

policiais, jurídicas, familiares e sociais durante toda a idade adulta. O ato infracional está

freqüentemente associado com o consumo de álcool, uso de substâncias ilícitas e fazem parte

de famílias que apresentam, concomitantemente, instabilidade familiar e desorganização

social.

5.1 Medidas Sócio-Educativas

No Brasil, desde a época do Império, nos primórdios da Constituição

Federal Brasileira, o artigo 228 da Carta Magna já previa a inimputabilidade dos menores de

18 anos e sujeição às normas da legislação especial.

Page 39: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

39

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, visa a normalização dos

cuidados para com a infância e a juventude de forma a garantir-lhes as melhores condições

para seu desenvolvimento.

São duas as instituições sociais que se responsabilizariam por tal proteção: a

família e a instituição de acolhimento.

O resgate do significante abandono através da manutenção da história de

vida das crianças, a colocação em família substituta ou permanência na instituição como

conseqüência do abandono inicial e uma substituição que seja apoiada numa falta é mais

importante que a manutenção de um ideal familiar ilusório.

Volpi (1999), vê as medidas sócio-educativas como uma maneira de

proteger e garantir o conjunto de direitos, oferecendo oportunidade de educar para reinserir o

adolescente na vida social. E esse processo se dá através de ações que propiciem a educação

formal, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente.

Essa condição de sujeito de direitos implica ao adolescente a necessidade de

participação nas decisões de seu interesse e no respeito à sua autonomia, no contexto do

cumprimento das normas legais.

O desenvolvimento integral da criança e do adolescente é responsabilidade

do Estado, da sociedade e da família, pois as medidas sócio-educativas constituem-se em

condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis, mas isso, muitas

vezes só se encontra na teoria, porque infelizmente a realidade desses jovens é bem diferente.

Page 40: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

40

Existe uma dicotomia entre a produção teórica sobre a criança e o

adolescente e o atendimento dispensado a eles. Rizzini, diz que esta dicotomia, que existe

desde a criação do primeiro Juízo de Menores, está desde os dias atuais, porque na maioria

das regiões do país a implementação efetiva das mudanças preconizadas pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente – ECA, só ocorreu no plano legal (apud, CASTRO, 2002).

Para Souza (2002), a medida sócio-educativa, além de proteger o infrator,

com a assistência psicológica e social, tem por objetivo reverter o seu potencial criminógeno

para que venha a se tornar um cidadão útil e integrado à sociedade.

Outro objetivo fundamental é o da prevenção especial, consiste em eliminar

ou reduzir as possibilidades da reincidência, procurando-se impedir a repetição da conduta

anti-social.

Sobre a política de atendimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente,

disciplina:

“Art. 92. As entidades que desenvolvem programas de abrigo deverão

adotar os seguintes princípios, entre eles: preservação dos vínculos

familiares; não desmembramento do grupo de irmãos; evitar

transferências para outras instituições; preparação para o

desligamento”.

Nas entidades de abrigo o afeto aparece sob a forma de “preservação dos

vínculos familiares”, a instituição substitui, em parte, as funções familiares, mas o afeto,

vínculos e o futuro pertencem à família, enquanto que a manutenção da integração social

cabem a instituição.

Page 41: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

41

Nos programas de internação a questão do afeto é desfocada, assim como a

do retorno ao convívio familiar. É através da história que se preservará a ideologia familiar e

se procurará “dar um salto” para o convívio social, principalmente através da educação.

A verdade é que a família nem sempre é o melhor meio de convivência para criança.

Volpi (1999), compreende que os adolescentes ditos infratores são excluídos

do convívio social, pois é um exercício difícil para a sociedade reconhecer nesses jovens um

cidadão, mas nem percebem que eles são conseqüências produzidas pelos desajustes da

própria sociedade.

Pela necessidade de oferecer condições dignas de atendimento que

possibilitem a construção de projetos de vida, rompendo com a prática do ato infracional, os

menores de 18 anos ficam sujeitos as normas da legislação especial, o Estatuto da Criança e

do Adolescente – ECA, e recebem sanções designadas como medidas sócio-educativas. Para

tanto, se considera a idade do adolescente a data do fato (art. 104 do ECA). A medida a ser

aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a

gravidade da infração. Essas medidas são:

5.1.1 Advertência

A advertência consiste em admoestação verbal ao adolescente autor de ato

infracional (arts. 112, inciso I e 115 do ECA).

Page 42: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

42

Só deve ser usada para primeira infração e ser reservada aos atos

infracionais leves. É usada como forma de tomada de consciência e de alerta tanto para o

adolescente quanto para seus pais.

5.1.2 Obrigação de Reparar o Dano

A medida consiste na restituição da coisa ou ressarcimento do prejuízo

causado à vítima, de qualquer forma (art. 116 do ECA).

5.1.3 Prestação de Serviços à Comunidade

O Estatuto da Criança e do Adolescente define a prestação de serviços à

comunidade:

“Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização

de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis

meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros

estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários

ou governamentais.

Page 43: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

43

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do

adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito

horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de

modo a não prejudicar a freqüência a escola ou a jornada normal de

trabalho”.

É importante lembrar que é nesta medida sócio-educativa que deveriam ser

implantados os programas de prevenção, pois aqui existe uma preocupação social que é

mostrar aos adolescentes em cumprimento que eles podem serem úteis a sociedade tendo

dignidade e trabalhando.

5.1.4 Regime de Semi-liberdade

Além de poder ser determinado desde o início, consiste na progressão da

medida de internação para o regime aberto, possibilitando a realização de atividades externas

(art. 120 do ECA).

Não tem prazo determinado, aplicando-se as disposições relativas à

internação.

No entanto, para cumprimento da medida são obrigatórias a escolarização e

a profissionalização.

Page 44: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

44

5.1.5 Internação

Segundo Souza (2002), tamanhas dificuldades indicam ser imprescindível a

determinação de se levar a termo a execução de medidas sócio-educativas, reservando a

privação de liberdade aos casos em que o infrator represente perigo concreto e contínuo à

tranqüilidade social.

Ainda, quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça

ou violência a pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves, ou por

descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

O fato é que não há privação de liberdade feliz.

A medida não permite nenhuma modificação interior, não permite equilíbrio

entre corpo e espírito, em ambiente de intensa carga negativa onde as pessoas estão sempre

mostrando dor e sofrimento, na batalha diária da sobrevivência.

“Constitui medida privativa de liberdade” (art. 121 do ECA), aquela que não

tem prazo determinado, sendo o infrator avaliado a cada seis meses, sem ultrapassar três anos,

com a liberação compulsória aos vinte e um anos.

Para Winnicott, privação não se trata de uma simples carência, mas de uma

perda de algo que foi retirado. Pois diante disto o sujeito é levado a buscar um

reconhecimento externo (apud OLIVEIRA, 1999).

Page 45: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

45

5.1.6 Liberdade Assistida

Esta pesquisa é contextualizada nesta medida, pelo fato de que a maioria dos

adolescentes em conflito com a lei, na cidade de Cascavel, está inserido neste programa.

Conforme disposto no artigo 118 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a

liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de

acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo

a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o

orientador, o Ministério Público e o defensor (art. 118, § 2º do ECA).

A medida, Liberdade Assistida, é imposta aos adolescentes em conflito com

a lei e consiste em submete-los a um conjunto de condições no seu modo de viver, cujo

cumprimento fica sujeito a acompanhamento, geralmente realizado por assistentes sociais.

Tem como finalidade vigiar, auxiliar, tratar e orientar o rumo mais adequado

para que supere as adversidades sem cair na marginalidade. Para tanto, deve-se levar em

consideração o contexto sócio-econômico e cultural em que o adolescente se encontra.

Volpi (1999), comenta que a Liberdade Assistida constitui-se numa medida

coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente

(escola, trabalho e família).

Page 46: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

46

Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado,

garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de

vínculos familiares, freqüência à escola e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos

profissionalizantes e formativos.

Assim, os programas de Liberdade Assistida devem ser estruturados no

nível municipal, preferencialmente, localizados nas comunidades de origem adolescente.

Devem ainda ser gerenciados e desenvolvidos pelo órgão executor no nível

municipal em parceria com o Judiciário, que supervisiona e acompanha as ações do programa.

O programa de Liberdade Assistida exige uma equipe de orientadores

sociais tendo como referência a perspectiva do acompanhamento personalizado, inserido na

realidade da comunidade de origem do adolescente e ligado a programas de proteção e/ou

formativos. Tanto o programa como os membros da equipe passam a constituir uma

referência permanente para o adolescente e sua família.

A Liberdade Assistida poderá ser desenvolvida por grupos comunitários

com orientadores voluntários, desde que os mesmos sejam capacitados, supervisionados e

integrados à rede de atendimento ao adolescente.

A modalidade de Liberdade Assistida Comunitária tem se mostrado muito

eficiente pelo seu grau de envolvimento na comunidade e de inserção no cotidiano dos

adolescentes acompanhados, devendo ser estimulada e apoiada.

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47

Tal medida impõe algumas regras, como: não reincidência em infrações

penais; recolher-se a residência em determinado horário; submeter-se a tratamento

psicológico; estar freqüentando uma escola e apresentar-se regularmente no local de

cumprimento da medida.

Em Cascavel, o acompanhamento e a orientação são realizados

principalmente por assistentes sociais, que são incumbidas de estabelecer contato permanente

com os adolescentes e suas respectivas famílias ou responsáveis, orientando e ajudando na

obtenção de trabalho, nos estudos e na participação comunitária. Além disso, são as

assistentes sociais que enviam os relatórios para o juiz responsável, que fazem reavaliação da

medida cautelar a cada seis meses, como também mantêm o magistrado informado sobre as

irregularidades referentes aos adolescentes, como faltas, estar fora da escola e

comportamento.

Verificando os dados do ano de 2002 temos que, dos 81 adolescentes que

passaram pelo programa Liberdade Assistida, 29 continuam em cumprimento; 17 cumpriram;

16 reincidiram; 13 não cumpriram; 05 faleceram; e 01 foi transferido para outro município.

Quanto à faixa etária, 14 adolescentes têm 18 anos de idade; 09 adolescentes

têm 17 anos de idade; 07 adolescentes têm 16 anos de idade; e 03 adolescentes têm 15 anos de

idade.

No tocante às infrações cometidas, 12 adolescentes praticaram furto; 07

adolescentes, roubo; 04 adolescentes, tráfico; 04 adolescentes, assalto; 01 adolescente, assalto

seguido de seqüestro; e 01 adolescente cometeu tentativa de homicídio.

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48

Nem sempre as instituições conseguem oferecer estudo para todos os jovens

que estão sob sua guarda. No caso do Centro de Cumprimento de Medidas Sócio-Educativas –

CCMSE, local de cumprimento da Liberdade Assistida de Cascavel, as assistentes sociais

responsáveis pelo local, incluíram em suas atividades o Centro Estadual de Educação Básica

de Jovens e Adultos – CEBEJA, supletivo para que todos tivessem oportunidade de concluir

seus estudos.

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49

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 Família

Com base nas entrevistas realizadas com os cinco adolescentes, três

produziram sentido sobre a família.

Analisando o discurso de cada um deles, nota-se que todos pertencem a

famílias bastante disfuncionais no que se refere aos papéis desempenhados pelos membros

que a constituem e por problemas de alcoolismo, miséria, desemprego.

Na produção de sentido destes adolescentes, podemos visualizar os “efeitos”

produzidos por esta família disfuncional3. Marcos foi criado com a presença do pai, Valdir

foi criado pela avó, enquanto Nelson cresceu apenas ao lado da mãe.

Quando interrogado sobre a relação com o pai, Nelson respondeu: “fui

criado sem pai, só eu e minha mãe, sem um homem pra se espelha”.

Isso nos faz pensar que o sentido produzido por Nelson reflete sua própria

condição de adolescente em conflito com a lei; nos diz que poderia ter sido diferente se

tivesse um pai como referencial, alguém que colocasse limites, ou seja, que representasse

3 Não nuclear, não tradicional.

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50

autoridade. Ele expressa isso na seguinte frase: “Ele ia me ponha numa linha certa, ou será

que meu velho não ia ter capacidade? Devia ter (...)”.

Estes adolescentes cresceram sem a presença da figura paterna. Como

sabemos, é necessária uma figura que represente os limites, autoridade e disciplina, pois uma

criança precisa aprender a respeitar algumas normas para sua própria adaptação e bom

relacionamento social, mas também sabe-se que este papel pode ser desempenhado por outra

pessoa ou instituição, como a escola.

Na família, esta figura pode ser representada por um tio, ou um avô, não

necessariamente o pai biológico. O importante é que a disciplina faça parte da formação.

Tendo limites e autoridade no processo de socialização que se inicia na infância, faz com que

o desenvolvimento moral e ético seja possível. Depois que a criança conhece os limites e

aprende que estes são necessários para um bom convívio social, tende a se adaptar e a

respeitar as normas que mais tarde farão parte de sua vida, ou seja, é indispensável que haja

um referencial a ser seguido.

Para a Braghirolli (1999), a família se constitui no maior agente

socializante, as experiências da criança na família são de extrema importância para

determinação do comportamento em relação aos outros.

Outra característica, bastante comum nas famílias destes adolescentes, é a

violência doméstica. Vários estudos nos mostram que a violência doméstica está presente de

forma preocupante nas famílias dos adolescentes que cometem atos infracionais. Valdir

lembra um episódio marcante de sua vida, quando relata: “ele tentou me mata treis veiz, uma

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na banheira, outra veiz com mamadera, e outra veiz dentro do tanque, tento mata espancado

quando eu era pequeno. Ele batia na minha mãe, ela tem até hoje um tumor na cabeça, tem

uma platina na cabeça por causa dos tapa que ele deu”.

Podemos pensar que a criança exposta a estas agressões, aprende a lidar

com seus problemas usando a violência. Não podemos deixar de reconhecer a grande

influência da violência doméstica na prática do ato infracional. Dados de pesquisas científicas

comprovam que adolescentes em conflito com a lei tiveram os primeiros contatos com a

violência dentro de casa e que a violência doméstica está presente na maioria dos casos de

delinqüência juvenil.

Como diz Dourado, os castigos, as privações e os maus-tratos podem ser

percebidos pela criança como falta de amor, e geralmente são, daí nasce o sentimento de

rejeição que se combina com a futura hipersensibilidade a frustração, levando a uma revolta

contra qualquer forma de controle, ou de autoridade (apud FOUCAULT, 2002).

Nelson fala sobre a violência que sofria em seu lar quando o pai bebia: “ele

toma os gole dele, pensa que o cara é muleque ainda (se referindo a ele mesmo) que vai

batendo na cara do cara quando acha, já errou comigo, pulou grandão, chutei o pé na cara dele

pra ele largar a mão de ser palhaço”.

Em sua produção de sentido, Nelson nos relata a violência doméstica

associada a outro fator: o alcoolismo. O alcoolismo, em diversas situações, pode provocar

alteração de comportamento levando, neste caso, o pai a agredir o filho.

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Nelson também conta que agrediu o pai. Situações como estas são comuns

em famílias disfuncionais – o pai agride o filho adolescente que está num período de

contestação, de busca de si mesmo, de seus valores e, principalmente, está em busca de

reconhecimento, frente a uma agressão, provavelmente será violento.

Continuando seu discurso diz: “meu pai não da nenhuma força”. Este

sentido produzido na fala de Nelson nos revela a falta do pai, a falta de apoio, de amor e de

compreensão. Mostra seu mais puro sentimento em relação à ausência do pai. Por outro lado,

tenta justificar neste sentido os atos infracionais que vem cometendo.

As experiências aprendidas dentro do primeiro processo de socialização, que

ocorrem nas relações familiares vão se associando as novas experiências vividas dentro do

campo social, mas isto se torna um mito na vida dos adolescentes em conflito com a lei.

A exposição repetida a violência, muitas vezes faz com que as crianças e adolescentes, frente

a problemas, se comportem com violência.

Para Boherer (2000), estudos feitos pela FEBEM indicam que a criança

tenta reproduzir o que aprende na família, ou seja, se aprendeu a resolver problemas com

violência, assim agirá na vida adulta.

Um estudo clássico constatou que mais de 90% dos delinqüentes estavam

extremamente descontentes com o lar e perturbados pelas experiências desagradáveis dentro

de casa (DOURADO, apud FOUCAULT, 2002).

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Sobre a violência doméstica, Bock (1999), comenta que muitas vezes é na

família que crianças e adolescentes sofrem suas primeiras experiências de violência.

De acordo com pesquisas nacionais e internacionais, ficou comprovado que

90% dos agressores foram vítimas de algum tipo de violência na infância ou na adolescência.

Há uma similaridade nos discursos de Marcos, Nelson e Valdir quando

relatam a desestruturação de suas famílias.

Marcos, quando indagado sobre sua relação com a família, diz ao longo de

seu discurso, que já morou com o pai, com a irmã, com a mãe e o padrasto, e viveu um tempo

em uma pensão. Marcos conta sobre a mudança da casa do pai: “ele queria que eu saísse junto

com ele direto, daí eu não curti e fui morar com minha irmã”. Em outro trecho da entrevista

diz: “eu não me dava bem com meu padrasto, e teve um dia que eu me enchi e sai de casa, fui

morar nessa pensão”. Seu discurso nos mostra como de fato não possui um local na família

para poder resignificar seus atos.

Valdir em sua produção de sentido comenta: “eu converso com minha mãe,

não tenho muito contato assim, quando eu comecei a fala com ela foi porque eu fui preso, ela

ia na visita 5ª fera eu comecei a fala com ela”.

Através de sua fala, nota-se que a aproximação entre mãe e filho só

aconteceu pelo fato de Valdir ter sido detido. Analisando toda a sua entrevista, Valdir conta

que foi abandonado pela mãe, que também rejeitou outro filho. Os dois irmãos foram criados

pela avó e a mãe não tem nenhum contato significativo. O pai mora em outro estado e para

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Valdir é como se ele não existisse. Nas poucas vezes que se referiu ao pai mostrou uma

revolta muito grande, pelo fato do pai ter desaparecido: “com minha mãe eu converso, com

meu pai não”.

Se referindo a avó, por quem foi criado, disse: “minha vó, é como minha

mãe, ela eu respeito”. Valdir foi criado pela avó e tem por ela todo o respeito.

Segundo uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro e em Recife constatou-se

que 80% das famílias pesquisadas, os pais eram separados ou, as mães solteiras, “a situação

de abandono em que ficam os filhos mais jovens, carentes não só financeiramente, mas

também de orientação educacional, disciplina e contato afetivo, os torna presas fáceis da

criminalidade” (DIMENSTEIN, 2002).

Bock (1999), vê a função social da família como sendo o lugar de

transmissão de ideologia, valores e conduta pertencentes a um determinado momento

histórico. “Os pais são os primeiros modelos de como é ser homem e ser mulher” (BOCK,

1999. p. 251).

Costa (1986), diz que a família é a célula mãe da sociedade, é o primeiro

núcleo social que as crianças conhecem, ela intensifica e estimula as capacidades inatas de

adaptação permitindo que as crianças se desenvolvam e se transformem em pessoas

integradas. Mas a família sofre influências, principalmente da pobreza e do desemprego

fatores que enfraquecem as culturas familiares, levando-as a rápida desintegração.

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O referencial teórico proposto nos ajuda a vislumbrar sentidos semelhantes e

dados que nos permitem pensar que estes sentidos produzidos, ora aparecem como

justificativas dos atos destes adolescentes e, por vezes, como um desabafo, tentando mostrar

as reais condições de vida que fazem parte de sua história e o abandono vivido.

6.2 Olhar social

Três adolescentes comentaram sobre a sociedade. Analisando a fala do

adolescente Valdir, sobre o olhar social, que diz: “quando passo na rua, todo mundo fica te

olhando, acho que é discriminação, sei lá, o povo olha com cara feia pro ce em qualque lugar

que ce chega assim, as pessoas já discriminam pelo jeito de anda, a ropa que se ta vestindo, se

tem brinco (...)”.

A partir desta produção de sentido, parece que Valdir denuncia o olhar

social discriminativo com ele. Jovens que cruzam o caminho da marginalidade, não têm

educação formal, não aprenderam a obedecer as regras sociais de convivência, não têm

profissão, não têm hábitos de moradia e de higiene e têm uma grande dificuldade de

relacionamento interpessoal, pois desprezam a sociedade, suas normas, seus valores em

função do processo de marginalização que foram submetidos.

O sentido produzido por Valdir, nos faz pensar que a sociedade implanta

padrões discriminativos. Este adolescente nos remete a compreensão, de que ele, sabe que se

estivesse com a calça X e o tênis Y, as pessoas o viriam de outra forma.

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Em outro momento Valdir coloca que: “cartera, esses negócio, ninguém

dexa perto de voce, sumiu uma agulha, o primero que eles vão atrás e de você (...). Se entra no

mercado pra compra um suco, a muié fica lá do lado fingindo que ta vendo preço só pra vê se

eu não vo roba (...)”.

Isso nos remete ao sentido de que as pessoas o vêem de forma

estigmatizadora, conforme as pessoas tendem a se agrupar por níveis sociais, cor de pele,

afinidades, profissão e outros quesitos, estes grupos criam identidades sociais, das quais se

espera uma atitude similar dentro de cada um destes grupos.

Assim são vistos os adolescentes em conflito com a lei – é inevitavelmente

agrupado, para mais tarde ser excluído da sociedade moderna de desejo e de consumo.

Em outra compreensão, da mesma produção de sentido do adolescente

Valdir, tem-se a negação do eu, na qual ele evidencia o “você”, buscando não ter diretamente

o contato com o “eu”, com sua atitude e com o estigma implantado pela sociedade.

Buscando explicações para as atitudes dos adolescentes em conflito com a

lei, pesquisadores do assunto encontraram como fatores desencadeantes, um lar

desorganizado, o não entendimento das regras morais, não ter bom desempenho escolar e

andar com “más” companhias.

Nos faz pensar, que ao perceber que o rótulo e a discriminação são

agressões cotidianas, este adolescente assume e acaba tomando para si, ou seja, introjetando

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esta postura de estigmatizado. Pois se tem na adolescência, uma indecisão subjetiva de não ser

criança e nem adulto – o que se faz acompanhar de uma incerteza social. Logo, percebemos

este adolescente num incômodo “sem-lugar”, sentindo um desejo de ser reconhecido

socialmente; um desejo de auto-afirmação do tipo individualista e predatório, que é o sentido

estimulado pela cultura atual do Brasil. Seguindo este raciocínio, observa-se, que a conduta

delitiva está relacionada com a intensidade e a violência que se dá este processo de busca de

autonomia e reconhecimento.

Com a grande explosão de ícones de propaganda, das mais variadas formas

e conceitos, o mercado capitalista, globalizado e flutuante, passa a confundir e alterar os

valores.

Para os adolescentes que estão em busca de autonomia e reconhecimento,

passam a definir seus conceitos e perceber que para ser um bom cidadão é necessário ter

dinheiro para consumir, as roupas, os acessórios, o carro, enfim, toda infinidade de produtos

que a mídia expõe para a ilusória felicidade e momentânea satisfação.

Para se obter tudo isso, alguns acabam se identificando com os bandidos,

que muitas vezes parecem bons na tela da TV, ou seja, não importa por onde se chegue ao

caminho do consumo o que importa é que o possua.

Em outro momento, Valdir denuncia a atitude discriminativa da professora:

“na escola é a mesma coisa, se tem que pega declaração pra mostra pra eles que ce ta

estudando, senão o povo já pensa que ta robando (...). Tem professor que nem olha meu

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caderno, pega e passa pra lá, esses dia ela passo 3 vezes na minha frente, e eu falei: profe olha

meu caderno! Ela feiz que não escuto e continuo olhando o caderno da frente (...)”.

Diante desse sentido, parece que a escola que deveria atuar como agente de

socialização, tendo como papel formar cidadãos aptos para a vida, estimulando e

desenvolvendo potencialidades individuais e, principalmente, respeitando a individualidade

de cada aluno, não tem cumprido com seu papel.

É sabido que existe uma grande dificuldade de manter adolescentes em sala

de aula e quando se trata de adolescentes que vêm de periferia, que não possuem os pré-

requisitos impostos pelos currículos, a evasão escolar eclode.

Percebe-se um grande despreparo dos professores, orientadores e

supervisores. A realidade expressa que professores aguardam em sala de aula, adolescentes

limpos, atentos e com nível psicomotor apropriado para a aprendizagem que lhes será

ministrada. No entanto, recebem tradicionalmente, na sua maioria, adolescentes desatentos,

famintos, sonolentos, doentes e, principalmente, negligenciadas pela família e com baixa

auto-estima.

Existe um grande abandono por parte do Estado em relação à educação.

A qualidade do ensino fundamental e médio é decadente em escolas públicas, enquanto as de

rede privada conseguem manter um certo grau de qualidade, o que aumenta ainda mais a

desigualdade.

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Para Oliveira (1999), a precária situação do setor educacional no Brasil,

pode ser apontada como um dos fatores que levam o adolescente de periferia a se sentir pouco

mobilizado com a escola, um lugar de onde evade muito cedo, ou que serve apenas para

preencher o tempo ou cumprir os ritos sociais previstos nesta faixa etária.

Sabendo que uma das únicas formas de mobilidade social, de formação de

cidadão, vem através da educação. Logo, a baixa escolaridade, cria obstáculos concretos de

mobilidade social destes adolescentes, o que diminui as chances de serem reconhecidos pelo

seu trabalho.

Dentro dos artigos 53 a 59 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,

é garantido o direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. O inciso II, do artigo 53,

alega o direito da criança e do adolescente ser respeitado por seus educadores.

Agora temos um envolvimento dialético: o adolescente Valdir sentiu-se

discriminado por seu professor quando o mesmo não olhou seu caderno, como para os

cadernos dos demais alunos. Mas este professor, de escola pública ( que está abandonada ),

que, na maioria dos casos, não recebe uma orientação realista de como ensinar, educar, que

recebe uma baixa remuneração que o deixa desmotivado para ensinar conseguirá fazer a

educação avançar?!?

Esta é uma pergunta que se responde a um nível muito mais amplo. Se o

próprio Estado não cumpre seu dever de priorizar a educação, não podemos esperar muito,

nem um esforço sobre-humano por parte dos professores e orientadores nem uma auto-

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estimulação por parte dos adolescentes. Mesmo com estes fatores, não se justifica a atitude da

professora em relação ao adolescente Valdir.

Toda esta condição de falta de prioridade e descaso, tornou-se um círculo

vicioso. A situação vem dos governos federais que deixaram a educação básica se perder, o

que se ensina na escola, desenvolve-se e aprimora-se na escola da vida.

6.3 Ação Policial

Investigando a produção de sentido sobre a ação policial, notamos que a

postura adotada por estes agentes era contrária à ação legal, ou seja, punitiva e discriminativa.

Os adolescentes nos relataram sobre a ação policial, produzindo sentidos a

respeito da ação policial que experimentaram.

O adolescente Nelson expressa que: “não sou muito dado com os home, eu

não vou chegar perto deles porque eu já tenho um flagrante e o negócio deles é flagrante”.

Nesta produção de sentido, Nelson usa o termo os “home” para designar

policiais e flagrante para algum objeto que seja ilícito, podendo ser drogas, armas ou alguns

objetos furtados. Aqui, o adolescente produz o sentido sobre sua atitude delitiva quando

confessa que não vai chegar perto de policiais porque carrega consigo algo que a Polícia

busca e apreende na sociedade. Tendo um flagrante, a Polícia retêm direitos que a permitem

punir o individuo, sendo esta uma conseqüência pesada para um adolescente.

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Na produção de sentido de Marcos, outro adolescente entrevistado, tem-se

experiências diferentes: “me pegaram tipo assim, eu tava na casa de um amigo meu (...), eu

apanhei muito no dia que me pegaram, Nossa Senhora (...), eles queriam saber quem era o

cara que pegava, o patrão que me dava a quantidade grande, que é pedra que eles falam,

porque ali tava tudo repartido em papel laminado.

Para Foucault (2002), é preciso que as infrações sejam bem definidas e

punidas com segurança, que nessa massa de irregularidades toleradas e sancionadas de

maneira descontínua, com ostentação sem igual, seja determinado o que é infração intolerável,

e que seja infligido um castigo de que ela não poderá escapar.

Dito que para os policiais este adolescente poderia ser utilizado para se

chegar ao grande traficante, pois o adolescente relata que eles queriam saber quem era o

“patrão” e este termo é empregado para designar traficante na gíria das ruas.

O adolescente Marcos fala da pedra, o crack, que possuía em quantidade e

que estava embalada em papel laminado, a qual posteriormente seria consumida e quem sabe

repassada.

A produção de sentido de Marcos, nos remete a pensar sobre o abuso de

autoridade cometido pela Polícia. Para Hutz (2002), com a repressão punitiva só manifesta ao

adolescente que seu gesto não foi entendido como deveria, o que pode leva-lo a aumentar a

dose de rebeldia.

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Estudamos o papel da Polícia, em garantir a segurança social, ter medidas

que diminuam a violência e, conseqüentemente, aumentem a tranqüilidade dos cidadãos.

Neste caso, o papel da Polícia foi contra estes princípios, parecendo aumentar a violência e

abusar do poder de coação.

Em outra circunstância o adolescente Marcos volta a produzir sentidos sobre

a ação policial: “teve um dia lá que eles me bateram, bateram, que eu cheguei a vomita, eles

queriam que eu entregasse a patroa, mas eu não entreguei, me mata eles não podiam porque

tava toda a minha família em cima (...), e eles me batiam sem deixar ematoma porque eu so de

menor (...)”.

Baseando-se em Volpi (1999), entendemos que a integração operacional dos

órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social

é de suma importância, inclusive sendo reclamada na maioria dos estados brasileiros.

Sua inexistência representa aos adolescentes serem desrespeitados em seus

direitos, ou prazos legais extrapolados, submetidos a riscos graves, como manutenção em

delegacias de adultos, por vezes com grave ameaça à sua integridade física – o que nos leva a

pensar que a Polícia utiliza o poder erroneamente para chegar a seus objetivos.

Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 2º, “todo ato realizado

intencionalmente pelo qual se infligem a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais,

para fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como

medida preventiva, como pena ou com qualquer objetivo (...)”.

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A Constituição Federal proíbe a prática da tortura, ao estabelecer, em seu

artigo 5º, inciso III, que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, por sua vez, pune com penas de 1

a 30 anos de reclusão a tortura infligida a menores por aqueles que os têm sob sua custódia,

vigilância ou autoridade.

Diante desse sentido, a Polícia parece estar interessada nos traficantes e vem

através do adolescente procurar o caminho. Só que nessa busca, desrespeita impiedosamente a

dignidade daquele ser humano que está sob suas responsabilidades.

Marcos, parecia querer falar sobre o que os policiais podiam ter feito com

ele, que seria matá-lo, mas não podiam, pois ele tinha sua família por perto, lhe conferindo

alguma segurança.

Assim, compreendemos que a violência sofrida por crianças e adolescentes

é maior do que aquela por eles praticadas, conforme pesquisa do Movimento Nacional dos

Direitos Humanos, com base em notícias de jornais, que demonstram que para cada

adolescente acusado de homicídio quatro são assassinados.

Em outro momento, o adolescente Nelson produz um sentido interrogatório

“você acha que a polícia não chera pó e nem fuma maconha? Risos”.

Parece que Nelson denuncia atitudes delituosas dos agentes da lei,

colocando-nos a resposta. Nelson, quando fala sobre seu relacionamento com outras pessoas,

menciona: “eu sou um cara que gosta de ter amizade, mas pisou na bola comigo é só uma vez.

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Não tem como fazer nada pra merecer, referente ao amor, tipo, eu tenho um cara meu

camarada, o cara é meu camarada, eu espero dele também. Se já não é uma pessoa de atitude,

se já não é uma pessoa assim, eu já não considero muito”.

6.4 Relacionamento

Para os organizadores da cartilha Adolescência & Psicologia, elaborada pelo

Conselho Federal de Psicologia, ao viver o cotidiano, relacionando-se com muitas e diferentes

pessoas, de variadas maneiras, o jovem interioriza valores que constituem essas relações e

construindo as próprias formas perceber o mundo e estar nele (apud CASTRO, 2002).

Assim é o processo de constituição de sentido para a realidade vivida pelo

jovem. Esse sentido é próprio do sujeito e vai constituir a base sobre a qual continuará

construindo permanentemente suas relações e garantindo suas formas de sobrevivência. É

através da construção de sentidos sobre sua atividade que o sujeito diferencia seu modo de ser

agente nas relações e constrói sua identidade própria.

Isso nos faz pensar que Nelson está se “construindo”, ou seja, conforme

suas relações e vivências com outras pessoas, está criando sua identidade. Nelson pontua em

seu discurso a questão do relacionamento: “quando você tira uma pessoa pra teu amigo, cara,

ele é teu amigo né cara, teu camarada, a gente sai junto, tal e coisa”.

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Da mesma forma, Sansão em seu discurso: “eu tenho um amigo, bem meu

amigo mesmo lá do Morumbi que até nesses rolo que eu te falei quem tava junto era ele, só

que hoje em dia nós tamo disposto a muda”. Esse discurso nos faz pensar que a identidade e

as atitudes de adolescentes, dificilmente acontecem ou se formam individualmente, que tem

uma pessoa ou um grupo como refúgio, como reforço e como identificação.

Nelson, também discursa o seguinte: “certos locais o cara não pode ser

muito dado, o uso da gíria, vai conversar com uma pessoa que (...) já engrossa com você ou

vira a cara né”.

Isso nos faz refletir sobre a questão de esses adolescentes que estão

cumprindo a medida sócio-educativa, Liberdade Assistida, podem estar sendo rotulados ou

estigmatizados, como nos propõe Goffman (2001), que pontua o fato do encobrimento do

fato, do encobrimento da sua identidade social, que o fará dar atributos diferentes para si

mesmo durante a sua rotina diária e semanal dependendo do lugar que ele estiver, pois um dos

tipos de lugares que o autor fala, são os lugares onde a exposição significa expulsão.

Nelson também discursa sobre isso quando fala: “hoje em dia tem que ser

malandro pra tudo, malandro com a mãe, tem que ser malandro pra estudar, malandro pra

chegar numa igreja (...). O cara tem que ser malandro tem que ter a capacidade dele tem que

saber conversar (...). Saber a hora de fazer brincadeira, porque eu sou um cara muito de folia,

eu faço muita folia, vish (...) ainda mais com som (...) e é assim né”. O fato de ser ou não

embaraçoso para identidade pessoal do indivíduo num lugar que ele não é “bem vindo” (que

pode ser conhecido), é algo que irá variar segundo a pessoa que está o acompanhando.

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Assim, pensamos sobre a importância das amizades e relacionamentos com

pessoas que também cometem delitos ou que também estejam cumprindo a medida Liberdade

Assistida e isso fica evidenciado na fala de Nelson: “na verdade meus amigos são tudo

usuário, os outros que não usavam se afastaram”. Ou em sua outra fala: “é muito malandro

pra pouco mundo, entendeu? É muito cubículo, é muito malandro. Se tem algum decente lá

faz que nem conhece nós, é que nem divisa né (...) Tem um muro né, tem divisão entre eles,

eles fica desse lado, nós fica desse. Então, eu sou um cara que só troco idéia mesmo com a

rapaziadinha aqui, com uma pessoa que vem conversando”.

O Conselho Federal de Psicologia no projeto desenvolvido em 2002,

“Atualização dos psicólogos que atuam com adolescentes no Brasil”, com fins de atualização

dos psicólogos sobre a adolescência, mostra o jovem como um ser que está vivenciando o

processo de construção e transformação de si e das relações sociais em que é ativo, ou seja, o

jovem quando se tornar adulto não será como ele é agora jovem, e assim não se pode impedir

que ele viva seu momento e que o se “fazer adulto” faça parte de todo esse processo de busca

de identidade e de individualidade.

6.5 Trabalho

Em várias pesquisas, consultadas por essa comissão do Conselho Federal de

Psicologia, que tem a visão de futuro dos adolescentes, falam que estão na escola porque é um

percurso necessário e natural para poder entrar no mercado de trabalho. O trabalho é visto

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67

como a única atividade, um meio de sobrevivência porque resulta em ganho financeiro, o que

possibilita a compra de bens (carro, casa, etc.). Isso Nelson discursa com a seguinte fala: “ter

minha baia, meu carro, minha mina dentro de casa fazendo minhas coisas, fazendo meu

rango, não precisa de mais nada”.

Se relembrarmos Oliveira (1999), constatamos que isso é um dos principais

meios para que haja o reconhecimento do jovem, onde passa a ser visto como uma pessoa,

como alguém que realmente faz parte dessa sociedade.

Quando Gabriel foi entrevistado produziu alguns sentidos sobre o trabalho,

que podemos observar em seu discurso: “não trabalho, difícil arranja emprego hoje em dia” e

“trabalho hoje tá difícil né”.

Isso nos remete as tentativas mal resolvidas de mobilidade social que um

adolescente brasileiro encontra, conforme nos afirma Oliveira (1999), em seu estudo sobre a

violência juvenil, quando comenta sobre a dificuldade de um adolescente conseguir emprego

sem ter completado o 2º e até o 1º grau, sem falar outra língua alem do português ou ter algum

outro curso profissionalizante.

Nos mostra a reação do governo brasileiro que culpa a educação, onde os

jovens não teriam um bom desempenho escolar porque a precária situação do setor

educacional no país não mobiliza o aluno a ir para escola, principalmente os que vivem nas

periferias.

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68

Mas enfim, outro caso que dificulta o ingresso de adolescentes no mercado

de trabalho é o avanço tecnológico, que tornou os empregos mais restritivos. Oliveira (1999),

também cita o trabalho precário onde o trabalhador, que é na sua maioria adolescentes, não

têm direitos trabalhistas, onde trabalham pessoas de baixa renda, onde se inclui emprego

subproletários (camelô, flanelinha, etc.) ou tráficos (prostituição, drogas, venda de tíquetes).

Isso reflete o que o adolescente de periferia tem no mercado e no comércio

das ruas o seu emprego, pois é a maneira mais acessível de adquirir um emprego, já que

podem ser considerados “rejeitados” pela escola e pela economia legal.

Esse tipo de emprego exige qualificações mínimas, quase que nenhuma e,

na maioria das vezes, remunerações mais vantajosas que um trabalho assalariado, comenta

Oliveira (1999), em seu estudo.

O adolescente Valdir nos mostra isso quando produz um sentido sobre

trabalho: “se tem que trabalha dois mês pra ganha 300 real, isto é coisa de uma andada, achar

uma jog já ganha os 300 real”. Como o reconhecimento desses adolescentes pela sociedade

fica difícil através do trabalho, os meios legais de viver também se tornam inacessíveis, mas

ao mesmo tempo, nos indica uma justificativa da condição de vida dele e o sentido de afirmar

que sua situação o faz roubar.

Ainda conforme a pesquisa do Conselho Federal de Psicologia, o trabalho,

na visão dos adolescentes de classes menos favorecidas, também resulta em bem-estar, em

poder ter lazer em companhia de uma família tradicionalmente constituída, ou seja, como a

única forma de inserção e integração social.

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Caso não consiga é justificativa de fracasso. Essa preocupação fica mais

intensa. O pessimismo e o sentimento de infelicidade também ficam maiores, em relação aos

jovens de outras classes sociais, porque eles enfrentam uma adolescência e um futuro muito

pesado.

Os trabalhos realizados por adolescentes com idades inferiores à 14 anos

não são permitidos por lei, salvo na condição de aprendiz. Isso é muito discutido, pois o

trabalho é gerador de identidade para o sujeito, fala Jacques (1993) e também renda para sua

sobrevivência e de sua família, que os difere de vagabundos e marginais, como afirma

Bonamigo (1996).

O trabalho realizado por crianças e adolescentes na rua permite “uma forma

diferente de infância (...) que envolve, ao mesmo tempo, prejuízos e vantagens, exigências e

atribuições, sofrimento e satisfação” (BONAMIGO, 1996, p. 149).

Numa linguagem do senso comum, os adolescentes que praticam atos

infracionais são denominados de infratores, delinqüentes, pivetes e outros, agindo assim de

maneira preconceituosa, esquecendo que realmente são adolescentes, que de alguma maneira

estão transgredindo os valores e as normas ditas normais.

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6.6 Ato Infracional

Assim a prática do ato infracional não é inerente a sua identidade, mas sim

como uma circunstância de vida que pode ser modificada. Esses adolescentes em conflito com

a lei não encontram condições para defesa de seus direitos, pois pelo simples fato de terem

cometido um ato infracional, são desqualificados como adolescente. Volpi (1999), diz que

reconhecer no agressor um cidadão parece para muitos um exercício difícil e inapropriado.

Com isso o adolescente que pratica um ato infracional busca com o ato ser

reconhecido de alguma forma perante nossa sociedade, pois ao cometer o ato dito infracional

é taxado pela mesma sociedade que criou o crime. Na busca de algum reconhecimento social

os adolescentes acabam cometendo atos infracionais.

Reconhecimento esse que a nossa sociedade capitalista impõem, na busca

incessante do ter, esquecendo-se do ser, é o que podemos perceber na fala do adolescente

Sansão, que produziu alguns sentidos a respeito dessa busca incessante do consumismo

capitalista ao seu entrevistado: “caí por furto, 155, pra compra roupa, tênis, te as coisa mais

ou menos que o burguês tem (...)”.

Sansão parece produzir o sentido de buscar reconhecimento social, pois o

mercado está mostrando ao adolescente, modelos de consumo, onde o ter sobressai no ser, que

perde sua importância. Na sociedade, para ser reconhecido é importante o que possui. Esse

consumo acaba dividindo o indivíduo, dos que têm reconhecimento social e dos que não

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71

possuem esse reconhecimento social, passando a ser um modo de existir e de ser notado na

nossa sociedade.

Oliveira (1999), diz que na nossa sociedade o consumo passa a ser signo de

inclusão, mas de destituição daqueles que não são consumidores, pois adolescentes como

Sansão, buscam uma senha de reconhecimento, transitam pelas cidades mas não são vistos,

sentido-se estrangeiros na sua própria terra.

Notamos na fala de Sansão: “ter as coisa mais ou menos que os burguês

tem (...)”, porque para ele ser reconhecido é preciso ser burguês, ou lhe parecer com um.

Essa própria sociedade o exclui por não ter dinheiro e não andar na moda,

onde a felicidade é consumir, ser saudável fumando e bebendo o melhor drink, sair e ir para as

baladas, mas sempre na moda, com a melhor roupa e os melhores calçados.

Então o consumo passa a ser um meio de reconhecimento em nossa

sociedade e acaba excluindo os que não fazem parte desse consumo – uma sociedade que

destrói e acaba com o indivíduo, fazendo com que se torne um transgressor para poder fazer

parte dessa mesma sociedade.

Para Dimenstein (2002), a realidade de nosso sistema capitalista mostra a

realidade onde o que impera é a desigualdade, onde a rua é uma escola preparatória, onde a

criança “marginal” torna-se um adulto “criminoso”, pois a sociedade não oferece um mínimo

de condições básicas de vida.

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72

O padrão existencial valorizado no mercado capitalista se aproxima mais da

conduta delituosa, pois estimula a voracidade dos gastos, fazendo com que o consumo passe a

ser um sinônimo de inclusão, fazendo com que os que não consomem sejam privados dessa

sociedade.

Sansão diz: “ele espera de outro usuário o que ele não pode ser e se torna

um ladrão pra se manter o vicio, não que ele seje um ladrão, mais ele tem que manter esse

vício”.

Muitos adolescentes procuram o desenvolvimento de sua autonomia e seu

reconhecimento, mas não têm oportunidade, então acabam cometendo atos infracionais.

Marcos relata essa busca de reconhecimento pelo ato infracional no seguinte

trecho: “eu sabia que era errado, mas era um dinheiro fácil (...) e eu tava lá tipo assim, pra

junta um dinheiro (...)”.

Nelson diz sobre o ato infracional: “o cara aprende o que é certo e o que é

errado, agora se ele ta no errado é porque ele que, o cara vai pro mundo errado porque ele

que (..)”.

Esses adolescentes buscam sua autonomia e seu reconhecimento social e por

não terem oportunidade, escolhem o caminho mais fácil e são flagrados cometendo atos

infracionais.

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73

Segundo o disposto no artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

entende-se por ato infracional a “conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Outra

definição diz que “crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena”

(FRAGOSO, 1986. p. 147).

Alguns adolescentes aprendem que obedecer à legislação é coisa para otário

e, com isso, os cumprimentos dos deveres acabam funcionando mais pelo temor ao castigo da

repressão policial ou da medida judicial.

Para Foucault (2002), a punição é tudo que é capaz de humilhar e confundir,

é tudo que é capaz de fazer alguém sentir falta do que cometeu.

O adolescente infrator não aprende que o ato infracional que cometeu é

errado e sim porque dizem ser errado, punindo o ato infracional vem de forma mais intensa,

em vez de educar a punição agride e humilha o ser, trazendo para o adolescente infrator a

revolta, fazendo com que o mesmo venha cometer o ato infracional de forma mais intensa.

Acreditamos que os atos infracionais cometidos por adolescentes deveriam

ser analisados dentro de um contexto familiar, social e principalmente pessoal, pois o sistema

sócio-econômico, político e familiar fornecem as condições para o ato infracional.

Estando assim, para Hutz (1999), o ato infracional ligado às experiências

negativas vividas antes da adolescência, pois a violência e a agressão estão relacionadas à

história de vida dos adolescentes em conflito com a lei.

Page 74: Liberdade assistida. Um estudo sobre a produção de sentidos

74

Esses adolescentes infratores entrevistados denunciam em suas palavras,

que na busca de sua autonomia e reconhecimento social, acabam cometendo atos infracionais

para poderem fazer parte do universo capitalista, que reconhece o ser que consome. Não tendo

condições e oportunidades de fazer parte desse universo capitalista, acabam cometendo atos

infracionais, pois esse universo capitalista acaba criando adolescentes infratores.

6.7 Drogas

Viver livre e sem restrições passou a ser uma das maiores aspirações para os

adolescentes. A juventude de hoje procura uma liberdade e não sabe ao menos o seu

significado, confundindo assim, como muitos dizem, liberdade com libertinagem.

E, nesta procura incessante pela liberdade, o lema é seguir seus impulsos, a

procura de um prazer menos utópico e mais imediato, onde conhecer o novo, experimentar,

curtir a vida levam muitas vezes o adolescente a fugir de suas responsabilidades e caminhar

para a transgressão.

“A pessoa é curiosa, tem a cabeça pequena, ela quer aprender mais e

mais (...)”, é o que se percebe no discurso de Nelson.

O adolescente está à procura de sua identidade e com isto ocorrem dúvidas

sobre si mesmo e incertezas que podem o levar a transgressão.

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75

Como relatamos, nessas incertezas e dúvidas sobre si mesmo, o adolescente

aventura-se a novas experiências, achando-se onipotente, desafiando a si mesmo e arriscando-

se a novas aventuras, favorecendo muitas vezes o uso de drogas.

Nelson diz em seu discurso: “quando o cara tá usando, a cabeça do cara

muda né (...). Quando você não conhece ela você é você, a partir do momento que você

conhece ela, você não é mais você (...)”.

O uso de drogas traz ao indivíduo problemas graves de saúde mental, física

e social. Nelson produziu o sentido de que a droga muda a personalidade do indivíduo,

deixando-o sem caráter na busca incessante a procura da droga, onde o indivíduo faz de tudo

para conseguir suprir seu vício, deixando de lado princípios sociais.

“A droga faz tudo isso, o cara vira mentiroso, pilantra (...)”, diz Marcos,

confirmando o relato de Nelson. Nisto, o adolescente Marcos produziu o sentido de que a

droga faz o dependente da mesma mudar seu caráter deixando de lado seus próprios

princípios para sustentar seu vício, a droga aniquila seu caráter e pode fazer com que o

adolescente se transforme um infrator das leis sociais.

A dependência da droga, o hábito de usá-la, para Campos (1998), é o desejo

psicológico de repetir o uso da droga, por razões emocionais e que a dependência varia de

indivíduo para indivíduo dependendo do tipo de droga.

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76

Muitas vezes o adolescente inicia no mundo das drogas por acaso, apenas

para experimentar, por curiosidade e acaba se tornando um dependente. O poder do tóxico de

escravizar a mente, não é só apenas uma dependência somática produzida pela substância

química, mas também, conforme diz Dourado, do condicionamento da personalidade a outra

forma de realidade, é a fascinação, a libertação das convenções sociais, juntamente com as

novas situações e a esperança de gozar da essência ultima da existência (apud FOUCAULT,

2002).

Costuma-se afirmar que todo viciado é um traficante em potencial, Marcos

afirma a premissa de Contini: “daí minha mãe começou a desconfiar e cortou um pouco o

dinheiro, daí cara eu comecei a traficar, daí que foi tudo por água abaixo (...)”.

Muitos adolescentes dependentes acabam traficando para sustentar seu vício

e, com isso, se colocam cada vez mais à margem do social. O mercado do tráfico

transformou-se em cartéis clandestinos no mundo do crime, pois o mercado do tráfico virou

um negócio altamente rentável, fazendo com que o dependente ou apenas traficante queira

vender cada vez mais.

Souza (1988), diz que os consumidores de drogas acabam transformando-se

passadoras das mesmas e se não o fazem é comum recorrerem ao roubo, prostituição, enfim

acabam se tornando infratores, problemas estes que o levam a prisão. “Cocaína não agora eu

mudei, agora eu parei (...)”, diz Marcos ao ser entrevistado. “Eu nunca precisei comprar,

porque eu nunca dependi dessas coisas aí, nem de cocaína e nem de craque, e nem de

maconha cara (...). Na real mesmo, porque eu sempre criei uma coisa, eu sempre fumei

maconha só no social, não fico assim que nem aqueles caras, oh, oh, oh, cadê (...)”.

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A resistência que o adolescente sente em admitir o uso de drogas e sua

dependência nas mesmas, com a crença onipotente que cria dizendo “não preciso de drogas”,

“paro quando quiser”, acaba dificultando a procura de ajuda na fase inicial do problema.

6.8 Medidas Sócio-Educativas

Em sua obra, Foucault (2002), nos explica um pouco sobre a produção da

verdade, que seria inventada. Se pensarmos a adolescência como uma verdade inventada, ou

seja, criada pelo mundo moderno, é possível entender todas as mudanças na legislação

destinada a estes jovens.

No século XIX as crianças que cometiam delitos eram presas em cadeias

públicas como criminosos comuns, mas no início do século XX, com o novo zeitgeist4,

iniciou-se as mudanças nestas práticas e conforme as cidades iam crescendo, a tecnologia se

aperfeiçoando, os problemas também foram aumentando. A legislação foi se aprimorando até

chegar ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

Esta legislação especial visa a normalização dos cuidados para com a

infância e a juventude de forma a garantir-lhes as melhores condições para seu

desenvolvimento. É aqui que aparece a necessidade de analisarmos a produção de sentido dos

adolescentes que cumprem medidas sócio-educativas, sobre as atividades realizadas nas

mesmas. 4 Novo pensamento cultural; como um novo “clima”.

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Atos infracionais cometidos por adolescentes, devem ser analisados dentro

de um contexto maior, que envolve situação familiar, social e principalmente pessoal.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, tanto o infante

como o adolescente, não passam de menores e, como tais, devem ser tratados, assistidos,

amparados, reeducados, reconhecendo-se os seus direitos, mas dando-lhes também

responsabilidade, pois só assim serão participantes cônscios de uma nova sociedade livre, mas

responsável.

Para formação destes cidadãos participantes, é necessário que as práticas

institucionais sejam adequadas ao objetivo maior de reeducação para reinserção na sociedade.

Adequadas, no sentido de proporcionar a estes adolescentes em conflito com a lei, uma

reflexão sobre os papéis sociais.

Durante as entrevistas procuramos investigar se as práticas institucionais

auxiliavam na queda da reincidência de atos infracionais cometidos pelos adolescentes

entrevistados.

Em sua produção de sentido, Nelson, se refere às atividades realizadas no

cumprimento da medida sócio-educativa, Liberdade Assistida, como sendo inadequadas e

ineficazes, pois não são apropriadas ao grupo: “professora chega aqui com papelzinho e

canetinha, faz desenho, não tem lógica, porque aqui é um monte de barbado bem dizer”.

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Entendemos que por falta de planejamento e pessoal capacitado, os

adolescentes sejam submetidos a atividades como estas. Deve-se levar em consideração a

necessidade do grupo antes de planejar as atividades a serem trabalhadas. Isto nos leva a

pensar que a queixa destes adolescentes pode ter fundamento.

Certo dia um adolescente do grupo comentou: “isto é uma escola para o

crime”, enquanto outro completou: “aqui não aprende nada”.

Nelson em outro momento fala sobre a responsabilidade social, ou seja, a

sociedade como reguladora dos comportamentos: “a escola realmente não é aqui e sim o

mundo, se o cara não aprende direito o mundo ensina”. Isto nos lembra a lógica da regulação

de comportamento praticada pela sociedade, quem não se adapta é excluído e o adolescente

que não conheceu limites, vai ter que respeitá-los na sociedade.

Neste período que caracteriza a adolescência, as figuras de autoridade são os

alvos preferidos da contestação do adolescente. Nessa fase, se questiona o juiz, o padre, o

pastor, o professor e todas as outras figuras que representam autoridade.

Volpi (1999), comenta que a Liberdade Assistida constitui-se numa medida

coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente

(escola, trabalho e família).

Nelson fala do Serviço de Atendimento Social – SAS, dizendo ser útil no

que cerne ao aprendizado, ao arrependimento: “lá no SAS fiquei 45 dias, agora mais 35. O

cara aprende né (...) se ele fazer outro erro ele sabe que vai passar por isso e vai ser pior”.

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Os adolescentes que cometem atos delituosos permanecem no SAS durante

o período necessário para juiz determinar a sanção mais adequada, período não pode exceder

a 45 dias, contando com uma equipe interdisciplinar, formada por psicóloga, professora e

estagiários que realizam trabalhos, basicamente, de reeducação e conscientização.

Foucault (2002), diz que a punição é tudo que for capaz de fazer alguém

sentir a falta que cometeu, tudo que for capaz de humilhar ou de confundir. E através do

discurso dos cinco adolescentes que entrevistamos, percebemos que é exatamente assim que

eles produzem os sentidos, sentem-se humilhados, discriminados e confusos, por terem que

cumprir medidas sócio-educativas que não condizem com a legislação especial, ou seja, no

Estatuto da Criança e do Adolescente, encontram-se os objetivos que devem ser alcançados

quando se coloca em prática alguma medida sócio-educativa, mas na prática é diferente.

Na produção de sentido dos adolescentes entrevistados reconhecemos a falta

de planejamento, de técnicas e estrutura para que seja realizado o trabalho de reeducação e

reinserção na sociedade.

Sansão em seu discurso diz sobre a Liberdade Assistida: “aqui no L.A não é

muito legal, a gente aprende as coisa mais não é muito”. Isto nos faz entender que a satisfação

dos adolescentes depende de um planejamento adequado das atividades, um planejamento que

leve em consideração a realidade social.

Para Souza (1988), a medida sócio educativa além de proteger o infrator,

com a assistência psicológica e social tem por objetivo reverter o seu potencial criminógeno

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81

para que venha a se tornar um cidadão útil e integrado à sociedade. Como disse Focault

(2002), a instituição tem como função formar cidadãos úteis e dóceis.

A medida de Liberdade Assistida, geralmente é aplicada aos adolescentes

reincidentes ou que demonstrem tendência para reincidir e consiste no acompanhamento,

auxílio e orientação do adolescente (art. 118 do ECA).

Volpi (1999), vê as medidas sócio-educativas como uma maneira de

proteger e garantir o conjunto de direitos, oferecendo oportunidade de educar para reinserir o

adolescente na vida social. O programa de Liberdade Assistida exige uma equipe de

orientadores sociais tendo como referência a perspectiva do acompanhamento personalizado,

inserido na realidade da comunidade de origem do adolescente e ligado a programas de

proteção e/ou formativos. Tanto o programa como os membros da equipe passam a constituir

uma referência permanente para o adolescente e sua família.

Veremos agora os sentidos que Ivan produziu sobre a Liberdade Assistida:

“não é bom nem ruim, é mais ou menos, o tratamento é dez veiz melhor que o educandário”.

Diante de todo referencial teórico sobre adolescentes, podemos dizer que a

privação da liberdade seria a última alternativa para reeducar um adolescente. É neste período

de descobertas, de caminhar para liberdade, para a autonomia que se forma o adulto, então ser

privado de liberdade neste período tão importante pode ter conseqüências negativas e não ter

nenhum resultado positivo, no sentido de reeducação.

Todos os meninos que receberam medida sócio-educativa de Internação e a

cumpriram no Educandário, localizado na Capital do Estado do Paraná, Curitiba, se referiram

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82

ao local como sendo ruim. Para Saulo o Educandário São Francisco, em Curitiba, tem os

seguintes sentidos: “eu fiquei lá uns cinco mês, no educandário, foi bem ruim lá é muito mais

difícil”.

Estando o adolescente sozinho e confuso num local onde os sentimentos que

imperam são a raiva e o ressentimento, a mudança é quase impossível.

Para Souza (1988), não há privação de liberdade feliz, afirmando que, “ela

não permite nenhuma modificação interior, não permite equilíbrio entre corpo e espírito, em

ambiente de intensa carga negativa onde as pessoas estão sempre mostrando dor e sofrimento,

na batalha diária da sobrevivência”.

Valdir, outro adolescente, também produziu sentido sobre a medida sócio-

educativa, Prestação de Serviço à Comunidade, afirmando: “melhor aqui do que ponha

menor pra paga a pena, os cara mandam se saí daqui e paga pena lá no 6º Batalhão, a vez

que eu paguei foi lá no 2º Distrito, ali no SAS, serviço comunitário”.

A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas

gratuitas de interesse geral e são atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser

cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados

ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou a jornada normal de

trabalho, conforme previsão legal do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.

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83

7 COMENTÁRIOS E CONTRIBUIÇÕES

Nesta pesquisa científica, procuramos, através das entrevistas, analisar o

discurso dos adolescentes entrevistados, e através destas análises foi possível alcançar os

objetivos propostos, bem como conhecer a realidade em que os adolescentes entrevistados

viviam.

Percebemos que durante as entrevistas, enquanto estas estavam sendo

gravadas, eles pouco ou, quase nada, discursaram sobre a Liberdade Assistida, mas quando

apenas conversamos informalmente, antes ou depois das entrevistas, falaram bastante sobre

tal medida.

Geralmente falavam que não gostavam, que não dava resultado ou que

considerava uma “escola para o crime”, onde aprendiam coisas novas. Infelizmente não temos

estas falas gravadas, então não utilizamos na análise de dados.

Uma das dificuldades que encontramos para realizar as entrevistas foi a falta

de local adequado, pois o local de cumprimento da medida era um barracão, onde as salas não

eram adequadas, as portas não fechavam muito bem, passando o som do rádio ou da conversa

dos adolescentes e fomos interrompidas quase em todas as entrevistas. Apesar dessas

dificuldades, os adolescentes se dispuseram, sem nenhuma indisposição, em conceder a

entrevista.

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84

Analisando as entrevistas, na categoria de família, por exemplo, observamos

que os sentidos produzidos por três dos cinco adolescentes, falava sobre sua família que não

era nuclear, não era uma família “socialmente estruturada” e justificam seus delitos nisso.

A maioria dos livros não contextualiza a “desestruturação” familiar como

uma pré-disposição única para que influencie um ato infracional, mas na maioria dos

adolescentes entrevistados eles consideraram esse fator como influenciador único.

Talvez um dos influenciadores pode ter sido a “desestruturação familiar”,

como a violência doméstica, também relatada por alguns dos meninos.

É inviável generalizar esses sentidos que os adolescentes entrevistados

produziram, pois trabalhamos com uma visão de homem que é construído conforme sua

história de vida, relacionada com o momento em que está vivendo, portanto, se entrevistarmos

os mesmo adolescentes, o sentido sobre uma categoria poderá ser diferente.

Nosso esforço de teorização nos permitiu a elucidação da problemática dos

atos infracionais cometidos por adolescentes e nos possibilitou perceber, em suas produções

de sentido, o quanto são estigmatizados.

É muito importante entender e compreender os diferentes sentidos

produzidos, para podermos tentar intervir de uma maneira mais educativa e, talvez, mais

satisfatória. É necessário que haja a mudança de mentalidade e possamos incentivar a

aplicação de outras medidas sócio educativas, não punindo, mas educando e mostrando novas

formas de obter os mesmos resultados, sem infringir as leis que estão impostas.

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85

Temos de pensar mais na atuação coletiva, fazendo, construindo,

provocando ações e projetos de atendimento mais amplos, mobilizando toda uma sociedade,

começando com a conscientização para que não haja a estigmatização e o preconceito, todos

se entendendo e se ajudando mutuamente.

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