Liberdade de Crença

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UFMT – UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FD - FACULDADE DE DIREITO DIREITO CONSTITUCIONAL LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA, CRENÇA RELIGIOSA, CONVICÇÃO FILOSÓFICA OU POLÍTICA E ESCUSA DE CONSCIÊNCIA (ART. 5º, VI E VIII, CF/88) CUIABÁ – MT ABRIL/2015

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LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA, CRENÇA RELIGIOSA, CONVICÇÃO FILOSÓFICA OU POLÍTICA E ESCUSA DE CONSCIÊNCIA (ART. 5º, VI E VIII, CF/88)

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LIBERDADE DE CONSCINCIA, CRENA RELIGIOSA, CONVICO FILOSFICA OU POLTICA E ESCUSA DE CONSCINCIA (ART. 5, VI E VIII, CF/88)

LIBERDADE DE CONSCINCIA, CRENA RELIGIOSA, CONVICO FILOSFICA OU POLTICA E ESCUSA DE CONSCINCIA (ART. 5, VI E VIII, CF/88)

SUMRIO: 1. Introduo. 2. Religio e Estado laico. 3. Liberdade religiosa. 3.1. O Ensino religioso. 3.2. Feriados religiosos. 3.3. cones religiosos em locais pblicos. 3.4. Casamento religioso com efeito civil. 3.5. Unio homoafetiva. 3.6. Sacrifcio de animais. 3.7. Imunidade tributria. 4. Escusa de conscincia. 4.1. O servio militar obrigatrio e o de jri. 4.2. A transfuso de sangue nas testemunhas de Jeov. 4.3. Curandeirismo. 5. Consideraes finais. 6. Referncias Bibliogrficas.

1. INTRODUOO homem, como dito em A Poltica por Aristteles, um ser social. Participa de relaes sociais, convive com seus pares em sociedade e a partir disso constri seu conhecimento e forma sua conscincia sobre os mais diversos temas. Essa, por mais que seja construda tendo por base suas relaes sociais e todos os demais conhecimentos conseguidos durante o decorrer da vida do indivduo, interna a ele, no produzindo problemas e conflitos sociais. (SILVA, 2005)No entanto, quando essa conscincia transpe os limites individuais, quando o indivduo a manifesta, exteriorizando-a, que surge a necessidade de disciplinar essa expresso de forma a tornar possvel o seu exerccio por todos na sociedade, visto que convivendo socialmente, os indivduos tm a tendncia e necessidade de se expressarem e trocarem ideias e opinies em suas relaes.Um exemplo do exerccio dessa liberdade a solicitao por advogado ao juiz, no momento de uma audincia, para que se interrompesse a audincia de forma que seu cliente pudesse praticar o Salat (orao diria mulumana) voltado para Meca, como visto em Ribeiro (2013). Para ele o juiz, nesse caso hipottico deveria atender a solicitao tendo em vista dar efetividade prtica da liberdade de crena pelo seu cliente uma vez que com isso tambm no se estaria restringindo direito de outrem ou perturbando a ordem pblica.Nesse sentido, a Constituio, reconhece a liberdade de opinio nas suas duas acepes, tanto interna como externa, como a liberdade de pensar e dizer o que se cr verdadeiro, tendo, todo indivduo, o direito de professar a f que melhor lhe aprouver, bem como no adotar nenhuma delas, criar a sua prpria religio, assim como adotar qualquer linha filosfica, cientfica ou poltica, podendo, da mesma forma, abster-se de adotar qualquer uma delas. (SILVA, 2005)

2. RELIGIO E ESTADO LAICOAtrelado liberdade de conscincia est a liberdade de cresa religiosa. A Constituio de 1988, assim como todas as suas predecessoras com exceo a de 1824 (que apesar de permitir aos seguidores das demais religies o culto domstico das suas crenas, trazia o catolicismo como religio oficial), em seu art. 5, inciso VI, estabelece a inviolabilidade da liberdade de conscincia e de crena, assegurando o livre exerccio de qualquer culto religioso, bem como a proteo dos locais de sua realizao. (BRASIL, 1988)Dessa forma, estava o Estado, apesar de laico, respondendo ao pluralismo religioso de forma a diminuir o potencial de conflito entre as diversas religies existentes, sem privilegiar nenhuma delas, fortalecendo assim a no interveno do Estado em assuntos religiosos e a separao entre ambos. Essa laicidade no significa ser o Brasil um Estado ateu, mas sim um pas onde so respeitadas todas as crenas, bem como suas formas de expresso. (OLIVEIRA, 2011)Para Moraes (2014), caso o Estado optasse por no garantir essa liberdade, estaria sendo desrespeitada a diversidade de ideias, filosofias e espiritualidade quando do constrangimento do indivduo renncia de sua f. Liberdade essa que seria desrespeitada, inclusive, no caso de ateus e agnsticos em seus modos de pensar e de exteriorizar esse pensamento, funcionando, para ele, como um reforo laicidade do Estado a evocao proteo de Deus no preambulo da constituio e no como a escolha de uma determinada f.Conforme destaca Lenza (2014), essa evocao proteo divina vem sendo repetida, desde a constituio de 1891, por todas as constituies federais e tambm estatuais, com exceo da constituio do Acre, o que propiciou a anlise do tema pelo STF no julgamento da ADI 2.076-AC, Rel. Min. Carlos Velloso, que declarou a irrelevncia jurdica do prembulo (que serviria apenas como diretriz interpretativa das normas constitucionais) e a no obrigatoriedade da evocao nas constituies estaduais.

3. LIBERDADE RELIGIOSADe acordo com Silva (2005), insere-se a liberdade religiosa entre as liberdades espirituais, sendo as suas formas de expresso, formas de manifestao de pensamento. Entretanto, mais complexa em virtude das bvias implicaes que suscita. Para Moraes (2014), a contemplao de tal liberdade no texto constitucional ptrio demonstra a maturidade do seu povo, visto ser ela desdobramento da liberdade de pensamento e manifestao.Tal liberdade comporta trs formas de expresso (formas que permitem ao indivduo a exteriorizao de seus pensamentos e convices), quais sejam a liberdade de crena, a liberdade de culto e a liberdade de organizao religiosa. (SILVA, 2005)Pela primeira delas se afirma a liberdade que o indivduo tem de entrar, seguir, sair ou mudar de determinada religio. Da mesma forma, afirma-se tambm a possibilidade de no se adotar qualquer tipo de religio, se assim o preferir, de no crer, ser ateu ou agnstico. Entretanto, isso no quer dizer que poder o indivduo impedir a prtica de um determinado credo por outra pessoa, o que, por mais que estivesse pondo em exerccio a prtica de uma liberdade sua, estaria da mesma forma restringindo a liberdade do outro. Essa liberdade de crena, na maioria das vezes leva participao em cultos religiosos, com a prtica de atos e hbitos inerentes religio escolhida, manifestaes essas que saem do individual e passam para o coletivo atravs das reunies e cerimnias. Essa exteriorizao coletiva da crena, seus ritos e tradies que Silva (2005) chama de liberdade de culto que, inclusive, foi ampliada pela atual constituio, uma vez que no aparece mais com o seu elemento limitador de observao da ordem pblica para a sua prtica, como ocorria nas constituies precedentes. o que acontece, por exemplo, quando pessoa adventista pede a realizao de prova de concurso em dia e horrio diferente quando a realizao daquele se dar em um sbado:RECURSO ORDINRIO - MANDADO DE SEGURANA - CONCURSO PBLICO - PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE SBADO - CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO STIMO DIA - PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAO DA DATA DA PROVA INDEFERIDO - INEXISTNCIA DE ILEGALIDADE - NO VIOLAO DO ART. 5, VI E VII, CR/88 - ISONOMIA E VINCULAO AO EDITAL - RECURSO DESPROVIDO.1. O concurso pblico subordina-se aos princpios da legalidade, da vinculao ao instrumento convocatrio e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorizao em lei ou no edital.2. O indeferimento do pedido de realizao das provas discursivas, fora da data e horrio previamente designados, no contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5, da CR/88, pois a Administrao no pode criar, depois de publicado o edital, critrios de avaliao discriminada, seja de favoritismo ou de perseguio, entre os candidatos.3. Recurso no provido.(RMS 16.107/PA, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 31/05/2005, DJ 01/08/2005, p. 555).ou quando requer-se abono de faltas em aulas que se realizam nas noites de sexta-feira, como o seguinte.CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANA. ENSINO SUPERIOR. ADVENTISTA DO STIMO DIA. LIBERDADE DE CULTO (CF, ART. 5, VI E VIII). ABONO DE FALTAS OCORRIDAS NA DISCIPLINA MINISTRADA NO PERODO DE GUARDA. POSSIBILIDADE. CONCLUSO DO CURSO. APLICAO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. I - Com a garantia de ser inviolvel a liberdade de conscincia e de crena (CF, arts. 5,VI), "ningum ser privado de direitos por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as invocar para eximir-se de obrigao legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei" (CF, art. 5, VIII). II - O abono das faltas disciplina ministrada no perodo de guarda da aluna, membro da Igreja Adventista do Stimo Dia, no pe em risco o interesse pblico, nem configura, por si s, qualquer violao aos princpios da igualdade, da impessoalidade, da moralidade nem da seriedade das normas administrativas, posto que tal medida no implica em iseno de obrigao legal a todos imposta, mas, to-somente, em possibilitar o seu cumprimento, sendo a estudante submetida s mesmas avaliaes e atividades discentes, sem que seja violado o seu direito fundamental liberdade de crena religiosa. III - Na hiptese dos autos, tambm deve ser preservada a situao ftica consolidada pelo decurso do tempo, uma vez que, amparada pela deciso judicial, assegurando a pretenso deduzida no writ, a impetrante concluiu o curso superior. IV - Apelao e remessa oficial desprovidas. Sentena confirmada.(TRF-1 - AMS: 1770 RR 2005.42.00.001770-2, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 01/09/2006, SEXTA TURMA, Data de Publicao: 02/10/2006 DJ p.136)A terceira forma de expresso da liberdade religiosa a liberdade de organizao religiosa onde se possibilita a instituio das organizaes religiosas e a relao das mesmas com o Estado. Nesse ltimo caso, hoje h a separao entre as duas instituies, mas j houve poca em que existia relao mais ntima entre a igreja e o Estado chegando mesmo a existir a se confundir as suas atribuies entre si, como o caso do Estado teocrtico. Mas tambm casos h em que existe uma relao ntima, mas no de sobreposio de atribuies, como o caso da unio, onde o Estado, por exemplo, poderia participar da escolha dos integrantes da cpula de determinada religio e tambm na remunerao dos mesmos.Por fim, cumpre destacar que a liberdade tratada neste tpico no absoluta. Ela, em virtude de conflito com outro princpio ou liberdade, poder ser relativizada para garantir direito de outrem em conflito com este e assim atender o interesse coletivo e bem comum.

3.1. O Ensino religiosoDe acordo com o art. 210, 1, CF/88, o ensino religioso poder ser matria do currculo bsico da educao fundamental das escolas pblicas desde que seja de matrcula facultativa. Essa regra, conforme salienta Lenza (2014), embora seja definida para escolas pblicas, deve ser estendida tambm para as escolas particulares e tanto numa como na outra no poder o aluno ser reprovado por ausncia nas aulas.No entanto, o ensino religioso no poder ser utilizado para se professar uma nica f de forma a doutrinar o aluno em determinada religio, dever ele ser no-confessional. Tendo esse entendimento em vista, foi proposta Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4439, pela Procuradoria-Geral da Repblica (PGR) solicitando do STF a interpretao conforme a constituio do art. 33 e seus pargrafos da lei 9394/96, do art. 11, 1 do Acordo entre a Repblica Federativa do Brasil e a Santa S, relativo ao Estatuto Jurdico da Igreja Catlica no Brasil (Decreto Legislativo n 638/2009, promulgado pelo Decreto n 7.107/2010), de forma a assentar a natureza do ensino religioso nas escolas e a proibio de professores representantes de confisses religiosas. A tese defendida pela PGR a de que:a compatibilizao do ensino religioso nas escolas pblicos e o estado laicocorresponde oferta de um contedo programtico em que ocorra a exposio das doutrinas, das prticas, da histria e de dimenses sociais das diferentes religies, incluindo as posies no religiosas, sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores.Entretanto, um motivo de dificuldade inerente a essa compatibilizao (junto com o fator operacional sobre o que fazer com os alunos que no estiverem frequentando a aula de ensino religioso) o de foro ntimo do responsvel por ministrar a aula. Esse indivduo, como todos os outros, tem sua formao e vises do mundo, o que torna complexo evitar a no exteriorizao (e imposio) de suas crenas ou mesmo evitar de agir de forma no preconceituosa quando se deparar com estudantes cujas posies religiosas diferirem das suas. (SALLA, 2013)Quando essa compatibilizao no ocorre de forma efetiva, deixando que transparea as opinies e convices pessoais do professor, surge ento a possibilidade de preconceitos e bullying com os estudantes que no seguem a mesma linha de crena, como no caso dos praticantes do candombl, mostrado por Caputo (2005), para quem o ensino religioso no deveria ser ministrado em escolas pblicas, restrio essa no imposta s escolas particulares vinculadas a determinada religio.

3.2. Feriados religiososTema que levanta muitos questionamentos o relacionado fixao de feriados religiosos. Por um lado tem-se a prerrogativa constitucional para a liberdade de crena e todas as suas modalidades de expresso. Por outro lado tem-se a laicidade do Estado, alegada por todos os que so contra o estabelecimento de feriados cristos (especificamente catlicos) em detrimento as outras crenas ou descrenas.Como lembrado por Lenza (2014), quando da vinda de Bento XVI ao Brasil, em 2007, havia a pretenso de instituir feriado religioso em homenagem ao Frei Galvo e a sua canonizao. Fato esse que foi discutido pelo Congresso Nacional e solucionado criando tal homenagem relacionada ao calendrio histrico-cultural e no como um feriado religioso. Dessa forma estaria compatibilizada a laicidade estatal e a liberdade religiosa.Os defensores de tais feriados religiosos alegam que no haveria qualquer inconstitucionalidade no seu estabelecimento. Para eles, a instituio daqueles no estaria restringindo a prtica de outras correntes religiosas, mas sim possibilitando o exerccio pleno do direito da profisso da sua f (crist, no caso).Alegam tambm que com o estabelecimento desses feriados estaria se dando vazo ao exerccio da democracia, uma vez que essa determinada pela maioria, e sendo essa maioria catlica no Brasil, nada mais normal que se ver normas legais que sofrem preponderantemente a influncia das suas ideologias. Como no caso dos Estados Unidos se v a adoo do feriado de Ao de Graas, de carter protestante, pelo fato de sua populao ser majoritariamente protestante. Seria ento a instituio desses feriados de carter eminentemente histrico-cultural do pas (caso, por exemplo, da lei 6.802/1980, que declara feriado o dia 12 de outubro), que so institudos em virtude do princpio majoritrio da democracia, e no o simples privilgio conferido pelo Estado a uma religio em detrimento de outra. (BRODBECK, 2004)3.3. cones religiosos em locais pblicosNa mesma linha de pensamento, exposta no tpico precedente, esto os defensores das construes de imagens de entidades religiosas em locais pblicos com recursos pblicos. Questionados quanto a licitude do gasto de recursos pblicos na construo de dolos de determinada religio dizem que isso no est afrontando a laicidade do Estado e nem privilegiando determinada religio em detrimento das outras. As decises que estabelecessem essas construes estariam de acordo com o anseio da maioria da populao, seja na construo de imagens de santos catlicos, seja na construo de imagens de Iemanj, por exemplo, estando por isso de pleno acordo com o princpio democrtico. Alm disso, tambm, estariam de acordo com as caractersticas histricas-culturais da populao.A mesma polmica acontece com relao utilizao de crucifixos em reparties pblicas, cujas decises sobre seu uso vm sendo no sentido de trata-la como smbolo cultural e no religioso o que, entretanto, ainda no pacificou o tema, visto a deciso do Presidente do TJ/RJ em retirar dos prdios da instituio crucifixos, alm da desativao da capela, em 2009. (LENZA, 2014)

3.4. Casamento religioso com efeito civilPara que a unio matrimonial produza todos os efeitos civis necessrio que preencha todos os requisitos determinados pela legislao civil, pouco importando a f professada pelos nubentes. (KOWALIK, 2007)Tal a determinao atual com relao instituio do casamento no Brasil. Entretanto, isso no foi de fcil aceitao para o povo quando da separao entre a Igreja e o Estado, e o reconhecimento, por parte desse, somente do casamento civil na Constituio, sendo a famlia constituda por outra forma de casamento considerada ilegtima e essa unio, concubinato.Era difcil para a populao brasileira compreender como um decreto (Decreto 5.604 de 1874) poderia retirar o valor do casamento religioso, visto a forma como se deu a formao social brasileira e a influncia da igreja catlica na formao de seus valores e do conceito de famlia. O que era agravado ainda mais com a atitude da igreja sobre o tema dizendo, na 2 Pastoral Coletiva do Episcopado Brasileiro, de 6 de janeiro de 1900, que o casamento civil no tinha valor algum perante os olhos de Deus.Essa ruptura em nome da laicizao do Estado e revelia da religiosidade do povo brasileiro e a influncia inegvel da Igreja, fez com que houvessem duas jurisdies matrimoniais: a civil e a religiosa. Postura que, segundo Miranda (2001), no deveria ser adotada pelo Estado. Segundo esse autor, no deve imposto qualquer forma de casamento civil ou religioso, a soluo seria o Estado reconhecer a unio de acordo com a religio dos nubentes e permitir o casamento civil queles que no tenham religio ou no queiram obter os efeitos religiosos da unio.Por sua vez, logo na convocao da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituio de 1934, a Igreja participa para escolha de membros e consegue uma recristianizao do Estado, no o unindo novamente Igreja, mas conseguindo instituir, por exemplo, a volta do ensino religioso nas escolas e o reconhecimento do casamento religioso.Na mesma linha das constituies pretritas, a de 1988 tambm prev os efeitos civis para os casamentos religiosos, necessitando apenas que se cumpram para isso os requisitos previstos na legislao. Dessa forma, como destaca Lenza (2014), pode-se afirmar que est garantida a liberdade religiosa nesse sentido, tendo o casamento celebrado por lder de qualquer religio ou crena o mesmo efeito civil da realizada pela igreja catlica.

3.5. Unio homoafetivaUma questo que merece destaque aqui a da unio homoafetiva. No tpico precedente viu-se a declarao do reconhecimento por parte do Estado da unio celebrada por lder de qualquer religio, pelo fato que aquele no deve dizer qual crena que seu povo deve seguir (se quiser seguir algum) quando da realizao do casamento, deve ele se restringir a reconhecer a unio de acordo com os critrios previstos na legislao para possuir efeitos civis.Por outro lado h tambm a busca por parte da populao que se declara homossexual por reconhecimento de seus direitos, sendo o direito unio matrimonial, um exemplo. Ocorre, entretanto, que existem tambm setores da sociedade que, em funo das suas convices religiosas no aceitam a unio entre pessoas do mesmo sexo, como foi evidenciado pela chamada Marcha da Famlia, realizada em 01 de julho de 2011 em Braslia (EFE, 2011), onde representantes de igrejas e parlamentares catlicos e protestantes se reuniram contra a unio civil gay e contra a criminalizao da homofobia. Deve ento o Estado agir de forma a compatibilizar o exerccio desses direitos e garantias por esses dois ramos em conflito da sociedade, haja vista que so dois princpios constitucionais, no havendo supremacia de um em relao ao outro.

3.6. Sacrifcio de animaisO sacrifcio de animais pratica usual de algumas religies, sendo que tal ato era inclusive realizado com humanos com o fim predominante de aplacar a ira dos deuses que, segundo as crenas, era extravasada atravs de calamidades. Ritos que envolvem sacrifcios podem ser vistos em religies africanas que, apesar de vistas como atrasadas perante a cultura ocidental, ofereciam sacrifcios de animais irracionais a seus antepassados e nunca de humanos como o reverenciado sacrifcio do filho de Deus para a remisso dos pecados da humanidade. Por outro lado, tambm o islamismo e o judasmo, para citar mais dois exemplos, praticam sacrifcios de animais. Naquele para lembrar o sacrifcio de Abrao no Monte Mori e no ltimo na ocasio da pscoa judaica. (CERQUEIRA, 2013)A imolao de animais , para as religies de matriz africana, imprescindvel, tendo em vista as trocas simblicas que do sentido para os adeptos dessas religies. Segundo Tadvald (2007), as imolaes realizadas nas religies afro-brasileiras, o destino mais peculiar da carne do animal consiste na alimentao, que tambm pode ser percebida como parte do ritual. Por esse motivo, a vedao a essa realizao pode configurar inclusive o constrangimento renncia da crena pelos seus adeptos o que violaria por sua vez os preceitos constitucionais de liberdade religiosa.Por outro lado, cabe saber se o sacrifcio de animais em rituais religiosos ou no crime ambiental. Fiorillo (1999) argumenta que um dos aspectos da cultura de um povo o prprio meio ambiente que compe a identidade colaborando na formao dos grupos sociais atravs dos seus bens materiais e imateriais, sendo a fauna utilizada para a preservao e exerccio da cultura de um povo, onde so exemplos os rodeios, farra do boi e o sacrifcio no candombl. Para o mesmo autor incoerente achar crueldade o sacrifcio de animais em ritos religiosos quando 200 mil frangos so abatidos diariamente no Brasil.O art. 32 da lei 9.605/98 dispe:Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domsticos ou domesticados, nativos ou exticos:Pena - deteno, de trs meses a um ano, e multa. 1 Incorre nas mesmas penas quem realiza experincia dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didticos ou cientficos, quando existirem recursos alternativos. 2 A pena aumentada de um sexto a um tero, se ocorre morte do animal.Da leitura do dispositivo em questo no possvel exceo a tal regra, enquadrando-se, por conseguinte, o sacrifcio de animais na conduta prevista. Entretanto, ocorre uma relativizao dessa previso para compatibilizao da liberdade de religio postulada pela constituio. (RACHEL, 2012)

3.7. Imunidade tributriaO art. 150, VI, b, estabelece a vedao Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios de instituir impostos sobre templos de qualquer culto, chamada de Imunidade Religiosa, visando impedir que o Estado por ventura queira, atravs da instituio de impostos, restringir ou impedir o funcionamento de cultos ou religio.O STF j teve oportunidade de analisar o assunto e decidiu conforme exposto a seguir.Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINRIO COM AGRAVO. TRIBUTRIO. IMUNIDADE TRIBUTRIA. IPTU. ENTIDADE ASSISTENCIAL. IMVEL VAGO. IRRELEVNCIA. JURISPRUDNCIA DO STF. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINRIO COM AGRAVO DESPROVIDO. 1. A imunidade tributria prevista no art. 150, VI, c, da CF alcana todos os bens das entidades assistenciais de que cuida o referido dispositivo constitucional. 2. Deveras, o acrdo recorrido decidiu em conformidade com o entendimento firmado por esta Suprema Corte, no sentido de se conferir a mxima efetividade ao art. 150, VI, b e c, da CF, revogando a concesso da imunidade tributria ali prevista somente quando h provas de que a utilizao dos bens imveis abrangidos pela imunidade tributria so estranhas quelas consideradas essenciais para as suas finalidades. Precedentes: RE 325.822, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.05.2004 e AI 447.855, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJ de 6.10.06. 3. In casu, o acrdo recorrido assentou: Ao declaratria de inexistncia de relao jurdica. Sentena de improcedncia. Alegada nulidade por falta de intimao/interveno do Ministrio Pblico. Ausncia de interesse pblico. Art. 82, III, CPC. IPTU. Imunidade. Deciso administrativa. Entidade de carter religioso. Reconhecimento da imunidade, com desonerao do IPTU/2009. O imposto predial do exerccio anterior (2008), no entanto, continuou a ser cobrado pela Municipalidade, por considerar estarem vagos os lotes na poca do fato gerador (janeiro/2008). Comprovao da destinao dos imveis para os fins essenciais da igreja construo de seu primeiro templo. Inteligncia do art. 150, VI e 4, da CF. D-se provimento ao recurso. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF - ARE: 658080 SP , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13/12/2011, Primeira Turma, Data de Publicao: ACRDO ELETRNICO DJe-033 DIVULG 14-02-2012 PUBLIC 15-02-2012)Ficando assente que a imunidade vlida no apenas para o templo ou prdio onde se realizam os cultos, mas tambm para todo o patrimnio, renda e servios relacionados entidade religiosa, ou seja, estende-se a tudo o que for necessrio ao exerccio do culto.

4. ESCUSA DE CONSCINCIAO direito de recusar o cumprimento de imposies que contrariem convices filosficas ou religiosas, chamado de escusa de conscincia, de onde decorre a liberdade de conscincia, religiosa ou de convico filosfica. (SILVA, 2005)Entretanto, embora a constituio reconhea o direito a essa recusa, ela, como os demais princpios no so absolutos. Tanto que h a sua possibilidade, caso que ento a lei estabelecer prestao alternativa compatvel com as convices do indivduo. Recusando-se ao cumprimento de prestao alternativa, ficar ento sujeito s penalidades definidas em lei.

4.1. O servio militar obrigatrio e de jriA mais comum escusa de conscincia relaciona-se prestao de servio militar obrigatrio, que, em tempos de paz, poder ser substituda por servios alternativos, estabelecidos pelas Foras Armadas, para aqueles que, aps o alistamento, alegarem imperativo de conscincia para se eximirem da prestao de servios estritamente militares, de acordo com a Lei 8.239/91.O servio de jri tambm obrigatrio, como estabelecido pelo art. 436 do Cdigo de Processo Penal (CPP), ficando permitida a sua recusa desde se preste servio alternativo a ser fixado pelo juiz, conforme prev o art. 438 do mesmo CPP.Esses dois servios so muitas vezes alvos de recusa por parte das testemunhas de Jeov que alegam que servir ptria, saudar a bandeira e outros deveres patriticos, so formas idolatria o que vai contra as suas convices religiosas.

4.2. A transfuso de sangue nas testemunhas de JeovComo j dito anteriormente, os princpios so diretrizes para interpretaes das normas constitucionais estando, por isso, hierarquicamente equiparados, no havendo princpio absoluto. Quando da ocorrncia de conflito entre princpio deve ser feita a relativizao do alcance dos seus efeitos mesmos de acordo com o caso concreto de forma a assegurar a convivncia harmnica entre as liberdades.Isso o que feito com relao liberdade de crena e o direito vida, princpios que entram em conflito quando se avalia o caso de transfuso de sangue nas testemunhas de Jeov. por esse motivo que, diz Lenza (2014), um mdico no deve ser condenado por crime de constrangimento ilegal quando decide por efetivar transfuso de sangue, em testemunha de Jeov, diante de urgncia, perigo iminente ou paciente menor de idade, sopesando os interesses, visto a Constituio Brasileira no amparar atos contrrios vida.No entanto, isso no quer dizer que o indivduo no pode se recusar a determinado tratamento mdico de acordo com as suas convices. Ele ainda poder fazer isso desde que haja manifestao expressa sua antes de iniciado o tratamento. Tal recusa no tem validade se for realizada por representante legal, devendo ser ela absolutamente inequvoca e livre, no bastando a comprovao de que o indivduo era adepto de determinada crena, vez que isso no significa que aprovasse todos os seus dogmas, como quando um catlico fervoroso ainda assim faz uso de mtodos anticoncepcionais, da mesma forma como algum que seja testemunha de Jeov pode no estar disposto a correr risco de vida por sua religio. (TERAOKA, 2010)Esse o entendimento tambm relacionado manifestao de crena religiosa de criana ou adolescente, tutelado pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), aprovado pela lei n 8.069/90, que dispe que a crena religiosa do menor deve ser respeitada, ainda que em confronto com a vontade dos pais. Reforando o fato de que caso haja manifestao de vontade inequvoca e livre do menor, essa deve ser respeitada no caso de tratamento mdico. (RACHEL, 2012)

4.3. CurandeirismoEsse outro fato que merece anlise da legislao para que no haja bice ao exerccio da liberdade religiosa, uma vez que o art. 284 do Cdigo Penal define o curandeirismo como crime passvel de pena de deteno de seis meses a dois anos.H, entretanto, que se notar a diferena entre curandeirismo e charlatanismo. Sendo que este, segundo Bitencourt (2012), era originalmente utilizado para designar pessoas que apregoavam com profuso e exageros em feiras ou vias pblicas as virtudes de seus produtos, estando entre eles substncias ditas com efeitos curativos milagrosos. Semelhante ento tal conceito ao de curandeirismo, estando aquele, no entanto, relacionado a pessoas que tm conscincia da ineficcia dos produtos por eles ofertados.No caso do curandeirismo, a pessoa que o aplica cr de fato que os procedimentos adotados vo trazer melhoras para a condio do receptor. O que o ordenamento jurdico, atravs do disposto no cdigo penal, visa coibir o agravamento da condio de um enfermo pela demora em iniciar um tratamento mdico em virtude de estar sendo utilizado um tratamento alternativo, no se enquadrando neste caso o tratamento realizado por pessoa (aquela que trata o paciente) ligada a uma religio e usando os procedimentos dessa, devendo estar dentro de um contexto individual de razoabilidade, como diz Lenza (2014).

5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICASBRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988. Disponvel em: . Acesso em: 30 de mar. de 2015.BRASIL. Decreto N 5.604, de 25 de maro de 1874. Manda observar o Regulamento desta data para execuo do art. 2 da Lei n 1829 de 9 de Setembro de 1870, na parte em que estabelece o registro civil dos nascimentos, casamentos e obitos. Disponvel em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-5604-25-marco-1874-550211-publicacaooriginal-65873-pe.html >. Acesso em: 05 de abr. de 2015.BRASIL. Lei No6.802, DE 30 de junho 1980. Declara Feriado Nacional o Dia 12 de outubro, Consagrado a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 04 de abril de 2015.BRASIL. Lei N 8.239, de 4 de outubro de 1991. Regulamenta o art. 143, 1 e 2 da Constituio Federal, que dispem sobre a prestao de Servio Alternativo ao Servio Militar Obrigatrio. Disponvel em: . Acesso em: 06 abr. 2015.BRASIL. Lei N 9.605, de 12 de fevereiro 1998. Dispe sobre as sanes penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 06 abr. 2015.BITENCOURT, Cezar Roberto.Tratado de Direito Penal.Parte especial, volume 4. So Paulo, SP: Editora Saraiva, 6 Edio, 2012.BRODBECK, Rafael Vitola.Apreciao da constitucionalidade dos feriados religiosos catlicos em face do princpio do Estado laico na Carta Poltica do Brasil.Revista Jus Navigandi, Teresina,ano 9,n. 462,12out.2004. Disponvel em:. Acesso em:4 abr. 2015. CAPUTO, Stela Guedes. Educao em terreiros e como a escola se relaciona com crianas que praticam candombl. Rio de Janeiro. FAPERJ. 2012. CERQUEIRA, Miguel dos Santos. A efetividade de um Direito fundamental. 2013. Disponvel em: < http://www.defensoria.se.gov.br/?p=2891 >. Acesso em: 06 abr. 2015.EFE. Marcha da Famlia rene 50 mil em Braslia. 2011. Disponvel em: < http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/06/marcha-da-familia-reune-50-mil-religiosos-em-brasilia.html>. Acesso em: 06 de abr. 2015.FIORILLO, Celso Antonio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha.Manual de Direito Ambiental e Legislao Aplicvel. 2 ed., So Paulo: Max Limonad, 1999.KOWALIK, Adam. Efeito civil do casamento religioso no Brasil ontem e hoje. In:mbito Jurdico, Rio Grande, X, n. 41, maio 2007. Disponvel em: . Acesso em: 05 abr 2015.LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16 ed. rev., atual. e ampl. So Paulo. Saraiva. 2012.TADVALD, Marcelo. Direito Litrgico, Direito Legal: a polmica em torno do sacrifcio ritual de animais nas religies afro-gachas, Revista Caminhos, Goinia, v. 5, n. 1, p. 129-147, jan./jun. 2007MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito de Famlia, Campinas, 2001, p. 94.MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30 ed. So Paulo. Atlas. 2014.OLIVEIRA, Fbio Dantas de.Liberdade religiosa no ordenamento jurdico brasileiro.Revista Jus Navigandi, Teresina,ano 16,n. 2966,15ago.2011. Disponvel em:. Acesso em:1 abr. 2015.RACHEL, Andrea Russar.Laicidade, liberdade religiosa e questes polmicas.Revista Jus Navigandi, Teresina,ano 17,n. 3300,14jul.2012. Disponvel em:. Acesso em:6 abr. 2015.RIBEIRO, Roberto Victor Pereira. Liberdade religiosa. Revista Viso Jurdica. 83 ed. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 04 abr. 2015.SALLA, Fernanda. Ensino Religioso e escola pblica: uma relao delicada. Revista Nova Escola. 262 ed., maio 2013.SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. Malheiros Editores Ltda. 2005.STF. Ensino religioso nas escolas pblicas questionado em ADI. Disponvel em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=157373>. Acesso em 04 abr. 2015. TERAOKA, Thiago Massao Cortizo.A Liberdade Religiosa no Direito Constitucional Brasileiro. So Paulo, 2010. 282f. Tese de doutorado em Direito. Faculdade de Direito, Universidade de So Paulo, pp. 163-165. 2010. Disponvel em: < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-21062011-095023/publico/liberdade_religiosa_versao_parcial_ou_simplificada.pdf>. Acesso em: 06 de abr. 2015.CUIAB MTABRIL/2015