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LIBERDADE DE IMPRENSA EM PORTUGAL: OS PRIMEIROS QUINZE ANOS. Marissol Barbosa de Souza Pinheiro. Doutoranda em Ciências Histórico-Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Introdução: Após o Tratado de Tilsit de julho de 1807, Napoleão começava a pensar na conquista da Península Ibérica. Com o Tratado de Fontainebleau em outubro de 1807, estava tratada a repartição do território português entre a França e a Espanha. Este era o cenário quando em 1807 Portugal era ameaçado pela invasão napoleônica. Pela primeira e única vez na História um reino europeu transferiu sua capital para as Américas, mais especificamente para o Rio de Janeiro, capital do Brasil. A mando de Napoleão, O General Junot comanda a primeira invasão a Portugal, mas já não encontra qualquer integrante da família real ou da nobreza. Todos partiram em 27/11/1807. A Inglaterra tinha assegurado a escolta da família real portuguesa para o Brasil e o domínio incontestável do Atlântico Sul. Portugal e Inglaterra mantinham relações diplomáticas amistosas desde antes do Tratado de Windsor. A primeira invasão francesa e única a abranger todo o território, visava afastar Portugal da “influência maligna” inglesa. Na verdade, o objetivo era retirar Portugal da área política e comercial da Inglaterra (TENGARRINHA, 2010, p. 9), verdadeiro e único motivo para as outras duas invasões francesas que se seguiriam, ocupações militares menores, em março de 1809 comandada pelo General Soult e outra em junho de 1810 pelo Marechal Massena. Em 1808 houve alguma resistência, os invasores tinham saqueado o país. O quadro apresentava alguns traços dominantes: o trono estava sempre vazio, os símbolos do reino e da casa real tinham desaparecido, a demissão do governo nomeado pelo príncipe, a extinção do exército português, a incapacidade dos invasores para promover a legitimação do seu governo, a falta de unidade do comando militar ocupante, a desorganização a fragmentação da nação e a inviabilidade de uma alternativa política portuguesa (TENGARRINHA, 2010, p. 14). O exército português tinha sido reconstituído

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LIBERDADE DE IMPRENSA EM PORTUGAL: OS PRIMEIROS QUINZE

ANOS.

Marissol Barbosa de Souza Pinheiro.

Doutoranda em Ciências Histórico-Jurídicas

pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Introdução:

Após o Tratado de Tilsit de julho de 1807, Napoleão começava a pensar na

conquista da Península Ibérica. Com o Tratado de Fontainebleau em outubro de 1807,

estava tratada a repartição do território português entre a França e a Espanha. Este era o

cenário quando em 1807 Portugal era ameaçado pela invasão napoleônica. Pela primeira

e única vez na História um reino europeu transferiu sua capital para as Américas, mais

especificamente para o Rio de Janeiro, capital do Brasil. A mando de Napoleão, O

General Junot comanda a primeira invasão a Portugal, mas já não encontra qualquer

integrante da família real ou da nobreza. Todos partiram em 27/11/1807.

A Inglaterra tinha assegurado a escolta da família real portuguesa para o Brasil e

o domínio incontestável do Atlântico Sul. Portugal e Inglaterra mantinham relações

diplomáticas amistosas desde antes do Tratado de Windsor.

A primeira invasão francesa e única a abranger todo o território, visava afastar

Portugal da “influência maligna” inglesa. Na verdade, o objetivo era retirar Portugal da

área política e comercial da Inglaterra (TENGARRINHA, 2010, p. 9), verdadeiro e único

motivo para as outras duas invasões francesas que se seguiriam, ocupações militares

menores, em março de 1809 comandada pelo General Soult e outra em junho de 1810

pelo Marechal Massena.

Em 1808 houve alguma resistência, os invasores tinham saqueado o país. O

quadro apresentava alguns traços dominantes: o trono estava sempre vazio, os símbolos

do reino e da casa real tinham desaparecido, a demissão do governo nomeado pelo

príncipe, a extinção do exército português, a incapacidade dos invasores para promover a

legitimação do seu governo, a falta de unidade do comando militar ocupante, a

desorganização a fragmentação da nação e a inviabilidade de uma alternativa política

portuguesa (TENGARRINHA, 2010, p. 14). O exército português tinha sido reconstituído

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ainda neste ano, integrado no exército inglês. No ano seguinte a presença inglesa tratava

Portugal como um campo de batalha e já os portugueses os comparavam aos invasores

franceses.

Nesse período entre 1808 e 1814 é registrado um aumento muito significativo da

imprensa, com registro de cerca de 2000 panfletos e 25 periódicos. Também é o primeiro

momento de alguma liberdade para a imprensa no país, um despertar de interesse pelos

assuntos públicos. Um sentimento de patriotismo emergiu durante a guerra e começaram

a ser vistos agrupamentos para discussões do que era publicado (RAMOS, 2012, p. 450).

O primeiro jornal diário português, o Diário Lisbonense é publicado em 01/05/1808, era

vendido por 20 réis, de conteúdo informativo e literário, como as notícias dos confrontos

na Europa e até notícias do Brasil (TENGARRINHA, 1965, p. 165).

Não era ainda uma liberdade de imprensa efetiva, e sim a criação de um

mecanismo controlado pelo governo e voltado para a formação da opinião pública em

consonância com os interesses sugeridos. Nesse sentido, apareciam os jornais satíricos

antifranceses, como O Lagarde Português e a Gazeta para depois do jantar

(TENGARRINHA, 1965, p. 162). Do lado dos invasores, a intensa propaganda visava o

apoio dos intelectuais e da população. Utilizaram para estes fins a Gazeta de Lisboa na

primeira invasão e o Diário do Porto na segunda. Todavia, há de se ter em conta que pelo

preço dos jornais a sua influência era limitada, logo, os invasores promoviam a publicação

de inúmeros panfletos espalhados por todo o lado (TENGARRINHA, 1965, p. 176).

A ordem de abertura dos portos do Brasil em 1808 entre outros fatores prejudica

o comércio externo português e a partir do Tratado de 1810 com a Inglaterra, Portugal

fica cada vez mais dependente. Os negócios feitos entre o Rio de Janeiro e Lisboa

passavam necessariamente por Londres, como centro mundial de negócios no qual havia

a maior confluência de informações. Neste cenário exsurge Londres como o grande centro

da imprensa em língua portuguesa. Os três principais periódicos deste jornalismo em

questões de qualidade e influência foram O Correio Brasiliense, o Português e o Campeão

Português (TENGARRINHA, 1965, p. 188). Ganham notoriedade em razão das

perseguições que sofrem tanto em Portugal quanto no Brasil, dado o seu conteúdo crítico

ao governo português e a difusão de ideias liberais.

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Em 1810 são fundados apenas dois periódicos portugueses. Pelos fins de março

de 1811 quando da retirada completa das tropas francesas eram raros os jornais noticiosos

e as ideias liberais apareciam como solução para a crise instaurada. Entre 1811 e setembro

1820 foram fundados 32 periódicos, com grandes oscilações de números ano a ano em

razão das instabilidades constantes do período. O debate acerca da função social dos

jornais ganha vulto, como importante veículo destinado a propagação da cultura para fins

de progresso social (TENGARRINHA, 1965, p. 224).

Enquanto isso, a família real no Brasil era pressionada pela Inglaterra para

regressar a Lisboa e adota a estratégia de transformar o Brasil numa potência, no

equivalente aos Estados Unidos. Em 16/12/1815 o Rei funda o Reino Unido de Portugal,

do Brasil e Algarves, com igualdade entre os três Reinos. A pretensão, contudo, deixa o

Brasil com a economia extremamente vinculada a Grã-Bretanha (LABOURDETTE,

2008, p. 490).

Em Lisboa, um inconformismo com a situação, a bem da verdade, nenhum

português aceitava que Portugal corporificado numa monarquia dualista funcionasse à

sombra do Brasil. Beresford foi ao Brasil para tentar convencer o Rei a voltar, sem

sucesso, sob o argumento do Monarca que sua permanência decorria da necessidade de

preservar o Reino Unido instituído. A crise econômica e política era grave em 1816. O

ano seguinte seria ainda pior, de colheitas ruins, a miséria fora agravada

(LABOURDETTE, 2008, p. 491). Era imprescindível o retorno da família real.

Em 1817, dois Magistrados, Manuel Fernandes Tomás e José da Silva Carvalho,

os futuros protagonistas da tentativa de constitucionalizar a Monarquia Portuguesa,

conversavam sobre a Revolução acontecida em Espanha e o rumo similar que Portugal

tomava. Entenderam que deviam formar um partido que orientasse a revolução para a

regeneração da pátria. No ano seguinte formaram uma sociedade secreta chamada

Sinédrio, com o apoio de chefes militares influentes.

Em 24 de agosto de 1820 os regimentos do Porto e inúmeros populares em uma

missa seguida da fala dos chefes militares no sentido de convocação das Cortes para a

elaboração de uma Constituição (RAMOS, 2012, p. 455).

A Revolução Liberal é basicamente motivada por duas situações: um forte

nacionalismo que se insurge contra a ocupação britânica em Portugal e a ausência da

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Corte portuguesa que se encontrava no Brasil (BOTELHO, 2013, p. 4). Estas motivações

eram ideias gerais, corroboradas por todos.

Formou-se uma junta provisória do Governo Supremo do Reino no Porto. Quando

a notícia chega a Lisboa a regência vigente tenta coibir a revolta, sem sucesso. Tanto a

população quanto os militares apoiavam a revolução. Em 15 de setembro de 1820 é criada

junta provisória de governo também em Lisboa. Por fim o diálogo entre as juntas e a

regência prevaleceu, e foi decidida a criação de dois órgãos: a Junta Provisória do

Governo Supremo do Reino que ficaria responsável pela Administração de Portugal de

forma interina e a Junta Provisória preparatória das Cortes, responsável pela formação de

uma Assembleia Constituinte (LABOURDETTE, 2008, p. 494).

O surgimento da liberdade de imprensa em Portugal

Primeira referência portuguesa a liberdade de imprensa é encontrada em leis do

Século XVII, mas só com o constitucionalismo que há o reconhecimento da liberdade de

imprensa, cuja efetividade só pode ser averiguada após a Lei de 1975.

Desde o dia 30 de agosto de 1820 era comum a divulgação de pasquins e outros

documentos favoráveis a Revolução Liberal. Publicavam no país à época apenas a Gazeta

de Lisboa, o Jornal de Coimbra e o Jornal Enciclopédico de Lisboa (TENGARRINHA,

2013, p. 318). O primeiro jornal que surge após a Revolução é o Diário Nacional, a 26 de

agosto como órgão não oficial da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino no

Porto. Em Lisboa surge em 15/09, com as mesmas funções, o Diário do Governo

(TENGARRINHA, 2013, p. 335).

Assim que o regime liberal é implantado, eclode o movimento jornalístico, que

alcança maior público e passa a influenciar as camadas urbanas que eram mais

politizadas. A imprensa vintista podia ser retratada como a luta absolutismo versus

constitucionalismo (TENGARRINHA, 2013, p. 114).

Mesmo na incipiente ordem liberal, logo o governo entendeu que era necessário

precaver para que os abusos não virassem um instrumento contra a ordem constitucional.

Limitar era preciso. Em 11/11/1820 são publicadas as instruções dirigidas aos periódicos,

de forma que nenhum poderia ser veiculado sem que o censor tivesse visto e rubricado

cada folha, cuja comprovação seria no final a frase com licença da comissão de censura

(TENGARRINHA, 2013, p. 350). Assim, em 06/12/1820 foi exarada portaria que

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responsabilizava os editores de periódicos e outros papéis pelos ataques e insultos a

pessoas particulares quando em seus periódicos inserirem cartas, notas ou comunicações

anônimas (TENGARRINHA, 2013, p. 348).

Num primeiro momento, de importância vultuosa, não podemos esquecer nos

afastar do contexto dos anos de 1820. A implantação do liberalismo em Portugal é um

processo lento e difícil, tendo em vista a resistência dos absolutistas e as próprias

variações dentro dos ideólogos liberais. A Revolução de 1820 lança as sementes do

liberalismo na sociedade portuguesa. E nesse sentido, não há como falar do liberalismo

em Portugal sem mencionar sua História constitucional do país. Resultado da Revolução

Liberal no Porto de 1820, emerge o movimento constitucional português, que representou

a ruptura com o absolutismo monárquico anterior.

A Constituição Vintista de 1822, a primeira de Portugal. As principais fontes

inspiradoras da Constituição vintista foram a Constituição espanhola de Cádis (1812) e

as Constituições francesas de 1791 e de 1795. O procedimento constituinte foi o

democrático indireto, mediante uma Assembleia Constituinte soberana, denominada

como as Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes. A Constituição elaborada pelas

Cortes foi entregue para aceitação e juramento do monarca (BOTELHO, 2013, p. 232).

A vitória do ideal liberal transparece na inclusão da tríade do liberalismo já no art.

1.º: o objetivo maior de assegurar a liberdade, segurança, e propriedade de todos os

Portugueses. O rompimento com o antigo regime pode ser percebido no art. 26.º daquela

Constituição que consagrou a soberania nacional, retirando-a do monarca. Outra alteração

profunda no sistema diz respeito a alteração do conceito de legislação que deixa de ser a

vontade do monarca soberano para ser a expressão da vontade geral, na forma do

preâmbulo que propõe como finalidade a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos,

o estabelecimento, a organização e a limitação dos poderes políticos do Estado. Apesar

da Constituição trazer tais inovações, algumas relações do Antigo Regime subsistiram,

como a não separação entre a Igreja e o Estado na forma do art. 17.º.

Especificamente quanto a liberdade de imprensa, as discussões no primeiro

parlamento português foram acaloradas e foram defendidos os mais diversos

posicionamentos: a favor da liberdade de imprensa plena, a favor da censura prévia por

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razões políticas e religiosas e ainda uma possível conciliação, que também pugnava pela

censura prévia somente em matéria religiosa (GRAES, 2017, p. 141).

Já no primeiro debate na Sessão de 13/02/1821 destaque para a opinião de Castelo

Branco: se o indivíduo deseja realizar qualquer ação ele não procura um Magistrado para

pedir autorização, ele apenas fica responsabilizado pelos possíveis danos decorrentes. Por

que com a liberdade de pensar ou escrever seria diferente? (DIAS, 1978, p. 72). Quanto

a liberdade de imprensa e sua relação com o dogma religioso, pergunta: “Quem importa

que a força me constranja a mostrar-me aparentemente religioso se eu não o sou na minha

consciência?” (DIAS, 1978, p. 73).

Na mesma Sessão aduziu o Senhor Barreto Feio que apenas clamavam contra a

liberdade de imprensa aqueles que tinham interesse em manter o povo ignorante e

oprimido: Ministros de Estado, Magistrados e demais funcionários públicos (DIAS, 1978,

p. 87).

Outra questão que relevava era do estabelecimento do júri, ao passo que a

liberdade de imprensa podia ser convertida em plena censura na hipótese de ficar a cargo

de juízes (ALMEIDA, 2012, p. 1185).

Fora dos debates ilustrados, neste mesmo ano de 1821 os adeptos do absolutismo

vencido logo perceberam que na imprensa encontrariam os seus piores adversários. José

Agostinho de Macedo já chamava a imprensa crescente de “peste amarela dos negros

periodiqueiros” (TENGARRINHA, 2013, p. 318).

A 4 de julho de 1821 é promulgada a primeira lei de liberdade de imprensa, sem

qualquer censura prévia. A lei era ambiciosa e no seu primeiro artigo já assegurava a

qualquer pessoa imprimir, publicar, comprar e vender nos Estados Portugueses quaisquer

livros ou escritos sem censura prévia. Dez dias depois o Decreto de 14 de julho de 1821

cria o Tribunal Especial da Proteção da Liberdade de Imprensa, que seria previsto

replicado no art. 189º da Constituição de 1822. Um tribunal especial para coibir delitos

que dela podiam resultar com função de proteção da liberdade de imprensa (GRAES,

2017, p. 142).

No ano seguinte a Constituição de 23/09/1822 faz o mesmo, contudo ressalva os

abusos de liberdade no art. 8.º, suscetíveis de cometimento quando os textos envolvessem

religião, ou fossem contra o Estado, contra os bons costumes e contra os particulares.

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Nestas hipóteses estariam configurados os abusos, sujeitos a pena de multa e prisão

(GRAES, 2017, p. 144). A previsão constitucional afirmava os dois alicerces liberais da

liberdade de imprensa: os jurados em primeira instância e o tribunal eleito pelas Cortes

em seguida (TENGARRINHA, 2013, p. 330).

A partir de então, Portugal fez previsão da liberdade de imprensa em todas as

constituições ou cartas constitucionais do século XIX. Espanha e Brasil assim também

fizeram. Obviamente que a garantia constitucional não significava liberdade efetiva na

prática (MESQUITA, 2006, p.131).

Durante todo o ano de 1822 o descrédito liberal era crescente e prova disto era a

popularidade de jornais como o Astro da Lusitânia, crítico ferrenho do governo

(TENGARRINHA, 2013, p. 342). Corroborando com isto, o relatório do secretário de

Estado da Justiça endereçado às Cortes em 02/12/1822 que identificava como um dos

principais motivos da instabilidade política o abuso da liberdade de imprensa,

principalmente por conta dos perigosos liberais exaltados, como o próprio Astro da

Lusitânia (TENGARRINHA, 2013, p. 354).

Registramos a sessão histórica para o Tribunal Superior de Proteção da Liberdade

de Imprensa de 28 de fevereiro de 1822 que, em cumprimento da ordem da Secretaria de

Estado dos Negócios da Justiça. Acerca do pedido de Almeida Garret para que processo

no qual era Réu em Beira por conta do poema Retrato de Vênus fosse transferido para

Lisboa. A 4 de outubro Garret foi julgado em Lisboa, atuando em defesa própria e com

absolvição. A sentença em causa teria mesmo referido que o impresso contendo o poema

não tinha cometido qualquer abuso da liberdade de imprensa. Todavia, após a Vila

Francada o poema voltaria a ser censurado sob pena de excomunhão ditada pelo cardeal

patriarca D. Carlos da Cunha. A vida do Tribunal foi efêmera, a sua última sessão seria a

14/03/1824, e seu contributo foi pouco relevante ou talvez inexistente para os anos

posteriores de discussão acerca do assunto (GRAES, 2017, p. 154).

A propósito da menção esclarecemos que em 23/02/1823 ocorre a revolta do

Conde Amarante em simultâneo com a Vila Francada do Infante D. Miguel, revoltas

motivadas pela insatisfação com o modelo vintista, causadoras de grande instabilidade

política. A sensação era de falhanço dos liberais, tendo em vista o descontentamento com

a independência do Brasil em 1822. Um dos objetivos da revolução liberal era restituir o

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Brasil à dependência de Lisboa e já lá iam dois anos (FRANCO, 1993, p. 21). A Vila

Francada era dirigida principalmente contra a Constituição de 1822 que limitava os

poderes da Coroa, atentado aos fundamentos tradicionais da sociedade.

Como resultado, D. João VI revoga em 03/06/1823, a Constituição vintista, bem

como a Lei de Imprensa de 1821, com restituição imediata do sistema de censura prévia.

Na sequência, várias foram as medidas para cercear a liberdade de imprensa. Foi o marco

final do primeiro grande crescimento da imprensa periódica portuguesa: entre o

pronunciamento da Revolução Liberal em 24/08/1820 e este fatídico dia 03/06/1823

foram criados 112 jornais (TENGARRINHA, 2013, p. 320).

O Decreto de 12/06/1823 formalizou a restauração do sistema de censura prévia a

todos os escritos, dados os grandes males que a liberdade tinha permitido. Constituiu-se

por lei de 14/06/1823 a Comissão de Censura, formada por 5 membros em Lisboa e a

previsão de outras comissões de três membros em todas as terras nas quais tivessem

tipografias. O Ministro da Justiça ordena intimação neste mesmo dia a todos os

impressores de Lisboa (TENGARRINHA, 2013, p. 392).

A 13 de novembro do mesmo ano, novo decreto proibiu a assinatura e circulação

dos periódicos estrangeiros que eram considerados subversivos. Em 6/03/1824 a

liberdade de imprensa é revogada por um decreto que atribuiu novamente funções

censórias ao Desembargo do Paço e ao Ordinário, com o retorno da exigência de licença

prévia para a impressão de escritos a partir de três folhas, enquanto não fosse criado um

conselho de censores, na forma do §6º do Alvará de 30 de Julho de 1795 (GRAES, 2017,

p. 138).

Com o falecimento de D. João VI a 10/03/1826, D. Pedro IV ou D. Pedro I do

Brasil, outorgou a Portugal a 29/04/1826 uma Carta Constitucional e na sequência

abdicou da coroa de Portugal em favor de sua filha de 6 anos, D. Maria da Glória. A Carta

Constitucional não pode ser entendida exatamente como uma constituição, ao passo que

é concebida de forma autoritária pelo próprio Monarca em autolimitação do poder real,

numa concessão aos súditos da limitação dos seus poderes. Diferença óbvia com as

efetivas Constituições que são elaboradas pelo povo ou seus representares para limitar o

poder do Estado (BOTELHO, 2013, p. 236).

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Assim, a Carta Constitucional de 1826 foi decretada, dada pelo Rei e ordenado

seu juramento pelas três ordens do Estado. Este ritual foi feito para afirmar o poder

constituinte originário deslocado para o Rei. A Carta reconhecia 4 poderes: legislativo,

executivo, judicial e moderador (privativo do Rei – Chefe supremo da Nação), com alusão

a Ideia de Harmonia entre os poderes solidária ao poder moderador, tal e qual a lição de

Benjamin Constant (MESQUITA, 2006, p. 123). Outras influências na Carta

Constitucional de 1826 foram a Carta brasileira de 1824 e a Carta francesa de 1814

(BOTELHO, 2013, p. 235).

Francamente destinada a reforçar a autoridade real, dispôs a Monarquia como

elemento essencial para o sistema constitucional. Deu-lhe liberdade para a escolha dos

ministros e poder de intervenção no legislativo, visto que era responsável pela nomeação

dos Pares do Reino, vitalícios, hereditários e sem número total fixo. Esta Câmara dos

Pares é criada para balancear elementos de democracia e aristocracia, para servir de

intermediária entre o Rei e os representantes eleitos da Câmara dos Deputados (art. 34.º),

tendo em vista o bicamaralismo. Garantiu também a Monarquia o poder de dissolução

das Cortes e veto absoluto dos diplomas destas mesmas Cortes (MESQUITA, 2006, p.

120).

A carta teve uma vigência longa, de quase sete décadas, consideradas algumas

interrupções, provavelmente por ter certo tom de conciliação entre a ideia de soberania

nacional, defendida pela esquerda liberal, e a intenção de fortalecer os poderes reais,

posição assumida pela direita absolutista e pela direita liberal conservadora (BOTELHO,

2013, p. 235).

A trinca “liberdade, segurança e propriedade” foi disposta no extenso e último

artigo 145.º numa tentativa de desmerecê-la, antagonismo a Constituição de 1822.

Também neste último artigo, o §3.º e a previsão da liberdade de imprensa, com

afastamento da censura e responsabilização no caso de abusos com regulamentação

posterior. Instituído novamente júri e processo específico para a apreciação dos abusos

resultantes (GRAES, 2017, p. 145).

Neste período o confronto político na imprensa girava em torno dos

constitucionalistas e realistas, cuja questão central era a legitimidade dos direitos dados a

coroa e o testamento aberto de D. João VI que mencionava apenas o legítimo herdeiro.

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Realistas estavam a favor de D. Miguel. Ainda em 1826 verificamos o surgimento do

primeiro jornal popular de sucesso, o Periódico dos Pobres de Lisboa, vendido a dez réis,

publicado até 1846 e que chegou a ter cinco mil assinantes. O jornal podia ser considerado

efetivamente um jornal político-noticioso popular em razão do preço muito mais baixo

do que os praticados pelos jornais mais elitistas que custavam 60 réis no mínimo. A

postura era de defesa da Carta Constitucional (SOUSA, 2008, p. 23).

Vigorava até então a legislação restabelecida pela Vila Francada, o Decreto de

06/03/1824 que repristinava a Carta de Lei de 17/12 de 1794 e um alvará de 1795. E em

18/08/1826 novo decreto criou a já referida comissão de censura com 12 membros, com

cada censor responsável por um ou mais periódicos, enquanto o Desembargo do Paço se

ocupava da censura literária. A nomeação de determinados censores para determinados

jornais, a fim de extingui-los e a falta de censores suficientes fazia com que os jornais

ficassem longo tempo sem publicação (TENGARRINHA, 2013, p. 406).

Apesar do sistema de censura criado e em funcionamento, houve certo incremento

no número da publicação de periódicos, cerca de 20 apenas no mês de setembro deste ano

de 1826 (CARDOSO; CARDOSO; FIGUEIREDO, 2005, p. 20). No mês seguinte, a

30/10/1826, o lançamento do Portuguez por Almeida Garret, Paulo Midosi e João A. dos

Santos, cuja missão era explícita de defender o sistema constitucional, imparcial e sem

partido, com objetivos francamente liberais, principalmente na consolidação reta e legal

das públicas liberdades, entre elas a liberdade de imprensa e de expressão (MESQUITA,

2006, p.125).

A falta de pessoal e até mesmo o medo dos censores com o presente incerto fez o

funcionamento desse sistema oscilar e a instabilidade obviamente influenciou. O governo

emitiu instruções para a censura priorizar a ordem constitucional entre agosto de 1826 e

janeiro de 1827 (TENGARRINHA, 2013, p. 412).

A crise no sistema persistia e a infanta Regente Isabel Maria demitiu censores que

não atentaram para o escrito “Apologias da anarquia”. Em agosto do mesmo ano, o

Portuguez é suspenso sob a alegação de que publicara doutrinas contra a conservação do

sossego público. O jornal ressurge em 14 de setembro, mas alguns dias depois os

redatores e entre eles Almeida Garret são presos na cadeia do Limoeiro, por terem

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incitado tumultos na cidade de Lisboa com seus escritos de 24, 25 e 26 de julho. A prisão

de Garret se estende por três meses1.

Após estes primeiros meses de 1827 o número de jornais criados diminuiu. A

influência dos adeptos do absolutismo ressurge e são criados 7 periódicos absolutistas,

com opiniões mais explícitas (TENGARRINHA, 2013, p. 416).

Neste mesmo ano, D. Miguel celebra esponsais com a sua sobrinha e filha de D.

Pedro, D. Maria da Glória e jura a carta ainda no seu exílio em Viena. A fevereiro de

1828, D. Miguel chega a Lisboa e assume suas funções de regente. Logo em seguida

dissolve as cortes liberais e convoca as cortes gerais segundo a tradição. A trama

absolutista estava costurada e sua imprensa exaltada, sobremaneira a Gazeta de Lisboa

proclamava que esta era a única solução.

Em 11 de julho os Três Estados o “reconhecem” como Rei. Como de costume,

sua ascensão ao poder significa extinção da liberdade de imprensa. A censura é reforçada

pela promulgação de Decreto de 16 de agosto, com a devolução da função censória total

ao Desembargo do Paço, sob tutela do poder régio. Os escassos jornais exaltavam o

Miguelismo e atacavam ferozmente inimigos (CARDOSO; CARDOSO; FIGUEIREDO,

2005, p. 20). A situação voltava a ser como era antes de 1820, de censura densa e acirrada,

nada podia colocar em causa a nova ordem que ovacionava os valores tradicionais. Penas

severíssimas eram aplicadas, os jornais vigiados, jornalistas que tinham se declarado

liberais eram perseguidos, presos, condenados. A imprensa se cala, o debate praticamente

inexiste. Metade das escolas são fechadas (TENGARRINHA, 2013, p. 441). A população

não devia pensar muito...

Na constância do Miguelismo, apesar de todo o derramamento de sangue, 42

periódicos foram criados em Portugal. Registramos também assinatura em 19/12/1832

de portaria extremamente a favor das liberdades públicas por Joaquim Antonio de

Magalhães, cuja ordem para a Comissão encarregada da criação do Código de Delitos e

Penas e de outro para o Comércio, elaborasse também projeto de decreto para regular o

exercício da liberdade de imprensa2.

1VARGUES, Isabel – Tesoura, rolha e lápis, p. 42. 2CARQUEJA, Bento - A liberdade de imprensa, p. 34.

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D. Pedro tinha abdicado do trono do Brasil em 1831 em favor do seu filho e volta

a Europa, onde reúne forças liberais e as lidera na invasão que derrota em definitivo D.

Miguel que vai para Santarém e depois sai do país para jamais voltar. Quando D. Pedro

toma Lisboa, em 24/07/1833, é criado periódico como órgão oficial do governo, Crônica

Constitucional de Lisboa que se ocupa de fazer publicações até 30/06/1834.

Já em 07/01/1834 é publicado outro decreto que força a atuação da comissão de

exame e revisão dos escritos a serem publicados pela imprensa com a função de evitar a

publicação de quaisquer escritos que contivessem palavras injuriosas ou ofensivas3.

D. Miguel é derrotado por D. Pedro4 ao fim de quase dois anos de guerra civil e é

assinada a Convenção de Évora – Monte em 26 de maio de 18345. D. Maria II assume o

reinado ainda em 1834 após a morte de D. Pedro em setembro e nomeia Palmela para

Primeiro-Ministro. Restaurada a Monarquia Constitucional que vigorará em Portugal até

a Revolução Republicana de 1910. É inaugurada uma fase de efetiva implementação do

liberalismo6. A luta pelo poder passa a ser travada entre liberais, entre

constitucionalistas...

Observações conclusivas:

Iniciamos nosso estudo com a introdução acerca do período de circunstâncias

extraordinárias imediatamente anterior ao estudado com referências ao ocorrido na

imprensa periódica. A Europa havia passado por acontecimentos nunca dantes vistos e

impactantes, como a Revolução Francesa de 1789 e a queda definitiva de Napoleão em

1814. Nesse sentido ousamos um momento introdutório que também abarcasse o

contextual da realidade portuguesa pré-vintismo e dos motivos que levaram a Revolução

Liberal de 1820.

Desde o início das nossas leituras compreendemos que o conceito de liberdade

atual é construído no liberalismo. Passo seguinte, definimos a liberdade de expressão,

compreendida até hoje como um direito mãe que engloba outras liberdades, inclusive a

de imprensa. A liberdade de expressão engloba a liberdade de pensamento, pela

3CARQUEJA, Bento - A liberdade de imprensa, p. 34. 4 Sobre a rivalidade entre os irmãos, caricatura de Daumier, vide anexo II. 5ALBUQUERQUE, Martin; ALBUQUERQUE, Rui – História do Direito português, vol. II, p. 202. 6ALBUQUERQUE, Martin; ALBUQUERQUE, Rui – História do Direito português, vol. II, p. 203.

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obviedade de ser impossível existir a liberdade de emissão do pensamento sem a liberdade

de pensar. A liberdade de imprensa foi constitucionalizada e se trata de forma mais

específica da liberdade de expressão. O surgimento desta liberdade de imprensa no mundo

e em Portugal é num contexto de luta contra o Absolutismo Monárquico.

Este período marca a queda do Antigo Regime e a implementação do liberalismo.

Pareceu-nos arrazoado estudar tal momento crucial numa atualidade tão eloquente quanto

ao neoliberalismo e que todos misturam liberalismo político e econômico com

libertinagem na conduta moral. O surgimento da imprensa periódica oferece os alicerces

para o entendimento da política e de como a legalidade não significava efetividade ou

segurança dessa liberdade.

O estudo aborda a História Constitucional Outro motivo mais que

pertinente para o nosso estudo é a negação do holocausto o neonazismo e outras filosofias

que exsurgem vez por outra com argumentos de liberdade de expressão ou de imprensa

absolutas. Voltar ao nascimento dessa liberdade significa a quão cíclica é a História e

como vez por outra temos de revisitar o passado e as construções de um direito para

compreender sua existência fática.

Demonstramos a intensa produção constitucional de 1820 a 1834, inclusive:

deparamo-nos com dois textos constitucionais, 1822 e 1826. Ressaltamos a peculiaridade

da Carta de 1826, outorgada pelo Rei, não podendo ser considerada efetiva Constituição.

Realizamos estudo das motivações e inspirações contextualizadas. Ambos previam a

liberdade de imprensa em seus textos.

Sobre a Constituição Vintista, salientamos os intensos debates sobre a liberdade

de imprensa que sempre observaram a responsabilização nos abusos do exercício. Ainda

neste primeiro texto constitucional, percebemos a consagração dos dois alicerces liberais

da liberdade de imprensa, quais sejam, o júri competente pelo julgamento em primeira

instância e a competência recursal de um tribunal eleito pelas Cortes. A Carta de 1826

manteve o júri e determinou rito específico os crimes de abuso da liberdade de imprensa.

A velocidade e intensidade do século XIX junto com o desenvolvimento da

imprensa como setor produz intensa legislação sobre o tema. Inobstante as previsões

constitucionais de liberdade, sobre as leis, desconsideradas sucessivas prorrogações de

suspensões, encontramos ao menos sete leis ou decretos que abordam a liberdade de

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imprensa no período. Limitaremos aqui a menção das datas como comprovação do

número aduzido: 04/07/1821, 12/06/1823, 13/11/1823, 06/03/1824. 18/08/1826,

16/08/1828 e 07/01/1834.

Frisamos algumas situações. Depois da tentativa vintista da liberdade, a

restauração da censura prévia em 1823 com estabelecimento de comissão de censura

demonstra claro retrocesso. No ano seguinte a devolução de funções censórias ao

Desembargo do Paço e repristinação de legislação do século anterior denota mais uns

passinhos no sentido contrário da liberdade.

O estudo da imprensa periódica no Século XIX faz entender que este foi veículo

privilegiado na luta político ideológica daquele momento de quebra de paradigma, de

forma que a história do regime liberal e de Portugal passa necessariamente pela história

da liberdade de imprensa. O estudo daquela ordem jurídica na qual se inseria a liberdade

de imprensa oitocentista auxilia no entendimento do embate entre o projeto liberal

burguês e o antigo regime, bem como nas contradições até mesmo entre os liberais.

Para a atualidade brasileira, esse estudo auxilia no entendimento do embate fake

news x perseguição à imprensa oposicionista. Com a revolução tecnológica, a imprensa

mudou, mas a ordem democrática não sobrevive com a extinção da sua liberdade. Notícias

falsas precisam ser coibidas e seus autores punidos. Injúria, calúnia e difamação ainda

são condutas penais tipificadas e ensejam responsabilização. Nenhum direito é absoluto.

Mas isso não significa que a imprensa não deva ser livre. Responsabilização sempre.

Cerceamento da liberdade de imprensa? Nunca.

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