LIBERTAÇÃO CONTROLADA DE FÁRMACO EM LENTES DE … · 2 did not cause significant changes in the...

91
Sónia Filipa Xavier Mendes LIBERTAÇÃO CONTROLADA DE FÁRMACO EM LENTES DE CONTACTO Dissertação na área científica de Engenharia Química, Apresentada ao Departamento de Engenharia Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra Setembro de 2015

Transcript of LIBERTAÇÃO CONTROLADA DE FÁRMACO EM LENTES DE … · 2 did not cause significant changes in the...

i

Snia Filipa Xavier Mendes

LIBERTAO CONTROLADA DE FRMACO EM LENTES DE

CONTACTO

Dissertao na rea cientfica de Engenharia Qumica,

Apresentada ao Departamento de Engenharia Qumica da Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade de Coimbra

Setembro de 2015

ii

iii

Snia Filipa Xavier Mendes

LIBERTAO CONTROLADA DE FRMACO EM LENTES DE

CONTACTO

Dissertao do Mestrado Integrado em Engenharia Qumica, sob orientao do Professor Dr. Hermnio Jos

Cipriano de Sousa e da Dra. Mara Elga Medeiros Braga, apresentada ao Departamento de Engenharia Qumica

da Faculdade de Cincias e Tecnologia da Universidade de Coimbra

Supervisores:

Prof. Dr. Hermnio Jos Cipriano de Sousa

Dra. Mara Elga Medeiros Braga

Coimbra

2015

iv

v

Somos a memria que temos e a responsabilidade que assumimos.

Sem memria no existimos, sem responsabilidade talvez no mereamos existir

Jos Saramago, in Cadernos de Lanzarote

vi

vii

AGRADECIMENTOS

Agradeo, em primeiro lugar, ao Professor Doutor Hermnio Sousa pela sua orientao, apoio,

disponibilidade e conhecimento cientfico partilhado e Doutora Mara Braga por toda a

orientao, pacincia, incentivo e disponibilidade para solucionar as dvidas e problemas que

foram surgindo ao longo da execuo de todo este trabalho. Agradeo tambm Doutora Ana

Dias pela ajuda e disponibilidade.

Queria agradecer tambm aos meus colegas do laboratrio, em especial ao Antnio Rosa e ao

Rui Churro, por toda a ajuda e companheirismo durante o trabalho experimental.

Aos meus amigos que me acompanharam ao longo de todo o meu percurso acadmico: Ana

Crte-Real, Ctia Correia, Joo Costa, Mafalda Cardoso, Marta Coelho, Marta Moura, Ricardo

Santos, Samuel Pedro, Srgio Miranda e Tiago Henriques por terem acolhido a menina

caula, por todo o apoio, incentivo, verdadeira amizade, por todos os momentos que

passamos juntos e pelo sentido que deram minha vida acadmica em Coimbra. Sero

certamente amigos que levarei para a vida.

Aos meus amigos de longa data, Patrcia Pina e Rui Almeida, que me aturam h mais de dez

anos e que, apesar da distncia, estiveram sempre presentes partilhando sorrisos, gargalhadas,

alegrias, tristezas, segredos, afetos, palavras de apoio, sinnimos de uma grande e verdadeira

amizade.

Por ser, acima de tudo, um amigo, agradeo ao Nuno que me acompanhou de forma

incondicional ao longo de toda esta batalha pelo incentivo, esforo, dedicao, pacincia,

companheirismo e por todos os conhecimentos e auxlio na realizao desta dissertao.

Para ltimo deixo o agradecimento mais importante: minha famlia. minha irm e aos meus

avs pela sua presena ativa, fora, ajuda e pelas palavras amigas. Agradeo do fundo do

corao aos meus pais que sempre me apoiaram e ajudaram a acreditar que conseguia alcanar

todos os meus objetivos, mesmo nos momentos mais difceis, pelo esforo, pela pacincia, pela

educao, pela compreenso, pelo carinho e por tudo aquilo que sou hoje. Sem vocs no teria

sido possvel!

A todos aqueles que de certa forma contriburam para a realizao deste trabalho e que no

foram acima mencionados, obrigada.

viii

ix

RESUMO

Este trabalho teve como principal objetivo o desenvolvimento e aprimoramento da tcnica de

impregnao/deposio de frmaco em lentes de contacto utilizando dixido de carbono

supercrtico (scCO2), com o intuito de estudar uma alternativa vivel e mais eficiente que as

formas farmacuticas para administrao ocular j existente no mercado. Com este propsito

pretende-se a obteno e caracterizao de lentes de libertao farmacolgica com perfis de

libertao controlada e localizada para o tratamento de patologias oculares.

O estudo do efeito de diferentes condies de presso e temperatura no processo de

impregnao para avaliar a sua eficincia tem em conta dois pontos cruciais: a quantidade de

frmaco impregnado em cada lente e a ausncia de alteraes significativas nas propriedades

fsicas e qumicas das lentes de contacto.

Os frmacos utilizados ao longo destes meses de trabalho laboratorial foram o cido all-trans-

Retinico (ATRA) para o tratamento da sndrome do olho seco e da doena macular

degenerativa (DMRI) e a Norfloxacina (NFLX) para o tratamento de infees oculares. Como

matriz polimrica foram utilizadas lentes de contacto comerciais: a Balafilcon A e a Hilafilcon

B, que constituem o veculo para o frmaco e conferem a estrutura ao sistema de libertao

controlada.

O primeiro sistema estudado foi o ATRA impregnado na Balafilcon A, verificando que se

conseguiu impregnar uma quantidade de frmaco que varia entre os 329 e 900 g em cada lente,

dependendo das condies que foram utilizadas. A condio que permitiu impregnar maior

quantidade de frmaco foi a de 200 bar temperatura de 55C. Os perfis de libertao in vitro

do frmaco foram traados com base num perodo de 6 dias e demonstraram que mais de 89 %

do frmaco foi libertado nas primeiras 24 horas do ensaio.

Relativamente NFLX impregnada na Balafilcon A, concluiu-se que foi possvel impregnar

cerca de 38 a 170 g de frmaco em cada lente, tendo-se igualmente verificado que o mximo

de impregnao foi para a condio de 200 bar a 55C. O perfil de libertao obtido durante 8

horas revelou que ao fim de 6 horas de libertao o frmaco presente na matriz j se tinha

libertado na totalidade.

O sistema que permitiu alcanar o melhor perfil de libertao controlada foi o do ATRA

impregnado na Balafilcon A, uma vez que a libertao do frmaco decorreu ao longo de um

perodo mais elevado quando comparado com os outros sistemas.

Alm dos ensaios de libertao in vitro, foram realizados estudos de caracterizao fsico-

qumica e morfolgica das lentes de contacto impregnadas recorrendo: anlise de

x

espectroscopia de infravermelho por transformada de Fourier (FTIR), para verificar a presena

do frmaco na superfcie do polmero; avaliao dos ngulos de contacto e da transmitncia

onde se confirmou que o processo de impregnao/deposio usando scCO2 no provocou

alteraes significativas nas propriedades das lentes; e microscopia eletrnica de varrimento

(SEM) onde foi possvel afirmar a presena e localizao dos frmacos na superfcie e no

interior da matriz polimrica.

Os resultados obtidos indicam que as lentes de contacto tm um enorme potencial para serem

utilizadas enquanto sistemas de libertao farmacolgica controlada, em especfico na

superfcie ocular. O trabalho desenvolvido permite a obteno de concluses significativas que

podero ser utilizadas como bases slidas para a continuao do trabalho no sentido de

aprimorar o desenvolvimento dos sistemas de libertao propostos recorrendo a esta tcnica de

impregnao por recurso ao scCO2.

xi

ABSTRACT This work had as main aim the development and improvement of the impregnation/deposition

technique of drugs in contact lenses using supercritical carbon dioxide (scCO2), in order to

study a viable and more efficient alternative than the ophthalmic drug dosage forms already on

the market. With this purpose in mind, we intend to obtain and characterize drug release lenses

inside controlled release profile and localized delivery to treat ocular pathologies.

The study of different conditions of pressure and temperature in the impregnation process to

evaluate their efficiency takes into account two critical points: the amount of permeated drug

in each lens and the absence of significant changes in physical and chemical properties of

contact lenses.

The drugs used during these months of laboratory work were all-trans-retinoic acid (ATRA) to

treat dry eye syndrome and age-related macular degeneration (AMD) and norfloxacin (NFLX)

for ocular infections. The drug is transported by the commercial contact lenses, namely the

Hilafilcon B and the Balafilcon A, which characterize the way the controlled release system

works.

The first system studied was the ATRA impregnated in Balafilcon A, incorporating an amount

of drug between 329 and 900 g in each lens, depending on the conditions used. The condition

which allowed the greater amount of drug impregnated was 200 bar at 55C. In vitro release

profiles were based on a period of 6 days and showed that over 89% of the drug was released

within the first 24 hours of the test.

Regarding NFLX impregnated in Balafilcon A, it was concluded that it was possible to

impregnate about 38 to 170 g of drug in each lens, and the maximum impregnation also

occurred in the condition of 200 bar at 55C. The release profile obtained for 8 hours showed

that after the first 6 hours the drug in the matrix had already been totally released.

The system that allowed to achieve the best controlled release profile was the ATRA

impregnated in Balafilcon A, as the drug release took place over a higher period when compared

with the other systems.

Beside in vitro release experiments, physico-chemical and morphological characterization

studies were performed about the impregnated contact lenses using: an analysis of spectral

Fourier Transform Infrared spectroscopy (FTIR) to verify the presence of drug on the polymer;

evaluation of the contact angles and transmittance confirming that the process of

xii

impregnation/deposition using the scCO2 did not cause significant changes in the properties of

the lenses; and scanning electron microscope (SEM) making it possible to attest the presence

and localization of the drugs on the surface and inside the polymer matrix.

The results indicate that the contact lenses have enormous potential to be used as controlled

drug delivery systems, in particular on ocular surface. Taking into account the work results, it

can be used as a solid foundation for further preparatory work and development of the proposed

delivery systems using this impregnation technique by scCO2 use.

xiii

NDICE

OBJETIVO E MOTIVAO .................................................................................................... 1

1. INTRODUO .................................................................................................................. 5

1.1. Lentes de Contacto ....................................................................................................... 6

1.2. Sistemas de Libertao Controlada ............................................................................ 12

1.3. Processo de Impregnao/Deposio de Frmaco usando Dixido de Carbono

Supercrtico ........................................................................................................................... 16

1.4. Doenas Oftalmolgicas ............................................................................................ 19

1.5. Frmacos Aplicados Oftalmologia .......................................................................... 22

2. MATERIAIS E MTODOS ............................................................................................. 25

3. RESULTADOS E DISCUSSO ..................................................................................... 33

3.1. Quantificao de Frmacos ........................................................................................ 33

3.2. Modelos Matemticos da Libertao Controlada ...................................................... 44

3.3. Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR) ................... 46

3.4. Transmitncia ............................................................................................................. 48

3.5. ngulos de Contacto .................................................................................................. 49

3.6. Microscopia Eletrnica de Varrimento (SEM) .......................................................... 50

4. CONCLUSES E PERSPECTIVAIS FUTURAS .......................................................... 53

5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................. 57

ANEXOS .................................................................................................................................. 65

xiv

xv

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Lista de material utilizado25

Tabela 2 Lentes de contacto utilizadas25

Tabela 3 Condies de operao utilizadas no decurso da atividade experimental e respetiva

densidade do CO2 e solubilidade de cada frmaco em CO2....27

Tabela 4 Parmetros cinticos da libertao do ATRA e da NFLX impregnado na Balafilcon

A44

Tabela 5 Coeficientes de difuso da libertao dos frmacos impregnados na Balafilcon A...45

Tabela 6 Grupos funcionais e respetivos comprimentos de onda (cm-1) dos frmacos e dos

polmeros para anlise do FTIR (Launer, 1987; Holler et al., 2009).46

Tabela 7 Valores de transmitncia para as lentes impregnadas para todas as condies de

operao47

xvi

xvii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Composio dos monmeros do material da lente de contacto Balafilcon A (Karlgard

et al., 2004)10

Figura 2 Composio dos monmeros do material da lente de contacto Hilafilcon B (Yaez

et al., 2011)11

Figura 3 Concentrao de frmaco na corrente sangunea para as vrias formas de

administrao de frmaco (adaptada de Coelho et al., 2010).13

Figura 4 Interaes entre o frmaco, o polmero e o solvente na tecnologia de impregnao

utilizando scCO2...17

Figura 5 Anatomia do olho (adaptada de Wikipedia, 2015a)...........................19

Figura 6 Principais causas da sndrome do olho seco (adaptada de Michael et al.,

2007).....21

Figura 7 Estrutura qumica do ATRA (Rosa et al., 2015)23

Figura 8 Estrutura qumica da Norfloxacina (Chim et al., 2012)24

Figura 9 Esquema do procedimento experimental.25

Figura 10 Representao esquemtica da clula de impregnao..26

Figura 11 Diagrama experimental do equipamento. Garrafa de CO2; V Vlvula; C

Compressor; CT Controlador de Temperatura, BA Banho de gua; TP Transdutor de

Presso; CAP Clula de Alta Presso; VM Vlvula Macromtrica; Vm Vlvula

micromtrica; AM Agitador Magntico (adaptada de Rosa, 2013).27

Figura 12 Massa de ATRA ao fim de 24h de libertao. Ensaio a 35C () e a 55C ().33

Figura 13 Coeficiente de partio () e solubilidade () em funo da densidade do CO2. A)

a 35C; B) a 55C....34

Figura 14 Coeficiente de partio () e soro () em funo da densidade do CO2. A) a

35C; B) a 55C......35

https://en.wikipedia.org/wiki/Norfloxacin#/media/File:Norfloxacin.svg

xviii

Figura 15 Percentagem de Libertao do ATRA impregnado na lente Balafilcon A durante 6

dias para as vrias densidades: 869 kg/m3 (), 929 kg/m3 (), 764 kg/m3 () e 852 kg/m3

()....37

Figura 16 Massa de ATRA na Hilafilcon B ao fim de 8h de libertao. Ensaio a 35C () e a

55C ().37

Figura 17 Coeficiente de partio 35C , 55C em funo da densidade de CO2. A)

Solubilidade do ATRA em CO2: a 35C. + a 55C, B) Soro da Hilafilcon B em CO2 a

35C. + a 55C38

Figura 18 Percentagem de Libertao do ATRA impregnada na lente Hilafilcon B durante 8h

para as densidades estudadas: 869 kg/m3 () e 852 kg/m3 () 39

Figura 19 Massa de NFLX ao fim de 8h de libertao. Ensaio a 45C () e a 55C ()40

Figura 20 Coeficiente de partio () e solubilidade () em funo da densidade em CO2. A)

a 45C; B) a 55C41

Figura 21 Coeficiente de partio () e soro () em funo da densidade do CO2. A) a

45C; B) a 55C..42

Figura 22 Percentagem de Libertao da Norfloxacina impregnada na lente Balafilcon A

durante 8h para as vrias densidades: 815 kg/m3 (), 892 kg/m3 (), 785 kg/m3 () e 870 kg/m3

()....43

Figura 23 Espectros de FTIR obtidos da lente impregnada com ATRA (); do ATRA ();

e da Lente Balafilcon A ()..47

Figura 24 Espectros de FTIR obtidos da lente impregnada com ATRA (); do ATRA ();

e da Lente Hilafilcon B ()...47

Figura 25 Espectros de FTIR obtidos da lente impregnada com NFLX (); da NFLX (); e

da Lente Balafilcon A ().48

Figura 26 Imagens de SEM da lente Balafilcon A impregnada com ATRA. A) Imagem da

superfcie da lente de contacto, 1000 X. B) Imagem do corte transversal da lente de contacto,

500 X.....51

Figura 27 Imagens de SEM da lente Balafilcon A impregnada com NFLX. A) Imagem da

superfcie da lente de contacto, 500 X. B) Imagem do corte transversal da lente de contacto,

1000 X...51

xix

LISTA DE ABREVIATURAS E NOMENCLATURAS

ATRA cido all-trans Retinico

CAS Chemical Abstracts Service number

CO2 Dixido de Carbono

D Difuso do Oxignio no Material

D.k Permeabilidade ao Oxignio do Material

D.k/l Transmissibilidade ao Oxignio

D1 Coeficiente de Difuso Primeiros 60% de Libertao

D2 Coeficiente de Difuso ltimos 40% de Libertao

DMRI Doena Degenerativa Macular Relacionada Idade

EGDMA Etileno Glicol Dimetacrilato

FDA Food and Drug Administration

FTIR Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier

HEMA Hidroxietil Metacrilato

K Constante Cintica de Libertao

k Solubilidade do Oxignio no Material

l Espessura (mm)

M Massa de Frmaco Libertado num tempo infinito

MAA cido Metacrlico

Mt Massa de Frmaco Libertado num tempo t

n Expoente de Libertao

NCVE N Carboxivinil Ester

NFLX Norfloxacina

NVP N-Vinilpirrolidona

P Presso (bar)

PBVC Poli (Polidimetilsiloxano) di(Bilil butanol) bis(Carbamato de Vinil)

scCO2 Dixido de Carbono Supercrtico

SEM Microscopia Eletrnica de Varrimento

SLC Sistemas de Libertao Controlada

T Temperatura (C)

t Tempo (h)

TPVC Propil Vinil Carbamato tris(trimetil Siloxano Silil)

1

OBJETIVO E MOTIVAO Com este trabalho, pretende-se desenvolver e aprimorar o mtodo de impregnao/deposio

de frmacos em lentes de contacto utilizando scCO2, com o objetivo de obter um perfil de

libertao controlada e localizada para o tratamento de patologias oculares, bem como entender

o efeito das diversas condies de processamento na eficincia da impregnao de frmaco.

A investigao cientfica, com particular enfoque no setor da sade, uma rea em que a

evoluo e a busca incessante de novas solues que melhorem a qualidade de vida dos

pacientes so uma constante, na qual se pode integrar o desenvolvimento de sistemas

transportadores de frmaco que sejam capazes de o armazenar e proteger e de garantir uma

libertao controlada no local de ao pretendida.

Colocando o foco nos frmacos cuja via de administrao a tpica ocular, atravs de colrios

e pomadas oftalmolgicas, as desvantagens prendem-se, essencialmente, com a elevada

concentrao de frmaco no momento da administrao, a baixa biodisponibilidade, posologia

complexa e suscetvel de esquecimento (menor compliance teraputica) e maior propenso a

efeitos secundrios. Tendo em conta estas desvantagens, necessrio procurar e avaliar novas

alternativas para colmatar tais inconvenientes. O desenvolvimento de sistemas de libertao

controlada favorece o aumento da biodisponibilidade do frmaco, promove a diminuio da

probabilidade de ocorrncia de efeitos secundrios, permite manter a concentrao do frmaco

dentro da margem teraputica, reduzindo os riscos de sob e/ou sobredosagem, facilitam a sua

administrao e posologia, facultando desta forma maior adeso teraputica por parte do

paciente, o que resulta diretamente num aumento da taxa de sucesso do tratamento.

A grande motivao deste trabalho poder contribuir para o tratamento de doenas oculares

muito comuns na sociedade atravs do desenvolvimento de uma terapia inovadora e

potencialmente mais eficientes que aquelas s que j se encontram no mercado. A Norfloxacina

(NFLX) um frmaco j usado em infees oculares atravs de colrios, mas devido s

desvantagens da forma de administrao, a sua impregnao em lentes de contacto pode tornar-

se bastante til devido ao incremento na sua biodisponibilidade e, desta forma, possibilitar um

tratamento mais clere. O cido all-trans retinico (ATRA) tem sido alvo de estudo por

diversos cientistas para o tratamento da sndrome do olho seco e da degenerao macular e,

deste modo, torna-se pertinente a realizao de estudos de impregnao deste frmaco em lentes

de contacto, considerando igualmente as razes acima expressas. As lentes de contacto foram

utilizadas como sistema transportador e de libertao do frmaco e consistem numa combinao

de materiais polimricos reticulados compostos por vrios monmeros. Atualmente, as lentes

2

de contacto so amplamente utilizadas em todo o mundo essencialmente para casos de correo

ocular e para a vertente puramente esttica. No entanto, a sua aplicao no tratamento de

patologias oculares atravs de libertao farmacolgica poder ser uma mais-valia, pois faculta

vantagens notrias em termos de adequao da dosagem e regularidade da libertao do

princpio ativo (devido capacidade de modelao, por parte do material polimrico, da

quantidade de frmaco que libertada por unidade de tempo).

Assim, com o presente trabalho, pretendeu-se efetuar a impregnao destes dois frmacos em

lentes de contacto recorrendo tecnologia de impregnao usando scCO2, uma vez que um

processo que possibilita a incorporao de frmacos hidrofbicos, propriedade que carateriza

tanto a NFLX como o ATRA. Para que esta tcnica de impregnao seja concluda com sucesso

fundamental que no provoque alterao das propriedades fsicas, qumicas e mecnicas, quer

do polmero, quer do frmaco e que a quantidade de frmaco impregnada seja suficiente para

estabelecer um mecanismo de libertao controlada no globo ocular e resultar num tratamento

seguro e eficaz. Este procedimento muito vantajoso uma vez que o solvente utilizado (CO2)

no deixa resduos no material aps o seu processamento, evitando desta forma o risco de

contaminao do olho e no comprometendo a segurana do produto. A variao das condies

de operao permite controlar a quantidade de frmaco a impregnar.

A realizao de ensaios de libertao in vitro em gua para posterior quantificao, recorrendo

espectrofotometria UV/Vis, foi efetuada para avaliar a capacidade/rendimento do processo de

impregnao. Outros estudos de caraterizao neste tipo de sistemas de libertao controlada

(SLC) foram desenvolvidos com o intuito de verificar se este procedimento provocou alteraes

nas propriedades fsico-qumicas e morfolgicas das lentes de contacto.

Descrio da estrutura da tese

A dissertao encontra-se organizada em quatro captulos principais compostos por

subcaptulos que descrevem os diversos aspetos e contedos abordados.

No Captulo 1, intitulado de Introduo, apresentada a reviso bibliogrfica, onde feito um

enquadramento geral relacionado com a temtica central deste trabalho e com a apresentao

dos conceitos subjacentes. Inicialmente, relatada uma abordagem geral das lentes de contacto,

dando particular nfase s lentes de contacto teraputicas. De seguida, so abordados os

conceitos inerentes aos sistemas de libertao controlada de frmacos e, posteriormente,

descrito o processo de impregnao/deposio usando dixido de carbono supercrtico (scCO2).

3

Este captulo descreve tambm os frmacos utilizados, assim como as doenas oculares que se

pretendem tratar.

Nos Materiais e Mtodos, que compem o Captulo 2, so descritos os instrumentos e tcnicas

utilizadas durante o desenvolvimento deste trabalho experimental nomeadamente a tcnica de

impregnao propriamente dita e as tcnicas de caracterizao das lentes de contacto

impregnadas.

No Captulo 3 so apresentados os Resultados e Discusso, designadamente o estudo do

processo de impregnao e dos sistemas selecionados e as caracterizaes respetivas.

Por fim, no Captulo 4 enumeram-se as principais Concluses e Perspetivas Futuras com a

indicao de sugestes importantes para trabalhos futuros nesta rea que se encontra em

crescente evoluo.

4

5

1. INTRODUO O olho caraterizado pela sua estrutura complexa e elevada resistncia a substncias estranhas,

nas quais se incluem os frmacos, fazendo da libertao de frmaco na superfcie ocular, um

dos maiores desafios na rea da investigao cientfica responsvel pelo estudo de sistemas de

libertao de frmaco. Atualmente, mais de 90% dos frmacos oftlmicos que esto disponveis

no mercado encontram-se sob a forma de solues e suspenses (Guzman et al., 2013). Este

tipo de formulaes oftlmicas convencionais apresenta baixa biodisponibilidade ocular devido

a vrios fatores, tais como os reflexos de lacrimejamento e de pestanejar, absoro no-

produtiva, drenagem nasolacrimal, degradao metablica e unio a protenas do fluido

lacrimal, alm da relativa impermeabilidade da membrana epitelial da crnea (Ghate e

Edelhauser, 2006).

Como consequncia destas restries anatmicas e fisiolgicas, apenas uma pequena frao da

dose de administrao efetivamente absorvida. Com o intuito de ultrapassar esta baixa

biodisponibilidade so administradas doses frequentes de frmaco em concentraes elevadas

para atingir os efeitos teraputicos desejados. Esta dosagem descontnua resulta em oscilaes

nos nveis de frmaco no globo ocular, podendo uma poro significativa da soluo aplicada

ser absorvida na conjuntiva ou ento ser recolhida pelo sistema nasolacrimal e, desta forma ser

absorvida pela corrente sangunea atravs da cavidade nasal. Este aspeto compromete a

segurana do medicamento, uma vez que a presena de frmaco na corrente sangunea pode

induzir efeitos adversos sistmicos indesejados. O timolol, por exemplo, que um bloqueador

dos recetores beta-adrenrgicos utilizado no tratamento do glaucoma, pode provocar um efeito

negativo no corao (Guzman et al., 2013). Neste tipo de aplicaes, a dose real efetivamente

administrada dependente da tcnica de aplicao e da compliance do paciente pelo que podem

ser observadas variaes significativas na concentrao do frmaco presente no olho durante o

tratamento, existindo fortes possibilidades de ocorrncia de sob ou sobredosagens (Sktubalova

et al., 2005; Sktubalova et al., 2006).

Os problemas relatados levaram investigao de alternativas viveis para a entrega de

frmacos oftlmicos. Um sistema de libertao de frmaco ideal deve aumentar o tempo de

residncia do frmaco no olho e evitar grandes oscilaes na sua concentrao, bem como

reduzir ao mximo a ocorrncia de efeitos adversos sistmicos. Tendo em conta este

pressuposto, as lentes de contacto afiguram-se como um veculo para entrega de frmaco na

superfcie ocular capaz de cumprir estes requisitos, conduzindo ao aumento da

biodisponibilidade do frmaco. Assim, este aumento na biodisponibilidade corneal leva

diminuio da ocorrncia de efeitos adversos (Li e Chauhan, 2006).

6

Por conseguinte, a investigao relacionada com tcnicas que permitam modelar e controlar a

taxa de libertao e a capacidade de incorporao de frmaco a partir de lentes de contacto,

assume particular relevncia nesta rea. Com efeito, a tcnica de impregnao/deposio de

frmaco em lentes atravs de dixido de carbono supercrtico merece particular ateno, dado

o seu elevado potencial para auxiliar no tratamento de vrios distrbios oculares.

1.1. Lentes de Contacto

Aquando da seleo de um biomaterial deve ter-se em conta a aplicao a que se destina, uma

vez que preponderante que as propriedades fsicas, qumicas e mecnicas sejam adequadas:

resistncia, taxa de permeao, rugosidade, bioatividade, (bio)estabilidade, entre outras (Brant,

2008). Para exercerem a sua funo de forma apropriada, estes tm que ser obrigatoriamente

biocompatveis para evitar qualquer reao adversa e/ou eventual rejeio por parte do

organismo humano (Bergmann, 2013).

O desenvolvimento das lentes est intimamente relacionado com a ideia de se obter,

simultaneamente, uma melhor acuidade visual e o mximo de conforto, com o menor nmero

de complicaes possveis, tais como: reduo da oxigenao da crnea, secura ocular,

estimulao de respostas alrgicas e inflamatrias, infeo e sensibilizao ao trauma mecnico

causado pelas prprias lentes de contacto.

Existem dois tipos de lentes, as flexveis e as rgidas (hidrogis e hidrogis de silicone,

respetivamente) que podem ter caractersticas especiais, como o caso das lentes corretivas,

coloridas/estticas e teraputicas. As lentes de contacto tratam-se de molculas de elevado peso

molecular, formadas por unidades moleculares que se repetem designadas por monmeros.

1.1.1. Lentes de Contacto Teraputicas

As lentes de contacto teraputicas foram desenvolvidas para o tratamento de doenas da

superfcie ocular, nomeadamente: reduzir a dor causada por abrases, eroses e lceras

corneais, proteger a crnea que apresenta ceratite filamentar, facilitar e manter a cicatrizao

epitelial, permitir a libertao de frmacos na superfcie ocular e reduzir o desconforto ocular

aps sutura da crnea, cirurgia ou transplante (Christie, 1999).

Existe uma grande variedade de lentes de contacto teraputicas que podem ter por base um

hidrogel ou um hidrogel de silicone e a sua escolha depender sempre da doena a ser tratada,

do tempo de uso e das necessidades fisiolgicas do olho do paciente.

7

As lentes de hidrogel de silicone so compostas por um material flexvel e apresentam uma

transmissibilidade ao oxignio superior s lentes de hidrogel. Estas lentes tornaram-se a melhor

opo para o uso na teraputica de patologias oculares, j que o objetivo proteger e recuperar

o epitlio corneal (Christie, 1999; Coral-Ghanem et al., 2009). Estudos com lentes teraputicas

de hidrogel de silicone comprovaram a recuperao de alteraes na crnea em 74% a 91% dos

casos e 78% a 94% dos pacientes relataram alvio da dor (Montero et al., 2003; Ambroziak et

al., 2004).

Para que um polmero de hidrogel e de hidrogel de silicone seja funcional, deve possuir

caractersticas fsicas muito importantes, tais como: ser oticamente transparente, ter um ndice

de refrao semelhante ao da crnea, 1,3375 (Blasiak et al., 2014), ser suficientemente

permevel ao oxignio, possuir propriedades mecnicas adequadas e ser biocompatvel com o

olho (Maldonado e Efron 2003).

Existem vrias estratgias para criar sistemas de libertao de frmacos a partir de lentes de

contacto que diferem entre si pela complexidade do processo, pela facilidade de monitorizar as

condies de operao, de modo a controlar a quantidade de frmaco que possvel incorporar

e/ou retardar/aumentar o tempo de libertao de frmacos, pela capacidade de incorporar

frmacos hidroflicos e/ou hidrofbico e pelo rendimento inerente ao processo (Hu, 2011):

Impresso molecular, atravs da criao de stios ativos especficos na estrutura da

matriz para o frmaco.

Soro das lentes de contacto numa soluo que contm o frmaco que se pretende

incorporar.

Encapsulamento de frmaco em sistemas coloidais que funcionam como sistemas

transportadores dispersos nas lentes e atuam como reservatrios de frmaco;

Modificao da superfcie das lentes de contacto, encapsulando frmaco em lipossomas

e promovendo a sua ligao superfcie cncava e convexa da lente;

Sobreposio de camadas alternadas entre polmero e frmaco, o que permite uma

libertao gradual medida que o meio atinge cada uma das camadas de frmaco;

Afinidade entre a lente de contacto e o frmaco, adicionando-se copolmeros

hidrofilicos/ hidrofbicos durante a sntese e considerando as suas propores;

No efetuar qualquer alterao na lente, utilizando apenas a tcnica de impregnao de

frmaco usando dixido de carbono supercrtico (scCO2) e, caso seja necessrio,

associar um co-solvente.

8

O tema central prende-se com a impregnao/deposio de frmacos usando o scCO2 como

intermedirio. Apesar de ser uma estratgia relativamente recente, j existem alguns trabalhos

desenvolvidos ao longo dos ltimos anos para o tratamento de glaucoma, utilizando maleato de

timolol e acetazolamida, e para o tratamento da doena degenerativa macular (DMRI), das

cataratas e da retinopatia diabtica usando o flurbiprofeno (Costa et al., 2010; Braga et al.,

2010; Braga et al., 2011a).

O produto que se pretende desenvolver composto por duas unidades associadas, a lente de

contacto e o frmaco. Por essa razo designa-se por Produto Combinado, que consiste na

combinao de um dispositivo mdico com um frmaco (Lauristsen e Nguyen, 2009). Por

dispositivo mdico entende-se qualquer instrumento, aparelho, equipamento, software,

material ou artigo utilizado isoladamente ou combinado () cujo principal efeito pretendido

no corpo humano no seja alcanado por meios farmacolgicos, imunolgicos ou metablicos,

embora a sua funo possa ser apoiada por esses meios, destinado pelo fabricante a ser utilizado

em seres humanos para fins de: i) diagnstico, preveno, controlo, tratamento ou atenuao de

uma doena; () (Infarmed, 2015a). Com efeito, as lentes de contacto enquadram-se nesta

definio dado o objetivo da sua utilizao. Tendo em conta a durao do contacto, o facto de

no ser invasivo e, principalmente, a anatomia afetada pela sua utilizao (olho), so

consideradas dispositivos mdicos de classe II a (risco reduzido/mdio) (Comisso europeia,

2012).

1.1.2. Polmeros Sob a Forma de Hidrogis

Os hidrogis constituem um grupo de materiais polimricos com propriedades hidroflicas,

apresentando cadeias mais ou menos reticuladas, que interferem diretamente na sua estabilidade

fsica e, capacidade de reter e absorver uma grande quantidade de gua, mantendo

incondicionalmente a sua estrutura tridimensional. No estado desidratado, a maior parte dos

hidrogis so duros e quebradios, no entanto, devido aos grupos hidroflicos que o polmero

incha com a gua, tornando-se menos rgido e conferindo-lhe propriedades elsticas. Estas

propriedades so semelhantes s dos tecidos vivos, pois apresentam consistncia semelhante

aos tecidos moles do organismo e baixa tenso superficial com gua e fluidos biolgicos,

conferindo assim biocompatibilidade (Malmonge e Zavaglia, 1997).

A maior parte das lentes de contacto so de hidrogel de poliHEMA (poli Hidroxietil

Metacrilato) reticuladas com EGDMA (Etileno Glicol Dimetacrilato). Estas lentes so

caracterizadas pelo contedo em gua relativamente elevado para o transporte de oxignio, pela

9

boa estabilidade trmica e qumica e pela menor rigidez do material. No entanto, a gua tem

uma capacidade limitada para dissolver e transportar o oxignio, reduzindo a permeabilidade

ao oxignio (Jones, 2012).

A crnea necessita de oxignio para desempenhar as suas funes metablicas, mas dado que

a crnea desprovida de vasos sanguneos, o transporte de oxignio feito atravs da lgrima

e do meio ambiente.

A utilizao de lentes de contacto acaba por funcionar como um obstculo passagem de

oxignio para a crnea, portanto fundamental que a lente seja permevel ao oxignio para que

a fisiologia corneal se mantenha saudvel, evitando efeitos adversos graves como o edema

corneal (Guzman et al., 2012).

Este transporte de oxignio para a crnea depende da permeabilidade do material (D k) (em

que D a difuso do oxignio no material e k a solubilidade do oxignio no material) e da sua

espessura (l), sendo que uma maior permeabilidade oferece maior conforto, uso mais

prolongado e melhor sade ocular. Daqui surge o termo da transmissibilidade ao oxignio,

definido por Dk/l, que evidencia que, quanto mais fina for a lente maior ser o transporte de

oxignio para a crnea (Jones, 2012).

As lentes de hidrogel de silicone so polmeros de elevada permeabilidade ao oxignio. Este

tipo de lentes tem na sua constituio cadeias flexveis de cruzamentos entre silcio e oxignio

que, originam o siloxano, principal constituinte do silicone. Esta flexibilidade contribui para

facilitar a passagem de mais oxignio do que a prpria gua, pelo que a permeabilidade ao

oxignio deixa de estar diretamente relacionada com a quantidade de gua que se encontra em

cada lente, ao contrrio do que como acontece no caso das lentes de hidrogel (Van der Worp et

al., 2014).

O hidrogel de silicone possui tambm radicais hidrfilos e pontes de hidrognio que se cruzam

com molculas do polmero em malhas tridimensionais que contribuem para a absoro de gua

no polmero. Combinando os componentes hidroflicos e hidrofbicos dos hidrogis de silicone,

originam-se lentes mais confortveis pela capacidade de hidratao e pela manuteno das

propriedades fisiolgicas devido sua alta permeabilidade ao oxignio (possuindo um Dk

elevado). No entanto, o hidrogel de silicone ligeiramente mais duro devido ao aumento do

mdulo de elasticidade que confere maior resistncia do material deformao sobre presso.

Como a superfcie da lente pode ser hidrofbica, pode causar algum desconforto (Ngai et al.,

2005). Contudo, foram desenvolvidos processos de modificao da superfcie da lente para se

alterar esse carcter hidrofbico (Maldonado e Efron, 2003).

10

As lentes de contacto, dependendo da sua finalidade, apresentam diferentes composies, pois

alterando os monmeros envolvidos nas reaes de polimerizao obtm-se propriedades

diferentes consoante aquilo que se pretende.

Ao longo deste trabalho utilizaram-se dois tipos de lentes de contacto da Bausch & Lomb, um

deles composto pelo polmero Balafilcon A e outro composto pelo polmero Hilafilcon B. O

facto de serem compostas por diferentes polmeros apresentam diferentes propriedades que

tero influncia direta na quantidade de frmaco que pode ser incorporado por intermdio do

sistema de impregnao de alta presso.

A lente de Balafilcon A pertence 1 gerao de lentes de hidrogel base de silicone.

processada atravs da copolimerizao via radical livre e de ligaes cruzadas entre os quatro

monmeros apresentados na Figura 1: N-Vinilpirrolidona (NVP), Propil Vinil Carbamato

tris(Trimetil Siloxano Silil) (TPVC), Poli (Polidimetilsiloxano) di(Silil Butanol) bis(Carbamato

de Vinil) (PBVC) e N-Carboxivinil Ester (NCVE).

Este polmero apresenta baixo teor de gua, cerca de 36% m/m, o que diminui o transporte de

oxignio para o olho. No entanto, de forma a ultrapassar esta desvantagem e melhorar o

conforto do uso da lente por parte do paciente, este tipo de lente possui uma boa estrutura

base de silcio que auxilia no transporte do oxignio para o interior do olho. Alm disso, as

lentes de Balafilcon A so sujeitas a um tratamento tecnolgico designado Performa que

modifica a superfcie da lente mediante a oxidao de plasma, aumentando a sua hidrofilicidade

devido transformao do silicone da superfcie em compostos de silicato hidroflicos e,

consequentemente, melhorando a sua capacidade de humedecimento (Braga et al., 2011a).

Figura 1 Composio dos monmeros do material da lente de contacto Balafilcon A (Karlgard et al., 2004).

O monmero NVP aumenta a hidrofilicidade do polmero devido amida (N-C=O) que tem

carcter polar e o grupo carbonilo possui dois locais onde a gua se pode ligar por pontes de

hidrognio. Desta forma, o aumento do contedo de NVP melhora a estabilidade dos hidrogis

por aumento da capacidade de hidratao da lente (Garrett et al., 2000). O NCVE, tambm

11

possui propriedades hidroflicas devido ao grupo carboxilo (OH). O PBVC e o TPVC so os

pr-monmeros mais hidrofbicos, com vrias ligaes de siloxanos. O PBVC assume a funo

de reticulante, cujo papel principal aumentar a integridade e a estabilidade do polmero. Este

polmero mais ramificado, conferindo propriedades mecnicas mais rgidas. A lente apresenta

uma colorao azulada que est relacionada com o tingimento efetuado com o corante Reactive

Blue Dye 246, de modo a facilitar o seu manuseamento por parte do paciente (Baush & Lomb,

2008).

A Balafilcon A uma lente de contacto inica de baixa hidratao que pertence ao grupo 3

segundo a FDA (Food and Drug Administration) (Karlgard et al., 2004).

A lente Hilafilcon B um hidrogel e, ao contrrio da lente de Balafilcon A, este polmero possui

um teor em gua mais elevado (cerca de 59% m/m), apresentando uma permeabilidade ao

oxignio limitada. Este tipo de lente tambm processado atravs da copolimerizao por via

radical livre com os monmeros apresentados na Figura 2: cido Metacrlico (MAA),

Hidroxietil Metacrilato (HEMA), N-Vinilpirrolidona (NVP) e Etileno Glicol Dimetacrilato

(EGDMA).

Figura 2 Composio dos monmeros do material da lente de contacto Hilafilcon B (Yaez et al., 2011).

O comportamento hidroflico do HEMA deve-se ao grupo hidroxilo (OH) que aumenta a

hidratao da lente e o conforto por parte do usurio. Atravs de ligaes por pontes de

hidrognio estabelecidas entre os grupos de hidroxilo e as molculas de gua, estas so

difundidas para o interior da matriz polimrica (Maldonado e Efron 2003). O monmero NVP,

como supracitado, confere hidrofilicidade ao polmero. O MAA um dos monmeros mais

utilizados em lentes de hidrogel pelo facto de ser extremamente hidroflico. O EGDMA um

monmero no inico que funciona como reticulante e apresenta um papel preponderante na

integridade e estabilidade das cadeias do polmero (Karlgard et al., 2004).

12

A Hilafilcon B pertence ao grupo 2 segundo a FDA, pois uma lente no-inica de alta

hidratao (Karlgard et al., 2004) e, tal como a Balafilcon A, tambm tingida com Reactive

Blue Dye 246 (Bausch & Lomb, 2003).

1.2. Sistemas de Libertao Controlada

Os SLC de frmaco so normalmente constitudos por uma estrutura polimrica biocompatvel,

onde se incorporam agentes teraputicos para o tratamento de determinadas doenas.

Incorporando o frmaco numa matriz polimrica, este funciona como sistema transportador de

compostos ativos at ao local de ao desejado. Para que um SCL seja funcional necessrio

ter em conta vrios fatores: o local de ao do frmaco; o tipo de material polimrico onde se

vai incorporar o frmaco; as caractersticas do prprio frmaco, e as interaes entre a matriz

polimrica e o frmaco (Chien e Lin, 2007).

A aposta em SLC est em crescimento devido ao facto de apresentar inmeras vantagens

quando comparados com os sistemas de libertao convencional: controlo da concentrao de

substncias ativas; manuteno da concentrao de frmaco no intervalo compreendido entre a

concentrao mnima efetiva e a concentrao mxima tolerada, que se designa por margem

teraputica (Figura 3); evita a sobredosagem e mantm os perodos efetivos da atuao do

frmaco; maximiza a relao dose-eficcia; aumenta a adeso teraputica por parte do

paciente; reduz os efeitos secundrios e o nmero de administraes.

Este tipo de libertao permite um maior controlo da farmacocintica, que consiste no estudo

do percurso que o frmaco segue no organismo, desde o processo de absoro, passando pela

distribuio, e metabolizao, at sua eliminao (Vilar et al., 2012). A escolha de um SLC

, seguramente, afetada pelo perfil de libertao que se pretende, sendo necessrio ter-se em

considerao dois parmetros muito importantes para a seleo do material mais adequado,

nomeadamente, a margem teraputica e o perodo de ao que se pretende (Lee et al., 2010).

A formulao de materiais de hidrogel normalmente permitem prolongar o tempo de residncia

do frmaco no local da absoro, mantendo a libertao do frmaco num perodo de tempo

convencional e com uma maior biodisponibilidade (Dodane e Vilivalam,1998).

Atravs da combinao de fatores como o comprimento da cadeira polimrica, o tipo de tomos

que entra na sua constituio (carbono, hidrognio, oxignio, entre outros) e o arranjo

geomtrico, possvel formar polmeros com propriedades nicas e distintas, originando um

material de uso particular e para determinada funo (Maldonado e Efron, 2003).

13

Figura 3 Concentrao de frmaco na corrente sangunea para as vrias formas de administrao de frmaco (adaptada de Coelho et al., 2010).

O perfil de libertao de frmacos influenciado pelas caractersticas do meio de libertao e

pelas propriedades fsico-qumicas do frmaco e do polmero. O grau de reticulao do

polmero, a localizao do frmaco na matriz polimrica, o tempo de difuso do frmaco no

meio de libertao e a capacidade de absoro de gua so parmetros muito importantes na

anlise do perfil de libertao.

Os SLC de frmacos a partir de materiais polimricos podem ser classificados em trs

categorias, consoante o mecanismo que controla a libertao de frmaco: difuso; ativao pelo

solvente; ou por ao qumica. No caso em estudo, a libertao d-se pelos dois primeiros

mecanismos que sero descritos de seguida (Li et al., 2007).

A libertao controlada pela difuso consiste no transporte de molculas de frmaco para o

meio externo atravs da matriz polimrica e est dividida em dois tipos: sistemas de reservatrio

e sistemas matriciais. Nos sistemas de reservatrio, o frmaco est rodeado por uma membrana

polimrica no degradvel, atravs da qual o frmaco se difunde lentamente. No sistema

matricial, o frmaco encontra-se disperso uniformemente ou dissolvido numa matriz polimrica

onde o frmaco se difunde lentamente para o meio de libertao (Malmonge e Zavaglia, 1997;

Li et al., 2007).

A difuso descreve a facilidade com que o frmaco se move atravs do polmero e pode ser

afetado pelas caractersticas de ambos. A taxa de libertao controlada pela taxa de difuso

do frmaco atravs da matriz.

Os sistemas de libertao que so ativados pelo solvente tambm esto divididos em dois

grupos: pela absoro de gua (swelling) ou pela presso osmtica. No primeiro caso, o frmaco

encontra-se dissolvido/disperso num hidrogel e, neste caso, a taxa de libertao do frmaco

controlada pela taxa de absoro de gua da matriz polimrica, havendo uma aumento das

cadeias de polmero e, consequentemente, a difuso do frmaco A libertao atravs da presso

14

osmtica controlada pelas concentraes do frmaco no exterior e no interior de uma

membrana semi-permevel, originando um fluxo do fluido do exterior para o interior do

dispositivo, forando a soluo saturada que se encontra no interior a sair pelo orifcio presente

na membrana (Malmonge e Zavaglia, 1997; Li et al., 2007).

No presente trabalho, a libertao controlada de frmaco d-se por difuso matricial e pela

ativao do solvente pela absoro de gua.

1.2.1. Formas de Administrao de Frmacos na Superfcie Ocular

A forma de administrao de frmacos na superfcie ocular quase exclusivamente feita atravs

de colrios devido ao baixo custo, simplicidade da formulao e boa aceitao por parte dos

pacientes (Braga et al., 2008). No entanto, como referido, apresentam baixa biodisponibilidade.

Existem inmeras alternativas viveis para a libertao de frmaco no globo ocular que

apresentam maior eficincia, tais como inseres, punctal plugs e lentes de contacto (Lang,

1995; Hu et al., 2011). Com efeito, h vrios estudos que confirmam que as lentes oferecem

uma maior biodisponibilidade da substncia ativa para a crnea devido localizao da lente

no olho.

Dada a maior sensibilidade e biodisponibilidade na superfcie ocular, os frmacos podem

apresentar alguns efeitos secundrios para o organismo quando a concentrao muito alta. Por

outro lado, se a concentrao for muito baixa no ocorre efeito teraputico, no sendo possvel

tratar a patologia (Lang, 1995).

Alm disso, o tratamento de problemas oculares pode ser um processo moroso que pode

estender-se de vrios dias at vrias semanas. O tempo de tratamento para ser eficaz deve

relacionar a concentrao de frmaco e o tempo de residncia do frmaco em contacto com a

crnea.

A formulao de produtos farmacuticos tem como propsito inicial na sua conceo a

definio da forma como o frmaco libertado e entregue no local de ao. Com efeito, existem

dois tipos de libertao: a forma convencional ou de libertao imediata e a forma de libertao

modificada, na qual se insere a libertao controlada de frmacos.

As formas farmacuticas convencionais exercem uma libertao rpida e indiscriminada do

frmaco. Assim, aps a administrao do medicamento, surge um pico plasmtico

correspondente concentrao mxima da substncia ativa na corrente sangunea, seguindo-se

uma diminuio exponencial da sua concentrao. Desta forma, para restabelecer os nveis

15

teraputicos, so necessrias vrias administraes, de modo a garantir que a concentrao

plasmtica seja superior concentrao mnima eficaz, abaixo da qual a substncia ativa no

exerce qualquer efeito teraputico. Como exemplo de libertao convencional tem-se o uso de

colrios que apresentam algumas desvantagens significativas no tratamento de doenas

oculares. Apenas uma percentagem muito reduzida do frmaco contido nas gotas oftlmicas

eficazmente utilizada, enquanto uma grande parte dos frmacos pode entrar na circulao

sistmica, quer por absoro conjuntival quer por drenagem no interior da cavidade nasal (Hu

et al., 2011). De forma a contornar este obstculo, pode optar-se por aumentar a concentrao

de frmaco na formulao, mas esta alterao pode resultar num grande aumento da

concentrao inicial no momento da libertao que pode ultrapassar a margem teraputica

aconselhada, resultando em sobredosagem. Alm disto, como so necessrias vrias

administraes ou dosagens maiores, a suscetibilidade ocorrncia de efeitos colaterais

aumenta e a adeso teraputica por parte do doente pode ficar comprometida.

Existem tambm pomadas oftlmicas que podem permanecer mais tempo em contacto com a

crnea; no entanto, podem afetar a viso e provocar irritao do tecido ocular (Hu et al., 2011).

Tendo em conta o facto de as formas farmacuticas clssicas apresentarem diversas

desvantagens associadas a uma eficcia teraputica reduzida, tornou-se perentrio o

desenvolvimento de formas de libertao alternativas. Deste modo, a libertao controlada

permite controlar a velocidade de libertao do frmaco, permitindo direcion-lo para o tecido

alvo e mantendo a atividade teraputica durante o perodo desejvel. A biodisponibilidade da

substncia ativa atravs do uso de lentes de contacto impregnadas com frmaco cerca de 50%,

sendo muito superior quando comparada com as solues de colrio que de 1 a 5% (Pisella et

al., 2002; Baudouin et al., 2010). As lentes de contacto impregnadas com frmaco tm uma

maior biodisponibilidade para a crnea porque o frmaco libertado fica aprisionando entre a

lente e o filme lacrimal durante cerca de 30 minutos, ao contrrio dos 2 a 5 minutos

proporcionado pelos colrios (Deshpande e Shirolkar, 1989). O aumento do tempo de residncia

conduz a uma maior absoro do frmaco pela crnea, reduzindo a dose necessria para um

tratamento eficiente e, desta forma, melhorar o perfil de segurana do frmaco no organismo.

Outra vantagem das lentes de contacto impregnadas est relacionada com o aumento da adeso

teraputica, uma vez que a complexidade de posologia menor e muitos dos usurios podero

tambm necessitar de lentes de contacto para correo da viso (Pisella et al., 2002; Baudouin

et al., 2010).

16

1.3. Processo de Impregnao/Deposio de Frmaco usando Dixido de Carbono Supercrtico

Neste trabalho utilizou-se como fluido supercrtico o dixido de carbono (CO2 com temperatura

e presso acima do seu ponto crtico: - 31.1C e 73.8 bar (Morrea et al., 2011)) que assume a

funo de solvente, pois amplamente utilizado por ser um composto qumico abundante e

barato, no inflamvel, seguro, inerte, muito solvel em meios aquosos, e apresenta a

capacidade de inchar, plastificar e diminuir a temperatura de transio vtrea da maioria dos

materiais polimricos (Braga et al., 2011a). Devido a estas caractersticas, este solvente

utilizado em extraes de produtos naturais, impregnao de frmacos em matrizes polimricas,

foaming de polmeros, entre outros (Velaga et al., 2002; Braga et al., 2008; Braga et al., 2010;

Costa et al., 2010; Tang et al., 2014).

Os sistemas de controlo de libertao de frmacos destinados administrao ocular obtidos

por impregnao atravs de scCO2 possuem inmeras vantagens. Esta tecnologia

caracterizada por no alterar as propriedades fsicas, qumicas e mecnicas do polmero e no

danificar o frmaco. Para alm disso, possibilita a obteno de matrizes polimricas

previamente preparadas e de dispositivos biomdicos que podem ser posteriormente

impregnados com frmacos; proporciona ainda a impregnao de frmacos hidrofbicos, que

no podem ser impregnados por imerso em soluo. A estas vantagens acresce o facto de no

se usarem solventes txicos e aps o processamento, o CO2 no deixa resduos no material.

Trata-se de um processo ajustvel, uma vez a que variao das condies de operao (presso,

temperatura, tempo de processamento, taxa de despressurizao e a adio do solvente) permite

controlar a quantidade de frmaco a impregnar.

Vrios estudos foram realizados utilizando scCO2 para impregnao de frmacos hidrofbicos

e hidroflicos em lentes de contacto comerciais. Quando o frmaco possui pouca afinidade com

o scCO2, necessria a adio de um co-solvente, como o etanol ou a gua, para facilitar a

impregnao do frmaco na matriz.

Dada a sensibilidade do material utilizado e as condies supercrticas a que sujeito, existe

um conjunto de interaes (Figura 4) entre o frmaco, o polmero e o solvente que requerem

um estudo prvio para que a impregnao seja eficiente. Essas interaes so: a solubilidade do

frmaco no solvente; a afinidade e a solubilidade do frmaco no polmero; e a interao entre o

solvente e o polmero, que compreende a solubilidade que o solvente tem no polmero e, desta

forma, o inchamento e plastificao que o solvente causa na matriz polimrica.

17

Figura 4 Interaes entre o frmaco, o polmero e o solvente na tecnologia de impregnao utilizando scCO2.

Esta tcnica consiste em trs passos sequenciais muito importantes.

Primeiramente, ocorre a dissoluo do frmaco no CO2, temperatura e presso pr-

estabelecidas (acima da temperatura e presso crticas). Sequencialmente, coloca-se a mistura

fluida resultante do passo anterior em contacto com a matriz slida (lente de contacto) durante

um perodo de tempo conveniente. Neste passo, a mistura fluida comprimida, ir difundir-se

para o interior da matriz dissolvendo-se nela, favorecendo a ocorrncia de um efeito

plastificante temporrio. Por fim, aps o tempo de contacto considerado conveniente, procede-

se remoo da mistura fluida comprimida, atravs da despressurizao. No final, recupera-se

a lente de contacto impregnada com o frmaco e livre de solventes (Kazarian, 2000, Kikic e

Vecchione, 2003; Beckman, 2004).

Em condies supercrticas, o fluido comprimido pode tambm atuar como fluido de

inchamento e de plastificao do polmero, ajudando na difuso do frmaco para o interior da

matriz. Isto acontece devido alta soro e solubilidade do CO2 em alguns polmeros,

promovendo o inchamento do polmero e alterando temporariamente as suas propriedades

mecnicas, promovendo o efeito de plastificao. Este efeito ocorre devido reduo da

temperatura de transio vtrea, que caracterizada pelo aumento da mobilidade dos segmentos

dos polmeros e pelo aumento da distncia entre as suas cadeias (Kikic e Vecchione, 2003;

Fleming e Kazarian, 2005).

No caso da estrutura polimrica ter um carcter mais hidrofbico e o frmaco tambm, existir

uma maior afinidade entre ambos e, desta forma, a solubilidade do frmaco no CO2 ir diminuir,

o coeficiente de partio entre o frmaco e o solvente ir aumentar e, consequentemente, a

massa de frmaco impregnada na matriz ser maior.

18

Por outro lado, se a estrutura polimrica for mais hidrofbica e o frmaco for hidroflico, o

polmero ir ter menor afinidade com o frmaco. A solubilidade do frmaco no CO2 ir

aumentar, o coeficiente de partio entre o frmaco e o solvente ser menor e, como

consequncia, a massa impregnada de frmaco na matriz ser mais baixa.

Para que se possa iniciar o processo de impregnao, condio imperativa ter conhecimento

da solubilidade dos frmacos no scCO2, que constitui outra interao envolvida no processo.

Neste sentido, foram realizadas investigaes por Rosa et al., 2015, acerca do estudo da

solubilidade do ATRA em scCO2 e por Chim et al., 2012 sobre o estudo da solubilidade da

NFLX em scCO2.

Outro aspeto tambm relevante o mximo de soro que o scCO2 tem nas matrizes polimricas

a utilizar. Braga et al., 2011b realizou um estudo relativo soro de scCO2 nas lentes de

contacto Balafilcon A e Hilafilcon B. O resultado obtido para o mximo de soro foi de 14h

aps o incio da impregnao, tendo sido levado em considerao este parmetro na realizao

deste trabalho.

Atravs do estudo realizado por Rosa et al., 2015 concluiu-se que durante o processo de

impregnao utilizando scCO2 a dissoluo e a re-precipitao do ATRA no CO2 levam

reduo do tamanho das partculas slidas do frmaco. Isto indica que esta tecnologia apresenta

tambm um potencial interessante para ser usada na micronizao de frmacos slidos. Esta

reduo de tamanho leva a uma melhoria no desempenho do processo de dissoluo dos

frmacos em fluidos biolgicos. Verificou-se tambm que, a taxa de dissoluo do frmaco

micronizado cerca de 59% superior quando comparada com a do frmaco no micronizado.

Assim, este melhoramento na performance do processo de dissoluo favorece o aumento da

biodisponibilidade do frmaco na corrente sangunea.

19

1.4. Doenas Oftalmolgicas

Anatomia e fisiologia do olho

O olho humano responsvel por um dos sentidos mais importantes para o ser humano.

Permite-nos interpretar as cores, formas e dimenses de tudo o que nos rodeia.

O olho um sistema complexo, uma vez que o nervo tico capaz de detetar os raios de luz e

transform-los em impulsos eltricos que so processados e interpretados a nvel cerebral.

O globo ocular responsvel por captar a luz refletida pelos objetos, consistindo numa esfera

com cerca de 24 mm de dimetro que est suspensa na cavidade ssea pelos msculos que

controlam os seus movimentos e por uma espessa camada de tecido adiposo no interior do

crnio que protege o olho e que permite que ele se movimente com facilidade (Seeley et al.,

2003).

Figura 5 Anatomia do olho (adaptada de Wikipedia, 2015a).

A crnea um tecido transparente que cobre a ris (Figura 5) e possibilita a passagem dos raios

de luz. Essa luz passa atravs do humor aquoso, que um lquido responsvel por fornecer

nutrientes crnea e ajuda a manter a presso intra-ocular. Posteriormente, incide no globo

ocular pela pupila, que controla a quantidade de luz que chega retina, atingindo de seguida o

cristalino. O cristalino, converge os raios luminosos para um foco sobre a retina, tornando as

imagens mais ntidas.

A retina tem como principal funo receber os fotoestmulos atravs de dois tipos de

fotorrecetores: os cones, que so responsveis pela viso a cores, e os bastonetes, que so

responsveis pela intensidade luminosa (Netter, 2000; Seeley et al., 2003).

No centro da retina est uma pequena mancha amarela, a mcula ltea, que congrega na sua

parte central, a fvea, que onde a luz focada normalmente. Esta estrutura compreende uma

maior acuidade visual devido elevada densidade de clulas fotorrecetoras e pelo facto dos

raios de luz no terem que atravessar muitas camadas de tecido antes de atingir as clulas

fotorrecetoras.

20

O sistema lacrimal produz e elimina as lgrimas, conseguindo um equilbrio entre a lubrificao

da crnea e a limpeza da superfcie ocular. O filme lacrimal constitudo por trs camadas, a

camada lipdica, a camada aquosa e a camada mucosa e, tem como funes, a hidratao da

superfcie ocular, nomeadamente a crnea e a conjuntiva; o metabolismo do olho pelo

transporte de oxignio, dixido de carbono e nutrientes, a defesa e proteo dos olhos contra

partculas e bactrias do meio ambiente e a lubrificao para os movimentos das plpebras e

favorecer o melhor funcionamento do centro tico (Gossman, 2004).

1.4.1. Sndrome do Olho Seco

A sndrome do olho seco, tambm conhecida por sndrome de disfuno lacrimal ou

ceratoconjuntivite seca, uma doena crnica que caracterizada pela diminuio da produo

da lgrima ou pela deficincia de alguns dos seus componentes.

Esta patologia surge de forma lenta e pode comear por causar sintomas quase impercetveis

ou atingir quadros clnicos bastante graves e sintomticos que comprometem a sade ocular,

provocando desconforto ocular, perturbao visual e instabilidade do filme lacrimal com

potenciais danos da superfcie ocular (Michael et al., 2007).

A sndrome do olho seco afeta quase dois milhes de portugueses (Bayer, 2015). Nos Estados

Unidos da Amrica esta doena predomina em 8% dos pacientes com doenas auto imunes, dos

quais 78% so mulheres. O mesmo estudo indica que a prevalncia da doena de 14% em

adultos com idades entre 48-91 anos (Gayton, 2009).

Na evaporao do filme lacrimal, quando se descreve como causa extrnseca a alterao da

superfcie ocular, refere-se a uma m lubrificao do olho que pode causar danos na crnea. A

causa principal associada a esta alterao a carncia da vitamina A no olho (Xeroftalmia).

A vitamina A extremamente importante para o olho, pois ajuda no desenvolvimento das

clulas caliciformes da conjuntiva. Quando existe carncia de vitamina A, o nmero de clulas

caliciformes diminui, tornando o filme lacrimal pouco viscoso e com rutura muito precoce,

causando tambm leso dos cinos da glndula lacrimal, pelo que este parmetro estar tambm

associado deficincia aquosa do filme lacrimal (Michael et al., 2007).

Na Figura 6 encontram-se esquematizadas algumas das causas associadas a esta doena.

21

Figura 6 Principais causas da sndrome do olho seco (adaptada de Michael et al., 2007).

1.4.2. Degenerao Macular

A doena macular degenerativa relacionada idade (DMRI) caracteriza-se pela perda de viso

central, sendo considerada a maior causa de cegueira em pessoas com idade superior a 65 anos,

quando no tratada (Michalska-Malecka et al., 2015). Deste modo, as mais simples tarefas que

impliquem a coordenao olho-mo, a conduo, a leitura, o reconhecimento de rostos, entre

outras, esto comprometidas. Facilmente se percebe que esta patologia restringe severamente a

independncia dos idosos, at ento, saudveis (Trial, 2010). Estudos relacionados com esta

doena revelam que nveis elevados de antioxidantes reduzem significativamente o risco de

DMRI avanada e a perda de viso associada (NEI, 2015). Dado o carcter antioxidante do

ATRA, este pode ser considerado uma alternativa vivel para a terapia da DMRI.

Dados oficiais em Portugal indicam que existem cerca de 355 mil pacientes, ou seja, cerca de

4% da populao portuguesa afetada por esta doena (SPO, 2015). J, nos Estados Unidos

esta patologia apresenta uma prevalncia em cerca de 11 milhes de pessoas (Bightfous, 2015).

Os fatores de risco associados a esta doena so a idade (fator predominante), o sexo (maior

incidncia no sexo feminino), a raa, fatores hereditrios e fatores pessoais, nomeadamente,

hbitos tabgicos, exposio s radiaes solares, cor da ris (azul mais suscetvel) e presena

de cataratas (Maryadele, 2011).

22

Existem dois tipos de DMRI, a seca e a exsudativa. A seca diagnosticada pela presena de

drusas (protenas e gordutas que se depositam abaixo da retina) de tamanho mdio e com

pequenas reas de hiperpigmentao. As pessoas com DMRI precoce geralmente no sofrem

perda total de viso (Michalska-Malecka et al., 2015).

Na DMRI exsudativa ocorre o desenvolvimento anormal de novos vasos sanguneos que

crescem sob a retina. Este fenmeno pode causar danos na mcula de forma mais rpida e grave,

nomeadamente a perda total da viso central (Michalska-Malecka et al., 2015).

O stress oxidativo a condio biolgica que provoca o desequilbrio celular devido produo

de espcies reativas de oxignio, que parecem desempenhar um papel crucial na patognese da

DMRI. As espcies reativas de oxignio so substncias que provocam danos nas clulas,

nomeadamente a reduo da reparao celular e a diminuio dos nveis de antioxidantes. As

espcies reativas de oxignio vo reagir com o oxignio causando hipoxia celular, que a

diminuio dos nveis de oxignio, que contrabalanado pela formao de novos vasos

sanguneos com o objetivo de aumentar o afluxo de oxignio na mcula, originando assim a

doena (Blasiak et al., 2014).

Estudos comprovam que o ATRA possui propriedades antioxidantes capazes de contrariar o

estado oxidativo em que se encontram as clulas (Beatty et al., 2000; Blasiak et al., 2014).

1.5. Frmacos Aplicados Oftalmologia

Dependendo da doena que se pretende tratar, necessrio efetuar um estudo prvio para

entender qual a melhor estratgia e qual o frmaco mais indicado para a patologia em questo.

Para alm das caractersticas farmacodinmicas e farmacocinticas de cada frmaco,

imperativo avaliar outros parmetros fulcrais para a realizao deste trabalho, nomeadamente,

as propriedades fsico-qumicas de cada componente e as possveis interaes entre eles: a

hidrofilia/hidrofobia do frmaco, a solubilidade e a densidade deste em dixido de carbono em

condies supercrticas.

Tendo em conta estes parmetros, os frmacos selecionados para cada tipo de doena foram o

ATRA, para o tratamento da sndrome do olho seco e da degenerao macular, e a Norfloxacina

para o tratamento de infees oculares.

O cido all-trans Retinico (ATRA) cuja estrutura (C20H28O2), est representada na Figura 7,

tambm conhecido por tretnoina. Trata-se da forma oxidada da Vitamina A, pertencendo

classe dos retinoides, pelo que desempenha funes essenciais em todo o corpo (na viso, na

regulao da proliferao e diferenciao celular, no crescimento sseo, na defesa imunolgica

23

e na supresso tumoral) (Fast, 1997). Primariamente, utilizado no tratamento da acne vulgaris

devido ao aumento da atividade mittica do epitlio folicular; tambm administrado em casos

de leucemia promieloctica aguda e pode ser uma mais-valia no caso da DMRI (Blasiak et al.,

2014) e no caso do sndrome do olho seco.

Figura 7 - Estrutura qumica do ATRA (Rosa et al., 2015).

A xeroftalmia uma condio mdica que se caracteriza pela dificuldade do olho em produzir

lgrima, causando a secura da conjuntiva e da crnea. comum em crianas, grvidas e idosos,

e, de entre as causas mais comuns, a deficincia grave em vitamina A a mais reportada,

podendo causar viso noturna anormal ou at mesmo cegueira noturna. A administrao tpica

do ATRA provou ser til no tratamento da xeroftalmia, eroses epiteliais da crnea e

anormalidades relacionadas com a superfcie ocular em coelhos (Harrison, 1983; Yavuz, 2012).

O carcter antioxidante do ATRA confere-lhe interesse no tratamento de patologias associadas

ao stress-oxidativo, como o caso da DMRI (Beatty et al., 2000; Siddikuzzaman e Grace,

2012).

O ATRA apresenta-se sob a forma de um p amarelo/laranjo claro, devendo ter-se particular

cuidado no seu acondicionamento devido ao facto de ser extremamente sensvel luz. solvel

em dimetilsulfxido e ter, levemente solvel em polietilenoglicol 400 (PEG 400), octanol,

etanol (100%) e clorofrmio e pouco solvel em gua, leo mineral e glicerina (Infarmed,

2015b).

O mximo de absoro do ATRA em gua observa-se para um comprimento de onda de 285

nm, o que permite a sua quantificao por espectrofotometria UV/VIS nos ensaios de libertao.

A estrutura da Norfloxacina (NFLX) (C16H18FN3O3) est representada na Figura 8. Trata-se de

um antibitico pertencente famlia das quinolonas, nomeadamente das fluoroquinolonas,

devido presena de um substituinte flor.

24

Figura 8 Estrutura qumica da Norfloxacina (Chim et al., 2012).

A NFLX sob a forma farmacutica de colrio um medicamento utilizado em afees oculares

como anti-infecioso tpico (Fast, 1997). Trata-se de uma fluoroquinolona de largo espectro, ou

seja, possui atividade contra bactrias Gram-positivas e Gram-negativas, envolvidas nas

infees superficiais do olho (Infarmed, 2015c).

No que concerne s caractersticas fsico-qumicas deste frmaco, encontra-se sob a forma de

um p cristalino branco, sendo higroscpico e tambm fotossensvel. Relativamente

solubilidade, a Farmacopeia Europeia revela que um frmaco muito pouco solvel em gua e

ligeiramente solvel em acetona e em lcool (Infarmed, 2015c).

O mximo de absoro da NFLX em gua observa-se para um comprimento de onda de 272nm.

Dada a necessidade de, no caso dos colrios, se aplicar cerca de 1 a 2 gotas no olho ou olhos

afetados, 4 vezes ao dia durante um perodo mnimo de 5 dias (Infarmed, 2015c), o uso de lentes

de contacto impregnadas com NFLX afigura-se como uma boa alternativa no que diz respeito

ao incremento adeso teraputica por parte do paciente devido simplificao da posologia.

O grande objetivo deste trabalho experimental foi desenvolver uma forma de administrao

ocular de frmacos oftalmolgicos atravs de lentes de contacto. A tecnologia utilizada foi a

impregnao/deposio usando scCO2 e foram testadas dois tipos de lentes de contacto

comerciais, a Balafilcon A e a Hilafilcon B.

A seleo dos frmacos utilizados teve como base o seu mecanismo de ao e o state of the art

relacionado com as patologias oculares para as quais se procura fornecer uma alternativa vivel

para o seu tratamento. O cido all-trans-retinico tem forte potencial para o tratamento da

sndrome do olho seco e da doena macular degenerativa relacionado com a idade e a

norfloxacina que comumente utilizada no tratamento de infees oculares, sob a forma de

colrio

https://en.wikipedia.org/wiki/Norfloxacin#/media/File:Norfloxacin.svg

25

2. MATERIAIS E MTODOS

Os materiais e mtodos utilizados ao longo do trabalho experimental, assim como alguns

princpios tericos das tcnicas usadas, encontram-se descritos de seguida.

2.1. Materiais

Os materiais utilizados para a atividade experimental, o peso molecular, o distribuidor, a pureza

e o Chemical Abstracts Service (CAS) number, encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1 Lista de material utilizado.

1-Ponto de fuso dos frmacos - Maryadele et al., 2011.

2-Propriedades do CO2 - Wikipdia, 2015b.

3-Solubilidade da NFLX em gua - Pubchem, 2015.

As lentes de contacto utilizadas, assim como as suas caractersticas, encontram-se na Tabela 2

e o esquema do procedimento experimental pode ser consultado na Figura 9.

Tabela 2 Lentes de contacto utilizadas.

Figura 9 Esquema do procedimento experimental.

Material

Peso

Molecular

(g mol-1)

Ponto de

fuso (C)

Solubilidade

em gua

(mg ml-1)

Distribuidor Pureza (%) CAS

cido all-trans

Retinico 300,44 180-1821 0,035

Sigma-Aldrich 98 302-19-4

Norfloxacina 319,33 220-2211 0,283 98 70458-96-7 Dixido de

Carbono 44,01 -55,62 1,7 a 20C2

Praxair,

Espanha >99,99, v/v 124-28-9

Lente Potncia

Esfrica

Curva Base

(mm) Dimetro T

(mm)

Quantidade de gua %

(m/m)

Dk

Balafilcon A

(Bausch & Lomb) -4,00 8,6 14,0 36 101

Hilafilcon B

(Bausch & Lomb) -8,00 8,6 14,2 59 22

26

2.2. Mtodos 2.2.1. Impregnao de Frmaco utilizando a Tecnologia de Dixido de Carbono

Supercrtico

Antes de se introduzirem as lentes de contacto comerciais na clula, estas so deixadas imersas

em gua destilada sob agitao magntica durante cerca de 24h para remover o mximo de

cloreto de sdio contido na soluo de armazenamento.

Na clula de alta presso (Figura 10), dividida em 5 andares, introduzem-se no primeiro andar

10mg de frmaco e um agitador magntico. No segundo andar, insere-se apenas um anel de

inox e, com auxlio de redes previamente preparadas, inserem-se sete lentes de contacto nos

trs andares seguintes, tambm separadas por anis perfurados nas laterais. As lentes so

introduzidas na vertical para diminuir a probabilidade de deposio de frmaco na superfcie

da lente durante a despressurizao.

Figura 10 Representao esquemtica da clula de impregnao.

O frmaco impregnado nas lentes atravs utilizando a tecnologia de scCO2. Na Figura 11,

podem observar-se a constituio e o mecanismo de funcionamento do sistema atravs da

esquematizao de um diagrama experimental do equipamento. Este equipamento composto

por uma bomba de lquido de alta presso, um banho de gua com temperatura controlada

(Thermoscientific, Haake AC 150), uma clula de alta presso com 23 cm3 de volume, um

manmetro (Lab DMM, transdutor REP), vlvulas de alta presso e uma placa de agitao

magntica para homogeneizar a mistura.

Depois de acondicionar as amostras dentro da clula de alta presso, esta imersa num banho

de gua termosttico temperatura que se pretende, consoante a condio que se deseja estudar.

De seguida, o CO2 armazenado na garrafa passa pelo compressor, onde se regula a presso a

que se pretende operar e, posteriormente, a clula saturada com CO2 at se atingir a presso

desejada. O sistema mantido temperatura e presso pr-estabelecidas durante 14h (Braga et

al., 2011b) para que se alcance a completa saturao da matriz polimrica com o CO2.

27

Aps esta etapa, procede-se despressurizao do sistema at presso ambiente, a uma taxa

de 1bar/min, mantendo a temperatura do banho constante. Este processo deve ser realizado de

forma lenta para no danificar as lentes e o frmaco residual coletado no final para um

recipiente com gua, precipitando-o, para no contaminar o ambiente. Por fim, recolhem-se as

lentes impregnadas com o frmaco e reservam-se numa caixa de humidade (75-80%).

Figura 11 Diagrama experimental do equipamento. Garrafa de CO2; V Vlvula; C Compressor; CT Controlador de

Temperatura, BA Banho de gua; TP Transdutor de Presso; CAP Clula de Alta Presso; VM Vlvula Macromtrica;

Vm Vlvula micromtrica; AM Agitador Magntico (adaptada de Rosa, 2013).

As condies utilizadas nesta atividade experimental encontram-se na tabela seguinte (Tabela

3).

Tabela 3 Condies de operao utilizadas no decurso da atividade experimental e respetiva densidade e solubilidade de cada

frmaco em CO2.

Ensaio Frmaco Presso

(bar)

Temperatura

(C)

Densidade do CO2

(kg m-3)1

Solubilidade em

CO2 x 102 (g L-1) 2, 3

1

cido all-trans

Retinico

200 35 868,72 2,79

2 55 763,75 5,53

3 300

35 929,42 5,13

4 55 852,07 10,71

5

Norfloxacina

200 45 815,06 2,23

6 55* 785,11 6,38

7 300

45 892,23 6,54

8 55* 869,65 15,40

Observaes: *Os valores da densidade e da solubilidade da NFLX em CO2 apresentados na tabela a 55C correspondem, na realidade,

temperatura de 50C disponvel na literatura. Considera-se que a diferena no significativa.

1-Densidade do CO2 - NIST, 2015.

2-Solubilidade do ATRA em CO2 - Rosa et al., 2015.

3-Solubilidade da NLX em CO2 - Chim et al., 2012.

28

2.2.2. Mtodos de Caracterizao

Ao longo desta subseco ser feita a descrio dos mtodos de caracterizao utilizados para

avaliar a eficincia da impregnao efetuada nas diferentes condies para os dois frmacos

estudados.

Estudo de Libertao (In Vitro): O frmaco foi quantificado para verificar a capacidade de

carregamento das lentes de contacto usando o mtodo de impregnao utilizando scCO2. As

lentes de contacto comerciais impregnadas com cada um dos frmacos utilizados foram imersas

em 20 mL e/ou 40 mL de gua bidestilada dependendo da concentrao do frmaco na lente e

colocadas ao abrigo da luz sob agitao a 100 rpm e a 37C, de forma mimetizar a temperatura

normal da superfcie ocular. Foram recolhidas alquotas de aproximadamente 1,6 a 2 mL da

soluo e, posteriormente, foi analisado o valor da absorvncia por espectrofotometria (Jasco

V- 650, Japan). O comprimento de onda mximo absorvido pelo ATRA e pela NFLX foi de

285 nm e 272 nm, respetivamente. A medio foi feita como sistema de libertao fechado sem

renovao de fludo, dado que a concentrao de frmaco a medir era relativamente baixa. Esta

anlise foi feita durante um perodo de tempo pr-estabelecido, que variou entre 24 e 144h. A

concentrao de frmaco foi determinado atravs das curvas de calibrao.

As curvas de calibrao de ambos os frmacos encontram-se no ANEXO I.

Modelos Matemticos da Libertao Controlada: De forma a compreender os

mecanismos que controlam a libertao dos frmacos a partir das lentes, recorreu-se a modelos

matemticos que permitem estimar os parmetros cinticos e os coeficientes de difuso.

Analisando os perfis de libertao obtidos para ambos os frmacos denotaram-se duas etapas

distintas: a etapa inicial que caracterizada por um perfil de libertao mais rpido e uma etapa

seguinte correspondente a um perodo de libertao mais lento.

Recorrendo equao de Korsmeyer-Peppas (Equao 1) (Yaez, 2011), que relaciona a

velocidade de libertao com o tempo, calculou-se os coeficientes cinticos de libertao para

todas as condies estudadas. Esta equao s vlida para os primeiros 60% de libertao. A

Equao 2 obteve-se atravs da logaritmizao da Equao 1.

Representou-se graficamente o

em funo de log t, para se obter a equao da recta a

partir da qual se determinam os parmetros cinticos, n e K. O n o expoente de libertao que

fornece informao sobre o mecanismo de libertao do frmaco e o K a constante cintica

29

de libertao que incorpora as caractersticas geomtricas e estruturais do dispositivo de

administrao polmero + frmaco (Siepmann e Peppas, 2001; Yaez, 2011).

= . (1)

= log + log (2)

Mt representa a massa do frmaco libertado num perodo tempo t, M representa a massa de

frmaco num perodo de tempo infinito e t representa o tempo de libertao.

Como os perfis de libertao apresentam duas etapas distintas, isto , velocidades de libertao

diferentes, imprescindvel estudar os coeficientes de difuso nessas duas zonas. Para isso,

recorreu-se s equaes 3 e 5: a primeira apenas vlida para os primeiros 60% de libertao e

a segunda vlida para os ltimos 40% da libertao (Siepmann e Peppas, 2001; Yaez, 2011).

Estas duas equaes tm sido amplamente utilizadas para se obter os coeficientes de difuso a

partir de dados experimentais de libertao de frmacos. Aps linearizar as equaes anteriores,

obtiveram-se as equaes 4 e 6, respetivamente para cada um dos modelos.

Representou-se graficamente

em funo de t1/2 para os primeiros 60% de libertao e para

os ltimos 40% de libertao representou-se log (1 -

) em funo de t.

= 4 (1

2)

12

(3)

= 16 12

12 (4)

= 1 (8

2)

2

2

2 (5)

log (1

) = log ((8

2)

2 2

2) (6)

Em que l a espessura da lente, D1 e D2 so os coeficientes de libertao para os primeiros 60%

e para os ltimos 40% de libertao, respetivamente.

Quando a gua penetra na lente a configurao da matriz altera, levando a um relaxamento das

cadeias polimricas. Este processo de relaxamento normalmente envolve uma transio de fase

30

do estado vtreo para o estado amorfo. Isto , a gua atua como um plastificante no polmero,

levando a uma diminuio da temperatura de transio vtrea da matriz. Quando esta

temperatura se torna igual temperatura a que se encontra o sistema, o polmero passa do estado

vtreo, onde as cadeias de polmero tm uma mobilidade muito reduzida, para o estado amorfo,

onde estas apresentam uma maior mobilidade e uma expanso do volume (Siepmann e Peppas,

2001; Lin e Metters, 2006).

Como a espessura das lentes muito pequena comparada com o dimetro, considera-se a lente

de contacto como um filme e, deste modo, o mecanismo de libertao do frmaco ao longo do

tempo pode ser classificado da seguinte forma (Coimbra, 2010):

Difuso Fickiana, para 0 < n 0,5 normalmente associada cintica de libertao que

segue a primeira lei de Fick, ou seja, quando a taxa de difuso da gua na matriz

polimrica muito mais lenta que o processo de relaxamento da matriz.

Transporte anmalo ou no Fickiano para 0,5< n 1,0 quando as taxas de difuso e de

relaxamento das cadeias polimricas so semelhantes.

Caso II ou transporte controlado pelo relaxamento para n > 1,0 acontece quando a

difuso mais rpida do que o processo de relaxamento das cadeias polimricas. O

processo de difuso passa a ser controlado pela cintica de relaxamento e no pela lei

de Fick.

Este estudo foi feito apenas para as impregnaes do ATRA e da NFXL na lente Balafilcon A

para todas as condies estudadas.

Espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR): O objetivo

da utilizao desta tcnica foi verificar a presena de frmaco depositado na superfcie das

lentes de contacto.

A tcnica de FTIR normalmente utilizada para identificar a estrutura e a pureza de um

determinado composto. O equipamento disponvel para a realizao deste estudo de

caraterizao foi o Jasco FT/IR-4200, Japan. Utilizou-se o mtodo de espectroscopia de

infravermelho por reflectncia total atenuada (ATR) para obter os espectros dos frmacos, das

lentes desprovidas de frmaco e das lentes impregnadas. A resoluo foi de 4 cm-1, 256 scans

e com varrimento do espectro numa regio entre 3100 e 500 cm-1.

31

ngulos de Contacto: A avaliao dos ngulos de contacto de cada lente foi realizada para

investigar se a molhabilidade caraterstica de cada tipo de lente sofreu alguma alterao

aquando da impregnao de alta presso com scCO2. Os resultados s podem ser comparveis

se os ensaios forem realizados tanto nas lentes no processadas como nas lentes processadas.

Para efetuar esta caraterizao procedeu-se de acordo com o mtodo sessile drop, onde a tcnica

de medio de ngulos de contacto feita atravs de um lquido, neste caso gua, onde a

interface lquido/vapor encontra uma superfcie slida. Esta tcnica determina o ngulo de

contacto das lentes, indicando se o material tem carcter hidroflico ou hidrofbico. Deste

modo, a gota de gua (cerca de 10 L), dispensada sobre a superfcie da lente usando uma

seringa (Dias et al., 2012).

A operao consistiu na realizao de 5 medies em quatro regies distintas de cada lente

atravs do equipamento disponvel (OCA 20 DataPhysics), que se baseia no mtodo de Young-

Laplace.

Transmitncia: As lentes de contacto comerciais devem ser transparentes para que seja

permitida uma perceo clara e sem distoro dos objetos (Gulsen, 2006). Desta forma,

necessrio assegurar a transparncia na zona do visvel, sendo um parmetro muito importante

para avaliar se o processo de impregnao provoca alteraes nesta propriedade. A

transmitncia compara a intensidade de luz que passa atravs da lente com a intensidade de luz

que incide sobre ela e expressa em percentagem.

O equipamento (Jasco V-530, Japan) efetua a leitura da transmitncia no comprimento de onda

de maior interesse para lentes de contacto que se situa nos 600 nm, uma vez que este

comprimento de onda visvel que utilizado para quantificar a transparncia (Gulsen, 2006;

Yaez et al., 2008).

Microscopia Eletrnica de Varrimento (SEM): Para visualizao/localizao dos

frmacos no interior e superfcie das matrizes polimricas utilizou-se a microscopia eletrnica

de varrimento, que permitiu identificar a sua presena, forma, tamanho e distribuio na

superfcie e no interior da lente de contacto.

O protocolo utilizado nesta tcnica consistiu em recorrer ao espalhamento das amostras de uma

lente impregnada com ambos os frmacos, fraturadas com auxlio de azoto, e colocadas numa

fita adesiva de grafite sobre o suporte metlico do microscpio eletrnico. Como os materiais

polimricos no so condutores foi necessrio proceder ao seu revestimento com uma camada

32

de ouro com aproximadamente 300. O equipamento utilizado foi o Merlin-ZEISS e a anlise

foi feita a 5kV com o aumento de 500 X e 1000 X.

33

3. RESULTADOS E DISCUSSO 3.1. Quantificao de Frmacos

Foram realizados ensaios de libertao in vitro para avaliar a quantidade de frmaco

impregnado nas lentes Hilafilcon B e Balafilcon A.

Quantificao total de ATRA impregnado na Balafilcon A

Na Figura 12, encontram-se os resultados obtidos para a massa de ATRA impregnado em cada

lente para as diferentes densidades do CO2. importante referir que a libertao das lentes

impregnadas com frmaco ocorreu durante 6 dias. No entanto, para a