Liderança compartilhada, o modelo deacontecem de cima para baixo, o movimento é lento demais”....

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T emos despendido tempo demais procurando a liderança no lugar errado. Ela não tem a ver com os líderes em si, com pessoas ca- rismáticas. Refere-se à prática de pessoas que trabalham juntas para materializar as escolhas que fize- ram juntas. Diz respeito ao com- partilhamento da liderança. O mundo dos líderes carismá- ticos não é suficientemente bem- -sucedido? Bem, muitos dizem que a raça humana está mais perto da extinção do que em qualquer ou- tro momento da história – e foram nossos líderes que nos fizeram che- gar a esse ponto. Dentro das cor- porações, sobretudo, existe a preo- cupação de que a visão de cima para baixo dos líderes se tornou muito limitada. Isso fica evidente quando um executivo como Simon Lloyd, diretor de recursos humanos do Banco Santander no Reino Uni- do, diz em uma entrevista que, por causa das tecnologias de co- municação, “tentar impor uma estrutura de controle e comando não funciona mais”. É hora de o líder empresarial descer do pedestal e compartilhar a liderança com sua equipe, como fez o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela | por JOSEPH A. RAELIN Vale a leitura porque... ... no âmbito acadêmico, ainda tem força a teoria de liderança surgida no século 19, a do “grande homem”. Segundo ela, a marcha histórica da civilização se baseia nos feitos de grandes líderes individuais, por causa de sua personalidade. ... também na prática das organizações permanece o ideal dos líderes carismáticos. ... ao mesmo tempo, a maioria das empresas admite que a visão de cima para baixo típica dos líderes carismáticos é muito limitada para os desafios dos dias atuais. ISTOCKPHOTO | edição 113 extra educação executiva liderança e pessoas | artigo Joseph A. Raelin é professor de gestão e desenvolvimento organizacional da D’Amore-McKim School of Business, da Northeastern University, de Boston, Massachusetts, EUA. Liderança compartilhada, o modelo de MANDELA

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Temos despendido tempo demais procurando a liderança no lugar errado. Ela não tem a ver com os líderes em si, com pessoas ca-rismáticas. Refere-se à prática de pessoas que trabalham juntas para materializar as escolhas que fize-ram juntas. Diz respeito ao com-partilhamento da liderança.

O mundo dos líderes carismá-ticos não é suficientemente bem--sucedido? Bem, muitos dizem que a raça humana está mais perto da extinção do que em qualquer ou-tro momento da história – e foram nossos líderes que nos fizeram che-gar a esse ponto. Dentro das cor-porações, sobretudo, existe a preo-cupação de que a visão de cima para baixo dos líderes se tornou muito limitada.

Isso fica evidente quando um executivo como Simon Lloyd, diretor de recursos humanos do Banco Santander no Reino Uni-do, diz em uma entrevista que, por causa das tecnologias de co-municação, “tentar impor uma estrutura de controle e comando não funciona mais”.

É hora de o líder empresarial descer do pedestal e compartilhar a liderança com sua equipe, como fez o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela | por JOSEPH A. RAELIN

Vale a leitura porque...

... no âmbito acadêmico, ainda tem força a teoria de liderança surgida no século 19, a do “grande homem”. Segundo ela, a marcha histórica da civilização se baseia nos feitos de grandes líderes individuais, por causa de sua personalidade. ... também na prática das organizações permanece o ideal dos líderes carismáticos. ... ao mesmo tempo, a maioria das empresas admite que a visão de cima para baixo típica dos líderes carismáticos é muito limitada para os desafios dos dias atuais.

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| edição 113 extra

educação executiva liderança e pessoas | artigo

Joseph A. Raelin é professor de gestão e desenvolvimento organizacional da D’Amore-McKim School of Business, da Northeastern University, de Boston, Massachusetts, EUA.

Liderança compartilhada, o modelo de MANDELA

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É nítido quando uma executiva como Betsy Sutter, vice-presidente corporativa sênior e responsável pela gestão de pessoas da VMwa-re, afirma que, devido ao rápido ritmo das mudanças, “não se pode esperar conseguir escalar, transfor-mar e vencer se você não estiver criando modelos ágeis. Se as coisas acontecem de cima para baixo, o movimento é lento demais”.

Podemos obter alguns insights para esse novo modelo de liderança com Nelson Mandela (1918-2013), que foi presidente da África do Sul e uma das maiores figuras de nosso tempo.

Ele costumava enfatizar a natu-reza compartilhada da liderança e ficou conhecido por dar crédito aos outros – quando homenageado por seu papel no fim do apartheid, observou que essa mudança foi um empreendimento coletivo.

Ao contrário do que se pensa, uma das lições mais importantes de liderança que podemos tirar de Mandela foi não sua conquista da liderança, mas a maneira como a compartilhava.

POR QUE A ABORDAGEM DE MANDELA É DISTINTA

A abordagem de Mandela suge-re uma nova forma de pensar em liderança. Deixa de ser um con-junto de características próprias de indivíduos especialmente dota-dos e torna-se um conjunto de prá-ticas de pessoas engajadas na ma-terialização de suas escolhas.

Que atividades esse tipo de lide-rança envolve? As principais são es-quadrinhar o ambiente, mobilizar recursos e convidar os outros a par-ticipar – tecendo interações entre redes existentes e novas, oferecen-do feedback, facilitando a reflexão.

E como desenvolver esse tipo de liderança? Isso exige um treina-mento diferente do padrão adotado pelas empresas, que tira os gestores de seu local de trabalho para assis-

tir a sessões que supostamente ensi-nariam competências de liderança. Se a liderança é uma atividade co-laborativa, faz pouco sentido edu-car indivíduos para exercê-la em um ambiente afastado de onde a liderança precisa acontecer.

Gestores podem aprender com-petências ou habilidades específicas em sala de aula, mas talvez não as considerem aplicáveis aos proble-mas reais em seu ambiente de ori-gem. Até a transmissão das melho-res práticas pode não dar em nada em sala de aula, uma vez que a pes-soa se concentra para valer no am-biente real com a prática real.

O que fazer, então? Descartar o treinamento de liderança? Não, este deve continuar a ser feito, po-rém combinado com experiências de desenvolvimento formais e in-

O EXEMPLO DE MANDELA MOSTRA QUE LIDERAR É UM

CONJUNTO DE PRÁTICAS DE PESSOAS

ENGAJADAS EM EXECUTAR

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formais no ambiente de trabalho, como mentoria de pares, coaching, processo de reflexão em grupo e aprendizado ativo.

O desenvolvimentoSe você quer desenvolver lideran-

ça em um grupo, precisa encontrar meios de trazer mais do que há de inconsciente para o domínio da consciência e do intencional. Tem de estudar exemplos de fracasso, dissonância, crise e obstrução no lo-cal de trabalho ou mesmo surpresas que estimulem a criatividade.

Um dos métodos disponíveis pa-ra instigar esse tipo de diálogo re-flexivo é o aprendizado ativo, no qual os participantes param e re-

Você aplica quando...

... associa o treinamento-padrão de líderes, ministrado em sala de aula, a experiências no local de trabalho e a problemas reais, com mentoria, coaching e aprendizado ativo. ... traz o inconsciente para o domínio da consciência e do intencional, estudando mais exemplos de fracasso, crise e obstrução no local de trabalho ou gerando surpresas que estimulem a criatividade. ... aceita o modelo de liderança compartilhada, no qual os participantes consigam engajar-se uns com os outros e refletir sobre as próprias ações a fim de que possam melhorar as práticas em curso.

fletem em tempo real sobre pro-blemas que acontecem em seu am-biente de trabalho.

O aprendizado ativo exige que os gestores façam um esforço concen-trado para observar e pensar juntos sobre as práticas que têm impacto no

resultado final. A multinacional de tecnologia da informação Cisco, se-diada na Califórnia, é uma das que já usaram o método, por exemplo.

CONTRA O DESPERDÍCIOA ideia deste artigo não é acabar

com os líderes. O que dizemos é que liderar não pode mais se resumir à transferência de instruções “daque-les que sabem” para “aqueles que não sabem”. Em ambientes de ne-gócios que se movimentam rápido, desperdiçar a energia e a criativida-de dos condenados ao papel de se-guidores não é mais possível.

Precisamos, isso sim, de um mo-delo de liderança que se autocorri-ja, no qual os participantes consi-gam, por conta própria, engajar-se uns com os outros e refletir sobre suas ações para que possam apren-der continuamente e melhorar as práticas ainda em andamento.

A liderança é devolvida ao gru-po que põe mãos à obra, em vez de se solidificar em torno de um indivíduo que está tomando deci-sões pelos outros.

hsm management

© MIT Sloan Management Review Editado com autorização. Distribuído por Tribune Media Service International. Todos os direitos reservados.

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