Lila e o jogo de Deus 1 384 -...

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UMI SINHA LILA E O JOGO DE DEUS TRADUZIDO DO INGLÊS POR ANA SALDANHA

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UMI SINHA

LILAE

O JOGO DE DEUS

TRADUZIDO DO INGLÊS POR

ANA SALDANHA

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Lila

Peshawar, Índia, 14 de julho de 1907

A criança trepou pelas prateleiras do almirah, pondo os seus

pés descalços entre as pilhas dobradas de linho bordado.

Ajoelhou-se no cimo, inclinou-se para baixo e fechou as pesa-

das portas trabalhadas, e depois içou-se para a prateleira larga

acima da porta ao longo do corredor das traseiras do bunga-

low. A prateleira, usada para guardar malas velhas, estava

coberta de poeira, e ela olhou arrependida para as marcas que

deixou na sua camisa de noite. A sua ayah ficaria zangada,

mas era demasiado tarde para pensar nisso agora.

Havia espaço para se pôr de pé em cima da prateleira.

Equilibrando-se como uma trapezista, avançou por entre os

sacos e as malas até chegar à bandeira por cima das portas da

sala de jantar. As suas vidraças estavam pintalgadas das moscas

e cobertas de teias de aranha. Ela ajoelhou-se e varreu as teias

de aranha com as mãos, limpando a substância pegajosa a um

saco de tecido que estava perto, e a seguir lambeu um dedo e

esfregou com ele o vidro para limpar um pequeno círculo.

Agora já conseguia ver.

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Diante dela, os folhos da ventoinha punkah pendiam

imóveis; o punkahwallah ainda devia estar na varanda da

frente, a abanar a ventoinha para os convidados na sala de

estar. Ela olhou para baixo, para a mesa.

As pratas, que escureciam rapidamente nesta altura do

ano, estavam polidas de fresco, e os cristais cintilavam à luz

das velas. Ela olhou atentamente para a toalha de mesa, mas o

seu complicado bordado estava ocultado sob as louças, os

cristais e as pratas; ela só conseguia ver a faixa do seu lado, que

parecia consistir num motivo repetido da Árvore da Vida com

flores e frutos de cores garridas. A sua mãe andava a bordá-la

há meses, fechada no quarto. Era uma surpresa para os anos

do pai – tinha sido a mãe a pôr a mesa para que nem os criados

a vissem.

A chuva martelava o telhado de chapa e a humidade

envolvia-a como um cobertor. Ela sabia que não devia estar ali

em cima, mas ansiava por ver o rosto do pai quando a toalha

de mesa fosse revelada em toda a sua glória. Andara a planear

aquilo o dia todo, e esgueirou-se mal ele acabou de lhe ler em

voz alta, enquanto a ayah ajudava a sua mãe a vestir-se.

Esperava que eles não demorassem. Era desconfortável

estar ali ajoelhada em cima da prateleira. Pedacinhos de casca-

lho enterravam-se-lhe nos joelhos e tinha de apertar o nariz

para não espirrar. Mudou de posição para aliviar as pernas e

um pé escorregou-lhe da prateleira.

– Oh! O que está a fazer aí em cima, menina? Mais uma

das suas marotices?

Ela deu um salto quando a voz de Afzal Khan soou, atroa-

dora. Ele ergueu o braço e agarrou-lhe o pé, empurrando-lho

para a berma.

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– Chiu – murmurou ela, tentando soltar-se. – Larga-me!

Ele baixou a voz. – Desça, Missie Baba. A Memsahib vai

ficar zangada se a vir aí em cima. E a menina vai ficar muito

suja.

– Chiu! – disse ela outra vez. – Eu quero ver a toalha de

mesa!

– Onde está a Ayah?

– No quarto da Mãe. Ela julga que eu estou na cama. Por

favor, não a chames!

Ele riu-se. – Não me faça esses olhos grandes-grandes!

Quem diria que já tem doze anos? A minha filha é da sua

idade e vai ser noiva em breve. Agora fique em silêncio. Eu

vou abrir a porta. Estou elegante?

Ela virou-se e olhou para ele. Ele trazia uma túnica branca

engomada, com botões de latão polidos, e ainda o turbante e

a faixa cor de açafrão.

– O teu turbante não está direito. – Estendeu o braço e

endireitou-lho. – Agora estás todo bonito.

Ele riu-se e fez-lhe cócegas no pé e ela afastou-o com uma

sacudidela, reprimindo uma gargalhada. – Para com isso!

Ele inspirou fundo, empertigou-se e abriu as portas,

entrando na sala de jantar por baixo dela. O leque de pregas

tesas no seu turbante agitou-se enquanto ele atravessava a sala

de jantar e abria as portas que davam para a sala de estar. Fez

uma vénia. – O jantar está servido, memsahib. – Em seguida,

voltou a atravessar a sala de jantar e saiu pelas portas por baixo

dela, fechando-as atrás de si.

Ela inclinou-se e deitou a mão ao leque do seu turbante. Ele

agarrou-o, voltando a pô-lo na cabeça e depois virou-se e ace-

nou-lhe com o dedo. – Ou se porta bem ou eu chamo a Ayah.

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Uma procissão de pratos desfilou da cozinha, com os ape-

titosos odores de carne e de molhos aromatizados com açafrão

a elevarem-se para onde ela estava sentada e a fazerem-lhe

água na boca. Os criados dos convidados serviam os seus amos

e as suas amas e perfilavam-se por trás deles, prontos a dar um

passo em frente quando necessário. Ela esperou, absorvida a

observá-los, embalada pelo murmúrio baixo das vozes e das

risadas ocasionais.

Como a maior parte dos rostos estava voltada para a sua

mãe, que se encontrava sentada de costas para a bandeira,

a criança só conseguia ver os seus gestos animados e os caracóis

a balouçarem quando ela virava a cabeça. O pai, sentado em

frente a ela, parecia absorto, e mal falava ou tocava na comida.

Lila reparou na senhora loura a pegar na beira da toalha

de mesa e a examiná-la e depois a dizer alguma coisa ao Tio

Roland. Ele olhou para baixo para a toalha, ergueu brusca-

mente os olhos para a mãe dela e depois lançou um olhar ao

pai dela, que não pareceu reparar.

Por fim, o jantar terminou e Afzal Khan surgiu dos ane-

xos com o bolo. Parou ao passar por baixo dela e ela sentiu o

calor das velas no rosto quando se inclinou para ele. Era um

bolo gigante com merengue, barrado com creme de manga e

laranja, com as palavras «Feliz 50º Aniversário, Henry» escri-

tas a chocolate na letra corrida da mãe dela. Os convidados

soltaram exclamações quando Afzal Khan o colocou no cen-

tro da mesa e serviu champanhe do balde de gelo no aparador,

e em seguida deram vivas e riram-se quando o pai dela inspi-

rou fundo para soprar as velas. Houve brindes e mais conver-

sas enquanto o bolo era comido. As pernas dela estavam

dormentes e ela já quase lhes fazia companhia quando os cria-

dos avançaram para levantar a louça da mesa.

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Enquanto os pratos, os marcadores e as grandes travessas

de prata eram retirados, ergueram-se vozes de admiração, que

em seguida se foram calando. Instalou-se o silêncio, com toda

a gente a fitar a toalha de mesa. Os criados, intrigados com o

silêncio, viraram-se para olhar, com os pratos ainda nas mãos.

Era como a cena de A Bela Adormecida quando toda a gente

no palácio se transformava em pedra.

Ela ajoelhou-se e esfregou o vidro embaciado, tentando

ver mais claramente a toalha de mesa, mas só conseguia divi-

sar uma mancha indistinta de cores e formas rodopiantes. A

seguir, foi só ruído e movimento: houve gritos de fúria e de

repugnância, com os convivas a porem-se de pé de um salto;

tombaram cadeiras, mas ninguém parou para as levantar, com

as pessoas a acotovelarem-se para saírem pelas portas para a

sala de estar. A senhora de cor de rosa parecia prestes a des-

maiar; a grávida pegou num guardanapo e vomitou nele; o

homem de idade pôs o braço à volta da senhora e olhou

furioso para a sua mãe.

Alarmada, a menina virou-se para descer, mas os criados

precipitavam-se pelas portas por baixo dela para poderem ir a

correr tratar dos seus amos e das suas amas. Da frente do bun-

galow, ouviu Afzal Khan a berrar aos cocheiros que trouxes-

sem as carruagens.

Ela olhou de novo para dentro da sala e viu o velho militar

parar e apertar o ombro do pai dela ao passar, mas o pai não

ergueu os olhos. Fixava a mesa diante de si, o rosto sem expres-

são, como se estivesse a escutar uma voz que só ele conseguia

ouvir. O Tio Roland apareceu à porta e hesitou. Avançou na

direção da mesa como se fosse falar, mas parou, com os olhos

pregados na toalha diante do pai dela; em seguida, virou-se

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e saiu da sala, passando por Afzal Khan, que estava a entregar

os chapéus, os xailes e as bengalas aos convidados de saída.

Depois de partir o último, Afzal Khan fechou as portas duplas

a partir do lado de fora. Ela ficou à espera que ele voltasse para

lhe perguntar o que tinha acontecido, mas ele devia ter-se

esquecido dela, porque não veio ninguém.

A chuva tinha parado e tudo estava em silêncio, a não ser

o ranger constante da punkah; só os dois estavam ainda na

sala de jantar, o pai a fitar a toalha de mesa, a mãe junto ao

aparador. Foi só quando o pai se mexeu que ela se apercebeu

de que tinha estado a suster a respiração. Ele empurrou para

trás a cadeira, pôs-se pesadamente de pé e passou pela mulher

sem olhar para ela.

Quando ele passou por baixo da prateleira, ela virou-se.

Houve um momento em que ela poderia ter estendido a mão,

em que poderia ter-lhe tocado no cimo da cabeça, na parte

em que se via o couro cabeludo através do cabelo ralo. Mas ele

já tinha avançado pelo corredor em direção ao seu escritório.

O primeiro impulso dela foi saltar para baixo, segui-lo,

mas a curiosidade manteve-a imóvel. Mudou a posição das

pernas e esfregou-as, sustendo a respiração por causa do for-

migueiro insuportável, enquanto observava a sua mãe a passar

a mão, sonhadora, pela toalha de mesa, de cabeça inclinada,

como se também ela estivesse a escutar algum som longínquo.

Mas quando o som veio não era de longe, mas de muito

perto, e tão alto que, nos momentos seguintes, os ouvidos da

criança ficaram a tinir.

Ela atirou-se de costas da prateleira e, ao pousar os pés no

chão, ouviu Afzal Khan berrar alguma coisa dos anexos e

o arrastar de uma cadeira da sala de jantar. Nunca chegaria

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a recordar-se de como tinha chegado até ao escritório, apenas

da sensação do frio puxador de latão na sua mão e da cena que

se lhe deparou ao entrar de roldão.

Dentro do escritório, uma fonte de vermelho – um ver-

melho puro, lindo – tinha despontado da parede por trás da

secretária e aspergira o teto. O cheiro a cordite e a algo mais

forte, metálico, ficou-lhe na garganta. Na prateleira por detrás

da secretária a estatueta de bronze de Shiva dançava à luz do

candeeiro, os seus membros na sombra a ondularem contra a

parede no seu círculo de chamas. Ela fitou-a, tentando não

olhar para a coisa tombada de bruços sobre a secretária. Havia

uma estranha vibração, um rufar silencioso de tambores; o ar

estremecia ao seu ritmo e as sombras moviam-se mais

depressa, os membros da divindade eram uma mancha indis-

tinta. Ela estremeceu e olhou para baixo, para o fino nevoeiro

vermelho que se instalava nos seus braços nus.

Cega e estonteada, virou-se para a porta e colidiu com

alguém que vinha a entrar. Unhas afiadas enterraram-se-lhe

nos ombros. Ela reprimiu um grito de dor e ergueu os olhos.

A mãe estava de pé diante dela, não a olhar para ela mas para

a parede por detrás dela. À luz suave do candeeiro, o seu rosto

tinha tanta compostura como o do quadro da Madona que

estava pendurado por cima da sua cama. Os olhos da mãe

seguiram a fonte até cima e a seguir para baixo, para a secretá-

ria, enquanto a menina esperava que a sua expressão se alte-

rasse. Ouviu a respiração da sua mãe soltar-se e sentiu um

estremecimento percorrer-lhe o corpo quando os dedos dela

lhe libertaram os ombros. A mãe recuou um passo e então,

com a menina a observá-la, arregalou os olhos e curvou os

lábios num sorriso.

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PRIMEIRA PARTE

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Lila

Sussex Downs, Inglaterra, maio de 1919

É estranho como toda uma vida pode ser alterada num ins-

tante. Uma dúzia de anos depois, ainda me sinto assombrada

por aquele momento em que poderia ter estendido a mão e

tocado na cabeça do Pai quando ele passou por baixo de mim.

Se ele soubesse que eu estava ali ou se eu tivesse saltado para

baixo nessa altura em vez de ficar para ver a toalha de mesa, e

o tivesse seguido até ao escritório, acredito que ele não teria

feito o que fez.

Nessa noite, Afzal Khan levou-me para a casa de uns vizi-

nhos e deixou-me lá. Eu nunca tinha passado uma noite sem a

Ayah e chorei e supliquei que a mandassem vir, mas ela não veio.

Fiquei ali durante alguns dias enquanto se faziam os pre-

parativos para a minha ida para Inglaterra para viver com a

minha tia-avó Wilhelmina. Uma Mrs. Twomey, que ia de via-

gem para Tilbury com a filha, levar-me-ia com ela. Afzal Khan

e a Ayah vieram ambos dizer-me adeus. Sem o uniforme nem

o turbante engomado, Afzal Khan parecia mais pequeno e

mais velho; chorava e repetia «Khuda hafiz, khuda hafiz,»

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invocando a proteção de Alá. A Ayah também parecia mais

velha, com os olhos vermelhos e inchados de chorar; beijou-me

as mãos e as faces e segurou-me o rosto e chamou-me a sua doce

bebé. Eu supliquei-lhe que viesse comigo, mas ela abanou a

cabeça. Mesmo antes de eu lho pedir, sabia que ela não abando-

naria a Mãe, mas quando a carruagem se afastou olhei para trás

e vi-a ulular e atirar poeira sobre a cabeça.

Em Carachi fiquei no navio ao lado de Mrs. Twomey e de

Jane a ver as multidões que tinham vindo ver partir os seus

entes queridos. Os indianos berravam e choravam: os ingleses,

entre eles Mr. Twomey com o seu chapéu, acenavam com os

lenços. Colares de calêndulas e gardénias estendiam-se de mãos

no convés até ao cais lá em baixo. Quando o barco começou a

afastar-se, alguns passageiros indianos atiraram grinaldas do

convés para o triângulo de água entre o navio e a doca. Eu vi-as

serem apanhadas na corrente e afastarem-se a flutuar.

Durante a primeira semana, comi e dormi numa espécie

de transe, convencida de que acordaria e me veria de volta ao

nosso bungalow, com o Pai a dizer: – Despacha-te, não te

atrases! Ram Das está à espera com o pónei – e que saberia

que tudo não passara de um pesadelo. Eu partilhava um cama-

rote com a filha de Mrs. Twomey, Jane, que tinha sete anos, e

uma manhã abri os olhos e vi-a já levantada a brincar com a

sua boneca, Jemima. Ali deitada a escutá-la, o camarote ganhou

solidez à minha volta: o sol que entrava pela escotilha proje-

tava-se numa banda sobre os painéis da parede, iluminando as

linhas e as cores do grão da madeira; eu ouvia Jane cantar à

sua boneca e sentia o navio a rolar debaixo de mim,

e soube que era verdade. Tinha realmente acontecido: o Pai

partira, e eu nunca mais o veria. A minha vida estendia-se

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à minha frente, uma sucessão interminável de dias vazios, e eu

debrucei-me da cama e vomitei no chão.

Quando me recompus, saí para o convés e fui até à proa.

Era um dia de tempestade com ventos fustigantes, ondas

gigantescas e a água do mar a salpicar todo o convés. Não

havia mais ninguém por ali. Fiquei parada a gritar até me

doerem a garganta e o estômago e sentia os olhos e o nariz em

carne viva por causa das lágrimas e do vento, e quando final-

mente parei de gritar descobri que tinha perdido a voz e

senti-me satisfeita, porque não havia ninguém com quem eu

quisesse falar e nada que eu quisesse dizer.

Toda a gente a bordo sabia o que tinha acontecido ao Pai;

Mrs. Twomey tinha-lhes contado. Eu vira-a com grupos de

pessoas a falar com a sua voz alta e modos excitados. Via os

olhares de compaixão e de curiosidade dirigidos a mim e

odiava-os a todos. Sentavam-se à mesa vestidos com as suas

roupas finas por entre os espelhos e os lustres e o chão ence-

rado e o latão brilhante; abriam e fechavam as bocas, entrava

comida e saíam palavras, e o seu riso era trocista e feio.

O único lugar onde me sentia bem era de pé na proa,

sozinha com o mar e o céu azuis que se estendiam até à linha

do horizonte. A sensação de vazio penetrava-me. Ficava ali,

hora após hora, a ver a proa cortar a pele macia da água, des-

cascando-a e deixando-a em espiral atrás de nós numa espuma

revolta. O mar que ficava para trás varria-me a cabeça e dei-

xava-a tão limpa como o interior de uma casca de ovo. Eu que-

ria ficar assim para sempre.

A primeira coisa que a minha tia-avó Wilhelmina disse

quando me recebeu à saída do barco foi: – Podes chamar-me

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Tia Mina e eu chamar-te-ei Lilian. Quanto à Índia e ao pas-

sado, nunca mais voltaremos a falar nem de um nem do outro.

Eu abrira a boca para a cumprimentar, mas olhei para

cima, para os seus olhos castanhos enevoados, e fechei-a outra

vez.

Olhei fixamente pela janela durante a viagem até à sua

casa. Estávamos em meados de agosto e tudo era estranho: o

sol tinha um brilho baço por detrás de um céu de um cin-

zento pálido, viam-se pessoas sombrias a caminharem por

ruas vazias e não havia cores nem cheiros. Mesmo os sons

eram fracos e irreais. E eu sentia frio – mais frio do que alguma

vez sentira, embora me dissessem que era verão.

High Elms, a casa quadrada e branca georgiana da Tia

Mina, fica numa pequena vila do Sussex num vale de South

Downs. Por detrás da casa, há uma encosta íngreme até ao

cimo de Devil’s Dyke1, do qual se diz que é possível ver quatro

condados e, em dias límpidos, o monte ensombrado da Ilha

de Wight. Diante da casa, estendendo-se até às colinas de

North Downs que debruam o horizonte, encontra-se o Weald,

sombrio e azul, com a sua manta de retalhos de campos e de

bosques a que Constable chamou a «vista mais grandiosa do

mundo». Mas eu não estava com disposição para a apreciar

nessa altura.

Dentro da grande casa senti-me sufocada pelos cortinados

espessos e pelas carpetes macias, pela mobília escura e pesada

e pelo silêncio melancólico. Na Índia, a minha janela ficava

sempre aberta à noite, e as vozes dos criados, as suas risadas

1 Não se trata de um dique. É o cimo de um monte, de onde se avista a cidade de Brighton e as

vistas referidas no texto. (N. da T.)

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e discussões, e o cheiro dos seus cozinhados entravam no meu

quarto com o ar quente da noite. Aqui, o meu quarto ficava

no primeiro andar, ao fundo de um corredor comprido, e o

resto desse andar, para além do quarto da Tia Mina, estava

vazio. A minha janela dava para norte, para o Weald, embora

as vistas estivessem bloqueadas pelos ulmeiros que davam

nome à casa. De dia, punha-me à minha janela a escutar o

silêncio e por vezes, se escutasse atentamente, ouvia uma

vibração distante – sempre a mesma, uma voz sem som a

repetir a mesma frase uma e outra vez, mas, por mais que me

esforçasse por ouvir, não conseguia compreender as palavras.

À noite, não vinham nenhuns sons de baixo e o silêncio era

tão profundo que eu imaginava que toda a gente tinha mor-

rido e que eu acordaria de manhã e daria por mim sozinha.

Noite após noite tinha o mesmo sonho, que ainda tenho

por vezes. Está escuro e eu encontro-me de novo em Pesha-

war, a subir o caminho para o nosso bungalow. Ele está em

silêncio, com as suas paredes caiadas a brilhar ao luar, pontua-

das pelos retângulos ensombrados das suas janelas e pela porta

da rua aberta. Entro e atravesso as divisões vazias. Toda a

mobília desapareceu e eu sinto a areia, trazida do deserto pelo

vento, a picar-me os pés. No meu quarto, as janelas estão

abertas. As cortinas de musselina esvoaçam para cima e o odor

forte e doce de raat-ki-rani entra no quarto com o ar da noite.

Os Hindus acreditam que quando se atravessa o oceano

– a que chamam kala pani, ou água preta – se perde a casta, e

a casta define o lugar de uma pessoa no mundo: onde se per-

tence e, em última instância, quem se é. A pessoa torna-se

pária. A minha experiência, embora eu não seja hindu, diz-me

que isso é verdade.

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Henry

Barrackpore, Bengala, 14 de julho de 1868

Hoje fomos almoçar ao Clube para festejar os meus onze

anos. Fiquei surpreendido, porque o Pai está quase sempre

doente no dia dos meus anos. Quando os seus oficiais nativos

vêm perguntar por ele, Kishan Lal diz-lhes que ele tem malá-

ria. No ano passado, perguntei a Kishan Lal porque acontece

sempre e ele disse que é porque o Pai está a pensar «naqueles

tempos», mas recusa-se a acrescentar o que quer que seja. Diz

que é melhor esquecer. O Pai também deve pensar o mesmo,

porque nunca fala sobre o assunto, mas eu sei que a minha

mãe morreu quando eu nasci e é por isso que o Pai odeia o

meu dia de anos e nunca fala sobre ela. Eu também o odeio,

porque penso na minha mãe a morrer e pergunto-me se foi

culpa minha, e vem o sonho mau, e eu não tenho festa, por-

que não há outros rapazes ingleses da minha idade aqui, porque

eles foram todos para o colégio em Inglaterra. O Mohan e o Ali

não querem saber de dias de anos, de qualquer maneira. Nem

sequer sabem quando fazem anos.

O Mohan e o Ali são meus amigos e os pais deles estão no

regimento do meu pai. Por vezes, o regimento sai em manobras

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e eu vou também. Dormimos em tendas e durante o dia o Pai

marcha e treina os seus homens e fazem batalhas e embosca-

das a fingir. Este ano, o pai do Mohan fez-nos espingardas de

madeira e nós praticámos rastejar e emboscarmo-nos um ao

outro. Decidimos que vamos ser militares quando formos

grandes, embora Mr. Mukherjee diga que eu sou demasiado

inteligente, mas o Pai é inteligente e é militar. Quando nos

cansamos dessa brincadeira, vamos pescar e caçar. Ao serão,

assistimos à luta livre e depois os sipaios cantam canções e

contam histórias à volta da fogueira. O Pai ainda consegue

vencer quase todos na luta livre, menos o jemadar Dhubraj

Ram, que é muito grande e forte, como Bhuma no Mahabha-

rata. Mr. Mukherjee anda a contar-me a história. Ele deu-me

este diário e diz que devo escrever nele todos os dias.

Enquanto estávamos a almoçar, a esposa do coronel

Hewitt veio à nossa mesa e desejou-me feliz aniversário e o Pai

convidou-a a sentar-se, embora eu saiba que ele não gosta

dela. Ela olhou para mim daquela maneira como as mems

olham sempre e perguntou ao Pai se ele não achava que, agora

que eu tenho onze anos, seria altura de eu ir para um colégio

em Inglaterra. O Pai perguntou-me o que eu achava e eu disse

que queria ficar aqui. Gosto de Mr. Mukherjee e gosto de

viver com o Pai e com Kishan Lal e de ser amigo do Mohan e

do Ali. A seguir, Mrs. Hewitt fungou e fez aquela cara de

camelo que Kishan Lal diz que as mems fazem quando não

aprovam alguma coisa e disse que ela e as outras senhoras

tinham falado sobre o assunto e pensavam que a minha mãe

teria desejado que eu tivesse uma educação inglesa em condi-

ções.

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Eu pensei que o Pai ia ficar zangado, mas ele limitou-se a

dizer que se sentia grato pela preocupação dela e que estava

satisfeito com o que tinha organizado para a minha educação.

Disse-lhe que Mr. Mukherjee é um dos homens mais inteli-

gentes que ele já conheceu, que fala seis línguas e que, se eu

vou viver e trabalhar na Índia, o que aprender com ele será

muito mais útil do que o que quer que pudesse aprender num

colégio particular inglês. Mrs. Hewitt pôs-se corada e eu tive

a esperança de que se fosse embora, mas ela disse que se sentia

surpreendida por o Pai ter tal confiança num nativo; com cer-

teza ele sabia que não se podia confiar neles, especialmente

nos espertos. E depois inclinou-se e disse em voz baixa: –

Lembre-se de Cawnpore2!

Como eu não compreendia o que ela queria dizer, olhei

para o Pai. Ele estava pálido, a cicatriz a tremer, como acon-

tece quando fica zangado, de tal maneira que o canto do olho

e o canto da boca se aproximam, mas limitou-se a dizer: –

Suspeito que tenho mais razão para o recordar do que a

senhora, Mrs. Hewitt. – Mrs Hewitt pareceu ficar assustada.

Levantou-se e disse: – Peço desculpa, coronel Langdon. Não

era minha intenção... Lamento muito... Tinha-me esque-

cido... É claro que sei... – A seguir, olhou para mim, parou de

falar e foi-se embora.

Perguntei a Kishan Lal o que aconteceu em Cawnpore,

mas ele limitou-se a abanar a cabeça e murmurou qualquer

coisa sobre o vento do Diabo.

2 Referência a um episódio da rebelião indiana de 1857, em que cento e vinte mulheres e crian-

ças britânicas foram massacradas pelas forças sipaias. (N. da T.)

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21 de julho de 1868

Já não escrevo no meu diário há uma semana. Mal voltá-

mos para casa do almoço do meu aniversário, o Pai foi para o

quarto dele e Kishan Lal levou-lhe o tabuleiro dos medica-

mentos e no dia seguinte ele não se levantou e Kishan Lal teve

de mandar recado às Linhas a dizer que ele estava doente.

Ouvi-o dizer a Allahyar que já estava à espera daquilo. O Pai

ficou no quarto dele e eu ouvi-o pedir mais medicamentos aos

gritos, e quando por fim saiu do quarto tinha os olhos verme-

lhos e cheirava a whisky. Eu sei que Kishan Lal se preocupa,

mas não diz nada a não ser para me pedir que não incomode

o Pai, como se eu não soubesse isso. Na noite do meu dia de

anos, voltei a ter aquele sonho em que estava fechado num

sítio escuro e quente e não conseguia respirar, e acordei aos

gritos, mas o Pai não veio.

Disse hoje a Mr. Mukherjee que escrevi no meu diário.

Tinha receio que ele me pedisse para o ver, porque não quero

que ele veja o que escrevi sobre o Pai e que não tenho escrito

todos os dias, mas ele disse que um diário é privado e que não

tenho de o mostrar a ninguém.

Hoje ele continuou a contar-me a história do Mahabha-

rata. Era uma grande guerra entre os Kaurava e os Pandava,

que eram primos. Havia cem Kaurava e só cinco Pandava e eu

disse que isso era uma tolice, porque obviamente os Kaurava

venceriam. Mas ele disse que os Pandava eram mais espertos

do que os Kaurava e, de qualquer maneira, há milhões de

indianos e só alguns britânicos e mesmo assim nós consegui-

mos mandar no país todo. Eu perguntei como conseguíamos

e ele disse que era como quando os Romanos governavam

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a Grã-Bretanha. Nesses tempos, a Grã-Bretanha era consti-

tuída por pequenos reinos tribais distintos e os povos estavam

desunidos, mas os Romanos eram disciplinados e tinham um

bom governo e uma boa administração e construíam estradas,

tal como nós construímos o caminho de ferro. Ele disse que

um dia os Indianos iriam querer o seu país de volta e que

então nós teríamos todos de voltar para casa, como aconteceu

aos Romanos. Eu disse que a Índia era a minha terra e que não

queria voltar para Inglaterra. Ele disse que se todos os ingleses

sentissem o mesmo que eu, então haveria guerra. Eu disse que

nunca lutaria conta o Ali e o Mohan e ele disse que nunca se

sabia – os Pandava também pensavam assim e depois tiveram

de lutar contra os seus próprios primos. Eu perguntei-lhe por-

que é que eles o fizeram e então ele contou-me a história e

leu-me a parte em que Arjuna, que era um dos cinco irmãos

Pandava, viu o seu professor e os seus primos e o tio deles, o

velho e bondoso rei cego que o tinha criado a ele e aos seus

irmãos, a defrontarem-no no campo de batalha. Então Arjuna

desatou a chorar e perguntou ao seu cocheiro, que na reali-

dade era o deus Krishna disfarçado, como poderia combater

contra os seu parentes e o seu professor, a quem devia tanto, e

matá-los. E Krishna disse o seguinte:

Vossas lágrimas são para os que estão para além das lágrimas; e as

vossas palavras são palavras de sabedoria? Os sábios não

sofrem pelos que estão vivos; e não sofrem pelos que morrem

– porque a vida e a morte passarão,

porque todos nós somos para todo o sempre: eu e vós

e aqueles reis de homens. E seremos para todo o sempre,

todos nós, para todo o sempre.

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Se algum homem julga que mata e outro julga que é morto,

nem um nem o outro conhecem as vias da verdade. O eterno no

homem não pode matar;

o eterno no homem não pode morrer.

Pela morte do que não pode morrer, cessai de sofrer.

Pensai também no vosso dever e não vacileis.

Não há maior bem para um guerreiro do que combater numa

guerra justa.

Na morte a vossa glória no Céu, na vitória a vossa glória na Terra.

Erguei-vos pois, Arjuna, com vossa alma pronta a lutar.

Recitei estas palavras ao Pai ontem à noite, quando ele vol-

tou para casa das Linhas. Queria perguntar-lhe se ele alguma

vez se vira obrigado a combater contra pessoas de quem gos-

tava, e a matá-las, e se é por isso que fica tão triste, ou se é só por

causa da Mãe, mas não me atrevi.

13 de setembro de 1868

Tem chovido muito quase todos os dias nos últimos dois

meses e não tenho tido nada que fazer a não ser as lições e

leituras, e nada sobre que escrever. Mr. Mukherjee man-

dou-me escrever um resumo de todos os romances de Walter

Scott que já li, o que levou séculos, porque eu já os li quase

todos, por isso não me apetecia escrever mais. O meu prefe-

rido é Ivanhoe, porque gosto dos combates, mas se eu fosse o

Ivanhoe casava com a Rebecca, não com a Rowena. Ele parece

gostar mais dela, mas Mr. Mukherjee diz que ele não pode

casar com ela porque ela é judia, e quando eu lhe perguntei

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porquê ele disse que eu sou demasiado novo para compreen-

der. Estamos a ler o Grandes Esperanças agora e eu gosto do

romance, embora não goste nada da Estella, porque ela é

muito má para o Pip.

15 de setembro de 1868

Ontem aconteceu algo de estranho. O Pai chamou-me ao

seu escritório. Geralmente não entro no escritório dele, por-

que ele não gosta de ser incomodado, por isso eu sabia que

devia ser importante. Gosto do ambiente lá dentro; é escuro e

fresco e cheira a couro. Há uma série de prateleiras com livros,

e estátuas de deuses indianos em bronze e em mármore. A

minha favorita é Shiva, a dançar num anel de fogo.

Mr. Mukherjee diz que Shiva criou o mundo a dançar.

Antes disso não havia nada, mas quando ele dançou, a sua

energia pôs tudo em movimento e o tempo começou e a

matéria foi criada. É o movimento que faz com que tudo

pareça sólido, embora não seja. É uma ilusão, o que significa

que parece real, mas não é. A palavra em sânscrito para isso é

«lila», que significa «desporto» ou «jogo». Também é nome de

menina. Shiva é o Criador, mas também o Destruidor, e

quando ele abrir o seu terceiro olho a ilusão vai dissolver-se

e o mundo vai acabar. Mr. Mukherjee diz que os Hindus acre-

ditam que essa é a última era da nossa Terra – o Kali Yuga –

quando o mundo será destruído e tudo arderá e ficará reduzido

a cinzas.

Fiz uma pergunta ao Pai sobre esse assunto, mas ele não

estava a ouvir-me. Disse-me que tem andado a pensar no que

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Mrs. Hewitt e as mems disseram: que estou a crescer e que

chegou o momento de eu conhecer os meus parentes ingleses,

embora só haja uma – a minha tia Wilhelmina. Ele disse que

o pai dela morreu e que ela está sozinha, e ele escreveu-lhe a

perguntar se ela gostaria de vir viver connosco.

Eu perguntei-lhe se a Tia Wilhelmina era irmã dele e ele

olhou para mim como se eu fosse estúpido e disse: – A Mina

é irmã da tua mãe. Irmã gémea. Decerto sabias isso? – Fiquei

tão surpreendido quando ele mencionou a minha mãe que

não soube o que dizer, embora houvesse uma data de coisas

que eu queria saber. Ele disse que a Tia Wilhelmina é uma

senhora sensata que me poderá ensinar a ter maneiras e a ves-

tir-me bem e como me comportar em sociedade, o que ele

não pode ensinar-me, sendo ele um militar grosseiro. Eu pen-

sei que ela soava como uma mem, mas depois lembrei-me que

ela e a minha mãe eram gémeas.

Eu tinha medo que ele se zangasse, mas realmente queria

saber, por isso perguntei se ela se parecia com a minha mãe,

mas ele só disse que já não a via há muitos anos. Como ele

continuava a não parecer zangado, perguntei-lhe o nome da

minha mãe. Ele pareceu ficar chocado e disse: – Decerto sabes

isso! Chamava-se Cecily. – Eu queria dizer: – Como é que eu

podia saber se nunca mo disse? – mas a cicatriz dele estreme-

ceu e eu não me atrevi.

Ontem à noite, na cama, pensei na minha mãe. Não

podia realmente pensar nela antes, porque não sabia nada

sobre ela, mas agora consigo imaginá-la. O Pai era louro

quando era mais novo, diz Kishan Lal, e tem olhos muito

azuis, mas eu tenho o cabelo e os olhos escuros. Ela devia ser

morena, então, como Rebecca em Ivanhoe, e como eu. Eu sou

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como ela – como a minha mãe. Cecily é um nome bonito.

Pergunto-me se a culpa de ela ter morrido será minha e se o

Pai também me culpa. Só tenho dela uma pequena pedra com

um buraco, que uso num cordão ao pescoço. Kishan Lal

disse-me uma vez que lhe tinha pertencido a ela e que era uma

espécie de amuleto mágico. Disse que me mantinha em segu-

rança e que foi pela vontade de Deus que sobrevivi. Perguntei

o que é que ele queria dizer, mas ele recusou-se a explicar.

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