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    LIMA BftftREtO

    RIO DK J,*NEIR*DE m p resa d e R o m ^ c e S ^ o p t e t l

    Ra do Gawwo, ?5IS23

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    AdvertnciaComposto de artigos de varias naturezas e que podem merecer varias classificaes, inclusive a de no classificveis, este pequeno livro no visa outro intuito seno permittir aos espritos bondosos que me tm acompanhado, nos meus modestos romances, a leitura de algumas reflexes obre factos, cousas e homens da nossaterra, que, julgo, talvez sem razo, muito prprias a mim.tApparecidos em revistas e jornaes modestos bem de crer quetaes espritos no tenham lobrigqdo a existncia delles; e somente por esse motivo que os costuro em livro, sem nenhuma outrapreteno, nem m esmo a de justificar a minha candidatura Aca

    demia de Letras.Percebo perfeitamente que seria mais prudente deixal-os enterrados nas folhas em que appareceram, pois muitos delles no sol muito innocentes; mas, conscientemente, quero que as inimizadesque elles possam ter provocado contra mim, se consolidem, porquanto, com S. Ignacio de Loyola, penso que no ha inimigo to perigoso como no ter absolutamente inimigo.Rio de Janeiro, 13818. LI M A BA RRETO .

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    A superst io do doutorJOAQUIM VERSSIMO DE CERQEIRA LIMA,amanuense dos Correios da Bahia, pedindo fazer constar

    em seus assentamentos o titulo de doutor em sciencias me-dico-cirurgicas. Deferido.("Gazeta de Noticias", de 25 de Maro de 1917.)

    iTratando o Sr. Veiga Miranda, na edio de S. Paulo do"Jornal do Commercio", de um dos meus humildes livros, disseque eu tinha birra do doutor.Quiz, ao lr o artigo do meu amvel critico, explicar detidamente por que, de facto, tinha eu essa birra; mas, lembrei-meque jurara a mim mesmo acceitar em silencio todas as criticas queme fizessem, e nada respondi, tanto mais que qualquer resposta:poderia magoar a quem tivera a bondade e a lealdade de occupar-secom a minha obrinha. Gomtudo, escrevi-lhe uma carta, em que julgo ter manifestado plenamente a rainha satisfao, sem deixar transparecer qualquer azedme que verdadeiramente no tinha, explircando brevemente a minha opinio sobre o assumpto.Citei aqui o Sr. Veiga Miranda no s por que pretendodesenvolver algumas razes da minha birra com o doutor, encontrada por elle nos meus escriptos, como tambm lhe dar parajbens porter sido reconhecido deputado.Sinto que o seja para representar a calamitosa olygarchia paulista, a mais odiosa do Brasil, a mais feroz, pois no trepida emesmagar as suas barulhentas dissidncias, a massete, a pilo ou piles, como se castram ou se castravam touros valentes para seremdepois, muf mansos, bois de carro.No me cabendo nem querendo metter-me em bobagens polf-ticas, cumpri o meu dever de civilidade, dando-lhe os parabns edevo continuar o artigo, atacando o thema de que elle objecto.Em outro qualquer paiz, talvez, no fosse um temperamentoliberal chocado com a espcie zoolgica e social doutor; masno Brasil, com a importncia descommunal, o ar de sagrado que oscostumes lhe emprestam, e os privilgios que a lei lhe outhorga, no possvel deixar de revltar-se contra ella, todo aquelle que noquer ver renascer nos tempos actuaes, uma nobreza;, principalmente

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    6 uma nobreza que indica para as suas bases, justamente aquillo queella no possue o saber.,Essa birra' dodoutor no s minha, mas poucos tm a coragemde manifestal-a. Ningum se amima a dizer que elles no tm direitoa taes prerogativas e isenes, porque a maioria delles de ignorantes. E que s os sbios, os estudiosos, doutores ou no, que merecem as attenes que,,vo em geral para os cretinos cheios de an-neis e empfia.Tod as as variedades do doutor acreditam que os seus privilgios,honras, garantias e isenes, como se diz nas patentes militares, seoriginam do saber, da sciencia de que so portadores; entretanto,entre cem, s dez ou vinte sabem razoavelmente alguma cousa.,So mais sempre, alm cie medocres intelectualmente, ignorantescomo um boro r de tudo o que fingiram estud ar. Aquillo que osantigos chamavam humanidades, em geral, elles ignoram completamente. No so falhas, que todos tm na sua instruco; so abys-mos hiantes que a delles apresenta.A maioria dos candidatos ao doutorado de meninos ricos ouparecidos, sem nenhum amor ao estudo, sem nenhuma vocao nemambio intellectual. O que elles vem no curso no o estudo seriodas matrias, no sendem a attraco mysteriosa do saber, no secomprazem com a explicao que a sciencia offerece da na ture za;o, que elles, vem o titulo que lhes d nam oradas, considerao social, direito a altas posies e os differencia do filhode seu Costa continuo de escriptorio do poderoso papaeAnimados por esse espirito, vo, com excellentes approvaes,s vezes, obtendo os exames preliminares e, afinal, matriculam-sena Academia, como dizem elles no seu gasgo pretncioso podendo ella ser civil ou militar., tNa escola ou faculdade as cousas se passam mu ito maisfacilmente. No ha filho de sujeito mais ou menos notvel, que nov adiante no curso, sem a menor difficuldad. E ' m ais fcil queobter os preparatrios.Na Escola Polytechnica, de praxe, de regra at, que todo ofilho, sobrinho ou parente de capitalistas ou de brasseurs d'affawes,mais ou menos iniciados na Kabala chrematistica do Club de Engenharia, seja approvado. E' bem de vr porque. Os lentes dasnossas escolas, com raras excepes, no se contentam com osseus vencimentos officiaes. Todos elles so mundanos, querem fazer parada de luxo, teatros, bailes, com as suas m ulheres e filhas. Asituao official que.tm, d-lhes prestigio, fazem-n'os figuras deproa e os seus nomes so procurados para apadrinhar as companhias,as emprezas, mais ou menos honestas, que os especuladores de todosos matizes e nacionalidades organizam por ahi.,No possvel que um lente de chimica orgnica, por ex., que,devido s relaes que tem com o capitalista Jo ab M anasses, foifeito, com grandes honorrios, presidente da Companhia de Docasde um porto do Mar de Hespanha, consiga do seu corao a violncia de reprovar-lhe o filho. O Ephraim, o filho de Joab Manasses,

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    7 vae assim correndo os annos; e, se encontra um lente honesto, procura uma escola outra para fazer o exame que no lhe querem dar.O que se diz do filho de Joab, pode-se dizer de milhares deoutros em toda a espcie de faculdades; e todos elles, ignorantes earrotando um saber que no tm, vm para a vida, mesmo fora dasprofisses a cujo exerccio lhes d direito o titulo, crear obstculosos honestos de intelligencia, aos modestos que estudaram, dandoesse espectaculo ignbil, de directores de bancos officiaes, de chefesde reparties, de embaixadores, de deputados, de senadores, de ge-neraes, de almirantes, de delegados, que tm menos instruco doque um humilde continuo; e, apezar de tudo, quasi todos mais enriquecem, seja pelo casamento ou outro qualquer expediente, m|.is oumenos confessavel. Toda a gente conhece a nossa peculiar instituio do muleta,. Chama-se isto ao auxiliar illustrado e entendidoque todo o nosso figuro pssue, e leva como secretario ou cousasemelhante para todas as commisses em que vae empregar a suareconhecida capacidade, como dizem os jprnaes. O engenheiro Fmuleta] do Dr. H; o capito X, d general F; o capito de corvetaY, do almirante D; e assim por diante, com os mdicos, advogados,etc. Elles, os doutores, s nobreza, como se a fidalguia de sangue,feudal e militar, fosse composta d filhos naturaes, no possussecastellos ou manoirs e formada fosse de poltres Fre sca nobrezaDo Imprio ns herdmos um respeito hindu' pelo doutor e oaugmentamos, como tudo o que elle tinha de mo. Parece que eraseu pensamento organizar um tchin, russa, com o titulo, o per-gaminho, como diz-se por a h i; e foi feliz; porque conseguiu implantar no espirito do povo uma venerao brahmainica pelos seus bacharis, mdicos e engenheiros.O subalterno, o enfermeiro, por exemplo, no chama o mediconem mesmo o interno estudantey por senhor. Chama-o VossaSenhoria. Se, minutos depois, chegar o administrador do Hospital,elle o tratar por senhor. Os soldados russos tratam ou tratavamos officiaes por Vossa Nobreza. Nas estradas de ferro, d-seo mesmo que nos hosp itaes; e, com os juizes , ha de (se p assar amesma cousa, por parte dos marinheiros e escreventes.O povo do Bra sil, que, raramente , se deixai infiltrar por idasteis que lhe so favorveis; neste ponto, foi de uma morosidadede espantar, to dcil foi ella f

    Para a massa total dos brasileiros, o doutor mais intelligentedo que outro qualquer, e s elle intelligente; mais sbio, emboraesteja disposto a reconhecer que elle , s vezes, analphabeto; maishonesto, apezar de tudo; mais bonito, comquanto seja um Quasi-modo; branco, sendo mesmo da cr da noite; muito honesto,mesmo que se conheam muitas velhacadas delle; mais digno; mais leal e est, de algum modo, em communicao com a divindade . E ' essa abuso de feitaria, essa gro sseira religiosidade decandombl ou de macumba, pelo nosso titulo universitrio, que levaos jornalistas panurgianos a pedir a suppresso do jury, por que,em certas occasies, absolve certos rus que lhes parece deviam sercondemnados.j _

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    8 Esses senhores d to grande coragem moral no anonymato dasfolhas dirias, no tm absolutamente a deciso de sentar-se no jurye julgar segundo a sua prpria conscincia. Esquivam-se de todo ogeito; e, fceis em condemnar os jurados porque no so, em gerai,

    doutores, elles se esquecem de examinar os julgados dos juizes debeca, desde o pretor at o Desembargador e o Ministro do Supremo,onde poderiam encontrar muita cousa que os faria diminuir o seuassombro diante da s, absolvies do J ur y .C e l, ms fadas ha.. .Esse estado de espirito geral no nosso paiz, essa superstio,essa estpida crendice dos illustrados e dos analphabetos, dos nsciose dos atilados, levou ultimamente os nossos legisladores, num pha-risiaco zelo pela verdade eleitoral, a entregar o alistamento dos cidados votantes e tambm as mezas eleitoraes aos juizes, isto ,a doutores e bacharis.E todos ns vimos como a cousa saiu. Houve fraudes ou duplicatas no Cear, no Espirito Santo, em Alagoas, na Bahia, no E. doRio, no Par, no Rio Grande do Sul, em Sergipe; e o Rio de Janeirocontinuou a mandar como seus representantes alguns respeitveisdesconhecidos apelintrados, que no sabem nem a data da fundaoda cidade.O Sr. Erico Coelho, na sua contestao ao Sr. M. Leal, diztextualmente:"Fiou o Congresso Nacional nos juizes estaduaes a organisa-co de alistameno e a vigilncia de comcios populares. O decentepleito, no infeliz Estado do Rio, veio a ser o ludibrio das nossas as

    piraes legislativas".O "Correio da Manh", em sua edio de 4 do corrente, contaeste eloqente caso, depois de registrar o enthusiasmo que lhe despertou a nova lei eleitoral:"Mas ha casos que esfriam os mais fortes enthusidsmos.Ante-hontem, na reunio da commisso de Podercs do Senado,cmquanto se discutia o pleito do Espirito Santo, fazendo-se terrveisaceusaes magistratura local, quantos l estavam testemunharamum facto desconce rtante. Ach ava-se na sala, e foi apontad o peleiprocurador do poltico que contestou a referida eleio, o juiz dedireito da com arca de Alegre. Este] homem , quando delegado depolicia de Victoria, soffrera um grande insulto, por oceasio de umdiscurso, em que endeosava os Monteiros. Foi, por isto, nomeadopara aquelie cargo., Indo o Sr. Jeronymo M onteiro defender naSenado os seus interesses, o juiz acompanhava-o todos os dias, car-regando-lhe a pasta dos papeis, e serviu de seu auxiliar no examedos livros e documentos relativos ao pleito, desde a primeira hord.Ao ouvir a contra-contestao do seu protector tinha gestos d e ef-fusiva ternura, como de indignao ao ouvir o discurso do Sr. Mo-niz Freire. E elle dirigiu entre essas paixes, o alistamento e a, eleio em Alegre".A "Gazeta de Noticias", de 8 tambm do corrente, referindo-ses eleies de Sergipe, assim diz:

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    "A Cornara deve hoje reconhecer s deputados eleitos porSergipe. 0Entre os diplomados pela junta aipuradora de Aracaju' esto famigerado major Manoel de Carvalho Nobre, prmo-kmo 0.cunhad o do Dr. Nob re de Lacerda , juiz'seccional do Estado, presidente da mesma junta..Contestando o diploma, producto de um arranjo immoralissimode famlia, feito sob o patrocnio do incorrigivel politiqueiro generalVallad"..,Poderia adduzir mais exemplares com os quaes mostrasse como03 sobrehumanos doutores' incorruptveis procederam; mas no preciso. E ' fcil de adivin har. *Sentindo que a crendice geral dava esse prestigio quasi divinoao doutor, todos os pes, desde que pudessem,um bocadinho, comearam a encaminhar os filhos para as escolas ditas superiores. E'preciso, no Brasil, ter uma carta nem que seja) de embrulhar manteiga; um aphorisma domstico, conhecido e repetido, nos seresdo lar, do Norte ao Sul do paiz.Os doutores, ento, cresceram em numero, e o execicio da profisso para que estavam officialmente habilitados, no dando margem, devido plethora delles, para o ganho remunerador de cadaum, encaminharam-se elles para os empregos pblicos que nenhumacapacidade especial exigeri.O Thesouro, o Tribunal de Contas, as Secretarias Ministeriaese outras reparties menos importantes, officiaes engenheiros, mdicos, advogados, dentistas, phTmaceuticos; e todos estes, no intimo ou claramente, se julgam com mais direito s recompensas burocrticas e s promoes que os seus collegas, que no tm tituloalgum.A prova est na noticia que epigrapha estas linhas. Aquelleamanuense dos Correios pediu ao director geral que fizesse constar,na sua f de officios que era doutor, para, quando se tratasse de al-legar merecimento, pudesse apresentar o "canudo" com o maior deespadas. E a administrao p que extranho levar, porquetem levado muitas vezes, em considerao semelhante allegao,esquecendo que s se pode comprar quantidades homogneas. Merecimento a comparao dos servios das aptides para elles, entre dous ou mais funccionarios. Sero os servios e aptides do amanuense da mesma natureza que as aptides e servios que pode revelar ou possuir um medico ?Um medico s pode ter merecimento sobre outro medico; eum amanuense sobre outro amanuense.Quando meVlico, o tal amanuense s pode ser comparado aoutro medico; e quando amainuense elle s pde entrar em relaocom outro amanuense no que a profisso deste tem de peculiar aelle, eliminando-se da comparao a duvidosa medicina do burocrata.Isto que lgico, penso eu; seno teramos que comparar os mritos de um flautista com os de um marcineiro, para dizer qual dosdous o melhor na s suas profiss es. Conebe-se ?

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    1 0 Mas, a superstio do doutor tal, que faz o governo, em casos destes, no raciocinar claramente e proceder contra as mais co-mesinhas regtas do bom senso.E' contra tafes disparates que me insurjo e procuro, por todosos meios, mostrar a imbecilidade desse respeito cabalistico, esotrico pelo doutor, respeito e venerao que esto creando entre nsuma nobreza das mais atrozes que se pde imaginar.Se a humanidade cortou cabeas de reis, de rainhas, de duques,de marquezas (A h Qu e pena, eu no lhes ter visto os lindos, osalvos, os rolios pescoos, entrarem na janella da guilhotina ),de viscondes, etc, para acabar com'a nobreza feudal, como quens estamos criando uma de ps de barro e que amanh, pde entorpecer a vida de nossos filhos ? E' preciso combater a superstioemquanto tempo. Mostrarei mais...A policia daqui, em um seu regulamento, expedido quando chefeo Sr. Alfredo Pinto, marcou para os doutores criminosos prisoespecial; o Sr. Nilo Peanha, em dias prximos, dispensou de concurso para os logares de cnsules, os bacharis em direito. Porque ? Por que tambm os delegados so obrigatoriamente bacharis ?Na Contabilidade da Guerra, ha poucos annos, os encarregados de fazer-lhe um novo regulamento, exigiram um concurso des-communal para provimento do Io logar da respectiva hierarchia;mas-dispensaram delle os formados pelas faculdades da Republica,,s matrias exigidas para o concurso eram quasi o dobro das que seexigem para matricula no curso de pharmacia e odontologia, que do,como os demais cursos, formados pelas faculdades da Republica.Sob o pretexto de Saneamento do Interior um joven sbio, oSr., Belisario Penna, anda fazendo propaganda da creao de umMinistrio da Sade Publica. Este moo um caso typico da pre-sumpo doutorai. Elle, ou no leu a Constituio ou se a leu julgaque um medalho medico, ahi qualquer, pode sobrepr-se a ella.,Um ministrio to estreitamente profissional ha de querer um ministro medico; e como conciliar essa restrico com a nossa leifundamental que autorisa o presidente a nomear LIVREMENTE,os seus ministros ? A superstio do doutor, por par te do gpvo,e a presumpo delles como conseqncia, obliteram certos espritos,at faze-os chegar a essa cegueira completa. A Academia de Let-tras. onde era de esperar houvesse mais independncia espiritual, s

    elegeu o Sr. Oswaldo Cruz, o Sr., Miguel Couto e o Sr. Aloysio deCastro, todos muito estreitamente mdicos, ou cousa aparentada coma medicina, entre outros motivos, e que nada tinham com as let-tras, porque eram doutores. No ha a argumentar com a AcademiaFranceza. Delia, nos bons tempos da nobreza, j foram seus membros, marquezes de quinze annos, que deviam ainda estar nas de-dinaes latinas. As tradies fidalgas e ulicas da AcademiaFranceza permittiram essas cousas e outras antecedentes, algumastanto ou mais estramboticas. A nossa no tem essa herana secular;e no sufficiente que tun doutor pastiche os quinhentistas ou seis-centistas para ser homem de lettras e acadmico dellas. Mais direitotem um mo poeta. Cada macaco no seu galho.

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    1 1 1Todo esse ri de manifestaes da superstio do doutor podiaser infinitamen te augmentado, pois," ha muito que, a tal respeito,respigar, nas leis e regulamentos. Poderamos mostrar que o titulouniv ersit rio, que s* pode e deve da r direito ao- exerccio de umacerta profisso est se transformando em um foial de nobreza, em

    prestando ao sujeito que delle portador, capacidades' superioresaos outros e habilidades que elle no tem ou todos podem ter. Ascartas de nossas faculdades esto ficando como os pergaminhos daantiga aristocracia que, nos tempos passados, permttiram os seuspossuidores, sem a mnima noo de cousas navaes, serem investidosde commandos de navios e esquadras, como se dava na Hespanha,em Portugal e at na Inglaterra, como conta Macaulay.Os pilotos, cujos nomes foram em geral esquecidos, os humildespilotos eram que governavam os navios; mas a gloria militar ou apacifica das descobertas cabia aos Dons Qualquer Cousa ou a umbaronnet felizardo.As carteiras do Banco do Brasil tm sido testemunhas de cousas anlogas e outros departamentos da administrao tambm.E' um erro prestigiar todo o entrave que se oppe ao livre jogodas foras sociaes. E' da autonomia de cada uma dellas e do seudesenvolvimento total que podemos obter, no s o seu melhoraproveitamento para beneficio commum, como seu equilibrio perfeito e efficaz.O que o governo e os costumes do Brasil esto fazendo, comessa superstio do doutor, cercear iniciativas, cordemnar in-telligencias innovadoras, seno obscuridade completa, desanimo eao relaxamento.S os ricos podem formar-se e ns j sabemos como, em geral,elles se formam. Os pobres que procuram logares subalternos, logona adolescncia e so diligentes e capazes, adquirem, por isso mesmo,nas suas especialidades um tirocinio maior e uma pratica mais esti-mavel para os officios do que o duvidoso saber da maioria dos medocres que saem das nossas escolas. A lei e os regulamentos nodeviam impedir que aquelles fossem recompensados, conforme o mrito revelado, com lugares de certa importncia no finj da vida-* Na Estrada de Fe rro Central era assim at bem pouco tempo.Os sub-inspetores do movimento e dos telegraphos, eram escolhidosentre os antigos telegraphisjas e chefes de trem; mas veiu a Republica e a avidez dos doutores do Larg o de S . Fran cisco tomou oslugares para elles. Ha republicas aristocrticas.A alliana do doutor com a burguezia, que se faz em geral pelocasamento, d ao formado toda a fora que, nos nossos tempos, odinheiro tem, e a sua simulao intellectual e de saber, acabando emsuperstio na massa, d por sua vez, o prestigio que a intelligenciasempre teve, tem e ter, sem lhe dictar mais amor ao estudo, maishonestidade mental, mas abnegao profissional e critrio no cumprimento do dever. So mos pastores... Em geral, elle perde a pouca curiosidade intellectual que tinha na Escola, esquece as poucasnoes que recebeu, atem-se a formular, a gastas receitas e ficaum fausto silencioso e solemne, defendendo a sua inopia cerebral,

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    _ 12 a sua ign orn cia com a supe rstio pelo" t i tulo que todos tm , pri ncipalmente as moas , de todas as condies , n as , em m uitas dasquaes , sabe De us com que am arg ura , e l las se vm desfazer , quand oconhecem int imamente o doutor que marido dellas. Estas queso as mais francas quando falam dellas, pois, o manipanso se lhesmostra completamente o que era: um toco de pau r iem duro.Essa abuzo doutorai , a lm de impedir a innova o, pondotodas as in tel l igencias num mesmo molde, ins tal lando nel las preconceitos intellectuaes ob sole tas; alm d e tudo isso, com o nosso,ensiuosuperior , fei to em pontos manuscrip tos ou impressos , em cadernose outros bagaos , muito exprimido, das d iscip l inas do curso , semprofessores attentos ao progresso do saber professado por elles e,por el les encarado no dia que recebem o decreto de nomeao causa toda a nossa es tagnao in tel lectual , desalenta os mais ani-mosos, no d vontade s in tel l igencias l ivres para o esforo mental e vamos assim ficando como os chinezes, parados intellectual-mente mas sempre cheios de admirao pelos grotescos exames deC an t o .0 S r . Tob ias Mon te i ro , m uma in te ressan te b rochu ra "Funccionar ios o Dou to res" , aconse lhou nossa mocidade a p rocurar outros caminhos, entre os quaes , apontou o da lavoura. O i l -lustre publicista, como em geral todos os nossos publicistas, jornal is tas , romancis tas , e tc , no quiz descer a detalhes de d inheiro .Nos nossos d ias , so os mais importantes . Qual a mocidade que oSr. , T . M . quer que se dedique lavo ura ? A r ica ?

    Esta no to la de abandonar o t r i lho bat ido que lhe d todosos privilgios, lhe disfara a misria mental, e lhe abre todas asportas , para se met ter no mat to e exercer uma profisso que, paraser remuneradora, exige t rabalho, act iv idade, prat ica, seno saber.Pois se um vulgar bacharelete , mais ou menos r ico de s i ,porm muito mais r ico , por ser casado com a f i lha de um judeumil ionrio , pode, apezar de completamente desconhecido, fazer-sedeputado, cqmprando votos a t r in ta mil ris cabea e com valesde jantar , por que havia el le de deixar de ser bacharel para es tar tes ta de uma plantao de arroz, em lugar ermo, sem Lyrico , Municipal e ssias de celebridades europas do palco e outros lugares,ssias dest inadas unicam ente Am erica do Sul ? E ra en gra ado. . .Seria mocidade pobre, que o Sr. T . M. queria se referi r ?Pense bem o i l lus t re jornal is ta: um moo pobre, verdadeiramentepobre, consegue uma carta de agrnomo, onde el le i r arranjar d inheiro para comprar terras em que exera a sua agronomia ? Emparte alguma. Tem que procurar emprego, no ? O part icular , ofazendeiro no lhe d porque no acredi ta nessa nova espcie dedoutor. Onde , ento ? O remdio cavar com o Pe rei ra L ima ume m p r e g o . . .De resto, os pobres devem, seja como fr, empregando mesmoos mais desesperados recursos, concorrer com os burguezes no dou

    tora do. Seria um a calamidade que esses annelados ficassem Sconstando de gente como o Sr. Aloysio de Castro, uma auspiciosa

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    13 reincarnao d Mestre Garcia de Orta, physico d'El-Rei ou como- Sr. Hlio Lobo, vulgo "secretario da presidncia" ou "paga-ajudas de custo". E' preciso que os pobres fam-se doutores paracontrabalanar a influencia nefasata dos burguezetes felizes e pre-cocemente guindados a alturas em que se no dispensa a idade,mesmo quando se trata de gnios; mas que elles conseguem comdisfarces, peloticas e mais habilidades de feira .1 Par a term inar, observo ainda que tal a fascinao pelo titulo,a superstio que se tem por elle, que, uma revista desta cidade "Kodak", de 3 de Agosto do anno passado, chegou ao displantede pr em baixo do retrato de uma senhora, a seguinte e expressivalegenda: Mm e. D R . V . R . J se viu cousa igual ?Alm desse facto curioso e denunciador do nosso estado de espirito em relao ao doutor, temos ainda que o Sr. Pereira Lima,doutor no sei em qu, Presidente da Associao Commercial;e os mercados^ do Rio de Jan eiro elegeram como seu representantena Cm ara dos Deputados, o dr. Sampaio Corra, que, alis, um homem de verdadeiro talento.Depois disto tudo, querer ainda o Sr. Tobias Monteiro mandaros moos pobres para a lavoura e para o commercio ? O remdio outro, Sr. Tobias; e s se poder applicaLo quando a occasiopropicia surgir. No tardar muito."Expuz, talvez, mal, os motivos da minha birra; mas no medespeo sem prometter que hei de continuar a campanha emquantotiver um pingo de vida.

    Maio, 1918.

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    So Paulo e os es trangeirosQuando, em 1889, o Sr. marechal Deodoro proclamou a Repu^blica, eu era menino de oito, ann os.

    lEmbora fosse tenra a edade em que estava, dessa poca e de algumas anteriores eu tinha algumas recordaes. Das festas por oc-casio da passagem da lei de 13 de maio ainda tenho vivas recordaes; mas da tal historia da proclamao da Republica s me lembroque as patrulhas andavam, nas ruas, armadas de carabinas e meupai foi, alguns djas depois, demittido do logar que tinha.E e so.Si alguma cousa eu posso accrescentar a essas reminiscenias de que a physionomia da cidade era de estupor e de temor.Nascendo, como nasceu, dm esse aspecto de terror, de vio-tlertcia, ella vae aos poucos accentuando as feies que j trazia nobero. *No quero falar aqui de levantes, de revoltas, de motins, queso, de todas as coisas violentas da politica, em geral, as mais in-nocentes talvez.,Ha uma outra violncia que constante, seguida, tenaz e noespasmodica e passageira como as das rebellies de que falei.Refiro-me aco dos plutocratais, da sua influencia seguida,constante, diurna e nocturna, sobre as leis e sobre os governantes,em prol do seu insacivel enriquecimento.A Republica, mais do que o antigo regimen, accentuou esse poder do dinheiro, sem reio moral de espcie alguma; e nunca os ar-gentarios do Brasil se fingiram mais religiosos do que agora e tiveram da egreja mais apoio.Em outras pocas, no tempo do nosso imprio regalista, sce-ptico e voltereano, os ricos, mesmo quando senhores de escravos, tinham, em geral, a concepo de que o poder do dinheiro no eraillimitado e o escrpulo de conscincia de que, para augmentar assuas fortunas, se devia fazer uma escolha dos meios.Mas veiu a Republica e o ascendente nella da politica de SoPaulo fez apag ar-se toda essa. fraca disciplina moral, esse freio naconscincia dos que possuem fortuna. Todos os meios ficaram sendo bons para se chegar a ella e augmental-a desmarcadamente.Protegidos, devido a circumstancias que me escapam, por umaalta fabulosa no preo da arroba de caf, de que, aps a Republica,

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    1 6 os r icaos da Paul ica se f izeram os principaes productores , puderam elles melhorar os seus servios pblicos e ostentar, durante algum tempo, uma magnificncia que parecia fortemente es tabelecida. Seguros de que essa gruta alibabesca do caf a quarenta mil reisa arroba no t inha conta em thesouros , t rataram de at t rai r para assuas lavouras immigrantes , espalhando nos paizes de emigrao folhetos de prop aga nda em oue o clima do Es tad o, a facilidade d e arranjar fortuna nelle, as garantias legaies tudo, emfim. era excel-lente e excepcional.A esperana forte nos governos , quer aqui , quer na I tl iaou na Hespanha; e desses dois l t imos paizes , em chusma, accorre-ram famlias inteiras e milhares de indivduos isolados, em buscada abastana, que os homens do Estado diziam ser fci l de obter .

    A gente que o vem dominando ha cerca de t r in ta annos ecth ia-se de contentam ento e at es tabeleceu a exclu so, da su a-pol icia degen te com sangue negro nas ve ias .A produco do caf, porm, fo i t ranspondo o l imite do consumo universal e a descer de preo, portanto; e os dogs do Tietcomearam a encher-se de susto e a inventar pal l ia t ivos e remdiosde fei t iaria , para evi tar a depreciao.Um dos primeiros lembrados foi a prohibio do plantio demais um p de caf que fosse.Esta sbia d isposio legis lat iva t inha antecedentes em certosalvars ou cartas regias do tempo da colnia, nos quaes se prohibiamcertas cul turas que f izessem concorrncia s especiarias da ndia,e tambm o estabelecimento de fabricas de tecidos de l e mesmo deofficinas de artefactos de ouro para no t i rar a freguezia dos dore ino .Que p rogresso admin is t ra t ivoOs pal l ia t ivos , porm n o deram em nada e um jude u al lemoou ame ricano inventou a tal .h is toria da valorisao com que a gentede S. Paulo taxou mais fortemente os agricul tores e favoreceu osgrandes e poderosos , nas suas especulaes .A s i tuao in terna principiou a ser horrvel , a v ida cara, em-quan to os salrios eram mais ou menos os mesmos anteriore s Odescontentamento se fez e os pobres comearam a ver que, emquantoelles ficavam mais pobres, os ricos ficavam mais ricos.Os governantes do Estado, que influ iam quasi soberanamentenas decises da Unio, deixaram de fazer a ta l propaganda do Estado no es t rangeiro , mas augmentaram a pol icia , para a qual adquir i raminstructores e mort feras metralhadoras e deram em excommungarestrangeiros a que chamam de anarchis tas , de in imigos da ordemsocial, esquecidos de que andavam antes, a proclamar que a elegnciada sua capita), os seus lambrequins, as suas fanfreluches eram devidas a elles, sobretudo aos i talianos. A influencia dos estrangeiros,diziam, fez de S. Paulo a nica coisa decente do Brasil . E todos aaccei taram porque os dominadores de S. Paulo sempre se esforaram por esconder as dilapidaes ou coisas parecidas, convencendo

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    17 os seus patrcios de que o Estado, a sua capital, sobretudo, era coisanunca vista.No havia um casaro burguez com umas columnas ou unsvitraes baratos, que elles logo no proclamassem aquillo, o castellode Chenonceaux ou o palcio dos Doges.Tudo o que havia em S. Paulo no havia em parte alguma doBrasil. A sua capital era uma cidade europa e a capital artsticado paiz.Entretanto, a antiga provincia no dava, a no ser o Sr. Ramos de Azevedo, um grande nome ao paiz em qualquer departamento de arte.No contentes de prodfcmar isto dentro do Estado, comearama subvencionar jornaes e escriptores de todo o paiz para espalharem to pretenciosas affirmaes, que o povo do Estado recebiacomo artigos de f a fazer respeitar o "trust" poltico que o explorava ignobilmente. "Vanitas vanitatum"...Seguros de que a opinio os apoiava, porque tinham feito oEstado o prime iro do Brasil, os polticos profissionaes de S . Paulotrataram de abafar as criticas dos estrangeiros descontentes ou comopinies avanadas, a todos, emfim, que no se deixavam embaircom a tal historia da capital artstica e cidade europa.Os estrangeiros, agora, j no serviam e elles queriam livrar-sedo incommodo que os forasteiros lhes davam criticando-lhes os actos,a sua cupidez, %esquecimento dos seus deveres de governantes^para s protegerem os ricaos, os monopolistas, que eram tambmestrangeiros, mas no no ponto de vista do governo estadpal, que sjulga assim aquelles que no partilham a opinio de que elle omais sbio do mundo e affirmam que, em vez de estar fazendo a felicidade geral, est concorrendo para .enriquecer os seus filhos, seusgenros, seus primos, seus netos e afilhados e os plutocratas vidos.Trataram logo de se armar de leis que fizessem abafar osseus gemidos ;> uma dellas a celebre de~exportao que no sex:oaduna com o espirito da nossa Constituio; que inconseqentecom a propaganda feita por ns para attrair estrangeiros, que podem e-devem fiscalisar as nossas coisas, pois ns os chamamos eelles suam por ahi.-, Sem m ais querer dizer, podemos af firmar que todo o nosso malestar actual, todo o cynismo dos especulado/es com a guerra, inclu-

    . sivel Z Beze rra e P ereir a Lim a, vm desse, malfico espirito decupidez de riqueza com que S. Paulo infeccinou o Brasil, tacita-mente admittindo no se dever respeitai qualquer escrpulo, fossedessa ou daquella ordem, para obtel-as, nem mesmo o de levar emconta o esforo, a dignidade^e o trabalho dos immigrantes, os quaess lhe servem quando curvam a cerviz sua deshumana ambiochrematistica. 1 9 1 7 .

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    Casos de bovarysmo... Un grand oiseau aa plumage rose, ptanant dansle esplehdur des cieis poetiques...

    Gaultier Le Bovarysme.Notou Jules Gaultier, um moderno philosopho francez, que Flau-bert sellara quasi todos os personagens dos seus romances com amarca genial de um s modo de-ver.E' caso que uma espcie de Mal do Pensamento, mal de terconhecido a imagem das sensaes e a dos sentimentos antes dassensaes e dos sentimentos, como j dissera P. Tiourget, anima eperturba as almas de Frederic Moreau, de Regimbard, Homais, Ar-noux e sobretudo, de Mme. Bovary, em quem essa sorte de embria

    guez absorveu-a de tal modo que conduziu sua vida para o trgico.E' intil lembrar a heroina de Flaubert. Toda a gente a conhece. Emma Bovary, pequena burgueza, educada num estabelecimento aristocrtico, casada com um estpido medico, ou cousa queo valha, faz de si um retrato de grande dama, talhada para altas ca-vallaras e satisfaes, desenvolvendo para se approximar de umatal imagem todo o vigor de sua natureza violenta. O reflexo dessaimagem sobre a sua conscincia faz que ella deforme toda a realidade, creando dentro de si um principio de ihsaciabilidade, deruptura que impede sempre o equilbrio com o mundo externo.Sua vida assim constantemente perturbada. A realidade no a-satisfaz., Mal casada com o medocre Charles, desgosta-se, despreza-o,abom ina-o. Sonha am antes. Retrata-os carinhosamente na suaimaginao; idalisa-os supprimindo inconscientemente os perigosdo adultrio. Desvia-se da calma conjugai e estonteamehto que o sonho de irregularidade leva sua alma, arrasta-a a falsificar a firmade seu marido, que, descoberto a impelle ao suicdio.Devido fora com que a pobre Emma escravisou-se ao mal,pela alta dose de que delle ella era dotada, pareceu ao philosophoque Mme. Bovary, mais do que nenhum outro personagem de Flaubert, symbolisava essa funco original de nossa alma, dahi bovarysmo, como elle a chamou.E' um caso agudo; outros ha, porm, em que o indivduo at-tingido delle para se approximar da imagem creada, emprega meios

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    20 pueris , minsculos em comparao com o f im proposto . Na "? d u c a " j

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    21 E' no trem, trem de subrbios; vem cheio. Entra o recebedorpela porta da frente. No segundo ou terceiro banco, algum diz: Sou delegado, tenho passe.O conductor afastou-se. Continua o auxiliar a receber os bilhetes de passagens pacientemente. Quasi ao chegar portinhola dovago, espera que um retardaiario lhe mostre o seu. Eil-o que olhao pequeno papel: um ministro de Estado que o apresenta ordinariamente ,, Ao olhar de quem no estiver armado do binculo bovary, nose apresentaro os dous actos como idnticos. Ambos so, entretanto, idnticos; partem do mesmo facto que os dous; o commum delegado e o poderoso ministro se concebem outros que no so.O delegado acredita-se participando de Jpiter Tonante, temalgo de omnipotente. Quando olha a rua povoada de gente que secruza da direita para a esquerda, de l para c, diz de si para si: Se andam soltos, porque eu quero, seno...Ao ministro, j a imagem do poder no perturba'. Cr-se outrColbert,. Richelieu, Marquez de Pombal ou, no minimo, Cotegpe,Saraiva, Dantas, Zacharias, Ouro-Preto, ou outro qualquer dos nossos : ,de*modo que p'ra isso deve estar attento com a immortalidade,ficar certo de que esta vae lhe registrar os actos, os gestos, asph ra se s. .. Como os dous se enganam, meu Deus /E' puro bovarysmoFo i meu collega um rapaz razoavelmente intelligente que asympathia de um governador guindou a uma alta posio num Estado dos nossos. Ha mezes, eu o vi aqui pelas ruas, a andar solemne-

    mente de sobrecasaca, passando por mim a estourar como um peru'em roda, espreitando as sentinellas como quem espera brados de armas. Foi o bovarysmo... Como ? Concebendo-se outro, muito grande, extraordinrio, o pobre moo deformou a realidade: o-que elledeveu pura e simples affeio de um governador que o esperavapara genro, attribuiu elle a seu mrito.O m eu amigo H . , velho funccionark) publico, com tentos etantos annos de servio, sem uma licena, est atjtingido de bovarysmo. Aquelle contacto dirio com a premia, com o papel e rmteira;o constante elogio dos directores pela sua calligraphia, pelos seusofftcios, despertaram-lhe n'alma uma curiosa imagem. Acreditou-seescriptor, litterato; e o humilde escriba para quem o talhe da lettraera a nica preoccupao, poz-se febrilmente a escrever versos, romances, contos e, ha dias coitado veio me diz er: Voc sabe ? tenho uma grande obra^. Qual ? A Com edia do P ? ? E' melhor do que a Divina Comedia e um pouco superior ao.D . Quixote.Relatou-me um conhecido que muito se dera com o philantropoZ, um facto revelador do bovarysmo.Z, com o seu talento e a sua philantropia, ganh ara uma for tuna. O que lhe valera dar grande expanso ao seu amor ao luxo

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    _ 22 e s satisfaes de uma natureza exigente. N o havia quem comoelle amasse as roupas bem cortadas, os sapatos caros, a roupa branca fina. O seu amor mesa, s iguarias era uma paixo . Pareciaque Z verificava o aphorismo de Brillat-Savarin: os animaes nutrem-se; o homem come; s o homem de espirito sabe comer.Entretanto, Z com essa natureza exigente sonhava o martyriosocial. Batia-se pelas reformas, idealisava perseguies, creava pha-lansterios. Em rodas de amigos s falava no grande problema, naquesto mxima; no soffrimento das classes pobres; e, pela sobremesa, contaram-me depois de farto jantar em viandas e vinhos,roia um pedao de po velho para, af firmava, nunca se esquecer dosque passam e curtem fome.Mais casos poderia citar; mas bom parar, visto ter muita razo o suave Remy de Gourmont, com o assegurar que a philoso-phia se dirige a cada um de ns em particular.

    Bacon e Descartes, Spencer ou Schopenshauer, narram, comoShakespeare ou Racine as aventuras de um heroe e de um prncipeque somos ns mesmos e est nossa mysteriosa alma de homens;e que no ha uma pagina de seus livros em que o leitor no parepara levantar a cabea e reflectir sobre o seu destino, com os olhosvagos e o corao perturbado.Paremos.1904.

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    Tenl jo esperana que . . .Certas manhs, quando deso de bonde para o centro da cidade,

    naquellas manhs em que, no dizer do poeta, um archanjo se levanta de dentro de ns quando deso do subrbio em que residoha quinze annos, vou vendo pelo longo caminho de mais de dezkilometros, as escolas publicas povoadas.Em algumas, ainda surprehendo as crianas entrando e se espalhando pelos jardins espera do comeo das aulas, em outras, porm, ellas j esto aibancadas e debruadas sobre aquelles livrosque meus olhos no mais folhearo, nem mesmo para seguir as lies de meus filhos*. Braz Cubas no transmittiu a nenhuma crea-tura o legad o da nossa m isria; eu, porm, a transmittiria de bomgrado.Vendo todo o dia, ou quasi, esse espectaculo curioso e sugges-tivo da vida da cidade, "sempre me hei de lembrar da quantidade dasmeninas que, annualmente, disputam a entrada na Escola Normal,desta cidade; e eu, que estou sempre disposto a troar as pretenesfeministas, fico interessado em achar no meu espirito uma soluoque satisfizesse o afan do milheiro dessas candidatas a tal matricula, procurando com isso aprender para ensinar, o.que ? O cursoprimrio, as primeiras letras a meninas e meninoa pobres, noque vo gastar a sua mocidade, a sua sade e fanar a sua belleza.Dolorosa coisa para uma moa...A obscuridade da misso e a abnegaro que ella exige, carcamessas moas de um halo de herosmo, de grandeza, de virtudes queme faz naquellas manhas em que sinto o archanjo dentro da minhaalma, cobrir todas ellas da mais viva e extremada sympathia. Eume lembro tambm da minha primeira dcada de vida, de meu primeiro collegio publico municipal, na rua do Rezende, das suasduas salas de aula, daquellas grandes e pesadas carteiras do tempoe, sobretudo, da minha professora D. Thereza do Amara] dequem, talvez se a desgraa, um dia, enfraquecer-me a memria nome esquea de todo.De todos os professores que eu tive, houve cinco que me impressionaram muito; mas delia que guardo mais forte impresso.O doutor (assim o tratvamos) Fructuoso da Costa, um delles, era um preto mineiro, que estudara para padre e no chegara aordenar-se. Tudo nelle era desgosto, amargor; e, s vezes, deixava-

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    24 rnos de analysar a "Seleco", para ouvirmos de sua feia bocca historias polvilhadas dos mais atrozes sarcasmos. Os seus olhos intel-ligentes luziam debaixo do pince-nez e o seu sorriso de remate mostrava os seus dentes de marfim de um modo que no me atrevo aqualificar. O seu enterro saiu de uma quasi estalagem .Um outro foi o Sr. Francisco Vartta, homem de muito mritoe intelligente, que me ensinou Historia Geral e do Brasil. Tenhuma noticia de policia que cortei de um velho "Jornal do Commer-cio" de 1878. Desenvolvida com a habilidade e o "savoir-faire^.da-quelles tempos, contava como foi preso um sujeito por trazer cm-sigo quatro canivetes. "Explorava-a", como diz hoje nos jornaes,criteriosamente o redaotor dizendo que "ordinariamente basta queum homem traga comsigo uma nica arma qualquer para que a policia ache logo que deve chamal-o a contas". Isto era naquelle tempo e na Corte, pois o professor Chico Varella usava impunementenao sei quantos canivetes, quantos punhaes, revolvers; e um diaappareceu-nos com uma carabina. Era no tempo da Revolta. Gabava-se, no que tinha muita razo, de ser parente de Fagundes Varella; mas sempre citava a famosa metaphora de Castro Alves, como sendo das mais bellas que conhecia; "Qual Prometteu tume amarras te um dia . . . "

    Era um belle homem e, se elle ler isto, no me leve a maL Recordaes de menino...Foi elle quem me narrou a lenda dos comeos da guerra deTria, que, como sei hoje, da autoria de um tal Stasinos de Chy-p re . Parece que fragmento de um poema deste, conservado no seiem que outro livro antigo. O filho do rei de Tria, Paris, foi chamado a julgar uma contenda entre deusas, Venus, Minerva e Juno.Houvera um banquete no Co e a Discrdia, que no havia sidoconvidada, para vingar-se, atirou um pomo de ouro, com a inseri-po A' mais bea. Paris, chamado a julgar quem merecia oprmio, entre as trs, hesitou. Minerva promettia-lhe a sabedoria ea coragem; Juno, o poder real e Venus... a mulher mais bella domundo.Ahi, elle no teve duvidas: deu "O Pomo" Venus. Encontrou-se com Helena, que era mulher do rei Menelo, fugiu comella; e a promessa de Aphrodite foi cumprida. Menelo no quiz

    acceitar esse rapto e declarou guerra com uma poro de outros ris Tria. Essa historia da tnythologia; pois hoje me parece docathecismo. Naquelles dias, ella me encantou e fui da opinio dotroyano; actuamente, porm, no sei como julgaria, mas certo nodesencadearia uma guerra por to pouca cousa.Varella contava tudo isto com uma eloqncia cheia d* A , ,siasmo, de transbordante paixo; e, ao me lembrar delle I . "ro-o sempre com o Dr. Ortiz Monteiro, que foi meu lent* m p*~cakno, methodico, no perdendo nunca um minuto oara ns ^ " f 6romper a exposio de sua geometria descriptiva. A sua 1 L " vdade e o seu amor em ensinar a sua disciplina fazi a m -no um?pao no nosso meio, onde os professores cuidam pouco n a s ^ deras, para se oecuparem de todo outro qualquer af fazer

    exce-ca-

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    25 De todos eu queria tambm falar do Sr. Otto de Alencar, masque posso eu dizer da sua cultura geral e profunda, da natureza todifferente da sua intelligencia da nossa iritelligencia, em geral? Elletinha alguma cousa daquelles grandes geometras francezes que vmde Descartes, passam por d'Alembert e Condorcet, chegam at nossos dias em Bertrand e Poincar. Podia tocar em tudo e tudo receberia a marca indelvel do seu gnio. Entre ns, ha muitos que sabem; mas' no so sbios.Otto, sem eiva de pedantismo ou de suffi-ciencia presumida, era um gnio universal, em cuja intelligencia atotal representao scientifica do mundo tinha lhe dado, no sa accelerada anci de mais saber, mas tambm a certeza*de quenunca conseguiremos sobrepor ao universo as leis que suppomoseternas e infalliveis. A nossa sciencia no nem mesmo uma appro-ximao; uma representao do Universo peculiar a ns e que, talvez, no sirva para as formigas ou gafanhotos. Ella no uma

    deusa que possa gerar inquisidores de escalpello e microscpio,pois devemos sejnpre julgal-a com a cartesiana duvida permanente.No podemos opprimir em seu nome.Foi o homem mais intelligente que conheci e o mais honesto deintelligencia.Mas, de todos, de quem mais me lembro, da minha professora primaria, no direi do A. B. C, porque o aprendi em casa,com minha me, que me morreu aos sete annos.E' com essas recordaes em torno das quaes esvoaam tantos*sonhos mortos e tantas esperanas

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    26 ensino do Districto. Elle julga, porm, que s so os homens quenecessitam delle; e mesmo aos rapazes, elle o faz com estabelecimtos fechados, pata onde se entra custa de muitos empen n o s ;. . .

    A despesa que elle tem, com os Gymnasios e o Collegio Militarbem empregada daria para maior numero de externatos, de Lyceus.Alm de um internato no Collegio Militar do Rio, tem outro em Bar-bacena, outra em Porto Alegre, e no sei se projectam mais alguns por ahi.Onde elle no tem obrigao de ministrar o ensino secundrio,ministra; mas aqui, onde elle obrigado, constitucionalmente, deixamilhares de moas a impetrar a benevolncia do governo municipal.A municipalidade do Rio de Janeiro que rende cerca de 40 milcontos ou mais, podia ter ha muito tempo resolvido esse caso; masa politica que domina a nossa edilidate no aquella que Bossuetdefiniu. A nossa tem por fim fazer a vida incommod e os povosinfelizes;, e os seus partidos tm por programma um nico: nofazer nada de til.Deante desse espectaculo de mil e tantas meninas que queremaprender alguma cousa, batem porta da Municipalidade e ella asrepelle em massa, admiro que os senhores que entendem de instruco publica, no digam alguma cousa a respeito.^ E creio que no facto insignificante ; e, por mais que fosse ecapaz de causar prazer ou dr mais humilde creatura no seriademasiado insignificante para nto merecer a atteno do philosopho.Creio ser de Bacon essa observao.

    O remdio que julgo to simples, pde no sel-o; mas, esperodespertar a atteno dos entendidos e sero elles capazes de acharum bem melhor. Ficarei muito contente e tenho esperana quetal se d.3518.

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    O caso do mendigoOs jornaes annunciaram, entre indignados e jocosos, que ummendigo, presa pela policia, possua em seu poder valores que montavam respeitvel quantia de seis contos e pouco.Ouvi mesmo commentarios cheios de raiva a tal respeito. Orneu amigo X, que o homem mais esmoler desta terra, decla- rou-me mesmo que no d mais esmola. E no foi s elle a indignar-se. Em casa de familia de minhas relaes, a dona da casa,senhora compassiva e boa, levou a tal ponto a sua indignao, quepropunha se confiscasse o dinheiro ao cego que o a untou.No sei bem o que fez *a. policia com o cego. Creio que fezo que o Cdigo e as leis mandam; e, como sei pouco das leis edos cdigos, no estou certo se elle praticou o alvitre lembradopela dona da casa de que j falei.O negocio fez-me pensar e, por pensar, que cheguei a concluses diametralmente oppostas opino geral.O mendigo no merece censuras, no deve ser perseguido, porque tem todas as justificativas a seu favor. No ha razo paraindignao, nem tampouco para perseguio legal ao pobre homem.. Tem elle, em face dos costumes, direito ou n o a esmolar ?Vejam bem que eu no falo em leis; falo ds costumes. No haquem no diga: sim. Embora a esmola tenha inimigos, e dos maisconspicuos, entre os quaes, creio, est M r. Berge ret, ella aindacontinua a ser o nico meio de manifestao da nossa bondade emace da misria dos outros. Os sculos a consagraram; e, penso,dada a nossa defeituosa organizao social, ella tem grandes justificativ as. Mas no bem disso que eu quero f ala r. A minha questo que, em face dos costumes, o homem tinha direito de esmolar. Isto est fora de duvida.Naturalmente elle j o fazia ha muito tempo, e aquella respeitvel quantia de seis contos talvez represente economias de dezou vinte annos.Ha, pois, ainda esta condio a attender: o tempo em queaquelle dinheiro foi junto. Se foi assim num prazo longo, suppo--nham os dez annos, a coisa assim de assustar ? No . Vam osadiante.Quem seria esse cego antes de ser mendigo ? Certamente um

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    28 operrio, um homem humilde, vivendo de pequenos v e . . t Q 8 a n _tendo s veze s falta de trabalho ; portanto, pelos seus i ^ ^ _teriores de vida e mesmo pelos meios de que se serv p ^nhal-a, estava habituado a economizar. E' fcil de ve Q ^Os operrios nem sempre tm servio constante. A n a contamgrandes fabricas do Estado ou de particulares, os outrosque, mais dias, menos dias, estaro, sem trabalhar, portanto sem dinheiro; dahi lhes vem a necessidade de economizar, para attender aessas pocas de crise.Devia ser assim o tal cego, antes de o ser. Cegando, foi esmolar. No primeiro dia,- com a falta de pratica, o rendimento no foigrande; mas foi o sufficiente para pagar um caldo no primeirorge que encontrou, e uma esteira na mais srdida das hospeda-rias da rua da Misericrdia. Esse primeiro dia teve outros iguaese seguidos; e o homem se habituou a comer com duzentos ris e

    a dorm ir com , qua trocen tos, tem os, po is, o oramento do mendig o fe ito : seiscentos ris (casa e com ida) e, talvez, cem ris deca f ; s o, portanto, setecentos ris por. dia .Roupa, certam ente, no com prava: davam -lh'. E ' bem decrer que a ssim fosse , porque bem_ sabemos de que m aneira prdiga ns nos desfazemos dos velhos*ternos.Estar portanto, o mendigo fixadjo ria despeza de setecentosris por dia. Nem mais, nem menos; o que-elle gastava. Certamen te no fumava e mu ito menos bebia, porque as exigncias do"off ici o haviam de afastal-o da "cann inha" . Quem d esmola aum pobre cheirando a cachaa ? Ningum.- Habituado a esse oramento, o homenzinho foi se aperfeioando no off ic io . Apren deu a pedir mais dramaticamente, a aflau-tar melhor a voz; arranjou um cachorrinho, e o seu suocesso naprofisso veiu.J de ha muito que ganhava mais do que precisava. Os ni-cke is cah iam, e o que elle h avia d e fazer delles ? Dar aos outros ?Se elle era pobre, como o podia fazer ? Pr fora ? No; dinheirono se p e fo ra. N o pedir mais ? Ah i interveiu uma outra considerao. - tEstando habituado previdncia e economia, o mendigo pensou l comsigo: ha dias que vem muito; ha dias que vem pouco,sendo assim; vou pedindo sempre, porque, pelos dias de muito, tiroos dias de nada. Guardou. Massa quantia augmentava. No come o eram s vinte mi r is; mas, em seguida foram quarentacincoenta, cem. E isto em notas, frgeis papeis, capazes de sdeteriorarem, de perderem o valor ao sabor de uma ordem administrativa, de que talvez no tivesse noticia, pois, era cego e noia , por tanto. Qu e fazer, em tal emergn cia, daquellas notas >Troca r em ouro? Pesa va e o tilintar especial dos sobera nos talvez attraisse malfeitores, ladres. S havia um caminho- tracafiar o dinheiro no banco. Foi o que elle fez. Esto ahi um ceimde juizo e um mendigo rico. __Feito o primeiro deposito, seguiram-se a este outros-

    poucos, como habito segunda natureza, elle foi encarando a men-

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    29 dicidade no mais como um humilhante imposto voluntrio, taxado pelos miserveis aos ricos e remediados; mas como uma profisso lucrativa, licita e nada vergonhosa.Continuou com o seu cozinho, com a sua voz aflautada, como seu ar dorido a pedir pelas avenidas, pelas ruas commerciaes,pelas casas de famlias, um nickel para um pobre cego. J noera mais pobre; o habito e os preceitos da profisso no lhe per-mittiam que pedisse uma esmola para um cego rico.O processo por que elle chegou a ajuntar a modesta fortunade que falam os jorna es, to natura l, to simples, que, julgoeu, no ha razo alguma para essa indignao das almas generosa*.Se ainda continuasse a ser operrio, ns ficaramos indignados se-elle tivesse juntado o mesmo peclio? No. Por-que entoficamos agora ?

    ^ E' porque elle mendigo, diro. Mas um engano. Ningummais que um mendigo tem necessidade de previdncia. A esmolano certa est na dependncia da generosidade dos homens, doseu estado moral psyhologico. Ha uns que s do esmolas quandoesto tristes, ha outros que s do quando esto alegres e assinipor diante. Ora, quem tem de obter meios de renda de fonte toincerta, deve ou no ser previdente e econmico ?No julguem que fao apologia da mendicidade. No^ s nfao como no a detracto.Ha occasies na vida que a gente pouco tem a escolher; s vezes mesmo nada tem a escolher, pois ha um nico caminh o. E 'o caso do cego. Que que elle havia de fazer? Guardar. Positivamente, elle procedeu bem, perfeitamente de accordo com os preceitos sociaes, com as regras da moralidade mais comezinha eattendeu s sentenas do "Bom Homem Ricardo", do fallecidoBenjamin Franklin.As pessoas que se indignaram com o estado prospero da forjtuna do cego, penso que no reflctiram bem, mas, se o fizerem,ho de ver que o homem merecia figurar no "Poder da vontade",do ,conhecidissimo Sm iles. -

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    Vera ZassulitchAffirm ou Dostoiewsky, no me lembro onde, que a realidade mais fantstica do que tudo o que a nossa intelligencia pde

    fan tasia r. Passam -se, na verdade, deante dos nossos olhos coisasque mais poderosa imaginao creadora seria capaz de combinar os seus dados para creal-as.Esse caso de Vera Zassulitch, cujo retumbante processo, fezestremecer a E urop a, em 1878, - um d elles. Tudo nelle estranho e convm ser elle lembrado agora, quando a Revoluo Russaabala, no unicamente os thronos, mas os fundamentos da nossavill e vida sociedade burg ueza . -No posso negar a grande sympathia que me merece um talmovimento; no posso esconder o desejo que tenho de ver um semelhante aqui, de modo a acabar com essa chusma de tyrannosburguezes, accrados covardemente por detraz da Lei, para nosmatarem de fome, elevando artificialmente o preo dos gneros eartigos de primeira necessidade, como: o assucar, a carne, o*feijo,o arroz, o caf, o sal, o panno, custa de estancos, de "Jtrusts",de "corners", de "allivios", trficos de homens e outras inacreditveis espcies de assaltos economia de toda uma populao miservel que j no tem por si nem os ministros do Evangelho,pois os padres, freiras e irms de caridade, todo o clero emfim,est amarrado causa de semelhantes r^ppressores e os apoia detodas as form as. *jDisse Macaulay, num dos magnficos seus ensaios, que osphilosophos francezes do sculo X V II I, quando combatiam aIgreja estavam com os Evangelhos, pois a vetusta instituio religiosa-de Rom a, cada vez mais se afastava delles; e os philorsophos cada vez mais se impregnavam do espirito de Jesus. Hoje,parece que est acontecendo o mesmo com os revolucionrios...Ns, porm, continuando tal e qual a Rssia de 1878,dormimos. Como se l no artigo de Victor Cherbuliez (G. Val-ber t ) , na "Revue des deus mondes", de 1 de maio desse anno,os russos daquelles tempos, assim falavam do seu torpor:"Tudo dorme; por toda a parte, na alda, na cidade, na "te-lga", no tren de dia, de noite, assentado, de p, o negociante,o "tchinovnik" dorme; na sua ronda, dorme o vigilante sob ofrio da neve sob ardor do sol. E o ro dorme e o juiz dorme, os

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    32 camponezes dormem com um somno de morte; se^e es c A j u d _vram - dormem ; se elles "surra m o trigo, do rm em am a ^ ^le que fere e aquelle que ferido dormem J * "" g aga rran -tequim est acordado, com os olhos sempre abe"*V' ' a r o n t edo com os seus cinco dedos um garrafo de a g u a r u e i , ^ e t e r n opara o polo norte e os ps no Caucaso, dorme uma nossa ptria, a Santa R s si a. " .. ..E ns poderamos dizer do nosso resignado lrasu, que cue,grande, immenso, rico e generoso, tendo os ps no Prata e a cabea na s G oyanas, com a gra vata kucuosissima do Amazonas* aopescoo, dorme completamente encachaado, deixando que todauma quadrilha, com lbias de patus vrios, o saqueie e o ponhami, como os judeus fizeram a N. S. J. C.E' assim o 3rasil. Todos dormem e s se lembram, quando interrompem um pouco o somno, de appellar para o Estado, pedindo ta es ou q uaes pro vid encias; e ningum v" que a Estado, actual o "dinheiro" e o "dinheiro" a burguezia que aambarca, quefomenta guerras, que eleva vencimentos, para augmentar os impostos e emprstimos, de modo a drenar para as suas caixas fortes todo o suor e todo o sangue do paiz, em forma de taxa altade preos e juros de aplices.Precisamos deixar de panacas; a poca de medidas ra-dicaes.No ha quem, tendo meditado sobre esse estupendo movimento bolshevikista, no lobrigue nelle uma profunda e originalfeio social e um alcance de universal amplitude sociolgica.

    Pondo de parte os panurgiahos e aquelles de mentalidade fssil a servio dos magnatas da Bolsa, da Industria e do Commercio,de todos os homens de intelligencia e de corao, independente,tanto anui cjmo acol, ficaram penstivos deante de uma revolu*o que t o fundamente attingiu os alicerces, n o, s os de umgrande e poderoso imprio, como tambm os de todas as concepesmatrizes das actuaes agglomeraes humanas, chamadas civili-sadas. 'No se podia compfftender com a nossa m entalidade jurdico- -hurgueza, feita de detrictos de tantas idas collectivas differentese, por vezs, antagnicas, que meia dzia de doidos vagabundos'e idelogos.licenciassem, do p para a mo, um exercito de milhesde homens e puzessem um imperador, a sua mulher e seus filhos,na Sibria.No foram os doidos, como Lenine e os outros so chamadospelos burguezes; no foram elles. Foram os officiaes e os soldados que se desarmaram a elles mesmos. E' que a reforma deidas e sentimentos j estava feita no intimo delles todos; e, comoobservou Oliveira Lima, no lhes satisfaziam mais os idaes patriticos e polticos; o essencial eram as medidas sociaes. Puzeramfra as carabinas.. .De resto, tomo a liberdade de repetir aqui o que disse em "ALanterna", de 21 de janeiro ultimo, com o pseudonymo de Dr.Bcoloff, tratando do terremoto maximalista:

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    33 "Loucas ou no, preciso contar com as suas utopias, poisse assim nos parecem hoje, talvez amanh sejam disposies dalegislao commum. A Historia nos ensina esse poder de que onosso glorioso e ajuizado Afranio Peixoto, desdenhosamente, comtoda a superioridade de sua integridade mental, d o nome de loucura ou outros mais rebarbativos. E' uma fora que no leVa aPetropolis; mas faz descer em um instante os que l esto emnamoro . "E' de toda utilidade notar que e~ tinha antes citado o Dr. Gustavo Le Bon, que anarchista em physica e ultramontano em sociologia, mas que no trepida em af firmar, no seu livro "C ivil i-'sation des rabes", que "a aco da loucura ha sido immensa.Os loucos fundam religies, destroem imprios e levantam as massas. Sua mo poderosa tem conduzido a humanidade at aqui ea historia seria toda outra, se a razo, e no a loucura, houvesse

    reinado sobre o mundo".So de meditar taes palavras quando vemos o baixo interesse^)u a nossa proverbial preguia mental tentar amesquinhar os revolucionrios russos com o epitheto: loucos. Entre elles, ha mulheres. Ha at uma Mme. Kolentay, que ou foi ministro doBem Publico; no de hoje, porm, que as mulheres russas, moas, em geral, se envolvem nesses movimentos, altruisticamentesubversivos, do imprio dos Ro m anoffs. Es ta V era Z assulitch,que teve um a celebridade univ ersal, como o symblo dellastodas.Acoimada de louca, foi verificado^ que nada tinha disso.De resto, essa historia de loucura, como muitas outras, simplesmente questo de sentido da contagem; para esquerda do O, negativo; para a direita, positivo. Mais nada.No dizer de Cherbuliez, a deplorvel vida que lhe haviam feito padecer os homens, teria perturbado uma razo menos solidaque a sa. Com dezesete annos, apenas acaba de terminar a suaeducao em um pensonato de Moscou, encontra-se com o revolucionrio Netchaieff, e, por ter se enconjtrado com Netchaieff, passa dous annos nas casamatas de uma fprtaleza, sem que pudesseSaber do que era accusada. No via pessoa alguma; no recebiavisitas dos pes ou parentes; os nicos rostos humanos que viu,

    durante esse largo prazo de tempo, mais largo ainda por no lhedarem tarefa alguma, foram o do guarda encarregado de lhe darcomida e o de sentinella que lhe perguntava, todo o dia, atravez dasgrades: como vae a senhora ?Os seus vinte annos, ella os viu passar assim sepultados naescurido de uma masmorra, quando elles lhe pediam sol, luz, alegria, brinquedos, namoros, AmorSolta, foi s em apparencia, pois por toda a parte a perseguiaa policia, a terrvel policia russa. Sois livre, diziam, mas todosos sabbados tendes de ir presena do commissario.Foi assim a sua mocidade; no enlouqueceu: mas a sua alma,como quer Charbuliez, foi invadida por essa tristeza russa que

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    34 tem a immensidade e o silencio, das steppes; e, de todas as tristezas humanas, a mais triste.Um certo dia, o general Trepoff, ministro ou prefeito ou chefe de Policia de So Petersburgo, vae visitar na priso os presospolticos.Entre estes, havia um certo Bogoluboff que se anima a falarao inquisidor do Estado, de gorro de prisioneiro, cabea.Por causa disto, Trepoff manda dar-lhe uma surra de varase o detento vergastado sem piedade.Vera, uma espcie de Mariana das "T err es Vie rges", deTsurgneneff, revolta-se ao ter noticia do facto.Ella, no parecer do autor do artigo que estou resumindo; ellano era desgraada por sua prpria desgraa. Soffria por todosos opprimidos, por todjbs os desherdados; ou, antes, ella no soffria,ella se indignava, se revoltava. Vera ficava irritada ao mesmotempo contra a sua impotncia e contra a felicidade dessa gente porahi, calma, gorda e saciada, apezar de saber que milhes de pessoas gemiam eram perseguidas de todos os modos.Movida por esses sentimen tos, ella, que nunca vira Bogoluboff?to ferozmente injuriado e rebaixado de sua condio de Homem,jura vingar a offensa e o supplicio que lhe inflingiram. Arma-se,procura T repoff e mata-o, descarregando sobre elle todo o revolver que levava.Foi a jury, confessou que obrara com todo o discernimento,com premeditao, de emboscada, e t c , etc. ; e absolvida.O resto no nos interessa; o que nos interessa, o caracterdessa mulher, a sua abnegao o seu sacrifcio em prol do sof-frimento de outrem que ella absolutamente no conhecia.No trepidou ella em cobrir-se com o opprobio de um assassinato de arriscar-se ao crcere de cujas dores tinha experinciapessoal, de jogar at a Cabea, para mostrar que era "solidaria"com a desgra a, com "a angus tia, com a dr de um s em elh an te...Ha um epitaphio de um navegante grego, antigo, encommen-dado por elle mesmo, caso morresse de naufrgio, que assim diz:" O m arinh eiro que aqui jaz , diz -te : faze-te de vela O golpe deVento que aqui nos perde u,; fazia vogar ao largo toda um a flotilhade barcos alegres.." #Vera no naufragou de todo; mas se a Rssia morrer nessetranse, ella ver que o golpe de vento que a matou, far singrarao largo toda uma flotilha de povos felizes.

    1 4 - 7 - 1 8 .

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    Que fim levou ?Foi um triumpho, lembro-me bem. O homem chegou aqui,debaixo de palmas, de ovaes; houve recepes solemnes nas escolas, nas sociedades sabias. Uma noite, depois de vir no seide onde, desatrellaram-lhe os cavallos do carro, e elle andou puxado e empurrado por milhares de braos pelas ruas da cidade. Otriumpho no durou um s dia, mas perto de uma semana; e, comonos nossos no ha aquella praxe romana que permittia dizer-seaos generaes algumas liberdades, para que no se suppuzessem deuses, no appareceu uma voz destoante: era mesmo um demiurgo.A poesia nacional trabalhou; trabalhou tambm a eloqncia,e o jornalismo, noticirio, chronica, artigo de fundo, entraramtambm no unismo das acclamaes jo hom em. 'Pouca coisa desse escachoar de escriptos e palavras ficou.

    Houve odes, e poemetos, e artigos; mas, verso algum das odes, dospoemetos, dos sonetos, se imprimiu na memria dos contemporneos; e os artigos foram esquecidos depressa, logo, como um beneficio ., Mas, do movimento literrio que a presena do here deter-. minou , uma coisa ficou, r esistiu , inc rustou-se na memria* de to dos, foi da Saud a B otafogo, correu os E stad os' e,'a ind a hoje,aps quasi 10 annos, qualquer ainda se lembra de uma quadra, deum verso da cano famosa:A Europa curvou-se ante o BrasilE clamou paraberis em meigo tom...

    No se lembram ? Lembram-se, sim; todos ainda a sabem. Eromo estranho o destino das coisas O homem, o homem e xtrao rdinrio, que tanto tinha levantado o nome do Brasil na Europa,s teve em sua honra uma poesia immorredoura, e foi essa cano.Repetida nos cafs concertos de terceira ordem, trauteada . pelos moleques, debochada pelos letrados, foi ella que cantou, que deu aimmortalidade da poesia ao homem glorioso que ameaava conquistar os ares.O autor no anonymo; o Sr. Eduardo das Neves, a quemo meu amigo Catullo chama, em livro publicado, popular canCio-nista brasileiro.

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    36 Onde foram as odes ? Onde foram os epenicios ? Onde estoos sonetos e os poemetos ? O que ficou, cantando ? a a i * . fa gloria do heroe, foi a cano do popular palhao brasu ei .

    A Europa curvou-se ante o BrasilE clamou parabns em meigo tom,Surgiu l no co mais uma estrellaE ap pareceu Santos Dum ont.Naquelle tempo elle apparecia; hoje, ou melhor, de uns annosa esta parte, elle desapparec.Vejam s como nestes ltimos annos, o problema da viaoarea vae tendo um immenso avano; vejam a quantidade de ousadias, de vontades que elle emprega, e de vidas que elle ceifatambm. Onde est Santos Dumont ? Bleriot atravessou a Mancha,em monoplano de seu invento; Chavez, esse mallogrado Chavez,fez a travessia dos Alpes; Winmalen, ganhou o raid Paris-Bru-xellas-Paris; Vdrine foi de Paris a Madrid; Beaumont, chegou Roma, partiu de Paris; e Santos Dumont ?Ha ainda mais nomes gloriosos na aviao que se podem citarde memria com simples leitura de jornaes.Ha Latham, Farmand,Morane, Garros, Legagneux e quantos outros? Que faz SantosDumont ?Ha um anno e pouco, li na "Gazeta de Noticias", em chro-nica de Demetrio Toledo, que elle tinha feito uma pequena viagemnos arredores de Paris, no seu famoso (para ns) "Demoiselle".

    Era uma proeza clandestina, mas, cujos resultados foram portentosos, porque elle cobriria no sei que record, se a coisa fosse sclaras.E' essa a ultima noticia que temos delle; antes tnhamos tidoa dos hydroplanos; mas concordem para quem foi o rei dosares, .muito pouco tudo isso.E' verdade que elle foi rei quando no tinha concurrentes sua realeza. No tempo de suas performances com os seus dirigiveisn s . 1, 2, 3 e no sei que numero m ais, ningum lh e disputava ocaminho do throno, e era natural que fosse rei; hoje ha bemuma centena e prudente no arriscar essa realeza honorria quelhe ficou.No pde ser seno temporria e decorativa. As viagens;:areas de Santos Dumont eram pequenos passeios sobre Paris,/dando volta pela Torre Eiffel; hoje, por exemplo, no raid Paris-Roma, alguns aviadores bateram a etape Paris-Avignon, cuja extenso de 645 kilometros, com interrupes insign ificantes .Os seus amigos dizem que o seu monoplano uma maravilha; elle mesmo j o poz no domnio publico. Se fosse a maravilha que dizem, sendo j propriedade de todos, seria de esperarque nos raids e nos circuitos apparecessem typos do seu Demoiselle no acham ? Mas no acontece isso. Apparecem mono"planos Bleriot, Morane e at desse desastrado Train, cujo fu

    selage todo de ao; mas typo Santos Dumont, nenhum f P 0 r

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    37 que ? No me compete dizer, porque no entendo de aviao;mas quem fr um poucochito mais entendido do que eu, podercom justeza explicar.No estou tomando satisfao ao Sr. Santos Dumont, embora elle tivesse recebido uma dotao votada pelo Congresso Nacional.Commento to smento o desapprecimento de um here, de umagloria nacional, que tantas esperanas despertou no paiz todo eto fortes emoes provocou.Sei bem que Santos Dumont como o baro do Rio Branco;est sagrado, est sob tabu; mas que diab o isto de perguntar simplesmente que fim levou? no sacrilgio, no of-fensa que v ferir o respeito polynesico que temos por certo dosnossos grandes homens.De resto, eu era como todos os brasileiros; acreditava que asoluo da navegao area ficasse c em casa, mesmo em meninotive um projecto; e vendo que a cousa nos vae escapando, que oS r. Santos Dumont no faz m ais nada, fico triste e clamo pelohere.No ha, portanto, nestas palavras, nada de iconoclasta, nadade inconveniente; o que ha, magoa de um patriota, sincero nomais intimo de sua alma, ao ver^que aquelle que estava fadado paralegar Ptria uma alta conquista de7prog resso e civilizao, estse deixando bater, arredado dos seus propsitos, sepultando-se noesquecimento.Quando leio, por exemplo, Andr Beaumont chegou, partindode Paris, em primeiro logar a Roma, tendo voado de Nice a Roma,em 11 horas e 15 minutos, vencendo nesse tempo cerca de 400 kilo-metros de Nice a Pisa, incluindo uma grande parte sobre o mar,de Nice a Gnova; e 260 de Pisa a Roma; eu pergunto: por queSantos Dumont no fez isso?Quando leio: Vdrines ganhou o raid Paris-Madrid. O ousado piloto, o corajoso rapaz transpoz, voando altura de 2.000metros a serra, de Guadarrama, e chegou ao aerodromo de Getafa,perto de Madrid, onde uma ovao formidvel o acolheu, apesar dahora matinal; eu pergunto: por que no aconteceu isso com Santos Dum ont ? -No de desgostar? Concordem que . Ns, quando o recebemos ha alguns annos, com bandas de musica, sonetos, discursos, foguetes e artigos, espervamos que elle fizesse tudo isso, que elle,viesse a ser o rei dos ares, de facto, voando sempre, mostrando asua percia, a sua coragem, a sua familiaridade com o novo elemen-Jo aberto actividade humana, de frma a secundar os nossos an-ceios e cumprir a grande misso que parecamos ter no mundo; mas,j que no elle quem faz taes proezas, j que no elle quem bateetapes de 650 kilometros, fica a nos parecer que o sonho ou o projecto do padre Gusmo vae mais uma vez parar em outras mos queno as nossas.O h Triste Bras il Se no roubado, falha.Inventou a machina de escrever e roubaram os americanos oinvento a um pobre padre da Parahyba; tinha ouro e diamantes a

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    38fr i ca do Sul e outros paizes , aca bara m roubancro-os; t inh a omaior rio domundo , masjdescobriram quen o ; t in ha a p o r t en tosa batalha deRiachuelo , mas Fu s h i m a lhe furtou a g lo r ia ; t inhao Afinai Geraes, mas a A r g e n t i n a j mandou fazer um m a i o r ;t inha a maior capi tal daAm er ica doSul, mas Buenos Ai re s acaba ded izer que no;t inha bo rrac ha, e l le nico , quasi , masos in-glezes da s i a lhequerem furtar o r i co p roducto ; e, ag o ra ,porul t imo e talvez porfim, vae fugir dolbum denoss as g lorias ,aconquis ta do ar,cousa que lhe parecia rese rvada , porqu e umpadrecie bantos , chamado Gusmo, desenhou ha m a i s de 100 annosumpro jec to ex t ravagan te demach ina de voara n , i C o , lr S e ' ais t r i ? e ' p o r m - ha de f i c o poeta popular,aquel le que d eu i m m o r red o u ra , g l o r i aao heroe quese esvae W 7 SaC a , ^ a n o e s t c e r t a ; a E u r P a ao Mcurvou anteoBrasil, nao clamou parabns emmeigo tom; no meuZ ZLOgque a Europa fez, foi sqrrir leve e i r an j eSS^di So^

    J?ZLea f a 2 e^ ' P r q u e ' * l d i s s e tro poeta:.A Europa e sempre a Ekrop, a gloriosa.'...Julhode 1911.

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    digos da honra e da pureza da famlia, mettendo as j ^ ^ t t a h a m ,tas nos conventos, quando implicava com o namoraao -aou no o julgava de nobreza sufficiente para a sua pr V Em outras, havia de ser voluntria a recluso; mas, w vqueno crebro de mulher, naturalmente esse piedoso d e s e j o _ MUuma decepo amorosa ou de uma forte crena da moigenc asua belleza. O amor de Deus vinha aps o amor dos homens; eaquellas paredes que vo ruir sob os applausos dos esthetas e anti-clericaes, longe talvez de estarem impregnadas de sonhos mysti-cos, esto, talvez, saturadas de decepes, de desilluses, de melan-colias e desesperos, posso bem dizer, de revoltas bem humanas.Com as minhas idas particulares posso passar sem o passadoe sem a tradio; mas, os outros, aquelles que, diariamente, contamnos jornaes historias do aougue dos jesutas, anecdotas do prncipe-Natruza e outras cousas edificantes e picas, como que dei

    xam desapparecer sem uma lagrima, debaixo do alvio brbaro,aquelle velho monumento, pantheon de rainhas, de imperatrizes eprincezas ?E' que elles estavam convencidos da sua fealdade, da necessidade do seu dsapparecimento, para que o Rio se approximasse maisde Buenos Aires.A capital da Argentina no nos deixa dormir. Ha conventos defachada lisa e montona nas suas avenidas? No. Ento esse casaro deve ir abaixo.O Passos quiz; o Frontin tambm; mas, a desappropriaocustaria muito e recuaram.No sei bem que vantagens trar tal cousa. Se, ao menos,fossemos levantar ali um Louvre, um Palcio dos Doges, algumacousa de bello e grandioso architectonicamente, era de justificartodo esse contentamento que vae pelas amas dos esthetas; mas,para substituil-o por um hediondo edifcio americano, enorme, pre-tencioso e pifio, o embellezamento da cidade.no ser grande e asatisfao dos nossos olhos no ha de ser de natureza altamenteartstica. Uma cousa vale a outra.

    No que eu tenha grande admirao pelo velho casaro; mas, que tambm no tenho grande admirao nem pelo estylo, nem pelagente, nem pelos preceitos americanos dos Estados Unidos.Em matria de immenso l esto as pyramides do Egypto; e,como so simples de linhas e de destino, ainda podem ter algumabelleza; mas uma casa, uma habitao, com centenas de metros dealtura, com uma fachada de superfcie immensa, de frma que nose pde abranger ,de um golpe de vista o conjuncto e o movimentodos detalhes, no s monstruoso, besta e imbecil.O convento no tinha belleza alguma, mas era honesto- o talhotel no ter tambm belleza alguma e ser deshonesto, no seu intuito de surripiar a falta de belleza com as suas propores mas-todonticas.De resto, no se pdf. comprehender uma cidade sem essesmarcos de sua vida anterior, sem esses annaes de pedra que contam

    a sua historia.

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    _ 41 Repjto: nb gosto do passado. No pelo passado em si; pelo veneno que elle deposita em forma de preconceitos, de regras,de prejulgamentos-nos nossos sentimentos.Ainda so a crueldade e o autoritarismo romanos que dictaminconscientemente as nossas leis; ainda a imbecil honra dos bandidos feudaes, bares, duques, marquezes> que determina a nossataximonia social, as nossas relaes de famlia e de sexo para sexo;ainda , so as cousas de fazenda, com senza las, sinhs m oas e mu-carnas, que regulam as idas da nossa diplomacia; ainda , portanto, o passado, daqui, dali, dacol, que governa, no direi as idas,mas os nossos sentimentos. E' por isso que eu no gosto do passad o ; mas isso pessoal, individual. Quando, entretanto, eu me fa8cidado da minha cidade no posso deixar de querer de p os attes-tados de sua vida anterior, as suas egrejas feias e os seus conventos hediondos.Esse furor demolidor vem dos forasteiros, dos adventicios, quequerem um Rio-Paris barato ou mesmo Buenos Aires de tosto.O aspecto anti-clerical com que elles escondem esse desejo defazer da cidade um improviso catita, nada vale.Em geral, so sempre os monumentos religiosos que ficam.O Parthenon era um edifcio religioso; e religiosos eram osmonumentos de Karnak.As cathedraes gothicas iro abaixo, quando o catholicismo notiver mais nem um adepto? No. A no ser que os velhos turcosvenham a conquistar a Europa inteira.O convento por si s no enfeiava tanto a cidade, como dizem;

    nem to pouco a sua demolio vae diminuir o espirito religioso*nem trazer para as alegrias da vida as freiras que l estavam enclausuradas .Demais, no eram muitas; uma meia dzia e o seu livramentopde ser obtido com a dcima parte do dinheiro por que venderam oimmovel. E' s requerer "habeas-corpus".. .De todas as instituies religiosas, uma das mais sabias oconvento. Nos antigos tempos, e um pouco no nosso, em que a vidasocial era baseada na lucta e na violncia, devia haver naturezas delicadas que quizessem fugir a taes processos; e o nico meio de fugir era o convento.Era til e conseqente; e, se hoje o gosto por taes recluses di-minue, porque j na nossa vida ha mais tolerncia, menos exhibi-es de virtudes e de fora, menos tyrannias domesticas, religiosase governamentaes.No ha de ser diminuindo conventos com auxilio do alvio dosamericanos que teremos a felicidade sobre a terra. Elles podem ficar, como cousas de museu ao lado de canhes, de obzes, de fichas de identificao policial, dos cdigos forenses, de todo esse ap-parelho de coaco intil, quasi sempre, e contraproducente, nasmais das vezes; o que porm, precisamos fazer desentupir a nossaintelligencia de umas tantas crenas nefastas, que pesam sobre ellacomo castigos atrozes do destino.Os conventos so mu dos; mas essas falam. So como os taes

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    42 -mortos que falam, peores do que espectros , do que ' fan tasm as e a km a s . d outro mundo, porque no s met tem medo s creanas e smulheres , mas tambm aos homens cheios de coragem e ousadia.Elias que so fjagello; ellas que nos crestam; ellas quenos t i ranxa fel icidade de v iver .Se fosse possvel, com ellas, pr abaixo certos nomes a alvioe a p icareta , com bombas de dynamite e com plvora negra, eu to-c a c ' e a t i ^ e t U d o S e s e t r a t a s s e de um tal padre Antnio Vieira , umpensamento ^ o n a n o i u m mat to ide t rocadi lh is ta , ausente to tal doS ns S c S d o S . r 1 ? 8 0 * d e e s t y l o b e s o ' c o m o d i z O H v e i r * Mar-a lgunfT ouT a " J u ^ S i o T ^ J ? " ' . C T .SC ^S** c r i *vento em paz u t e r a r , o V a m s po l-o aba ixo e de ixem oso con-

    Julho de 1911.

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    No ajus te de contas . . . -A nossa burgueza finana governamental s conhece dous remdios para equilibrar os oramentos: augmentar os impostos e

    cortar logares de amanuenses e serventes. Fora desses dous palliativos, ella no tem mais beberagem de feiticeiro para curar a chro-nica molstia do "dficit".Quanto ao cortar logares, engraado o que se passa na nossaadministrao. Cada ministro, e quasi annualmente, arranja umaautorizao para reformar o seu ministrio. De posse delia, um,por exemplo, o da Guerra, realisa a sua portentosa obra e vem cpara fora blasonar que fez uma economia de 69 contos, emquantoo do Exterior, por exemplo, com a sua, augmentou as despezas desua pasta em mais de cem contos.Cada secretario do presidente, concebe que governo s cunicamente o seu respectivo ministrio e cada qual puxa a brazapara a sua sardinha.Cabia ao presidente coordenar estes movimentos desconexosajustal-os, conjugal-os; mas, elle nada faz, no intervm nas reformas e deixa correr o marfim, para no perder o precioso tempoque tem de empregar em satisfazer os hypocritas manejos dos cai-xeiros da fradalhada obsoleta ou em pensar nas cousas de sua poli-tiquinha de aldeota.Emquanto as reformas com as hypotheticas economias so emgeral obra dos ministros, o augmento de imposto parte, em geral,dos nossos financeiros parlamentares. Elles torram os miolos paraencontrar meios e modos de inventar novos; e, como bons burgue-zes que so, ou seus propostos, sabem, melhor que o imperadorVespasiano, que ,p dinheiro no tem che iro. Partem desse postulado que lhes remove muito, obstculo e muitas difficulddes e chegam at s latrinas, como aconteceu o anno passado.Essa pesada massa de impostos, geralmente sobre gneros deprimeira necessidade, devendo ser democraticamente igual para todos, vem verdadeiramente recahir sobre os pobres, isto , sobre aquasi totalidade da populao brasileira que de necessitados epobrssimos, de forma que as taxas dos Colberts da nossa representao parlamentar conseguem esta cousa maravilhosa, com as suasmedidas financeiras: arranham supercialmente os ricos e apunhalam mortalmente os pobres. Paes da ptria

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    44 Desde que o governo da Republica ficou entregue voracidadeinsacivel dos polticos de S. Paulo, observo que o seu desenvolvimento econmico guiado pela seguinte lei: tornar mais ricos, 03

    ricos; e fazer mais pobres, os pobres.S. Paulo tem muita razo e procede coherentemente com assuas pretenes; mas, devia ficar com os seus propsitos por l edeixar-nos em paz. Eu me explico. Os polticos, os jornalistas emais engrossadores das vaidades paulistas no cessam de berrarque a capital de S. Paulo uma cidade europa; e bem de verque uma cidade europa que se preza, no pode deixar de offereceraos forasteiros, o espectuculo de misria mais profunda em umaparte de sua populao.S. Paulo trabalha para isso, afim de acabar a sua flagrantesemelhana com Londres e com Paris; e podem os seus eupatridasestar certos que ficaremos muito contentes quando fr completa,mas no se incommodem comnosco, mesmo porque, alm de tudons sabemos com Lord Macaulay que, em toda parte, onde existiu olygarchia, ella abafou o desenvolvimento do gnio.Entretanto, no attribuirei a todos os financeiros parlamentaresque tm proposto novos impostos e augmento dos existentes; noattribuirei a todos elles, dizia, tenes malvolas ou deshonestas.Longe de mim tal cousa. Sei bem que muitos delles so levados aempregar semelhante panaca, por mero vicio de educao, por fatalidade mental que no lhes permitte encontrar os remdios radi-caes e infalliveis para o mal de que soffre a economia da nao.Quando se tratou aqui da abolio da escravatura negra, deu-sephenomeno semelhante. Houve homens que, por sua generosidadepessoal, pelo seu procedimento liberal, pelo conjuncto de suas virtudes privadas e publicas e alguns mesmo pelo seu sangue, deviamser abolicionistas; entretanto, eram escravocratas ou queriam a abolio com indemnisao, sendo elles mais respeitveis e temveisinimigos da emancipao, por no se poder suspeitar da sua sinceridade e do seu desinteresse.E' que elles se haviam convencido desde meninos, tinham comoartigo de f que a propriedade inviolvel e sagrada; e, desde queo escravo er uma propriedade, logo...Ora, os fundamentos da propriedade tm sido revistos modernam ente por toda a espcie de pensadores je nenhum lhe d esse caracter no indivduo que a detm. Nenhum delles admitte que eltaassim seja nas mes do individuo, a ponto de lesar a communhosocial, permittindo at, que meia duzia^de sujeitos espertos e semescrpulos, em geral fervorosos catholicos, monopolizem as terrasde uma provncia inteira, ttulos de divida de um paiz, emquantoo Estado esmaga os que nada tm, com os mais atrozes impostos.A propriedade social e o individuo s pde e deve conservar,para elle, de terras e outros bens to somente aquillo que precisarpara manter a sua vida e de sua famlia, devendo todos trabalharda forma que lhes fr mais agradvel e o menos possvel, em beneficio commum.No possvel comprehender que um typo bronco, egosta e

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    45 mo, residente no Flamengo ou em S. Clemente, num casaro monstruoso e que no sabe plantar um p de couve, tenha a propriedade de quarenta ou sessenta fazendas nos Estados prximos, muitas das quaes elle nem conhece nem as visitou, emquanto, noslogares em que esto taes latifndios, ha centenas de pessoas queno tm um palmo de terra para fincar quatro pos e erguer umrancho de sap, cultivando nos fundos uma quadra de aipim e batata doce.As fazendas, naturalmente, estaro abandonadas; por muito favor, elle ou seus caixeiros, permittiro que os desgraados locaesl se aboletem, mas estes pobres roceiros que nellas vegetam, nose animam a desenvolver plantaes, a limpal-as, do matto; do sap^e,da vassourinha, do carrapicho, porque, logo que fizerem, o donovendl-as- a bom preo e com bom lucro sobre a hypotheca comque a obteve, sendo certo que o novo proprietrio expulsal-os-,das terras por elles beneficiadas.Na idade media, e mesmo no comeo da idade moderna, oscamponezes de Frana tinham contra semelhantes proprietrios perversos que deixavam as suas terras "en friche", o recurso do"haro", e mesmo se apossavam deltas para cultival-as; mas a nossadoce e resignada gente da roa no possue essa energia, no temmesmo um acendrado amor terra e aos trabalhos agrcolas eprocedem como se tivessem lido o art. XVII da Declarao dosDireitos do Homem.O que diz com relao propriedade immovel, pode-se dizerpara a movei. Creio que assim que os financista^ dominam asaplices, moedas, ttulos, etc.O povo, em geral, no conhece esta engrenagem de finanase ladroeiras correlatiyas de brancos, companhias, hypothecas, caues, etc.; e quando, como actualmente, se sente esmagado pelo preo dos gneros de primeira necessidade, attribue todo o mal ao ta-vrheiro da esquina. Elle, o povo, no se pode capacitar de que aactual alta estrondosa do assucar obra pura e simples do ZBezerra e desse Pereira Lima que parece ter sido discpulo dos jesutas, com a aggravante de que o primeiro foi e o segundo aindaministro d'Estado, cargo cuja natureza exige de quem o exerce, odever de velar, na sua esphera de aco, pelo bem publico e paraa felicidade da ommunho.No estar tal cousa nas leis ou nos regulamentos; mas, evidentemente, se contm na essncia de tal funco administrativa.Bastiat, nas suas Mlanges d'Economie Politique, tem uminteressante capitulo, intitulado O que se v e o que no se v.Pouco ou quasi nada se relaciona com o nosso assumpto; mas citei-o, porque foi a sua leitura que me fez considerar e analysar melhor certos factos e no ficar como o grosso do povo preso^ ao quese v, sem prcurar a verdadeira explicao no que no se v.E' difficil imaginar, para quem se atem unicamente ao quese v, como esse negocio de aplices o cancro do oramento e afonte'de todos os nossos males, provocados pelo critrio supersticioso que tm os nossos financistas sobre a propriedade privada.

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    46 Poderia encher is to aqui de algarismos, obt idos nos r e l a t " spantafaudos ou nas tabel las do oramento , para provar o que digo,mas deixo essa d iff ici l exhibio sabichona para o br . Ut to rra-

    zeres , af im de que el le possa fazer mais um l ivro i r a inda umavez leval-o em pessoa ao Sr. Wenceslo Braz.O caso das apl ices muito semelhante ao da escravaturana gerao anterior nossa. E ' um nus que, em