Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

17
pelo rosto, infinitamente, como uma gota de cera pelo fuste de um cr'rio... E dcpoiii cantava as orações com a doçura feminina de uma virgem aos pés dc Maria, alto, trémulo, aéreo, como aquele pro- 'lígio ceícste dc garganteio da freira Virgínia em un» romance do " -'•ro Bastos (cap. I V ) . ha caricatura cm O Ateneu encontra-se no "ííirf k mais contínua, ampliando-se de tal forma i, fronteira estabelecida muitas vezes ténue /aricatura progressiva infere-se a partir da es- )mc do personagem: Aristarco Argolo de Ra- ^- /itmo definido e significado preciso: o ótimo c ^' primeiro capítulo é dinamicamente, traçada o ^ ;o do pedagogo doiiblé de financista educacio- •5 5>' ; sempre o significado paranóico de grandeza em CÍ; redundância isotópica: "a obsessão d a pró- ^ "^os" Assim, o tema da memória q u e compõe a própria ^ -o 'srrativa acha-se ridicularizado na sua conotação <3 o posteridade. A estátua passa a s e r o momento S plificação deste significado, tomado a o pé d a letra . / X I , q u a n d o , no auge do builesco, Aristarco se •2 P 5 P « ^ lí? ^ntía-se estranhamente maciço por dentro, como se houvera ^ p gesso. Parava-lhe o sangue nas artérias comprimidas. Perdia ff co" »saÇão da roupa; cmpcdcrnia-sc, mineralizava-se todo. Não era > S / ^'^'^ humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco 5f -lí «escória dc fundição, forma de bronze, vivendo a vida ex- &0" ^ Jor das esculturas, semÀÇfonsciência, sem individualidade, morto ^ /vT ^ cadeira, oh, glóriafl mas feito estátua. 0^ ^ & ^ o § § 3mo assinalou Bergsor», o cómico p r o f i s s i o n a l d e r i v a dos |f ^ S mentais e particularidades que identificam e mecanizam ^ '§ '2 alividades no seio da organização social, tornando-as iso- s? 03" ' ® rilualísticas". É o caso em O Ateneu da reiterada iso- á, proveniente do senso comum que afirma ser a educação a sacerdócio". Daí, o nível cada vez mais concretizante assumido pelo con- ceito na caracterização do "Júpiter-diretor", c o m s u a "fúria tonante", nível mítico porém reduzido no exercício cotidiano do charlatanismo veiculado pela sátira. O recurso ao romance autobiográfico e m q u e u m narrador em profundo estado de frustração resolve coutar u m a situação 144 de crise existencial vai ter, a partir do final do século XIX, no Brasil, uma crescente importância. A fratura de uma vida inte- rior torna-se a perspectiva de análise de um sujeito atemorizado, satírico ou melancólico. A consciência em seus desníveis dura- cionais encarrega-se de revelar o choque entre os seres e passa a dispor do único instrumento de mensuração. Apenas as mar- cas indeléveis afetivas serão os pontos de convergência de uma insatisfação. Memória de adolescente o u d e adulto, estará cristalizada em tomo de u m desejo impossível, de u m a questão insolúvel. Em volta haverá como realidade, apenas as fantasmagorias do pre- sente e a dor da solidão: consciência e ação estão radicalmente separadas. O Ateneu é o romance autobiográfico do desencanto e d o Mal, fixado por uma linguagem exasperada d e u m imaginário disposto à condenação do passado e m benefício da purgação do presente. Sérgio-narrador interpreta tudo e com isso multiplica as fixações da angústia pelo travo da ironia. Autopunição e destruição desempenham um papel essencial: a relação de opo- sição que rege seu mundo verbal separa para sempre a criança do adulto. _Lima„ Barreto.:. Mostrar.^ :Oii_ Significar? .... Quando Lima Barreto/publicou e m Í909) as Recordações do escrivão Isaías Caminha, io romance brasileiro já d e muito se adentrara e m u m sincretiámo acentuado,,, As^^possibilidades ace- nadas para o género são as mais ú&paíhS'. esttido "ctentífico", pintura de costumes, análise psicológica, ficção espintualista ou decadente. Assim, o romance torna-se histórico, simbolista, so- cial, político, psicológico, naturista, em algumas das múltiplas denominações q u e recebe. Predomina uma coexistência s e m im- posição, na ausência de estética diretora que pudesse conter todas as ambições. tendência n í t i d ^ ^ a u m menosprezo pelo en- redo, desprestigiando-se os lÂeandros da trama em benefício de estudos psicossociais, do ensaio filosófico, da autobiografia ou da poesia. Thibaudet, em 1912, distinguia o romance ativo, iso- lando uma crise, o romance bruto, pintando u m a época (tipo 145

Transcript of Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

Page 1: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

pelo rosto, infinitamente, como uma gota de cera pelo fuste de um cr'rio...

E dcpoiii cantava as orações com a doçura feminina de uma virgem aos pés dc Maria, alto, trémulo, aéreo, como aquele pro-'lígio ceícste dc garganteio da freira Virgínia em un» romance do

" -'•ro Bastos (cap. I V ) .

ha c a r i c a t u r a c m O Ateneu e n c o n t r a - s e n o "ííirf k m a i s contínua, a m p l i a n d o - s e d e t a l f o r m a

i , f r o n t e i r a e s t a b e l e c i d a m u i t a s v e z e s ténue / a r i c a t u r a p r o g r e s s i v a i n f e r e - s e a p a r t i r d a e s -) m c d o p e r s o n a g e m : A r i s t a r c o A r g o l o d e R a -

^- / i t m o d e f i n i d o e s i g n i f i c a d o p r e c i s o : o ótimo c

^ ' p r i m e i r o capítulo é d i n a m i c a m e n t e , traçada o ^ ;o d o p e d a g o g o doiiblé d e f i n a n c i s t a e d u c a c i o -

•5 5>' ; s e m p r e o s i g n i f i c a d o paranóico d e g r a n d e z a e m CÍ; redundância isotópica: " a obsessão d a pró-

^ " ^ o s " A s s i m , o t e m a d a memória q u e compõe a própria ^ - o ' s r r a t i v a a cha - se ridicularizado n a s u a conotação

<3 o p o s t e r i d a d e . A estátua p a s s a a s e r o m o m e n t o S <í plificação d e s t e s i g n i f i c a d o , t o m a d o a o pé d a l e t r a

. / X I , q u a n d o , n o a u g e d o b u i l e s c o , A r i s t a r c o se • 2 P 5 P «

^ lí? ^ntía-se estranhamente maciço por dentro, como se houvera ^ p gesso. Parava-lhe o sangue nas artérias comprimidas. Perdia

ff co" »saÇão da roupa; cmpcdcrnia-sc, mineralizava-se todo. Não era > S / ' ' humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco

5f -lí «escória dc fundição, forma de bronze, vivendo a vida ex-&0" ^ Jor das esculturas, semÀÇfonsciência, sem individualidade, morto

^ /vT ^ cadeira, oh, glóriafl mas feito estátua. 0^ ^

& ^ o • § § 3 m o a s s i n a l o u Bergsor», o cómico p r o f i s s i o n a l d e r i v a d o s

| f ^ S m e n t a i s e p a r t i c u l a r i d a d e s q u e i d e n t i f i c a m e m e c a n i z a m ^ '§ '2 a l i v i d a d e s n o s e i o d a organização s o c i a l , t o r n a n d o - a s i s o -

s ? 03" ' ® rilualísticas". É o c a s o e m O Ateneu d a r e i t e r a d a i s o -á, p r o v e n i e n t e d o s e n s o c o m u m q u e a f i r m a s e r a educação

a sacerdócio". Daí, o nível c a d a v e z m a i s c o n c r e t i z a n t e a s s u m i d o p e l o c o n ­

c e i t o n a caracterização d o "Júpiter-diretor", c o m s u a "fúria t o n a n t e " , nível mítico porém r e d u z i d o n o exercício c o t i d i a n o d o c h a r l a t a n i s m o v e i c u l a d o p e l a sátira.

O r e c u r s o a o r o m a n c e autobiográfico e m q u e u m n a r r a d o r e m p r o f u n d o e s t a d o d e frustração r e s o l v e c o u t a r u m a situação

144

d e c r i s e e x i s t e n c i a l v a i t e r , a p a r t i r d o f i n a l d o século X I X , n o B r a s i l , u m a c r e s c e n t e importância. A f r a t u r a d e u m a v i d a i n t e ­r i o r t o r n a - s e a p e r s p e c t i v a d e análise d e u m s u j e i t o a t e m o r i z a d o , satírico o u melancólico. A consciência e m seus desníveis d u r a -c i o n a i s e n c a r r e g a - s e d e r e v e l a r o c h o q u e e n t r e o s seres e p a s s a a d i s p o r d o único i n s t r u m e n t o d e mensuração. A p e n a s as m a r ­cas indeléveis a f e t i v a s serão o s p o n t o s d e convergência d e u m a insatisfação.

Memória d e a d o l e s c e n t e o u d e a d u l t o , estará c r i s t a l i z a d a e m t o m o d e u m d e s e j o impossível, d e u m a questão insolúvel. E m v o l t a haverá c o m o r e a l i d a d e , a p e n a s as f a n t a s m a g o r i a s d o p r e ­s e n t e e a d o r d a solidão: consciência e ação estão r a d i c a l m e n t e s e p a r a d a s .

O Ateneu é o r o m a n c e autobiográfico d o d e s e n c a n t o e d o M a l , fixado p o r u m a l i n g u a g e m e x a s p e r a d a d e u m imaginário d i s p o s t o à condenação d o p a s s a d o e m benefício d a purgação d o p r e s e n t e . Sérgio-narrador i n t e r p r e t a t u d o e c o m is so m u l t i p l i c a as fixações d a angústia p e l o t r a v o d a i r o n i a . Autopunição e destruição d e s e m p e n h a m u m p a p e l e s s e n c i a l : a relação d e o p o ­sição q u e r e g e s e u m u n d o v e r b a l s e p a r a p a r a s e m p r e a criança d o a d u l t o .

_ L i m a „ B a r r e t o . : . M o s t r a r . ^ : O i i _ S i g n i f i c a r ?

. . . .

Q u a n d o L i m a B a r r e t o / p u b l i c o u e m Í909) as Recordações do escrivão Isaías Caminha, io r o m a n c e b r a s i l e i r o já d e m u i t o s e a d e n t r a r a e m u m sincretiámo a c e n t u a d o , , , A s ^ ^ p o s s i b i l i d a d e s a c e ­n a d a s p a r a o género são as m a i s ú&paíhS'. e s t t i d o "ctentífico", p i n t u r a d e c o s t u m e s , análise psicológica, ficção e s p i n t u a l i s t a o u d e c a d e n t e . A s s i m , o r o m a n c e t o r n a - s e histórico, s i m b o l i s t a , s o ­c i a l , político, psicológico, n a t u r i s t a , e m a l g u m a s d a s múltiplas denominações q u e r e c e b e . P r e d o m i n a u m a coexistência s e m i m ­posição, n a ausência d e estética d i r e t o r a q u e p u d e s s e c o n t e r t o d a s as ambições. Há tendência n í t i d ^ ^ a u m m e n o s p r e z o p e l o e n ­r e d o , d e s p r e s t i g i a n d o - s e o s lÂeandros d a t r a m a e m benefício d e e s t u d o s p s i c o s s o c i a i s , d o e n s a i o filosófico, d a a u t o b i o g r a f i a o u d a p o e s i a . T h i b a u d e t , e m 1 9 1 2 , d i s t i n g u i a o r o m a n c e a t i v o , i s o ­l a n d o u m a c r i s e , o r o m a n c e b r u t o , p i n t a n d o u m a época ( t i p o

145

Page 2: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

Guerra e paz), e o roniaiiCe p a s s i v o , d e s e n v o l v e n d o u m a v i d a \_(ltíe novel, bildungsromanY^. O r e i n a d o o f i c i a l d a ficção é n a ^França, d i v i d i d o e n t r e P i c r r c L x i t i , M a u r i c c B a r r e s , A n a t o l e F r a n -

c c e P a u l B o u r g e t . São es tes m e s m o s a u t o r e s e x p o r t a d o s p a r a o B r a s i l c o m e n o r m e freqiiência, s o m a d o s a o s s u b p r o d u t o s q u e g e r a r a m .

O s u r g i m e n t o d e u m a n o v a geração c a n s a d a d e f i s i o l o g i a s e d e d e t e r m i n i s m o s a m b i e n t a i s a s s i m c o m o d e s i m b o l o g i a e s p i r i -l u a l i z a n t c v e m t r a z e r a l g u m a s contribuições p a r a o r o m a n c e , s o ­b r e t u d o d e p o i s d a m a i o r divulgação n a E u r o p a d e M e r e d i t h , D o s t o i e v s k i , G o g o l , T u r g u e n e f f , S t e v e n s o n . G i d e p r o c l a m a a n e ­c e s s i d a d e d c heróis m a i s c o m p l e x o s , m a i s d i m e n s i o n a d o s , c o n ­traditórios c o m o o s d e D o s t o i e v s k i .

E n t r e n t o , e s t a geração d e G i d e , P r o u s t , C l a u d e l , V a l e c y , ,se p o r v o l t a d e 1 9 0 0 já t i n h a o b r a s p u b l i c a d a s , s o m e n t e d e p o i s d a s e g u n d a década d o século v i n t e c o n s e g u e r e c o n h e c i d a m e n t e um público. O q u e a i n d a p r e d o m i n a - n e s t e c a d i n h o i n i c i a l a n t e r i o r à g u e r r a d e 1 9 1 4 são os r o m a n c e s " t o t a l i s t a s " , poéticos, e s p i r i t u a ­l i s t a s , a n a l i s t a s , n u m a superabundância i m p r e s s i o n a n t e . E x i s t e u m a p e q u e n a b u r g u e s i a l e i t o r a e c o n s u m i d o r a d e n a r r a t i v a s p a r a s u a s h o r a s d e l a z e r e em g r a n d e p a r t e des t tna - se a e l a a produção i n d u s t r i a l r o m a n e s c a . N a s c e n e s s a época a p u b l i c i d a d e d i r i g i d a a o c a m p o e d i t o r i a l e o n o v o a u t o r c c o n h e c i d o d a n o i t e p a r a o d i a a o o b t e r a l g u m d o s inúmeros prémios instituídos. F a z e m - s e génios c o m i m e n s a frequência m a s s u a duração n a m a i o r i a d a s v e z e s é meteórica. A i m p r e n s a t o r n a - s e r i v a l d a l i t e r a t u r a .

E s t a " q u e r e l a d a ficção" t e m e m s u a b a s e a l u t a e n t r e d u a s h o s t e s d i s t i n t a s , a p r i m e i r a d e c i d i d a a c o m p r e e n d e r , a n a l i s a r e c o m u n i c a r a v i d a e a s e g u n d a , m a i s " b e r g s o n i a n a " , i n c l i n a d a à captação e transmissão d e e s t a d o s d ' a l m a , impressões f u g i d i a s c

, V ^ p a r t i c u l a r e s . A tensão e n t r e p acontecimento e o sentido, o v a l o r /ViíVf''^^^ancdótico e o v a l o r simbólico, é e n c a r a d a n o f i n a l d o século X D C

;Vi e início d o século X X c o m o g e r a d o r a d e f u n d a m e n t a l p r o b l e m a i ' > P ' í ^ estético p a r a o r o m a n e s c o , d e p e n d e n d o d e s e u q u e s t i o n a m e n t o a ! ' opção f u n d a m e n t a l d o a u t o r .

E n t r e t a n t o , e s t e não é u m p r o b l e m a n o v o d a ficção: s e m p r e e s t e v e p r e s e n t e e r e s o l v i d o d e n t r o d a s o b r a s d o s g r a n d e s c r i a d o ­r e s . A g o r a , a p e n a s , v e m à t o n a p a r a u m d e b a t e c l a r o e m c a m p o a b e r t o , m o s t r a n d o - s e os e s c r i t o r e s inúmeras v e z e s e x c e l e n t e s crí­t i c o s d a s próprias o b r a s ' ' a o d i s c u j i r definições metodológicas, téc­n i c a s e f i l o s o f i a d a composição, c o m o é o c a s o d e G i d e e H e n r y J a m e s .

146

A c r i s e d o e n r e d o é o r e f l e x o d a discussão p e r m a n e n t e e n - ^ \ { r e òs ' .^escri tores d o _ _ x 6 a l " e o s _^íertóaístâs^. E n t r e t a n t o , " u m a ^ observação a t e n t a aò d e s e n v o l v i m e n t o histórico d o género m o s ­trará q u e o r o m a n c e c o m o ocasião p a r a considerações d e caráter • c o n f i d e n c i a l , s o c i a l , filosófico, e o u t r a s , s e m p r e e x i s t i u .

A tensão e n t r e o rnosjrar e o signijicar constrói a importmí^°| a m b i g u i d a d e d o r o m a n c e : ehvolvinienTò"clas "fãculcládes críti^^l -dd l e i t o r pela'criãçãÕ~dé'iJLm m u n d o q u e o a t r a i a e s e j a s i m u ( t a ? ^ > , ^ a m e n t e J o n t e d e medição d o s p r o b l e m a s h u m a n o s , pi. reálT- i jj -daâe apresenta-sê^còmô^camínho pãrã"u^ o m u n d o j f i c c i o n a ! c a r r e g a d o d e significações. O e r r o f u n d a m e n t a l d o s n a - \ t u r a l i s t a s está n a solução a v e n t a d a p a r a tão i m p o r t a n t e p r o b l e m a : i a o se d e f i n i r e m p o r u m r o m a n c e d e t e se , i n t r o d u z i r a m a s " i d e i a s " \n a ficção m a s não s e a p e r c e b e r a m q u e construíam u m a t r a m a p a r a \d a r soluções e não p a r a problematizá-la. O b s e r v e - s e q u e o m e ­l h o r d e Z o l a é o q u e f o g e a o s d o g m a s " e x p e r i m e n t a i s " . O s i m i ­t a d o r e s medíocres a c a b a r a m p o r r e p e t i r a fórmula d a s n e u r o s e s , h i s t e r i a s , c a s o s patológicos e análises a m b i e n t a i s m o v i d o s p o r u m p e s s i m i s m o n e g a t i v i s t a e s e m saída.

È e s t a tensão f u n d a m e n t a l e n t r e o mostrar_ e o significar -que constrói a o b r a d e L i m a B a r r e t o , assegúráffdo-Ihe posição e s ­p e c i a l e n t r e o s a u t o r e s d o começo d o século.

\ tradição sociológica da literatura \

L i g a d o s à tradição e c u l t u r a f r a n c e s a , o s i n t e l e c t u a i s b r a s i ­l e i r o s a s s i s t i a m c o m i n t e r e s s e o d e s e n r o l a r d a l o n g a discussão s o b r e o r o m a n e s c o . T o m a v a - s e c o n h e c i m e n t o através d e periódi­c o s então m u i t o e m v o g a e d e g r a n d e circulação: Nouvelle Ré-vue Françoise, Fígaro, Révue Blanche, Révue Bleue, Révue Wag-nérienne, Mercure de France, Journal des Débats, Révue des Deux Mondes e n t r e o u t r a s e s i t u a v a m - s e p a r t i d a r i a m e n t e c o n t r a o u a f a v o r d a s teses esboçadas.

A s discusões s o b r e o p r o c e s s o n a r r a t i v o não c h e g a v a m a q u i l e v a n t a n d o as oposições v e e m e n t e s r e c e b i d a s d o o u t r o l a d o d o m u n d o : a i n d a m u i t o devíamos a o N a t u r a l i s m o q u e p o r a q u i p a s ­m o u d e i x a n d o s e q u e l a s . O s m e s t r e s f r a n c e s e s d a ocasião e r a m i m i t a d o s c o m êxito momentâneo e d e salão, s e n d o o P a r n a s i a ­n i s m o a c h a v e d o s u c e s s o . O a d v e n t o d a p r i m e i r a geração s i m -I j o l i s t a t r o u x e à hm\a_ p r o b l e m a s f u n d a m e n t a i s c o m o a distinção e n t r e p r o s a e p o e s i a , a v a l i d a d e d o símbolo, a a l q u i m i a v e r ­b a l , e n t r e o u t r o s , m a s f o i u m t a n t o e s m a g a d a p e l a presença d o P a r -

147

Page 3: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

n a s o r e i n a n t e . T c n t a v a i i i - s c análises à B o u r g e t , o e x o t i . s m o d c L o t i , o i n i p r c s s i o u i s m o irónico d e A n a t o l e F r a n c e ; a l e m d i s s o , s e u s s u b p r o d u t o s t i n h a m a q u i e n o r m e aceitação, c o n s u m i d o s e m g r a n d e e s c a l a .

L i m a B a r r e t o , n e s s a e n c r u z i l h a d a d e v a l o r e s , de£ine-sc p e l o ' c a m i n h o d o c o m p r o m i s s o c o m u m a concepção artística de^aráler 'sociológico, e ra q u e a a r t e é concebtdã~cõiiíõ~fórníã d e a p r o x i m a r b s o l i d a r i z a r o s h o m e n s n a b u s c a d a f e l i c i d a d e c o m u m . P a r a c i e , o " d e s t i n o d a l i t e r a t u r a c t o r n a r sensível, assimilável, v u l g a r , e sse g r a n d e i d e a l d c p o u c o s a t o d o s , p a r a q u e e l a c u m p r a a i n d a u m a v e z a missão q u a s e d i v i n a " ^ " .

D e v e L i m a B a r r e t o e s p e c i f i c a m e n t e a a l g u n s i n t e l e c t u a i s essa concepção estética: T a i n e , Brunetjère, Tolstói e^ s o b r e t u d o , G u y a u

,/ / d e L'Art du point dc vuc sociologiquc, j^wro d e m u i t o s u c e s s o íias c o r r e n t e s socíológico^iíéfáriãsdo f i m d o século, a q u e m c i t a c m inúmeros t e x t o s .

É s o b r e t u d o n o s a r t i g o s s o b r e a l i t e r a t u r a p u b l i c a d o s e m r e v i s t a s e j o r n a i s d a época, a t u a l m e n t e r e u n i d o s n o v o l u m e / m - _

\ dc leitura, q u e se e n c o n t r a a m a i s i m p o r t a n t e d o c u m c n -\o literário d e L i m a B a r r e t o , p o n t o d e \, p a r t i d a p a r a compreensão d a s características d e s u a o b r a . O s

•4 a u t o r e s a c i m a c i t a d o s t e m e r a c o m u m u m p o n t o d e v i s t a s o c i a l I a r e s p e i t o d a o r i g e m e função d a a r t e q u e se c o a d u n a c o m o e s -l^ í r i to h u m a n i z a d o r e s o c i a l i z a n t e d o r o m a n c i s t a . Às t e o r i a s d e

T a i n e p e r t c n i c c m a l g u n s princípios'"básicos c o n s t a n t e m e n t e u t i l i ­z a d o s p o r L i m a B a r r e t o c o m o argumentação: " A o b r a d e a r t e t e m . p o r f i m d i z e c o q u e , , o s s i m p l e s f a t o s não d i z e n i " , é a f r a s e d o teórico francês c i t a d a c o m g r a n d e freqiiência-^.

/ A s s i m , n e s t e p e n s a m e n t o pragmático, a f i r m a q u e o " f e n o - > m e n o artístico c u m fenómeno s o c i a l e o d a A r t e é s o c i a l p a r a ;

L/não d i z e r sociológico" {I.L., p . 5 6 ) . S e n t e - s e j t nítida presença ; I j a i n i a n a . n a preocupação d e e s t u d a r a a r t e através do . r e l a c i o n a - • 1\o c o m a civilização q u e a g e r o u ^ r e v e l a n d o a a l m a e a v i d a j '\^o a r t i s t a e d e sua,época.

S e g u i n d o essa orientação estética. L i m a B a r r e t o d e f e n d e c o m . a r d o r a presença d a s o c i e d a d e c o m o e l e m e n t o g e r a d o r e d e t e r ­m i n a n t e d a própria organização artística; e m consequência, t a m ­bém p a r a o crítico, s eus critérios d e v a l o r a b r i g a m e l e m e n t o s i n -

\s d a ambiência s o c i a l . P a r a c o m p r e e n d e r u m a o b r a d c a r t e , ^ e g u e d e p e r t o as recomendações d e T a i n e n a Philosophie de • Vart, q u e p r e c o n i z a " r e p r e s e n t a r c o j n exatidão o e s t a d o g e r a l d o espírito e d o s c o s t u m e s d o t e m p o a q u e p e r t e n c e " ^ . E é a V t e n v ; p e r a t u r a m q r a i l ' 1 d o B r a s i l q u e L u n a B a r r e t o p r e t e n d e r e v e l a r

m

através d e e n r e d o s e p e r s o n a g e n s c a r r e a d o r e s d a problemática d a época. T e n t a n d o e x p r e s s a r a B e l e z a "põr "meio d o s eleniêníõS"" .artísticos e literários, d o caráter e s s e n c i a l d e u m a ideia m a i s c o m -s p l e t a m e n t e d o q u e e l a se a c h a e x p r e s s a n o s f a t o s r e a i s " \p. 5 9 ) , m a i s u m a v e z a c o m p a n h a T a i n e , p a r a q u e m o v e r d a d e i r o 1 a r t i s t a p o s s u i esse d o m d e síntese d o caráter e s s e n c i a l d o s o b j e - / t o s : " o s o u t r o s h o m e n s vêem a p e n a s p a r t e s , e l e a p r e e n d e o c o n - | j u n t o e o espírito"^. ''

A o b r a d e a r t e n a concepção d o r o m a n c i s t a b r a s i l e i r o j a ­m a i s estará l i g a d a à especulação a b s t r a t a , m a s r e p o u s a s o b r e u m " p e n s a m e n t o d e i n t e r e s s e h u m a n o " q u e d e s e n v o l v e a p o i a n d o - s e n o s traços d o m i n a n t e s . E e x p l i c i t a :

Sendo assim, a importância da obra literária que se quer bela sem desprezar os atributos externos de perfeição dc forma,, de es­tilo, de correção gramatical, de ritmo vocabular, de jogo e equi­líbrio das partes em vista de ura fim, de obter unidade na variedade; uma tal importância, dizia eu, deve residir na exteriorização de um certo e determinado pensamento de interesse humano, que fale do problema angustioso do nosso destino em face do Infinito e do Mistério que nos cerca, e aluda às questões de nos-sa conduta na

, vida ( / . L . , p. 59).

A presença h u m a n a é a concentração máxima desses p r o ­b l e m a s , e o c o n h e c i m e n t o d o h o m e m e m s u a s c o m p l e x a s relações, n o d i a ajíia d o s e u t r a b a l h o e esforço^ d e v e s e r a m e t a d o a r t i s t a .

G u y a u r a t i f i c a e a m p l i a p a r a o c a m p o d a p s i c o l o g i a e m o r a l a s posições sociológicas d e T a i n e . É e l e a g r a n d e l e i t u r a d e L i m a B a r r e t o , i n d i c a d a p a r a o s p r i n c i p i a n t e s d a l i t e r a t u r a , c o m o .se p o d e v e r e m c a r t a endereçada a J a i m e A d o u r d a Câmara"^. A arte do ponto de vista sociológico m a r c o u a confirmação d a organização f o r m a l d a estética sociológica d o início d o século X X . Será p a r a e l e e p a r a s e u discípulo L i m a B a r r e t o a solidariedade a p a l a v r a -c h a v e p a r a a a r t e : a s sensações e s e n t i m e n t o s são, d e m o d o g e r a l , e l e m e n t o s d i v i s o r e s d a s opiniões h u m a n a s . E n t r e t a n t o , há u m m e i o d e "socializá-los", d e fazê-los idênticos d e indivíduo p a r a ândivíduo e es te c a m i n h o é a a r t e . Dirá G u y a u :

A emoção artística é, pois, em definitivo, a emoção social que^ nos faz sentir uma vida análoga à nossa e aproximada à nos.sa pelo artista: ao prazer direto das sensações agradáveis (sensação de ritmo, > de sons ou de harmonia de cores), se une todo o prazer que obte­mos do estímulo simpático de nossa vida na sociedade dos serei imaginários evocados pelo artista

149

Page 4: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

^ Idêntica é a posição d e L i m a B a r r e t o , p o i s " a a r t e , t e n d o b j p o d e r d c t r a n s m i t i r s e n t i m e n t o s c i d e i a s , s o b a f o r m a d e s e n t i ­

m e n t o s , t r a b a l l i a p e l a união d a espécie; a s s i m t r a b a l h a n d o , c o n ­c o r r e , p o r t a n t o , p a r a o s e u acréscimo d e inteligência e d e f e l i c i -

\" ( / X . , p . 66)2«. A situação d o a r t i s t a n a s o c i e d a d e s e g u n d o G u y a u estará i n -

tímamcnte r e l a c i o n a d a c o m a n a t u r e z a d o fenómeno artístico. [ S i g n i f i c a e l a " u m a f o r m a e x t r a o r d i n a r i a m e n t e i n t e n s a d a s i m p a t i a \ d a s o c i a b i l i d a d e , q u e só p o d e s a t i s f a z e r - s e c r i a n d o u m m u n d o l n o v o , e u m m u n d o d c se res v i v o s " . P o r s u a e s p e c i a l captação . / " i a r e a l i d a d e , m o d i f i c a c o s t u m e s c i d e i a s , c u m " c r i a d o r d e m e i o s ; j i o v o s o u u m m o d i f i c a d o r d o s m e i o s a n t i g o s " " .

A estética d c G u y a u , e l a b o r a d a c o m o a d e T a i n e a p a r t i r d o s e m p i r i s t a s i n g l e s e s , m a s e n c o n t r a n d o u m a solução n o v i t a ­l i s m o q u e l h e p r e c o n i z a não s o m e n t e a conservação m a s também expansão e a m o r , atraía sobremaiíeira o a r t i s t a L i m a B a r r e t o . A o s e n t i r a estagnação i d a a r t e q u e o r o d e a v a , a s f o r i ^ a s i m i t a d a s à exaustão, a fabricação d e g e n i a l i d a d e s meteóricas, as coteries d i -

Én d o n o r m a s , v o l t a - s e a g r e s s i v a m e n t e p a r a u m a reformulação d a l a l não c o n s e g u e se f u r t a r . É o i c o T i o c l a s t a d e s t e começo d e c u l o X X , q u e a o q u e i m a r ídolos a t e a v a f o g o às v e s t e s , n u m a pécie d e p r o t e s t o irrevogável. Lança-se c o n t r a o s " b o n z o s ' d a

l i t e r a t u r a , d e n t r e o s q u a i s Q ) e l h q N e t o a v u l t a p a r a e l e c o m o o p a r a d i g m a d a g r a m a t i c a U d ; | d e , ' dà a m p u i p s i d a d e d o e s t i l o , d a l i -fèfá^tiira "áeiíaíHi'social , -botafó E m Impressões de leitura dirá, e m desabíifo i n c o n t i d o :

' ' \o poiso compreender que a literatura consista no culto ao dicionário; não posso compreender que ela se resuma em elucidações mais ou menos felizes dos estados d'alma das meninas de Botafogo ou de Petrópolb; não posso compreender que, quando não for esta última coisa, sejam narrações dc coisas dc sertanejos; não^possc . compreender que ela não seja uma,_Iitcratura .de ação sobre as ideias ècos fumej ; Mò~'possõ~corapreend^ que cia me exclua dos seus personagens nobres ou não, e só trate dc Coelho Neto; não posso compreender que seja caminho para" se árránjar"cmpregos rendosos, ou lugares na representação nacional: não posso compreender que cia se desfaça cm ternuras por Mme Y que brigou com o amante, e condene a criada que furtou uns alfinetes ~ são, pois, todas cssai razões e motivos, que me levam a temer que a ditadura_,de.._ÇqelhÇ' Neto me seja particularmente nociva ( J . L . , p. 261).

150

• lií •• ""Romance e tipo

O r o m a n c e f o i p r e f e r e n t e m e n t e o género e s c o l h i d o p o r L i m a • B a r r e t o p a r a c o n f i g u r a r a s o c i e d a d e . P a r a G u y a u , c o m o pat^s; ; ! B a i z a c e Z o l a , é u m a "epopeia s o c i a l " . O r o m a n c e " c o n t a ^ \ \ \a n a l i s a as ações e m s u a s relações c o m o caráter q u e as p r o d u z i u jj >' t> c o m o meio social o u n a t u r a l e m q u e s e m a n i f e s t a m " e p o r i s s o M\ m e s m o é " u m a exposição s i m p l i f i c a d a e s u r p r e e n d e n t e d a s l e i s ) 1 sociológicas"-^. !

É esse i n t e r - r e l a c i o n a m e n t o s o c i a l e psicológico m e t a p n ^ ^ mordíal p a r a o método d e composição e m L i m a B a r r e t o ; _ o ^ m u ^ n d O | í f i c c i o n a l t o r n a - s e o intermediário d e i d e i a s s o b r e o s d e s a j u s t e s I

" s o c i a i s e o m u n d o psíquico d a construção d o s p e r s o n a g e n s a c h a - s e !j s u b o r d i n a d o às c a u s a s e e f e i t o s p r e s e n t e s n a h i s t o r i c i d a d e g e r a - I d o r a . São o s se res v i v o s d o r o m a n c e o s p o r t a d o r e s d a " s i m p a t i a " J necessária à atração d o público l e i t o r . M a s , s o b q u e condições u m p e r s o n a g e m é simpático e p o s s u i c e r t a r e p r e s e n t a t i v i d a d e n o s e i o d a q u e l e e n u n c i a d o r o m a n e s c o ? _^m_Guyau,e,.com..ele,„Lima_. B a r r e t o , "pJieraí^em l i t e r a t u r a ^ é ^ a ^ s o c i a l " ; m e s m o atacanã"õ~ã s o c i e d a d e o u a p e n a s d e s c r e v e n d o - a ^

"~e~at ravcs d e seus e l e m e n t o s d e c o n t a t o c o m e l a q u e s e t o r n a m a i s i n t e r e s s a n t e . O tipo é então a p e r s o n a l i d a d e i n d i v i d u a l e m q u e se r e c o n h e c e a c o n t i n u i d a d e d o h u m a n o : " o q u e s o m e n t e fossé~ i n d i v i d u a l o u não e x p r e s s a s s e n a d a típico não p o d e r i a p r o d u z i r «m i n t e r e s s e d u r a d o u r o " , p r e c e i t u a G u y a u . E a c e n t u a : "Não b a s t a p i n t a r u m indivíduo, é necessário p i n t a r u m a individttali-dade, n u m a r e a l i d a d e r e l e v a n t e ; i s t o é, a concentração e m u m ser d o s traços d o m i n a n t e s d e u m a época, d e u m país, e n f i m , d e t o d o u m g r u p o d e o u t r o s s e r e s ^ " .

A o c o m e n t a r a construção d e p e r s o n a g e n s e m u m r o m a n c e à cíef, c o m o Recordações do escrivão Isaías Caminha, a f i r m a o a u t o r b e m d e n t r o d e s t a g e n e a l o g i a d e p e n s a m e n t o :

A força dos romances dessa natureza reside em que relações do personagem com o modelo não devem ser encontradas no nome, mas na descrição do tipo, feita pelo romancista de um só golpe, numa frase { I . L . . p. 202).

A redução a o típico a s s u m e , p o i s , u m caráter c o n s e q u e n t e c o m seus p r e s s u p o s t o s estéticos. Através d e s s a limitação d e l i ­n h a s e c o n t o r n o s p a r a apresentá-los visíveis e identificáveis b u s c a eficácia m a i o r n o r e c o n h e c i m e n t o q u e o l e i t o r terá d a s f i g u r a s .

O m u n d o d c s e u s p e r s o n a g e n s acha-.se d i s p o s t o e m função d a imaginação d a f o r m a f e c h a d a q u e o d o m i n a . A visão d e

151

Page 5: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

m u n d o s u b o r d i n a - s c à consciência d o f u n c i o n a m e n t o d e u m s i s -v íéma s o c i a l r e s t r i t o q u e e l e t e n t a a p r e e n d e r n a expressão d c seus-

m e c a n i s m o s d c f u n c i o n a m e n t o e tçanspor p a r a o p l a n o artístico. P r o c u r a e s g o t a r as p o s s i b i l i d a d e s d e s e c c i o n a m e n t o s , r e g r a s dç

I admissão, d e t r o c a , d e substância q u e o c o r r e m n o m u n d o v i v e n -( c i a d o c c u j o s l i m i t e s , e m s u a análise, d e f i n e m as divisões d a s o -l c i c d a d e . O p r i m a d o d a f o r m a d e f i n e as c lasses , r e f l e t i n d o - l b c s

c a u s a s e s i n t o m a s d e i n t e r - r c l a c i o n a m c n t o e i n s i n u a , o r a v e ­l a d a , o r a c l a r a m e n t e , as notações políticas d o a u t o r . A i r o n i a f e r i n a e a sátira s i t u a c i o n a l vão e x i b i r situações o u séries d e s i -

^-tuáções e iTi movimentação c o n t r o l a d a p e l a i d e o l o g i a d o a u t o r , q u e a s f a z c o l i d i r n u m p a r a l e l i s m o e n t r e d o i s s i s t e m a s d e f a t o s o u i d e i a s , d e n t r o d a d i c o t o m i a ética d i r i g i d a p o r s e u pensamentç. SÓcio-CríticO. ' ' . ,;. e

C o m o já a f i r m a m o s a n t e r i o r m e n t e , não é a v i v a c i d a d e ^ p i c -tórica d o s árainaíis personae q u e s e t o m a notável, m a s s u a r c -rp r c s c n t a t i v i d a d c s o c i a l , a ligação c o m o r e s t o d a h u m a n i d a d e d o s g r u p o s c i r c u n d a n t e s . Irá, a s s i m , e m b u s c a d e c a r a c t e r e s e i n c i ­d e n t e s q u e m e l h o r i l u m i n e m o t e m a p r o p o s t o , l i b e r t a n d o - s e d o s a c o n t e c i m e n t o s e p e r s o n a g e n s i n t e r e s s a n t e s p o r e l e s m e s m o s . L i -m i t o u - s e n a v a r i e d a d e p a r a p e r s i s t i r n a consistência e i n t e l i g i b i -

\c d a m e n s a g e m literária.

Utm subjetividade engajada

O u t r o c o m p o n e n t e estético a s s u m e importância n o p e n s a ­m e n t o crítico d e L i m a B a r r e t o , o b s e r v a d o p o r t o d o s seus a u t p r e s p r e f e r i d o s e, s o b r e t u d o , p o r Tolstói, e m O que é a arte?, a q u e m

, ^ i t a n a conferência " O D e s t i n o d a l i t e r a t u r a " ( / . L . , p . 5 7 ) . T r a -\e d a sinceridade d o a r t i s t a n a composição d e seus t r a b a l h o s , \a força c o m q u e o e s c r i t o r s e n t e a emoção t r a n s m i t i d a . E s t a T l r t c e r i d a d e f u n d a m e n t a l tornará a o b r a m a i s próxima d o l e i t o r ,

a t i n g i n d o - o n o âmago d e s u a n a t u r e z a , p o i s f o i também g e r a d a n a s p r o f u n d a s vivências d o a u t o r . A f i r m a L i m a B a r r e t o : " A a r t e e l i t e r a t u r a são c o u s a s sérias, p e t a s q u a i s p o d e m o s e n l o u ­q u e c e r — não há dúvida; m a s , e m p r i m e i r o l u g a r , p r e c i s a m o s -f a z c - l a c o m t o d o o a r d o r e s i n c c r i d a d e l ' (Í.L., p . 2 2 1 ) . E r e a f i r m a n o s e u Diário íntimo, m a i s i n c i s i v a m e n t e :

Sempre aç!ici...3..iyDadiçiia-par.a-.a..553ra.. superior a mais cega c mais absoluta sinceridade. O jato interior que a determina é irrc-

- ^lísfiTO^^r-ç^^5ffde^^lc~'cõmOT que transmite à palavra mort»

152

é de vivificar... Eu me amo muito; pelo amor que me tenho, com certeza amarei os outros (pp. 125-6).

_ A _ s i n c e n d a d e ^ l o ^ a u t o r está d i r e t a m e n t e l i g a d a a o g r w s u j jposla4iJf i l i í la£!£dí^ sênTõ q u a l á obrã~de ãrtè~sê"ãfãstanã^ . s u a v e r d a d e i r a missão. E l a d e v e s e r

o traço de união, em força dc ligação entre os honicns, sendo capaz, portanto, dc concorrer para o estabelecimento dc uma harmonia entre eles, orient.ida para um ideal imenso em que se soldem as almas, aparentemente mais diferentes, reveladas porém, por ela, como semelhantes no sofrimento da imensa dor de serem humanos i l . L . . p. 62).

A militância literária d e L i m a B a r r e t o ( e l e m e s m o e s c o l h e u o t e r m o d e f i n i d o r d e s u a posição estética i n d o buscá-lo e m Eça d e Queirós) está i n t i m a m e n t e l i g a d a a o princípio d i r e t o r d a s o ­l i d a r i e d a d e e se r e f e r e s e m p r e a o b r a s q u e " s e não v i s a m à p r o ­p a g a n d a d e u m c r e d o s o c i a l , têm p o r m i r a u m e s c o p o sociológico". Daí, u m a p r o f u n d a ^^eceggão^ d i a j i t e d o a u t f l i : .d.ile.tan.tc o u . àa. .atíe pelaartó, e m q u e " p a s s a m âespercèbídãs as " a b s o r v e n t e s p r e o -cupaçõês contemporâneas q u e l h e e s t a v a m próximas". j \ piás- ^ t i c _ o , _ e m i t e m 2 l a t i y ^ d e i d i j a s , . u m b a t e d M ' /

j d o j y u w o ! ' ( ! . L . . p p . 7 1 , 7 7 ) . * L i m a B a r r e t o , a i n d a q u e a p r e s e n t a n d o u m esboço m o r a l i -

z a n t e d e p e n s a m e n t o sócio-crítico, ficará n a l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a ^ c o m o o g r a n d e e l o p a r a a compreensão d o a u t o r ^ i j j o ^^l^nMfegLdor

.^iigjira_raundft,_diâleií£a^ s i t u a d o e n t r e , as pjessõés d a sítua-ção lústóricã"que vWe,^^ l^^^Sã^^^Bnáam^sxXfícomõ e s c r i t o r , X s s u m e a coiísciência crítica d a posição d e intelecfuaT,'eh&amí-Ly n h a n d o a s s i m s u a f o r m a p a r a u m e n g a j a m e n t o inapelável, a o a s s u m i r o u r e c u s a r a e s c r i t u r a d e s e u p a s s a d o . C o m o explicitará m a i s t a r d e J e a n - P a u l S a r t r e e m Qu'esí-ce que la littéiaturel, " e s ­c r e v e r é s i m u l t a n e a m e n t e d e s v e n d a r o m u n d o e o a p r e s e n t a r c o m o u m a t a r e f a à g e n e r o s i d a d e d o l e i t o r " ^ ^

N a e s c o l h a e n t r e o s possíveis e n g a j a m e n t o s p a r a s u a a r t e e n c a m i n h o u - s e n a direção d a l i t e r a t u r a c o m o u m v a l o r a s s e r t i v o , e m q u e a tensão sujeito/história f a z d a o b r a literária u m i n s t r u ­m e n t o n o c a m p o d e l u t a d a o p a c i d a d e histórica s u b j e t i v a . Tnvês^; t e - s c nesse i n s t a n t e d e u m a r e s p o n s a b i l i d a d e ética f r e n t e à s i g n i ­ficação q u e i n j e t a e m seus l i v r o s , o r a d i s p e r s a e s u s p e n s a , o r a c r i s t a l i z a d a n u m s e n t i d o p r e c i s o e inequívoco. I s t o q u e r d i z e r ^ q u e n o m o m e n t o e m q u e a s s u m e n i t i d a m e n t e a d e f e s a d e idéias"] s o c i a l i z a n t e s , c o n c e i t o s p o s i t i v i s t a s o u m a x i m a l i s t a s , o u m e s m o / t e m a s r e c o r r e n t e s f r u t o s d e i d i o s s i n c r a s i a s p e s s o a i s , ^ ^ i r m ^ j u m /

153

Page 6: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

. ^ s e n t j ^ ^ c ^ i e g a m e s t n o a j a t u r i - I j i i a t e i r a m e a t e . j i . o nível d o d i s ^ I c u r s o . Tornâ-se a' o 6 r a n e s t e m o m e n t o u m r o m a n c e d a r e s p o s t a

e não d a p e r g u n t a , d o s s i g n i f i c a d o s c não d o s s i g n i f i c a n t e s , a f a s -1 t a n d o o l e i t o r d e u m m u n d o d e o b j e t o s c i f r a d o s e m b u s c a d e um , ^ i g n i f i c a d o r , o f e r e c e n d o - l h e m e n s a g e m reconhecível. I s t o deve-sc

s o b r e t u d o a s u a estética sociológica e pragmática, b u s c a n d o a transfoiniação d o m u n d o . O s i s t e m a i n t e l e c t u a l d e s i g n i f i c a n t e s d e q u e dispõe re s sen te - se de s se equilíbrio instável e n t r e o r o m a n c e d o s i g n i f i c a d o e o d o s i g n i f i c a n t e c m q u e às v e z e s o s c i l a : o r a p r e e n c h e s u a v e r d a d e i r a função c o m o l i t e r a t u r a , e x c i t a n d o a b u s ­c a e a r e s p o s t a , o r a d e s l i z a p a r a . j a .çristajização d e u m c e r t o s e n ­t i d o , c a r r e g a d o d e s i g n j f i c a d o s cumuht.i.xps e , até mesin^^^IêT n a m e r i H " slítúrados. Xfãstá-se *êntao d a a m b i g u i d a d e f u n d a m e n t a l 'característica" d a ítriguagem d a l i t e r a t u r a , única a b e r t u r a possíM d e u m logos p a r a u m a praxis.

N a hidagaçáo d e v a l o r e s estéticos a p t o s a s u p o r t a r o m u n d o d e p a l a v r a s q u e d o m i n a c o m seus a n s e i o s s o l i d a r i z a n t e s , s o b r e s s a i a f i g u r a d e D o s t o i e v s k i , a q u e m c i t a c o n s t a n t e m e n t e c m Impres­sões de leitura, n a correspondência p e s s o a l o u através d c s e u s próprios p e r s o n a g e n s : Isaías C a m i n h a t e m e m s u a b i b l i o t e c a e r e c o m e n d a a l e i t u r a d e Crime e castigo. É R a s k o l n i k o f f , p e r s o n a ­g e m p r i n c i p a l d e s t e m e s m o r o m a n c e , q u e v a i b u s c a r c o m o e x e m ­plificação p a r a a conferência " D e s t i n o d a l i t e r a t u r a " ? * .

Não c c m e s p e c i a l a e s t r u t u r a polifônica d e D o s t o i e v s k i q u e f o i m p r e s s i o n a , m a s d u a s i n v a r i a n t e s temáticas: a questão d o s o -\ r i m e n t o , decorrência d a i m p o s s i b i l i d a d e d e comunicação c o m u m

m u n d o h o s t i l e a p o t e n c i a h u m a n a d o h o m e m d e i d e i a , a u t o -c o n s c i e n t e e, s o b r e t u d o , p a r a e l e , L i m a B a r r e t o , crítico d a s i n s t i ^ ^ —

^tuições e p r e . c a n c e i t o s . , s o d a i s . B a k u n i n e , contemporâneo d e D o s t o i e v s k i , e s c r e v e r a c e r t a v e z

q u e o " s o f r i m e n t o c condição e s s e n c i a l p a r a a f e l i c i d a d e p o r q u e s o m e n t e o s o f r i m e n t o n o s c o n d u z à consciência"^*. E s t a f r a s e c n -c o n t r a - s e m a i s t a r d e n o s Carnets d o l i v r o Démons, d e D o s t o i e v s k i . O c a m i n h o d a consciência através d a d o r , p a r a a depuração d e u m a i d e i a , p a r a o d e s d o b r a m e n t o d a s p o t e n c i a l i d a d e s d o s e r e o j l h a m e n t o que* t a l a t i t u d e p r o v o c a n a f i x i d e z d o c o t i d i a n o s o c i a l é a g r a n d e questão d o m u n d o a b s o r v i d a p o r L i m a B a r r e t o nessas^ l e i t u r a s c o n s t a n t e s . Dirá m e s m o q u e " a i r o n i a v e m d a d o r " ( 7 . L . , p . 2 7 1 ) . P e r c e b e c o m c l a r e z a q u e a tâo d e c a n t a d a proporção e h a r m o n i a d a s p a r t e s , concepção d o s " h e l e n i z a n t e s d c última h o r a " , p o r s i só não b a s t a p a r a a construção d e u m v e r d a d e i r o u n i v e r s o -r o m a n e s c o e m q u e o p o d e r d e u m a e s c r i t u r a r e d e s c u b r a s i g n i f i ­c a d o s h u m a n o s e restabeleça a aliança p e r d i d a e n t r e o s h o m e n s .

154

A concepção d o p r o t a g o n i s t a c o m o u m h o m e m o b c e c a d o p o r u m a i d e i a , c e r n e p r o f u n d o d e s u a p e r s o n a l i d a d e . L i m a B a r r e t o > também v a i encontrá-la e m D o s t o i e v s k i . E m H e g e l já i d e n t i f i c a r a u m a concepção d e A r t e c o m o " a i d e i a q u e se p r o c u r a , q u e s e a c h a e q u e se v a i além d e l a " , q u e l h e é p a r t i c u l a r m e n t e s i g n i f i c a t i v a . E n t r e t a n t o , a i n d a a f i r m a , " e s t a p u r a i d e i a só c o m o i d e i a t e m f r a c o p o d e r s o b r e a n o s s a c o n d u t a . . . B p r e c i s o q u e esse a r g u m e n t o s e t r a n s f o r m e e m s e n t i m e n t o " ( / . L . , p" 6 1 ) .

U m e x a m e n a l i s t a d a b i b l i o t e c a o r g a n i z a d a e m v i d a p e l o próprio L i m a B a r r e t o , e m 1 9 1 7 , e t r a n s c r i t a n o e s t u d o s o b r e o a u t o r d e F r a n c i s c o d e A s s i s B a r b o s a , A vida de Lima Barreto, e s c l a r e c e a l g u m a s d a s s u a s preferências literárias e p r o c e s s o s d e construção f i c c i o n a l . - — ~ A

Vê-se a l i o v o l u m e d e Don Quixote c o m o q u a l o s e u P o ­l i c a r p o Q u a r e s m a t e m t a n t a s a f i n i d a d e s : o m e s m o t i p o d e i n d i ­víduo s o n h a d o r , m e d i a t i z a n d o a r e a l i d a d e d o s l i v r o s , p e r s e g u i d o p o r u m a i d e i a e e m d e s a c o r d o c o m o m u n d o c i r c u n d a n t e . A i n d a d e n t r o d e s t a m e s m a concepção, o u t r o l i v r o a s s u m e importância e m s u a formação, c i t a d o e m d i v e r s o s m o m e n t o s d a crítica: t r a t a - s c d c Le bovarysme, d e J u l e s d e G a u l t i e r , m u i t o d i v u l g a d o n o f i n a l d o século, e s t u d o s o b r e J ^ o _ p o d g r d c t i ^ m J h o m e n i . . ^ . ^ ^ u m o u t r o ' ^ d e p e r s e g u i r u m a i m a g e m d i v e r s a d e s i mesmõ^ t e o r i a i l u s t r a d a p e l o aíitcJr "cbrW"~a o b r a - d e " F f e n b e r t r — — — ~ — -

P e l a c r o n o l o g i a , o a r t i g o i n s e r i d o a t u a l m e n t e e m Bagatelas e i n t i t u l a d o " C a s o s d e b o v a r i s m o " , d a t a d o d e 1 9 0 4 , m o s t r a q u e o l i v r o d e G a u l t i e r o i m p r e s s i o n o u b a s t a n t e e m a r c o u o início d e s u a formação i n t e l e c t u a l . M a i s t a r d e , n o Diário íntimo, e m n o t a ­ção d c 2 8 d e j a n e i r o d e 1 9 0 5 , r e g i s t r a a impressão d e l e i t u r a a i n d a p r o v o c a d a p e l o l i v r o , o b s e r v a n d o : " P r e c i s a r o p a p e l d o b o v a ­rismo c o m o c a u s a e m e i o e s s e n c i a l d a evolução n a h u m a n i d a d e " , s e g u i d o d e e s q u e m a r e l a t i v o a o "ângulo bovárico", i s t o é, o a f a s ­t a m e n t o e n t r e o indivíduo r e a l c o imaginário.

E s t a t e o r i a d e G a u l t i e r m u i t o c o n t r i b u i u p a r a a configuração d o e s q u e m a satírico d e seus p e r s o n a g e n s , a s s i m c o m o d a c o n v e r ­gência d e s u a sátira p a r a u m a discussão e m i n e n t e m e n t e s u b j e t i v a n a consciência d e alienação q u e e x p e r i m e n t a v a e n q u a n t o i n t e l e c t u a l .

A lição d e s i m p l i c i d a d e n a r r a t i v a l h e é f o r n e c i d a sobretuBÕ' p o r T u r g u e n e f f . A s c e n a s r u s s a s d o c u m e n t a i s , a s i m p l i c i d a d e o r a c o r d i a l o r a irónica d a s situações, o d e s p o j a m e n t o d a s i n t a x e n a r ­r a t i v a , m a i s d i r e t a , d e construção m e n o s c o m p l e x a , i n d u b i t a v e l ­m e n t e i m p r e s s i o n a r a m - n o . E r e c o m e n d a v a a o então i n i c i a n t e e s - x c r i t o r J a i m e A d o u r d a Câmara: " L e i a s e m p r e o s r u s s o s : D o s ­t o i e v s k i , Tolstói, T u r g u e n e f f , u m p o u c o d e G o r k i . . . " ^ * . O d e s -

155

Page 7: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

p o j a m e n t o f i c c i o n a l q u e t a n t o o i n t e r e s s a não s i g n i f i c a q u a l q u e r ^ d e s l e i x o n o s a s p e c t o s técnicos o u d e l i n g u a g e m j _ é , a _ ç l a r e z a _ n a _ j comunicação v i s a n d o à i m e d i a t a compreensão d a mensaftgQL_Djo—,

^^^^"^ejnõãnfâ^ tàmbein fíeí a T l í ^ e s B Ê ^ J ^ J È ^ ^ O que é a , ^artei, p a r a qufem alínguágèm s e r c o m p r e e n d i d a p o r

t o d o s c a t i n g i r t o d o s s e m distinção. E s t e q u e s t i o n a m e n t o s u c e s s i v o d o E u c o r a o M u n d o , e n t r e a

/ ação ideada m a s f e c h a d a e m s i m e s m a , n a impotência d c s u a ( p o s s i b i l i d a d e , acha-se p r e s e n t e s o b r e t u d o n o s p e r s o n a g e n s a n t i -^i^heróicos Isaías C a m i n h a , P o l i c a r p o Q u a r e s m a , G o n z a g a d e Sá,

êfnbora o u t r a s f i g u r a s e n c e r r e m d e m a n e i r a m e n o s i n t e n s a e s t a isotopiâ,. C o m p r i m i d o s n o e x t r e m o l i m i t e d o espaço q u e o s e n ­c l a u s u r a , mvgçMlJiiJig^ <içãa..çi.u^ nXuJ_cotwegue4«-J©vat-4uJcnji2;_^ a ação d e s e j a d a c m e n o s p r o j e t o q u e r e t a r d o , m e s m o q u a n d o s e t r a t a d a p r a x i s b u s c a d a p o r P o l i c a r p o Q u a r e s m a . Ação a l i e n a d a p e l a l o u c u r a , c p o r i s s o m e s m o i n t r a n s i t i v a : o círculo f c c h a - s e a c a d a n o v a i n v e s t i d a .

O s o f r i m e n t o d a segregação e o p e n s a m e n t o crítico l e v a m - n o s à c r i s e d o s e r p r o j e t a d a n o f a z e r , n a i m p o s s i b i l i d a d e de mudança e e s b a r r a m c o m o s l i m i t e s e l e i s i n t e r n a s d o espaço d e q u e p r e -

^ t e n d i a r a se l i b e r t a r . Isaías, contínuo d e j o r n a l , r e d u z - s e a u m s e r v e g e t a t i v o , a m e d r o n t a d o , m a s não i n c o n s c i e n t e . O s p r o j e t o s i n i c i a i s a n u l a r a m - s e e

no nieió daquele fervilhar de ambições pequeninas, de intrigas, de hipocrisia, de ignorância c filáucia,_todas as cousas majestosas, todas as grandes cousas que eu amara, vinham ficando diminuídas c des­moralizadas (i? E . l . C , p. 262).

/p, P o l i c a r p o Q u a r e s m a t e m n a l o u c u r a a distorção d o s e u f a z e r , j P c r d c - s e n u m a r e a l i d a d e patriótica, g r a d a t i v a m e n t e d e c e p c i o n a d a , __até a constatação f i n a l d a c i r c u l a r i d a d e d e s e u s p r o j e t o s .

G o n z a g a d e Sá esboçara o g e s t o , q u i s c o m u n i c a r s u a s l e i t u ­r a s , i n f l u e n c i a r , a b r i r a s p e r s p e c t i v a s d o s b u r o c r a t a s d a S e c r e t a ­ria d o s C u l t o s . E n t r e t a n t o , c o n s t a t a q u e " o s v e l h o s estão o s s i f i -c a d o s ; o s moços, a b a c l i a r c i a d o s " , e a o c h e g a r " n o f i m d a v i d a , e só a g o r a , s i n t o o v a z i o d e l a , n o t o a s u a f a l t a d e o b j e t i v o e d e u t i l i d a d e . . . " C o m o l u c i d a m e n t e n o t a O s m a n U n s s o b r e Vida e morte de Gonzaga de Sá, o c o n t r a s t e q u e a t r a v e s s a t o d o o livro •— vida /mor te — cs t endc - se p o r o u l r o t e m a c o n t r a s t a n t e , o d a l u t a o u capitulação, d o q u a l o velho d e s c e n d e n t e d e Estácio d e Sá c o r e p r e s e n t a n t e ' * .

156

A p e r d a g r a d a t i v a d a s p o s s i b i l i d a d e s d o f a z e r m a r c a o c o m ­b a t e c o m o m u n d o n a posição l i m i t e e m q u e v i v e m . A p a r t i r d e s t e c o n f l i t o d a consciência crítica L i m a B a r r e t o v i s l u m b r a o espetáculo d a pseudo-representação s o c i a l t r a d u z i d a n o p a r e c e r , . , f r u t o d a adequação, d o c o m p r o m i s s o , d o hábito; é a "má-fé" d a acomodação q u e e v i t a o s o f r i m e n t o e t r a z a v a n t a g e m d a aceitação g r u p a i . ^

A estratificação satírica da geografia barretiana

C e r t a s e s c o l h a s n a r r a t i v a s d e L i m a B a r r e t o são d e importân­c i a n a compreensão d a contínua interiorização s u b j e t i v a e tendên­c i a à destinação dialógica d o d i s c u r s o f i c c i o n a l b r a s i l e i r o . S e põTX u m l a d o a concepção pragmática, m i l i t a n t e , sociológica d o r o - \ m a n c e endereçam-no à i r o n i a f e r i n a , à sátira e à paródia, u m a j sensibilização o b s e s s i v a f r e n t e a o s s e g r e g a d o s s o c i a i s , s e r e s p a r a - i l i s a d o s e m s u a ação e i d e i a , d i v e r g e n t e s , l e v a - o a o m e r g u l h o s u b -j e t i v o nesses " h o m e n s subterrâneos" q u e tão b e m i l u s t r a a o b r ^ | d e D o s t o i e v s k i . O r i s o g r o t e s c o . Q . . a _ a m a j : g u r a _ d Q r i d a . ^ ^

jpâ i . .g.ue„ sê^JLocamjTa_ o b r a deJJma,^^reto,^sern^£mr logismo_à^ourgeJ, tão e m m o d a n a época. A q u e l e s p e r s o n a g e n s níódêrnos d a l i t e r a t u r a "ífísTTètrã^âo^sq^^ Mário d e A n d r a d e c h a m o u , e m 1 9 4 1 , d e " f r a c a s s a d o s " , têm s u a a n c e s t r a l i d a d e n o -c o t i d i a n o a m a r g o e s e m h o r i z o n t e s d o s se r e s d e g r a d a d o s b a r r c t i a -nos** . O p e r s o n a g e m f r a c a s s a d o é u m a e s t r a n h a conjunção d e vingança e subnússão, impotência h u m i l h a d a e o r g u l h o a a g i r c o n t r a s eus próprios princípios, r e b e l a n d o - s e m u i t a s v e z e s até o d e s a f i o c o n t r a as c a t e g o r i a s d a razão, É O m o d e r n o a n t i - h e r o i 7 \ e n v o l t o e m introspecção q u a n d o d e s v e n d a a permanência d a i r r a - \ c i o n a l i d a d e d o s c o m p o r t a m e n t o s h u m a n o s e a fragmentação d o E u j _ i

A sátira d e L i m a B a r r e t o p o s s u i u m conteúdo q u e , p e l o . seu l a d o hiperbólico, e x t r e m a d o , e x c e s s i v o , c a i n o g r o t e s c o , s u p o r ­t a n d o i m p l i c i t a m e n t e o r e c o n h e c i m e n t o d e u m a n o r m a ética, utópica n o e s t a d o s o c i a l c o t i d i a n o q u e d e s c r e v e , s u p o r t e básico d a s u a > f a t u r a literária m i l i t a n t e . A f o r m a p e l a q u a l m a n i p u l a s e m p r e zy situações satíricas f a z r e s s a l t a r u m princípio d e j u l g a m e n t o e e s c o l h a b a s e a d o e m critérios m o r a i s : próximas s e m p r e d o cômico^^_ as situações d e c o n f r o n t o e n t r e d u a s f o r m a s d e s o c i e d a d e — a v i v e n c i a d a e a i d e a l i z a d a — a t a c a m c o m o o b j e t i v o d e c o r r i g i r i através d o d c s n u d a m e n t o ridículo a s n o r m a s p r e c o n c e i t u o s a s e- i rígidas. — '

157

Page 8: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

E x p l o r a n d o shuaçõss m a i s o u m e n o s e x t e n s a s , t o d o s o s seus r o ­m a n c e s c c o n t o s u t i l i z a m - s e d o s espaços p r e f e r e n c i a i s d e trânsito

' ^ o s p e r s o n a g e n s e q u e constróem o arcabouço d a n a r r a t i v a . A predominância desses três espaços — o espaço u r b a n o , o político-a d m i n i s t r a t i v o e o literário — v a i d e t e r m i n a r o s l i m i t e s a s s i n a l a d o s p a r a a tipificação e a ironização; e m e r g e m p o r traços caractcrís-

l t i c o s , e x a c e r b a d o s n a análise r e p e t i t i v a d e s i g n o s p l e n o s até a \xçduudância.

A noção d e espaço n a ficção b a r r e t i a n a e n q u a d r a i n t e n c i o n a l ­m e n t e o p e r s o n a g e m , c o n s t i t u i n d o u m a relação s o c i a l d e h o m o -l o g i a : o espaço b r a s i l e i r o , g e r a l m e n t e r e p r e s e n t a d o p e l o R i o d e J a n e i r o d o f i n a l d o século X I X e começos d o século X X , s i g n i ­

f i c a n d o o h o m e m p o r u m s i s t e m a m e d i a d o r . T e m - s e u m a i n t e r -seção c o n s t a n t e d o espaço s o c i a l e d o espaço físico, q u e g e r ? u m a espécie d e retórica social do espaço, construída p o r clichés v e r b a i s

^ o u n a r r a t i v o s i d e n t i f i c a d o r e s .

O espaço u r b a n o p r i m e i r o d e l e s , é d o m i n a d o p e l a m i t o l o g i a d e iWrr s e t c l o h a m e n t o e s t r a t i f i c a d o , p o v o a d o p o r e l e m e n t o s m o d e -

V ^ l a r e s : o Subúrbio e B o t a f o g o são as antíteses e s p a c i a i s f l a g r a n t e s , l s u r g i n d o a oposição, m u i t a s v e z e s , p e l a negação s i m p l e s d e q u a ­ntidades p o s i t i v a s e " n a t u r a i s ' . O espaço s u b u r b a n o d i m e n s i o n a p a r t e

d a o b r a , s c r v i n d o - s e desse m i c r o c o s m o p a r a a p r o v a d e l a b o r a ­tório d a r e a l i d a d e s o c i a l d o começo d o século.

A o subúrbio d e d i c a t e r n u r a e a sátira p o u c o p a t i n g e , l i m i -| t a n d o - s e a u m a i r o n i a a m e n a v o l t a d a p a r a a l g u n s t i p o s e c o m ­

p o r t a m e n t o s domésticos, s e m h o r i z o n t e s e d e s p r o v i d o s d e s i g n i f i -^cação. A visão d e s m e d i d a d e c o i s a s i n s i g n i f i c a n t e s p r e s e n t e s n o _espaço s u b u r b a n o é a l v o d e considerações e m t o n a l i d a d e irónica,

c o m o q u a n d o u m d o u t o r g a n h a g r a n d e reputação "não c o m o médico, p o i s n e m óleo d e rícino r e c e i t a v a , m a s c o m o e n t e n d i d o e m legislação telegráfica, p o r s e r c h e f e d e seção d a S e c r e t a r i a d o s Telégrafos" {J.F.P.Q., p . 36). E s t a d e s m e d i d a n o critério d c avaliação s o c i a l é, p a r a o a u t o r , a m a r c a d e identificação d a pró­p r i a s o c i e d a d e b r a s i l e i r a : e n t r e t a n t o , c o n t r a a " a l t a s o c i e d a d e s u ­b u r b a n a " , " u m a a l t a s o c i e d a d e m u i t o e s p e c i a l e q u e só é a l t a n o s subúrbios", sua_jgressãq é |rágí[, l imi t aMi fc . s e , . à j r o c e i l o s ntuaiOlPítlS.ÇÍ}cos d e con[ viyênci.a_e4mjj ^

Daí, a i m a g e m dessa r e a l i d a d e s e r p o u c o d e s f i g u r a d a p e l o g r o t e s c o . O b s c r v c - s e , n a descrição s o c i a l d o subúrbio, a t o n a l i ­d a d e a f e t i v a e r i s o n h a :

158

Compõe-sc [a alia sociedade .suburbana] em geral de fimcio-nários públicos, de pequenos negociantes, de médicos com alguma clínica, de tenentes de diferentes milícias, n.ita essa que impa pelas i:iias esburacadas daquelas distantes regiões, assim como nas festas e nos bailes, com mais força que a burguesia de Petrópolis e Bo­tafogo. Isto é s6 lá, nos bailes, nas festas e nas ruas, onde se algum dos seus representantes vê um tipo mais ou menos, olha-o da ca­beça aos pés, demoradamente, a."ísim como quem diz: aparece lá cm casa que te dou um prato de comida. Porque o orgulho da aristocracia suburbana está em ter todo o dia jantar e almoço, muito feijão, muita carne-scca, muito ensopado — aí, julga ela, é que está a pedra de toque da nobreza, da alta linha, da distinção (X.F.P.Q., p. 37).

A s s i m c o m o o espaço s o c i a l está i r o n i z a d o , oS t i p o s q u e õ \ a t r a v e s s a m e g a n h a m c e r t a presença n o e n r e d o estão t i p i f i c a d o s e

jarisâíurados^ r e d u z i d o s a o s e u a s p e c t o i d e n t i f i c a d o r d i m i n u t o d©-funcionários públicos o u m i l i t a r e s r e f o r m a d o s s e m g r a n d e e x p r e s ­são. Genelício, p o r e x e m p l o , é u m m e s t r e d e bajulação n o serviço público, a t i v i d a d e q u e s e m p r e s u r t e s e u s e f e i t o s , q u a n d o p o n t i ­l h a d a p o r s o n e t o s e m d a t a s d e aniversário d o c h e f e o u a t i t u d e s d e g r a n d e erudição, " u m génio d o papelório e d a s informações" (T.F.P.Q., p . 76). O m e s m o s e dá c o m o g r u p o q u e s e reúne e m c a s a d o g e n e r a l A l b e m a z , — o c o n t r a - a l m i r a n t e C a l d a s , o m a j o r Inocêncio, o D r . Florêncio e o capitão d e bomÍ?etros S i g i s -m u n d o . N o Triste fim de Policarpo Quaresma, estão r e t r a t a d o s e s t e s t i p o s e s e e n c o n t r a m a l g u m a s d a s m e l h o r e s observações a r e s p e i t o d o subúrbio c a r i o c a . Clara dos Anjos, c u j o e n r e d o t r a n s ­c o r r e n o espaço s u b u r b a n o , também será p a l c o d e i r o n i a s a r e s ­p e i t o d e seus c o s t u m e s domésticos e t i p o s medíocres e s e m h o r i ­z o n t e s . C a s s i J o n e s , o D o n J u a n d o subúrbio, é u m v i g a r i s t a a p r o v e i t a d o r d e m e n i n a s s o n h a d o r a s e românticas e a i m p u n i d a d e q u e s e m p r e o p r o t e g e d e v e - s e a o s e s t a t u t o s d a l e i e à astúcia d e s u a formação s o c i a l c o m fumaças d e a l t a b u r g u e s i a : o espaço s u b t i r b a n o é m a i s i n d e f e s o p a r a p r o t e g e r as m u l h e r e s s e m p r e e n ­dereçadas a o c a s a m e n t o d o q u e a e s t r u t u r a ideológica e d e p o d e r (económico/político) d e B o t a f o g o , s u a antítese.

E s t e l a d o irônico-pitoresco c o m q u e a p r e s e n t a o subúrbio c a r i o c a está r a t i f i c a d o e m s u a s crónicas d e j o r n a l , q u a n d o n a r r a o s a c o n t e c i d o s d e suas r u a s e s b u r a c a d a s e s e u o r g u l h o identificável e d e m a r c a d o r d e áreas p r i v i l e g i a d a s . A l g u m a s crónicas são n i t i ­d a m e n t e humorísticas, c o m o "História m a c a b r a " o u a i n d a " O s o u t r o s " , r e c o l h i d o s e m Vida urbana.

159

Page 9: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

B o t a f o g o c a o u t r a f a c c d o espaço u r b a u o dessa s o c i e d a d e , f i c c i o n a l : t r a d u z o a s p e c t o a r t i f i c i o s o , maléfico, s u r g i d o através d e u m a dçtjjuuaçãg-JSQCt^H^ete-.tl É o núcleo d a s t r a m a s

^políticas f r a u d i d e i i t a S j berço d o s adultério^ J o m i n a d p e l a s r e g r a s d e um"'savoir [airç a^iias^^Ácat^das p o r i n i c i a d o s n o cuUo~aa supcffEíal^âe. Ê u m a divisão maniqueísta q u e d i r i g e a população

"3ê'tipõs n a obía d e L i m a B a r r e t o e m a i s d o q u e n u n c a a c h a - s c d i c o t o n u z a d a n a c s c o l l i a e distribuição geográfica.

A modificação d e espaços u r b a n o s e m u m p e r s o n a g e m e q u i ­v a l e à movimentação d a área l i m i t e e q u e b r a d a s r e g r a s s o c i a i s d e u m p a r a as exigências d c admissão a o u t r o . U m c a s o típico c o d e V i c e n t e C o l e o n i e s u a f i l h a O l g a , e m Triste fim de Poli­carpo Quaresma. D e q u i t a n d e i r o , r o m p e a c l a u s u r a e pas sa - sc p a r a B o t a f o g o , c a b e n d o m a l n a n o v a c o n j u n t u r a . S u a f i l h a a d q u i r e o s c o n c e i t o s d o n o v o espaço e s u i e i t a - s e às n o r m a s d e admissão

manutenção r e g u l a r e s , j ã o POUCOS esses c a s o s j ^ g e r a l m e n t e o ^ e s p a g o f c c h ^ d o ^ j i o s s u i J r o n t e ^ ^ ^ loiígínquas e d e áífícTl acessôT"

O s p e r s o n a g e n s m o v i m e n t a m - s e c i r c u l a r m e n t e , daí " n a s c e n d o a s r e g r a s i n t e r n a s r e p r e s e n t a d a s p e l o a u t o r .

U m a d a s categorizações m a i s i m p o r t a n t e s n o espaço b o t a f o -g a n o é o doutoramento, c a n u d o d e p a p e l q u e d e p o i s d e o b t i d o a b r e p o r t a s , c r i a c a r g o s , p r o m o v e s o c i a l m e n t e o f e l i z a r d o . E s t a representação satírica d o m i t o d o b a c h a r e l n o B r a s i l e n c o n t r a várias situaçõcs-chave e m q u e i r o n i z a c o m c r u e l d a d e o p r o c e s s o d c ascensão s o c i a l . T o m e - s e o caso já c i t a d o d e O l g a C o l e o n i : p a r a p r e e n c h e r o r i t u a l mítico d o " c a s a m e n t o c o m u m d o u t o r " , e s c o l h e p a r a c o m p a n h e i r o , s e m amá-lo, a o d o u t o r a n d o A r m a n d o B o r g e s , a p r e s e t U a d o c o m o o t i p o c o n s t a n t e d o médico a b a c h a r e -l a d o , mcio-charlatão, o p o r t u n i s t a , e m e t i d o a l i t e r a t o :

L ifí Dc fato, cic estava escrevendo ou mais particularmente: tradu­

zia para o clássico um grande artigo sobre "Ferimentos por arma dc fogo". / . . . / O proccs.so era simples: escrevia do modo comum, com as palavras c o jeito dc hoje, em seguida invertia as orações, picava o período com vírgulas c substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor, isto por esto, quão grande ou tão grande por quainaiiho, sarapintava tudo de ao invés, einpós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares c ao público em gcal ( T . F . P . Q . , p. 22).

A s m e s m a s situações satíricas c e r c a m o d e p u t a d o N u m a P o m -pííio d c C a s t r o , d c Numa e a ninfa e m s e u casarão d e B o t a f o g o p o r o n d e t r a f e g a m j o r n a l i s t a s , políticos, c a b o s - e l e i t o r a i s , s e n h o r a s d e s o c i e d a d e n u m a representação d o s c a m a r i n s d a a l t a s o c i e d a d e político-administrativa d o R i o d e J a n e i r o , o q u e v a l e d i z e r , d o

160

B r a s i l . A s s i m c o m o o t i p o a n t e r i o r , D r . A r m a n d o B o r g e s , e s t e p o u c o f e c u n d o d e p u t a d o , f i l h o d o n e p o t i s m o d e província, d o u t o r d e inteligência p a r c a , p r e e n c h e as características clichés s e m p r e p r e s e n t e s q u a n d o L i m a B a r r e t o o s o l i c i t a p a r a a ação satírica.

N o m u n d o d i c o t o m i z a d o d a sátíra b a r r e t i a n a , B o t a f o g o e n ­c e r r a o s malefícios d e u m a s o c i e d a d e m o v i d a p e l a s aparências: c o m i s s o , as situações n a r r a t i v a s t o m a m - s e m u i t o m a i s autónomas e f e c h a d a s n o s e n t i d o d e s u a c a u s a l i d a d e , e s t a n d o m a i s e m j o g o o i n t e r e s s e e m m a r c a r a sátira s i t u a c i o n a l . E s s e s q u a d r o s se s u ­c e d e m , d a n d o o r i g e m a u m d e s f i l e d e clichés satíricos; e m t o d o qiiiproquó r e s s a l t a a crítica f e r i n a c o n t r a u m s i s t e m a d e a u t o r i ­d a d e s o c i a l , política e f i n a n c e i r a , q u e não p r e e n c h e q u a l q u e r q u e s i t o d e liderança r e a l . ^.^•'^

É a f a l s i d a d e d o s i s t e m a d e relações h u m a n a s e m s u a s m a n o ­b r a s d e f u n c i o n a m e n t o q u e L i m a B a r r e t o t e n t a t o r n a r c l a r a a t r a ­vés d a deformação c a r i c a t u r a l d a sátira. A situação básica p o d e s e r t r a d u z i d a e m d u a s proposições c u j o s t e r m o s serão s e m p r e a n t i -t c t i c o s : A t e m inteligência m a s não t e m a u t o r i d a d e ; B t e m a u t o ­r i d a d e m a s não t e m inteligência. O c o n f r o n t o ás A e B v a i d a r o r i g e m às situações c o n f l i t a n t e s . -í—s

O s s i g n o s c o r r e s p o n d e n t e s à área d o talento/inteligência c o n s ­tróem e s t a a n t i n o m i a f r e n t e a o s s i g n o s d a autoridade/dominação. \ N o r m a l m e n t e o m e m b r o d a situação n a r r a t i v a q u e a p e n a s p o s s u i ^ inteligência m a s não p o s s u i as características d o p o d e r s o f r e o t r a u ­m a t i s m o e s u p o r t a o c o n f l i t o c o m m a i o r o u m e n o r consciência d e s u a anulação. A l g u m a s dessas d u p l a s c o n f l i t a n t e s a c h a m - s e i n d i v i d u a l i z a d a s : Isaías e o d e l e g a d o d e Polícia, Isaías e L o b e r a n t j ^ , - , d i r e t o r d c O Globo, P o l i c a r p o e o G e n e r a l d a - S e c t e t a r l a j l e - i j u e r t a , / P o l i c a r p o e o Dr^^tãmpõ^T^õficãrp^^ C l a r a i

E m t n i t r o s c a s o s , c o m o G o n j a g a Je_Sá e ,a_ buiQcracÍa,-.j^ s e g u n d o term"õ^"n'ãÓ~se éiicónfra in(íividualizado,_ m a s j i p j e s e n t a - s e c o m o u m a sW'ã^xr^erstBTa~Niima'e'lfwn^^ o membro"^á"proí "pasição-,-'Beneretíítt6''—" inteligência c o n s c i e n t e m a s s e m p o d e r p a r a ação —, v i n g a - s e , p e l a astúcia, d a política c o r r o m p i d a q u e o r o d e i a , t o m a n d o - s e s u t i l m e n t e s e u a g e n t e i n t e r n o d e corrosão: e s c r e v e o s d i s c u r s o s d e N u m a , e n q u a n t o é a m a n t e d e E d g a r d a , a N i n f a .

A sátira aos m i t o s n a c i o n a i s é,pflis.,. m u i t o , m m s s i t ^ d o g u V " y e f b ' a t , ^íffbõFã e s t a também s e a p r e s e n t e , s o b a f o r m a d a paródia, f a z e n d o o e n u n c i a d o r o m a n e s c o e n t r e c r u z a r v o z e s p o l e m i z a d a s . ^ O p r o c e s s o h a b i t u a l é o desenvolvimentade_.um.ç^^

j u n t o d e f a t o s reconhèHdáinénfè c o t l d i a n o s , " e x a c e r b a d o s p e l a r c -

161

Page 10: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

^et isãojdacar icatur^^ i n s t a u r a a d u p l i c i d a d e d o s s i g n i f i c a d o s 'dívergcntès7T3éntifican'3õ c l a r a m e n t e a sátira a o s i s t e m a s o c i a l ,

s ' ^ ^ S e r v i n d o d e intermediário a e s t a configuração e s p a c i a l , a c h a - s e o c e n t r o d a c i d a d e , o n d e t o d o s s e e n c o n t r a m e o n d e se ' t r a v a r a a s b a t a l h a s p e l o sucesso . A R u a d o O u v i d o r é o espaço ' d o prestígio, c o m o u s e m d i n h e i r o : a f a m a , às vezes , é f r u t o d e

|, ocupações p o u c o recomendáveis. E n t r e t a n t o , aí s e f a z e m o u s e l d e s f a z e m reputações, c a liça p a r a o s q u e a l m e j a m a e s c a l a d a í j o c i a l . Z o n a d c a t r a l i v o s inúmeros, é a l i q u e G o n z a g a d e Sá t e c e

s e u irónico princípio s o c i a l : " a d a m a fácil é o e i x o d a y i d a " . D a d o s o s l i m i t e s d a v i d a n a c i o n a l , e s t e p e n s a d o r b a r r e t i a n o c o n c l u i :

E a civilização se faz por tantos modos diferentes, várioçs e obscuros, que mc parece ver naquelas francesas, húngaras, espanho­las, italianas, polacas bojudas, muito grandes, com espaventosos cha­péus, ao jeito dc velas enfunadas ao vcnlo, continuadoras de algum modo da missão dos conquistadores { V . M . G . S . , p. 105).

Í O s e g u n d o espaço/narrativo i m p o r t a n t e c o n f i g u r a - s e n o s c f o r hkt)«H*rHWStratíVOnda s o c i e d a d e e seus^ignos_são^ a_Çâmara

^os.^putódasjB-JSêettJSâiias. jdfiJ^ljús] i»as. Compõem um cffciilõ" de p r a t i c a n t e s de r i t u a i s h e r d a d o s d e uma administração de c u n h o c o l o n i a l , m a r c a d o s por s i g n o s d i s t i n t i v o s p u r a m e n t e f o r m a l i z a n t e s . M a i s do q u e n u n c a está p a t e n t e s o b a f o r m a de sátira f e r i n a a t i n ­g i n d o , às v e z e s , a i n v e c t i v a , a divergência e n t r e s e u s p e r s o n a g e n s antyberóis e a introdução ou vivência d o s m e s m o s nesses espaços.

/ O s b u r o c r a t a s são casos s u c e s s i v o s de u m a m e s m a d c c l i n a -{ ção m i n i s t e r i a l : o nominação desses t i p o s é u m a função da s o c i e ­

d a d e d i s t o r c i d a e v i v e m e n f a t i c a m e n t e n o nível do p a r e c e r . C h a -mcm-se Genelício, X i s t o B e l d r o e g a s , P e l i n o G u e d e s , são u n i d a d e s d e f i n i d a s p e l o lugar a s s u m i d o f r e n t e às u n i d a d e s v i z i n h a s cuja c o n t i g i l i d a d e d i f e r e n c i a l de a l g u m a f o r m a m a r c a - l h e s a modulação do p a r a d i g m a .

j \e do s a t i r i s t a é u i M âtí£^ d? persuasão e a..Bgrsuasão_c. a j p r i n c i p a l função da retórica. O e s c r i t o r satírico está s e m p r e i n -tencionalmcriteTrrriâWpârãlixcitar s e u público a a d m i r a r ou d e s ­p r e z a r , a r e v e r s u a s posições h a b i t u a i s , a d e s v e n d a r a f a c e e s c u r a d o s c o n c e i t o s , a m o d i f i c a r s u a s opiniões políticas, r e l i g i o s a s , filo­sóficas. A s s i m , _a intenção satírica traça a diferença básica e x i s ­t e n t e e n t r e escritorcsrós satírístas, a p e s a r de s u a s m a i s , ' B ^ facções c . . i u c t o d o s , "possue in e rn çoraiun. -C5§ê..t£aíMuLÍ!.U£n<yo^ p a r a i n f l u e n c i a r as crenças, a t i t u d e s e ações d o l e i t o r . ^

L i m a B a r r e t o p r o c u r a d e s p e r t a r a m e n t e d c sliúrijúbiico c o n t r a o p e r i g o d a estratificação d c i d e i a s e c o m p o r t a m e n t o s através d o

162

e m p r e g o reíórico enfático d o estereótipo p r o f i s s i o n a l ; t e r e m o s então o d e p u t a d o , o d o u t o r , o b u r o c r a t a , o j o r n a l i s t a político, o c a b o e l e i t o r a l , e t c .

O s d o i s m o d e l o s m a i s r e a l i z a d o s d o espaço burocrático são r e p r e s e n t a d o s p e l a S e c r e t a r i a d o s C u l t o s e p e l a S e c r e t a r i a d a G u e r ­r a , r e s p e c t i v o s l o c a i s d e e m p r e g o d e G o n z a g a d e Sá e P o l i c a r p o Q u a r e s m a . A s r e g r a s d e admissão g e r a l m e n t e n a base d o faní í^ "pistolão", o prestígio através d a adulação, o n e p o t i s m o p a r a a ascensão n a c a r r e i r a , as r e g r a s d e c o m p o r t a m e n t o i n t e r n o v i s a n d o à manutenção d e u m e m b o l o r a d o s i s t e m a a d m i n i s t r a t i v o , o s m e c a ­n i s m o s d e d e f e s a c o n t r a q u a l q u e r e l e m e n t o exógeno r e n o v a d o r e , p o r i s s o m e s m o , a l t a m e n t e p e r i g o s o , são traços f u n d a m e n t a i s d o f u n c i o n a m e n t o dessa e s t r u t u r a e m t o d a s as n a r r a t i v a s . E x e m p l o m o d e l a r é o episódio d e P o l i c a r p o Q u a r e s m a s o l i c i t a n d o a v o l t a d o i d i o m a n a c i o n a l p a r a o t u p i .

U m r e c u r s o c o n s t a n t e , s e m p r e c o m intenção d e p r o v o c a r o ridículo, é o c o n f r o n t o d o d i m i n u t ^ . & j n g 5 g u i n h o daspreocupajõej e_£^guisas d e t a l h i s t a s d a b u r o c r a c i a e o ^gr^d^e^ãfcabõúçõTãd-

' " m i n i s t r a t i v o c o m g ^ r o m e t i d o e m resolvê-las. À Sêcretariã'aõs"CÚltos i m a g e m des se desgiEStèhulificadôrr: X i s t o B e l d r o e g a s , e x e m p l a r

b u r o c r a t a , " c e r t a v e z f o i a t a c a d o d e u m a p e q u e n a c r i s e d e n e r v o s , p o r q u e , p o r m a i s papéis q u e c o n s u l t a s s e n o a r q u i v o , não h a v i a m e i o d e e n c o n t r a r u m a disposição q u e f i x a s s e o número d e s e t a s q u e a t r a v e s s a m a i m a g e m d e São Sebastião" ( F . M . G . 5 . , p . 1 4 3 ) .

A m e s m a sátira a t i n g e e m c h e i o a s u p r e m a legislação, o u se j a , o espaço n a r r a t i v o da^âmaca_dos--Deputados... Dqmioí^^

^ O i p Q s c o m s e u s J n t e r e s s e s p e s s o a i s , jiepotisíng^ o j : o r 9 n . e l i s m o , a f a h a . <fe jnteligência^ e " d e fãlèntb l e g i s l a d o r . _ P a r a os" l i a b i t a n t e s c i a espaço suBucbaaó7TuiC:I<^^ indecifráveis d a legislação d o país, f o r t a l e z a inexpugnável j WOL-cèisívèl7Fafa oshábitaiSes dé " B o t a f o g o é o espaço da^c^^ ç ^ jtaçjííaaU

A s situações satíricas e m série estão i n t e n c i o n a l m e n t e selecío-n a d a s c o m v i s t a s à contínua ratificação d e Hm^U3fil<i_cpjitjra 2tS>-- \ ced j . raen tos d e f a c h a d a , v i c i a d o s e j s u g e r f i c i a i s . , J U n ^ ' l i d i a n a ^ âcusada^dej ^^^^^ n o m e i a a

_jdeali^çãq d e u m e s t a d o n o v o e. ."pujcQ'J!i.^Eara-£xacêrbar. o cof l t jK) . d e t a i s .signifieàdbs , L i m a . B | j r g t Q , , f t t i f e ^ ^ m i n h a fi PoIicarpq^QjíárlêsmT^^^^^ "mgèm^j^j^ yoV-. t a i r i a j5p^ às v e z e s b e m c e r v a n t i h o . Su^^^^ c ,çpn.ç.eÍios esb c o m as çoippliçaçõ^^ p s e u d o - r a c i o n a l i z a d a s d a v i d a b r a s i l e i r a . S u b s t i t u t o s irónicos d o p e r s o n a g e m d o herói, n o t a -se c l a r a m e n t e a eliminação d e q u a l q u e r p e r s p e c t i v a d e h e r o i c i d a d e .

163

Page 11: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

eudercçando-os à divergência p e s s o a l e s o c i a l , a t i n g i n d o u m b o v a ­r i s m o trágico. A convenção s o c i a l q u e s e r v e d c base à sátira c c o m b a t i d a s o b r e t u d o n o u s o i n t e r e s s a d o d e s u a s instituições p o r p a r t e d c m i n o r i a s .

Na Câmara d o s D e p u t a d o s , a l t a m a g i s t r a t u r a d o País, L i m a B a r r e t o c o l o c a v e e m e n t e sátira a o p r o c e s s o e l e i t o r a l , político e a d m i n i s t r a t i v o . A s facções o p o s i t o r a s só o são n o s d e t a l h e s d a v i d a política, a essência c m a n t i d a p e l a m e s m a dinâmica da s raotiva-

r ções n a r r a t i v a s . D e f e n d e r a i n t e r e s s e s d o s g r u p o s q u e e x e r c e m as j pressões s o b r e o g o v e r n o e q u e p o u c o a p a r e c e m n o m e a d a m e n t e , i s e n d o a crítica g e r a l endereçada a u m etiios b r a s i l e i r o , b a s i c a m e n -i t q político. Ê e m Numa e a ninfa q u e está a n a r r a t i v a desse c o m ­

p o r t a m e n t o d o s h o m e n s públicos e d a relação d e sujeição a c i o n a d a n a a l t a cúpula l e g i s l a d o r a . O s p e r s o n a g e n s , t i p i f i c a d o s e c a r i c a h i -r a d o s , são s i m p l e s variações d e o u t r o s já s u r g i d o s e m Isaias Ca­minha. O D e p u t a d o C a s t r o , c o m s u a a m a n t e l o u r a , é u m a variação d o D e p u t a d o M a c i e i r a , c o m a f r a n c e s a A r l e t e ; o c o r o n e l B e l m i r o " f e z " o D e p u t a d o C a s t r o , N e v e s C o g o m i n h o r e p e t e o s i s t e m a c o m N u m a ; o s c h e f e s políticos, c o m o o v e l h o L i b e r a t o (Numa e a ninfa) o u o D r . C a m p o s (Policarpo Quaresma) têm a m e s m a c a ­racterística d o m i n a n t e n a p r o c u r a d o p o d e r e n a v a s s a l a g e m a o v e n c e d o r .

A Câmara é o l u g a r p o r excelência d o s p r e m i a d o s p e l a a m -I bicão s u b s e r v i e n t e , a d e q u a d a às a r t i m a n h a s d a e s t r u t u r a d e s u j e i -\ção, q u e n e c e s s i t a d e u m a instituição p a r a t o r n a r l e g a l c r e g u l a ­

m e n t a d a II v a s t a r e d e e m a r a n h a d a d a Justiça e d o P o d e r , p r o n t a p a r a l h e s j u s t i f i c a r as pretensões p e s s o a i s . T o d o s o s p a r t i c i p a n t e s dessa g a l e r i a d e t i p o s p o s s u e m u m traço i d e n t i f i c a d o r c o m u m q u e o s r e l a c i o n a c o m o espaço d a L e i d e f o r m a n e g a t i v a , d a n d o a m p l o l u g a r p a r a a s situações satíricas! f r a u d e s e l e i t o r a i s , representações d o " c o r o n c l i s m o " , p a r e n t e s c o s , c a s a m e n t o s , proposições ambíguas

/ p a r a d e f e s a d e m i n o r i a s , m a n o b r a s políticas ilícitas. O d e p u t a d o N u m a Pompílio é o m o d e l o p e r f e i t o d o o p o r t u n i s m o b e m o r i e n -

í t a d o c s u c e d i d o q u e " a p r o v e i t a r a s e m p r e o s e u e s t a d o c i v i l p a r a c n c a r r c i r a r - s e . O r a ameaçava c a s a r c o m a f i l h a d e f u l a n o e o b t i n h a

, i s s o ; o r a d e i x a v a t r a n s p a r e c e r q u e g o s t a v a d a f i l h a d e b e l t r a n o e «conseguia a q u i l o . . ." (N.N., p . 3 4 ) .

O d e s e n c o n t r o d e s i g n i f i c a d o s c c o m p o r t a m e n t o s n o espaço político d a Câmara é p o l e m i z a d o através d o e m p r e g o parodístico d c u m d i s c u r s o " n o b r e " , oratório o u histórico, p o r p a r t e d o n a r r a ­d o r Isaías C a m i n h a , n o s seus p r i m e i r o s c o n t a t o s c o m o D e p u t a d o C a s t r o ( p . 75). O p a r a d o x o é i n t r o d u z i d o n a alternância d o s t i p o s

164

d e d i s c u r s o s d i v e r g e n t e s até c u l m i n a r n a exacerbação d a i n v e c t i v a : " G e n t e miserável q u e dá sanção aos d e p u t a d o s , q u e o s r e s p e i t a e p r e s t i g i a ! P o r q u e não l h e s e x a m i n a m as ações, o q u e f a z e m c p a r a q u e s e r v e m ? Se o f i z e s s e m . . . A h ! se o f i z e s s e m ! Q u e s u r ­p r e s a ! " ( p . 1 0 2 ) . É s o b r e t u d o n e s t e s e u r o m a n c e d c e s t r e i a g u e L i m a B a r r e t o t r a n s p a r e c e c o m o visível área ideológica d o a u r o ! ^ s e r v i n d o - s e d a v o z d e s e u p r o t a g o n i s t a p a r a r e f l e t i r suas próprias/ intenções paródicas e irritações i n c o n t r o l a d a s . ^ |

E m v o l t a desses m e m b r o s p r i v i l e g i a d o s d o s e t o r político-adfní-' n i s t r a t i v o p u l u l a m e l e m e n t o s e m e r g e n t e s d e o u t r o s espaços, v i s a n d o a a p r o v e i t a r - s e d a s o p o r t u n i d a d e s possíveis. Também p o d e m s e r p e q u e n o s b u r o c r a t a s , n a esperança d e u m a nomeação, viúvas e m b u s c a d e pensão, j o r n a l i s t a s à c a t a d e notícias. Estão c o n t u d o , c o m o o s o u t r o s , d e p e n d e n t e s d e t o d a s as r e g r a s d a sujeição, d o espetáculo diário d o m u n d o d o p a r e c e r :

Como havíamos de subir, ou, pelo menos de manter a posição conquistada, se não fôssemos sempre às missas de sétimo dia dos parentes dos chefes, se não lhes niandiSssemos cartões no dia de aniversários, se não estivéssemos presentes aos embarques e desem­barques de figurões.. . {N.N., p, 117).

L i m a B a r r e t o e x t r e m a a sátira a o espaço político-administra-t i v o a f i m d e d e s n u d a r e m s e u f u n c i o n a m e n t o " o s m e i o s d e n o t o ­r i e d a d e , d e fiança d e c a p a c i d a d e p e r m i t i d o s p e l o E s t a d o e _ g e l a S o c i e d a d e " ; então c o n c l u i , " p a r a q u e t r a b a l h a r e ra o b t e r o u t r o s ^ m a i s difíceis, q u a n d o a q u e l e s e s t a v a m à mão e se o b t i n h a m c o m m u i t a submissão e u m p o u c o d e t e n a c i d a d e ? " (N.N., p . l l S ) í ^ ^

O s a v e n t u r e i r o s também f a r e j a m as p o s s i b i l i d a d e s d a p r o m o ­ção s o c i a l e f i n a n c e i r a , c o l o c a n d o - s e s o b a proteção d o P o d e r . Ê o c a s o d o r u s s o Bogóloff, c a r i c a t u r a d o o p o r t u n i s m o e m Numa e a ninfa; s u r g i r a a n t e r i o r m e n t e , c o m o o r e n o m a d o e r e s p e i t a d o j o r n a l i s t a , Gregoróvitch Rostóloff, e m Isaías Caminha. R e t r a t a u m a d a s f a c e t a s a p o n t a d a s n o simplório caráter n a c i o n a l , a d o c u l t o r e v e r e n c i a d o a t u d o o q u e f o r e s t r a n g e i r o . C o m o p e r s o n a g e m d o r u s s o a v e n t u r e i r o p r e t e n d i a c o n c o r r e r c o m u m a réplica b r a s i ­l e i r a a o então lidíssimo Nick Cárter, f o l h e t i n e s c o : f o r a m p u b l i ­c a d o s a p e n a s d o i s f o l h e t i n s e d o i s r e s t a r a m inéditos, s e n d o m a i s t a r d e i n c o r p o r a d o s à edição d e Numa e a ninfa.

A c a m a d a p o p u l a r b a i x a f i c a p r a t i c a m e n t e f o r a d o s espaços já r e f e r i d o s , g e r a l m e n t e h a b i t a n d o a c h a m a d a C i d a d e N o v a o u longínquos subúrbios. F o r m a m u m p a n o d e f u n d o n a p e r s p e c t i v a d o s p l a n o s n a r r a t i v o s , p o i s são e l e m e n t o s s e m f u n c i o n a l i d a d e s o - ' c i a i , l o g o , s e m ace s so à i n d i v i d u a l i d a d e . A sátira m o r d a z de L i m a

165

Page 12: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

B a r r e t o não a a t i n g e , a o contrário, l a m e n t a - a . Só s u r g e m q u a n ­d o p o v o a t n d c a l g u m a f o r m a o cspíiço específico u r b a n o , burocrá­t i c o o u literário. Ê o c a s o d e R i c a r d o Coração d o s O u t r o s , Lucrécio B a r b a - d e - B o d e c C h i c o N o v e - D e d o s . O s d o i s últimos e x e r c e m a função d e g u a r d a - c o s t a s e c a b o s e l e i t o r a i s d e g r a n d e eficácia; c o m o Lucrécio, q u e d u r a n t e a c a m p a n h a d e B e n t e s " d e s t r u i u c a r ­t a z e s , a p r e e n d e u b o l e t i n s , r a s g o u j o r n a i s , d e s a f i o u r a p a z e s , e, d e o n d e e m o n d e , d a v a u m t i r o d e revólver (N.N., p . 2 4 5 ) . R i c a r d o Coração d o s O u t r o s é o boémio, t o c a d o r d e violão das f e s t i n h a s d e subúrbio, d e f e n s o r d a recuperação d c s e u i n s t r u m e n t o e d e m o ­d i n h a s p o p u l a r e s . E n t r e t a n t o , J o a q u i m d o s A n j o s , c a r t e i r o , p a i d c C l a r a d o s A n j o s , n o r o m a n c e homónimo, já compõe o p r i m e i r o d e g r a u d a p e q u e n a b u r o c r a c i a m o r a d o r a d q subúrbio, p a r a o q u a l " t o d a s u a ambição se c i f r o u e m o b t e r u m p e q u e n o e m p r e g q pú­b l i c o q u e desse d i r e i t o a a p o s e n t a d o r i a e a m o n t e p i o " . P o r i s s o , s u r g e c o m o e i x o d e problemática f i c c i o n a l , m a i s i n d i v i d u a l i z a d o , a s s i m c o m o o u t r o s p e r s o n a g e n s - t i p o d o m e s m o r o m a n c e .

F i n a l m e n t e , \jo t^ggíroLjespjçofarticulado n a s n a r r a t i v a s d e L i m a B a r r e t o c o Tiferário,''representado p e l a redação d e u m j o r n a l , O Globo, ( n a r e a l i d a d e e r a o Correio da Manhã) e m Recordações

(~ão escrivão Isaías Cathinha. N e l e se c o n s a g r a m o s v u l t o s d a c u l t u -1 r a e l e t r a s n a c i o n a i s , ne s se m o m e n t o histórico e m q u e o j o r n a l i s m o

6 e m u l o d a U t e r a t u r a , c o l a b o r a n d o o s e s c r i t o r e s i n t e n s a m e n t e n a s c o l u n a s d o s periódicos. Também, c o m o o s o u t r o s espaços, é r e s ­t r i t o e p o s s u i suas r e g r a s específicas d e f u n c i o n a m e n t o s a t i r i z a d a s a o e x t r e m o n a explicitação d a f a m a d o s a u t o r e s d a época, q u e , c o n s o a n t e a e s t r u t u r a d o r o m a n c e à clef, v a i i d e n t i f i c a n d o c o m o s contemporâneos: C o e l h o N e t o , E d m u n d o B i t t e n c o u r t , o gramático Clândido L a g o , João d o R i o , Afrânio P e i x o t o e inúmeros o u t r o s ^ " . S i m u l t a n e a m e n t e , r e t r a t a a e n g r e n a g e m d a manipulação d a opinião pública e d o s s i s t e m a s d e coação e intimidação e x e r c i d o s s o b r e o

' i ^ o v e r n o e p a r t i c u l a r e s p e l o s j o r n a i s . A f r a g i l i d a d e p e s s o a l d e c a d a m e m b r o d o s i s t e m a , só t o r n a d a força p e l a f u n c i o n a l i d a d e i n t e r e s ­s e i r a d o c o n j u n t o , 6 a d e s c o b e r t a g r a d a t i v a q u e a s o c i e d a d e d a s l e t r a s r e v e l a n a sátira m o r d a z .

É n e s t e espaço d a l i n g u a g e m , p o r excelência, p o n t o d e e n ­c o n t r o d a inteligência d o País, q u e L i m a B a r r e t o se u t i l i z a c o m virulência d a paródia, e x a c e r b a n d o e q u e s t i o n a n d o i n t e r n a m e n t e n o d i s c u r s o r o m a n e s c o o e s v a z i a m e n t o d e s i g n i f i c a d o a q u e f o r a s u b m e t i d a a l i n g u a g e m e n q u a n t o a r t e . A redação d o j o r n a l é o p a l c o d a representação d o p a r e c e r c u l t u r a l d o País: p o r a l i d e s f i -

166

I a m o s l i t e r a t o s q u e se p r o m o v e m e u m crítico literário p a r a i s s o não t e m n e c e s s i d a d e d e g r a n d e s c o n h e c i m e n t o s . B a s t a m a l g u n s v o l u m e s d e " a n e d o t a s literárias d e a u t o r e s d e t o d o s o s t e m p o s e d e t o d o s o s países": é o c a s o d e F l o c . — ,

A l i t e r a t u r a " d e s i n t e r e s s a d a " , e r u d i t a , t e m n a paródia a C o e l h o N e t o — o c o n f e r e n c i s t a V e i g a F i l h o — u m a d a s s i t u a -ções m a i s críticas. A m a n i a d a s conferências d o início d o século^ e m q u e o público f e m i n i n o d e e l i t e e r a a m e d i d a de sucesso p a r a o o r a d o r , m o t i v a u m a notícia d e j o r n a l , e s c r i t a p e l o próprio c o n ­f e r e n c i s t a . E a s s i m t e r m i n a a paródia d e u m a l i n g u a g e m c u l t a e retórica:

Foi um duplo triunfo, terminava aíisím a notícia, de Veiga F i ­lho e de Napoleão, o últmio grande homem que a nossa espécie viu, cuja grandeza e cujos triunfos aquele grande artista soube pintar e descrever, jogando com as palavras como um malabarista hábil faz com as suas bolas multicores. Raro e fug:>ce gozo foi essa con­ferência do eminente cultor das letras pátrias { R . E . I . C . , p. 173).

A s discussões g r a m a t i c a i s d a época, célebres p e l o s e u d e l a - | I h i s m o e intolerância linguística, e r a m g u e r r a d e c l a r a d a p a r a át-,/ g u n s p o r t u g u e s e s e b r a s i l e i r o s c o m o Cândido F i g u e i r e d o , C a r n e i r o R i b e i r o , C a r l o s L a e t , R u i B a r b o s a , e n t r e o u t r o s . N a f i g u r a d o g r a ^ ^ mático L o b o , c o n c e n t r a - s e t o d a a v e r r i n a parodística d e L i m a B a r ­r e t o p a r a q u e m a l i n g u a g e m d a l i t e r a t u r a iião e r a u m a _ g a d g i a e n t , q i i e se en[aulass'ém as"páiav~ras padrões j ^ a s -

^sicigintes^Õ g r a m a " e v i v i a c a l a d o p e l o s c o r r e ­d o r e s , l e n d o a Ensynança de Bem Cavalgar dc El-Rei Dom Duarte". O m o t i v o d a l o u c u r a , tão c a r o a o a u t o r , m a i s u m a v e z é e m p r e ­g a d o p a r a m a r c a r a divergência e n t r e ilusão e r e a l i d a d e .

P a r a L i m a B a r r e t o , a l i t e r a t u r a s o f r e t o d o t i p o d e atentaSÕ" p e l o s i n t e r e s s e i r o s d e m o m e n t o , p o r p r o f i s s i o n a i s d o e l o g i o , p e l a s "elegâncias b i n o c u l a r e s ' q u e se a p r o v e i t a v a m d e s s a h o r a ambígua^ e m q u e o j o r n a l é u m veículo s e m i n o t i c i o s o , semiliterário. E n t r e o s t i p o s p a r o d i a d o s i n c l u i - s e o " d o u t o r l i t e r a t o " n o j o v e m D e o ­d o r o R a m a l h o , q u e " f i z e r a l i t e r a t u r a c o m o anúncio p a r a a clínica f u t u r a e a b a n d o n a v a - a q u a n d o v i u q u e e l a v i r i a c o m p r o m e t e r a g r a v i d a d e d o m i s t e r e a r e s p e i t a b i l i d a d e d o s c a r g o s q u e i r i a o c u p a r * {R.E.I.C., p . 2 8 0 ) . ^

A l i t e r a t u r a c o n v e n c i o n a l e " g r a m a t i c a l " dá prestígio e t o d o y \ q u e r e m t e r acesso a e l a c o m v i s t a s a u m a promoção s o c i a l . íáj) o b s e r v a m o s a n t e r i o r m e n t e o estereótipo d o p e r s o n a g e m A r m a n d o B o r g e s , também d o u t o r c o m fumaças d e e s c r i t o r , m a r i d o d a r i c a

167

Page 13: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

Cl ^ e r d c i r a O l g a , a u l o r d e e n s a i o s pscudocienííficos q u e d e p o i s d e r e d i g i d o s s o f r e m a Iraiisformação d o " e s t i l o " . T a u i b c i n o b u r o ­crata Genelício u t i l i z a - s c d c u m e s t i l o "purista" p a r a e s c r e v e r m a s ­s u d o s e n s a i o s de c o n t a b i l i d a d e .

1^ Ê n o 2V«/c' / i / u da 1'olicarpo Quaresma q u o se \ i o l a u m a / e s t r u t u r a paródica m a i s e x t e n s a , q u e t e m n o Dom Quixote o m o ­

d e l o literário r e f e r e n c i a l : o p e r s o n a g e m p r i n c i p a l . P o l i c a r p o Q u a ­r e s m a , m u n i d o de u m a i d e i a o b s e s s i v a a t r a v e s s a d i v e r s a s " p r o v a s " d c s u a constância e segurança d e convicção patriótica até o d e ­s e n c a n t o f i n a l , q u e o t r a z à r e a l i d a d e e à m o r t e . —* A sátira d e L i m a B a r r e t o , e n t r e t a n t o , c o m s e u caráter e m i ­n e n t e m e n t e d i r e t i v o e c o m u m a u n i d a d e retórica r e i t e r a t i v a p a r a m a i o r conumicação e identificação d a m e n s a g e m , e l i m i n a q as­p e c t o f a s c i n a n t e d a o b r a d e C e r v a n t e s e q u e l h e dá p e r e n i d a d e — a s u a índole múltipla, d e c o n s t a n t e mutação d e j u l g a m o i t o s e ações, pessoas e emoções, " n u m câmbio p r o t e i c o q u e d e p e n d e d o p o n t o d e v i s t a i n t e r n o o u e x t e r n o d o o b s e r v a d o r " , c o m o a n a l i s o u

^ E r n e s t o G u e r r a d a C a P ^ E s t e "princípio d e transmutação", q u e f e z d e A l o n s o Q u i j a n o o u Q u i j a d a , D o m Q u i x o t e , e d a c a m p o n e s a

\a a i d e a l Dulcinéia d e i T o b o s o está a u s e n t e , m a n t e n d o - s e a p e n a s s u a s U n h a s c o n d u t o r a s , reconhecíveis n o m o d e l o n a r r a t i v o b a r r e t i a n o . O princípio c e r v a n t i n o q u e Américo C a s t r o d e n o m i n o u " t e m a d a r e a l i d a d e o s c i l a n t e " i m p r e g n a a p e n a s o p e r s o n a g e m Q u a -

\a o q u a l , n o s c o n f r o n t o s c o m a r e a l i d a d e , d e s p e r t a a p e r -|_çepçãa c o n s c i e n t i z a d a d o l e i t o r * * .

N a f a l t a d e consonância c o m o r e a l c e n t r a d a n a l o u c u r a d o \, n o s e u b o v a r i s m o , L i m a B a r r e t o a c i o n a a tensão f u n ­

d a m e n t a l e x i s t e n t e e n t r e o mostrar e o significar, e n t r e a r e p r e s c n -í/tação d c u m m u n d o e a significação d e l e , d e s e n v o l v i d a n a c i r -Icularidadc d o s a t o s da s três p a r t e s d o r o m a n c e . C a d a u m a d e l a s ' c o m p o r t a e l e m e n t o s n a r r a t i v o s s e m e l h a n t e s e d i f e r e n t e s q u e r e a s ­

s e g u r a m a divergência f u n d a m e n t a l e n t r e d u a s visões d a r e a l i d a d e : d c u m l a d o P o l i c a r p o , i d e a l i s t a , ingénuo, d o m i n a d o p e l a idéia f i x a d o p a t r i o t i s m o , s o r v i d o e m v e l h o s l i v r o s d e história d a s n -

I q u e z a s e opulências d o B r a s i l ( c o m o Q u i x o t e c o m seus l i v r o s d e I c a v a l a r i a ) ; d e o u t r o l a d o , a c h a - s e o c o t i d i a n o o p o s t o a q u a l q u e r i ilusão, m a r c a d o p e l a m e d i o c r i d a d e , u m r e t r a t o a c e r b o d o B r a s i l VdQ: . f i n a l d o século.

A desilusão d e P o l i c a r p o a o t e n t a r i n u t i l m e n t e u m a ação s e m p r e i m p e d i d a , r e c l u s a c r i d i c u l a r i z a d a , a s s u m e a t o n a l i d a d e d a i r o n i a trágica, n a t o m a d a d e consciência inútil a g o r a d i a n t e d a m o r t e : " A Pátria q u e q u i s e r a t e r e r a u m m i t o ; e r a u m f a n t a s m a c r i a d o , p o r e l e n o silêncio d o s e u g a b i n e t e . "

168

O b o v a r i s m o d o s três anti-heróis b a r r e t i a n o s — Isaías, P o ­l i c a r p o e G o n z a g a d e Sá — t r a d u z a visão irónica g e r a l d e s e u a u t o r , n a q u a l o intercâmbio s o c i a l é e n v o l v i d o p o r contradições p r o f u n d a s , e m q u e a razão e o i n s t i n t o , a l i b e r d a d e e o d e t e r m i ­n i s m o , a s o c i e d a d e c o indivíduo, a a r t e e a v i d a estão e n \­f r o n t o e t e r n o e g e r a m o a b s u r d o das situações. E s t e a b s u r d o não t e m , e n t r e t a n t o , raízes e m q u a l q u e r essência apriorística c s i m nó intercâmbio e x i s t e n c i a l . A p e s a r d e s u a formação u m t a n t o de so r ­d e n a d a e eclética — m i s t u r a d e m a t e r i a l i s m o p o s i t i v i s t a , spence-r i a n i s m o l i b e r a l , a n a r q u i s m o e o u t r a s c o r r e n t e s — L i m a B a r r e t o possuía a intuição sociológica e política q u e o endereçava à d e ­núncia da s contradições f u n d a m e n t a i s d a v i d a b r a s i l e i r a e d a s o ­c i e d a d e c a p i t a l i s t a i n t e r n a c i o n a l , m a i s t a r d e a c e r b a m e n t e a n a l i s a ­da s p o r M o n t e i r o L o b a t o .

A inteligência é n o m u n d o d e L i m a B a r r e t o u m m o t i v o c o n s ­t a n t e , sinónimo q u a s e s e m p r e d e consciência crítica e e s t i g m a t i z a o indivíduo s u j e i t o a o s i s t e m a d e subserviência. N e n h u m d e l e s c a b e n o s l i m i t e s e m q u e se i n s e r e , p o i s as r e g r a s d e c o n d u t a são e s t e r e o t i p a d a s e mecânicas: a i r o n i a satírica, a paródia, são a s f o r m a s a s s u m i d a s p e l o d i s c u r s o r o m a n e s c o p r e o c u p a d o e m d e ­m o n s t r a r , a c u s a r , d e s p e r t a r . A r e t o m a d a c i r c u l a r d e s e u s i s t e m a retórico r a t i f i c a a f a l t a d e c r i a t i v i d a d e q u e vê n o c o n t e x t o s o c i a l ; p o r i s s o , v e n c e m p_s.jnÊno5 àoiââ&X.&'iSí9.M^^ o a u t o r , o s acríticos, q u e l u t a m j2P j , w m Jug.ax.de!nLtj;g,_.da.sistenus, jo^maõ^ c o m r e g r a s a s s u i n i d a s c o m o a b s o l u t a s . E m decorrência, a divisaó"ni m a r c a é"estígniã"^'è'StITitinTUó^ S e u s _ anti-heróis típicos são se res d i v i d i d o s , d u p l o s , b q v a r i s t a s . J ^ p r e -

^èrírãhrt3"t"fágícõ~9esêncontro e n t r e ò' r e a l i s m o ^ g ^ j d e a l heróico. ^ Cõmõ'3ExmãriKSymõi\^^ I n i r g u e s e s

p a r a s e r e m heróicos, d e m a s i a d o solitários e sensíveis p a r a s e r e m b u r g u e s e s " * " . A u n i d a d e d e s e n t i d o q u e o s i r m a n a não é u m a i d e n t i d a d e i n t e r n a m a s unia-S-iUiação c o m u m f r e n t e aos çontorpos «lociológiçqs contraditórios e ambivalente|s^^^ cmer^gcriçia, c o m g o ; -n e n t e s c o n s t a n t e s d a sátira b a r r e t i a n a . - Tòdõs"t'rês, e m a t i t u d e s d i -vgrsãsT^uscam a satisfação d e seus próprios i d e a i s : e x p r e s s a m d e f o r m a i n d i v i d u a l o c o n c e i t o d e a u t o n o m i a p e s s o a l , a u t o - a p e r f e i - \çoamento, e , s o b r e t u d o , s o l i d a r i e d a d e , q u e é u m c o n c e i t o - c h a v e n e s t a l i t e r a t u r a m i l i t a n t e . J l ^ t o r o s c o n c e b e u não c o m o s e g u i d o -r s s - f i b e d i e n t e s d e u m código d & - x l a s S e ^ d e j i m ^ q u i c a m e n t e £9Jistííuícrá:~; ^^^ pessoa i s - p '

^nâ..iJiISS§5 . d e y a j o r e s verdadeiramente^humanos^jTÓdóTl s T o ) sensíveis às mudanças 'h'ístórico-.sociais;~enVrétánforatravés d e t r a -jelórias f i c c i o n a i s d i v e r g e n t e s , p o r m e d o (Isaías), p e l a l o u c u r a

169

Page 14: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

( P o l i c a r p o ) , p e l a i r o n i a ( G o n z a g a d c Sá),jnçdiatizaiiL,a.,43ilH d a d e , d i e g a n d o a u n i p e s s i m i s m o f i n a j , desiludiíJôj^^jjT^^

f^SaõlndivíduosTcin' 3Stãlfúcsôciál7 p o s s u i n d o a p e n a s i n t e r n a m e n t e ^ a l i b e r d a d e a l m e j a d a ; p e l a i m p o s s i b i l i d a d e d e ação n a d a c o n s e ­g u e m , p o i s o s espaços d o s g a n h a d o r e s e x i g e m submissão, i n u m a -n i d a d c c degradação. E n t r e t a n t o , s u a humilhação e d o r são s i g -

I n o s d c acusação d i r e t a à s o c i e d a d e , u n i f i c a n d o o d i s c u r s o r o -I m a n e s c o .

E s t a d o r n a divisão s u b j e t i v a não a t i n g e b u r o c r a t a s , p o U t i c o s , l i t e r a t o s , d o n a s - d e - c a s a , p o i s não s o f r e m e l e s o s d e b a t e s i n t e r i o ­r e s f u n d a m e n t a i s d a dúvida e d a e s c o l h a . O E u acha - se d i v i d i d o p o r q u e l u t a c o m a l t e r n a t i v a s v i t a i s p a r a s e m a n t e r c o e r e n t e c o m s e u princípio d e f i d e l i d a d e a s i m e s m o .

A tendência dialógica d o s e n u n c i a d o s , e m b o r a r e d u z i d a . p e l o m o n o l o g i s m o d a sátira o h i p r e s e n t e , e s t i m u l a o c o n f r o n t o ideoló­g i c o a o f a z e r v o z e s d i v e r s a s e n t r e c r u z a r e m - s e n o t ^ x t o . embriões

- - • - ^ c o n t r a p o n t o d a própria e s t r u t u r a d o d i s c u r s o r o m a n e s c o . ""É s o b r e t u d o n o s t e x t o s m a i s panfletários q j i e a sátira d e

L i m a B a r r e t o dèmonstra-se i n s t r u m e n t a l , d i r e t a , c a r r e g a d a d e p a ­ródia e endereçada a u m só propósito: à crítica d o s vícios s o c i a i s b r a s i l e i r o s , d a s m i t o l o g i a s d o s u b d e s e n v o l v i m e n t o q u e se t o r n a m m a i s a g u d a s c c l a r a s n a referência implícita a o s padrões i d e a i s d o a u t o r . Vê-se i s t o e m Bruiundangas, Coisas do país do jambon e n a s i n t e r r o m p i d a s e f o l h e t i n e s c a s Aventuras do Dr. Bogolloff, já c i t a d a s a n t e r i o r m e n t e .

L i m a B a r r e t o c e s s e n c i a l m e n t e u m satírico n e g a t i v o : s u a f u n ­ção é d e s b a r a t a r o s hábitos, i n t i m i d a r e d e s m o r a l i z a r . A "Repú­b l i c a d o s E s t a d o s U n i d o s d a B r u z u n d a n g a " , p u b l i c a d a d e p o i s d c s u a m o r t e , m a s r e u n i d a p o r e l e e m v i d a , são n a r r a t i v a s satíricas à S w i f t , s u r g i d a s a p a r t i r d e ' j a n e i r o d e 1 9 1 7 n o semanário ABC. P a r o d i a n d o o e s t i l o d a crónica histórica m a s c o r t a n d o - o d e e x ­pressões p o p u l a r c s c a s e m e s m o c h u l a s , o a u t o r d e s c r e v e o s c o s ­t u m e s , m o r a l , política, p e r s o n a g e n s desse país imaginário q u e s e r v e d c p o n t o d e observação a o s m a l e s b r a s i l e i r o s : " A B r u z n n d a n g a , c o m o o B r a s i l , é u m país e s s e n c i a l m e n t e agrícola; e, c o m o o B r a s i l , p o d e - s c d i z e r q u e não t e m a g r i c u l t u r a " ( p . 7 4 ) .

S e u método satírico p e r m a n e c e o m e s m o d o s r o m a n c e s , a l i ­n h a n d o c m c a d a u m a da s n a r r a t i v a s situações e m série d e caráter i r r e v e r e n t e , d i r e t a m e n t e endereçada a políticos, indivíduos e m e v i ­dência, a c o n t e c i m e n t o s o u p r o b l e m a s d o País. N o t a - s e a sedução q u e d e v e m t e r e x e r c i d o s o b r e e l e a l e i t u r a d a s Viagens de Gítliver, d e S w i f t ( 1 7 2 6 ) , c o t o m parodístico c o m q u e o a u t o r jrlandês a s s u m e através d a imitação das histórias d e v i a j a n t e s , c o m u n s

170

n a época, seus t e m a s f a v o r i t o s s o b r e a corrupção d a n a t u r e z a h u m a n a , o p e c a d o o r i g i n a l e a p o s s i b i l i d a d e d a ve rdade*" . E n t r e ­t a n t o , não se e n c o n t r a m a i o r p r o f u n d i d a d e nessas n a r r a t i v a s b a r -r e t i a n a s , jg reocup .adas . a p ^ a s e m t o r n a x . ridículas e i r r a c i o n a i s . j i s . . . . instituições, a l i v i d a d e s e g.essoas.,, . s e in q u ^ e _ ^ s is^ ético c i n -

, íelectuaí d o saiirísta L i m a B a r r e t a f i q u e , _de_idiossinçra&i.a.s. p e s s o a i s c d a i . n y j p t i v a j d e s a b r i d a , o q u e ^ e s ^ ^ i l i l m . o . s . , t e x t o s . " " . - ^ ^ - _ x

O i n e s m o se p o d e d i z e r d o c o n j u n t o d e crónicas, n o m e s m o espírito satírico, r e u n i d a s s o b o título Coisas do país do jambon. A deformação g r o t e s c a é o d a d o r e f e r e n c i a l retórico q u e a b r a n g e as n a r r a t i v a s , n a s q u a i s o r e c u r s o d a paródia i n t e r t e x t u a l l e v a t a m ­bém o l e i t o r a u m a referência literária e x t e r n a n a direção d o t e x t o histórico, p o l e m i z a d o n o e m p r e g o d i s s o n a n t e e contrário.

A visão interior de um narrador confessional

U m a análise d a ficção d e L i m a B a r r e t o q u e s e l i m i t a s s e a a c e n t u a r o caráter satírico d e s u a e s c r i t u r a p e c a r i a p o r u n i l a t e r a l s e l i m i t a d a . O s r e c u r s o s poéticos d e q u e lança mão se , p o r u m / l a d o , t o r n a m m a i s s a l i e n t e a f a t u r a polémica d e s u a o b r a , p o r j o u t r o l a d o contêm e l e m e n t o s d e composição r o m a n e s c a i n u s i t a d o s , até s e u a p a r e c i m e n t o n o p a n o r a m a d a ficção b r a s i l e i r a . A p e r c e p ^ ção desses e l e m e n t o s i n o v a d o r e s n a criação já f o r a , n a época, a d v e r t i d a p o r José Veríssimo, crítico d o Jornal do Comércio, a o r e f e r i r - s e à r e v i s t a Floreai, d i r i g i d a p o r L i m a B a r r e t o e, m a i s e s p e ­c i f i c a m e n t e , a o s capítulos n e l a i n s e r i d o s d e Recordações do escri­vão Isaías Caminha*^. N a multidão d e publicações meteóricas d o começo d o século, n a s a f r a d e r o m a n c e s n a c i o n a i s e e s t r a n g e i r o s n e m s e m p r e d e m e r e c i m e n t o r e a l , s o u b e o crítico o b s e r v a r n a q u e l e s inícios " u m a s i m p l i c i d a d e e s o b r i e d a d e e já t a l q u a l s e n t i m e n t o d e e s t i l o q u e c o r r o b o r a m essa impressão". E m b o r a não f o s s e s o b r e i a o b r a c o m p l e t a e s i m s o b r e a l g u n s capítulos a p e n a s , i m p r e s s i o -n o u - o o d e s p o j a m e n t o e fluência d a q u e l e e s t i l o s i m p l e s e p o u c o f o r m a l a o i n t r o d u z i r o n a r r a d o r Isaías, c o n f e s s i o n a l e autobiográfico. A posição d e s t e p s e u d o - a u t o r d i a n t e d a l i t e r a t u r a — não é u m e s c r i t o r p r o f i s s i o n a l m a s se s e r v e d e s t e veículo d e expressão p a r a c o m u n i c a r a u m f u t u r o l e i t o r s u a s experiências c o m o m u n d o — t e m u m a consequência m a r c a n t e r e l a c i o n a d a c o m a técnica n a r ­r a t i v a n a q u e l e começo d e século X X : _ ^ ^ j m j g l i c i d a d e d o e s t i l o é ; d i t a d a p o r u m a e s p e c i a l visão artística e m que^predòmiia ajreíã-^ t i v i d a d e s o b r e a onisciêncía. '~ '

171

Page 15: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

As técnicas c modalidades do foco narrativo desde Machado de Asbis, cm 1 8 8 0 , testcmuiilvãm cm certos autores nem sempre ' cm evidencia uma modificação que fcimentava nas concepções tradicionais do romance cm curso. Aceutua-se, sobretudo na nat-raíiva simbolista e impressionista do final do século, a tendcnciu a não SC contentarem com uma cronologia rigorosamente causai, preferem conferir a alguns inonienlos uma especial opacidade dc significação. Já cm O ateneu ( 1 8 8 8 ) , observamos Raul Pompeia escolher as memórias da adolescência para pintar o mundo atra­vés das reflexões e emoções dc uma criança: os efeitos irónicos, de impregsiauUnioYitarista, brotam dessa visão subjetiva do real.

ÍO narrador j começa a surgir no romance não mais estático, diante"^ papel, para contar/escrever linearmente sua trajctória vital: 3lguns_escritores cologam-nqa_reviver.,a^pg^^ com in- tensid,ade desusada ein'dcteriminada sity,a£ão épica e^a,pj£ti£3ir so instala dènfró^déíse ^^ base para _a.££OS£ec^ ção viTàí, ajternãndb opreselnte d^ dás experiências. ' -'~ 'EstãT'nOTâ's t de utilização dos recursos da presença

dc um narrador acclcram-se com as discussões teóricas do final do século XIX: a^ópíiça romanesca vai sendo ijivadida| pela im-

^rê§,s.ão. .p,eis;eptiy^.dÊ,.apen visual eni^substUuijãa^à transcrição da realidade conuj "a ser des-

'_cntq/_A_ dçsc2içIÓ~cóma forma de apreselTtasão^^^an3^E2.£Ue reinava em nome do reaUsinõ^, Y ^ debate al'Ci(o sobretudo entre os escritores franceses, pelas críti­cas de Bourget em 1 8 8 3 e 8 5 nos seus Essais de psychologie con-teniporaiiic*'^. As revistas simbolistas não poupam .âjdescrição £00rdenada dos realistas, most?ahdõ'^'£Õssi^ com • a niaior^rfíçÍp'asão.^ eh. Jͧâ9. J.^2íior Cj^ _c_oji^5SS!3lSJ^5^*3SÍ, técnicas^ d£ agiescntação do foco narrativo. Posteriormente, no inicio'dõ"TéFuTõ"XX,Ó'mâ^^ dos autores anglo-.saxônicos Meredith, Stevenson, Robcrt Browning, Galsworthy, so­bretudo, será um passo decisivo para as transformações técnicas propostas pelo ato de narrar.^efine-sc q endereçamento j)ara^ a^ Ó2tjça,.iia..r4§,tivjda^^ q sácufe X Y J l t g.anlíkj9J3:m(>' e profundidade n a fícção^ . í íá uma progressiva desconfiança de qualquer absoíutó, cujas reminiscências filosóficas indicam uma estrada que passa pelo esse est percipi de Berkeley, pela crítica kantiana, pela dor e vontade de Schopenhauer, indo culminar, cm j)leno século X X , na teoria da relatividade dé Einstein, no frcu-dismo, no bergsonismo, na obra dc Proust. Não se pode deixar de mencionar neste mesmo século, sobretudo a partir de 1 9 2 0 , a

172

progressiva e definitiva influência do^cinçma com suasjégnigâS e-ÍQCG .montagem^ representação espácíõ^temgoralTque não cria

"unoanova visao do real mas "ã~yul^iza e ratifica. " Õs persolíãgêns^TêsTêiíuính^^ oíí simples nar­

radores, começam a ganhar importância na avaliação do signifi­cado do próprio ser, promovendo essa perquirição dolorosa e so­litária dc suas almas a uma metafísicacia_soMáo> que dominará / mais e mais o romance, sobretudo a partir da década de quarenta. / A posição do personagem romanesco se modifica nas exigências" novas da consciência do mundo, num processo de interiorização irreprimível.

O brasileiro Luna Barreto, nestas duas primeiras décadas de-, finidoras do século X X , ainda se encontrava dominado pelos pro-ceitos sócio-psicológicos tainianos e ^permanecerá jiunia_ posição iat^gadiária. Entretanto, o ambiente não é mais apresetitadõpeTã mediação de um persõJõã^garotr-várfOsT^ue mostram a realidade. c õ ^ I ^ f a z í a m os, autores na^aíisífás, "osrquais numa constante antecipação analítica '^Uiniinã^n^'' as sombras âõ"TêitÓr7

AtrãvSs da consciência de um'"seFTicaonSnnmã''Barreto tenta jdgSSõbfir^ aprêêiigèr úmã~ròairdâ"de que ira^^ociona^To^ e a^e^B7~Nor três principais rõiMnçxí~'^^~Rêcõ7ããç(^^ do

•''escrivão Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo Quaresma, Vida e morte de Gongaza de Sá — se podem analisar essas diferencia- çães-pxsgrwsivas, no ac.çsso narrati ^ jjp. ..rçal tanto o leitorjq[uan- tq^S-jíSismagens 'Srã ^ seu campo visuaÇ nâ"perspéctiva cntrepercebida das cjo^nsçiêgç]as dos nárraffofés. AFlnígão^jeatFê-..

^personagem e ambiente estão agora"suSjefívaiTTenfr^ . pelõ^^õwgomstã^^

".as expMètíy?i t^fiam ^^9. vivÍd¥s7'ngojesl'aq .assumidas_como„ curya completa mas cómo~pés"quisa temporal, de notação^ ansi,aS-ai. ç £erfi[, às vezes, incerto e inacabado. O romance bárrêtiancC ainda que sofrena'ol) desgaste intefno'3Futrrdiscurso saturadamente irre­verente, perde o caráter de intriga que se desenvolve,^surgÍndo os_ acontecimentos mais pela impressão que despertam no espirito^ d e seus "protagonistas dó que' pòTTua"'pó"ssíver crise "mFcíímãx láglco^arráíTvõ. " " —^

Entre o"confessional e a autobiografia, entre a impressão e o fato, entre a emoção e a lógica alterna a narração de Isaías Caniinha, intérprete enraivecido, na exposição consciente do cerco existencial que sofreu e dos bloqueios definitivos da atualidade. A liberação do .sentimento que revive e as percepções atuais re­sultantes, íiltcram as formas de expressão romanesca, então menos •contidas diante da emoção e auto-reflexão, A confissão marca

173

Page 16: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

e s t a n a r r a t i v a e m p r i m e i r a p e s s o a e c o m e l a as f o n t e s m a i s r e - " c o n d i t a s c e m o c i o n a l i z a d a s d a v i d a i n t e r i o r . j 2 r e t o m a d a u^^^ n b a g e m literária a g o r a c a d a v e z i n a i s a t u a n t e n a ficção — a d a s Confissões p e s s o a i s àniâneirá d e R o u s s e a u , c u j o ofijêtívõ" êra^lT

. d e s v e r a m e n t o " d a v e r d a d e atrayçs d o autoconhccimèritõ. CCTfíT o i i h r r a d o r Isaías C a m i n b a a b i o g r a f i a coníblna-secom a áV^ d o s fenómenos s o c i a i s , e l o indissolúvel p a r a seus critérios d e j u l ­g a m e n t o .

A compreensão d a n a t u r e z a d a n a r r a t i v a c o m o configuração c o n s c i e n t e e artística já p r i m o r d i a l n a revolução m a c l t a d i a u a m a n -

/ iém-sc n a ficção d e L i m a B a r r e t o . E n t r e t a n t o , será a c r e s c i d a d a I percepção a g u d a d e q u e o s p r o c e s s o s s o c i a i s e i n t e l e c t u a i s i n t e r -I f e r e m f o t l c m e n t e n o s c o m p o r t a m e n t o s d o E u psíquico. A s r e l a -^ • Õ C H h u m a n a s e n t r e c h o c a m - s e d u b i a m e n t e e a captação d e s t a c o t n -

p l e : . i d a d e t o r n a - s e u m f a t o c o n c e r n e n t e à transformação artística d o m a t e r i a l .

A s s i m , u m m o v i m e n t o contínuo e n t r e a a t i t u d e c o n f e s s i o n a l — o d e b a t e c o n s i g o m e s m o — e o endereçamento e x t e r i o r a i n v e c t i v a a o s " d e f o r a " , l e i t o r e p a r t i c i p a n t e s — i n s t a u r a u m a c i r c u l a r i d a d e , a r t i c u l a d a i n t e n c i o n a l m e n t e a p a r t i r d e s u a s i m -

^jpressões. S e r v i n d o - s e n o prólogo d o r e c u r s o f i c c i o n a l d e v e r o s s i -milhança d c e d i t o r d c u m m a n u s c r i t o , L i m a B a r r e t o t r a n s c r e v e o prefácio d o n a r r a d o r Isaías C a m i n h a , escrivão anónimo d e c o l e -t o r i a , n o q u a l se m a n i f e s t a d e s d e o início u m d i s c u r s o polémico, i n t e ­r i o r , d e s t i n a d o a r e b a t e r p o r antecipação q u a l q u e r r e s p o s t a . A a t i t u ­d e c r i s p a d a d e s e n v o l v e u m t o m n e g a t i v o , p e s s i m i s t a , s e m p r e à e s ­p r e i t a , n o i n t e r i o r d c s e u d i s c u r s o , d e u m a saída q u a l q u e r p a r a e s t a última significação d e s i m e s m o , t r a d u z i d a e m t e r m o s literários. E a d v e r t e n o prefácio a intenção p o l e m i c a :

E foram tantos os casos dos quais es.sa minha conclusão ressal­tava, que resolvi narrar trechos de minha vida, sem reservas nem perifrases, para dc algum modo mostrar ao tal autor do artigo que, sendo verdadeiras as suas observações, a sentença geral que tirava não estava em nós, na nossa carne c nosso sangue, mas fora de nós, na sociedade que nos cercava, as causas de tâo feios fins de tão belos começos (R.E.Í C, p. 42, grifamos).

A . c o n t i n u i d a d e desse t o m a g r e s s i v o mantém-se p o r t o d a a a t i t u d e c o n f e s s i o n a l , s o b r e t u d o q u a n d o , e m e r g i n d o n a enunciação, i n v e c t i v a c o n t r a a o r d e m d a s o c i e d a d e o u se e m o c i o n a c o m a

, -própria avaliação n o a t o d e e s c r e v e r . A presença d e u m possível i n t e r l o c u t o r q u e a r g u m e n t a s s e c se c o n t r a p u s e s s e às conclusões é i m p l i c i t a m e n t e s u p o s t a , d e t e r m i n a n d o d o i n t e r i o r d o d i s c u r s o , s e u e s t i l o , t o n a l i d a d e c retórica.

J 7 4

A p r o c u r a d e u m a autodefinição e q u i p a r a - s e a o d e s e j o d c e x c i t a r a t o m a d a d e posição d o l e i t o r , f a z e n d o o n a r r a d o r , inúme­r a s v e z e s , u l t r a p a s s a r o s l i m i t e s d e u m a l u c i d e z r e q u e r i d a , p a r a d e c a i r n a i n v e c t i v a f e r o z , irónica e t e n s a :

Patife! Patife! A minha indignação veio encontrar os palestra-dorcs no máximo de entusiasmo / . . . / Num relâmpago passarairi-me pelos olhos todas as misérias que me esperavam, a minha irreme­diável derrota, a minha queda aos poucos — até onde*.' até onde? E ficava assombrado que aquela gente não notasse o meu desespero, não sentisse a minha angústia.. . Imbecis! pensei eu (p. 102).

A confissão d o n a r r a d o r d e s p e p r o p o s i t a d a m e n t e o p r o t a g o ­n i s t a d e q u a l q u e r d e s e j o d e p a r e c e r heróico d i a n t e d o s o u t r o s e m e s m o n o s e u próprio c o n c e i t o : u m a i m a g e m a v i l t a d a d e m o n s t r a a t e n t a t i v a a g r e s s i v a e m i l u m i n a r o c a m i n h o t o r t u o s o p a r a a c o n s ­ciência. S u a p e r s p e c t i v a d o m u n d o c o n c r e t i z a - s e n a l u t a s u r d a c o n t r a a i d e o l o g i a ( r a c i a l ) d o m i n a n t e , c o n t r a o s próprios o b j e t o s d e s u a reflexão. E , s o b r e t u d o , r e s sen t e - s e d a pressão d a v o n t a d e d o m u n d o s o b r e s e u íntimo t o r t u r a d o : é a p a r t i r d e s t a impressão r e f l e x a q u e constrói o s p a s s o s d e s u a humilhação.

C o m o o s p r o t a g o n i s t a s "subterrâneos" d e D o s t o i e v s k i , q u e t a n t o a p r e c i a v a , a confissão autobiográfica d e Isaías C a m i n h a e l a b o r a e d e s e n v o l v e u m n o v o t i p o d e p e r s o n a g e m n a ficção b r a ­s i l e i r a . F r a c a s s a d o s e o f e n d i d o s p o r s u a s n e c e s s i d a d e s , m a r g i n a i s ' d e a l g u m m o d o , entrelaçam o d i s c u r s o s o b r e s i m e s m o s c o m q

. d i s c u r s o s o b r e o m u n d o , tão e s t r e i t a m e n t e , q u e a s o c i e d a d e só aparecerá n a b u s c a d o se r i n d i v i d u a l .

A i n d a q u e não r e n u n c i e a o íipo, d e c o n t o r n o s e v i d e n t e s e reconhecíveis, L i m a B a r r e t o já d e s e n v o l v e u m n o v o m o d o d c identificação d o p e r s o n a g e m q u e r e p o u s a n a compreensão d o h o ­m e m c o m o u m s e r q u e se b u s c a , e c u j a consciência é s e m p r e r e l a ­t i v a a o o l h a r a l h e i o . O s m o v i m e n t o s d o espírito, o s a spec to s d o s e r h u m a n o , imperceptíveis e d o l o r o s o s n a v i d a r e a l , p a s s a m a t e r c e r t a p r i m a z i a q u e só se irá a c e n t u a n d o n a estética f i c c i o n a l b r a ­s i l e i r a d o século X X .

E n c o n t r a m - s e e m s u a o b r a e l e m e n t o s i m p o r t a n t e s d a discussão d o p r o b l e m a d a s relações e n t r e a r t e e s o c i e d a d e , a t i v a d o s n o c a m ­p o d a ficção n a c i o n a l s o b r e t u d o n a década d e 1 9 3 0 . O e s c r i t o r b r a s i l e i r o c a d a v e z m a i s recusará u m a adequação d o r o m a n c e a m o d e l o s sócio-afetivos. P r o c u r a - s e d o l e i t o r u m a participação~nal o b r a q u e 6 u m a t o d e s o l i d a r i e d a d e c o m a situação sócio-histórica /

1 7 5

Page 17: Lima Barreto - Mostrar Ou Significar

d o r o m a n c i s t a . A repercussão d o r e a l e x t e r i o r se fará m a i s e m a i s " d e n t r o d a consciência c a. iubicijxidadç sftuLiV^|Hiça^

qual_a_viida_,sjçicia[^^^ p o d e r d c concretização e c o n h -^píFáçãõ~da i m a g e m proporcionará a o s p r o t a g o n i s t a s r o m a n e s c o s

d e s c o b e r t a s psicológicas, s o c i a i s e estéticas: o v a l o r e x i s t e n c i a l se ' desvendará a o l a d o d a p r e c a r i e d a d e e f r a g i l i d a d e d o E u . G o n z a g a d c Sá, P o l i c a r p o Q u a r e s m a , Isaías C a m i n h a , se res e m q u e s t i o n a ­m e n t o t r a z i d o s a o r o m a n c e através d e r e c u r s o s d e f o c o n a r r a t i v o d i f e r e n t e s , ^sít»--aui,êntico5 i : ep rcseu ta iv te s_dessa . , h u m a n i d a d e p a s s i -vOzíSceptij^a,, aJgQtQS a o s r e f l e x o s d a s a ^ e s , a s u a s ressonâncias iuternas;-n,a,dêsagreg d c yatgrc£'vcfâ m . o b i l i d a d e i n t e r i o r q u e Òs r e p r e s e n t a è o p o n t o dc^nveFgência d a s diferenças i n d i v i d u a i s : s u a não-finitudc é o e i x o d a s o l i d a ­r i e d a d e d o l e i t o r .

Á Consciência A g r e s s i v a d e A d e l i n o Magalhães

A o b r a d e A d e l i n o Magalhães é a presença m a i s i m p r e v i s t a d a l i t e r a t u r a b r a s i l e i r a n o p r i m e i r o q u a r t e l d o século e r e p r e s e n t a t i v a d o s p r o j e t o s estéticos e m e r g e n t e s d a ficção. S u a s n a r r a t i v a s sincré-t i c a s , d o t a d a s d e a l t a d o s e d e o r i g i n a l i d a d e , t r a z e m , p o r u m a c o n ­taminação c u l t u r a l c o m o q u e d e m a i s a u d a c i o s o o m o m e n t o l i ­terário i n t e r n a c i o n a l p r o d u z i a , a transcrição d o espaço recôndito d a s u b j e t i v i d a d e .

C o m o a p o n t o u a n t e r i o r m e n t e Eugênio G o m e s " , e s t a c o n t e m ­p o r a n e i d a d e c o m as tendências estéticas e u r o p e i a s c o n f i g u r a d a s e m a l g u m a s das m a i s i m p o r t a n t e s o b r a s p u b l i c a d a s e n t r e 1 9 1 3 e 1 9 2 2 d e v e - s e a p e n a s à s u a intuição c r i a d o r a e não a u m i m p u l s o i m i t a ­t i v o . D e M a r e e i P r o u s t a J a m e s J o y c e , es tes a n o s f o r a m p r o m i s ­s o r e s n a afirmação d e u m a l i t e r a t u r a e m q u e a n o v a i m a g e m d o h o m e m , a n g u s t i a d o , multifário, i n c o n s c i e n t e , e m e r g e através d e u m a l i n g u a g e m s e m p r e s o l i c i t a d a a t r a n s m i t i r a p a s s a g e m d a e x ­t e r i o r i d a d e d o s o b j e t o s d o m u n d o à interiorização d o p s i q u i s m o .

D e s d e M a c h a d o d e A s s i s o c o n t o literário começa a g a n h a r importância n o s domínios d a ficção: produção c o n s t a n t e n o s j o r ­n a i s e r e v i s t a s , g e r a l m e n t e p a s s a v a m a f o r m a r v o l u m e s d e p o i s d a scleção d o s a u t o r e s . E s t a m a t u r i d a d e d o c o n t o v a i - s e d e s c n v o l -

176

v e n d o , s o b r e t u d o , n o f i n a l d o s c c u l o , q u e c s u a i d a d e d c o u r o , c o m o s e s c r i t o r e s r e g i o n a l i s t a s : o s c o n t o r n o s d e a m b i e n t e s e c a ­racterísticas psicológicos d e t i p o s c o n f i g u r a m - l h e o p e r f i l . A o s p o u ­cos c o n t a m i n a d o s p e l a p l a s t i c i d a d e d o I m p r e s s i o n i s m o , a l g u n s d e seus a u t o r e s e n v o l v e m essas a t m o s f e r a s e m n u a n c e s s e n s o r i a i s q u e l h e s i m p r i m e o d e t a l h e t e m p o r a l i z a d o .

E s s e g o s t o p e l o c o n t o d e v e - s e , n a l i t e r a t u r a o c i d e n t a l , à g r a n ­d e divulgação a p a r t i r d e 1 8 5 0 f e i t a p o r B a u d e l a i r e d o n o r t e - a m e -r i c a n o E d g a r A l l a n P o e : a m b o s e x a l t a v a m as v a n t a g e n s d o c o n t o s o b r e o r o m a n c e . A u n i d a d e d e e f e i t o o u d e imprcs-são, a b r e v i ­d a d e , a m e s t r i a a r t e s a n a l d a composição e s t i m u l a v a m também a i r o n i a , o humour e a v e r v e d o c r i a d o r .

N o B r a s i l , o c o n t o s i m b o l i s t a não f o i m u i t o f e c u n d o , n e m m u i t o p r o m o v i d o f r e n t e às contribuições d o género q u e d o m i n a v a a França ( n o s s a h a b i t u a l f o r n e c e d o r a d e n o v i d a d e s ) e m q u e s e d e s t a c a v a m V i l l i e r s d e T I s l e - A d a m , H e n r i d e R e g n i e r , R o d e n b a c h , B e a u b o u r g e M a r e e i S c h w o b , e s t e último c o n s i d e r a d o p o r m u i t o s críticos c o m o s e u r e p r e s e n t a n t e m a i s s i g n i f i c a t i v o .

O S i m b o l i s m o a c r e s c e n t a a o género o d o m d e e v o c a r r e a l i ­d a d e s e v a n e s c e n t e s , até m e s m o fantásticas, p r e o c u p a d a s m a i s c o m sugestão e aparências, É u m a ressurreição d o i d e a l i s m o h e g e l i a n o q u e v e m t e s t a r as " v e r d a d e s " d e m o n s t r a t i v a s e o m a t e r i a l i s m o d a observação. A g r a n d e contaminação f i c c i o n a l q u e l i b e r o u o c o n t o b r a s i l e i r o d e s u a a r m a d u r a genérica r e a l i s t a - n a t u r a l i s t a , f a z e n d o - o c a m i n h a r a o e n c o n t r o d a p o e s i a , d e v e - s e a o p o e m a e m p r o s a e à f l u i d e z d e s e u r i t m o e génese imagística.

A s n a r r a t i v a s d e A d e l i n o Magalhães'^ t r a z e m à b a i l a n o s i n ­c r e t i s m o i n i c i a l d o século X X u m n o v o h o r i z o n t e literário e a n t r o ­pológico característico d a c r i s e d a civilização. í u m h o m e m d i v e r ­s o , c o m n e c e s s i d a d e s p r e m e n t e s d i a n t e d o m u n d o , q u e p e d e l u g a r p a r a se m o v i m e n t a r c o m o a u t o r , n a r r a d o r o u p e r s o n a g e m .

A d e l i n o Magalhães lança s e u p r i m e i r o v o l u m e , Casos e im­pressões, e m 1 9 l 6 e. a s e g u i r , Visões, cenas e perfis ( 1 9 1 8 ) , Tu­multo da vida ( 1 9 2 0 ) e, e m 1 9 2 2 , Inquietude. Até a década d e q u a r e n t a c o n t i n u a p u b l i c a n d o c o m m e n o s i n t e n s i d a d e , t e n d o s u ­p e r v i s i o n a d o as edições d e s u a s Obras completas ( 1 9 4 6 ) p a r a a E d i t o r a Zélio V a l v e r d e e , e m 1 9 6 3 , p a r a a E d i t o r a A g u i l a r . P e r ­t e n c e a o período até 1 9 2 2 a p a r t e m a i s revolucionária e f e c u n d a d e s u a o b r a , c o m o m u i t o b e m o b s e r v o u W i l s o n M a r t i n s , m o t i v o p e l o q u a l aí s i t u a m o s n o s s a análise**.

Q u a n d o e m 1 9 1 6 v e m à l u z o v o l u m e Casos e impressões c o n s t a t a - s e , a o f i n a l , d e p o i s d e u m d e s f i l a r d e " c a s o s " , u m a n a r ­r a t i v a i n t i t u l a d a " S o n h o a c o r d a d o d c u m a n o i t e d c e s t i o " q u e

177