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LIMITES E POSSIBILIDADES DA APRENDIZAGEM CONCEITUAL, DA

IMAGINAÇÃO E DA CRIAÇÃO NA “CELA DE AULA”

Autor: Emerson Lemke Queluz1

Orientadora: Soraya Sugayama2

RESUMO

Ao longo de quatro meses experimentamos, com trabalhadoras e trabalhadores da

educação, professoras (res), numa proposta de formação continuada, a

aproximação com a teoria pedagógica Histórico-Cultural da “Escola de Vygotski”.

Focamos, em especial, na aprendizagem conceitual, na imaginação e na criação.

Constituímos um grupo multidisciplinar, com três professoras e um professor da

Fase I da Educação de Jovens e Adultos - EJA, este último, elaborador do projeto e

autor do presente artigo; também, uma professora de Arte, uma professora de

História, um professor de Inglês, estas últimas e este último, da Fase II e/ou Ensino

Médio da EJA, e uma Pedagoga. Todas (os) atuantes na Educação de Jovens e

Adultos prisional, que puderam contar com a participação eventual, em três dos oito

encontros de estudo realizados, da orientadora e professora da instituição de ensino

superior, parceira do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), que é

professora na graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Aconteceu

também, em um dos encontros, a cooperação indireta de um professor de Filosofia,

e em outro, a cooperação direta de uma professora de Fase I da EJA, com formação

em Pedagogia e Psicologia, atuantes na EJA prisional. Tendo claro que tal

experimentação constituía uma atividade de intervenção pedagógica do PDE,

buscamos dimensionar os limites e possibilidades, que tal aproximação traria, na

organização e na concretização da ação educativa a ser realizada na “cela de aula”.

1 Professor da Rede Pública Estadual do Paraná, Mestre em Educação pela Universidade Federal do

Paraná (UFPR), participante do PDE 2010. 2 Professora da UFPR, Mestranda em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica

Federal do Paraná (UTFPR).

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PALAVRAS-CHAVE: Escola de Vygotski; Imaginação; Criação; Aprendizagem

Conceitual; Educação nas Prisões.

Introdução

Projeto de Intervenção Pedagógica: relato do trabalho realizado no Programa

de Desenvolvimento Educacional (PDE)

Este artigo constitui um relato do trabalho realizado no Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), e nele se procura descrever a prática de

implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica, para a qual se elaborou um

material didático para ser experimentado com trabalhadores (as) da educação da

EJA nas Prisões ao longo de oito encontros.

O objetivo desta experimentação era o de propiciar a estes (as)

trabalhadores (as) a qualificação de suas práticas pedagógicas pela aproximação

com a teoria pedagógica Histórico-Cultural da “Escola de Vygotski”.

Alguns conceitos com os quais trabalhamos ao longo da implementação

deste projeto de intervenção constituíram-se em fundamentos para a objetivação da

aproximação com a teoria Histórico-Cultural em estudo. A plasticidade cerebral, um

deles, característica do cérebro humano que possibilita aprender durante toda a

existência. O “bom ensino” definido como aquele que se antecipa ao

desenvolvimento e que, portanto, o produz quando existe aprendizagem e a ZDP-

Zona de Desenvolvimento Próximo compreendida como a distância entre o que se

conhece a ponto de ser realizado autonomamente e o que é realizado com a ajuda

de outra pessoa, que já domine o conhecimento.

Os primeiros desafios para a implementação do Projeto de Intervenção

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Ao ser apresentado o Projeto de Intervenção Pedagógica, durante a Semana

Pedagógica, na Escola onde se daria a sua implementação, a professora pedagoga,

coordenadora do grupo de pedagogas da Escola, levantou como um dos desafios a

serem enfrentados para a concretização do projeto, a grande oferta de

possibilidades de formação existente naquele momento. Esta, decorrente da

parceria da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED-PR e da

Secretaria de Estado da Justiça do Paraná – SEJU-PR. Tal situação parece ser

resultado do grande investimento do Departamento Penitenciário Nacional, no

Sistema Prisional do Estado do Paraná. Em consequência disto, e de outros fatores

como motivação, opções pessoais, condições objetivas de trabalho e de vida,

inicialmente não existia a disponibilidade para a participação.

Houve, portanto, a necessidade de revisão e reorganização das datas e

horários do projeto para que os primeiros profissionais se dispusessem a participar.

Praticamente o tempo de um mês foi investido neste redimensionamento.

No primeiro encontro buscava-se dar a conhecer a proposta de trabalho do

projeto e possibilitar a quem se dispôs a participar a manifestação do seu nível de

conhecimento em relação ao estudo a ser realizado. Para o segundo encontro o

grupo já havia dobrado de tamanho. As novas participantes retomaram o primeiro

encontro em caráter de recuperação. A possibilidade de certificação surgida no

decorrer da implementação provavelmente também tenha contribuído para o

comprometimento efetivo dos (as) professores (as).

O material didático produzido durante a etapa de afastamento para a

formação do PDE, pensado como recurso principal norteador da experimentação em

curso, foi sendo disponibilizado aos (às) participantes na forma de fascículos. Para

enriquecer a experiência destes (as) alguns recursos foram buscados e utilizados

nos encontros: apresentações de slides, vídeos, músicas, livros de literatura mais

lúdica, também chamada de infantil, violão, notebook, Datashow, procurando trazer

a perspectiva vygotskiana de que

...a atividade criadora da imaginação depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da pessoa, porque essa constitui o material com que se criam as construções da fantasia. Quanto mais rica a

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experiência da pessoa, mais material está disponível para a imaginação dela. (VYGOTKI, 2009, p. 22).

Vivenciamos algumas situações que envolviam diretamente a imaginação e

a criação tanto na sua forma como no seu conteúdo.

Para Vygotski (2009, p. 25), o papel da imaginação é de muita importância

no comportamento e no desenvolvimento humano, transformando-se em meio de

ampliação da experiência individual pela assimilação, auxiliada pela imaginação, da

experiência histórica ou social de outras pessoas. Ao acessar a informação por

diferentes meios, a imaginação serve à experiência. Neste caso a experiência apoia-

se na imaginação. Para o mesmo autor, toda a produção cultural encontrada ao

redor de si pela humanidade resulta da imaginação. (VYGOTSKI, 1999, p. 04).

Na elaboração do projeto propunha-se a cooperação de outros profissionais,

mais especificamente das áreas de Filosofia, Psicologia e Sociologia. Houve a

cooperação de um com formação na área de Filosofia e de outra com formação em

Pedagogia e Psicologia.

Como se desenvolveu o projeto experimentado com trabalhadoras (es) da

educação da EJA nas prisões

As atividades do grupo de estudos iniciaram-se com uma indagação de

como cada participante concebia e aplicava (ou não) em sua prática educativa os

conceitos das “ferramentas” psicológicas e pedagógicas, a saber: a imaginação, a

criação e a aprendizagem conceitual.

A partir daí, algumas questões foram elaboradas e respondidas pelos (as)

participantes. As respostas estão abaixo, e foram utilizadas como referência para o

encaminhamento, do funcionamento sequente do grupo. Seguem as respostas

sobre criação e imaginação:

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“Na prática educativa é possível a “criação”, o tempo todo, em todas as disciplinas. Nem todo o estudante é criativo, necessitando de propostas educativas que o levem e lhe deem subsídios para criar.” “Em minha prática pedagógica o emprego da criação e da imaginação está presente em vários momentos, mas principalmente nas produções textuais, onde os alunos, tanto adultos, quanto crianças precisam buscar recursos para criação.” “A minha prática pedagógica sempre objetiva o emprego da imaginação na medida em que busca fazer com que o aluno fale bastante de suas experiências e vou fazendo questionamentos que o levem a elaborá-las e pensá-las de uma maneira diferente, outro ponto de vista. [...] A criação está sempre presente na prática pedagógica, se faz parte do aluno, do professor, sempre em uma dinâmica diária. Estamos sempre buscando e criando novas metodologias, materiais didáticos, mecanismos para a melhoria do processo ensino-aprendizagem.” “Ao colocar a tradução de uma frase como “uma casa bonita”, igual a “a beautiful house”, levar o estudante a pensar o significado de casa bonita na sua vida, imaginar como uns conseguem e outros não.”

As respostas revelam um nível de elaboração discursiva que possibilita

relacioná-las ao que Vygotski (2009) sustenta: a atividade criadora do ser humano,

fundamentada na capacidade de combinar do cérebro, é chamada pela psicologia

de imaginação ou fantasia (VYGOTSKI, 2009, p. 14).

Quanto à aprendizagem conceitual as respostas trazidas foram:

“Nunca coloco conceito de algo para o aluno, antes de levá-lo a compreensão do conteúdo que quero que ele aprenda. Exemplo: Pronomes, para que dar o conceito de pronome? É importante o aluno saber usá-los nas suas produções e entendê-los nas produções alheias”. “Para a aprendizagem dos conceitos percebo que necessito saber qual é o conhecimento prévio do aluno a respeito do que será trabalhado. Para isso o professor deve fazer uma investigação e após esta observação, planeja-se as práticas e os instrumentos a serem utilizados. Quando o aluno se vê questionado sobre algo novo, percebe a necessidade de aprofundar seu conhecimento.” “O conceito dos estudos a serem estudados não é necessariamente aplicado. O objetivo é demonstrar na prática como esses conceitos funcionam.” “À medida que vou interferindo entro em conceitos científicos, fala e escrita mais elaborada para que o aluno, assim, também vá incorporando estes conceitos e vá reelaborando suas ideias. É através da observação de sua mudança de comportamento, maneira de falar, escrever e explicar suas experiências é que consigo perceber se ele assimila ou não os conhecimentos que eu quis que ele aprendesse.”

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Tendo estas respostas dadas pelas (os) participantes, como ponto de partida

do processo de investigação no grupo, algumas considerações são possíveis. A

primeira delas é que, em apenas uma das respostas, a experiência dos (as)

estudantes, é apontada como algo a ser observado no trabalho com a imaginação e

a criação. Quanto à aprendizagem de conceitos é apontada, também em apenas

uma das falas, a necessidade de levantamento da condição real de aprendizagem

do (a) estudante para o planejamento da ação pedagógica. Foi a única vez, portanto,

que alguma aproximação foi feita em relação ao conceito zona de desenvolvimento

próximo, conceito este bastante utilizado pela “Escola de Vygotski”. Isto

demonstrava o distanciamento inicial do grupo em relação a esta concepção

psicológica e pedagógica.

Estas considerações possibilitaram a constatação da necessidade da

aproximação com a teoria Histórico-Cultural buscada neste projeto como algo que

pode contribuir para a qualificação da ação educativa pensada e praticada por estes

(as) profissionais.

Com a perspectiva de exercitar o pensamento pedagógico destes (as)

profissionais de educação, que têm a função de educar e ou reeducar homens e

mulheres em privação de liberdade, tal empreitada se apresentou como algo

possível, necessário e interessante, quando se pensa na importância do exercício

desta função para a existência do novo homem e da nova mulher que a

ressocialização demanda.

Delineando aspectos da realidade específica “cela de aula3”

Este tópico busca direcionar o estudo a ser realizado inserindo as

especificidades Psicológicas e Pedagógicas do espaço prisional e mediar esta ação

com os pressupostos da “Escola de Vygotski”.

3 Metáfora utilizada por QUELUZ (2006), autor do presente artigo, para designar o tempo-espaço

prisional, destinado a educação de homens e mulheres, em privação de liberdade.

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Um (a) profissional de educação que tem o desafio de concretizar um

trabalho educativo escolar com homens e mulheres privados (as) de liberdade

encontra no perfil destes (as) estudantes e no tipo de instituição onde acontece o

trabalho algumas características que terão grande influência na realização da ação

educativa.

Presença da experiência escolar na vida dos (as) privados (as) de liberdade

A pequena frequência à escola fora do sistema prisional, e o afastamento da

escolarização há pelo menos dez anos, antes da prisão, apontados pelos (as)

estudantes em Queluz (2006), tendo-se em consideração a faixa etária com

predominância dos mais jovens (QUELUZ, 2006, p. 32) faz indagar como se dá o

processo de formação de conceitos neste segmento da população. Ponderando

ainda com Vygotski (2000) o fato de que

...onde o meio não cria os problemas correspondentes, não apresenta novas exigências, não motiva nem estimula com novos objetivos o desenvolvimento do intelecto, o pensamento do adolescente não desenvolve todas as potencialidades que efetivamente contém, não atinge as formas superiores ou chega a elas com um extremo atraso. (VYGOTSKI, 2000, p. 171).

Há que ser observada a defasagem cultural, educacional, fruto da situação

de exclusão concreta a que esteve e ainda está sujeito este segmento social,

observação que exigirá, sempre, dos trabalhadores da educação uma atenção

especial no rumo da superação delas, defasagem e exclusão.

Algumas características do espaço prisional e suas implicações pedagógicas

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É importante citar que em Goffman (2005, p. 17) penitenciárias vêm

apresentadas como instituições totais, organizadas “para proteger a comunidade

contra os perigos intencionais, e o bem estar das pessoas assim isoladas não

constitui problema imediato” (GOFFMAN, 2005, p. 17). Incluem-se na mesma

categoria institucional campos de prisioneiros de guerra e campos de concentração.

No mesmo autor, quando descreve estas instituições, encontramos que

Uma disposição básica da sociedade moderna é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes coparticipantes, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral. O aspecto central das instituições totais pode ser descrito com a ruptura das barreiras que comumente separam essas três esferas da vida. Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade. Em segundo lugar, cada fase da atividade diária do participante é realizada, na companhia imediata de um grupo relativamente grande de pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Em terceiro lugar, todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horário, pois uma atividade leva, em tempo pré-determinado, à seguinte e toda a sequência de atividades é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários. Finalmente, as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição (GOFFMAN, 2005, p. 17 - 18).

Cabe destacar aqui a maior necessidade de vida do homem e da mulher em

privação de liberdade como se encontra citado em Queluz (2006):

Manifestavam como expectativa de vida mais marcante a liberdade e na sequência coisas ligadas a ela: o recebimento de visitas (uma vez por semana, no dia da visita, no máximo três vezes ao mês); o trabalho nos setores (cada três dias trabalhados, portanto vinte e quatro horas reduz um dia de pena); a escola (cada doze horas de frequência à escola reduz um dia de pena, [...] ou a partir da conclusão do curso); a alimentação e a atividade física; e [...] participação em cursos profissionalizantes (QUELUZ 2006, p. 26).

Como consequência pedagógica tal situação vem mostrar que na hierarquia

de necessidades destes (as) a escola ocupa um papel secundário como já ocorreu

anteriormente quando da interrupção dos seus estudos, agora também em função

da necessidade maior que é a superação da privação de liberdade.

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Manifesta-se como um grande desafio para quem trabalha a educação na

escola prisional a busca de reorientação desta expectativa acima descrita,

descortinando, para além da função de “moeda de troca” direta pela liberdade, a

condição de desenvolvimento psicológico que o acesso ao mundo do conhecimento

pode trazer num processo de aquisição das formas de cultura historicamente

elaboradas.

Em Jeranoski (2005) encontra-se que

... os detentos, agora em liberdade, após cumprimento da pena julgada, reincidem menos em delitos se, enquanto reclusos, participaram de atividades educacionais, disponibilizadas. [...] Comparando as taxas de reincidentes entre os que se submeteram a um programa educacional e aqueles que não participaram deste programa, o resultado obtido apurou que o coeficiente de reincidência é de 42 % entre os participantes e de 58 % para os não participantes da escola. Estes dados por si só já demonstrariam a importância da escola no sistema penitenciário. Dando continuidade à pesquisa, levantou-se os dados da escolaridade dentre esses 42 % de possíveis reincidentes e obteve-se um coeficiente de apenas 2,68 % de reincidentes entre aqueles que permaneceram mais tempo no ambiente escolar e chegaram a concluir o Ensino Médio. Após entrevista com 13 dos 14 internos, concluiu-se que o índice é ainda menor, visto que os relatórios incluem dentre os 14 internos, alguns que não tinham o perfil de reincidente conforme art. 63 e 64 do Código Penal. O resultado sugere, por conseguinte, que a educação se presta à diminuição das taxas de reincidência penitenciária e à necessidade de incrementar o atendimento aos privados de liberdade que ainda não participam das atividades escolares. (JERANOSKI, 2005, p. 34).

Estas reflexões de Jeranoski (2005) cooperam, de maneira contundente,

para evidenciar a tese da “Escola de Vygotski” de que o “bom ensino” se antecipa ao

desenvolvimento humano (VYGOTSKI, 2006, p. 114) e ainda denotam com profunda

clareza a importância da oferta de educação de qualidade tanto fora como dentro do

sistema penitenciário. Constituem-se, portanto, num rico recurso de argumentação a

favor da educação tanto prisional como extra prisional.

Em meio a contradições: muitas igualdades legais e muitas desigualdades

sociais

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Considerando-se apenas o Estado do Paraná, algo em torno de 25 mil

homens e mulheres (elas, provavelmente, não chegam a cinco por cento deste total)

presos (as) e quantos (as) efetivamente podem ser atendidos (as) dentro dos

moldes do que propõe a Lei?

No caso da educação prisional há que ser considerada a situação de que, de

conformidade com a Lei de Execução Penal – LEP Nº 7210, de 11/07/84, artigos 10º

e 11º, onde se lê, respectivamente: “A assistência ao preso e ao internado é dever

do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em

sociedade” e “A assistência será: [...] IV – educacional” (BRASIL, 1984), a

ressocialização que visa à reintegração na vida em sociedade dos (as) homens e

mulheres privados (as) de liberdade tem na assistência educacional, no trabalho

educativo escolar, uma possibilidade efetiva de acontecer, embora a avaliação da

qualidade com que esta ação efetivamente contribui para a reintegração ainda

careça de um aprofundamento mais objetivo. (BRASIL, 1984)

Neste sentido, se tem aqui o reforço da necessidade de que haja um “bom

ensino” (VYGOTSKI, 2006, p. 114) que, lembrando sempre, segundo Vygotski

(2006) “é o que se adianta ao desenvolvimento.” (Ibid.).

A compreensão do conceito Zona de Desenvolvimento Próximo, entendido

como a distância entre o Desenvolvimento Real, evidenciado naquilo que a pessoa

que aprende pode realizar sozinha e o Desenvolvimento Potencial, percebido no que

realiza com a ajuda de outra pessoa que já domine o conhecimento objeto da

aprendizagem, possibilita que o ensino esteja organizado propiciando aos (às)

estudantes o desenvolvimento de funções que estão em processo de

amadurecimento. Faz-se necessário que este ensino se estruture de modo que as

funções cognitivas que se espera desenvolver sejam realizadas pelo professor e

pelos (as) estudantes, isto é, no plano inter psíquico (de interação psíquica entre

pessoas), até que gradualmente, cada indivíduo as desenvolva no plano

intrapsíquico (na estrutura psíquica da própria pessoa). (VYGOTSKI, in SFORNI,

2004, p. 41).

Outro grande desafio se constitui, portanto, na compreensão e decorrentes

dela na organização, na realização e na avaliação da prática pedagógica que

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acontece na educação da escola dos (as) privados (as) de liberdade com a

profundidade e a responsabilidade que tal prática necessita.

O autor do presente artigo, como trabalhador da educação, professor, que

vem atuando nos últimos seis anos com a educação formal de homens e mulheres

privados (as) de liberdade na fase inicial da escolarização, fase I, na qual a maior

parte dos (as) estudantes está completando seu processo de alfabetização, este

desafio vem ganhando, de dois anos para cá, a contribuição dos estudos, das

pesquisas, das descobertas da teoria Histórico-Cultural.

Segundo Sforni (2004), embora nas últimas décadas verifique-se nas

propostas de ensino a presença das teorias construtivistas e histórico-cultural,

referenciadas em PIAGET e VYGOTSKI, respectivamente, esta presença não

consegue incidir além do discurso pedagógico, o que é reconhecido pelos próprios

professores segundo esta pesquisadora. Ainda, segundo a mesma autora, difícil é o

estabelecimento de uma postura que manifeste um novo olhar sobre o ser humano

perante o desenvolvimento e a aprendizagem (SFORNI, 2004, p. 27). É mais ou

menos como diz a canção: “A lição sabemos de cor/Só nos resta aprender”. Para

esta autora as concepções de desenvolvimento presentes nos meios educacionais

“... são um emaranhado de proposições decorrentes de teorias psicológicas

construídas a partir do século XIX.” (Ibid., 27 e 28). Estas concepções movimentam-

se entre duas delas: a inatista, que coloca na deficiência do processo maturacional

do (a) estudante a razão para o não aprendizado, e a ambientalista que o põe no

ambiente social, e aqui estranhamente excluindo-se a escola como parte deste

ambiente. (Ibid., 2004, p. 27)

Como possibilidade de enfrentamento desta situação, no sentido de

superação desta bipolarização provocadora de estagnação, há um pouco mais de

dois anos, os (as) professores (as) da Rede Estadual de Educação do Paraná, na

Semana Pedagógica do início do ano letivo, foram provocados (as) pela fala da

professora Marta Sueli de Faria Sforni a repensar o trabalho educativo escolar que

tem o desafio de realizar desde o seu planejamento, sua concepção, até a sua

concretização.

O reconhecimento da profundidade desta fala, em especial, pelo conteúdo

do livro “Aprendizagem conceitual e organização do ensino: contribuições da teoria

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da atividade”, com o qual se começou a ter uma interação a partir do capítulo “Os

conceitos científicos na formação do pensamento teórico” que foi proposto como

objeto de estudo para todos (as) os (as) professores (as) da rede estadual, naquele

momento provoca a retomada de um percurso de aprendizagem no sentido do

aprender a aprender buscando-o como unidade complexa de análise (FARIÑAS,

2004, p. 14).

“O enfoque Histórico-Cultural”, segundo Fariñas (2004), “se caracteriza por

sua visão complexa, integradora e flexível do ser humano, e também por sua

penetração na explicação do desenvolvimento humano (FARIÑAS, 2004, p. 21)”.

Busca-se o enfrentamento e a superação dos obstáculos de uma eventual

situação de estudo que pode ser uma primeira aproximação com os conceitos desta

concepção pedagógica. Torna-se necessário destacar aqui tratar-se de um processo

bastante exigente inclusive quanto à revisão de toda a formação até aqui realizada e

muito provavelmente bem pouco referenciada no materialismo histórico e no

materialismo dialético enquanto instrumentos de análise e de compreensão da

realidade.

A compreensão de que a aprendizagem conceitual na abordagem Histórico-

Cultural possa cooperar para isto efetivamente direciona este estudo para o

processo de formação de conceitos.

Segundo Sforni (2004), numa pesquisa realizada por Oliveira4, em dois

grupos, o primeiro deles com estudantes adultos pouco escolarizados, com baixo

nível de instrução e o segundo com estudantes de curso superior, a intervenção

diferenciada em cada um dos grupos revelou-se mais relevante que o nível

instrucional e

os dados da pesquisa revelam que a organização conceitual não é um estado definitivo de organização do pensamento, mas um movimento constante; conceitos são reestruturados, re-significados com base nas reflexões que são promovidas em situações interpessoais (SFORNI, 2004, p. 44).

4 Marcos Barbosa de Oliveira e Marta Kohl de Oliveira, pesquisadores, organizadores da obra

Investigações cognitivas: conceitos, linguagens e cultura, de 1999, Porto Alegre: Artes Médicas Sul, na qual encontra-se o artigo Organização Conceitual e escolarização, que traz a pesquisa acima mencionada.

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Torna-se importante, desta forma, considerar que um grupo de

trabalhadores (as) da educação, professores (as), com formação mínima de

especialização em nível de pós-graduação, tenha a vivência de uma intervenção

pedagógica que lhe possibilite desenvolvimento.

Para Sforni (2004) quando Vygotski falava em cultura ele “tinha a intenção

de reforçar a tese de que as práticas culturais são constitutivas do psiquismo.”

(SFORNI, 2004, p. 48). A mesma autora destaca que “os fenômenos culturais não

podem ser considerados como produção simbólica alheia aos conflitos econômicos

e políticos presentes nas relações sociais onde adquirem significado.” (Ibid.). A

cultura de massa com a qual nos deparamos hoje produz homens e mulheres

alienados (as) e o instrumento de divulgação desta cultura, a mídia, nos seus

diferentes meios, fortalece esta forma de alienação.

Pensamos aqui com Sforni (2004) que

A cultura é, dessa forma, objeto de ensino, seu conteúdo e sua justificativa. Se os signos e instrumentos culturais são simples e imediatamente vinculados à atividade que lhes deu origem, podem ser aprendidos de forma direta, presencial, por meio da observação e do uso. Se, entretanto, a organização social é complexa, se conta com níveis de divisão de trabalho, se as relações com a natureza são indiretas, maiores são as necessidades de situações específicas de ensino e de ambientes especiais – escolas – que coloquem à disposição dos indivíduos os signos e instrumentos produzidos socialmente (SFORNI, 2004, p. 21 - 22).

Os (as) professores (as) que atuam com estudantes do sistema prisional

necessitam ter o mais claro possível a compreensão do papel que o trabalho

educativo escolar que pensam, planejam e concretizam têm de oportunizar a estes

(as) estudantes quanto ao acesso à cultura e, não raro, para parte deles (as), como

única e grande oportunidade de formação.

Tendo em vista a contribuição que a ação educativa pode trazer neste

processo de reintegração à vida em liberdade, e pensando-a na concepção

Histórico-Cultural, como um tempo e um espaço que pode viabilizar o “bom ensino”,

que produza aprendizagem e consequentemente desenvolvimento humano, será

elaborada uma síntese do estudo teórico realizado.

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Uma aproximação teórica com a “Escola de Vygotski”

Nos estudos realizados por Vygotski e pelos seus colaboradores,

procurando compreender o funcionamento do psiquismo humano, em especial no

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, buscou-se a referência maior,

deixando-se claro aqui que esta escolha se deu em função do caminho

metodológico percorrido por este grupo de pesquisadores, numa sociedade que se

propunha uma transformação revolucionária capaz de produzir um novo homem,

uma nova mulher, num outro mundo possível e que, com certeza, são perspectivas

da classe trabalhadora, maioria esmagadora que frequenta a escola pública

brasileira e que, também, constitui a população prisional.

Os estudos científicos, especialmente os antropológicos, possibilitam

constatar o percurso de desenvolvimento da humanidade ao longo de sua

existência. Produzir cultura, produzir-se nela e desenvolver-se galgando os estágios

de evolução à que chegou a espécie humana, sustentando-se nestes patamares

atingidos e aspirando a novos estágios é característica inerente aos homens e

mulheres.

Em Vygotski; Luria (1996) encontram-se três ensaios que tem por objetivo

apresentar de forma sistemática o caminho de evolução psicológica segundo a ideia

do desenvolvimento. De modo profundamente original, os autores retomam estudos

de outros pesquisadores, entre eles, Köhler, Bühler, Pavlov, Lévy-Bruhl, Thurnwald,

Blonskii, Marx, Engels, etc. que aliados aos seus e de colaboradores diretos,

possibilitaram uma elaboração teórica aqui chamada “Escola de Vygotski”.

Nestes ensaios os autores mencionam que a novidade deste trabalho é a

tentativa de descrever o vínculo que interliga as três linhas de desenvolvimento:

filogenética, histórica e ontogenética. Buscam “mostrar as regularidades e a

essência independentes e específicas de cada um dos tipos de desenvolvimento.”

(VYGOTSKI; LURIA, 1996, p. 53). Entendendo existir uma conexão entre os três

materializada na maneira dialética que um processo prepara o outro, creem “que

cada tipo superior de desenvolvimento começa no ponto em que termina o anterior

como sua continuação em nova direção”. (Ibid.).

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Fazê-lo o mais objetivamente que se conseguir, pensando num ser humano,

numa humanidade que se quer ser e num mundo que será produzido por ele (a) e

tendo a perspectiva da escolha das possibilidades, dentre tantas, que, a princípio, se

apresentam e que contribuirão para a concretização desta ação, do ato de educar

pode ser feito, como aqui se buscará pensar e viabilizar, tendo a imaginação, a

criação e a aprendizagem conceitual no desenvolvimento humano como foco.

Durante toda a implementação do trabalho realizado houve o cuidado de

procurar contextualizar o estudo encontrado em Tuleski (2008) o qual constitui uma

busca de realizar um “diálogo” entre intérpretes de Vygotski com o objetivo de

“agregar esforços na difícil tarefa de compreender a Teoria Histórico-Cultural como

uma teoria produzida em circunstâncias históricas inéditas” (TULESKI, 2008, p. 30),

podendo isto servir de alerta para os que tiveram a aproximação mediada por

versões que constituíam “resumos” e “coletâneas” orientadas por editores e

tradutores que descontextualizaram a elaboração de Vygotski, Luria, Leontiev e

colaboradores.

Em Stoltz (2010) encontramos que

As funções psicológicas superiores, que distinguem o homem de outros animais e que se desenvolvem em um processo sócio histórico são: ações conscientemente controladas; atenção voluntária; memorização ativa; pensamento abstrato; comportamento intencional. Essas funções têm uma base biológica, o cérebro, e podem ser observadas no desenvolvimento da espécie e do indivíduo. Vygotski propõe a adoção de um método genético ou evolutivo para o estudo das funções psicológicas superiores (Van der Veer&Valsiner, 1994). As linhas social e cultural do desenvolvimento explicam o aparecimento das funções psicológicas superiores (SOTLTZ, 2010, p. 173).

O ato de pensar a ação educativa a ser realizada pode ser feito como um

exercício de aprendizagem conceitual, de imaginação e de criação. Para fazê-lo

recorrendo à Psicologia e à Pedagogia Histórico-Cultural tem-se o desafio de fazê-lo

buscando a compreensão do método de pesquisa empregado por Vygotski e seus

colaboradores. Lembrando que na obra de Vygotski como é trazido por Leontiev

(1999)

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[...] o problema da metodologia é central [...] A dialética interna sempre constitui um traço característico de sua forma de pensar. Basta recordar seus primeiros trabalhos, (por exemplo, Psicologia da Arte). Liev Semiónovitch não temia destacar como traço principal, determinante, de nossa percepção das obras de arte precisamente a contradição inerente à própria obra. Essa postura aparece claramente em sua forma de analisar um fenômeno, destacando os fatores contrapostos que lutam entre si e vendo nessa luta a força motora do desenvolvimento. (LEONTIEV, 1999, p. 444 - 445).

Vygotski (2010) afirma a preponderância do meio social na ação educativa:

“O meio social é a verdadeira alavanca do processo educacional e todo o papel do

mestre consiste em direcionar esta alavanca.” (VYGOTSKI, 2010, p. 67). Desta

maneira o papel do (a) professor (a) de pensar e organizar este processo ganha

uma dimensão fundamental.

É muito importante que se ressalte aqui que em Vygotski (2010, p. 63) “a

experiência pessoal do educando se torna a base principal do trabalho pedagógico.”

Ele destaca que “é o maior pecado do ponto de vista científico,” (VYGOTSKI, 2010,

p. 64) subestimar a experiência pessoal do aluno.

A visão da “Escola de Vygotski” sobre a contribuição da imaginação, da

criação e da aprendizagem conceitual no desenvolvimento humano

Vygotski (1999) sustenta que a atividade criadora do ser humano,

fundamentada na capacidade de combinar do cérebro, é chamada pela psicologia

de imaginação ou fantasia. Ela, como fundamento de toda a atividade criadora,

manifesta-se em todos os aspectos da vida cultural e possibilita a criação artística,

científica e técnica. Com base nisto é possível constatar que tudo o que foi feito

pelas mãos humanas, toda a produção cultural encontrada ao redor de si pela

humanidade resulta da imaginação. (VYGOTSKI, 1999, p. 04).

Os (as) trabalhadores (as) da educação têm a possibilidade de qualificar a

ação pedagógica a ser desenvolvida com o aprofundamento da compreensão do

modo de funcionamento do psiquismo humano, entendendo como o adequado uso

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de recursos, que é possível denominar ferramentas psicológicas, aqui

especificamente a criação, a imaginação e a aprendizagem conceitual, quando

devidamente estudados, conhecidos e utilizados, contribuem para esta qualificação.

Em Vygotski (1999, p. 04) encontra-se que a criação não existe unicamente

onde se criam grandes obras históricas, mas também onde quer que o ser humano

imagine, combine, transforme e crie algo novo. Apresenta-se, nesta perspectiva,

uma rica possibilidade de análise e estruturação da prática que acontece no campo

pedagógico e que poderá qualificá-la enquanto ação educativa, teórica e prática, que

produza desenvolvimento humano.

Em Vygotski (1995) encontra-se que

Entretanto, A. S. Puchkin*5, já dizia com todo acerto que a imaginação era

tão necessária para a geometria como para a poesia. Tudo aquilo que na vida real precisa ser elaborado com espírito criador, tudo aquilo que está relacionado com a inventiva e a criação do novo, necessita irremissivelmente a participação da fantasia. Neste sentido, alguns autores contrapõem corretamente com bom critério a fantasia, como imaginação criadora da memória, à imaginação reprodutora. O essencialmente novo no desenvolvimento da fantasia na idade de transição consiste precisamente em que a imaginação do adolescente inicia estreita relação com o pensamento por conceitos, se intelectualiza, se integra no sistema da atividade intelectual e começa a desempenhar uma função totalmente nova na nova estrutura da personalidade do adolescente. T. Ribot (1901), ao esboçar a curva de desenvolvimento da imaginação adolescente, dizia: o período de transição se caracteriza pelo fato de que a curva de desenvolvimento da imaginação, que até aquele momento seguia um caminho separado da curva do desenvolvimento do intelecto, se aproxima agora a ela e suas trajetórias são paralelas. (VYGOTSKI, 1995, p. 161–162, tradução do autor deste artigo)

6.

É fundamental que se considere como atividade criadora qualquer tipo de

atividade humana que crie algo novo, ou seja, qualquer coisa do mundo exterior da

atividade ou certa organização do pensamento ou dos sentimentos que atue ou

5 *Alexandr Serguéievich Puchkin, grande poeta russo do século XIX (N. da T.).

6 Lo esencialmente nuevo en el desarrollo de la fantasía en la edad de transición consiste

precisamente en que la imaginación del adolescente entabla estrecha relación con el pensamiento en conceptos, se intelectualiza, se integra en el sistema de la actividad intelectual y empieza a desempeñar una función totalmente nueva en la nueva estructura de la personalidad del adolescente. T. Ribot (1901), al esbozar la curva del desarrollo de la imaginación adolescente, decía: el período de transición se caracteriza por el hecho de que la curva del desarrollo de la imaginación, que hasta aquel entonces seguía un camino alejado de la curva del desarrollo del intelecto, se aproxima ahora a ella y sus trayectorias son paralelas.

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esteja presente somente no ser humano. Já a atividade reprodutora guarda estreita

relação com a memória, consistindo na reprodução ou repetição de normas de

condutas formadas e criadas anteriormente (VYGOTSKI, 1999, p. 03).

Abordando a plasticidade da substância nervosa e do cérebro humanos,

qualidade entendida como a propriedade que têm de se transformar e de conservar

as marcas desta transformação, sob excitação suficientemente forte e frequente,

ressalte-se aqui que, segundo Vygotski (1999), o cérebro e os nervos possuem

enorme plasticidade, tanto para a reprodução como para a criação. (VYGOTSKI,

1999, p. 04).

Deve-se destacar que neste conceito de plasticidade cerebral, as funções

mentais superiores, especificamente humanas, são construídas ao longo da

evolução da espécie (filogênese), da história social da humanidade e do

desenvolvimento de cada sujeito (ontogênese).

No senso comum se tem por imaginação aquilo que não é real, portanto,

desconsiderado cientificamente, ou ainda a criação é representada como o

patrimônio de uns poucos eleitos, os gênios, criadores de grandes obras, grandes

descobridores e inventores. Entretanto toda a produção cotidiana constitui a

imaginação cristalizada. (VYGOTSKI, 1999, p. 04).

Vygotski (1999) ainda menciona que

Com toda justeza alguns autores ressaltam que as raízes desta combinação criadora podem ser vistas até nos jogos dos animais. O jogo de um animal resulta com muita frequência um produto da imaginação motora. Entretanto, os rudimentos da imaginação criadora nos animais não podem receber nas condições de sua vida nenhum desenvolvimento sólido, solitário o homem desenvolveu esta forma de atividade até sua verdadeira dimensão (VYGOTSKI 1999, p. 06).

Analisando “Imaginação e realidade” Vygotski (1999, p. 06) lança duas

indagações: “Como se produz a atividade criadora que se baseia na capacidade de

combinação? De onde surge, pelo que está condicionada e a que leis se subordina

em seu curso?” (Ibid.) Aponta que a análise psicológica desta atividade indica sua

grande complexidade. Menciona que ela “não surge de imediato, senão muito lenta

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e paulatinamente, se desenvolve partindo das formas mais simples e elementares

até as mais complexas”. (Ibid.)

Afirma ainda que cada nível de idade tem sua expressão particular e a cada

período da infância corresponde (lhe é inerente) sua forma de criação.

“Posteriormente não se mantém dividida (repartida), na conduta humana,

dependendo de outras formas de nossa atividade, em especial da acumulação de

experiências.” (VYGOTSKI, 1999, p. 06).

Vygotski (1999) afirma que na busca de “compreender o mecanismo

psicológico da imaginação e da atividade criadora tão ligada a ela, é melhor começar

com a determinação da relação que existe entre a fantasia e a realidade na conduta

humana.” (VYGOTSKI, 1999, p. 06). Deixa claro que considera incorreto o ponto de

vista que divide na vida, a fantasia e a realidade com uma linha inviolável e aponta

quatro formas principais que relacionam a atividade da imaginação e a realidade

sustentando que pode ajudar compreender a imaginação como uma função vital e

necessária, negando-a como atividade que flutua no ar ou como entretenimento

festivo. (Ibid.).

A primeira forma de relação consiste em que toda a criação da imaginação

sempre se estrutura com elementos tomados da realidade e que se conservam da

experiência anterior do ser humano (VYGOTSKI, 1999, p. 06).

Vygotski (1999) menciona que somente as ideias religiosas e místicas

sobre a natureza humana poderiam atribuir a uma força alheia sobrenatural o

surgimento dos produtos da imaginação, considerando que “os deuses ou os

espíritos induzem o sonho nas pessoas, as ideias nos poetas e nos legisladores

inculcam os dez mandamentos.” (VYGOTSKI, 1999, p. 06). Analisar as criações

fantásticas mais afastadas da realidade (fábulas, mitos, lendas) confirma não serem

estas, outra coisa que uma nova combinação dos elementos extraídos da realidade

e submetidos à atividade modificadora e transformadora da imaginação. (Ibid.).

Aqui descobrimos a primeira lei à qual se subordina a atividade da

imaginação e que pode formular-se desta forma: “a atividade criadora da imaginação

depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da pessoa

porque essa experiência constitui o material com que se criam as construções da

fantasia” (VYGOTSKI, 2009, p. 22). Vygotski (1999, p. 07) conclui que é por isso que

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a imaginação da criança é mais pobre que a do adulto, devendo-se isto ao menor

grau de experiência que possui.

“O seguimento da história das grandes invenções, quase sempre possibilita

estabelecer que foram o resultado de uma grande experiência acumulada

anteriormente;” (VYGOTSKI, 1999, p.07) toda a imaginação começa precisamente

pela acumulação de experiência, “quanto mais rica seja a experiência, mais rica

deve ser, em iguais condições, a imaginação” (Ibid.).

Citando Ribot, Vygotski (1999) apresenta que depois do momento de

acumulação da experiência começa o período de maturação ou encubação. No texto

são trazidos os exemplos de Newton, Hamilton e Darwin. Os dois primeiros levaram

17 e 15 anos, respectivamente, em suas elaborações criativas. (VYGOTSKY, 1999,

p. 07) Já “Darwin compilou materiais em suas viagens, observou detidamente

plantas e animais e depois a leitura de um livro de Maltus impactou e determinou

decididamente sua teoria” (Ibid.).

“Daqui surge a conclusão pedagógica sobre a necessidade de ampliar a

experiência da criança se queremos criar bases suficientemente sólidas para sua

atividade criadora”. (VYGOTSKI, 1999, p. 08). Há uma proporcionalidade direta entre

o acúmulo do visto, escutado e vivido, de elementos da realidade em sua

experiência, de conhecimento, entendimento e a importância e produtividade da

atividade de sua imaginação, ressalte-se aqui, em outras condições (Ibid.).

No texto, vem apontado que nesta primeira forma de relação entre a fantasia

e a realidade pode-se observar com facilidade a incorreção da contraposição entre

uma e outra e em que grau isto se dá. A atividade combinadora do nosso cérebro se

baseia na conservação das marcas de excitações anteriores e toda a novidade

desta função se reduz ao fato de que ao contar com marcas destas excitações, o

cérebro as combina em formas que não são conhecidas em sua experiência real.

“A segunda forma de relação entre fantasia e realidade é mais complexa, porém desta vez não se produz entre elementos de ambas, senão entre o produto terminado da fantasia e algum fenômeno complexo da realidade. Quando eu, baseando-me nos estudos e relatos de historiadores ou viajantes, imagino o quadro da grande Revolução Francesa ou do deserto do Saara, em ambos os casos o panorama é fruto da função criadora da imaginação” (VYGOTSKI, 1999, p. 08).

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“Ela não reproduz o que foi percebido por mim numa experiência anterior,

mas cria novas combinações dessa experiência.” (VYGOTSKI, 2009, p. 23-24).

No texto vem destacada a importância da existência de “uma grande reserva

de experiência anterior” (VYGOTSKI, 2009, p. 24) para, a partir dela, existir a

possibilidade de construção de imagens. É preciso que se tenha ideia de algo para

criar imagem daquilo. (Ibid.). Vygotski (2009) afirma que relacionar imaginação e

realidade “torna-se possível somente graças à experiência alheia ou experiência

social.” (Ibid.). Somente o conhecimento e a experiência de alguém mediarão a

produção pela imaginação de uma coincidência com realidade (Ibid., 2009, p. 24-

25).

Para Vygotski (2009) o papel da imaginação é de muita importância no

comportamento e no desenvolvimento humano, transformando-se em meio de

ampliação da experiência individual pela assimilação, auxiliada pela imaginação, da

experiência histórica ou social de outras pessoas. Ao acessar a informação por

diferentes meios a imaginação serve à experiência. Neste caso a experiência apoia-

se na imaginação (VYGOTSKI, 2009, p.25).

Uma “terceira forma de relação entre a atividade de imaginação e a

realidade é de caráter emocional.” O estado de ânimo com que se está, seja ele de

alegria ou de desgraça, faz olhar para as coisas diferentemente. Fenômeno notado

há muito pelos psicólogos, que o denominaram dupla expressão dos sentimentos,

frise-se que qualquer sentimento tem expressão externa, no corpo, e interna, “na

seleção de ideias, imagens, impressões.” (VYGOTSKI, 2009, p. 25-26). Esta

influência do fator emocional sobre a fantasia é denominada pelos psicólogos como

“lei do signo emocional comum”. (Ibid., 2009, p. 26).

Vygotski (2009, p. 27) cita Ribot para descrever um tipo de combinação onde

imagens afetivas com tom afetivo comum unem-se. Alegria, tristeza, amor, ódio,

espanto, tédio, orgulho, cansaço etc. podem tornar-se centros de gravidade os quais

agrupam impressões ou acontecimentos sem vínculo racional, mas com o mesmo

signo ou traço emocional. Associar cores e sensações térmicas afirmando que

determinada cor é fria ou outra é quente, por exemplo, “o tom azul-claro é frio e o

vermelho é quente” (Ibid., 2009, p. 28) neste caso “a fantasia guiada pelo fator

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emocional – pela lógica interna do sentimento – constituirá o tipo de imaginação

mais subjetivo, mais interno.” (Ibid.).

No texto é mencionada uma relação inversa em que “a imaginação influi no

sentimento”. Novamente Vygotski (2009) traz Ribot: “Todas as formas de imaginação

criativa contém em si elementos afetivos.” (VYGOTSKI, 2009, p. 28). Significando

isto “que qualquer construção da fantasia influi inversamente sobre nossos

sentimentos e, a despeito de esta construção por si só não corresponder à

realidade, todo sentimento que provoca é verdadeiro”. (Ibid.). Vygotski (2009)

exemplifica:

Vamos imaginar um simples caso de ilusão. Entrando no quarto, ao entardecer, uma criança, ilusoriamente percebe um vestido pendurado como se fosse alguém estranho ou um bandido que entrou na casa. A imagem do bandido criada pela fantasia da criança, é irreal, mas o medo e o susto que vivencia são verdadeiros, são vivências reais para ela. Algo semelhante ocorre com qualquer construção fantasiosa. É essa lei psicológica que pode nos explicar por que as obras de arte criadas pela fantasia de seus autores, exercem uma ação bastante forte em nós. (VYGOTSKI, 2009, p. 28).

A ocorrência disto é explicada por Vygotski (2009) porque imagens artísticas

fantásticas de um livro ou de uma cena de teatro, uma obra musical, provocam, na

pessoa que as frui, emoções “completamente reais [...] vividas [...] de verdade,

franca e profundamente.” (VYGOTSKI, 2009, p. 29). No texto vem mencionado que

a ampliação e o aprofundamento dos sentimentos descritos, “sua reconstrução

criativa, formam a base psicológica da arte da música”. (Ibid.).

A quarta e última forma de relação liga-se, por um lado, intimamente com a

anterior (Não existindo realmente, produz efeito real) e, por outro, de maneira

substancial, diferencia-se dela. Explicitando-a Vygotski (2009) diz que

A sua essência consiste em que a construção da fantasia pode ser algo completamente novo, que nunca aconteceu na experiência de uma pessoa e sem nenhuma correspondência com algum objeto de fato existente; no entanto ao ser externamente encarnada, ao adquirir uma concretude material, essa imaginação “cristalizada”, que se faz objeto, começa a existir realmente no mundo e a influir sobre outras coisas. (VYGOTSKI, 2009, p. 29).

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Ela constitui a imaginação cristalizada ou encarnada. Dela serve como

exemplo qualquer dispositivo técnico (máquina ou instrumento) criado pela

imaginação combinadora do ser humano e que não corresponde a nada que existe

na natureza embora mantenha “uma relação persuasiva, ágil e prática com a

realidade” (VYGOTSKI, 2009, p. 29) e influa realmente no mundo que o cerca (Ibid.).

Conforme foi visto até aqui, pensando a relação entre a imaginação e a

realidade Vygotski (1999/2009) analisa-a apontando quatro formas. Na primeira

delas afirma que toda a criação da imaginação se estrutura com elementos tomados

da realidade dependendo da riqueza da experiência acumulada pelo ser. Conclui

que é por isso que a imaginação do adulto é mais rica que a da criança. A segunda,

mais complexa, se produz entre o produto terminado da fantasia e algum fenômeno

complexo da realidade. Na terceira forma o estado de ânimo em que se encontra o

ser o faz olhar para as coisas diferentemente. A quarta não existindo realmente

produz efeito real, podendo ser a imaginação algo completamente novo, nunca

acontecido na experiência do ser, sem correspondência com algum objeto existente.

Para esquematizá-los Vygotski (2009) afirma que se pode dizer que estes

produtos da imaginação descrevem um círculo, em seu desenvolvimento, ao

passarem por uma longa história. Os elementos que os constituem foram hauridos

da realidade por quem os elaborou. Internamente, no pensamento do (a) elaborador

(a), transformam-se em produtos da imaginação, numa complexa reelaboração e,

finalmente (VYGOTSKI, 2009, p. 29-30) “retornam à realidade com uma nova força

ativa que a modifica. Assim é o círculo completo da atividade criativa da

imaginação”. (Ibid., 2009, p. 30).

No círculo completo da imaginação os fatores emocional e intelectual

mostram-se necessários para a criação. Pensamento e sentimento movem a criação

humana (VYGOTSKI, 2009, p. 30).

Recorrendo novamente a Ribot Vygotski (2009) traz a questão de

pensamento e sentimento serem inseparáveis enfocando-a a partir da citação do

texto onde são analisados o “pensamento preponderante” (VYGOTSKI, 2009, p. 30)

e o “sentimento preponderante” como quase equivalentes (Ibid.).

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Finalizando o capítulo são analisadas a necessidade e a influência da arte

nas ideias humanas. No texto, Vygotski (2009) faz sua análise baseado na criação

literária e teatral. O comentário de Ana Luiza Smolka, incluído nesta edição brasileira

da obra, à margem do texto, destaca que, embora a análise seja feita baseando-se

nestas duas formas de criação, Vygotski “aponta que a obra de arte não se reduz a

essas formas” (SMOLKA in VYGOTSKI, 2009, p. 33).

Vygotski (2009) destaca que as produções artísticas

podem exercer [...] influência sobre a consciência social das pessoas apenas porque possuem sua própria lógica interna. O autor de qualquer obra artística [...] combina imagens da fantasia não à toa e sem propósito ou amontoando-as casualmente, como num sonho ou num delírio. Pelo contrário, as obras de arte seguem a lógica interna das imagens em desenvolvimento, lógica essa que se condiciona à relação que a obra estabelece entre o seu próprio mundo e o mundo externo. (VYGOTSKI, 2009, p. 33).

Tal consideração realça, do ponto de vista pedagógico, especialmente

quando se trabalha com a obra de arte, a importância do cuidado de fazê-lo

buscando compreender a especificidade deste tipo de produção ao fruí-la.

Encontra-se em Kosik (2002) que nas etapas históricas do seu

desenvolvimento a humanidade o integra no presente, mediante sua atividade

criativa, mediante sua práxis, num processo que é ao mesmo tempo crítica e

avaliação do passado. Tanto a objetividade quanto a subjetividade incluem-se neste

processo criando natureza humana, que vem impregnada ao mesmo tempo das

relações materiais, das forças objetivas e da faculdade de compreender o mundo

subjetivamente – científica, artística, filosófica, poeticamente, etc. (KOSIK, 2002, p.

150).

Faz-se necessário frisar a perspectiva de que este estudo vai sendo feito no

sentido de cooperar para que as discussões e reflexões realizadas ganhem

concretamente a possibilidade de serem efetivadas nas ações pedagógicas

pensadas, organizadas e praticadas pelos (as) profissionais da educação com os

(as) estudantes, implementando-as de fato.

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Em busca das raízes da Psicologia e da Pedagogia da “Escola de Vygotski”

O recurso à Psicologia e à Pedagogia Histórico-Cultural da “Escola de

Vygotski” exige um aprofundamento teórico no materialismo dialético e no

materialismo histórico, raízes das concepções elaboradas por Vygotski e seus

colaboradores, o que será feito aqui, de modo sintético, reconhecendo-se o grande

desafio que constitui tal empreitada.

Base filosófica do marxismo, o materialismo dialético tenta “... buscar

explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da

sociedade e do pensamento.” (TRIVIÑOS, 2010, p. 51). Tem uma longa tradição na

filosofia materialista e baseia-se numa interpretação dialética do mundo, raízes do

pensamento humano que, se unindo nesta corrente do pensamento, constituem uma

concepção científica da realidade aprofundada com a prática social humana. (Ibid.).

Buscando ser uma teoria orientadora da revolução do proletariado, tem

como princípios a matéria, a dialética e a prática social. Como pensar filosófico se

propõe como fundamento “[...] o estudo das leis mais gerais que regem a natureza a

sociedade e o pensamento [...]”. (TRIVIÑOS, 2010, p. 51). O materialismo dialético

mostra como se dá a transformação da matéria e a realização da passagem das

formas inferiores às superiores. Uma de suas ideias mais originais talvez seja ter

ressaltado a importância da prática social como critério da verdade na teoria do

conhecimento. Enfocando historicamente o conhecimento destaca o relativo e o

absoluto interconectados. Assim, as verdades científicas, geralmente, têm o

significado de graus de conhecimento, com a limitação histórica, não significando

este relativismo o reconhecimento da incapacidade humana de atingir a posse da

verdade. (Ibid.).

Já o materialismo histórico como ciência filosófica do marxismo estuda as

leis sociológicas que caracterizam a vida em sociedade, sua evolução histórica e a

prática social dos homens no desenvolvimento da humanidade. Ele “[...] significou

uma mudança fundamental na interpretação dos fenômenos sociais que, até o

nascimento do marxismo, se apoiavam em concepções idealistas da sociedade

humana.” (TRIVIÑOS, 2010, p. 51) Suas bases foram colocadas pela primeira vez

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por Marx e Engels em sua obra A ideologia alemã. Nesta obra teciam críticas à

compreensão da história dos jovens seguidores de Hegel e a de Feuerbach como

“resultado das ideologias e da presença dos ‘heróis’, ao invés de buscar nas

relações de produção os fundamentos das sociedades.” (Ibid.). O materialismo

histórico ressalta que as ideias têm força capaz de produzir a introdução de

mudanças nas bases econômicas pelas quais foram originadas. Desta forma, coloca

em destaque a ação político-partidária e dos agrupamentos humanos, entre outras,

como ações capazes de produzir transformações de importância nos fundamentos

materiais dos grupos sociais. No materialismo histórico são esclarecidos conceitos

como ser social, ”consciência social”, meios de produção, forças produtivas, relações

de produção e modos de produção. (Ibid., 2010, p. 51 - 52).

Ao analisar os fenômenos o pensamento de Vygotski tem como propriedade

o historicismo, sendo importante lembrar as raízes humanistas de sua obra,

buscadas na crítica literária de A. A. Potevniá. (LEONTIEV, 1999, p. 445). Isto “[...]

ajudou-o a alcançar a dialética marxista, a dominar o método histórico marxista.”

Esta realização elevou o seu “modo de pensar a uma fase qualitativamente nova.”

(Ibid.).

Como ideia básica de Vygotski apresentada por Leontiev (1999) se tem que

nas funções psíquicas determinados “instrumentos psicológicos” agem como

mediadores (LEONTIEV, 1999, p. 445). Isto tinha sentido somente porque as

próprias funções eram “contempladas como formações integrais com uma

complicada estrutura interna” (Ibid.). Tal formulação suprimia de imediato a “análise

atomística” e abria-se a partir daí “a perspectiva de um enfoque materialista global e

objetivo na análise do psíquico, que era interpretado como um sistema não-fechado,

estruturado de forma complexa, aberto ao mundo exterior”. (Ibid.)

Qual homem, qual mulher e para que mundo?

Pensar o ser humano jovem e adulto, homem ou mulher, no seu processo de

desenvolvimento exige uma tomada de posição teórica, o assumir uma concepção

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de desenvolvimento e de humanidade. Aqui, em consonância com a teoria em

estudo, são tomados por base os pressupostos do materialismo histórico-dialético o

qual considera que o ser humano que nasce hoje em quase nada se diferencia de

seus antepassados.

Todo o desenvolvimento intelectual produzido ao longo da história não é

herdado biologicamente destes antepassados. “Sua herança é social, herda uma

forma de ser consubstanciada nos instrumentos, na linguagem, nos costumes, enfim

tem em seu entorno uma cultura” (SFORNI, 2004, p. 86). Na afirmação de Leontiev

(in Ibid., p. 86) “[...] cada indivíduo aprende a ser homem. O que a natureza lhe dá

ao nascer não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que

foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana”.

Embora esteja presente na produção material e ideal (do campo das ideias)

da atividade humana, este desenvolvimento, a apropriação dele somente se dá por

meio de ações motoras e mentais tendo todas elas a necessidade de serem

“descobertas” pelo indivíduo. Bruner destaca: “... o mundo que emerge frente a nós

já é conceitual” (in Ibid., p. 87).

Na compreensão de Leontiev (s.d.) o apropriar-se do mundo real, conceitual,

se fazer homem, constitui-se num constante problema a ser solucionado pelo

indivíduo:

O mundo real, imediato, do homem, que mais do que tudo determina a sua vida, é um mundo transformado e criado pela atividade humana. Todavia, ele não é dado imediatamente ao indivíduo, enquanto mundo de objetos sociais, de objetos encarnando aptidões humanas formadas no decurso do desenvolvimento da prática sócio histórica; enquanto tal, apresenta-se a cada indivíduo como um problema a resolver (LEONTIEV, in Ibid., p. 87).

O conceito de atividade trazido por Leontiev (s.d.) busca explicar o processo

de apropriação da experiência social no modo tratado por Marx e Engels:

Mesmo os instrumentos ou utensílios da vida cotidiana mais elementares têm de ser descobertos ativamente na sua qualidade específica pela criança, quando esta os encontra pela primeira vez. Por outras palavras, a

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criança tem de efetuar a seu respeito uma atividade prática ou cognitiva que responda de maneira adequada (o que não quer dizer de maneira forçosamente idêntica) à atividade humana que eles encarnam (LEONTIEV, in Ibid., p. 88).

Esta apropriação está ligada à participação do indivíduo na coletividade

onde o instrumento ou signo tem significação social, estando ele imerso em

processos inter psíquicos. Pelo processo de interiorização dá-se a assimilação da

atividade social, dos seus procedimentos de realização e o domínio no uso dos

meios que possibilitam o direcionamento do comportamento, mas agora se formam

no indivíduo nos processos intrapsíquicos.

Numa perspectiva de enraizamento cultural, a qual supõe o domínio dos

mecanismos para tornar-se uma pessoa culta e realimentar com sua obra o

enriquecimento, a afirmação e a renovação do patrimônio cultural (FARIÑAS, 2004,

p. 12), torna-se importante deixar claro que aqui se está trabalhando com o conceito

antropológico de cultura no qual ela é constituída por toda a ação humana sobre a

natureza, transformando-a em si, enquanto natureza humana e ao seu redor.

Quando se trabalha a educação do ser humano criança, adolescente homem

ou mulher, na expectativa de reeducação permanente, o enfoque Histórico-Cultural,

pensado até aqui, se constitui, portanto, na rica possibilidade de organização, de

planejamento e de concretização desta ação educativa reconsiderando-se aspectos

aparentemente individuais, fruto de escolhas pessoais isoladas de um todo, como

coletivos, resultantes de como o meio social, do qual se faz parte, está estruturado.

Neste enfoque, como ser humano se é produto de tempos e de lugares, da cultura

destes, que quanto mais são sentidos, percebidos, compreendidos e controlados

conscientemente mais trazem em si possibilidades de desenvolvimento.

Encontra-se em Vygotski, conforme MOURA (2006, p. 166), a

fundamentação para a compreensão dos sujeitos em processo de alfabetização e a

crença em suas possibilidades de desenvolvimento intelectual, entendendo o

cérebro como sistema aberto, de grande plasticidade, com estrutura e maneira de

funcionar moldáveis ao longo da história humana e do desenvolvimento do indivíduo.

As investigações de Vygotski, sobre o desenvolvimento das funções da

memória, atenção, percepção, abstração, pensamento e formação de conceitos,

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empregando o método “histórico-genético”, levam-no a descobrir a linguagem como

signo especial, mediador por excelência, tendo raiz social e biológica, diferenciando

o ser humano dos demais animais, com uma estruturação orgânica que possibilita o

desenvolvimento dos mecanismos de linguagem. Essa possibilidade associada à

vivência sociocultural torna possível o desenvolvimento psicológico (MOURA, 2006,

p. 156).

Considera-se aqui a aprendizagem conceitual enquanto categoria de

compreensão e de organização do processo de educação escolar na concepção

Histórico-Cultural. Pensa-se, com Vygotski (2000) que

O desenvolvimento dos processos que finalmente culminam na formação de

conceitos começa na fase mais precoce da infância, mas as funções

intelectuais que, numa combinação específica, constituem a base psicológica

do processo de formação de conceitos amadurecem, configuram-se e se

desenvolvem somente na puberdade (VYGOTSKI, 2000, p. 167).

Partindo deste pressuposto, portanto, quando se trabalha com estudantes a

faixa etária e em especial o estágio de desenvolvimento real atingido por eles (as)

torna-se um dado fundamental, seja como ponto de partida ou como ponto de

chegada da ação educativa da qual participam.

Algumas considerações

Pensando a necessidade de educação criativa na “cela de aula” na perspectiva

de Vygotski

Os (as) professores (as) que trabalham com a educação dos (as) privados

(as) de liberdade recebem indagações como: Vale à pena trabalhar com este tipo de

gente? O trabalho que é feito com eles (as) produz algum resultado? O gasto (com

certeza caberia melhor investimento) que o estado faz tem algum retorno positivo?

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É bem provável que este tipo de questionamento tenha origens as mais

diversas, inclusive nas concepções neoliberais de estado mínimo com as quais se

convive na contemporaneidade, e que hoje são intensamente defendidas por setores

mais conservadores da sociedade, especialmente pela mídia. Quando ele é feito

dentro do próprio sistema prisional, por profissionais que deveriam estar ocupados

com a organização e a concretização do processo de recuperação do homem e da

mulher em privação de liberdade isto é, no mínimo, preocupante.

Os privados (as) de liberdade trazem conceitos conservadores como estes

arraigados em sua formação e que necessariamente deverão e poderão ser

trabalhados na perspectiva de sua superação. Esta superação tem na ação

educativa da escola das prisões a possibilidade de ser efetivamente alcançada.

Pensar como os (as) estudantes presidiários (as) veem o trabalho de

escolarização, visão levantada em Queluz (2006), ilustra a visão conservadora

acima mencionada e possibilita afirmar que têm

...representação bastante formal de ensino-aprendizagem, como: quanto mais se copia, quanto mais se enche o quadro de textos para serem copiados, e o caderno de cópias, mais “qualidade” tem o trabalho, mais se aprende, melhor

é o professor (QUELUZ, 2006, p. 37).

Vygotski (1999) afirma que a atividade reprodutora guarda estreita relação

com a memória, consistindo na reprodução ou repetição de normas de condutas

formadas e criadas anteriormente ou no reviver de traços de impressões anteriores.

Sustenta que

Sucede o mesmo quando copiamos do natural, escrevemos ou fazemos algo seguindo um modelo dado, em todos estes casos reproduzimos só o que existe ante nós o que foi assimilado ou criado anteriormente, nossa atividade não cria nada novo, o principal, sua base, é a repetição com maior ou menor exatidão de algo passado (VYGOTSKI, 1999 p. 03).

Exercitar o pensamento pedagógico dos (as) profissionais de educação que

têm a função de educar e reeducar estes homens e mulheres em privação da

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liberdade se apresenta como algo possível, necessário e interessante quando se

pensa na importância do exercício desta função para a existência do novo homem e

da nova mulher que a ressocialização demanda.

Buscando limites e possibilidades da imaginação, da criação e da

aprendizagem conceitual nas falas das participantes e do participante do

grupo de estudos

Ao longo da concretização do grupo foram propostas algumas atividades às

professoras e ao professor participantes. Na sequência será apresentada a síntese

do registro da produção acontecida.

Dentre as seis professoras e o professor, participantes do grupo de estudos,

apenas uma professora não apresentou a elaboração da atividade focando a

imaginação e a criação. O professor apresentou-a apenas oralmente e as demais a

apresentaram oralmente e a síntese por escrito. Duas apresentaram produções

acontecidas fora do sistema prisional. Uma apresentou uma atividade elaborada e

vivenciada com estudantes adultos com comprometimento psiquiátrico.

Numa das produções apresentadas a proposta era que estudantes de uma

unidade de regime fechado produzissem frases sobre a LIBERDADE e a PAZ que,

colocadas em balões (bexigas), seriam soltas num evento chamado “Um dia de

Ação de Graças” que aconteceria numa unidade de regime semiaberto e que,

eventualmente, chegariam a diferentes lugares, nas mãos de diferentes pessoas. Na

mesma atividade buscaram em revistas e outras fontes, imagens de cenas

representando a PAZ as quais foram recortadas e coladas num cartaz, dentro do

contorno de um mapa do Paraná. Observaram a dificuldade de encontrar imagens

sobre a PAZ.

Noutra, numa escola de Ciclo Básico de Alfabetização, fora do sistema

prisional, retomando a necessidade de ampliar a experiência da criança ressaltada

por Vygotski, numa turma do quarto ano, com o tema “Por um mundo melhor”, a

partir de discussões no grupo, optou-se por pesquisar sobre o valor RESPEITO,

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pensando-o em relação a si mesmo, ao próximo, à família e à natureza (como

consequência respeito ao Criador). Na primeira etapa pesquisando sobre o seu tema

cada um poderia contribuir com o tema de colegas, caso encontrasse algo. Tendo

referência na pesquisa foram construídas maquetes e outros instrumentos que

demonstrassem como o RESPEITO se faz importante no cotidiano. Representaram

o RESPEITO fazendo diferença nas filas (de banco, de supermercado...), nos

estacionamentos, nas praças, nas escolas, na separação do lixo, na preservação da

natureza, no convívio com a família, amigos, escola... Ficou evidenciada a

“presença” da imaginação e da criação permeando todo o desenvolvimento da ação.

Na terceira proposta realizada em unidade penal onde a maioria dos (as)

privados (as) de liberdade é de medida de segurança (sem sentenças condenatórias

ou penas aplicadas), com 40 internos (fase de alfabetização e educação básica),

adultos com comprometimento psiquiátrico, foi conversado sobre o que poderia ser

organizado para a “semana de jogos”, com o objetivo de despertar e desenvolver a

imaginação. Foram confeccionados quatro jogos com o seguinte tema: Jogo da Vida

1,2,3 e 4: tabuleiro criado pelo grupo no qual o sujeito caminhará por um percurso de

100 obstáculos, a partir de determinado valor do dado, devendo parar e realizar o

que é proposto: 1- mímica e música da infância; 2- expressão corporal e citação de

um momento feliz ou ruim; 3- imitações de animais (sonoro e gestual); 4- criar

estórias.

Numa quarta atividade proposta, realizada em unidade prisional na aula de

Inglês, foram trabalhadas músicas cantadas em inglês com a interpretação

espontânea do que a letra das músicas supostamente dizia, para uma posterior

tradução do texto do inglês para o português.

Numa quinta atividade foi apresentado aos estudantes um texto literário

lúdico para ser lido individualmente. Em seguida à leitura os estudantes foram

organizados em equipes e desafiados a dramatizarem o texto. Teriam 30 minutos

para organização e ensaio. Depois cada equipe apresentou sua produção que foi

comentada pelas demais. Tinham como objetivo maior a improvisação, a

necessidade de criar e a superação da timidez. A equipe que apresentou falava

sobre as dificuldades encontradas. Cada equipe pode usar meios e recursos

diferenciados para dar conta do desafio.

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Na sexta atividade, também numa escola fora do sistema prisional, foi

proposta a reorganização do trabalho com estudantes de quinta série com grande

defasagem idade/série e sérios problemas de indisciplina. Aconteceu a formação de

uma turma “especial” para estes estudantes e, em conjunto, professores e

pedagogia elaboraram um plano de trabalho diferenciado, especialmente quanto à

maneira de trabalhar os conteúdos, valorizando-se bastante a prática, buscando-se

um resgate da autoestima dos estudantes e trabalhando valores humanos. Foi

realizada uma retomada dos conteúdos básicos dos anos iniciais do Ensino

Fundamental que deveriam ser dominados por estes estudantes. Ao longo do ano

pedagogia e professores trabalharam em conjunto, com acompanhamento

sistemático do desempenho dos estudantes. Realizaram-se reuniões com os pais

nas quais se destacava a valorização da escola, a importância da participação dos

pais no processo de escolarização e de se impor limites na educação de crianças e

adolescentes.

As produções possibilitam algumas considerações. As práticas educativas

planejadas, realizadas e descritas permitiram aos (às) profissionais e estudantes a

utilização da imaginação no trabalho escolar com conteúdos em diferentes áreas do

conhecimento. Quando se tem como objetivo o surgimento de algo novo se

apresenta a necessidade de combinar, capacidade que o cérebro humano tem, e

que depende muito da gama de experiências vividas pelos (as) envolvidos (as) no

processo educativo e da intencionalidade de quem se propõe a realizar a atividade.

Numa perspectiva de ressocialização para uma efetiva reinserção na vida

em sociedade, do homem e da mulher em privação de liberdade, se faz necessário o

oferecimento de situações, de vivências educativas que propiciem o rompimento

com o ciclo que produziu e que, por certo, continuará produzindo, seres humanos

excluídos.

Mesmo fora do sistema prisional, as atividades trazidas pelas duas

professoras, mostram produções que evidenciam a necessidade de superação do

modelo conservador excludente.

Considerando condições objetivas e subjetivas com as quais se tem a

necessidade de lidar como professor (a) na formação de conceitos, destacando as

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categorias tempo, espaço, número de estudantes e estágio de desenvolvimento,

num trabalho de elaboração de texto em grupo, num deles é afirmado que

“Devemos considerar que o nosso educando não teve as oportunidades para o desenvolvimento dos processos para a formação de conceitos, que deveriam estar mais avançados, mas às vezes estão regredidos. Isso torna o nosso trabalho mais desafiador, muito embora eles tenham potencialidades para avançar no processo de aprendizagem. Propomos atividades com símbolos concretos, mas que possibilitem pensar de forma subjetiva para a construção de significados. Respeitar os ritmos de aprendizagem individual e com isso não haver a preocupação com o tempo e com o resultado imediatos. Valorizar a individualidade, observando o crescimento e o limite de cada um.”

Já em outro grupo se tem que

“Nossa situação real com alunados apresenta diferentes universos em relação ao estado de desenvolvimento, ao espaço e ao número de estudantes. Não é produtivo pedagogicamente devido às diferenças cognitivas. Essa situação é agravada devido ao tempo e espaço disponíveis, pois o aluno necessita de um acompanhamento individual. O ideal seria divisão por níveis de aprendizagem, mesmo levando em consideração a

diversidade.”

A aprendizagem de conceitos ganhou elementos de análise e reflexão

referenciados na teoria em estudo e presentes nas considerações das equipes com

os quais se contextualizou o processo ensino-aprendizagem.

Avaliando o Grupo de Estudos

Buscou-se uma aproximação com a teoria psicológica e pedagógica

Histórico-Cultural da “Escola de Vygotski”, focando-se este estudo na aprendizagem

conceitual, na imaginação e na criação. Com base nas falas dos participantes e em

nossa compreensão, enquanto proponentes deste grupo de estudos, é possível

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considerar que ela aconteceu e que merece um aprofundamento o que

oportunamente poderá ocorrer.

Finalizamos o texto com as falas dos participantes do trabalho onde estão

presentes conceitos trabalhados no grupo de estudos e que não faziam parte de

suas falas iniciais presentes neste artigo.

“Todo encontro com colegas educadores traz contribuições significativas para o trabalho em sala de aula. Em especial, o que mais significou para mim foi conhecer colegas que antes tinha pouco contato, alguns apenas “bom dia”, e seus trabalhos. Quanto à parte teórica, trazida para o grupo de estudo, foi excelente para lembrar conceitos e conteúdos já quase esquecidos por mim, principalmente sobre as concepções de Vygotski. Pena que o tempo foi muito “atropelado”, todos os integrantes do grupo com muitas tarefas extras acumuladas. Sugiro iniciarem-se estes tipos de grupo de estudos no início do ano letivo oportunizando maior espaço de tempo para realizá-los.” “Meu ingresso no grupo de estudos se deu quando este já estava em andamento. Porém, os encontros dos quais participei foram bem interessantes e possibilitaram a reflexão, a discussão e a troca de saberes. É impossível quando isso acontece dizer que não houve aprendizagem. Os textos apresentados vieram ao encontro das necessidades; o assunto tratado mexeu um pouco com o “comodismo” do “está tudo certo” e isso é muito bom; esse é o primeiro passo para qualquer mudança. Enfim, foram dias bem aproveitados e, certamente, contribuíram para o aprimoramento de todos os que participaram. Espero que os resultados, para você, professor Emerson, possam também ter correspondido às expectativas.” “Contribuiu para meu aprendizado pessoal sobre as teorias de Vygotski. A forma como o cérebro processa o aprendizado. Motivou meu interesse para estudar Vygotski. O tempo não contribuiu para o curso. Deveria haver um seminário sobre a teoria Vygotskiana para aprofundar conhecimento e melhorar a prática docente.” “Minha participação no grupo de estudos possibilitou-me conhecer as vivências de colegas de trabalho e observar potencialidades que ainda não tinha conhecimento. Uma das contribuições imediatas foi desafiar meus atuais alunos à criação, pois eles resistem muito a atividades ‘mais livres’. Todo o aprendizado é apenas um começo e muito ficou para ser aprendido, mas o desafio é este. Acredito que o “bom ensino” deve ser desafiador e isto só é possível considerando-se a zona de desenvolvimento proximal.” “Acredito que este grupo de estudos contribuiu muito para minha formação. A leitura de textos, discussões em grupo e troca de experiências é sempre enriquecedora para nossa prática.” “A psicologia sócio histórica, que tem como base a teoria de Vygotski, concebe o desenvolvimento humano a partir das relações sociais que a pessoa estabelece no decorrer da vida. Nesse referencial, o processo de ensino-aprendizagem também se constitui de interações que vão se dando nos diversos contextos sociais. A sala de aula deve ser considerada um lugar privilegiado de sistematização do conhecimento e o professor um

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articulador na construção do saber. Tendo como base tais pressupostos teóricos, esse grupo de estudo sistematizou alguns pontos da teoria vygotskiana com a possibilidade de trabalho do professor junto a seus alunos.”

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