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Universidade Tuiuti do Paraná Edivan Pereira da Silva LINGUAGEM, ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA Trabalho de conclusão de curso Curitiba 08/04/2012

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Universidade Tuiuti do Paraná

Edivan Pereira da Silva

LINGUAGEM, ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA Trabalho de conclusão de curso

Curitiba 08/04/2012

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SUMÁRIO Resumo ............................................................................................................ 4 Introdução ........................................................................................................ 5 Embasamento teórico ...................................................................................... 6 Procedimentos metodológicos ......................................................................... 8 Explanação da pesquisa .................................................................................. 10 Considerações finais ........................................................................................ 16 Referências bibliográficas ................................................................................ 23 Anexo ............................................................................................................... 24

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RESUMO

Ponto de partida e de chegada desse trabalho acadêmico, a capacidade

humana de se comunicar através da linguagem é, sem sombra de dúvida, o nosso

grande patrimônio, a chave de nossa humanidade, sem a qual, a morte física do

homem representaria também o termo de suas idéias, anseios e realizações.

Enfim, todo conhecimento (científico ou não), arduamente construído e acumulado

através dos tempos, ruiria irremediavelmente, e o gênero humano desapareceria

da face da terra.

(Palavras-chave: linguagem, literatura, inatismo, construtivismo, interacionismo)

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INTRODUÇÃO

Tão antigo quanto a humanidade, o fascínio pela linguagem é universal e

comum a todos os indivíduos; de acordo com Perini

o interesse pela linguagem não é privilégio dos profissionais – é algo que todos nós

sentimos em maior ou menor grau. Desde o lingüista que se dedica ao esclarecimento

dos grandes mistérios da linguagem humana até o leigo que se pergunta qual será a

forma “correta” de uma palavra, somos todos em certa medida pesquisadores da

linguagem – se entendermos como “pesquisador” aquele que faz perguntas sobre a

linguagem, não apenas aquele que tenta respondê-las. (PERINI, 2003, p. 9)

Tendo isso em vista, julgamos interessante levar o aluno de LEM a uma

reflexão sobre a linguagem e sua importância dentro de nossa sociedade. Uma

forma eficaz de trazer este debate para a sala de aula é através da literatura, pois

ela traz muitos elementos que possibilitam essa discussão.

Nesse sentido, realizamos uma pesquisa aplicada direcionada a

adolescentes de 14 a 17 anos (espanhol básico), do Colégio Estadual Professora

Edithe, um colégio da rede pública de ensino, situado no município de Campo

Largo, em que foi implantado o projeto CELEM.

Os textos selecionados para esse objetivo foram: um fragmento do romance

Cien años de soledad, de Gabriel García Márquez, um fragmento extraído de um

livro infanto-juvenil intitulado A cidade dos antigos imperadores, do escritor alemão

Michael Ende e, por fim, a crônica A estranha (e eficiente) linguagem dos

namorados, de Carlos Drummond de Andrade.

Com relação à parte teórica, dado a impossibilidade de apreender

minimamente todos os nomes, vertentes e postulados que se voltaram sobre a

questão da linguagem, julgamos mais interessante e conveniente, focarmos nossa

atenção nos modelos teóricos propostos por Chomsky, Piaget e Vygotsky. Além

disso, queremos propor uma reflexão sobre a linguagem a partir dos textos

literários supracitados.

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EMBASAMENTO TEÓRICO

Certas questões sempre se impõem quando o assunto em pauta é a

linguagem. Eis algumas delas: de que modo se dá o processo de aquisição de

uma língua? A aprendizagem da língua materna difere muito da aprendizagem de

uma língua estrangeira? Todos podem aprender uma língua estrangeira ou só os

mais inteligentes? A criança e o adolescente se desenvolvem melhor que o

adulto? Tem mais “facilidade”? Outras questões que também nos são colocadas:

aprendemos mediante simples imitação ou praticando efetivamente? A linguagem

possui um esteio, um engate natural, isto é, biológico, ou é fruto exclusivo das

relações culturais?

São indagações que nos fazemos desde sempre em nosso afã apreender

globalmente todos os aspectos que dizem respeito à linguagem humana. Veremos

como o Inatismo, modelo teórico inicialmente pelo linguista norte americano Noam

Chomsky, responde a essas questões; em seguida, nos voltaremos para o

Construtivismo, modelo teórico idealizado pelo suíço Jean Piaget, e, finalmente,

nos ocuparemos do Interacionismo, também chamado de Sócio-construtivismo,

modelo proposto pelo russo Lev Vygotsky.

Além dos teóricos da linguagem acima mencionados e de outros que são

casualmente citados ao longo do trabalho escrito, nossa pesquisa, no que tange à

sua parte mais pragmática, à prática de sala de aula, propõe também uma

reflexão acerca da natureza da linguagem humana a partir da óptica literária de

três textos: o primeiro, um fragmento extraído do romance Cien años de Soledad,

de Gabriel García Márquez, em que fica mais do que evidente a relevância da

língua para a manutenção da sociedade humana, o segundo, um fragmento

extraído do livro A cidade dos antigos imperadores, do autor alemão Michel Ende,

que, de certo modo, complementa o texto de Gabriel García Márquez, e, por fim,

uma crônica divertidíssima de Carlos Drummond de Andrade que brinca com a

linguagem especialíssima dos apaixonados.

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nossa questão de pesquisa é: Como podemos trabalhar com a literatura na

aula de língua estrangeira sem se limitar apenas ao aspecto gramatical?

Buscando responder a essa interrogação, realizamos uma pesquisa aplicada em

que usamos alguns textos literários que têm o mérito de tocar no âmbito da

linguagem.

A proposta consistia na leitura dos textos, na contextualização através da

intermediação do professor e, além da reflexão implícita acerca da linguagem,

uma atividade interativa na qual os alunos, em conjunto, reproduziram a mesma

situação ocorrida no texto de Gabriel García Márquez, confeccionando fichas com

o nome dos objetos bem como sua respectiva funcionalidade e em seguida as

fichas foram coladas nos objetos.

Os alunos reagiram bem a essa proposta. Além do acréscimo lexical, eles

deram um passo importante no aprendizado, pois, sem que fosse preciso apelar

para a gramática, eles adquiriram outra competência linguística: o uso dos

heterogenéricos. E, sobretudo, acreditamos, passaram a ver a linguagem com

outros olhos, como algo imprescindível para a manutenção da sociedade humana.

Nesse sentido, nos reportamos a Giordano Bruno para quem “os homens

não são abelhas nem formigas, que repetem sempre os mesmos atos. Eles

constroem o saber e podem inventar e comunicar suas invenções.” (BRUNO,

2012) (Grifos nossos)

Aparentemente incoerente com os interesses de uma investigação como

essa, a afirmação de Giordano Bruno – filósofo italiano condenado à fogueira pela

Inquisição – nos apresenta o humano em oposição ao animal, o filósofo lança uma

hipótese interessante que coincide com os interesses globais deste trabalho: em

poucas palavras, o que nos torna especiais? O que nos faz humanos? O que nos

difere dos animais?

Em atenção às questões acima enumeradas, o filósofo italiano responde de

forma objetiva e econômica, justapondo dois verbos: inventar e comunicar. É

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interessante observar que Giordano Bruno atribui o mesmo peso para os dois

conceitos.

De fato, o homem é o único animal capaz de alterar o meio natural, de

adaptá-lo às suas necessidades e conveniências. Difere, por exemplo, dos

elefantes que também podem modificar o meio, devido à sua força, mas

geralmente o fazem em seu próprio prejuízo. Além disso, somos capazes de

inventar toda sorte de equipamentos necessários a cada atividade, há tempos

substituímos a pedra para lascar coco. Mas a diferença mais importante entre o

homem e os animais irracionais é a capacidade humana de se comunicar através

da linguagem, sem a qual a vida em sociedade, logicamente, se tornaria

impossível.

É fato que os animais também fazem uso de algum tipo de linguagem; o

que dizer, por exemplo, da linguagem das baleias, e, mais espantoso ainda, dos

golfinhos? Incontestável o fato de há linguagem entre os animais, algumas,

inclusive, altamente complexas, mas nada que faça face à especificidade da

linguagem humana, fenômeno tão vital quanto extraordinário e complexo. E,

portanto, trazê-lo à luz, compreendê-lo melhor, significa avançar

incomensuravelmente, em todos os sentidos.

Eis porque, principalmente nós, professores, temos uma dívida eterna com

esses três pesquisadores – Chomsky, Piaget e Vygotsky – que tanto labutaram no

sentido de descrever esse fenômeno que, segundo Mário Perini, “nos governa e

ultrapassa em tão grande medida” (PERINI, 2003, p. 10).

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EXPLANAÇÃO DA PESQUISA

A pergunta mais comum, sem dúvida, está relacionada ao processo de

aquisição da linguagem: de que maneira nós adquirimos a linguagem?

A grosso modo, de acordo com o Inatismo proposto por Chomsky, os seres

humanos teriam um dispositivo de aquisição de linguagem (DAL), em outras

palavras, estaríamos biologicamente pré-configurados para adquirir a linguagem,

da mesma forma, por exemplo, que nascemos com a capacidade de ver, ouvir ou

andar.

Nesse sentido, Marta Baralo (1998, p. 7), uma renomada linguista

argentino, diz: “Todos los niños del mundo empiezan a comunicarse, desde muy

pequeños, en la lengua de la comunidad que les ha tocado en suerte, de forma

natural, sin ningún esfuerzo especial, sin proponérselo deliberadamente”. Ainda

nesse sentido, agrega a pesquisadora:

(...) No importa que el niño nazca en una familia pobre o rica, que este siempre con su

madre o en una guardería, que le hablen constantemente o que esté solo muchas horas

al día. Tampoco importa que sea muy inteligente o no, que el ambiente sea culto o vulgar,

el niño pasará por las mismas etapas en su experiencia de adquisición y llegará a los

mismo resultados. (BARALO, 1998, p. 7)

Baralo nos faz ver, a seguir, que não devemos esperar que as crianças

falem da mesma maneira, haverá, naturalmente, diferenças de vocabulário,

crianças que apresentem um repertório maior de palavras, outros que se

expressem com maior desenvoltura e clareza, outros ainda que faça uso de

expressões consideradas grosseiras, o que é perfeitamente compreensível e não

chega propriamente a empanar a teoria de Chomsky. Baralo não deixa dúvida

com relação à sua filiação teórica:

Pero sí podemos reconocer que la adquisición de la lengua materna es un proceso

cognitivo universal, inherente a la condición humana. La capacidad del lenguaje,

materializada en la adquisición de la LM, es una habilidad compleja y especializada, que

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se desarrolla de forma espontánea en el niño, sin esfuerzo consciente y sin instrucción

formal, y que es cualitativamente igual a todos los individuos. (BARALO, 1998, p.9)

A seguir, Marta Baralo é mais taxativa ainda e afirma que é precisamente

por estas características que alguns pesquisadores consideram a linguagem como

um “instinto”, “palabra que transmite la idea de que las personas saben hablar en

el mismo sentido en que las arañas saben tejer sus telas o que las abejas saben

danzar para encontrar y llevar el polen a su colmena” (BARALO, 1998, p. 10).

A crítica que Jean Piaget tece ao Inatismo parte do pressuposto de que não

é possível que a estrutura cognitiva esteja totalmente acabada desde o

nascimento, já que boa parte dessa estrutura, a seu ver, é formada e lapidada a

partir das experiências concretas. Para Piaget, ainda que concordemos com o fato

de alguns aspectos da cognição coincidam com o nascimento da criança, estes

apenas poderão se desenvolver a partir do contato direto com o mundo material.

Nesse sentido, segundo Goulart, Jean Piaget, buscou demonstrar que a

própria criança, desde o início, exerce uma certa “fiscalização” sobre a obtenção e

organização de sua experiência do mundo exterior. “Acompanha com os olhos os

objetos, seu olhar explora em torno, volta a cabeça; com as mãos agarra, solta,

joga, empurra; explora com os olhos e mãos alternadamente, cheira, leva à boca e

prova, etc” (GOULART, 1995, 16).

De acordo com Piaget, boa parte do conhecimento coletivamente

acumulado pelo homem, é fruto de suas inquietações, de sua angustiante

necessidade de entender e dar sentido ao mundo e às coisas que o rodeiam.

Nessa tentativa de interação e compreensão do meio, o homem desenvolve

alguns equipamentos neurológicos herdados que facilitam o funcionamento

intelectual.

É na Biologia (o que não é gratuito, lembremos que a formação acadêmica

de Piaget se deu precisamente nessa área), na interação do homem com o meio,

que Piaget encontra respaldo para propor um modelo científico interessante que

se dê conta do fenômeno da construção do conhecimento e, por conseguinte, da

linguagem. De acordo com esse modelo biológico proposto por Piaget o

organismo do homem é essencialmente seletivo, por organizar os alimentos que

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podem ser úteis; esses alimentos vão sendo adaptados de acordo com as

necessidades biológicas. À medida que o homem seleciona os alimentos e inicia a

adaptação destes ao organismo, acontece a assimilação, ou seja, a estrutura

biológica acomoda os alimentos para a satisfação das necessidades do corpo.

Nas palavras de Goulart,

o construtivismo piagetiano é essencialmente biológico. A perspectiva lógica de Piaget

não é senão o correspondente de sua perspectiva biológica, isto é, o desenvolvimento é

visto como um processo de adaptação, que tem como modelo a noção biológica do

organismo em interação constante com o meio. (GOULART, 1995, 17)

Em outros termos, de acordo o construtivismo de Piaget, a estrutura

cognitiva do homem está em permanente atividade processual, ocupada que está

em organizar, assimilar e adaptar o conhecimento, o que é de suma importância,

diga-se de passagem, pois assegura a adaptação do homem ao meio em que está

inserido.

Durante a etapa da adaptação, chamemos de etapa, nossa estrutura

cognitiva se modifica para apreender o conhecimento mais recente. A isto, às

pequenas reconfigurações observadas em nossa estrutura cognitiva, Piaget

chama de acomodação.

Segundo Goulart (1995, p. 17), o processo de organização, adaptação e

assimilação de um conhecimento novo em folha passa necessariamente por

esquemas assimilativos, como, por exemplo, a repetição e a generalização. Ainda

de acordo com Goulart (1995, p. 18, 19) “As ações, as reflexões e as

representações, ao serem repetidas diversas vezes em situações diferentes,

tornam-se novas estruturas, novos conhecimentos”. Nesse mesmo sentido, “ao se

repetir uma mesma ação em diferentes situações a assimilação dessa ação

aumenta, aumentando também a compreensão de que esta mesma ação pode ser

generalizada a outros momentos, ficando cada vez mais clara a sua identificação

e reconhecimento, em qualquer situação”.

Podemos concluir então que a repetição, longe de ser um algo negativo,

esse um papel importantíssimo já que reforça os conhecimentos assimilados, ou

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preexistentes, reforçando-os e tornando-os mais consistentes, o que facilita a

aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência.

Em síntese, de acordo com o construtivismo proposto por Jean Piaget, a

estrutura cognitiva do ser humano vai construindo-se e aprimorando-se

paulatinamente e concomitante à construção de novos conhecimentos, através da

busca natural do homem por adaptar-se ao meio ambiente.

Atento às relações dos próprios filhos com o meio, Piaget chegou à

conclusão de que as crianças têm uma maneira muito própria de analisar e

apreender as coisas. O erro e o acerto são conceitos que estão no cerne do

raciocínio infantil e foi a partir da relação erro/ acerto que Piaget desenvolveu sua

teoria de estágios do desenvolvimento da criança.

De acordo com o eminente pesquisador, o processo de desenvolvimento

cognitivo da criança apresenta quatro períodos principais:

I. Estágio – Sensório-motor: do nascimento até aproximadamente os dois

anos; nesse estágio, a capacidade intelectual da criança é substancialmente

prática, com predomínio das ações de reflexo. A relação com o meio ambiente não

se dá pelo raciocínio lógico ou pela representação simbólica, mas pela ação e

experimentação direta.

II. Estágio – Pré-operatório: esse estágio, que abarca dos 2 aos 7 anos, é

marcado pela predominância do egocentrismo, a criança prioriza aspectos que

são mais relevantes aos seus olhos, e já que não consegue se pôr abstratamente

no lugar do outro, sua leitura da realidade é parcial e incompleta. Sua percepção

abstrata começa a ser aguçada à medida que aumenta sua capacidade de

simular, imaginar situações, figuras e pessoas semelhantes.

III. Estágio – Operações Concretas: nesse estágio, que compreende dos 7

aos 12 anos, a lógica começa a se desenvolver e a criança é capaz de organizar e

sistematizar situações. Sua compreensão do mundo não é mais tão prática, mas

ainda depende do mundo concreto para realizar abstrações.

IV. Estágio – Operações formais e Pensamento hipotético-dedutivo: nesse

estágio, predomina a lógica formal, ou seja, a criança realiza abstrações sem

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necessitar de representações concretas e pode, também, imaginar situações

nunca vistas ou vivenciadas por ela.

Muito embora Jean Piaget conceba o homem como sujeito ativo dentro do

processo de produção do conhecimento, seus críticos alegam que há uma

omissão de sua teoria no que concerne à condição histórico do homem e à

biologização de sua teoria, o que, de certa maneira, o coloca em oposição a

Vygotsky que procurou entender o desenvolvimento intelectual a partir das

relações histórico-sociais, ou seja, buscou demonstrar que o conhecimento é

socialmente construído pelas e nas relações humanas.

De acordo com Lev Vygotsky, “a cultura é inerente ao ser humano que

possui natureza social. Através da interação com os outros há o desenvolvimento

e a transformação social, cultural e cognitiva, tornando o saber e a cultura algo

coletivo” (VYGOTSKY, 2004, p. 24).

Vygotsky concebe o desenvolvimento intelectual a partir das relações

histórico-sociais, para ele o homem é por excelência um ser social, na ausência do

outro, o homem não se define como tal. Nesse sentido, a cultura torna-se parte da

natureza humana num processo histórico que, ao longo do desenvolvimento da

espécie e do individuo, molda o funcionamento psicológico do homem.

A convivência social desempenha um papel fundamental dentro da teoria

de Lev Vygotsky, a ela é creditada a promoção do homem de ser biológico a ser

humano social, e a aprendizagem que brota nas relações sociais ajuda a construir

os conhecimentos que darão suporte ao desenvolvimento mental.

De acordo com o estudioso russo, a criança nasce “equipada” apenas com

funções psicológicas elementares, é somente a partir do aprendizado da cultura,

essas funções adquirem o status de funções psicológicas superiores.

Oliveira (1992) resume a melhor a questão, segundo ele, as concepções de

Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano fundamentam-se em sua

idéia de que as funções psicológicas superiores são construídas ao longo da

história social do homem. Na sua relação com o mundo, mediada pelos

instrumentos e símbolos desenvolvidos culturalmente, o ser humano cria as

formas de ação que o distinguem de outros animais.

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É preciso ressaltar que essas informações não são interiorizadas tal e qual

são emitidas, elas sofrem uma reelaboração interna, de acorda com a linguagem

específica que há em cada individuo. Dito de outra forma, todo processo de

construção de conhecimentos e desenvolvimento intelectual apresenta traços

muito particulares. Em outras palavras, os significados sócio-culturais

historicamente produzidos são internalizados pelo homem de forma individual e,

por isso, ganham um sentido pessoal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos a um ponto em que se faz necessário tecer algumas

ponderações a respeito das teorias observadas.

Vistas isoladamente as teorias parecem irretocáveis. Suas deficiências e

fragilidades só vêem à tona quando confrontadas umas com as outras. Muitas

vezes, comparando-as, temos a impressão de que elas se repelem mutuamente,

como a água e o azeite; outras vezes, no entanto, temos a sensação de que elas

têm muito mais em comum do que supomos à primeira vista, e que nenhuma se

sobrepõe à outra.

Embora as teorias analisadas sejam passíveis de críticas, devemos

reconhecer o fato de que elas interferem o tempo todo em nossa prática de

ensino; por exemplo, a teoria inatista de Chomsky, vem servindo durante os

últimos vinte anos de suporte a uma boa parte das pesquisas sobre aquisição de

língua materna e língua estrangeira. “También ha tenido y tiene muchos críticos y

detractores, pero hay ciertas evidencias de universalidad del proceso que se

pueden explicar e investigar mejor dentro de un marco innatista” (BARALO, 1998,

p. 11).

O que vai ao encontro da concepção de alguns biólogos, entre eles

Lenneberg, que defendem que a dotação genética especificada para a linguagem

não está disponível de maneira indefinida, mas que existe “período crítico”, ou

seja, a capacidade funcionará de maneira ótima se receber os estímulos

necessários no tempo adequado, enquanto se atrofiará se a aquisição não se

realizar antes da puberdade. Este tema foi retratado pelo cinema e pela literatura a

propósito da descoberta de crianças isoladas em condições extremas, os quais,

quando trazidos para o convívio social, não foram capazes de dominar sua língua

materna.

A partir da teoria de Piaget é possível indicar alguns caminhos possíveis

para a prática escolar.

Para Piaget o conhecimento é uma construção em constante processo. Isso

pressupõe entender que a criança é capaz de criar, recriar e experimentar de

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forma autônoma, impulsionando seu próprio desenvolvimento. Nesse sentido, o

ato de errar não pode ser encarado como falha e sim como um momento

necessário da aprendizagem; a ausência do erro denuncia a ausência da

experimentação e, conseqüentemente, ausência da aprendizagem.

Visto que a socialização e a moral vão sendo consolidadas ao longo da

infância, o trabalho coletivo, em Piaget, tem o papel de mediador das relações e

de instigador da capacidade de participação, cooperação e respeito mútuo. O

trabalho coletivo socializa, estabelece laços de afetividade e permite à criança

perceber-se como parte de uma coletividade, superando seu egocentrismo.

No construtivismo piagetiano o educador não é o detentor do saber, mas o

facilitador do processo ensino-aprendizagem. O aluno não é mero receptor de

conhecimento, mas o agente ativo que constrói conhecimento. Na relação

professor-aluno deve haver respeito mútuo e cooperação.

É claro que não se pode tomar uma teoria como verdade absoluta. O

conhecimento é sempre relativo e uma teoria é sempre limitada. Por isso, uma

teoria deve servir como uma possibilidade, dentre tantas, de construção de

educação diferenciada.

A própria prática pedagógica, que se renova a cada dia, deve ser vista

como um palco onde se experimenta, se inventa e se recria o ato de ensinar:

nesse palco podem surgir outras teorias.

Por fim, na aplicação de uma teoria é preciso levar em conta a realidade

sócio-cultural dos alunos, para que não se caia no risco de reproduzir e de copiar

mecanicamente determinada concepção de educação: o que deu certo em

determinado lugar não, necessariamente, pode responder às necessidades de

uma outra e diversa realidade.

Com relação à teoria de Vygotsky não há dúvida de que ela nos oferece

uma nova racionalidade a partir da qual é possível entender o desenvolvimento

interno da aprendizagem e da produção de conhecimento. A conclusão de que

uma atividade que, hoje, a criança somente consegue fazer com auxílio de outra

pessoa mas que pode vir a fazer sozinha amanhã, recoloca a relação erro/ acerto

numa outra perspectiva: a de que o ato de errar não deve ser um indicador de

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incapacidades, mas um elemento fundamental para entender-se que

conhecimentos precisam ser reforçados e estimulados no aluno.

Por outro lado a importância da cultura, da linguagem e das relações

sociais da teoria de Vygotsky fornece a base para uma educação em que o

homem seja visto na sua totalidade: na multiplicidade de suas relações com

outros; na sua especificidade cultural; na sua dimensão histórica, ou seja, em

processo de construção e reconstrução permanente.

Todo professor de LEM segue uma vertente ou uma teoria lingüística para

embasar sua prática em sala de aula. Isso significa que de alguma forma as

teorias que tratam da linguagem estão presentes em sala, fundamentando os

procedimentos do professor no decorrer da aula. No entanto, muitas vezes a teoria

não é efetivamente posta em prática, ou seja, o professor tem um discurso, mas

na realidade sua metodologia contradiz o seu embasamento teórico. Isso ocorre,

por exemplo, quando o assunto é cultura e linguagem.

É comum o professor de língua estrangeira entrar em sala sem se dar conta

da importância de trabalhar a cultura e sem ao menos saber como ela pode ser

explorada em benefício do aprendizado de uma língua. Porque como estamos

tratando de uma língua estrangeira é necessário conhecer as opções e o porque

do seu uso, e isso não aprendemos somente abrindo uma gramática, mas também

tendo contato com expressões culturais e modos de se expressar.

A partir do pós-estruturalismo língua e cultura passam a ser compreendidas

como indissociáveis. Nesse sentido o professor de LEM estará sempre

trabalhando com cultura na sala de aula ainda que não a mencione diretamente.

Há varias maneiras de abordar a cultura e a linguagem na aula de LEM. De

acordo com Gail Robinson (2000), os elementos da cultura são literatura, arte,

crenças, costumes, hábitos, valores, música, folclore, instituições, vestuário,

alimentação, artefatos e lazer. A literatura, por exemplo, é um elemento muito rico

que oferece muitas possibilidades ao professor, inclusive o de trabalhar outros

elementos da cultura inseridos nela ou até mesmo levar o aluno a pensar a

respeito da linguagem e seus usos. Clarissa Menezes Jordão (2006, p. 43)

acredita que

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a literatura possa ser tanto ensinada (no sentido de ser possível chamar à atenção convenções literárias e interpretativas, assim como fazer perceber contextos culturais, históricos e sociais que envolvem não apenas obras literárias, mas o próprio momento histórico de leitura), quanto aprendida (através da capacidade de cada indivíduo de fazer associações, comparações e ligações; através de processos de leitura de textos e atribuição de significados.

Ao levar textos literários para a aula de LEM o professor deve, num primeiro

momento, preparar os alunos para a leitura. Isso quer dizer que deve haver uma

contextualização, para que o aluno possa se familiarizar com o texto. Antes de

iniciar o trato com o texto, tanto aluno como professor devem estar cientes do que

é fazer uma boa leitura de um texto, seja ele literário ou não. Uma boa leitura não

significa entender o significado de todas as palavras, porque o texto não é

fragmentado e o seu significado está no conjunto de todas as palavras unidas por

elementos coesivos. O texto é uma unidade homogênea. O leitor que

simplesmente sabe o significado das palavras, mas não consegue uni-las para

entender o todo do texto, não é um leitor, mas sim um decodificador. Por outro

lado, aquele que não entende algumas palavras ou até mesmo orações inteiras,

mas mesmo assim consegue entender o sentido do texto é o que realmente faz

uma boa leitura. Pois o significado de um texto não é o significado de cada oração,

palavra ou parágrafo. Cada uma dessas partes completa e modifica o significado

das anteriores até que chega o momento em que se percebe que todos eles

compõem um significado total. Segundo Bahhtin (2000, p. 35)

a oração que se torna enunciado completo adquire novas qualidades e particularidades que não pertencem à oração, mas ao enunciado, que não expressam a natureza da oração mas do enunciado e que, achando-se associadas à oração, completam-na até torná-la um enunciado completo.

Depois de uma leitura cuidadosa e da compreensão do significado total do

texto, pode-se partir para a próxima etapa: o léxico, o qual

“se caracteriza en general, por venir condicionado por la evolución de la estructura social; el léxico es lo más afectado de la estructura linguística, en menor medida la sintaxis y en grado mínimo la fonología, pese a ello, en cada momento de la vida de una lengua hay una base de usos léxicos que se mantiene de épocas anteriores. Basta una generación para que se perciban en toda su intensidad los cambios léxicos” (LOBATO, 1996, p.238).

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A literatura, além das contribuições imediatas destacadas acima, pode

prestar-se, inclusive, para refletir sobre o fenômeno da linguagem. Foi

precisamente o que tentamos fazer em nossa prática de ensino, em que propomos

aos alunos uma reflexão linguística a partir de alguns textos literários que

escolhemos cuidadosamente.

O primeiro texto em questão, extraído do romance Cien años de soledad,

de Gabriel García Márquez, relata a luta dos habitantes de Macondo, um pequeno

vilarejo fundado pelo patriarca José Arcádio Buendía, para não sucumbir à “peste

del insomnio”, uma estranha doença cuja natureza está muito bem explicitada nas

palavras de uma personagem

(...) Pero la india les explicó que lo más temible de la peste de la enfermedad del insomnio no era la imposibilidad de dormir, pues el cuerpo no sentía cansancio alguno, sino su inexorable evolución hacia una manifestación más crítica, el olvido. Quería que cuando el enfermo se acostumbraba a su estado de vigilia, empezaban a borrarse de su memoria los recuerdos de la infancia, luego el nombre y la noción de las cosas, y por último la identidad de las personas y aun la conciencia del propio ser, hasta hundirse en una especie de idiotez sin pasado. (MÁRQUEZ, 2007, 59)

É na materialidade da palavra escrita que os habitantes de Macondo

encontram uma solução paliativa para retardar o progresso da doença:

Fue Aureliano quien concibió la fórmula que había de defenderlos durante

varios meses de las evasiones de la memoria. La descubrió por casualidad.

Insomne experto, por haber sido uno de los primeros, había aprendido a la

perfección el arte de la platería. Un día estaba buscando el pequeño yunque que

utilizaba para laminar los metales, y no recordó su nombre. Su padre se lo dijo:

“tas”. Aureliano escribió el nombre en un papel que pegó con goma en la base del

yunquecita: tas. Así estuvo seguro de no olvidarlo en el futuro. No se le ocurrió

que fuera aquella la primera manifestación del olvido, porque el objeto tenía un

nombre difícil de recordar. Pero pocos días después descubrió que tenía

dificultades para recordar casi todas las cosas del laboratorio. Entonces las marcó

con el nombre respectivo, de modo que le bastaba con leer la inscripción para

identificarlas. Cuando su padre le comunicó su alarma por haber olvidado hasta

los hechos más impresionantes de su niñez, Aureliano le explicó su método, y

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José Arcadio Buendía lo puso en práctica en toda la casa y más tarde lo impuso a

todo el pueblo. Con un hisopo entintado marcó cada cosa con su nombre: mesa,

silla, reloj, puerta, pared, cama, cacerola. Fue al corral y marcó los animales y las

plantas: vaca, chivo, puerco, gallina, yuca, malanga, guineo. Poco a poco,

estudiando las infinitas posibilidades del olvido, se dio cuenta de que podía llegar

un día en que se reconocieran las cosas por sus inscripciones, pero no se

recordara su utilidad. Entonces fue más explícito. El letrero que colgó en la cerviz

de la vaca era una muestra ejemplar de la forma en que los habitantes de

Macondo estaban dispuestos a luchar contra el olvido: Esta es la vaca, hay que

ordeñarla todas las mañanas para que produzca leche y a la leche hay que

hervirla para mezclarla con el café y hacer café con leche. Así continuaron

viviendo en una realidad escurridiza, momentáneamente capturada por las

palabras, pero que había fugarse sin remedio cuando olvidaran los valores de la

letra escrita. (MÁRQUEZ, 2007, 59-60)

O segundo texto, extraído do livro A cidade dos antigos imperadores, de

Michael Ende, de certa forma completa a experiência vivida pelos habitantes de

Macondo. Os moradores de Fantasia não diferem muito dos animais, pois

perderam aquilo que nos faz humanos e especiais, a capacidade da linguagem.

E por fim, apresentamos aos alunos uma crônica de Carlos Drummond de

Andrade, que brinca com a linguagem especialíssima dos apaixonados. Os textos

literários supracitados têm o mérito de tocar em questões relacionadas à

linguagem e nos propõe reflexões acerca da mesma, sua natureza dinâmica e sua

importância que, por vezes, nos passa despercebida.

Em conclusão, a literatura, em função de sua própria natureza, não deve

ser relegada a um plano secundário no ensino de língua estrangeira, já que, entre

outras coisas, têm o mérito de apreender a realidade de uma determinada

sociedade humana, de universalizar o q ue é local, de combater estereótipos, de

aguçar a curiosidade e o espírito crítico do aluno. Através da literatura, o aluno/

leitor tem a possibilidade de mergulhar de corpo e alma na cultura estrangeira.

Compreender nuances que, por si só, sem a mediação do texto literário,

provavelmente não perceberia, além do enriquecimento lexical. A leitura de textos

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literários antecipa aquisições de linguagem e representa um passo importante

para a autonomia do aluno como futuro usuário da língua meta. O aluno/ leitor

encontra resposta para questões cujas origens ignorava, fazendo-o reflexionar,

impedindo que ele saia por aí reproduzindo, irrefletidamente, lugares-comuns.

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REFERÊNCIA BIBIOGRÁFICAS

ANDRADE, Carlos Drummond. Boca de luar. Rio de Janeiro, Record, 1984. p. 25-7. BAKHTIN, Mikhail. “Os gêneros do discurso”. Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2000. BARALO, Marta. La adquisición del español como lengua extranjera. Cuaderno de didáctica del español/LE. Buenos Aires, Arco Libros, 1998. BRUNO, Giordano. http://www.Haicu.sf.nom.br/sf/2001/SF0102.PDF (Acesso 03/02/2012) CHOMSKY, Noan. DELTA vol.13 special sigue São Paulo 1997 CHOMSKY, Noan. http://www.pdt.org.br/chomsky.htm (Acesso 10/03/2012) ENDE, Michael. A história sem fim. 5 ed., São Paulo, Martins Fontes/ Presença. 1990. p. 340-1. GOULART, Íris Barbosa. A educação na perspectiva construtivista. 2 ed. Petrópolis, Vozes, 1995. JORDÃO, Clarissa Menezes. A morte (e a volta) do leitor – ou de como usar a voz do outro para reforçar distâncias na aula de literatura. Revista X. Vol. 2, 2006. LOBATO, Jesús Sánchez. “Modelos de uso de lengua extranjera en la literatura española actual”. Tendencias actuales en la enseñanza del español como lengua extranjera. Málaga, 1996. p. 235-246. MÁRQUEZ, Gabriel García. Cien años de soledad. Alfaguara, 2007. p. 59-62. OLIVEIRA, Marta Kohl de. Desenvolvimento e aprendizado. São Paulo, Scipione, 1997. PERINI, Mário. Sofrendo a gramática. São Paulo, Ática, 2003. PIAGET, A lógica própria da criança como base no ensino. Revista Nova Escola, agosto, 1996. ROBINSON. Gail. http://www.ufpr.br/~marizalmeida/celem_08/index.html (Acesso 07/03/2012) VYGOTSKY, O teórico social da inteligência. Revista Nova Escola, dezembro, 1996. VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1991.

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ANEXO

Fragmento de la novela Cien años de soledad, de Gabriel García Márquez

Una noche, por la época en que Rebeca se curó del vicio de comer tierra y fue llevada a dormir en el cuarto de los otros niños, la india que dormía con ellos despertó por casualidad y oyó un extraño ruido intermitente en el rincón. Se incorporó alarmada, creyendo que había entrado un animal en el cuarto, y entonces vio a Rebeca en el mecedor, chupándose el dedo y con los ojos alumbrados como los de un gato en la oscuridad. Pasmada de terror, atribulada por la fatalidad de su destino, Visitación reconoció en esos ojos los síntomas de la enfermedad cuya amenaza los había obligado, a ella y a su hermano, a desterrarse para siempre de un reino milenario en el cual eran príncipes. Era la peste del insomnio. Cataure, el indio, no amaneció en la casa. Su hermana se quedó, porque su corazón fatalista le indicaba que la dolencia letal había de perseguirla de todos modos hasta el último rincón de la tierra. Nadie entendió la alarma de Visitación. “Si no volvemos a dormir, mejor”, decía José Arcadio Buendía, de buen humor. “Así nos rendirá más la vida”. Pero la india les explicó que lo más temible de la enfermedad del insomnio no era la imposibilidad de dormir, pues el cuerpo no sentía cansancio alguno, sino su inexorable evolución hacia una manifestación más crítica: el olvido. Quería decir que cuando el enfermo se acostumbraba a su estado de vigilia, empezaban a borrarse de su memoria los recuerdos de la infancia, luego el nombre y la noción de las cosas, y por último la identidad de las personas y aun la conciencia del propio ser, hasta hundirse en una especie de idiotez sin pasado. José Arcadio Buendía, muerto de risa, consideró que se trataba de una de tantas dolencias inventadas por la superstición de los indígenas. Pero Úrsula, por si acaso, tomó la precaución de separar a Rebeca de los otros niños. Al cabo de varias semanas, cuando el terror de Visitación parecía aplacado, José Arcadio Buendía se encontró una noche dando vueltas en la cama sin poder dormir. Úrsula, que también había despertado, le preguntó qué le pasaba, y él le contestó: “Estoy pensando otra vez en Prudencio Aguilar”. No durmieron un minuto, pero al día siguiente se sentían tan descansados que se olvidaron de la mala noche. Aureliano comentó asombrado a la hora del almuerzo que se sentía muy bien a pesar de que había pasado la noche en el laboratorio dorando un prendedor que pensaba regalarle a Úrsula el día de su cumpleaños. No se alarmaron hasta el tercer día, cuando a la hora de acostarse se sintieron sin sueño, y cayeron el la cuenta de que llevaban más de cincuenta horas sin dormir. -Los niños también están despiertos –dijo la india con su convicción fatalista – .Una vez que entra en la casa, nadie escapa a la peste. Habían contraído, en efecto, la enfermedad del insomnio. Úrsula, que había aprendido de su madre el valor medicinal de las plantas, preparó e hizo beber a todos un brebaje de acónito, pero no consiguieron dormir, sino que estuvieron todo el día soñando despiertos. En ese estado de alucinada lucidez no solo veían las imágenes de sus propios sueños, sino que los unos veían las imágenes soñadas por los otros. Era como si la casa se hubiera llenado de visitantes. Sentada en su mecedor en un rincón de la cocina, Rebeca soñó que un hombre muy parecido a ella, vestido de lino blanco y con el cuello de la camisa cerrado por un botón de oro, le llevaba un ramo de rosas. Lo acompañaba una mujer de manos delicadas que separó una rosa y se la puso a la niña en el pelo. Úrsula comprendió que el hombre y la mujer eran los padres de Rebeca, pero aunque hizo un grande esfuerzo por reconocerlos, confirmó su certidumbre de que nunca los había visto. Mientras tanto, por un descuido que José Arcadio Buendía no se perdonó jamás, los animalitos de caramelo fabricados en la casa seguían siendo vendidos en el pueblo. Niños y adultos chupaban encantados los deliciosos gallitos verdes del insomnio, los exquisitos peces rosados del insomnio y los tiernos caballitos amarillos del insomnio, de modo que el alba del lunes sorprendió despierto a todo el pueblo. Al principio nadie se alarmó. Al contrario, se alegraron de no dormir, porque entonces había tanto que hacer en Macondo que el tiempo apenas alcanzaba. Trabajaron tanto, que pronto no tuvieron nada más que hacer, y se encontraron a las tres de la madrugada con los brazos cruzados, contando el número de notas que tenía el valse de los relojes. Los que querían dormir, no por cansancio sino por nostalgia de los sueños, recurrieron a toda clase de métodos agotadores. Se reunían a conversar sin tregua, a repetirse durante horas y horas los mismos chistes, a complicar hasta los límites de la exasperación el cuento del gallo capón, que era un juego infinito en que el narrador preguntaba si querían que les contara el cuento del gallo capón, y cuando contestaban que sí, el narrador decía que no había pedido que dijeran que sí, sino que si querían que les contara el cuento del gallo capón, y cuando contestaban que no, el narrador decía que no les había pedido que dijeran que no, sino que si querían que les contara el cuento del gallo capón, y cuando se quedaban callados el narrador decía que no les había pedido que se quedaran callados, sino que si querían que les contara el cuento del gallo capón, y nadie podía irse, porque el narrador decía que no les había pedido que se fueran, sino que si querían que les contara el cuento del gallo capón, y así sucesivamente, en un círculo vicioso que se prolongaba por noches enteras. Cuando José Arcadio Buendía se dio cuenta de que la peste había invadido el pueblo, reunió a los jefes de familia para explicarles lo que sabía sobre la enfermedad del insomnio, y se acordaron medidas para impedir que el flagelo se propagara a otras poblaciones de la ciénaga. Fue así como les quitaron a los chivos las campanitas que los árabes cambiaban por guacamayas, y se pusieron a la entrada del pueblo a disposición de quienes desatendían los consejos y súplicas de los centinelas e insistían en visitar la población. Todos los forasteros que por aquel tiempo recorrían las calles de Macondo tenían que hacer sonar su campanita para que los enfermos supieran que estaban sanos. No se les permitía comer ni beber nada durante su estancia, pues no había duda de que la enfermedad solo se transmitía por la boca, y todas las cosas de comer y de beber estaban contaminadas de insomnio. En esa forma se mantuvo la peste circunscrita al perímetro de la población. Tan eficaz fue la cuarentena, que llegó el día en que la situación de emergencia se tuvo por cosa natural, y se organizó la vida de tal modo que el trabajó recobró su ritmo y nadie volvió a preocuparse por la inútil costumbre de dormir.

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Fue Aureliano quien concibió la fórmula que había de defenderlos durante varios meses de las evasiones de la memoria. La descubrió por casualidad. Insomne experto, por haber sido uno de los primeros, había aprendido a la perfección el arte de la platería. Un día estaba buscando el pequeño yunque que utilizaba para laminar los metales, y no recordó su nombre. Su padre se lo dijo: “tas”. Aureliano escribió el nombre en un papel que pegó con goma en la base del yunquecita: tas. Así estuvo seguro de no olvidarlo en el futuro. No se le ocurrió que fuera aquella la primera manifestación del olvido, porque el objeto tenía un nombre difícil de recordar. Pero pocos días después descubrió que tenía dificultades para recordar casi todas las cosas del laboratorio. Entonces las marcó con el nombre respectivo, de modo que le bastaba con leer la inscripción para identificarlas. Cuando su padre le comunicó su alarma por haber olvidado hasta los hechos más impresionantes de su niñez, Aureliano le explicó su método, y José Arcadio Buendía lo puso en práctica en toda la casa y más tarde lo impuso a todo el pueblo. Con un hisopo entintado marcó cada cosa con su nombre: mesa, silla, reloj, puerta, pared, cama, cacerola. Fue al corral y marcó los animales y las plantas: vaca, chivo, puerco, gallina, yuca, malanga, guineo. Poco a poco, estudiando las infinitas posibilidades del olvido, se dio cuenta de que podía llegar un día en que se reconocieran las cosas por sus inscripciones, pero no se recordara su utilidad. Entonces fue más explícito. El letrero que colgó en la cerviz de la vaca era una muestra ejemplar de la forma en que los habitantes de Macondo estaban dispuestos a luchar contra el olvido: Esta es la vaca, hay que ordeñarla todas las mañanas para que produzca leche y a la leche hay que hervirla para mezclarla con el café y hacer café con leche. Así continuaron viviendo en una realidad escurridiza, momentáneamente capturada por las palabras, pero que había fugarse sin remedio cuando olvidaran los valores de la letra escrita. En la entrada del camino de la ciénaga se había puesto un anuncio que decía Macondo y otro más grande en la calle central que decía Dios existe. En todas las casas se habían escrito claves para memorizar los objetos y los sentimientos. Pero el sistema exigía tanta vigilancia y tanta fortaleza moral, que muchos sucumbieron al hechizo de una realidad imaginaria, inventada por ellos mismos, que les resultaba menos práctica pero más reconfortante. Pilar Ternera fue quien más contribuyó a popularizar esa mistificación, cuando concibió el artificio de leer el pasado en las barajas como antes había leído el futuro. Mediante ese recurso, los insomnes empezaron a vivir en un mundo construido por las alternativas inciertas de los naipes, donde el padre se recordaba apenas como el hombre moreno que había llegado a principios de abril y la madre se recordaba apenas como la mujer trigueña que usaba un anillo de oro en mano izquierda, y donde una fecha de nacimiento quedaba reducida al último martes en que cantó la alondra en el laurel. Derrotado por aquellas prácticas de consolación, José Arcadio Buendía decidió entonces construir la máquina de la memoria que una vez había deseado para acordarse de los maravillosos inventos de los gitanos. El artefacto se fundaba en la posibilidad de repasar todas las mañanas, y desde el principio hasta el fin, la totalidad de los conocimientos adquiridos en la vida. Lo imaginaba como un diccionario giratorio que un individuo situado en el eje pudiera operar mediante una manivela, de modo que en pocas horas pasaran frente a sus ojos las nociones más necesarias para vivir. Había logrado escribir cerca de catorce mil fichas, cuando apareció por el camino de la ciénaga un anciano estrafalario con la campanita triste de los durmientes, cargando una maleta ventruda amarrada con cuerdas y un carrito cubierto de trapos negros. Fue directamente a la casa de José Arcadio Buendía. Visitación no lo conoció al abrirle la puerta, y pensó que llevaba el propósito de vender algo, ignorante de que nada podía venderse en un pueblo que se hundía sin remedio en el tremedal del olvido. Era un hombre decrépito. Aunque su voz estaba también cuarteada por la incertidumbre y sus manos parecían dudar de la existencia de las cosas, era evidente que venía del mundo donde todavía los hombres podían dormir y recordar. José Arcadio Buendía lo encontró sentado en la sala, abanicándose con un remendado sombrero negro, mientras leía con atención compasiva los letreros pegados en las paredes. Lo saludó con amplias muestras de afecto, temiendo haberlo conocido en otro tiempo y ahora no recordarlo. Pero el visitante advirtió su falsedad. Se sintió olvidado, no con el olvido remediable del corazón, sino con otro olvido más cruel e irrevocable que él conocía muy bien, porque era el olvido de la muerte. Entonces comprendió. Abrió la maleta atiborrado de objetos indescifrables, y de entre ellos sacó un maletín con muchos frascos. Le dio a beber a José Arcadio Buendía una sustancia de color apacible, y la luz se hizo en su memoria. Los ojos se le humedecieron de llanto, antes de verse a sí mismo en una sala absurda donde los objetos estaban marcados, y antes de avergonzarse de las solemnes tonterías escritas en las paredes, y aun antes de reconocer al recién llegado en un deslumbrante resplandor de alegría. Era Melquíades. MÁRQUEZ, Gabriel García. Cien años de soledad. Alfaguara, 2007. p. 59-62.

A CIDADE DOS ANTIGOS IMPERADORES Havia ali um grande grupo de pessoas, homens e mulheres, novos e velhos, todos vestidos das maneiras mais estranhas, mas sem falar. No chão havia um montão de grandes dados, que tinham letras nas seis faces. Aquelas pessoas jogavam continuamente os dados e depois observavam-nos fixamente durante muito tempo. - Que estão fazendo? – murmurou Bastian. – Que jogo é aquele? Como se chama? - É o jogo do acaso – respondeu Argax. Acenou aos jogadores e gritou: - Muito bem, meus filhos! Continuem! Não desistam! Depois voltou-se outra vez para Bastian e murmurou-lhe ao ouvido: - Já não são capazes de contar histórias. Esqueceram a fala. Por isso inventei esse jogo para eles. Para passar o tempo, como você vê. E é muito simples. Pensando bem, temos que concordar que, no fundo, todas as histórias do mundo se compõem apenas de vinte e seis letras. As letras são sempre as mesmas, só a sua combinação varia. Com as letras formam-se as palavras; com as palavras, frases; com as frases, capítulos e, com os capítulos, histórias. Olhe o que aquilo deu! Bastian leu: H G I K L O P F M W E Y V X O Y X C V B N M A S D F G H J K L O A Q W E R T Z U I O P U A S D F G H J K L O A

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M N B V C X Y L K J H G F D S A U P O I U Z U I O P U A S D F Y X C V B N M L K J Q W E R T Z U I O P U A S D F G H I K L A Y X C U P O I U Z T R E W Q A O L K J H G F D S A M N B V G J H D S R Z I P Q E T U O U S F H K O Y C B M W R Z I P A R C G U N I K Y O Q W E R T Z U I O P U A S D M N B V C X Y A S D L K J U O N G R E F G H L - Sim – gargalhou Argax -, é quase sempre assim. Mas quando se joga este jogo sem parar durante muito tempo, durante anos, algumas vezes formam-se palavras por acaso. Podem não ser muito significativas, mas são palavras. Por exemplo, “espinafre amarelo” ou “salsicha-escova” ou “pinta-pescoços”. Porém, se se continua a jogar este jogo durante centenas, milhares ou centenas de milhares de anos, é provável que alguma vez, por acaso, se obtenha um poema. E se se jogar eternamente, terão de surgir todas as poesias e todas as histórias do mundo, e também todas as histórias das histórias, e até mesmo está história em que estamos os dois conversando. É lógico, não acha? - É horrível! – disse Bastian. - Ora – opinou Argax -, isso depende do ponto de vista. Os que estão aqui... digamos... dedicam-se ao jogo apaixonadamente. E, além disso, que outra coisa poderíamos fazer com eles em Fantasia? Em silêncio, Bastian olhou durante muito tempo para os jogadores... ENDE, Michael. A história sem fim. 5. ed., São Paulo, Martins Fontes/ Presença, 1990. p. 340-1.

A estranha (e eficiente) linguagem dos namorados

- Oi, meu berilo! - Oi, meu anjo barroco! - Minha tanajura! Minha orquestra de câmara! - Que bom você me chamar assim, meu pessegueiro-da-flórida! - Você gosta, minha calhandra? - Adoro, meu teleférico iluminado! - Eu também gosto muito de ser tudo isso que você me chama! - De verdade, meu jaguaretê de paina? - Juro, meu cavalinho de asas! - Então diz mais, diz mais! (...) - Tuas paisagens, teu subsolo infernal, teus labirintos são superiores em felicidade a qualquer declaração dos direitos do homem! - A primeira vez que eu vi você naquele bar do crepúsculo eu senti que as pirâmides e as cataratas não valiam a tua unha do dedo mindinho! - Porque você é o Banco das Estrelas, e pode comprar todas as coisas do mundo, inclusive as águas e os animais, para restituí-los à vida em liberdade! - Como posso ouvir outras palavras senão as tuas, meu almanaque do céu? Minha ciência do insabível? Meu terremoto, meu objeto voador identificado? - Não nascemos um para o outro, nascemos um no outro, e estamos nessa desde antes do começo dos séculos, meu nenúfar! - E estaremos mesmo depois que os séculos se evaporem, ó meu desenho rupestre, meu formigão atômico! - Mandala, raio laser, sextina! Tudo meu, é claro! - Pomba-gira! - Clepsidra! - Sequóia minha minha minha! Diálogo aparentemente louco, mas que dois namorados de imaginação mantêm todos os dias, com estas ou outras palavras igualmente mágicas. Não inventei nada. Apenas colecionei expansões ouvidas aqui e ali, e que me pareceram espontâneas, isto é, ninguém deve ter preparado antes de dizer, de tal modo as palavras saíam entrecortadas de risos, interrompidas por afagos, brotando da situação. O amor é inventivo e anula os postulados da lógica. Ele tem sua lógica própria, tão válida quanto a outra. E os amantes se entendem sob o signo do absurdo – não tão absurdo assim, como parece aos não-amorosos. Já ouvi no interior de Minas alguém chamar seu amor de “meu bicho-de-pé” e receber em troca o mais cálido beijo.

Esta coletânea de frases de amor está aqui como introdução ao projeto não-comercial de comemorações do Dia dos Namorados. Não para que elas sejam repetidas mecanicamente. Todo namorado que se preze deve inventar as besteiras líricas e deliciosas que a gente não diz a qualquer pessoa, só para uma, e só em momentos de pura delícia. Funcionam? E como! ANDRADE, Carlos Drummond de. Boca de luar. Rio de Janeiro, Record, 1984. p. 25-7.

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