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Universidade Anhembi Morumbi Kenny Zukowski LINGUAGEM VISUAL E CULTURA DE CONSUMO NO DESIGN DE EMBALAGENS Dissertação de Mestrado Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu São Paulo, 2011

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Universidade Anhembi Morumbi

Kenny Zukowski

LINGUAGEM VISUAL E CULTURA DE CONSUMO NO DESIGN DE EMBALAGENS

Dissertação de Mestrado

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

São Paulo, 2011

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

KENNY ZUKOWSKI

LINGUAGEM VISUAL E CULTURA DE CONSUMO NO DESIGN DE EMBALAGENS

São Paulo, 2011

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design - Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Design, sob orientação da Profª. Drª. Luisa Angélica Paraguai Donati.

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KENNY ZUKOWSKI

LINGUAGEM VISUAL E CULTURA DE CONSUMO NO DESIGN DE EMBALAGENS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design - Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito par-cial para obtenção do título de mestre em Design. Aprovada pela seguite banca examinadora:

________________________________________Profª. Drª. Luisa Angélica Paraguai Donati

OrientadoraUniversidade Anhembi Morumbi

_________________________________________Profª. Drª. Gisela Grangeiro da Silva Castro

Examinadora externaESPM

_________________________________________Profª. Drª. Gisela Beluzzo de Campos

Examinadora internaUniversidade Anhembi Morumbi

São Paulo, 2011

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

KENNY ZUKOWSKIPossui graduação em Desenho Industrial, habilitação em Design Gráfico pela Universidade do Estado de Minas Gerais e Pós-Graduação em Docência Universitária. Tem experiência na área de design gráfico e publicidade. Atualmente é professor do Instituto Adventista de Ensino de São Paulo, campus Engenheiro Coelho, nas habilitações de Jornalismo e Publicidade e Propaganda. Coordena os estágios da agência experimental de publicidade.

Zukowski, KennyLinguagem visual e cultura de consumo no design de embalagem / Kenny Zukowski - 2011115 f.: il.:., 21x30 cm

Orientadora: Luisa Angélica Paraguai DonatiDissertação (Mestrado em Design) - Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011.Bibliografia: f. 109-115

1. Design gráfico. 2. Design de embalagem. 3. Linguagem visual. I Título.

Ficha catalográfica

Z87L

CDD 741.6

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Agradecimentos

Agradeço em primeiro lugar a Deus por me dar forças e sabedoria para conseguir concluir

mais esta etapa de minha vida.

Agradeço à minha orientadora, Pofª. Luisa Angélica Paraguai Donati, por toda sua dedicação

e apoio recebido no decorrer do desenvolvimento deste trabalho.

Agradeço ao UNASP - Centro Universitário Adventista de São Paulo, na pessoa do Pr.

José Paulo Martini e do Prof. Dr. Afonso Ligório, pelo apoio concedido para realização

do mestrado.

Agradeço ao meu grande amigo Martin Kuhn pelo incentivo que me deu antes, durante e

depois da realização do mestrado e, também, aos colegas de classe em especial: Gustavo,

Clarissa, Marienne, Maria Luisa e Thaiza pela amizade e companheirismo.

Agradeço aos meus pais, José Marques e Esther Zukowski, pelo incentivo e apoio recebido. À

minha esposa, Karine Zukowski, pela compreensão e suporte no decorrer do desenvolvimento

desta dissertação.

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Resumo

O presente trabalho tem como objetivo abordar o design de embalagem, atentando-se

para a construção de sua linguagem visual, no que se refere a concepção e estruturação da

comunicação da embalagem. Para desenvolver essas questões, o objeto de análise foram as

embalagens dos biscoitos Piraquê, além de algumas outras embalagens de alimentos.

Inicialmente apresentamos as etapas do projeto de embalagens e o desenvolvimento

histórico de sua linguagem. Em seguida focamos na relação entre a imagem da embalagem

como síntese da relação entre seu conteúdo e container, abordando tanto sua aparência

como sua estrutura enquanto interface com o usuário. No segundo capítulo trazemos a con-

ceituação dos elementos visuais que constituem a linguagem visual da embalagem – forma,

cor e tipografia – elementos que constroem sensoriamente e visualmente as embalagens.

No capítulo três é apresentado o design na cultura de consumo e reflete-se sobre o papel

do designer como um mediador na relação entre o consumidor e o mercado, nos aspectos

sócio-culturais do design.

Palavras-chave: embalagem, consumo, linguagem visual, comunicação visual

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Abstract

This paper aims to address the packaging design, paying attention to the construction of

its visual language, as regards the design and structuring of the communication package. To

develop these problems, the object of analysis were Piraquê packages of biscuits, plus some

other food packaging.

First we present the stages of packaging design and the historical development of lan-

guage. Then we focus on the relationship between the image of packaging as a synthesis

of the relationship between content and container, addressing both its appearance and its

structure as an interface with the user. In the second chapter we bring the concept of visual

elements that make up the visual language of the pack - shape, color and typography - and

sensing elements to build visually packaging. In chapter three we present the design in con-

sumer culture and reflects on the designer’s role as a mediator in the relationship between

the consumer and the market in social design.

Keywords: packging, consuption, visual language, visual comunication

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Lista de figurasFig. 1 - Embalagem do biscoito Snack Well’s, da Nabisco ......................................... 30

Fig. 2 - Rótulo Superior Fumo de Minas .................................................................. 30

Fig. 3 - Medalhas de premiação da cerveja Heineken ................................................ 32

Fig. 4 - Rótulo Xarope d’Abacachi ........................................................................... 33

Fig. 5 - Embalagens de cereais com personagens de desenhos animados .................... 37

Fig. 6 - Edição especial de caipirinha da vodca Smirnoff ........................................... 40

Fig. 7 - Frasco de mel que simula os favos da colméia .............................................. 41

Fig. 8 - Embalagem de mel Fazenda Velha ......................................................... 42

Fig. 9 - Embalagem de mel Apiário Breda ......................................................... 42

Fig. 10 - Embalagem para carne, supermercados Migros, Suiça ................................... 43

Fig. 11 - Embalagem do biscoito Água e Sal, da Piraquê .......................................... 48

Fig. 12 - Metaesquema de Hélio Oiticica .................................................................. 48

Fig. 13 - Embalagem do biscoito Cream Cracker, da Piraquê ......................................... 49

Fig. 14 - Versão atual da embalagem Cream Cracker, da Piraquê ............................. 51

Fig. 15 - Versão atual da embalagem Água e Sal, da Piraquê ...................................... 51

Fig. 16 - Versão atual da embalagem Queijinho, da Piraquê .................................... 51

Fig. 17 - Sachê do ketchup Heinz ......................................................................... 53

Fig. 18 - Embalagem do ketchup tradicional Heinz ................................................... 53

Fig. 19 - Embalagem de Nescau, lata tradicional ..................................................... 54

Fig. 20 - Embalagem de Nescau, lata comemorativa dos 75 anos .............................. 54

Fig. 21 - Visão das duas embalagens de Nescau na gôndola de supermercado ............. 55

Fig. 22 - Conceito de embalagem para gelatina pronta .............................................. 56

Fig. 23 - Embalagens de suco do designer Naoto Fukasawa ...................................... 57

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Fig. 24 - Embalagem de mel Babees Honey, do estúdio AH&OH ............................... 58

Fig. 25 - Tipografia da embalagem Babees Honey, do estúdio AH&OH ....................... 58

Fig. 26 -Embalagens do biscoito Goiabinha, da Piraquê .......................................... 59

Fig. 27 - Embalagens do biscoito Rechadinho goiabinha da Bauduco ......................... 59

Fig. 28 - Linha tradicional do azeite Gallo .................................................................. 63

Fig. 29 - Embalagem do azeite Gallo premium, Colheita ao Luar ................................... 63

Fig. 30 - Iogurte Activia ......................................................................................... 65

Fig. 31 - Proposta de embalagem para Nestlé de cereal matinal .............................. 67

Fig. 32 - Embalagem do biscoito Crem Cracker, da Piraquê ........................................ 68

Fig. 33 - Embalagem do biscoito Goiabinha, da Piraquê ............................................. 68

Fig. 34 - Embalagens do biscoito Água e Sal ............................................................. 68

Fig. 35 - Embalgem do biscoito Presuntinho, da Piraquê ........................................... 69

Fig. 36 - Uisque Jack Daniel’s ................................................................................ 73

Fig. 37- Embalagem da sobremesa Danette Mix ....................................................... 75

Fig. 38 - Tipografia da embalagem Babees Honey, do estúdio AH&OH ....................... 77

Fig. 39 - Latas de Coca-Cola para a festa de Parintins .................................................. 82

Fig. 40 - Linha de produtos Teq .............................................................................. 85

Fig. 41 - Linha de higiene pessoal Teq .................................................................... 85

Fig. 42 - Cereal matinal de aveia, quinua e morango da Taeq .................................... 85

Fig. 43 - Polpa de tomate orgânico Taeq .................................................................. 85

Fig. 44 - Lancheiras produzidas pelo studio Emma Smart ......................................... 87

Fig. 45 - Demonstração de uso da lancheira ............................................................. 87

Fig. 46 - Demonstração de transporte da lancheira ................................................ 87

Fig. 47 - A lancheira Healthy lunch aberta ............................................................... 88

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Fig. 48 - A lancheira Satisfying lunch aberta ............................................................ 88

Fig. 49 - Latas comemorativas do Nescau ................................................................. 93

Fig. 50 - Personagens e produtos da campanha Mamíferos, da Parmalat ........................ 94

Fig. 51- Bichos de pelúcia da Parmalat para colecionar ........................................... 94

Fig. 52 - Novo conceito de embalagem para ovos ....................................................... 96

Fig. 53- Novo conceito de embalagem para ovos ....................................................... 96

Fig. 54 - Ícones informando sobre o tipo de material da embalagem ............................... 98

Fig. 55 - Ícone informativo sobre onde a embalagem deve ser descartada ......................... 98

Fig. 56 - Fachada da loja Marks&Spencer ................................................................. 101

Fig. 57 - Aviso sobre o material das embalagens da Marks&Spencer .............................. 101

Fig. 58 - Café certificado da Marks&Spencer .............................................................. 103

Fig. 59 - Produto da linha orgânica da Marks&Spencer ................................................... 103

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Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12

1. EMBALAGEM: IMAGEM-SÍNTESE DA RELAÇÃO ENTRE CONTEÚDO E CONTAINER ......... 18

1.1. Imagem e aparência: imaginário de atrações e desejos ............................................. 27

1.2. Embalagem: interface de comunicação .................................................................. 38

2. DESIGN DE EMBALAGENS: ELEMENTOS VISUAIS ENQUANTO

CONSTRUÇÃO SENSORIAIS E CULTURAIS ............................................................... 44

2.1. Formas e contornos: qualidades perceptivas e cognitivas ........................................ 52

2.2. Cores e intensidade: movimento e cultura ........................................................... 61

2.3. Tipografia e conteúdo: exercícios estéticos ............................................................ 71

3. DESIGN NA CULTURA DE CONSUMO ................................................................ 78

3.1 O designer como mediador na cultura de consumo ................................................... 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 105

REFERÊNCIAS ................................................................................................... 109

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Introdução

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A embalagem compreende o desenvolvimento de um projeto inicialmente voltado para a

indústria com o intuito de cativar possíveis consumidores. Com isso, o designer deve associar

o processo de produção da embalagem ao desenvolvimento de layout, de modo a atender

às expectativas tanto da indústria quanto do usuário final. Durante o percurso de execução

do projeto existem etapas distintas que envolvem a escolha e definição de matérias-primas,

os sistemas produtivos, as técnicas de reprodução em série, os estudos sobre o mercado, o

desenvolvimento da comunicação visual, entre outras.

Magalhães (1998) afirma que o desenho industrial é uma “atividade contemporânea,

e como tal, nasceu da necessidade de se estabelecer uma relação entre diferentes saberes

[...], portanto naturalmente interdisciplinar” (MAGALHÃES, 1998, p.11-12). Entende-se,

assim, a atividade de desenvolvimento de embalagens como notadamente interdisciplinar.

Visto que a interdisciplinaridade é o nível de associação entre disciplinas – como comuni-

cação visual, tecnologia de materiais, compreensão sobre os comportamentos e hábitos dos

consumidores - no qual a cooperação entre elas implica intercâmbios reais, com reciproci-

dade e enriquecimento mútuo, estabelecendo um diálogo produtivo do ponto de vista pro-

jetual; neste processo o designer procura ampliar as condições de construir e desenvolver o

projeto transcendendo eventuais limites ou problemas, perpassando por todas as etapas do

trabalho, bem como detectando, analisando ou solucionando problemas novos com os quais

venha se deparar. Tais etapas são relacionadas por Fuentes (2006) como análise de projeto,

pesquisa, concepção e concretização, visto que “todo projeto de design é apenas o princípio

de um processo produtivo que envolve um determinado número de passos subsequentes à

sua concretização” (FUENTES, 2006, p.35).

Essas etapas, características do processo de elaboração e execução de uma embalagem,

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partem da análise de necessidades. É preciso reconhecer que os passos iniciais do projeto

serão fundamentais para que, durante o desenvolvimento, seja possível minimizar trans-

tornos ou contratempos, tais como materiais ou mesmo processos de produção que não se

adéquem ao tipo de produto. Essas etapas iniciais dependem de informações colhidas do

solicitante, o cliente, as quais determinarão os parâmetros iniciais tomados pelo designer

para que o desenvolvimento projetual articule aspectos orçamentários, culturais, conceitu-

ais, formais e estéticos.

As pautas de marketing estabelecerão os objetivos de comunicação e o público-alvo a

ser alcançado com o projeto. A atribuição de determinadas qualidades e características ao

projeto visa uma maior identificação com este público-alvo e é determinada pelo designer,

que procura contextualizar significações para grupos de indivíduos com o mesmo perfil de

comportamento. Sobre estes contextos, Ostrower (1998) afirma que

os contextos funcionam como uma espécie de moldura delimitadora e seletiva ao mesmo tempo. Intuitivamente, selecionamos alguns dentre inúmeros estímulos desta moldura imaginária. É importante podermos estabelecer limites no fluxo inin-terrupto de estímulos. Sem isto, qualquer forma significativa ou qualquer avaliação se tornaria impossível (OSTROWER, 1998, p. 261).

Embora a autora fale do campo da arte, seu discurso teórico é importante na área da

percepção e processsos de leitura de um projeto de design inserido em processos de comu-

nicação visual.

Pensando sobre esse processo de aglutinar os indivíduos, Fuentes (2006) o entende

como uma tribalização crescente que torna a geração de uma mensagem de alcance univer-

sal uma difícil missão, pois percebem-se diferenças na comunicação entre culturas e meios

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sociais distintos. Assim, é imprescindível que a mensagem apresente uma codificação cultu-

ral específica a fim de atender a determinados interesses e linguagens locais.

Esta codificação dar-se-á por intermédio de uma pesquisa elaborada pelo designer para

buscar referências, quer sejam estas concretas – como outras embalagens, similares ou

não – ou simbólicas, que agreguem atributos ao projeto. Tais informações darão ao designer

elementos necessários para compor suas estratégias projetuais, pois

ao colocar em jogo a capacidade de despertar a sensibilidade do espectador, [...] e ao conduzi-lo inteligentemente por um caminho de referências culturais, formas imagens e cores que provêm do mundo habitual, estas se transformam gerando algo novo que indubitavelmente é um mundo recodificado (IDEM, p. 44).

Esse processo de recodificação estruturado pelo designer reúne todas as informações

pesquisadas, classificando ou desqualificando-as em um exercício de síntese que, dessa

forma, transmitirá para o consumidor, de maneira gráfica, os significados atribuídos e perti-

nentes a determinado público-alvo.

Como um fator decisivo do projeto, Mestriner (2001, p.10) aponta a linguagem visual

das embalagens como “um vocabulário que os designers precisam conhecer para poder

se comunicarem com os consumidores”. A linguagem visual das embalagens pode atribuir

aos produtos qualidades que transmitem sensações articuladas às do usuário, pois “o

design passou a ser a linguagem com que molda esses objetos e confecciona as mensa-

gens que eles carregam” (SUDJIC, 2010, p. 21). Dessa forma, os conteúdos associados

à embalagem passam a ter significados para o consumidor. Tal significação é usada na

construção da mensagem estabelecida no layout do projeto.

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A proposta desta pesquisa é abordar o design de embalagens, apresentando um recorte

sobre a linguagem visual, em que o projeto se mostra no primeiro contato visual entre o con-

sumidor e o produto, entendido como conteúdo e o container. Desta forma pretende-se abor-

dar alguns elementos de comunicação visual, como cor, forma e tipografia, compreender e

explorar a relação constituinte entre consumidor e embalagem. A embalagem apresenta-se

historicamente como um recipiente para conter, transportar ou conservar produtos, mas se

mostra como um objeto de persuasão frente ao consumidor, levando-o a desejar o que ela

pode representar.

Em vista disso, este trabalho inicialmente apresentará pesquisa bibliográfica onde serão

abordados alguns elementos da comunicação visual, perpassando as etapas do projeto da

embalagem. Por conseguinte, pretende-se analisar algumas embalagens, enfatizando seme-

lhanças e diferenças e seus aspectos formais.

Baseado nesta proposta, o primeiro capítulo aponta a maneira como a embalagem

utiliza-se dos argumentos de comunicação como linguagem para apresentar-se não apenas

com suas funções primárias, transformando-se em um objeto de desejo.

No segundo capítulo abordaremos alguns dos elementos que compõem essa comunica-

ção, seus efeitos e significados perante seu usuário a fim de exercerem seu papel dentro da

linguagem da embalagem.

Já no terceiro capítulo, é abordado o contexto da cultura de consumo, sua influência na

sociedade contemporânea e como a publicidade e o marketing, por meio da mídia, apro-

priam-se dos significados e contextos dos objetos a fim de estimular o consumo, seja este

material ou imaterial. Por outro lado, o designer, enquanto um mediador cultural, utiliza-se

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das mesmas ferramentas para propor uma transformação na maneira como a sociedade se

relaciona com os objetos e seu consumo, a fim de torná-la mais consciente da sua contribui-

ção e influência no meio em que vive e no que deixará para gerações futuras.

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1Embalagem: imagem síntese da relação conteúdo container

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Neste capítulo abordaremos historicamente o processo de desenvolvimento da linguagem

específica das embalagens e sua relação com o homem, enquanto ferramenta do marketing,

como suporte da comunicação visual. Tal materialização de informação pode ser entendida

como a linguagem visual da embalagem, e esta terá um papel de atração frente ao consumi-

dor, atribuindo-lhe valores e significados.

A linguagem da embalagem pode ser descrita como uma competência complexa da rela-

ção entre a produção, o consumidor e o designer, que abrange tanto as questões estruturais,

formais e estéticas, como as econômicas e as mercadológicas. Tais competências da emba-

lagem vêm alicerçadas sobre os elementos básicos da comunicação visual, tais como a for-

ma, a cor, a dimensão e o movimento, para construir e agregar determinados valores. Com

isso, torna-se um objeto de desejo, um objeto útil ou mesmo até um artefato que subverta o

propósito inicial das suas funções atribuídas. Neste sentido Mestriner (2008) aponta que

Os designers precisam evoluir cada vez mais para uma visão abrangente do pro-cesso, indo além das questões relacionadas exclusivamente com o desenho como a forma, as cores, imagens e letras que são sua especialidade para, no caso do design de embalagem, atuarem também como geradores de ideias, sentimentos e percepções que se incorporem ao produto constituindo ao mesmo tempo expressão e atributo de seu conteúdo. Isto representa uma nova fronteira para a atuação dos designers e eles terão neste campo de atuação muito mais a contribuir com sua sensibilidade e seu expertise (MESTRINER, 2008).

Nesse processo de construção de uma linguagem própria, a embalagem tem incorpora-

do funções que pudessem traduzir mais facilmente seu conteúdo por meio da forma. As pri-

meiras embalagens eram identificadas exclusivamente pelo formato, relacionando o produto

e suas características físicas. Assim, ao ver um jarro ou uma ânfora, fazia-se a ligação com

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líquidos como vinho ou azeite; se a forma era um saco ou um fardo amarrado, rapidamente

estabelecia-se a relação com produtos em grãos, nas mais diversas granulometrias.

É neste contexto de identificação direta pela forma que se constituiu um dos pilares

da linguagem visual das embalagens: o conteúdo, com suas propriedades físicas, atuando

como elemento determinante da estrutura visual do container. Esta linguagem permanece

até hoje como “uma maneira mais eficaz de identificar e agregar personalidade a um produ-

to” (MESTRINER, 2001, p.14). Em vista disso, a identificação por intermédio de um design

estrutural, em que se podem diferenciar os produtos por intermédio de sua forma, é uma

poderosa ferramenta a fim de permitir uma rápida identificação entre determinados produ-

tos – como, no caso, entre uma garrafa de refrigerante e uma garrafa de vinho, por se tratar

de bebidas. Esta identificação da estrutura das garrafas torna o reconhecimento do produto

quase que imediato. Tal aspecto de caracterização também é comentado por Sudjic (2010),

quando afirma que

Uma árvore tem coerência: o contorno de sua silhueta, a forma da folha, os anéis de seu tronco, a forma de suas raízes, tudo isso é formado pelo mesmo DNA; e tem a mesma categoria. E, num certo nível, queremos que os objetos feitos pelo homem reflitam, ou imitem, essa propriedade. Quando vemos que não a possuem, ficamos decepcionados (SUDJIC, 2010, p. 17).

O design estrutural das embalagens facilita ao observador identificar determinado pro-

duto, pois em seu repertório visual, determinadas estruturas e formas de embalagens já

equivalem como informação do que ela contém, sem esquecer que o projeto formal sofre

influências de outras forças, como o mercado e a indústria. A relação conteúdo/container

determina assim um diálogo direto entre produto e observador. Esse diálogo existente pode

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(ou não) efetivar a compra do produto em questão pois neste momento outros valores de

conteúdo passam a qualificar o ato – como, no caso de um produto alimentício, sua taxa de

fibra, de gordura, sabor e, finalmente, a própria marca.

Apesar da embalagem ter evoluído a ponto de tornar-se uma ferramenta de marketing e

comunicação com o seu consumidor, a sua função primitiva de transporte e armazenagem

não deve ser esquecida. Por definição, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA,

enumera as características e significados da embalagem e seus componentes:

Embalagem – Invólucro, recipiente ou qualquer forma de acondicionamento, remo-vível ou não, destinada a cobrir, empacotar, envasar, proteger ou manter, especifica-mente ou não, os produtos;

Embalagem externa – Embalagem destinada a conter a embalagem interna;

Embalagem interna – Embalagem que está em contato direto com o produto.

Embalagem primária – Acondicionamento que está em contato direto com o pro-duto e que pode se constituir em recipiente, envoltório ou qualquer outra forma de proteção, removível ou não, destinado a envasar ou manter, cobrir ou empacotar matérias-primas, produtos semi-elaborados ou produtos acabados;

Embalagem secundária – A que protege a embalagem primária para o transporte, armazenamento e distribuição;

Rótulo – Identificação impressa, litografada, pintada, gravada a fogo, a pressão ou auto-adesiva, aplicada diretamente sobre recipientes, embalagens, invólucros ou qualquer protetor de embalagem externo ou interno, não podendo ser removida ou alterada durante o uso do produto e durante o seu transporte ou armazenamento. (ANVISA, 2009).

A relação estrutural e visual entre conteúdo e container também é comentada por Ar-

nheim (2005), que afirma que o material visual captado pelos olhos é organizado de modo

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que a mente humana possa recebê-lo. O autor denomina de configuração aquilo que

“serve, antes de tudo, para nos informar sobre a natureza das coisas através da sua

aparência externa” (ARNHEIM, 2005, p.89). Esta aparência externa está diretamente

ligada à imagem construída do objeto pelas pessoas, determinada também pelas suas

experiências visuais anteriores. Dessa maneira, a experiência visual é inserida em um

contexto espaço-temporal que depende do que foi visto anteriormente para compreender

o presente. Mas afirmar que esta influência é única seria ingenuidade. A respeito disso,

Arnheim (2005) afirma

[...] não podemos continuar passando a responsabilidade para o passado sem admitir que deveria ter havido um início em algum ponto. [...] a interação entre a configu-ração do objeto presente e das coisas vistas no passado não é automática e ubíqua, mas depende do fato de uma relação ser ou não percebida por elas (IDEM, p.41).

O autor também comenta que a forma ultrapassa a função prática dos objetos, e a con-

figuração plástica vai de encontro às suas qualidades visuais apreendidas simbolicamente.

“[...] estas qualidades puramente visuais de aparência são as mais intensas. São elas que

nos atingem mais direta e profundamente” (IDEM, p.90).

É significativo que a linguagem visual da embalagem seja de fundamental importância

no processo de construção plástica do projeto. Tal linguagem estará diretamente ligada às

intenções do designer para que ela amplie a possibilidade de transformação do sujeito ob-

servador a consumidor. Diante de tal fato, esta mensagem contida na embalagem atende

às peculiaridades do projeto nas suas funções específicas, tais como conter e proteger o

produto, e desta maneira ainda poderá agregar valores simbólicos.

Por definição, podemos articular o conceito de imagem ao de embalagem, assumindo tal

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articulação como um suporte de comunicação visual que materializa informações, percebido

pelo observador. A este respeito Santaella e Nörth (2008) comentam

O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas [...] pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visu-al. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Nesse domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais (SANTAELLA E NÖRTH, 2008, p. 15).

Podemos entender a imagem como uma representação visual de um objeto, construída

nos mais variados suportes, seja estático ou dinâmico, que é percebida visualmente, pois

ambos os domínios das imagens não existem separados, pois estão inextricavel-mente ligados já na sua gênese. Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham origem no mundo concreto dos objetos visuais (IDEM, 2008, p. 15).

Aplicada ao design de embalagem, podemos nomear essa imagem como linguagem

visual, materializada na composição das informações. As características individuais desta

composição, utilizadas para despertar o appetite appeal, apresentam, assim, ao consumi-

dor experiências sensoriais que prometem e dependem do seu repertório.

As ilustrações das embalagens podem despertar a atenção em aspectos pontuais de

interesse à medida que elas se aproximam ou se distanciam da realidade: se estas ilustra-

ções forem hiper-realistas, destacam aspectos concretos na lembrança do consumidor; caso

contrário, será ativada a sua imaginação (MESTRINER 2005).

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O poder da linguagem visual está em conferir ao produto uma grande quantidade de

informações para a construção da identidade da embalagem, seja explicando seus atributos,

despertando sentimentos, curiosidade ou mesmo desejos.

A propósito, Haug (1997) comenta que o projeto de embalagem deve articular relações

entre artefato/indivíduo, organizando suas funcionalidades. Esta postura deve conquistar e

envolver o consumidor em um processo de atração, já que a embalagem

[...] não é pensada, porém, apenas como proteção contra os perigos do transporte, mas como o verdadeiro rosto a ser visto pelo comprador em potencial, antes o cor-po da mercadoria [...] a fim de correr ao encontro do mercado e de sua mudança de forma (HAUG, 1997, p.75).

Com relação às funções da embalagem, Fantoni (2003) apresenta uma compreensão

de suas dimensões

As funções de proteção e comunicação ficam englobadas pelo [...] que pode se definir como o conjunto de elementos que permite apresentar a mercadoria a seu eventual comprador sob um aspecto atrativo possível e em um volume o mais con-veniente para a unidade de consumo, em relação com seus meios e seus costumes (FANTONI, 2003, p.27).

Mestriner (2001, p.17) enumera as seguintes funções da embalagem: “conter, proteger,

identificar, expor, comunicar e vender o produto”. Algumas destas funções estão ligadas

mais especificamente à técnica de produção, como é o caso da proteção e da contenção.

Esses processos de produção são previamente definidos, e neles o designer não interfere ou

interfere de maneira limitada.

Outro aspecto enfatiza a função comunicacional e minimiza a característica de proteção

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e transporte. O valor da embalagem potencializa-se, assim, como instrumento promocional

com o propósito de atrair e cativar o consumidor (McCARTHY, 1976).

O envolvimento do designer é fundamental nesse processo de articulação funcional e

emocional. Essas ações, também contempladas nos processos industriais, procuram ade-

quar os produtos ao modelo de apresentação nos pontos de venda, no atendimento das ne-

cessidades e desejos dos consumidores. Isso pode ser entendido como processo de facilitar

o acesso a uma diversidade de produtos, transformando a relação existente entre o ponto de

venda e o consumidor final.

A respeito disso, Cheskin (1964) escreve

A embalagem cresceu e assumiu proporções de uma indústria gigantesca. Todos os executivos de compra e venda atualizados tomaram consciência, nos últimos anos, do empacotamento. As direções, de forma geral, estão sentindo que a embalagem é um importante fator de compra e venda. As direções progressivas estão examinando os aspectos de embalagem de seus negócios sob nova luz (CHESKIN,1964, p.175).

As embalagens tornaram-se, no decorrer do tempo, autoinformativas, incorporando cada

vez mais conteúdo em seus rótulos por intermédio das ilustrações, da tipografia, das co-

res, texturas ou do próprio material em que foram confeccionadas. Esta autoinformação é

o que Mestriner (2001, p.18) chama de “missão do design”. Esta missão determina na

embalagem as funções de identificação, exposição, comunicação dos seus atributos, de seu

conteúdo e utilização. Tais características viabilizaram os estabelecimentos de autosserviço,

como supermercados, a constituírem uma comunicação direta com os indivíduos. Isto vem

de encontro ao que Haug (1997) concluiu

[...] o ato de vender não encerra mais nenhuma conversa, são as próprias mer-

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cadorias, sua apresentação e arrumação que exercem de forma objetiva todas as funções de venda. Self-service pode se tornar, nessas condições, um sinônimo de apropriação sem equivalentes. O motivo é obvio: embora o complexo funcional da estética da mercadoria deva levar o mais forçosamente possível ao ato de compra – e seu ideal seria a necessidade de comprar –, ele não consegue fazê-lo diretamente (HAUG, 1997, p. 50).

Este ato apontado pelo autor é o que se pode considerar como a venda direta, em que

não há interferência de vendedores entre o consumidor e o produto. Entende-se que tal pro-

cesso não se aplica a todos os casos, mas que a presença de um intermediário nessa relação

de compra se faz necessária, sendo que este intermediário pode ser tanto a figura humana

de um vendedor como o próprio diálogo que ocorre entre o consumidor e o produto, por meio

das informações contidas na embalagem.

A missão do design de embalagens é dividida em três pontos, segundo Mestriner (2001).

Como primeira missão, a embalagem deve sempre “chamar a atenção para sua existência”

(MESTRINER, 2001, p.19). No ambiente de um supermercado, onde as pessoas estão cir-

culando por entre as gôndolas, cada embalagem ali estocada deve atraí-las e despertar seu

interesse. Havendo sucesso neste quesito, o projeto desta embalagem conseguiu atingir boa

parte de seu objetivo.

Ao obter sucesso em sua primeira missão, a embalagem precisa agora passar a “infor-

mação direta sobre o que é o produto, o que ele faz e a quem se dirige” (IDEM, p.19). Tal

mensagem é o divisor entre a escolha ou a indiferença por determinado produto. Um bom

projeto de embalagem precisa ser capaz de cumprir pelo menos essas duas missões. Na

terceira missão da embalagem, é preciso transmitir complementos aos apelos do produto,

a fim de que a escolha se concretize. É nesta etapa que o design deve agregar valores ao

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produto para ressaltar e/ou criar atributos e fazer valer a escolha pelo consumidor. Este pro-

cesso da missão do design de embalagens apontado por Mestriner pode não ocorrer de uma

maneira linear, partindo da primeira missão até a última, mas dependerá sempre da reação

e do repertório de cada consumidor. É neste aspecto que Haug (1997) afirma que

A estética da mercadoria cumpre sua função somente no tocante às necessidades. No caso de determinadas mercadorias, ela precisa aguçá-las e coagi-las com toda intensidade. Seu sucesso está em uma determinada necessidade de exigir imperio-samente a apropriação da mercadoria anunciada. A forma da apropriação fica em aberto. Ela pode apenas colocar no mundo imagens para as quais os seus destina-tários afluem, ansiosos por mercadorias. Desse modo, o sinal de sucesso deve ser visto não só no volume de vendas. (HAUG, 1997, p. 50-51).

1.1. Imagem e aparência: imaginário de atrações e desejos

A proposta da embalagem é, através de seus atributos visuais, construir e conformar

algo desejável e sedutor. A programação visual irá apropriar-se tanto dos atributos do

próprio produto, quanto de outros que remetam às qualidades que o projeto da embala-

gem pretenda elaborar.

Os valores atribuídos a determinada embalagem serão o ponto inicial da decisão de

apropriação ou não do produto pelo consumidor. Este, ao deparar-se com determinado pro-

duto, precisa se encantar com o que está vendo, ser conquistado, convencido, para efetivar

sua escolha a partir das sensações resultantes. Pensar sobre este encantamento na contem-

poraneidade de forma crítica, implica em trazer alguns autores, como Matos (2005) e Bucci

(2005), pois contextualizam a leitura, construção e consumo das imagens na comunicação

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pelas relações com o espetáculo e o excesso. Visto que “o mundo contemporâneo é o mundo

da aparência, inteiramente realizado, o que se atesta na separação entre mercadoria e publici-

dade, a coisa e sua imagem, o pré-prazer prometido pela imagem é dissociado da posse real”

(MATOS, 2005, p.171). Tais sensações enfatizam que o poder possuir difere-se da sensação

de posse efetiva de tal mercadoria. É na experiência de poder possuir, de querer ter o produ-

to em mãos, que o processo de comunicação da embalagem constrói, seduz e conquista o

consumidor. Ponderando sobre este aspecto, a relação entre o conteúdo e o container tende a

valorizar o container, visto que a imagem e o que ela representa constituem o modus operanti

das mídias atuais e respectivos processos comunicacionais:

A acumulação de espetáculos gera o espetáculo como um corpo novo para um modo de produção que já não cabia em seu velho corpo. O espetáculo é, sim, o show contínuo das imagens, mas, em seu conjunto, compõe um organismo bem maior que a soma das imagens. (BUCCI, 2005, p.227).

Em outro momento, Bucci (2005) refere-se à maneira como a espetacularização das

coisas gera um fascínio frente aos consumidores. Quanto mais a embalagem estimular as

emoções, a fantasia e a imaginação desse consumidor, mais facilmente ela poderá tornar-se

um objeto de desejo. Esta afirmação vem ao encontro de Mestriner (2008), que entende o

designer de embalagem como um gerador de ideias, sentimentos e percepções, contribuindo

assim para a construção da relação entre objetos de consumo e as pessoas, mediada pelas

imagens. Ainda neste sentido Matos (2005) afirma que

Quanto ao mundo contemporâneo, a mercadoria separa-se de sua imagem, assim como a embalagem de seu “corpo” vindo a ser mais importante que ele. A merca-doria está encoberta, dissimulada ou esquecida atrás das imagens espetaculares (MATOS, 2005, p. 173).

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Podemos perceber que a imagem de um determinado produto, representado por sua

embalagem, tem um maior poder de atração que o produto em si. Em muitos casos esta

imagem torna-se o objeto de desejo, e não mais o que nela está contido. Tal construção

visual determina significados espetacularizados com referentes no imaginário das pessoas.

No entendimento desta pesquisa, a ação do designer em projetos de embalagem pode con-

tribuir para minimizar essa espetacularização, e, da mesma forma, a postura crítica pode

inserir outras questões como a sustentabilidade social e do meio ambiente, que serão melhor

apontadas no capítulo 3.

O consumo de determinado produto não é apenas baseado na necessidade, mas tam-

bém na atração e no fascínio que a sua embalagem exerce sobre o indivíduo. Conforme afir-

ma Mestriner (2001), as embalagens modificaram-se para “uma forma mais elaborada para

despertar o appetite appeal e o desejo de compra do consumidor” (MESTRINER, 2001,

p.13). Como exemplo, podemos verificar a proposta da embalagem de biscoitos Snack

Well’s (figura 1), em que o designer afirma que, por se tratar de uma embalagem de apenas

100 gramas, “traz a promessa de deliciosa indulgência, porções perfeitas e uma poderosa,

assertiva e sexy expressão visual [...] permitindo às mulheres cometerem o pecado da gula

com um lanche do bem” (DIELINE, 2011, tradução livre).

Tal desejo sobre determinada embalagem vem atrelado ao advento da Revolução Indus-

trial, após a qual a produção em série exige dos produtos a estetização para diferenciarem-se

de seus concorrentes e, assim, competirem no mercado, o que é percebido na figura 2. Na

imagem ao centro do rótulo, o corpo da índia e a sua pose refletem a figuração do repertório

clássico acadêmico europeu, com arabescos circundando o rótulo pelos quatro lados e o

nome Ramon Anido. Esta busca pela estetização das embalagens dependia dos processos

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Figura 2: Rótulo do Superior Fumo de Minas Ramon Anido

Fonte: REZENDE (2005, p.35)

Figura 1: Embalagem do biscoito Snack Well’s, da Nabisco.

Fonte: http://www.thedieline.com

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de produção e novas tecnologias em materiais. Neste sentido, Mestriner (2001) afirma que

“os novos rótulos tornavam os produtos mais desejáveis, e os fabricantes logo perceberam

que, decorados dessa forma, vendiam mais, e assim começaram a buscar maneiras de

torná-los mais atraentes” (MESTRINER, 2001, p.15).

Retomando o período da Revolução Industrial, a decoração das embalagens envolvia

elementos como brasões e medalhas, que eram considerados símbolos de prestígio

com que o produto fora premiado em exposições industriais. Esse tipo de mostra, muito popular ao longo do século XIX em âmbito nacional e internacional, servia para expor as novidades industriais e comerciais dos mercados e estimular a con-corrência entre os produtos, oferecendo premiações aos melhores. Aqueles que ga-nhavam medalhas tinham por bem destacá-las em suas embalagens, pois esse tipo de premiação, além de atestar a qualidade do produto, denotava certa aproximação ao poder imperial, uma vez que as exposições eram amplamente beneficiadas e promovidas pelo imperador (REZENDE, 2005, p.52).

Tais premiações atribuíam tanto prestígio ao produto, que sua incorporação às infor-

mações da embalagem tornaram-se primordiais: passaram a atuar como uma chancela de

qualidade e a produzir confiança, atribuindo ao produto valores próximos ao consumidor.

Essa afirmação de status por meio de premiações estampadas na embalagem ainda pode

ser encontrada nos dias de hoje, como é o caso da cerveja Heineken, que ostenta as suas

primeiras medalhas de premiação que conquistou em 1875 e 1889 (figura 3).

Além desses elementos, outros começaram a ser usados a partir dessa época, como as

faixas, bordas e arabescos juntamente com as letras decorativas. A tipologia apresenta-se

elaborada, ganhando letras desenhadas com sofisticação, conforme se percebe no rótulo do

Xarope d’Abacaxi (figura 4), o “X” da palavra xarope encontra-se envolto em arabescos, que

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Figura 3: As medalhas de premiação da cerveja Heineken.

Fonte:http://aleatoriomesmo.wordpress.com

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Figura 4: Rótulo Xarope d’AbacachiFonte: REZENDE (2005, p.35)

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expandem-se para ligar o nome às medalhas logo acima.

É importante reconhecer que nesta herança histórica, oriunda de Revolução Industrial,

as qualidades estéticas passam a ser o diferencial, e não apenas a utilidade. O valor do

produto determina-se nas suas características formais e nas significações atribuídas pelo

indivíduo – sensações e expectativas –, como faz notar Norman (2008), ao afirmar que

O que as pessoas amam e cuidam, o que desprezam e detestam? Aparência da su-perfície e utilidade comportamental desempenham papéis relativamente pequenos. O que realmente importa é a história da interação, as associações que as pessoas têm com os objetos e as lembranças que elas evocam. (NORMAN, 2008, p. 66).

É preciso reconhecer que os aspectos do design continuam presentes na concepção das

embalagens, conforme afirma Bonsiepe (1999, p.35), “o design tem a ver com os aspectos

estéticos e decorativos dos produtos: forma, cor, textura. Integra o trabalho da engenharia e

torna os produtos atrativos na visão dos consumidores”. Villas-Boas (2003, p.12) reafirma

esta linha de pensamento quando conclui que o “projeto de design gráfico é um conjunto de

elementos visuais – textuais e/ou não textuais – reunidos em uma determinada área prepon-

derantemente bidimensional e que resulta exatamente da relação entre estes elementos”.

Isso vem ao encontro de Lipovetsky (1989, p.171), que concluiu que “jamais se conso-

me um objeto por ele mesmo ou por seu valor de uso, mas em razão de seu valor de troca,

isto é, em razão do prestígio, do status, da posição social que confere”. Assim, percebe-se

que o consumo dos produtos, estimulado pelas embalagens, vale-se não somente da função

de uso, mas do que representa no contexto social. Vale ponderar que, este autor, embora

inserido no contexto da moda, aponta o contexto social que a embalagem deve materializar

na relação com o consumidor.

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Nesse sentido, o produto pode ganhar características de objeto de coleção, em que o

indivíduo nutre um sentimento de paixão pela posse, enraizada em seus desejos. Atribui-se

ao objeto em questão a capacidade de completar seu vazio, aproximá-lo de seus pares que

compartilhem as mesmas preferências ou percepções. A coleção é uma maneira do consu-

midor tornar-se igual e, ao mesmo tempo, destacar-se no seu meio social, pois “todo objeto

tem dessa forma duas funções: uma que é a de ser utilizado, a outra a de ser possuído”

(BAUDRILLARD, 2002 p. 94).

Os atributos desse produto tornaram-se suportes do desejo e da vontade de possuí-lo, mui-

tas vezes pelo simples prazer que a posse proporciona. Neste aspecto, Bucci (2005) afirma

Pensamos normalmente na mercadoria como coisa: uma garrafa de água mineral, um microfone, um par de sapatos, um automóvel. Pois essas coisas, hoje, nada mais são do que o suporte aparente da imagem da mercadoria, esta sim, a que concentra valor, a que materializa valor (BUCCI, 2005, p.220).

Tal valor agregado à mercadoria aponta que os elementos visuais aplicados a esse pro-

duto contribuíram para a compreensão deste como algo de maior valia e mais desejável.

Assim, a relação entre os elementos visuais termina por atrair o consumidor e definir o objeto

como um objeto de desejo e contemplação.

Esta contemplação da mercadoria pode ser considerada hipnótica ao evocar uma si-

tuação narcisista por parte do consumidor: é tentador pensar que este se vê representado

pelo produto. Neste sentido, podemos afirmar que “o objeto é assim no seu sentido estrito,

realmente um espelho: as imagens que devolve podem apenas se suceder sem se con-

tradizer. É um espelho perfeito já que não emite imagens reais, mas aquelas desejadas”

(BAUDRILLARD, 2002, p. 98).

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Os elementos de comunicação visual transmitem informações e fazem relações diretas

com o repertório de seu observador. Sobre essas conexões, Santaella (2005) comenta:

Representações visuais se localizam em superfícies definidas, papel, tela pelícu-la, etc. Essa superfície é sempre recortada, emoldurada, quer dizer, tem margens que a separam do restante das coisas. Mesmo quando se trata de representações sólidas, tridimensionais, como é o caso das esculturas, que não estão em uma su-perfície, mas são uma superfície, seus contornos, sua protuberância na ocupação do espaço são nitidamente demarcados. Tudo isso dá à representação um caráter de singularidade, unicidade, que a define com um objeto que bate à porta do sen-tido da visão, que insiste em se mostrar presente. Por isso mesmo, representações visuais são signos que se exibem despudoradamente, sin-signos que colocam em relevo a díada perceptiva entre aquele que percebe e aquilo que se oferece para ser percebido (SANTAELLA, 2005, p.197).

A maneira como uma embalagem é percebida, tanto no contexto de um supermercado

quanto no ambiente doméstico, define significados além do concebido pelo designer, pois

“não reagimos às qualidades físicas das coisas, mas ao que elas significam para nós”

(KRIPPENDORFF, 2000, p.89), pois, como afirma Normam (2008),

Gostamos das coisas atraentes por causa dos sentimentos, é tão razoável se afeiço-ar e amar coisas que são feias quanto não gostar de coisas que seriam chamadas de atraentes. As emoções refletem nossas experiências pessoais, associações e lembranças. (NORMAN, 2008, p. 68).

Por conseguinte, a embalagem, com todos os seus atributos visuais, exibe-se para o

consumidor e este, por sua vez, constrói significados, articula associações com seu reper-

tório cultural de imagens e significações tais que podem remeter tanto a objetos ausentes,

evocando um significado, quanto à ideia de algum objeto, pelo princípio da semelhança,

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possibilitando ao observador constituir seus signos (SANTAELLA e NÖRTH, 2008). Na figu-

ra 5, as embalagens em questão associam suas informações com personagens de desenhos

animados e do universo infantil. Assim, a embalagem-imagem é compreendida como algo

íntimo, pessoal, promovendo a mediação entre o deleite da contemplação e o ato de posse

do produto. Em decorrência disso Ostrower (2009) afirma que

As associações nos levam para o mundo da fantasia (não necessariamente a ser identificado com devaneios ou com o fantástico). Geram nosso mundo de imagina-ção. Geram um mundo experimental, de um pensar e agir em hipóteses – do que

Figura 5: Embalagens de cereais com personagens de desenhos animados e do

universo infantil, evocam ao lúdico, à cons-trução de significados e associações.

Fonte: http://www.thedieline.com

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seria possível, se nem sempre provável. O que da amplitude à imaginação é essa nossa capacidade de perfazer uma série de atuações, associar objetos e eventos, poder manipulá-los, tudo mentalmente, sem precisar de sua presença física (OS-TROWER, 2009, p.20).

A inter-relação entre o indivíduo e a embalagem, neste processo de fascínio pelo objeto

observado e às vezes desejado, depende de um processo de negociação entre designer e

consumidor, pois

pode-se argumentar que o resultado final dos processos de design não deveria constituir a preocupação central do estudo e compreensão do design, mas sim considerar-se segundo a interação entre as intenções dos designers e as necessi-dades e percepções dos usuários. É na interface dos dois onde se criam sentido e significado no âmbito do design. (HESKETT, 2005, p.53).

O sentido e significado apontados por Heskett (2005) podem ser entendidos como os

anseios do indivíduo ao manipular e, consequentemente, desejar possuir um determinado

produto, tanto pelo que ele representa quanto pelo fascínio de sua embalagem. As expecta-

tivas básicas são o acondicionamento do produto com segurança, a conservação garantida

e o transporte realizado sem transtornos. Assim, ampliando-se essas expectativas, passando

do funcional para o emocional, a embalagem torna-se atrativa e confirma sua existência

perante os consumidores, pelo acúmulo de valores agregados (MESTRINER, 2001).

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1.2. Embalagem: interface de comunicação

Neste subitem, apontaremos alguns elementos e seus aspectos que se fazem presentes

na comunicação visual das embalagens. Tais elementos traduzem algumas das informações

sobre o produto, sua forma de uso, podendo até subverter ou ampliar a maneira como a

embalagem é vista pelo indivíduo.

Do ponto de vista do usuário, a embalagem deve atender aos seus anseios e desejos, os

de caráter funcional – a embalagem deve conter, transportar, armazenar e proteger o produto

–, e os relativos à comunicação – apresentar claramente as aplicações de uso e proprieda-

des. Assim, contextualizar a interface da embalagem não implica qualificar materialmente,

mas estruturar a interação com o usuário, organizando as ferramentas e os objetivos da

ação. Entende-se este processo como domínio central do design. Conforme afirma Bonsiepe

(1999), “a interface revela o caráter da ferramenta dos objetos e o conteúdo comunicativo

das informações. A interface transforma objetos em produtos. A interface transforma sinais

em informação interpretável” (BONSIEPE, 1999, p.17).

Como visto na figura 6, a proposta de embalagem da edição especial de caipirinha

da vodca Smirnoff é promover uma experiência de interação com a embalagem: o ato de

desembrulhar revela o consumo da mistura e o processo manual de produção. Para pos-

sibilitar essa leitura, a embalagem sugere alguns dos movimentos corporais envolvidos

durante o ato manual de descascar a fruta, de modo que o usuário possa recontextualizar

o processo de preparação da bebida. Outra questão visual para reforçar esta aproximação

com o ato físico são as tiras da embalagem que se acumulam em torno da garrafa, que

reportam pela cor e formas espiraladas para as cascas do limão. Assim, a embalagem

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em questão trará mensagens e significados pertinentes e convincentes a este consumidor.

Neste aspecto, Sudjic (2010) afirma que

O que sobra para um designer lidar é a superfície, a aparência e as nuances semân-ticas do significado que nos permitem interpretar e entender o que um objeto está tentando dizer sobre si mesmo. Essas mensagens vão desde que um objeto faz, e quanto vale, até o modo de ligá-lo. São questões que estão longe de ser triviais, mas transformam o designer em narrador” (SUDJIC, 2010, p. 34).

Figura 6: Edição especial de caipirinha da vodka Smirnoff, que o usuário precisa

descascar literalmente a garrafa.Fonte: http://www.designontherocks.com.br

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Linguagem visual e cultura de consumo no design de embalagem |41

É nesta proposta de se trabalhar com a superfície como narrativa que podemos perceber

a intenção da embalagem de mel como a da figura 7, envolta em uma simulação visual do

que seriam os favos da colméia. Percebe-se aqui a intenção de criar um contexto para o

consumidor, resgatar no uso desta embalagem o processo de extração do mel diretamente

da natureza. Comparando-se o este frasco com outras embalagens de mel (figuras 8 e 9),

fica aparente como a narrativa sensorial trabalhada na superfície da embalagem transmite

uma percepção diferente do produto.

Figura 7: Frasco de mel que simula os favos da colméia, reforçando a atração e

identidade do produto.Fonte: http://www.designontherocks.com.br

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Figura 8 e 9: Comparação entre as embala-gens de mel

Fonte: http://www.designontherocks.com.br e foto do autor

A intenção de transformar sinais sensórios em informação interpretável norteia o projeto

e seus elementos gráficos como cores, materiais e formatos, valendo ponderar a dependên-

cia do repertório dos indivíduos, visto que “as formas de percepção não são gratuitas nem

os relacionamentos se estabelecem ao acaso” (OSTROWER, 2009, p.9). Um exemplo é a

figura 10, em que a proposta é mostrar a origem da carne ao utilizar-se de uma silhueta

estilizada do boi da raça Angus, reforçando sua confiabilidade com o consumidor.

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Linguagem visual e cultura de consumo no design de embalagem |43

Figura 10: Embalagem para carne oriunda do boi da raça Angus, da rede de supermer-

cados Migros, Suiça.Fonte: http://www.thedieline.com

Assim o nosso perceber vai se desdobrando numa sucessão de sínteses, de tal modo que, de síntese em síntese, elas próprias vão se tornando componentes de novos contextos, em outro nível de complexidade (OSTROWER, 1998, p.74).

O desempenho da embalagem, enquanto container, como um objeto de atração e desejo

mostra-se em um amplo e intrincado processo de percepção tanto do designer, no momento

da concepção do projeto, como do consumidor ao deparar-se frente ao produto final.

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2Design de embalagem: elementos visuais enquanto construções sensoriais e culturais

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Linguagem visual e cultura de consumo no design de embalagem |45

Neste capítulo abordaremos o processo de construção da embalagem por intermédio

dos elementos visuais que a compõem. Pretende-se apresentar o uso desses elementos,

os efeitos e significados para os usuários, e como podem ser explorados para efetivarem a

comunicação e exercerem o seu poder de atração. Como um dos exemplos estudados, usa-

remos as embalagens de biscoitos da Piraquê.

As embalagens de biscoitos da Piraquê foram desenvolvidas pela artista Lygia Pape em

meados dos anos 1960, e modificaram a forma de comercialização do produto. O projeto de

Lygia abordou não apenas a comunicação visual das embalagens da Piraquê, mas também

as possibilidades de empacotamento. Até então, os biscoitos eram guardados em caixas ou

latas padronizadas, independente do formato do produto. A artista desenvolveu, no entan-

to, um método próprio de cortar e colar o papel sem gerar sobras laterais superiores e/ou

inferiores. Desta maneira os biscoitos passaram a ser empilhados verticalmente, criando a

forma usada até hoje das embalagens de Maria, Maisena e Cream Crackers, ou seja, sólidos

espaciais (cilindro, ovalóide e paralelepípedo). Este novo conceito de empacotamento dos

biscoitos logo foi copiado por outras indústrias do país e do exterior, tornando-se padrão até

os dias atuais (NAME, 2009).

Nas embalagens da Piraquê, Lygia, uma artista ligada ao movimento neoconcreto, apli-

cou os princípios do construtivismo, em que as obras criadas eram pensadas como constru-

ções e não como representações. A ação de Lygia revolucionou os projetos de embalagens

para biscoitos em vários aspectos. Além do método já citado de empilhar os biscoitos ver-

ticalmente, utilizaram-se fotos dos produtos para divulgar seu conteúdo, manipulando-as e

posicionando-as como se fossem elementos geométricos na superfície da embalagem. Neste

projeto, voltado para as gôndolas de supermercados, e não para as galerias de arte ou mu-

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seus, a exemplo de outros artistas neoconcretos como Amilcar de Castro, Alexandre Wollner,

Geraldo de Barros e Willys de Castro, Lygia atuou como designer defendendo

a liberdade de experimentação, o retorno às intenções expressivas e o resgate da subjetividade. A recuperação das possibilidades criadoras do artista – não mais considerado um inventor de protótipos industriais – e a incorporação efetiva do ob-servador – que ao tocar e manipular as obras torna-se parte delas -– apresentam-se como tentativas de eliminar certo acento técnico-científico presente no concretismo (ITAÚ CULTURAL, 2008).

Pode-se então entender que Lygia enfatiza a atuação do designer não como um gerador

repetitivo de ideias e conceitos ao elaborar os protótipos, mas que busca a originalidade e a

inovação como materialização das suas possibilidades criativas.

No desenvolvimento deste projeto, percebem-se alguns elementos do construtivismo

para conceber e desenvolver as embalagens. O construtivismo é fundamentado nos princí-

pios da Gestalt1 e da geometria sensível2. A primeira determina que percebemos os objetos

do mesmo modo como observamos o movimento aparente, como unidades completas e

não como agrupamentos de sensações individuais. A segunda, em uma visão mais geral,

define-se como uma direção da arte abstrata inclinada ao percurso da emoção, ao ritmo da

cor e à defesa da improvisação (ITAÚ CULTURAL, 2008). Tais conceitos são percebidos na

embalagem do Água e Sal (figura 11), com a disposição dos biscoitos colocados de uma

maneira aparentemente desordenada, espalhados sobre o fundo branco. Tal disposição re-

1. Em termos mais gerais, é o conjunto de entidades físicas, biológicas, fisiológicas ou simbólicas que juntas formam um conceito, padrão ou configu-ração unificado que é maior que a soma de suas partes. Ou seja, o princípio básico da teoria gestaltista é que o inteiro é interpretado de maneira diferente que a soma de suas partes (ITAÚ CULTURAL, 2009).

2. O termo geometria sensível aparece de duas formas na literatura especializada. Em acepção mais geral, aproxima-se da noção de abstração lírica e de informalismo - como “geometria lírica” ou “sensível” -, indicando uma direção da arte abstrata inclinada ao percurso da emoção, ao ritmo da cor e à defesa da improvisação. Em sentido mais estrito, a designação faz referência à mostra Arte Agora III, América Latina: Geometria Sensível, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ em 1978 (ITAÚ CULTURAL, 2007)

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mete aos Metaesquemas (figura 12) do artista Hélio Oiticica, pois a conformação linear das

formas da obra evidencia uma vontade dos elementos de expandir-se no espaço, visto que a

composição que se anuncia sólida revela um movimento incômodo por causa de suas orde-

nações irregulares, sugerindo uma desestabilização do padrão de distribuição. A proposta do

artista é escapar do padrão supostamente universal das composições, em que se utiliza das

figuras geométricas para questionar o espaço tradicional de representação das artes visuais,

materializando a ideia de movimento. (NAME, 2009).

Percebendo outro ponto da embalagem do Água e Sal, as ilustrações do biscoito estão

dispostas de tal forma que conseguem transmitir ao usuário sensações, visto que estão

situadas nas áreas de tensão, configurando mais peso e movimento. “O peso, que nesse

contexto significa capacidade de atrair o olho, tem aqui uma enorme importância em termos

do equilíbrio compositivo” (DONDIS, 2007, p.41).

Faz notar Ostrower (2009, p.9): dos “inúmeros estímulos que recebemos a cada ins-

tante, relacionamos alguns e percebemos em relacionamentos que se tornam ordenações”.

Desse modo, a maneira como uma embalagem é percebida pelo consumidor estará ligada

à sua construção visual, marcadas pelas intenções e propostas aplicadas pelo designer na

superfície da embalagem. Percebe-se que estas ordenações, ao distribuir os elementos para

compor o layout da embalagem, condicionando um formato próprio do biscoito, conduzem

o olhar do espectador a suprir as ligações ausentes, pois “[...] o homem tem necessidade

de construir conjuntos a partir de unidades” (DONDIS, 2007, p.44). Dessa maneira, o es-

pectador cria um contexto baseado na leitura da ordenação dos elementos. A este respeito

Ostrower (1998) afirma que

Com cada olhar que lançamos ao redor, focalizando certos objetos e eventos, e

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Figura 11: Embalagem do biscoito Água e Sal, da Piraquê

Fonte: http://daniname.wordpress.com

Figura 12: Metaesquema de Hélio OiticicaFonte: http://zupi.com.br

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mesmo em nosso olhar interior, no pensar e sentir, os contextos estabelecem instantaneamente um “todo” maior, no qual se torna possível enquadrar os di-versos estímulos, relacionando-se em padrões coerentes que façam sentido para nós. Com isto, os estímulos vão sendo cada vez mais delimitados, ordenados e integrados em uma síntese; conquistarão os componentes do contexto, mas é dentro dele que receberão o significado específico que terão naquele momento (OSTROWER, 1998 p. 74).

Outro ponto de composição visual percebido no projeto de Lygia é o denominado por

Dondis (2007) de lei do agrupamento, em que as relações visuais dos elementos ocorrem

de acordo com a sua posição e a distância entre eles. Os elementos mais próximos criam

unidades visuais entre si, delineando formas na espontaneidade do olhar, o que faz notar o

uso da repetição dos elementos, conceito muito utilizado nos anos 60, como um norteador

do olhar, enquanto elemento visual e também a própria embalagem repetindo-se nas gôndo-

las, como faz notar a embalagem do Cream Cracker (figura 13).

Figura 13: Embalagem do biscoito Cream Cracker, da Piraquê

Fonte: http://daniname.wordpress.com

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Assim, a relação entre as imagens feita pelo olhar leva o espectador a formar um cami-

nho que percorre toda a face da embalagem, visto que “[...] o olho completa as conexões

que faltam, mas relaciona automaticamente, e com maior força as unidades semelhantes”

(DONDIS, 2007, p.45). Neste processo de agrupamento das unidades semelhantes, o olhar

faz uma varredura dos elementos visuais da embalagem, criando um movimento direcional

para cima – sentido para onde os biscoitos apontam, e que tem “significados associados

à abrangência, à repetição e à calidez” (IDEM, p.60). Ainda neste sentido, se faz notar a

repetição das imagens do biscoito, pois a repetição “é uma técnica que reforça a qualidade

individual das partes do todo”, correspondendo “às conexões visuais ininterruptas que têm

importância especial em qualquer manifestação visual” (IDEM, p.159), dando maior ênfase

aos significados atribuídos. Estes significados atribuídos ao movimento podem ser interpre-

tados pelo observador como características do próprio produto que se pretende consumir ou

se está consumindo, como faz notar Norman (2008), ao escrever que

No mundo do design, tendemos a associar emoção com beleza. Construímos coi-sas atraentes, coisas mimosas, coisas coloridas. Por mais importantes que sejam esses atributos, não são eles que impulsionam as pessoas em sua vida quotidiana. (NORMAN, 2008, p. 67-68).

O consumidor então é atraído justamente pela aparência que a embalagem apresenta

diante de seus olhos, ligando-se com os significados que a linguagem visual assume diante do

repertório do seu observador, ou mesmo, de certa forma, seduzindo-o com seus atributos.

A aparência oferece-se como se anunciasse a satisfação; ela descobre alguém, lê os desejos em seus olhos e mostra-se na superfície da mercadoria. Ao interpretar as pessoas, a aparência que envolve a mercadoria mune-se com uma linguagem capaz de interpretar a si mesma e ao mundo (HAUG, 1997, p. 77).

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Vale notar que o projeto original para as embalagens dos biscoitos Piraquê, desenvolvido

por Lygia Pape, vem sofrendo gradativas mudanças no seu layout desde o ano de 2009.

Essas alterações podem sugerir uma aproximação das propostas visuais encontradas em

embalagens concorrentes. Entendemos que, dessa maneira, as imagens colocam-se como

ilustrações (figuras 14, 15 e 16) e não se organizam mais como elementos gráficos de uma

composição visual, conforme a proposta original.

Figuras 14, 15 e 16: Versões atuais das embalagens de Cream Crackers, Água e Sal

e Queijinho da PitaquêFonte: Foto do autor

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2.1. Formas e contornos: qualidades perceptivas e cognitivas

A forma, como base da linguagem da embalagem, pode ser definida pelos “limites exte-

riores da matéria de que é um corpo, e que se conferem a este feitio, uma configuração, um

aspecto particular” (GOMES FILHO, 2004, p.39). Neste aspecto podemos entender a confi-

guração a partir do que Arnheim (2005) comenta: “a configuração serve antes de tudo, para

nos informar sobre a natureza das coisas através da sua aparência externa” (ARNHEIM, 2005,

p.89). Ainda neste aspecto, pode-se definir a forma como o “princípio ordenador gerando sig-

nificados, incorporando-se na arte, na vida, no cosmos” (OSTROWER, 1989, p.276).

A forma é um elemento para diferenciar os mais variados tipos de embalagens, promo-

ver associações com certos produtos e agregar personalidade e identidade e, portanto, gerar

identificação. É por meio da forma que as pessoas têm o primeiro contato visual com o pro-

duto, para em seguida poder tocá-la e estabelecer suas próprias relações de significação.

A exemplo disso, a empresa Heinz desenvolveu novas embalagens de seu ketchup, tra-

zendo mudanças para que o consumidor também otimizasse seu uso. No caso do tamanho

da embalagem tradicional do produto, a nova proposta foi desenvolvida para ficar de cabeça

pra baixo, a fim de que o produto concentre-se sempre à boca do frasco. Já na embalagem

de sachê, seu formato deixa de ser retangular e assume, em escala menor, o contorno da

embalagem tradicional (figuras 17 e 18).

Para Arnheim (2005) a forma da embalagem pode ser lida simbolicamente, extrapo-

lando a ideia de um invólucro para transmitir qualidades perceptivas e cognitivas, transpor-

tando o consumidor para outras leituras, atingindo-o de maneira direta. A manutenção do

formato sachê reforça Arnheim, pois facilita o reconhecimento pelo consumidor.

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A leitura formal estende-se além dos limites físicos da embalagem, pois ao transmitir informa-

ções por intermédio de seu formato, o consumidor é levado a vivências e experiências, resgatando

lembranças a fim de perceber a embalagem como um objeto que pode despertar sua atenção,

traduzir significados e estimular seus desejos. Em vista disto, Ostrower (1998) comenta

A beleza essencial. Nunca se trata do meramente bonito ou agradável (sendo o conceito do “bonito ou feio” um dado do gosto subjetivo da pessoa, ou então uma convenção social e, portanto, cambiável ao longo dos tempos). Trata-se da beleza como verdade interior da forma, como uma ordenação, onde todos os componentes e todos os relacionamentos formais entre eles se apresentam necessários e ple-namente significativos. Nela também se integram as tensões – nunca anuladas e sim contrabalançadas e compensadas – resguardando a complexidade e o vigor da forma. Assim, nesta sua identidade e autenticidade, as formas se tornam belas, de uma beleza imanente e vibrante, comovendo-nos com a verdade que elas incorpo-ram (OSTROWER, 1998, p. 286).

Figura 18: Nova embalagem do ketchup tradicional Heinz.

Fonte: http://www.chocoladesign.com

Figura 17: Sachês do ketchup Heinz imi-tando o contorno da embalagem tradicional

Fonte: http://www.chocoladesign.com

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Outro exemplo é o que a empresa Nestlé fez com a embalagem do produto Nescau, em

comemoração de seus 75 anos. A embalagem foi completamente reestruturada e substitui a

antiga, que era reta e lisa, mais baixa e larga, e que foi utilizada por muitos anos.

A embalagem comemorativa é mais verticalizada e de formato mais estreito de corpo,

mais alta e esguia, com a base um pouco mais estreita que a abertura na parte superior.

Ainda, no terço médio inferior há um pequeno estreitamento, uma cintura direcionada a uma

melhor pega. Havia a intenção de que esta embalagem não apenas substituísse mas que se

tornasse a única embalagem do produto Nescau (figura 19 e 20).

Com relação aos aspectos semânticos, podemos inferir que a embalagem original e

tradicional, devido ao seu tamanho – mais baixa e larga –, sugeria ou transmitia tanto a

sensação de um produto inferior quanto a de ser de alto valor calórico – aspecto ligado a

obesidade –, justamente por ser mais larga. Além disso, a embalagem tradicional na gôndola

Figura 21: Visão das duas embalagens de Nescau na gôndola de supermercado.

Fonte: Foto do autor

Figura 19 e 20: Embalagens de Nescau, à esquerda a lata tradicional e à direita a

embalagem comemorativa dos 75 anosFonte: Foto do autor.

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do supermercado não se diferenciava de alguns outros produtos semelhantes, visto que seu

formato confundia-se com o dos concorrentes (figura 21).

As proporções da embalagem atual e comemorativa remetem para algumas possibilida-

des de significados. O formato da lata pode ser associado a uma taça ou troféu – produto de

vencedores – ou a um torso de ombros largos e acinturado – semelhante às pessoas atléticas

e com físico bem definido pela prática da musculação ou de esportes. Portanto, competição,

esportes, movimento e culto ao corpo são questões presentes na linguagem visual da emba-

lagem, e o produto reflete ou induz a tais preocupações dos tempos cotidianos.

Outro aspecto a ser destacado foi a introdução de uma espiral em torno da lata, indicando

um aspecto mais dinâmico na embalagem e, consequentemente, no produto. Esse aspecto

demonstra que o produto é destinado às pessoas ativas, ou então, é capaz de evocar tal qua-

lidade. Essa espiral remete às ilustrações dos rótulos anteriores que vinham com copos ou

xícaras com o desenho de um redemoinho que era resultado da mistura do Nescau ao leite.

Algumas embalagens assumem a forma do produto que está em seu interior, como é o

caso da maioria dos biscoitos e bolachas encontrados no mercado; podem ser cilíndricos,

elípticos ou retangulares, e que por intermédio de seu formato, promove uma identificação

mais rápida do produto. Tal percepção é hoje conseguida justamente pelo trabalho desen-

volvido para as embalagens de biscoitos Piraquê.

Parece haver em nós, como potencial inato (não decorrente do aprendizado), o conhecimento intuitivo de certas formas geométricas: círculo, quadrado, triangulo. São formas simples, regulares e simétricas; a elas comparamos e aproximamos as formas da natureza (OSTROWER, 1998 p. 81).

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Podemos considerar como forma não apenas o contorno, seus limites exteriores e a

textura do material empregado, mas também os elementos contidos na representação visual

e gráfica da embalagem. A forma é um importante elemento estético, capaz de ir além da

função primária da embalagem e pode gerar associações e sentimentos através da percep-

ção tátil e visual. A construção visual compreende a dimensão, simetria, cor, movimento,

tamanho e escala da embalagem. Dessa maneira, cada uma das características transmite

ao espectador determinadas sensações e constrói leituras simbólicas, como é visto na figura

22, em que a proposta do designer é transportar o consumidor para a sensação que se tem

ao abrir e consumir uma fruta. Neste sentido Sudjic (2010) afirma que os objetos

[...] podem ser desenhados de modo a sugerir uma personalidade, de oferecer pistas de como usá-los e tirar o melhor partido de seu potencial tátil. Há pontos em comum que concebem a forma como esses objetos são entendidos. Todos eles dependem do modo como a decoração, a cor, a forma e o ritual são manipulados (SUDJIC, 2010, p. 56).

Figura 22: Conceito de embalagem para gelatina pronta

Fonte: http://www.behance.net

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Na percepção tátil, a embalagem pode transmitir outras sensações e experiências que,

atreladas à percepção visual, contribuirão para a construção do seu repertório simbólico. É o

caso das embalagens desenvolvidas pelo designer Naoto Fukasawa, que associam à imagem

do produto o aspecto e textura da fruta com o material da embalagem. A caixinha do suco

de kiwi imita a textura felpuda da fruta; o suco sabor morango apresenta-seirregular como

se fosse a própria textura da fruta; e a de banana, com sua forma e cor, faz menção a uma

banana pronta para ser consumida (figura 23).

Figura 23: Embalagens de suco do designer Naoto Fukasawa.

Fonte: http://www.naotofukasawa.com

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As formas, portanto, devem ser definidas não somente a partir das propriedades físicas do material, mas também se levando em conta que a percepção das mesmas, os referenciais culturais e os modos de representação dos indivíduos e sociedades po-dem variar, de acordo com o universo simbólico de cada um. (ONO, 2004, p. 66).

Ainda sobre as associações a partir das formas da embalagem, apresenta-se o trabalho

do estúdio Ah&Oh com o projeto Babees Honey. A proposta é aproximar das crianças o

consumo de mel através da aparência da embalagem de uma abelha amistosa e caricata,

segundo o próprio autor do projeto (figura 24 e 25):

Uma ideia pequena e simples para uma embalagem de mel. Nós tentamos tratar o frasco de maneira divertida, para que o projeto tenha uma personalidade. A tam-pa preta e listras transmitem clareza. Através deste projeto procuramos evocar o consumo do mel, pelas crianças. Especialmente para elas, criamos o logotipo em forma do rosto de abelha com uma insinuação de sorriso (AH&OH STUDIO, 2010, tradução livre).

Figuras 24 e 25: Embalagem de mel Babe-es Honey, do estúdio AH&OH.

Fonte: http://www.ahandoh.com

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Serprini (2010) comenta que, no âmbito das práticas de consumo, um dos aspectos

é a redução de tamanho dos produtos, pois tendemos “para produtos que tenham menor

densidade fenomenológica, menor presença física, mas em compensação, quase sempre,

uma densidade simbólica e imaginária muito mais importante” (SEMPRINI, 2010, p.46).

Esse aspecto apontado pelo autor é percebido na embalagem do Babees Honey, atribuindo-

se o seu tamanho reduzido a esse conceito de densidade simbólica, em que a construção

imagética da embalagem reflete os objetivos propostos pelo designer.

Ainda neste aspecto, o biscoito Goiabinha, da Piraquê (figura 26), apresenta-se com o

tamanho reduzido, associando a propriedade de condensar qualidades e benefícios. Outro

ponto seria o de conter uma quantidade menor do produto, transmitindo ao consumidor a

sensação de que se deve saborear cada mínima bocada do biscoito, pois sua quantidade

Figura 27: Embalagem do biscoito Recha-dinho goiabinha da Bauduco

Fonte: Foto do autor

Figura 26: Embalagem do biscoito Goiabi-nha, da Piraquê

Fonte: Foto do autor

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é limitada, fazendo assim o indivíduo valorizar ainda mais o produto que tem em mãos.

Na figura 27 vê-se o Recheadinho, da Bauducco, para comparação de tamanho com o da

Piraquê. Entende-se, neste processo, o esforço de síntese, permitindo criar configurações

visuais visando impactar o observador da embalagem com o intuito de facilitar o processo

de comunicação.

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2.2. Cores e intensidades: movimento e cultura

As pessoas convivem naturalmente com as cores, muitas vezes sem a percepção de

sua importância como elemento vital tanto para sobrevivência como para a comunicação.

Devido ao fato do olho humano decompor os pigmentos recebidos pela visão, a cor, de

acordo com sua intensidade, pode provocar reações de ordem física e psicológica, levando

a reações e efeitos depressivos ou excitantes. A este respeito Farina, Perez e Bastos (2006)

comentam que

a cor é uma realidade sensorial à qual não podemos fugir. Além de atuar sobre a emotividade humana, as cores produzem uma sensação de movimento, uma dinâ-mica envolvente e compulsiva. (FARINA, PEREZ e BASTOS, 2006, p.85).

A cor é uma poderosa ferramenta para transmitir ideias e buscar a atenção do consu-

midor. Há um universo de possibilidades ao se trabalhar com a cor, seja pelas dimensões

estéticas, psicológicas, simbólicas ou culturais. A cor é um elemento de extrema importância

em um projeto de embalagem, que o designer terá que encarar como algo que “poderá vir

a ser”, conforme a leitura simbólica do consumidor. Dessa maneira, o projeto trabalha com

incertezas de aplicações corretas ou não (BARROS, 2007).

No decorrer da história da humanidade, a experiência do homem com as cores tem

gerado significados culturais e psicológicos. Neste aspecto, pode-se propor que algumas

cores têm a capacidade de ser excitantes e despertar fortes emoções, enquanto outras in-

duzem o indivíduo ao relaxamento e à contemplação. Nesta linha de pensamento Farina,

Perez e Bastos (2006) afirmam que “mesmo que haja uma parte instintiva na reação da

cor, é indiscutível que o homem vai acumulando em sua memória experiências que o de-

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finem e o fazem agir de determinadas maneiras no decorrer de sua vida” (FARINA, PEREZ

e BASTOS, 2006, p.94).

Este acúmulo de experiências na memória apontado pelos autores mostra que, algumas

vezes, uma mesma cor pode ser usada com propósitos diferentes de acordo com o seu sig-

nificado no inconsciente coletivo. Isto vem ao encontro do que Guimarães (2004) escreve

sobre o carnaval no Rio de Janeiro de 1997. A escola de samba Unidos do Viradouro entrou

na Marquês de Sapucaí com a comissão de frente ostentando como cor dominante o preto

(no lugar de tradicionalmente apresentar-se multicolorida). Guimarães (2004) também le-

vanta outro fato, ocorrido em 1992, quando o então presidente do Brasil, Fernando Collor

de Mello, convocou toda população do país a sair às ruas vestida de verde e amarelo, em

resposta aos que se opunham ao seu governo “collorido”. Contudo, no dia determinado, 16

de agosto de 1992, conhecido como o “Domingo Negro”, toda a população que saiu às ruas

em passeatas e manifestações vestiu-se de preto (GUIMARÃES, 2004, p.87-88).

Como a cultura, o símbolo não está morto e, assim, o bom humor, o escárnio e o deboche fizeram até mesmo o preto, símbolo ocidental de luto e de morte, vestir-se de vida e alegria nesse contexto cultural de manifestação popular e protesto político (IDEM, p.88).

É preciso reconhecer que o significado cultural das cores pode ser alterado, reconfigu-

rado conforme o contexto empregado, conseguindo, assim, ressignificar e ser compreendido

por outras pessoas. Isso é notado nas embalagens dos azeites Gallo, que usam uma pequena

variação de cores para sua linha tradicional (figura 28), em que cada cor de tampa e sua

repetição no rótulo associa-se com determinado tipo do azeite. Na embalagem da colheita

especial (figura 29), é usado o preto em todo o frasco. Enquanto os outros frascos são trans-

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parentes e pode-se ver seus conteúdos e a coloração do azeite, na embalagem preta o vidro

é totalmente coberto, impedindo a visualização do seu interior. Tal procedimento pode ser

associado à intenção de o produto ter um ar de mistério, que somente ao ser degustado será

conhecido o seu sabor e textura. Também percebe-se a intenção da associação com a noite,

e que a colheita das azeitonas, banhadas pela luz da lua, levou a um produto de qualidade

superior. Dessa forma a cor negra associa-se ao glamour e status que o produto oferece.

Isto vem ao encontro do que Farina, Perez e Bastos (2006) comentam sobre o conteúdo e

significados da cor.

Figuras 29: Embalagem do azeite Gallo pre-mium, Colheita ao Luar

Fonte: http://www.thedieline.com

Figuras 28: Linha tradicional do azeite Gallo, Fonte: http://www.thedieline.com

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Por todo seu conteúdo emocional, por sua força de impacto e por sua expressivida-de de fácil assimilação, é a cor o elemento que mais contribui para a transmissão dessa mensagem idealizada, embora, paradoxalmente, ela seja também o fator preponderante na concretização do aspecto real da mensagem plástica (FARINA, PEREZ e BASTOS, 2006, p.116).

Podemos afirmar que a cor também é portadora da mensagem da embalagem, pois irá

constituir a sensação de realidade, causando impacto, atração e desejo. Ao perceberem a

cor, as pessoas lhe atribuem significados, mobilizando atenção ou também a desviando (FA-

RINA, PEREZ e BASTOS 2006). Para Guimarães (2004), a simbologia das cores dependerá

do armazenamento e da transmissão de seu conteúdo, o que pode variar de acordo com o

repertório compartilhado entre o designer e o consumidor, na interação com a embalagem.

Pode-se, então, admitir que o efeito das cores no indivíduo é resultado do estímulo ca-

racterístico da fisiologia humana e do uso cultural. Nas mais diversas aplicações, evocam-se

reações e físico-sócio-psíquicas perante a cor. Assim, assumem-se duas dimensões para a

construção do usuário: a sua resposta individual e personalizada diante do estímulo, e outra

compartilhada pelos valores culturais do meio em que se insere, pois a

identidade da cor não reside na cor em si, mas é estabelecida por relação. Temos consciência desta transfiguração mútua que torna cada cor dependente do apoio de todas as outras, [...] a rede de cores é criada apenas pelo olho, e esta subjetivi-dade – completamente diferente da vigorosa objetividade das formas – confere-lhe a qualidade de aparições. (ARNHEIM 2005, p. 351).

A respeito dessa identidade da cor, alguns produtos já trazem em seu repertório de

leituras visuais as cores que o identificam no seu segmento, como é o caso dos iogurtes, a

que, geralmente, as cores atribuídas são o branco e o vermelho. Em contraposição a esta

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atribuição de cores, encontra-se o iogurte Activia, que utiliza-se da cor verde como elemento

significativo da marca (figura 30).

O projeto apresenta uma articulação entre os elementos, por vezes até excessiva, como no caso do Activia, que revela grande destreza na elaboração da linguagem usual desse tipo de mercadoria. Com a transformação do conjunto das unidades em um todo gráfico e a adoção de estrutura cromática pouco usual ao segmento, o produto ganha maior visibilidade (CONSOLO, 2009, p.33).

Diante dessas afirmações, pode-se dizer que uma série de fatores culturais e psicológi-

cos influenciam uma determinada escolha de aplicação da cor na embalagem. Estes fatores

implicam em um compartilhamento social que corrobore e enfatize significado pela perspec-

tiva da coletividade e consumo.

Figura 30: Iogurte ActiviaFonte: CONSOLO, 2009, p.33

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A cor não tem apenas um significado universalmente compartilhado através da experiência, como também um valor informativo específico, que se dá através dos significados simbólicos a ela vinculados. Além do significado cromático ex-tremamente permutável da cor, cada um de nós tem suas preferências pessoais por cores específicas (DONDIS, 2007, p.69-70).

As sensações que a cor transmite e seus significados na embalagem constituem um

importante instrumento de comunicação e validam uma linguagem cromática, visto que

A cor é uma ferramenta mercadológica muito importante. De certo modo, as cores são uma espécie de código fácil de entender e assimilar, e por isso pode e deve ser usado estrategicamente como um instrumento didático. As cores formam uma lin-guagem imediata que tem a vantagem de superar muitas barreiras idiomáticas com seus conseguintes problemas de decodificação. Dentro do mundo da embalagem, a cor é fundamental. Os consumidores estão expostos a inúmeras mensagens visuais diferentes. [...] A cor faz reconhecível e recordável a embalagem [...] (FARINA, PEREZ e BASTOS, 2006, p.121).

Na figura 31, pode-se ver como este aspecto levantado por Farina, Peres e Bastos é

apresentado de maneira que o produto tenha relação com seu uso por intermédio da cor. Por

se tratar de um cereal matinal, as cores empregadas procuram retratar exatamente a atmos-

fera de um começo de dia tranquilo, com um desjejum rico e nutritivo, que proporcionará

um dia agradável e produtivo para o consumidor. Ainda neste sentido, Haug (1997) amplia

a questão ao afirmar que

O ideal da estética da mercadoria seria manifestar o que mais nos agrada, do que falamos, o que procuramos, o que não esquecemos, o que todos querem, o que sempre quisemos. O consumidor é servido sem resistir, seja por parte do aspec-to mais marcante, mais sensacional ou do mais despretensioso e mais cômodo (HAUG, 1997, p. 78).

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Um exemplo para esta relação significativa entre repertório e projeto pode ser visto nas

embalagens de Cream Cracker e Goiabinha, da Piraquê (figuras 32 e 33). Neste projeto,

a artista Lygia Pape elegeu o vermelho como cor principal para algumas das embalagens,

com o propósito de fazer ligações ao estímulo do apetite por causa da cor, além da questão

técnica que ao usar uma cor básica como principal e de maior amplitude sobre a suprefície

da embalagem, geraria menos problemas na impressão Outro aspecto interessante no uso

Figura 31: Proposta de embalagem para Nestle de cereal matinal

Fonte: http://lovelypackage.com

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das cores no projeto de Lygia é a sua relação com a Itália, por meio da representação das

cores da bandeira daquele país em algumas embalagens: vermelho, verde e branco (figuras

32, 33 e 34). Apesar do uso da cor verde em algumas embalagens, durante a pesquisa não

foram encontradas imagens de época nesta cor.

Figura 32 e 33: Embalgem do biscoito Crem Cracker e Goiabinha, da PiraquêFonte: http://daniname.wordpress.com

Figura 34: Embalgem do biscoito Água e Sal, com predominância do branco

Fonte: http://daniname.wordpress.com

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Numa embalagem, a cor é o fator que, em primeiro lugar, atinge o olhar do compra-dor. Portanto, é para ela que devem se dirigir os primeiros cuidados, principalmente se consideramos as ligações emotivas que envolve e seu grande poder sugestivo e persuasivo, poder este vinculado à possibilidade de desencadear uma rede de as-sociações positivas. Torna-se, portanto, evidente que a presença da cor na embala-gem representa um valor indiscutível (FARINA,PEREZ e BASTOS, 2006, p.132).

Vale notar que a linguagem cromática de linha de embalagens do Cream Cracker, além

de reforçar suas características propostas, consegue harmonia e equilíbrio pelo uso dos

espaços entre os elementos. A composição e a distribuição das imagens fazem com que o

conjunto cromático esteja em harmonia, conforme afirma Guimarães (2004)

Figura 35: Embalgem do biscoito Presunti-nho, da Piraquê

Fonte: http://daniname.wordpress.com

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[...] a harmonia é um sistema de regras coerente e lógico cujas partes componentes formam um todo uniforme e no qual todas as tensões obtidas nas relações e pro-porções da composição contribuem para o resultado pretendido: que todas as cores possam ser identificadas sem que o todo se desfaça (GUIMARÃES, 2004, p.76).

Esta harmonia do uso dos espaços em branco também se faz notar em uma outra em-

balagem da Piraquê, o do Presuntinho (figura 35), na qual a repetição de um elemento em

contrapartida aos espaços em branco constroem o equilíbrio visual pela dinâmica da diago-

nal (NAME, 2008).

É nesta harmonia entre os elementos cromáticos, suas formas e sua tipografia que per-

cebemos a busca por um equilíbrio que remete exatamente à proposta do produto, visto que

“o equilíbrio continua sendo a meta final de qualquer desejo a ser realizado, de qualquer

trabalho a ser completado, qualquer problema a ser solucionado” (ARNHEIM, 2005, p.28).

Afinal, a embalagem, por intermédio de suas qualidades estéticas, deve atuar para despertar

o desejo e vontade do consumidor (HAUG, 1997).

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2.3. Tipografia e conteúdo: exercícios estéticos

A proposta do trabalho tipográfico em embalagens geralmente procura estabelecer re-

lações de significados com o conteúdo utilizando poucos elementos tipográficos, diferente-

mente de um cartaz ou revista, por exemplo, visto que “a tipografia é a infraestrutura do

design gráfico, a própria base da comunicação visual” (HERION, apud GRUZYNSKI, 2000,

p.15) e é por intermédio dela que o designer tornará mais eficaz sua comunicação.

Para a transmissão de significados, Pinho (1996, p.40) aponta que se “deve considerar

que cada um dos tipos exerce uma ação psicológica variável, evocando sentimentos como

peso, rigidez, leveza, alegria e movimento, que vão contribuir decisivamente na construção

da personalidade” da embalagem, pois é justamente na escolha da família tipográfica que as

letras construirão uma mensagem, elaborando conotações emocionais e simbólicas.

A tipografia pode compor com as imagens da embalagem, elaborando distintas com-

posições. Em uma primeira condição, a imagem está subordinada ao signo verbal. Isso

quer dizer que ela é usada para complementar o sentido do texto. Em uma segunda con-

dição, a imagem pode informar mais que o texto em si, e com isso a ausência da mesma

tornaria difícil a concepção da embalagem. Em um terceiro momento, a imagem e o texto

adquirem a mesma importância, sendo traduzidos por um sentido de complementaridade.

E na quarta instância, há discordância entre texto e imagem, surgindo uma contradição

entre eles (SANTAELLA e NÖRTH, 2008).

A exemplo da transmissão de significados com o uso da tipografia, podemos ver o ró-

tulo do uísque Jack Daniel’s que, pelo desenho da família tipográfica empregada, transmite

características que são atribuídas ao produto: uma bebida de tradição e qualidade (figura

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36). Esse desenho da letra é um recurso que transmite significados de uma maneira eficaz,

simples e satisfatória, de acordo com Mestriner (2007).

A determinação de uso de certas famílias tipográficas se fará necessário para que o

resultado visual final da embalagem possa ter “a eficiência da escrita e a possibilidade da

leitura” (GRUZYNSKI, 2000, p. 98). Procedendo dessa maneira, o designer poderá compor

as informações necessárias e, por intermédio do desenho e escolha da família tipográfica,

agregar significações à embalagem, aliados aos outros elementos da a estrutura visual.

Niemeyer (2003) comenta que os critérios de escolha do tipo dependerão dos requisitos

da usabilidade, “determinados por três critérios ergonômicos: legibilidade, leiturabilidade e

pregnância” (NIEMEYER, 2003, p.70). A legibilidade é a disposição dos tipos, formando

palavras e frases colocadas de tal forma que possibilitem uma leitura mais rápida; a leitura-

bilidade refere-se ao desenho do tipo, seu tamanho e largura da linha, também contribuindo

para uma melhor identificação do que está escrito; a pregnância refere-se à propriedade

de se perceber a forma do tipo mais facilmente. Esses critérios devem ser considerados no

projeto, visto que

A tipografia manipula as dimensões silenciosas do alfabeto, empregando hábitos e técnicas que são vistos mas não são ouvidos, tais como o espacejamento e a pontu-ação. Em vez de tornar-se um código transparente de gravação do discurso falado, o alfabeto desenvolveu recursos visuais próprios, ganhando poder tecnológico ao deixar para trás suas conexões com o mundo falado. (LUPTON, 2006, p. 67).

O designer utiliza-se da tipografia de modo a “cumprir as metas do sistema de comuni-

cação, atender e explorar as limitações tecnológicas, de modo que o resultado atinja os ob-

jetivos estéticos, de significação e de usabilidade” (NIEMEYER, 2003, p.14). No projeto de

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Figura 36: Uisque Jack Daniel’s Fonte: http://metalberserk.blogspot.com

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embalagem, a tipografia escolhida para compor os textos e transmitir as informações deve

associar-se com os significados dos outros elementos de design, visto que a tipografia

envolve a seleção e a aplicação de tipos, a escolha do formato da página, assim como o objetivo de transmitir uma mensagem do modo mais eficaz possível, ge-

rando no leitor destinatário significação pretendidas pelo destinador (NIEMEYER,

2003, p.12-13).

Isto vem ao encontro do que Bergström (2009, p.96) comenta sobre “tipografia visí-

vel e tipografia invisível”. A “tipografia visível”, segundo o autor, considera a narrativa em

que a disposição das letras, símbolos e números transmitem ao espectador um reforço da

mensagem. O tipo escolhido também pode assumir determinadas características físicas ou

personagens, podendo cada letra ter sua própria personalidade, assim como as pessoas,

tornando-se “[...]tentadoras, atrevidas, afetadas [...]. No entanto, também podem ser aber-

tas, lúcidas, limpas, elegantes, simples e diferenciadas” (IDEM, p.96).

Como se faz perceber na figura 37, o desenho das letras que compõem o nome Danette

está associado à ilustração para evocar associações à consistência e à aparência do produto,

por se tratar de uma sobremesa cremosa de dois sabores. “A tipografia especialmente de-

senhada se integra à ilustração, contribuindo para a eficácia do seu poder de comunicação”

(CONSOLO, 2009, p.33).

Bergström (2009, p.96) denomina de “tipografia invisível” o fato do designer criar uma

ligação entre o emissor e receptor, em que as imagens do texto são formadas na mente do

leitor, neste caso, o consumidor da embalagem. Tais imagens da tipografia invisível extra-

polam as informações contidas no texto, e o leitor criará suas imagens mentalmente, pois

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“a tipografia cumpre funções claramente diferenciadoras entre os diversos componentes

textuais” (FUENTES, 2006, p.72). Este aspecto também é comentado por Niemeyer (2003)

quando escreve que

A tipografia deve colaborar, também em um outro aspecto de transmissão da men-sagem em linguagem verbal escrita. Ele é o de suprir, com os recursos que lhe são próprios, a expressividade, a ênfase necessária à comunicação, à semelhança do que ocorre na comunicação interpessoal, com os recursos da linguagem gestual (postura, expressão fisionômica, movimentos, etc.) e da oral (as variações de altu-ra, ritmo, e tom da voz) (NIEMEYER, 2003, p.13).

A utilização do tipo e seu uso com intenções claras de transmitir significados para seu

usuário vêm de encontro ao que Gruzynski (2000) afirma

A atividade de criar tipos e organizá-los com arte no espaço alia-se tanto à articu-lação de uma linguagem formal como ao manejo de forças culturais e estéticas. O primeiro aspecto revela seu lado mais conservador, vinculado à existência de um sistema simbólico de signos verbais regido por uma série de convenções sociais e culturais genéricas. O ponto de vista icônico/indicial, por outro lado, mostra sua face mais maleável e passível de ser trabalhada segundo preferências subjetivas e levando em conta adaptações ao contexto (GRUZYNSKI, 2000, p.16).

Figura 37: Embalagem da sobremesa Danette Mix.

Fonte: CONSOLO, 2009, p.33

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Essa organização de informações por intermédio dos tipos articula conteúdos estéticos

e fornece ao consumidor cada vez mais subsídios para que este sinta-se atraído pela emba-

lagem, como faz notar Haug (1997):

A aparência oferece-se como se anunciasse a satisfação; ela descobre alguém, lê os desejos em seus olhos e mostra-se na superfície da mercadoria. Ao interpretar as pessoas, a aparência que envolve a mercadoria mune-se com uma linguagem capaz de interpretar a si mesma e ao mundo (HAUG, 1997, p.77).

A exemplo das afirmações de Gruzinski (2000) e Haug (1997), retomamos a emba-

lagem de mel Babees Honey. O autor do projeto descreve que a intenção da construção

do nome Babees (figura 38) foi esboçar um leve sorriso, para com isso transmitir uma

atmosfera serena e amigável para as crianças, público principal para quem a embalagem

foi desenvolvida. Além disso, o desenho dos tipos reforça essa docilidade pretendida com a

embalagem, conseguindo assim aproximar de maneira amistosa com as crianças, transmi-

tindo a ludicidade da brincadeira e do jogo.

É interessante verificar que o arranjo dos tipos sobre a embalagem está ligado a todos os

outros elementos da linguagem visual, e procura tornar a comunicação desta cada vez mais

sedutora e convincente perante o consumidor, visto que

Todas as comunicações ocorrem através de sistemas codificados, ou linguagens. O design, por natureza, é uma linguagem a respeito de escolha. A escolha entre aquele fotógrafo ou este outro, entre Garamond ou Interstate, coloca o designer na posição de deixar alguma coisa entrar e outra ficar de fora” (ILYIN apud GRU-ZYNSKI, 2000, p.88).

Essas características encontradas no desenho do tipo, seu arranjo e na maneira como é

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distribuído nas embalagens, reforçam a compreensão da embalagem como um objeto comu-

nicacional que atrai a atenção e desperta os sentidos do consumidor, visto que

O ato projetual tem potencial de inovação, na medida em que contribui na criação de novos produtos e na articulação criativa de permanências e mudanças na ordem do cotidiano, das relações entre pessoas e entre estas e artefatos, delimitando espaços de identidades e diferenças pelo consumo (MENDES, RIAL e ONO, 2010, p.27).

Percebe-se, então, que o uso da tipografia na embalagem não se trata apenas de es-

colher determinada família tipográfica para que as informações sejam lidas, mas sim de-

terminar qual será a mais indicada para o projeto e terá maior poder de transformar essa

informação textual em uma comunicação visual eficiente e adequada.

Figuras 38: Embalagem de mel Babees Honey, do estúdio AH&OH.

Fonte: http://www.ahandoh.com

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3Design na Cultura de consumo

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Linguagem visual e cultura de consumo no design de embalagem |79

Nos capítulos anteriores, apresentou-se a embalagem e suas qualidades formais – for-

mato, tamanho, cores, tipografia, composição – que contribuem nos processos de atração

e sedução do consumidor. Estes elementos projetuais ordenados pelo designer agregam

valores e traduzem significados. Tal construção visual, formatada na embalagem, revela-se

determinante na relação com o consumidor, pois este já não consome mais o produto, mas

sim o que ela representa. Percebe-se o produto mais pelas funções simbólicas representadas

do que pelas suas características funcionais de uso, pois “a função simbólica dos objetos

encontra-se estreitamente vinculada à dinâmica social, cultural e econômica dos indivíduos

e sociedades” (ONO, 2004, p. 72).

Diante dessas afirmações, pretende-se neste capítulo refletir sobre a produção midiática

em construções imagéticas como articulações culturais para a produção de bens e produtos

de design, e como o designer pode atuar como um mediador diante da cultura de consumo,

apontando caminhos que o consumidor possa trilhar para uma atuação mais consciente –

relação entre o sujeito, seus pares e o ambiente.

Entende-se que cada vez mais novos produtos entram no mercado, e eles necessitam

de novas embalagens – processos de sedução, neste bombardeamento de novidades. Lipo-

vetsky (1989, p.160) escreve que “o novo aparece como o imperativo categórico da produ-

ção e do marketing, nossa economia-moda caminha no forcing e na sedução insubstituível

da mudança, da velocidade, da diferença”. Podemos entender que o consumo está além do

ato de compra de um produto: é um processo que envolve não só esse ato aquisitivo, mas

também o significado da posse, ou não, de determinado objeto, dando-se grande importân-

cia aos desejos dos consumidores, principalmente os ainda não percebidos, de modo que

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cada indivíduo possa buscar por novidades. Canevacci (2001) aponta que nós buscamos

constantemente por sinais para constituir nossas diferenças:

A cultura do consumo é fundada na constante produção e reprodução de sinais bem reconhecíveis por seus donos e por seu público; ela não encoraja um confor-mismo passivo na escolha das mercadorias, mas, pelo contrário, procura educar os indivíduos a ler as diferenças dos sinais, a decodificar facilmente as infinitas minúcias que diferenciam as roupas, os livros, os alimentos, os automóveis, o am-biente. Dessa forma, as distinções de classe e dos diversos segmentos de classe, e ainda as subculturas, ao invés de diluir-se, se fortalecem e se complicam: novos minissímbolos precisam ser descobertos para manter as diferenças” (CANEVACCI, 2001, p.239).

Este aspecto também é comentado por Kellner (2001) ao afirmar que

A cultura de consumo oferece um deslumbrante conjunto de bens e serviços que induzem os indivíduos a participar de um sistema de gratificação comercial. A cul-tura da mídia e a cultura de consumo atuam de mãos dadas no sentido de gerar pensamentos e comportamentos ajustados aos valores, às instituições, às crenças a às práticas vigentes (KELLNER, 2001, p.11).

Percebe-se, dessa maneira, que sempre há a busca por identificação por parte do con-

sumidor que, em função disso, cada vez mais é bombardeado por objetos e imagens que,

de certa forma, evocam a desejos e sonhos de consumo. Estes desejos e sonhos se dão,

também, pela exaltação da marca, pois é ela que faz a mercadoria parecer única. O valor

da marca amplifica o próprio produto ou sua função, “nosso apego não é realmente com a

coisa, é com o relacionamento, com os significados e sentimentos que a coisa representa”

(NORMAN, 2008, p. 68). Entende-se então que este relacionamento com os significados

que a marca traduz para o consumidor, é uma característica que pode ser percebida por

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outros indivíduos, com as mesmas preferências e gostos, mas não necessáriamente trans-

forma-se em padrão.

A exemplo disso, podemos ver a ação que a empresa Coca-Cola realiza na Festa do Boi,

em Parintins, desde o ano de 2005. A Festa do Boi de Parintins é um festival folclórico do

Boi-Bumbá. Nessa festa participam duas associações: o Boi Garantido, que tem como cor

oficial o vermelho; e o Boi Caprichoso, com a cor azul. As duas associações competem en-

tre si todos os anos, havendo uma grande rivalidade entre elas. Devido a esta rivalidade, a

população de Parintins divide-se em dois grupos e, na busca de sua identificação e diferen-

ciação do concorrente, utilizam as cores correspondentes da associação para quem torcem

ou participam (CAVALCANTI, 2000).

Um dos patrocinadores da festa é a Coca-Cola e, como sua cor institucional é o ver-

melho, durante os dias do evento os torcedores do Boi Caprichoso não consumiam o refri-

gerante por causa da sua embalagem. Percebendo isso, a empresa coloca no mercado de

Parintins, e apenas durante o festival, uma edição especial de latas de Coca-Cola na cor azul

(figura 39) (COM LIMÃO, 2009).

Percebe-se, por meio deste exemplo, estratégia da marca para aproximar-se do con-

sumidor, mesmo propondo alterações em sua identidade. Esta ação de reestruturação da

marca para promover maior identificação decorre da valorização dos “aspectos cada vez

mais abstratos, conceituais, virtuais de suas vidas e de sua interação com o ambiente”

(SEMPRINI, 2010, p.60). Esta ação da empresa nos ajuda a compreender como os indiví-

duos, inseridos na sociedade de consumo, valorizam determinados objetos a ponto que estes

possam desempenhar um papel de transmitir suas preferências e escolhas perante o meio

em que estão inseridos.

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Tal comportamento, seduzido quer seja pela marca ou pelo que o produto representa,

leva o indivíduo ao consumo, mas de acordo com Taschner (2010, p. 39) “não se trata ape-

nas de consumo material ou imaterial. Trata-se também de consumo de símbolos, portanto,

consumo cultural e social. E pode ser consumo político também”.

Procura-se nesta pesquisa assumir o consumo, não reduzido ao ato da compra, e sim

mais abrangente, como um leque de estratégias e discursos do objeto, negociações mate-

riais e simbólicas, suas apropriações e usos no cotidiano, e processos de significações em

experiências do dia a dia. Este entendimento sobre consumo, amplia-se com o que Slater

(2002) escreve:

O consumo faz parte da reprodução cultural das relações sociais, um processo bem concreto realizado através de práticas sociais na vida mundana. Essa visão das

Figura 39: Latas de Coca-Cola para a festa de Parintins

Fonte: http://comlimao.com

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coisas pode ser mecânica, pode implicar que o consumo é inevitavelmente confor-mista, bem como um agente, um meio de assegurar a conformidade social. Mas exatamente porque o consumo é uma prática cotidiana em que os agentes sociais reais usam habilmente os recursos culturais (linguagens, coisas, imagens) para atender a suas necessidades, envolve necessariamente reinterpretações, modifica-ções, transgressões – e pode ser usado para questionar culturalmente, bem como para reproduzir culturalmente a ordem social. (SLATER, 2002, p. 146).

O termo transgressão apontado pelo autor, pode até ser muito eloquente, mas deveria

ser redirecionado para a ideia de questionamento, um reposicionamento das pessoas fren-

te ao consumo. O indivíduo ao deparar-se com os objetos expostos para o consumo pode

apropriar-se deles quanto deixá-los de lado. Esse ato de não consumir pode ser entendido

como uma maneira do sujeito repudiar a posse material dos objetos, e/ou, também, como

um exercício de consumo imaterial, ou seja, incorporação de ideais ou atitudes.

Vale notar a contribuição de Jameson (1996) sobre a superficialidade, que é um fator

muito presente na pós-modernidade, consagrando o fetiche das mercadorias pela maneira

como os consumidores procuram cada vez mais variações dos produtos, diferenças estéticas

ou inovações técnicas ou tecnológicas.

A primeira, e mais evidente, é o aparecimento de um novo tipo de achatamento ou de falta de profundidade, um novo tipo de superficialidade no sentido mais literal, o que é talvez a mais importante característica formal de todos os pós-modernismos (JAMESON, 1996, p. 35).

O que pode acontecer é que, mesmo não necessitando de um produto, o consumidor,

seduzido pelo seu significado, busca ter a posse, devido à aparência que ele apresenta, que

é um indicador da individualidade, do gosto e do senso do estilo desse consumidor. A este-

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tização coloca em primeiro plano a importância do estilo (LIPOVETSKY, 1989), pois o que

está a nossa volta pode, ou não, traduzir aquilo que somos ou gostaríamos de aparentar ser.

O consumidor apresenta o desejo de ter determinado objeto, pois entende que este objeto

pode ser um indicador de sua condição ou posição social.

O imperativo da visualização, se pode inegavelmente dar margem a encantado-ras produções imagéticas, pode também incidir perniciosamente no modo como concretamente vivemos nossas vidas, percebemos o mundo e nele nos inserimos. (ROCHA E CASTRO, 2009, p.55).

A este respeito, podemos citar como exemplo a linha de produtos da Taeq (figuras 40,

41, 42 e 43), marca própria do grupo Pão de Açúcar. Os produtos da Taeq seguem uma

tendência mundial de produtos com o propósito de carregar “um conceito de saúde e bem-

estar e incorporar novas tecnologias” (MUNDO DO MARKETING, 2009). Dessa forma, ao

consumir estes produtos, o indivíduo transfere para si as características atribuídas à marca,

visto que o “ser Taeq é: ser simples; cuidar-se sem exagerar; gostar de si mesmo; preocupar-

se com o mundo ao redor; valorizar o equilíbrio entre a beleza interior e exterior; saber que

beleza é resultado de hábitos saudáveis” (MUNDO DO MARKETING, 2009).

Tomando a ideia de contexto de uso significativo, cabe mencionar que o consumo, por carregar forte carga simbólica, define certas práticas sociais e delimitações de identidades, pelas semelhanças ou diferenças [...] o consumo é portador de códigos que traduzem relações sociais e permitem classificar coisas e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e grupos, fazendo parte de um modo de vida marcado por uma série de rituais, nos quais o consumidor busca construir um universo inteligível com seus bens que escolhe. (MENDES, RIAL, ONO, 2010, p. 19).

Visto que os objetos sempre se referem a algum significado, status ou condição de ser

visto ou apreciado pela sociedade, as relações mais ou menos próximas e dependentes do

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Figura 40 e 41: A linha de produtos Taeq abrange desde produtos alimentícios a itens

para casa, vestuário e higiene pessoalFonte: http://www.taeq.com.br

Figura 42: Cereal matinal de aveia, quinua e morango da Taeq

Fonte: http://www.taeq.com.br

Figura 43: Polpa de tomate orgânico TaeqFonte: http://www.taeq.com.br

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consumidor dependem das estratégias do mercado.

Pode-se dizer que o consumismo é um tipo de arranjo social resultante da recicla-gem das vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, neutros quanto ao regime, transformando-os na principal força propulsora e operativa da sociedade, uma força que coordena a reprodução sistêmica, a inte-gração e a satisfação sociais, além da formação de indivíduos humanos, desempe-nhando ao mesmo tempo um papel importante nos processos de auto-identificação individual e de grupo, assim como na seleção e execução das políticas de vida individuais (BAUMAN, 2008, p. 41).

Esse aspecto levantado por Bauman (2008) é um dos pontos em que o trabalho do de-

signer vem à tona, para tornar a embalagem cada vez mais sedutora, atrativa e permanecer

de alguma maneira na lembrança do consumidor.

É nesse momento que o designer incorpora uma variedade de associações imagéticas

e simbólicas ao novo projeto, que poderão ter ou não uma relação direta com o produto.

Este processo pode dotar a embalagem de valores que tornem o produto uma mercadoria

desejável, por intermédio de sua linguagem visual, fazendo a mediação entre os signos e as

lembranças do consumidor.

Permeando o caminho do lúdico, tal atribuição é percebida nas embalagens para

lanche desenvolvidas pelo studio Emma Smart. Há três modelos: Satisfying lunch, He-

althy lunch e Childrens lunch (figura 44). Em cada um deles, ao abrir a embalagem, o

usuário, mesmo comendo apenas um sanduíche, terá a sensação de uma mesa posta,

com prato e talheres preparada para o seu almoço ou lanche rápido; detalhe que o

prato não é apenas uma imagem impressa no interior da embalagem, mas apresenta-

se aplicado sobre a superfície e suas bordas mais altas podem conter o alimento de

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Figura 45 e 46: Demonstração de uso e trnas-porte das embalagens

Fonte: http://www.smartemma.co.uk

Figura 44: Embalgens para lanche produzidas pelo stúdio Emma Smart

Fonte: http://www.smartemma.co.uk

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Figura 47 e 48: As as embalagens abertas com os pratos aplicados

Fonte: http://www.smartemma.co.uk

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maneira mais segura e confortável para o usuário (figuras 47 e 48).

Exemplificado nestas embalagens, percebe-se como as associações imagéticas podem

transmitir sensações e experimentações diferentes para o usuário.

Este processo é muito bem explorado pela publicidade, pela mídia e pelas técnicas de

exposição, quando estas atribuem aos produtos imagens que remetam à beleza, autorreali-

zação, sedução, qualidade de vida, o que interfere na leitura desses produtos, fascinando o

consumidor por meio da sua aparência e associações, pois

em nossos dias, o consumo de serviços e signos, nos seus mais variados regimes semióticos, é tão ou mais importante do que o consumo de bens materiais. Isso significa que o consumo simbólico ganhou uma relevância até então inaudita. (ROCHA E CASTRO, 2009, p.51).

A exemplo disso, pode ser visto na campanha publicitária de 2001 intitulada Happy

Hour, da Coca-Cola, em que o filme veiculado na televisão tem a seguinte sinopse:

Um mulher chegando em casa depois de um dia de trabalho vê uma Coca-Cola geladinha sobre o aparador da sala e tenta pegar. Mas a filhinha, que estava es-condida, salta em cima da garrafa dizendo: É minha! A partir daí desenvolve-se uma divertida brincadeira entre mãe e filha. As duas correm pela casa uma atrás da outra, vivendo deliciosos momentos da relação mãe e filha. O pai chegando, vê a casa toda virada e se assusta. Felizes e cúmplices, as duas acham tudo muito normal. Entra assinatura Coca-Cola (PRÊMIO FOLHA, 2001, p. 65).

Neste comercial percebe-se como a publicidade utiliza-se de imagens que trazem es-

pecíficas situações e atraem o indivíduo a determinados signos. O consumidor atrela algu-

mas sensações e sentimentos ao consumo do produto anunciado, transpondo o consumo

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material para um de valores imateriais.

Na cultura de consumo, as necessidades acabam codificadas como produtos, apoiados

tanto pela publicidade como pelo marketing. Dessa forma, signos são consumidos na crença

de uma promessa de que estes trarão realização e felicidade. Todavia, a materialidade não

satisfaz a necessidade natural de preenchimento imposto pelo modo de vida contemporâ-

neo, visto que na prática um produto nunca estará à altura da atribuição simbólica aplicada

pelo discurso publicitário,

consumir, portanto, significa investir na afiliação social de si próprio, o que numa sociedade de consumidores, traduz-se em vendabilidade: obter qualidades para as quais já existe uma demanda de mercado, ou reciclar as que já se possui, transfor-mando-as em mercadorias para as quais a demanda pode continuar sendo criada. (BAUMAN, 2008, p.75).

Assim, o consumo consiste em uma relação ativa, estabelecida entre os produtos, os in-

divíduos e o mundo. Cada vez mais os processos de consumo infiltram-se na vida cotidiana,

fazendo com que os indivíduos identifiquem-se mais com coisas e objetos para poderem di-

ferenciar-se de seus pares e, assim, hierarquizarem suas relações em seus grupos sociais.

Um costume crescente é o consumo de água mineral em garrafas. Hoje, com o culto à

saúde na ordem do dia,

a água mineral é hoje associada ao estilo de vida saudável e ao bem-estar. As garrafinhas de água mineral já se tornaram acessório dos esportistas, e, em casa, muita gente nem pensa em tomar o líquido que sai da torneira - compra água em garrafas ou galões. Nos últimos dez anos, em todo o planeta, o consumo de água mineral cresceu 145% - e passou a ocupar um lugar de destaque nas preocupações de muitos ambientalistas (PLANETA SUSTENTÁVEL).

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Em vista disso, um indivíduo preocupado com a saúde do corpo, certamente portará

uma garrafinha de água mineral para identificar-se com este grupo social.

Baudrillard (2007) esclarece que não é o consumo que se organiza em torno das di-

ferenças individuais, mas elas assumem uma personalização a fim de se organizarem em

modelos apresentados pela cultura de consumo, deixando a ilusão de que podem-se fazer

escolhas reais, mas tais escolhas já estão previstas pelo sistema. Este processo de cons-

trução da identidade na cultura de consumo apresenta-se de forma cambiante e fragmen-

tado, em que os objetos são os marcadores das relações, posições sociais e estilos de vida,

pois essas mercadorias são uma das muitas maneiras pelas quais os indivíduos podem

interagir socialmente.

Estes objetos determinam os códigos a serem seguidos por intermédio das mídias usa-

das pela publicidade e marketing, educando os consumidores direcionando seus investimen-

tos. A este respeito, Debord (1997) comenta que

A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumu-lados da economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do qual todo “ter” efetivo deve extrair seu prestígio imediato e sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual tornou-se social, diretamente dependente da força social, moldada por ela. Só lhe é permitido aparecer naquilo que não é.” (DEBORD, 1997, p. 18).

Dessa forma, o consumidor entende que ao consumir determinado produto, atenderá ao

mercado e seu discurso na mídia. E este produto poderá transmitir para ele e todos à sua

volta uma individualização e uma identificação com o grupo.

A sociedade de consumo tem como base de suas alegações a promessa de satis-

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fazer os desejos humanos em um grau que nenhuma sociedade do passado pôde alcançar, ou mesmo sonhar, mas a promessa de satisfação só permanece seduto-ra enquanto o cliente não está plenamente satisfeito – ou seja, enquanto não se acredita que os desejos que motivaram e colocaram em movimento a busca da satisfação e estimularam experimentos consumistas tenham sido verdadeiramente e totalmente realizados (BAUMAN, 2008, p.62).

Não podemos negar o fato de que a sociedade de consumo baseia-se, também, na

satisfação do desejo de consumo, conforme apontado por Bauman (2008). Entretanto,

tais satisfações podem vir de outras instâncias, como acontece com a coleção de deter-

minados objetos.

O fato de alguém colecionar algum objeto pode estar ligado a diversos fatores. Geral-

mente, o colecionador é visto como um acumulador que se empenha em recolher as peças

que elegeu, talvez pelo apego com o passado. Pode-se deduzir que cada vez mais os indi-

víduos ligados ao colecionismo, como uma acumulação de objetos, procuram afirmar ou

demarcar territórios.

Recentemente a Nestlé lançou no mercado uma série de embalagens do seu produto

Nescau em comemoração aos 90 anos da empresa, que consistia em quatro latas, com

o mesmo formato da lata dos 75 anos do produto (como visto no capítulo anterior), mas

apresentando as principais alterações na comunicação visual da embalagem no decorrer

dos anos (figura 49). Esta série era denominada pela empresa como uma edição especial e

limitada, para coleção.

Outro exemplo de colecionismo estimulado pela publicidade foi o que aconteceu a partir

da campanha Mamíferos (figura 50), da Parmalat. A empresa tinha um bom posicionamento

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de mercado entre as mulheres adultas, mas faltava identidade junto ao consumidor infantil

e adolescente. Com a campanha, lançada em 1996, ganhou destaque junto ao consumidor

em pouco tempo. Mesmo atingindo seu público-alvo principal, as crianças, a estratégia de

marketing era fidelizar os consumidores adultos. Para isso criou-se uma campanha promo-

cional que deveria cobrir esses objetivos.

A solução encontrada pela empresa foi a de levar os Mamíferos para a casa do consu-

midor. Em novembro de 97, a Parmalat lançou a promoção Mamíferos de Pelúcia (figura

51), oferecendo em troca de 20 códigos de barras de qualquer de seus produtos e mais uma

quantia em dinheiro um bicho de pelúcia. A coleção começou com 12 animais e no final

chegou a 21, tal o interesse que despertou nos consumidores (CASES DE SUCESSO).

Pode-se perceber o propósito de colecionismo e a intenção de induzir um consumo pelo

lúdico, pelas lembranças de possuir um determinado objeto que remeta a esses sentimen-

Figura 49: Latas comemorativas do Nescau Fonte: http://www.exame.abril.com.br

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tos, visto que “objetos especiais se revelam ser aqueles com recordações ou associações

especiais, aqueles que ajudavam a evocar um sentimento especial em seus donos. Todos os

itens especiais evocam histórias” (NORMAN, 2008, p. 68). E Lipovetsky (1989) comple-

menta o pensamento quando escreve que

Todos os nossos objetos são destinados à moda, ao espetacular fútil, à gratuidade técnica mais ou menos ostensiva. [...] as relações que mantemos com os objetos já não são do tipo utilitário, mas do tipo lúdico, o que nos seduz são, antes de tudo, os jogos a que dão ensejo, jogos dos mecanismos, das manipulações e performances. (LIPOVETSKY, 1989, p. 161).

Em vista disso, podemos afirmar que a mídia e a publicidade influenciam seus ob-

Figura 50: Produtos e personagens da cam-panha Mamíferos, da Parmalat

Fonte: http://maeperfeita.wordpress.com

Figura 51: Os bichos de pelúcia Parmalat para colecionar

Fonte: http://www.fotolog.com.br/tiochester/

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servadores e potenciais consumidores pela construção da diferença em seu meio social,

por uma identidade que a posse dessa mercadoria possa transmitir. Mas esta persuasão

refere-se não somente à compra, mas também à adesão a um discurso pelo indivíduo, re-

conhecido socialmente:

Os membros da sociedade de consumidores são eles próprios mercadorias de con-sumo, e é a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade. Tornar-se e continuar sendo uma mercadoria vendável é o mais poderoso motivo de preocupação do consumidor, mesmo que em geral latente e quase nunca consciente. (BAUMAN, 2008, p. 76).

Percebe-se, então, que os produtos darão aos indivíduos não só a sua utilidade, mas

também servirão como instrumentos simbólicos para demonstrar algo sobre sua personali-

dade ou contexto social, mesmo que o objeto simplesmente configure-se como uma preten-

são do que se quer ser. É nesse aspecto, do contexto sociocultural, que o papel do designer

torna-se essencial na mediação como um agente modificador e construtor cultural.

3.1 O designer como mediador na cultura de consumo

Devido às inovações e às estratégias de mercado focadas no consumidor, este vem, de

certo modo, tornando-se cético na crença de valores coletivos, mas, em contrapartida, cada

vez mais exigente. Entretanto, movido pelo desejo de destacar-se no meio social em que

está, cabe ao designer responder pela diferenciação dos produtos, criando impacto visual e

atraindo o consumidor ao promover um contato emocional.

Um exemplo disso é o trabalho de uma estudante do Instituto de Artes Aplicadas da

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Hungria, sobre um novo conceito de caixa de ovos. Este projeto consiste em usar uma única

folha de papel cartão, com dobras e cortes, e um elástico para expor e transportar os ovos

com segurança. Esta embalagem, além de diferenciar-se das tradicionais, em isopor ou mol-

dadas em papel, tem uma maior economia de matéria-prima e, quando vazia e desmontada,

ocupa bem menos espaço que as tradicionais (figura 52 e 53).

Pesquisas realizadas pela ABRE – Associação Brasileira da Embalagem – apontaram

que o brasileiro valoriza muito a embalagem e sabe diferenciar com certa habilidade uma

embalagem criteriosa de outra.

Figura 52 e 53: Novo conceito de embala-gem para ovos, mais econômica e que utiliza

menos matéria primaFonte: http://www.fastcodesign.com

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A maneira pela qual o usuário percebe as embalagens está intimamente ligada aos va-

lores atribuídos. Qualificando esse valor como atributos simbólicos e/ou emocionais, estabe-

lece, assim, uma aproximação de acordo com o contexto cultural deste usuário. Percebe-se

então uma infinidade de valores vinculados aos objetos, os quais podemos agrupar em dois

níveis: econômicos, ou seja, tudo que seja quantificável; e sociais.

Nossa relação com as coisas está repleta de significados, construídos a cada expe-riência que temos. Neste sentido, é fundamental recordar o papel como agente de mediação, entre nós e o mundo em que vivemos. Através das coisas, materializa-mos nossas convicções, ideais, sonhos e sentimentos. Desta maneira, o design tem um papel fundamental na construção de valores em nossa sociedade. (CRESTO e QUELUZ, 2010, p. 117).

Neste processo de materializar sensações nos objetos, as pessoas constroem um univer-

so imaginário em que o produto poderá desempenhar o papel de realizador de seus anseios

e expectativas, visto que, a partir do momento em que se estabelece a existência de um

código, os significados atribuídos pelo indivíduo somente farão sentido quando inseridos no

seu contexto, resultando em formas de uso.

Uma das atuações do designer é poder criar novos contextos e, assim, sugerir mu-

danças ou mesmo questionar a maneira como os objetos são produzidos e descartados

pelos consumidores. Um exemplo é a inclusão nas embalagens de informações a respeito

do material para promover o seu descarte em local adequado, também chamada de rotu-

lagem ambiental. Essa rotulagem é uma auto-declaração da empresa em seguir padrões

estabelecidos sobre condutas que poderão nortear uma mudança de comportamento da

sociedade em direção ao desenvolvimento sustentável; assim, pode-se reconhecer um

incentivo à reciclagem das embalagens, como também à geração de informações para o

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consumidor sobre empresas ambientalmente responsáveis (figuras 54 e 55).

Outro ponto de atuação do designer, é o conceito apontado por Gil Anderi da Silva e

João Amato Neto denominado de “Produção mais Limpa” (INSTITUTO AKATU, 2011). Este

conceito contribui para o caminho da sustentabilidade. Tal prática se inicia no projeto e

desenho dos produtos e, através dela, o designer busca direcionar o projeto para a redução

dos impactos negativos do ciclo de vida dos produtos, preocupado desde a extração da

matéria-prima até a disposição final dos produtos nos pontos de venda. Como ciclo de vida

do produto podemos entender que é “um conjunto de atividades e processos, cada um

deles absorvendo uma certa quantidade de matéria e de energia, operando uma série de

transformações e liberando emissões de natureza diversa” (MANZINI e VEZZOLI, 2008,

p.91); estes autores contemplam neste período as várias fases distintas que permeiam

desde o projeto e suas escolhas de materiais, tecnologias e processos, bem como a produ-

ção, a entrada no mercado, a permanência e, por fim, o uso e o descarte.

Já em relação aos processos de produção, a Produção mais Limpa orienta para a eco-

nomia de matéria-prima e energia, a eliminação do uso de materiais tóxicos e a redução nas

Figura 54: Ícones informando sobre o tipo de material da embalagem e incentivando seu

descarte para reciclagemFonte: Foto do autor

Figura 55: Ícone informativo sobre onde a embalagem deve ser descartada

Fonte: Foto do autor

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quantidades e toxicidade dos resíduos e emissões. Em relação aos serviços, direciona seu

foco para incorporar as questões ambientais na estrutura e entrega de serviços.

Dessa maneira, o projeto de embalagem, centrado nesse processo de produção denomi-

nado pelos autores de mais limpo, pode atuar como um mediador na conscientização dos

consumidores e evocar mudanças de comportamento.

Considerando que as necessidades e os desejos da sociedade são atendidos pelos pro-

dutos e serviços, conclui-se que não há possibilidade da sociedade contemporânea garantir

suas necessidades essenciais sem abrir mão do consumo, mas por outro lado, o marketing

e a publicidade apoiados pelos meios de comunicação podem informar ao consumidor sobre

os produtos que melhor se adéquam a um consumo de menor impacto ambiental. Ao referir-

se à comunicação de massa com os consumidores, Tachner (2010) escreve

As lojas de departamentos foram pioneiras na transformação dos processos aqui-sitivos do varejo em experiências memoráveis. Elas tornaram muito agradável e divertido olhar as vitrines, passear pelas lojas e fazer compras, independentemente daquilo que se comprasse ou se deixasse de comprar. Criou-se, assim, uma as-sociação entre consumo e prazer. Ir às compras tornou-se, para muitas pessoas, atividade de lazer. As lojas de departamento, portanto, tornaram muito próxima a relação entre lazer e consumo na virada para o século XX; mais que isso, elas rede-finiram essa relação (TASCHNER, 2010, p.47).

Cabe ressaltar que apenas a presença de elementos codificantes não garantirá o en-

tendimento da mensagem e da linguagem. Antes, porém, é necessário que haja uma arti-

culação entre os elementos da linguagem visual da embalagem para que, compreensíveis

em um dado sistema de códigos, viabilizem o processo comunicacional, ou seja, o produto

seja capaz de transmitir eficientemente a mensagem. Com isso, os objetos que desejamos,

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consumimos e/ou possuímos tornam-se veículos de informação, traduzindo características,

quem somos ou gostaríamos de ser, pois

de qualquer maneira que o universo do consumo, e principalmente as marcas que o habitam, representa um papel importante na produção de mundos possíveis e que os indivíduos podem, eventualmente, decidir se apropriar desses mundos. (SEMPRINI, 2010, p. 65).

É oportuno lembrar que as embalagens são objetos semióticos apresentando proprieda-

des expressivas ao materializarem-se, do projeto ao objeto. É neste processo que o design

trabalha, pois “o cliente é determinado em parte em função do aspecto exterior das coisas”

(LIPOVETSKY, 1989, p. 165). Têm importância não apenas o aspecto exterior, mas também

a construção cultural que este objeto faz no contexto de seu usuário, pois “pode-se entender

que os objetos fazem parte de práticas cotidianas e seriam a materialidade da cultura (em

conjunto com outros artefatos), que, ao ser constituída por materialidade e imaterialidade, a

cultura tem no design um de seus elementos constitutivos” (FUJITA e ONO, 2010, p. 94).

No entanto, a ação do designer como mediador cultural não se restringe apenas à su-

perfície dos objetos. Sua influência pode ser levada para ações de ordem social, em que seu

trabalho estará ligado muito mais ao aspecto de ser um formador de opinião.

Nesse aspecto, a rede inglesa de lojas Marks&Spencer optou por uma abordagem que

reconhecia a necessidade de conjugar esforços para mudar seu posicionamento frente aos

consumidores. Articularam o projeto no seu sentido mais amplo, no que diz respeito ao de-

senvolvimento de produtos em todas as áreas, no que se refere aos espaços, às fachadas das

lojas, aos elementos gráficos, à comunicação como um todo, conjugando decisões no terre-

no de gestão e dando início a uma ação comprometida com princípios éticos e ambientais

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Figura 57: Aviso sobre a embalagem do pro-duto Marks&Spencer na gôndola: “Estamos

escolhendo nossas embalagens com mais cuidado. As bandejas em que vendemos maçãs

são agora feitos de pasta de papel reciclado, ao invés de isopor. E melhor, estas bandejas

podem ser reciclados ou compostadas em seu jardim” (tradução livre)

Fonte: D2B Magazine, p. 100

Figura 56: Interior da loja Marks&SpencerFonte: http://veganbackpacker.com/

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(figuras 56 e 57). Além destas ações, a rede varejista tomou como resolução adotar alguma

certificação que representasse estas ações abordadas pelo projeto.

A certificação que refletiria esse novo posicionamento da empresa foi a Fairtrade1, que

busca estabelecer relações de longo prazo entre agricultores e artesãos em países em desen-

volvimento e redes de comércio estabelecidas nos países desenvolvidos. Esta certificação,

que pressupõe o cumprimento de uma série de exigências para ser concedida, inclui: opera-

ções financeiras de apoio a projetos sociais e de desenvolvimento; critérios de pagamentos

de valores mínimos e justos pré-estabelecidos pelos produtos aos produtores; a inexistência

de qualquer indício de trabalho escravo; e o fornecimento de consultoria técnica e financeira

para que os métodos de exploração da natureza sejam sustentáveis.

Ao conseguir essa certificação, ela será estampada na embalagem dos produtos. A

empresa apresenta para seus consumidores um posicionamento de caráter sociocultural

através do qual procura melhorar as condições de vida e de trabalho dos produtores; visa

especialmente os pequenos produtores mais desfavorecidos, para promover a equidade so-

cial, a proteção do ambiente e a segurança econômica através do comércio e da promoção

de campanhas de conscientização.

Com o intuito de promover essa equidade social e proteção do meio ambiente, a

Marks&Spencer buscou as expressões do design para que esses atributos da certificação

Fairtrade não ficassem apenas com a empresa, mas fossem transmitidas aos seus consu-

midores por meio de seus produtos. Dessa forma, seus clientes podem, de maneira indire-

1. Em uma tradução literal, Fairtrade significa comércio justo. É um dos pilares da sustentabilidade econômica e ecológica. Trata-se de um movimento social e uma modalidade de comércio internacional que busca o estabelecimento de preços justos, bem como de padrões sociais e ambientais equilibrados, nas cadeias produtivas (WEBARTIGOS, 2011)

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Figura 58: Produto da linha orgânicos da Marks&Spencer

Fonte: D2B Magazine, p. 96

Figura 59: Café da Marks&Spencer, um dos pri-meiros produtos a receber a certificação Fairtrade

Fonte: D2B Magazine, p. 94

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ta, contribuir para estas causas sociais e ambientais. Os projetos de desenvolvidos para a

Marks&Spencer, sejam as embalagens (figuras 58 e 59 ) ou a comunicação visual das lojas,

refletem esse posicionamento, de maneira que o trabalho dos designers transfere para os

consumidores a intenção – representada por meio dos produtos da empresa – de fazer algo

em benefício do meio ambiente ou de caráter social.

Assim, o designer, estruturando escolhas da linguagem visual pode articular ações de

caráter social, ambiental ou mesmo cultural e estabelecer-se como um mediador sociocul-

tural. Ao atribuir-se valores aos objetos, estes podem gerar significados e relevâncias para o

consumidor poder refletir em um consumo mais responsável e consciente.

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Considerações finais

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Ao longo desta pesquisa, buscou-se aprofundar o conhecimento das relações entre os

indivíduos e as embalagens, relações estas que se transformam no decorrer do tempo, exi-

gindo dos designers um esforço de reconfiguração para melhor responder aos anseios tanto

da indústria, quanto dos consumidores.

Dessa forma, podemos entender que o homem, como participante ativo na construção

da cultura material, envolve-se no processo das embalagens primeiramente pelo desempe-

nho prático e funcional de um recipiente para conter, transportar ou conservar produtos. Tal

relação se efetiva ao longo da história por fatores sociais e culturais promovidos e intensifi-

cados principalmente pela Revolução Industrial, quando se registra o aumento na oferta de

produtos, na concorrência e o surgimento da classe assalariada interessada e ávida para o

consumo de novos produtos.

Neste processo, as funções estéticas e simbólicas começam a agregar valores às quali-

dades e características materiais dos objetos no decorrer da história. Elas passam a requisi-

tar a atenção e preocupação dos designers na concepção e desenvolvimento de seus projetos

de embalagens para o consumidor. Assim, escolher e organizar os elementos projetuais

como forma, cor, tipografia, textura em uma determinada embalagem implicam encontrar

ressonância nas estruturas simbólicas construídas pelas pessoas. É nesta possibilidade de

identificação com os processos de significação que as emoções e sensações serão incorpo-

radas para que possam despertar o interesse do consumidor.

As embalagens, enquanto construções imagéticas, passam a estetizar os processos

sociais e culturais, procurando diferenciar os produtos e a marca e responder à competi-

tividade do mercado. Dessa maneira, elas assumem um papel de seduzir o consumidor

pelas suas qualidades estéticas e simbólicas, articulando associações com o repertório

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individual e coletivo das pessoas.

O projeto de embalagem, ao apropriar-se dos elementos de comunicação visual – cor,

forma, tipografia etc. –, explora seus efeitos e significados para efetivar a comunicação e

exercer atração frente ao consumidor. Assim, a aparência potencializa as conexões possíveis

a serem efetivadas de acordo com seu repertório.

A superfície material da embalagem pode ser estendida além de seus limites físicos

formais, levando o consumidor a mover-se em experiências e vivências, resgatando lem-

branças, traduzindo significados e estimulando desejos. A embalagem pode ir além de suas

funções primárias, sugerindo assim modos de uso.

Percebeu-se que o uso da cor nas embalagens vale-se de experiências e do inconsciente

coletivo dos indivíduos para poder gerar significados, conforme o contexto cultural. Pode-

se, também, admitir que o efeito das cores no indivíduo é resultado do estímulo fisiológico,

correspondendo às reações e às influências físico-sócio-psíquicas perante a cor.

Há, também, as características encontradas no desenho e na aplicação da tipografia,

sua disposição sobre o espaço da embalagem e relação com os outros elementos da comu-

nicação visual ali aplicados. Tais características reforçarão o propósito da embalagem como

um objeto de comunicação.

Nesse contexto, podemos entender melhor o projeto de embalagens para a Piraquê,

desenvolvidos por Lygia Pape. Através desta experiência foi possível notar que o design de

embalagens é muito mais amplo do que uma simples adequação de elementos visuais. O

projeto de design de embalagens é também a possibilidade de desconstruir e subverter as

normas pré-estabelecidas a favor de um olhar estético, em nome de um resultado positivo

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do projeto, mesmo atendendo aos anseios do mercado.

Pode-se então entender que tal adequação, traduzida pelo designer, poderá mediar e

elaborar positivamente os valores culturais na vida do consumidor, visto que os aspectos

simbólicos garantem a construção do indivíduo como ser social e político, atento e provoca-

dor de transformações sociais e culturais.

Percebeu-se o quanto é importante que o designer tome cada vez mais consciência

de seu papel no momento em que configura projetos e exercita uma possível influência

social, como é o caso das embalagens. Pode-se afirmar que tais objetos são uma extensão

do indivíduo, baseado nas relações entre ele e o objeto, com seus pares e com o meio em

que se encontra.

Dessa forma, acreditamos que um design de embalagens, com uma linguagem que inci-

te à reflexão, poderia contribuir com o desenvolvimento social dos indivíduos, independente

de sua classe social ou condição financeira. As indústrias deveriam pensar em, verdadeira-

mente, contribuir com o meio em que estão inseridas, mobilizando-se a ter um pensamento

crítico em prol de uma sociedade melhor e de uma melhor qualidade de vida. Como Kri-

ppendorff (2000) afirma: o design necessita conscientizar-se de seu foco no ser humano.

Aparentemente reside em nossa sociedade o axioma de que projetos voltados para o

mercado e caráter social não possam caminhar juntos. Isto precisa ser revisto para que mu-

danças efetivas possam ocorrer.

O autor deste projeto crê que o design de embalagens, mesmo ligado à cultura de

consumo, pode, verdadeiramente, estar engajado com o caráter social e, contribuir com a

sociedade como um todo.

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Referências

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