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Carlos Jaca 1 Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense. Das suas origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772. 5ª Parte Da decadência da Universidade de Coimbra até ao consulado pombalino. A morte quase imprevista do Príncipe D. João, único herdeiro do Rei, em 1554, causou-lhe tal desolação que pouco veio a sobreviver a este golpe, começando, desde logo, a reflectir- se na vida da Universidade. Três anos depois, a 11 de Junho de 1557, falecia D. João III, numa altura em que a Instituição, a que tanto se dedicara e protegera, mais precisava do seu apoio contra as forças que se iam preparando no sentido de atingir os seus objectivos, alguns já anteriormente conseguidos, levando a “Alma Mater” conimbricense ao início de uma época de decadência que se prolongaria até à reforma pombalina. Porém, deve dizer-se que o enfraquecimento universitário também não pode deixar de ter a ver com a desestabilização do equilíbrio orçamental do País, agravado a partir dos meados do século XVI, declínio do Império Português, e que teve o seu trágico desfecho na crise dinástica de 1580. A Universidade iria entrar, definitivamente, em período de decadência. Todo o seu regime vai ser alterado em constantes e confusas reformas de estatutos e em privilégios à Companhia de Jesus que, assim, lhe vai cerceando as suas imunidades.

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Carlos Jaca

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Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense. Das suas

origens à Reforma Universitária Pombalina de 1772.

5ª Parte

Da decadência da Universidade de Coimbra até ao consulado pombalino. A morte quase imprevista do Príncipe D. João, único herdeiro do Rei, em 1554, causou-lhe

tal desolação que pouco veio a sobreviver a este golpe, começando, desde logo, a reflectir-

se na vida da Universidade.

Três anos depois, a 11 de Junho de 1557, falecia

D. João III, numa altura em que a Instituição, a

que tanto se dedicara e protegera, mais

precisava do seu apoio contra as forças que se

iam preparando no sentido de atingir os seus

objectivos, alguns já anteriormente conseguidos,

levando a “Alma Mater” conimbricense ao início

de uma época de decadência que se prolongaria

até à reforma pombalina.

Porém, deve dizer-se que o enfraquecimento

universitário também não pode deixar de ter a

ver com a desestabilização do equilíbrio

orçamental do País, agravado a partir dos

meados do século XVI, declínio do Império

Português, e que teve o seu trágico desfecho na

crise dinástica de 1580. A Universidade iria

entrar, definitivamente, em período de

decadência. Todo o seu regime vai ser alterado

em constantes e confusas reformas de estatutos e em privilégios à Companhia de Jesus

que, assim, lhe vai cerceando as suas imunidades.

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Conflitos entre a Universidade e os Jesuítas.

Para esta situação muito contribuiu o desentendimento entre a Corte e a Universidade, que

se reflectiu logo nos primeiros diplomas régios enviados ao Reitor e Conselho após a morte

de D. João III.

O Cardeal D. Henrique, pelo menos aparentemente, ainda mostrou algum interesse pela

Universidade, embora tivesse criado uma escola rival, a Universidade de Évora, que

confiou à Companhia de Jesus. Porém, a Rainha D. Catarina, e sobretudo D. Sebastião,

manifestaram algum desapego pela instituição conimbricense. Como exemplo refira-se,

apenas, o facto de que nenhum deles prestou o juramento de “Protector”, de acordo com

os Estatutos. Este procedimento dos governantes pode filiar-se na resistência que a

Academia opôs aos grandes favores concedidos à Companhia, lesando interesses e não

respeitando as prerrogativas universitárias.

A questão das rendas do Colégio das Artes. – A entrega do Colégio das Artes à

Companhia de Jesus, ordenada em carta de 10 de Setembro de 1555, teve uma influência

altamente prejudicial sobre o regime interno e económico da Universidade, despoletando

um conflito que se arrastou durante largos anos.

As situações desagradáveis, e algumas bem graves, passadas no Colégio, ainda estavam

bem frescas na memória das pessoas, a rivalidade entre “bordaleses” e parisienses”, as

prisões que se fizeram, os processos da Inquisição, as culpas assumidas e, até, a

presença de Diogo de Teive, novamente, no Colégio, poderiam ter pesado como razões

que legitimassem a apetência da Instituição pelos jesuítas. Só que… as razões alegadas

foram de outra natureza.

A economia da Universidade baseava-se em determinadas terras e benefícios eclesiásticos

que, por iniciativa do Rei ou por outras formas, lhe foram outorgadas pelo Papa. Porém, os

ordenados dos mestres do Colégio saíam da fazenda real, isto é, do Estado.

Ora, os padres jesuítas, (também conhecidos por “Apóstolos”, devido ao facto de nos

primeiros tempos de Coimbra terem habitado em casas humildes numa rua denominada

Couraça dos Apóstolos) durante a sua campanha para tomarem posse do Colégio, tinham

chamado a atenção para a economia que representaria para o erário régio passarem as

despesas da Instituição a correr por conta deles.

Assim, D. João III, forçado a economias na administração pública, deve ter ficado ciente de

que cessava essa despesa, entregando o Colégio aos jesuítas e, se assim fosse, tratava-

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se de um acto de boa gestão financeira, tanto mais que o tesouro régio estava

sobrecarregado com a manutenção dos professores estrangeiros que leccionavam no

Colégio das Artes. Certamente, não seria que os “Apóstolos” se disponibilizassem a

ensinar gratuitamente, pois os recursos para sustentar o Colégio, de que passariam a

tomar conta, entendiam os padres obtê-los das próprias rendas da Universidade.

Como refere o Padre Francisco Rodrigues, S. J. na sua “História da Companhia de Jesus

na Assistência em Portugal”, «os religiosos da Companhia de Jesus haviam aceitado o

pesadíssimo fardo do colégio sem assinarem

contrato nenhum de dotação, confiados na

palavra de D. João III que prometia dotar o

colégio com rendas bastantes a sustentar os

Lentes e mais oficiais, e essas rendas as tomaria

das que tinham sido aplicadas à Universidade».

O Monarca ter-se-á convencido, de facto, que a

obrigação de pagar o funcionamento da

Instituição bem poderia ser por conta da

Universidade, porém, se D. João III chegou a

planear o contributo das rendas universitárias, o

certo é que veio a falecer sem o ter decidido.

Tardando o acordo entre a Universidade e a

Companhia, a Rainha D. Catarina, Regente, em

nome de D. Sebastião, enviou cartas, em Outubro

de 1557, à Universidade e ao Reitor, determinando que se separassem da fazenda

universitária «os bens que já possuía antes da transferência para Coimbra, e ainda a quinta

e renda de Treixede, a quinta de Pombal, e as rendas do Alvorge e Poiares – cujos

rendimentos a Rainha avaliava em cerca de 1.400 réis anuais, mas que a Universidade

dizia atingirem 2.200 réis – haveres que seriam aplicados ao Colégio das Artes, ficando a

sua livre e completa administração à Companhia de Jesus».

Embora respeitosamente, mas decidida, a Universidade considerou gravíssima a

diminuição das suas rendas, pelo que apenas estava disposta a concorrer para aquele fim

com 600.000 réis anuais e com a condição do Colégio ficar sujeito à sua jurisdição.

Obviamente que a Companhia recusou.

Poderá parecer estranho o facto de o poder real não anular, de imediato a tentativa de

resistência à sua vontade, só que o direito da Universidade tinha boas bases de

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sustentação, nada menos que um princípio essencial do Direito canónico, que impedia a

alienação de bens eclesiásticos e a aplicação dos respectivos frutos a outros fins que não

fossem os expressamente declarados na bula apostólica.

Ora, a Universidade não podia alienar ou desviar bens outorgados pelo Papa a favor de

uma instituição que não aceitava a sua jurisdição. Portanto, ou os jesuítas se sujeitavam à

jurisdição universitária, o que em nenhum caso aceitariam, ou nada lhes poderia ser

concedido à “sombra” das rendas académicas visto que, como se disse, formalmente o

impediam os diplomas papais.

Havia, no entanto, uma única hipótese de ultrapassar o problema, conseguirem do Papa a

autorização indispensável, o que era difícil de obter, mas acabaram por levar a “água ao

seu moinho”.

Nos finais de Abril de 1561, Pio IV autorizou o pagamento anual de 3.500 cruzados e,

ainda, um suplemento de 500 cruzados, bem como a conceder ao Monarca a faculdade de

desmembrar da Universidade bens que rendessem essas somas.

Ainda que o Pontífice outorgasse mais do que aquilo que esperavam, os jesuítas

recusaram a dádiva por via de incluir a cláusula do Colégio ficar sob protecção do

Soberano, e a Companhia recear que, mais tarde ou mais cedo este mandasse visitar a

Instituição, interferência do poder real a que, de modo nenhum, queriam sujeitar-se.

As ordens do Rei ficaram bloqueadas perante este obstáculo e, só em 1570, D. Sebastião

logrou obter um breve autorizando, não para se desmembrar o património, mas para que a

administração da fazenda fosse confiada ao Rei e à Mesa da Consciência.

A partir deste momento, a Universidade teria de recuar, mas como ainda tivesse oferecido

alguma resistência, D. Sebastião privou-a, em 1571, da administração das suas rendas.

Porém, interessada em reavê-la teve de submeter-se, prometendo aceitar o pagamento ao

Colégio, o que aconteceu em Almeirim, a 16 de Fevereiro de 1572, onde então residia o

Rei, assinando um acordo pelo qual a Universidade garantia ao Colégio 3.000 cruzados,

sem exigir a sua subordinação ao Reitor e pedindo a derrogação (revogação, anulação) da

bula que lhe destinava as rendas às despesas dos Lentes da “Alma Mater “ conimbricense.

Apesar de tudo a Universidade foi resistente, pois não só conseguiu ver diminuir a

contribuição que primeiro lhe fixaram, como evitou a desmembração do seu património,

porquanto, entregava ao Colégio o rendimento, mas não a propriedade ou o senhorio.

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Graus académicos concedidos pelo poder real! – Um outro conflito, não menos grave,

entre a Companhia de Jesus, apoiada pelo poder régio, foi motivado pela concessão dos

graus académicos.

Como se sabe, só a Universidade tinha poderes para conceder os graus de bacharel,

licenciado ou doutor, precedendo provas públicas avaliadas pela própria Instituição e,

mediante, uma propina. Na cerimónia solene de investidura, o novo graduado devia jurar

obediência ao Reitor como seu superior em todos os assuntos que diziam respeito à

Universidade.

Ora, os jesuítas, destinados por vocação a ensinar, aspiravam aos graus universitários

recebendo-os aqueles cuja capacidade lhes permitia alcançar aquela distinção. Porém, os

“filhos de Santo Inácio” não estavam dispostos a cumprir as condições exigidas, para tal.

Além de exigirem a isenção de propinas, privilégio sem precedentes, recusavam-se a

prestar o juramento, por norma, obrigatória na cerimónia da investidura, o que levantava

uma questão igualmente inédita nos anais da Universidade, «frequentada por

numerosíssimos religiosos que nunca tinham alegado a incompatibilidade entre o voto de

obediência ao respectivo superior e o juramento de obediência ao reitor da Universidade».

Como a questão se arrastasse e as Constituições da Companhia não lhes consentissem

prometer sujeição a superior estranho, os jesuítas recorreram a D. João III, conseguindo a

promulgação de diplomas régios nomeando licenciados ou doutores, alguns, padres

propostos pela Companhia.

Assim, em carta de 9 de Setembro de 1556 dirigida ao «ao reitor, lentes, deputados e

conselheiros da Universidade de Coimbra», ordenou-lhes que fossem admitidos aos graus

de mestres em Artes «sem fazerem acto algum dos que mandam os estatutos», os padres

Marcos Jorge, Pero da Fonseca, Sebastião de Morais, Pero Gomes, Jorge Serrão,

Domingos Cardoso e Inácio Martins do Colégio da Companhia de Jesus. Porém, como a

Academia não obedecesse à vontade real, que considerava um atentado contra as suas

prerrogativas, D. João III, por alvará de 30 de Janeiro de 1557, «havendo respeito à

experiência que todos aqueles religiosos de si mostraram nos actos públicos que fizeram

na Universidade da cidade de Coimbra e assim no Colégio das Artes dela, em que

publicamente leram e lêem», conferiu-lhes o grau de mestre em Artes com o direito de

gozarem «todos os privilégios, liberdades, honras, graças e preeminências», de que

usavam os mestres em Artes, graduados na Universidade».

Falecido D. João III, D. Catarina normalizou o que até então fora expediente em vida do

marido. Em 2 de Fevereiro isentou os jesuítas que se graduassem na Universidade da

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prestação de juramento e reduziu as propinas, exigidas quando da graduação em Artes,

Cânones e Teologia, a um quarto fixado pelos estatutos. Todavia, como o Conselho

Universitário não tivesse acatado a decisão determinou, a 2 de Janeiro de 1560, que

fossem graduados, por diploma régio, os religiosos da Companhia que tivessem concluído

o seu curso no Colégio das Artes, ficando para todos os efeitos equiparados aos graduados

e Lentes da Universidade.

Em iguais condições, ficaram, ainda, conforme outro diploma da mesma data, todos os

membros da Companhia graduados em Artes fora da Universidade de Coimbra pelos

privilégios da Companhia, ou por qualquer outra Universidade, que mais tarde se veio a

estender aos graduados em Teologia.

Finalmente, D. Sebastião, em 1573, alarga ainda mais a esfera destas concessões,

equiparando aos graduados e Lentes da Universidade todos os jesuítas designados pelo

Reitor do Colégio de Jesus e aprovados nos exames do Colégio das Artes, bem como os

graduados em Artes pela Universidade de Évora (criada em 1559, sob a protecção do

Cardeal D. Henrique, a sua jurisdição pertencia à Companhia de Jesus) ou outra, enquanto

residissem no Colégio de Jesus. Quer dizer, bastava que um jesuíta graduado pelo Colégio

das Artes ou por qualquer outra Universidade residisse em Coimbra na casa da

Companhia, para fazer parte do corpo da Universidade. Deste modo a Companhia de

Jesus atingia plenamente os objectivos a que se propusera: isenção no todo o ou em parte

do pagamento das propinas, do juramento ao Reitor e ser dispensada das provas exigidas

pela Universidade.

Reformas dos estatutos da Universidade de Coimbra.

Para este assunto, e no caso presente, considero não existir outra alternativa que não seja

abordá-lo em breves referências. Mesmo elaborando uma exposição sintética, julgo que se

tornaria fastidiosa e de pouco interesse, já que a sua análise abrange diversos aspectos e,

quanto a mim, pouco significativos, e até algo repetitivos, para uma boa parte dos

eventuais leitores: confronto de vários diplomas, organização universitária, nomeadamente,

o governo, administração, plano de estudos, graus e bastará apontar como exemplo, que

os Estatutos de 1559 «são extensos e pormenorizados».

Sublinhe-se a frequência com que se publicaram os estatutos universitários, durante o

período que decorre entre os meados do século XVI e a primeira década do seguinte,

porquanto saíram dos prelos dez reformas, todas elas por causas complexas, sobretudo

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pelo antagonismo que existia entre a Universidade e a Companhia de Jesus. As

modificações introduzidas correspondem, fundamentalmente, às pressões e à defesa que

as duas instituições procuravam fazer valer junto do Monarca: a Companhia pretendia

impor os seus objectivos pedagógicos e a Universidade defender os seus direitos e

interesses prejudicados.

Eventualmente, poderei vir a fazer uma ou outra referência ao conteúdo da reforma

de 1612 (reinado de Filipe I de Portugal e II de Espanha), pelo facto singular da vigência

destes Estatutos se ter mantido durante 160 anos, isto é, até à reforma pombalina de 1772,

tendo sido, anteriormente, confirmados por D. João IV,

em 15 de Outubro de 1653.

Antes de entrar propriamente nas reformas dos

estatutos da Universidade de Coimbra, no período já

referido, julgo conveniente, até para uma localização dos

factos, registar a cronologia governativa desta época

conturbada da Nação prestes a ser ocupada pela

Espanha: em 1557 morre D. João III tendo sido

proclamado rei seu neto, D. Sebastião, que então

andava pelos três anos de idade; assim, entre 1557 e

1562, é Regente do Reino D. Catarina, viúva de D. João

III; de 1562 a 1568, é Regente do Reino o Cardeal D.

Henrique; em 1568, aos catorze anos de idade, D.

Sebastião toma conta do governo da Nação, sendo Rei

até 1578, ano em que desaparece em Alcácer Quibir; entre 1578 a 1580, sobe ao trono o

Cardeal, que morre neste último ano, pelo que foi proclamado Rei , Filipe II de Espanha e I

de Portugal.

Os Estatutos Manuelinos entregues à Universidade de Coimbra, quando esta ainda estava

em Lisboa, embora remodelados parcialmente por legislação avulsa, continuaram a servir

como diploma fundamental. No entanto, acentuava-se a necessidade de uma reforma, o

que veio a acontecer, ou fosse por iniciativa régia, ou por sugestão e insistência da

Universidade. Em 1556, D. João III envia a Coimbra nas funções de Visitador, ou inspector

como hoje se diria, o Licenciado Baltazar de Faria, a fim de elaborar, de acordo com o

Conselho Universitário, os novos estatutos.

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Baltazar de Faria permaneceu em Coimbra no desempenho da sua missão, de Fevereiro a

Setembro de 1556, ouvindo professores, colhendo elementos e regressou a Lisboa. Porém,

circunstâncias imprevistas, a morte de D. João III em 11 de Junho de 1557 e os obstáculos

do início da regência de D. Catarina, podem explicar o adiamento desta importante medida.

Só em Novembro de 1559 se decidiu que Baltazar de Faria se apresentasse em Coimbra

ao Claustro Pleno da Universidade com uma carta régia, entregando-lhe os novos

estatutos.

Com algum fundamento, a Universidade recebeu-os de “pé atrás”, visto que D. Catarina

tanto demorara em enviá-los, levando a desconfiar que o projecto elaborado pelo Conselho

Universitário teria sofrido alterações, mas acabou por não levantar objecções.

Parece, de facto, que a sua elaboração não foi orientada no sentido de favorecer os

jesuítas, pois D. Catarina, por alvará de 29 de Outubro de 1559, teve a preocupação de

declarar que os novos estatutos não fossem activados naquilo que respeitasse ao Colégio

das Artes, enquanto estivesse a cargo da Companhia. Esta reforma foi denominada de

“Quartos Estatutos”.

A vigência destes estatutos também não foi longe, porquanto, em 1565, D. António

Pinheiro, Bispo de Miranda, apresentou-se em Coimbra, na qualidade de “visitador”,

procedendo a uma nova reforma. Só que desta vez, parece ter havido o desejo de

favorecer a Companhia, uma vez que a Universidade não fora autora deles e, por isso, não

foram bem aceites no Conselho – Mor de 28 de Fevereiro de 1565, tendo o Reitor

declarado que a alguns dos Lentes pareciam «rijos e fizeram abalo», reclamando contra

eles.

A Universidade vendo-se com um corpo de estatutos para os quais não fora ouvida,

participou ao Cardeal - Regente que os mandasse suspender. O Cardeal, embora com

alguma inclinação para favorecer os jesuítas, respondeu que a Universidade «dissesse em

que eram rigorosos os Estatutos e que entretanto os guardassem» (cumprissem). Como a

Universidade tivesse tomado a peito a revogação de alguns dos capítulos dos referidos

Estatutos, em parte as suas objecções foram atendidas.

O Reitor Aires da Silva, pessoa da confiança do Cardeal, fora chamado a Lisboa, por

ordem especial. Ao regressar a Coimbra apresentou ao Conselho Universitário um caderno

com alterações aos Estatutos aprovados pelo Cardeal em 28 de Novembro de 1567, cuja

reforma passou a ser conhecida pelos «Quintos Estatutos».

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A Universidade de Coimbra e a crise dinástica (1580).

A crise de 1580, para além de se ter alargado a muitas zonas do País, (outras, as

mais remotas, nem se terão dado conta do que se estava a passar) teve profundas

repercussões em Coimbra, não deixando de afectar a vida da Universidade.

Logo que Filipe II de Espanha, I de Portugal, anexou o nosso território, a

Universidade iria defrontar-se com uma situação melindrosa. As perspectivas não eram as

melhores, uma vez que a Instituição conimbricense tomara, decididamente, o partido da

independência nacional.

A Academia, de facto, não se deixou “comprar”, salvo raras excepções, pelo ouro

espanhol, defendendo pela palavra, pela escrita e, até, combatendo, corajosamente, pelas

armas ao lado de um dos pretendentes portugueses, D. António Prior do Crato.

Não era esta a primeira vez, e nem seria a última, que a Universidade de Coimbra

colaborara abnegadamente na defesa do interesse nacional, porquanto fê-lo três séculos

antes ao colocar-se ao lado do Mestre de Avis e agindo do mesmo modo quando Portugal

foi restaurado, em 1640, e, depois, no combate e expulsão das tropas napoleónicas.

Posição da Universidade. Aclamação popular de D. António, Prior do Crato.

Desencadeada a grande crise nacional que a aventura, ou desventura, africana provocara,

a Universidade viu que, para além de outras situações preocupantes, ao ter participado na

sucessão régia o seu prestígio, a prisão, o exílio e, até, a vida de alguns dos seus mestres

estava seriamente comprometida

A maioria dos jurisconsultos da Universidade manifestara abertamente opinião

favorável aos direitos da Duquesa de Bragança, D. Catarina, outros pronunciaram-se a

favor do Prior do Crato. Estes dois pretendentes contavam, ainda, com o apoio da

população da cidade e estudantes de Coimbra, manifestamente hostis às pretensões de

Filipe II.

Também os jesuítas, inicialmente, eram favoráveis às pretensões da Casa de

Bragança, o que não é de admirar, pois fora esta família que lhes dera o principal apoio

entre a aristocracia portuguesa. Além disso, eram contrários a Filipe II visto que este

submeteu em Espanha, a Companhia de Jesus à Inquisição e eram contrários ao Prior do

Crato, o qual era patrocinado pelo rei de França, donde os jesuítas tinham sido afastados.

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Porém, como tivessem dada por perdida a causa dos Braganças, voltaram-se para

a Filipe II, chegando mesmo a enviar o Desembargador do Paço, Paulo Afonso, a Vila

Viçosa, acompanhado do Provincial Jorge Serrão, a fim de persuadir a Duquesa de

Bragança a desistir dos seus direitos à coroa de Portugal, uma vez que consideravam

impossível lutar contra o poder militar de Filipe II, além de que o terreno estava minado

pelos corruptores a mando do monarca espanhol. Assim, de facto, não é de estranhar que

os jesuítas preferissem a submissão a Filipe, a fim de continuarem a exercer a sua

influência em Portugal.

O Cardeal – Rei morre em 1580, durante

as Cortes de Almeirim que tinham sido

convocadas a fim de tratarem da sucessão ao

trono, entregando, provisoriamente, o Poder a

cinco governadores: o Arcebispo de Lisboa, D.

Jorge de Almeida, D. João Telo, D. Francisco de

Meneses, D. Diogo Lopes de Sousa e D. João

de Mascarenhas. Destes cinco, só D. João Telo

era contrário a Filipe II.

O próprio Cardeal já havia manifestado

a sua intenção de nomear o pretendente

espanhol como sucessor ao trono, bem como muitas figuras da alta nobreza, algumas

subornadas pelos agentes de Filipe II, que sabia bem dos receios dos mais ricos em perder

a posição privilegiada que tinham na Corte.

Entretanto, a 29 de Fevereiro de 1580, sendo Reitor da Universidade D. Nuno de

Noronha, reuniu-se o Claustro para receber o Dr. João Nogueira, Procurador das Cortes,

reunidas em Almeirim, o qual fora enviado a Coimbra, por ordem dos governadores do

Reino, a fim de pedir à Universidade o parecer dos Lentes sobre o direito das Cortes na

causa da sucessão. Porém, os Lentes de Direito recusaram-se a tal, afirmando já terem

dado a sua opinião, acrescentando, ainda, o Dr. Luís Correia, «que tinha para isso maior

impedimento, pois todos sabiam que era procurador da Senhora D. Catarina». A atitude do

Claustro demonstrava, claramente, a sua indisponibilidade para ser recebido

favoravelmente um rei estrangeiro.

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Com alguma surpresa os acontecimentos acabaram por precipitar-se quando a ameaça de

invasão pelas tropas filipinas leva os partidários de D. António, em 12 de Junho de 1580, a

aclamá-lo rei em Santarém e em outras terras da sua parcialidade.

Datada de 20 de Junho, a Universidade recebe uma carta do Prior do Crato participando-

lhe a aclamação o que levou, de imediato, à reunião do Claustro para ouvir ler a carta

trazida por João Rodrigues de Vasconcelos. Reconhecido como rei de Portugal, resolveu-

se em acção de graças organizar uma procissão solene desde a Capela até ao Mosteiro de

Santa Cruz, e nomear o Reitor D. Nuno de Noronha, acompanhado por Frei Luís de Souto

Maior e Fernão Martins de Mascarenhas, para se deslocarem a Santarém a fim de

cumprimentar e prestar homenagem ao novo monarca e rogar-lhe que se declarasse

Protector da Universidade.

Porém a fortuna política de D. António foi efémera, visto que não dispondo de forças

organizadas, nem de recursos em dinheiro e armas, além dos traidores que comprometiam

o êxito da sua causa, rápida e facilmente, o poder caiu nas mãos de Filipe II.

Regressado o Reitor do desempenho da comissão que o levara a Santarém, e reunido o

Claustro a 13 de Dezembro, D. Nuno de Noronha declara, amargamente, que não tem que

dar conta da deputação de que havia sido encarregado «pois todos sabiam que El-Rei de

Castela, D. Filipe, estava reconhecido por Rei deste Reino em todo ele», pelo que nada

mais havia a fazer senão eleger a Universidade quem lhe fosse prestar obediência e

oferecer-lhe a Protectoria. Votando-se, nesse sentido, assentou-se que «fosse o mesmo

Reitor, e elegesse dos Lentes quais quisesse para o acompanharem…».

Obediência a Filipe II. Castigo de alguns parciais de D. António. Sob o ponto de vista

de dignidade, julgo não poder aceitar-se que o mesmo Reitor que se dirigiu a D. António

quando este foi aclamado Rei viesse a desempenhar agora as mesmas funções em

relação a Filipe II, mas como em política, e hoje, ainda, mais refinado (ou descarado), vale

tudo “menos tirar olhos” !

Certamente, D. Nuno de Noronha não teria sido obrigado a tal, mas, julgo poder aceitar-se,

que estaria ele próprio interessado em chefiar a deputação para saudar e prestar

homenagem ao novo monarca. Não o fazendo, sem dúvida, teria receado a reacção de

Filipe II, por via de ter tomado a mesma atitude quando da aclamação popular do Prior do

Crato, pois o castelhano não deixaria de ter conhecimento, estando bem a par, de todos

aqueles que se destacaram no apoio e aclamação do referido pretendente ao trono.

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A homenagem prestada a Filipe II, encabeçada pelo Reitor, encontra-se, ainda hoje,

registada em documento da autoria dos dois acompanhantes, D. João de Ataíde e D.

Afonso de Castelo Branco: «O Bispo D. Jorge de Ataíde, Capelão – Mor de S. Majestade,

do seu Conselho de Estado, Presidente da Mesa da Consciência e Ordens, e D. Afonso de

Castelo Branco, do Conselho de S. Majestade, deputado da Mesa da Consciência e

Ordens etc., fazemos saber aos que esta certidão virem que, quinta-feira, 16 dias do mês

de Fevereiro, deste presente ano, por comissão que para isso tínhamos da insigne

Universidade de Coimbra, em nome da dita Universidade, na cidade de Elvas demos

obediência ao potentíssimo e Católico Rei D. Filipe, primeiro deste nome Nº S. e assim

mais lhe demos juramento do ofício de Protector da dita Universidade, o que Sua

Majestade aceitou e jurou num Livro missal, conforme aos estatutos dela. E por ser

verdade mandamos passar a presente. Dada em Elvas sob nossos Sinais a vinte de

Fevereiro de M.D.L.XXXI».

O Reitor, D. Nuno de Noronha, regressou a Coimbra trazendo uma carta de Filipe II, para a

Universidade, datada de Elvas em 25 de Fevereiro de 1581, manifestando o contentamento

que lhe causou a homenagem de obediência que lhe era prestada, bem como a satisfação

com que se declarava seu Protector, «folguei de saber (pelo que me escrevestes e eles me

referiram) a particular obrigação que tendes a meu Serviço», propondo-se, ao tomar a sua

protecção «fazer mercê a essa Universidade e a favorecê-la como o faziam os senhores

Reis meus antecessores».

Apesar da satisfação que lhe causou a homenagem da Universidade (pelo menos

aparentemente,) Filipe II sabia bem que a sua posição no campo jurídico lhe tinha sido

bastante contrária.

Nas Cortes de Tomar (1581) não faltaram partidários do rei de Espanha, mais exaltados do

que o próprio monarca, protestando contra a Universidade de Coimbra, por ter sido um dos

mais fortes baluartes das pretensões rebeldes de D. António, e mesmo da Casa de

Bragança, e até de espalhar «as doutrinas revolucionárias da Soberania nacional, que por

sediciosas eram um perigo para a estabilidade do trono e um gérmen de corrupção no

espírito da mocidade».

De facto, a Universidade, como se acabou de referir, tanto pelo favor que as pretensões de

D. Catarina e as de D. António haviam encontrado nas alegações dos seus jurisconsultos,

como pela decidida inclinação que a cidade demonstrou ao Prior do Crato, armando

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estudantes e populares para o seguirem, era o alvo das acusações dos exaltados realistas,

que não cessavam de insistir pela sua extinção e transferência para Salamanca.

No entanto, se a proposta existiu foi repelida unanimemente e nenhum dos três braços

(Clero, Nobreza e Povo) admitiu tal ideia, tanto mais que, pouco depois, D. Filipe

confirmava à Universidade os seus antigos privilégios perdoando, com raras excepções,

aos doutores mais comprometidos «pela veemência dos opúsculos publicados contra os

direitos que alegara para subir ao trono». Porém, sabe-se que não deixou de assentar a

sua “mão de ferro” sobre aqueles que se manifestaram a favor de D. António.

Ainda antes da sua entrada em Portugal, a fim de ser jurado nas Cortes de Tomar, Filipe II

fez sentir o seu ódio contra os partidários do Prior do Crato que mais se haviam distinguido

na Universidade.

Assim, dois alvarás de 26 de Setembro, assinados em Badajoz, determinavam o

afastamento dos professores Frei Luís de Souto Maior e Frei Agostinho da Trindade das

suas cátedras de Escritura e de Escoto, por indignos e incapazes delas, privando-os de

«todas as honras, preeminências, liberdades, ordenados e proes (proveitos)». A

determinação tinha por base o facto de Souto Maior, religioso da Ordem de São Domingos

«seguir e acompanhar D. António, filho não legítimo do Senhor Infante D. Luís, meu tio que

Deus tem, que tiranicamente tomou o nome de Rei de Portugal, e ocupou a cidade de

Lisboa, e as vilas de Santarém e Setúbal, aconselhando-o nas matérias de guerra, sendo

tão fora da sua profissão e hábito, indo para este efeito muitas vezes ao seu arraial e

fazendo outras cousas de que o povo recebeu muito escândalo, e mau exemplo, de que a

meus vassalos se seguiram muitos danos, procedendo em tudo contra meu serviço, e

contra o que convinha ao bem comum do dito reino».

Frei Agostinho da Trindade, religioso dos Eremitas de Santo Agostinho, a acusação

fundamentava-se no facto de «seguir e acompanhar D. António…aconselhando-o nas

matérias de guerra e por ter pegado em armas e andar publicamente com elas pela cidade

de Lisboa, fazendo-se guarda das portas e muros, e metendo-se em outras cousas muito

fora de seu hábito e profissão com grande escândalo do povo, e mau exemplo…».

Frei Luís de Souto Maior foi reintegrado na sua cátedra, o que se deve ao facto de ser

protegido por D. Jorge de Ataíde e D. Fernando Martins Mascarenhas, o que tem a ver com

o valimento dos seus protectores junto do monarca castelhano. Frei Agostinho da Trindade

teve de emigrar para França, onde veio a ensinar Teologia na Universidade de Tolosa

Além destes, o Lente de Código e Colegial de São Pedro, Pedro de Alpoim, foi

publicamente degolado pelos mesmos motivos. Também o portador da carta de D. António

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para a Universidade, em que participava a sua aclamação, João Rodrigues de

Vasconcelos, acabou por morrer no cárcere

Intervenção de Filipe II na Universidade.

O novo Rei, ao agradecer a obediência prestada pela Universidade, demonstrou ser

seu desejo fazer-lhe mercê e de a favorecer segundo os seus privilégios e estatutos.

De facto, foram frequentes as intervenções do governo filipino na Universidade de

Coimbra. Logo em 1583, dois anos após a ocupação castelhana, Filipe II envia a Coimbra

um Visitador-reformador a fim de proceder à revisão dos estatutos então vigentes.

As várias modificações introduzidas nos estatutos correspondiam às pressões e à

defesa que a Companhia de Jesus e a Universidade procuravam fazer prevalecer junto do

monarca. A Companhia perseguia, fundamentalmente, objectivos pedagógicos, enquanto a

Universidade procurava defender os seus direitos e interesses prejudicados.

Reforma dos Estatutos. As queixas e os agravos da Universidade de Coimbra e da

Companhia denunciavam uma forte luta de interesses, em que a última levava vantagem, e

por isso se compreendia a insistência na remodelação dos estatutos, na qual a

Universidade esperava alcançar algumas das suas pretensões. Acrescente-se que,

certamente, também o governo filipino, já a governar em Portugal, não podia desinteressar-

se de uma Escola que tradicionalmente formava o funcionalismo e os “fazedores de

opinião”.

Deste modo, Filipe II, em 9 de Março de 1583, nomeia Manuel Quadros, Visitador e

Reformador da Universidade de Coimbra, acompanhado de uma comissão de Lentes de

Prima e Véspera de todas as Faculdades para proceder à elaboração dos novos Estatutos.

O Visitador e os Lentes trabalharam, pelo menos, até Janeiro de 1584. Em 20 do mesmo

mês participa ao Claustro que tinha sido chamado a Lisboa, prometendo voltar em breve

para continuar e finalizar os Estatutos. Porém, a demora em Lisboa até Novembro desse

ano de 1584, dava para perceber que um novo entrave embaraçava uma aparente

autonomia da Universidade em colaborar nos seus estatutos e, de facto, ainda no mês de

Novembro de 1584, chegava a Coimbra uma carta régia proibindo que «os negócios da

Universidade se tratassem nela, estabelecendo que tudo se tratasse em Lisboa junto do

Cardeal Arquiduque Alberto (Vice-Rei), com a assistência do Arcebispo de Lisboa, do Dr.

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Paulo Afonso, do Reitor D. Nuno de Noronha, e dele Visitador Manuel Quadros». Admitia,

porém, que a Universidade enviasse um procurador com as sugestões susceptíveis de

tomar em consideração. Entretanto, por provisão de 15 de Março de 1586 a preparação

dos Estatutos foi a atribuída a D. Fernando de Mascarenhas, proposto Reitor da

Universidade e que dizem ser partidário da Companhia.

O novo Reitor começou a trabalhar no projecto dos estatutos, em colaboração com o Lente

de Prima António Vaz Colaço, que foi expressamente a Madrid, onde outros autores viram

o projecto, que ainda sofreu alterações.

Finalmente, Vaz Colaço regressou de Madrid com os estatutos aprovados e impostos à

Universidade por Filipe I de Portugal em 1592, tendo sido impressos em Coimbra por

António Barreira, famoso impressor da Universidade. Eram os ”Sextos Estatutos”.

Acontece que o labor da redacção dos estatutos não correspondeu à esperanças que neles

se havia depositado, não vindo a ter vigência duradoura. Segundo Teófilo Braga, estes

estatutos não agradaram à Companhia, a qual terá requerido que se suspendesse a sua

aplicação, «porque lhe prejudicava as isenções do Colégio das Artes». Logo a seguir à sua

aplicação os estatutos voltaram a Madrid para

serem revistos por Pedro Barbosa e Rui Lopes da

Veiga, Lente de Prima de Leis. O Rei confirmou

as emendas e o Dr. Lopes da Veiga apresentou-

os ao Claustro da Universidade, em 23 de

Fevereiro de 1598, assentando que se

aplicassem. Eram os “Sétimos Estatutos”.

Pode causar estranheza, ou não, o facto de, ao

fim de apenas seis anos se proceder a nova

mexida nos estatutos. Certamente, alguém o

pretendia. O que se sabe é que o Rei nomeou,

por provisão de 20 de Março de 1604, D.

Francisco de Bragança, Visitador-reformador,

alegando-se que «havendo respeito ao muito

tempo (!) que há que nessa Universidade não foi

visitada nem reformada» e que o seu bom funcionamento «impunha nova remodelação».

As reformas consistiram em modificar e acrescentar 162 artigos aos “Sétimos Estatutos”

que foram objecto de discussão e protestos da parte da Universidade. Esses artigos foram

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remetidos de Lisboa ao Reitor Francisco da Costa em 1611 que, depois de revistos, foram

confirmados em 20 de Julho e aceites pela Universidade. Eram os “Estatutos Velhos” ou

“Oitavos Estatutos” que perduraram, como já foi referido, até à reforma pombalina dos

Estudos.

Breve referência à orgânica universitária. Como organismo público a Universidade

dependia, naturalmente, do Poder Central. Pelos estatutos, o Rei declarava-se Protector da

Universidade e, como tal, prestava no início do seu reinado um juramento em que prometia

apoiá-la, defendê-la e guardar os seus estatutos, privilégios, usos e costumes.

A sujeição da Universidade ao Protector obrigava-a a respeitar as resoluções da sua

vontade, conquanto pudesse demonstrar, com moderação, a sua discordância contra o que

lhe parecesse contrário aos seus privilégios, interesses ou direitos tradicionais.

Ao Protector competia-lhe, exclusivamente, «fazer, tirar, acrescentar e declarar os

estatutos, dispensar neles, eleger reitor, conservador, ouvidor e prorrogar-lhes o tempo,

criar ofício ou cadeiras novas, confirmar as maiores levadas por oposição (por concurso), e

os ofícios abaixo declarados, apresentar nas Conesias magistrais e doutorais, jubilar os

lentes, apresentar oficiais, conceder licenças para despesas excessivas, escambos da

fazenda, emprazamento de propriedades ou casais, lugares ou vilas, que passem de

quarenta mil réis de renda para o inquilino, reformação ou visitação da Universidade,

nomeação das pessoas que tratem comigo os negócios dela, assim na corte onde eu

estiver como em Lisboa».

Efectivamente, o Rei avocava a si largos poderes que incluíam, como se vê, o controlo da

fazenda e até homologar nomeações para as cadeiras mais importantes, reforçados ainda

pela inspecção trienal do Visitador régio e pela inspecção extraordinária do Reformador,

que tinha a seu cargo a faculdade de aplicar sanções “in loco”.

Porém, não eliminavam inteiramente a autonomia da corporação universitária, porquanto

esta conservava o direito de eleger os seus professores e os seus oficiais (funcionários),

embora necessitando da confiança régia nos casos mais importantes.

O Reitor era quem superiormente governava a Universidade, exercendo sobretudo uma

função coordenadora, porque o governo efectivo repartia-se pelo Conselho de

Conselheiros (funções pedagógicas), Conselho de Deputados (administração da fazenda

da Universidade), Claustro (reunião conjunta dos dois Conselhos, com funções

respeitantes ao provimento dos ofícios da Universidade e das suas terras, e ao exame das

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questões com o Estado ou com a Cúria) e Claustro Pleno (formado pelos Lentes das

Faculdades, pelos conselheiros, deputados, chanceler conservador e síndico), reunia

quando surgiam questões de gravidade. Os três últimos faziam parte do quadro de

funcionários universitários, que incluía ainda um cancelário, funções que, desde há muito,

pertenciam ao Prior do Mosteiro de Santa Cruz, um mestre de cerimónias, um escrivão da

fazenda, um escrivão da receita e despesa, um escrivão dos contos, um escrivão das

execuções, um ouvidor das terras e coutos, dois almotacés, dois taxadores, um meirinho e

três bedéis.

Todo o pessoal da Universidade, lentes, estudantes e funcionários, estava isento, julgo que

desde a sua fundação em 1290, do direito comum, tendo o seu foro próprio, a sua cadeia, e

os seus magistrados judiciais, cuja cabeça era o Conservador.

O quadro dos estudos universitários distribuía-se pelas quatro Faculdades: Teologia,

Cânones, Leis e Medicina, e pelas Escolas Menores. Estas últimas compreendiam uma

cadeira de Matemática, uma de Música, quatro de Artes, correspondentes ao curso de

filosofia de Aristóteles, uma de Hebreu, uma de Grego, cinco de Latim e duas de ler,

escrever e contar.

A Teologia, naturalmente, ocupava o primeiro lugar «nas precedências e na estimação das

disciplinas», incluía quatro cadeiras “maiores”, em que se lia Pedro Lombardo, S. Tomás e

a Escritura, e duas cadeiras “menores”, ou “catedrilhas”, em que se lia Durando, Escrituras

e S. Tomás ou Gabriel Biel. O bacharelato de Teologia exigia uma frequência de sete anos

e vários exames; a licenciatura, mais dois anos e numerosas provas, devendo o candidato

ter a idade mínima de trinta anos, ordens sacras e ser filho legítimo de pais católicos.

A Faculdade de Cânones possuía cinco cátedras (duas de Decretais, Decreto, Sexto das

Decretais, Clementinas).

A Faculdade de Direito Civil era constituída por quatro cadeiras “maiores” (Esforçado,

Digesto novo, Digesto velho e Código) e por quatro “catedrilhas” (duas de Código e duas

de Instituta).

A Faculdade de Medicina incluía quatro cadeiras “maiores”, (em que se lia Galeno,

Hipócrates e Avicena) e três “catedrilhas” (sendo duas para Galeno e uma para outros

autores), A Anatomia era dada segundo Galeno, com demonstrações experimentais nove

vezes por ano, sendo uma ou duas em cadáver humano (segundo a reforma de 1612). Os

Lentes deviam diariamente visitar com os alunos o hospital da cidade. O bacharelato exigia

cinco anos de curso e um exame, mas só se podia exercer clínica após mais um ano de

prática e respectivas provas.

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Revolução de 1640. Legitimação filosófica e doutrinária do

acontecimento num quadro histórico – jurídico.

A revolução de 1 de Dezembro de 1640, pela qual a Nação recuperou a sua

autonomia política e a plena consciência do sentimento nacional, não resultou apenas da

substituição de uma dinastia. O levantamento que pôs termo ao domínio filipino afirmou-se,

fundamentalmente, como uma revolução intelectual pelo regresso do pensamento político

português às suas origens e tradições. Isto, significa que o movimento libertador da

opressão espanhola, foi o resultado de uma original literatura teológico – política que

floresceu na Península no séc. XVI e nos princípios do XVII, «literatura que se alimentou no

mais puro doutrinarismo escolástico e tomista do séc. XIII».

Esta escola teológica teve como expoentes máximos, entre outros, Aspilcueta

Navarro e Francisco Suarez, o “Doutor Exímio”, Mestres da Universidade de Coimbra, de

cujas lições vieram a aproveitar alguns

ilustres discípulos.

Francisco Suarez chegou a formular, durante

o governo dos Filipes, uma doutrina de

alienação do poder que vinha ao encontro

dos interesses da Restauração: a soberania

não pertencia aos reis, que apenas a

exerciam graças a um “pactum subjectionis”

(pacto de sujeição) em que a soberania era

limitada. O poder vinha directamente de

Deus para os súbditos, tendo estes o poder

“in habitu” e os reis apenas o poder “in actu”.

Assim, os que usavam a tirania para violar o

bem da comunidade podiam ser depostos e

julgados, o que tornava a aclamação de D. João IV um acto perfeitamente legítimo.

Outros jurisconsultos de 1640, mestres da Universidade, altos magistrados, como António

Pais Viegas, D. Félix Correia, Licenciado Afonso de Lucena, Dr. Luís Correia, António Vaz

Cabaço, o jesuíta Manuel de Sá, Frei Serafim de Freitas, Pedro Barbosa Homem, António

de Sousa Macedo e João Pinto Ribeiro, sustentaram desassombradamente a justificação

filosófica e doutrinária do levantamento de 1º de Dezembro. Os homens da Restauração

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apoiavam-se nessas doutrinas para justificar o movimento emancipador, se as razões da

legitimidade se mostrassem insuficientes.

Alguns anos depois, em 1644, numa obra em que a defesa da Restauração era feita com

grande número de argumentos jurídicos e citações de juristas – a “Justa Aclamação de D.

João IV”, da autoria de Francisco Velasco de Gouveia, catedrático jubilado em Cânones da

Universidade de Coimbra – o assunto veio novamente à liça, mas desta vez levado a

limites ainda mais ousados. Com efeito, Velasco de Gouveia, em cerrada argumentação,

afirmava: 1º- «Que o poder régio dos Reis, está originalmente nos Povos e Repúblicas, e

que eles o recebem imediatamente; 2º - que o poder que os Povos transferiram a principio

nos Reis, para os governarem, não foi total, antes ficando-lhes habitualmente para o

poderem reassumir nos casos em que precisamente lhe fosse necessário para sua

conservação; 3º - que os Reinos e Povos deles têm poder para negarem a obediência aos

Reis intrusos sem título, ou tiranos no governo e os privarem, submetendo-se a quem tiver

direito legítimo de reinar». Finalmente, e como conclusão lógica de quanto deixara

expendido, proclamava «que o Reino tinha poder legítimo para validamente por si só privar

a El-Rei Católico de Castela, e para reconhecer por Rei ao Sereníssimo D. João IV». Assim

foi, ou melhor, assim tinha sido.

Adesão da Universidade de Coimbra ao Portugal restaurado. No próprio dia 1 de

Dezembro começaram os governadores a comunicar às câmaras e outras instituições

pedindo que «se apelidasse ao Duque de Bragança por Rei e Senhor destes Reinos». Não

deixa de ser surpreendente a rapidez com que os correios oficiais e particulares correram,

desde então, todo o País, ao ponto de antes do fim do ano não haver uma cidade ou vila

que não tivesse apoiado entusiasticamente a Restauração. E mais, casos houve, em que o

juramento do novo rei se fez antes da notícia ter chegado de Lisboa, bastando aquele

rumor para as populações explodirem de entusiasmo.

Em várias terras a aclamação foi acompanhada de manifestações festivas, sendo

dignas de menção especial, pela sua duração e pela categoria das pessoas que nela

tomaram parte, aquelas que foram levadas a cabo pela Universidade de Coimbra. Com

efeito, foi com intensa alegria e vibração que a cidade de Coimbra, particularmente a sua

Universidade, recebeu a notícia da aclamação do Duque de Bragança.

No dia 4 de Dezembro de 1640 começou a constar-se na Universidade a notícia

«incerta, vaga e duvidosa», mas no dia seguinte chegava de Lisboa a confirmação oficial

por carta dos Arcebispos D. Sebastião de Mattos, de Braga, e D. Rodrigo da Cunha, de

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Lisboa, governadores do Reino, para o Reitor, que era Manuel de Saldanha e havia sido

nomeado em 11 de Setembro de 1638, por provisão de Filipe IV. Na referida comunicação,

participava-se «que sábado 1º deste mês, a nobreza e o povo desta cidade apelidaram por

Rei destes Reinos ao Duque de Bragança, que se tem mandado chamar (o Duque

encontrava-se, então, no seu Paço de Vila Viçosa) e nós desejando evitar mortes, e

escândalos temos dado as ordens necessárias, para se aquietar a Cidade…e que nessa

cidade façam o mesmo apelidando ao Duque por Rei…procedendo com toda a quietação

particularmente nos estudantes».

Aclamação. Manifestações festivas. No dia seguinte, 6 de Dezembro, pela manhã, o

Reitor convocou o Conselho dos Lentes, Deputados e Conselheiros para dar maior

solenidade ao acto, convidou a nobreza das Escolas e os reitores dos Colégios para

assistirem, pedindo-lhes que agradecessem a Deus a mercê de lhes dar novo rei,

recomendando-lhes que não houvesse desordem, se espalhassem «para isso por todo o

corpo da Universidade que estava junto no terreiro dela: e logo os estudantes arrebatados

de um grande ardor, deixadas as capas, começaram com grande estrondo de vozes a

dizer: Viva El-Rei D. João o Quarto, nosso Senhor: Viva o famoso Rei, que nos liberta, e

com o mesmo ardor foram pelas ruas, repetindo muitas vezes estes aplausos».

Continuando as manifestações, a mocidade académica dirigiu-se à Câmara, para onde

tinham sido convocados os vereadores, e pediu que se aclamasse sem detença o Duque

de Bragança o que, de imediato, se realizou. Dirigiram-se depois para Santa Cruz e daí

para a Igreja de S. Jerónimo, onde se encontrava o Reitor com os Lentes e Doutores

assistindo à festa de S. Nicolau, tradição comemorativa da Universidade. Com grandes

manifestações os estudantes vitoriaram o novo rei, «respondendo todos os Lentes e

Doutores, Viva, Viva, e tomando ramos nas mãos, e o Reitor uma palma, com várias

demonstrações de alegria, o acompanharam até à Capela Real, onde se cantou o “Te

Deum Laudamus”».

À tarde, «subiram a cavalo muitos fidalgos vestidos de cor, e correram muitas carreiras no

terreiro das Escolas, e muitos outros a pé fizeram o mesmo, e se não quiseram eximir os

Lentes, velhos, Eclesiásticos e frades». À noite continuaram os festejos, que se repetiram

por muitos dias, assistindo a eles não só os moradores de Coimbra, como também os das

terras vizinhas, não faltando, noites seguidas, fogos de artifício, luminárias nos edifícios

públicos e casas particulares, cavalhadas, cortejos, festividades religiosas.

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As manifestações festivas, iniciadas em 6 de Dezembro, só terminaram dois meses depois,

em 8 de Fevereiro de 1641, sendo este dia dedicado à recitação de poesias apropriadas às

circunstâncias. Nesse dia, um discurso final do Doutor Jerónimo da Silva Azevedo encerrou

o ciclo festivo, procedendo-se à entrega de prémios que a Universidade instituíra para

serem conferidos, «a quem melhor louvasse Sua Majestade em Poemas, Epigramas

latinos, Canções, Sonetos, e todo o género de versos nas três línguas, Portuguesa,

Espanhola e Italiana».

Elogio ao Reitor. No Claustro Pleno em que o Reitor participava os avisos dos

Governadores, Manuel de Saldanha propunha a sua demissão, considerando-se despedido

do cargo, uma vez que o aceitara por ordem de «El-Rei de Castela que já não conhecia por

Rei deste Reino». Porém, todo o Claustro respondeu em voz alta que em nome do Rei D.

João IV se mantivesse no cargo, ao que Saldanha anuiu «enquanto não viesse ordem sua

como ao diante veio…».

De facto, por carta de 24 de Dezembro de 1640, D. João IV transmitia a Manuel de

Saldanha todo o seu agradecimento pela maneira como tinha decorrido a sua Aclamação

e, igualmente, o confirmava no mesmo lugar: «…entendi com quantas demonstrações de

alegria fui aclamado nessa cidade por Rei e Senhor natural destes meus Reinos, a quem

Deus foi servido restituir-me e quanto procurastes de Vossa parte, e posto que de tão bons

e leais vassalos…Me pareceu dizer-vos que tive disso muita satisfação e que nas ocasiões

que se oferecerem lhes hei-de mandar fazer a honra e mercê que houver lugar, e Vós

podereis ir continuando com as obrigações desse cargo como até agora fizestes, e fio de

Vós que será de modo que tenha eu muito que vos agradecer».

Bem aconselhado andou o novo Rei em manter na reitoria um homem solícito, cuidadoso e

diligente, cuja actividade e zelo, ao longo de vinte anos e através das múltiplas dificuldades

da vida nacional, são de enaltecer. Nunca deixou de responder com presteza às

solicitações da autoridade real, quer fosse nas obrigações inerentes ao seu cargo, quer

fosse nas matérias de guerra em que deu a sua colaboração como conselheiro e, até,

como combatente na vanguarda da Universidade militarizada.

A Universidade de Coimbra e a defesa da Independência.

Logo após a Aclamação, foram convocadas as Cortes a fim de se tomarem as

providências necessárias para fazer frente à guerra que se considerava inevitável. Porém,

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a defesa da Restauração não se decidia apenas nos campos de batalha, jogava-se

também no campo diplomático.

Com efeito, a defesa da Independência orientava-se em dois grandes sentidos: a

protecção militar das fronteiras e envio de embaixadores para as principais Cortes da

Europa onde, entre outros aspectos, Portugal procurava impor e justificar as razões do

levantamento de 1640 e, igualmente, estabelecer relações de amizade e tratados de

comércio com as nações inimigas da Espanha. Em ambas as situações a Universidade de

Coimbra esteve bem representada.

Participação activa da Universidade na Guerra da Independência. Corpo académico

armado marcha para o Alentejo. Durante alguns anos a guerra limitou-se a campanhas

fronteiriças, sem grandes consequências para qualquer das partes, o que permitiu a

Portugal organizar a defesa, reconstruir as fortalezas, formar oficiais e reorganizar o seu

armamento.

Desde logo, nas Cortes convocadas para Lisboa, em 26 Janeiro de 1641, os

próprios representantes do Povo entendiam que as armas, nas actuais circunstâncias, por

mais necessárias, deviam ter prioridade sobre as letras. Assim, pediam que fossem

encerradas, por cinco anos, todas as escolas do Reino, com excepção da Universidade de

Coimbra, e que as rendas dispendidas com elas se aplicassem às despesas da guerra, ao

que o Rei respondeu: «Mandarei considerar o que me dizeis neste capítulo, e prover na

matéria segundo o presente estado do Reino».

Ainda antes das referidas Cortes, já a Universidade se preocupava com a defesa da

cidade, porquanto, a 4 de Janeiro, D. João IV, em carta para o Reitor, referia os avisos que

lhe haviam chegado de Coimbra sobre o facto de a cidade se encontrar com falta de

prevenção e fortificação.

A fim de serem remediados tais inconvenientes, o Rei encarregou D. António de

Meneses, pessoa da sua confiança, para que preparasse os soldados, recomendando que

a gente da Universidade se «arme e adestre como convém».

No ano seguinte, a 8 de Fevereiro, era distribuído ao Reitor o cargo de

superintender na matéria das armas e recrutamento de soldados nas terras da

Universidade. Com efeito, em nenhum momento, Manuel de Saldanha deixou de colaborar

activamente para que a Universidade estivesse sempre pronta a acudir onde se

considerava conveniente para a defesa do País.

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A 3 de Dezembro de 1644, entendeu o Rei a necessidade de serem alistados todos

os estudantes da Universidade e procurando armá-los, ainda que fosse com material

pedido às companhias de ordenança, para lhes serem restituídas passada esta ocasião, «e

dispondo as cousas de forma que possais marchar com eles à praça de armas de

Extremoz». No entanto, teriam de aguardar, para avançar, ordens de Lisboa, que seriam

enviadas consoante os avisos provenientes do Alentejo.

Acontece que, nos dias 5 e 6 do mesmo ano, começa a insistir-se pela marcha em

ajuda da cidade de Elvas, por via de ter chegado o aviso de que o inimigo iria sitiar a

cidade fronteiriça.

Entretanto, a 9 do referido mês de Dezembro, é recebido novo aviso a fim de

suspender a marcha: «que o inimigo levantara vergonhosamente o sítio (cerco) e se

recolhera a Badajoz, com grande perda, e afronta sua, e grande glória das minhas

armas…e vos mando avisar para que o tenhais entendido, e façais sobreestar com todo o

apresto que vos tinha

ordenado…».

O Rei mandou depois

comunicar ao comum da

Universidade e a cada um dos

Lentes, em particular, a satisfação

que sentia pelo ânimo com que se

dispunham a servi-lo em tão

melindrosa situação…Só que, em

22 e 25 de Outubro de 1645, o

Reitor recebeu novamente ordem para marchar com os estudantes para o Alentejo, não se

admitindo «escusa de pessoa alguma com pretexto de privilégio, ofício ou qualquer outro,

porque nenhum tem lugar para meus vassalos deixarem de me ir servir em ocasiões tão

apertadas».

Com efeito, seguiam para o Alentejo, 630 soldados da Universidade que

desempenharam tão bem a sua missão que o Rei depois lhes agradeceu efusivamente, tal

como aos Lentes que participaram, merecendo o Dr. Francisco Teixeira Bahia, Lente de

Leis, uma carta especial.

Colaboração financeira e pareceres sobre a política internacional. Para além do

aspecto militar que, como se viu, levou a Universidade a colaborar nas campanhas da

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Restauração, a Instituição conimbricense teve um papel, igualmente, relevante no que diz

respeito à sua contribuição para as despesas que a situação do País exigia.

Como não podia deixar de ser, D. João IV recorreu aos vastos meios financeiros da

Universidade. Durante largos anos exigiu a décima dos rendimentos das terras e coutos

universitários e nomeou, inclusivamente, um representante do corpo académico a fim de

fazer parte da Junta para o subsídio de guerra. Também das propriedades pertencentes à

Universidade, D. João IV requereu permissão para o fornecimento dos materiais de que

necessitava para os galeões da armada nacional, como aconteceu no ano de 1651, quando

saíram dos pinhais do Louriçal grandes quantidades de madeira para o apresto dos navios

de socorro às províncias ultramarinas, que eram atacadas pelos inimigos da Espanha, com

o pretexto de a ela termos estado ligados.

Efectivamente, a união dinástica arrastou Portugal para o contencioso europeu,

uma vez que a Europa estava dividida em dois blocos políticos, inimigos e rivais: a Casa de

França e a Casa de Áustria. Ora, em 1580 o nosso País passou a ser considerado um dos

Estados da Casa de Áustria. Porém, a partir de Dezembro de 1640 a diplomacia

portuguesa tinha por grande objectivo a nossa entrada no bloco oposto, o que não era

tarefa fácil, porquanto, estes países tinham mais interesse em nos ter como inimigos do

que como aliados.

Esta posição pode explicar-se pelo facto de, no momento, a nossa ajuda na Europa

não ter peso e, fundamentalmente, porque éramos senhores de vastos territórios

ultramarinos então muito disputados e algumas parcelas estavam já mesmo ocupadas por

países europeus, tendo, assim, mais a ganhar em nos ter como inimigos do que como

aliados.

Nas condições referidas, D. João IV não tinha outra alternativa senão organizar um

corpo diplomático capaz de desempenhar uma missão que, embora espinhosa, tivesse o

sucesso possível, pois, Portugal não estava em situação de impor condições.

Assim, D. João IV, procurando evitar males maiores, apostou forte na via

diplomática, recorrendo, com frequência, à Universidade de Coimbra. Logo que se pensou

enviar a França primeira embaixada portuguesa, foi indicado para seu secretário o Lente de

Código, Jerónimo da Silva: «…envio ao Doutor Jerónimo da Silva, Lente da cadeira de

Código, por secretário da embaixada de França, e porque não é rico, e tem obrigações de

mulher e filhos, vos encarrego muito, que enquanto estiver ocupado no dito serviço,

ordeneis lhe vá em folha, e se pague a sua mulher o ordenado da dita cadeira de

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Código…». Efectivamente, era na cidade do Mondego, ou de lá provenientes, que se

encontravam os juristas e canonistas da mais elevada craveira, dando pareceres fundados

em sólidas bases só que, por vezes, não eram aceites, embora justos, pelo facto de não

serem da conveniência daqueles países de maior poder político e militar.

Mesmo com a Santa Sé as negociações foram morosas. Apesar de D. João IV, em

Junho de 1645, ter pedido o parecer do Claustro universitário sobre os negócios com a

Cúria romana, e invocando com insistência a velha fidelidade da Coroa portuguesa ao

Santo Padre, só depois da paz com a Espanha em 1668, e no ano seguinte, nos foi

reconhecida a independência. A atitude de Roma baseava-se no facto de o Rei de

Espanha, chefe do bloco da Casa de Áustria, ser o suporte político da causa católica, então

em luta com os protestantes. Aqui terá prevalecido a sensata visão política de D. João IV,

D. Luísa de Gusmão, como Regente, e do Ministro Castelo Melhor, em evitar o rompimento

diplomático, o que causaria inevitáveis consequências de ordem espiritual.

As missões diplomáticas foram muito difíceis e altamente lesivas dos interesses

nacionais, em dinheiro e posições ultramarinas, podendo dizer-se que apenas os apoios da

Suécia e da Dinamarca foram positivos.

De qualquer modo, será sempre de destacar o facto de D. João IV ter sabido

procurar a opinião autorizada dos grandes mestres do Reino, bem como procurando a

colaboração da Universidade, quer no aspecto puramente doutrinal pelo que dizia respeito

à salvaguarda dos direitos e interesses do nosso País, quer no aspecto financeiro

necessário ao estabelecimento dos acordos.

A Universidade. De meados do séc. XVII até meados do séc. XVIII.

Facilmente se constatará que as necessidades da defesa do território nacional não

deixariam de ter uma forte influência negativa na actividade intelectual da Universidade e,

obviamente, noutras instituições académicas.

De facto, é mais que evidente, quando se fala na decadência dos estudos nesta

época, ser obrigatório levar em conta, e como fundamental, a alteração da vida pública

durante muitos anos, (1640 – 1668) o desgaste da guerra na metrópole e no ultramar, bem

como o esgotamento das reservas nacionais que eram necessárias ao sustento das

actividades.

Quando o próprio corpo académico se converte em milícia guerreira, e boa parte

dos rendimentos universitários são canalizados para defender a integridade do País, está

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explicada, em grande parte, a situação pela qual entrou em declínio o funcionamento

normal da “Alma Mater” conimbricense.

No entanto, sublinhe-se que alguns dos males existentes na instituição académica

já vinham de longe, agudizando-se por via da conjuntura política desencadeada em 1580,

Situação da Universidade após a Restauração: a disciplina escolar e a actividade

discente. Durante o dilatado espaço de cem anos, pode dizer-se que não houve

modificações de relevo na orientação dos estudos superiores no nosso País, porquanto, as

instituições universitárias persistiram as mesmas.

No que respeita à universidade de Coimbra, a instituição desviara-se do seu “trilho”

normal, permitindo, e com frequência, certos abusos prejudiciais às boas normas do ensino

e à actividade docente. A Universidade caiu num estado de abatimento geral que punha a

descoberto uma organização puramente teórica, sem curiosidade investigadora,

interessando-se, isso sim, pela representação exterior, participação frequente nas festas e

cortejos universitários e citadinos e «trocando os labores da ciência pelas funções bem

remuneradas da vida pública».

D. João IV, no sentido de modificar algumas destas situações, chegou a tomar

providências, certamente não cumpridas, acerca do provimento dos lugares na

Universidade, e também com a intenção de cortar os abusos que os Lentes praticavam de

se ausentarem, e por muito tempo, para se divertirem ou para tratarem das suas

conveniências. Porém, eram medidas de acaso, e sem resultados práticos, males que só

seriam debelados através de uma reforma profunda.

A Universidade tinha por este tempo um avultado número de estudantes, em que a

maioria deles só o era de nome, interessando-se mais pelas questões extra escolares,

abandonando, quase por completo, as aulas.

Os alunos limitavam-se a escrever as ”postilas” (explicação dada pelo professor)

ditadas e rubricadas pelo mestre, de modo a provar a sua frequência, só que esta

formalidade era, vastas vezes, ludibriada, adquirindo as “postilas” e testemunho de

assiduidade “comprovado” por dois condiscípulos. A assistência às aulas diminuiu a tal

ponto que, no primeiro quartel do séc. XVIII, se deixara, praticamente, de ler nas escolas,

levando os estudantes teólogos a preferir as lições dos seus colégios à da própria

Universidade.

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A maior parte dos estudantes só vinha a Coimbra para se matricular, habituados

que estavam a provar os seus cursos «os mais deles sem residir nem cursar». O mal já

tinha profundas raízes. Em Novembro de 1640, Filipe IV de Espanha, (III de Portugal) em

carta dirigida ao Reitor Manuel de Saldanha, considerava que «a causa principal dos

estudantes serem menos curiosos procede da falta que os Lentes proprietários fazem na

lição das suas cadeiras».

Pelo facto de só haver exames nos últimos anos do curso, e a matéria sobre que

versavam ser muitas vezes conhecida antecipadamente, os estudantes, para esse efeito,

procuravam ser leccionados por um graduado, geralmente um doutor. Assim, «qualquer

estudante, por mais ignorante que fosse, podia aspirar ao doutoramento».

A propósito da vida e disciplinas académicas, um autor anónimo, de meados do

séc. XVII, num livro interessante e curioso de crítica social, “A Arte de furtar”, cap. XXXII,

deixou-nos o seguinte passo: «Como há-de haver no mundo que se tolere e se permita

provarem cursos em Coimbra mais de um cento de estudantes, todos os anos sem porem

o pé na Universidade? Andam na sua terra matando cães, e escrevem, a seu tempo, ao

amigo, que os aprovem lá na matrícula, representando suas figuras e nomes; e daqui

resultam as sentenças lastimosas que cada dia vemos dar a julgadores, que não sabem

qual é a sua mão direita, mais que para embolsarem com ela espórtulas e ordenados,

como se fossem Bártolos (Bártolo de Sassoferrato, séc. XIV, considerado o maior jurista da

Idade Média) e Covas – Rubias (?). Daqui, matarem os médicos milhares de homens, e

pagarem-se como se fossem Avicenas e Galenos. E a graça, ou maior desgraça, é que

nem o diabo, que lhes ensinou estes enredos, lhes saberá dar remédio, salvo se for

levando-os a todos, que é o que pretende».

A Universidade ainda tomou algumas medidas no sentido de prevenir a falta de

residência dos seus alunos, ordenando que se estabelecessem duas “matrículas incertas”

e mais tarde determinou-se que houvesse apenas uma, visto que da primeira medida não

resultou «aquela utilidade que constituía a causa final das ditas disposições, mas antes tem

mostrado a experiência que na prática delas se encontram inconvenientes e prejuízos

particulares dos estudantes, sem que pelo meio deles se conhecesse maior adiantamento

nos estudos públicos…». O caso é que os estudantes tomavam sempre conhecimento do

primeiro dia de chamada de tais matrículas e, prevenidos através de diligentes “correios “

pagos, apresentavam-se no momento oportuno.

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Estabeleceu-se também, desde longos tempos, o mau costume de conceder “anos

de mercê», dois perdões de acto, (exame) que eram, na generalidade, a esperança dos

inaptos e dos cábulas. O último destes benefícios, concedido antes da reforma pombalina,

foi em 3 de Fevereiro de 1756, a pedido dos estudantes naturais de Lisboa, Algarve e

Brasil, após o Terramoto de 1755, porque necessitavam de «refrigerar os ânimos e buscar

as casas de seus pais, parentes e pessoas que lhes assistiam com as mesadas».

Agitação e turbulência no meio estudantil. O testemunho de Ribeiro Sanches. A

irregularidade da frequência escolar era também acompanhada por desacatos provocados

pelos estudantes na cidade, os quais se organizavam em grupos para cometer os maiores

excessos, pelo que houve necessidade de recorrer a uma repressão violenta e persistente.

Em 1648, 1656 e 1671, foram várias as provisões para pôr cobro aos escândalos

provocados pela vida ociosa e libertina dos estudantes, que continuavam ainda na primeira

metade do século XVIII, em andar «de dia e de noite com capotes por toda a parte, com

espadas e outras armas debaixo do braço, e muitos embuçados, e outros afetando

(alterando) assim com cabeleiras trazer a cara descoberta, obrando solturas (atrevimento,

licenciosidade) e intimidando toda a pessoa como é notório».

As vítimas eram pessoas pacíficas e indefesas, mas também sobre os estudantes

novatos (“caloiros”) se exerciam troças e brutalidades que, por vezes, causavam mortes, ou

os levavam ao afastamento da convivência escolar. Tais comportamentos levaram a impor,

algumas vezes, a derrogação

(abolição) do foro académico,

como aconteceu em 7 de Junho

de 1727, quando D. João V,

depois de ouvido o Tribunal da

Consciência e Ordens, mandou

«que todo e qualquer estudante

que por obra ou palavra ofender

a outro com o pretexto de

novato, ainda que seja

levemente, lhe sejam riscados os

cursos e fique o conservador da

Universidade obrigado a tomar

em segredo as denunciações que a este respeito se lhe fizerem, o qual fará sumário delas,

e o entregará ao reitor que for da Universidade para este o sentenciar, das quais sentenças

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não haverá apelação nem agravo para o dito Tribunal, como se pratica com os que são

compreendidos em matrículas falsas».

António Nunes Ribeiro Sanches, considerado, por muitos, um verdadeiro

enciclopedista, médico na Corte russa e depois residente em França, frequentou a

Universidade de Coimbra. Insatisfeito com «os horrores e a vida estragada» que

experimentou, transferiu-se para Salamanca onde recebeu o título de Doutor em Medicina,

no ano de 1724.

Da sua passagem por Coimbra, deixou, o famoso médico e pedagogo, no seu

“Método para aprender a estudar a Medicina”, um depoimento, preciso e real, das

anormalidades da vida funcional da Universidade: «O curso académico de Coimbra,

começando pelo S. Lucas, e acabando a 15 de Maio, não contém mais que cento e nove

dias lectivos; e por causa dos dias de festa da Igreja, dos Préstitos, e outras funções

académicas, que todo o curso lectivo de sete meses se reduz a quase noventa dias

lectivos, ou três meses.

Se contarmos os estudantes que voltam para suas casas tanto que se matricularam

na Universidade três vezes por ano, o Curso académico para estes não foi de vinte dias

lectivos…

Cada estudante era o senhor de alugar casa onde achava mais da sua

conveniência, uns na cidade e arrabaldes, outros perto da Universidade: conheci muitos

que se levantavam somente da cama para jantar, estando com boa saúde; outros

passando o dia e noite a tocar instrumentos musicais, a jogar cartas, e fazer versos. Quase

todos matriculados em Cânones, nunca estudaram nos primeiros quatro anos: o primeiro

estudo era “apostilla” pela qual deviam defender conclusões no quinto ano. Não havia noite

de Inverno sem “Oiteiros” (concursos poéticos de apaixonados propostos pelas freiras,

junto dos conventos) mesmo diante dos Colégios de S. Pedro e S. Paulo: rondavam

armados de noite, como se a Universidade estivesse sitiada pelo inimigo: muitos tinham

seu cão de fila, que era a sua companhia de noite. Nas aulas nunca ouvi que tivessem

Inspectores, ou Reformadores quotidianos. Os proprietários das casas não tinham

obrigação de darem parte ao Conselho Académico do procedimento dos estudantes que

alojavam. Semelhantes homens e estudantes deviam ser expulsos da Universidade; o

Estado faz tantos gastos na sua conservação para tirar dela súbditos que o sirvam;

semelhantes ânimos devem ser castigados com a ignominia que merecem…».

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Mesmo no interior das próprias instalações universitárias terão acontecido situações

de indisciplina bem complicadas e, até, altamente reprováveis.

Por Carta régia de 17 de Janeiro de 1746, D. João IV determinava que «todos os

Lentes e estudantes quando tomassem qualquer grau, jurassem defender que a Virgem

Nossa Senhora fora concebida em graça, sem mácula de pecado».

Aconteceu que nos inícios do séc. XVIII, em 1709, o nome da Imaculada Conceição

apareceu riscado no livro de juramento dos bacharéis. Este caso, que um noticiarista da

“Gazeta em Forma de Carta” classificou de «abominável sacrilégio, ímpio, execrando e

herético», deu origem a investigações que acabaram por não levar ao apuramento do

responsável, ou irresponsável.

Por vezes, também acontecia, simultaneamente, ou não, serem civis a provocar

agitações sociais na cidade dando origem a «graves e atrocíssimos crimes», cujos autores

procuravam escapar-se ao rigor da lei utilizando a vestimenta própria dos estudantes,

cobrindo-se com capas, a fim de que às autoridades não fosse possível reconhecê-los na

fuga.

Uma dessas agitações, 1674, foi de tal modo grave que a Coroa não pôde deixar de

agir com mão pesada. Assim, por Lei de 25 de Abril de 1674, proibiu as pessoas de

qualquer estado ou qualidade, estudantes ou não, de trazerem barrete ou a capa pela

cabeça. As penas variavam: sendo nobre, teria cinco anos de degredo no Brasil, e sendo

mester, (tendo ofício) igual tempo em Angola. No caso dos prevaricadores serem

estudantes, e já foi em parte referido, a matrícula era considerada sem efeito e os cursos

riscados, aplicando uma pena grave aos ministros da Justiça que tentassem beneficiar os

réus.

Tentativas de reforma.

Durante a regência do futuro D. Pedro II, que veio a substituir o irmão, D. Afonso VI,

por incapacidade deste, a Universidade de Coimbra tornou-se cada vez mais dependente

do poder real. Para tal situação terá contribuído o apoio militar e ideológico que mestres e

alunos tinham dado à causa da Restauração.

Porém, o ensino mantinha-se fiel ao ideal da “especulação” e da “controvérsia”,

mais voltado para a ciência livresca do que para a ciência experimental.

Glosar as autoridades, como determinavam os próprios Estatutos, era a função dos

docentes, enquanto a dos alunos se limitava ao registo das “postilas”. Como refere, em

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1720, o Padre Rafael Bluteau, da Congregação do Oratório, «hoje nas Universidades

“Postilla” é a lição que dão os lentes, fazendo as pausas e intervalos que se costumam,

quando se dita […] Tomar “postilha”, às vezes vale o mesmo que estudar».

A Sagrada Escritura, São Tomás, Pedro Lombardo, o Decreto, as Decretais,

Galeno e Hipócrates eram a base de trabalho. O interesse pelas línguas antigas, a não ser

o Latim, pela Matemática ou pela Anatomia perdera-se ou ignorava-se.

Em 1739 o Reitor da Universidade chama a atenção para inexistência de práticas

anatómicas na Faculdade de Medicina mas, talvez contando já com alguma abertura de D.

João V, recomenda ao novo Lente de Anatomia que se oriente pelos autores modernos que

melhor entender, mesmo que as suas verdades sejam contrárias às de Galeno, a que o

Estatuto obrigava.

O Reitor acima referido é Francisco Carneiro de Figueiroa, Doutor em Direito Civil,

que durante vinte e dois anos (1822 – 1844) governou a Universidade com grande

merecimento. Durante o seu longo reitorado foram publicadas muitas determinações

tendentes a melhorar as condições respeitantes à vida e disciplina académica e que,

devido à sua compreensão e bondade natural, conseguiu, por algum tempo, levar a bom

porto os seus intentos.

Carneiro de Figueiroa prestou grandes serviços à Universidade, sendo de destacar

a organização, a pedido da Academia Real da História, das “Memórias da Universidade de

Coimbra”, com a documentação do arquivo universitário, um trabalho penoso e

desinteressado.

Dos monarcas que governaram Portugal, D. João V pode considerar-se um dos

maiores protectores da cultura. A Corte de D. João V não foi refractária à inovação,

consentindo, e até incentivando, algumas aberturas na área cultural, chegando a planear-

se uma reforma profunda dos estudos. Tratava-se de uma reforma não só de acordo com

as necessidades da disciplina, mas também de harmonia com as novas concepções

científicas que dominavam lá fora e iam cativando os espíritos portugueses mais

desempoeirados, nomeadamente os denominados “estrangeirados” que viviam, exilados ou

não, fora do País, e muita influência vieram a ter no desenvolvimento cultural da Nação: D.

Luís da Cunha, Alexandre de Gusmão, Jacob de Castro Sarmento, Ribeiro Sanches, Luís

António Verney, etc.

Este último (1713 – 1792), natural de Lisboa, mas de origem francesa, saiu de

Portugal com vinte e três anos de idade, em direcção a Roma a fim de aí estudar Teologia

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e Direito Canónico. Já chegou a aventar-se a hipótese de Verney ter saído de Portugal sob

a protecção de D. João V, a fim de tomar contacto com a vida mental estrangeira

recolhendo ideias de que o nosso País viesse a beneficiar. Certo, certo, é que este

“estrangeirado” pode considerar-se o principal representante do movimento de renovação

pedagógica, embora a sua projecção cultural esteja mais ligada ao reinado de D. José, por

via da reforma pombalina.

“O Verdadeiro Método de Estudar”, o mais importante dos seus livros, apresenta-

nos as bases orientadoras de uma profunda reforma dos estudos, em todos os campos da

ciência, abandonando totalmente a autoridade dos filósofos antigos: «se eu falar a um

homem em matéria, forma, privação, actos primeiros, actos segundos, acções educativas,

etc., isto é uma salada tal que estou certo que não entenderá palavra; pelo contrário, se lhe

mostro as experiências que se fizeram nesta ou naquela matéria e lhe explico as

consequências que daqui se tiram, cuido que me há-de entender».

Esta obra foi uma das mais revolucionárias da literatura de ideias e foram as teorias

e as críticas nela desenvolvidas, que a reforma pombalina pretendeu, pelo menos em

parte, implantar nas instituições universitárias.

A política oficial, em relação à cultura, não deixou de ser sensível às novas ideias e,

embora não tenha chegado às grandes reformas, fomentou-se o conhecimento e o estudo

público das modernas doutrinas filosóficas, lutando contra o “estabelecido” e criando uma

dinâmica actividade científica e pedagógica. Refira-se, neste caso, a Congregação do

Oratório que representou na época a pedagogia moderna e manteve um centro de ensino

no Convento das Necessidades, onde D. João V mandou instalar um excelente Gabinete

de Física Experimental, beneficiando ainda os oratorianos com uma livraria de trinta mil

volumes e uma renda anual de 12.000 cruzados, «com obrigação de ensinarem

publicamente Primeiras Letras, Gramática Latina, Retórica, Filosofia e Teologia Natural».

Convém dizer que o desejo de acompanhar a evolução da sociedade europeia,

além Pirinéus, não foi apenas por uma tomada de consciência do valor próprio dessa

evolução, «mas pelo que nela havia de espectacular, muito do agrado do seu

temperamento, dispôs D. João V a prestar auxílios magnânimos a todas as formas

concretas promotoras desse espectáculo».

Como quer que fosse, não interessará muito, julgo, o espírito com que agiu, mas

sim o que, de facto, proporcionou à cultura portuguesa no campo das novidades científicas,

apesar de alguma resistência da Companhia de Jesus à modernização do ensino e da

Inquisição à circulação de novas ideias, embora já houvesse elementos pertencentes a

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estas instituições atentos e curiosos ao que se passava, tomando consciência dos novos

caminhos abertos ao entendimento humano. Luís António Verney, talvez o mais notável

dos “iluministas” portugueses, frequentou durante sete anos o Colégio de Santo Antão, em

Lisboa, pertencente à Companhia de Jesus.

A movimentação cultural foi de tal modo evidente, nesta primeira metade do séc.

XVIII, que não se poderá rejeitar o facto de considerarmos mais razoável situar no reinado

de D. João V a abertura de Portugal a uma actualização cultural europeia, do que situá-la,

como é corrente, à data das reformas pombalinas.

Efectivamente, parece não ser difícil constatar que D. João V terá “adubado” o

terreno que, alguns anos depois, Carvalho e Melo explorou, dando à Universidade a melhor

reforma que se fizera até então.

Enriquecimento do conjunto monumental.

Relativamente ao presente estudo, e no que diz respeito a melhoramentos

materiais, a Universidade foi enriquecida com iniciativas de grande vulto, constituindo um

espaço de riquíssimo valor histórico, patrimonial e artístico, reconhecido nacional e

internacionalmente, pelo que, durante o ano, recebe milhares de pessoas dos quatro

cantos do mundo.

No segundo quartel do séc. XVII (1634) foi construída a Porta Férrea, entrada nobre

do edifício principal da Universidade, projectada pelo arquitecto António Tavares e

executada por Isidro Manuel.

Concebida como um arco triunfal consagrado a Minerva, «representação simbólica

do princípio e fim de cursos», integra um grupo escultórico, alegorias que se referem às

diversas faculdades: Medicina e Leis no exterior e Teologia e Cânones no interior, e

estátuas dos reis que as estabeleceram, D. Dinis e D. João III e, ainda uma figura da

Sapiência a coroar todo o conjunto. D. João V deu-lhe um novo arco, obra de mestre

Gaspar Ferreira.

A Porta Férrea leva-nos ao Pátio das Escolas. À direita levanta-se uma elegante

colunata setecentista denominada por Via Latina. Tem dois lanços de escadas laterais e

uma escadaria central que dá acesso a um harmonioso e alto pórtico rematado por um

frontão triangular. No espaço da Via Latina destaca-se ainda um retábulo escultórico em

pedra, obra do escultor francês Claude Laprade, feito nos primeiros anos do séc. XVIII.

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Da Via Latina pode chegar-se à Sala Grande dos Actos, também conhecida por

Sala dos Capelos, onde decorrem as cerimónias mais significativas da vida académica,

nomeadamente os doutoramentos. No tempo do Reitor Manuel de Saldanha, e entre 1654-

1656, o arquitecto António Tavares reformulou-a completamente, podendo admirar-se o

tecto de madeira, com motivos de grande efeito, apainelado e pintado por Jacinto Pereira

da Costa, em 1655. Na galeria superior, e em toda a volta da Sala encontram-se grandes

telas com os retratos de todos os reis de Portugal.

Ao fundo da Via Latina está a porta que dá acesso aos Gerais, a área das antigas

salas de aula, hoje Faculdade de Direito, dispostas em torno de um claustro de dois pisos.

Os Gerais foram objecto de remodelação entre 1695 e 1702, e, sobretudo, «se fizeram de

novo os Gerais de Teologia e de Instituta…e por cima das portas de cada um dos Gerais

se puseram epigramas muito bem feitos e apropriados às ciências que neles se ensinam».

A Torre, “ex-libris” da Universidade e da própria cidade de Coimbra, situa-se no

Pátio das Escolas, ocupando o ângulo dos edifícios. A sua história (ou proto-história)

remonta a 1537.

Ao ser transferida para Coimbra, no

referido ano, a Universidade justificou «não

haver boa ordem sem relógio». A Torre actual,

ocupando sensivelmente o mesmo local, viria a

ser construída entre 1728 e 1733, no reinado

de D. João V, sendo Reitor Francisco Carneiro

de Figueiroa.

Esta elegante Torre, de 33,5 metros de

altura, e do Barroco Joanino, aloja, além dos

relógios, os sinos, sendo um deles a célebre

“Cabra” que marca as horas do despertar e do

recolher dos estudantes. Do seu alto, pode

desfrutar-se uma panorâmica impar sobre a

cidade e vale do Mondego.

No seguimento da Torre, e no corpo

fronteiro à entrada do Pátio, situa-se a Capela

de S. Miguel, também conhecida por Capela da Universidade.

Apresenta-se com um belo portal de estilo manuelino, mandado construir entre

1519 e 1522, e que é da autoria de Marcos Pires e Diogo de Castilho. O interior da Capela

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é sumptuoso, pelas paredes forradas por policromos azulejos seiscentistas, um excelente

órgão barroco, decorado de talhas douradas e motivos chineses, datado de 1733, sendo,

ainda hoje, utilizado em concertos e outras festividades.

Na Capela-Mor destaca-se um imponente retábulo maneirista (transição do

renascentismo para a arte barroca) com tábuas alusivas à vida de Cristo, atribuídas a

Simão Rodrigues e Domingos Serrão.

Suspenso do arco cruzeiro está um lampadário de prata, obra-prima da ourivesaria

dos finais do séc. XVI; sobre o coro alto foi edificada, durante o último quartel do séc. XVIII

uma tribuna real.

Em dependências anexas encontra-se instalado o Museu de Arte Sacra, composto,

principalmente, por obras de escultura barroca, ourivesaria, paramentos, mobiliário, pintura,

livros e diversas alfaias do culto, com que foi dotado ao longo do tempo.

Na Capela existe, ainda, uma bela escultura de Santa Catarina, padroeira dos

estudantes, de estilo barroco, executada pelo monge beneditino, Frei Cipriano da Cruz.

A propósito deste monge-artista registe-se a sua influência na escultura beneditina

do Minho, referindo-se, apenas, as imagens do retábulo primitivo de Tibães, a decoração

da sua sacristia, as imagens das capelas, as figuras das fachadas e duas imagens em

pedra.

D. João V, no prosseguimento das suas grandes realizações materiais, iria legar à

Universidade de Coimbra o imponente edifício da sua Biblioteca, em atenção às instâncias

e esforços do Reitor Nuno da Silva Teles, sobrinho de um anterior reitor do mesmo nome.

Iniciada a construção no ano de 1717, foi concluída em 1728.

Na continuidade da Capela de S. Miguel, a Biblioteca Joanina, também chamada

Casa da Livraria, é considerada «a obra-prima do ciclo joanino da arquitectura coimbrã» e

uma das mais belas do mundo, sendo, também, reconhecida como uma das mais originais

e espectaculares bibliotecas barrocas europeias.

O portal nobre, de estilo barroco, é encimado por um grande escudo nacional. O

interior é formado por três salas quadrangulares que comunicam entre si por arcos

decorados, com estrutura idêntica à do portal, onde se inserem emblemas universitários em

talha dourada, sobrepujados por coroa real de D. João V.

As paredes das três salas, verde, vermelha e preta, são revestidas por magnificas

estantes de dois andares, em madeiras exóticas, douradas e policromadas, decoradas por

talhas e delicada “chinoiserie” (imitação do estilo chinês à arte ocidental, particularmente do

séc. XVIII) de motivos exóticos dourados, obra pictórica executada por Manuel da Silva. A

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parede da última sala tem, ao fundo, uma rica moldura com um grande retrato do Rei

“Magnânimo”, provavelmente pintada pelo italiano Domenico Duprà.

O edifício tem três andares, havendo no piso nobre (aquele que se visita) cerca de

40.000 volumes. Para além da riqueza dos materiais e da beleza artística da decoração

barroca, a Biblioteca Joanina possui alguns dos mais raros e importantes livros existentes

em fundos bibliográficos nacionais.

Todos estes exemplares bibliográficos (cerca de 200.000) estão em boas

condições, visto que o edifício foi preparado para garantir um ambiente perfeitamente

estável ao longo de todo o ano. De facto, a construção foi congeminada para ser uma “casa

de livros”, tendo a protegê-la paredes exteriores de 2,11 metros de espessura, sendo a

porta feita de madeira de teca, o que permite manter uma temperatura de 18 a 20o C. Além

de local de pesquisa, o espaço é ainda

frequentemente utilizado para concertos,

exposições e outras manifestações culturais.

Sobre o que ficou dito acerca dos

estudos universitários nesta época, e em

particular do que se passava na Universidade

de Coimbra, pode concluir-se que esta

Instituição havia entrado numa lenta agonia,

mostrando-se impermeável e atrasada em

relação ao que se passava na Europa. Verney e

Ribeiro Sanches não se cansaram de o afirmar.

O País tinha consciência da fraqueza

das condições práticas do seu ensino e, assim, como se tornara urgente levar a cabo a

reforma da Universidade de Coimbra, de modo que esta pudesse ter na sua organização

os meios de desenvolver as ciências exactas e da natureza, era necessário alguém com

larga visão e clarividência de espírito a quem o Rei concedesse poderes ilimitados, pois,

mesmo assim, como se veio a verificar, não seria tarefa fácil para quem ousasse tentar

modificar mentalidades e instituições. Ousou-o Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro

Marquês de Pombal, homem que na prática personificava o poder do Estado, com pulso

mais que suficiente, e rodeando-se das pessoas certas, para resolver a situação em que se

encontrava a educação em Portugal.

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Bibliografia Consultada.

Nota: A presente bibliografia serviu de apoio aos trabalhos publicados no Suplemento “Cultura”, sob o título

«Linhas Gerais sobre a História da Universidade Conimbricense”. Das suas origens à Reforma Universitária

Pombalina de 1772, em 20 e 27 de Janeiro e 3 de Fevereiro, 9, 16 e 23 de Junho de 2010, 2, 9 e 16 de

Fevereiro de 2011 e

Bibliografia.

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