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O nacionalismo em História do Brasil de Oswald de Andrade e Murilo Mendes O nacionalismo em História do Brasil de Oswald de Andrade e Murilo Mendes

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O nacionalismo em História do Brasil

de Oswald de Andrade e Murilo Mendes

O nacionalismo em História do Brasil

de Oswald de Andrade e Murilo Mendes

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Trabalho de Curso de Graduação – Licenciatura em Letras, apresentado à comissão julgadora da Universidade Paulista, UNIP – Interativa. Campus Pólo Lagoa Santa Minas Gerais.Linha de Pesquisa: Literatura Brasileira, sob a orientação do professor: Márcio Augusto de Moraes.

Resumo

As repetidas versões de História do Brasil confirmam a vocação de situar o país na literatura. Oswald de Andrade e Murilo Mendes optaram pela nacionalidade como lugar potente para realizar a transformação; talvez um gesto inocente de repensar e retratar a nação. Assim, tal singularidade ou visão desencantada do Brasil, apresenta uma literatura que retoma o nacionalismo mas que o faz em forma de paródia e de deboche.

Palavras-chave: Nacionalismo, Oswald de Andrade e Murilo Mendes.

Abstract

The repeated versions of History of Brazil confirm the vocation of situating the country in the literature. Oswald de Andrade and Murilo Mendes They chose by nationality as place potent to achieve the transformation; perhaps a gesture innocent to rethink and portray the nation. Thus, this uniqueness or vision disenchanted of Brazil, presents a literature that takes nationalism but that is in the form of parody and mockery.

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Key words: Nationalism, Oswald de Andrade and Murilo Mendes.

Palavras-chave: Nacionalismo, Oswald de Andrade e Murilo Mendes.

O nacionalismo em História do Brasil de Oswald de Andrade e Murilo Mendes

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Sumário:

Introdução: História do Brasil – mito nacionalista ..................................................................pág. 6 -17;

Capítulo I- História do Brasil de Oswald de Andrade..............................................................pág. 18-28;

Capítulo II- História do Brasil de Murilo Mendes..................................................................pág. 29-36;

Capítulo III- Considerações Finais..........................................................................................pág.36-38;

Referências Bibliográficas.........................................................................................................pág.39-40.

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“O mito pré-fabrica a história, superando-a.”

Murilo Mendes

Introdução: História do Brasil - mito nacionalista.

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A palavra mito pode ser entendida como narrativa dos tempos fabulosos ou heróicos de uma

comunidade e, “representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular,

pela tradição” no dicionário do Aurélio. (HOLANDA FERREIRA,1975, p.931). Este trabalho

pretende investigar primeiramente esse conceito para entendê-lo como se dá na literatura.

Para entender o que é mito nacionalista, torna-se necessário entender primeiramente o que é

nação, para não reduzir o conceito de ser apenas um aglomerado de grupos humanos. Para o

marxista inglês Benedict Anderson, é a “comunidade política imaginada” e ainda, uma relação

entre homens, organizada politicamente e legitimada por uma maneira específica de pensar. Sabe-

se que o conceito de “comunidade” requer relações fraternais e a “política”, tendo a violência

como procedimento de ações e discursos está distante do fraternal. Já o adjetivo “imaginada”

evoca a suposição que mesmo que todos os membros jamais se conhecerão, eles crêem que uma

relação fraterna os une politicamente.

O mito nacionalista presente no Romantismo europeu influenciou a literatura brasileira e foi

potencializado pelos escritores modernistas, mas ainda hoje, pode-se dizer que ainda há orgulho de

pertencimento, pois mesmo no século XXI, o tema nacionalista é presente nas obras literárias.

Para Eduardo Peñuela Canizal e Edward Lopes em “O Mito e sua expressão na Literatura

Hispano-Americana” o Mito e a História mantêm uma constante relação de interdependência,

“pois tanto um quanto a outra funcionam com invariáveis que se relativizam na ficção criada pelo aproveitamento dos valores imprevistos da escrita. Se, como já se disse, o nível da enunciação marca o ponto de cristalização do que chamamos existência, a dialética entre enunciação e enunciado transforma

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a existência em realidade de ficção, isto é, em compromisso com a escrita.” ( CAÑIZAL; LOPES, 1982, p.47)

Para os marxistas o capitalismo desagregou a vida comunitária e o conservadorismo abriu

caminho para a valorização da nação, valorizando o concreto e a história e, mais forte ainda, o

sentimento de pertencer. Assim, para o sociólogo marxista Èmile Durkhein “a função moral da

religião – de fazer com que a sociedade se reafirme e se renove através de ritos e cerimônias

coletivas – poderia manter-se mesmo que a dimensão sagrada perdesse importância”. E nesse

contexto que objetos e conceitos de pátria, liberdade, razão, religião, dogmas, símbolos , altares,

festas espontâneas – “ou meramente leigas por natureza” ( RICUPERO, 2004, p.9) recebem uma

dimensão sagrada, tal qual como na Revolução Francesa.

O sentimento de nação pode ser substituído pela religião, como acontece em períodos

revolucionários e ao ignorá-la como mediadora, ocupa o seu lugar, tornando uma religião civil.

Dessa maneira, “é possível considerar que, assim como a religião foi uma das principais formas

encontradas em sociedades tradicionais para estabelecer identidades, o nacionalismo pode assumir

papel semelhante em sociedades modernas”. (RICUPERO, 2004, p.9) A nação pode servir como

mediação ideológica que dá aos cidadãos a impressão de pertencerem a uma comunidade política

maior. Como explica o cientista-político Bernardo Ricupero:

“Mais especificamente, a nação expressa um anseio pela permanência de laços comunitários num contexto histórico em que prevalecem amplamente relações de tipo societário. Ou melhor, na relação entre Estado e nação, o primeiro, organização caracteristicamente racional, tem necessidade da legitimidade fornecida pela outra forma social, em que são dominantes os laços de afeto. Por outro lado, a maior parte das nações, mesmo quando não possui Estado, pretende ter sua

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existência política reconhecida mediante o estabelecimento da organização estatal.” (RICUPERO, 2004, p.9)

O significado de nação pode-se configurar como o jurídico ou de país, sendo este mais concreto,

que é construído simbolicamente, pelo sentimento de sentir-se ligado ao resto do mundo, através

do jornal, da música, de um romance ou seja, da cultura letrada. Assim, construir uma nação ou

narrar a nação é construir o cânone e também uma ideologia. Em um contexto macro, é sabido

que fundar uma nação sempre foi um ato violento e os escritores sempre denunciaram o

desequilíbrio marcado no encontro do português e do índio.

Para a filósofa Marilena Chauí obra Brasil, Mito fundador e sociedade autoritária o adjetivo

“fundador” , “impõe um vínculo interno com o passado de origem,isto é, com um passado que não

cessa nunca, que se conserva perenamente presente e, por isso mesmo, não permite o trabalho da

diferença temporal e da compreensão do presente enquanto tal”. ( CHAUI, 2000, p.9) A autora

ainda acrescenta:

“Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios de exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.” (CHAUI, 2010, p.9).

A autora diferencia “fundação” de “formação”, porque o primeiro refere-se a um momento

passado imaginário, tido como instante originário que se mantém vivo e presente no curso do

tempo – um quase eterno que sustenta o curso temporal e lhe dá sentido, enquanto “formação” é a

história com suas representações, tanto as que conhecem o processo histórico quanto as ideologias.

Assim, esta refere-se não só as determinações econômicas, sociais e políticas que produzem um

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acontecimento histórico, “mas também pensam em transformação e, portanto, na continuidade ou

na descontinuidade dos acontecimentos, percebidos como processos temporais.” ( CHAUI, 2000,

p.9). Portanto, ela ainda esclarece:

“Assim, as ideologias, que necessariamente acompanham o movimento histórico da formação, alimentam-se das representações produzidas pela fundação, atualizando-as para adequá-las à nova quadra histórica. È exatamente por isso, que sob novas roupagens, o mito pode repetir-se indefinidamente”. (CHAUI, 2010, p.10).

Marilena Chauí aponta que a invenção da histórica nação, entendida como Estado-nação, foi

definida pela independência ou soberania política e pela unidade territorial e que se deu por volta

de 1830. No final da Idade Média a Igreja Romana passou a usar o nome nação;

“para se referir aos pagãos para distinguí-los do populus Dei, o “povo de Deus”. Assim, enquanto a palavra “povo” se referia a um grupo de indivíduos organizados institucionalmente, que obedecia a normas, regras e leis comuns, a palavra “nação” significava apenas um grupo de descendência comum e era usado não só para referir-se aos pagãos, em contraposição aos cristãos, mas também para referir-se aos estrangeiros ( era assim que, em Portugal, os judeus eram chamados de “homens da nação”) e a grupos de indivíduos que não possuíam um estatuto civil e político (foi assim que os colonizadores se referiam aos índios falando em “nações indígenas”, isto é, àqueles que eram descritos por eles como “sem fé,sem rei e sem lei”). Povo, portanto, era um conceito jurídico-político, enquanto nação era um conceito biológico.” (CHAUI, 2010, p.14-15).

Bernardo Ricupero em O Romantismo e a ideia de Nação no Brasil considera possibilidade de

haver entre o Estado e a sociedade civil, a nação como mediação ideológica “que dá a impressão

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de pertencerem a uma comunidade de política maior” (RICUPERO, 2004, p.9) e assim, a nação

parece ter uma função quase complementar;

“Se no capitalismo, entende-se o Estado como um organismo estranho aos indivíduos e a sociedade civil como um espaço no qual prevalecem interesses particulares, os membros de diferentes nações, ao se identificarem com os demais membros de diferentes nações, sentem-se como fazendo parte de uma espécie de “todo” coletivo. A nação aparece, dessa maneira, como uma forma de identidade em face da fragmentação da vida social e da exterioridade da vida política.” (RICUPERO, 2004, p. 9)

Sob o olhar do marxista Antonio Gramsci, segundo Bernardo Ricupero, o relacionamento do

Estado com a sociedade civil, seria hegemônica, se a vontade nacional-popular fosse de ambas,

com o mesmo projeto político e cultural. “Dessa forma, a classe supera o momento econômico-

corporativo em favor do hegemônico-político, ou, como diria Marx (...) torna-se classe universal”.

(RICUPERO, 2000, p.10)

Assim, seriam os intelectuais, como organizadores da cultura, os responsáveis pelos processos de

mudanças. No Brasil, a autora Leyla Perrone-Moisés na obra Vira e Mexe, Nacionalismo critica as

ilusões que perseguem os autores latino-americanos que possuem como traço distintivo o

provincianismo – ou um culto obrigatório ao nacionalismo. Segundo ela a dependência cultural

dos autores latino-americanos não faz correspondência a dominação política e econômica.

“ (...) Dois franceses que tinham vivido no Brasil exerceram uma influência decisiva sobre os jovens românticos brasileiros:

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Ferdinand Denis, bibliotecário da Sainte-Geneviève, e Eugène de Monglave, fundador do Institut-Historique de Paris, local onde ocorrera a primeira manifestação do grupo, em 1834 ( uma comunicação sobre o estado da cultura brasileira naquele momento). Ferdinand Denise encorajou os brasileiros a seguirem a trilha indigenista já existente em nossa literatura colonial, e que acabava de receber seu atestado de nobreza internacional com os romances de Chateaubriand. Inspirados por Denis, nossos românticos se concentraram nos valores locais que correspondiam aos temas de Chateaubriand: a natureza selvagem e os índios. (PERRONE-MOISÉS, 2007, p.57-58)

Leyla-Perrone Moisés reafirma a posição de Antônio Cândido em relação ao nacionalismo dos

escritores brasileiros que era de mostrar à Europa e os seus antepassados tão nobres quanto os

cavaleiros da Idade Média européia, e uma natureza ainda mais bela do que a dos países europeus,

e “ela era, de fato,o que tínhamos para contrapor, com orgulho por sua grandiosidade e

exuberância, aos delicados cenários europeus. O francesismo romântico foi, assim, uma

emulação.” (PERRONE-MOISÉS , 2007, p.58). Segundo a autora:

“o “nacionalismo romântico teve, na América Latina, uma ênfase maior do que a que recebeu na Europa. E isso é compreensível, já que o romantismo literário coincidiu, na América Latina, com as guerras de independência e o estabelecimento das fronteiras nacionais. Dos campos de batalha às tribunas, dos jornais aos livros, havia então uma intensa circulação de fórmulas patrióticas, de clichês que nos parecem, hoje, ingênuos ou excessivos, insossos ou grandiloqüentes, mas que eram vivos e funcionais em seus contextos.” (PERRONE-MOISÉS, 2007, p. 121).

O período que corresponde ao romantismo na literatura, e à pós-independência na política, é talvez

o mais idílico nas relações Brasil-França. Todas as razões convergiam, então, para produzir uma

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imagem totalmente positiva da França. A França era o novo modelo que a jovem nação opunha ao

modelo colonial português, na qualidade de país da liberdade, das Luzes (desejadas) e da própria

idéia de nação. Em vez de estudar em Coimbra, como antes, os jovens brasileiros começam a ir

para Paris.

Mas antes dos modernistas, o poeta Gonçalves Dias foi o autor que trouxe a temática indígena,

como pode ser visto em, Canção do Tamoio, I-Juca Pirama e em O Canto do Índio. Deu ao índio a

aura guerreira, “próxima do cavalheiro medieval europeu” (RICUPERO, 2004, p.159).

O diplomata e escritor Gonçalves de Magalhães, com o mesmo teor bucólico, em 1856, publica A

confederação dos tamoios, que narra a resistência dos índios tamoios, frente aos invasores

portugueses, que se dá, pela resistência e pelo aculturamento. Tal obra influenciou o o autor José

de Alencar, que naquele momento era editor de jornal, e que publicaria no mesmo ano, O Guarani.

Diferente de Magalhães, José de Alencar, defendia que era necessário ir além do tema, pois era

preciso “encontrar a forma literária que melhor expressasse a experiência da sociedade da qual

provém o autor. Para tanto, Alencar elegeu o romance como gênero mais adequado à sua época.” (

RICUPERO, 2004, p.165).

O momento histórico do qual Alencar fala, escreve, representa e vive e é o Brasil Império, que

parecia integrado ao capitalismo internacional, mas ainda não estava liberto do seu grande

problema de possuir uma mão de obra escrava. Tratava-se de um ambiente “paternalista, em que o

espaço para o indivíduo-problemático, homem que pretende afirmar sua subjetividade, é bastante

limitado”. ( RICUPERO, 2004, p.165).

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Bernardo Ricupero aponta que Alencar ao eleger o romance como gênero literário para a sua

escritura, automaticamente refletia a situação de um país ligado ao capitalismo, colonial e

dependente. Ainda assim, seus romances indianistas, não são romances no sentido europeu, mas

ainda possuem características:

“...de epopéia, até porque a prosa romanesca, diferentemente daquela do escritor cearense, não aprende o extraordinário, o heróico, mas o típico e rotineiro. Na Europa não se narram grandes feitos, mas o cotidiano, o que reflete uma vida regular e ordenada, ou seja, a existência burguesa. A situação brasileira é, contudo, diferente. Na sociedade escravista e patriarcal não há grande espaço para a impessoalidade.” (RICUPERO, 2004,p.165)

È nesse lugar de pós-independência e político, que surgirá os símbolos que unificam a comunidade

nacional do qual os personagens de Alencar não comportarão como os personagens do romance

europeu, pois os seus são “homens inteiriços, que, à maneira dos heróis de epopéias, representam

todo um povo”. ( RICUPERO, 2004, p.165). Mesmo que ideológicos, Alencar cria o mito de

origem para o Brasil, em suas obras, Iracema e O Guarani, que para o Alfredo Bosi reforça a

imagem “da submissão voluntária dos grupos subalternos”. (BOSI, 1992, p.179).

Pode-se dizer então que alguns escritores brasileiros procuraram adaptar a temática européia à

realidade, tratando-os como próprios de uma tradição nacional como afirmou Antônio Cândido.

Para ele houve uma adaptação e subordinação. Mas ainda, assim, pode-se dizer que estava

presente já um caráter distintivo e que os escritores Românticos brasileiros deram ao país uma

identidade – heróico como os cavaleiros medievais europeus.

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Para Manuel Bandeira na obra Iracema de José de Alencar o “teor poético do livro é mais

relevante que sua classificação genérica como romance; e, acima de sua feição poética, está sua

índole mítica, isto é, sua natureza de lenda”.1

Questiona-se então se os escritores brasileiros, após a independência, deveria pensar o indianismo

como mito nacional, gesto nacional e não mais vinculado à influência formal e temática francesa e

portuguesa. È certo que havia um grande interesse dos autores em geral, pelo romantismo europeu,

e o índio serviu de mito de fundação nacional e metáfora, nos últimos quatro séculos, inclusive

para os modernistas.

Para Leyla Perrone, as influências são paradoxais, pois nas culturas latino-americanas, os fatos

se multiplicam,

“na medida em que estas são extensões exóticas das culturas colonizadoras. A adoção das línguas colonizadoras, o espanhol e o português, não foi, como no caso de certas colônias liberadas mais recentemente com antigas línguas locais coexistentes. Expressando-se, desde o século XVI, nas próprias línguas dos colonizadores, de há muito nossas culturas já se apropriaram dessas línguas, já as transformaram, enriquecendo-as com novos vocábulos e novas entonações. Nessas línguas, foram constituídas várias e seculares literaturas nacionais, continuadoras e independentes das metropolitanas.” ( PERRONE-MOISÉS, 2007, p.90)

Segundo Perrone-Moisés , a instauração da identidade latino-americana vê-se impedida de seguir

o rígido esquema de Hegel, que implica, no terceiro e sintético passo, a eliminação da alteridade e

o retorno ao Um. Ao excluir o elemento europeu seria “eliminar um “corpo estranho” que é parte

constitutiva de nós mesmos, parte, por assim dizer, mais íntima do que as que nos restam dos

1 Vários autores. Apostila do 2º ano do Ensino Médio do Colégio Objetivo. SP.

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índios ou dos africanos”. E sem dúvida, Leyla Perrone atenta para a formação da identidade do

escritor escritor latino-americano do século XIX e da primeira metade do século XX, que:

“ao definir sua identidade cultural, está sempre às voltas com essa dialética intrincada que consiste em se confrontar com uma alteridade européia que ao mesmo tempo o exclui e implica. No que se refere a tradição literária, o problema consiste em apropriar-se da tradição européia e trabalhar, ao mesmo tempo, na consolidação de uma tradição nacional incipiente mas já independente. Tanto Machado de Assis como Borges se preocupam com essa questão, e sabem que o nacionalismo é necessário para a formação de tradições nacionais que possam ser, num segundo momento, inseridas num contexto universal.” (PERRONE-MOISÉS, 2007, p.90)

Santiago Silviano Santiago, em 1972, no “O entrelugar do discurso latino-americano”, e, em 1981,

com “Apesar de dependente, universal”, nos quais sua posição pontua a recusa do conceito de

origem e, ainda, defende a “subversão dos critérios de tempo e de espaço na nova constituição do

discurso cultural periférico” (Souza, 2002, p. 53). Em “Apesar de dependente, universal”, Silviano

Santiago retoma o processo civilizatório e critica o modo como o conquistador vitorioso introjeta

na “desconhecida” América o palco de encenação do seu deslocamento após duas crises religiosas

e políticas. Sobre a primeira missa, ele denuncia:

“A catequese de um José de Anchieta, além de preparar o indígena para a “conversão” e a “salvação” da sua alma, serve também para colocá-lo – sem que saiba a razão, pois simplesmente a desconhece – entre portugueses e franceses, entre a Reforma e a Contra reforma. Ela prepara e incita o índio a brigar por uma questão (a unidade da Igreja e a constituição do Estado forte europeu) que não é sua nem dos seus. Exige-se dele que introjete uma situação sociopolítica e econômica que não é dele. Sintomático desse estado de coisas é o fervor ao padroeiro do Espírito Santo, São Maurício, que o texto de Anchieta quer inspirar junto aos catecúmenos. Fiel a um imperador pagão, Maurício, então soldado, é convocado para combater os cristãos frente à sua legião tebana. No meio da batalha, vira a casaca, e

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já disposto a não matar os cristãos acaba por desobedecer ao poder supremo do imperador, sendo por ele sacrificado. O soldado Maurício é rebelde com relação aos pagãos seus irmãos; o convertido Maurício é mártir dentro do processo da catequese católica; São Maurício é padroeiro do Espírito Santo nesta nova fase da difusão da fé. Como rebelde, mártir e padroeiro, é, antes de mais nada, o modelo a ser imitado.” (SANTIAGO, 1982, p. 14).

A primeira missa é uma operação simbólica dos portugueses transportada para a mente indígena,

falando uma língua que os autóctones desconheciam, mas já a operando, colocando-os como

“meros recitadores”; com isso, efetuam-se a ausência duplicada do sujeito no discurso e o estatuto

de 16el16la rasa, que Silviano Santiago define como o lugar do índio, o que reforça a ausência de

“outridade”:

“Dentro dessa perspectiva etnocêntrica, a experiência da colonização é basicamente uma operação narcísica, em que o outro é assimilado à imagem refletida do conquistador, confundido com ela, perdendo portanto a condição única da usada alteridade. Ou melhor: perde a sua verdadeira alteridade (a de ser outro, diferente) e ganha uma alteridade fictícia (a de ser imagem refletida do europeu). O indígena é o Outro europeu: ao mesmo tempo imagem especular deste e a própria alteridade indígena recalcada.” (SANTIAGO, 1982, p. 15-16).

Santiago adverte sobre os homens propícios à descoberta dessa nação, dos quais se exigiam o

espírito de aventura, a coragem e a audácia, pois a experiência da colonização “requer o espírito

profiteur, a espada e a falsa cordialidade” (SANTIAGO, 1982, p. 16). Silviano Santiago, propõe

que o produto literário deveria ser criticado dentro do conceito de universalidade, mas ele, por

outro lado, pontua que “a universalidade só existe no processo de expansão em que respostas não

etnocêntricas são dadas aos valores de metrópole. Caso contrário, cairia sempre nas apreciações

tautológicas e colonizantes.” (SANTIAGO, 1981, p. 23).

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O crítico acrescenta que um texto descolonizado pertencente à cultura dominada pode oferecer

uma riqueza maior por “conter em si uma representação do texto dominante e uma resposta a esta

representação no próprio nível da fabulação”. (SANTIAGO, 1981, p. 23). Para ele, trata-se então

de uma dialética, ou a universalidade seria um jogo colonizador, imposição da história européia

como história universal, ou um jogo diferencial em que outras culturas se exercitam, acentuando

os choques das ações de dominação e das reações dos dominados. Para ele, os textos

descolonizados questionam o seu estatuto e o avanço cultural colonizador.

CAPÍTULO I: História do Brasil de Oswald de Andrade.

A bem-humorada História do Brasil de Oswald de Andrade foi uma poesia pertencente do livro

Pau-brasil. Criado em 1925, do qual o próprio sumário confessa o teor da paródia bem humorada:

“Por ocasião da Descoberta do Brasil”; “História do Brasil”; “Poemas da Colonização”; “São

Martinho”; “rp1”; “Carnaval”; “Secretário dos Amantes”, “Postes da Light”, “Roteiro das Minas”,

“Lóide Brasileiro” e “Cronologia, i”.

O Modernismo brasileiro, foi um movimento literário nacionalista que visava, sobretudo, o

retorno dos elementos primitivos e a valorização da cultura nacional. Exibidos na Semana de Arte

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Moderna de 22 – um movimento que se diversificou em doutrinas estéticas e políticas e que

traçou através de manifestos uma nova realidade cultural e social no país. Os escritores que

fizeram parte do movimento ridicularizaram o parnasianismo, e apresentaram novas concepções

estéticas marcando uma ruptura definitiva com a obra literária e artística anterior.

Nessa ruptura, houve o movimento Pau-Brasil, de 1924 do qual faziam parte: Oswald de Andrade,

Mário de Andrade, Raul Bopp, Alcântara Machado e a pintora Tarsila do Amaral. Além da

revalorização dos elementos primitivos da cultura nacional havia uma crítica feroz à toda

manifestação que fosse afastada do nacionalismo e da valorização de obras que redescobrissem o

Brasil, seus costumes, seu povo e suas paisagens. E outro movimento – O Verde-Amarelo que era

liderado por Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti 18el Picchia, e tendo uma postura

também nacionalista, repudiava tudo que fosse importado e tentava mostrar um Brasil grandioso.

Entretanto, por revelar uma visão reacionária, sobretudo através de Plínio Salgado, que viria a ser

um dos principais líderes do Integralismo, movimento político brasileiro de extrema-direita

baseado nos moldes fascistas.

O Movimento Antropofágico foi lançado em 1928, com a publicação do Manifesto Antropófago,

de Oswald de Andrade. Participaram do movimento, além de Oswald, Tarsila do Amaral, Raul

Bopp, Alcântara Machado e outros. Esse movimento opunha-se ao conservadorismo do

Movimento Verde-amarelo ou escola da Anta. Várias foram as revistas de divulgação das idéias

desses movimentos: A Revista Klaxon – nome dado à buzina externa dos carros. Foi publicada

em 1922, teve nove números, sendo a primeira revista de divulgação de trabalhos e idéias dos

modernistas. A Revista Terra Roxa e Outras terras: publicada em 1926, com a participação de

Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Já a Revista de Antropofagia foi publicada dois anos

depois – em 1928 do qual foi o órgão de divulgação do Movimento Antropofágico. Além dessas,

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surge em 1925, em Belo Horizonte, a Revista, com editorial redigido por Carlos Drummond de

Andrade. No Rio de Janeiro, não ocorreram na época rupturas acentuadas, e a revista Festa,

publicada em 1927, antes de refletir uma visão modernista, expressava a sobrevivência do

espiritualismo simbolista. Dela participaram, entre outros, Tasso da Silveira, Cecília Meireles e

Jackson Figueiredo, este último chefe da censura do governo de Artur Bernardes, que governou o

país sob estado de sítio. Além dessas, surge em 1925, em Belo Horizonte, a Revista, com editorial

redigido por Carlos Drummond de Andrade. No Rio de Janeiro, não ocorreram na época rupturas

acentuadas, e a revista Festa, publicada em 1927, antes de refletir uma visão modernista,

expressava a sobrevivência do espiritualismo simbolista. Dela participaram, entre outros, Tasso da

Silveira, Cecília Meireles e Jackson Figueiredo, este último chefe da censura do governo de Artur

Bernardes, que governou o país sob estado de sítio. Além dessas, surge em 1925, em Belo

Horizonte, a Revista, com editorial redigido por Carlos Drummond de Andrade. No Rio de

Janeiro, não ocorreram na época rupturas acentuadas, e a revista Festa, publicada em 1927, antes

de refletir uma visão modernista, expressava a sobrevivência do espiritualismo simbolista. Dela

participaram, entre outros, Tasso da Silveira, Cecília Meireles e Jackson Figueiredo, este último

chefe da censura do governo de Artur Bernardes, que governou o país sob estado de sítio.

No período compreendido entre 1930 e 1945, as obras dos poetas da primeira fase atingem a sua

maturidade. Nessa fase também se consolida a corrente regionalista da literatura brasileira. Ao

contrário do Modernismo paulista, voltado para o futuro e aberto a toda forma de renovação, o

regionalismo de 30 mostrou-se conservador, voltado para as tradições nordestinas, seus valores

culturais e morais. Mais preocupado com uma razão sociológica da realidade do que com a

renovação da linguagem narrativa, o regionalismo de 30 foi um veículo de denúncia dos

problemas sociais do Nordeste. O “primitivismo, a simplicidade alcançada” e a “crítica ao

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nacionalismo postiço”, eram os programas do Grupo Pau-Brasil, politicamente inclinado para a

esquerda e que contava com, além de Oswald, Raul Bopp, Tarsila do Amaral, Alcântara Machado,

Paulo Prado e Mário de Andrade (que logo se afastaria seguindo rumo próprio). Deriva daí o

Movimento Antropofágico, lançado pela Revista de Antropofagia, em 1928, que propunha a

devoração cultural das técnicas importadas para reelaborá-las com autonomia, convertendo-as em

produto de exportação.

A anarquia de Oswald assemelha-se (mas não avança a partir daí) ao dadaísmo, no qual tudo

parecia destituído de sentido lógico e com o qual os modernistas da primeira geração se

incorporaram. Talvez haja aí o que Raúl Antelo chamou, em Políticas canibais, de dispersão.

Segundo o crítico, os antropófagos buscam “a dispersão porque seu desejo de fragmentação se

institui através da guerra [guerra de saberes, guerra de linguagens].” ( ANTELO, 2001, p.266).

Junto com o procedimento das colagens, os modernistas herdaram da vanguarda europeia o

“instinto de nacionalidade, também pelo viés da arte”. (NETTO, 2004, p.19)

Haroldo de Campos, em “Uma poética da radicalidade”, identificou, na “poesia pau-brasil”, a

temática nacionalista como “tomada de consciência e de objetivação da consciência”.

(ANDRADE, 1991, p.17) e uma obra para ser vista no seu tempo.

Ele ainda apontou a antropofagia como uma das mais argutas estratégias de se pensar o nacional,

em “relacionamento dialógico e dialético com o universal.” ( SOUZA, 2002, p.100) Oswald já em

1954, havia justificado que o fenômeno modernista acontecera em São Paulo, conseqüente da

mentalidade industrial, propício ao “seara modernista” pois “São Paulo era de há muito batido por

todos os ventos da cultura. Não só a economia cafeeira promovia os recursos, mas a indústria com

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a sua ansiedade do novo, a sua estimulação do progresso fazia com que a competição invadisse

todos os campos”. (ANDRADE, 1991, p.8)

Haroldo de Campos chama a atenção para o primeiro prefácio de Pau-brasil, quando Paulo Prado,

em maio de 1924, nomeou a “poesia pau-brasil” como o “ “ovo de Colombo” e “ a saudou como o

primeiro esforço organizado para a libertação do verso brasileiro” (ANDRADE, 1991, p.8) no qual

inaugurava a reabilitação da informalidade da fala, distante da norma acadêmica.

A História do Brasil de Oswald ( inserção de Pau-brasil ) é composta de 8 verbetes:

“Pero Vaz Caminha” – com pequenos versos intitulados, que são eles: A Descoberta, Os

selvagens, Primeiro chá, As meninas da gare;

“Gandavo” - com pequenos versos intitulados, que são eles: Hospedagem, Corografia,

Salubridade, Sistema hidrográfico, País de ouro, Natureza morta, Riquezas naturais e Festa da

raça;

“O capuchinho Claude D`Abbeville” – A moda, Cá e Lá e O país;

“O Frei Vicente do salvador” - com pequenos versos intitulados, que são eles: Paisagem, as aves e

Amor de inimiga;

“Fernão Dias Paes” com o poema Carta;

“Frei Manoel Calado” com o poema Civilização Pernambucana;

“J.M.P.S ( da cidade do Porto)” – com o poema Vício na Fala e;

“Príncipe Dom Pedro” com o poema Carta ao Patriarca.

Como pode ser visto, a temática nacionalista é recorrente em toda a obra e escrita na viagem de

Oswald à Paris que Paulo Prado chamou deslumbramento com a sua própria terra. Esse fato, “

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abriu seus olhos à visão radiosa de um mundo novo, inexplorado e misterioso. Estava criada a

poesia “pau-brasil”(...) havia um século soterrado sob o peso livresco das idéias de importação”.

(ANDRADE, 1991, p.57) Paulo Prado defende que com a partida de D.João VI, emigraram juntos

“ a visão clara e burguesa das coisas e dos homens” e que tal influência dos portugueses era

“deletéria para o espírito nacional” (ANDRADE, 1991, p.57 ) e que “Encaixar na rigidez de um

soneto todo o baralhamento da vida moderna é absurdo e ridículo”, defendendo assim, a poesia

“pau-brasil” como primeiro esforço organizado para a libertação do verso brasileiro e ainda, “ um

epíteto que nasce com todas as promessas de viabilidade”. (ANDRADE, 1991, p.57)

Paulo Prado termina seu prefácio com insulto aos que ignoram mudanças:

Para o glu-glu desses perus de roda, só há duas respostas: ou a alegre combatividade dos moços, a verve dos entusiasmos triunfantes, ou para o ceticismo e o aquoibonismo dos já descrentes e cansados, o refúgio de que falava o mesmo Gourmont, no Silêncio das Torres ( das Torres de marfim, como se dizia).

Percebe-se um excesso de retorno a tudo que é nacional, como forma e temática, e um elogio a

vanguarda européia e poetas franceses subversivos, como Mallarmé, Baudelaire, Victor Hugo,

Flaubert e Rimbaud.

Na História do Brasil de Oswald, em cada verbete, pode-se ter certa visualidade:

Pero Vaz Caminha Oswald debocha e descreve da chegada dos portugueses, bem

o medo das galinhas e seus olhares maldosos para os corpos

nus das índias.

Gandavo Oswald demonstra como “que a todos agazalha e convida” é

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rica de vegetais, animais sem esquecer do paobrasil.

O capuchinho Claude D`Abbeville O poema escrito em francês ironiza o enriquecimento, o

embelezamento das damas na nova terra.

O Frei Vicente do salvador Oswald retrata a beleza das aves e do doutrinamento dos

padres que já faziam parte da paisagem.

Fernão Dias Paes Oswald debocha com o pronome “Vossa Senhoria” e que

“descobrimento” evoca muito rendimento.

Frei Manoel Calado Oswald compara a nova terra (Brasil) como um retrato do

paraíso, devido ao excesso de adornos das mulheres.

J.M.P.S ( da cidade do Porto)”

* com o poema Vício na fala

O melhor de todos: Oswald brinca com a oralidade:

Para dizerem milho dizem mio (...) Para melhor dizem mió.

Príncipe Dom Pedro Na Carta ao Patriarca, Oswald ironiza com o narrador

português que presta conta ao Patriarca e confessa fidelidade,

e também, claro, à causa do Brasil.

Haroldo de Campos elogia o Pau-Brasil de Oswald com;

“A linha poética substantiva, de poesia contida, reduzida ao essencial do processo de signos, que passa por Drummond na década de 30, enforma a engenharia poética de João Cabral de Melo Neto e se projeta na atual poesia concreta” (ANDRADE, 1991, p.12)

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Campos relembra a crítica de Pau Brasil por João Ribeiro que começou a idear sem o auxílio

“das musas, uma arte nova,inconsciente, capaz de máxima trivialidade por oposição ao estilo erguido e à altiloquência dos mestres. Geometrizou a realidade dando esse aspecto primevo, assírio ou egípcio da escultura negra, fabricou manipansos terrífecos, e opôs à ânfora grega a beleza rombóide das iagaçabas (...) Assim nasceu uma poesia nacional que, levantando as tarifas de importação, criou uma indústria brasileira(...)”(ANDRADE, 1991, p.13-14)

Mas em Pau-Brasil não há soluções previstas: são cortes rápidos, fragmentados ( herdados da

montagem das Artes Plásticas e do cinema ) e força o leitor a participar. Para Haroldo de Campos,

Pau-Brasil é uma tomada de consciência e de objetivação da consciência via e na linguagem. O

“índio” Oswaldiano não era;

“o “bom selvagem” de Rousseau, acalentado pelo Romantismo e, entre nós, “ninado pela suave confração de Alencar e Gonçalves Dias”. Tratava-se de um indianismo às avessas, inspirado no selvagem brasileiro de Montaigne (Des Cannibales) , de um “mal selvagem”, portanto exercer a sua crítica (devoração) desabusada contra as imposturas do civilizado.” (ANDRADE, 1991, p.44)

Assim, Haroldo de Campos afirma, ter Oswald recorrido a uma sensibilidade primitiva e uma

reivindicação à língua sem arcaísmos e “contribuição milionária de todos os erros” – presente no

Manifesto e materializada em sua poética , a história do seu país. Já a crítica Leyla Perrone

defende sua posição quanto a influência de Oswald:

Enquanto Oswald de Andrade foi buscar sua primeira inspiração nos movimentos de vanguarda parisienses e jamais cortou seus vínculos intelectuais afetivos com a França, Mário de Andrade, que consagrou toda a sua existência e sua obra à busca da

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“identidade brasileira”, teve reações mais tensas com a cultura francesa. (...). Enquanto Oswald buscava o reconhecimento do Brasil pela França, pronunciando no Sorbonee sua conferência “L`effort intelelectuel Du Brésil Contemporain” (1923), Mário jamais fez a viagem ritual a Paris. Embora nutrido de cultura Francesa, como de todos os seus contemporâneos, ele se mantinha a uma distância prudente, enviando, em suas cartas, “um sorriso irônico à cidade de Paris”. (PERRONE-MOISÉS, 2007, p.71)

Percebe-se que a autora privilegia a voz de Marioandradina como autoral e ainda, como um autor

que defende sua origem e valoriza a sua cultura, ao contrário de Oswald, que mesmo defendendo

um nacionalismo, estava sempre recitando em francês e confirmando pela cultura do outro.

Segundo a autora,

Macunaíma é, talvez, o livro mais “nacional” da literatura brasileira;mas não é um livro “nacionalista”. Sabe-se que o modernismo brasileiro foi um movimento fortemente marcado pelo nacionalismo. Mas de que nacionalismo se tratava ? Havia, então, vários nacionalismos: um nacionalismo “ufanista”, de um patriotismo desprovido de espírito crítico; um nacionalismo programático de inspiração fascista; um nacionalismo pessimista, baseado nas noções de atraso e de raças “inferiores”. Mario de Andrade recusou o “brasileirismo de estandarte”. “Meu espírito é que é por demais livre para acreditar no estandarte” (carta a Carlos Drummond de Andrade, 28/12/1928). Boa parte do desgosto que teve com as reações ao livro, e que o levou a considerar, erroneamente, que tinha fracassado, se devia às leituras nacionalistas. (PERRONE-MOISÉS, 2007, p.201)

Mas a antropofagia nunca defendeu a não-contaminação e sim a aglutinação. Segundo o

Manifesto Antropofágico, que traz a conhecida antropofagia, que faz referência ao papel

simbólico do canibalismo nas sociedades tribais, do qual, comer é para incluir as qualidades do

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inimigo ou de alguém. Assim o canibalismo é interpretado como uma forma de veneração do

inimigo. Se o inimigo tem valor então tem interesse para ser comido porque assim o canibal torna-

se mais forte. Oswald atualiza este conceito no fundo expressando que a cultura brasileira é mais

forte, é colonizada pelo europeu mas digere o europeu e assim torna-se superior a ele.

Na primeira parte do livro, "História do Brasil", Oswald recita outras obras literárias, dando-lhe

um vigor poético surpreendente. Na segunda parte de Pau-Brasil - "Poemas da colonização" -, o

escritor revê alguns momentos do colonialismo, e o que destaca nos poemas é o poder de síntese

do autor. No Pau-Brasil há ainda a descrição da paisagem brasileira, de cenas do cotidiano, além

de poemas metalingüísticos. Para o crítico Décio Pignatari "Recorte, colagem, montagem", resume

a poesia Oswaldiana.

Oswald recorta e fragmenta a poesia Pero Vaz Caminha em subtemas :

A DESCOBERTA

Seguimos nosso caminho por este mar de longo

Até a oitava da Páscoa

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Topamos Aves

E houvemos vista de terra

OS SELVAGENS

Mostraram-lhe uma galinha

Quase haviam medo dela

E não queriam pôr a mão

E depois a tomaram como espantados

PRIMEIRO CHÁ

Depois de dançarem

Diogo Dias

Fez o salto Real

AS MENINAS DA GARE

Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis

Com cabelos mui pretos pelas espáduas

E sua vergonhas tão altas e tão saradinhas

Que de nós as muito bem olharmos

Não tínhamos nenhuma vergonha

Oswald em tom sarcástico, ironiza o colonizador, vingando-se da violência que foi operada

quando seu deu a colonização. Seu deboche denuncia o processo civilizatório e radicaliza, tanto

na economia dos versos quanto nos títulos do subtema.

Para o crítico Raul Antelo pode-se dizer que Pau-Brasil é um “texto sem voz, que implica um

espaço sem dimensões, onde a linguagem, superposta a si própria, desvenda uma abismalidade

secreta.” ( ANTELO, 2001, p.93) Já Haroldo de Campos ao prefaciar a mesma obra, na sua 4º

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edição, em 1991, afirma que “ Se quisermos caracterizar de um modo significativo a poesia de

Oswald de Andrade no panorama do nosso modernismo, diremos que esta poesia responde a uma

poética da radicalidade”. ( ANDRADE, 1991, p.7)

A radicalidade ao qual a poesia de Oswald é nomeada pelo crítico Haroldo de Campos advém de

um texto de Marx que define ser radical como tomar as coisas pela raiz. “E a raiz, para o homem,

é o próprio homem”. ( ANDRADE, 1991, prefácio ). Haroldo o retoma para redizê-lo que a

linguagem é tão velha como a consciência e ainda acrescenta que a linguagem “é a consciência

real, prática, que existe também para outros homens, que existe então igualmente para mim mesmo

pela primeira vez, e assim, como a consciência é imperativa...” ( ANDRADE, 1991, p.7 ). O

crítico entende que a poética oswaldiana se afere no campo específico da linguagem, na medida

que ela afeta, a consciência prática, real que é a linguagem. Anterior a crítica de Haroldo, Paulo

Prado, em 1924, prefaciou o primeiro livro de poemas de Oswald de 1925. Ele definiu a “poesia

pau-brasil” como o “Ovo de Colombo” e a saudou como “o primeiro esforço organizado para a

libertação do verso brasileiro” (ANDRADE, 1991, p.10)

CAPÍTULO II: História do Brasil de Murilo Mendes.

A História do Brasil de Murilo Mendes possui 60 poesias que recontam a história da fundação do

Brasil até 1930, pela ordem, criação ou disposição delas, feitas pelo autor. São elas:

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“Prefácio de Pinzón; 1500; O farrista; Carta de Pero Vaz; Testamento de Sumé; O Álvaro de

Caramuru; Divisão de capitanias; Pena de Anchieta; Fadistas versus Nassau; Viagem traído; O

índio invisível; O herói invisível; O herói e a frase; Cantiga dos palmares; A bandeira; O café dos

Emboabas; O mercado dos mascates; Os pombos de pombal; O alferes na cadeira; A estátua do

alferes; Força do Aleijadinho; Embarque do papagaio real; A mão de Domingos José Martins;

Relíquias de Frei Caneca; Fico; Preparativos de pescaria; Serenata da dependência; A pescaria; O

padre de ferro; O brasileiro de D.Pedro II; Tango de Solano Lopez; A boca de Marcílio Dias;

Marcha em retirada; Proclamação de Deodoro; Soneto do dia 15; Elegia do dia 16; O herói sai da

estátua; Milagre de Antônio Conselheiro; O chicote de João Cândido; Homenagem ao Gênio

Francês; Dois cabos eleitorais; O banquete; O neto de Marquês de Maricá; Hino do deputado; O

bacharel de Haia; Teorema das compensações; A máquina d`água; A revolução gorada; Canção do

soldado; Marcha final do Guarani; O iluminado; Marcha da coluna; Linhas paralelas; Amostra da

poesia local; Amostra da ciência Local; Glória de D.Pedro II; Homo Brasiliensis; Fuga; Discurso

do filho do Jeca; 1930 e O avô princês.

A História do Brasil do poeta Murilo Mendes, publicada em 1932, foi renegada pelo

autor, anos depois, devido ao tom satírico e humorístico: “Excluí as poesias satíricas e

humorísticas que compõem a História do Brasil, pois, a meu ver, destoam do conjunto da minha

obra” ( PICCHIO, 1991, p.5) Também uma paródia da obra homônima de Oswald de Andrade, o

texto de Mendes caracteriza o “modernista da primeira fase: a fase dos poemas-piadas, das

antropofagias, do ‘vamos descobrir o Brasil’”,2 (MENDES, 1991,p.5) fazendo da sua escritura um

2 Texto de Luciana Stegagno Picchio, em: MENDES, Murilo. História do Brasil (1932), p. 5.

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espaço de subversão e transgressão, de um humor/ironia que o aproxima do “Fale Fala Brasileira”,

de Mário de Andrade.

A autora Luciana Stegagno Picchio discorda de Murilo Mendes e defende a obra História do Brasil

como conjunto articulado de toda a obra literária de Murilo Mendes, “como testemunho de uma

estação literária irrepetível para as letras do Brasil e singular dentro do próprio itineário do poeta.”

( PICCHIO, 1991, p.5)

Murilo Mendes retoma ao mito nacionalista para sua estética da nação que reconta com descrença,

ironizando o colonizador ao colocá-lo como esperto, parte da “verdadeira” história do Brasil e

assim, revela sem necessariamente resolver a própria trama e apoiada na única versão

materializada do embate colonizador/colonizado – A Carta de Pero Vaz Caminha que colaborou

no monólogo entre os portugueses: uma só voz, dominante.

A terra é mui graciosa,

Tão fértil eu nunca vi.

A gente vai passear,

No chão espeta um caniço,

No dia seguinte nasce,

Bengala de castão de oiro.

Tem goiabas, melancias.

Banana que nem chuchu.

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Quanto aos bichos, tem-nos muitos.

De plumagens mui vistosas.

Tem macaco até demais.

Diamantes tem à vontade,

Esmeralda é para os trouxas.

Reforçai, Senhor, a arca.

Cruzados não faltarão,

Vossa perna encanareis,

Salvo o devido respeito.

Ficarei muito saudoso

Se for embora d`aqui.

A autora Luciana Stegagno Picchio contextualiza a poesia:

“(...) o tema e a fonte principal do poema encontram-se na chamada Carta de Pero Vaz de Caminha, feita de motivos edênicos, em que o Brasil se apresenta aos olhos dos portugueses como a verdadeira Terra Prometida. Embora escrita em 1500, a Carta de Pero Vaz só veio a ser conhecida pelo grande público em 1817, com a sua edição na Corografia Brasílica de Padre Manuel Aires do Casal: e isto devido ao ‘sigilo” , ao silêncio com que a corte portuguesa, receosa da fuga de notícias poderiam favorecer a concorrência das outras potências da Europa e nomeadamente de Castela, envolvia todos os seus descobrimentos de novas terras.” ( PICCHIO, 1991, p.94)

Tanto a obra de Oswald quanto a de Mendes, traz a transcriação da carta de Pero Vaz Caminha.

Tal narrativa “escrita na semana em que a frota cabralina esteve ancorada diante do monte

Pascoal, de 22 de abril a 1º de maio de 1500” ( PEREIRA, 2002, p.14) é o documento oficial que

noticia o achamento do Brasil é o documento mais venerado da história colonial;

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A Carta de Pero Vaz Caminha “vem exercendo no imaginário cultural do Brasil, nos últimos duzentos anos, um benéfico sentimento de amor à Pátria, que parece não ter sido afetado pelo seu anterior desconhecimento, por cerca de três séculos. (... ) O relato da Semana do Descobrimento do primeiro repórter de Pindorama, em confronto com os escritos de viajantes de mundo novos, insere-se na discussão sobre a formação da imagem do silvícola brasileiro na Europa renascentista. Com a transformação por que vem passando os estudos indigenistas, sobretudo com ênfase na visão etnológica, tem surgido, nas últimas décadas, as mais diferentes abordagens sobre a conquista ou o encontro com os povos americanos pelos navegantes europeus, entre o fim do século XV e as primeiras décadas do século XVI.” ( PEREIRA, 2002, p.17 )

O formato literário narrativo da carta oficial é presente em ambas as obras, tanto de Oswald quanto

de Mendes; Na Carta de Pero Vaz de Murilo Mendes, pode ser visto:

A terra é mui graciosa,/Tão fértil eu nunca vi./

A gente vai passear,/No chão espeta um caniço,/

No dia seguinte nasce,/ Bengala de castão de oiro./

Tem goiabas, melancias./Banana que nem chuchu./

Quanto aos bichos, tem-nos muitos./

De plumagens mui vistosas./Tem macaco até demais./

Diamantes tem à vontade,/Esmeralda é para os trouxas./

Reforçai, Senhor, a arca./Cruzados não faltarão,/

Vossa perna encanareis,/ Salvo o devido respeito./

Ficarei muito saudoso/ Se for embora d`aqui.

Percebe-se o humor de Murilo Mendes em repetir o advérbio “mui” que aproxima da Carta Oficial

e também da colocação do verbo no final do verso, novamente, aproximando do português falado

em 1500. Mendes debocha do excesso dos minerais valiosos, das riquezas que irão desfrutar. Para

os autores Matheus Martins e Marcos Teixeira;

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“No poema de Murilo, tendo o próprio Pero Vaz como eu lírico, a feracidade do solo brasileiro é tamanha que o simples fato de espetar um caniço no chão pode resultar no florescimento de uma bengala de ouro. A existência de frutas e animais também se mostra demasiada, assim como a de diamantes, cotando baixo, dada a sua abundância, a procura de pedras preciosas como as esmeraldas (Esmeraldas é para os trouxas), o que revelaria o exagero da ambição do explorador. Assim, será preciso, pois, “reforçar a arca”, considerando a promessa de riquezas que daqui se poderá extrair. O poema termina de forma irônica, remetendo ao leitor, antecipados muitos séculos de nossa história literária, ao célebre poema de Gonçalves Dias, “Canção do exílio”, canto que trata da saudade de um sujeito exilado de sua pátria amada. No texto de Murilo, Caminha assume a voz de Gonçalves Dias e diz que sentirá saudades caso não fique aqui.” ( MARTINS;TEIXEIRA, 2007, p.63 )

Ainda, na Carta de Pero Vaz Caminha de 1500 , na re-encenação religiosa, os atores sociais

são obrigados a serem atores passivos ( como foram ) e o sujeito que narra a primeira missa,

retoma a encenação, sob o ponto de vista do dominador - voz sem consciência. A imposição

da religião dos portugueses sobre os índios é foi um ato violento que foi operado no processo

de colonização. Na Carta de Pero Vaz Caminha a imposição da religião na primeira semana

de chegada dos portugueses no Brasil confirma os estranhamentos e a ausência de alteridade:

“(...)Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha. Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação. Acabado isto,

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fomos assim perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.” (PEREIRA, 2002, p.39)

Mas Murilo Mendes ao retratar o índio brasileiro o coloca no lugar do astuto que sabe

esconder e coloca o português como desprovido de outros sentidos, sendo dominador apenas

do tato: “ O índio fica no escuro / O índio não sai do escuro/ Mas o inimigo ele vê./Tem o

inimigo um sentido,/Tem o sentido do tato,/Só sabe as armas pegar./Camarão tem todos eles/

Bem aguçados, treinados; /Ninguém tem um faro assim (...) ” (MENDES, 1991, 23).

Segundo Luciana Stegagno Picchio D.Antônio Filipe Camarão foi o nome recebido em

homenagem ao rei de Espanha que o homenageou com o título de Dom:

“Índio brasileiro de Rio Grande do Norte que se distinguiu na guerra contra os Holandeses comandando um terço do General Francisco Barreto, tendo morrido pelos ferimentos recebidos nas Batalhas dos Montes Guararapes, em 1648. Irmão de Iracema, a “virgem dos lábios de mel”, é personagem do romance de Alencar, com o nome de Poti.”( PICCHIO, 1991, p.97)

Percebe-se que Murilo Mendes ao criar a nova História do Brasil, com seus recortes a partir

de suas leituras, de poetas como Santa Rita Durão, Basílio da Gama com “versos às vezes

libérrimos versos modernistas, às vezes pausados octossílabos narrativos, endecassílabos,

alexandrinos; e ainda cantigas e poemas para serem cantados”. ( PICCHIO, 1991, p.07).

Murilo Mendes reconstitui a história do Brasil com humor, mas não forja o verdadeiro

combate entre nativos e portugueses e deixa, de forma sutil, aparecer o gesto violento.

Os críticos consideram o modernista Murilo Mendes pertencente à segunda fase modernista,

mas segundo os autores Matheus Martins e Marcos Teixeira em O herói sai da estátua

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“reconhecemos nele uma atmosfera muito semelhante a dos escritores de maior peso da

primeira fase, como Oswald de Andrade, no modo satírico, transformador e irônico de

revisitar a história nacional’. ( MARTINS;TEIXEIRA, 2007, p.62). Menos corrosivo que

Oswald, mas sem deixar de ser, o eu-lírico também expõe o ponto de vista crítico, irônico e

de olhar transformador. Aproxima tanto no plano estético quanto ideológico de Oswald e

Mário de Andrade. A autora Maria Eugênia Boaventura defende que ele diferencia-se

daquele:

“lirismo rachado e sentimental, entusiasta, de vários poemas Pau-Brasil. Não possui a leveza lírica de alguns textos de Oswald; pelo contrário, o pitoresco em Murilo vem sempre embrulhado na mesma acidez crítica, encontrada há séculos em Gregório de Matos, por exemplo. Além disso o verso muriliano ‘não incorpora a espontaneidade antiformalista, a reduzida fatura, a ironia um tanto ingênua(...). Se há piadas, não são do mesmo tipo. Humor e provocação sim, mais assemelhados com a contundência antropofágica”.( BOAVENTURA, 2001, p.64).

Matheus Martins e Marcos Teixeira, ainda, defendem a História do Brasil de Murilo só poderia

existir após as experimentações tanto estéticas quanto ideológicas dos anos 20. Tanto as

assimilações estéticas da “fase heróica” e pelas convulsões históricas do decênio de 1930

foram motivos que contribuíram para a reflexão sobre a identidade nacional. Maria Eugênia

Boaventura entende a obra História do Brasil como caricatura da história e que pode ser

entendida como “pura e radical negação de uma certa história, profanação de um legado, pura

depreciação de mitos, ou ainda desencanto”. ( BOAVENTURA, 2001, p.64.)

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CAPÍTULO III: Considerações finais:

A História do Brasil, de Nunes obra dos modernistas Oswald de Andrade (1925/Pau-

brasil) e Murilo Mendes (1932/História do Brasil), traz uma nova versão da história do Brasil, no

qual o colonizador e o colonizado são confrontados, mesmo que de forma branda. Essa visão

renovadora do elemento nacional realiza-se de vários modos: Em primeiro lugar, há a proposta de

escrever, sob forma poética, a história do Brasil. Nesse sentido, Oswald resgata textos do passado

e os reescreve, transformando-os numa paródia, que restabelece os vínculos com a história , ao

mesmo tempo que a critica. A linguagem é surpreendentemente coloquial, sintética, carregada de

humor. O elemento visual é notório, assim como o dinamismo das imagens. As ilustrações que

acompanham a edição original de Pau-Brasil são da autoria de Tarsila do Amaral, cujo traço

rápido e ingênuo reflete o clima dos poemas. A História do Brasil de Murilo Mendes predomina a

linguagem informal e descontraída, adicionadas com humor e ironia – instrumento crítico e

retórica ufanista. Com poemas-piadas, tal como Oswald e Mário de Andrade.

As repetidas versões de História do Brasil confirmam a vocação de situar o país na

literatura. Se Oswald e Murilo concebem a literatura como “autoconsciência da temporalidade”

( ANTELO, 2001,p.98) , Aspiram a uma resposta do domínio colonial com sua latente temática

nacionalista, anseia pela condição de “apesar de dependente, universal”. Optam pela nacionalidade

como lugar potente para realizar a transformação; talvez um gesto inocente de repensar e retratar a

nação. Assim, tal singularidade ou visão desencantada do Brasil, apresenta uma literatura de

resistência, processo inerente à escrita de ambos autores.

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os modernistas herdaram da vanguarda europeia o instinto de nacionalidade, também pelo

viés da arte, que veio do cosmopolitismo francês, que promoveu a nacionalização de muitos

países.3 Segundo Adriano Bitarães Netto, em Antropofagia oswaldiana, “o gesto antropofágico

tornou-se, metaforicamente, um ritual indispensável para se questionar a produção artística, a

prática religiosa, a identidade nacional, a política capitalista e a relação entre as culturas”. 4

Benedito Nunes viu “coerência na loucura antropofágica – e sentido no não-senso de Oswald de

Andrade”,5 afirmando que o caráter da antropofagia oswaldiana “visava à desmitificação da

história escrita”.6 Outros autores consideram que a antropofagia não possui um projeto político e é

focada na mentalidade industrial de São Paulo. Ao contrário, Haroldo de Campos, em “Uma

poética da radicalidade”, enxergou, na “poesia pau-brasil”, a temática nacionalista como “tomada

de consciência e de objetivação da consciência”.7

A bem humorada História do Brasil de Oswald de Andrade foi um projeto editorial

menor – compilação de oito poesias dentro do livro Pau-Brasil, que se inicia com Pero Vaz

Caminha e termina com príncipe Dom Pedro. Já a História do Brasil de Mendes é herança

oswaldiana, ou melhor, uma “partilha de uma herança – a herança modernista”. ( CASA NOVA,

2008, p.128) Vera Casa Nova, em “Canibais e antropófagos”, assinala que “a vocação retórica dos

manifestos se manifesta pelo codere: informar, ensinar como fazem a arte; o movere: mover os

sentimentos; o delectare: seduzir”. ( CASA NOVA, 2008, p.133) Segundo ela, está contida aí a

retórica dos manifestos, a qual põe em evidência a função performática da linguagem do manifesto

3 NETTO, Adriano Bitarães. Antropofagia oswaldiana, p. 19.4 NETTO, Adriano Bitarães. Antropofagia oswaldiana, p. 41.5 NUNES, Benedito. Oswald canibal, p. 37.6 NUNES, Benedito. Oswald canibal, p. 36.7 CAMPOS, Haroldo. Uma poética da radicalidade, in: ANDRADE, Oswald de. Pau-Brasil, p. 17.

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– o resgate como manutenção de uma resistência e lugar de ruptura, e não como vanguarda dita

histórica.

Ambos reapresentam o mito nacionalista e não temem a repetição e ao retomarem a

experiência de temas nacionalistas, denunciam o desequilíbrio marcado no encontro do português

e do índio. Eles reforçam a exclusão do colonizado e revivem de forma irônica, mas não com

intenção de diminuir a violência que foi operada no processo de colonização. Talvez em suas

temáticas nacionalistas, Tanto Oswald de Andrade quanto Murilo Mendes reapresentam em forma

de literatura a violência da inauguração da nação e ao poetizar com a temática nacionalista deram

uma voz maior às suas escrituras.

5. Referências Bibliográficas:

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Page 39: Literatur A

ANDRADE, Oswald de. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

ANDRADE, Oswald de. Pau-brasil. São Paulo: Globo, 1991.

ANTELO, Raúl. Transgressão e modernidade. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2001.

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