Literatura afrobrasileira.

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CURSO : Interação dos Saberes sobre História e Culturas Africanas e Afrobrasileiras PROFESSOR: Valdilene de Assis Ferreira Gondim TEMA: Literatura Afrobrasileira. PÚBLICO ALVO: Comunidade dos terreiros de candomblé DATA: 09/06/2011 QUERO SER TAMBOR - JOSÉ CRAVEIRINHA Tambor está velho de gritar Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor corpo e alma só tambor só tambor gritando na noite quente dos trópicos. Nem flor nascida no mato do desespero Nem rio correndo para o mar do desespero Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero. Nem nada! Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra. Eu Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra Só tambor perdido na escuridão da noite perdida. Oh velho Deus dos homens eu quero ser tambor e nem rio e nem flor e nem zagaia por enquanto e nem mesmo poesia. Só tambor ecoando como a canção da força e da vida Só tambor noite e dia dia e noite só tambor

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CURSO : Interação dos Saberes sobre História e Culturas Africanas e

Afrobrasileiras

PROFESSOR: Valdilene de Assis Ferreira Gondim

TEMA: Literatura Afrobrasileira.

PÚBLICO ALVO: Comunidade dos terreiros de candomblé

DATA: 09/06/2011

QUERO SER TAMBOR - JOSÉ CRAVEIRINHA Tambor está velho de gritar Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor corpo e alma só tambor só tambor gritando na noite quente dos trópicos. Nem flor nascida no mato do desespero Nem rio correndo para o mar do desespero Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero. Nem nada! Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra. Eu Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra Só tambor perdido na escuridão da noite perdida. Oh velho Deus dos homens eu quero ser tambor e nem rio e nem flor e nem zagaia por enquanto e nem mesmo poesia. Só tambor ecoando como a canção da força e da vida Só tambor noite e dia dia e noite só tambor

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até à consumação da grande festa do batuque! Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor só tambor! José Craveirinha

A literatura brasileira, escrita maciçamente por escritores brancos, imprime, historicamente, uma imagem pejorativa e destrutiva do negro, sempre considerado inferior do ponto de vista cultural e, consequentemente, do ponto de vista social. Deturpadas, as visões sobre o negro, invariavelmente foram construídas de cima para baixo. Essa visão ideológica e equivocada do outro criou os ―estereótipos sobre os negros: um clichê aviltado, simplificado preconceituosamente‖. (LOBO, 1993, p. 171)

O romance brasileiro funda sua análise na questão dos estereótipos. O que se pode perceber é que, no Brasil, os intelectuais em sua maioria estiveram atrelados a uma identidade cultural ocidental europeia e acabaram compactuando com a política de exclusões. A literatura desempenha um papel de suma importância na constituição da nacionalidade brasileira. Por seu caráter didático-pedagógico estabelece modelos de heróis, perfis comportamentais constroe idéias e valores que são tomados como ideais. Mas, em seu contexto geralmente o negro está fora ou aparece em condições de inferioridade. É preciso efetuar uma reconfiguração do imaginário negro desconstruindo uma memória que foi forjada pela História dita oficial.

Percebe-se que a literatura brasileira desenvolve-se fazendo contornos altamente racistas o que torna problemático pensar na busca da identidade nacional.

O cânone literário reflete um sistema de valores instituído por grupos detentores de poder, que legitimam decisões particulares com um discurso globalizante. Os currículos das faculdades de Letras, no Brasil, em principio

marginalizaram grande parte da produção literária africana e afro-brasileira.

Jogada à margem do cânone ocidental e discriminada pela critica, esta

literatura foi reduzida e classificada como ―menor, daí a necessidade de ampliar

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a reflexão brasileira a propósito das questões teóricas e teórico-práticas sobre

a produção cultural de afro-brasileiros e abreviar o caminho dessa

literatura,sobretudo no momento presente, que demanda a inclusão dos

estudos afro-brasileiros nos currículos escolares de todo o país. O estudo

dessas questões nos mostra a urgência de se recontar a história e dar voz aos

cantos silenciados.

O preconceito racial

Foi da Bíblia que os europeus retiraram suas explicações para a inferioridade do negro. O Livro do Gênesis

- Maldito seja Canaã! Que ele seja, para seus irmãos, O último dos escravos. E disse também: - Bendito seja Iahweh, o Deus de Sem, e que Canaã seja seu escravo! Que Deus dilate a Jafé, Que ele habite nas tendas de Sem, E que Canaã seja teu escravo! (Gênesis, 9,18-27)

A LITERATURA BRASILEIRA Quem são os nossos heróis. Descrições étnicas.

* Iracema * Peri * A Moreninha * A escrava Isaura

* Capitu * (...)

Humanidade branca cristã e a bestialidade preta pagã ― Em Deus você nunca teve crença Com Cristo você não tem parença Quando canta só solta termo imundo Maluco, visão de outro mundo Papa molho, cachorro da doença Negro não nasce, aparece! E não morre-bate o cabo! Branco dá a alma a Deus E negro dá a alma ao Diabo.‖ ( Cascudo. Luis Câmara. Vaqueiros e Cantadores. Rio de Janeiro, 1968.p.115-21)

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Gregório de Matos ― Mulher branca para casar Mulata para fornicar Negra para trabalhar‖.

Castro Alves VOZES D’ÁFRICA (Castro Alves) Deus! Ó Deus onde estás que não respondes? Em que mundo, e, qu’estrela tu t’escondes Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?... .................................................................. Não basta inda de dor, ó Deus terrível. É, pois, teu peito eterno, inexaurível. De vingança e rancor?... E o que é que fiz, Senhor?que torno crime Eu cometi jamais que assim me oprime Teu gládio vingador?... Foi depois do dilúvio... Um viandante, Negro, sombrio, pálido, arquejante, Descia do Arará... E eu disse ao peregrino fulminado: ―Cam... serás meu esposo bem-amado... Serei tua Eloá...‖. ....................................................................... Cristo! Embalde morreste sobre um monte... Teu sangue não lavou de minha fronte A mancha original. Ainda hoje são, por fardo adverso, Meus filhos – alimária do universo, Eu – pasto universal ....................................................... Basta, Senhor!De teu potente braço Role através dos astros e do espaço Perdão p’ra os crimes meus!... Há dois mil anos... eu soluço um grito... Escuta o brado meu lá no infinito, Meu deus! Senhor, meu Deus!...

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José de Alencar

Til ―Não me torno (...) escravo de um homem, que nasceu rico, por causa das sobras que me atirava como atiraria a qualquer outro, ou a seu negro.‖ O demônio familiar Gira em torno dos esforços de um crioulo negro para mudar os planos de casamento de seu senhor em sua própria vantagem. O culpado é descoberto, libertado por seu dono, mas expulso de casa comas palavras: ―Toma: é a carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações‖.

Bernardo Guimarães

A escrava Isaura) ―Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas, que facinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise. A tez é como o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor- de- rosa desmaiada‖. Rosa(personagem) ― Se não fossem os brinquinhos de ouro,que lhes tremiam nas pequenas e bem molduradas orelhas, e os túrgidos e ofegantes seios que como dois trêfegos cabritinhos lhe pulavam para baixo da transparente camisa,toma-la-íeis por um rapazote maroto e petulante.‖

Joaquim Manuel de Macedo AS VÍTIMAS ALGOZES

Pai Raiol ―Era um negro africano de trinta a trinta e seis anos de idade, um dos últimos importados da África pelo tráfico nefando: homem de baixa estatura, tinha o corpo exageradamente maior que as pernas; a cabeça grande, os olhos vesgos, mas brilhantes e impossíveis de se resistir à fixidade do seu olhar pela impressão incômoda do estrabismo duplo, e por não sabermos que fluição de magnetismo infernal; quanto ao mais, mostrava os caracteres físicos da sua raça; trazia porém nas faces cicatrizes vultuosas de sarjaduras recebidas na infância: um golpe de

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azorrague lhe partira pelo meio o lábio superior, e a fenda resultante deixara a descoberto dois dentes brancos, alvejantes,pontudos, dentes caninos que pareciam ostentar-se ameaçadores; sua boca era pois como mal fechada por três lábios; dois superiores e completamente separados, e um inferior perfeito: o rir aliás muito raro desse negro era hediondo por semelhante deformidade; a barda retorcida e pobre que ele tinha mal crescida no queixo, como erva mesquinha em solo árido, em vez de ornar afeiava-lhe o semblante; uma de suas orelhas perdera o terço da concha na parte superior cortada irregularmente em violência de castigo ou em furor de desordem; e finalmente braços longos prendendo-se a mãos descomunais que desciam à altura dos joelhos completavam-lhe o aspecto repugnante da figura mais antipática. (Macedo 1988: 88).

Aluísio Azevedo O Mulato “Raimundo (...) seria um tipo bem acabado de brasileiro, se não foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia eram os olhos – grandes, ramalhudos, cheio de sombras azuis; (...) a frescura da epiderme lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sob papel de arroz‖.

Monteiro Lobato Histórias de Tia Nastácia ―Só aturo estas histórias como estudo da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas. Não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e bárbaras – coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto. Não gosto e não gosto‖ (LOBATO, 1937, p. 31).

O escritor negro

Machado de Assis Lima Barreto Cruz e Souza Domingos Caldas Barbosa Luiz Gama Lino Guedes Solano Trindade

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Machado de Assis Lima Barreto Cruz e Sousa Emparedado ( Cruz e Souza) ―Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta do que a primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares para a frente, ainda nova parede, feita de Despeitos e Impotências, tremenda, de granito, broncamente se elevará ao alto! Se caminhares, enfim, para trás, ah! ainda, uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo — horrível! — parede de Imbecilidade e Ignorância, te deixará num frio espasmo de terror absoluto...

Domingos C Barbosa Luiz Gama Lino Guedes

Domingos Caldas Barbosa ― Não tens nas faces jasmins e rosas. Cor mais graciosa Nas faces tens Todas t’a invejam E há quem ser queira Assim trigueira Como tu és‖. ( Retrato de Lucinda)

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Luiz Gama ( Quem sou eu)

O que sou, e como penso, Aqui vai com todo o senso, Posto que já veja irados Muitos lorpas enfurnados Vomitando maldições, Contra as minhas reflexões. Eu bem sei que sou qual Grilo, De maçante e mau estilo; E que os homens poderosos Desta arenga receosos Hão de chamar-me Tarelo Bode, negro, Mongibelo; Porém eu que não me abalo Vou tangendo o meu badalo Com repique impertinente, Pondo a trote muita gente. Se negro sou, ou sou bode Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda casta Pois que a espécie é muito vasta… Há cinzentos, há rajados, Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus e outros nobres. Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sábios importantes, E também alguns tratantes… Aqui, nesta boa terra, Marram todos, tudo berra; Nobres, Condes e Duquesas, Ricas Damas e Marquesas Deputados, senadores, Gentis-homens, vereadores; Belas damas emproadas De nobreza empantufadas; Repimpados principotes, Orgulhosos fidalgotes, Frades, Bispos, Cardeais, Fanfarrões imperiais, Gentes pobres, nobres gentes Em todos há meus parentes. Entre a brava militança Fulge e brilha alta bodança; Guardas, Cabos, Furriéis Brigadeiros, Coronéis Destemidos Marechais, Rutilantes Generais, Capitães de mar-e-guerra - Tudo marra, tudo berra – Na suprema eternidade, Onde habita a Divindade, Bodes há santificados, Que por nós são adorados. Entre o coro dos Anjinhos Também há muitos bodinhos. O amante de Syringa

Tinha pêlo e má catinga; O deus Mendes, pelas costas, Na cabeça tinha pontas; Jove, quando foi menino, Chupitou leite caprino; E segundo o antigo mito Também Fauno foi cabrito. Nos domínios de Plutão, Guarda um bode o Alcorão; Nos lundus e nas modinhas São cantadas as bodinhas: Pois se todos têm rabicho, Para que tanto capricho? Haja paz, haja alegria, Folgue e brinque a bodaria; Cesse pois a matinada, Porque tudo é bodarrada!

Lino Guedes

Negro preto cor da noite, nunca te esqueças do açoite que cruciou tua raça em nome dela somente faze com que a nossa gente um dia gente se faça!.

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Solano Trindade

Trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dizer tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome

Piiiiii Estação de Caxias de novo a dizer de novo a correr tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Vigário Geral Lucas Cordovil Brás de Pina Penha Circular Estação da Penha Olaria Ramos Bom Sucesso Carlos Chagas Triagem, Mauá trem sujo da Leopoldina correndo correndo parece dzier tem gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Tantas caras tristes querendo chegar em algum destino em algum lugar Trem sujo da Leopoldina correndo correndo

parece dizer

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em gente com fome tem gente com fome tem gente com fome Só nas estações quando vai parando lentamente começa a dizer se tem gente com fome dá de comer se tem gente com fome dá de comer se tem gente com fome dá de comer Mas o freio de ar todo autoritário manda o trem calar Psiuuuuuuuuuuu

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERND, Zilá. Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense,1988.

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Cadernos Negros

DAMASCENO,Benedita Gouveia.Características da poesia negra brasileira. In: Poesia negra no Modernismo brasileiro. Campinas: Pontes, 1988.

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HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações

Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003.

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PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. In: Negro brasileiro negro. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,25. Brasília: IPHAN, 1997.

SANTIAGO, Silviano. A cor da pele.In: Vale quanto pesa.: ensaios sobre questões político-sociais. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

SANSONE, Lívio. Negritude sem etnicidade: O local e o global nas relações raciais e na produção cultural negra do Brasil.Salvador: Edufba; Pallas,2003.

SANTILLI, Maria Aparecida. Africanidade. São Paulo: Ática, 1985.