LITERATURA E CIDADE: CONEXÕES DO TEMPO E DO … · 2017-08-21 · Com autor Antônio Cândido...

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LITERATURA E CIDADE: CONEXÕES DO TEMPO E DO ESPAÇO NA OBRA DE GUSTAVO BARROSO ZILSA MARIA PINTO SANTIAGO Introdução A partir dos vários estudos sobre literatura bem como dos seminários realizados na disciplina de Seminário III: Literatura, Memória e Educação, percebemos como cada grupo se apropria da obra literária apresentada buscando nestas obras pistas e subsídios pertinentes a uma abordagem específica para cada pesquisa em andamento. Na escolha do nosso grupo, por exemplo, ao debruçarmos na belíssima obra de Gustavo Barroso, o Mississipi, nos deparamos com um retrato da Fortaleza do começo do século XX e podemos encontrar os dramas sociais descritos de forma envolvente; as disputas políticas; além de podermos extrair uma paisagem do processo de urbanização da cidade, por meio de citações de diversos lugares que nos levam a uma viagem ao tempo da belle époque. Afinal o que é literatura? Compreender o que é literatura não é fácil, mas foram analisados nos seminários iniciais da disciplina vários textos de autores que trabalham com conceitos em torno da compreensão da literatura. Aqui uma breve reflexão sobre alguns conceitos enfocados por estes autores. Segundo Sevcenko (1983), a linguagem está no centro de toda atividade humana, neste sentido ela modela as relações sociais; é ambígua porque nos traz realidade e ficção; é um discurso, portanto, tem poder e ação. A linguagem, na Historiografia é repleta de realidade, procura o ser das estruturas sociais, enquanto que para a literatura, suscita possibilidade, fornece uma expectativa do que pode vir-a-ser. Universidade Federal do Ceará. Doutora em Educação.

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LITERATURA E CIDADE: CONEXÕES DO TEMPO E DO ESPAÇO NA OBRA DE

GUSTAVO BARROSO

ZILSA MARIA PINTO SANTIAGO

Introdução

A partir dos vários estudos sobre literatura bem como dos seminários realizados na

disciplina de Seminário III: Literatura, Memória e Educação, percebemos como cada grupo

se apropria da obra literária apresentada buscando nestas obras pistas e subsídios pertinentes a

uma abordagem específica para cada pesquisa em andamento.

Na escolha do nosso grupo, por exemplo, ao debruçarmos na belíssima obra de

Gustavo Barroso, o Mississipi, nos deparamos com um retrato da Fortaleza do começo do

século XX e podemos encontrar os dramas sociais descritos de forma envolvente; as disputas

políticas; além de podermos extrair uma paisagem do processo de urbanização da cidade, por

meio de citações de diversos lugares que nos levam a uma viagem ao tempo da belle époque.

Afinal o que é literatura?

Compreender o que é literatura não é fácil, mas foram analisados nos seminários

iniciais da disciplina vários textos de autores que trabalham com conceitos em torno da

compreensão da literatura. Aqui uma breve reflexão sobre alguns conceitos enfocados por

estes autores.

Segundo Sevcenko (1983), a linguagem está no centro de toda atividade humana, neste

sentido ela modela as relações sociais; é ambígua porque nos traz realidade e ficção; é um

discurso, portanto, tem poder e ação.

A linguagem, na Historiografia é repleta de realidade, procura o ser das estruturas

sociais, enquanto que para a literatura, suscita possibilidade, fornece uma expectativa do que

pode vir-a-ser.

Universidade Federal do Ceará. Doutora em Educação.

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Na visão de Eagleton (1994), a literatura é inicialmente considerada como escrita

“criativa”, ou “imaginativa” quando no sentido de ficção. Isto provocou controvérsias, visto

que assim a filosofia e a história não seriam criativas? Além disso, tomando os grandes nomes

consagrados da literatura, percebe-se que é muito mais ampla.

A literatura é criativa e imaginativa no sentido de que permite o emprego de uma

linguagem peculiar, transforma e intensifica a linguagem comum. A tessitura, o ritmo e a

ressonância das palavras superam o seu significado abstrato, existindo uma desconformidade

entre significantes e significados, ou seja, é uma organização particular da linguagem.

O formalismo, segundo o mesmo autor, não considera o “conteúdo” com uma simples

“motivação” da forma, um pretexto para um tipo específico de exercício formal. A linguagem

literária passa a ser então, um conjunto de desvios da norma, uma espécie de violência

lingüística: a literatura é uma forma “especial” de linguagem, em contrate com a linguagem

“comum”. Neste sentido, a literatura não tem uma finalidade prática imediata, é uma espécie

de linguagem auto-referencial, uma linguagem que fala por si mesma.

De todo modo, esta definição também é discutível, porque em grande parte do que é

classificado como literatura, tem em seu conteúdo valor verídico e relevância prática. A

definição da literatura fica dependendo da maneira pela qual o leitor resolve ler, e não

necessariamente pela natureza daquilo que é lido.

Um texto literário pode passar a ser valorizado por seus mais diversos significados,

por exemplo, como valor histórico, filosófico ou arqueológico, ou de outros. Assim, uma obra

pode ser considerada filosofia num século e literatura no século seguinte, o fato é que

literatura pode ser considerada como uma escrita altamente valorativa, mas que são variáveis

os juízos de valor. Lembrando que valor, segundo Eagleton (1994, p. 12), é um termo

transitivo: significa tudo aquilo que é considerado como valioso por certas pessoas em

situações específicas, de acordo com critérios específicos e à luz de determinados objetivos.

O autor comenta ainda que na leitura que se faz de um texto somos levados a fazer

interpretações conforme nossos próprios interesses e preocupações, ou por outro lado, de não

sermos capazes de interpretá-las de outra maneira, o que nos leva a crer que esta seria uma

das razões pelas quais certas obras literárias parecem conservar seu valor através dos séculos.

Mas afinal o que é literatura? Para Lajolo (1982) a obra literária é um objeto social. E

como tal, só existe a partir do momento de interação social. Qual seria este momento? Para

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haver uma interação social, é preciso que um ser social escreva a obra e outros a leiam. Esta

conexão no mundo capitalista não é tão simples, para que uma obra seja considerada parte

integrante do conjunto de obras literárias de uma dada tradição cultural é necessário que ela

tenha um endosso de setores especializados. A Academia Brasileira de Letras é uma delas,

outra é a escola, que ao passar do tempo vem mostrando o poder de censura em nome do bom

gosto sobre a produção literária.

Com autor Antônio Cândido (2004) vai além de conceituar literatura, aponta como um

direito humano, onde os principais conceitos construídos são: direitos humanos, literatura e

cultura popular. O autor faz uma reflexão sobre direitos humanos partindo do pressuposto de

que direitos humanos são aqueles indispensáveis para nós e para os outros, ou seja,

indispensável para todos. Neste sentido, os bens incompressíveis são aqueles que não podem

ser negados a ninguém. O entendimento deste direito deve-se dar do ponto de vista individual,

como do ponto de vista social, onde somente com políticas públicas e leis específicas se

garanta este modo de ver.

E nesta perspectiva social se encontra a luta pelos direitos humanos, e segundo o autor,

esses direitos, ou bens incompressíveis não são apenas os que asseguram a sobrevivência

física, mas que garantam também a integridade espiritual, ou seja, são incompressíveis a

alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da

justiça pública, mas também, o direito à crença, à opinião, ao lazer, e porque não, à arte e à

literatura. Esta questão sobre a literatura e a arte estarem classificadas como bens

compressíveis só será respondida na medida em que a organização da sociedade seja de forma

justa a atender as necessidades de todos enquanto ser humano em desenvolvimento de sua

cidadania plena.

Ainda referente à visão de Antônio Cândido, considerando a literatura de forma mais

ampla, incluindo todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático, todos os níveis de

cultura, desde o folclore às formas mais complexas de produção cultural da escrita, a literatura

se apresenta como manifestação universal, sendo, assim, indispensável a qualquer sociedade,

de qualquer cultura, passando a ser uma necessidade universal, cuja satisfação constitui um

direito. Onde o autor enfatiza, assim como não há equilíbrio psíquico sem o sonho durante o

sono, talvez não haja equilíbrio social sem literatura. Como prova disto, é que a literatura tem

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sido inserida nos currículos como poderoso instrumento de instrução e educação, como

equipamento intelectual e afetivo.

Daí vem o poder humanizador desta construção que é a obra literária, gerada pela

força da palavra organizada. Resumindo, o autor intensifica que a luta pelos direitos humanos

abrange a luta por um nivelamento que todos tenham acesso à cultura. Entendendo que a

diferença entre cultura popular e cultura erudita não justifique nem mantenha uma separação

alienante. Finaliza que uma sociedade que se propõe a ser justa pressupõe o respeito dos

direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todos os níveis é, portanto, um direito

inalienável.

Partindo desta discussão introdutória, acerca do que os autores aqui citados tomam

como referência para distinguir o papel da literatura num dado contexto social, será feita uma

análise da obra de Gustavo Barroso buscando resgatar alguns aspectos relativos à memória da

cidade de Fortaleza quanto aos costumes e comportamentos, por meio da leitura de seus

personagens, bem como aos lugares retratados pelo autor.

O diálogo entre literatura e memória na obra de Gustavo Barroso

Mississipi de Gustavo Barroso é uma ode de amor a Fortaleza e a sua gente. É seu

último livro, escrito numa linguagem envolvente, que prende a atenção do leitor do começo

ao fim. Ao ler este livro, editado em 1961, dois anos depois de sua morte, não ficou claro

porque apresentava uma imagem do povo e da cidade do início do século XX. Lendo sobre a

trajetória do autor em Campos (1988), observa-se que nas comemorações dos seus setenta

anos no Rio de Janeiro, Gustavo Barroso rememora com muita emoção sua cidade natal e

relata que os seus primeiros 21 anos de vida passados no Ceará valiam mais que os 49 anos

que se apagavam diante dos primeiros. Explica que os seus primeiros anos de vida

dominavam o amor da terra, das coisas, das cores, das luzes, de tudo que dizia de sua infância

e juventude. Já na sua fase chegando à velhice, no Rio de janeiro, as paisagens e as terras não

eram mais as mesmas, não possuíam aquele encanto do passado.

Eduardo Campos ressalta ainda que, Gustavo Barroso comentava da saudade ao

lembrar-se do Ceará, e do seu arrependimento de ter deixado a terra natal para uma aventura

em que o tempo estava agora coroando em seus setenta anos, mas que ele “trocaria, de bom

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grado, pela inocência feliz de outrora, na pequena e singela Fortaleza da sua meninice”. Esta

data coincide com a elaboração da obra do Mississipi, que ousamos dizer que as lembranças

de uma Fortaleza de sua juventude pode ter sido sua maior inspiração para esta obra.

Pelas páginas do livro desfilam personagens homens e mulheres, pobres e ricos,

nativos e estrangeiros, das mais variadas profissões, com seus valores, suas dores, seus

anseios, suas decepções, suas alegrias, tendo como pano de fundo a Fortaleza do início do

século XX, ainda bafejada pelos ecos da belle époque.

Fazendo um diálogo com o contexto urbano e a arquitetura dominante na cidade,

encontramos o triunfo do capitalismo emanado principalmente da França, espalhando-se pela

Europa e por todos os países envolvidos pelo processo de ocidentalização, atingindo inclusive

o Brasil, cuja belle époque duraria até a Revolução de 1930.

A adesão brasileira às novas propostas, todas procedentes de Paris, relativas à cidade e

à arquitetura se deram ao prestígio cultural francês da época. Segundo Castro (In: FABRIS,

1987),

A valorização da cidade como vitrine da civilização, exigindo a

modificação dos espaços urbanos, incentiva o surgimento de novas formas

que permitissem o conforto ou favorecessem a exibição de classes

dirigentes. Seriam, portanto, fatos conseqüentes tanto a transposição da vida

social de uma Europa belle époque como a importação, pelos trópicos, da

própria organização formal da arquitetura.

Na verdade, o marco inicial da modernização urbana em Fortaleza foi a elaboração da

Planta Topográfica da Cidade e Subúrbios, realizada pelo engenheiro Adolfo Herbster em

1875. Inspirado nas realizações de Paris, então gerida pelo Barão de Haussmann, Herbster

estabeleceu o alinhamento de ruas segundo um traçado em xadrez, de forma a disciplinar a

expansão da cidade. A partir de 1880, a cidade ganhou serviços e equipamentos urbanos,

como o transporte coletivo por meio de bondes com tração animal, serviço telefônico, caixas

postais, o cabo submarino para a Europa, a construção do primeiro pavimento do Passeio

Público.

Fazendo alusão aos lugares citados por Gustavo Barroso em Mississipi, serão

apresentados alguns pontos da Fortaleza1 do começo do século XX, além de alguns

1 Em Mississipi de Gustavo Barroso encontram-se 42 citações sobre lugares, logradouros e edifícios de Fortaleza

– as areias do Arpoador e da Barra do Ceará, o Passeio Público, a Santa Casa, a Praia do Peixe, o Meireles, a

Jurema, o Mucuripe, a rua da Harmonia, o Gasômetro, a Praça dos Voluntários, a rua do Arrecife, o beco do

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comentários. Na virada do século, Fortaleza, devido o crescimento da população urbana,

passa a tomar medidas de higienização social e de saneamento ambiental, além de executar

um plano de reformas com a implantação de jardins, cafés, coretos e monumentos, e a

construção de edifícios seguindo padrões estéticos europeus.

[...] quando desembocou na Praça da Ferreira, o relógio da Intendência

bateu oito horas e os bondes de burros de todas as linhas que ali faziam

ponto deram sinais de partida. [...] Os cafés em quiosques de madeira

estavam cheios de fregueses. (BARROSO, 1996, p. 75)

Foto 1: Praça do Ferreira (1923)

Fonte: Arquivo Nirez

Foto 2: Praça do Ferreira (1933)

Fonte: Arquivo Nirez

Foto 3: Café Java

Fonte: arquivo Nirez

No contexto da chamada belle époque fortalezense, a Praça Jose de Alencar, que à

época era Marquês de Herval, passou por uma profunda reforma ganhando elementos que lhe

imprimiam ares de urbanidade, modernidade e beleza, nos moldes da aspirada Paris de então.

O Theatro José de Alencar foi inaugurado em 1909 passando a ser o principal espaço cultural

da cidade.

Dessa forma consistia num espaço privilegiado de encontros da “fina flôr” da cidade

onde se praticava patinação, ginástica, ouvia-se a banda de música do Batalhão de Segurança

Pública que se apresentava no Coreto que enfeitava a praça, além da circulação das pessoas

que freqüentavam o Teatro, das senhoras e senhores que iam às missas da igreja de Nossa

Senhora do Patrocínio, dos freqüentadores da Fênix Caixeiral, da Escola Normal Pedro II,

dentre outros.

Sovaco, o Morro do Moinho, a Cadeia Pública, a rua Senador Pompeu, o Quartel, as grandes fachadas da Estrada

de Ferro, o Seminário, a rua da Misericórdia, o Palácio do Governo, a rua Sena Madureira, a rua da Assembléia,

a Faculdade de Direito, o Matadouro, a Igreja do Coração de Jesus, a Sé, a Escola Militar, o bairro do Outeiro, a

Praça do Ferreira, a Escola Normal, o Benfica...

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Na Praça Marques de Herval, ambiente no qual se davam tais práticas de lazer,

também servira como palco de conflitos de vários níveis, desde a segmentação da Praça entre

os mais ricos que se mantinham mais ao lado do Teatro, e dos menos abastados que

freqüentavam a Igreja e se mantinham mais nas suas proximidades, e que, muitas vezes

preferiam ficar no “sereno” a admirar o requinte da indumentária que a elite usava,

constituindo um tipo mais tênue de disputa.

Foto 4: Teatro José de Alencar

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fortaleza

Foto 5: Praça Marquês de Herval (José de Alencar)

Fonte: arquivo Nirez

Foto 6: Cartão postal impresso em Paris: Fênix

Caixeral, 1905. Fonte: Arquivo Nirez

Foto 7: Academia Cearense de Letras salão do Clube

Iracema (Palacete Ceará) Fonte: Arquivo Nirez, 1922.

O Clube Cearense ocupava grande sobrado à esquina da rua Major

Facundo, em frente do Passeio Público. [...] Já não era mais quem dantes

fora, como diz o povo, quando tinha luxuosa sede própria, depois sede do

Correio Geral; mais ainda agrupava a nata social da cidade. Com ele

rivalizava o Clube Iracema fundado pelos graúdos do comércio

(BARROSO, 1996, p. 175).

Voltando um pouco no tempo, encontramos a estação João Felipe, um dos marcos

arquitetônicos neoclássicos da Fortaleza inaugurado em 1880, projeto do Engenheiro

Henrique Foglare, no local do antigo cemitério de São Casemiro. A figura 8 mostra a praça, o

calçamento rústico com os trilhos dos bondes. Ponto de partida da Estrada de Ferro construída

na seca de 1877.

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Ao alto, bracejavam as casuarinas do antigo cemitério e se alinhavam na

crista dos outeiros, até além das torres azulejadas da Conceição da Prainha,

as grandes fachadas da Estrada de Ferro, da Cadeia, da Santa Casa, do

Quartel e do Seminário, entremeadas de torres, coqueiros e cataventos

(BARROSO, 1996, p. 111)

Foto 8: Estação João Felipe

Fonte: arquivo Nirez

Foto 9: Passeio Público em 1919

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Fortaleza

Na Praça do Passeio Público e a Santa Casa de Misericórdia “habitam” uma mesma

espacialidade, a história de ambos esteve por muito tempo integrada, já que um pouco após a

sua construção a Praça que hoje se chama Passeio Público fazia parte da Santa Casa.

A Praça do Passeio Público recebeu diversas denominações em sua história, história

esta marcada com sangue nas execuções dos mártires da confederação do Equador e dos

“pretos da Laura”, como também com elegância e segregação. Elegância por se transformar

no fim do século XIX e início do século XX num grande jardim onde as classes mais

abastadas poderiam realizar seus encontros e espaço de segregação e exclusão, onde este

mesmo jardim era composto por níveis (avenidas ou planos) em alusão a condição financeira,

material e mesmo intelectual.

Na primeira retreta dominical do Passeio Público, levou a mulher a passear

pelo seu braço na avenida Caio Prado, com o vestido de cetim azul do

casamento, chapéu e luvas. E, quando Graciano e Joaquim do Morro vieram

uma vez saber notícias de seu amigo Mississipi,tratou-os mal, com soberba,

quase enxotando como cães que buscassem um osso (BARROSO, 1996, p.

95)

Ao lado da praça está a Santa Casa de Misericórdia que se localiza entre a Praça do

Passeio Público e a antiga Cadeia Pública de Fortaleza, sua localização geográfica estava de

acordo com os preceitos da medicina moderna do século XIX, teve grande destaque nos

principais períodos de seca em que o Estado do Ceará atravessou no século XIX apresentando

papel importantíssimo nos períodos de eclosão das epidemias que assolavam, em maior

escala, a leva de retirantes que se aglomeravam na capital.

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A Igreja da Sé de Fortaleza é outro local citado no livro e que tem sua história muito

ligada à vida da cidade. A construção da primeira capela–mor da Matriz de Fortaleza foi

autorizada por Ordem Régia e sua construção em 1746. Vinte e cinco anos depois, em 1820,

foi realizada vistoria que condenava o prédio da matriz, sendo então demolida. Desta não nos

resta nenhuma imagem. Procedida a construção e uma nova matriz pelo engenheiro autríaco

José Antônio Seifert, terminada em 1854. Novamente, feita vistoria deste prédio em 1938, foi

condenada e demolida, sendo transferido para a igreja do Rosário todo material da matriz.

Mais acima, vindo ao contrário, o olhar parava nos oitões das oficinas da

Estrada de Ferro, na longa fachada azul da Santa Casa, nos arvoredos do

Passeio, na maciça geometria do quartel do Exército dominando os alvos

bastiões da fortaleza. Adiante, as torres da Sé, bojudas e fortes, as da

Conceição, pontudas e reluzentes de azulejos (BARROSO, 1996, p. 166).

Foto 10: Matriz de Fortaleza

Fonte: Arquivo Nirez

Foto 11: Praça Caio Prado (Pça da Sé)

Aba Film, 1938 Arquivo particular

Outra área da cidade muito citada no livro é o bairro da Prainha, descrito por Mozart

Soriano Aderaldo (1993), “compreendia não somente a parte que fica abaixo da colina onde

nossa cidade se assenta, mas se estendia à porção de cima, que dava frente para o areal hoje

correspondente à Praça Cristo Redentor e ao início da Rua Seminário, atualmente Avenida

Monsenhor Tabosa.”

No primeiro quarteirão, no encontro do antigo Boulevard da Conceição (atual av. D.

Manuel) com a antiga rua do Seminário (atual Avenida Monsenhor Tabosa), foi criado o

Seminário Diocesano de Fortaleza, sendo inaugurado em outubro de 1864. Nesta área, que

corresponde hoje à Praça do Cristo Redentor, antes de 1915 (ADERALDO, 1993), no lado

oeste, existiam apenas casebres, quando foi levantado o suntuoso prédio do Círculo Operário

São José (hoje teatro São José). Em 1922, no centro da praça, foi erguida uma coluna com a

imagem do Cristo Redentor, que era iluminada à noite até a época da 2ª guerra, quando foi

retirada a iluminação por questões de segurança. Segundo Aderaldo (Op. cit), teria sido

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construída em comemoração ao centenário da Independência do Brasil, por inspiração e

grande contribuição de Raimundo Frota.

Foto 12: Seminário da Prainha (1905)

Fonte: AZEVEDO, 2001.

Foto 13: Descida av. Jaceguai (1905)

Fonte: AZEVEDO, 2001.

Segundo o mesmo autor, era local tranquilo onde habitava “gente boa” da terra, muitas

figuras ilustres de Fortaleza, como Coronel Sólon da Costa e Silva, proprietário da empresa

Ferro-Carril (que explorava o serviço de bondes de tração elétrica), Gustavo Barroso,

Francis Hull, cônsul inglês e gerente da Ceará Light, dentre outros.

O comentário apresentado por Aderaldo reafirma a suposição inicial de que as

lembranças de Fortaleza na sua juventude teria sido este cenário, inclusive a paisagem do

próprio bairro onde residia o autor, a inspiração para seu livro, uma vez que estas lembranças

estão impregnadas na obra do Mississipi.

Com o aumento das navegações direto com a Europa em 1812 é criada a Alfândega de

Fortaleza. Em vários trechos da obra de Gustavo Barroso é citado o prédio da alfândega: “os

catraieiros comentavam nas suas rodas, à sombra do prédio da Alfândega” (p. 19); “os dois

cavaleiros meteram a galope pelas dunas, indo sair na praça da Alfândega Velha” (p. 150)

Em 1908, segundo “Álbuns de vistas do Ceará, 1908” a av. Pessoa Anta não tinha

pavimentação, tinha os trilhos dos bondes de tração animal e combustores de iluminação a

gás, o prédio da Alfândega. Nos anos 1930 (Fig. 14) já aparece, além do prédio da alfândega,

o bonde elétrico, com fiação e trilhos, e o gasômetro [tão citado no Mississipi] - depósito de

gás carbônico para iluminação da cidade.

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Foto 14: Alfândega

Fonte: Arquivo Nirez

Entre as décadas de 1920 e 1930 foram inaugurados diversos cinemas2, e os bairros

como Jacarecanga, Praia de Iracema, e Aldeota passam a ser habitados pelas elites que

começam a valorizar a proximidade com o mar.

Foto 15: Salão de Projeção do Cine Teatro

Majestic Palace. Fonte: Arquivo Nirez

Foto 16: Residências de Jacarecanga - Praça

Fernandes Vieira (do Liceu, hoje Gustavo Barroso),

1940. Fonte: Arquivo Nirez

Nas citações de Gustavo Barroso, sobre o bairro de Jacarecanga denota os problemas

políticos e de segurança vividos na queda da oligarquia: “A polícia tudo assistiu de braços

cruzados. Durante dois dias os palacetes do bairro Jacarecanga ficaram queimando como

enormes fogueiras” (p. 197).

Em relação ao bairro da aldeota

Falavam da valorização dos terrenos que começava a se processar na

cidade. Na Aldeota, o palmo da testada já subira cento por cento. A usina de

eletricidade instalada pela Câmara no promeiro plano do abandonado

passeio público precisava expandir-se (BARROSO, 1996, p. 89-90).

2 A elite de Fortaleza com seus intelectuais, doutores, e suas elegantes esposas e filhos educados, freqüentavam

clubes e festas, regados a bons quitutes e excelentes bebidas. Em seus trajes distintos e caros se divertiam e

comemoravam o acúmulo de bens e de prestígio.

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Como vimos, o cenário descrito em Mississipi, nos permite observar vários aspectos

da cidade de Fortaleza, principalmente os que se referem ao formoseamento da cidade no

início do século XX. Vistos estes aspectos passemos a analisar a obra por meio de seus

personagens e o que eles nos trazem como figuras humanas com seus dramas, características,

sentimentos e atitudes.

É através do personagem João Mississipi, que Gustavo Barroso constrói a sua trama

onde permeiam a modernização de Fortaleza, sob os auspícios da exportação do algodão, mas

mostrando que essa modernização não trouxe com ela a democratização da abundância para

toda a sua gente. Convivendo com essa modernização, que carreou a energia elétrica; a

importação de uma gama de produtos estrangeiros; a efervescência de navios no porto; a

permanência de estrangeiros no Ceará; o aparecimento do bonde elétrico; havia também a

pobreza de muitos e a permanência dos costumes cearenses moldados há séculos como as

rodas de calçadas, a culinária nativa, a hospitalidade, o jeito jocoso do cearense, de apelidar a

todos, abrasileirando os nomes dos estrangeiros3 que aqui se deixaram ficar, enamorados pelo

sol, pelas belas praias e pelas mulheres brejeiras de olhos faceiros e lânguidos.

Mississipi destaca o comportamento feminino com a representação de muitas

mulheres: mulheres de fibra como a Chica Donga, ex-escrava; D. Totônia que conheceu a

fartura e a precisão, mulher que encontrou forças para superar as dificuldades com fé para

amparar a quem necessitava; Margarida a modista que se auto – sustentava, e que abandonada

no estrangeiro pelo marido, o turco Abdula, conseguiu voltar e recomeçar nova vida ao lado

de Mister Heid, o inglês que ela surrou. O autor faz aí uma alusão ao cearense que resistiu ao

domínio inglês, em princípio, mas que acabou sucumbindo a ele; a Ana Maria, atriz de teatro,

amiga do ponto João Mississipi, que conseguiu destaque e fama, mesmo tendo sofrido

humilhações e falta de liberdade na infância e na adolescência por ser filha de mãe solteira.

Outras mulheres também são apresentadas pelo autor: a solteira, no personagem de

Salvina, que ao ter homem em casa, se entrega totalmente; e a casada, dona Delmira, que

todos os dias ia “correr o comércio”, inconformada com a pobreza; D. Almerinda, mulher

dominadora, egoísta e orgulhosa pronta a azucrinar a vida do marido sempre que se abre uma

3 “Um velho escocês, de longa barba dourada, construtor de pequenas embarcações à rua do Arrecife, que se

dava com toda a gente e a quem toda a gente queria bem, tão popular que o transformaram de Mister Myles em

Mestre Maia. E dois irlandeses: Patrício e André, que, ao chegarem ao Ceará se chamavam respectivamente

Andrew e Patrick O’Donoghan.” (BARROSO, 1996, p. 34)

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oportunidade. Devido ao escarcéu que aprontava, o Dr. Aprígio, seu marido, levava a fama de

surrá-la constantemente. É uma alusão do autor aos mexericos dos vizinhos e a força do

boato. Ou seja, apesar dos ares de modernidade da cidade, ainda prevalecia o provincianismo

nos costumes.

As desigualdades sociais também estão presentes na obra. A abundância que levava

ao desperdício se refletia na Rampa. Lugar afastado da cidade, devido principalmente a fortes

odores, era o depósito daquilo que não mais servia, ou seja, o lixo, mas que proporcionava o

meio de vida para muitas pessoas extremamente pobres como o Graciano e o Joaquim do

Morro. Nele eram encontrados e retirados objetos caros como bebidas e cigarros importados,

talheres de prata, madeiras caras, enlatados, muitos intactos. Até mesmo dinheiro era retirado

da Rampa. Os atravessadores eram os que mais ganhavam com a exploração dos catadores da

Rampa.

As tradições da Fortaleza dessa época se fazem presentes na narrativa. As festas

juninas; o respeito para com a religião e para com o vigário; a maneira peculiar do cearense se

expressar, quase sempre se servindo da pilhéria e do riso; da bisbilhotice da vida alheia pelas

frestas das janelas; das festas de casamento transbordantes de fartura e de zelos. Mas ele trata

também da mudança nas tradições como o não-uso do vestido de noiva pelas personagens

Margarida e Salvina, e da resistência em não aceitar a perda das raízes como mostra o autor

no comportamento da Chica Donga. Alude, também, à moral que havia na sociedade

preservando as mulheres, conservando-as “distantes dos tumultos e das inovações”. As

lapinhas de Natal, famosas no Ceará inteiro, e que eram armadas em inúmeras casas, e tendo

nos seus responsáveis, pessoas devotadas no cumprimento de tão arraigada e sublime

tradição.

Gustavo Barroso homenageia cearenses ilustres no decorrer da narrativa: José de

Alencar, o Dr. Moura Brasil, o farmacêutico Rodolfo Teófilo tão cearense quanto os outros,

apesar de ter nascido em Salvador, são os destaques. Rodolfo Teófilo fabricante de uma

cachaça da Pajuçara, “é cachaça literária feita por um romancista”, é um modo de louvar e

lembrar que Teófilo fez parte do movimento literário Padaria Espiritual. E o louva também

pelos serviços de farmacêutico, vacinando a pobreza gratuitamente contra a varíola que

assolava o Ceará trazida à reboque pela estiagem.

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Gustavo Barroso, contudo, apesar de toda a louvação, tece algumas críticas ao longo

do texto. A infância sem cuidados que impede a Crisálida de se transformar em borboleta para

correr o mundo e cobrir novas paragens porque a morte precoce a arrebatou. A morte, pós-

parto da Salvina, pela falta de higiene e pelo desconhecimento da sua importância por alguns

médicos. A atitude do Dr. Rufino que “não acreditava em micróbios”, ilustra muito bem isso.

O velho oligarca Nogueira Acióly é lembrado pelo descaso em relação às

conseqüências desastrosas das secas como a varíola “que permanecia endêmica desde a sêca

de 1888”, e que matou a Joana Jurema, amante do Dr. Aprígio. Esse mesmo oligarca

difamava através dos jornais, o farmacêutico Rodolfo Teófilo que gratuitamente vacinava os

pobres contra a terrível doença, isso porque eram adversários políticos

A marginalização do povo é lembrada nos personagens Chica Donga, Estevão,

Graciano, Joaquim da Rampa e Tereza. Chica Donga, ex-escrava, se deixou ficar na casa de

Mississipi como doméstica e ama, porque o fim da escravidão não foi acompanhado pela ação

governamental de possibilitar perspectivas para os libertos. Estevão, dono de uma pequena

tipografia, pobre, sem outras possibilidades era traído diariamente pela esposa, D. Delmira. O

Graciano, o Joaquim da Rampa e a Tereza em condições subhumanas viviam de biscates aqui

e ali, sendo que a Rampa era o socorro que os acudia quando faltavam os pequenos serviços.

A crítica à malandragem na Fortaleza que crescia desordenadamente se faz presente

em Mississipi. É o caso do Joaquim Macaco que usava a própria mulher para armar um

flagrante de adultério e para não fazer escândalo exigia uma boa quantia! A malandragem do

Teúnas, pai da Crisália e marido da Salvina, que casou-se apenas para se fazer dono do sítio

Mississipi é contada com todas as letras.

Gustavo Barroso critica a falta de saneamento básico mais amplo para Fortaleza

fazendo menção aos “infelizes carregadores dos fétidos camburões, que iam despejar e lavar

no mar”. (p.113). E segundo o personagem João Mississipi, “já não se via mais êsse

espetáculo deprimente duma cidade sem esgotos em Belém e no Recife”. (p.113).

Mas é em relação à politicagem que Gustavo Barroso profere críticas contundentes.

Como o episódio do deputado João Paulino que apresentou um projeto “mudando a capital de

Fortaleza para Quixeramobim” e que o mulato Lammenais, autor de “O Figurinha”,

transformou em pilhéria. Barroso critica a “política dos governadores”, implementada no

governo de Campos Sales, que possibilitou a formação de oligarquias. Menciona a disputa

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pelo poder, no Ceará, durante a “política das salvações”, desenvolvida no governo Hermes da

Fonseca, entre Acciólly e o Coronel Marcos Franco Rabelo, que envolveu o Pe. Cícero, o Dr.

Floro Bartolomeu e seus inúmeros jagunços que cometeram incontáveis estripulias pelas ruas

da cidade após a derrubada de Franco Rabêlo. Com isso se pensava que o velho Ceará havia

morrido.

Aliás, Gustavo Barroso cultua como que uma relação amigável com a morte. A morte

é uma libertação, como no caso do Dr. Aprígio que se livrou da esposa dominadora; ou como

uma prestação de contas como no caso do Teúnas que foi assassinado pelo Joaquim da

Rampa; ou ainda como um alento para o sofrimento como no caso da Salvina, da D. Totônia e

da Crisálida.

Gustavo Barroso em sua bela obra Mississipi celebra a vida com as suas cores e suas

nebulosidades e celebra também a morte como redentora de todas as dores do corpo e da

alma.

Considerações finais

Vimos assim que, a partir da literatura, na obra de Gustavo Barroso – Mississipi,

podemos ter uma percepção dos costumes, dos dramas sociais, das disputas políticas e do

processo de urbanização que passou Fortaleza nas primeiras décadas do século XX, quando

do seu aformoseamento a partir de idéias e concepções importadas da acalentada belle époque

parisiense.

É neste contexto que o memorialista e romancista Gustavo Barroso desenvolve seu

romance, levando o leitor a uma viagem glamorosa, onde ressalta sentimentos, ideologias e a

lembrança saudosista de sua cidade e de sua gente.

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