LITERATURA E CINEMA: UMA PERSPECTIVA SOBRE A … · Para que os objetivos deste trabalho fossem...
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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO
ENGENHEIRO COELHO
LETRAS
ELAINE CRISTINA LUIS MORAES JUSTINO
PATRICIA FERNANDES NARCISO
LITERATURA E CINEMA: UMA PERSPECTIVA SOBRE A
ADAPTAÇÃO LITERÁRIA
ENGENHEIRO COELHO
2013
ELAINE CRISTINA LUIS MORAES JUSTINO
PATRICIA FERNANDES NARCISO
LITERARURA E CINEMA: UMA PERSPECTIVA SOBRE A
ADAPTAÇÃO LITERÁRIA
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo do curso de Letras, sob orientação do prof. Ms. Davi da Silva Oliveira.
ENGENHEIRO COELHO
2013
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,
do Curso de Letras apresentado e aprovado em 24 de Novembro de 2013.
___________________________________________________
Orientador: Prof. Ms. Davi da Silva Oliveira
____________________________________________________
Segunda Leitora: Prof.ª Ms. Sônia Maria Mastrocola Gazeta
Às nossas famílias e ao nosso
mestre e orientador Davi da Silva Oliveira,
pela inspiração e motivação ao nosso
trabalho.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente a Deus pelas bênçãos recebidas.
A UNASP e corpo docente pelo incentivo recebido.
Ao nosso orientador uma das fontes de nossa inspiração.
Aos nossos amigos que acreditaram, incentivaram e valorizaram nossos
esforços.
À nossa família pela paciência, apoio e compreensão.
A todos que contribuíram para que esse trabalho fosse possível.
RESUMO
Atualmente, o cinema configura-se como arte em evidência. Em contrapartida,
a literatura precede em muito o cinema, e está legitimada e consolidada enquanto
arte. Como base secular da cultura universal, compõe-se esteticamente de forma
distinta. A partir das diferenças entre essas duas artes, este trabalho teve por
objetivo compreender como se dá a relação entre literatura e cinema, e por meio da
análise comparativa, entre o texto escrito e o texto fílmico. Desse modo, investigou-
se o processo de adaptação do texto literário para o cinematográfico, com o intuito
de observar os elementos que se aproximam e se distanciam da obra original, na
qual o filme se baseou, mostrando assim, a importância da adaptação. Embora
essas diferenças estivessem relacionadas aos principais aspectos de ambas as
obras, a adaptação sugere ser livre e independente do texto que a motivou, pois,
mesmo quando parte de um texto literário, o cinema diverge, ultrapassa e atravessa
a linha de partida, apresentando diferentes dimensões e processos. Para tanto, a
metodologia utilizada foi a análise comparativa entre “Dom” adaptação
cinematográfica de Moacyr Góes e a obra literária “Dom Casmurro” de Machado de
Assis, recorrendo a contribuições teóricas de autores como Corseuil (2009), Ikeda
(2012), Wolf (2004), além de outros. E, a partir do diálogo entre essas duas
linguagens sugere-se que esta análise seja utilizada para demonstrar a importância
da adaptação, com o propósito de instigar os expectadores do filme, a se
interessarem pela literatura, além de incentivar o hábito pela leitura e sua apreciação,
facilitando dessa forma a compreensão do texto literário.
Palavras-Chave: Literatura; Cinema; Adaptação; (In) Fidelidade.
ABSTRACT
Currently, the cinema configures itself as art in evidence. In contrast, the
literature precedes in much the cinema, and is legitimized and consolidated, while art.
As secular basis of universal culture, composes if aesthetically differently. From the
differences between these two arts, this work aimed to understand how the
relationship between literature and cinema, and by means of comparative analysis,
between a written text and the filmic text. Therefore, we investigated if the process of
adaptation of the literary text world for the film, with the aim of observing the elements
that lie ahead and distanced from the original work, in which the film was based, thus
showing, the importance of adaptation. Although these differences were related to the
main aspects of both works, the adaptation suggests be free and independent of the
text that the motivated, because, even when part of a literary text, the cinema differs,
exceeds and crosses the line of departure, presenting different dimensions and
processes. For both, the methodology used was the comparative analysis between
“Dom Casmurro” of Machado de Assis, using the theoretical contributions of authors
such as Corseuil (2009), Ikeda (2012), Wolf (2004), in addition to others. And, from
the dialog between these two languages suggests that this analysis be used to
demonstrate the importance of adaptation, such as the purpose of instigating the
pawns of the film, to become interested in the literature, in addition to encouraging the
habit of reading and its assessment, thereby facilitating the understanding of the
literary text.
Key Words: Literature; Cinema; Adaptation; (In) Fidelity.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................10
2 A RELAÇÃO DA LITERATURA E CINEMA.......................................................................13
2.1 Literatura e Cinema........................................................................................................13
2.2 Adaptação ou transposição? .......................................................................................16
2.3 Semiótica e Intersemiótica na relação literatura/cinema............................................17
2.4 Adaptação na relação literatura/cinema.......................................................................20
2.5 Processo de adaptação cinematográfica.....................................................................22
2.6 Adaptação – abordagens e categorias.........................................................................26
2.7 Fidelidade ao texto no processo adaptativo................................................................27
3 APROXIMAÇÕES ENTRE “DOM CASMURRO” E ‘DOM” ..............................................30
3.1 Dom Casmurro, a obra...................................................................................................30
3.2 Dom, o filme....................................................................................................................31
3.3 Aproximações.................................................................................................................33
4 A PROVA DOS NOVE........................................................................................................48
4.1 A teoria aplicada.............................................................................................................48
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................54
6 REFERÊNCIAS...................................................................................................................58
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1 INTRODUÇÃO
Com o incentivo da Lei do Audiovisual, o cinema nacional, vem ganhando
gradativamente seu lugar de destaque entre as grandes produções cinematográficas,
com cerca de oitenta produções por ano, que muito das quais são adaptações
literárias. Lugar esse já alcançado por muitos países, que chegam a produzir até três
vezes mais que o Brasil, e grande porcentagem dessas produções, também são
adaptações literárias. Esse sucesso configura o cinema como arte em evidencia. A
literatura por sua vez, precede em muito o cinema, e está legitimada e consolidada,
enquanto arte, como base secular da cultura universal, compõe-se esteticamente de
forma distinta.
Tanto a literatura quanto o cinema são independentes e autônomos em sua
natureza e história, com reconhecimento e trajetórias específicos incorporam
influências que recebem de outras manifestações artísticas. Consequentemente
literatura e cinema se encontraram e de alguma forma se modificaram mutuamente.
O romance literário sempre foi uma forma artística predisposta ao diálogo com outras
linguagens, principalmente com o cinema, sendo assim, há entre ambas uma
afinidade formada, sobretudo entre as palavras e as imagens. No texto as palavras
acionam os sentidos e se transformam na mente do leitor, em imagens; no filme as
imagens em movimento diante do espectador, é que serão decodificadas por meio
de palavras. Ambas propiciam indagações e reflexões sobre esses diálogos nos mais
diversos âmbitos.
De acordo com Domingos (2007, p. 51) estudos comparativos (entre cinema e
literatura) podem constituir uma forma de apresentar e instigar o interesse literário
dos indivíduos, como também faz com que as pessoas fiquem curiosas por mais
informações sobre as obras literárias. Dentro desta perspectiva, o presente estudo
tem por objetivo realizar a análise comparativa entre a obra de Machado de Assis
“Dom Casmurro” com o filme do cineasta Moacyr Góes “Dom”, verificando em quais
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pontos o livro e o filme se tocam e se afastam, em suas diferentes linguagens;
quanto aos objetivos específicos pretende-se compreender como se dá a relação
literatura/cinema investigando o processo de adaptação do texto literário para o
cinematográfico, evidenciando assim, a importância da adaptação.
O intuito, ao trabalhar com estas obras, foi o de tentar demonstrar que a
adaptação cinematográfica não diminui em nada a obra literária, e sim, ao contrário
do que muitos pensam, pode levar o espectador a se interessar pela obra que lhe
serviu de fonte. A necessidade e importância deste trabalho se dão ao fato de que os
discentes do Curso de Letras têm que conhecer a Arte em seus diversos gêneros, e
dominar o conhecimento da Literatura que está exposta à sociedade através de
visões às vezes distorcidas, e suas relações com outras formas de arte, para que
deste modo, possam auxiliar as pessoas, mostrando que uma arte não diminui a
outra, ajudando-as assim a ter mais conhecimento e a ampliar sua cultura.
Para que os objetivos deste trabalho fossem alcançados, além de ler o livro e
assistir ao filme, fez-se um estudo a respeito do processo adaptativo, apresentando a
relação existente entre literatura e cinema. Tentando assim, responder às seguintes
questões: De que forma a adaptação literária pode influenciar a leitura do texto
original? Qual o fator positivo dessa influência? Existe fator negativo? Para isso,
utilizamos alguns autores, como: Corseuil (2009), Ikeda (2012), Wolf (2004), além de
outros.
O cinema dominou e potencializou os efeitos da literatura na construção do
imaginário, com recursos tecnológicos que cativaram espectadores transpondo
tempos e espaços, alcançando uma dimensão além do até então possível pela
literatura. E é devido a essa magia do cinema de transformar as palavras do livro em
ricas imagens que muitas vezes levam o espectador a sonhar e até perder o fôlego,
que surge a hipótese dessa relação literatura/cinema, tentando justificar o interesse
que um desperta sobre o outro no espectador/leitor. Se antes, ao falar de literatura e
cinema, a recomendação era “Leia o livro, veja o filme”, essa ordem hoje se fez
inversa. Num país como o Brasil, onde a maioria da população não lê, é notável o
fenômeno de vendagem que ocorre com alguns livros que ganham adaptações
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cinematográficas. Exemplos disso são os “fenômenos literários” ocorridos com obras
como “Guerra dos Tronos”, “Crepúsculo”, “Harry Potter”, “O Caçador de Pipas”, “O
Menino de Pijama Listrado”, “Meu Querido John”, “Diário de uma paixão”, entre
outros. Eventos desta natureza mostram que, em maior ou menor grau, a produção
cinematográfica pode levar o espectador à condição de leitor interessado. Ao
contrário do que geralmente se pensa o filme não matou a literatura, e sim, tornou-a
aliada fazendo-a principal fonte de inspiração.
A ligação entre o literário e o cinematográfico no Brasil é bem nítida ao
observar a quantidade de filmes que tiveram como roteiros obras literárias, entre os
diversos já produzidos, “Dom Casmurro” de Machado de Assis é uma das obras que
mais teve adaptações, não somente para o cinema, mas, também, para os mais
diversos meios artísticos. “Dom”, filme do diretor Moacyr Góes, é uma dessas
adaptações mais contextualizadas com a modernidade, e foi esse o motivo
predominante na escolha dessas obras.
Além deste capítulo introdutório, o presente trabalho compõe-se de mais três
capítulos. O segundo trata da relação entre a literatura e o cinema, assim como
alguns aspectos pertinentes ao processo de adaptação, interligados a visão de
teóricos acerca desse processo adaptativo, dentro de uma relação que vai além do
processo de comparação.
No terceiro capítulo pretende-se mostrar as possíveis aproximações, entre a
obra literária “Dom Casmurro” de Machado de Assis, e a obra fílmica “Dom” do
diretor cineasta Moacyr Góes. Aborda-se somente os pontos que mais aproximam o
filme da obra, já que, se trata de uma adaptação mais contextualizada com a
modernidade, e a obra literária está contextualizada com o segundo reinado entre
1840 e 1889.
O quarto capítulo tem por objetivo mostrar como foi utilizada no filme algumas
das operações que fazem parte do processo de adaptação, que foram citadas no
segundo capitulo deste trabalho.
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E através destas análises, tentaremos mostrar a importância da adaptação e
como ela pode inspirar o leitor a conhecer o texto fonte que originou o filme,
incentivando assim a leitura.
2 A RELAÇÃO DA LITERATURA E CINEMA
Neste capítulo, aborda-se a relação entre a literatura e o cinema, assim como
alguns aspectos pertinentes ao processo de adaptação, interligados a visão de
teóricos acerca desse processo adaptativo, dentro de uma relação que vai além do
processo de comparação. Nesse contexto, faz-se a distinção entre adaptação e
transposição, além da definição de semiótica e intersemiótica, a fim de que se possa
compreender este referido trabalho.
2.1 Literatura e Cinema
Ikeda (2012) num primeiro momento defende que os estudos no ramo da
adaptação exploram suas inúmeras formas de representação, para além da simples
demonstração de comparação, entre o livro e o filme, sem que essa derivação seja
minimizada, tendo como resultado perda de significado, como se esta representação
fosse obrigada a preservar a sua forma original, sem sofrer modificações na sua
composição. De acordo com o autor, os estudos tendem a valorizar a comparação
entre os capítulos do livro e as sequências do filme, abordando apenas as
dificuldades enfrentadas pela adaptação fílmica, sendo que esta sempre se
caracteriza como uma prática inferior, por eliminar personagens, transformar os
diálogos para uma linguagem mais comum, ou seja, partindo do pressuposto de que
o filme simplifica a extensão das questões apontadas pelo livro. Para ele, no entanto,
esta definição à primeira vista parece de certo modo ríspida, mas o que se observa é
a real intenção de tentar estabelecer uma relação de correspondência entre as
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partes: livro e filme, onde os elementos de um são associados a um único elemento
do outro conjunto, e vice-versa. Sendo assim, imagina-se que entre o livro e o filme
não existe uma função, mas, sim uma relação.
Para Ikeda (2012), ainda nesta relação, podem-se apontar inúmeras variáveis
que influenciam na formação do produto final. Por exemplo, os filmes de sucesso
como fonte original podem tornar-se livros, ou até mesmo jogos, quadrinhos e
brinquedos. Tanto as palavras, quanto as imagens/sons trazem diferentes elementos
de linguagem que não são usadas de forma intercambiável.
Segundo Ikeda (2012) são percebíveis, na dissociação entre o livro e o filme,
as especificidades de cada meio de comunicação, ou seja, a literatura enquanto
linguagem possui signos diferenciados em relação ao meio cinematográfico.
Conforme percebe-se, a comunicação autêntica do texto literário somente acontece
no processo de leitura, através do sujeito que lê e imagina de forma independente, a
qual o texto possibilita. Neste contexto, Gottardi (2008) acredita que a comunicação
fílmica ocorre ao nível da imagem em movimento, na qual os elementos
fundamentais como a deslocação da câmera, luz e som se interagem. Na adaptação
do texto literário, para o texto fílmico, o espectador vê imagens que foram eleitas, ao
invés de outras que poderiam ter sido filmadas, seguindo uma ordem que também
poderiam ser outra. Entretanto, conforme diz Ikeda (2012) é necessário enxergar
outras possibilidades dessa dissociação, que vão além das transferências estéticas
entre estes dois domínios. Neste sentido, o autor explica:
[...] quando se transpõe um livro para o cinema, as questões da adaptação não se resumem somente às questões estéticas, ou próprias da transposição da linguagem literária para a cinematográfica, mas podem sofrer influência do circuito mercadológico em que essa obra cinematográfica circula, e para qual ela foi dirigida. [...] Dessa forma, a adaptação de uma obra literária para o cinema sofre mudanças provocadas não apenas por questões estéticas, mas também por questões econômicas, que influenciam, direta ou indiretamente, o teor do filme (IKEDA, 2012, p. 5).
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Considerando os aspectos abordados, Ikeda (2012) enfatiza que desse modo,
a adaptação de uma obra literária sofre modificações não apenas por fatores
estéticos, mas também por fatores financeiros, que de uma maneira ou de outra
exercem poder significativo, na realização do produto final - o filme. Em relação ao
público, pode-se dizer que assume uma posição determinante, pois as adaptações
podem ser destinadas para o consumo de um público de massa ou específico.
Na concepção desse autor, a influência econômica é mais crucial quando se
trata de adaptação do que na indústria de livro, porque os valores movimentados são
extremamente maiores, pois o filme necessita de um financiamento mais elevado.
Perante essa relação literatura/cinema, ainda por questões econômicas, o
autor expõe o fato que os estúdios cinematográficos veem a adaptação como uma
forma de diminuir os riscos. Para tanto, ele expõe a problemática sofrida pelos
consumidores, considerando que existem indeterminações na demanda por um filme,
já que eles não podem ter acesso a uma reprodução prévia e verificar se vale a pena
consumi-lo ou não. Mas, o que normalmente acontece, é que a certeza de que o
dinheiro e o tempo gasto em assisti-lo, foi um bom ou mau investimento, aparece
apenas após o seu final. Segundo o autor, as adaptações seriam fontes mais
confiáveis se o consumidor tivesse referência prévia em relação à qualidade do
produto final. Sendo assim, as adaptações tendem a atrair o interesse do
consumidor, devido potencial criativo do material de partida, de sucesso, mesmo
apresentada em outra forma de comunicação. Assim, Ikeda (2012, p. 5) reforça
dizendo:
No entanto, este tipo de análise dos aspectos econômicos da adaptação tende a olhar para as adaptações como um processo razoavelmente homogêneo, que busca o maior número possível de espectadores, num processo típico da indústria cultural em seu fenômeno de produção para um consumo de massa. Ou ainda, tende a ver que o processo da adaptação é mediado pelos orçamentos dos filmes, enquanto o processo da elaboração de uma obra literária não sofre tais tipos de restrições.
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Além da questão econômica que gira em torno das adaptações
cinematográficas, o que se observa é que desde sua origem, o cinema brasileiro,
vem se apoiando na literatura e assim um completa o outro. De fato, o que realmente
sucede é que nessa relação literatura/cinema as obras adaptadas tendem a se
aproximar ou se distanciar em detalhes da obra de partida.
2.2 Adaptação ou transposição?
Conforme expõe Wolf (2004), o conceito de “adaptação”, trata-se da
subordinação da forma literária tendo como resultado perdas à forma fílmica. Sendo
assim, a adaptação abandona preocupações como reconstrução fiel da obra literária
e vê nela a possibilidade de reinventar, reconfigurar ou modificar o que lê,
reproduzindo criticamente o texto a partir de elementos interpretativos internamente
ligados a ele, (que sobre ele estão ligados ou dirigidos ou acionados.) Adaptar para o
cinema não é apenas reproduzir em imagens uma ação antes descrita em palavras.
É restritamente preciso atrair o verdadeiro espírito do romance, ou seja, o que está
oculto por trás das palavras, a alma daquela obra. Na concepção de Stam (2000), a
adaptação funciona como um sistema de referências intertextuais e transformações,
onde os textos originais sofreriam mudanças se transformando em outros textos por
meio de um processo renovador. Assim, para ele, o texto fonte na adaptação poderia
sofrer uma série de operações que destacaria certas características da narrativa ao
invés de outras como: mudança de cultura; popularização; atualização para outra
época; subversão e crítica.
Ainda de acordo com Wolf (2004), o termo transposição é utilizado quando se
refere a uma obra cinematográfica que narra a história já narrada em obra literária
anterior a ela. Desta forma, o termo “transposição” possivelmente seja o menos
confuso ao se descrever a relação entre obra literária e obra cinematográfica que
transmitem a mesma história, porém é necessário entender que houve a
transposição de uma história narrada em um sistema de signos para outro sistema
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de signos. Contudo, este conceito consiste na tradução literal de uma intenção
textual, na qual o cineasta procura equivalências em termos de reprodução
significante entre os objetos literário e cinematográfico. Esta definição parece de
certa forma um tanto, quanto vaga, portanto, o parecer diante do exposto, é de que
ao contrário da adaptação a transposição é o deslocamento do livro para o filme sem
a preocupação de atualizar, ou seja, essa abordagem tende a valorizar o texto
original. Nessa ordem de ideias, pode-se dizer, que a transposição conservaria as
características da narrativa, quanto a cultura, época, popularização, entre outros.
Supõem-se que, se a história do livro ocorre na década de 1960, todos os costumes
da época, quanto ao vestuário, automóveis, são respeitados e transpostos para o
filme, sem sofrer quaisquer modificações. Já a adaptação atualiza fazendo o uso dos
costumes da época, dos vestuários, dos automóveis em que o filme se baseia.
Por fim, percebe-se que esses dois sistemas possuem um ponto de partida
em comum, isto é, a capacidade de contar histórias, cada qual a sua maneira
respeitando as suas características. Considerando os conceitos aqui definidos, para
este estudo adota-se o conceito de adaptação.
2.3 Semiótica e Intersemiótica na relação literatura/cinema
Afinal, à primeira vista se pergunta para que serve a Semiótica? Em seguida,
pergunta-se que tipo de ligação tem a Semiótica na relação literatura/cinema? A fim
de que se possam esclarecer estas indagações, Peirce (apud, MORAES E ALVES,
2012, p. 2), diz “esta ciência tem como objetivo, a partir de seus métodos de análise
e objeto de estudo, demonstrar a relação lógica existente na linguagem entre objeto,
signo e interpretante”. “Um signo” para Peirce (apud, JEHA, 2004, p. 124) “está por
alguma coisa para a ideia que ele produz ou modifica... Aquilo pelo qual ele está é o
seu objeto; aquilo que ele transmite, seu significado, e a ideia que faz surgir, seu
interpretante”. Ao se tratar de signo, Jeha (2004, p.124), continua dizendo:
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O signo significa de três maneiras: ele é um signo para a mente que o experimenta e o interpreta; ele é um signo para um objeto que ele substitui naquela mente; ele é um signo de acordo com um ponto de vista ou qualidade que o relaciona àquele objeto.
Sob esse enfoque verifica-se que estas relações estabelecidas pela linguagem
permitem ler o mundo não verbal, ou seja, ler uma dança, ler um quadro, ou até
mesmo ler um filme. Assim, torna-se possível compreender a interação do livro e o
filme no processo adaptativo.
Sobre a Semiótica, Santaella (apud, MORAES e ALVES, 2012, p. 3) expressa:
As linguagens estão no mundo e nós estamos na linguagem. A Semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido.
Carmo (2003, p. 72) reafirma dizendo:
A análise semiótica ajuda a compreender mais claramente por que a arte pode, eventualmente, ser um discurso do poder, mas nunca um discurso para o poder. O ícone é um signo de alguma coisa; o símbolo é um signo para alguma coisa. Mas o ícone, como diz Peirce, é um signo aberto: é o signo da criação, da espontaneidade, da liberdade. A semiótica acaba de uma vez por todas com a ideia de que as coisas só adquirem significado quando trazidas sob a forma de palavras.
Contudo, define-se signo como sua tradução para outro signo que possa
ocupar sua posição, preferencialmente um signo no qual este significado possa se
desenvolver de um modo mais significativo. Em outras palavras, pode-se dizer que o
signo é a representação de algo, um recurso que transmite algo do exterior, neste
caso, extremamente indispensável do processo comunicativo. Santaella (1985, p.78),
ao complementar as ideias expostas por Pierce, mostra que “o signo é uma coisa
que representa uma outra coisa”, diferente dele, que é o seu objeto. Na realidade, o
que se percebe é que o signo não se constitui como um objeto, apenas o substitui.
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Em relação ao objeto ao qual se refere o signo pode ser classificado como ícone,
índice ou símbolo.
A intersemiótica na adaptação de obras literárias tem demonstrado o
verdadeiro significado e valor do cinema para o texto literário. Para fins didáticos, no
processo adaptativo entende-se por intersemiótica, o modo como a interpretação dos
signos se dá através de relações entre as informações que estes nos proporcionam.
Desse modo, a análise de uma adaptação sob o olhar da intersemiótica deve
considerar os signos literários utilizados na realização do texto, e sua relação com o
outro signo, produto da operação desempenhada. Na prática da adaptação, os
mecanismos visuais, sonoros e verbais referem-se ao verbal da obra literária. Nesse
processo de tradução de um signo para outro sistema de signos, a obra literária
apresenta caracteres icônicos e simbólicos. Na adaptação cinematográfica de uma
obra literária os signos podem sofrer modificações, onde são acrescentadas, marcas
que não estavam presentes no livro aos novos signos criados.
A adaptação da literatura para o cinema, segundo o conceito intersemiótico,
ressalta as diferenças por propor estratégias de representação que são traçadas
através dos meios semióticos diversos e que, portanto, produz diferentes
interpretações. Como explica Xavier (2003, p.62), com relação à adaptação da
literatura para o cinema, “[...] livro e filme estão distanciados no tempo; escritor e
cineasta não têm exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, sendo, portanto,
de esperar, que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com seu
próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro”.
Diante do exposto constata-se que a intersemiótica proporciona diferentes
escolhas. Em outras palavras, pode-se dizer que em determinados momentos, o
cineasta pode optar por se aproximar mais do texto de partida, em outros, prefere, ao
fazer uso de diversas técnicas audiovisuais, se distanciar, reduzindo ou ampliando as
ideias da obra literária.
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2.4 Adaptação na relação literatura/cinema
Partindo das discussões propostas por Rodrigues e Zaninelli (2009), embora
muitos veem a adaptação como algo negativo, o processo, no geral, provoca
desestímulo à leitura do texto original. No entanto, há os aspectos positivos
levantados por eles, entre os quais, citam que a adaptação pode ser tão ou mais
interessante que o texto de partida. A adaptação de obras literárias possui críticos
que se posicionam tanto ao seu favor, como contra a essa prática. A esse respeito
comenta Bazin (apud Brito, 1996, p. 20) “que a adaptação tornou-se uma forma de
difundir a literatura para o público que não acessa a obra dos grandes escritores”.
De acordo com Rey (1989), as adaptações requerem muito do roteirista,
muitas vezes, mais do que os próprios roteiros originais, pois exige muita
criatividade, além do bom-senso, impondo desafios à inteligência e técnica ao
roteirista. Para ele a adaptação não precisa ser uma cópia total quanto ao conteúdo
do livro. Muitas vezes, alguns livros possuem capítulos vazios de significados.
Quanto a isso, convém que ela seja inteira, completa, sem revelar amputações,
cortes por falta de tempo, saltos perturbadores e lacunas entre as sequências.
Assim, para o autor a adaptação requer forma plana exigente, sendo mais que uma
simples criação, porque exige maior responsabilidade quando se trata de uma obra
conhecida, sujeita a confrontos. Entretanto, nas palavras de Silva (2006, p. 104):
Uma obra literária bem escrita pode gerar um grande filme, assim como um bom roteiro pode gerar um grande romance. Numa discussão mais abrangente das relações entre literatura e cinema, pode-se observar uma série de questões envolvendo roteiros, desde escritores que participam da sua elaboração até o status literário que alguns roteiros adquirem, mesmo em medida limitada, ao ser publicados.
Inicialmente, pode parecer mais fácil adaptar um romance literário para o
cinema do que desenvolver uma história inédita, mas, ao contrário do que se parece
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adaptar um livro para um filme exige mais habilidade e maior compreensão da
linguagem cinematográfica do que criar uma nova narrativa.
Para um romance ser adaptado e tornar-se um filme, há algumas alterações
necessárias. Enquanto, que o romance é caracterizado por demasiado longo, o filme
se privilegia da brevidade. Segundo Brito (2006, p. 11), no processo de adaptação
ocorrem quatro operações:
Redução: Consiste em reduzir os elementos do romance que não farão
parte do filme;
Adição: Certamente, esta operação adicionará ao filme os elementos
que não fazem parte do romance;
Deslocamento e transformação: São os elementos que se encontram
tanto o filme, quanto no livro, porém, são colocados de maneiras
diferentes.
Enquanto o romance é caracterizado por ser longo, o filme privilegia a
brevidade, Brito (2006, p. 12), afirma que:
Normalmente, um romance é quantitativamente maior que um filme,
não apenas porque se gasta mais tempo que as duas horas médias
de uma projeção para ler um livro, mas, sobretudo, porque a
linguagem verbal é mais extensa, prolixa, analítica, que icônica.
Sendo assim, de acordo com a citação do autor, a redução é uma operação
inevitável no processo adaptativo, é feita logo no princípio da montagem do roteiro,
onde são feitos todos os cortes necessários para que não se torne longo demais. É
neste momento também, que se aplica algum acréscimo, onde elementos como:
música, som, imagem e paisagem serão adicionadas ao filme com intuito de torná-lo
mais atual a época da filmagem. Junto com estes elementos também ocorrem
algumas das transformações que acontecerão durante o filme. O deslocamento,
segundo o autor, é algo um tanto curioso, porque os elementos do livro e do filme
são os mesmos, porém, colocados em ordens distintas, um acontecimento do início
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do livro pode aparecer no fim do filme ou vice-versa, depende da criatividade do
roteirista. Segundo Brito (2006, p. 15) “Às vezes os elementos deslocados são
apenas trechos dos diálogos, ou meramente palavras, ou se for o caso, uma única
imagem, mas de todo jeito a remontagem influi grandemente na composição do filme
e na sua significação final”. A abordagem analítica de uma adaptação
cinematográfica deve, portanto, partir do pressuposto de que o livro e o filme nele
baseado são, segundo Xavier (2003, p. 61), “dois extremos de um processo que
comporta alterações de sentido em função do fator tempo, a par de tudo o mais que,
em princípio, distingue as imagens, as trilhas sonoras e as encenações da palavra
escrita e do silêncio da leitura”. Entretanto, nota-se que no processo de adaptação
tanto há perdas como ganhos, ou seja, novos elementos que darão nova vida ao
texto original.
2.5 Processo de adaptação cinematográfica
Cada vez mais o cinema em geral tem se colocado como uma arte em
evidência, merecendo estudos mais profundos na área, no que se refere à relação
entre o literário e o cinematográfico, emprestando elementos essenciais para a
composição da obra final, a partir da qual, o cinema absorve certas particularidades
para se constituir em novo formato, de acordo com o enredo ou estilo.
As adaptações cinematográficas de obras literárias representam um marco na
história do cinema, além de propiciar progresso nesta área, pois são aprovadas pelo
gosto do público. Essas produções são tecidas sobre linhas apoiadas na literatura
clássica, fato que nos revela o seu grau de importância.
São vários os fatores que fortalecem o estudo da passagem do livro às telas,
como: a preferência do povo pelas telas; a necessidade de se fazer um filme de
sucesso apoiado em obra literária; o interesse pela cultura do visual; além da
motivação para os que não são afeitos à leitura que têm na tela a possibilidade de
entrar em contato com o texto literário; além de outros. O uso dessa tecnologia por
23
meio de imagens marcou sua influência na narrativa literária. A fim de que se possa
compreender como o processo de adaptação literária acontece e ganha destaque no
cinema brasileiro abordaremos a seguir aspectos relevantes da relação
literatura/cinema.
A adaptação da literatura para o cinema é um processo que requer muita
pesquisa e arte técnica. Essa leitura atualizada do livro pretende atrair atenção do
espectador e apresenta diversos elementos que conduzem o filme à representação
da obra.
O processo de adaptação não ocorre apenas no sentido de reduzir à narrativa.
É necessário atentar para o espírito, a alma do livro, que ao ser deslocado produz
uma obra independente, ou seja, cria-se uma nova narrativa mesmo sem fugir do
contexto que ela traz. Neste sentido, percebe-se que este processo não se dá como
uma “lipoaspiração” da narrativa literária, conforme diz Silva (2009).
Na adaptação da literatura para o filme, há elementos formais importantes a
serem observados como: espaço, tempo, conflito, personagens e focalização. Ao se
comparar esses elementos, nota-se que nem sempre é possível transferi-los para as
telas. Observa-se que a diversidade de espaço e episódios nem sempre é um
problema, pois a arte cinematográfica dispõe de recursos, cujas possibilidades
permitem mostrar uma variedade de espaços sem entediar o espectador em sua
narrativa. Imagens associadas ao pouco uso da linguagem formal são um desses
recursos que tornam muito eficiente a apresentação dos mais variados espaços,
onde um personagem passa por cidades, ruas, estados e diversos ambientes. Na
literatura esses espaços são citados cabendo ao leitor fazer uso de sua imaginação
para transferi-los.
Outro recurso é o tempo; um dos recursos fundamentais do cinema tendo
como domínio a câmera, pois ela pode acelerar, retardar, inverter e parar. Em uma
fração de segundos, podem surgir, à frente do espectador imagens de
acontecimentos com diferença de dez, vinte, trinta anos ou mais, tanto no futuro,
quanto no passado. A abordagem analítica de uma adaptação cinematográfica deve,
24
portanto, partir do pressuposto de que o livro e o filme nele baseado são, segundo
Xavier (2003, p. 61) “dois extremos de um processo que comporta alterações de
sentido em função do fator tempo, a par de tudo o mais que, em princípio, distingue
as imagens, as trilhas sonoras e as encenações da palavra escrita e do silêncio da
leitura”. Sobre a importância do espaço e do tempo para o cinema, Martin (2005, p.
246) declara:
Não se pode falar de espaço do filme e sim de espaço no filme;
espaço onde se desenrola a ação do universo dramático. Espaço é o objeto de percepção e o tempo é objeto de intuição. O espaço é um
quadro fixo rígido e objetivo, independente de nós e nós estamos no
espaço real. Pelo contrário, se o tempo também é um quadro fixo,
rígido e objetivo (implica um sistema de referência social: horas, dias,
meses, anos), apenas a duração tem um valor estético e, quanto
estamos no tempo, a duração está em nós, fluída, contráctil e
subjetiva.
Na cinematografia, o tempo e espaço constituem elementos essenciais na
construção da narrativa, valor este que também pode ser transferido ao responsável
por transmitir o enredo: narrador, no caso de literatura, a câmera, no caso do cinema.
Ao se trabalhar com o conceito de adaptação percebe-se que há uma busca
por narrativas que falam do ser humano em seus conflitos com o meio, onde vivem
com coisas que lhe são impostas ou até mesmo com conflitos internos, como o
ciúme em “Dom Casmurro” e “Dom”.
A personagem tem sido objeto de estudo desde Aristóteles, diz Moisés (2004).
Para este ilustre filósofo grego, a personagem exerce papel fundamental na “trama”
dos fatos, isso se sucede porque a tragédia não é imitação de homens, mas de
ações e de vida, de felicidade ou de infelicidade. No processo adaptativo é
importante destacar como as personagens são descritas no texto literário, e a
maneira como elas são representadas por atores no filme. Isso pode apontar
espaços significativos no ponto de vista cultural. Por exemplo, um príncipe Hamlet
interpretado por um ator negro, indica transformações culturais de sentido, propondo
reflexões para além do texto-fonte. No livro o leitor cria mentalmente uma imagem
25
acerca de um personagem. Já no cinema o ator ou atriz que o interpreta, muitas
vezes, poderá contribuir para que o filme seja um fracasso ou sucesso diante do
público. Isso se explica porque tal ator falhou na incorporação de um determinado
personagem, ou porque aquela atriz representou perfeitamente os gestos ou
expressões de sua personagem.
O focalizador é o agente pelo qual se vê e se sente a ação, pois é através dele
que se reconhece a função do narrador, que é responsável pela ordem das ações do
mundo das ficções. Este agente transmite à plateia as emoções dos personagens. Já
no romance, as ações e pensamentos são transmitidos pela fala direta ou indireta do
narrador, enquanto que no cinema, há a omissão dessa intermediação por meio da
focalização.
A câmera também é responsável por mostrar ao espectador os mais variados
espaços no desenrolar da história, tanto externo, quanto interno, que são
apresentados com detalhes de cenário e figurino, dando assim, riqueza às imagens,
que, com a ajuda de outros elementos como trilha sonora, causa emoções e
deslumbramento no espectador.
A leitura cinematográfica de uma obra literária pode ser constituída de várias
formas, pois o produtor de obras na linguagem audiovisual pode optar pelo maior
distanciamento, como em “Dom” filme dirigido por Moacyr Góes, ou pela proximidade
com o texto fonte, como ocorre em “Dom Casmurro” do escritor Machado de Assis.
Conclui-se que o filme recorre ao livro, mas não perde sua força criativa e
capacidade de explorar as funções específicas do meio cinematográfico de maneira
inteligente. No entanto, o cinema tem outros recursos como a cor, a câmera, a voz
em off, trilha sonora, luminosidade e a imagem. Por outro lado, personagens,
conflitos, elementos cômicos, espaço são termos transferíveis da literatura para o
cinema, adequando cada um à linguagem cinematográfica.
26
2.6 Adaptação – abordagens e categorias
É impossível falar de adaptação sem apontar conceitos relevantes já
levantados por alguns teóricos especializados na área. Vários autores procuram
distinguir diversas categorias da adaptação cinematográfica que podem estabelecer
uma relação com a obra literária, sendo esta, de maior ou menor “fidelidade” ao texto
original. Segundo Andrew (apud CORSEUIL, 2009), há diferentes formas de
representação adaptativa subdivididas nas seguintes categorias, borrowing ou
“empréstimo”, intersecting ou “intersecção”, transforming sources ou “transformação
das fontes”, que ao substituírem o termo “fidelidade” facilitam a compreensão da
linguagem cinematográfica, respeitando dessa forma suas especificidades. Com
base nesta afirmação, apresentam-se os significados das três perspectivas que
estruturam o estudo da adaptação fílmica:
Empréstimo (Borrowing): Além de ser o modo de apresentação mais
comum na história da arte, consiste no emprego de maior ou menor
intensidade do conteúdo da obra que o antecede.
Intersecção (Intersecting): Certamente, este modo é o oposto do
empréstimo, no qual, a relação entre filme e livro adaptado encontra-se
na proposta de transmitir apenas o original (forma e conteúdo), através
da perspectiva do cinema, num processo de refração e não de
adaptação. Portanto, neste contexto a particularidade do texto original é
preservada de forma que não chega a ser assimilada pela adaptação.
Transformação das fontes (Transforming sources): Este recurso é o
mais frequente quando se trata de adaptação, embora, não seja
abordado pela maioria das teorias atuais. Neste caso, assume-se o
27
emprego da adaptação como reprodução no cinema de alguma
particularidade essencial do texto original.
Esse discernimento acerca da fidelidade possui duas vertentes: a primeira é a
tentativa em atingir a recriação, nas condições visuais que lhe são próprias, os
aspectos geográficos, sociológicos e culturais que definem o espaço do livro, bem
como a relação entre personagens e as categorias narrativas, como o narrador e o
ponto de vista; o segundo consiste no esforço de manter a fidelidade da obra original,
quanto à “espiritualidade”, ao “tom” e ao “estilo”, buscando construir certo grau de
equivalência cinemática para as estratégias da obra em que se baseia o filme.
2.7 Fidelidade ao texto no processo adaptativo
O conceito de adaptação liga-se às noções de especificidades e fidelidade.
Especificidade, porque cada arte tem sua linguagem própria; e fidelidade porque se
uma obra de arte se coloca como adaptação de outra, necessariamente busca uma
relação de equivalência com essa outra. Como a especificidade da literatura é
intransferível para o cinema em termos de seu suporte físico e de forma significante,
a fidelidade somente pode instaurar-se em termos de conteúdo (constituição rica ou
projetiva), e assim, mesmo considerando os graus de equivalência, ou seja, de
menor ou maior afastamento. A passagem do livro para o filme que não faz uso
somente de palavras, mas também utiliza efeitos sonoros e imagens, deixa pouco
provável a fidelidade literal.
Sempre que um cineasta inicia a adaptação de um romance literário é
questionável o seu grau de fidelidade. Corseuil (2009, p. 369) diz ser problemática a
fidelidade literal deixando o filme vazio de significado:
Existe uma cultura de adaptações “fidedignas” que pode ser
extremamente problemática, uma vez que muitos filmes adaptados
esvaziam-se de significado próprio, quando tendem simplesmente a
repetir diálogos intermediários. Esses filmes funcionam também para
28
atender a audiências que querem consumir romances
(predominantemente romances do século XIX) de uma forma mais
facilitada dentro de um período de duas horas, no cinema ou em casa, pela televisão.
Gomes (1996, p. 23) reforça o que diz a autora:
Às vezes, a mais fiel das adaptações faz o pior dos filmes, porque o
material não se presta a uma história filmada e, na forma como está
escrita, não funciona na tela, por mais forte que seja a história no
original. Em geral, e na tela certamente, o drama exige compreensão
e intensificação.
Segundo Corseuil (2009, p. 370) “analises baseadas apenas no grau de
“fidelidade” do filme podem neutralizar os elementos cinematográficos que
diferenciam a linguagem literária verbal da cinematográfica, predominantemente
visual”.
Para Corseuil (2009) uma perspectiva crítica deve considerar os elementos
específicos da linguagem cinematográfica, como fotografia, som, cenografia, ponto
de vista narrativo, desempenhando um papel fundamental na formação de
significados no processo semiótico compreendido pelo cinema. Tendo em vista as
diferenças do filme adaptado e do livro, qualquer comparação entre si, segundo a
autora, será mais produtiva se levadas em conta, tanto as especificidades de cada
meio como as similaridades das narrativas adaptadas, e, a partir daí, propor uma
reflexão crítica sobre os feitos que a adaptação conseguiu ou não criar.
De modo geral, tanto a narrativa fílmica, quanto o livro apresentam suas
limitações. Enquanto o livro faz uso exclusivo de palavras, o filme pode utilizar:
música, efeitos sonoros, imagens, linguagem atualizada e de fácil compreensão, e
também palavras, além de possuir muitos significados.
Reforçando as diferenças mencionadas acima, enfatiza-se que nem sempre o
filme está de acordo com o livro, porque, a linguagem como outras partes que o
compõem, não podem ser iguais, pois a época, o contexto em que se insere é
29
exclusivamente diferente. Portanto, a diferença entre o contexto de realização do
filme adaptado e o livro, além das formas de cada um ser distintas, as obras
possuem seus próprios meios de representação, o que leva a compreender o filme
como uma relação de intersemiótica.
30
3 APROXIMAÇÕES ENTRE “DOM CASMURRO” E ‘DOM”
Este capítulo tenta mostrar as possíveis aproximações, entre a obra literária
“Dom Casmurro” de Machado de Assis, e a obra fílmica “Dom” do diretor cineasta
Moacyr Góes. Discutindo aqui somente os pontos que mais aproximam o filme da
obra, já que, se trata de uma adaptação mais contextualizada com a modernidade, e
a obra literária esta contextualizada com o segundo reinado entre 1840 e 1889. E
através desta análise, mostrando a importância da adaptação e como ela pode
inspirar o leitor a conhecer o texto fonte que originou o filme, incentivando, assim, a
leitura.
3.1 Dom Casmurro, a obra
Atualmente com 114 anos de publicação, Dom Casmurro, é uma das obras de
mais destaques do escritor Machado de Assis, é um dos romances que mais tem
gerado interpretações, o mais comentado, mais discutido, mais esmiuçado. A obra
ganhou importantes adaptações para diversos meios artísticos: para o cinema,
Capitu (1968), dirigida por Paulo Cesar Saraceni, com roteiro de Paulo Emílio Sales
Gomes e Lygia Fagundes Telles, que é uma leitura mais fiel do livro; Dom (2003),
dirigido por Moacyr Góes, a mais recente; para a televisão, em 2008, em
comemoração ao centenário de Machado de Assis, a Rede Globo realizou uma
microssérie chamada Capitu, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, escrita por
Euclydes Marinho, entrelaçando elementos de época como figurinos com elementos
modernos que vão desde a trilha sonora, com músicas da banda Beirut, até cenas
onde eram mostrados os MP3s; para o teatro; a peça Capitu (1999), com direção de
Marcus Vinícius Faustini, premiada e elogiada pela Academia Brasileira de Letras, e
Criador e Criatura: o Encontro de Machado e Capitu (2002), livre adaptação de Flávio
Aguiar e Ariclê Perez, dirigido por Bibi Ferreira; recebeu uma adaptação em ópera,
31
intitulada Dom Casmurro, com libreto de Orlando Codá e música de Ronaldo
Miranda, que estreou no Teatro Municipal de São Paulo em 1992; Na música, Luiz
Tatit compôs "Capitu", interpretada pela cantora Ná Ozzetti.
Nessa obra, a história é narrada em primeira pessoa por Bentinho, apelidado
de Dom Casmurro, um dos personagens principais, que conta sua trajetória desde a
infância, adolescência, seminário, estudos até o casamento. Tudo se passa no Rio
de Janeiro na época do segundo reinado entre 1840 e 1889. A narrativa é somente
sobre a perspectiva subjetiva de Bentinho o que permite manter algumas questões
sem esclarecimentos até o fim.
O grande enigma da obra está na dúvida em relação ao adultério de Capitu,
amiga de infância que se tornou sua esposa, e seu melhor amigo do seminário
Escobar. Em nenhum capítulo há algo que comprove, ou que alguém tenha visto e
contado a Bentinho, porém, segundo Barbosa (1999) ele relata inúmeros enigmas,
marcando “toda a obra pela desconfiança com que o leitor vai se enredando ou se
desvencilhando das próprias interpretações oferecidas pelo narrador” (Barbosa,
1999, p. 41-63), o seu ciúme e desconfiança é tão grande que acha inclusive,
semelhanças entre seu filho e seu amigo Escobar, concluindo que Ezequiel não é
seu.
3.2 Dom, o filme
Dom é o longa-metragem de estreia do diretor de cinema Moacyr Góes, que,
por sua adaptação livre da obra Dom Casmurro de Machado de Assis, recebeu o
Prêmio de Melhor atriz para Maria Fernanda Cândido, no 31º Festival de Gramado,
2003, levou o ET de Ouro de Melhor Filme, além dos ETs de Prata de Melhor Ator,
para Marcos Palmeira e Melhor Atriz, para Maria Fernanda Cândido, no 3º Festival
de Cinema de Varginha, 2004. O filme conduz a ação do romance para os dias
atuais, situado no século XXI, modernizando o clássico de Machado de Assis e
atualizando sua temática. Essa tentativa de atualização só é possível, graças à
32
abordagem de assuntos próprios da condição humana, que se adaptam a qualquer
época histórica e social.
No filme Bento é engenheiro industrial e mora em São Paulo, recebeu o nome
em homenagem ao personagem do livro Dom Casmurro, cujo os pais eram
apreciadores de Machado de Assis. Justificou tantas vezes a razão da homenagem,
que os amigos o apelidaram de Dom. Com esse apelido, Bento cresceu com a ideia
de que era o próprio personagem do livro e que estaria destinado a viver a mesma
história. Apelidou sua amiga de infância, Ana, de Capitu. Bento e Ana separaram-se
quando a família do menino mudou-se do Rio de Janeiro para São Paulo. Já adulto,
graças ao reencontro com um amigo de faculdade Miguel, Bento tem a oportunidade
de rever Ana, a sua Capitu e dali renasce o romance da infância, só que, agora,
avassalador.
Na trama, Bento conhece a obra Dom Casmurro e revela ser colecionador de
todas as edições do livro de Machado de Assis. Esse fato revela algo incomum neste
tipo de adaptação da literatura para o cinema: a personagem já conhece sua história,
consequentemente, o seu fim, e nas cenas iniciais do filme revela: “Eu nunca
acreditei em destino, nunca imaginei que o nome que carrego podia ser uma sina.”
Assim, Bento relaciona os acontecimentos de sua vida aos do livro.
O filme possui o mesmo tema do livro de Machado, o ciúme, mas desta vez
contextualizado na modernidade. Moacyr Góes retoma a questão da traição de Ana
(Capitu) com seu melhor amigo Miguel (Escobar). Usando de tecnologias atuais,
Bento faz um teste de DNA para saber se o filho é seu ou de Miguel, mas após a
morte de Ana, não tem coragem de abrir o resultado, decidindo cuidar da criança
como seu filho, que para a personagem representa a presença e lembrança de sua
falecida esposa.
33
3.3 Aproximações
Os dois textos apresentam a personagem principal, Bentinho e Bento, como
narradores personagens de suas histórias. Em Dom Casmurro, Bentinho, em
nenhum momento, permite que o leitor tenha acesso a outro ponto de vista que não
o que está sendo apresentado, porém esse recurso permite que o leitor tire suas
conclusões no final do texto, pois não confirma o suposto adultério de Capitu. O
narrador não permite que o leitor tenha acesso aos reais sentimentos de Capitu. Faz
isso ao negar voz à personagem. Em Dom, Bento também apresenta sua versão da
história, negando voz à personagem de Ana, mas por ser um filme, o espectador
conta com o visual para ter acesso a outros pontos de vista.
A partir desse ponto, descreve-se o filme interrompendo-o somente nos
pontos que mais se aproximam da obra de Machado de Assis. Ambas as histórias se
passam na “Cidade Maravilhosa”, Rio de Janeiro. No romance, todos os
personagens vivem no Rio de Janeiro e toda a ação se passa nessa cidade, São
Paulo apenas é citada. No filme os episódios se alternam entre São Paulo e Rio de
Janeiro, enfatizando a diferença de ordem econômica entre ambas as capitais. Bento
é um engenheiro industrial atarefado, sério, independente e vive em São Paulo num
belo apartamento frequentado por sua secretaria e noiva Heloisa, personagem que
não faz parte do livro.
No livro o amor de Bentinho era sua vizinha, Capitolina, apelidada por todos
de Capitu, no filme seu amor também morava ao lado, só que com a diferença que
ela se chamava Ana, no livro Bentinho conhece seu melhor amigo Escobar no
seminário, no filme a amizade com Miguel se dá na faculdade de engenharia, e é
através do reencontro dessa amizade que Bento revê Ana sua amiga de infância
apelidada por ele de Capitu por achar que seus olhos eram “olhos de ressaca”.
Expressão essa usada por Bentinho no capítulo 32 do livro, ao pensar em uma
conversa que teve com José Dias e ele dera aos olhos de Capitu a definição de
“Olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, em função dessa lembrança Bentinho pede
34
a Capitu que o deixe ver seus olhos, e a fitá-los se perde em pensamentos. De tão
intenso o momento, o narrador lhe dedica o capitulo “Olhos de Ressaca” e à partir do
terceiro parágrafo descreve:
“Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, com a vaga que retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, os braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saia delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me (ASSIS, 1997, p. 85,).
No filme Bento ao rever Ana, relembra sua infância e pensa:
“Os olhos, o que foram aqueles olhos? O que fizeram de mim? Olhos de ressaca que me arrebataram. Pra não ser arrastado, tentava me segurar nas partes vizinhas, as orelhas, a boca, os cabelos, mas não podia resistir, voltava aos olhos de Ana, Capitu” (GÓES, 2003).
Neste momento Bento se aproxima de Ana e diz: - “Você tem olhos de
ressaca!” (GÓES, 2003).
Após alguns anos sem se verem, Miguel como produtor e dono de uma
agência no Rio, aproveita sua ida a São Paulo e convida Bento para assistir um teste
com atrizes que ele irá fazer em uma produtora. Ana é atriz e dançarina, e está
aguardando pra fazer o teste, e é neste momento que acontece o reencontro do
amor de criança. Uma breve conversa com Ana, foi o bastante pra que ele não
conseguisse mais esquece-la. E na primeira oportunidade que teve foi ao Rio para
vê-la.
Em mais um de seus pensamentos Bento se lembra da infância e de Ana lhe
contando um sonho que tivera:
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“Eu sonhei que tinha o cabelo muito comprido, você ficava me penteando, não dava para ver seu rosto direito, mas eu sabia que era você, mas ai de repente, minha mãe me chama e a gente se esconde debaixo da cama, nossa, mas eu fiquei com muito medo, porque debaixo da cama era o mar, e as ondas estavam muito altas quase pegando na gente, me agarrava na sua camisa com muita força, você, você não parava de rir, mas ai, veio uma onda gigante e carregou a gente, e eu acordei com medo” (GÓES, 2003).
Esta cena do filme nos aproxima a dois momentos do livro: primeiro ao
capitulo 12 “Na Varanda”;
“(...) ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinárias, que subíamos ao Corcovado pelo ar, que dançávamos na lua, ou então que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, s fim de os dar a outros anjos que acabavam de nascer. Em todos esses sonhos andávamos unidinhos” (ASSIS, 1997, p. 50,).
Segundo ao capitulo 33 “Penteado”; “Capitu deu-me as costas, voltando-se
para o espelhinho. Peguei-lhe os cabelos, colhi-os todos e entrei a analisá-los com o
pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam a cintura” (ASSIS, 1997,
p. 86,).
Bento ao retornar do encontro com Ana no Rio de Janeiro, é procurado por
Heloisa em seu apartamento, que lhe enche de perguntas sobre seu repentino
desaparecimento. Bento tenta contornar a situação e pede um tempo no
relacionamento, o que gera um desconforto em Heloisa e a sensação de outra na
relação, após uma discussão e um rompimento definitivo, Heloisa entrega a Bento
uma edição do livro de “Dom Casmurro” que havia comprado para lhe presentear e
vai embora. Neste momento Bento começa a refletir e percebe que não consegue
pensar em outra coisa a não ser Ana, e lhe vem à mente lembranças de sua infância
com ela. Passa-se uma cena em que Ana escrevia no muro do quintal com um lápis
seus nomes, ANA e BENTO, ele chega de mansinho e ela percebendo-o sorri, se
assustam ao ouvir o pai de Ana chamá-la.
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Esta cena aproxima-se dos capítulos 13 “Capitu”, 14 “A Inscrição” e 15 “Outra
Voz Repentina”, em que o narrador conta que ao se aproximar da porta que ligava o
seu quintal ao de Capitu, ouve a voz da mãe a chamá-la, não se conteve, entrou de
mansinho e viu Capitu riscando o muro com um prego, que percebendo sua chegada
encostou no muro como se quisesse esconder alguma coisa, andou em sua direção
meio que inquieta e após uma breve conversa, ele se lembra da reação de Capitu ao
vê-lo, e quis ver o que estava rabiscando, ela agarrou-o e correu a sua frente e
tentou apagar o escrito, mas ele deu um pulo e antes que raspasse o muro, pode ler
claramente BENTO e CAPITOLINA, e ao se olharem, seguraram as mãos um do
outro, e por alguns instantes ficaram se olhando de mãos dadas, uma voz repentina
os assustaram, era o pai de Capitu que perguntou lhes se estavam jogando o siso,
soltaram as mãos depressa e Capitu disfarçadamente correu apagar o que havia
escrito (ASSIS, 1997, p. 52-55).
Na cena seguinte do filme, Bento vai até o apartamento de Ana e lhe
presenteia com um buquê de girassóis e lhe entrega um embrulho dizendo que
aquela é a primeira edição de um livro muito bom, Ana ao abri-lo fica surpresa ao ver
que se tratava de “Dom Casmurro” e fica sem graça, Bento lhe diz que tem todas as
edições daquele livro, começam a namorar. Em um encontro com Miguel, Bento lhe
conta de seu relacionamento com Ana, o amigo fica feliz e diz que ele tem sorte e
que duvidava que fosse assim quando os dois brincavam de médico. Essa cena leva
a uma leve aproximação do capitulo 13 “Capitu” novamente, em que o narrador ao
narrar os fatos se lembra de quando brincava de médico com Capitu;
“Quando as bonecas de Capitu adoeciam, o médico era eu. Entrava no quintal dela com um pau debaixo do braço, para imitar o bengalão do Dr. João da Costa; tomava o pulso à doente, e pedia-lhe que mostrasse a língua. “É surda, coitada!”, exclamava Capitu (ASSIS, 1997, p. 52).
Bento enfatiza sua amizade ao amigo e lhe diz o quanto está feliz em
reencontrá-lo e fala que nunca houve um amigo igual. Bento e Ana se casam e vão
morar em São Paulo. Em uma visita ao Rio de Janeiro o casal vai à praia com o
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amigo, é nessa cena que Bento sente ciúmes de Ana e Miguel pela primeira vez. Na
cena ao voltar do mergulho, Ana deita entre os dois na canga esticada na areia e diz
a Bento que estava com saudade de dar um mergulho e o convida a ir com ela, ele
se nega e o amigo se levanta e também o chama, em uma brincadeira Miguel joga
areia nos dois, Ana se levanta e sai correndo atrás dele, e começam a brincar na
água, Bento observa a tudo e deixa claro sua angustia.
Outra cena de ciúmes é quando Ana após um jantar com Bento, lhe diz que
quer voltar a trabalhar, fazer teatro, dançar, fazer qualquer coisa. Então Bento lhe
sugere que procure umas agencias em São Paulo ou que ela ligue para o Miguel, e
ela lhe responde que já havia falado com ele, e ele surpreso lhe pergunta quando,
então ela conta que havia ido até a produtora falar com ele no início da semana, e
explica que fez isso porque ele é amigo dos dois. Fica claro nesta cena, que Bento
não gostou da atitude de Ana.
Depois de um tempo que voltou a trabalhar, Ana liga para Bento e pede pra
ele ir pra casa. Quando chega Bento está preocupado e ansioso, e Ana lhe conta
que está grávida. Bento fica muito feliz. Já na maternidade Bento em seus
pensamentos enquanto aguardava, o narrador diz; “O nascimento de Joaquim foi um
tumulto dentro de mim eu não conseguia discernir coisa alguma, tudo se misturava,
parecia que o pior dia se juntava ao melhor dia da minha vida” (GÓES, 2003). Miguel
chega a maternidade e diz a Bento mais de uma vez estar muito nervoso, chega um
enfermeiro e dá os parabéns a Miguel, e ele sem jeito diz “ele é o pai eu sou o
amigo”, o enfermeiro se desculpa e se dirige a Bento para parabenizá-lo. Quando o
enfermeiro as Bento diz “sujeitinho mais sem graça”, e Miguel o defende dizendo que
não fez por mal, e Bento responde dizendo “claro que não, mas é que você estava
tão agitado que parecia até o pai da criança”, os dois sorriem e Miguel fica sem
graça.
Em uma visita de Miguel e sua assistente ao apartamento onde vive com
Bento e o bebê, Ana sugere a Miguel que seja padrinho de Joaquim, e pergunta a
Bento o que ele acha da ideia, em um primeiro momento ele concorda, mas quando
estão a sós deixa claro que não gostou, e que queria ser consultado antes, e num
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arrombo de ciúmes diz “quando Miguel está presente você fica um pouco eufórica
demais’, Ana fica chateada e pede desculpas.
Estas cenas, levam ao capitulo 108 do livro “Um Filho”, onde o narrador conta
sua alegria e que nunca a teve igual, e também que era sua a ideia de que Escobar
fosse o padrinho e sua mãe a madrinha, mas diante do pedido de seu tio Cosme em
batizá-lo, não teve jeito e somente pode dar ao filho o nome de Ezequiel em sua
homenagem a Escobar por ser este também o seu nome (ASSIS, 1997, P. 196-198).
Ao sair para jantar, as duas mulheres conversam em um canto do bar
enquanto, os dois homens conversam em outro, e Bento aproveita este momento
para pedir a Miguel sem que Ana saiba, que ele não a convide mais para trabalhar
com a desculpa de que o filho é muito pequeno pra ficar só aos cuidados da babá.
Miguel não concorda e Bento fica claramente aborrecido. De volta ao apartamento,
enquanto Ana fala como havia gostado do jantar, Bento a ignora, se deita e vira para
lado dizendo que estava cansado e com sono, então Ana diz que vai ver como está
Joaquim, e ao passar pela sala encontra Miguel lendo e os dois passam a conversar,
sobre o jantar, sobre o livro que ele está lendo, e sobre a carreira de Ana, diante da
demora da esposa em voltar ao quarto, Bento se levanta e vê Ana e Miguel
conversando, e só ouve uma parte onde Miguel fala, “volta a dançar Ana, não vai
deixando as tuas coisas assim pelo caminho não”, e ela concorda com ele, no final
da conversa Ana se pergunta em voz alta o porquê do assunto e Miguel não sabe
responder, ela mesmo responde que é legal ter alguém pra conversar essas coisas,
e ele com tom de brincadeira diz “será um segredo entre nós”. Bento ouve, fecha os
olhos, respira fundo e volta à cama.
Estas cenas lembram os capítulos 104 “As Pirâmides”, onde o narrador fala de
Escobar e Sancha; “Escobar e a mulher viviam felizes; tinham uma filhinha. Em
tempo ouvi falar de uma aventura do marido, negócio de teatro, não sei que atriz ou
bailarina, mas se foi certo, não deu escândalo” (ASSIS, 1997, p. 191). De certa forma
Bentinho tinha esse segredo com Escobar. No filme o segredo dos dois é o pedido
para que o amigo não empregasse mais a esposa. Outro ponto interessante é que no
livro Escobar teria uma amante que era atriz ou bailarina, e no filme Ana teria a
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mesma profissão e trabalhava com Miguel o amigo de Bento. O que nos faz pensar
em uma possível jogada do cineasta Moacyr Góes, em colocar dúvidas no
espectador em relação ao caráter de Ana, por ela ter a mesma profissão que a outra.
E o capitulo 106 “Dez Libras Esterlinas”, que o narrador descobre que Escobar havia
feito uma corretagem para Capitu e que esse era um segredo entre os dois (ASSIS,
1997, p. 193-194).
Dias depois, Ana vai ao trabalho de Bento, lhe faz uma surpresa e o chama
pra jantar, Bento fica feliz ao ver a esposa toda dengosa com ele. No trajeto para o
restaurante, enquanto Ana o acariciava, Bento se perdia em seus pensamentos, e o
narrador passa a narrar seus sentimentos como no livro:
“Ana fazia de mim o que bem entendia, eu que já tinha experimentado a obsessão, a cegueira, agora era possuído por uma sensação de desmando, de abuso, de excesso de sentimento, vontade, eu tinha ciúmes do que ela fazia comigo, imaginando que ela pudesse ser assim também com outro, se houvesse outro, e o pior, tudo ardia dentro de mim, sem brecha por onde sair”.
Esse sentimento que o narrador traz, é o mesmo apresentado pelo narrador
do livro só que em outras palavras. No livro o primeiro sinal de ciúmes de Bentinho
se dá no capitulo 62 “Uma Ponta de Iago”, quando Bentinho ao perguntar a José
Dias como vai Capitu, este lhe responde, “- Tem andado alegre, como sempre; é
uma tontinha. Aquilo, enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case
com ela...” (ASSIS, 1997, P. 133). Nesse momento o ciúme tomou conta de seu ser:
“[...] um sentimento cruel e desconhecido, o puro ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal foi o que me mordeu. Ao repetir comigo as palavras de José Dias: “Algum peralta da vizinhança”. Em verdade, nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, que a intervenção de um peralta era como uma noção sem realidade; nunca me acudiu que havia peraltas na vizinhança, vária idade e efeito, grandes passeadores das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam Capitu, [...] se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanha-lo ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às ave-marias, trocariam flores e ...” (ASSIS, 1997, p.133-134).
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Esse mesmo sentimento tomou conta de Bentinho pela segunda vez nos
capítulos 73 “O Contra-Regra” e 74 “A Presilha”, quando ao conversar com Capitu
abaixo a sua janela na calçada, percebeu um cavaleiro que passava, e a olhou, e ela
a ele, isso foi o bastante para o ciúme lhe arder novamente:
“Ora, o dândi do cavalo baio não passou como os outros; era a trombeta do juízo final e soou a tempo; assim faz o destino, que é o seu próprio contra-regra. O cavaleiro não se contentou de ir andando, mas voltou a cabeça para o nosso lado, o lado de Capitu, e olhou para Capitu, e Capitu para ele; o cavalo andava, a cabeça do homem deixava-se ir voltando para trás. Tal foi o segundo dente de ciúme que me mordeu. [...] mas aquele sujeito passava ali às tardes; morava no antigo Campo da Aclamação, e depois... e depois...” (ASSIS, 1997, p. 150).
“[...] A vista de José Dias lembrou-me o que me dissera no seminário: “Aquilo, enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que se case com ela...” Era certamente alusão ao cavaleiro” (ASSIS, 1997, p. 151).
Quando Ana e Bento chegaram ao restaurante, ela se dirige ao banheiro e ele
a espera no bar, ao voltar Bento lhe diz que pediu champanhe, e ela o convida a
comemorar, então ele lhe responde, “com você eu tenho sempre o que comemorar
meu amor”, após o brinde Ana lhe diz que tinha mais um motivo pra comemorar, e
lhe conta que, quando estava no banheiro lavando as mãos, Miguel havia ligado a
convidando para fazer parte do filme dele, e que ela estava muito feliz, que era o seu
sonho trabalhar no cinema. Bento surpreso e confuso lhe pergunta se ela estava
falando sério, quando ela lhe afirma que sim, ele diz: “- Eu não estou acreditando que
você acabou de receber um telefonema no banheiro”, e ele mesmo a vendo surpresa
e assustada, continua: “Eu não sou idiota, você foi me buscar no trabalho, foi toda
carinhosa no carro, me trouxe pra comemorar e quer que eu acredite que o Miguel te
ligou agora?”, ela lhe responde: “Claro amor, Miguel acabou de me ligar no celular.
Por que eu iria mentir?” Bento acusa Ana de ter preparado tudo só pra contar sobre o
filme, e ela indignada responde que não se prestaria a tal papel, muito chateada sai e
o aguarda no carro.
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Ana começa as filmagens do filme e durante a cena, o narrador começa a
narrar novamente seus sentimentos, e pela primeira vez deixa bem claro sua
desconfiança, do envolvimento de Ana e Miguel:
“Eu sabia que estava perdendo Ana. Não havia um fato, não havia uma prova. Eu não sabia se era Miguel que a estava levando, mas sentia que ela estava indo. Aquilo me aniquilava, já há muito eu não pensava no trabalho, Joaquim tinha se transformado em mais um motivo pra eu pensar em Ana. O menino era a presença da ausência da mãe, me doía saber que o amor por ela era tão grande, que o menino quase não tinha como entrar no meu coração” (GÓES, 2003).
Ana havia viajado com Miguel e a equipe de filmagem, quando voltou procurou
pelo filho e não o encontrou. Bento lhe disse que o havia deixado na casa de sua
mãe, Ana quis imediatamente buscá-lo, mas Bento a deteve, e durante a discussão
ele diz: “Se você queria tanto saber de seu filho, por que você viajou para se
encontrar com o Miguel?” ela lhe diz: “Nunca mais repita isso Bento! Você está
louco? E começa a falar choramingando e se explicando, e acaba por seduzi-lo.
Analisando essas últimas cenas desde o momento em que Ana convida Bento
para jantar, até o momento de seu regresso das filmagens, de alguma forma leva a
alguns trechos de alguns capítulos do livro. Se juntarmos os pontos veremos que as
desconfianças em torno de Ezequiel, Escobar e Capitu, começam bem antes do que
a maioria dos leitores geralmente notam. Por exemplo, no capitulo 112 “As Imitações
de Ezequiel”, que em uma conversa com Capitu, Bentinho, diz que, Ezequiel tinha o
defeitinho de imitar os outros, Capitu lhe pergunta como e ele responde, “- Imitar os
gestos, os modos, as atitudes; imita prima Justina, imita José Dias; já lhe achei até
um jeito dos pés de Escobar e dos olhos...” (ASSIS, 1997, p. 203). Capitu ficou um
pouco pensativa e olhando para Bentinho, disse que era preciso corrigi-lo, e após
uma breve conversa, ela com seu jeitinho de cativar Bentinho lhe sorriu, um sorriso
que o narrador descreve como; “um riso doce de escárnio, um desses risos que não
se descrevem, e apenas se pintarão”.
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Esse trecho dá a impressão que Capitu se assustou com a possível
semelhança que Bentinho viu em Ezequiel e Escobar, e após pensar, achou um jeito
de disfarçar e fazer com que Bentinho tirasse aquilo da mente. No filme, olhando
somente pela perspectiva de Bento, a impressão que se tem é que Ana usa as
mesmas artimanhas que Capitu, a de agradá-lo. E Bento no filme é um profundo
conhecedor do livro. No capítulo seguinte 113 “Embargos De Terceiro”, o narrador
inicia falando que ainda sentia ciúmes de Capitu, e que era tão grande que chegou a
ter ciúmes de tudo e de todos. Mais abaixo ele diz; “Capitu era tudo e mais que tudo;
não vivia nem trabalhava que não fosse pensando nela” (ASSIS, 1997, p. 204). Ao
analisarmos em outras palavras é a mesma coisa que o narrador do filme diz em um
trecho; “[...] já há muito eu não pensava no trabalho, Joaquim tinha se transformado
em mais um motivo pra eu pensar em Ana. O menino era a presença da ausência da
mãe, me doía saber que o amor por ela era tão grande, que o menino quase não
tinha como entrar no meu coração”.
No capítulo 114 “Dúvidas Sobre Dúvidas”, durante uma conversa sobre os
embargos, com Escobar, Bentinho sentiu que o amigo lhe olhava desconfiado, e ele
achou que essa desconfiança não caberia de tão grande era a amizade entre eles.
Quando Escobar foi embora, Bentinho contou a Capitu suas dúvidas, e ela mais uma
vez usou de artimanha, e o narrador descreve: “ela as desfez com arte fina que
possuía, um jeito, uma graça toda sua, capaz de dissipar as mesmas tristezas de
Olímpio” (ASSIS, 1997, p. 207). Bentinho então fala a Capitu sobre outras dúvidas, e
disse que achava a mãe um pouco fria e distante ultimamente com ela e Ezequiel,
Capitu negou e disse que eram coisas de sogra, então ele a convidou para irem
jantar com a mãe. No dia seguinte após o jantar ao voltar para casa, Bentinho ainda
falava sobre suas dúvidas em relação a mãe, e mais uma vez como diz o narrador
ela usou de “arte fina”, e dali em diante foi cada vez mais doce com ele.
Após o momento de sedução com Bento, Ana diz que irá para o Rio na manhã
seguinte, para gravar uma cena e que levará Joaquim e a babá com ela, e ele
responde que não, que o Joaquim não vai. Neste momento ela começa a lhe
perguntar o que está acontecendo, por que ele está agindo daquele jeito, ele não
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responde e sai. Neste momento Bento vai a um bar tomar um drinque e se lembra de
uma cena de quando ele e Ana eram crianças. Essa cena se passa na praia, e
mostra Ana enterrada na areia e ele colocando areia sobre ela, falando; “jura, jura
que vai casar comigo aconteça o que acontecer”, ela responde; “juro, juro, juro, se eu
não casar com você não caso com mais ninguém”. A lembrança se mistura com a de
Ana e Miguel brincando na água do mar, o telefone toca e ele vê que é ela e não
atende. Essa cena se aproxima do capitulo 48 “Juramento do Poço”, onde Bentinho e
Capitu sentados à beira do poço, ele diz; “Você jura uma coisa? Jura que só há de
casar comigo?”, Capitu não hesitou em jurar, e com as faces vermelhas jurou três
vezes (ASSIS, 2007, p. 111).
Ao final da gravação de uma cena, Ana e Miguel se abraçam e festejam mais
uma etapa concluída, Bento chega e não é visto por nenhum dos dois, enquanto eles
sentam e conversam animadamente, Bento os observa e vê o momento em que
Miguel pega as mãos de Ana e as beija, e como na cena há vento, por estar em uma
espécie de galpão aberto, Miguel se inclina para ajudar Ana a arrumar os cabelos,
que batiam em seu rosto. Quando Miguel se inclina seu rosto se esconde atrás do de
Ana, do angulo que Bento está, parece que os dois se beijam.
Bento caminha até eles com um semblante carregado e transtornado, e senta.
Miguel ao vê-lo, o cumprimenta normalmente, e Ana surpresa fala; “Bento? O que
você está fazendo aqui? O que foi amor aconteceu alguma coisa com o Joaquim?
Mas Bento sem ao menos olhar para o amigo e ignorando-o, se dirige a Ana e fala;
“Vamos voltar pra São Paulo?”Ela responde que está trabalhando, Miguel tenta
conversar com ele, e ele repete com voz ríspida; “Vamos embora Ana, eu vim aqui
pra te buscar”, e ela responde que só faltava mais uma cena, Miguel tenta conversar
com o amigo, mas é ignorado completamente então sai e deixa os dois a sós. Ana
não se conforma com a atitude de Bento e diz que aquilo era um horror e Miguel era
seu amigo, ele responde que não entendia o porquê do constrangimento se eles
eram um triangulo, e ela sem entender nada pergunta do que ele estava falando e
ele lhe manda perguntar a Miguel que talvez ele se lembrasse de algum filme, ela
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mais uma vez o chama de louco. Ele pergunta mais uma vez; “você vai ou não vai
comigo? Ana responde que vai terminar seu trabalho, Bento se levanta e vai embora.
Analisando essa cena, entende-se que Bento se sentiu como Bentinho a partir
do capítulo 123 “Olhos de Ressaca”, até o final do livro, que após a morte de seu
amigo, chegou o momento da despedida final, e todos choravam só Capitu se fez de
forte amparando a viúva e amiga;
“Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, [...] Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto, nem palavras desta, mas grandes e abertos” (ASSIS, 1997, 217).
José Dias se aproximou e disse que estava na hora, fecharam o caixão e
quando Bentinho saiu a porta carregando uma das alças, olhou para a rua e sentiu
vontade de jogar o caixão a rua com defunto e tudo. Seus sentimentos eram os
piores possíveis, na hora de fazer o discurso em homenagem ao defunto se viu
perdido, e sem vontade nenhuma leu as palavras que havia escrito, e tudo o que
estava no papel não lhe faziam mais sentido, ao final de tudo só pensava o pior, e
pensou, e pensou, caminhou, e caminhou. Chegando em casa, Capitu veio ao seu
encontro, estava com ar sereno e calmo, os demais que estavam lá pararam o que
estavam fazendo e também vieram falar-lhe, após uma conversa Capitu saiu para
olhar o filho que dormia, e quanto voltou tinha os olhos vermelhos de chorar, disse
que ao ver o filho dormindo se lembrou da viúva e sua filhinha e na aflição das duas,
abraçou Bentinho e disse que se quisesse pensar nela que pensasse em si primeiro.
Foi o bastante para que Bentinho se rendesse.
Ana brinca com o filho e o alimenta, Bento chega e os observa, entra senta,
olha, se levanta não diz nada e sai. Ela o procura e tenta agradá-lo, mas acaba em
discussão e Bento perde a cabeça e a acusa de ter segredinhos com Miguel e tudo o
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mais, ela indignada e cansada jura que tudo aquilo é mentira, e Bento não acredita,
então Ana diz que vai embora com o filho, e ele diz que já não acredita ser pai de
Joaquim e que irá fazer um exame de DNA. Ana ao ouvir sobre o exame diz que se
ele continuar com aquilo, nunca mais verá nem a ela e nem ao filho.
No livro Bentinho desconfia que Ezequiel não é seu filho, a partir do capitulo
131 “Anterior ao Anterior”, e nos próximos, essa desconfiança aumenta à medida que
Ezequiel cresce. Bentinho e Capitu viviam felizes com o pequeno Ezequiel, mas um
dia a própria Capitu põe tudo a perder por um comentário, ela pergunta ao marido se
já havia reparado que o filho tinha uma expressão nos olhos esquisita, e que só
havia duas pessoas que ela conhecera com a mesma expressão, um amigo do pai e
Escobar. Bentinho se aproxima de Ezequiel e vê que a mulher tem razão, mas não
porque eram esquisitos os seus olhos e sim porque se pareciam com Escobar.
Bentinho diz a Capitu que na beleza os olhos do filho eram iguais ao da mãe, então
Capitu sorriu balançando a cabeça com um que nunca ele vira em mulher alguma. À
partir dali Bentinho reparou que não só os olhos mas todo o resto se parecia com o
finado amigo, e passou a viver calado e aborrecido (ASSIS, 1997, p. 225-226).
O cineasta Moacyr Góes, conseguiu captar e transferir para o filme toda
aquela tristeza, aborrecimento e todo aquele conflito de Bentinho. O filme não mostra
Bento comparando o filho a Miguel, mas deixa claro o sentimento dele, exatamente
como Bentinho no livro.
Após a discussão, Ana sai do quarto e deixa Bento sozinho e pensativo, este
fica se remoendo e não consegue entender porque fazia aquilo, era mais forte que
ele, a dúvida o consumia, então caminhou até o quarto de Joaquim e ao fitá-lo, corta
uma mecha de seus cabelos para o exame de DNA. Ana aparece nesse exato
momento e não se conforma com o que vê, fica claro o seu desespero, indignação e
sofrimento, então sai sem ser vista.
Essa cena leva ao desfecho do livro que vai do capítulo 133, até o 138,
quando Bentinho pensando em suicídio compra um veneno, e quando ia tomá-lo com
café, Ezequiel entra correndo e o abraça pelos joelhos puxando-o para tentar beijar-
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lhe a face, Bentinho então pensa em dar o veneno ao menino, no último segundo
arrepende-se e abraça o menino, e chorando beija-lhe a cabeça doidamente, o
menino gritava lhe papai, papai, e ele responde; “- Não, não, eu não sou teu pai!”,
quando Bentinho levanta a cabeça vê Capitu pálida a olhá-lo, após momentos de
silêncio, Capitu pede para que o filho saia, e a Bentinho pede que se explique, mas
ele diz que; “- Não há que explicar”, e ela diz que não havia entendido nada e ele
repete o que havia dito ao menino, Capitu ficou indignada, transtornada, e durante
uma discussão, Bentinho faz-se entender cogitando o nome de Escobar, e Capitu
com riso irônico e melancólico, lhe responde; “ – Pois até os defuntos! Nem os
mortos escapam aos seus ciúmes! [...] – Sei a razão disto; é a casualidade da
semelhança...A vontade de Deus explicará tudo...Ri-se? É Natural; apesar do
seminário, não acredita em Deus; eu creio...Mas não falemos nisto; não nos fica bem
dizer mais nada” (ASSIS, 1997, p. 235).
Bento caminha em direção à um parque e se senta pensativo, ele vê uma
garota comprando picolé e passa a observá-la, e se lembra de Ana ainda menina, e
quando ela olha pra ele, vê os olhos de Ana de tanto que se parecem. Aquilo lhe dá
uma alegria e ele sai correndo pra casa. Bento entra gritando por Ana, como se
estivesse arrependido, e como se finalmente tivesse recobrado a consciência. Mas
Ana não estava, o apartamento estava vazio sem ninguém, ele olha em volta e vê
sobre o balcão um girassol murcho, caminha em sua direção e percebe que tem um
bilhete e um envelope. Então ele lê;
“Esse é o exame que você queria, ligaram do laboratório e eu fui pegar, faça o que quiser, mas uma coisa não é mais possível, voltar a me ver. Estou indo embora para o Rio com Joaquim, se você desejar vê-lo mais tarde, daremos um jeito. Eu fui apaixonada por você como jamais imaginei ser capaz, e nunca duvidei do seu amor, mas hoje, não sei se essa paixão é por mim. Acho que você é apaixonado pelo amor que acredita sentir por mim, e eu, não tenho nada a ver com isso. É uma pena, mas aconteceu assim, eu tive todos os sonhos com você, e hoje isso virou tristeza. Adeus Bento” (GÓES, 2003).
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Quando Bento lê a última palavra o telefone toca, ele atende e sai correndo,
era um acidente. Chegando ao local ele descobre que Joaquim só estava vivo graças
a cadeirinha presa com cinto de segurança no banco traseiro do carro. Bento recebe
o menino em seus braços o beija e entra na ambulância. De volta ao apartamento,
Bento pega o envelope do exame nas mãos, um cinzeiro e o queima, enquanto olha
o exame queimar o narrador narra seus pensamentos; “Eu preferi não ler o exame, e
ficar sem Joaquim, seria perder Ana mais uma vez...Joaquim é o filho que Ana me
deu...Ele junta uma ponta a outra de minha vida. Assim como no livro, eu não pude
sustentar o imenso amor que ainda sinto por ela, e que agora é todo de meu filho”
(GÓES, 2003).
Bento realmente achava que era Bentinho o “Dom Casmurro”, e é exatamente
por isso que ele tinha tanta certeza de que Ana o havia traído. Não que isso ficasse
claro no livro, mas porque ele assumiu para si, a mesma sina de Bentinho, com uma
diferença, Bento se arrepende, tarde demais mas arrepende-se, enquanto que no
livro Bentinho não volta atrás, ele abandona Capitu e Ezequiel na Europa e passa a
viver só, mas como o próprio narrador do livro diz, não deixa de viver a vida. Só volta
a ver Ezequiel quando já está moço porque ele veio lhe visitar, e mesmo assim ainda
achava semelhança entre ele e Escobar, e sua repulsa a ele ainda estava lá, Capitu
morreu na Suíça e nem ao menos é citada como se deu essa morte, Ezequiel passa
uns tempos com o pai depois viaja e morre de febre tifóide, e Bentinho segue sua
vida.
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4 A PROVA DOS NOVE
Este capítulo tem por objetivo mostrar como foi utilizada no filme algumas das
operações que fazem parte do processo de adaptação, que foram citadas no
segundo capitulo deste trabalho.
4. 1 A teoria aplicada
“Dom” filme do cineasta Moacyr Góes, é uma adaptação inspirada na obra de
Machado de Assis “Dom Casmurro”, por isso, sabe-se que não se trata de uma
transposição (que o cineasta tenta passar ao espectador o próprio livro na tela), e
sim de uma adaptação que o cineasta faz do romance para a época atual, trazendo
somente os pontos de maior interesse, tendo como tema central o ciúme, os conflitos
internos sofridos por Bentinho, o possível triângulo amoroso, e alusão aos
personagens principais. O ciúme e os conflitos gerados por ele são problemas
comuns do ser humano, que atravessa séculos, gerações e culturas, o que torna o
tema sempre atual e de fácil adaptação para qualquer época.
Adaptar um livro para um filme não é tarefa fácil de se fazer. No segundo
capítulo deste trabalho foram apresentadas algumas operações e elementos que
constituem uma adaptação. Partindo dos questionamentos sobre
Semiótica/Intersemiótica, e suas explicações, várias cenas do filme seriam
esclarecidas. Escolhemos a cena em que Bento observa Ana e Miguel conversando
no sofá. Fica claro pela expressão de seu semblante que ele está furioso e que seu
ciúme toma conta de seu ser. É através da Semiótica (ciência que tem por objeto de
investigação de todas as linguagens possíveis) que compreendemos a linguagem
corporal de Bento, e percebemos o ciúme e a raiva. A Intersemiótica é o processo de
transpor as palavras que explicam os sentimentos e emoções do livro, para as
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imagens do filme onde uma simples cena sem palavras, mostra as emoções e
sentimentos do personagem que no livro usa, às vezes, uma página inteira para
transpor ao leitor, o que as imagens do filme deixam claras em apenas alguns
segundos.
No processo de redução, o cineasta Moacyr Góes subtrai do filme alguns
personagens como o José Dias, o Padre Cabral, Prima Justina, Dona Glória, Tio
Cosme, os pais de Capitu, Sancha, entre outros. Também é eliminado o período da
infância de Bentinho e Capitu, (transformado no filme em lembranças de Bento), e o
seminário. No processo de adição, são usados elementos como a
contemporaneidade, o cineasta traz para a atualidade o conflito de Bentinho e o seu
ciúme desmedido por Capitu, transformando Ana em bailarina e atriz, e Bento em
engenheiro industrial, além de Escobar que foi transformado em Miguel amigo de
Bento da época de faculdade, produtor e cineasta. Mais duas personagens foram
adicionadas ao filme, Dani, assistente de Miguel na produtora e Heloísa noiva de
Bento no início do filme, a cidade de São Paulo e suas indústrias também são
novidade no filme.
O deslocamento e a transformação são outros elementos da adaptação
usados em várias cenas do filme. Uma de destaque é a que nos leva ao chamado
juramento do poço, que acontece mais ou menos no meio do livro, e o cineasta a usa
no final do filme e a transforma em lembranças, passando a ser juramento da praia, a
cena se passa na praia onde Ana aparece enterrada até o pescoço por areia e os
dois fazem o juramento de se casarem. Outro deslocamento e transformação é a
amizade de Capitu e Escobar que se dá no livro através de Bentinho, e no filme se
dá através da profissão de Ana que é atriz e bailarina e Miguel é produtor e cineasta
o que consequentemente os une em um relacionamento profissional.
O espaço é um dos elementos importantes no processo adaptativo, no livro os
espaços mais citados são o quintal de Capitu, a casa de Bentinho e o seminário. No
filme os espaços se alternam entre o apartamento de Bento, o de Ana, a produtora
de Miguel, a praia e restaurantes. O tempo recurso igualmente fundamental da
adaptação, tendo a câmera como domínio para avançar, recuar, inverter, etc., é
50
usado no filme para mostrar a infância de Bento e Ana através de lembranças, e para
dar alguns saltos na história como, por exemplo, a gestação de Ana e o nascimento
de Joaquim que na tela se passa em alguns minutos, e o seu crescimento parece ser
instantâneo num piscar de olhos já que se encontra com dois anos. No início do filme
o narrador diz: “Eu nunca acreditei em destino; E nem podia imaginar que o nome
que carrego podia ser uma sina, mas bastaram dois anos para que minha vida
virasse pelo avesso”, fica claro que o tempo decorrente no filme é de apenas dois
anos, enquanto que no livro é de vários anos indo gradualmente desde a infância até
a maturidade dos personagens.
O conflito que gira em torno dos personagens do livro, foi adaptado para o
filme, sem nenhum prejuízo, como já citado acima, trata-se do ciúme, um sentimento
que atravessa tempos, culturas e nações. Os personagens foram adaptados de uma
forma mais contemporânea, ou seja, podemos dizer que apenas inspirados no
romance do livro, por exemplo, Ana que é atriz e bailarina, profissão que na época
em que se passa a história do livro, não era bem vista pela sociedade que julgava as
atrizes e bailarinas como meretrizes, e hoje são profissões de destaque e de
reconhecimento profissional. Bentinho no livro é advogado, profissão que já era
muito reconhecida na sociedade da época, foi adaptado no filme para Bento,
engenheiro industrial e empresário que são profissões de grande destaque na
sociedade atual. Escobar na obra literária era um homem de negócios, seu
personagem foi adaptado para Miguel, formado em engenharia industrial, mas que
trabalha como produtor e cineasta, tanto Miguel quanto Escobar possuem profissões
de considerado respeito frente às sociedades de suas respectivas épocas.
Os personagens são descritos no livro diferente do que são representados no
filme, mas foram mantidas algumas características como por exemplo os olhos de
ressaca de Capitu, que o leitor, ao assistir ao filme não tem dúvidas que os olhos de
Ana são igualmente como os descritos no livro pela imagem que se criou em sua
mente. Outra característica mantida é a de Bentinho que passa para o leitor como
um personagem introspectivo, reservado, ensimesmado, ciumento, e obcecado.
Personalidade muito bem interpretada pelo ator no filme.
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Através do focalizador (que é o agente que transmite aos espectadores do
filme toda a emoção dos personagens), que o público pode constatar e tirar suas
próprias conclusões a respeito dos sentimentos dos personagens e certificar-se, por
exemplo, que as emoções de Bento são iguais as de Bentinho no livro. A câmera é
outro elemento essencial, que nos permite com a ajuda da trilha sonora e efeitos
especiais de imagem, conhecer os espaços, detalhes de cenário, figurinos, etc. Um
desses detalhes favorecidos pela câmera são os girassóis com que Bento presenteia
Ana no início do filme e em vários outros momentos de amor e felicidade, e que, a
câmera não deixa passar desapercebido no final do filme, quando Ana deixa um
girassol murcho sobre uma carta de despedida. Este detalhe através da câmera
deixa claro a um espectador mais atento, que os girassóis ficaram como um símbolo
de amor entre Ana e Bento, e no final com a separação do casal, o amor de Ana
havia murchado como o girassol deixado por ela.
Segundo Andrew (apud Corseuil, 2009) há diferentes formas de representação
adaptativa, que ao substituírem o termo fidelidade (muito usado por críticos de
cinema e literatura), facilitam a compreensão da linguagem cinematográfica, são
eles:
Empréstimo, que é o termo que se emprega ao usar com maior ou
menor intensidade o conteúdo da obra literária. No caso de “Dom”
Moacyr Góes diz ter apenas se inspirado em “Dom Casmurro” de
Machado de Assis, o que nos leva a entender que ele usou um pouco
de empréstimo.
Intersecção é o termo que se usa quando se quer transmitir ao público
apenas o original (forma e conteúdo) num processo de refração e não
de adaptação, que é o caso de “Dom” que foi totalmente adaptado.
52
Transformação é o mais frequente na adaptação. Moacyr Góes
transformou o romance do século XIX para um do século XXI, sem
perder o foco dos personagens e seus conflitos, e a categoria narrativa
e o ponto de vista do narrador. Bentinho no livro narra sua história com
Capitu em primeira pessoa, passando ao leitor somente seu ponto de
vista. Moacyr Góes criou Bento com as mesmas perspectivas deixando
o expectador sobre sua influência e com a mesma duvida que o leitor
do livro. Outro ponto de transformação na obra fílmica, é a
personalidade de Bento, que de homem amargo e enciumado se
transforma em pai amoroso. No final do filme Bento dividido entre a dor
e o arrependimento se redimi ao queimar o exame de DNA, como um
último gesto de amor a Ana, e passa a cuidar amorosamente de
Joaquim. Ao contrário de Bentinho no livro que de ingênuo passa a ser
o amargo Dom Casmurro.
A voz em off de Bento, consequentemente o narrador, foi utilizada como
recurso pelo cineasta, para mostrar o estado psicológico, pensamentos e conflitos do
personagem, além de suas lembranças de infância com Ana, exatamente como a
narração de Bentinho no livro.
Como no livro a história do filme é contada em flashback e, portanto, inicia-se
pelo desfecho. Na obra literária Bentinho já é um homem maduro e mora sozinho em
uma casa que é a reprodução da que viveu em sua infância, e passa a narrar sua
história escrevendo um livro. O filme inicia-se com as imagens do local do acidente
de carro sofrido por Ana e seu filho Joaquim, que a levou à morte. Com a mesma
trilha sonora de mistério e tristeza da cena final. As cenas do acidente se dão entre
os créditos iniciais do filme, intercaladas com os nomes dos atores, diretores, e o
título do filme. Elas mostram uma sirene de ambulância ligada e piscando, o carro
capotado, o carro do corpo de bombeiros, e para um espectador mais atento
percebe-se Bento com os bombeiros, depois caminhando nos vidros quebrados,
passa pelo carro capotado e entra em um veículo. A partir dessas cenas Bento narra
53
os últimos dois anos de sua vida. Nota-se que, se essas cenas passarem
despercebidas pelo espectador o final poderá ter um efeito diferente.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente a adaptação de livros para o cinema tem se tornado uma prática
cada vez mais comum, mas ao realizá-la a obra literária sofre transformações para
que possa ficar no formato de obra fílmica. Dessa perspectiva, percebemos que
literatura e cinema são artes totalmente distintas, pois são compostas por meios
diferentes e específicos. Portanto, nesse processo de adaptação inúmeras
estratégias são exploradas quando se transfere o texto literário para o fílmico. Desse
modo, constatou-se que uma complementa a outra, agregando valores e não
desvalorizando-o.
Ao pensar em adaptação fílmica e, consequentemente na relação
estabelecida entre literatura/cinema, fez-se considerar questões importantes e
necessárias. Entre elas estão a fidelidade e a especificidade do filme com o texto
original. O filme nem sempre conseguirá traduzir os elementos presentes no texto
literário. Nesse sentido, para adaptar a linguagem literária à cinematográfica, o
cineasta precisa fazer uso de muita criatividade, além de ter bom senso.
Diante de tantos elementos que compõem a adaptação do texto literário para
o fílmico, entende-se que esse processo pode ocorrer de várias formas, pois o
produtor do filme pode ser mais próximo tentando reproduzir o máximo do livro no
filme, ou ser mais distante pegando somente os pontos que mais o interessar na
obra literária, como no caso Moacyr Góes no filme “Dom”, optando em criar uma
história de Bentinho e Capitu adaptada à modernidade. Não se pode julgar uma
adaptação como sendo de maior ou menor fidelidade ao texto que a originou, cada
adaptação é de valor independente e se torna uma obra independente, e cada
roteirista tem liberdade de criar e adaptar a obra literária ao seu filme de acordo com
sua inspiração.
Sendo assim, conclui-se que a adaptação tem um valor significante em
relação à literatura, pois através dela o leitor pode sim se interessar pelo texto fonte
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que a originou. Através da análise comparativa reconheceu-se e encontrou-se
inúmeros pontos de contato da obra literária com a fílmica, o que instigou leituras
mais detalhadas do texto literário, levando assim a reconhecer no livro detalhes
antes que passaram despercebidos e que o filme nos fez refletir a respeito. Na
medida em que se assiste ao filme percebem-se algumas características dos
personagens, que em um primeiro momento, não parecia fazer parte do livro, mas
diante da curiosidade de saber de onde poderia ter saído a inspiração do cineasta,
entende-se que a obra fílmica não estava tão distante do livro o quanto pensávamos.
Conforme buscou-se mostrar nesta pesquisa, a grande vantagem da produção
fílmica inspirada em obras literárias, é que pode promover um aumento da procura
dos romances originais, desse modo, atraindo muitos leitores. Assim sendo, a
adaptação influencia a leitura do texto original, devido a alguns detalhes que o filme
não revela, por exemplo, um espectador que nunca leu “Dom Casmurro”, ao final do
filme pode ficar instigado em saber se Joaquim é ou não filho de Bento, ou se a
personagem morre ou não no final, ou ainda sendo um conhecedor da obra
Machadiana tentar relacionar as características de Ana com Capitu, como os olhos
de ressaca, os cabelos, e até mesmo tentar comparar algumas frases que
Bento/narrador diz no filme com as de Bentinho/narrador no livro. São inúmeras as
possibilidades de dúvidas e inquietações que podem ocorrer ao espectador do filme,
e qualquer uma delas consequentemente o levará à leitura da obra literária.
Um dos fatores positivos da influência da adaptação é exatamente influenciar
a leitura da obra literária, desenvolvendo e enriquecendo ainda mais a cultura e
conhecimento do espectador/leitor, tornando-o um leitor crítico a ponto de saber
diferenciar as semelhanças e transformações de uma obra para a outra,
transformando-o em um apreciador das duas artes com um olhar diferenciado dando
assim valor tanto a uma quanto a outra, reconhecendo que a adaptação
cinematográfica não diminui a literatura em nada e sim a torna aliada.
Outro fator positivo da adaptação cinematográfica é a possibilidade de ser
usada como material de apoio pelas escolas em sala de aula, não somente nas aulas
de literatura, mas também em diversas outras disciplinas como história (pelo
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contexto histórico que cada uma tem), geografia (pelo espaço geográfico e
acontecimentos que os modificaram), ciências/biologia (pelo desenvolvimento do
homem e seres vivos em gerais, e outros que possam caber à disciplina), além de
outras.
Diante dos resultados obtidos nesta pesquisa em relação à adaptação,
constatou-se que o fator negativo é irrelevante diante dos positivos, por ter
possibilidades apenas de a obra não ser compatível a uma adaptação, não atingir o
propósito de que o roteirista inicialmente se propôs a fazer em uma das formas de
representação citadas no tópico acima, ou ainda de não haver uma divulgação
adequada de seu propósito e não ser bem interpretada pelo público e críticos da
área.
A hipótese de que a relação literatura/cinema poderia justificar o interesse que
um despertou sobre o outro no espectador/leitor, fazendo com que houvesse
fenômenos de vendas com determinados livros, pôde ser comprovada diante da
quantidade de vendas que alguns livros tiveram após o lançamento de algumas de
suas adaptações. No Brasil esse fenômeno aconteceu, mas não com adaptações de
nossa literatura e sim com livros que serviram de fonte para adaptações
estrangeiras. Talvez seja pelo fato de que o cinema brasileiro ainda ser criança
perante o cinema mundial e suas grandes produções, ou pelo fato de que a nossa
literatura é que é muito jovem ou que o seu reconhecimento mundial ainda é muito
pequeno diante dos grandes clássicos da literatura mundial.
Indiferente a tudo e a todos, as adaptações cinematográficas mostram que em
maior ou em menor grau, pode-se levar o espectador à condição de leitor
interessado, ao contrário do que geralmente se pensa o filme não reduz a obra
literária em nada, e sim a transforma em uma das principais fontes de inspiração.
“Dom” do cineasta Moacyr Góes é um dos filmes que usou a obra Machadiana “Dom
Casmurro” como fonte de inspiração. O cineasta por ter sido ousado em sua
adaptação contemporânea e sofreu duras críticas o que deixou o público um pouco
desestimulado a assistir a obra fílmica, mesmo com tanta crítica negativa o filme foi
ganhador de vários prêmios, como os já citados no capítulo anterior, portanto, como
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já sabemos não se pode julgar um livro pela capa, usando esse ditado não se pode
julgar um filme pelo título ou pelas criticas.
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6 REFERÊNCIAS
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