Literatura infantojuveniL - UNIASSELVI

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2013 LITERATURA INFANTOJUVENIL Prof. Abraão Junior Cabral e Santos Prof.ªJackeline Maria Beber Possamai Prof.ª Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

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2013

Literatura infantojuveniL

Prof. Abraão Junior Cabral e SantosProf.ªJackeline Maria Beber PossamaiProf.ª Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

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Copyright © UNIASSELVI 2013

Elaboração:Prof. Abraão Junior Cabral e Santos

Prof.ªJackeline Maria Beber PossamaiProf.ª Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

Revisão, Diagramação e Produção:Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial.

028.5S237l Santos, Abraão Junior Cabral e Literatura infantojuvenil / Abraão Junior Cabral e Santos; Jackeline Maria Beber Possamai; Joseni Terezinha Frainer Pasqualini. Indaial : Uniasselvi, 2013. 175 p. : il

ISBN 978-85-7830-710-3

1. Literatura infantojuvenil. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.

Impresso por:

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apresentação

Caro(a) acadêmico(a)!

Neste Caderno de Estudos, esperamos mediar o encontro da literatura com questões que possam auxiliar sua prática pedagógica, bem como fixar, aprofundar, estabelecer relações e dar continuidade aos estudos iniciados com a disciplina de Teoria Literária e, principalmente, que, ao término dessa disciplina, você possa perceber a importância da literatura na sala de aula e na vida do indivíduo.

A literatura é conhecimento produzido historicamente, objeto de interrogação, dúvida e pesquisa. Civiliza, educa e “humaniza”, na medida em que sugere melhores formas de vida e se constitui como exercício de liberdade, inquietação, crescimento e perplexidade.

Neste Caderno de Estudos chamamos a atenção para o fato de que, muitas vezes, a literatura é metodicamente submetida a rotinas padronizadas, perdendo seu sentido mais profundo. Torna-se mera soma de palavras e frases, concebida como um sentido preestabelecido, ou seja, os alunos leem somente para transcrever recursos estilísticos, para estudar análise sintática, procurar palavras no dicionário, estudar normas gramaticais e aprender modelos de conduta moral. Esta última, muito enfatizada na escola, sobretudo na literatura infantil, apresenta textos somente com o intuito de que as crianças assimilem padrões de conduta adequada à ordem social. Essas práticas podem ser fator decisivo e determinante para o distanciamento da literatura.

A literatura infantojuvenil é um aparato facilitador para despertar o prazer da leitura e deveria ocupar lugar de destaque no cotidiano escolar e familiar. O desafio é incentivar a dimensão prazerosa, lúdica e estética da literatura e, ainda, por meio dela, proporcionar que o leitor se depare com sentidos e identificações do lido, explorando-os, aprendendo sobre os medos, angústias, lutas, coragem, amor e o mundo que o cerca. Para tanto, é imperativo que o professor avalie e reflita entendendo sua intenção primeira: suscitar e despertar o gosto pela leitura.

A necessidade da literatura em sala de aula é algo incontestável. Em especial, neste espaço privilegiado pela possibilidade de apresentação e interação do texto literário, pois contribui para a ampliação de conhecimentos, permite a interpretação do mundo como um texto universal e a percepção de sua complexidade. Ainda nessa perspectiva, expande e reforça a ideia de que cada indivíduo é sujeito e agente de sua própria história.

Na sala de aula deve existir muita leitura, de vários gêneros literários, a fim de que o aluno possa melhor refletir, compreender, problematizar

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e questionar os textos lidos, fazendo uso de sua criticidade e, também, da habilidade em lidar com as regras estabelecidas para a leitura. Ler significa aprender a produzir sentidos inseridos em um tempo e em um espaço, tornando o exercício de leitura ativo.

Não temos a pretensão, caro(a) acadêmico(a), de esgotar as reflexões sobre a literatura infantojuvenil, mas esperamos colaborar para apontar questões teóricas e práticas, o que, sem dúvida alguma, contribuirá para sua postura frente à literatura em sala de aula.

Bons estudos e sucesso em sua vida acadêmica!

Prof. Abraão Junior Cabral e SantosProf.a Jackeline Maria Beber PossamaiProf.a Joseni Terezinha Frainer Pasqualini

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano,

há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

UNI

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Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

UNI

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UNIDADE 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA .......................................................... 1

TÓPICO 1 – O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO? ...................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 ASSIMETRIA ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA .................................................................. 4 3 O PENSAMENTO FELIZ: ENTRE O LÚDICO E O LÚCIDO ..................................................... 9 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 14 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 16 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 17

TÓPICO 2 – A LITERATURA ENTRA NO JOGO ............................................................................ 19 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 19 2 A ARTE E A PALAVRA ........................................................................................................................ 193 A LITERATURA COMO FONTE HUMANIZADORA ................................................................. 24 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 31 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 32

TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA ............................................ 331 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 332 O LITERÁRIO: ASPECTOS QUE O DEFINEM ............................................................................. 333 O TEXTO LITERÁRIO E O TEXTO NÃO LITERÁRIO ................................................................ 37RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 41 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 42

UNIDADE 2 - A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES ........................................... 43

TÓPICO 1 – ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL ................................................................. 451 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 45 2 OS TEXTOS DESTINADOS AO JOVEM LEITOR ........................................................................ 463 A LITERATURA INFANTIL – UM POUCO DE HISTÓRIA ....................................................... 47 3.1 PANORAMA DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA ..................................................... 51RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 57 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 58

TÓPICO 2 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I ..................................................... 611 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 61 2 AS NARRATIVAS E O ESTILO ......................................................................................................... 61 3 NARRATIVAS: O CONTO ................................................................................................................ 64 3.1 OS CONTOS DE FADA .................................................................................................................. 65 4 O PODER DOS CONTOS NA CONTEMPORANEIDADE ....................................................... 68RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 72 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 74

sumário

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TÓPICO 3 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II .................................................... 771 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 772 A COMPOSIÇÃO DOS TEXTOS LITERÁRIOS ............................................................................ 77 2.1 A AÇÃO ............................................................................................................................................ 79 2.2 AS FALAS NA NARRATIVA ......................................................................................................... 80 2.3 O ESPAÇO ......................................................................................................................................... 84 2.4 O TEMPO .......................................................................................................................................... 853 A PERSONAGEM E SEUS ASPECTOS ........................................................................................... 85 3.1 A FÁBULA ....................................................................................................................................... 89 3.2 A LENDA ......................................................................................................................................... 90 3.3 A PARÁBOLA .................................................................................................................................. 92 3.4 A PARLENDA ................................................................................................................................. 92 3.5 O ROMANCE ................................................................................................................................... 944 LEITURA E A DIMENSÃO COGNITIVA ....................................................................................... 95LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 98RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 102AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 104

UNIDADE 3 - O PAPEL DA ESCOLA ............................................................................................... 105

TÓPICO 1 – O DIVERTIDO PRAZER DE LER ................................................................................. 1071 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1072 A SALA DE AULA: QUE TEXTOS ESCOLHER? ........................................................................... 1073 INVERTENDO A TRADIÇÃO ......................................................................................................... 112RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 114AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 115

TÓPICO 2 – A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA ........................................................................... 1171 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1172 A RECEPÇÃO DO LIVRO INFANTIL ............................................................................................. 1173 A IMAGEM: LUGAR ESPECIAL ....................................................................................................... 122RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 131AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 132

TÓPICO 3 – EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS ................................................................ 1331 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1332 LEITURA DO MUNDO: A LITERATURA .................................................................................... 1343 A DESCOBERTA DA POESIA .......................................................................................................... 144 3.1 O TEATRO ........................................................................................................................................ 1494 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ............................................................................................... 156LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 159RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 162AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 163REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 165

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UNIDADE 1

CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Esta unidade tem por objetivos:

• refletir sobre a assimetria entre o adulto e a criança;

• identificar possíveis conceitos atribuídos à literatura;

• diferenciar um texto literário de um texto não literário;

• refletir sobre as funções da literatura;

Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

TÓPICO 2 – A LITERATURA ENTRA NO JOGO

TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

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TÓPICO 1UNIDADE 1

O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL

O MODELO?

1 INTRODUÇÃO

Prezado(a) acadêmico(a), nesse tópico você entrará em contato com algumas teorias e discussões, em torno das quais importantes relações se estabelecem entre arte e infância. Para tanto, não só o presente texto, quanto os demais tópicos desta unidade, estão construídos de modo a possibilitar-lhe não apenas tecer considerações acerca da temática em questão, como também em ajudá-lo(a) a colher implicações que, em alguma medida, possam auxiliá-lo(a) a melhor observar, refletir e posteriormente opinar sobre a realidade da literatura infantojuvenil no contexto atual das instituições de ensino.

Assim, observaremos primeiro o quanto a construção da nossa civilização “escolarizada” se deveu ao aprisionamento de nossa gestualidade espontânea, que em sua origem marcava não um divórcio, mas uma identidade entre o lúdico e os afazeres cotidianos, que acabaria sendo amordaçada pelo pensamento racional, o qual, ao fazer prevalecer os pontos de vista do adulto, acabaria por normatizar diversas instituições sociais, como a escola e a literatura destinada à criança.

Em seguida, verificaremos o lugar do pensamento lúdico na atualidade, seja a partir da relação assimétrica que socialmente se constrói entre a magia infantil e a lógica do indivíduo adulto, seja segundo a aparente evolução da consciência mítica em direção à racionalidade pragmática, que, nesse percurso, desfaz-se do caráter mágico inerente ao lúdico.

Ora, há de se constatar que essa aparente “evolução” da racionalidade rumo a formas de expressão mais refinadas não deveria descartar o poder “mágico” presente nas manifestações literárias, já que elas surgem como formas artísticas calcadas no pensamento mítico e em atividades lúdicas praticadas desde o aparecimento de nossa espécie e até hoje consolidadas como formas significativas de revelação do real.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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2 ASSIMETRIA ENTRE MATURIDADE E INFÂNCIA

Quando guri, eu tinha de me calar à mesa; só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem (QUINTANA, 1979, p. 28)

Você se lembra de como, no tempo em que você era pequenininho, seus pais ou parentes mais próximos reagiam às brincadeiras ou às “traquinagens” das crianças de sua geração? Lembra, ademais, que tipo de expressões ou formas de linguagem eles utilizavam em tais momentos, quer fosse para elogiar essas mesmas ações, quer fosse para censurá-las ou, no pior dos casos, para reprimi-las?

Nessas situações, você também deve lembrar que, de modo semelhante à maneira como os adultos de antigamente nos tratavam, nós – não porque verdadeiramente o sejamos, mas tão somente porque agora ocupamos o lugar destinado a quem deve ser “o mais sábio” ou “o mais forte” –, diante da criança em geral, sentenciamos: “escute a voz da razão”, “você precisa aprender a crescer”, “tenha juízo”, “siga quem tem mais experiência do que você” etc.; expressões que demarcam claramente o lugar de quem manda e, em contrapartida, o lugar destinado a quem deve obedecer.

Caro acadêmico(a), para aprofundarmos essa reflexão sobre as relações entre maturidade e infância, seria interessante você parar por alguns instantes e fazer um pequeno exercício de memória. Primeiro, tente identificar quais expressões eram utilizadas pelos adultos no tempo em que você era criança e que ainda lhe soam familiares; em seguida, observe as expressões que você emprega hoje em dia ao tratar com as crianças da atual geração. Caso tenha conseguido identificá-las, anote algumas dessas expressões no diagrama a seguir e, em sala de aula, troque suas experiências com as dos colegas:

Ora, uma das possíveis consequências de tal exercício é que, a partir da experiência pessoal, podemos constatar que essas expressões não só revelam, mas simultaneamente contrapõem dois modos distintos de se perceber e experimentar a existência, a saber: um primeiro modo, geralmente considerado irracional, por vezes pueril e inerente a quase todo indivíduo que se encontre na fase “transitória”

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TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

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da infância; e, em um segundo modo, considerado harmônico, equilibrado e característico não apenas do indivíduo adulto, mas através dele se estabelecendo como parâmetro ou modelo para pautar a existência e as atitudes de qualquer ser humano, independente da faixa etária em que ele se encontre.

Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o vocábulo “Assimetria” refere-se a um substantivo feminino, enquanto a palavra “Assimétrico” refere-se a um adjetivo, ambos os termos designando: ausência de simetria; que não tem simetria; dessimetria; dissimétrico.

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É o que também sustenta Bettelheim (2007, p. 9), quando, “ao valer-se de um viés do discurso psicanalítico, busca compreender quais práticas culturais ou ações educativas seriam mais adequadas a operar a passagem da fase infantil para a fase adulta”. Assim, ao defender a utilização do repertório dos contos de fadas tradicionais como modelo predominante na educação familiar, acaba depondo em favor da hierarquia assimétrica que tem predominado nas relações entre maturidade e infância:

Somente na idade adulta uma compreensão inteligente do significado de nossa existência neste mundo pode ser obtida de nossa experiência nele. Infelizmente, muitos pais querem que as mentes dos filhos funcionem como as suas – como se uma compreensão madura de nós mesmos e do mundo e nossas ideias sobre o significado da vida não tivessem que se desenvolver tão lentamente quanto nossos corpos e mentes. Hoje, como no passado, a tarefa mais importante e também mais difícil na criação de uma criança é ajudá-la a encontrar significado na vida. (BETTELHEIM, 2007, p. 10, grifo nosso).

Dessa forma, ainda que o autor reconheça o “encontrar significado para a vida” como um dos eixos da condição existencial de qualquer indivíduo, não importa em que faixa etária este se encontre, Bettelheim não deixa de corroborar com a existência de dois pontos de vista assimétricos, dos quais acaba por optar, ainda que implicitamente, pela perspectiva do adulto, cujo equilíbrio e maturidade deve progressivamente orientar o olhar “equivocado e fantasioso” da criança:

A criança, à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a se entender melhor; com isso, torna-se mais capaz de entender os outros e, eventualmente, pode se relacionar com eles de forma mutuamente satisfatória e significativa. (...) Com respeito a essa tarefa, nada é mais importante que o impacto dos pais e das outras pessoas que cuidam da criança; em segundo lugar vem a nossa herança cultural, quando transmitida à criança de maneira correta. (BETTELHEIM, 2007, p. 10, grifo nosso).

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Mais adiante, constatará Magalhães (1984 apud ZILBERMAN, 1984), essa transmissão idealizada de normas, propalada tanto pelas instituições tradicionais quanto pelos comportamentos e atitudes “maduras” dos adultos, visaria transformar a criança em um “adulto pacificado”, ou, melhor dizendo, em um indivíduo capaz não apenas de conter, por meio de ponderações racionais, suas inquietações, como também de responder a eventos imprevistos de uma maneira educada e lógica:

E aqui se situa a contradição da preocupação educativa na transmissão de normas: o objeto das tarefas pedagógicas é um sujeito ideal, membro de uma sociedade que se espera construir um dia, graças à transmissão de padrões vigentes que não conseguiram concretizar a ordem social almejada. À caça do sonho, todos os conceitos pedagógicos estão voltados para a criança no sentido de dizer no que ela deve se tornar. O objetivo da pedagogia só será atingido se ela conseguir realizar um sujeito senhor de sua própria linguagem e de seus atos, dirigido pela razão e pela lógica, sujeito do consciente e destituído de conflito. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 43).

A partir das observações anotadas até aqui, você consegue imaginar o quanto esse modo assimétrico de relação, que se estabelece entre a criança e o adulto, pode ir muito além da relação familiar, adentrando quase todas as esferas de convívio social? Percebe também que, como uma regra geral, quase sempre se dá a primazia do segundo modo de existência sobre o primeiro, fazendo predominar os valores e os pontos de vista dos adultos?

IMPORTANTE

Portanto, não havia nada de acidental no fato de Platão (1999) conceber em sua “República” ideal – que ademais serviria de modelo para se pensar, dentro dos padrões da civilização ocidental – a arte, pois o processo adequado de aquisição e transmissão do conhecimento deveria se pautar prioritariamente pelo pensamento racional, o que implicava reconhecer que os sentimentos, as emoções, as experiências lúdicas e as formas míticas de compreensão do mundo – que são inerentes tanto ao saber artístico quanto à infância – se firmariam sobre as aparências das coisas e, consequentemente, só poderiam fornecer um saber equivocado da realidade.

Ora, sabemos que, desde a Grécia antiga, o único espaço em que se conseguiu fazer convergir essas duas ordens aparentemente antagônicas – a saber: o pensamento lúcido e racional do adulto, e o pensamento lúdico e espontâneo da criança – foi, não propriamente a escola, mas sim a obra de arte. Esta, onde quer que seja pensada (como mais adiante veremos no caso da literatura infantojuvenil), vincula-se a formas de compreensão da realidade que não se pretendem absolutamente “verdadeiras” ou universais, tal como o fazem os saberes científicos e a especulação filosófica, mas, ao contrário, por admitir sua própria parcialidade, acaba comportando pontos de vista particulares, subjetivos, guardando assim um estreito parentesco com as formas como as crianças, movidas pela admiração e pela fantasia, lidam, nomeiam e inventam a sua realidade presente.

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Para Platão, haveria dois mundos intercomunicáveis através da mímesis (cópia ou representação): o mundo das ideias, perfeito, habitado pelos deuses e onde residiria a verdade, e, em contrapartida, o mundo sensível, material, precário e imperfeito da existência humana. A tarefa do filósofo consistia em desvendar o mundo sensível, aparente e falso, em proveito da inteligibilidade do mundo das ideias. Assim, no capítulo X do livro A República, o filósofo, através da metáfora da cama e do pintor, desqualifica o artista e a obra de arte: primeiro haveria a cama idealizada, possível no mundo das ideias, e portanto perfeita; depois, a cama feita pelo marceneiro, que seria uma cópia precária da cama ideal do mundo das ideias; por último, teríamos a cama do pintor, que imita a cama do marceneiro, que, por sua vez, já havia imitado a cama do mundo das ideias, portanto uma cópia de uma outra cópia. Dessa forma, a cama pintada pelo artista seria a imitação mais falsa de todas e, por esse motivo, através da hierarquia mimética, o artista e seu falso saber não deveriam participar da República.

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Você deve concordar que, ainda nos dias atuais, é a escola, e não a obra de arte, o principal espaço encarregado de transmitir e redimensionar a herança cultural entre gerações. Se assim o for, também poderemos concordar que a sua evolução na história se daria conforme a escola, na contramão do pensamento platônico, não mais recusasse o saber apreendido pelas sensações, pelas emoções e pela imaginação, e passasse a adquirir características de uma obra de arte, desfazendo-se, portanto, dos modelos ideológicos vigentes que mantinham a compreensão equivocada de que a infância fosse apenas uma fase aberta a toda sorte de fantasia, crença no maravilhoso e em distorções da realidade palpável.

Antes de prosseguirmos nessa linha de raciocínio, que tal fazermos uma pequena reflexão? Pense: após tanto tempo inseridos nesse paradigma cultural advindo do platonismo, que inicialmente se baseava na abstração da existência corporal e no pensamento racional, e que foi posteriormente acrescido de valores econômicos e burgueses, como o pragmatismo e a utilidade – e que enfim afetariam os modos de se pensar a educação e as concepções formais e informais de ensino por vários séculos, você acredita que esse modelo já estaria superado? Façamos, então, um breve exercício: vamos ler um dos excertos literários de Mário Quintana, O velho e o acaso, que versa sobre a temática em questão para, em seguida, opinar:

O velho mendigo que neste momento acaba de encontrar num monte de sucata a lâmpada de Aladino – tão amassada, tão enferrujada e de feitio tão esquisito –, eis que ele a abandona e leva, em vez dela, uma útil chaleira. Uma chaleira sem tampa, digo eu, para os que gostam de pormenores. E não é esta a primeira vez que o acaso, inocentemente, assim estraga uma bela história (QUINTANA, 1979, p. 5).

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AGORA PENSE E RESPONDA: Para você, o mendigo em questão teria agido coerentemente? Dito de outro modo: em seu lugar você também teria optado pela chaleira ao invés da lamparina? Por quê?_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________.

Vivemos de tal maneira enraizados no universo lógico do adulto que em nada nos estranharia – se pensarmos a partir da parábola literária de Quintana – se algum de nós, mesmo que se tratasse de um mendigo, decidisse recolher a velha chaleira sem tampa – posto nela ainda haver alguma serventia –, mas jamais uma “inútil lamparina” largada em um amontoado de lixo; e se esta fosse a opção frequentemente tomada, então ela nos levaria a reconhecer que tal atitude referendaria o socialmente aceito, quer dizer: a maneira como vivemos, o que já está consagrado pelo senso comum.

Assim, em um gesto aparentemente banal como esse, de modo consciente ou não, mostramo-nos sempre aptos a referendar atitudes orientadas pelo paradigma racional da utilidade e, em contrapartida – caso alguma escolha repousasse sobre a velha lamparina –, essa outra atitude, já que imprevisível, seria provavelmente considerada infantil, delírio de um sonhador, ou até mesmo taxada como sintoma de desequilíbrio emocional.

De certa forma, tal constatação levar-nos-ia a reconhecer que somente na infância – e, nesse sentido, deve-se estender o conceito de infância para além de uma mera etapa cronológica, ou seja, para toda criança que permanece viva em nós –, por ainda nos sentirmos capazes de magia, seríamos capazes de recolher, em sua face dupla, a lâmpada encantada de Aladim.

FIGURA 1 - RETRATO III, JOAN MIRÓ

FONTE: Disponível em: <http:\\www.bibliofiliaentreparentesis.blogspot.com>. Acesso em: 10 ago. 2012.

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Dito de outro modo – e eis um lance de dados da esperança –, há uma infância que se mantém viva, independente da faixa etária em que nos encontremos, como bem se exemplifica no trabalho singular do artista, tal como se vê na parábola literária de Mário Quintana, ou na feliz conjunção de infância e maturidade, visualmente presente na tela de Joan Miró, mais acima.

3 O PENSAMENTO FELIZ: ENTRE O LÚDICO E O LÚCIDO

Li há tempos que num desses exóticos países do Oriente (...) [que] um engenheiro inglês queria convencer o respectivo xá, ou qualquer título que tivesse, que, em nome do progresso, era urgente a construção de uma estrada de ferro. E findou assim seu arrazoado: – A estrada de ferro fará com que, em vez de trinta dias a lombo de camelo, a viagem da capital à fronteira seja apenas de um dia.– Mas - objetou o soberano - o que é que vamos fazer dos vinte e nove dias que sobram? (QUINTANA, 1979, p. 1).

Uma vez que pudemos constatar a presença marcante de uma relação assimétrica entre a infância e a maturidade, inicialmente gestada no convívio familiar, para depois desdobrar-se em outras esferas sociais, resta-nos refinar tanto um referencial teórico quanto estratégias pedagógicas que ajudassem a minimizar, mais especificamente a partir de um ponto de vista literário, os efeitos dessa tradição cultural assentada sobre a diferença hierárquica do adulto sobre a criança que, sem nos darmos conta, atravessa nossos gestos mais banais e cotidianos.

Em geral, observa-se que o conhecimento mítico da realidade – particularmente característico do imaginário infantil e assaz presente no trabalho dos artistas –, por não manter o pensamento congelado em ideias explicativas, passa a ser encarado não como uma fonte possível de verdade, que tivesse uma “lógica” própria, mas, ao contrário, passa a ser visto como etapa transitória em direção a formas mais elevadas de reflexão, que no mundo ocidental, desde o ideal da “república platônica”, deveriam levar aos ditames da consciência racional:

Platão – que talvez tenha compreendido aquilo que forma a mente humana melhor do que alguns de nossos contemporâneos que querem suas crianças expostas apenas a pessoas “reais” e a acontecimentos do dia a dia – sabia o quanto as experiências intelectuais contribuem para a verdadeira humanidade. Ele sugeriu que os futuros cidadãos de sua república ideal começassem a educação literária com a narração de mitos, em lugar de meros fatos ou dos assim chamados ensinamentos racionais. (BETTELHEIM, 2007, p. 51).

Ora, se o próprio Platão chegaria a admitir a “narração de mitos” – tão necessária à criança e tão característica do fazer literário – como um modo, ainda que provisório, de compreensão da realidade, é porque ele também estava reconhecendo que a abordagem mítica da existência – que acessa o real por meio

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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do lúdico e da fantasia, mantendo-se aberto a um jogo de significações incessantes – conteria um modo de consciência não apenas provisório, mas também imprescindível à elaboração do próprio real.

É assim que, antes de desenvolvermos a capacidade intelectual de expressar conhecimento por meio da ordem, do cálculo e do que pode ser demonstrado com clareza – que prioritariamente caracterizam a razão científica e a especulação filosófica –, a primeira forma de racionalidade que nos aparece está ainda fortemente impregnada por uma compreensão mágica e sobrenatural dos fenômenos, a qual, por não poder ser logicamente comprovada, expressaria, para uma cultura extremamente racional como a nossa, apenas visões comunitárias primitivas, ou formas arcaizantes de compreensão da realidade.

Você consegue se lembrar de alguns relatos não científicos que os adultos costumam dar às crianças para explicar determinados fenômenos da natureza? Por exemplo, que na tradição cristã as chuvas e os trovões seriam causados por uma faxina que São Pedro estaria fazendo no céu? A chuva corresponderia ao momento em que ele joga a água no chão do céu, e o trovão derivaria de algum tropeço, como quando o santo arrastasse ou derrubasse alguma cadeira? Lembra-se de histórias similares a esta, que apresentam uma forma mítica de compreensão da realidade? Anote-as no diagrama a seguir:

Ora, mas é justamente nessa forma “infantil” de racionalidade, ou seja, a consciência mítica que se expressa muito mais do que uma incoerência ou falta metodológica, pois é dela que pode advir um saber, portanto, inacessível à racionalidade lógica: seja através de narrativas ficcionais que revelam mundos paralelos, seja por intermédio de ritos que apreendem manifestações provisórias da existência dos seres – a sutil passagem entre o humano e o não humano.

Esses saberes, de certo modo inapreensíveis à consciência racional, estão presentes na arte e no pensamento infantil através da consciência mítica que, de modo exemplar, frequenta as histórias ficcionais e a invenção do maravilhoso, aí se revelando não só como formas de compensação às verdades dolorosas atestadas pela racionalidade – compensação que Aristóteles, no livro Poética, nomearia como a “catarse” promovida pela obra de arte, que nos faz experimentar, por instantes, “fingindo ser verdade”, o que de fato um dia será, tal como a consciência paralisante de nossa morte –, mas sobretudo perpetuando um poder mágico que razão nenhuma até agora conseguiu desmontar.

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TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

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Caro(a) acadêmico(a), você já estudou sobre a “catarse” aristotélica no caderno de Teoria da Literatura. Entretanto, vale a pena observar as acepções deste termo retiradas do Dicionário Houaiss: substantivo feminino1 na religião, medicina e filosofia da Antiguidade grega, libertação, expulsão ou purgação do que é estranho à essência ou à natureza de um ser e que, por isso, o corrompe. 2 Rubrica: estética, teatro.purificação do espírito do espectador através da purgação de suas paixões, esp. dos sentimentos de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico.3 Rubrica: medicina.evacuação dos intestinos.4 Rubrica: psicanálise.operação de trazer à consciência estados afetivos e lembranças recalcadas no inconsciente, liberando o paciente de sintomas e neuroses associadas a este bloqueio.5 Rubrica: psicologia.liberação de emoções ou tensões reprimidas, comparável a uma ab-reação.6 Rubrica: psicologia.efeito liberador produzido pela encenação de certas ações, esp. as que fazem apelo ao medo e à raiva. FONTE: HOUASSIS; VILLAR, 2009, p. 422)

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Ademais, se essa forma de racionalidade “primitiva”, que nunca desaparece completamente, se desenvolve em direção a formas mais elaboradas da consciência, portanto mais afastadas de nossa gestualidade espontânea, da compreensão da realidade através dos jogos, da experimentação infantil, do lúdico enfim, é porque ela se faz como ponte entre o que em nós é ainda “natureza” e nossa outra forma de natureza, mais sofisticada, cultural.

FIGURA 2 - A DANÇA, HENRI MATISSE

FONTE: Disponível em: <http:\\henrimatisse.ladanse.firstversion.jpg>. Acesso em: 20 ago. 2012.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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De modo geral, o mundo adulto confere ao lúdico apenas uma importância parcial, secundária e temporalmente localizada em determinada etapa do desenvolvimento infantil. Assim, embora ela seja admitida como atividade necessária ao crescimento saudável da criança, a atividade lúdica acaba por ser reduzida ao formato útil de brincadeiras e jogos destinados a promover a necessária – esta sim uma função importante – internalização de regras, padrões e comportamentos sociais:

Dessa forma, [se] estabelece uma relação do jogo com os demais fenômenos da vida, ao mesmo tempo em que o marginaliza por não se inserir no conjunto de atividades práticas. Eis por que o jogo é aceito como atividade infantil e, como tal, é estimulado, contanto que não haja necessidade de a criança participar da manutenção da família. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).

Visto dessa maneira, o jogo, que, de um modo quase unânime é compreendido como a forma mais expressiva do ludismo infantil, acaba por demonstrar a visão excludente que, de modo exemplar, a sociedade adulta – sempre voltada para o que é útil e pragmático, desde a ascensão burguesa do capitalismo – mantém com a infância:

Com frequência [o jogo] é reconhecido como tendo uma função importante na vida infantil, mas se espera que, ao longo do processo de desenvolvimento, a criança se afaste do jogo e o substitua por atividades úteis, só retornando ao comportamento lúdico de forma ocasional, como uma pausa recreativa. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).

O termo lúdico advém do latim, mais especificamente da palavra ludus, que inicialmente significava jogo e que se associava, dessa forma, a movimento espontâneo, à brincadeira ou ao ato simples de jogar. Entretanto, com a evolução da sociedade burguesa, a expressão paulatinamente ampliaria sua conotação semântica, de certo modo expandindo seu sentido inicial, vinculado à espontaneidade, em proveito do sentido de necessidade, isto é, como lazer compensatório em relação às atividades laborais diárias.

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Há de se concluir que o jogo, tanto em sua modalidade corporal, mais característica de brincadeiras marcadas ora por uma gestualidade rítmica incessante (corridas, competições, jogos de esconder etc.), ora por enleios ou formas mais serenas de diversão (brincadeiras de casinha, jogos com bonecas, passar o anel etc.), quanto em sua modalidade linguística (como nos conhecidos jogos com palavras, trava-língua etc.), o jogo, ou o lúdico enfim – afora cumprirem a tarefa ordeira de facilitar a internalização de regras sociais pela criança – acabam geralmente enquadrados no papel secundário de preencher o tempo inútil e ocioso dos pequenos:

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TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

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Há, porém, uma característica que, apesar da ausência de uniformidade, distingue qualquer tipo de jogo, enquadrando-o num determinado comportamento: o jogo se coloca como uma atividade marginal perante atividades como comer e trabalhar, porque não é gerado por uma necessidade biológica, nem por um interesse pragmático. Não é uma obrigação, nasce da ociosidade e, com esse caráter, se opõe ao que se chama de atividades sérias. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 26).

Assim, muito mais do que atestar o lugar do jogo e do brinquedo de criança como espécies de “gestualidades pueris”, destinadas exclusivamente a preencher uma ociosidade gratuita e vazia, esse modo “adulto” de compreender o lúdico como ímpeto sem direcionamento objetivo ou qualquer uso prático, demarca, entretanto, o lugar que o lúdico reserva ao próprio adulto, isto é, como o lugar do lazer, do descanso, ou como repositor das energias consumidas em atividades úteis como o trabalho e outros compromissos sociais: “O adulto confere ao jogo um valor muito limitado. Reconhece sua eficácia na restauração das energias gastas no trabalho e acredita no seu valor terapêutico, quando a tensão do empenho produtivo se tornou excessiva” (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 25).

Você, acadêmico(a), consegue lembrar dos jogos e brincadeiras praticados na infância ou que outras crianças praticavam? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________.

Você recorda também de que modo esses jogos eram vistos, isto é, que valor lhes eram atribuídos pelas próprias crianças e pelos adultos daquela época?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________.

A partir do ponto de vista do jogo, encontramos um saber comum tanto à infância quanto à verdadeira especulação filosófica. Enfim, muito mais do que compreender o lúdico como lugar de passagem entre a consciência mítica e a consciência racional, trata-se de apontar seu poder de restituição de uma atmosfera mágica – capacidade de admiração, de espanto diante da realidade – que se faz presente no simples ato de viver, no ato de admirar-se com as coisas que está na raiz de toda sorte de filosofia; isto é, na compreensão dos dados existenciais.

Ademais, é de importância capital assinalar a permanência do lúdico tanto na concepção quanto na fruição da obra de arte, posto que ela – regra geral – tende a quebrar a “seriedade” da compreensão lógica, abrindo, ao menos por virtude de semelhança com o real, possibilidades de se chegar a outras formas de verdade, a saber: não planejadas, surpreendentes, por vezes mágicas.

Vamos ler o texto Magia e Felicidade. Sublinhe o que você considerou mais importante. Pense na relação jogo, ludicidade, criança e felicidade.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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LEITURA COMPLEMENTAR

MAGIA E FELICIDADE

Giorgio Agamben

Benjamin disse, certa vez, que a primeira experiência que a criança tem do mundo não é a de que “os adultos são mais fortes, mas sua incapacidade de magia”. A afirmação, proferida sob o efeito de uma dose de vinte miligramas de mescalina, não é, por isso, menos exata. É provável, aliás, que a invencível tristeza que às vezes toma conta das crianças nasça precisamente dessa consciência de não serem capazes de magia. O que podemos alcançar por nossos méritos e esforço não pode nos tornar realmente felizes. Só a magia pode fazê-lo. Isso não passou despercebido ao gênio infantil de Mozart, que, em carta a Bullinger, vislumbrou com precisão a secreta solidariedade entre magia e felicidade: “Viver bem e viver feliz são duas coisas diferentes, e a segunda, sem alguma magia, certamente não me tocará. Para isso, deveria acontecer algo verdadeiramente fora do natural”.

As crianças, como os personagens das fábulas, sabem perfeitamente que, para serem felizes, precisam conquistar o apoio do gênio da garrafa, guardar em casa o burrinho-faz-dinheiro [asino cacabaiocchi] ou a galinha dos ovos de ouro. E, em todas as ocasiões, conhecer o lugar e a fórmula vale bem mais do que esforçar-se honestamente para atingir um objetivo. Magia significa, precisamente, que ninguém pode ser digno da felicidade, que, conforme os antigos sabiam, a felicidade à medida do homem é sempre hybris, é sempre prepotência e excesso. Mas se alguém conseguir dobrar a sorte com o engano, se a felicidade depender não do que ele é, mas de uma noz encantada ou de um “abre-te-sésamo”, então, e só então, pode realmente considerar-se bem aventurado.

Contra essa sabedoria pueril, que afirma que a felicidade não é algo que se possa merecer, a moral colocou sempre sua objeção. E o fez com as palavras do filósofo que, menos do que qualquer outro, compreendeu a diferença entre viver dignamente e viver feliz. “O que em ti tende ardorosamente para a felicidade”, escreve Kant, “é a inclinação, o que depois submete tal inclinação à condição de que deves primeiro ser digno da felicidade é tua razão”. Mas de uma felicidade de que podemos ser dignos, nós (ou a criança em nós) não sabemos o que fazer. É uma desgraça sermos amados por uma mulher porque o merecemos! E como é chata a felicidade que é prêmio ou recompensa por um trabalho bem feito!

Na antiga máxima segundo a qual quem se dá conta de ser feliz já deixou de sê-lo, mostra-se que o estreitamento do vínculo entre magia e felicidade não é simplesmente imoral, e que ele pode até ser sinal de uma ética superior. A felicidade tem, pois, com seu sujeito uma relação paradoxal. Quem é feliz não pode saber que o é; o sujeito da felicidade não é um sujeito, não tem a forma de uma consciência, mesmo que fosse a melhor. Nesse caso a magia faz valer sua exceção, a única que permite a um homem dizer-se ou considerar-se feliz. Quem sente prazer de algo por encanto escapa da hybris implícita na consciência da

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TÓPICO 1 | O ADULTO VERSUS A CRIANÇA: QUAL O MODELO?

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felicidade, porque a felicidade, embora ele saiba que a tenha, em certo sentido não é sua. Assim, Júpiter, que se une à bela Alcmena, assumindo as feições do consorte Anfitrião, não sente prazer com ela como Júpiter. Nem sequer, apesar das aparências, como Anfitrião. Sua alegria pertence totalmente ao encanto, e se sente prazer, consciente e puramente, só com o que obteve pelos caminhos tortuosos da magia. Só o encantado pode dizer sorrindo: “eu”, e só a felicidade que nem sonharíamos merecer é realmente merecida.

Essa é a razão última do preceito segundo o qual só existe sobre a terra uma possibilidade de felicidade: crer no divino e não aspirar a alcançá-lo (uma variável irônica é, em conversa de Kafka com Janouch, a afirmação de que há esperança, mas não para nós). Essa tese aparentemente ascética só se torna inteligível se entendermos o sentido do não para nós. Não quer dizer que a felicidade esteja reservada apenas a outros (felicidade significa, precisamente: para nós), mas que ela só nos cabe no ponto em que não nos estava destinada, não era para nós. Ou seja, por magia. Nesse momento, quando a arrebatamos da sorte, ela coincide inteiramente com o fato de nos sabermos capazes de magia, com o gesto com que afastamos, de uma vez por todas, a tristeza infantil.

Se for assim, se não houver felicidade a não ser sentindo-nos capazes de magia, então se torna transparente também a enigmática definição dada por Kafka sobre a magia, ao escrever que, se chamarmos a vida com o nome justo, ela vem, porque “esta é a essência da magia, que não cria, mas chama”. Tal definição está de acordo com a antiga tradição que cabalistas e necromantes seguiram escrupulosamente em todos os tempos, segundo a qual a magia é, essencialmente, uma ciência dos nomes secretos. Cada coisa, cada ser, tem, além de seu nome manifesto, um nome escondido, ao qual não pode deixar de responder. Ser mago significa conhecer e evocar esse arquinome. Disso nascem as intermináveis listas de nomes – diabólicos ou angélicos – com as quais o necromante garante para si o domínio sobre potências espirituais. O nome secreto é para ele apenas a sigla de seu poder de vida e de morte sobre a criatura que o traz.

Há, porém, outra e mais luminosa tradição, segundo a qual o nome secreto não é tanto a chave da sujeição da coisa à palavra do mago, quanto, sobretudo, o monograma que sanciona sua libertação com relação à linguagem. O nome secreto era o nome com o qual a criatura havia sido chamada no Éden, e, ao pronunciá-lo, os nomes manifestos e toda a babel dos nomes acabaram em pedaços. Por isso, a criança nunca fica tão contente quanto quando inventa uma língua secreta própria. Sua tristeza não provém tanto da ignorância dos nomes mágicos, mas do fato de não conseguir se desfazer do nome que lhe foi imposto. Logo que o consegue, logo que inventa um novo nome, ela ostentará entre as mãos o passaporte que a encaminha à felicidade. Ter um nome é a culpa. A justiça é sem nome, assim como a magia. Livre de nome, bem-aventurada, a criatura bate à porta da aldeia dos magos, onde só se fala por gestos.

FONTE: AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 23-25.

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Neste tópico você viu que:

• Algumas relações se estabelecem entre arte e infância com o intuito de questionar em que medida essas mesmas relações podem estar influenciando a postura social dos adultos e, mais especificamente, repercutindo na postura didática dos professores em sala de aula.

• Pôde observar a condição assimétrica que se estabelece entre a magia infantil e a lógica do adulto, ou seja, no quanto essa forma de relação tem afetado a motivação e o desempenho escolar dos alunos.

• Pôde refletir que para uma concepção diferenciada de escola faz-se necessária a distância de pontos de vista exclusivamente lógicos e racionais e, tal qual uma obra de arte literária, a escola passe a incorporar referenciais lúdicos em todas as dimensões do ensino.

• A presença de uma relação paradoxal entre a vida em sua forma espontânea e o desenvolvimento regrado da criança, na medida em que à pretendida “evolução social” têm correspondido restrições da espontaneidade e da expressão dos indivíduos, seja pelo aprisionamento de sua gestualidade lúdica, seja pela limitação da expressividade infantil, que poderiam reencontrar seu solo expressivo não só através de brincadeiras, mas também por meio de um uso estético, literário, da linguagem.

• Pôde compreender o lúdico como algo que possui um poder de restituição de uma atmosfera mágica, da capacidade de admiração e de espanto diante da realidade.

• O que comumente acontece em nossa sociedade e, consequentemente, na escola, é a percepção do jogo, ou o lúdico como facilitador para a internalização de regras sociais pela criança, geralmente enquadrados no papel secundário de preencher o tempo inútil e ocioso dos pequenos.

RESUMO DO TÓPICO 1

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Prezado(a) acadêmico(a), após ter completado a leitura do presente tópico, reflita sobre as questões elencadas a seguir:

1 Você consegue observar que, independente dos meios, ou mídias – impressa, cinematográfica, web etc. – em que é veiculada a transmissão de saberes entre gerações, persistem relações assimétricas entre o universo adulto e o mundo da criança?

3 Como você proporia uma atividade em sala de aula que estabelecesse um

diálogo fora da via tradicional “professor-aluno”, mas que considerasse em condições de igualdade os universos de sua geração e a de seus alunos?

AUTOATIVIDADE

2 Você concordaria que, ao considerarmos a argumentação do presente Caderno de Estudos, há uma relação evidente entre a infelicidade adulta e a perda da inocência infantil?

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TÓPICO 2

A LITERATURA ENTRA NO JOGO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico buscaremos estabelecer uma aliança mais profícua entre a literatura e a palavra a partir de uma breve fundamentação teórica acerca dos modos de compreensão do objeto literário, para depois estabelecermos algumas diferenças entre o literário e o não literário.

Assim, começaremos por mapear as características principais que definem um texto literário, discorrendo sobre alguns dos elementos estruturais que o definem – tema que será aprofundado na sequência desses estudos –, refletindo especialmente sobre os repertórios voltados para a criança que, como vimos, geralmente evidenciam uma tradição pedagógica baseada na transmissão de valores do universo adulto.

2 A ARTE E A PALAVRA

Certo autor famoso dividiu um livro seu em duas partes: na primeira, contos reais; na segunda, contos fantásticos. Resultado: tem-se a frustrada impressão de que ficou cada uma das partes amputada da outra, quando na realidade os dois mundos convivem. Por que chamar de invisível ou fantástico a esse mundo que por enquanto não conseguimos apreender, em contraposição a este mundo que está na cara (...)? (QUINTANA, 1979, p. 73).

De um modo geral, podemos entender a literatura como uma forma de compreensão da realidade que, por não ter um compromisso direto com a verdade instituída pela ciência, pela moral vigente ou pela racionalidade lógica, pode valer-se de uma forma de discurso – ao qual chamamos de discurso ficcional – que consegue reelaborar o real de um ponto de vista inusitado, e, na maior parte das vezes, por saber fazê-lo de uma maneira prazerosa, tem a virtude de promover, através de um ponto de vista diferenciado, um certo nível de instrução e conhecimento, ao mesmo tempo em que diverte o leitor.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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FIGURA 3 - MENINAS, PABLO PICASSO

FONTE: Disponível em: <http:\\www.coligacopoetica.blogspot.om> Acesso em: 10 ago. 2012.

Caro(a) acadêmico(a), observe que João Cabral de Melo Neto (1997, p. 287), por meio de um poema transcrito a seguir, define a essência da arte e, de modo especial, de sua própria literatura.

UNI

“Miró sentia a mão direitademasiado sábia

e que de saber tantojá não podia inventar nada.

Quis então que desaprendesseo muito que aprendera

a fim de encontrar a linha ainda fresca da esquerda.

Pois que ela não pôde, ele pôs-sea desenhar com estaaté que, se operando,

no braço direito ele a enxerta.

A esquerda (se não é canhoto)é mão sem habilidade:reaprende a cada linha,

cada instante, a recomeçar-se.”

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TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

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É assim que o autor, no poema citado, ao tentar apreender algumas das essências que perpassam a pintura do artista plástico Joan Miró, acaba capturando os modos de fazer e de fruição comuns a qualquer obra de arte, inclusive à literatura. Mais do que isso, o poeta-teórico demonstra o que viria a ser não apenas uma ação autêntica, válida como modelo de composição de obras pictóricas ou literárias, mas também sugere, de modo sutil, em que consistiria uma postura inovadora diante da vida, a saber: a de reaprender a “cada instante, a recomeçar-se”.

Façamos uma outra reflexão: você já observou o quanto é raro, no dia a dia, utilizarmos uma via inesperada, fora do comum, de nossa rotina habitual? Pense, por exemplo, no percurso que você faz de casa para o trabalho, do trabalho para a universidade, ou vice-versa... Não é fato que geralmente repetimos o caminho mais fácil, rápido e usual? Percebe que raramente nos questionamos sobre isso? É como se, quem é canhoto, raramente experimentasse a mão direita; ou a esquerda, para quem é destro.

Dando continuidade às reflexões, se possível, rememore algumas ações que surpreenderam a você mesmo(a). Anote-as aqui:

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Anotou? Então, continuemos...

Nesse sentido, uma autêntica aparição da infância independeria da idade cronológica ou da faixa etária em que se encontre o indivíduo, pois a ela corresponderia toda ação mediada pela “mão esquerda”, isto é, por uma atitude que se põe fora do alcance tanto das formas de conhecimento previsíveis, quanto dos modos de construção da realidade realizados a partir da lógica usual. Fazendo uma analogia com o poema citado, significa dizer que a infância decorreria de uma postura de distanciamento das verdades dogmáticas, metaforicamente produzidas pelos usos modelares da “mão direita”.

Seguindo essa linha de raciocínio, interessa mais à literatura, enquanto forma de arte ligada à palavra, não por descrever os fatos como eles são e dessa forma conduzi-lo, pela ação de uma “mão direita”, para legitimar alguma hipótese científica ou para dar veracidade a alguma especulação filosófica; mas, ao contrário, à literatura interessam os fatos como eles deveriam ou poderiam vir a ser, fiel apenas ao critério da “verossimilhança”, isto é, de alguma verdade postulada não como real, mas como possível:

A literatura é chamada de ficção, isto é, imaginação de algo que não existe particularizado na realidade, mas no espírito de seu criador. O objeto da criação poética não pode, portanto, ser submetido à verificação extratextual. A literatura cria o seu próprio universo, semanticamente

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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autônomo em relação ao mundo em que vive o autor, com seus seres ficcionais, seu ambiente imaginário, seu código ideológico, sua própria verdade: pessoas metamorfoseadas em animais, animais que falam a linguagem humana, tapetes voadores, cidades fantásticas, amores incríveis, situações paradoxais, sentimentos contraditórios etc. Mesmo a literatura mais realista é fruto de imaginação, pois o caráter ficcional é uma prerrogativa indeclinável da obra literária. (D’ONOFRIO, 2006 p. 19).

Uma das consequências de a literatura ser uma forma de tratamento artístico da palavra que age por verossimilhança, portanto descomprometida com as verdades factuais, é que ao estabelecermos uma analogia comparativa entre a ficção literária e a realidade tal qual a compreendemos, aquela acaba por mostrar-se muitas vezes mais eficaz e autêntica do que os relatos presos a descrições objetivas da vida diária, o que particularmente se verifica nos relatos destinados à criança:

A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às crianças, que o lado obscuro do homem não existe, e professa a crença num aprimoramento otimista. (...) [Em contrapartida] essa é exatamente a mensagem que os contos de fadas transmitem à criança de forma variada: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana – mas que, se a pessoa não se intimida e se defronta resolutamente com as provações inesperadas e muitas vezes injustas, dominará todos os obstáculos e ao fim emergirá vitoriosa. (BETTELHEIM, 2007, p. 15).

Assim, enquanto na vida real não nos é possível explicitar nossas emoções mais baixas ou indesejáveis, que de fato sentimos em relação aos outros, a exemplo do fingimento, que passa a ser, também, uma das características mais marcantes de nossa existência cotidiana, em uma história ficcional, por sua vez, as personagens podem se expressar inteiramente, revelando suas raivas, baixezas, temores e, dessa forma, agem de um modo mais autêntico do que o fazemos na vida real.

Então, da relação entre a literatura e a vida, ou entre o ficcional e a realidade, arma-se um paradoxo evidente, a saber: enquanto na vida real – que não é fingimento – estamos continuamente fingindo, portanto fazendo dela uma mentira, na literatura, por outro lado – que, por verossimilhança, deve ser fingimento –, as personagens, por não necessitarem fingir, acabam sendo mais reais do que as pessoas que encontramos fora dos livros.

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TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

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Conceito de verossimilhança: a obra de arte, por não estar diretamente relacionada com o mundo exterior, não é verdadeira em si mesma, entretanto possui equivalência de verdade, ou seja, a ela se assemelha. Morfologicamente, a palavra verossimilhança pode desmembrar-se em dois morfemas que nos revelam diretamente o seu sentido, a saber: vero, de “verdadeiro”, e similhança, de “semelhante a”. Assim, a partir de sua raiz etimológica encontramos seu significado: o de ser semelhante à verdade. Foi com o conceito de verossimilhança que Aristóteles corrigiu a compreensão errônea da filosofia platônica que condenava a obra de arte como falsa e inadequada à sociedade por aquela não ser reveladora da verdade. Para Aristóteles, bem ao contrário, dizer a verdade era atributo exclusivo da racionalidade filosófica, e não da arte, a qual deveria “fingir” ou ser “semelhante à verdade” para poder deleitar, agradar e envolver o público ou o receptor da obra.

UNI

Eis, portanto, uma das razões pelas quais a arte é tão necessária ao homem: embora ela esteja constantemente variando de modo de expressão, seja na pintura, na literatura, no cinema etc., ela acaba por ser uma fonte autêntica – e, talvez, uma das mais seguras – de compreensão da realidade.

A criança necessita muito particularmente que lhe sejam dadas sugestões em forma simbólica sobre o modo como ela pode lidar com essas questões e amadurecer com segurança. As histórias “seguras” não mencionam nem a morte, nem o envelhecimento – os limites à nossa existência –, nem tampouco o desejo de vida eterna. O conto de fadas, em contraste, confronta a criança honestamente com as dificuldades humanas básicas. (BETTELHEIM, 2007, p. 15).

Assim, a um certo momento, essa virtude da arte seria não só reconhecida, mas em larga medida traduzida para uma outra finalidade, qual seja: a de converter, através da escola e em nome da ordem vigente, a liberdade artística em uma moralidade adequada à formação da criança,

cabendo à educação o papel de garantir a permanência da organização social através da transmissão de regras a um sujeito reconhecido, apenas, na sua reflexividade, a escola se torna o lugar da consagração do sistema e a criança se transforma em aluno: aquele que deve aprender as regras transmitidas. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 46).

Pensar sobre a literatura é também abrir espaço para discussões a respeito da função que ela exerce na sociedade. É discorrer sobre a arte no espaço escolar. Vejamos, caro(a) acadêmico(a), a importância da literatura na sociedade.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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3 A LITERATURA COMO FONTE HUMANIZADORA

A literatura (e aqui incluímos também outras manifestações artísticas) atende, como discutimos anteriormente, ao mundo da imaginação, propicia um projetar-se para o mundo dos sonhos, para o lúdico, para a fruição, essenciais à vida do homem. A partir dela poderemos compreender, interpretar, modificar ou eternizar relações sociais.

Azevedo (2007) afirma que, embora não faça sentido discorrer sobre a função da literatura, sua importância é indiscutível, pois é por intermédio dela que entramos em contato com os temas humanos como a paixão, a amizade, o autoconhecimento, a angústia, o ciúme, a mentira, a existência de diferentes pontos de vista sobre determinado assunto. Além disso, para o autor,

o contato com temas da vida concreta e com vozes diferentes das nossas pode, por meio da identificação, constituir um extraordinário recurso de humanização e sociabilização. Em tempos de consumismo sem limites, individualismo doentio e coisificação do homem – com efeitos nefastos numa sociedade desequilibrada como a nossa –, a leitura de ficção e poesia pode ter um papel regenerador e insubstituível. (AZEVEDO, 2007, p. 66).

Podemos afirmar que para a literatura são atribuídas natureza e funções distintas, de acordo com a realidade cultural e social de cada época. Antonio Candido assinala três funções para a literatura. Vejamos.

Você já fantasiou observando as estrelas, o mar ou as pessoas? Já fantasiou sobre o amor? Sobre uma cena de novela? Ouvindo uma música?

Nós possuímos – mesmo que, como vimos, por vezes tolhida – a capacidade de fantasiar e, para Candido, essa modalidade, possibilitada também por meio da ficção, é muito rica. É o que ele nomeia de função psicológica. Ainda segundo o autor, a fantasia tem uma estreita relação com a realidade, e é por meio dessa ligação com o real que a literatura passa a exercer outra função: a formadora, que atua como instrumento de formação e educação do ser humano, por exprimir realidades permeadas pelas ideologias. Nas palavras de Candido (2002, p. 85), a literatura “[...] não corrompe nem edifica, mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver”.

Ainda, continua o autor, a literatura possui outra propriedade, qual seja, uma força humanizadora, “não como sistema de obras, mas como algo que exprime o homem e depois atua na própria formação do homem. E, dentre esta capacidade, a de [...] confirmar a humanidade ao homem” (CANDIDO, 2002, p. 80) comporta uma expressividade que corrobora por educar o gosto visual, serve à exploração das formas, expressa a natureza e reflete a complexidade do ser humano.

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TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

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Há que se considerar que a literatura se vale da língua, fonte de manifestação de dimensões, padrões e momentos culturais. Umberto Eco (2003) explicita essa questão quando afirma que

a língua vai para onde quer, mas é sensível às sugestões da literatura. Sem Dante não haveria um italiano unificado. Quando Dante, em vulgari eloquentia, analisa e condena os vários dialetos italianos e se propõe a forjar um novo vulgar ilustre, ninguém apostaria em semelhante ato de soberba, e no entanto ele ganhou, com a Comédia, a sua partida. (ECO, 2003, p. 10-11).

Por intermédio dela – a literatura – “são reconhecidos os valores da

humanidade, pois surge como um mundo aberto, um convite à liberdade de interpretação e à criatividade” (ECO 2003, p. 21). Assim, a literatura, desde as origens, está vinculada à função de:

atuar sobre as mentes, onde se decidem as vontades ou as ações; e sobre os espíritos, onde se expandem as emoções, paixões, desejos, sentimentos de toda ordem... No encontro com a Literatura (ou com a Arte em geral), os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida, em um grau de intensidade não igualada por nenhuma outra atividade. (COELHO, 2000, p. 29).

“A literatura e a formação do homem”, de Antonio Candido, é o texto de uma conferência pronunciada na XXIV Reunião Anual da SBPC (São Paulo, julho de 1972).

NOTA

No entanto, para entender literatura dessa forma, é necessário que se estabeleça um exercício de diálogo com o texto. Somente assim a literatura se mostrará como uma oportunidade de compreensão do homem, e de tudo o que o cerca.

A literatura opera sobre o pensamento. É um fenômeno de criatividade e,

enquanto atividade cognitiva, contribui para a ampliação do processo perceptivo do leitor. Daí a necessidade da presença do livro literário em sala de aula, fonte inesgotável de conhecimentos e descobertas.

O exame dos elementos formativos em textos destinados à criança coloca uma questão que transcende o gênero da literatura infantil, abrangendo o problema da função social da arte. (...) Portanto, toda arte desempenha um papel na formação da sociedade e, nesse sentido, é educativa. O critério perante essa característica inerente à obra é a distinção entre aquelas obras que são apenas eco de lugares-comuns estéticos e ideológicos e aquelas que não apenas conservam experiências adquiridas, mas conduzem ao questionamento dos convencionalismos de interpretação e comportamento pela apresentação

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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de novas perspectivas. A obra emancipatória é prospectiva, porque pela amostragem de novas possibilidades propicia experiências futuras; a obra convencional é retrospectiva, porque valida experiências passadas sem redimensioná-las criticamente. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 54).

Significa dizer que a escola deve proporcionar aos jovens contato com as mais variadas produções literárias, favorecendo uma atitude de curiosidade, de interesse pela descoberta, com vistas à formação de um leitor capaz de dialogar com textos e neles reconhecer-se e distinguir expressões estéticas e artísticas.

Umberto Eco enfatiza que a literatura possui e mantém a língua como patrimônio coletivo e contribui para a sua formação, na medida em que intensifica um modo de expressão de um grupo.

UNI

Caro(a) acadêmico(a), continuaremos refletindo sobre a palavra literária que assume vida própria, com novas significações que diferem daquelas usualmente utilizadas nos textos não literários, mas antes veja como Ítalo Calvino concebe os clássicos.

Por que ler os clássicos

Comecemos com algumas propostas de definição.

1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo..." e nunca "Estou lendo...".

Isso acontece pelo menos com aquelas pessoas que se consideram "grandes leitores"; não vale para a juventude, idade em que o encontro com o mundo e com os clássicos como parte do mundo vale exatamente enquanto primeiro encontro.

O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia

por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para tranquilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as leituras "de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu.

[...] Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados)

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TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

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muitos detalhes, níveis e significados a mais. Podemos tentar então esta outra fórmula de definição:

2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de apreciá-los.

De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente. A definição que dela podemos dar então será:

3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

Segundo Calvino, deveria existir um tempo na vida adulta específico para reler as leituras feitas na juventude, pois nós mudamos o foco ou os focos serão novos, outros.

Portanto, conforme o autor: usar o verbo ler ou o verbo reler não tem muita importância. De fato, poderíamos dizer:

4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.

5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.

A definição 4 pode ser considerada corolário desta:

6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

Ao passo que a definição 5 remete para uma formulação mais explicativa, como:

7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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Calvino argumenta sobre o poder que a leitura de um clássico possui. Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar sem intermediários que pretendem saber mais do que ele. Podemos concluir que:

8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber), mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo:

9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.

Essa possibilidade advém do fato de a leitura de um clássico favorecer o estabelecimento de uma relação pessoal com quem o lê. Assim,

Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são lidos por dever ou por respeito, mas só por amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos entre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola.

[...]

10. Chama-se clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.

Com esta definição nos aproximamos da ideia de livro total, como

sonhava Mallarmé. Mas um clássico pode estabelecer uma relação igualmente forte de oposição, de antítese. Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa e faz me agrada, mas tudo me inspira irresistível desejo de contradizê-lo, de criticá-lo, de brigar com ele. Aí pesa a sua antipatia particular num plano temperamental, mas por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo, não posso deixar de incluí-lo entre os meus autores. Direi, portanto:

11. O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para

definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.

Creio não ter necessidade de justificar-me se uso o termo clássico sem fazer distinções de antiguidade, de estilo, de autoridade. (Para a história de

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TÓPICO 2 | A LITERATURA ENTRA NO JOGO

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todas essas acepções do termo, consulte-se o exausto verbete "Clássico" de Franco Fortini na Enciclopédia Einaudi, vol. III). Aquilo que distingue o clássico no discurso que estou fazendo talvez seja só um efeito de ressonância que vale tanto para uma obra antiga quanto para uma moderna mas já com um lugar próprio numa comunidade cultural. Poderíamos dizer:

12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.

A esta altura, não posso mais adiar o problema decisivo de como relacionar a leitura dos clássicos com todas outras leituras que não sejam clássicas. Problema que se articula com perguntas como: "Por que ler os clássicos em vez de concentrar-nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?" e "Onde encontrar o tempo e a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados que somos pela avalanche de papel impresso da atualidade?".

É claro que se pode formular a hipótese de uma pessoa feliz que

dedique o "tempo-leitura" de seus dias exclusivamente a ler Lucrécio, Luciano, Montaigne, Erasmo, Quevedo, Marlowe, O Discours de la méthode, Wilhelm Meister, Coleridge, Ruskin, Proust e Valéry, com algumas divagações para Murasaki ou para as sagas islandesas. Tudo isso sem ter de fazer resenhas do último livro lançado nem publicações para o concurso de cátedra e nem trabalhos editoriais sob contrato com prazos impossíveis. Essa pessoa bem-aventurada, para manter sua dieta sem nenhuma contaminação, deveria abster-se de ler os jornais, não se deixar tentar nunca pelo último romance nem pela última pesquisa sociológica. Seria preciso verificar quanto um rigor semelhante poderia ser justo e profícuo. O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas é sempre um ponto em que nos situamos para olhar para a frente ou para trás. Para poder ler os clássicos, temos de definir "de onde" eles estão sendo lidos, caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal. Assim, o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem. E isso não presume necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser também o fruto de um nervosismo impaciente, de uma insatisfação trepidante.

Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora da janela, que nos adverte dos engarrafamentos do trânsito e das mudanças do tempo, enquanto acompanhamos o discurso dos clássicos, que soa claro e articulado no interior da casa. Mas já é suficiente que a maioria perceba a presença dos clássicos como um reboar distante, fora do espaço invadido pelas atualidades como pela televisão a todo volume. Acrescentemos então:

13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

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Resta o fato de que ler os clássicos parece estar em contradição com o nosso ritmo de vida, que não conhece os tempos longos, o respiro do otium humanista; e também em contradição com o ecletismo da nossa cultura, que jamais saberia redigir um catálogo do classicismo que nos interessa.

Eram as condições que se realizavam plenamente para Leopardi, dada a sua vida no solar paterno, o culto da antiguidade grega e latina e a formidável biblioteca doada pelo pai Monaldo, incluindo a literatura italiana completa, mais a francesa, com exclusão dos romances e em geral das novidades editoriais, relegadas no máximo a um papel secundário, para confronto da irmã ("o teu Stendhal", escrevia a Paolina). Mesmo suas enormes curiosidades científicas e históricas, Giacomo as satisfazia com textos que não eram nunca demasiado up-to-date: os costumes dos pássaros de Buffon, as múmias de Frederico Ruysch em Fontenelle, a viagem de Colombo em Robertson.

Hoje, uma educação clássica como a do jovem Leopardi é impensável, e sobretudo a biblioteca do conde Monaldo explodiu. Os velhos títulos foram dizimados, mas os novos se multiplicaram, proliferando em todas as literaturas e culturas modernas. Só nos resta inventar para cada um de nós uma biblioteca ideal de nossos clássicos; e diria que ela deveria incluir uma metade de livros que já lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e pressupomos possam vir a contar. Separando uma seção a ser preenchida pelas surpresas, as descobertas ocasionais.

Verifico que Leopardi é o único nome da literatura italiana que citei. Efeito da explosão da biblioteca. Agora deveria reescrever todo o artigo, deixando bem claro que os clássicos servem para entender quem somos e aonde chegamos e por isso os italianos são indispensáveis, justamente para serem confrontados com os estrangeiros, e os estrangeiros são indispensáveis exatamente para serem confrontados com os italianos.

Depois deveria reescrevê-lo ainda uma vez para que não se pense que os clássicos devem ser lidos porque "servem" para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.

E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não

um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer' ".

FONTE: CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Ed. Cia. das Letras. 2004.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você viu que:

• A literatura é uma linguagem especial que tece a palavra, que atua no pensamento humano, à qual são atribuídas natureza e funções distintas, de acordo com a realidade cultural e social de cada época, assunto sobre o qual refletiremos a seguir.

• A literatura possui uma importância indiscutível, pois a partir da literatura é que somos levados a refletir sobre a paixão, a amizade, o autoconhecimento, a angústia, o ciúme, a mentira, e a existência de diferentes pontos de vista sobre determinado assunto.

• Para Antonio Candido, a literatura exprime o homem ao mesmo tempo em que atua na sua formação.

• É na escola que o jovem poderá obter um contato com as produções literárias. O professor, nestes momentos, proporcionará uma atitude de curiosidade, de interesse pela descoberta, um encontro que possibilitará transformação, enriquecimento, experiência de vida e transmissão de ideias.

• A literatura surge como um mundo aberto, um convite à liberdade de interpretação, à criatividade e à exploração das formas. Serve de entendimento da organização social, pois estabelece relações com momentos históricos.

• A literatura mantém a língua como patrimônio coletivo, na medida em que intensifica um modo de expressão de um grupo e/ou contribui para a sua formação.

• Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

• Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).

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1 Quais são as funções da literatura, segundo Antonio Candido?

2 Como você observa as questões ligadas ao modo de entender a literatura?

3 Após a leitura do texto de Calvino, faça o seguinte exercício: pense em livros que lhe chamaram a atenção e que você pensa em ler novamente. Algumas das observações levantadas por Calvino lhe servem de argumento para a seleção por você escolhida?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Você, certamente, ao ler o texto de Calvino, inferiu que o autor delineia o que é um clássico, defendendo a ideia de que ler clássicos é melhor do que não os ler. Nosso objetivo de escolher este texto é o de que você reflita sobre livros já lidos e sinta vontade de reler e ler tantos outros livros, conforme afirma Calvino: ler aquele livro sobre o qual você escutou pessoas comentando “estou relendo”, nunca “estou lendo”. Mas, afinal, o que é a linguagem literária contida nos clássicos? É o que veremos neste tópico.

2 O LITERÁRIO: ASPECTOS QUE O DEFINEM

Podemos dizer que muitas das obras literárias passam para a posteridade, tornando-se clássicos, fonte inesgotável de conhecimento. Autores e suas obras são referenciados, estudados e analisados, uma vez que desvelam a existência humana, elaborando seus escritos a partir do engendramento da língua com um estilo peculiar. Assim, novamente questionamos: O que é literatura?

Se nos debruçássemos sobre a teoria a fim de obtermos uma resposta à pergunta sobre o conceito de literatura, perceberíamos que sua definição não é matéria pacífica entre os estudiosos. Vários tentaram e tentam sistematizá-lo, apresentando variações significativas. Essas posições nos impulsionam a refletir sobre esse assunto.

Acerca do conceito, vejamos o que Terry Eagleton (2003, p. 6) comenta: “Os formalistas consideravam a linguagem literária como um conjunto de desvios da norma, uma espécie de violência linguística: a literatura é uma forma especial de linguagem, em contraste com a linguagem comum, que usamos habitualmente”.

Caro(a) acadêmico(a), é importante salientar que o formalismo concentrou seus estudos na literatura separada do contexto social e histórico da obra. Para os formalistas, tudo o que é necessário numa obra literária está contida nela, ou seja, a base está nos aspectos linguísticos. Portanto, o formalismo, em sua essência, aplicou a linguística ao estudo da literatura.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

Octávio Paz (1982, p. 47) conceitua literatura argumentando que na criação poética os vocábulos são forjados a nascerem novamente:

O primeiro ato dessa operação consiste no desenraizamento das palavras. O poeta arranca-as de suas conexões e misteres habituais: separados do mundo informativo da fala, os vocábulos se tornam únicos, como se acabassem de nascer.

De acordo com esse pensamento, o poeta consegue fazer da palavra, anteriormente usada para informar, algo que está além do habitual.

Considere o poema que segue:

Autopsicografia

O poeta é um fingidor.Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dorA dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,Na dor lida sentem bem,Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,Esse comboio de corda

Que se chama o coração.(Fernando Pessoa, 1977).

FIGURA 4 – FERNANDO PESSOA

FONTE: Disponível em: <http://blogdobacana-marcelomarques.blogspot.com.br/2011/06/os-123-anos-de-fernando-pessoa.html>. Acesso em: 10 ago. 2012.

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TÓPICO 3 | CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

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Perceba que Fernando Pessoa, ao escrever, elaborou a linguagem, manipulou as palavras criativa e esteticamente, transformando-as em poesia, arte, literatura.

Você poderá ler mais sobre o formalismo e literatura no livro de Terry Eagleton, intitulado Teoria da Literatura: uma introdução. Tradução de Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

IMPORTANTE

Assim, a literatura representaria uma “violência organizada” contra a fala comum, pois o escritor utiliza a linguagem transformando-a, intensificando-a, afastando-a sistematicamente da fala cotidiana.

Outro estudioso, Jean-Paul Sartre (1993, p. 28), afirma que a literatura é

[...] uma subjetividade que se entrega sob a aparência de objetividade, um discurso tão curiosamente engendrado que equivale ao silêncio; um pensamento que se contesta a si mesmo, uma Razão que é apenas a máscara da loucura, um Eterno que dá a entender que é apenas um momento da História, um momento histórico que, pelos aspectos ocultos que revela, remete de súbito ao homem eterno; um perpétuo ensinamento, mas que se dá contra a vontade expressa daqueles que a ensinam.

Umberto Eco (2003, p. 8) também teorizou sobre a literatura e, segundo ele, “[...] é um valor imaterial que se lê por prazer, elevação espiritual e ampliação de conhecimento”.

O objetivo em apresentar esses conceitos sobre a literatura, caro(a) acadêmico(a), é demonstrar que o texto literário é resultado do trabalho do escritor com a linguagem que é por ele cuidadosamente explorada, o que ocasiona várias possibilidades de significação, que também podem variar de acordo com os conhecimentos prévios do leitor.

A teoria literária enfatiza, a partir da estética da recepção, a figura do leitor, que atribui sentidos e significados ao texto literário. Segundo Sartre (1993), dificilmente dois ou mais leitores farão leituras idênticas de um mesmo texto. Além disso, para o estudioso, o leitor poderá ser considerado coautor e coprodutor. Sem o leitor, “[...] o texto nada mais é que sinais perdidos no papel”. (SARTRE, 1993, p. 24).

Especificamente no que se refere ao papel do leitor, trataremos na Unidade 3 deste Caderno de Estudos e em objeto de aprendizagem. Disponível na trilha do curso.

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

Leia mais alguns conceitos sobre literatura:- “Arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra” (ARISTÓTELES

apud NICOLA, 1998, p. 25).- “É a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem” (LOUIS DE BONALD apud NICOLA, 1998, p. 25).- “Várias são as acepções do termo literatura: conjunto da produção intelectual humana escrita; conjunto de obras especialmente literárias; conjunto de obras sobre um dado assunto, o que chamamos mais vernacularmente de bibliografia de um assunto ou matéria; boas letras; além de outros derivados ou secundários, um ramo especial daquela produção, uma variedade da Arte, arte literária” (VERÍSSIMO, 2001, p. 23).

UNI

Caro(a) acadêmico(a), leia os textos e em seguida resolva a autoatividade proposta.

Texto 1Bullying: é preciso levar a sério ao primeiro sinal

Esse tipo de violência tem sido cada vez mais noticiado e precisa de educadores atentos para evitarem consequências desastrosas. [...] Para evitar o bullying, as escolas devem investir em prevenção e estimular a discussão aberta com todos os atores da cena escolar, incluindo pais e alunos. Para os professores, que têm um papel importante na prevenção, alguns conselhos dos especialistas Cléo Fante e José Augusto Pedra, autores do livro Bullying Escolar (Artmed).

- Observe com atenção o comportamento dos alunos, dentro e fora da sala de aula, e perceba se há quedas bruscas individuais no rendimento escolar.

- Incentive a solidariedade, a generosidade e o respeito às diferenças através de conversas, trabalhos didáticos e até de campanhas de incentivo à paz e à tolerância.

- Desenvolva, desde já, dentro da sala de aula, um ambiente favorável à comunicação entre alunos.

- Quando um estudante reclamar ou denunciar o bullying, procure imediatamente a direção da escola.

- Muitas vezes, a instituição trata de forma inadequada os casos relatados. A responsabilidade é, sim, da escola, mas a solução deve ser em conjunto com os pais dos alunos envolvidos.

FONTE: Extraído e adaptado de: BARROS, Andréia. Revista Nova Escola. Edição Abril de 2008.

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TÓPICO 3 | CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

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Texto 2Catar Feijão

Catar feijão se limita com escrever:Joga-se os grãos na água do alguidar

E as palavras na folha de papel;E depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,Água congelada, por chumbo seu verbo:Pois para catar esse feijão, soprar nele,E jogar fora o leve e oco, palha e eco.Ora, nesse catar feijão entra um risco:O de que entre os grãos pesados entreUm grão qualquer, pedra ou indigesto,Um grão imastigável, de quebrar dente.

Certo não, quando ao catar palavras:A pedra dá à frase seu grão mais vivo:

Obstrui a leitura fluviante, flutual,Açula a atenção, isca-a como risco.

FONTE: MELO NETO, João Cabral de. Poesia crítica. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 12.

Você percebeu que existem diferenças entre os dois textos. Revisite-os. Agora, observe mais atentamente, compare-os e aponte algumas diferenças e/ou semelhanças quanto aos assuntos abordados, ao processo de construção e quanto ao uso da linguagem.______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________.

Muitas considerações podem ser elencadas entre os dois textos, entretanto, aqui, nos interessa a classificação: texto literário e texto não literário. Observe:

3 O TEXTO LITERÁRIO E O TEXTO NÃO LITERÁRIO

A partir da realização da autoatividade, podemos inferir que o primeiro texto aborda a questão do Bullying na escola, faz uso da linguagem denotativa, é constituído de signos linguísticos com significado mais preciso, uma vez que existe a necessidade de uma informação objetiva, de maneira a evitar mais de uma interpretação, daí a classificá-lo como texto não literário. Pense nas bulas de remédio, ou nas instruções de funcionamento de um eletrodoméstico. As informações disponibilizadas ao usuário deverão ser rigorosas, presas ao contexto de comunicação específico, não deixando margem a dupla interpretação. Maria da Glória Bordini e Vera Aguiar Teixeira afirmam que “[...] o texto não literário contém

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

indicadores muito rígidos e presos ao contexto de comunicação, não deixando margem à livre movimentação do leitor” (BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 15).

O texto não literário prioriza a informação, tem uma função utilitária para convencer, explicar, responder e ordenar. São exemplos de textos não literários: manuais de informação ao usuário, notícias e reportagens jornalísticas, textos de livros didáticos de história, filosofia, matemática, textos científicos em geral, receitas culinárias, bulas de remédio.

O segundo texto, o poema do autor João Cabral de Melo Neto, remete a

outra concepção, cujo plano de expressão rompe com seu significado racional, ou seja, tem sentido conotativo, pois a significação da palavra é subjetiva. O texto literário tem uma dimensão estética, o autor faz uso específico e complexo da língua, explora recursos do sistema linguístico – os sons, as rimas, as metáforas, as metonímias, o sentido das palavras e a organização frasal. Cria novas relações entre as palavras, combinando-as de maneira singular, revelando, assim, novas formas de ver o mundo. Os signos linguísticos, as frases, as sequências assumem significados variados e múltiplos, possibilitando a criação de novas relações de sentido. É um fazer peculiar porque expressa uma forma de dizer carregada de significados que são inerentes a um tempo histórico e particular, na medida em que explicita e compreende o homem e a sua organização social. Exemplos de textos literários: poesias, romances, contos, novelas, fábulas, entre outros.

Após uma breve definição acerca do fenômeno literário, aqui conceituado segundo o critério de representação do real – que situa a literatura, enquanto modalidade artística, como uma forma de arte descompromissada com a verdade lógica e com a racionalidade utilitária –, interessa-nos agora definir uma de suas formas de manifestação mais praticadas: aquela destinada ao público infantil. Assunto que abordaremos na próxima unidade. Antes disso, é interessante pensar na tríade autor, texto e leitor. Para tanto leiamos: O Jogo do Texto, no qual o autor argumenta que:

É sensato pressupor que o autor, o texto e o leitor são intimamente interconectados em uma relação a ser concebida como um processo em andamento que produz algo que antes inexistia. Esta concepção do texto está em conflito direto com a noção tradicional de representação, à medida que a mímesis envolve a referência a uma “realidade” pré-dada, que se pretende estar representada. No sentido aristotélico, a função da representação é dupla: tornar perceptíveis as formas constitutivas da natureza; completar o que a natureza deixara incompleto. Em nenhum dos casos, a mímesis, embora de importância fundamental, não pode restringir à mera imitação do que é, pois os processos de elucidação e de complementação exigem uma atividade performativa se as ausências aparentes hão de se transformar em presença. Desde o advento do mundo moderno há uma tendência clara em privilegiar-se o aspecto performativo da relação autor-texto-leitor, pelo qual o pré-dado não é mais visto como um objeto de representação, mas sim como o material a partir do qual algo novo é ordenado.

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TÓPICO 3 | CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM LITERÁRIA

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O novo produto, entretanto, não é predeterminado pelos traços, funções e estruturas do material referido e contido no texto.

Razões históricas explicam a mudança em foco. Sistemas fechados, como o cosmos do pensamento ou da imagem de mundo medieval, priorizavam a representação como mímesis por considerarem que todo o existente – mesmo que se esquivasse à percepção – deveria ser traduzido em algo tangível. Quando, no entanto, o sistema fechado é perfurado e substituído por um sistema aberto, o componente mimético da representação declina e o aspecto performativo assume o primeiro plano. O processo então não mais implica vir aquém das aparências para captar um mundo inteligível, no sentido platônico, mas se converte em um “modo de criação de mundo” [...]. Se aquilo que o texto realiza tivesse de ser equiparado com a feitura de mundo, surgiria a questão se ainda se poderia continuar a falar em “representação”. O conceito podia ser mantido apenas se os próprios “modos de criação de mundo” se tornassem o objetivo referencial para a representação. Neste caso, o componente performativo teria de ser concebido como o pré-dado do ato performativo. Independente de se isso poderia ou não ser considerado tautológico, permanece o fato de que provocaria uma quantidade de problemas de que este ensaio não pretende tratar. Há, contudo, uma inferência altamente relevante para minha discussão: o que tem sido chamado o “fim da representação” [...] pode, afinal de contas, ser menos a descrição do estado histórico das artes do que a articulação de dúvidas quanto à habilidade da representação como conceito capaz de capturar o que, de fato, sucede na arte ou na literatura.

Isso não equivale a negar que a relação autor-texto-leitor contém um amplo número de elementos extratextuais que entram no processo, mas são apenas componentes materiais do que sucede no texto e não correspondente um a um. Parece, portanto, justo dizer que a representação, no sentido em que viemos compreendê-la, não pode abarcar a operação performativa do texto como uma forma de evento. Com efeito, é importante notar que não há teorias definidas da representação que de fato fixem as condições necessárias para a produção da mímesis. [...].

[...] Os autores jogam com os leitores [...] e o texto é o campo do jogo. O próprio texto é o resultado de um ato intencional pelo qual o autor se refere e intervém em um mundo existente, mas, conquanto o ato seja intencional, visa a algo que ainda não é acessível à consciência. Assim o texto é composto por um mundo que ainda há de ser identificado e que é esboçado de modo a incitar e imaginá-lo e, por fim, interpretá-lo. Essa dupla operação de imaginar e interpretar faz com que o leitor se empenhe em visualizar as muitas formas possíveis do mundo identificável, de modo que, inevitavelmente, o mundo repetido no texto começa a sofrer modificações. Pois não importa que novas formas o leitor traz à vida: todas transgridem – e, daí, modificam – o mundo referencial contido no texto. Ora, como o texto é ficcional, automaticamente invoca a convenção de um contrato entre autor e leitor, indicador de que o mundo textual há de ser concebido, não como realidade, mas como se fosse

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UNIDADE 1 | CONTEXTUALIZAÇÃO DA LITERATURA

realidade. Assim, o que quer que seja repetido no texto não visa a denotar o mundo, mas apenas um mundo encenado. Este pode repetir uma realidade identificável, mas contém uma diferença decisiva: o que sucede dentro dele não tem as consequências inerentes ao mundo real referido. Assim, ao se expor a si mesma, a ficcionalidade assinala que tudo é tão só de ser considerado como se fosse o que parece ser; noutras palavras, ser tomado como jogo.

FONTE: Texto adaptado de ISER, W. “O Jogo do Texto”. In: JAUSS , H. R. et al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 105-107.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico vimos que:

• A literatura é uma forma de manifestação artística que tem como material de expressão a palavra, marcada por uma organização peculiar da linguagem.

• A literatura é uma espécie de violência linguística organizada e caracteriza-se pelo estranhamento da linguagem.

• A literatura é uma forma de dizer, carregada de significados. É uma variedade de arte, ou seja, é arte literária.

• O texto literário abre-se para várias significações; é, portanto, plurissignificativo; tem uma dimensão estética e explora os recursos do sistema linguístico.

• Para a dimensão literária o autor faz uso específico e complexo da língua, explora sons, as rimas, as metáforas, as metonímias, o sentido das palavras e a organização frasal.

• A escrita literária possibilita a criação de novas relações entre as palavras, combinando-as de maneira singular, peculiar, porque expressa uma forma de dizer carregada de significados que são inerentes a um tempo histórico e particular.

• O texto não literário prioriza a informação, possui função utilitária para convencer, explicar, responder e ordenar. Exemplos de textos não literários: manuais de informação ao usuário, notícias e reportagens jornalísticas, entre outros.

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3 Você concorda com a afirmação de que dificilmente dois leitores farão leituras idênticas de um mesmo texto? Comente.

Com base no tópico, responda às seguintes questões:

1 No que se refere à literatura, assinale V para a sentença verdadeira e F para a sentença falsa:

a) ( ) Os formalistas consideravam a linguagem literária como um conjunto de desvios da norma, uma espécie de violência linguística.

b) ( ) A literatura infantil é uma forma de manifestação artística.c) ( ) A literatura é uma forma de dizer, carregada de significados.d) ( ) O texto literário é composto de palavras que se afastam sistematicamente

da fala cotidiana. O leitor atribui sentidos e significados. Segundo Sartre, pode ser considerado coautor e coprodutor.

e) ( ) O texto literário tem uma dimensão estética, o autor faz uso específico e complexo da língua explorando recursos do sistema linguístico.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:a) ( ) F - V - F - V - V.b) ( ) V - F - F - V - V.c) ( ) V - V - V - V - V.

2 Escreva nas sentenças a seguir L para as afirmativas que caracterizam um texto literário e I para aquelas que caracterizam um texto informativo, ou seja, não literário.

( ) Textos que se atêm a fatos particulares.( ) Textos que atingem uma significação mais ampla.( ) Textos que contêm indicadores mais rígidos e presos ao contexto de comunicação.( ) Textos que não deixam margem à livre movimentação do leitor; a informação

que oferecem é imediata e restrita, valendo apenas para uma situação definida.( ) Textos que permitem leituras diversas, justamente por seus aspectos em

aberto, são textos plurissignificativos.( ) Textos que dependem de referentes reais de forma direta.

Assinale a alternativa CORRETA:a) ( ) I - L - I - L - I - I.b) ( ) L - L - L - I - I - I.c) ( ) I - L - I - I - L - I.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 2

A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Nessa unidade vamos:

• analisar as diferentes fases da criança e sua influência na escolha de livros;

• refletir sobre alguns dos fatores que contribuem para a formação do jovem leitor;

• perceber que o texto literário não se limita ao ensino da gramática e/ou escolas literárias;

• identificar a transmissão de valores e contravalores de algumas das perso-nagens encontradas na literatura infantojuvenil.

Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

TÓPICO 2 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

TÓPICO 3 – GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

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TÓPICO 1

ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Há palavras verdadeiramente mágicas. O que há de mais assustador nos monstros é a palavra “monstro”. Se eles se chamassem leques ou ventarolas, ou outro nome assim, todo arejado de vogais, quase tudo se perderia do fascinante horror de Frankenstein... (QUINTANA, 1979, p. 21)

A magia e o encanto da expressão literária perpassam gerações e é sobre essa literatura que nos deteremos, mais especificamente àquela destinada ao jovem leitor, que recebeu o adjetivo de infantil.

Por vezes, essa qualidade, essa adjetivação inquieta o próprio estatuto de literário, uma vez que muitas histórias foram transformadas, adaptadas para o público infantil, e para este trabalho de reescritura importava validar o aspecto pedagógico da literatura.

Hoje é sabido que, por expressar e refletir a complexidade do ser humano, o seu mundo e suas relações existenciais, a literatura se apresenta fascinante, essencial e favorece o desenvolvimento intelectual. Enquanto atividade cognitiva, contribui para a ampliação do processo perceptivo do leitor. Daí a necessidade da presença do livro literário em sala de aula, por representar possibilidade de conhecimento e descoberta. São essas questões que serão abordadas.

FIGURA 5 - SENECIO, PAUL KLEE

FONTE: Disponível em: <http:\\www.ricci-arte biz.543.jpg>. Acesso em: 12 ago. 2012.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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2 OS TEXTOS DESTINADOS AO JOVEM LEITOR

Ao que parece, o surgimento de uma literatura para crianças encontra-se ligado à novelística popular medieval, que tem suas origens na Índia. Descobriu-se que a magia e o encanto dessas criações, vindas, em sua maioria, da tradição oral e mitológica, repassadas através de gerações e adaptadas pela experiência do adulto, poderiam satisfazer a mente fértil e inesgotável do público infantil (OLIVEIRA, 2007).

A literatura infantil constitui-se como gênero durante o século XVII, na Europa, e seu aparecimento possui características próprias. A ela foi atribuída a função de suscitar situações para uma educação moral. Os textos, em sua estrutura maniqueísta, demarcavam claramente o bem e o mal, o que a criança deveria fazer e o que não deveria. Com uma sociedade burguesa em ascensão, a criança, ou melhor dizendo, o que fez parte de sua infância, no caso a escola, passou por uma reorganização. As histórias destinadas à criança foram associadas à Pedagogia, que as converteu em aliado instrumento pedagógico.

Nessa abordagem, a criança era considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias. Para tanto, deveria receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta e priorizasse os valores morais. Assim surge a chamada literatura infantil, que, desde sua gênese, esteve atrelada a fins pedagógicos, a serviço da divulgação dos ideais burgueses” (OLIVEIRA, 2007).

Somente a partir de estudos da psicologia experimental é que se altera a concepção. Entra em questão a sucessão das fases evolutivas da inteligência. A partir de então passa a existir a preocupação de falar com autenticidade, aos possíveis destinatários das mais tenras idades. Transforma-se, assim, o foco da literatura infantil.

Entretanto, vejamos:

A literatura infantil é comunicação histórica (localizada no tempo e no espaço) entre um locutor e um escritor adulto (emissor) e um destinatário - criança (receptor), que por definição do período considerado, não dispõe senão de modo parcial da experiência do real e das estruturas linguística, intelectuais, afetivas e outras que caracterizam a idade adulta. (COELHO, 1997, p. 185).

Nesse sentido, lembre-se de nossas discussões iniciadas na primeira unidade: o livro destinado ao infante é produzido por um adulto que comunica experiências já adquiridas a um público que não possui tal experiência. É direcionada a uma idade que é de aprendizagem e, mais especificamente, de aprendizagem linguística, donde advém sua inclinação pedagógica. Assim, a literatura no espaço escolar foi incorporada como tarefa a ser cumprida. Para Abramovick (1989), é justamente este caráter de cobrança que distancia a criança da leitura de literatura. Sobre essa função utilitário-pedagógica, à qual a literatura infantojuvenil é exposta, leiamos Palo e Oliveira (1986, p.13), que afirmam:

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TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

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a função pedagógica implica a ação educativa do livro sobre a criança. De um lado, relação comunicativa leitor-obra, tendo por intermediário o pedagógico, que dirige e orienta o uso da informação; de outro, a cadeia de mediadores que interceptam a relação livro-criança: família, escola, biblioteca e o próprio mercado editorial, agentes controladores de usos que dificultam à criança a decisão e escolha do que e como ler.

Esse contexto de literatura infantil interfere sobre o universo da criança. Assim, questões que envolvem a literatura no espaço escolar e, consequentemente, no universo infantil são o mote de vários estudos. Bruno Bettelheim (2007) discorre sobre as personagens infantis, o maravilhoso, o fantástico, seus conflitos e o papel que os enredos dessas histórias desempenha no imaginário do jovem leitor. Afirma que toda a simbologia presente no literário infantil ajuda a resolver problemas existenciais da criança. Enfatiza também o poder regenerador dos contos de fada, que, por conterem na sua estrutura elementos simbólicos, criam uma ponte com o inconsciente, propiciando ao jovem leitor conforto e consolo em termos emocionais. Dito de outro modo, apresentam temas relacionados ao medo, ao amor, ao ódio, à alegria, à busca, à tristeza, que fazem parte do cotidiano infantojuvenil, propiciando um treino para as emoções.

A postura que considera a literatura “objeto pedagógico” sofre forte

reação, pois há quem a defenda como entretenimento, ludicidade e deleite. Então, podemos inferir que sob um olhar é arte, é emoção e prazer, e sob o aspecto de instrumento manipulado para uma intenção educativa, ela é objeto pedagógico.

Uma dicotomia existe, entretanto salientamos que a literatura infantil acaba sendo aquela que corresponde, de alguma forma, aos anseios do leitor (OLIVEIRA, 2007). É objeto de entretenimento e, ao mesmo tempo, traduz o homem e atua na sua formação (CANDIDO, 2002). É nesse sentido que devemos pensar a literatura destinada à humanidade, em especial, neste nosso estudo, a destinada ao público infantojuvenil.

Atribui-se o ponto de partida para a literatura infantil à Europa do século XVII, mais especificamente França. Para instigar sua curiosidade sobre esse universo literário, leia o item seguinte. Neste elegemos alguns escritores e obras, no intuito de fazer uma incursão pela história da literatura inafantojuvenil.

3 A LITERATURA INFANTIL – UM POUCO DE HISTÓRIA

Estudos apontam Charles Perrault como precursor da literatura infantil. Iniciou seu trabalho adaptando histórias contadas oralmente em locais parisienses com enredos de personagens que viviam em estado de precariedade, sofriam e ao final venciam.

Caro(a) acadêmico(a), façamos o exercício de recordar o conto A gata borralheira. Confira uma das versões na trilha de aprendizagem da disciplina. Lembre-se de que borralheira significa: local onde existe acúmulo de borralha, mais conhecida como cinza do forno ou lareira.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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Cinderela: sua origem tem diferentes versões. A versão mais conhecida é a do escritor francês Charles Perrault, de 1697, baseada num conto italiano popular

chamado A gata borralheira. A mais antiga é originária da China, por volta de 860 a.C. Existe também a dos Irmãos Grimm, semelhante à de Charles Perrault.Sociólogos, historiadores e literatos veem na história de Cinderela muito mais do que uma simples trama romântica. Por ter origem atemporal e ter surgido em várias civilizações diferentes, a trajetória da protagonista traduziria uma espécie de arquétipo fundamental, traduzindo o anseio natural da psiquê humana em ser reconhecida especial e levada a uma existência superior. A literatura e o cinema, cientes disso, utilizaram-se de seu arco dramático para o desenvolvimento de inúmeras outras obras de apelo popular.

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/CinderelaDisponível>. Acesso em: 5 out. 2012.

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Que tal? Recordou? Então, atente para o fato de que, neste conto, Perrault descreve a preocupação dos convidados quanto ao vestuário, os salões de festa, as danças, a carruagem, enfim, o glamour da nobreza contrapondo-se à vida dos camponeses, marcada pela privação devido ao agravamento das contradições econômicas. Enredos com aspectos que provinham do povo humilde, elementos da corte, a vida e as festas nos palácios.

FIGURA 6 – A GATA BORRALHEIRA

FONTE: Disponível em: <http://prosimetron.blogspot.com.br/2012/06/gata-borralheira.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

Além de Perrault, Fénelon dedicou-se a escritos com qualidades pedagógicas. Sua obra Telêmaco relata as aventuras do filho de Ulisses, personagem da Odisseia, de Homero.

Quando Ulisses, rei de Ítaca, partiu para a Guerra de Troia, deixou seu filho Telêmaco aos cuidados de seu fiel e amigo Mentor. Mesmo tendo a guerra terminado, Ulisses não retorna ao seu lar. Telêmaco cresce vendo o patrimônio de

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TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

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seu pai ser dilapidado pelos pretendentes de sua mãe. Indignado com tal situação, parte em busca de notícias do pai e leva consigo Mentor para orientá-lo e encorajá-lo.

Os reveses da viagem de Telêmaco à procura do pai, o auxílio dos deuses, dos amigos, fazem parte do enredo desta história. Além disso, a história revela o quanto Mentor foi importante na educação de Telêmaco, na formação de seu caráter, de seu senso de responsabilidade e na transição da infância à maturidade.

Podemos dizer que a personagem Mentor adquire outro status a partir do momento no qual Fénelon escreve As Aventuras de Telêmaco, em 1699, elevando-o à condição de um professor, um guia, do jovem Telêmaco. A palavra mentor passou, então, a figurar nos dicionários como sinônimo de conselheiro sábio, além de protetor e financiador. “Pessoa que inspira, estimula, cria ou orienta (ideias, ações, projetos, realizações etc.)” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1275).

O escritor Fénelon foi tutor do neto de Luis XIV e seu livro fez grande sucesso, inspirando muitos pedagogos.

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La Fontaine, por sua vez, imortalizou-se através das fábulas, entre outros escritos.

Leiamos uma de suas fábulas:

A Raposa e a Cegonha

A Raposa convidou a Cegonha para jantar e lhe serviu sopa em um prato raso.

- Você não está gostando de minha sopa? - Perguntou, enquanto a cegonha bicava o líquido sem sucesso.

- Como posso gostar? - A Cegonha respondeu, vendo a Raposa lamber a sopa que lhe pareceu deliciosa.

Dias depois foi a vez de a cegonha convidar a Raposa para comer na beira da Lagoa, serviu então a sopa num jarro largo embaixo e estreito em cima.

- Hummmm, deliciosa! - Exclamou a Cegonha, enfiando o comprido bico pelo gargalo. - Você não acha?

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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A Raposa não achava nada nem podia achar, pois seu focinho não passava pelo gargalo estreito do jarro. Tentou mais uma ou duas vezes e se despediu de mau humor, achando que por algum motivo aquilo não era nada engraçado.

MORAL: Às vezes recebemos na mesma moeda por tudo aquilo que fazemos.

FONTE: Disponível em: <http://pensador.uol.com.br/frase/ODEwMzk3/>. Acesso em: 5 out. 2012.

Do século XIX, destacamos o dinamarquês Hans Christian Andersen, autor de 156 contos maravilhosos, entre os quais figuram O soldadinho de chumbo e O patinho feio. Confira versão na trilha de aprendizagem.

Os Irmãos Grimm, Jocob e Wilhelm, por sua vez, além de filólogos e lexicógrafos, foram celebrizados com as publicações de contos e lendas alemãs emanados da tradição e saber popular.

Pinóquio é outro clássico da literatura. Um pedaço de madeira falante aparece nas mãos de Gepeto. O velho Gepeto tem planos ambiciosos para a marionete que ele fabrica. É capaz de dançar, cantar e falar. Pinóquio, entretanto, revela-se um títere arteiro e que sonha em tornar-se um menino de verdade. As aventuras de Pinóquio é a obra original de Carlo Collodi, publicada pela primeira vez em 1883. Em seu percurso de transição de boneco a menino, Pinóquio se mete em confusão atrás de confusão, enfrenta a autoridade da lei, a solidão da condição humana e outras tantas aventuras perigosas.

Outra relevante figura para a literatura infantil é Lewis Carrol, autor de Alice no país das maravilhas, uma história-romance considerada complexa e que sugere variadas interpretações, por abordar em seu contexto assuntos de diferentes temáticas.

Carrol explora elementos dos contos de fada, animais que falam, reis e rainhas, personagens enigmáticos que em um passe de mágica aparecem, desaparecem e mudam de tamanho. A história se passa dentro de um sonho, é marcada pelo recurso do nonsense - termo que indica ausência de sentido. No caso da narrativa em questão, os episódios são permeados por algum recurso de ligação, garantindo, assim, uma coerência interna. Além disso, o enredo de Alice no país das maravilhas não exige uma lógica total dos acontecimentos, uma vez que se passa no “mundo dos sonhos”, um universo no qual coisas mais insólitas são aceitas como naturais.

Alice é uma obra que permite várias interpretações. Uma delas é a de que as mudanças, os conflitos da adolescência à maturidade podem estar representados na obra. Além dessa interpretação, podemos considerar questões históricas, como, por exemplo, críticas à sociedade inglesa vitoriana.

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TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

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Outros escritores que merecem destaque são: Jonathan Swift (1667-1745) – Em 1726, o autor publica sua obra-prima: As viagens de Gulliver.

Daniel Defoe (1660-1731) – Seu romance mais famoso, Robinson Crusoé, foi publicado em 1719.

Mme. Leprince de Beaumont (1711-1780) – Sua obra denuncia preocupação educativa. Entre suas produções salientamos A fada das ameixas, A bela e a fera, entre outras.

Mark Twain (1835-1910) – Publicado em 1876, o livro trouxe popularidade ao escritor americano, com seu Tom Sawyer.

Júlio Verne (1828-1905) – Autor de obras de ficção científica, popularizou-se em trabalhos como Vinte mil léguas submarinas, A Ilha misteriosa, Cinco semanas em um balão, Volta ao mundo em 80 dias, Os filhos do Capitão Grant.

Podemos ainda juntar a esta lista obras como: As mil e uma noites, Dom Quixote de la Mancha (de Miguel de Cervantes), Os três mosqueteiros, O Conde de Monte Cristo, e um rol interminável de leituras.

3.1 PANORAMA DA LITERATURA INFANTIL BRASILEIRA

Na Europa, a literatura infantil assumiu a função pedagógica e difundiu modos e modelos comportamentais, e no Brasil seu objetivo não foi diferente. A literatura infantil chega ao nosso país nos fins do século XIX. Conforme Célia Doris Becker (2001, p. 36), “o mercado requer dos escritores livros que atendam ao público infantil”. Começa, então, a importação desses textos e, com eles, a mesma atitude didática e redutora que difunde normas e doutrinava as crianças. Para Becker, a história da literatura infantil brasileira é dividida em quatro fases.

A primeira fase, final do século XIX e início do século XX, é norteada por adaptações e traduções de textos europeus, principalmente de produções portuguesas. Os textos tinham a intenção de incutir o patriotismo, a valorização do nacionalismo. Destacam-se entre as produções nacionais com essa finalidade: “Contos pátrios e Através do Brasil (Olavo Bilac, Coelho Neto), Era uma vez (Júlia Lopes de Almeida), Saudade (Tales de Andrade). Dentre as traduções, podemos citar as obras de Carlos Jansen, Figueiredo Pimentel, Robinson Crusoé e outros” (BECKER, 2001, p. 36).

A segunda fase, descrita por Becker (2001), abrange os anos de 1920-1945 e poderá ser assim sintetizada em nosso país: como o momento em que acontecem mudanças advindas da expansão cafeeira e da indústria. Essa “efervescência social” atinge a educação, que apresentava um sistema educacional com altos índices de analfabetismo. Constatou-se, com esse fato, que, para o Brasil inserir-se entre as grandes potências internacionais, necessário era, além de outras medidas, acabar com o analfabetismo.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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Neste período criou-se a Escola Nova; eclodiram inovações diversas nas áreas culturais, expressas na Semana de Arte Moderna. A literatura infantil, especialmente a partir de Monteiro Lobato, recebeu “roupagem nova”, com temáticas e uma linguagem coloquial próximas à realidade da criança. O folclore mostrou-se revelador de um mundo bem brasileiro, porém, com o mesmo caráter pedagógico. Muitos dos autores coadunavam com o autoritarismo, através de personagens que não questionavam as ações.

A terceira fase, de aproximadamente 1950 e década de 1960, foi marcada pelas trocas de governo, pelas lutas por uma democracia e pelo golpe militar que culminou com os Atos Institucionais, a partir dos quais “[...] a sociedade passou a conviver com os órgãos de repressão e com a censura aos meios de comunicação” (BECKER, 2001, p. 39).

A literatura infantil, nesse período, de acordo com Becker (2001), recorreu a temas que abordaram a supremacia da vida urbana sobre a rural, na qual os moradores rurais foram desprestigiados e até estereotipados; o café apareceu como fonte primeira de riqueza; a Amazônia era destacada, bem como o passado histórico e o heroísmo dos Bandeirantes foram os temas abordados.

A quarta e última fase, 1970-1980, segundo Becker (2001), foi marcada por personagens que contestavam fatos. Apareceram a gíria, os dialetos, as falas regionais, ou seja, uma literatura inovadora e plena de desafios. Registrou-se, também, um significativo aumento de obras e autores. “Abrandou-se, se não foi totalmente abandonado, o caráter didático-pedagógico que historicamente comprometia a produção literária infantil” (BECKER, 2001, p. 40).

No Brasil, o rico material literário favorece ao professor subsídios para o desenvolvimento da criatividade, da imaginação, do gosto pela leitura e, consequentemente, a ampliação do conhecimento do jovem leitor.

No que tange à literatura infantil, os primeiros trabalhos em solo brasileiro repetiam o que acontecia na Europa, porém escritores se consagraram por arquitetar uma literatura infantil brasileira, uma vez que, além de traduzir os contos de fada europeus, eternizaram narrativas que faziam parte da oralidade do povo brasileiro, entre os quais destacamos:

Figueiredo Pimentel (1869-1914) – Com os Contos da carochinha, Histórias

da baratinha, Álbum das crianças, Teatrinho infantil e Os meus brinquedos, Pimentel pode ser considerado o precursor de nossa literatura infantil.

Viriato Padilha (1866-1924) – Autor de Histórias do arco da velha.Olavo Bilac (1865-1918) – Publicou (em colaboração) Poesias infantis e

Contos pátrios. Escreveu poemas que enalteciam o civismo, o nacionalismo e a história política do Brasil daquela época.

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TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

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Viriato Corrêa (1884-1967) – Notabilizou-se com Varinha de condão, No reino da bicharada, A macacada, No país da bicharada, As belas histórias da história do Brasil, História do Brasil para crianças etc.

Malba Tahan (1885-1974) – Pseudônimo literário do professor de Matemática Julio Mello e Souza. Desse autor destacamos as seguintes obras: O homem que calculava, Maktub, Céu de Allah, Seleções, A caixa do futuro, Lendas do céu e da terra, Lendas do povo de Deus, Minha vida querida, As aventuras do Rei Baribê, entre outras.

Outro nome relevante da literatura infantil brasileira é Monteiro Lobato, criador de Emília, Dona Benta e o Visconde de Sabugosa, bem como os demais personagens do Picapau Amarelo. Seres da fantasia, que saíram dos livros para as telas da TV, para lojas e supermercados, para as festas de aniversário, escolas, jogos, brincadeiras, revelando que “a realidade fabulosa que saiu de sua cabeça acabou sendo maior, mais poderosa e mais duradoura do que ele mesmo cogitou (ZILBERMAN, 2005, p. 22).

Monteiro Lobato dedicou o livro Reinações de Narizinho para apresentação da menina Lúcia a Narizinho, informando também ao leitor que ela mora com a avó, Dona Benta, e ganhou de Anastácia, a cozinheira, uma boneca de pano, batizada de Emília. Pedrinho, primo de Narizinho, também fará parte desse mundo encantado. Visconde de Sabugosa, outro boneco, feito a partir de um sabugo de milho, tornou-se famoso tanto quanto os demais personagens.

FIGURA 7 – VISCONDE DE SABUGOSA

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=sabugosa&hl=pt-BR&prmd=imvns&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=6CvaT6ChO4e09QTQheTuBQ&ved=0CG0QsAQ&biw=1280&bih=618>. Acesso em: 12 set. 2012.

Lobato optou pela sistemática de repetir as personagens, tal qual histórias em série, criando narrativas que revelam o espírito desafiador e heroico, estereótipo dos legendários contos folclóricos, dos mitos e das lendas.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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São personagens que enfrentam variados problemas, embrenham-se nas mais variadas peripécias, demonstrando inteligência, autonomia e emancipação, ou seja, a relação estabelecida entre as personagens adultas e infantis é de igual para igual. Para tanto, bastará observar o comportamento da boneca Emília e das crianças que, por vezes, ignoram certos limites, o que lhes confere autenticidade.

A personagem Dona Benta é quem dirige o sítio. Instruída, inteligente, bem-intencionada, modelo do político que, segundo Lobato, deveria governar o Brasil.

Ao perceber que não poderá mais contar com a renda propiciada pelas lavouras de café que estão arruinadas, “adere ao ideal de Lobato (não por acaso tem o nome do próprio escritor, José Bento): patrocina a prospecção de petróleo em suas terras, obtendo grandes lucros e promovendo o progresso não apenas na área, mas em todo o país” (ZILBERMAN 2005, p. 28).

Dona Benta é quem geralmente narra as fábulas, fato este que, na opinião dos críticos, é um recurso do próprio escritor para demonstrar a reflexão e ponderação das pessoas mais vividas. Tia Nastácia se mostra bastante inclinada a aceitar a moral das fábulas. Já Pedrinho e Narizinho fazem comentários, de acordo com seu espírito irrequieto de crianças curiosas, e Emília tenta, a cada momento, contestar a lição de moral que a fábula encerra.

Lobato revela um Brasil a partir do sítio. Mostra um país com predomínio da economia agrícola, expressando o que deseja para o Brasil, a possibilidade de modernização, crescimento e fortuna graças à exploração das riquezas minerais, em especial, do petróleo.

O sítio, na visão de Lobato, constitui uma espécie de república ideal, que admite seres dotados de qualidades positivas e expulsa o julgado negativo, como o próprio sistema governamental. Quando aparecem os vilões, estes jamais levam a melhor. O sítio é o Brasil conforme o desejo de Lobato, que, desde os primeiros livros, mesmo criticando as mazelas nacionais, nunca deixou de colocar o país no centro e propor alternativas para problemas cruciais.

Monteiro Lobato prezou pela nacionalidade desde os primeiros livros, como

“Urupês”, de 1918. Criticou as mazelas nacionais e propôs alternativas para os problemas que assolavam o país.

As ações do Sítio do Picapau Amarelo podem ocorrer em vários locais e épocas: na Lua, nos planetas, na cidade, em outros séculos, todavia é o sítio o cenário recorrente.

Monteiro Lobato adaptou clássicos da literatura, como Dom Quixote das crianças (1936), e de obras europeias destinadas à infância: Peter Pan (1930). Estabeleceu incursões no folclore, com Histórias de tia Nastácia (1937), e na mitologia ocidental - O Minotauro (1939).

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TÓPICO 1 | ASPECTOS DA LITERATURA INFANTIL

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Podemos dizer que com Lobato a nossa literatura infantil atingiu projeção universal. Criou uma concepção para a fabulação infantil, suas personagens vivem tipos que integram o cenário literário, a exemplo de Emília, boneca admirável, misto de fada e ser humano.

Por sua vez, os protagonistas Pedrinho e Narizinho retratam as preocupações e atividades que ocupam os meninos e meninas daquela época e, por que não dizer, de nossa época. A obra infantil de Lobato está reunida em vários volumes: Reinações de Narizinho, Viagem ao céu, O Saci, Caçadas de Pedrinho, Emília no país da gramática, Aritmética de Emília, Geografia de Dona Benta, entre outras histórias que encantaram e encantam os jovens leitores. E as traduções e adaptações de Contos de Grimm, Novos contos de Grimm, Contos de Andersen, Novos contos de Andersen, Alice no país das maravilhas.

Além disso, Lobato atentava para o fato dos conteúdos moralizantes da literatura destinada ao jovem leitor. A partir da fábula A cigarra e a formiga, de La Fontaine, escreve A formiga boa e a Formiga má. Naquela versão a formiga reconhece o valor do canto da cigarra, a distração que tal cantoria lhe proporcionava nas horas de labuta, sendo assim, recompensa a cigarra protegendo-a do rigoroso inverno. Exibe uma formiga solidária, tolerante e que respeita os outros e suas diferenças, ao contrário da personagem da fábula A Formiga má, que é perversa, não se deixa levar pelos apelos da fragilizada cigarra, negando-lhe qualquer auxílio.

FIGURA 8 – A CIGARRA E A FORMIGA

FONTE: Disponível em: <http://aprendercentrodeestudos.blogspot.com.br/2012/05/conto-cigarra-e-formiga.html>. Acesso em: 12 set. 2012.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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A Formiga má

Já houve, entretanto, uma formiga má que não soube compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta. Foi isso na Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria o mundo com seu cruel manto de gelo.

A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o estio inteiro e o inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem casa onde abrigar-se nem folhinhas que comesse.

Desprovida, bateu à porta da formiga e implorou - emprestado, notem! - uns miseráveis restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de empréstimo, logo que o tempo o permitisse.

Mas a formiga era uma usurária sem entranhas. Além disso, invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio à cigarra por vê-la querida de todos os seres.

- Que fazia você durante o bom tempo?- Eu... eu cantava!...- Cantava? Pois dance agora, vagabunda! - e fechou-lhe a porta no nariz.

Resultado: a cigarra ali morreu entanguidinha; e quando voltou a primavera o mundo apresentava um aspecto mais triste. É que faltava na música do mundo o som estridente daquela cigarra, morta por causa da avareza da formiga. Mas se a usurária morresse, quem daria pela falta dela?

"Os artistas - poetas, pintores, escritores, músicos - são as cigarras da humanidade".

Leia a seguir uma fábula de Monteiro Lobato.

FONTE: Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/contos/1184720>. Acesso em: 12 set. 2012.

Lobato escreveu o primeiro livro voltado ao público infantil, A Menina do narizinho arrebitado, em 1921, e o último, Os doze trabalhos de Hércules, em 1944. Ele faleceu em 1948 (ZILBERMAN, 2005).

Graças à atividade dos escritores Monteiro Lobato, Viriato Correa, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Figueiredo Pimentel, Maria José Dupré, entre outros, é que a literatura infantil brasileira traça seus caminhos inovadores e ganha projeção nacional e universal.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico você viu que:

• O adjetivo “infantil” determina o público a que se destina. Entretanto, é o que é escrito para a criança e lido pela criança.

• Alguns escritores e especialistas preferem dispensar o adjetivo infantil, afirmando não poder haver distinções que reduzam ou orientem os diferentes leitores.

• A literatura infantil brasileira, a exemplo da europeia, assumiu a função pedagógica e difundiu modos e modelos comportamentais.

• A primeira fase da literatura infantil no Brasil é norteada por adaptações e traduções de textos europeus, principalmente de produções portuguesas. Os textos tinham a intenção de incutir o patriotismo, a valorização do nacionalismo.

• Entre as décadas de 1920 a 1945, em termos de literatura infantil, eclodiram inovações diversas nas áreas culturais, expressas na Semana de Arte Moderna. A literatura infantil, especialmente a partir de Monteiro Lobato, recebeu “roupagem nova”, com temáticas e uma linguagem coloquial, próximas à realidade da criança.

• Pode-se afirmar que atualmente a literatura infantil é marcada por personagens que contestavam fatos; apareceram as gírias, os dialetos, as falas regionais, ou seja, uma literatura inovadora e plena de desafios.

• A literatura surge como um mundo aberto, um convite à liberdade de interpretação, à criatividade e à exploração das formas.

• O encontro com a arte literária possibilita transformação, enriquecimento, experiência de vida e transmissão de ideias.

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AUTOATIVIDADE

Para a autoatividade, leia o texto que segue:

Desafio aos educadores

Um famoso filósofo alemão do século passado, Frederico Nietzsche, tece uma crítica radical à civilização ocidental, dizendo que ela educa os homens para desenvolverem apenas instinto da tartaruga. O que quer dizer isso? A tartaruga é o animal que, diante do perigo, da surpresa, recolhe a cabeça para dentro de sua casca. Anula, assim, todos os seus sentidos e esconde, também na casca, os membros, tentando proteger-se contra o desconhecido. Este é o instinto da tartaruga: defender-se, fechar-se ao mundo, recolher-se para dentro de si mesma e, em consequência, nada ver, nada sentir, nada ouvir, nada ameaçar.

Formar boas tartarugas parece ter sido o objetivo dos processos educacionais e políticos de educação desenvolvidos no mundo ocidental nos últimos anos. Temos educado os homens para aprenderem a se defender contra todas as ameaças externas, sendo apenas reativos.

Ensinamos o espírito da covardia e do medo.

Precisamos assumir o desafio de educar o homem para desenvolver o instinto da águia. Águia é o animal que voa acima das montanhas, que desenvolve seus sentidos e habilidades, que aguça ouvidos, olhos e competência para ultrapassar os perigos, alçando voo acima deles. É capaz, também, de afiar as suas garras para atacar o inimigo, no momento que julgar mais oportuno.

As nossas escolas têm procurado fazer com que nossas crianças se recolham para dentro de si e percam a agressividade — o instinto próprio do homem corajoso, capaz de vencer o perigo que se lhe apresenta.

Temos criado, neste país, uma geração-tartaruga, uma geração medrosa, recolhida para dentro de si. E estamos todos impregnados por esse espírito de tartaruga. Não temos coragem para contestar nossos dirigentes, para nos opor às suas propostas e criar soluções alternativas. Agimos apenas de maneira reativa, negativa, covarde.

Temos ensinado às nossas crianças que os nossos instintos são pecaminosos. A parte mais rica do indivíduo, que é a sua sensibilidade — sua capacidade de amar e de odiar, sua capacidade de se relacionar de maneira erótica com o mundo —, tem sido desprezada. Temos ensinado o homem a ser obediente, servil, pacífico, incompetente e depositar todas as suas esperanças num poder maior ou no fim das tempestades.

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Quando ensinaremos aos nossos alunos que eles não precisam se esconder diante das ameaças, porque todos nós temos capacidade de alçar voo às alturas, ultrapassando as nuvens carregadas de tempestade e perigo? Temos ensinado às nossas crianças a se arrastar como vermes, e porque se arrastam como vermes, elas se tornam incapazes de reclamar se lhes pisam na cabeça.

O que desejamos, afinal, desenvolver em nós mesmos e nos jovens? O instinto da tartaruga ou o espírito das águias?

FONTE: RODRIGUES, Neidson. Lições do príncipe e outras lições. 18. ed. São Paulo: Cortez, 1999, p. 110.

Agora responda:

2 No texto “Desafio aos educadores”, lemos que a escola desenvolve nos alunos apenas o instinto das tartarugas, sendo que deveria desenvolver o espírito das águias. Você concorda? Por quê?

1 Na sua opinião, atualmente a escola cumpre seu papel no que se refere à formação de leitores? Comente.

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TÓPICO 2

GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA

ESTRUTURA I

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

As narrativas, sejam elas contos de fada, lendas, fábulas, romance, entre outras, constituem-se em objeto de leitura. Propiciam ao leitor ou ouvinte uma ou várias interpretações, de acordo com seus referenciais. Há que se considerar que tais textos possuem características pertinentes, que provocam efeitos diferentes em diversas pessoas. É, em parte, a história de vida de cada um que determinará sua significação. O encontro com essa literatura favorece a liberdade, a satisfação e desperta o imaginário.

Assim, após considerações que situam a literatura como arte envolvida com a palavra descompromissada com a verdade lógica, com a racionalidade utilitária, e sua inclusão no universo infantil, interessa-nos agora definir uma de suas formas de manifestação mais praticadas, a saber: o texto narrativo.

2 AS NARRATIVAS E O ESTILO

Pessoas das mais variadas condições socioculturais têm prazer de ouvir e contar histórias. O romancista e ensaísta Forster (1998) cita a obra As mil e uma noites, na qual a protagonista Sherazade narrava, diariamente, histórias ao sultão e as interrompia em momentos de suspense. Essa atitude da jovem contadora de histórias motivava sempre mais a curiosidade do sultão. Tal fato livrou Sherazade da morte, visto que o sultão enamorou-se da habilidosa narradora. Para Forster, nós também somos como o sultão, pois, quando nossa curiosidade é aguçada, permanecemos muito atentos ao desenrolar de um fato.

Entre os gêneros literários, a narrativa poderia ser conceituada como uma forma de “discurso que nos apresenta uma história imaginária como se fosse real, constituída por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se entrelaçam num tempo e num espaço determinados” (D’ONOFRIO 2006, p. 53), isto é, características que fariam da narrativa um gênero universal, cuja inventividade revela-se nas diversas modalidades artísticas em que ainda se concretiza:

A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas essas substâncias; está presente no mito, na fábula,

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no faits divers, na conversação. Além disso, sob essas formas quase infinitas, a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades. (BARTHES, 1972, p. 19).

Você já parou para pensar o quanto a nossa vida é marcada pela presença da narrativa? A todo instante estamos contando – para alguém ou, silenciosamente, para nós mesmos – fatos e episódios que nos acontecem ou que poderiam vir a acontecer em nosso dia a dia. Basta levantarmos da cama e começa a se desenhar mais uma história, mais uma forma de narrativa que vamos indefinidamente tecendo até a nossa morte. Alguns de nós, mais talentosos, conseguem transformar o essencial desses relatos em textos literários, por isso são escritores.

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À estrutura da narrativa, portanto, corresponderia uma lógica não matemática ou exclusivamente racional, mas captada de um modo simples e ao mesmo tempo maravilhoso, posto que originalmente resultante de uma intuição presente na arte primitiva da caça, que ademais pressupunha uma lógica da adivinhação:

Talvez a própria ideia de narração (...) tenha surgido, pela primeira vez, numa sociedade de caçadores, da experiência do deciframento de indícios mínimos. (...) O caçador teria sido o primeiro a “contar uma história” porque era o único capaz de ler, nas pegadas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela sua presa, uma série coerente de acontecimentos. (GINZBURG apud COMPAGNON, 2010, p. 129).

Além da estrutura da narrativa, assunto que será ampliado nos próximos tópicos, vale ressaltar a questão relacionada ao que conhecemos como estilo. Do dicionário escolhemos as seguintes asserções da palavra estilo:

maneira de exprimir-se, utilizando palavras, expressões que identificam e caracterizam o feitio de determinados grupos, classes ou profissões; conjunto de tendências e características formais, conteudísticas, estéticas etc. que identificam ou distinguem uma obra, um artista etc., ou determinado período ou movimento; conjunto de traços que identificam determinada manifestação cultural. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 835).

A noção de estilo, conforme pensadores alemães, ingleses e franceses, resume o espírito, a visão de mundo própria de uma comunidade. Pode representar uma norma, um ornamento, um desvio, um gênero, uma cultura, ou ainda, a soma de todos esses conceitos (COMPAGNON, 2003).

Assim, a história da literatura pode ser descrita considerando os vários estilos ou os traços marcantes de determinado período: o estilo romântico, o barroco, o clássico, o moderno.

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TÓPICO 2 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

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Compagnon (2003), após um levantamento das noções que permeiam o entendimento do estilo, considerou que três aspectos são inevitáveis e insuperáveis para o entendimento das noções de estilo:

O estilo é uma variação formal a partir de um conteúdo (mais ou menos) estável; o estilo é um conjunto de traços característicos de uma obra que permite que se identifique e se reconheça (mais intuitivamente do que analiticamente) o autor; o estilo é uma escolha entre várias “escrituras” (COMPAGNON, 2003, p. 194).

Estilo pode ser entendido como uma forma mais ou menos constante, que varia de acordo com as qualidades e as expressões que persistem na arte de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. “A esse conjunto de textos de determinada nação, que se singulariza pela presença de determinados valores estéticos, dá-se, nas palavras de Diderot, o nome de arte” (apud SILVA, 1986, p. 6).

Então, podemos afirmar que no que tange à literatura há que se considerar que o estilo abarca questões relativas à natureza e público a que se destina e, em nosso caso, o jovem leitor. Além disso, a classificação é feita não somente em função do aspecto temático, mas levando em conta a predominância de elementos constitutivos de cada gênero.

A maneira do escritor organizar e expressar ideias e pensamentos, elementos e estruturas caracteriza o estilo, tais como: a apresentação, o conflito ou a complicação, o clímax, o desfecho, o tema ou enredo, a fala das personagens, o espaço, ou seja, o ambiente, o tempo, são recursos dos quais o escritor lança mão para compor os mais variados gêneros. Nesse sentido, é importante que, na escola, o professor atente para esses aspectos, a fim de que possa refletir, juntamente com os alunos, o que engendra um texto literário.

Caro(a) acadêmico(a), a partir do conceito de estilo proposto por Compagnon, elencamos uma característica marcante nos escritos de Machado de Assis, qual seja, a de um narrador intrometido: as personagens machadianas contam sua vida e intercalam a narração, em primeira pessoa, com frequentes explicações para o leitor. Parecem justificar para si e explicar aos que os “escutam” os acontecimentos que motivaram seus atos.

O narrador e/ou protagonista provoca o leitor em uma série de afirmações, interrogações, exclamações. Nos contos machadianos encontramos este recurso, a exemplo do conto O Sainete:

Pode o leitor coçar o nariz, à procura da explicação; a leitora não precisa desse recurso para adivinhar que o Dr. Maciel ama, que uma "seta do deus alado" o feriu mesmo no centro do coração. O que a leitora não pode adivinhar, sem que eu lho diga, é que o jovem médico ama a viúva Seixas, cuja maravilhosa beleza levava após si os olhos dos mais consumados pintalegretes. O Dr. Maciel gostava de a ver como todos os outros; amou-a desde certa noite e certo baile, em que ela, andando a passeio pelo seu braço, perguntou-lhe de repente com a mais deliciosa languidez do mundo: (ASSIS, 2011, p. 68).

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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Após mapear alguns atributos que definem a narrativa literária, resenharemos acerca dos gêneros mais comuns na modalidade literatura infantojuvenil. Além disso, atente para a sua estrutura, seu estilo, suas características, procure estabelecer diferenças e semelhanças. Bom estudo!

3 NARRATIVAS: O CONTO

No mundo dos contos de fadas não devem ser despertados sentimentos de angústia, e tampouco sentimentos inquietantes. (...) Quanto ao silêncio e escuridão, tudo o que podemos dizer é que são realmente os fatores a que se acha ligada a angústia infantil, que na maioria das pessoas nunca desaparece inteiramente (FREUD, 2010, p. 376).

Os contos populares, contos de fada, as lendas, bem como o cordel, o mito, sempre foram associados ao folclore e, por vezes, foram suprimidos dos estudos literários. Segundo Leal (1985, p. 9), “a partir do século XX, com a linguística saussuriana, ocorre um resgate acadêmico desse material de origem popular. Assim, despontam novas perspectivas, sugerindo outros modelos de análise para essas narrativas”.

As reflexões compreenderam que o ato de narrar, de recontar histórias é inerente ao ser humano. Desde o princípio das civilizações, o contar oralmente era a única possibilidade de registro e, sendo assim, foi reconstruído seu valor tanto literário, quanto no processo de formação do leitor. Nesse sentido, esse resgate da chamada literatura oral beneficiou a construção de uma memória de leitura de um povo, bem como os estudos dessa literatura.

Além dos crescentes trabalhos sobre as narrativas de tradição oral, o mercado editorial também ampliou o número de edições dessas histórias, geralmente catalogadas como literatura infantil e juvenil, com um tratamento editorial e gráfico aprimorado, colorido, com ilustrações e traços que realçam as novas configurações e os elementos visuais.

No Brasil, Cascudo (2004) coletou e registrou histórias contadas pelo povo, especialmente do Nordeste brasileiro, sempre com o cuidado de ser um coletor, não um autor. Cascudo declarou que mantinha cerca de noventa por cento da linguagem oral.

Nenhum vocábulo foi substituído. Apenas não julguei indispensável grafar muié, prinspo, prinspa, timive, terrive. Conservei a coloração do vocabulário individual, as imagens, perífrases, intercorrências. Impossível será a ideia do movimento, o timbre, a representação personalizadora das figuras evocadas, instintivamente feita pelo narrador (CASCUDO, 2004, p. 16).

Segundo Leal (1985), nas coletâneas de Câmara Cascudo há, nos textos, um estilo, revelando um contorno peculiar de composição oral marcada pela escritura.

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TÓPICO 2 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA I

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Esses contos, lendas, narrativas míticas, é bom lembrar, são expressões de culturas orais, propagadas por narradores, passadas de geração em geração, portanto passíveis de modificações, fusões, acréscimos, cortes, substituições e influências. Eis porque os contos populares revelam certa dificuldade de identificar sua “verdadeira origem”.

Ainda segundo Câmara Cascudo, folclorista brasileiro, para ser classificado como conto popular “é preciso que o conto seja velho na memória do povo, anônimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento e persistente nos repertórios orais”. Que seja omisso nos nomes próprios, localizações geográficas e datas (CASCUDO, 2004, p. 13).

O conto difere de outras formas de narrativa de ficção, não somente por sua brevidade, que oferece um episódio, uma amostra da vida, mas por conter outras características. É o que procuraremos elencar.

3.1 OS CONTOS DE FADA

Estas narrativas surgiram com os celtas, aproximadamente no século II a.C., propagadas através da oralidade. O conto de fada apresenta uma estrutura com início, meio e fim. A história inicia-se com uma situação de equilíbrio, alterada por um conflito. No decorrer dos acontecimentos, a tranquilidade é retomada pelo herói ou heroína, efetuando-se, assim, o desfecho da história.

Fada. Palavra derivada do latim fáta,ae ‘a deusa do destino, Parca’ (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 867).

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Nessas narrativas aparecem fadas, duendes, espelhos mágicos, príncipes, princesas, reis, rainhas, bruxas gigantes, ou seja, objetos ou seres mágicos, elementos que conferem uma simbologia a esse modelo literário.

Apresentam temas relacionados ao medo, ao amor, às carências, às perdas e buscas. Essas questões fazem parte do cotidiano infantojuvenil e favorecem a autodescoberta - quem somos e o que desejamos -, conforme nossos valores morais e éticos:

Os contos de fada trazem a magia que alimenta a imaginação, ajudam a encarar os problemas da vida e, por vezes, trazem esperanças de dias melhores. É um pouco por isso que ainda hoje esses contos continuam a ser tão encantadores para adultos e crianças, que podem acreditar

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pelo menos na fantasia de que é possível “viver feliz para sempre” (GAGLIARDI; AMARAL, 2001, p. 86).

O conto possibilita à criança dar vazão a seus afetos e angústias, ou seja, o conto faz rir e chorar, é um treino para as emoções. Bruno Bettelheim (1980), em sua obra A Psicanálise dos Contos de Fada, afirma que os mesmos ajudam a resolver problemas da existência da criança. Enfatiza também o poder regenerador dos contos. Por conterem, na sua estrutura, elementos simbólicos, criam uma ponte com o inconsciente, propiciando ao jovem leitor conforto e consolo em termos emocionais.

Outro elemento característico dos contos de fada é a presença de personagens que não mudam bruscamente suas ações ou reações no decorrer da narrativa (são bem delineadas quanto ao seu caráter ou modo de ser: bom ou mau). São representantes destas personagens os reis, as rainhas, os príncipes, as princesas, as fadas, as bruxas. Personagens classificadas como planas. E que serão objeto de estudos futuros.

Algumas características são recorrentes entre os contos, tais como: a existência de poderes desconhecidos, feitiços, monstros, encantos, instrumentos mágicos, vozes do além, viagens extraordinárias. Costumam ocorrer num tempo desconhecido, reconhecido pelas expressões “era uma vez..., há muito tempo..., há milhares de anos...”.

Nelly Novaes Coelho (2000, p. 173) distingue conto maravilhoso do conto de fadas. Segundo a autora, o conto maravilhoso foi difundido pelos árabes. São narrativas nas quais a aventura é “de natureza material/social/sensorial”, ou seja, no enredo aparece a satisfação do corpo e busca pela riqueza e poder. Ainda de acordo com a autora, isto o diferencia do conto de fadas, uma vez que este é de origem celta e é permeado por uma natureza “espiritual/ética/existencial”, com aventuras ligadas ao sobrenatural, daí a aparecerem os seres dotados de poderes, como as fadas com extraordinários encantos.

IMPORTANTE

As personagens geralmente são apresentadas como “a bela adormecida”, “um certo rei”, “uma princesa muito linda“, “a filha mais amada”, e que no decorrer da narrativa enfrentam os mais variados perigos, nos quais aventuram-se, são castigados, vencem, casam e, quanto ao aspecto físico, não mudam.

Além disso, exploram o bem como tudo o que corrobora para com os objetivos do herói ou da heroína. Ao contrário, o que prejudica ou atrapalha é denominado de mal. Em outras palavras, é uma moral relativa, determinada por situações do contexto.

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As personagens nos contos de fadas não são ambivalentes – não são ao mesmo tempo boas e más, como somos todos na realidade. Mas, uma vez que a polarização domina a mente da criança, ela também domina os contos de fadas. Uma pessoa é boa ou má, sem meio-termo. Um irmão é tolo, o outro esperto. Uma irmã é virtuosa e trabalhadora, as outras vis e preguiçosas. Uma é bela, as outras feias. (BETTELHEIM, 2007, p. 20).

É assim que, para Bettelheim, ao lado das relações parentais e afetivas, seria o conto de fadas a mais alta expressão de uma herança cultural que poderia verdadeiramente contribuir para propiciar às crianças uma infância emocionalmente sadia:

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas esclarece sobre si próprio e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece tantos níveis distintos de significado e enriquece a sua existência de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à profusão e diversidade das contribuições dadas por esse conto à vida da criança. (...) O prazer que experimentamos quando nos permitimos ser sensíveis a um conto de fadas, o encantamento que sentimos, não vêm do significado psicológico de um conto (embora isso contribua para tal), mas de suas qualidades literárias – o próprio conto como uma obra de arte. (BETTELHEIM, 2007, p. 17).

São narrativas que pressupõem sempre uma voz que conta, até porque, como já sabemos, nasceram na oralidade, são textos lineares, com começo, meio e fim.

Bettelheim (2007), por exemplo, acredita que a simplificação das ações narrativas através do uso da tríade básica – começo, meio e fim –, aliada à polarização das personagens em boas e más, capta uma origem inconsciente e profunda dos valores humanos que podem contribuir significativamente para a evolução emocional da criança; evolução que se deve dar de forma progressiva, posto que só em idade madura ela estaria apta a estabelecer relações mais complexas e mais próximas da realidade tal como a experimentamos.

Vejamos outras questões encontradiças nessas narrativas, quais sejam: a metamorfose: personagens ou objetos podem ser encantados por algum efeito maléfico. Essa transformação, ao que parece, está ligada a antigas crenças de que todos os seres anormais ou disformes possuíam poderes de intervenção na vida humana. Geralmente é uma figura feminina que consegue “quebrar”, desfazer o encanto.

Outro elemento são os objetos mágicos, que em “um passe de mágica” interferem no destino das personagens, ajudando ou prejudicando. Exemplos bem difundidos foram o espelho mágico e a varinha de condão. Há que se considerar que os elementos sobrenaturais estão ligados a um enigma desafiador, um obstáculo a ser vencido.

Os contos de fada apresentam, geralmente, seres dotados de poderes que vencem obstáculos e, a partir de então, modificam sua vida. Conseguem, por

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

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exemplo, conquistar a pessoa amada e/ou o trono de algum reino. São enredos voltados a problemáticas existenciais, nos quais, de acordo com Bettelheim (2007, p. 15):

A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere às crianças, que o lado obscuro do homem não existe, e professa a crença num aprimoramento otimista. (...) [Em contrapartida] essa é exatamente a mensagem que os contos de fadas transmitem à criança de forma variada: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana – mas que, se a pessoa não se intimida e se defronta resolutamente com as provações inesperadas e muitas vezes injustas, dominará todos os obstáculos e ao fim emergirá vitoriosa.

Em tais enredos paira a ideia do maravilhoso. A história inicia-se com uma situação de equilíbrio, alterada por um conflito, devendo este ser resolvido pelo herói ou heroína. A restauração da ordem acontece no desfecho da narrativa, a trama é revelada ao leitor de forma rápida e surpreendente. As fadas, os duendes, objetos mágicos, príncipes, princesas, reis, rainhas, bruxas, gigantes, são elementos que assinalam o estilo desse gênero literário.

Assim, por ser a forma narrativa de maior destaque na relação da literatura com a infância, o conto popular, mais conhecido como conto de fadas, agrupa temáticas variadas, que expressam a psicologia coletiva e inconsciente dos povos, relatam coisas e eventos que não como eles são, mas sim como deveriam ser, portanto fazendo predominar, sobre os aspectos negativos da vida, os valores considerados sagrados pelas comunidades, tais como o triunfo do bem sobre o mal, da beleza sobre a feiura, da verdade sobre a mentira, da justiça sobre a injustiça, entre outros.

As narrativas constituem-se em objeto de leitura dentro e fora do espaço escolar. O encontro com os contos de fada ainda favorece a liberdade e desperta o imaginário do leitor? É o assunto que discutiremos a seguir.

4 O PODER DOS CONTOS NA CONTEMPORANEIDADE

Ainda que o tempo tenha evoluído, os contos infantis não perderam o seu valor, pois tanto as crianças quanto os jovens tiram proveito das suas mensagens, ou seja, fazem crescer e despertam a consciência. Contribuem no despertar o interesse na literatura; são estímulos à imaginação e criatividade; favorecem o diálogo com os seus familiares e amigos; potenciam a cultura e a inteligência emocional; tratam de valores de comportamento ético, entre outros.

Uma das prováveis vantagens dos contos de fadas [...] sobre as outras formas de ficção deve-se à universalidade de sua difusão. O compartilhamento de trechos do imaginário entre as crianças é o que possibilita sua utilização como se fosse um brinquedo. Se uma menina diz para a outra: “seremos princesas, eu quero ser a Bela Adormecida”,

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a amiga pode responder: “e eu a Cinderela”; e então a brincadeira pode começar sem maiores esclarecimentos. (CORSO; CORSO, 2003, p. 78).

De acordo com o exposto, infere-se que a criança, através da imaginação, incorpora traços da personalidade, das personagens e cenários advindos da ficção.

No dizer de Bruno Bettelheim (2001, p. 15), “a criança necessita muito particularmente que lhe sejam dadas sugestões em forma simbólica sobre o modo como ela pode lidar com estas questões (os problemas existenciais) e crescer a salvo para a maturidade”.

Com base nesse pressuposto, o autor em questão vê o conto de fadas como possibilidade que conduz a um plano superior de compreensão e elaboração. Bettelheim (2001, p. 33) afirma que “o conto de fadas é terapêutico, porque o paciente encontra sua própria solução através da contemplação do que a história parece implicar acerca de seus conflitos internos neste momento da vida”. E argumenta ainda que “a forma e a estrutura dos contos de fadas sugerem imagens à criança, com as quais estrutura seus devaneios” (BETTELHEIM, 2001, p. 16).

Ressalta a importância da história e dela extrair os elementos que vão servir de “remédio” para o convívio com os demais, são as escolhas que as crianças fazem a partir do seu imaginário. Seria esse o potencial dos contos: traduzir o que se passa conosco, ainda que não compreendamos uma angústia ou um sofrimento. Uma história pode dar um sentido, delinear o nosso sofrimento.

Nesse caso, um conto de fadas estabelece uma relação com um problema real, mérito que Bettelheim (2001) enfatiza, pois a criança, ao ouvir histórias fantásticas, sente segurança e conforto; ainda que não compreenda as dificuldades e onde estão, consegue superá-las pela sensação de um bem-estar.

Para o autor em questão, as crianças conseguem lidar melhor com o mundo extrafamiliar por conta das esperanças e promessas contidas nos contos de fadas, ou seja, “à medida que a criança cresce, consegue satisfações emocionais com pessoas que não fazem parte de sua família” (BETTELHEIM, 1992, p. 155).

A criança se apropria de certas habilidades que não realizava, mas que, por força do seu natural desenvolvimento, é desafiada, como as mudanças de relações e hábitos. Esse fato pode causar desapontamentos, frustração, desespero e decepção especialmente em relação aos seus pais, seus provedores. Segundo Bettelheim (1992, p. 157), “esse é o momento em que a criança começa a fantasiar e acreditar nas fantasias que forma e vive mais presa ao futuro, fugindo das angústias de um presente que não a agrada”.

A criança passa então a manejar os acontecimentos e suas relações com o mundo são determinadas pelo contato com contos de fadas durante a sua formação, pelos avanços e retrocessos em seu desenvolvimento, os quais se constituem forma sadia de crescer. Desse modo, quando insatisfeita, é comum que ela imagine para

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si um reino encantado, cujo fato é positivo para o seu desenvolvimento, pois é nesse fazer que a criança constrói sua personalidade (BETTELHEIM, 1992).

É preciso então considerar o mito e a fantasia inerentes à formação humana, afinal a simbologia é capaz de representar os pensamentos, especialmente os da criança. Os contos infantis contribuem para o conhecimento, para o convívio harmonioso, para a compreensão dos conflitos, na medida em que a criança, pelo contato e leitura, cresce cognitivamente e estrutura a sua personalidade.

Ao compreender a simbologia dos contos de fadas, pais e professores terão a seu favor um precioso recurso de desenvolvimento infantil, que favorecerá a fantasia e a imaginação. Diante disso, é preciso um olhar atento sobre esse assunto, com vistas a discussões acerca do papel dos contos de fadas no processo de ensino e aprendizagem.

“Do ponto de vista antropológico e filosófico, o mito é encarado como a palavra que designa um estágio do desenvolvimento humano anterior à história” (MOISÉS, 2004, p. 342). Assim, as histórias expressavam uma compreensão fantástica ou um ponto de vista religioso do mundo, e o mito aludia a uma forma de narrativa ficcional que em sua origem versaria sobre divindades e a interferência delas na vida e no comportamento humanos, e que, por ser criado por uma coletividade, não possuiria uma autoria específica. A maior parte deles, por expressarem valores de comunidades primitivas, passou a ser também estudada pela Mitologia. Há, entretanto, os mitos literários, criados por autores específicos e que buscam exprimir valores de vida pessoais, obedecendo assim a um encadeamento mais lógico e subjetivo.

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A discussão acerca do poder dos contos de fada teve por base o livro Psicanálise dos contos de fadas, publicado pela Bertand Editora (2001), que aborda os contos de fadas numa perspectiva psicológica e social.

Bruno Bettelheim reflete sobre os efeitos benéficos dos contos infantis na criança, ajudando pais, professores e outros profissionais que atuam com as crianças a compreender os impactos dos contos no desenvolvimento pessoal, social e afetivo. Para o estudioso, além do entretenimento, os contos infantis fornecem às crianças pistas para a resolução dos seus problemas: como lidar com as mudanças de vida, enfrentar um amigo na escola, aprender a lutar pelo que se deseja, entre outras possibilidades. O autor aborda também as teorias da psicologia, sociologia e psicanálise, como o Complexo de Édipo,

o Inconsciente, o Princípio do prazer versus princípio da realidade, entre outras, para embasar os seus estudos acerca do conto de fadas e o seu efeito na criança.

FONTE: Disponível em: <http://www.netsaber.com.br/>.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico apresentamos:

• A narrativa poderá ser conceituada como uma história imaginária, composta por uma pluralidade de personagens, com episódios que se entrelaçam num tempo e num espaço.

• O estilo presente nas narrativas e nas demais formas de expressão da arte pode ser entendido como uma norma, um ornamento, um traço marcante de determinado período, autor, obra, levando em conta a predominância de elementos característicos de cada gênero.

• Os contos, as lendas, as narrativas míticas, é bom lembrar, são expressões de culturas orais, propagadas por narradores, passadas de geração em geração, portanto passíveis de modificações, fusões, acréscimos, cortes, substituições e influências.

• No Brasil, Câmara Cascudo coletou e registrou histórias contadas pelo povo, especialmente do Nordeste brasileiro , sempre com o cuidado de ser um coletor, não um autor.

• O conto de fadas apresenta uma estrutura, com início, meio e fim. A história inicia-se com uma situação de equilíbrio, alterada por um conflito. No decorrer dos acontecimentos, a tranquilidade é retomada, efetuando-se, assim, o desfecho da história.

• Os temas recorrentes nos contos estão relacionados ao medo, ao amor, às carências, às perdas e buscas.

• Outro elemento característico dos contos de fadas é a presença de personagens planas, envoltas em temáticas que expressam a psicologia coletiva e inconsciente dos povos, relatando valores considerados sagrados pelas comunidades, tais como o triunfo do bem sobre o mal, da beleza sobre a feiura, da verdade sobre a mentira, da justiça sobre a injustiça, entre outros.

• Nos contos maravilhosos as questões emanam do social e do econômico, isto é, são problemáticas ligadas à vida e à sobrevivência. A personagem central lutará para conquistar bens, status e poder. Para tanto, será auxiliada por elementos mágicos e maravilhosos. São exemplos de conto maravilhoso O gato de botas, Aladim e a lâmpada maravilhosa, muitos dos contos de As mil e uma noites.

• Os contos destinados ao público infantil não perderam seu encanto mágico e contribuem para despertar o interesse na literatura, são estímulos à imaginação, à criatividade e à interpretação, favorecem o diálogo; potenciam a cultura e a inteligência emocional.

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• Para Bettelheim (2001), um conto de fadas estabelece uma relação com um problema real; assim, a criança, ao ouvir histórias fantásticas, sente segurança e conforto; ainda que não compreenda as dificuldades, consegue superá-las pela sensação de um bem-estar.

• Os contos de fadas contribuem para o conhecimento, para o convívio harmonioso, para a compreensão dos conflitos, na medida em que a criança, pelo contato e leitura, cresce cognitivamente e estrutura a sua personalidade.

• O mito e a fantasia são inerentes à formação humana, afinal a simbologia é capaz de representar os pensamentos.

• O mito, em sua origem, acena para uma forma de narrativa ficcional, que versa sobre divindades e a interferência delas na vida e no comportamento humanos; foi criado por uma coletividade, não possuindo uma autoria específica. Há, entretanto, os mitos literários, criados por autores específicos e que buscam exprimir valores de vida pessoais, obedecendo assim a um encadeamento mais lógico e subjetivo.

• A modalidade infantojuvenil, devido à sua funcionalidade estética, lúdica e cognitiva, é fonte de instrução e arte, porque pressupõe que, desde a infância, o homem necessita da expressão e da compreensão do mundo.

• No constante contato com a arte, a visualização da fantasia, da imaginação, do faz de conta, a criança experimenta novas sensações, com emoção, prazer, e aguça o fascínio pelo belo, pela expressão artística.

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AUTOATIVIDADE

Caro(a) acadêmico(a), propomos algumas questões com o objetivo de levá-lo(a) a refletir sobre sua vida como leitor(a).

1 Dos livros que você já leu, qual deles você indicaria para um amigo? Por quê?

2 Quais são suas preferências de leitura, quanto ao assunto? Enumere de 1 a 9, indicando sua preferência, de forma crescente:

( ) Humor.( ) Ficção científica.( ) Terror.( ) Poesia.( ) Autoajuda.( ) Mistério.( ) Ciência e saúde.( ) Policial.( ) Filosofia.( ) Esoterismo.( ) Outros____________________________________.

3 Você gosta de ler revistas? Em caso afirmativo, quais?________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5 Quais seus escritores brasileiros preferidos?__________________________________________________________________________________________________________________________________________

6 Quais seus escritores estrangeiros preferidos?__________________________________________________________________________________________________________________________________________

7 Enumere de 1 a 10, de modo crescente, as atividades de sua preferência:

( ) Ouvir música.( ) Dançar.( ) Ler.( ) Ir ao cinema.( ) Praticar esportes.

4 Você lê jornais? Qual assunto mais interessa a você?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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( ) Assistir TV.( ) Ir ao teatro.( ) Viajar.( ) Namorar.( ) Navegar na internet.

8 Você se considera um leitor? Justifique._______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Importante que o(a) Professor(a)-Tutor(a) Externo(a) comente sobre a necessidade de que, para sermos professores, devemos antes ser leitores.

Caro(a) acadêmico(a), socialize suas respostas. Peça para o(a) Professor(a)-Tutor(a) Externo(a) ouvir o que os colegas escreveram. Fomente o diálogo e a troca de ideias.

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TÓPICO 3

GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA

ESTRUTURA II

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Você já observou a tripartição das ações que aparece nas narrativas? É o caso dos filmes sobre piratas, em que se apresenta, nos primeiros minutos, uma ilha paradisíaca na qual vive uma linda moça, que geralmente é filha de um governante ou rei. Após ser mostrada essa situação inicial harmônica, inicia-se o conflito, quando a linda jovem, ao passear distraidamente em uma praia, é raptada por um grupo de piratas malfeitores. Organiza-se, então, uma expedição em busca de recuperar a moça indefesa, momento em que um belo e valoroso jovem, encarnando o papel de herói da trama, salva a filha do governante e, por ter restituído a harmonia inicial, recebe a mão dela em casamento como forma de compensação por sua bravura. Não será assim a estrutura da maior parte dos filmes hollywoodianos? Pense nos que vêm à mente e reflita se eles estão ou não voltados para agradar ao senso comum.

2 A COMPOSIÇÃO DOS TEXTOS LITERÁRIOS

Após este exercício de reflexão, discorreremos sobre a estrutura ou a composição das narrativas, sobre o encadeamento de uma sequência de fatos reais ou imaginários, na qual as personagens, após uma série de acontecimentos, restabelecem o equilíbrio - diferente ou não do equilíbrio inicial. Assim, podemos dizer que um texto narrativo apresenta a seguinte estrutura:

Apresentação: também conhecida como início, no qual o autor apresenta parte dos personagens, do ambiente e algumas das circunstâncias da história. Deve-se atentar para o fato de que existem textos nos quais já de início mostra-se a ação em pleno desenvolvimento.

Atente para o fato de que existe uma técnica literária conhecida como In media res, expressão latina que significa no meio dos acontecimentos. O escritor omite personagens, cenários e conflitos no início da narrativa e os retoma adiante, por meio de uma série de flashbacks ou por intermédio de personagens que discorrem entre si sobre eventos passados. Essa forma de iniciar a narrativa não no início temporal, mas a partir de um ponto médio de seu desenvolvimento, pode ser encontrada nas obras clássicas, como a Eneida de Virgílio, e a Ilíada de Homero.

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O escritor Luís de Camões, a exemplo dos clássicos, lançou mão dessa técnica em Os Lusíadas.

NOTA

Conflito ou complicação: momento do texto no qual se inicia propriamente a ação. O aparente equilíbrio dá lugar a transformações expressas em um ou mais episódios que se sucedem, conduzindo ao clímax.

A partir desse primeiro movimento de entrada na narrativa, no qual identificamos uma convivência harmônica entre as personagens e a sociedade retratada, seguir-se-á inevitavelmente um segundo movimento, denominado fase de transgressão, e que é caracterizado pela ruptura daquela forma de convivência ordeira e pacífica por parte de um indivíduo vil ou fraco de caráter, transgressão esta a partir da qual se inicia o terceiro movimento, agora em direção ao fim da história, e que trata do restabelecimento da ordem inicial, conhecido como clímax. Neste momento, a narrativa atinge seu ponto máximo e crítico, que convergirá no desfecho.

Para entendermos o arranjo das funções contratuais, é preciso pressupor um contrato natural e implícito, subjacente a toda organização social: o indivíduo deve admitir uma hierarquia de valores e a ela subordinar-se. Em troca do conforto, da proteção e de outros inúmeros benefícios que a vida em sociedade lhe oferece, o indivíduo obriga-se ao respeito das normas impostas pelo viver em comunidade. A transgressão de uma ordem por parte de um membro da sociedade implica a ruptura desse contrato natural, implicitamente aceito. No seio da sociedade, o elemento disfórico, o transgressor, é contrabalançado pelo herói, o reparador. (D’ONOFRIO, 2006 p. 78).

Desenlace ou desfecho: parte do texto na qual se restabelece o equilíbrio e

em que, geralmente, acontece a solução do conflito. Os episódios que compõem as narrativas podem seguir uma sequência cronológica. No entanto, encontramos narrativas em que o desfecho aparece antes da complicação e do clímax.

É interessante notar que essa forma estrutural das histórias, estabelecida segundo três movimentos estruturais básicos – três pontos centrais fixos: começo ou equilíbrio, transgressão ou dano, e reparação –, adveio de um estudo contundente do teórico russo Vladimir Propp, não propriamente sobre textos eruditos, mas acerca dos tradicionais contos populares. Assim, Propp “foi o pioneiro da abordagem interna ou estrutural do texto literário. [Para ele] uma narrativa é vista como uma obra de arte que (...) uma vez produzida, passa a ter uma vida independente do autor e da época” (D’ONOFRIO, 2006, p. 66).

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Dessa forma, a partir do estudo de cem contos maravilhosos, o referido autor pôde constatar que poderiam ocorrer não apenas três, mas 31 funções fixas, comuns e possíveis não apenas aos contos de fadas e histórias maravilhosas, mas a toda e qualquer forma de narrativa literária; funções sobre as quais devem se debruçar todos aqueles interessados em aprofundar seus estudos em teoria da literatura.

Caro(a) acadêmico(a), relacionamos a seguir as 31 funções elencadas por Vladimir Propp: afastamento, interdição, transgressão, interrogação, informação, engano, cumplicidade, dano, pedido de socorro, início da ação contrária, partida, função do doador, reação do herói, recepção do objeto mágico, deslocamento espacial, luta, marca, vitória, reparação, volta, perseguição, socorro, chegada incógnita, pretensões falsas, tarefa difícil, tarefa cumprida, reconhecimento, desmascaramento, transfiguração, punição, casamento.

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Além de sua estrutura, vários elementos compõem a narrativa: personagens, ação, tempo, espaço, tema ou enredo e estilo integrados numa obra a ser apreciada pelo leitor. Refletiremos, caro(a) acadêmico(a), sobre cada um destes.

2.1 A AÇÃO

Ação, história, trama, assunto, tema ou o enredo são alguns dos termos usados para designar o que sucede na narrativa.

No caso das narrativas infantis e contos tradicionais, desenrolam-se dois tipos padrões de ação: um em que alguém, por sentir-se inadequado ao meio social em que vive, pretende modificar, na maior parte das vezes de modo ilícito, a harmonia social existente – papel geralmente desempenhado pelo vilão da história –; e um segundo em que algum personagem, colocado em contraposição àquele, encarna os valores sociais idealizados pela comunidade e, por ser destinado ao bem, consegue restituí-los na medida em que vence o mal e vilania a ele associada:

O conto de fadas simplifica todas as situações. Suas personagens são esboçadas claramente; e detalhes, exceto quando muito importantes, são eliminados. Todas as personagens são típicas em lugar de únicas. (...) Em praticamente todo conto de fadas, o bem e o mal são corporificados sob a forma de alguns personagens e de suas ações. (...) Não é o fato de a virtude vencer no final que promove a moralidade, mas sim o fato de o herói ser extremamente atraente para a criança, que se identifica com ele em todas as suas lutas. (BETTELHEIM, 2007, p. 16).

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O enredo envolve o que acontece com as personagens, suas ações e reações. É o desenrolar dos acontecimentos simples ou complexos, de conflitos que surgem de uma situação que desequilibra a vida da(s) personagem(ns) e que pode ser resolvida ou não. Então, podemos dizer que a ação refere-se à sequência dos acontecimentos de uma narrativa literária, teatral, cinematográfica, entre outras.

Acerca, ainda, dessa tripartição fabular: começo, meio e fim – que possibilita categorizar o gênero narrativo como um conjunto de obras que se valem dos mesmos elementos estruturais e que os utilizam de um modo semelhante –, é interessante destacar que uma ação decorreria da outra, e todas partiriam do desenvolvimento de uma situação inicial, que é:

determinada pelas relações existentes entre as personagens, anteriormente a qualquer ação. Geralmente ela é representada simbolicamente por uma paisagem edênica, pitoresca e colorida e indica um estado de felicidade, que serve como fundo contrastivo à infelicidade que vai se seguir. (...) A situação inicial é, ao mesmo tempo, “estática” e “conflitual”. Estática porque não contém nenhum movimento ou ação. Conflitual porque contém, virtualmente, um motivo dinâmico de conflito, que irá possibilitar o desenrolar dos acontecimentos. (D’ONOFRIO, 2006 p. 75-76).

Mas, de modo geral, e independente do tipo de gênero da obra literária, trata o enredo de um conjunto de acontecimentos narrados na trama (termo que se reporta mais aos arranjos estilísticos dos episódios da narrativa ficcional), ou, para utilizar uma terminologia mais estrutural, do desenrolar das ações da “fábula” (termo que se reporta mais à sucessão cronológica dos acontecimentos), em que personagens participam, sofrem e reparam danos em um tempo sequencial e em um espaço determinado.

2.2 AS FALAS NA NARRATIVA

No que tange às falas das personagens, estas podem ser classificadas em: Discurso direto: o discurso direto, nas palavras de Ulisses Infante (1999, p. 116), “é a reprodução direta das falas das personagens e um recurso que imprime maior agilidade ao texto”.

Você poderá constatar no exemplo que segue:

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(...) Seu major!Seu major suspendeu as instruções, ficou esperando.- Seu major! Deu-se!- O quê?- A coisa!- Hein?- A coisa! O Washington! - Não percebo, homem!- A REVOLUÇÂO VENCEU!- Estás doido!O chefe da estação ficou possesso:- Eu, doido? O senhor é que está maluco! Se não é analfabeto leia isto!

FONTE: MACHADO, Antônio de Alcântara. Contos avulsos: as cinco panelas de ouro. Disponível em: <http://www.biblio.com.br/conteudo/alcantaramachado/mcontosavulsos.htm>. Acesso em: 12 nov. 2012.

O discurso indireto: neste caso, ao narrador cabe a tarefa de contar os fatos que se sucedem com as personagens. Observe que a narrativa poderá ser conduzida na primeira ou na terceira pessoa, utilizando-se dos pronomes pessoais, eu e nós. Ocorre em terceira pessoa quando o narrador esclarece os fatos e os pormenores, revelando progressivamente o caráter das personagens, aspectos físicos e o meio em que vivem, sem, no entanto, participar da história.

Entretanto, o narrador não deve ser confundido com o autor. O narrador pertence ao texto e fora deste ele não existe. É uma entidade fictícia, responsável pela dinâmica que produz o discurso narrativo. Segundo W. Kaiser (1970), o narrador tem como função atuar, conduzir ou imprimir, ou seja, narrar.

Uma narrativa pode ser conduzida por um narrador que participa da história narrada e toma parte dos acontecimentos expondo o que presencia em primeira pessoa (eu, nós), um narrador personagem. Constitui-se, assim, em um personagem-narrador, como no caso do conto de Clarice Lispector.

Felicidade Clandestina

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

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Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com sua letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía as Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança de alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono da livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

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Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas, houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: “Mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!”.

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: “Você vai emprestar o livro agora mesmo”. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

FONTE: LISPECTOR, Clarice. Coleção Literatura em Minha Casa: seleção e organização de Maria Clara Machado. Rio de Janeiro: 2002.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Podemos também encontrar, nas histórias, o narrador em terceira pessoa. Aquele que esclarece os fatos e os pormenores, revelando progressivamente o caráter das personagens, aspectos físicos e o meio em que vivem, sem, no entanto, participar da ação narrada.

Já o discurso indireto livre ocorre quando a narrativa é permeada pela intervenção do narrador e pela fala das personagens.

Observe o exemplo no excerto retirado do conto de Machado de Assis, A igreja do Diabo:

Entre Deus e o Diabo

Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins queengrinaldavam o recém-chegado detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se

estar à entrada com os olhos no Senhor.— Que me queres tu? perguntou este.— Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas

por todos osFaustos do século e dos séculos.— Explica-te.— Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei

primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...

— Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor.

FONTE: ASSIS, Machado de. Volume de contos. Rio de Janeiro: Garnier, 1884. Extraído da Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro. Disponível em: <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>. Acesso em: 15 out. 2012.

2.3 O ESPAÇO

O espaço é o ambiente, o cenário, por onde se desenvolve a trama e circulam os personagens. Seu meio familiar, social, tipo de habitação, clima, vestuário, são elementos do espaço que corroboram para a significação e verossimilhança da narrativa. Existem basicamente três tipos de espaço: o natural, aquele não modificado pelo trabalho do homem (planície, deserto, mar); o espaço social, constituído de elementos da natureza ou do ambiente, modificados pela civilização (casas, castelos, casebres, meios de transporte e outros); e, finalmente, o espaço transreal, criado pela imaginação do homem. No dizer de Nelly Coelho (2000, p. 77), “[...] é um espaço não localizável no mundo real”. Através dele podem se configurar traços dos personagens e até mesmo a própria história.

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TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

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2.4 O TEMPO

Em uma narrativa, os fatos ou situações se desenvolvem e chegam a um final, isto é, existem durante um determinado tempo (COELHO, 2000). O narrador pode contar os fatos no tempo em que eles estão acontecendo, ou narrar um fato já concluído, ou ainda, entremear presente e passado (técnica denominada flashback).

Na narrativa existem dois tipos de tempo vividos pelos personagens: o tempo cronológico ou convencional, que é representado em horas, dias, meses e anos e que corresponde ao tempo exterior, vinculado aos movimentos de rotação e translação da Terra. O outro tempo encontrado na narrativa é o tempo interior, o qual se destaca pela desmistificação das estruturas temporais. Nesse tempo aparece a fugacidade que permeia a memória, influência de Bérgson, filósofo francês que ressignificou o conceito de tempo e duração. Para Bérgson, o passado se projeta sobre o presente, condicionando-o. Esta forma de tempo, na literatura moderna, substituiu a sequência cronológica pela sequência psicológica.

3 A PERSONAGEM E SEUS ASPECTOS

A palavra personagem deriva do termo latino persona, termo usado pelos romanos para denominar as máscaras usadas nas representações teatrais. A personagem da narrativa cumpre funções específicas a partir do conjunto de ações que a qualifica como boa ou má, vilã ou heroína, corajosa ou covarde. De modo geral, nos textos literários, as mesmas aparecem associadas a valores religiosos, morais, políticos, éticos, e suas atitudes serão determinadas pelas suas crenças. Nas personagens, o leitor centra sua atenção, enfatizando o que lhes acontece, seus pensamentos, suas ações, seu modo de agir e falar. O autor, na construção da personagem, propõe um modelo no qual evidencia uma concepção de homem e de sociedade, podendo o leitor, por sua vez, identificar-se com determinadas características ou modo de agir. Conforme Rosenfeld et al. (1995, p. 48),

[...] a ficção é um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, através de personagens variadas, a plenitude de sua condição, em que se torna transparente a si mesmo; lugar em que, transformando-se imaginariamente num outro, vivendo outros papéis e destacando-se de si mesmo, verifica, realiza e vive a sua condição fundamental de ser autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se, distanciar-se de si mesmo e de objetivar a sua própria situação.

Não há narrativa sem personagem, ela é um elemento decisivo da narração.

A personagem participa do desenrolar dos acontecimentos: “vive o enredo e as ideias, e os torna vivos” (CANDIDO, 1995, p. 54). A relevância da personagem tem sido objeto de estudo, e a crítica apoiou-se no que as personagens representam ou fazem dentro da narrativa para melhor classificá-las. Basicamente, de acordo com Forster (1998), existem na literatura duas categorias de personagens: planas e redondas. As planas, “[...] na sua forma mais pura são construídas ao redor de uma

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única ideia ou qualidade: quando lhes descortinamos mais de um fator, iniciamos o percurso de uma curva rumo da personagem redonda” (MOISÉS, 2004, p. 348).

A personagem plana é simples em sua construção. É facilmente reconhecida no decorrer da narrativa, não muda suas ações.

As personagens planas reportam-se àquelas que jamais mudam de temperamento, de modos de agir e de reagir, no decorrer da narrativa, como é o caso da bruxa má, do rei bondoso, da fada madrinha e amiga, que, embora ajudem a compreensão da criança através da simplificação dos traços humanos, tendem a fixar estereótipos:

A mulher bela e dócil vence suas dificuldades cativando um príncipe que a redime, garantindo segurança e riqueza. A virtude é premiada materialmente, numa negação de que ela valha algo por si mesma, já que é sempre meio de conseguir-se poder e riquezas. (MAGALHÃES In: ZILBERMAN, 1984, p. 49).

Segundo Forster (1998), as personagens planas podem ainda ser subdivididas em personagem-tipo, e caricaturas. Neste caso são construídas de maneira simples e de fácil reconhecimento na trama; e em personagem-caricatura, quando o seu traço distintivo beira o cômico e a deformidade, como é o caso, para quem leu Machado de Assis, da personagem José Dias, de Dom Casmurro, que arremata sua falação sempre com uma expressão no modo superlativo.

São personagens-tipo aquelas que podem ser definidas em poucas palavras, ou seja, quando a “[...] sua peculiaridade alcança o auge sem causar deformidade” (MOISÉS, 2004, p. 349). Do contrário, quando são motivo de chacota, ou seja, a deformidade está “[...] a serviço da sátira ou do cômico”, são conhecidas como caricaturas (MOISÉS, 2004, p. 349). Podemos citar como exemplos de personagem plana: reis, rainhas, príncipes, princesas, fadas, e, também, as que correspondem a uma função de trabalho ou estado social.

A personagem redonda é outra classificação estabelecida por Forster (1998). Esta é organizada com maior complexidade, seus pensamentos e suas ações são reveladores de aspectos comportamentais e do caráter. Suas ações são capazes de nos surpreender, traz em si a imprevisibilidade, contrariamente da personagem plana, que nunca surpreende. Não existe uma divisão precisa entre essas duas categorias, podendo uma personagem passar de plana à redonda, quando sua atuação se aprofunda no questionamento de valores. Para Forster (1998), o que caracteriza uma personagem redonda é somente a sua capacidade de surpreender, do contrário é plana. Estabelecem um caráter complexo e imprevisível, o que as levam a ter uma maior participação em contos literários e textos eruditos, tal como, no dizer de Moisés (2004, p. 350), na construção “de romances introspectivos ou de sondagem psicológica”, característicos da literatura contemporânea, e que pouco se vinculam à tradicional literatura voltada para a criança.

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FIGURA 9 - ARLEQUIM, PABLO PICASSO

FONTE: Disponível em: <http:\\www.oqueenossonet.blogspot.com>. Acesso em: 5 set. 2012.

É assim que, nas figuras típicas do herói e do vilão, a personagem de ficção simplificada desenha-se como um elemento intrínseco e determinante da estrutura fabular da clássica literatura infantojuvenil. Dessa forma, ressaltamos que as personagens, na narrativa, vivem e dão consistência às ideias presentes nas ações, e que podem ser classificadas, segundo a terminologia didática de Forster (1988), em planas ou redondas.

Nas narrativas antigas, os heróis descritos, se analisados pelo viés

psicológico, eram figuras pouco complexas; suas dúvidas, as lutas de sua alma, foram pouco exploradas por seus escritores. Já o herói contemporâneo vai tomando consciência de si próprio, rejeitando a versão dos outros quanto à sua pessoa, à sua realidade. É um “herói sempre em busca” (LUKÁCS, 1982, p. 66).

Por intermédio da exploração do interior do protagonista, percebemos uma busca, uma viagem que explora as profundezas do inconsciente. A partir de uma ou várias realidades percebidas sobre um determinado fato, a personagem vive seus próprios sentimentos e ilusões de modo individual, assume uma máscara ou várias máscaras, segundo a realidade e o seu interior. O autor desenha e arquiteta a personagem, “[...] em um processo típico de construção das personagens redondas e, portanto, dos romances introspectivos ou de sondagem psicológica” (MOISÉS, 2004, p. 350). Essas personagens, entre os adolescentes, devido à natureza questionadora, são apreciadas.

Consideremos, ainda, que as ilustrações das personagens dos livros infantis, e não somente os infantis, muitas vezes, carregam e reforçam estereótipos. Explorar as características das personagens é levar o jovem leitor a perceber que preconceitos podem ser transmitidos através de palavras, atos e/ou imagens.

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Vejamos, caro(a) acadêmico(a), o que diz Fanny Abramovich sobre as personagens encontradas nos livros infantojuvenis. Segundo a autora, livros infantis por vezes reforçam o ético e o estético, as bruxas são assaz feias, até monstruosas, deformadas, “fazendo com que o afastamento físico, a repulsa instintiva, a reação da pele sejam o detonador do temor e do medo, e não a ameaça emocional do que eles representam – de fato – para a criança” (ABRAMOVICH, 1989, p. 37). Ainda segundo a autora, as princesas e as fadas são, predominantemente, de olhos azuis, cabelos longos e lisos, esbeltas e lindas; o mesmo ocorre com o príncipe, pele branca, forte, vestindo roupas belíssimas. Reforçando o estereótipo da raça ariana.

FIGURA 10 - PERSONAGENS ENCONTRADAS NOS LIVROS INFANTOJUVENIS

FONTE: Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=imagem+de+rei>. Acesso em: 5 set. 2012.

Observe que os reis são gordos, os médicos aparecem de branco, com maleta e/ou estetoscópio, o avôs são marcados pelo uso de óculos e as avós portam óculos e coque.

E “o preto”? Ora, somente ocupa funções de serviçal (setor doméstico ou industrial, e aí pode ter um uniforme profissional que o defina enquanto tal e que o limite nessa atividade, seja mordomo ou operário...). Normalmente é desempregado, subalterno, tornando claro que é coadjuvante na ação e, por consequência, coadjuvante na vida. (ABRAMOVICH 1989, p. 37).

O ladrão geralmente aparece feio e assustador, mal vestido, nunca bem vestido, bonito, rico.

Diante disso, vale salientar que o ambiente no qual vivemos requer que estejamos atentos aos diversos sentidos: luz, som, cor, movimento, imagens nos atraem. Muitas vezes somos leitores passivos, aceitamos, sem questionamentos, certos modelos impostos por uma sociedade marcada pela desvalorização do ser. Que saibamos, na escola ou em outros momentos de leitura, promover e

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estimular a capacidade de ler nas entrelinhas, de sentir e refletir, produzir saber e conhecimento para organização de uma sociedade que não favoreça estereótipos.

Para tanto, é conveniente que estejamos atentos aos vários textos que circulam em nossa sociedade, e em especial nas formas clássicas de narrativa, sua estrutura, imagens e o engendramento das personagens dos textos literários e sua evolução no tempo. Dentro das diversas modalidades que acabariam por tornar-se a base de desenvolvimento do gênero literatura infantil, entre as quais destacamos os mitos e as lendas, as fábulas, os contos, parábolas, parlendas, entre outros gêneros fixados nas diversas culturas da humanidade.

Sugerimos a leitura do texto Personagem infantil: a caminho da emancipação. (RAMOS; PANOZZO; ZANOLLA, 2006). As autoras analisam três obras de 1919 a 1976.Caro(a) acadêmico(a), é importante considerar a estrutura e elementos dos textos como recursos dos quais escritores e críticos literários lançam mão para construir e analisar as narrativas.

NOTA

3.1 A FÁBULA

É uma narrativa curta, geralmente com animais como personagens que agem como seres humanos e apresentam sentimentos. Tem um caráter prático, destina-se a ilustrar um preceito. Sua conclusão oferece uma lição, diz como o leitor ou ouvinte pode melhorar sua conduta e convivência social, a partir de exemplos de outros seres. A intenção é ensinar o melhor comportamento e fazer refletir, haja vista que possuem um caráter moralizante. As fábulas nasceram no Oriente e foi no Ocidente, no século IV a.C., que Esopo, escravo grego, as reinventou, utilizando-as para mostrar como agir com sabedoria. Além deste, La Fontaine foi um dos maiores responsáveis pela divulgação dessa forma de narrativa. No Brasil, destacamos Monteiro Lobato, que reescreveu e traduziu muitas das antigas fábulas e criou outras tantas.

Atente que no gênero narrativo fábula encontramos formas de relato de tamanho pequeno, encenadas por animais, que encerrariam uma lição de moral, explícita ou

implícita, sugerindo ao leitor ou ouvinte como ele deveria proceder para melhorar sua conduta social. Já a poesia, enquanto modalidade literária originalmente pertencente ao gênero lírico – e não ao épico, no qual se inscrevem todas as narrativas –, era largamente utilizada na literatura em sua fase oral, devido a ainda não haver a escrita impressa; portanto, o uso de rimas e de formas literárias fixas, como é frequente nos poemas dessa época, ajudava o processo de memorização dos conteúdos das narrativas, fossem elas poéticas ou não.

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FIGURA 11 – FÁBULA: A LEBRE E A TARTARUGA

FONTE: Disponível em: <http://amigosdaeducacao.com/atividades-para-alfabetizacao-fabula-a-lebre-e-a-tartaruga.html/fabula-a-lebre-e-a-tartaruga-9>. Acesso em: 5 out. 2012.

O estilo adotado nas fábulas é marcado pelo caráter moralizante, transmitindo ensinamentos referentes à sociedade da época em que foi escrita. Portanto, um determinado conselho, presente numa fábula, poderá tornar-se obsoleto. Na fábula existem dois elementos relevantes, o lúdico e o pedagógico. Este último mostra, nas entrelinhas, virtudes e defeitos do homem, bem como questões ligadas ao meio ambiente.

3.2 A LENDA

A lenda surge na Idade Média, com o intuito de narrar a vida dos mártires e dos santos da Igreja Católica e, ao contrário das histórias míticas – que se ligavam geralmente a entes sobrenaturais –, na lenda o herói é humano e religioso e situa-se em um acontecimento de fato, na existência real de alguém ou de um episódio que a imaginação popular encarregar-se-ia de desviar do fato de origem. Assim, embora o fato histórico gerador da lenda não possa ser provado, ele pode, ao contrário do mito, ser situado geograficamente e em um período de tempo cronológico, como, por exemplo, na lenda da fundação de Roma por Rômulo e Remo.

Como forma expressiva, refletia o assombro e o temor do homem diante do mundo e buscava uma explicação necessária às coisas. É uma forma de narrativa cujo argumento é tirado da tradição, do relato de acontecimentos, no qual o

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maravilhoso e o imaginário superam o histórico e o verdadeiro. A lenda também possui características estilísticas próprias. Geralmente, a lenda é marcada por um profundo sentimento de fatalidade que fixa a presença do “destino”, aquilo contra o que não se pode lutar, ou seja, o homem dominado pela força do desconhecido. De origem muitas vezes anônima, a lenda foi transmitida e conservada pela tradição oral, como esta que veremos a seguir:

A Vitória-régia

A lenda da vitória-régia é brasileira de origem indígena tupi-guarani. Há muitos anos, em uma tribo indígena, contava-se que a Lua (Jaci, para os índios) era uma deusa que, ao despontar a noite, beijava e enchia de luz os rostos das mais belas virgens índias da aldeia - as cunhantãs-moças. Sempre que ela se escondia atrás das montanhas, levava para si as moças de sua preferência e as transformava em estrelas no firmamento. Uma linda jovem virgem da tribo, a guerreira Naiá, vivia sonhando com este encontro e mal podia esperar pelo grande dia em que seria chamada por Jaci. Os anciãos da tribo alertavam Naiá: depois de seu encontro com a sedutora deusa, as moças perdiam seu sangue e sua carne, tornando-se luz - viravam as estrelas do céu. Mas quem a impediria? Naiá queria porque queria ser levada pela Lua.

À noite, cavalgava pelas montanhas atrás dela, sem nunca alcançá-la. Todas as noites eram assim, e a jovem índia definhava, sonhando com o encontro, sem desistir. Não comia e nem bebia nada. Tão obcecada ficou que não havia pajé que lhe desse jeito. Um dia, tendo parado para descansar à beira de um lago, viu em sua superfície a imagem da deusa amada: a Lua refletida em suas águas. Cega pelo seu sonho, lançou-se ao fundo e se afogou. A Lua, compadecida, quis recompensar o sacrifício da bela jovem índia, e resolveu transformá-la em uma estrela diferente de todas aquelas que brilham no céu. Transformou-a então numa "Estrela das Águas", única e perfeita, que é a planta vitória-régia. Assim, nasceu uma linda planta cujas flores perfumadas e brancas só abrem à noite, e ao nascer do Sol ficam rosadas.

FONTE: Disponível em: <http://www.culturavotorantim.com.br/?id=24>. Acesso em: 9 abr. 2013.

FIGURA 12 – A LENDA DA VITÓRIA-RÉGIA

FONTE: Disponível em: <http://www.overmundo.com.br/banco/vitoria-regia-1>. Acesso em: 5 set. 2012.

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3.3 A PARÁBOLA

É uma narrativa que expressa uma moral, por isso é frequentemente confundida com a fábula. Porém, diferencia-se desta pelo fato de ser protagonizada por seres humanos. Nos textos bíblicos encontramos várias parábolas, como, por exemplo, a do Semeador.

FIGURA 13 – CAPA DO LIVRO: A PARÁBOLA DO SEMEADOR

FONTE: Disponível em: <http://www.diskshop.com.br/?system=produtos&action=detalhes&prod_id=162>. Acesso em: 5 set. 2012.

No livro em questão, a parábola é contada ao leitor infantil com algumas características particulares: linguagem acessível, ricamente ilustrada, contendo no final uma atividade para a criança interagir. A agradável apresentação visual gráfica e o conteúdo expresso em linguagem simples e acessível fazem deste livrinho, como os demais da mesma coleção, um excelente subsídio para iniciar o público infantil na assimilação dos ensinamentos de Jesus.

3.4 A PARLENDA

Composição literária tradicional, que se caracteriza por apresentar forma versificada, ritmo fácil e rápido. É entretenimento garantido, em especial entre as crianças, o que significa dizer que sua finalidade é ensinar algo através da diversão. É comumente chamada de trava-língua, quando recitada de maneira rápida e repetidamente. É uma importante aliada para despertar na criança os sentidos, a sensibilidade e a musicalidade.

Caro(a) acadêmico(a), brinque um pouco. Tente ler rapidamente:

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A ARANHA E A JARRA Debaixo da cama tem uma jarra. Dentro da jarra tem uma aranha. Tanto a aranha arranha a jarra, Como a jarra arranha a aranha.

CAJU

O caju do Juca E a jaca do cajá. O jacá da Juju

E o caju do Cacá.

LUZIA E OS LUSTRES Luzia listra os

Lustres listrados.

NÃO CONFUNDA! Não confunda ornitorrinco Com otorrinolaringologista,

Ornitorrinco com ornitologista, Ornitologista com otorrinolaringologista,

Porque ornitorrinco é ornitorrinco, Ornitologista é ornitologista,

E otorrinolaringologista é otorrinolaringologista.

O DESENLADRILHADOR Essa casa está ladrilhada. Quem a desenladrilhará?

O desenladrilhador que a desenladrilhar, Bom desenladrilhador será!

ATRÁS DA PIA

Atrás da pia tem um prato Um pinto e um gato

Pinga a pia, apara o prato Pia o pinto e mia o gato.

SEU TATÁ

O seu Tatá tá? Não, o seu Tatá não tá,

Mas a mulher do seu Tatá tá. E quando a mulher do seu Tatá tá,

É a mesma coisa que o seu Tatá tá, tá?

FONTE: Disponível em: <http://www.qdivertido.com.br/verfolclore.php?codigo=22>. Acesso em: 5 out. 2012.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

3.5 O ROMANCE

O gênero romance deriva da expressão latina romanice, que significa “falar romântico”, ou seja, falar num dos vários dialetos europeus em oposição à língua culta da Idade Média. Nesses dialetos populares contavam-se histórias de amor, de aventura, transmitidas oralmente. Dependendo da importância ou do destaque dado à personagem, à ação, ou ainda, ao espaço, foram classificados como romances de costume, psicológico, policial, regionalista, histórico, de cavalaria, de aventura.

Caro(a) acadêmico(a), nos cadernos de estudos de Literatura Brasileira do Período Colonial ao Romantismo e Literatura Brasileira do Período Realista à Literatura Contemporânea, abordaremos e aprofundaremos algumas questões teóricas referentes ao gênero romance, textos e respectivos autores.

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Diante do exposto, podemos afirmar que na sala de aula deve existir muita leitura, de vários gêneros literários, a fim de induzir o aluno a melhor refletir, compreender, problematizar e questionar os textos lidos, fazendo uso de sua criticidade e, também, da habilidade em lidar com as regras estabelecidas para a leitura. Lembre-se: ler significa aprender a produzir sentidos inseridos em um tempo e um espaço, tornando o exercício de leitura ativo.

A literatura infantojuvenil é matéria indispensável e básica no campo da cultura e educação. A necessidade da presença da literatura em sala de aula é algo incontestável. Em especial, este espaço privilegiado pela possibilidade de apresentação e interação do texto literário contribui para a ampliação de conhecimentos, permite a interpretação do mundo como um texto universal e a percepção de sua complexidade. E, ainda, expande e reforça a ideia de que cada indivíduo é sujeito e agente de sua própria história.

Mas o que comumente acontece no espaço escolar é um “distanciamento” dos livros. A escola parece esquecer que a literatura é, antes de tudo, arte, prazer, e não pode ser imposta, pois a imposição é sinônimo de afastamento.

De acordo com Fanny Abramovich (1989, p. 36):

A literatura infantojuvenil foi incorporada à escola e, assim, imagina-se que - por decreto - todas as crianças passarão a ler... Até poderia ser verdade, se a leitura não viesse acompanhada da noção de dever, de tarefa a ser cumprida, mas sim de prazer, de deleite, de descoberta, de encantamento.

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Dessa forma, a prática de leitura é dirigida, limitada e, no mais das vezes, afastada da realidade, o texto é transparente e exterior ao aluno, é mera soma de palavras e frases, nas quais o aluno deve buscar e confirmar um sentido preestabelecido.

É imprescindível propiciar, no ambiente pedagógico, um clima favorável à leitura, marcado por interações que permitirão várias interpretações de um mesmo texto, por sujeitos que têm histórias, competências, interesses, valores e crenças diferentes. Cabe ao professor reconstruir com seus alunos a trajetória interpretativa de cada um, buscando compreender a construção de cada sentido, ampliando, dessa forma, a compreensão do aluno.

Então, provoque, busque seduzir o leitor com persistência, sensibilidade e responsabilidade, sem perder de vista o objetivo principal, que é o de despertar o interesse, o prazer e a consciência da importância da leitura na vida das pessoas.

O professor, ao escolher a literatura, deverá propiciar o contato com os mais variados gêneros literários e, além disso, estar atento à classificação de acordo com o interesse e a idade do estudante. Nelly Novaes Coelho apresenta critérios para seleção de livros de acordo com os estágios psicológicos da criança, assunto que abordaremos na sequência.

4 LEITURA E A DIMENSÃO COGNITIVA

É sabido que a evolução da criança não é rígida, ou seja, cada qual tem seus próprios limites, definidos por diferentes fatores. O interesse da criança e/ou adolescente por determinado assunto está relacionado à sua idade e ao amadurecimento cognitivo. O professor tem papel primordial, na medida em que a ele cabe perceber e adequar seu trabalho, respeitando as referidas fases da criança e do jovem.

Se uma das funções da literatura é transformar a realidade humana numa experiência prazerosa de aprendizagem e de crescimento, o papel da escola é decisivo no processo de formação do leitor, pois o espaço escolar constitui um lugar privilegiado de estímulo à construção, à reflexão, à assimilação de saberes e valores, daí a necessidade de encorajar crianças e jovens a adentrar nesse fantástico universo da literatura.

Para que se efetivem oportunidades singulares de experiência com a literatura, é importante atentar quanto à escolha de livros e temas a serem abordados em sala de aula. A criança, o adolescente e o adulto têm preferência por diferentes textos. Para tanto, faz-se necessário observar os gostos, a realidade, o grau de escolaridade, o amadurecimento intelectual e a idade do aluno.

Veremos, agora, como Nelly Novaes Coelho descreve as fases de leitura que abrangem as crianças e os adolescentes.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Segundo a autora, a fase do pré-leitor abrange duas fases: a primeira e a segunda infância.

• Primeira infância (dos 15/17 meses aos três anos)

Nesta fase:

A criança inicia o reconhecimento da realidade que a rodeia, principalmente pelos contatos afetivos e pelo tato. É a chamada fase da invenção da mão. Seu impulso básico é pegar em tudo que se acha ao seu alcance. É também o momento em que a criança começa a conquista da própria linguagem e passa a nomear as realidades à sua volta (COELHO, 2000, p. 33).

Para estimular a leitura nessa fase, o adulto deve apresentar à criança

diferentes gravuras, fotos, desenhos, objetos e livros de imagens coloridas e de diferentes materiais. Narrar histórias com ênfase no ritmo, gestos, explorando a sonoridade. É importante, nessa fase, a presença e atuação do adulto, manipulando e nomeando os brinquedos ou desenhos, inventando situações bem simples, a fim de estabelecer uma relação de afetividade entre o adulto, a criança e o livro.

• Segunda infância (a partir dos 2/3 anos)

Neste período,

[...] começam a predominar os valores vitais (saúde) e sensoriais (prazer ou carências físicas ou afetivas), é quando se dá a passagem da indiferenciação psíquica para a percepção do próprio ser. Início da fase egocêntrica e dos interesses ludopráticos. Impulso crescente de adaptação ao meio físico e crescente interesse pela comunicação verbal (COELHO, 2000, p. 33).

A presença do adulto, nessa fase, é ainda muito importante, nos livros deve predominar a imagem e pouco ou quase nada de texto escrito. Os textos devem ser significativos e atraentes, a fim de levar a criança a perceber, cada vez mais, a relação entre o mundo que a cerca e a palavra escrita. O colorido, a graça, o humor, a sonoridade e a repetição de elementos são fatores importantes para prender a atenção dessa criança.

• O leitor iniciante (a partir dos 6/7 anos)

Para a autora, é a “[...] fase da aprendizagem da leitura, na qual a criança já reconhece, com facilidade, os signos do alfabeto e reconhece a formação das sílabas simples e complexas. Início do processo de socialização e de racionalização da realidade” (COELHO, 2000, p. 35).

A presença do adulto é ainda necessária para estimular e encorajar a criança à leitura. Os livros adequados a essa fase devem valorizar a imagem. A narrativa, simples, com princípio, meio e fim, é a mais indicada e apreciada.

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TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

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As personagens podem ser pessoas, animais, plantas e/ou objetos, sempre com traços de caráter ou comportamento bem nítidos - bons e maus, fortes e fracos, belos e feios etc. O texto deve ser estruturado com palavras e frases simples, em ordem direta, cujos argumentos estimulem a imaginação, a inteligência, a afetividade, as emoções, o pensamento e o sentimento.

• O leitor-em-processo (a partir dos 8/9 anos)

Segundo Coelho (2000, p. 37), nesta fase a criança “[...] já domina com facilidade o mecanismo da leitura [...]. Seu pensamento lógico organiza-se em formas concretas que permitem as operações mentais. Atração pelos desafios e pelos questionamentos de toda natureza”.

A presença do adulto ainda é importante, para motivar a leitura e esclarecer possíveis dificuldades. A narrativa deve girar em torno de um conflito a ser resolvido até o final. A efabulação deve obedecer ao esquema linear - princípio, meio e fim. O realismo e o imaginário ou a fantasia despertam grande interesse nesta idade.

• O leitor fluente (a partir dos 10/11 anos)

Nesta fase ocorre a:

[...] consolidação do domínio do mecanismo da leitura e da compreensão do mundo expresso no livro. A leitura segue apoiada pela reflexão; a capacidade de concentração aumenta, permitindo o engajamento do leitor na experiência narrada e, consequentemente, alargando ou aprofundando seu conhecimento ou percepção de mundo. A partir dessa fase, desenvolve-se o pensamento hipotético dedutivo e a consequente capacidade de abstração. É a fase da pré-adolescência (COELHO, 2000, p. 38).

Nessa fase as imagens são dispensáveis, a linguagem pode ser mais elaborada. As personagens podem ser heróis ou pessoas comuns, questionadoras, marcadas pela emotividade, pela luta por ideais, inseridas em contos, crônicas, novelas e histórias policiais, que envolvam aventuras.• O leitor crítico (a partir dos 12/13 anos)

“Fase de total domínio da leitura, da linguagem escrita, capacidade de reflexão em maior profundidade, podendo ir mais fundo no texto e atingir a visão de mundo ali presente” (COELHO, 2000, p. 39).

Nessa faixa etária, o adolescente desenvolve o pensamento reflexivo e crítico

e deve ser provocado à exploração do texto para a descoberta dos mecanismos que o compõem. “A literatura é arte da linguagem e, como qualquer arte, exige uma iniciação” (COELHO, 2000, p. 40). Quando o indivíduo lê nas entrelinhas e busca no texto o “não dito”, é porque se sente instigado pelo desejo de descoberta do mundo. Esse anseio efetivou-se porque foi provocado no período da infância.

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

Lembremos que, nas fases apresentadas, os limites são teóricos. Na realidade, cada criança tem seu próprio limite, definido por muitos e diferentes fatores. Caro(a) acadêmico(a), além de conhecer as fases, é necessário conhecer a criança, sua história, sua experiência e sua ligação com o livro. O importante é proporcionar um contato com a literatura e que o estudante possa fazer suas opções.

LEITURA COMPLEMENTAR

EM CASA

Anton Tchekhov

– Vieram da parte dos Grigóriev buscar não sei que livro, mas eu disse que o senhor não estava em casa. O carteiro trouxe os jornais e duas cartas. A propósito, Ievguêni Pietróvitch, eu lhe pediria que prestasse atenção no Seriója. Hoje e anteontem eu reparei que ele fuma. Quando eu comecei a repreendê-lo, ele, como de costume, entupiu os ouvidos e pôs-se a cantar alto, para abafar a minha voz...

Ievguêni Pietróvitch Bikovski, procurador do tribunal regional, que acabava de voltar de uma sessão e estava tirando as luvas no seu gabinete, olhou para a governanta que lhe fazia o relatório e riu.

– Seriója fuma... – encolheu os ombros. – imagino esse pirralho com um cigarro! Quantos anos ele tem mesmo?

– Sete anos. Ao senhor isto não parece coisa séria, mas na sua idade o fumar representa um hábito mau e pernicioso, e é preciso erradicar os maus hábitos desde o começo.

– Totalmente correto. E onde ele arranja o tabaco?

– Na escrivaninha do senhor.

– É mesmo? Neste caso, mande-o para mim.

Quando a governanta saiu, Bikovski sentou-se na poltrona diante da escrivaninha, fechou os olhos e pôs-se a pensar. Na sua imaginação, ele, sem saber por que, pintava o seu Seriója com um enorme cigarro de um palmo de comprimento, entre nuvens de fumaça de tabaco, e essa caricatura o fazia sorrir; ao mesmo tempo, o rosto sério e preocupado da governanta despertou-lhe lembranças de um tempo há muito passado e meio esquecido, quando o fumar na escola e no quarto das crianças incutia nos pedagogos e nos pais um terror estranho e não muito compreensível. Era justamente terror. Os garotos eram surrados sem

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TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

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dó, expulsos do ginásio, truncavam-lhes a vida, embora nenhum dos pais ou pedagogos soubesse em que realmente consistiam o prejuízo e a delinquência do fumar.

Mesmo pessoas muito inteligentes não se davam ao trabalho de lutar contra um vício que não compreendiam. Ievguêni Pietróvitch lembrou-se do seu diretor do ginásio, um velhote muito instruído e bondoso, que se assustava tanto quando topava com um ginasiano com um cigarro que empalidecia, convocava imediatamente uma reunião pedagógica extraordinária e condenava o culpado à expulsão. Assim deve ser, ao que parece, a lei da convivência: quanto mais incompreensível o mal, tanto mais encarniçada e grosseira é a luta contra ele.

O procurador lembrou-se de dois ou três dos expulsos, suas vidas subsequentes, e não pôde deixar de pensar que o castigo muitas vezes traz males bem maiores que o próprio crime. Um organismo vivo dispõe da capacidade de se adaptar rapidamente, habituar-se e acomodar-se a qualquer atmosfera, senão o homem deveria sentir a cada momento que fundo irracional têm às vezes as suas atividades racionais e quão pouca verdade há em atividades tão sensatas e terríveis pelos seus resultados, como a pedagógica, a jurídica, a literária...

(...) “Mas afinal, o que é que eu vou lhe dizer?”, pensou Ievguêni Pietróvitch. Mas antes que ele pudesse lembrar alguma coisa, já entrava no gabinete o seu filho Seriója, menino de sete anos.

(...) – Boa noite, papai! – disse ele com voz macia, encarapitando-se nos joelhos do pai e dando-lhe um rápido beijo no pescoço. – Você me chamou?

– Com licença, com licença, Serguêi Ievguênitch – respondeu o procurador, afastando-o de si. – Antes de nos beijarmos, precisamos conversar, e conversar seriamente... Estou zangado e não gosto mais de você, e você não é mais meu filho. Sim. (...) Natália Semiónovna viu você fumando duas vezes. Quer dizer que você foi apanhado em três más ações: você fuma, tira da gaveta o tabaco alheio e mente. Três culpas! (...) Antes você era um bom menino, mas agora estou vendo que você ficou estragado e tornou-se mau. (...) Cada um só tem o direito de se servir daquilo que lhe pertence, e se pega uma propriedade alheia, então... não é um homem bom! (“Não era isso que eu queria lhe dizer” – pensou Ievguêni Pietróvitch.) Você tem cavalinhos e figurinhas... E eu não pego neles, certo? Quem sabe eu até gostaria de pegá-los, mas acontece que eles são seus e não meus!

– Pode pegar, se quiser! – disse Seriója, erguendo as sobrancelhas. – Por favor, papai, não se acanhe, pegue-os! Esse cachorrinho amarelo sobre a sua mesa, ele é meu, mas eu... nada... Deixa que fique aí!

“O que eu vou dizer-lhe?”, pensava Ievguêni Pietróvitch. “Ele não me escuta. Evidentemente não considera importante nem os seus malfeitos nem os meus argumentos. Como fazê-lo entender? (...) Antigamente, no meu tempo, essas questões eram resolvidas com maravilhosa simplicidade”, cogitava ele. “Qualquer garoto apanhado fumando era surrado.”

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UNIDADE 2 | A LITERATURA INFANTIL: FONTE DE EMOÇÕES

(...) “Ele tem o seu próprio fluxo de pensamentos!”, pensava o procurador. “Tem o seu próprio pequeno mundo na cabeça, e ele sabe, à sua maneira, o que é importante e o que não é. Para cativar a sua atenção e consciência não basta arremedar a sua linguagem, é preciso também pensar à maneira dele. Ele me compreenderia perfeitamente, se de fato eu lamentasse o tabaco, se eu ficasse abespinhado, se começasse a chorar... É por isso que as mães são insubstituíveis na educação, é porque elas sabem sentir junto com as crianças, chorar, gargalhar... Mas com lógica e moral não se chega a nada. Bem, que mais eu vou lhe dizer? O quê?

Bateram as dez horas. – Bem, menino, está na hora de dormir – disse o procurador –, despeça-se e vá.

– Não, papai – e Seriója franziu o rosto –, eu ainda vou ficar um pouco. Conte-me alguma coisa. Conte uma história encantada.

– Pois não, só que, depois da história, direto para a cama. (...) Era uma vez, num reino muito distante, um velho rei, muito velho de longa barba grisalha e... (...) o velho rei tinha um filho único, herdeiro do reino. Um menino, assim como você. Ele era um bom menino. Nunca fazia manha, ia dormir cedo, não mexia em nada na mesa e... e era um menino sensato e bonzinho. Ele só tinha um defeito. Ele fumava...

Seriója escutava concentrado, e olhava nos olhos do pai sem piscar. O procurador continuava, pensando: “E agora, o que mais?”. Ficou longamente, como se diz, mastigando e remoendo, e terminou assim:

– De tanto fumar, o príncipe adoeceu de tísica e morreu quando tinha vinte anos. E o velho, caduco e adoentado, ficou sem qualquer apoio. Não havia ninguém para governar o reino e defender o palácio. Chegaram os inimigos, mataram o velho, destruíram o palácio e agora, no jardim já não há nem cerejas, nem aves, nem sininhos... Assim é, maninho...

Esse final parecia ao próprio Ievguêni Pietróvitch ingênuo e ridículo, mas a história toda causou em Seriója uma forte impressão. Novamente seus olhos enevoaram-se de tristeza e de algo parecido com susto; por um minuto, ele ficou olhando pensativo para a janela escura, estremeceu e disse com a voz apagada:

– Não vou fumar mais...

Quando ele se despediu e foi dormir, seu pai ficou andando silenciosamente de um canto para outro e sorrindo.

“Dirão que o que funcionou aqui foi a beleza, a forma artística”, refletia ele. “Que seja, mas não é consolo. Mesmo assim, isto não é um recurso verdadeiro... Por que a moral e a verdade dever ser apresentadas não na sua forma crua, mas com misturas, inevitavelmente de forma açucarada e dourada, como as pílulas? Isto não é normal... Falsificação, enganação, truques...”

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TÓPICO 3 | GÊNEROS LITERÁRIOS E SUA ESTRUTURA II

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Lembrou-se dos jurados, para os quais é absolutamente necessário pronunciar um “discurso”, do público, que assimila a história só por meio de lendas e romances históricos, de si mesmo, que hauria o bom senso da vida não de sermões e leis, mas de fábulas, romances, poesias...

“O remédio deve ser doce; a verdade, bela... E essa fantasmagoria o homem assumiu desde os tempos de Adão... De resto... Quem sabe tudo isso é natural e deve ser assim mesmo... Não são poucas na natureza as fraudes e as ilusões úteis...”

Ele pôs-se a trabalhar, mas os pensamentos preguiçosos e domésticos ainda continuaram a vagar pelo seu cérebro por muito tempo. Atrás do teto já não se ouviam mais as escalas, mas o morador do segundo andar ainda continuava a marchar de um lado para outro...

FONTE: TCHÉKHOV, Anton Pavlovitch. Um homem extraordinário e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 38-49.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

• Procuramos definir as qualidades básicas de um texto literário e as principais modalidades presentes na literatura infantojuvenil segundo a ótica do desvio, ou seja, do que pode ser construído a partir da ação “infantil” da “mão esquerda”, associando assim a literatura a um saber que, embora lúcido, faz-se de um modo também lúdico.

• Em seguida, verificamos o quanto toda a literatura clássica é estruturalmente tributária dos contos populares e maravilhosos, que forneceram não apenas a estrutura padrão do desenvolvimento do enredo – especialmente com a noção de função, de Vladimir Propp –, mas também por caracterizar, ainda que de modo simplificado, as personagens no espaço literário.

• As personagens são elementos decisivos na construção de um texto narrativo, é nelas que reside o interesse do leitor.

• A personagem plana é simples em sua construção e é facilmente reconhecida, não muda suas ações no decorrer da narrativa.

• A personagem redonda é mais complexa, suas ações são capazes de surpreender e revelam aspectos de seu caráter.

• Os livros infantis, e não somente os infantis, muitas vezes, carregam e reforçam personagens estereotipadas.

• Explorar as características das personagens é levar o jovem leitor a observar que preconceitos podem ser transmitidos através de palavras e/ou imagens.

• Os temas e comportamentos abordados na literatura são consequência do seu contexto e contribuem para o desenvolvimento do homem que a sociedade almeja.

• A fábula é uma narrativa curta, geralmente com animais como personagens que agem como seres humanos e apresentam sentimentos. O estilo adotado nas fábulas é marcado pelo caráter moralizante, transmitindo ensinamentos referentes à sociedade da época em que foi escrita.

• A lenda reflete o assombro e o temor do homem diante do mundo e buscava uma explicação necessária às coisas. Geralmente, é marcada por um profundo sentimento de fatalidade que fixa a presença do “destino”, aquilo contra o que não se pode lutar, ou seja, o homem dominado pela força do desconhecido.

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• A parábola expressa uma moral, por isso é frequentemente confundida com a fábula. Porém, diferencia-se desta pelo fato de ser protagonizada por seres humanos.

• A parlenda caracteriza-se por apresentar forma versificada, ritmo fácil e rápido.

É uma importante aliada para despertar na criança os sentidos.

• O romance, gênero que deriva da expressão latina romanice, que significa “falar romântico”, ou seja, falar num dos vários dialetos europeus em oposição à língua culta da Idade Média.

• Entre os elementos que compõem a estrutura do texto literário está o enredo – também conhecido como história, trama ou fábula, e que, nos contos de fadas, trata geralmente do desenrolar das ações de um herói que encarna os valores comunitários de modo exemplar e carregado de moralidade.

• A apresentação de vários gêneros literários é extremamente relevante durante todo o período escolar. É fácil observar o fascínio da criança por histórias e o interesse em imitar as leituras, recontando as narrativas e, consequentemente, enriquecendo e dominando, além de outras possibilidades, um estilo de linguagem que lhe garantirá êxito escolar e ascensão social.

• O interesse da criança e/ou adolescente por determinado assunto está relacionado à sua idade e ao amadurecimento cognitivo.

• Na primeira e na segunda infância (15/17 meses aos três anos), a criança começa a nomear a realidade à sua volta, sendo crescente o interesse pela comunicação verbal.

• O leitor iniciante - a partir dos 6/7 anos – é a fase da descoberta e da aprendizagem da leitura.

• O leitor-em-processo - a partir dos 8/9 anos – ocorre quando a criança domina com certa facilidade o mecanismo da leitura.

• O leitor fluente - a partir dos 10/11 anos – é a fase de consolidação do domínio da leitura.

• O leitor crítico - a partir dos 12/13 anos – entra na fase de total domínio da leitura e da linguagem escrita. Capacidade de reflexão em maior profundidade, ou seja, costumamos dizer que ele consegue ler nas entrelinhas.

• Cada criança tem seu próprio limite, definido por muitos fatores; é necessário conhecer o estudante, sua história, sua experiência e sua ligação com o livro.

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3 Ao contrário de uma obra dialógica, como a de Tchekov, você consideraria o debate acerca dos contos de fadas tradicionais, como “o patinho feio”, “a gata borralheira” etc., mais profícuo e motivador para o estudo em sala de aula? Justifique sua resposta.

Prezado(a) acadêmico(a), após ter completado a leitura do conteúdo deste tópico, sugerimos a você a leitura do conto literário “Em casa” (leitura complementar), de Anton Tchekov, para, em seguida, confrontando ambas as leituras, refletir sobre as seguintes questões:

1 Você observou que, ao contrário do que ocorre nos contos de fadas, que geralmente veiculam uma verdade moral e imparcial, nos contos literários ou eruditos, como o de Tchekov, há uma indecisão entre quem tem e quem não tem a razão?

2 Na sua opinião, os pontos de vista pedagógicos da personagem Ievguêni Pietróvitch, o pai de Seriója, seriam conflituosos ou, bem ao contrário, apontariam saídas pedagógicas com certa atualidade para o ensino nos dias de hoje? Considerar que o texto foi escrito na segunda metade do século XIX.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

O PAPEL DA ESCOLA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• reconhecer a importância da poesia, das histórias em quadrinhos e das narrativas;

• identificar os fatores estruturantes das narrativas infantojuvenis;

• perceber que as narrativas devem constituir-se em objeto de leitura dentro e fora do espaço escolar.

Esta unidade está dividida em três tópicos. Ao final de cada um deles você encontrará atividades que contribuirão para a apropriação dos conteúdos.

TÓPICO 1 – O DIVERTIDO PRAZER DE LER

TÓPICO 2 – A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

TÓPICO 3 – EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

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TÓPICO 1

O DIVERTIDO PRAZER DE LER

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico verificaremos que uma das questões principais dentro de uma abordagem literária, formal ou informal, reporta-se não tanto ao lugar “onde” se lê o mundo, ou seja, se na mídia cinematográfica, na mídia impressa, na internet etc., mas sim o que propriamente se deveria ler. Quer dizer, a questão seria descobrir como estabelecer uma relação de obras literárias que dê pistas de como aprimorar o espírito crítico da criança, ajudando-a em sua inserção no mundo e na transformação da realidade social em que vive, sem que, para isso, tenha que abandonar o espaço interior de sua infância – que atravessará toda a sua vida.

2 A SALA DE AULA: QUE TEXTOS ESCOLHER?

Nunca lhe aconteceu, ao ler um livro, interromper com frequência a leitura, não por desinteresse, mas, ao contrário, por afluxo de ideias, excitações, associações? (...) Nunca lhe aconteceu ‘ler levantando a cabeça?’ É essa leitura, ao mesmo tempo irrespeitosa, pois que corta o texto, e apaixonada, pois que a ele volta e se nutre, que tentei escrever. (BARTHES, 2004, p. 26).

A escola é um dos poucos espaços sociais que ainda tem o privilégio de poder promover o contato dos indivíduos com textos que estão fora do circuito comercial. Ademais, ela também é capaz de estabelecer uma interação diferenciada entre os leitores e essas mesmas obras, tornando-os mais críticos a partir do contato e do acesso socializado aos textos clássicos, cuja virtude maior estaria em fortalecer, de modo subliminar, a convivência de pontos de vista distintos entre os alunos.

Subliminar é a definição para o tipo de mensagem que não pode ser captada diretamente pela porção do processamento dos sentidos humanos que está em

estado de alerta. É tudo o que está abaixo do limiar, a menor sensação detectável conscientemente. Toda mensagem subliminar pode ser dividida em duas características básicas, o seu grau de percepção e de persuasão. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p. 1780).

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

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Então, a escola, mesmo que inserida em um contexto cujo maior valor é a utilidade – e por ser a instituição a qual é dada, entre as demais instituições sociais, o papel privilegiado de pedagogicamente operar a passagem daquela primeira fase existencial, infantil e irregular, para a outra, que deveria idealmente orientar e organizar a sociedade em que vivemos –, passa a assumir a tarefa em certa medida contraditória de promover uma mudança nos valores culturais vigentes, invertendo o paradigma segundo o qual ela mesma foi estruturada.

Façamos um exercício de reflexão: Você acredita que atualmente a escola tem atribuído um valor mais acentuado ao pensamento lúdico e à imaginação infantil ou, ao contrário, ainda trata a criança como um “pequeno adulto imperfeito”? Teça algumas considerações sobre essa temática, comparando a realidade escolar da sua infância com a das escolas de hoje:________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Esse “viver na pluralidade”, que vemos como modo ideal do “viver junto” em sociedade, poderia advir do entrecruzamento dos pontos de vista internalizados pela história individual e biográfica de cada aluno com os pontos de vista disponibilizados pelas tradições culturais veiculadas pelo texto literário, independente do suporte ao qual o texto esteja vinculado: livro tradicional, i-pads, internet, filmes cinematográficos, gibis, mídia impressa etc.

Assim, parece-nos que, mais relevante do que determinar onde se deve dar a leitura, é precisar quais obras têm, e quais outras não a possuem, a complexidade e a abertura necessárias para ao mesmo tempo instruir e fazer do leitor um sujeito ativo e coparticipante de sua realidade/destino, já que a formação do indivíduo não cessa quando ele termina a fase escolar, prolongando-se por toda a vida e, nesse sentido, não resta dúvida: os bons textos literários são potencializadores eficazes de significação existencial:

Se esperamos viver não apenas de momento a momento, mas sim verdadeiramente conscientes de nossa existência, nossa maior necessidade e mais difícil realização será encontrar um significado em nossas vidas. É sobejamente sabido que muitos perderam o desejo de viver, e pararam de tentar, porque tal significado lhes escapou. Uma compreensão do significado da própria vida não é subitamente adquirida numa certa idade, nem mesmo quando se alcança a maturidade cronológica. (...) E essa conquista é o resultado final de um longo desenvolvimento: a cada idade buscamos e devemos ser capazes de achar alguma quantidade módica de significado congruente com o quanto nossa mente e compreensão já se desenvolveram (BETTELHEIM, 2007, p. 9).

Destarte, pensar estratégias pedagógicas que possibilitem tornar o aluno não apenas um partícipe das demandas de sua geração, mas um coprodutor de

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TÓPICO 1 | O DIVERTIDO PRAZER DE LER

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novas perspectivas existenciais e de alternativas sociais, implica encontrar uma fundamentação teórica que nos torne capazes de identificar, pedagogicamente, quais obras sustentam visões de mundo inusitadas, que se mantêm em estado latente até que, potencializadas pela leitura, transformem-se em texto, em espaço dialógico de leitura.

FIGURA 14 - PINÓQUIO, ODILON MORAES

FONTE: Disponível em: <http:\\www.cultlivros03.jpg>. Acesso em: 2 set. 2012.

Nesse momento, uma boa saída teórica seria pensar com o escritor Mikhail Bakhtin, que, a partir de uma releitura dos clássicos de Rabelais e de Dostoievski, conseguiu redefinir os códigos culturais da tradição ocidental, a seu ver estruturados a partir da alternância de duas tendências estéticas distintas:

As obras de estrutura e conteúdos monológicos são orientadas pela aceitação dos cânones estéticos tradicionais e pela conformação à ideologia dominante; as obras de estrutura e de conteúdo dialógicos expressam a revolta contra a tradição estético-cultural, centradas como estão no ‘polimorfismo’ e na ‘polifonia’. Nessas obras é impossível encontrar a univocidade que caracteriza o gênero de literatura monológica. (D’ONOFRIO, 2006, p. 14).

Dessa forma, haveria uma oposição, nessas tendências, que se captura desde o momento autoral até a seleção e apresentação final da obra. Nesse percurso, Bakhtin pôde localizar, na origem da literatura monológica, a permanência dos valores vigentes do período em que fora criada, o que a faria ser, também, uma literatura ideológica,

por ser a expressão dos anseios de um grupo social que acredita nos valores humanos e na possibilidade do conhecimento da verdade, bem como no triunfo do complexo de virtudes que compõem a ideologia social (ordem, beleza, justiça, amor etc.); o código natural, por sua vez,

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

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caracteriza um tipo de literatura dialógica, carnavalizada, expressão da revolta do indivíduo contra a fixidez dos cânones estéticos e a opressão das injunções religiosas e morais. (D’ONOFRIO, 2006, p. 21).

Ora, se a essa altura tivéssemos que sintetizar o tipo de literatura que seria conveniente à sala de aula, não hesitaríamos em optar pela obra clássica e dialógica, pois os clássicos aportam significações não inteiramente previstas no texto original, portanto que poderão ainda ser construídas a partir da interação da singularidade do leitor com a singularidade da obra em questão. Esse entrecruzamento, ou jogo de singularidades, é o que definiria, segundo Barthes (2007, p.16), as qualidades de uma verdadeira literatura: “Essa trapaça salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura”.

Bakhtin (1995) foi quem apresentou o conceito de dialogismo. No dizer deste estudioso, a linguagem é dialógica porque a palavra, a enunciação e, por extensão, todo o texto possui um caráter de duplicidade, no qual a presença do outro é fundamental e cujo contexto social não pode ser ignorado.

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Você deve estar percebendo o quanto é importante haver na escola um ambiente pedagógico favorável à leitura e à recriação de textos literários, não é mesmo? Reflita ainda sobre a relevância do professor como mediador de obras literárias, não apenas as de qualidade reconhecida, mas também as que têm um declarado apelo comercial, geralmente associadas à mídia televisiva.

É oportuno lembrar, nesse momento, a discussão abordada na Unidade 1, de que a literatura voltada para a criança é uma literatura produzida pelo adulto, o que faz com que sua mensagem mantenha praticamente a mesma assimetria entre infância e maturidade, que estudamos no primeiro capítulo do presente Caderno de Estudos. Assim, a partir de uma breve descrição estrutural, poderemos mapear as obras de tendência monológica – que mantêm um único ponto de vista na narrativa, como é o caso da maioria dos contos de fadas – e, em contrapartida, obras dialógicas, como a narrativa literária As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, que sustentam mais de uma perspectiva ficcional, conferindo assim maior valor e liberdade ao leitor:

Em vista disto, também o leitor não é um ente passivo; a obra dirige-se a ele e a seus valores, sob a forma de um questionamento. A operação de leitura, que, enquanto concretização do universo ficcional, supõe de antemão uma atitude voluntária e ativa, ocasiona ainda uma tomada de posição perante o texto e o mundo que apresenta. Nesta medida, se a criação poética não produz necessariamente uma contrariedade, especialmente ao leitor, como pretendiam os formalistas, mas a um sistema vigente de normas e padrões, (...) é importante destacar

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que o recebedor deverá aceitar ou rejeitar o jogo, resultando daí um posicionamento perante o mundo e a arte. (ZILBERMAN, 1984, p. 79).

Ora, seja a partir de uma perspectiva monológica, seja a partir de uma focalização dialógica, que abrem ou fecham possibilidades de interpretação para o leitor, mantém-se, no plano estrutural de qualquer narrativa literária, uma voz condutora da trama, que determina o foco narrativo de abordagem da história: ora em primeira, ora em terceira pessoa; ora exterior, ora interior à ação etc., e assim conduz a trama conforme se deseje fazer do relato um exemplo ou, ao contrário, estabelecer um universo ambíguo capaz de dar lugar à subjetividade singular do leitor, independente de ela ser aceita ou rejeitada pela sociedade vigente.

A essa altura, sugerimos a você, caro(a) acadêmico(a), a leitura de As aventuras de Pinóquio, na excelente tradução de Marina Colasanti. Além do divertido prazer

de ler um texto produzido especialmente para crianças na Itália do século XIX, esse exercício lhe possibilitará o confronto de uma narrativa dialógica com a tendência predominantemente monológica dos contos de fadas tradicionais. Ademais, você entrará em contato com um texto clássico, isento das concessões cinematográficas feitas por Walt Disney, que retirou muito da complexidade do texto literário para poder se aproximar da moral vigente do século XX e, dessa forma, obter melhor êxito comercial.

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Assim, a partir do foco narrativo, determinam-se diversas formas de focalização. No conto de fadas, por exemplo, tal como se observa na narrativa Chapeuzinho Vermelho, predomina a terceira pessoa, já que o narrador se coloca de modo onisciente – que tudo vê, que tudo sabe –, acima das personagens, sabendo inclusive mais da interioridade delas do que elas mesmas. Essa voz, entretanto, pode ser porta-voz de ideologias indesejáveis:

Quando o narrador onisciente diz “o lobo malvado”, está emitindo um julgamento de valor, acusando o seu posicionamento ideológico. Por que lobo é malvado? Ao comer a menina, ele está apenas atendendo ao instinto de conservação da própria vida que o leva a satisfazer sua fome. O homem que mata animais para alimentar-se ou simplesmente para divertir-se, praticando os esportes da caça e da pesca, por que não é considerado malvado? A resposta está na postura ideológica do autor implícito que, sendo humano, defende a superioridade do homem em relação ao mundo animal. (D’ONOFRIO, 2006 p. 60).

Por outro lado, no contraponto da maior parte dos teóricos da literatura, Bettelheim (2007), a partir de um enfoque psicanalítico da obra literária, verá essa forma de narração em terceira pessoa não como negativa, já que, para ele, ela se apropria da sabedoria inconsciente das gerações passadas, podendo ensinar ao jovem leitor algo importante para o seu amadurecimento psicológico:

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Para dominar os problemas psicológicos do crescimento – superando decepções narcisistas, dilemas edipianos, rivalidades fraternas; tornando-se capaz de abandonar dependências infantis; adquirindo um sentimento de individualidade e de autoestima e um sentido de obrigação moral – a criança precisa entender o que está se passando dentro de seu eu consciente para que possa também enfrentar o que se passa em seu inconsciente. Ela pode atingir esse entendimento e, com ele, a capacidade de enfrentamento, não pela compreensão racional da natureza. (...) É aqui que os contos de fadas têm um valor inigualável, conquanto oferecem novas dimensões à imaginação da criança que ela seria incapaz de descobrir por si só de modo tão verdadeiro (BETTELHEIM, 2007, p. 12).

3 INVERTENDO A TRADIÇÃO

Os livros são enfadonhos de ler. Não há livre circulação. Somos forçados a ler. O caminho está traçado único. Muito diferente é o quadro imediato total. À esquerda, à direita, em profundidade, à vontade. Nada de trajeto, incontáveis trajetos, e as pausas não são indicadas. Se o desejarmos, o quadro inteiro. (MICHAUX, 1994, p. 38).

Ao longo desse Caderno de Estudos você observou a reflexão teórica debruçar-se sobre esse objeto exemplar e histórico na transmissão dos valores culturais, que tem sido o livro literário, cujo surgimento se deu com a literatura oral, à época criadora de recursos facilitadores da memorização, como as rimas, as estrofes, a metrificação, entre outros, para depois vê-lo se expandir em mídias mais ágeis, como o cinema, a internet e a história em quadrinhos.

Assim, ao buscarmos fundamentar acerca dos modos mais adequados de utilização da literatura em sala de aula, optamos pela obra dialógica, já que uma de suas características é de estar sempre aberta a universos de significação insuspeitados. Desnecessário, por conseguinte, alertar para as versões redutoras dos textos clássicos, que geralmente ocorrem em revistas, versões para filmes ou novelas televisivas etc., e que tendem a tipificar as personagens dos textos originais, retirando assim a potencialidade inventiva e inusitada das obras clássicas: “O livro permite uma abordagem de que o cinema, o teatro e a televisão não são capazes. Diante de um livro, o leitor não é passivo, ele pode voltar atrás, reler, interromper, saltar etc. Enfim, ser abordado por onde o leitor quiser” (MELO NETO, 1998, p. 52).

Vejamos: O texto As aventuras de Pinóquio se inicia com a revelação do desejo do velho Gepeto de criar uma marionete para com ela melhorar de vida, ou, dizendo com suas palavras: para viajar e tomar um bom copo de vinho.

Assim, simbolicamente, desde o início o livro reverte a assimetria tradicional que atribui aos valores da maturidade uma origem bondosa e a ser imitada, em detrimento dos valores infantis, vistos como imperfeitos, egoístas e a serem modificados em prol daqueles. Na obra em questão, metaforicamente revela-se um pai, Gepeto, ainda que bondoso, que sabe usar e se beneficiar do filho.

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Optar pelos clássicos dialógicos não significa, entretanto, a exclusão da literatura e de outras formas de arte monológicas – geralmente de feição popular, como é o caso das novelas de televisão, dos filmes de apelo comercial, da música brega, da subliteratura de autoajuda etc. –, mas apenas atentar para que essa forma de arte receba um acompanhamento crítico, geralmente mediado por um professor ou tutor, para evitar que o estudante caia na malha ideológica de valores autoritários e preconcebidos veiculados, de modo sorrateiro, por essas mídias:

É a um fantasma, dito ou não dito, que o professor deve voltar anualmente, no momento de decidir sobre o sentido de sua viagem; desse modo, ele se desvia do lugar em que o esperam, que é o lugar do Pai, sempre morto, como se sabe; pois só o filho tem fantasmas, só o filho está vivo. (BARTHES, 2007, p. 43).

Caro(a) acadêmico(a), por hora, cabe-nos reforçar a função pedagógica da arte e assim apontar para a importância de sua vinculação com as atividades escolares. Quer dizer: a arte, fora do imediatismo dos valores políticos e dos valores medidos pelo sucesso comercial, visa à constituição singular e, por que não dizer, amorosa dos sujeitos; ou seja, aliada à escola, ela pode formar indivíduos leitores que pensem a vida e o mundo que se vai deixar, como o fazem, se lembrarmos com João Cabral de Melo Neto, alguns poetas:

Melhorar a realidade é um ato de consequência imediata, e isso o poeta não pode fazer, porque não é essa coisa mágica, metafísica, que muitos imaginam. Como todo artista, entretanto, ele pode empreender uma ação a longo prazo. Muitas vezes, os homens que mandam não estão habituados a ver toda a realidade, o conjunto. É aí que a arte pode ajudar, cumprindo sua função que é dar a ver – “donner à voir”. Não pode haver objetivo melhor, para a arte e para o artista. (MELO NETO, 1998, p. 18).

Enfim, tudo se resumiria em descobrir qual a melhor forma de operar essa passagem em mão dupla de dois pontos de vista – infância e maturidade – que, por serem paradigmaticamente opostos, só raramente convergem, como acontece em certas obras literárias – e, quiçá, algum dia também o seja na escola – em que se consegue combinar o pensamento em sua forma lúdica e a ludicidade em sua forma lúcida.

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Neste tópico você viu que:

• A escola é um espaço que pode promover o contato dos indivíduos com textos e capaz de estabelecer uma interação diferenciada entre os leitores e essas mesmas obras, tornando-os mais críticos a partir do contato e do acesso socializado aos textos clássicos.

• O papel da escola é operar a passagem daquela primeira fase existencial, infantil e irregular, para a outra, que deveria idealmente orientar e organizar a sociedade em que vivemos, de promover uma mudança nos valores culturais vigentes, invertendo o paradigma segundo o qual ela mesma foi estruturada.

• Os bons textos literários são potencializadores eficazes de significação existencial.

• É preciso que a escola pense em estratégias pedagógicas que possibilitem tornar o aluno não apenas um partícipe das demandas de sua geração, mas um coprodutor de novas perspectivas existenciais e de alternativas sociais.

• Em sala de aula, melhor seria optar pela obra clássica e dialógica, pois os clássicos aportam significações não inteiramente previstas no texto original, portanto que poderão ainda ser construídas a partir da interação da singularidade do leitor com a singularidade da obra em questão.

• É importante haver na escola um ambiente pedagógico favorável à leitura e à recriação de textos literários.

• A partir de um enfoque psicanalítico da obra literária, verá a narração em terceira pessoa não como negativa, já que, para ele, ela se apropria da sabedoria inconsciente das gerações passadas, podendo ensinar ao jovem leitor algo importante para o seu amadurecimento psicológico.

• É importante descobrir qual a melhor forma de operar essa passagem em mão dupla de dois pontos de vista – infância e maturidade e, quiçá, algum dia também o seja na escola –em que se consegue combinar o pensamento em sua forma lúdica e a ludicidade em sua forma lúcida.

RESUMO DO TÓPICO 1

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Caro(a) acadêmico(a)! Apresentamos algumas questões sobre a valorização da literatura infantojuvenil na escola. Para tanto, responda e teça comentários sobre perguntas:

1 O que você pensa sobre a escola como um lugar privilegiado de leitura?

2 Quantas horas semanais você dedica à leitura de textos literários?

3 Considerando a sala de aula, que recursos você utilizaria para incentivar a leitura de literatura?

4 O que você pensa sobre atividades como: A hora do conto?

A partir dessas questões, faça um elenco das estratégias e recursos que poderiam ser adotados pelos professores. Lembre-se de compartilhar com os seus colegas.

AUTOATIVIDADE

5 O que você pensa sobre os textos dialógicos?

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TÓPICO 2

A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Já enfatizamos que a narrativa infantil deveria estabelecer uma relação dialógica, que se concretiza no encontro do leitor com o texto, ou seja, permite que o leitor tenha contato com uma linguagem que se materializa por meio do livro. Nessa perspectiva, a literatura infantojuvenil se apresenta às crianças e jovens como um possível horizonte de expectativas, especialmente pela renovação da linguagem, das palavras e imagens. No dizer de Zilberman (2003, p. 176), “a literatura deve se integrar ao projeto desafiador próprio de todo fenômeno artístico, impulsionar ao seu leitor uma postura crítica, inquiridora, e dar margem à efetivação dos propósitos da leitura como habilidade humana”. Argumenta a autora que o livro infantil deve estimular o leitor a conhecer a dimensão artística e estética.

2 A RECEPÇÃO DO LIVRO INFANTIL

A escritora Fanny Abramovich faz alusão a vários aspectos a serem considerados durante a exploração da leitura, que, segundo ela, apresenta um potencial crítico. O pequeno leitor põe em prática habilidades como pensar, duvidar, se perguntar, questionar, ou seja, a criança

pode se sentir inquietada, cutucada, querendo saber mais e melhor ou percebendo que pode mudar de opinião. E isso não sendo feito uma vez ao ano, mas fazendo parte da rotina escolar, sendo sistematizado, sempre presente - o que não significa trabalhar em cima dum esquema rígido e apenas repetitivo (ABRAMOVICH, 1989, p. 142).

Quando nos referimos à relação entre a criança e o livro, estamos também nos reportando à escola, ao fazer pedagógico dentro da sala de aula. Nesse fazer, uma das metodologias que pode ser utilizada envolve o contato com os livros e, dependendo da história, geralmente a criança quer repeti-la, às vezes, somente em algumas partes ou, por vezes, detesta e não quer mais nenhuma aproximação com determinada história. Essa relação forma a opinião da criança, que passa a estabelecer critérios de seleção do que quer ler. Observe a opinião de Abramovich (1989, p. 143):

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

No que se refere à história quando boa, interessante, se palpitante, se boba etc. E a ideia do autor? Nova, batida, já lida outras vezes em outros livros? Esse autor repete suas ideias, seus temas, ou inventa novos, se atreve a caminhar por outros assuntos, por outras questões? E o ritmo? Muito longo, rapidinho demais da conta, não dando tempo de saborear, de ir mais longe, de querer saber mais e melhor sobre um assunto, conversa ou qualquer outra coisa que ficou solta, sem maiores explicações??... Ou se arrastando, se esticando, se esticando e dando voltas e mais voltas em torno do mesmo tema, como se não achasse o momento de terminar?? E falando nisso, como foi sentido/percebido/aplaudido/vaiado etc. o final da história?? Tinha a ver com tudo o que aconteceu, ou de repente acabou dum jeito confuso, abrupto, perdido??? E o começo, foi gostoso, chamou a atenção, deu vontade de continuar lendo, ou já deu pra sacar que ia ser uma chatura só?? Ou começou mal e, de repente, pra surpresa total, foi esquentando, esquentando e até que ficou muito do simpático e do bom??? E tanta coisa mais, que foi percebida pelo leitor e que merece ser discutida.

Com base na citação, podemos constatar que a autora apresenta vários questionamentos que devem ser considerados pelos professores ao propor a leitura em sala de aula, afinal, o livro infantil, pelas suas características, permite essa postura. Outra questão abordada por Abramovich (1989, p. 146) faz alusão à história e aos personagens:

As que tinham vida, que convenciam, que agiam dum modo verdadeiro (não importa se gente, se bicho, se fada, se vampiro) e aquelas que reagiram de repente, sem mais nem por quê – dum modo que não tinha nada a ver com elas, como vinham atuando desde o comecinho da história...E aquelas que foram esquecidas pelo autor (o que acontece muito), que aparecem no começo e nunca mais... ou aquelas que não tinham a menor importância pro desenrolar do conto e que ficaram só enchendo as páginas, sem função, sem razão, sem opinião. E tanta coisa mais que foi percebida pelo leitor e que merece ser discutida.

Conforme podemos perceber, a história é um dos aspectos mais importantes na composição do livro de literatura infantil. Mas, segundo Abramovich (1989, p. 147), existem outros a considerar, porque estimulam a leitura e a interação:

A capa (se bonita, feia, atraente, boba, sem nada a ver com a narrativa...), o título - que, afinal, são o primeiro contato que se tem com o volume: o impacto visual e a curiosidade despertada ou adormecida... E por que não discutir a encadernação, do desprazer que é ver um livro amado desfolhado, descolando, não dando nem mais para virar a página?... E o jeito como o volume foi paginado, olhando muito do bem olhado se a ilustração corresponde ao que está escrito na página ao lado, se está tudo muito compactado, muito apertado, sem espaço para respirar... ou, ao contrário, se ficou muito pouca coisa escrita ou desenhada em cada folha, sobrando partes em branco demais da conta, só para engrossar o livro?? E se as letras eram grandonas, gostosas de ler, ou pequenas, apertadinhas, sendo necessário um binóculo para poder seguir apenas letras tão mínimas?? E quanto havia de espaço na passagem dum capítulo para outro, mostrando que já era outro momento, outro dia, outra situação ou que fosse – estava tudo apertado, estreito e até difícil

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TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

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perceber que já era outro capítulo?? Estava metade cuidado, metade não? [...] Por que não propor, também, que se releia algo que algum dia tenha sido importante? [...] Não é apenas na novidade que está o novo, mas na forma de nos aproximarmos de algo já conhecido e perceber mudanças.

Para a autora, a proposta da leitura na escola requer um olhar atento no que se refere à escolha do livro, além de propósitos bem definidos para atrair a atenção da criança. Ainda segundo Abramovich (1989, p. 148):

[...] Colocar a leitura do livro infantil brasileiro no currículo escolar não quer dizer nada. Pode-se até estar formando pessoas com ojeriza permanente pela leitura, tal a quantidade de livros ruins que lhes pedem que leiam, aliada a nenhuma crítica que é solicitada. Apenas fazendo-de-conta que se leu, como se se assinasse um visto, uma rubrica de “feito”. Dar uma opinião pode não significar nada, não exigir nada, além dum comentário superficial, epidérmico, ou não ser senão um jeito de agradar e corresponder à expectativa do adulto (que já tem uma opinião formada sobre aquele livro ou aquele autor).

No dizer de Abramovich (1989), é papel da escola sensibilizar para o hábito da leitura e para a criticidade, e, segundo ela, a preocupação básica deveria ser a formação de leitores abertos e capazes de absorver o que uma boa história traz, afinal:

Literatura é arte, literatura é prazer (...) Que a escola encampe esse lado. É apreciar - e isso inclui criticar. Se ler for mais uma lição de casa, a gente bem sabe no que é que dá. Cobrança nunca foi passaporte ou aval para a vontade, descoberta ou para o crescimento de ninguém (ABRAMOVICH, 1989, p. 148).

Entretanto, por vezes a literatura é submetida a rotinas padronizadas e termina por perder seu sentido. Tem sido usada para atividades estritamente mecânicas. Antigas práticas, amplamente avaliadas em seus efeitos limitadores, continuam presentes nas salas de aula, mesmo diante do fracasso de muitos alunos e do desagrado de outros tantos, em relação ao estudo da língua e literatura.

A literatura, em sala, assume a função de obrigatoriedade de prazo, imposição de número de livros a serem lidos durante o ano letivo e seus fichamentos, procedimentos pedagógicos com ênfase no desenvolvimento em atividades de identificação e classificação de períodos literários; ensino de regras gramaticais e ortográficas, estudo de palavras isoladas e de frases desconectadas, exercícios de interpretação, aumento de vocabulário, fixação da norma culta e motivador de redações, assumindo, assim, a feição da rotina. O fazer pedagógico se fecha para as várias possibilidades, o desafio é não deixar que a função pedagógica controle o texto.

As possíveis significações e a imprevisibilidade da mensagem que o texto literário carrega são grandes aliados no processo de formação de leitores críticos. Ao que parece, estudantes e professores ainda não se conscientizaram do caráter libertador do ato de ler.

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

A escola lida com a palavra arte como se ela fosse informação, sem pensar em estratégias de trabalho diferentes entre o texto artístico e o texto informativo. Há a necessidade urgente de priorizar o caráter artístico do texto literário. Deve-se constituir em exploração e vivência, caso contrário incorre-se no risco de reduzir o texto à categoria de instrumento, contribuindo para a alienação do processo educativo.

Conforme cita Marisa Lajolo (apud ZILBERMAN, 1984, p. 52),

O texto não é pretexto para nada. Ou melhor, não deve ser. Um texto existe apenas na medida em que se constitui ponto de encontro entre dois sujeitos: o que o escreve e o que o lê; escritor e leitor, reunidos pelo ato radicalmente solitário da leitura, contrapartida do igualmente solitário ato de escritura. No entanto, sua presença na escola cumpre funções várias e nem sempre confessáveis, frequentemente discutíveis, só às vezes interessantes.

Para Ezequiel Theodoro da Silva (1986, p. 52), o material escrito não visa o

assimilar, memorizar ou reproduzir literalmente o conteúdo da mensagem, mas principalmente o compreender e o criticar. O que tem ocorrido é a ineficiência das práticas de leitura propostas pela escola, com metodologias que aniquilam o potencial dos jovens, ocasionando um nível rudimentar de leitura, que se detêm apenas na “historinha” transmitida. Metodologias falhas podem causar o desprezo e resistência à leitura.

Também é desejável que a literatura obtenha a parceria de outras áreas, como, por exemplo, a pintura, a escultura, o teatro e o cinema, para que o aluno vivencie diferentes formas de artes à sua cultura. Mais do que possibilitar aos alunos leituras diversas, de diferentes gêneros, escritos em contextos diferenciados e para diferentes fins, os projetos arrojados de literatura devem oferecer livros que exercitem a experimentação e a descoberta e investir na inteligência e sensibilidade do leitor infantojuvenil. De acordo com Marisa Lajolo (1982),

E a cada novo texto com que se defronta, o aluno pode vivenciar de forma crítica a atitude de sujeito, não só de sua linguagem, mas de uma teoria e uma história da literatura do seu povo. A não ser assim, a literatura não cumprirá sua função maior no contexto, se não da escola, ao menos da formação do indivíduo livre (LAJOLO apud ZILBERMAN, 1984, p. 52).

As dificuldades de conquistar o leitor passam pelo equívoco da maneira

como o texto é usado em sala de aula, ou seja, pretexto reduzido à aprendizagem da leitura e da gramática. Entretanto, quando o leitor se sente provocado pelas palavras lidas, “realiza-se a função formadora da leitura, que induz o indivíduo a melhor conhecer a si e ao mundo que o cerca” (SARAIVA, 2001, p. 27). Através da literatura, o leitor busca novas formas de dizer, amplia sua capacidade linguística, lança hipóteses, experimenta, duvida, exercita, descobre, acresce, modifica sua leitura e assume uma postura crítica.

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TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

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O desafio é levar o aluno a acrescentar interpretações livres daquelas preestabelecidas, abandonar antigas práticas que relevam o texto e sua significação como que algo sacralizado. Para Sanches Neto (2007, p. 50), a grande tarefa pedagógica é produzir o “apetite pelo texto” e, ainda, “[...] suscitar no fruidor sentimentos e pensamentos que não estão no texto, mas nele”. É nesse sentido que a literatura é obra aberta, pois a literatura é lugar do entrecruzamento de muitos discursos, de lacunas, provocadoras do apetite pela leitura.

Outro fator a ser observado é o de que a literatura nos lares ocupa pouco espaço, muitas casas sequer possuem um material de leitura. O adulto diz que não tem tempo para a leitura; a família, de modo geral, não possui livros de literatura, preferindo livros didáticos, de culinária, de textos sobre atualidade, textos práticos, receitas de emagrecimento, livros de autoajuda, revistas de moda e outras. A literatura cumpre na vida de muitos adultos o papel secundário, não significa prazer, não é uma opção de lazer.

Sabemos que deveria ser de responsabilidade da família promover o primeiro contato com os livros no período precedente ao da escola, que poderia se dar, muitas vezes, por intermédio dos pais, avós, ou seja, no seio familiar, com histórias de fada, de animais, histórias inventadas.

Esse narrar histórias é positivo, pois contribui para a aproximação entre a criança e o livro. Porém, o que percebemos é que as condições de vida impostas pelo contexto socioeconômico acabam por acarretar uma escassez de leitura literária no espaço familiar: os pais pouco ou quase nada leem para seus filhos. E, ainda, o livro possui um alto preço, o que, na maioria das vezes, impossibilita a sua aquisição.

Entretanto, se na rotina dos pais ocorre a inclusão da leitura, à criança soará natural o ato de ler. Além disso, pais que procuram conhecer e debater sobre livros, histórias, demonstram interesse por aquele mundo da criança. Cristiane M. Oliveira (2007) afirma a importância e as atitudes dos pais para o incentivo da leitura, pois a descoberta da magia da leitura se dá numa fase em que a ligação entre pais e filhos ainda é muito grande. Por conta disso, o afetivo está intimamente envolvido com esse processo. Se o momento de leitura na infância se associa a momentos de prazer, forma-se uma relação positiva com os livros, que é o embrião de um adulto leitor.

Se a leitura ressignifica o humano e o mundo que o cerca, então incitar a criança a explorá-la, propiciar o contato com a literatura de forma prazerosa, deverá ser um dos principais objetivos, tanto da escola quanto da família e da sociedade. Os papéis no incentivo à leitura não se excluem, mas se complementam. A eles cabe compreender a sua importância e assumi-la, contribuindo, assim, para a formação de leitores.

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

3 A IMAGEM: LUGAR ESPECIAL

Quando contamos uma história, fazemos uso de estruturas próprias da linguagem oral, podendo incluir aos componentes verbais gestos, entonação e pausa. Na formação de leitores, é preciso somar outros elementos à linguagem verbal. Um deles é a linguagem não verbal, que se utiliza de signos visuais.

Ainda que no tópico precedente defendemos o texto infantil na perspectiva dialógica e no sentido de favorecer a imaginação e a fantasia, somos uma civilização vinculada à linguagem imagética, pois através da visão percebemos figuras, cores, formas e movimentos. Através de uma imagem, atribuímos qualidades aos objetos e ao espaço, reconhecendo-os e identificando-os. Podemos então afirmar que a imagem cumpre a função de mediadora entre o espectador e a realidade.

Nesse sentido, os livros com imagens destinados ao público infantil ganham força desde a década de 1920, quando pesquisas no campo da psicanálise, ligadas ao âmbito pedagógico, confirmaram que as imagens favorecem o estabelecimento de relações entre o concreto e o abstrato.

Um dos pioneiros na idealização de materiais com figuras influenciando a renovação da literatura tanto na Europa quanto nas Américas foi o francês Paul Faucher. A produção desses livros surge em consonância com os avanços da psicologia e os ideais do movimento Escola Nova, que propôs uma mudança de foco no processo pedagógico, contrapondo-se à escola tradicional. Em 1927, Faucher interessou-se pelas ideias pedagógicas do tcheco Frandisck Bakulé. Esse encontro instigou o francês, que, atento às descobertas da psicologia experimental aplicada à pedagogia, tendo em vista os estágios de amadurecimento físico e psicológico da criança, explora, cada vez mais, livros e materiais com linguagem não verbal, que, no entender de Faucher, são capazes de instigar a imaginação e inteligência das crianças. (COELHO, 2000).

UNI

O estudo da psicologia aplicada à pedagogia preconiza que o conhecimento se processa basicamente pelo contato direto da criança com o mundo que a cerca. Daí a dizer que a linguagem imagética, presente na literatura infantojuvenil, auxilia na construção das percepções e propicia uma “primeira entrada” na interpretação de um texto, porque é componente importante na atribuição de significados. Dessa forma, o texto ilustrado desempenha um papel fundamental no processo de leitura e ampliação de sentidos.

Nas livrarias circulam as mais diversas publicações de livros quanto ao formato, tamanho, assuntos ou temas, com histórias contadas unicamente através de imagens ou fotos. Esse “novo formato” de material desperta o interesse do público infantojuvenil. Observe o exemplo a seguir:

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TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

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FIGURA 15 – CAPA DO LIVRO: MARCELO, MARMELO, MARTELO E OUTRAS HISTÓRIAS

FONTE: ROCHA Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. RJ: Salamandra, 1976.

A capa do livro em questão favorece discussões sobre o personagem, o texto escrito, enredo e espaço. A partir da imagem é possível antecipar hipóteses e fazer inferências, levando o jovem leitor a expor as suas opiniões.

Imagens como esta possibilitam o primeiro contato com a história a partir dos desenhos e cores. A criança, frente a esse objeto, poderá contar e recontar histórias, criar roteiros, cenários, personagens, cenas e espaços, sem necessariamente a intervenção do adulto. A criança exercita a imaginação para, em seguida, descrever o que observou, desenvolvendo a habilidade oral e/ou por meio de rabiscos. É nesse fazer que ela inicia a relação com a linguagem escrita, ao tentar reproduzir o que viu no livro. “A criança que exercita a observância das imagens alarga a percepção tátil, uma vez que, ao passar os dedos sobre as imagens de um livro, tenta construir hipóteses de sentido, apropriando-se de uma leitura específica, uma leitura imaginária ficcional”, enfatiza Eliane Debus (2006, p. 36). O olhar é despertado pelo colorido do livro, pela capa, um convite à imaginação, que estimula o prazer.

Alguns estudiosos, como Bruno Bettelheim, no entanto, contestam o uso da ilustração em textos infantis, alegando que estas já chegam preenchidas ao imaginário do leitor, não deixam espaço para outras possibilidades estabelecidas a partir do leitor-criança. Esses livros não deveriam conter ilustrações, pois a criança, ao ler ou ouvir histórias, elaboraria, de acordo com sua experiência, as figuras e imagens do que estaria lendo ou ouvindo. “Um conto de fadas perde muito de sua significação pessoal quando suas figuras e situações recebem substância, não

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

através da imaginação da criança, mas de um ilustrador” (BETTELHEIM, 2007, p. 76). Para este autor, as ilustrações limitariam a capacidade cognitiva do jovem leitor.

Já para Ramos e Panozzo (2005, p. 38), tanto a linguagem verbal quanto as ilustrações devem ser exploradas: “Pensar o livro infantil apenas pela perspectiva da palavra implica ignorar parte de sua significação, uma vez que o leitor apreende a obra na sua totalidade, ou seja, congregando as linguagens que a constituem”.

Para Nelly Novais Coelho (2000), os livros com ilustrações exercem forte atração por meio da capa, do colorido, dos desenhos das personagens, favorecendo o exercício da capacidade inventiva, pois possibilitam associações e inferências. As imagens materializam a palavra do artista. Ao ser estimulado a observar detalhes das imagens, cores, traços, distribuição dos elementos no papel, relação entre imagem e escrita, estará o adulto ajudando o jovem leitor a apurar sua percepção e reestruturar o modo de ver, reconhecer e julgar.

Para elucidar essa questão, observe o livro Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. Esse livro conta a história de Marcelo, um menino muito curioso e esperto que procura entender o significado das coisas e por que elas são como são. “Marcelo vivia fazendo perguntas a todo mundo: - Papai, por que é que a chuva cai? - Mamãe, por que é que o mar não derrama? - Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas? As pessoas grandes às vezes respondiam. Às vezes, não sabiam como responder”. (ROCHA, 1976, p. 3).

O livro mostra situações reais do cotidiano de um jeito que procura ser simples e de modo colorido. O livro é composto de três contos, cujas personagens são crianças que vivem na cidade. Elas resolvem seus impasses com muita esperteza e vivacidade; Marcelo cria palavras novas; Teresinha e Gabriela descobrem a identidade na diferença e Carlos Alberto compreende a importância da amizade.

FIGURA 16 – TRECHO DO LIVRO: MARCELO, MARMELO, MARTELO E OUTRAS HISTÓRIAS

FONTE: Disponível em: <http://educandocomocoracao.blogspot.com.br/2011/04/marcelo-marmelo-martelo.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

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TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

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Marcelo, personagem do livro, ajuda os pequenos leitores a perceberem que outras crianças também têm seus questionamentos. De maneira lúdica, Marcelo compartilha com os seus leitores uma relação prazerosa com a língua. E cada vez mais, para além do texto escrito, o mercado editorial enfatiza a linguagem não verbal, a ilustração. Nos livros contemporâneos as personagens e/ou os elementos das histórias saltam da página, divertindo e surpreendendo o leitor. Segundo Mattos (2006, p. 114), é “bastante comum que nesse tipo de publicação a história seja um pretexto para a introdução da brincadeira, o que, em absoluto, não compromete a qualidade da obra, que reside principalmente no projeto gráfico”.

A leitura sensorial, por meio da imagem, promove a curiosidade. “Esse jogo com o universo escondido num livro vai estimulando na criança a descoberta e aprimoramento da linguagem, desenvolvendo sua capacidade de comunicação com o mundo” (MARTINS 1994, p. 43). Sendo assim, é imperativo instigar a percepção imagética com o objetivo de ajudar o leitor no processo de construção do pensamento abstrato.

Não podemos esquecer de levar o leitor a perceber aspectos relacionados ao objeto, ao material do livro, iniciando pela capa, pelo formato do livro, título. Comentar cada ilustração, inclusive a da capa, o tamanho, as cores, o ilustrador, o tipo de letra, a organização das páginas, se em capítulos, se com subtítulos, se pertence a uma coleção, enxergando o livro como um todo. (ABRAMOVICH, 1989, p. 140).

De acordo com Abramovich, é preciso explorar ao máximo o livro infantil através de atividades, a fim de perceber que a leitura não é somente uma, mas múltipla, e que as imagens comunicam. Dessa forma, o texto imagético é mais uma possibilidade de leitura carregada de significados.

Nos livros contemporâneos, a ilustração, conforme já dissemos, não dispensa o texto escrito, mas estimula o senso estético e contribui para a leitura da imagem, isso porque, para as crianças pequenas, os desenhos favorecem a criação de hipóteses acerca do que está escrito. Dito de outro modo, a imagem antecipa o sentido do texto (DEBUS, 2006).

Vejamos, agora, o livro A caligrafia de dona Sofia, de André Neves, cujo texto se constitui em uma narrativa poética, e as ilustrações, elementos que favorecem a recepção.

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

FIGURA 17 – A CALIGRAFIA DE DONA SOFIA

FONTE: Disponível em: <http://anynha-proletramento.blogspot.com.br/2010/07/paulinas-prazersaber-sabor-e.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

A narrativa assim se inicia: “Na mais alta colina entre as colinas que guardam a cidade, existe uma casa diferente de todas as outras, com paredes decoradas com poemas” (NEVES, 2006, p. 2).

O livro enfatiza a caligrafia de uma professora aposentada que desenha as letras e demonstra como a poesia está presente em sua vida. Para a personagem, um mundo repleto de luz e sensibilidade: “Não haveria quem não pudesse dizer que ali as paredes recitavam, cada canto vivo cuidado com emoção e a caligrafia em estilo que só Dona Sofia sabia” (NEVES, 2006, p. 2).

Dona Sofia mora sozinha e sua paixão pela leitura leva-a a escrever os poemas preferidos a fim de que não ficassem escondidos nos livros. “Os anos foram passando e um belo dia Dona Sofia percebeu que não havia mais espaço para escrever. O que faria, então? Não queria deixar as poesias escondidas nos livros” (NEVES, 2006, p. 2).

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TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

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Desse modo, decorou as paredes de sua casa com poemas de diversos escritores, como, por exemplo: Roseana Murray, Fernando Pessoa, Bartolomeu Campos de Queirós, Castro Alves, Florbela Espanca, Carlos Drummond de Andrade, Elias José, Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Gláucia de Souza, Garcia Lorca, Machado de Assis, Casimiro de Abreu, Sérgio Capparelli, entre outros.

FIGURA 19 – POESIAS DECORADAS NAS PAREDES POR DONA SOFIA

FONTE: Disponível em: <http://anynha-proletramento.blogspot.com.br/2010/07/paulinas-prazersaber-sabor-e.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

A professora decide enviar os cartões poéticos a todos os moradores da cidade. “Com letra de caprichosa moça, a professora aposentada decidiu-se pelos cartões poéticos — prensando flores sobre o papel, colhendo palavras com sua florida caligrafia —, endereçando-os a todos os moradores da pequena cidade” (NEVES, 2006, p. 2). É nesse momento que entra em cena seu Ananias, o carteiro que passa a ajudar Dona Sofia a entregar cartões: “Mais uma vez, quando o alvor da aurora surgiu no céu, Seu Ananias começou a percorrer a cidade de casa em casa. Mas não entregava cartas. A cada morador ele contava o quanto tinha aprendido com Dona Sofia e como aquela senhora havia mudado aos poucos a vida da pequena cidade, sem ninguém perceber” (NEVES, 2006, p. 4).

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

FIGURA 20 – ANANIAS: O CARTEIRO

FONTE: Disponível em: <http://encantamentosdaliteratura.blogspot.com.br/2009/04/caligrafia-de-dona-sofia-andre-neves.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

O enredo demonstra uma senhora preocupada em sensibilizar os demais moradores da cidade à leitura de poemas. Dona Sofia era conhecedora das sensações e emoções que as palavras provocavam. O livro sugere que a vida pode ser melhor se espalhássemos poemas pelo mundo.

A criança poderá ser orientada a explorar as imagens, as cores, enfatizando a relação destas com o texto. Com base nas considerações, a pretensão é enfatizar que muitos livros exploram, além do enredo, a imagem. O intento é o de atrair o leitor, neste caso a criança, cujas sensações, embora subjetivas, comovem e divertem. Assim, no contexto de sala de aula, pode o professor propor a leitura da imagem, estimulando inferências e hipóteses, com perguntas do tipo: O que sugere a imagem? Quem aparece? Como é a imagem? Será um texto engraçado ou triste?

Para complementar a nossa sugestão de metodologia sobre a leitura de imagens, trazemos um texto extraído da revista Nova Escola, que apresenta um roteiro

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TÓPICO 2 | A RELAÇÃO: LIVRO E A CRIANÇA

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para atividades ligadas à cultura visual. O diferencial é fazer sempre a relação com a realidade do aluno:

1) Descrever

Para aproveitar tudo o que uma imagem pode oferecer, os olhos precisam percorrer o objeto de estudo com atenção. Então o professor deverá solicitar de todos um relato do que veem, elaborando um inventário, descrevendo detalhadamente o que estão vendo. As observações podem ser elencadas no quadro.

2) Analisar

É um momento destinado à percepção de detalhes. Neste caso o professor poderá dirigir algumas perguntas, objetivando estimular o aluno a prestar atenção na linguagem visual e seus elementos.

3) Interpretar

Eleja com a turma outras manifestações visuais que tratem de tema semelhante ao que está sendo abordado na imagem, estimule-os a fazer comparações (cores, formas, linhas, organização espacial etc.).

4) Fundamentar

Elabore com a turma uma lista de aspectos que provocaram curiosidade sobre o livro, a imagem e o autor. Pesquise em conjunto ou divida a turma para que busquem respostas às dúvidas.

5) Revelar

Discuta como gostariam de expor as ideias encontradas. Quais são e como comunicá-las? É hora de criar, desenhar, e escrever. [...]

FONTE: Extraído e adaptado de: REVISTA NOVA ESCOLA. Prática pedagógica: Artes visuais. Abril, 2003.

Caro(a) acadêmico(a) além do livro A caligrafia de dona Sofia, outros livros infantojuvenis contêm as características para a abordagem da leitura imagética. Veja a seguir a relação de livros retirada da Revista Crescer que poderá ser ampliada com a colaboração dos colegas.

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

FIGURA 21 – RELAÇÃO DE LIVROS INFANTOJUVENIS

FONTE: Extraído e adaptado de: Revista Crescer e publicada na edição do mês de junho de 2007.

Aumente sua lista, trocando experiências e sugestões sobre livros infantis com os colegas. Anote o nome dos livros aqui: ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________.

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Neste tópico você viu:

• Uma das metodologias que pode ser utilizada em sala de aula envolve o contato com os livros e, geralmente, a criança quer repeti-la. Essa relação forma a opinião da criança, que passa a estabelecer critérios de seleção do que quer ler.

• É importante que o professor seja o mediador no contexto das práticas escolares de leitura literária, na medida em que ele opera escolhas de narrativas, poesias, teatros, contos, fábulas, autores, enfim, escolhas variadas de gêneros literários e estratégias de atividades a serem desenvolvidas em sala de aula.

• Para a formação de leitores, podemos destacar algumas proposições: que escolas e salas de aula disponibilizem livros e outros materiais de leitura, atentem para a leitura livre, promovam momentos de leitura entre aluno e professor. Vale ressaltar que o professor deveria também ser um leitor assíduo, de modo a acompanhar o movimento editorial infantil e juvenil.

• É papel da escola sensibilizar para o hábito da leitura. A preocupação básica deveria ser a formação de leitores abertos e capazes de absorver o que uma boa história proporciona.

• A contação de histórias estimula o uso de estruturas próprias da linguagem oral, componentes verbais, gestos, entonação e pausa. É preciso somar outros elementos à linguagem verbal, um deles é a linguagem não verbal, que se utiliza de signos visuais.

• Uma imagem contém qualidades aos objetos e ao espaço, e cumpre a função de mediadora entre o espectador e a realidade.

• A linguagem imagética, presente na literatura infantojuvenil, auxilia na construção das percepções e propicia uma “primeira entrada” na interpretação de um texto, porque é componente importante na atribuição de significados.

• A criança, frente ao livro de imagens, poderá contar e recontar histórias, criar roteiros, cenários, personagens, cenas e espaços, sem necessariamente a intervenção do adulto.

• Os livros com ilustrações exercem forte atração por meio da capa, do colorido, dos desenhos das personagens, favorecendo o exercício da capacidade inventiva, pois possibilitam associações e inferências.

• As imagens materializam a palavra do artista. Ao ser estimulado a observar detalhes das imagens, cores, traços, distribuição dos elementos no papel, relação entre imagem e escrita, o adulto ajuda o jovem leitor a apurar sua percepção e reestruturar o modo de ver, reconhecer e julgar.

RESUMO DO TÓPICO 2

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Caro(a) acadêmico(a), neste tópico enfatizamos a leitura de imagens como uma atividade que estimula o olhar. Com o intuito de exercitar a criatividade, a escrita e a imaginação, propomos a seguinte atividade: elabore uma história a partir da leitura da imagem que segue. Lembre-se de dar um nome à história e à personagem. Lembre-se também de que toda narrativa apresenta uma estrutura.

AUTOATIVIDADE

FIGURA 22 – IMAGEM PARA ELABORAÇÃO DE UMA HISTÓRIA

FONTE: Disponível em: <http://meninasemarte.wordpress.com/tag/ilustracao/>. Acesso em: 10 abr. 2013

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TÓPICO 3

EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A leitura – enfatizamos – é um meio de descoberta do mundo. O ser humano, ao longo da vida, se desenvolve através da leitura. Mas ler não significa apenas identificar as palavras, significa compreender e interpretar. É nesse sentido que destacamos a importância da literatura na infância, pois é neste período que inicia uma relação especial com o livro.

O objetivo da literatura no ambiente escolar é a formação do leitor e deve, para isso, criar entre alunos e obras literárias uma atitude de curiosidade pelos livros, de interesse pelo descobrimento, de encantamento. Essa relação poderá ser construída privilegiando a leitura de obras na sala de aula e as conversas informais que provoquem discussão sobre o que é lido.

Apresentar diversidade de gêneros significa apontar para objetivos e interesses criados coletivamente para a linguagem como mediadora da compreensão do mundo e do autoconhecimento. Para tanto, o professor deverá adotar uma postura que privilegia a polissemia, o dialogismo, permitindo que:

Alunos e professores falem com suas vozes o discurso das suas vidas, que lhes dá chance de somar suas falas às dos colegas, para contestar, concordar, sair do mundo escolar a partir do texto, buscando outras referências, colhidas na TV, na música, no humor, nas histórias e fatos do bairro, no trabalho, no namoro, enfim, nesse todo que é o conhecimento que eles dominam. (SANTA CATARINA, 2005, p. 41).

O professor, neste fazer, deverá contemplar histórias do dia a dia, contos, fábulas, lendas, parlendas, músicas, poesia, novela, crônica, piadas, filmes, romances, histórias em quadrinhos, ou seja, uma prática pautada no contato com os diversos gêneros textuais. Apresentamos, a seguir, algumas possibilidades de atividades a serem realizadas com o jovem leitor, estas, no entanto, já são conhecidas. Assim, nossa pretensão é tão somente refletir que o sucesso depende de ações planejadas com objetivos bem definidos.

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

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2 LEITURA DO MUNDO: A LITERATURA

Vejamos algumas possibilidades de práticas, propondo atividades, como, por exemplo, a roda de leitura. Um momento de contato, primeiramente individual, com a literatura, para em seguida integrar-se com o grande grupo, expondo as leituras, a elaboração de comentários, de análise e reconhecimento da palavra. É no conjunto dessas atividades que se amplia o vocabulário e a troca de informações que podem aguçar a curiosidade por novas leituras.

FIGURA 23 – RODA DE LEITURA

FONTE: Disponível em: <http://escoladavila.wordpress.com/2010/03/18/voce-adivinhou-eu-adorei-o-livro-que-me-indicou/blog57/>. Acesso em: 5 out. 2012.

Ainda na roda de histórias, o professor, junto com os alunos, procede a contação de histórias, prática que favorece a escuta e a oralidade. Essa atividade poderá ser incrementada com o objetivo de exercitar a leitura de obras mais extensas. Neste caso, a escolha das obras para leitura deverá ser dosada com a leitura de um determinado número de páginas ao dia. Este procedimento provocará suspense sobre o desenrolar da história.

O professor poderá também elaborar com a classe um quadro que indique quais obras foram lidas em sala de aula ou quais os alunos gostariam de ler durante o próximo mês ou semestre.

Lembre-se de que Sherazade, personagem de As mil e uma noites, utilizava esta estratégia para prender a atenção do sultão

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TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

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Ao mesmo tempo, você, futuro(a) professor(a), atente para os temas propostos que são abordados nestas histórias, como amizade, ambição, preconceito, coragem, responsabilidades, vida, morte. O(A) professor(a), ao propor a prática do contar, estimula o ler literário, propicia o encontro entre as crianças e a produção que lida simbolicamente com o real.

A língua, seja na modalidade falada ou escrita, aponta para a organização de uma sociedade, suas ideias, pensamentos, valores e traços de sua cultura. Esses reflexos podem ser encontrados na literatura, que desvela, por intermédio da narrativa, experiências de épocas e sociedades distintas. Inicialmente, as narrativas eram propagadas oralmente, garantindo o relembrar e o transmitir a sabedoria às gerações futuras.

Prática muito antiga e universal, na qual as histórias narradas eram e são, ainda hoje, momentos de trocas, união, diversão e reflexão. Uma mesma história pode ser narrada em lugares distintos, e poderá apresentar variações quanto às palavras empregadas, quanto à sequência, aos elementos empregados e ao enredo.

Porém, as inovações ou variações realizadas pelo contador devem ser

aceitas pelos ouvintes, somente assim poderão fazer parte do repertório coletivo da tradição. É nesse sentido que o espectador participa da criação e transformação da cultura popular.

No momento da narração, palavras ou frases se repetem, como é o caso das expressões “era uma vez” e “viveram felizes para sempre”. Uma palavra, uma pausa, um tom de voz... Adéqua-se o gesto à história narrada, com o intuito de envolver a plateia. Para as crianças e adolescentes, ouvir histórias poetizadas, cantadas, é um sedutor exercício de investigação e experimentação e, portanto, construção de conhecimento. O narrador com arte prende a atenção do ouvinte.

De acordo com esse pensamento, fomentar o imaginário por meio da contação

de narrativas, de histórias diversificadas, favorece o contato do aluno com a cultura escrita, tornando-o inquieto pelo desejo do ler. Cléo Busatto relata algumas nuances que auxiliam no momento de elaborar uma atividade que envolva o contar histórias.

Para a autora, contar histórias é diferente de representar, entretanto, ao se iniciar a contação, começam a surgir os primeiros sinais de que a representação está ali inserida. Neste fazer colocamos em ação também a linguagem teatral, um recurso didático rico, porém algumas distinções se fazem necessárias:

No teatro buscamos o gesto exato de cada personagem, sua voz, seu pensamento, de tal maneira que ele se apresente inteiro para quem esteja assistindo. Na narrativa este personagem será concebido pelo ouvinte através dos elementos oferecidos pelo narrador, muitas vezes não mais que meia dúzia de palavras, as quais fornecem elementos suficientes para que o personagem crie vida na imaginação do ouvinte. (BUSATTO, 2003, p. 74).

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O teatro é a arte de apresentar, ou melhor, representar as ações da narrativa e a arte de descrever as ações. No entanto, isso não nos impede de nos apropriarmos da linguagem teatral no momento da contação. “O que deve orientar a atividade de contação é manter a característica do narrar e não deixar que se sobressaia a do representar teatralmente” (BUSATTO, 2003, p. 74). Tal postura garante ao ouvinte “a possibilidade de imaginar os personagens e as suas ações, sem determinar através de um corpo e uma voz como é aquele personagem, e qual é a ação que ele está executando” (BUSATTO, 2003, p.75).

Na contação, é o narrador a conduzir a história. Um gesto, uma mudança de tom de voz, remeterá a criança ao mundo da imaginação, do faz de conta.

Exemplificando: a autoridade de um pai poderá ser traduzida por um pequeno movimento de mão, acompanhado da sua intenção correspondente. Isto, aliado à fala do pai, é o suficiente para a criança imaginar como ele impõe respeito. Não é preciso mudar a voz, mesmo porque seria muito fácil cair na caricatura da autoridade. O Lobo Mau não precisa falar grosso para demonstrar a sua ferocidade. Um desenho no ar, um pequeno tom já traduz a sua malvadeza. O que podemos carregar do teatro é justamente a intenção que carrega um ritmo preciso. (BUSATTO, 2003, p. 75).

O narrador deverá ter o cuidado de não exagerar nos gestos, considerando o fato de levar ao ouvinte a imagem visual. Ainda segundo Busatto (2003, p. 76), narrar em pé é mais estimulante, assim o contador poderá observar esta ocupação espacial e os ouvintes à sua frente, “buscar os olhos de cada um, propondo e mantendo uma atitude intimista”.

O uso de objetos também poderá ser explorado como recurso. Estimular a partir do uso de objetos não significa que se deva usar os objetos descritos pelo conto:

Você até poderá se munir de alguns objetos comuns, como caixa de fósforos, palitos, lápis e borracha, e fazer deles os personagens de uma história, porém isso faz parte de outra técnica: é teatro de animação de formas. Não é assim que vejo o uso de elementos durante uma narrativa, porém não fecho esta questão em certo X errado. O que exponho aqui é apenas a minha forma de enxergar a técnica. (BUSATTO, 2003, p. 77).

Sendo assim, ao contar histórias podemos nos apropriar dos elementos do teatro, mas com bom senso. É importante que o uso da linguagem teatral, de objetos e outros recursos não esclareça tudo, que a imaginação faça a sua parte, que cada ouvinte “retire do conto aquilo que necessita, e que a partir dele se faça um estimulante exercício imaginativo” (BUSATTO, 2003, p. 77).

A contação deve ser preparada cautelosamente: leia boas versões, escolha histórias que tocam seu coração, “a ponto de fazer com que você disponha do seu tempo para prepará-las, e depois narrá-las a quem deseja ouvir” (BUSATTO, 2003, p. 77). Após a escolha, atente que a dinâmica de contar e ouvir é de grande valia em sala de aula, pois sempre fascinaram, uma vez que os alunos compartilham leituras.

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TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

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Todos os gêneros podem ser explorados para a atividade de contação. Destacamos aqui as fábulas. Estas devem fazer parte do repertório, uma vez que promovem discussões em torno de temas como a solidariedade, a desigualdade, a vaidade, a vida, a morte. Narre-as e proponha debates sobre:

l A atualidade do tema.;l A moral destacada na contemporaneidade;l Mudanças ocorridas; l Contrapontos com textos escritos recentemente.

Outro modo de expandir a leitura da literatura e o conhecimento é propor uma atividade cujo objetivo é encontrar elementos intertextuais pela comparação entre dois ou mais textos. O aluno, durante a leitura, identifica quais elementos estão presentes que podem fazer referência à forma, às personagens, ao tema, a palavras, a frases. Feita a leitura e a constatação dos aspectos intertextuais. O professor poderá ainda propor que os alunos elaborem o seu próprio texto, tendo por base uma história, um desenho, um quadro. O objetivo dessa atividade é considerar a intertextualidade como uma possibilidade dialógica que contribui para a leitura e escrita.

Lembre-se de que a intertextualidade pode ser entendida como a superposição de uma frase, um tema, uma personagem, uma imagem, um texto da literatura a outro texto. Está presente nos livros, nas propagandas, novelas, filmes. Proponha um estudo comparativo, por exemplo, entre Chapeuzinho Vermelho e as versões desse clássico, a exemplo de: Capuchinho Vermelho, de Charles Perrault, e Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm, observando a intertextualidade com textos mais contemporâneos: Chapeuzinho Vermelho de Raiva, de Mário Prata, Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, Fita Verde no Cabelo, de Guimarães Rosa, Cabelinho Vermelho e Lobo Bobo, de Ronaldo Bôscoli e Carlos Lyra, e Chapeuzinho Verde, de Augusta Faro.

FIGURA 24 – TÍTULOS DE VÁRIOS LIVROS INFANTIS

FONTE: Disponível em: <http://lpressurp.wordpress.com/2010/03/22/projeto-de-leitura-%E2%80%9Cque-historia-e-essa%E2%80%9D/>. Acesso em: 5 out. 2012.

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Essa análise possibilita observar, além da intertextualidade, aspectos ligados às normas e valores de épocas distintas, uma proposta de leitura que configura uma sociedade emancipatória e democrática.

Outra categoria editorial que vem ganhando força são livros nos quais prevalece a função referencial, transmitindo a informação objetivamente, de forma precisa e denotativa. É a linguagem do jornalismo, dos noticiários. Está centrada no referente, ou seja, naquilo de que se fala, geralmente escrita em terceira pessoa, com frases estruturadas na ordem direta.

Entretanto, muitos dos livros de cunho informativo revelam alguns parâmetros estéticos e, para tanto, se valem de recursos lúdicos e artísticos. Para Mattos (2006, p. 115), tais publicações devem ser avaliadas “a partir de um duplo critério: o primeiro diz respeito à correção, adequação e pertinência do seu conteúdo informacional; o segundo, à qualidade de seu discurso artístico e estético”.

Sendo assim, aproprie-se destes textos com o escopo de aprimorar a função referencial da linguagem característica de um texto informativo. Para tanto, aproveite as histórias que vão desde contos tradicionais e/ou até as aventuras encontradas nos livros de Harry Potter poderão servir de texto base.

Vejamos: você pode narrar a história, por exemplo, Chapeuzinho Vermelho, solicitando aos alunos que atentem para os acontecimentos que vão sendo arrolados. Em seguida, proponha a elaboração de uma notícia de jornal, informando: o que aconteceu com a menina e sua avó, o lobo, o caçador, o rapaz, o bruxo... Suscite questões que auxiliem o aluno a escrever a notícia: O que aconteceu? Onde? Quem estava envolvido? Por quê? Quando? Como? Além disso, o texto deverá conter uma manchete interessante, com letras em destaque e com um título curto, devendo ser clara, objetiva, informativa e de fácil compreensão. A cada parágrafo o aluno deverá acrescentar um dado novo. Mostre ao aluno como são elaborados estes textos, utilize jornais que circulam na cidade, exemplificando a dinâmica de construção do texto:

a) o primeiro parágrafo apresentará um resumo do fato;

b) o segundo informará onde e quando o fato ocorreu e quais as pessoas envolvidas;

c) os demais parágrafos deverão relatar a sequência dos fatos, até finalizar a notícia. Importante também é abrir espaço para falar desinteressadamente sobre

leituras, recomendação de leituras, promover júris, audição de músicas, sessões de vídeos e de filmes de interesse do grupo, e, de acordo com a idade dos alunos, estabelecer relações e provocar neles a curiosidade para que investigue o momento histórico e social no qual autor e obra estão inseridos, fazê-los observar possíveis intenções do autor, o gênero, a escola literária, o momento político, o pensamento filosófico predominante (SANTA CATARINA, 2005).

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Aproveite estes momentos para discutir questões pertinentes à ambiguidade que envolve muitas manchetes de jornais e revistas. Estabeleça relações, explore os conhecimentos prévios dos alunos e levante questões pertinentes ao texto. Tenhamos em mente que quanto mais a criança for exposta ao exercício de leitura de vários gêneros e temas, mais ela perceberá o poder da palavra e a ação da linguagem sobre o pensamento humano. E ainda, a diversidade dos textos, sem dúvida, possui o intento de atender às necessidades de um público que tem gostos, interesses e demandas diferentes e favorecerá a função de conquistar o jovem para a leitura da palavra, de garantir o desenvolvimento da criatividade, da criticidade, para que haja e interaja com seus pares e exerça a democracia.

Vale ainda ressaltar a necessidade de evidenciar aspectos pertinentes à linguagem do texto literário. Uma ideia é possibilitar o contato com textos de autores diversos e/ou gêneros diversos, mas que abordem a mesma temática, a exemplo da temática que envolve amor e traição. Sendo assim, programe aulas com autores que escreveram histórias com esses temas, assista a um filme que aborde a mesma temática explorando visões e épocas diferentes. Quem sabe, aborde a traição a partir de escolas literárias distintas. Para tanto, escolha Madame Bovary, do autor Gustave Flaubert, e São Bernardo, de Graciliano Ramos. Neste fazer, questione as verdades, os estereótipos, investigue comportamentos, compare estilos, o início e o final das tramas, confronte a linguagem cinematográfica com a literária.

Outra possibilidade que deve ser explorada em sala de aula é a de comparar estilos de autores, épocas e nacionalidades distintas. A título de exemplificar, comparamos o estilo do escritor brasileiro Machado de Assis com o do escritor italiano Luigi Pirandello. Elencamos algumas características que revelam semelhança nos escritos desses dois autores: o humorismo e a conversa do narrador com o leitor.

Luigi Pirandello nasceu em Agrigento, na Sicília, em 28 de junho de 1867. Fez seus estudos universitários em Palermo, Roma e na Alemanha, concluindo o curso de Filologia. Tornou-se professor de uma instituição de ensino médio e deu aulas particulares. Pirandello, além das aulas, intensificou sua produção literária. Em 1889 foi editado o primeiro livro do autor, Mal Giocondo. O escritor morreu em 10 de dezembro de 1936, em Roma, no mesmo ano em que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, não só pelo conjunto de sua obra, mas, principalmente, pelo sucesso de não só levar aos palcos histórias de aristocratas e burgueses, mas uma nova forma de teatro, o “teatro no teatro”. Foi o próprio Pirandello que assim nomeou o seu teatro, talvez pelo fato de o autor fazer uso da metalinguagem. Suas personagens discutiam seus próprios papéis, a influência do autor da peça e, de certa forma, a relevância do teatro para a vida de um povo. Das obras traduzidas para o português que corroboraram para o reconhecimento do autor como romancista e dramaturgo no Brasil, destacamos: O Finado Matias Pascal; Seis personagens à procura de um autor; Henrique IV; Um, nenhum e cem mil; Os velhos e os moços; O humorismo; Esta noite se representa de improviso; Cada um a seu modo.

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Quanto à presença do humorismo, destacamos que a visão naturalista e realista não retratava completamente a complexidade do subjetivismo, o ser e seu íntimo. Pirandello e Machado de Assis assinalam várias de suas obras com esse toque de humorismo.

Conforme Pirandello, um escritor poderia fazer uso da ironia, da comicidade ou do humorismo. Cada qual possui características distintas, embora sutis, muito bem descritas em seu ensaio O humorismo, de 1908. Para Pirandello, o humor é diverso do cômico, este não leva à reflexão. É do humor que surge a reflexão, a partir da qual a representação frente à realidade passa a ser profunda, pois ao se refletir, abrir-se-á mão do divertimento. Em citação do próprio autor, neste ensaio, tem-se a explicação:

Vejo uma velha senhora, com os cabelos retintos, [...] toda ela torpemente pintada e vestida de roupas juvenis. Ponho-me a rir. [...]. Assim posso, à primeira vista e superficialmente, deter-me nessa impressão cômica. [...] advertimento do contrário. Mas se agora em mim intervém a reflexão e me sugere que aquela velha senhora [...] pensa que, assim vestida, escondendo assim as rugas e as cãs, consegue reter o amor do marido, muito mais moço do que ela, eis que já não posso mais rir disso como antes, porque precisamente a reflexão, trabalhando dentro de mim, me leva a ultrapassar aquela primeira advertência, ou antes, a entrar mais em seu interior: daquele primeiro advertimento do contrário ela me fez passar a esse sentimento do contrário. E aqui está toda a diferença entre o cômico e o humorístico. (PIRANDELLO, 1999, p. 147).

Há que se considerar que não há nada de inocente no humorismo pirandelliano, ou no humorismo machadiano. É para o leitor que é dado a interpretar, inferir, concluir sobre fatos aparentemente insignificantes, temperados com humorismo, os dissabores da vida. A dor é disfarçada de riso. A essência do humorismo é a do riso, que se encontra próximo ao doloroso.

Já Machado de Assis inicia o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas fazendo uso desse recurso: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas” (ASSIS, 1994, p. 1).

Nos escritos do italiano Pirandello, traços desse humor podem ser percebidos quando o protagonista do romance O finado Matias Pascal nos leva ao riso ao narrar o fato de seu olho esquerdo não acompanhar o direito, como no dia em que resolveu começar a ser leitor: “[...] e sim senhores comecei a ler, eu também e, só com um olho, porque o outro se recusava a semelhante prática”. (PIRANDELLO, 1970, p. 98); ou quando narra sua alegria por finalmente, em seu primeiro emprego – bibliotecário –, encontrar uma ocupação:

De vez em quando, das prateleiras se precipitavam dois ou três livros, acompanhados de certos ratos, tão grandes quanto coelhos. Foram, para mim, como a maçã de Newton. [...] E, para começar, escrevi um elaboradíssimo requerimento [...] a fim de que fosse com a maior urgência provida [a biblioteca] de pelo menos uns dois grandes gatos,

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TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

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cuja manutenção não acarretaria despesas à Administração Pública. (PIRANDELLO, 1970, p. 96).

Ou ainda, quando vai “visitar-se” no cemitério, “[...] de vez em quando vou

até lá, para me ver morto e sepultado” (PIRANDELLO, 1970, p. 281).

Observe que nestas passagens a reflexão abre espaço para múltiplas interpretações e significados: sujeito dividido entre seguir as regras íntimas ou aquelas impostas pela sociedade, um indivíduo fragmentado; uma sociedade fadada à ignorância, longe dos livros; com objetivo.

No romance Memórias póstumas de Brás Cubas, o narrador narra em primeira pessoa. A personagem narra postumamente, ou seja, após sua morte. Um defunto-autor e não um autor-defunto, alguém que já não pertence mais a este mundo, é quem decide escrever suas memórias. Assim, podemos dizer que a história se desenrola em dois tempos: um psicológico, no qual o autor além-túmulo relata sua vida com digressões que se afastam da ordem temporal linear. Quanto ao tempo cronológico, podemos destacá-lo nos acontecimentos que obedecem à ordem lógica e linear: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte.

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As personagens pirandellianas e machadianas contam sua vida e intercalam a narração, em primeira pessoa, com frequentes explicações para quem as “escuta”, justificam para si e explicam aos outros os acontecimentos que motivaram seus atos.

O protagonista provoca o leitor em uma série de afirmações, interrogações, exclamações, por vezes imperativas, em outras como que num pedido de desculpas, provocando o leitor.

A intromissão é recorrente nos romances pirandellianos. O fragmento retirado do romance Um, nenhum e cem mil marca esse recurso:

Eu queria estar só de modo inusitado, totalmente novo. O oposto do que vocês pensam: isto é, sem mim e, portanto, com um estranho por perto.- Isso já lhes parece um primeiro sinal de loucura?Pode ser que a loucura já estivesse em mim, não nego, mas peço que acreditem que o único modo de se estar realmente só é este que lhes digo. (PIRANDELLO, 2001, p. 29).

Para Compagnon (2003, p. 151), quando o autor faz uso dessa técnica,

“construir seu leitor da mesma forma que ele constrói seu segundo eu”, está reservando um lugar para o leitor, que poderá ocupá-lo ou não, julgar da mesma forma que o narrador ou não.

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Vejamos essa intromissão nos escritos de Machado de Assis. No romance Quincas Borba, o escritor contextualiza o leitor sobre quem é Quincas:

Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em Barbacena. Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana e parcos meios de vida; mas, tão acanhada que os suspiros no namorado ficavam sem eco. Chamava-se Maria da Piedade. Um irmão dela, que é o presente Rubião, fez todo o possível para casá-los. Piedade resistiu, um pleuris a levou”. (ASSIS, 1994, p. 3).

Outro fator que pode ser mote para o confronto de escritos, estimulando o

gosto pela leitura e a observância do engendramento dos textos escritos, poderia ser a análise das construções sintáticas. O escritor Pirandello resgatou as construções sintáticas próximas da linguagem falada e, para tanto, optou pelo colorido dialetal, o que de certa forma dá continuidade à herança linguística. De acordo com Cesarini e Federicis (1996), essa maneira singular de escrever permitiu mostrar como, na narrativa, as personagens manifestam uma identidade subjetiva não separada da sua cultura. O intento não era o de responder a gostos e a exigências de leitores, mas de “deixar falar” as personagens com sua vivacidade e singularidade. Nas palavras de Pirandello: “O movimento está na língua viva e na forma que se cria. E o humorismo, que não pode prescindir dela, encontrá-lo-emos - repito - nas expressões dialetais, na poesia macarrônica e nos escritores rebeldes à retórica” (PIRANDELLO, 1999, p. 76).

No Brasil o emprego de uma escrita mais próxima da fala na literatura tornou-se símbolo de identidade nacional. Essa tendência iniciou-se com o romantismo e pode ser detectada em autores como José de Alencar ou Gonçalves Dias, que empregavam expressões de origem indígena ou construções sintáticas utilizadas no Brasil, em suas obras. Entretanto, os escritos literários com ênfase em características nacionalistas culminam no Modernismo com Oswald de Andrade e Mário de Andrade, entre outros. Para tanto, leia Macunaíma, de Mário de Andrade. A obra revela uma escrita com idiomatismos, que são compreendidos dentro do contexto.

Escritores como José Lins do Rego e Graciliano Ramos, Jorge Amado ou Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, para citar alguns exemplos, estabelecem a partir de seus textos uma proximidade com a língua oral, falada no Brasil, dando uma cor local a suas obras.

Atentar para estes traços na obra é um convite à percepção estética. Como nos diz Umberto Eco (2003, p. 6), “um poder imaterial que de alguma forma pesa”, um convite à leitura por deleite, por curiosidade de desvendar os segredos da alma, por prazer em apreciar uma forma “especial” de linguagem que difere da forma cotidiana e, por isso, chamada de arte.

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Resumo da obra Um, nenhum e cem mil, de Pirandello: Vitângelo Moscarda, o protagonista, descobre quando sua esposa comenta, corriqueiramente, que o nariz dele inclina-se ligeiramente para a direita, fato nunca observado pelo protagonista, que entra em desespero ao se dar conta, a partir deste detalhe, que ele não é exatamente aquele que acreditava ser. Assim, dá-se início uma busca do conhecer-se entre um, nenhum e cem mil. O romance O finado Matias Pascal foi escrito em 1904, narra a história do pequeno burguês Matias Pascal, que pertencia a uma família abastada da região da Sicília, mas com a morte do pai e a contratação de Malagna, um administrador desonesto, a família acaba na miséria.Anos mais tarde, Matias casa-se com Romilda, um casamento necessário e problemático. Para sustentar a família, começa a trabalhar como bibliotecário. A vida miserável, tanto conjugal quanto financeira que leva, e a morte pela peste da mãe e da filha, fazem com que Matias resolva dar um basta e “foge” de sua casa e da cidade. Para na cidade de Monte Carlo, joga em um cassino e ganha quantia considerável em dinheiro. Pensa muito e resolve voltar para sua cidade e tentar salvar seu casamento. Na viagem para casa, ainda no trem, lê uma nota num jornal que o surpreende e o faz mudar de ideia: a notícia de seu suicídio. Sua pseudomorte servirá para que ele sonhe com a liberdade.

FONTE: Adaptado de: Encontro e confronto do (in) visível na tradução do romance Il fu Mattia Pascal de Pirandello. PASQUALINI, Joseni Terezinha Frainer, 2005, p. 50-53.

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Assim, diante da exposição de algumas peculiaridades desses escritores, vale ressaltar a importância de estabelecer como rotina a observância entre um e mais autores e gêneros, confrontando, analisando e fomentando a discussão em sala de aula.

O mesmo poderá ser planejado com poesias e com músicas. O desafio de se fazer descobertas em relação ao mundo da música, das artes, da moda e de comportamentos expande o conhecimento do gênero poético. O contato com as trovas, os desafios dos repentistas, a literatura de cordel, bem como as composições musicais das bandas contemporâneas, possibilitam o reconhecimento do que a sociedade estabelece por literário e não literário.

A poesia na escola promove a integração, possibilita a representação como forma de expressão corporal, desenvolve a eloquência, a autoestima e favorece a criatividade. Associada a outras formas de arte, cumpre na escola um papel integrador, na medida em que revela a essência da expressão do homem. Por sua ação sobre os processos emocionais, ela desencadeia a liberdade de criação, de troca, de espontaneidade e socialização.

A poesia pode ser entendida, se é que devemos entendê-la, como certo modo de “ver e sentir as coisas” carregadas de encanto. É a magia da palavra que se multiplica, porque a poesia é imagem, som, emoção e sensação.

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Para Nelly Novaes Coelho (2000, p. 222), “[...] o jogo poético, além de estimular o olhar de descoberta nas crianças, atua sobre todos os sentidos, despertando um sem-número de sensações visuais, auditivas, gustativas, olfativas, tácteis, comportamentais e outras”.

Nesse sentido, coloca-se a importância do espaço a ser concedido à poesia na escola e sua necessidade numa ação formadora. A poesia é uma das mais elaboradas formas de expressão verbal, é um trabalho da linguagem sobre si mesma. Na linguagem poética, as palavras se condensam de modo exato e belo, provocando encantamento.

Quando pensamos em poesia para o leitor infantojuvenil, precisamos refletir sobre as peculiaridades que revestem esse gênero, reveladas nos ritmos, nas imagens, nos temas, nas metáforas, na conotação, na subjetividade e na linguagem.

3 A DESCOBERTA DA POESIA

Além disso, é importante reconhecer que a partir da escrita nos meios eletrônicos - informação digital ou hipermídia - surgem novas formas de leitura. O aluno, diariamente, está em contato com a televisão, o rádio, as revistas, o computador e a internet, recursos que respondem mais facilmente às necessidades imediatas dos jovens e crianças. No meio digital não existe a obrigatoriedade imposta de prazos, das fichas de leitura, títulos, como “garantia” de leitura realizada. O acesso a essa nova tecnologia é atrativo e, também, propicia conhecimento.

Pensar na tecnologia implica pensar em mudanças, em aprimoramentos. É certo que algo deve ser feito, com uma pedagogia mais apropriada para a criança e o jovem que frequenta a escola, que não vive sem o computador, a televisão, o celular e tantas outras tecnologias que fazem parte do universo virtual no qual estamos inseridos. Sendo assim, o educador, consciente de seu papel transformador, buscará metodologias, com novas formas de despertar na criança e/ou adolescente o gosto pela descoberta da leitura literária, sem, no entanto, desconsiderar o valor estético.

Caro(a) acadêmico(a), embora o texto literário não deva servir de pretexto, estas reflexões e sugestões são o princípio de uma discussão. Para tanto, é imperativo que o professor amplie seu conhecimento e visão acerca da literatura infantojuvenil, atualizando-se quanto às publicações, bem como observar o gosto literário dos alunos. O texto literário é o instrumento de trabalho importante, e não usá-lo ou desconhecê-lo demonstra falta de idealização, planejamento e despreparo.

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Falando de livros

"O livro é a casa onde se descansa

do mundo.

O livro é a casa do tempo,

é a casa de tudo.

Mar e rio no mesmo fio,

água doce e salgada.

O livro é onde a gente se esconde

em gruta encantada".

FONTE: Roseana Murray. in Carteira de identidade, ed. Lê, 2010.

Observe como a autora Roseana Murray se utiliza de figuras de estilo e, de maneira poética, escolhe uma linguagem elaborada para falar do livro. É um fazer especial com as palavras.

Embora não nos demos conta, a criança recebe ainda no berço o primeiro contato com a poesia e seus elementos: o ritmo e a rima, manifestados na voz que acalenta, nas cantigas de ninar e, mais tarde, na musicalidade das parlendas, das brincadeiras de roda, nos trava-línguas, nas adivinhas, jogos da tradição oral.

O aproveitamento das estruturas rítmicas, aliado ao controle da respiração, das expressões da fala, da postura, além de possibilitar o desenvolvimento cognitivo e a motricidade, é fator positivo no processo do domínio da palavra. São essenciais para o desenvolvimento do ser humano no plano linguístico e no psicológico, que se desenvolve através das atividades corporais, musicais e outras. Percebe-se, assim, a importância da poesia já nas séries iniciais e no preparo adequado e cuidadoso quando da exploração desse gênero textual. Como afirma Ligia Morrone Averbuck (1993, p. 57), “[...] a poesia não pode ser ensinada, mas vivida: o ensino da poesia é, assim, o de sua descoberta”. A experiência com a poesia visa aguçar a emoção, a fantasia e a sensibilidade do jovem leitor. A poesia possibilita à criança o gosto pelo jogo rítmico e o jogo da linguagem, ao mesmo tempo é lúdica e libertadora.

De todos os gêneros a serem explorados em sala de aula, deve a poesia ser a menos comprometida com os aspectos ligados à moral, à instrução e à exploração de atividades obrigatórias de “entendimento” do poema lido. É fundamental que a poesia seja apresentada e vivenciada com frequência no espaço escolar e seja selecionada cuidadosamente, a fim de propiciar a sensibilidade para a arte

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poética no aluno, através de textos diversificados, com ou sem rima, curtos e mais longos, temas, autores e épocas variados, poesias complexas e/ou simples. E ainda, oportunizar novas formas de expressar seu “entendimento” de poesia, através de desenhos, colagens, pintura, bem como a tentativa de criação de novos poemas.

Essas e outras oportunidades constituem, para a criança, meios eficazes e válidos no desenvolvimento da criatividade e da sensibilidade frente a um texto poético. Não se trata de que a escola deva assumir a responsabilidade de fazer poetas. Para Averbuck (1993, p. 67), “[...] é importante que a escola desenvolva no aluno habilidades e competências para sentir a poesia, apreciá-la e percebê-la como uma forma de comunicação com o mundo”. Sugere-se que o professor explore o texto poético que é carregado de significado, de ritmo, cadência e melodia. O contato com a poesia é, portanto, o da descoberta, do jogo das palavras e do domínio da sonoridade.

Para a criança alfabetizada, uma forma de desenvolver a imaginação e a criatividade é a decomposição de textos poéticos, “criando” novos poemas. Para que ela seja atraída pela magia da palavra poética, é preciso “[...] criar uma atmosfera de uma legítima oficina poética, em que a desconstrução dos textos seja o caminho para novas construções” (AVERBUCK, 1993, p. 76).

Já nos níveis mais avançados de escolaridade, pensando nos adolescentes, o professor poderá também lançar mão da música. A utilização dos textos musicais favorece a aproximação de uma linguagem que fala diretamente ao jovem.

Outro aspecto muito importante a ser valorizado por parte do professor quanto à exploração da poesia em sala de aula é a questão da disposição da palavra no espaço do papel. A poesia, especialmente a moderna, utiliza-se desse recurso denominado poema figurado, composição poética “[...] cujos versos se organizam de modo a sugerir a forma do objeto que lhe serve de tema” (MOISÉS, 2004, p. 357). Podemos citar como exemplos de temas de poema figurado corações, asas, flores. Essa percepção poderá ser desenvolvida através da apresentação, ao jovem leitor, de poemas diferenciados graficamente. Observe como o escritor Sérgio Capparelli (2008) trabalha com o poema visual, em seu livro Tigres no quintal:

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FIGURA 25 – A PRIMAVERA ENDOIDECEU

FONTE: Disponível em: <http://paginasefolhas.blogspot.com.br/2009/07/dia-de-sol-com-poema.html>. Acesso em: 10 abr. 2013.

A partir da leitura de poemas, o professor poderá propor uma oficina de criação escrita, prática que atrai os alunos pela gama de artifícios que o gênero oferece. Além disso, a poesia infantil da modernidade recobre-se de significações múltiplas: palavras, imagens, rimas, sonoridades, forma, cor e luz.

Caro(a) acadêmico(a), como você já estudou nos módulos anteriores, a poesia apresenta várias formas líricas fixas, tais como: a balada, a canção, a elegia, a ode e o soneto, formas essas a serem exploradas pela literatura infantojuvenil. Uma agradável sugestão para o trabalho com a poesia em sala de aula poderá ser a utilização de uma forma lírica, de origem japonesa, denominada haicai.

NAVEGUE: Guilherme de Almeida começou a escrever haicais em 1936. Sistematizou as suas ideias sobre o que seria o haicai em português: um terceto com 5-7-5 sílabas, dotado de título, sendo que o primeiro verso rima com o terceiro, além de contar com uma rima interna no segundo verso, entre a segunda e a sétima sílabas.

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O haicai é um poema caracterizado pela brevidade, composto por três versos, somando 17 sílabas, o primeiro e o terceiro com cinco e o segundo com sete. Essa composição estaria de acordo com as fases da existência humana: ascensão – apogeu – decadência. Com um dos mais famosos poetas japoneses, Matsuo Bashô, no século XVII, o haicai ganha importância, grandeza e a solenidade que o distinguem até hoje.

Semelhante pela forma a um epigrama, o haicai deve concentrar em reduzido espaço um pensamento poético e/ou filosófico, geralmente inspirado nas mudanças que o ciclo das estações provoca no mundo concreto. (MOISÉS, 2004, p. 217). Era, em sua forma original, destituído de rima. Seus temas não abordam moralidade ou tudo quanto possa atentar contra a vida humana. Seu objetivo é atingir a simplicidade, tendo como artifício a humanização da natureza e a correspondente naturalização do ser (MOISÉS, 2004, p. 217). O haicai tem integrado a obra de ilustres poetas brasileiros como Guilherme Almeida, Manuel Bandeira, Paulo Leminski e outros. Leia o haicai de Guilherme de Almeida:

FIGURA 26 – HAICAI DE GUILHERME DE ALMEIDA

FONTE: Disponível em: <http://poemas-de-sol.blogspot.com.br/2010_11_01_archive.html>. Acesso em: 10 abr. 2013.

INFÂNCIAUm gosto de amora

Comida com o sol. A vidaChamava-se "Agora".

AQUELE DIABorboleta anil

que um louro lafinete de ouroespeta em Abril

Caro(a) acadêmico(a), sobre a poesia, sugerimos a leitura do Caderno de Estudos: Teoria da Literatura, cujo material é indispensável para alargar os conhecimentos sobre este importante gênero literário.

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Vejamos como ocorre a contagem das sílabas dessa forma de poesia. Lembre-se de que quando fazemos a separação das sílabas poéticas, levamos em conta o ritmo das palavras e não a divisão silábica gramatical. Na divisão poética, as vogais átonas são agrupadas em uma única sílaba e a contagem das sílabas segue-se até a última sílaba tônica.

Um | gos | to | de a | mo | ra (5)Co | mi | da | com | sol. | A | vi | da (7)

Cha | ma | va |-se “A | go | ra”. (5)

Conforme Miguel Almir L. de Araújo (2002, p. 60), “[...] a poesia une o lúdico e o lúcido nos processos de aprendizagem, no desenvolvimento de inteligências meditativas e sensíveis, flexíveis e audaciosas”. Ultrapassa as dimensões ordinárias da linguagem instrumental retilínea – que tem exercido predominância na rotina da sala de aula - , levando aos horizontes do extraordinário que renova, transmuta e vivifica.

Para incrementar essa atividade, outra possibilidade relacionada à poesia consiste na elaboração de um caderno de poemas. Cada aluno terá um caderno destinado à poesia e, num sistema de rodízio, cada uma escreverá um poema para o colega. O caderno poderá manter a rotatividade até que todos participem escrevendo e recebendo poesias. Lembre-se de que nesta atividade, a intervenção do professor é somente a de viabilizar a circulação dos cadernos. Além disso, as poesias poderão ser de autoria dos alunos ou de autores consagrados.

Enfatiza-se, portanto, a possibilidade de reintroduzir a poesia na vida (MORIN, 1998, p. 44), “buscando textos poéticos que ofereçam possibilidades de convivência mais sensível com o outro e consigo mesmo”. Somente a poesia poderá nos levar a essa percepção. Certamente, esse convívio deve começar dentro das salas de aula não como proposta exigente, mas prazerosa e partilhada.

3.1 O TEATRO

O teatro sempre foi uma forma de expressão artística profundamente ligada à comunidade. Mesmo com a expansão da mídia, não perdeu seu espaço, a presença física do artista e do espectador é insubstituível. Os sentimentos vivenciados e expressos no teatro provocam, além das sensações e emoções dessa atividade, a possibilidade do aluno colocar-se no lugar do outro, desenvolver e priorizar a noção do trabalho em grupo, perder continuamente a timidez e ampliar o seu repertório cultural.

O teatro surgiu com as festas chamadas dionisíacas, celebradas na Grécia em honra a Dionísio, deus da fertilidade e do vinho. Essas comemorações eram realizadas em época de colheita ou quando se fabricava o vinho. Nas festividades havia cantos, danças e representação da vida de Dionísio.

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A arte teatral era tão popular na Grécia Antiga que anualmente eram promovidos concursos de textos teatrais. Os autores escreviam as peças, as encenavam para o público e para uma comissão julgadora, que premiava o melhor trabalho. O teatro grego, além de retratar o cotidiano do homem, evidenciava costumes, personalidades, deuses e belezas da Grécia. Desde os tempos mais antigos é fonte de cultura, educação, diversão e lazer. Da Grécia foi levado para Roma e dela para o mundo.

Um texto teatral apresenta geralmente três partes: a exposição, o conflito e o desenlace. A exposição revela aos espectadores a situação que “desequilibra” a vida normal da personagem. Situação que prenderá a atenção do público e se modificará até o desfecho, ao final da peça.

O conflito é a parte na qual a situação vivida pelas personagens, apresentada na exposição, chega ao clímax. Há sempre um desafio a ser superado, surgem obstáculos que se opõem à ação da personagem e esta se esforçará para triunfar. O desenlace é o relaxamento da tensão instaurada desde a revelação da situação-problema, ou seja, a catarse. A solução marca os tipos de peça teatral – drama, comédia ou tragédia.

O termo catarse refere-se à purificação, limpeza e purgação. Esse efeito purificador da tragédia clássica foi conceituado por Aristóteles. As situações dramáticas, de extrema intensidade e violência, trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores. A catarse supera esses sentimentos e os elimina, proporcionando alívio ou purgação.

IMPORTANTE

O teatro se desenvolve em atos, divididos em cenas. O ato apresenta acontecimentos que estão diretamente ligados ao eixo central, apresentando uma resposta, mas não valendo por si só, deixando sempre em aberta para o ato seguinte parte da situação-problema, mantendo assim o interesse do público. A cena, por sua vez, representa o ponto culminante de cada ato. A mesma expõe a unidade mínima de uma peça teatral. Alguns estudiosos empregam o termo quadro como sinônimo.

No contexto escolar existem várias peças teatrais possíveis de encantar o público infantojuvenil, bastando, para isso, que elas envolvam os espectadores com personagens que suscitem a identificação e o apoio do público. As peças teatrais devem ser ajustadas à idade da criança. Assim, conforme Maria Antonieta Antunes Cunha (1991, p. 139), teremos:

• De 4 a 7 anos - as histórias de lendas e folclores são apreciadas, bem como as pantomimas, que são as representações teatrais por meio de gestos.

• De 8 a 12 anos - as histórias que versam sobre personagens do mundo real são as mais indicadas.

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• De 12 anos em diante as adaptações das obras clássicas terão maiores chances de sucesso. Obras de Gil Vicente, Martins Pena, Maria Clara Machado, Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues, da escritora inglesa Agatha Christie e Shakespeare, entre outros.

Trabalhar com o teatro na escola é desenvolver uma atividade visando

aproximar as crianças e jovens dessa linguagem. Para tanto, é necessário colocar a turma em contato com diversos autores, com estilos variados, e observar o tipo de texto: tragédia, comédia, situações do cotidiano e/ou mistério. O professor poderá também sugerir aos estudantes que façam um mapeamento dos folguedos populares, festas, autos e outras manifestações folclóricas que mais chamam a atenção do grupo e que possam ser representados na escola.

FIGURA 27 - TEATRO

FONTE: Disponível em: <http://teatroeduca.zip.net/>. Acesso em: 5 out. 2012.

Em uma encenação podem ser transmitidos conhecimentos culturais, históricos, científicos ou morais, por exemplo, mas eles não devem ser vistos como objetivo, e sim como consequência. O ideal é que os alunos se envolvam com a trama e as personagens e sintam prazer em representar. A representação teatral desenvolve a memória, estimula o senso crítico e artístico e auxilia no aperfeiçoamento da leitura.

É importante estimular a participação de todos os estudantes, sem exigir o profissionalismo, observar atentamente a postura e, se possível, fotografar e filmar as encenações para depois convidar a classe a analisar a montagem. Esse exercício de autoavaliação serve para aprimorar as próximas apresentações.

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Uma prática muito bem aceita entre os jovens é o teatro de bonecos. O teatro de marionetes está ligado ao contexto histórico, cultural, social, político, econômico, religioso e educativo, e por conta da diversidade cultural, regiões distintas desenvolveram a arte de confeccionar bonecos em diferentes materiais, revelando traços locais da cultura à qual pertenciam, sendo movimentados por luvas, fios, varas, sombras, entre outras possibilidades. A Itália ocupou lugar de destaque na divulgação dessa arte, sendo espetáculos preparados e reservados para adultos. Esses bonecos eram criados a partir de tipos ou caricaturas que revelavam traços da personalidade da personagem.

A Comédia da Arte, surgiu na Itália e serviu de inspiração para o alargamento desta prática. Esses artistas mambembes utilizavam máscaras em suas apresentações nas mais variadas regiões da Itália, e assim, graças a estas companhias itinerantes, é que os bonecos foram difundidos em toda a Europa, cuja arte recebeu nomes distintos. Vejamos alguns: na Itália, o Polichinelo; na Turquia, o Karagoz; na Grécia, as Atalanas; na Alemanha, o Kasper; na Rússia, o Petruska; em Java, o Wayang; na Espanha, o Cristovam; na Inglaterra, o Punch; na França, o Guinhol; nos Estados Unidos, o Muppets; e no Brasil, o Mamulengo.

É arte realizada pelo ator que, por meio do movimento das mãos, o manipula e narra as histórias, conduzindo a realidade para a magia. O boneco, com sua expressividade, movimento e sonoridade, encanta e atrai o público.

FIGURA 28 – TEATRO DE BONECOS

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/artes/teatro-de-bonecos/>. Acesso em: 5 out. 2012.

No espaço escolar as apresentações podem ser elaboradas e discutidas pelo grupo, que poderá englobar desde a fabricação do boneco até a transmissão de temáticas sociais, históricas e/ou políticas, ou seja, o boneco possui um alto potencial educativo. Ainda que pareça pretexto, constitui mais uma possibilidade de interação com criatividade, ludicidade e arte.

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Eram companhias itinerantes, nas quais os atores montavam um palco ao ar livre e proviam o divertimento através de malabarismo, acrobacias e, mais tipicamente, peças de humor improvisadas, baseadas num repertório de personagens preestabelecido e que envolviam temas como: adultério, ciúme, velhice, amor. Faziam uso de um figurino com máscaras, e até objetos cênicos. O diálogo e a ação poderiam facilmente ser atualizados e ajustados para satirizar escândalos locais, eventos atuais ou manias regionais, misturados com piadas e bordões.

A Comédia da Arte foi uma forma de teatro popular. Teve início no século XV na Itália.

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Uma variante do teatro de bonecos é o boneco de vara, manipulado através de varas ou hastes de madeira, plástico ou metal leve. Pode ser tanto um simples objeto preso numa única vara, como também ser constituído por mecanismos com várias varas, para movimentar boca, braços e pernas.

FIGURA 29 – TEATRO DE BONECOS DE VARA

FONTE: Disponível em: <http://cecidiantedotrono.blogspot.com.br/2011/02/teatro-de-varas.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

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Os que são elaborados por uma vara são simples e de fácil confecção, podendo ser feitos com cartolinas, bolinhas de isopor, de papel, colher de pau, palitos de churrasco, garfos vestidos com roupas de pano, palitos de picolé, copinhos de plástico sustentados por palitos. Os que são produzidos com mais de uma vara são mais complexos e requerem a habilidade de um titereiro para movimentá-los.

Outra prática que poderá ser explorada é o teatro de fantoches. Assim como os demais bonecos, é uma atividade que envolve os alunos desde a confecção até o desenvolvimento de habilidades motoras e apropriação do texto. Além disso, é uma atividade associada ao lúdico, cujo assunto abordamos na Unidade 1.

FIGURA 30 – TEATRO DE FANTOCHES

FONTE: Disponível em: <http://aposentadosolteoverbo.org/opiniao/opiniao-do-leitor-camara-dos-deputados-um-teatro-de-fantoches/>. Acesso em: 5 out. 2012.

Como variante desse recurso, sugerimos também a utilização das próprias mãos como fantoches. O desenho é feito na própria mão, com caneta esferográfica ou tintas especiais. O uso de acessórios, como lã, chapéu, meias, penas, enfeita as mãos e os dedos das crianças. O professor, nesse sentido, incentiva os alunos no conhecimento do próprio corpo, quando estes exploram todos os movimentos dos dedos, das mãos e braços.

Para estes recursos, a utilização de poesias, narrativas literárias, músicas populares e folclóricas, textos criados pela turma, é fundamental para essa atividade. Nessa perspectiva, o professor organiza o grupo de acordo com o que será apresentado. O momento necessário à apresentação e interação, a leitura prévia do texto, o decorar (se for o caso), são empreitadas que favorecem o desenvolvimento e a apuração do gosto estético.

Ao jovem leitor agrada muito o jogo teatral, que é realizado por cenas de

ação dramática e que se caracterizam por explicação da ação por meio do gesto, de caricaturas, dramatização (imitação de uma pessoa famosa), descrição de algo com características fortes sem utilizar palavras, um contexto social, comumente

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conhecido como pantomima. Essa brincadeira tem por objetivo: diversão, socialização, coordenação motora e corporal como um todo. Os pantomímicos buscam transmitir à plateia, por meio da mímica, histórias e mensagens. Por aproveitar-se de gesticulações praticamente universais, ela é bastante utilizada.

FIGURA 31 - PANTOMIMA

FONTE: Disponível em: <http://www.jornallivre.com.br/150870/o-que-e-pantomima.html>. Acesso em: 5 out. 2012.

Caro(a) acadêmico (a), como foi o seu contato com o teatro, enquanto aluno(a)? E as escolas, desenvolvem atividades relacionadas ao fazer teatral? Comente em poucas palavras.____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________.

O teatro é expressão artística profundamente ligada à comunidade. Segundo Ana Maria Machado, o teatro e a dramatização são reveladores de momentos mágicos, nos quais a criança fica como que hipnotizada.

O teatro funciona em relação à criança como o faz de conta e o fiunnn... do pó de pirlimpimpim no mundo do pica-pau amarelo, participando ao mesmo tempo da mais poética fantasia e da mais concreta realidade, abrindo portas para desvãos insuspeitados e revelando aspectos surpreendentes do real, misturando fantásticas viagens a uma mineração de si mesmo. Na palavra admirável de Guimarães Rosa, é a pirlimpsiquice. (MACHADO, 1991, p. 144).

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Há que se considerar que nas brincadeiras da criança a dramatização se faz presente. Pense na criança brincando de boneca, de carrinho, representa quando faz comidinha ou conversa com amigos imaginários. Uma peça teatral é capaz de estimular a criatividade e a imaginação. Possibilita à criança “assumir sua fantasia, conviver com suas angústias, exorcizar suas tensões, rir de seus medos”.

É necessário que a escola propicie o contato com a arte teatral, não apenas dirigindo algumas peças passivamente, mas que reflita sobre o possível espetáculo a ser encenado. Para Machado, no que se refere à escolha de um espetáculo, o professor deverá indagar-se:

Será que ele defende o conformismo ou estimula um desejo de transformar o mundo? De que maneira ele fala à percepção infantil? À sensibilidade da criança? Será que esquece sua capacidade de ser também racional e apenas a envolve numa profusão de sons e cores inteiramente oca? Cenários, figurinos, adereços são inventivos? A música é massificada ou criativa? A iluminação sabe criar uma atmosfera? As personagens são esquemáticas e incoerentes? Isso é importante, afinal é nelas que as crianças se projetam, com elas é que se identificam... A peça estimula a delação? Incentiva sentimentos de culpabilidade infantil (tudo de ruim que acontece é culpa do pobre herói desobediente, por exemplo)? É esquematicamente maniqueísta? Ou, pelo contrário, embaralha de tal maneira o bem e o mal que deixa de passar qualquer valor ético? O vilão se arrepende de repente e é perdoado sem mais aquela, evitando o castigo e tornando inútil o sofrimento dos inocentes em suas mãos? A delação é incentivada sob a máscara de “participação da plateia” (com perguntas do tipo para onde é que ele foi?)? A peça reforça estereótipos racistas? Sociais? Sexistas? Profissionais? (por exemplo, cientista é maluco, professor é repressor e jornalista é mentiroso etc...). E qual será sua mensagem fundamental? Não será uma supervalorização da segurança como ideal supremo, a impedir que as crianças explorem o mundo em nome de um “ficar bonzinho e obediente em casa”?

FONTE: MACHADO (1991, p. 142)

O teatro na vida do jovem leitor inclui benefícios que vão desde o aprender a improvisar, desenvolver a oralidade, a expressão corporal, a impostação de voz, o vocabulário, até o desenvolvimento das habilidades para as artes plásticas (pintura corporal, confecção de figurino e montagem de cenário), oportunizando a pesquisa, o trabalho coletivo e, assim, contribui para o desenvolvimento da expressão e comunicação, favorecendo a percepção da arte como manifestação cultural.

4 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

As histórias em quadrinhos despertam o interesse do público infantojuvenil, oferecendo uma diversidade de propostas que podem ser exploradas em proveito do jovem leitor. O texto associado à imagem, característica presente nas histórias em quadrinhos, como afirma Nelly Novaes Coelho (2000, p. 242), atinge “[...]

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direta e plenamente o pensamento intuitivo/sincrético/globalizador que é próprio da infância”. Nesse sentido, o trabalho com as HQs, aliado ao prazer de uma aprendizagem significativa, desenvolve na criança estímulos propícios à pratica da leitura, pressupondo a formação de leitores.

Acredita-se que as pinturas realizadas nas paredes das cavernas foram uma das primeiras formas gráficas a serem criadas pelo ser humano como elemento de comunicação. O homem retratava histórias a partir de imagens que ficaram conhecidas como pinturas rupestres, em uma época muito anterior à invenção da escrita. Por isso, alguns especialistas insistem em afirmar que os primeiros exemplos conhecidos de histórias em quadrinhos foram feitos por homens pré-históricos.

A publicação de histórias em quadrinhos no Brasil tem início no século XX. A primeira revista em quadrinhos brasileira, lançada em 1905, foi o Tico-Tico, que circulou até 1955. Em seus primeiros anos, reproduzia os quadrinhos norte-americanos. Essa revista apresentava ao leitor as aventuras de um menino ingênuo e travesso chamado Chiquinho, versão brasileira da personagem Buster Brown, menino crítico e contestador, criado nos Estados Unidos por Richard Felton, cartunista que, em 1895, criara a Yellow Kid.

Em 1960 começa, no Brasil, a publicação da revista O Pererê, com texto e ilustrações do escritor Ziraldo. A personagem principal era um saci e não raro suas aventuras tinham um fundo ecológico, moral ou educacional. Também na década de 60, o cartunista Henfil deu início à tradição do formato “tira” com as personagens Graúna e os fradinhos. Foi nesse formato que também apareceram as personagens de Maurício de Sousa, criador da revista A turma da Mônica, que é a mais famosa e bem-sucedida revista em quadrinhos brasileira.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998) apresentam as histórias em quadrinhos como uma linguagem dinâmica, marcada pela ludicidade e associação de imagens, que despertam no jovem leitor prazer e contribuem para o desenvolvimento da leitura e escrita.

Os gibis mesclam palavras e imagens, influenciando o cotidiano das pessoas. Maria Antonieta Cunha (2003, p. 100) “enfatiza que a facilidade de aquisição de leitura, o apelo visual através das cores, os quadros, os balões e as onomatopeias, que dão uma movimentação à narrativa, o humor e o otimismo com personagens interessantes ou heroicos”, são alguns dos aspectos que levam o jovem leitor a adotar as revistas em quadrinhos.

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FIGURA 32 – HISTÓRIA EM QUADRINHOS: GARFIELD

FONTE: Disponível em: <http://blog.maxieduca.com.br/wp-content/uploads/2017/01/Garfield.jpg. Acesso em: 5 out. 2012.

Porém, as opiniões sobre os quadrinhos nem sempre foram convergentes. Educadores já reagiram de maneira contrária à adoção das revistas em quadrinhos em sala de aula. Para estes, “as revistas em quadrinhos não deixam margem à imaginação, pois tudo na história está pronto e acabado, o texto é precário, sucinto e com excessivas ilustrações” (ALMEIDA apud CUNHA, 1991, p. 101).

Opiniões dessa natureza contribuíram para que, no âmbito educacional, as revistas em quadrinhos fossem tratadas como gênero menor, minimizadas como criação literária. Segundo Valdomiro Vergueiro (apud CORDEIRO, 2002, p. 54), “[...] esses preconceitos foram uma das maiores injustiças cometidas contra um meio de comunicação de massa não só legítimo, mas também de grande penetração popular”. Os estudos dos meios de comunicação de massa, iniciados na Europa nos anos 60, corroboraram para elevar as HQs à categoria literária, uma vez que se constituem de literatura e de artes plásticas.

Sendo assim, as HQs convertem-se em mais um instrumento pedagógico essencial, contudo, é importante a disposição do professor em realizar tal empreendimento para que aconteça o crescimento do jovem enquanto leitor e de sua potencialidade humana.

Onomatopeia significa imitar um som com um fonema ou palavra. Em geral, são de entendimento universal. Ruídos, gritos, canto de animais, sons da natureza, barulho de máquinas, o timbre da voz humana fazem parte do universo das onomatopeias.

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TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

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Propostas de exploração desse gênero textual associado ou não ao computador devem ser atividades oferecidas em sala de aula, contudo, é importante a disposição do professor e dos demais envolvidos no processo em realizar tal empreendimento.

As charges podem também constituir-se como ferramentas. São desenhos humorísticos com ou sem legenda. O tema reflete um acontecimento atual sob a forma de crítica, ironizando, por vezes, as personagens envolvidas, através da caricatura. Sendo assim, pode ser entendida como um meio de protesto e crítica através de argumentos lógicos que possam convencer o leitor.

A charge está ligada aos acontecimentos cotidianos, do âmbito político e/ou econômico, e/ou personagens ligadas ao meio artístico ou desportivo. São caricaturas de pessoas ou de fatos, executadas com exageros e deformações reforçando o grotesco e jocoso.

Esse humor crítico encontrado nas charges é muito apreciado pelo jovem leitor, tornando-se um relevante trabalho, que poderá provocar discussões que envolvem criticidade, dinamismo e leitura de mundo apresentadas pelos diversos sujeitos que compõem a escola.

Leia a seguir a entrevista “HQs também se aprende na escola”, com Waldomiro Vergueiro.

Embora o mercado editorial de quadrinhos para o público infantojuvenil

esteja fortemente concentrado na produção de uma ou duas revistas, o Brasil, ao contrário do que se pensa, se destaca no cenário latino-americano exatamente por uma larga produção. “Se compararmos com a de outros países, a produção de quadrinho infantil brasileiro, por exemplo, é bastante significativa. Nos EUA não se publicam mais revistas para crianças. Lá, as histórias são voltadas para os jovens”, destaca o coordenador do Núcleo de Pesquisas de História em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), professor Waldomiro Vergueiro.

De acordo com Waldomiro, são os adolescentes – dos 13 aos 25 anos – que mais leem histórias em quadrinhos. As crianças também se dedicam à leitura, mas não de uma forma intensiva e regular. Segundo ele, o quadrinho nacional reflete, cada vez mais, a realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país, o que chama atenção e atrai mais leitores adolescentes. “Jovens que são influenciados pela cultura pop, pela televisão e pelos meios eletrônicos”.

Acompanhe a entrevista:

revistapontocom – Que modelos e padrões de comportamento os quadrinhos brasileiros veiculam?

LEITURA COMPLEMENTAR

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UNIDADE 3 | O PAPEL DA ESCOLA

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Waldomiro Vergueiro - Vivemos num grande contexto globalizado, num grande sistema de comunicação interligado. Neste cenário, as histórias em quadrinhos veiculam modelos e padrões de comportamento que já são transmitidos pelas outras mídias em todo o mundo. Tudo acaba se repetindo. No Brasil, o quadrinho reflete, de uma forma geral, a realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país. Jovens que são influenciados pela cultura pop, pela televisão e pelos meios eletrônicos. Uma realidade que, na verdade, não é tão diferente daquela que vivem os jovens de outros países. O que há de diferente em nossas histórias são algumas características e especificidades que dizem respeito à nossa cultura local, expressa, por exemplo, nos relacionamentos de amizade e de amor e na apresentação e definição dos grupos sociais.

revistapontocom – Daí então o interesse das crianças pelos quadrinhos?

Waldomiro Vergueiro – As crianças naturalmente gostam dos quadrinhos, se identificam com a narrativa. Afinal, a linguagem dos quadrinhos se aproxima muito do universo das crianças e também dos adolescentes. Felizmente, aqui no Brasil, temos uma forte produção infantil [basicamente assinada por Maurício de Sousa] que está facilmente disponível no mercado e ao alcance de boa parte dos leitores. A leitura é fácil e prazerosa. Se compararmos com a de outros países, a produção de quadrinho infantil brasileiro é bastante significativa. Nos EUA, por exemplo, não se publica mais quadrinho infantil. Lá, as histórias são voltadas para os jovens. Mesmo tendo um mercado de quadrinhos infantis monopolizado [as revistas de Maurício de Sousa respondem aproximadamente por 85% de tudo o que é produzido para o público infantil], o Brasil é uma exceção na América Latina em investimentos no setor.

revistapontocom – O mesmo vale para os adolescentes?

Waldomiro Vergueiro - O jovem acaba não tendo a mesma relação com os quadrinhos. Muitas vezes, ele acaba sendo chamado/fisgado por outras mídias de uma forma mais persuasiva do que as crianças. Por outro lado, também há poucos investimentos para este segmento. O mercado editorial para os adolescentes é marcado pelas produções estrangeiras. As crianças que crescem lendo os gibis do Maurício de Sousa quando chegam à adolescência não têm uma alternativa nacional. Ou seja, quando o leitor passa a ‘fase da Mônica’, ele não encontra nada. As tentativas brasileiras não deram certo, pois é grande o predomínio das histórias em quadrinhos com base nos super-heróis e na cultura norte-americana. Este processo dá origem a um círculo vicioso. Os jovens que leem os quadrinhos importados e que se formam na área acabam reproduzindo o mesmo formato e conteúdo. É difícil quebrar este movimento. Por outro lado, o próprio leitor jovem de hoje quer exatamente este tipo de material. Um material que é amplamente divulgado e reforçado pelas demais mídias. Chega o quadrinho do super-herói ao mesmo tempo em que são lançados o filme, o bonequinho e o desenho animado. As mídias se reforçam. Acaba sendo uma competição desleal para os produtos brasileiros. Os jovens de 13 aos 25 anos são os que mais leem histórias em quadrinhos. As crianças leem muito, mas não de uma forma intensiva quanto os jovens.

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TÓPICO 3 | EXPLORANDO OS GÊNEROS INFANTIS

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revistapontocom – E nas escolas, as histórias em quadrinhos vêm ganhando espaço?

Waldomiro Vergueiro – Já não sinto mais um preconceito, mas, sim, um estranhamento à introdução dos quadrinhos na sala de aula. Há uma falta de familiaridade. Muitos professores querem utilizar, mas não sabem como. O Núcleo de História em Quadrinhos [da Escola de Comunicação e Artes da USP] tem trabalhado neste sentido, mostrando alternativas e caminhos para que os quadrinhos sejam utilizados de forma mais inteligente. Acredito que os quadrinhos devam ser usados, pelas escolas, de uma forma interdisciplinar, integrando várias disciplinas. O professor deve trabalhar o quadrinho com o mesmo rigor que usa o livro didático. Não acredito que exista limite para a utilização de quadrinhos na educação. Tudo depende da criatividade do professor.

revistapontocom – Há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que determina mecanismos de proteção à produção de quadrinhos nacionais, incentivando a realização de obras e de projetos escolares. O senhor é a favor desta proposta?

Waldomiro Vergueiro - Sou. Acredito que o caminho a ser adotado seja esse mesmo. Todos os países que baixaram leis de proteção tiveram êxito em suas propostas. A Argentina fez isso. A França e a Itália também trabalharam neste sentido. A proposta não vai colocar em xeque o que já existe, só vai acrescentar.

revistapontocom – Qual é o futuro dos quadrinhos?

Waldomiro Vergueiro – Estou convencido de que o futuro dos quadrinhos é a segmentação de mercado. Quadrinhos específicos para públicos específicos. Quadrinhos para crianças, para meninas adolescentes, para meninas mais velhas… A Era dos Quadrinhos como meio de massa/produto de massa é coisa do passado. Com o advento das novas tecnologias, vamos ter o aparecimento de produtos híbridos – quadrinhos que incorporam elementos da multimídia. Este é um caminho sem volta. Mas acredito que as histórias em quadrinhos, da forma como ainda conhecemos hoje, continuarão a existir.

FONTE: Disponível em: <http://www.revistapontocom.org.br/materias/hqs-tambem-se-aprende-na-escola>. Acesso em: 10 dez. 2012.

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Neste tópico você viu que:

• A literatura no ambiente escolar tem como objetivo a formação do leitor. Para tanto, o professor deverá adotar uma postura que privilegie a polissemia, o dialogismo. Deve adotar uma prática pautada no contato com os diversos gêneros textuais e contemplar histórias do dia a dia, contos, fábulas, lendas, parlendas, músicas, poesia, novela, crônica, piadas, filmes, romances, histórias em quadrinhos.

• A conotação de histórias também é uma prática que favorece a escuta e oralidade. Essa prática do contar estimula o ler literário, propicia o encontro entre as crianças e uma produção que lida simbolicamente com o real, diferentemente dos relatos pessoais.

• Outra possibilidade que não poderá ser ignorada é a visita à biblioteca, para que o aluno possa ver e tocar os vários volumes, as várias ilustrações, escolher a leitura, o livro que lhe agradar, desenvolvendo a leitura sensorial.

• É importante reconhecer que com a escrita nos meios eletrônicos - informação digital ou hipermídia - surgem novas formas de leitura. O acesso a essa nova tecnologia é atrativo e também propicia conhecimento.

• A poesia infantojuvenil reflete as peculiaridades que revestem esse gênero, reveladas nos ritmos, nas imagens, nos temas, nas metáforas, na conotação, na subjetividade e na linguagem.

• É fundamental que a poesia seja apresentada e vivenciada com frequência no espaço escolar e seja selecionada cuidadosamente, a fim de propiciar a sensibilidade para a arte poética no aluno.

• Trabalhar com o teatro na escola é desenvolver uma atividade visando aproximar as crianças e jovens dessa linguagem. Para tanto, é necessário colocar a turma em contato com diversos autores, com estilos variados, e observar o tipo de texto: tragédia, comédia, situações do cotidiano e/ou mistério.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

APRENDIZAGEM

- Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer? - Hã? - Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo? - Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha.

A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas.

- Todo dia, mãe? - É, só que a gente não repara. - Por quê? - Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha?

A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.

- Você é muito ocupada, não é, mãe? - Hã? - Nada, não.

A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário.

Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto.

“Nada, não cresceu nada”, ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana!

Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.

- Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer? - Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não,

criatura?

Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder.

Leia a história a seguir e organize-a em forma de quadrinhos, com balões contendo as falas das personagens, bem como a fala do narrador:

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A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.

- Mãe! - O que foi? - É que eu estava aqui pensando. - Pensando o quê?

Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas.

- Vai, fala logo. - Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu? - Não, não entendi.

Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:

- Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo? - Ai, meu Deus!

Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca. Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:

- Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu?

E com um carinho:

- Foi minha mãe que me ensinou.

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ANOTAÇÕES

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