Livro a Essencia Do Bhagavad Gita

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Çré-Çré Guru-Gauraìga Jayataù

A Essênciado

Bhagavad-gétäA VERDADEIRA NATUREZA DA DEVOÇÃO

Por

ÇRÉ ÇRÉMADBHAKTIVEDÄNTA NÄRÄYAËA MAHÄRÄJA

Extraídos do néctar deGovinda Lélä

GVP

Gauòéya Vedanta Publications

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Outros títulos de Çréla Näräyaëa Mahäräja

The nectar of Govinda-léläGoing Beyond Vaikuëöha

Bhakti-rasäyanaÇré Prabandhävalé

Bhakti-tattva-vivekaVenu-gétä

Çré Bhakti-rasämåta-sindhu-binduÇré manaù-ñikçä

Bhakti Prajïäna Keñava Gosvämé –Sua vida e preceitosShower of love

Dämodara-lélä-madhuréVishva-Vaishnava Raj-Sabha (periodical)

Pinnacle of devotionJaiva Dharma

Çré UpadeñamåtaA essence of All Advice

Çré Navadvépa-maëòala-parikramäÇré Vraja-maëòala-parikramä

Çrémad Bhagavad-gétä

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As escrituras descrevem muitos lugares espirituais, mas nãohá nenhum lugar como Våndävana em todo o universo. Qual-quer pessoa que conheça as glórias de Våndävana irá compreen-der isto, especialmente se tiver recebido a misericórdia deVåndävana. Lá, Çré Kåñëa e Seus eternos associados executampassatempos que são únicos e maravilhosos. A perfeição da vidaespiritual é lembrar-se destes passatempos e por fim tornar-se com-pletamente absorto nos humores do serviço transcendental doseternos associados de Kåñëa em Våndävana e nos seus inter-câmbios com Ele. Estes humores e passatempos são descritos eexplicados no Çrémad-Bhägavatam, o qual é a literaturatranscendental suprema. Contudo, para compreender o Çrémad-Bhägavatam, nós temos que primeiro entender as instruções doBhagavad-gétä. Estas instruções servem como base na constru-ção do palácio de doze andares do Çrémad-Bhägavatam (os dozecantos). Enquanto não tivermos a fundação das instruções doBhagavad-gétä, só poderemos compreender o Çrémad-Bhägavatam de uma forma mundana, e tudo estará arruinado.Isto se aplica especialmente aos tópicos mais confidenciais conti-dos no décimo canto. No Bhagavad- gétä (18.65) encontramoseste verso:

man-manä bhava mad-bhaktomad-yäjé mäà namaskurumäm evaiñyasi satyaà tepratijäne pryio ‘si me“Absorva sua mente e coração em Mim, torne-se Meu de-

voto, adore-Me, ofereça suas reverências a Mim e certamente você

CAPÍTULO UM

SEMPRE PENSE EM MIM

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8 A Essência do Bhagavad-Gétä

virá a Mim. Faço esta promessa porque você Me é muito queri-do”.

Este é o melhor de todos os versos do Bhagavad-gétä, émelhor até que o verso seguinte (18.66), no qual Kåñëa diz, sarvadharmän parityajya: “Abandone todas as formas de religiosida-de e venha exclusivamente para o Meu abrigo. Eu livrarei você detodas as reações pecaminosas. Não tema”.

O verso man-manä bhava (18.65) que nós vamos descre-ver aqui é ainda melhor que este verso. O verso sarva-dharmämparityjya (18.66) nos instrui a rendição devocional1, porém o versoman-manä bhava (18.65) dá o fruto desta rendição e é portantomais exaltado. Quando lemos o Bhagavad-gétä minuciosamentee especialmente quando o compreendemos através dos comentá-rios dos mestres proeminentes da nossa linha, vemos que existemcinco níveis de instrução no Bhagavad-gétä. Primeiramente, en-contramos instruções gerais para todos, após estas, encontramosas instruções secretas2, então as mais secretas3, daí as mais secre-tas ainda4 e finalmente o mais secreto de todos os segredos5. Estasinstruções não são dadas de uma forma amplas, mas simcondensadas em versos.

INSTRUÇÕES GERAIS

Para pessoas comuns, o Senhor Kåñëa disse, “Não comaou durma muito, você deve ser regulado no trabalho e na recrea-ção, caso contrário não será capaz de obter aquela rara yoga ondea alma encontra o Seu criador”(Bhagavad-gétä 6.17).

1 Çaranägati2 Guhyä3 Guhyatar4 Guhyatam5 Sarva-guhyatam

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Este é o conhecimento geral de que não somos estes cor-pos, portanto nós devemos nos desapegar dos desejos do corpo enão agir para eles. “Aquele que nasceu certamente morrerá, apóso quê, certamente nascerá de novo”(Bhagavad-gétä 2.27). Arjunaestava chorando por todos – por seu filho, esposa, parentes e ami-gos – e nós também estamos chorando da mesma maneira. Kåñëanos aconselha: “Aqueles que são sábios não se desesperam pelosvivos nem pelos mortos” (Bhagavad-gétä 2.11). Todos vão mor-rer e aqueles que não vão hoje, irão amanhã ou no dia seguinte.Nós não devemos chorar ou nos lamentar por eles, porque dentrodo corpo está a alma: “A alma não pode ser cortada por nenhumaarma, queimada pelo fogo, umedecida pela água ou seca pelo ven-to, a alma é eterna mas o corpo está sujeito a morte, assim nãofique desnecessariamente preocupado com o corpo.”(Bhagavad-gétä 2.23)

Até um certo limite estamos certos em cuidar do corpo.Este corpo que Bhagavän6, a Suprema Personalidade de Deusnos deu é como seu templo e devemos cuidar dele como se fôsse-mos executar seu bhajan7. Nós devemos mantê-lo limpo e funci-onando, caso contrário não seremos capazes de executar bhajan.Estamos certos em cuidar do corpo até este limite, porém istodeve ser feito com espírito de desapego. No final, Bhagavän pe-dirá o corpo de volta e ele terá de ser devolvido. Ele dirá “Eu lhedei esta rara e valiosa forma humana, então o que você fez comela?” É por isso que Ele falou versos : “Enquanto as pessoas co-muns dormem, o sábio desperta para a auto-realização e enquantoo sábio dorme, as pessoas comuns despertam para a gratificaçãodos sentidos.” (Bhagavad-gétä 2.69)

6 Bhagavän :Aquele que possui todas as opulências por completo7 Bhajan :Serviço devocional transcendental

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10 A Essência do Bhagavad-Gétä

Nós simplesmente devemos nos ocupar em bhagavad-

bhajan, bhajan para Bhagavän, a Suprema Personalidade de Deus,e continuar fazendo o nosso dever, considerando felicidade e so-frimento como sendo o mesmo. Até este ponto Kåñëa está dandoinstruções gerais.

INSTRUÇÃO SECRETA

Após isto, vem a instrução secreta8, o conhecimento doBrahman9, Brahman é a substância espiritual. A alma espiritual10

é Brahman e o Espirito Supremo também O é. Arjuna pergunta:“Quais são os sintomas da pessoa cuja consciência está absortano Brahman? Como ele fala, senta e anda?”(Bhagavad-gétä 2.54).

O décimo oitavo capítulo conclui: “Aquele que está situa-do no Brahman vê o Brahman em toda a parte e pensa: eu tambémsou Brahman. Pensando desta forma, ele meditará no Brahman enão experimentará felicidade nem sofrimento. Ele permaneceráestável em qualquer situação e sua consciência fundir-se-á noBrahman”.(Bhagavad-gétä 18.54) “Continue executando o seudever e não deseje os frutos do seu trabalho”(Bhagavad-gétä 2.47)de uma forma geral, este é o conhecimento do Brahman.

INSTRUÇÕES MAIS SECRETAS

Após isto, vem a instrução mais secreta,11 o conhecimentoda Superalma.Existem duas classes de entidades vivas, chamadasas entidades falíveis no mundo material e as infalíveis no mundoespiritual.12 Além destas duas classes está a Superalma,13 uma

8 Guhyä9 Brahma-jïäna10 Ätmä11(guhyatar)

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expansão da Suprema Personalidade de Deus que reside no cora-ção de todas as entidades vivas e é descrita como tendo o tama-nho de um polegar. Medite Nele e se você não alcançá-Lo, tentede novo e de novo, não alcançando, tente novamente.

“Aquele Brahman sem forma que eu mencionei para vocêantes – não vá lá! Cuidado! É extremamente difícil fixar sua cons-ciência em algo que não tem forma”.(Bhagavad-gétä 12.5) Emvez disso, medite em paramätmä dentro do coração.

“Aquele que se atém a Superalma em yoga está realmentena ordem de vida renunciada (um sannyäsé) é o verdadeiro yogé.A pessoa não se torna um verdadeiro sannyäsé meramente porretirar-se das atividades prescritas, ou por murmurar souBrahman”.(Bhagavad-gétä 12.56)

Esta é a instrução mais secreta.

O MAIOR SEGREDO E O MAIOR SEGREDO DE TODOS

Guhyatam, a instrução mais secreta é apresentada no nonocapítulo do Bhagavad-gétä. O serviço devocional transcendentalpuro(bhakti) é apresentado ali, mas desprovido de rasa.15 Embo-ra seja bhakti pura, não é plena de rasa.

O mais secreto de todos os segredos16 é apresentado no fi-nal do décimo oitavo capítulo e é o mais elevado limite de bhakti,porque é pleno de rasa: “Por que você Me é muito querido, estoulhe contando a mais secreta de todas as instruções”.(Bhagavad-

gétä 18.64)Qual é esta instrução?

12 paramätmä-jïäna13 a alma espiritual individual é conhecida como ätmä, e a Alma Suprema ou Superalma

é conhecida como paramätmä15 Humores extáticos do serviço transcendental em relacionamento direto com Bhagavän16 sarva-guhyatam

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“Absorva sua mente e coração em Mim, torne-se Meu de-voto ,adore-Me, ofereça-Me suas reverências e então certamentevocê virá a Mim. Eu o prometo porque você Me é muitoquerido”.(Bhagavad-gétä 18.66)

Antes deste ponto, Çré Kåñëa tinha explicado a adoraçãode Bhagavän com consciência de Suas opulências: Isto é adora-ção a Näräyaëa.17 Entretanto, neste verso são descritas quatroatividades extraordinárias. A primeira é man-manä bhava: sem-pre pense em Mim; a segunda é mad-bhakto: torne-se Meu devo-to; a terceira é mad-yäji: adore-Me; e a Quarta mäà namaskuru:ofereça reverências18 Mim. Se você não pode fazer a primeira,então faça a segunda. Se não puder fazer a segunda, faça a tercei-ra ou então simplesmente ofereça reverência (praëäma) e tudovirá daí.

ABSORVA SUA MENTE E CORAÇÃO EM MIM

Agora vamos falar da primeira parte deste verso, mam-manä bhava: “Concentre sua mente e coração em Mim”. Istonão é uma coisa simples, se nós desejamos concentrar a mente emalguma atividade, teremos de fixar os olhos, ouvidos, nariz e to-dos os nossos sentidos nela. Se a mente não pode se concentrarem algo, ela está mais ou menos descontrolada. As vezes nós pen-samos em Kåñëa, este é o estágio condicionado. A mais elevadaforma de adoração é absorver a mente por completo nos pés delótus de Bhagavän. Mas quando isto será possível?

No período inicial de sraddhä,(fé)19 não é possível absor-

17 a majestosa forma de Bhagavän a qual é adorada com admiração e reverência.18 praëäma19 conforme pratica o serviço devocional, o devoto avança em etapas regulares de sraddhä

– fé; niñöha – prática estável; ruci – gosto; äsakti - apego espiritual; bhava - êxtasedevocional; e prema - desenvolvimento completo do amor transcendental,)

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ver a mente e o coração em Kåñëa. Nem mesmo no estágio deruci (gosto) isto ainda não é possível. Somente após isto nós real-mente começamos a dar o nosso coração. Na etapa de äsakti (ape-go espiritual), nós talvez possamos dar metade de nossos cora-ções a Kåñëa. No estágio de bhäva, ou êxtase devocional, talvezpossamos dar três quartos de nossos corações a Ele e no estágiode prema, amor transcendental ,completamente desenvolvido,poderemos dar nosso coração por completo para Kåñëa.

As gopés (vaqueirinhas) de Våndävana são o exemploideal de absorção em Kåñëa. Elas são os mais elevados devotosde Kåñëa e o amor e a afeição delas por Ele é sem paralelos.Depois de partir de Våndävana, Kåñëa enviou Seu amigo muitoíntimo Uddhava para consolar as gopés. Kåñëa disse a Uddhava:“Quando chegar em Våndävana você encontrará as gopés, as quaissão as mais queridas por Mim. Elas Me entregaram seus coraçõespor completo e não conhecem nada além de Mim. Por Mim elasesqueceram todas as necessidades e funções corpóreas”.

Qual é a condição de alguém que tenha se esquecido detodas as suas necessidades corpóreas? Elas se esqueceram de co-mer, beber, tomar banho, decorar-se com ornamentos e roupas epentear o cabelo. Seus corpos certamente tornaram-se magros efracos. “Elas se esqueceram de todas as suas relações corpóreasdevido ao amor e afeição por Mim: esqueceram-se de seus mari-dos, filhos, amigos, irmãos, riquezas e propriedades. Elas não têmamor por ninguém mais além de Mim e durante o dia e a noitelembram-se disso intensamente. Uddhava, neste mundo nunca seviu alguém doar assim o coração a outra pessoa. Elas mal estãomantendo suas vidas e seus ares vitais subiram ao pescoço. Atéquando elas poderão sobreviver desse modo? Eu não sei se po-dem ser salvas ou não. Vá rápido e salve a vidas delas. Envie-lhesMinha mensagem: Eu com certeza estarei chegando amanhã ou

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depois. A esperança que Eu volte é a única razão pela qual elasestão mantendo suas vidas. Elas irão pensar: Kåñëa disse que estávindo e Ele não pode mentir. Quando elas se agarrem a esta espe-rança será como se suas vidas estivessem pendentes no fino galhode uma árvore. Se o galho quebrar elas cairão. Em outras pala-vras, elas abandonaram suas vidas. Portanto vá logo.”

As gopés são o exemplo perfeito de absorção da mente ecoração em Kåñëa.20 Compreendemos que é muito difícil ofere-cer nosso coração a alguém, mas isto torna-se fácil quando al-guém leva o nosso coração. De outro modo simplesmente nãopodemos fazê-lo. No Kaöha Upaniñad(1-2-23) está dito: “ÇréKåñëa escolherá um coração que seja querido para Ele e entãodirá: “Venha! Eu levarei seu coração.”

Mesmo que realmente desejemos ofertar nossos corações aKåñëa, será muito difícil, mas torna-se possível se ele desejarlevar nossos corações. Devemos deixar nossos corações muitoatrativos para que Kåñëa fique cobiçoso quando nos vir. Certa-mente o coração tem de estar limpo de todas as impurezas, poisele não o levará se houver permanecido alguma impureza. Entre-tanto, somente a pureza não basta, pois muitos jïänés tem cora-ções puros que não atraem Kåñëa. Temos de adicionar algumafragrância especial para que possa atrair Kåñëa quando atingir oSeu nariz. Bhakti-rasa, os humores extáticos do serviçotranscendental em relacionamento direto com Kåñëa devem estarfluindo no coração. É por isso que as gopés de Våndävana sãotão queridas por Kåñëa, seus corações são repletos desta bhakti-

rasa.

20 mam-manä bhava

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ROUBANDO O CORAÇÃO

Como Kåñëa leva o coração de alguém? Esta história mos-trará como Kåñëa estava um dia conduzindo as vacas para fora deVåndävana, para o pastoreio. Sua tez era da cor de uma nuvemcarregada de chuva, Seu cabelo negro encaracolado balançavaem Seu rosto e Ele parecia muito, muito belo e charmoso. Seusamigos estavam espalhados pelos quatro cantos cantando: “Sädhu!Sädhu! ” (que significa Excelente! Excelente!) e glorificandoKåñëa, cantando e tocando suas flautas e trompas.

Quando eles caminhavam assim, até mesmo os cegos deVraja saíam para vê-los. Um dizia: “Aonde você está indo?” e ooutro respondia: “Eu estou indo ter um darñan (audiência) comKåñëa, segure minha mão e vamos!” E assim iam com grandeavidez.

Todas as pessoas de Vraja circundavam a estrada só paraver Kåñëa conduzindo as vacas ao pasto. Mãe Yaçodä e NandaBäbä seguiam Kåñëa dizendo: “Meu filho, volte logo, não vámuito longe!”

Kåñëa repetidamente pedia-lhes que retornassem, mas so-mente quando Ele prometia que estaria em casa no final do dia éque seus pais lentamente retornavam.

Haviam muitas mocinhas recém casadas que tinham aca-bado de chegar em Vraja para viver na casa de seus maridos, elasvinham para a porta de suas casas dar uma olhada em Kåñëa .Algumas estavam observando através das persianas, algumas su-biam nos telhados de suas casas e outras subiam no topo da árvo-res nos kuïjas (arvoredos). Kåñëa também estava procurando,Ele sempre desejava ver novas garotas. Em uma casa havia umamocinha que tinha se casado dois ou três dias antes. Há muitotempo ela ouvia falar sobre o quão maravilhosa e bela era a apa-rência de Kåñëa ao levar as vacas para pastar. Assim, quando

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soube que Kåñëa estava vindo com as vacas, seu coração ficoumuito inquieto e ansioso de ter o Seu darñana (audiência). Porémsua sogra e cunhada estavam sentadas do lado de fora da porta. Acunhada era especialmente má para com ela. Ambas disseram-lhe: “Você não irá! Nós vamos, mas você não pode ir. Há umaserpente negra lá fora e se ela lhe picar, você nunca será capaz deremover o veneno. Portanto fique em casa, nós logo voltaremos”.A mocinha respondeu:

“Vocês irão e eu ficarei aqui em casa, sentada? Eu tambémirei!”

“Não! é perigoso, não vá. Seu coração é muito imaturo evocê jamais removerá o veneno da serpente, é melhor ficar senta-da aqui.”

“Mas eu quero ir com vocês!”“Não, você não vai.”“Eu certamente irei! Mesmo se me expulsarem de casa, eu

irei.”Então, vendo que Kåñëa estava se aproximando, a so-

gra e a cunhada correram para vê-Lo. Assim que elas saíram,a moça avançou e O espreitou pela fenda da porta, ninguémpodia vê-la. Kåñëa sustentava a flauta em Seus lábios e toca-va tão docemente. Parecia que o néctar de Seu coração ema-nava pelos orifícios da flauta e inundava Våndävana. Os olhosque ainda não O viram tocando Sua flauta devem ser lança-dos ao fogo, somente os olhos que já viram esta cena de rarabeleza são auspiciosos.

Kåñëa pode querer ou não ver alguém, mas se alguém ver-dadeiramente deseja vê-Lo, certamente esta pessoa O verá. Na-quele dia, Ele primeiramente desejou ver aquela mocinha, dese-jou deixar todos para traz e ir lá imediatamente. Então, nesta hora,Ele pregou uma peça: agarrou o rabo de um bezerro e o torceu. O

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A Essência do Bhagavad-Gétä 17

bezerro correu direto para porta, como se tivesse sido treinadopara este propósito.

Kåñëa e o bezerro chegaram à porta num instante. De péem Sua postura curvada em três pontos, com a flauta em Seuslábios e sorrindo, Ele ofereceu Seu darñana àquela mocinha. Pron-to! O coração saltou de seu peito, mas Ele continuou o Seu cami-nho. Ela só pôde ficar em pé imóvel. É assim que Kåñëa leva ocoração: man-manä bhava. Se alguém alcança Sua misericór-dia, então certamente Ele levará o seu coração. Se nós estamosespecialmente ansiosos, desejando saber em nossas mentes:“Quando serei capaz de ver a bela forma de Çré Kåñëa?” EntãoKåñëa ficará tão satisfeito que virá e levará nossos corações.

Aquela mocinha tinha executado austeridade por milhõesde anos para obter esta oportunidade e nesse dia ela foi bem suce-dida. Ela ficou em pé, imóvel durante quinze ou vinte minutos.Kåñëa já havia entrado na floresta e a poeira levantada pelas va-cas e garotos já tinha se assentado. Ela ainda estava lá, imóvel,porque sem o Seu coração ou mente , ficou desamparada. Então acruel cunhada lhe disse: “A serpente negra Çyämasundara picouvocê e agora você jamais removerá o veneno”.

Então sacudiu a moça, conseguindo trazê-la para dentro decasa.

“Aqui, pegue este pilão e vá bater o iogurte, um trabalhopesado fará com que sua mente desperte.”

Mas a moça pegou o pote errado e começou a bater semen-te de mostarda que fez um barulho terrível. Ora batia, ora parava.Onde estava sua mente e coração? Kåñëa os tinha levado; man-manä bhava. Novamente sua cunhada se aproximou e disse:

“O que está fazendo? Vou reclamar de você para minhamãe.”

Nesta hora a sogra chegou e disse: “Vá buscar água”.

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18 A Essência do Bhagavad-Gétä

Puseram uma grande bacia em sua cabeça e um pequenopote por cima, também lhe entregaram uma criancinha e disse-ram: “Cuide desta criança e não a deixe chorar!”

Colocaram ainda uma longa corda em sua mão para descero pote no poço e a mandaram embora. Ela levou tudo. Chegandolá, fez um laço para baixar o pote no poço, porém em vez de pas-sar o laço ao redor do pote, colocou-o ao redor da criança. Todosque estavam por perto gritaram: “Ei! O que você está fazendo?”Eles vieram correndo e, tirando a corda da mão dela, salvaram acriança. Uma gopé disse: “Parece que um fantasma se apossoudela.”

Uma outra gopé que sabia de tudo falou: “Não foi um fan-tasma comum, foi o fantasma de Nanda!”

Våndävana é um lugar para aqueles que não podem doarseus corações aos seus filhos e sua família. Eles deixam todos osfamiliares chorando por eles e vêm como emigrados paraVåndävana, e choram exclusivamente por Kåñëa . Mesmos osrefinados filhos e filhas de reis de Våndävana entregam seus co-rações a Kåñëa e se ocupam em bhajan.

Kåñëa disse a Arjuna: “Isto é man-manä bhava. Absorvasua mente em Mim, como as gopés o fizeram.”

Arjuna respondeu: “Prabhu, isto é um campo de batalha!Como será possível para mim, doar aqui o meu coração? Você medisse para lutar contra o avô Bhéñma, Droëäcärya eKarëa.(21)(três grandes generais os quais se opuseram a Arjunana batalha de Kurukñetra) Entretanto sou incapaz de seguir estainstrução”. Em seguida Kåñëa explica o mad-bhakto - torne-seMeu devoto.

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CAPÍTULO DOIS

TORNE-SE MEU DEVOTO

No capítulo anterior começamos a explicar o melhor e omais secreto verso do Bhagavad-gétä e sua instrução man-manäbhava: “concentre sua mente sempre em Mim.” Nós mostramosque as gopés são o exemplo ideal desta prática.

Kåñëa instruiu Arjuna no campo de batalha. Nós tambémestamos no meio de uma batalha. Em Kurukñetra havia uma guer-ra entre os Päëòavas1 e os Kauravas2. Nós também estamos emguerra com as propensões da mente, a qual é inquieta por nature-za. Da mesma forma que a instrução de concentrar a mente emKåñëa(man-manä bhava) foi difícil para Arjuna naquela época,também o é difícil para nós agora.

O exército dos Päëòavas consistia de sete akñauhinés oufalanges militares e o exército dos Kauravas de onze akñauhinés.

Nós também temos um exército de onze akñauhinés contra nós, ecada um de nós encontra-se só. Kåñëa era o condutor da quadrigade Arjuna, mas nosso condutor é a inteligência má e deformada.Arjuna tinha uma quadriga presenteada por Agni e ela não podiaser queimada ou destruída, mas que tipo de quadriga nós temos?Somente este corpo material, o qual está sujeito a doença e a morte.Arjuna tinha o arco Gäëdéva para lutar, mas nós não temos umaarma assim para a luta. Quem estava sentado na bandeira daquadriga de Arjuna? Hanumän. Nós não temos tal ajuda. Assimé a nossa posição enfraquecida.

1 Arjuna e seus cinco irmãos2 Primos invejosos de Arjuna ,encabeçados por Duryodhana

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22 A Essência do Bhagavad-Gétä

Arjuna tinha todo tipo de ajuda, porém quando ouviu asinstruções de Kåñëa, sua mente ficou perturbada e ele disse: “Óh!Kåñëa, sou incapaz de concentrar minha mente e pensar só emVocê.”

Se a mente de Arjuna ficou perturbada, qual é a nossa situ-ação? Nossa mente é o condutor que leva a quadriga do nossocorpo e a alma é o passageiro. Qual é a diferença. Qual é a nature-za da mente? Ela é inquieta e não nos ajuda em nada. Se seguir-mos sua direção cairemos ou nos perderemos no caminho.

No começo do Bhagavad-gétä, Arjuna juntou suas mãos edisse: “Eu me rendo a Você em todos os aspectos e farei o queVocê me instruir.”(Bhagavad-gétä 2.7) Porém, quando ouviu asinstruções de Kåñëa, disse: “Eu não posso executar man-manäbhava. Como irei absorver minha mente desta maneira? Isto nãoé possível. Bhéñma, Droëa, Karëa, Duryodhana e Duùçäsanaestão todos contra nós. São muitos mahärathés,3 que estão reu-nidos para lutar contra nós.”

Nós também temos seis guerreiros contra nós: as exigênci-as da fala, da língua, do estômago, dos genitais, da mente descon-trolada e da ira. Não podemos conquistar nenhum destes guerrei-ros. Personalidades exaltadas tais como Viñvämitra e Näradaforam afetadas por um destes guerreiros, o impulso sexual. ORämäyaëa relata que Närada uma vez desejou casar-se com umaprincesa, porém Viñëu deu a ele um rosto de macaco, assim elefoi afastado da cerimônia na qual a princesa escolhe o seu mari-do.4 Além desses guerreiros, ainda temos que competir comincontáveis desejos pecaminosos e outras impurezas não desejá-

3 mahärathés : grandes guerreiros os quais podem derrotar inúmeros oponentescom uma só mão

4 svayaàvara

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A Essência do Bhagavad-Gétä 23

veis no coração. Portanto Kåñëa disse: “Mad-bhaktaù , torne-seMeu devoto.”

Arjuna deliberou e disse: “É fácil dizer que uma pessoa irátornar-se um devoto ,porém é muito , muito difícil realmente sê-lo”.

Uma coisa é especialmente necessária afim de se tornar-seum devoto. Çréla Rüpa Gosvämé nos instruiu5: “O serviçodevocional deve ser desprovido de todos os desejos além da aspi-ração de trazer felicidade a Kåñëa e não deve estar coberto peloconhecimento6 e pelas atividades de ganho material7.”

Não se deve ter nenhum tipo de desejo material, se alcan-çarmos bhakti, o serviço a Çré Kåñëa e ao verdadeiro devoto, nãopoderemos ter nenhum outro desejo no coração. O que dizer dodesejo para conosco? Não pode haver nem o ar dele, preste aten-ção nisso e seja assim, então você compreenderá bhakti; caso con-trário isto será muito difícil.

Há uma contradição aparente aqui. Falamos que não pode-mos ter nenhuma tendência para atividade material ou acumula-ção de conhecimento. A dificuldade é que nenhum homem podeviver sem atividade. Temos que comer, que usar roupas para nosproteger do frio. Estamos executando alguma atividade materialaté enquanto estamos dormindo, respirando, mudando de posiçãoe sonhando, tudo isso é atividade material. Não podemos vivernem um momento sequer sem executar algum tipo de atividade,qualquer um que disser o contrário é um farsante.

A questão é: qual a garantia de que a atividade não enco-brirá a nossa bhakti? A solução é executar nossas atividades para

5 anyäbhiläñitä-çünyaà jïäna-karmädy-anävåtam - Bhakti-rasämåta-sindhu(1.1.11

6 jïäna7 karma

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24 A Essência do Bhagavad-Gétä

Bhagavän, então isto não encobrirá nossa bhakti. Por exemplo:quando estamos comendo, não devemos esquecer o Senhor, pelocontrário devemos comer para o Senhor e Seu serviço.

Em nossa condição atual também somos incapazes de vi-ver sem conhecimento. Conhecimento é necessário, porque semele nem sequer saberemos o local onde colocar os pés quandoandarmos e cairemos. Por isso, embora o conhecimento e ativida-de material permaneçam, eles devem ser mantidos em posição deserviço a bhakti, caso contrário nossa bhakti será encoberta. Po-demos fazer isso ocupando nosso conhecimento e atividade aoserviço de Kåñëa. Por exemplo, podemos ir ao mercado e trazerfrutas e vegetais de boa qualidade para servir as Deidades8. Elasaceitarão as oferendas e darão prasäda para todos. Agindo destamaneira, nossa bhakti aumentará em vez de ser encoberta.

Por outro lado, se agirmos para o nosso desfrute, tudo seráestragado, mesmo se oferecermos os resultados de nossas ativi-dades para Kåñëa. Esta ação cobrirá nossa bhakti, portanto temosque ser cuidadosos com isto. Por exemplo, se trazemos ingredi-entes de primeira classe, tais como o melhor leite, ghee puro, cocoe adicionarmos uma excelente prata em cima, faremos um docemuito bom. De certo modo é correto pensar: “Eu fiz isso. Coleteios fundos necessários, trouxe os ingredientes, oferecerei aBhagavän e então desfrutarei o doce”. Entretanto isto não écomplemente correto, isto não deve ser oferecido somente apósser preparado, pelo contrário, deve-se oferecer a Bhagavän tudodesde o começo. “Suas ações devem ser feitas como um sacrifí-cio a Bhagavän”. (Bhagavad-gétä 3.9)

8 a Deidade é uma forma tangível – feita de pedra ,metal ,madeira etc.- da Supre-ma Personalidade de Deus , Sua Potência personificada ou devoto puro. A Dei-dade é aceita e adorada como não sendo diferente da personalidade da qual elaé a manifestação

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A Essência do Bhagavad-Gétä 25

Esta é a instrução do Gétä: “O que quer que você coma, sepreparar o alimento, se executar um sacrifício, se cuidar de umjardim – tudo deve ser oferecido a Deidade”.(Bhagavad-gétä 9.27)

Em geral, as pessoas mais espiritualizadas deste mundoestão fazendo isto. Porém Çré Caitanya Mahäprabhu e os gran-des instrutores de sua linha ensinaram: “Não façam as coisas des-ta forma! Cuidado! Você pode cair numa cilada!” Ou melhor, de-vemos nos oferecer a Deidade dizendo, “Eu lhe pertenço”. Entãoo que quer que comamos ou façamos será automaticamente paraBhagavän. “Ouvir e cantar sobre Kåñëa, lembrar Dele, servirSeus pés , adorá-Lo, orar para Ele, tornar-se Seu servo, tornar-seSeu querido amigo e render-se totalmente a Ele – estes são osnove processos de bhakti. A execução destes nove tipos de bhakti

constitui o conhecimento mais elevado.”(Çrémad-Bhägavatam7.5.23,24)

Contudo se os resultados destes nove processos forem ofe-recidos a Bhagavän somente após terem sido executados, istoserá meramente serviço devocional misto. As pessoas deste mun-do geralmente não sabem disto. Elas pensam que as atividadesdevem ser executadas e que somente os resultados devem ser ofe-recido a Bhagavän, porém os devotos puros compreendem queisto é um erro. Aqueles que seguem o caminho da atividade ofe-recem seus resultados, mas os devotos puros primeiramente seoferecem a Bhagavän.

É como um garotinho comendo sentado no colo de sua mãe.O garoto põe alimento em sua boca e na do seu pai também, maso pai não se ofende e até fica contente, por quê? O garoto dependetotalmente dele, mesmo se ele o punir, o garoto nunca o abando-nará. Devotos muito avançados também têm um relacionamentoíntimo e informal como esse com Bhagavän, mas para desenvol-ver tal relacionamento devemos primeiramente oferecer tudo ao

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26 A Essência do Bhagavad-Gétä

nosso guru, pois em nossa condição atual ele deve ser visto comoBhagavän.

Quando desenvolvermos um relacionamento direto comBhagavän, nós não necessitaremos mais fazer oferecimentos for-mais. As gopés estão se enfeitando e comendo, porém elas nãofazem nenhuma oferenda formal ou adoração cerimoniosa aKåñëa. Elas usam belos enfeites quando se vestem, decoram-se ecolocam ornamentos, mas para quem é tudo isso? Qualquer coisaque elas façam é somente para o prazer de Kåñëa. Assim que elasconseguem algo, automaticamente vai para Kåñëa. Devemos se-guir o exemplo delas e fazer tudo exclusivamente para o prazerde Kåñëa. É difícil alcançar tal bhakti. Nós precisamos acumularalgum mérito em nossas vidas anteriores e se pela misericórdia deBhagavän e dos Vaiñëavas formos favorecidos com a compa-nhia de Vaiñëavas puros neste nascimento, então a bhakti puravirá.

A HISTÓRIA DE BILVAMAËGALA ÖHÄKURA

Este ponto é bem ilustrado pela história deBilvamaìgala Öhäkura. Embora ele tivesse algum mérito desuas vidas anteriores, alguns desejos específicos para o des-frute ainda permaneciam em seu coração. Ele tinha como com-panheira a prostituta Cintämaëi e uma noite submeteu-se atodo tipo de dificuldades e perigos para visitá-la. Usou umcadáver que flutuava para atravessar o rio em direção ao palá-cio dela e uma serpente para subir em sua janela. Neste meiotempo, ela tinha se tornado exclusivamente devotada a Kåñëae portanto rejeitou Bilvamaìgala, repreendendo-o, após o quêele tornou-se um renunciado.

Então apossado por um grande desejo de encontrar Kåñëa,ele abandonou sua casa e seguiu em direção a Våndävana.

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A Essência do Bhagavad-Gétä 27

Alguns dias depois, quando passava por um poço, umamocinha lhe ofereceu um pouco de água para beber. Naquelemomento, ele se esqueceu de beber a água e começou a contem-plar a moça. Então a seguiu até sua casa e o esposo dela veio atéa porta pensando: “Quem é esta grande alma que veio até minhacasa?”

Bilvamaìgala perguntou: “Quem é esta moça?”O brähmaëa respondeu: “Ela é minha esposa.”Bilvamaìgala disse: “Chame-a quero falar-lhe um pou-

co.”O brähmaëa chamou-a e quando ela veio, Bilvamaìgala

pediu-lhe: “Por favor, dê- me seus dois grampos de cabelo.”O brähmaëa e a esposa pensaram: “Ele é um mendigo

viajante, talvez queira remover um espinho ou farpa do seupé.” E entregaram-lhe os grampos. Bilvamaìgala tinha umespinho que desejava remover, porém ele estava em seu cora-ção e não podia alcançá-lo. Portanto pegou os grampos e fu-rou ambos os olhos.

Existe um ditado em Hindi que significa, “Se não há bam-bu não haverá flauta.” Estes olhos podem ser o principal motivodo nosso apego a este mundo, porque a forma da mulher atrai ohomem e a forma do homem atrai a mulher, ambas as formas sãoa personificação de mäyä(ilusão material). Portanto o Çrémad-Bhägavatam e outras escrituras nos avisam para ter muito cuida-do com isso.

Cego, Bilvamaìgala continuou seu caminho, ele estavano humor de profunda separação de Kåñëa e todos os seus senti-dos estavam agora centrados em Bhagavän. Ele encontrou mui-tos obstáculos tais como, areia movediça e correnteza, mas estavadeterminado e meditava profundamente em Kåñëa conforme se-guia em direção a Våndävana.

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Certo dia, um garotinho veio até ele e disse-lhe com umadoce voz: “Bäbä, aonde você está indo?”

Bilvamaìgala ficou contente e respondeu: “Meu filho,estou indo para Våndävana. E você aonde vai?”

“Eu também vou para Våndävana, Eu vivo lá.”“Em Våndävana? Então venha comigo, segure na minha

bengala.”Eles seguiram juntos, andaram e andaram até que chega-

ram em Våndävana. O que aconteceu no caminho? Dentro de seucoração, Bilvamaìgala experimentou tantas realizações sobreKåñëa que eram exatamente como néctar. Na verdade foi o pró-prio Kåñëa que veio levá-lo a Våndävana. Kåñëa cuida pessoal-mente de Seus devotos.

A seguinte história ilustra como Kåñëa realmente cuidadaqueles que se tornaram Seus devotos.

Havia um brähmaëa devoto de Kåñëa, que tinha lido mui-tas escrituras e muitos comentários do Gétä e do Bhägavatam.Ele não tinha emprego, todos os dia costumava mendigar duranteuma hora no começo da tarde, quando a maioria das pessoas esta-vam almoçando. Sua esposa costumava preparar qualquer coisaque ele coletasse e o casal sobrevivia somente daquilo. O resto dotempo ele dedicava ao estudo das escrituras e em ouvir e cantar ossantos nomes, as glórias e passatempos de Kåñëa.

O brähmaëa e sua esposa estavam muito contentes jun-tos, vivendo com o que Bhagavän lhes dava. Eles não tinhamnenhum desejo material, só liam o Gétä e meditavam nos tópicosespirituais.

Enquanto lia o Gétä diariamente ele costumava ter muitasrealizações espirituais e as escrevia para que pudessem serpublicadas, pois assim as pessoas comuns as entenderiam. Eradesta forma que ele se ocupava em bhajan.

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Um dia, ele leu um verso do Bhagavad-Gétä (9.22)9 e come-çou a analisá-lo como se segue: “Os devotos situam-se muito próxi-mos a Kåñëa quando suas mentes estão plenamente auto-controla-das, quando meditam exclusivamente em Kåñëa e O adoram de to-das as maneiras (especialmente através do ouvir e cantar Seus no-mes, glórias qualidades e passatempos) para a felicidade de Kåñëa enão para a própria felicidade. Mesmo se uma pessoa de má condutaocupa-se neste tipo exclusivo de bhajan, então Kåñëa o aceitará.Caso este sentimento não exista, então Kåñëa nunca se revelará.”

Este verso está relacionado com a prática do serviçodevocional (sädhana), e não ao estágio de perfeição. Kåñëa pro-tege e mantém aqueles que tomaram abrigo exclusivamente Nele.

Este brähmaëa era, por natureza, muito humilde e rendi-do, bons sentimentos surgiam em seu coração conforme estudavaeste verso. Então, ele chegou a última linha, a qual diz: “yoga-kñemaà vahämy aham”: quando Meus devotos assim se ocu-pam em adoração (bhajan), Eu suprirei todas as suas necessida-des, tais como alimentos e água. Até mendigarei e pessoalmentelevarei o resultado (vahämy) a eles”.

O brähmaëa parou de ler e pensou: “Como é que pode serisso? Agora tenho mais de setenta anos e até então Bhagavännunca cuidou diretamente de nós desta maneira. Temos nos ocu-pado em bhajan exclusivo, ainda assim não temos sequer um ratohoje em casa. Por quê? Por que não há alimentos nesta casa, nadasequer a refeição de hoje? Não temos nem um pote de barro paracoletar água da chuva. Só comemos o que consigo quando saiopara esmolar. Será que Bhagavän não vê isto? Ele não é a almaque testemunha tudo? Certamente não está cuidando da gente

9 ananyäs cintayanto mäà/ ye janäù paryupäsate teñäm nityäbhiyuktänäà/ yoga-kñemaà vahämy aham

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como afirma neste verso. Talvez se precisarmos de algo Ele pos-sa inspirar alguém para vir nos ajudar, mas Ele nunca trouxe opeso sobre Sua cabeça. Eu não posso aceitar isto, não é possívelque Kåñëa tenha falado este verso. Alguma outra pessoa deve tercolocado-o aí.” Pensando desta maneira ele riscou esta linha comuma caneta vermelha.

Naquele dia, ele teve que rasgar um pedaço de tecido desua esposa para cobrir-se quando saiu para mendigar. Conformeia ele pensava, “Kåñëa irá carregar aquilo que precisamos comSeu próprio corpo? Talvez Ele possa inspirar um rei ou alguémrico a nos ajudar, porém irá o Prabhu onisciente e todo poderosocarregar alguma coisa sobre Sua própria cabeça? Eu acho quenão. Eu ouvi que Ele transformou o pobre Brähmaëa Sudämäem um rei, mas Ele não carregou fisicamente nenhum peso paraele, eu nunca ouvi isto.”

Tirou isso da mente e saiu para mendigar, porém não foibem sucedido. Perambulou daqui para ali, porém lá pelas três horasainda não tinha coletado nada. Um homem disse para ele “Bäbä,desculpe, mas nossa casa está impura, um dos nossos membrosfamiliares acaba de morrer, portanto não podemos dar nada pelospróximos três dias”. Acontecia o mesmo aonde quer que ele fossee então começou a voltar para casa de mãos vazias.

Neste meio tempo, o que acontecia em sua casa? Um belorapaz chegava ao portão. Ele tinha a tez escura e usava uma roupaamarelo brilhante e nos Seus ombros carregava um longo bastãocom sacos de mantimentos nas extremidades. O saco em uma daspontas continha arroz ,dahl, ghee e condimentos e o saco da outraponta continha açúcar, vegetais e diferentes mercadorias. O rapaznão parecia forte o suficiente para carregar tanto peso. Ele eramuito jovem – talvez quatorze anos – e Seus membros eram bemdelicados, e transpirava muito. Quando o rapaz chegou ao portão

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Ele gritou: “Ó mãe! Ó esposa do meu guru! Por favor abra a por-ta!”

A esposa do brämaëa respondeu: “O que está dizendo?Meu marido não tem discípulos.”

O rapaz contestou: “Mas Eu sou discípulo do seu marido.”Ela pensou: “Quem é Ele? De onde Ele veio?”Ela não podia abrir a porta pois sequer tinha roupa sufici-

ente para cobrir-se adequadamente, porém Kåñëa compreendeutudo e passou-lhe Seu manto pela porta para ela poder se vestir.Ele disse: “Mãe, gurujé Me mandou aqui, dizendo que logo viria.Eu pedi por favor para que ele esperasse um pouco de forma a queEu pudesse beber água, mas ele disse não, Você pode beber águadepois. Vá para minha casa imediatamente. Ele pôde ver que Eusou só um rapazinho mas mesmo assim colocou todo este pesoem Mim e mandou-Me aqui.”

Quando a esposa do brämaëa ouviu isto, ela começou achorar pensando: “Este rapazinho é tão delicado e está transpi-rando tanto. Será que este brähmaëa não tem misericórdia? Elemesmo vem de mãos vazias após entregar tudo a este pobre meni-no! Ele não tem misericórdia.”

Então o rapaz mostrou Suas costas e disse: “Mãe, ele tam-bém Me arranhou com suas unhas.”

“Óh! Parece que vai sangrar”, exclamou a esposa dobrähmaëa e pegou o rapaz em seu colo. “Meu filho, quando elechegar eu lhe darei uma lição! Ele faz-se passar por grande devo-to, auto-controlado porém não pode sequer mostrar misericórdiaa uma criança, meu querido filho, por favor, entre.”

Ela O levou para dentro e disse: “Sente-Se aqui, eu prepa-rarei algo para Você comer, não vá embora antes que eu Lhe dêalgum alimento.”

Ela foi para a cozinha e começou a preparar arroz, dahl e

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os vegetais que Ele havia trazido. Enquanto ela estava assim ocu-pada, alguém bateu à porta; seu marido chegou.

“Abram a porta!” Ele disse.A esposa do brähmaëa foi até a porta muito irada e disse:

“Você veio de mãos vazias, sem carregar nada? Você deixou todoo peso para aquele pobre garoto e ainda arranhou-O com suasunhas? Você não tem nem um pouco de misericórdia.”

“O quê? Do que você está falando? ” perguntou o brähmaëa.“Você sabe muito bem. Estou falando sobre o garoto que

você mandou aqui carregando o que você coletou.”“Quem? Não sei nada sobre isso!”“Você pôs a pobre criança para carregar tudo e você mes-

mo não trouxe nada.”“Onde está Ele então ?”“Entre e veja você mesmo.”Eles entraram em casa, porém o rapaz não foi encontrado

em nenhum lugar. Eles procuraram na casa toda e tudo que en-contraram foi um fio de linha do tecido amarelo onde Ele estavasentado. Após terem procurado pelo rapaz, sem encontrá-Lo , obrähmaëa pegou o Gétä em suas mãos e abriu, para sua surpresadescobriu que os rabiscos vermelhos que ele tinha feito no versonão estavam mais lá. Ele começou a chorar amargamente e disse:

“Veja só como Bhagavän carregou nosso peso hoje! É evi-dente. Minha dúvida foi dissipada.” Isto é bhakti e este é um exem-plo de como a prática (sädhana) produz bhakti.

Arjuna disse: “Prabhu, será muito difícil fazer isso aquineste campo de batalha. Não poderei executar man-manä bhava,absorver a mente em pensar só em Você, nem poderei fazer mad-bhaktaù, tornar-me Seu devoto. Prabhu, por favor, ensine-me ummétodo que seja simples, direto e fácil.”

Em seguida Kåñëa explicará mad-yäjé: “Adore-Me”.

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CAPÍTULO TRÊS

OFEREÇA REVERÊNCIAS

A MIM E ADORE-ME

“Porque você é tão querido para Mim, Eu lhe contarei ago-ra a verdade mais secreta e confidencial. Ouça-Me, é para o seubenefício. Sempre pense em Mim, torne-se Meu devoto, adore-Me, ofereça todos os seus praëäma para Mim e então certamentevocê virá a Mim. Eu lhe prometo isso porque és muito queridopara Mim.”(Bhagavad-gétä 18.64,65)

Aqui a palavra ‘paramaà’ significa a suprema essência detodas as escrituras. Se a pessoa não entregou sua mente, corpo epalavras aos pés de lótus do guru e Bhagavän, Kåñëa não revela-rá estas verdades a ela. Como devemos nos render ao guru? OGétä nos instrui deste modo: “Você alcançará este conhecimentosatisfazendo seu guru com submissão, perguntas relevantes e ser-viço. Ele pode lhe ensinar isto porque ele viu a verdade”.(Bhagavad-gétä 4.34)

A pessoa se qualifica para compreender este conhecimentoaproximando-se do guru com os seguintes três modos de compor-tamento: praëipätena - submissão, paripraçnena - perguntas re-levantes e sevayä - serviço sincero. Por outro lado, o guru só daráinstruções superficiais àquele que exige respostas para suas per-guntas, ou àquele que não escuta atentamente as respostas e temque fazer as mesmas perguntas repetidamente. O guru não darásarva-guhyatam, o conhecimento mais secreto para tal pessoa.Kåñëa fez o voto de que o conhecimento essencial do Gétä nãoserá dado àqueles cujos corações não tenham sido purificadospelas austeridades, que não sejam rendidos e que não tenham ser-vido o guru e os Vaiñëavas .

No início Kåñëa só disse para Arjuna executar sacrifício:“Execute seu trabalho como um sacrifício para Bhagavän, caso

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34 A Essência do Bhagavad-Gétä

contrário ele será a causa do apego material.”(Bhagavad-gétä 3.9)Depois Ele deu o conhecimento do Brahman1 e então o co-

nhecimento da Superalma2 : “ Tente meditar na forma de Viñëu aqual é do tamanho de um polegar dentro de seu coração.” Yoga émelhor que trabalho fruitivo,3 conhecimento empírico4 ou auste-ridade5 . E entre todos os yogés, aquele que rendeu-se à Superalma,que está totalmente unido a Ele em yoga e O adora exclusivamen-te com fé, é o melhor.”(Bhagavad-gétä 6.47)

Até este ponto, Kåñëa ainda não revelou Sua forma íntima.Ele só recomendou que devemos nos inclinar para a Superalmadentro do coração. Então no final do Gétä, Ele fala o verso queestamos discutindo, man-manä bhava (18-65). Quando Ele dizque devemos sempre pensar Nele, a quem Ele está referindo-se?A Çyämasundara, cujo corpo transcendental é da cor escura comouma bela nuvem de chuva, o qual tem um cabelo muito belo e usasempre uma pena de pavão em Sua cabeça, Ele tem uma posturacurvada em três partes e está sob uma árvore kadamba em umbosque agradável de Våndävana derramando o néctar de Seucoração pelos furos de Sua flauta que segura junto a Seus beloslábios. Devemos sempre pensar neste Kåñëa. Kåñëa ainda nãotinha revelado esta forma no Gétä até este verso.

Já demos o exemplo das gopés para explicar o que signifi-ca ter a mente absorta em Kåñëa6 . Em relação a tornar-se umdevoto de Kåñëa7 , nós explicamos sobre ouvir, cantar, lembraretc. e ainda vimos como alguns grandes devotos executaram ser-viço devocional regulado.

1 brahma-jïäna2 paramätmä-jïäna3 karma4 jïäna5 tapasyä6 man-manä bhava7 mad-bhaktaù

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Pode ser possível de alguma maneira absorver a mente emKåñëa na etapa do êxtase devocional8, porém somente na etapado amor transcendental totalmente desenvolvido9 é que podemosrealmente pensar sempre em Kåñëa. É muito raro alguém alcan-çar o estágio de amor extático (o que dizer de prema) no processoda prática. No processo de tornar-se devoto (mad-bhakto), pri-meiro existe a fé10, então a prática firmemente estabelecida11, ogosto12, o apego transcendental13 e finalmente o amor extático14.A partir deste ponto pode-se dizer que a pessoa realmente tornou-se um devoto e pode realmente começar a pensar em Kåñëa.

Depois Kåñëa diz,mad-yäjé.‘Yäjé’ significa yajïa, sacrifício. Se alguém ainda não de-

senvolveu nenhum amor verdadeiro por Bhagavän, porém já temum pouco de fé, então ele pode executar yajïa. Este sacrifício éum tratamento para o enredamento material. Um verso a este res-peito é encontrado na conversa entre Çré Caitanya Mahäprabhue Räya Rämänanda. “A Deidade pode ser adorada com dezesseistipos de parafernália, ou com doze, ou com cinco, mas se nãohouver prema(amor) no püjä(adoração), Bhagavän nunca ficarásatisfeito”15.

Comida e água só serão atraentes quando estamos com fomee sede. Se alguém nos servir vegetais bem preparados quando nãoestamos com fome, nós diremos indiferentemente: “Óh! o quevocê fez?” Então provaremos e diremos: “Não tem sal suficiente”ou “Tem muito sal.” Pensaremos que o arroz doce está muito fino,

8 bhäva9 prema10 sräddhä11 niñthä12 ruci13 äsakti14 bhava15 Çré Caitanya Caritämåta,Madhya-lélä 8.69

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o chapäti16 está deformado e a rasagullä17 está achatada e nãoredonda como deve ser. Mas se estivermos com fome, podemospegar um chapäti velho e adicionar um pouco de água e talvezespremer um limão e pensar que está uma delícia, se tivermosfome qualquer comida será saborosa. Da mesma maneira, se odevoto não tem prema, Bhagavän não sentirá fome para suaoferenda e não ficará satisfeito pela adoração deste devoto. Poroutro lado, se o prema do devoto fizer Bhagavän sentir fome, Eleaceitará a oferenda, seja ela feita com dezesseis ou com um sótipo de parafernália. No Bhagavad-gétä (9.26), Kåñëa diz que sealguém simplesmente Lhe oferecer uma folha, flor, alguma frutaou água com amor, Ele aceitará. Ele aceitará qualquer coisa queseja oferecida com amor.

O devoto deve sempre ter este amor que faz com que Kåñëasinta fome. Aqui há um ponto que precisamos entender. Nós nãodevemos pensar. “Porque esta oferenda é para o prazer deBhagavän? Em última analise ela é para a nossa felicidade.” OÇrémad-Bhägavatam afirma: “O dharma(ocupação) supremopara a sociedade humana é a devoção pura para Adhokñaja, aPessoa Transcendental. Esta devoção tem de ser livre de motivosocultos e praticada constantemente para auto-satisfaçãocompleta.”(Çrémad-Bhagavatam 1.2.6)

Neste verso Bhagavän Çré Kåñëa é Aquele que deve seragradado e se Ele for satisfeito, nossa adoração18 será bem suce-dida. Se fizermos a atividade para o nosso prazer, poderemos com-preender que isso foi feito somente por luxúria.

Existe um ponto a ser considerado aqui. Se Bhagavän es-tiver satisfeito, então o devoto automática e individualmente al-cançará sua própria satisfação. Entretanto, adoração oferecida por

16 pão fino arredondado sem fermento17 doce redondo e suculento18 püjä

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interesses próprios não é bhakti pura, mas sim devoção com mo-tivos egoístas19 . Temos de entender bem este ponto. Não devepermanecer nenhum desejo para o nosso próprio prazer, caso con-trário a adoração tornar-se-á impura. A maioria dos chefes de fa-mília oram quando executam adoração a Deidade, “Prabhu, euofereço o fruto de todas as minhas atividades aos Seus pés.” Masisso realmente o que é? “Eu simplesmente desejo felicidade e pazpara mim e minha família”, não devemos oferecer adoração aDeidade com tais desejos.

KÅÑËA PROTEGE O VOTO DE SEU DEVOTO

Agora vamos contar uma história de nossa experiência, aqual mostra como devemos ter amor e apego por nossa adoraçãoa Deidade20. Havia um devoto aqui em Mathurä que adorava umaçälagräma-çilä21 . Ele não conhecia todos os refinados detalhesde mantras e do püjä, mas continuava a sua adoração de modocostumeiro. Havia feito um voto de banhar-se no rio Yamunäpelas quatro da manhã e voltava para casa com um pouco de águado rio para usar no seu püjä e para aplicar sua tilaka 22 ; ele nãousava nenhuma água exceto a do Yamunä. Por cerca de dez ouquinze anos, este devoto seguiu seu voto sem desvio e executouseu püjä com grande fé. Então em uma noite de lua nova do mêsmägha23 estava extremamente escuro, um vento muito forte so-prava e tinha chovido muito durante toda a noite. A água do rioYamunä tinha subido e estava fluindo com muita violência pró-ximo ao Viçrama Ghäöa - um local de banho em Mathurä ondeele costumava banhar-se e coletar a sua água, estava tremendo de

19 sakäma-bhakti20 püjä21 uma pedra negra, lisa, não diferente de Bhagavän, a qual manifesta-se no sagrado

rio Gandaki na India22 marcas auspiciosas feita em doze partes do corpo com água e argila sagrada23 meio de fevereiro

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38 A Essência do Bhagavad-Gétä

frio. Eram cerca de três da manhã, porém ele não estava certo deque horas eram. Naquela época as pessoas não tinham relógio depulso, estimavam a hora olhando para a posição de estrelas comoDhruva e Çukra. Mas naquela noite as estrelas estavam escondi-das por densas nuvens.

Quando foi banhar-se no Yamunä, estava tão escuro e cho-via tão forte que não pôde ver o caminho e ele se perdeu. Comgrande ansiedade, ele pensou: “ Como voltarei para casa a tempode cumprir meu voto? O que devo fazer?” Então ele viu um garo-tinho de Mathurä vindo. Tinha uma grande sacola dobrada aomeio sobre Sua cabeça para protegê-Lo da chuva e carregava umalanterna em Sua mão. O garoto perguntou com uma voz doce:“Bäbä, para onde você vai?”

O homem lhe disse o nome de sua rua e o número de suacasa, e o garoto respondeu: “Sim, Eu sei onde fica, estou indo láperto. Venha, Eu lhe mostrarei o caminho.”

O homem confiou no garoto e eles foram juntos. No cami-nho o garoto não disse uma palavra e o homem pensou consigomesmo: “Porque este garotinho apareceu numa noite como esta?”

Tremendo, ele continuou seguindo o garoto até que Ele vi-rou e disse: “Bäbä, esta é a rua, sua casa é logo ali. Eu vou maisadiante.”

O homem seguiu para sua casa, mas então uma dúvida sur-giu em sua mente, ele se virou e olhou em direção ao garoto,porém não viu nem o garoto nem sua luz. Colocando as mãos nacabeça, começou a afligir-se profundamente: “Para proteger meuvoto, Bhagavän veio com este disfarce, segurando uma lanternapara me mostrar o caminho.”

Isto é adoração. Devemos ter este tipo de determinação firmesem considerar nossa própria felicidade ou infelicidade. Este é real-mente um desejo forte e se executarmos um püjä com este apetite eeste prema, Bhagavän não o aceitará? Ele aceitará. Portanto noBhagavad-Gétä (9-26), Kåñëa diz, prayatätmanaù: se alguém sim-

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A Essência do Bhagavad-Gétä 39

plesmente oferece a Ele algo com fé e amor, Ele aceitará.Às vezes nosso Gurudeva nos repreende quando estamos

lhe servindo e fazemos uma tempestade em um copo de água,pensando: “Gurujé costuma ser tão carinhoso comigo, mas agoraele está me tratando assim, eu vou abandoná-lo.” Isto é errado,não devemos pensar desta maneira. Muitas dificuldades virão paratestar o nosso serviço a Gurudeva, mas nossa resolução deve ser:“Nascimento após nascimento, eu nunca abandonarei meuGurudeva ou meu senhor.”

OFEREÇA REVERÊNCIAS A MIM

Arjuna disse, “Prabhu, não é possível para mim executareste tipo de adoração formal aqui no campo de batalha. Por favorfale-me de um caminho ainda mais fácil.”

Kåñëa respondeu: “Você precisa de algo mais fácil? Entãomäà namaskuru: simplesmente ofereça reverências aMim.(praëäma)” Isto não significa fazer o gesto de oferecer re-verências de uma forma mui casual, mas significa oferecer reve-rências sem nenhum falso ego. “Abandone todos os tipos de reli-gião e simplesmente renda-se exclusivamente a Mim.” (Bhagavad-gétä 18.66)

Devemos manter esta instrução no coração e oferecer reve-rências a Kåñëa com este espírito. Quando alguém oferece reve-rências a Kåñëa desta maneira, somente uma vez, é como se eletivesse pulado uma grande extensão de água – o oceano da exis-tência material – então olha para trás e vê que já atravessou. “Mes-mo aquele que já executou dez mil sacrifícios de cavalo nasce denovo, mas aquele que por uma única vez ofereceu simplesmentereverências a Kåñëa nunca nasce novamente.”

Aquele que ofereceu reverências a Kåñëa só uma vez comrendição exclusiva não entrará novamente no ciclo de nascimen-tos e mortes. Ele não será forçado a entrar no ventre de uma mãenovamente. Este é o significado de mäà-nanamaskuru: “Ofere-

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ça reverências a Mim.” Desta maneira Arjuna disse: “Prabhu, euofereço minhas reverências a Você não somente uma mais cente-nas de vezes!”

Neste verso Kåñëa responde: “Mad-bhaktaù” - torne-seMeu devoto; “man-manä bhava” - ocupe-se em Meu bhajana,absorva sua mente e coração em Mim, ao final deste bhajana,“mad-yäjé” - adore-Me e após executar püjä, “mäà-namaskuru”- ofereça suas reverências a Mim.

Agora todas as quatro atividades descritas neste verso tor-nam-se uma. Ofereça suas reverências a Bhagavän Çré Kåñëacom grande fé, sentimento e amor, seguindo sinceramente todosos ramos de bhakti. Isto é sarva-guhyatam, o tesouro mais secretoe paramaà vacaù, a instrução suprema do Bhagavad-gétä. Sealguém segue este único verso com sinceridade, certamente atra-vessará o oceano da existência material e alcançará prema exclu-sivo pelos pés de Çré Kåñëa.

Este verso do Gétä explica de uma forma muito resumida osignificado de se alcançar a bhakti de Vraja, enquanto o conheci-mento de que Kåñëa é Deus, está submerso na doçura das trocasamorosas íntimas. A bhakti de Vraja é única, pois é só em Vrajaque Kåñëa concorda em ser amarrado pelo amor de Seu devoto.Esta concepção é explicada de uma forma expansiva no Çrémad-Bhägavatam.

O Bhagavad-gétä é o livro inicial e não devemos nunca ede forma alguma desrespeitá-lo. As instruções dele devem nosservir como a fundação na qual construiremos a palácio da bhakti,onde executaremos püjä para Çré Rädhä e Kåñëa com grandeamor. Esta é a essência do Bhagavad-gétä.

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“Absorva sua mente e coraçãoem Mim, torne-se Meu devoto, ado-re-Me, ofereça-Me suas reverênciase certamente virá a Mim. Eu faço estapromessa a você porque Me és mui-to querido.”

Este é o melhor de todos os ver-sos do Bhagavad-gétä . Nós não de-vemos nunca, de forma alguma des-respeitar o Gétä. Estas instruçõesdevem ser a fundação sobre a qualconstruiremos o palácio da devoçãoonde executaremos adoração a ÇréÇré Rädhä e Kåñëa com grandeamor. Esta é a essência doBhagavad-gétä

Çréla Bhaktivedänta Näräyaëa Mahäräja.