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Rnthony Leeds e Elizabeth Leeds  / i f l T RO P O L O G i f c S OC I A L nSodotoda do Brasil Urbano

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Rnthony Leeds e Elizabeth Leeds

 /iflTROPOLOGifc SOCIAL

nSodotoda

do Brasil Urbano

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Hnthony Leeds e Elizabeth Leeds

ogia

Tradução de  

M a r ia L a u r a V iv e ir o s d e C a s t ro

Revi são Técn i ca de  

M á r c ia B a n d e i r a d e M e l lo L e i t e N u n es

A present ação de  

T h a l e s d e A z ev ed o

ZAHAR EDITORES 

RIO DE JANEIRO

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Copyright   © 1977 by Anthony Leeds and Elizabeth Leeds

capa de   J a n e

Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida  sejam quais forem os meios empregados {mirneografi&,  xerox» datilografia, gravação, reprodução em disco ou  em fita ), sem a permissão por escrito da editora. Aos  infratores se aplicam as sanções previstas nos artigos 122 e 130 da L ei 5.938 de 14 de dezem bro de 1973

1978

Direitos para esta edição contratados com

ZAHAR EDITORES

Caixa Postal 207, ZOOO, Rio

Impresso no Brasil

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índice

Apresentação — T h a l e s   d e   A z e v e d o  

I. Introdução — A n t h o .n y   L e e d s 11

7

II . Poder Local em Relação com Instituições de Poder Supralocal

Introdução, 26; A Comunidade, 29; A Localidade, 31; Caracte-rísticas da Localidade, 33; As Estruturas e os Recursos de Po-der, 36; Localidade e Fontes de Poder, 38; Instituições e Estru-turas Supralocais, 38; O Estada e as Localidades, 39; Estado eLocalidade — O Caso da Favela, 42; Favelas como Localidades“versus” Instituições e Estruturas Supralocais, 45; Generali-zações e Conclusões1 47; Bibliografia, 49.

III , Carreiras Brasileiras e Estrutura Social: Uma História de Caso e um Modelo — A n t h o n y   L e e d s   ........................................... 55

Bibliografia .............................................................................................. 84

IV . O Brasil e o Mito da Ruralidade Urbana: Experiência Urba-na, Trabalho e Valores nas “Áreas Invadidas” do Rio de  Janeiro e de Lima — A n t h o n y   e   E l i z a b e t h   L e e d s   ...................   8 6

Introdução, 86; A Experiência Urbana dos Moradores dasÁreas Invadidas, 92; O Nascido na Cidade, 95; Caminhos deEntrada na Cidade, 98; Experiência Ocupacional Anterior,102; Fatores Que Operam na Seleção para a Vida na Favela,105; Experiência Urbana no Interior da Área Invadida, 113;Valores Urbanos, 119; Comentários Informais do Autor, 130;Bibliografia, 136.

V. Tipos de Moradia, Arranjos de Vida. Proletarização e a Estru-tura Social da Cidade — A n t h o n y   L e e d s   ....................................  144

A Especialização da Moradia no Rio, 145; Arranjos de VidaAlternativos, 156; Conseqüências das Escolhas entre Arran- jos de Vida, 162; Restrições sobre a Escolha, 168; Clivagemde Elite e Coalisões com Grupos Proletários, 172; Implica-ções para o Planejamento, 180; Bibliografia, 182.

r ' v ú — A n t h o n y   L e e d s 26

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V I.

6

VII .

Favelas e Comunidade Política: A Continuidade da Estrutu-ra de Conirole Social — A n t h o n y   L e e d s   e   E l i z a b e t h   L e e d s   186

Introdução, 186; Comunidade Histórica na Estrutura do Pro-

blema Habitacional, 189; O “Problema da Favela” Vira Moda,191; A "Democracia” PósVargas, 198; O Segundo Períodode Vargas e os Anos 50, 204; O Papel do Administrador Polí-tico, 206; A Era do Controle Renovado, Erradicação e Repres-são, 214; Conclusões, 245; Apêndice I, 248; Apêndice II,251; Apêndice III, 254; Bibliografia, 257.

Considerações sobre Diferenças Comportamentais: Três Siste-mas Políticos e as Respostas das Áreas Invadidas por Possei-ros no Brasil, Peru e Chile — A n t h o n y L e ed s e E l i z a b e t hL e e d s   .......................................................................................................................... 264

Uma Metodologia e um Modelo Holísticos, 266; A Literaturasobre a Politização, 272; As Três Comunidades Políticas, 276;Brasil, 278; Peru, 288; As Respostas Políticas dos Moradoresdas Áreas Invadidas no Peru, 298; Chile, 301; Á Resposta deMoradores das Áreas Invadidas e “Pobladores”, 312; Conclu-sões, 319; Bibliografia, 320.

A SocroLOGiA d o   B r a s i l   U r b a n o

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Apresentação

A difícil tarefa de prefaciar um livro torna-se um desafio em casos como o deste conjunto de estudos de Anthony e Liz  Leeds. Um desses desafios está em que os braz i l iamsts   — assim denominados principalmente os norte-americanos e ingleses que escrevem sobre o Brasil — quase sempre se nos apresentam com  monografias no estrito sentido, analisando determinado e bem definido objeto. Aprofundam e esmiuçam, isto é, detalham e decompõem em mil elementos para, depois e mediante tal tipo de exame,  concluírem — a estrutura, o dinamismo, as funções, os efeitos e as causas de tais ou quais instituições ou fenômenos sociais, políti

cos ou históricos. Delimitam nitidamente suas temáticas e seus ângulos de visão ainda quando, por tal método — e não isto que estamos discutindo — lançam luz sobre a totalidade da cultura e da, sociedade. Recusam-se, por bem dizer, às análises globais, aos apanhados compreensivos, as generalizações que possam parecer  subjetivas, e impressionistas^ em _virtude, as mais das vezes, do rigor empm cista _ do seu indutivismq. Outros especialistas em Brasil — predominantemente europeus e raros norte-americanos —  buscam apreender glehalmeii£e a realidade ou totalizar com outros 

elementos dados relativos a específicos fenômenos ou conjunturas:  estes são autores mais intuitivos e inclinados à empatia e à integração com o país e a sua gente, por uma longa vivência ou por  outros compromissos pessoais. Os primeiros^ ajuntam parcelas, não raro preciosas, às sínteses que são as metas finais jja s ciências do homem e da sociedade. Mas podem valer mais pela massa de dados que colhem, pela sistematização de componentes, pela ordenação  do conhecimento de particularidades do que como respostas_aos. problemas focalizados. São, as duas, vocações intelectuais e episte- mológicas — racionais, científicas e críticas em modos diferentes— que, sem dúvida alguma, prestam serviços à apreensão da com;  plexa fenomenologia humana brasileira.

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8 A S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

E ste livro não cabe inteiramente em nenhuma das duas categorias ideais a que aludimos, embora seja tributário_ de ambas. Não é uma monografia quanto à sua temática, pois abrange uma  diversidade de questões dçrivada da ávida curiosidade científica 

djps autores e da sua experiência da vida brasileira. Basta percorrer o sumário para verificá-lo, e até o seu taefòdb: este é algumas  vezes descritivo e interprelativo, outras vezes questiona nte e polêmico, do que resulta o caráter provocativo do conjunto em beneficio de todo o seu variado conteydo. Com isso lucram as ciências  humanas envolvidas — particularmente a Antropologia Social —  e a inteligência das coisas brasileiras, mais uma vez evidenciando, como no dito popular, que “ da discussão nasce a luz .” Assim ocorre, por exemplo, com as conceituaçÕes de urbano, de rural, 

de rurbano e de íavelra^ no Brasil. AbÕrdándõ"'! os mecanismos de\ controle social em perspectivas diaerpnica e sincrônica, cada uma,/  

 /a seu tempo, ou ía ^ n d o .jncidbf essas,_duas^ oticag_concorrentemeu-f |te sobre a cultura e a organização social nas mencionadas situa-;Ições, qfteScõBrem) continuidades temporais- e existenciais que os im-i . pelem, 'à_eríticà, talvez a   contestação, tde conceitos" fixados oiVjia/ . aplicação de determinados métodos. — o marxista, por exemplo — iIem certos momentos da formação da teoria e da análise antropo-i  lógica entre cientistas brasileiros. Se é certo que várias dessas crí- j 

ticas^ em tese como em referência ~ao Brasil, já forãm feii§s~e respondidas, os dados sobre _os quais operam çõnstituem outras 1tantas contribuições- dos dois autores à constriição de cõrpos teóri- çqs que possivelmente estimularão algumas “reavaliações das problemáticas respectivas, como a das relações de poder em referência aos modos de ser em situações ecológicas ou de ubicação só- cio-territorial diferentes, porém correlacionadas e faseológicas. A  análise conjparativá, que fazem com elementos colhidos no Peru  e no Chile,“ a reconsideração do método dos estudos de comunidades — de há muito posto em debate, mas trazido de novo a exame sob uma ótica original — , os contrastes factuais, com suas conseqüências teóricas, entre poder local e poder supralocal no tocante às favelas, a retomadà’ do problema dos conflitos de classes no Brasil/constituem interesse para esta coletânea, — a qual, numa ponderação final, vem amostrar-se mais_ coerente do que poderá indicar o índice do livro. E será, este, mais uma instigação à reformulação, entre nós, de. políticas demográficas e habitacionais.

Obra inevitavelmente polêmica pela natureza de sua temática 

e pelas posições que os autores adotam criticamente, esta coletânea  de artigos, alguns publicados há alguns anos, realiza sua coerência ou sua coesão, em plano teórico e epistemológico, a partir da

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Introdução. Por certo que a autoridade dos autores não decorre  apenas do seu tirocínio de pesquisadores preocupados com formulações teóricas, mas também da sua experiência com problemas brasileiros. Anthony Leeds ocupa-se de Brasil a partir de um pro

longado e repetido contato com nossa sociedade, da mesma maneira que com o Peru e o Chile. Sua carreira acadêmica iniciou-se  mesmo com o trabalho de campo, de mais de um ano de duração,  que empreendeu na região cacaueira da Bahia em 1951-52, como participante do Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia— Columbia University, sob a direção do Prof. Charles Wagley. Sua tese para o doutoramento em Antropologia teve como objeto- os padrões de formação fundiária da agricultura do cacau e as relações do sistema de fazendas com a sociedade regional e nacional sob as políticas do comércio internacional que comandaram  o desenvolvimento daquela lavoura. Depois daquela permanência, várias vezes e por períodos longos voltou ao país em ^itividades 'de pesquisa e de participação acadêmica, trabalhando na compa-  jnhin e com a colaboração de cientistas sociais brasileiros. À marca^ 'do seu espírito inquieto e penetrante é saliente nesta coletânea, de estudos.

T h a l e s   d e   A z e v e d o

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Introdução

A n t h o n y   L e e d s

Toda a minha vida profissional girou em torno de vários problemas básicos — alguns originais, outros não. Tentei reuni- los, ao longo dos anos, num único quadro teórico. 0 primeiro  deles, mas que talvez ainda persista, é o de dar substância aí) con

ceito de classe — sobretudo num sentido marxista. Marx, ou Marx  e Engels juntos (referir-me-ei a ambos, daqui por diante, simplesmente como “Marx”, para maior simplicidade), não inventou o conceito, e nem mesmo algumas das interpretações básicas que fazem parte de sua visão. 0 conceito já está estabelecido em seu significado econômico e estrutural em Adam Smith (1776), num exemplo altamente significativo — significativo porque Smith é, no mesmo trabalho, também ancestral dos economistas clássicos, formalistas, que Marx repetidamente atacou, embora seu próprio 

pensamento econômico seja intimamente derivado daí e suas suposições desempenhem um papel muito importante na estrutura das explicações marxistas sobre a economia. Todavia, Marx elevou a  discussão de classe a uma tentativa sistemática de criar uma teoria  de classes e apresentar uma análise de classe substantiva derivada dessa teoria. Em essência, estas análises constituem teorias especiais de sociedades pós-capitalistas particulares.

sO esforço, como o sabemos hoje, foi apenas em parte bem sucedido. Deixou-nos muitos problemas não resolvidos que todo teórico maior do século X X — Weber, Tauney, Lenjn, Luxem- burg, Lukács, Millet, Bottomore, Mills, Dahrçndorf, Althiissgr, Poulantzas, para mencionar apenas alguns — enfrentou. Por que o esforço persistente para resolver estes problemas? A resposta não

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é imediatamente auto-evidente, de vez que deve ser dada perguntando-se: “Não será possível que não sejam absolutamente problemas, mas simplesmente quebra-cabeças criados pela própria teo

ria?” A julgar pelas suas produções, os teóricos americanos, da estratificação como Kingsley Davis e W. L. Warner, adotaram essencialmente esta visão,

A resposta parece estar na sensação   que os homens têm_ de que as populações humanas parecem agir como se existissem entidades supra-individuais como atores na sociedade. Vontades, cogni- ções, açÕes e atores individuais são amplamente, se não universalmente, vistos como relativamente secundários ou mesmo insignificantes diante dessas entidades, para as quais existe uma vasta coleção de termos — “nós” e “eles”, o Estado, as classes, os grupos, 

estados, associações, órgãos, corporações, instituições. Asenjjxladês como atores são sentidas   operando segundo padrões estandardiza- 

 , dos e modos estruturais que chamamos “instituições” e, na verdade, padrões supra-individuais podem realmente ser diretamente percebidos, como em cerimônias e disposições de lugares. Além  disso, em nossas apreensões de como a vida e a experiência se configuram, do conflito, da mudança, sent imos   a centralidade dessas entidades.

Enfatizo sent ir   para indicar que as bases epistemológicas de 

todos esses conceitos e suas supostas referências ontológicas são ambíguos, não porque o sent i r   — nosso único caminho direto para o conhecimento — seja ambíguo, mas porque a maioria de nossas traduções científicas do sentir para proposições empiricamente comprováveis, articuladas por formas estandardizadas de lógica verbal, necessitam tornar-se metodologicamente explícitas. Especificamente, isso significa desenvover uma teoria da natureza das ordens supra-individuais que especifique características únicas àquela ordem, per se   — isto é, não redutíveis aos indivíduos (v er Samuel- json, sobre a falácia reducionista, Koestler e Smythies, 1969)

— mas que também explique quais são os processos geradores e mantenedores das ordens supra-individuais. Ela deve explicar como os indivíduos se articulam com a ordem. Mais ainda, tal teoria deve tornar explícitas suas bases epistemológicas, especialmente as regras ~5e correspondência que ligam o sentir original a seus conceitos e construções subseqüentes, e estes últimos à refinada observação metodológica. Dito de outro modo, aceito como axiomática  a correção daquela apreensão quase que universalmente sent ida  do mundo, mas aceitando-a, é necessário que eu, então, como cien

tista, clarifique a metafísica. Devo descobrir seus aspectos puramente especulativos ou filosóficos, recolocando-os com sólidas bases empíricas, com método e lógica apropriados. Aceito que os pro-

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blemas com os quais Marx lidou sejam realmente problemas, uma  vez que tanto nossa experiência ocidental como virtualmente toda experiência humana parece apresentar um sentir comum da natureza do mundo humano.

Marx. realizou um empreendimento estupendo ao clarificar o que estava em questão na análise de classe, erradicando muita metafísica especulativa na cíêncI£~sõcíaT que desenvolveu, e elaborando muitos aspectos de uma metodologia empiricamente orientada, incluindo conceitos cujas regras de elaboração estão implicadas em suas definições. Ele foi, apesar disso, apanhado —■como  não podia deixar de ser na sua época da evolução Ua história das idéias — por certas dificuldades J^tod oló gicas que ele, em parte, não viu, e\   em parte, vendo, não pôde resolver.

Uma dessas é um dualismo desenfreado que se reflete em sua egeolha de unia lógica — a forma hegeliana de dialética (implicando mesmo etimologicamente dualismo) — , uipn lógica, cujo empréstimo de Hegcl não^foi compelido por nenhuma necessi3ãijê^ nem mesmo pelo caráter das ideologias existentes na época. Por  que Marx optou por uma lógica tão intimamente vinculada à me- taísíca ocidental, dualista e especificamente cr i stã?   Como estudante de filosofia durante seus anos de universidade, ele conheceu  bastante bem as alternativas. J*or que cie optou por uma meta- lógica que, na verdade, ontologiza a lógica ao fazê-la isomorfa’ aos processos sociais reais (como em H egcl), como exemplificado na espúria identificação da “contradição” (uma concepção lógica como seu locus   na linguagem) e “conflito” (um conjunto de relações humanas) que atormenta todo o pensamento neomarxista?_0  que é visto coWQ_lo%icamciite   contraditório, segundo algum axioma subjacente à lógica, poãe ou não envolver_ conflito, e o conflito pode ou não envolver contradição, a menos que sc parta do apr io •, nsmo_  de que eles são identidades. Esta decisão foi puramente axiomática, de forma alguma justificada por critérios independen

tes. Marx era obviamente conhecedor de muito do que estava envolvido metaficamente em Hegcl, tornou-o manifesto em suas atitudes relativas a, e na “inversão” daquele grande filósofo-histo- riador, mas o compromisso subjacente mais profundo com o dualismo parece ter-lhe escapado — e a tantos de seus descendentes intelectuais.

Esta não é uma questão trivial, já que não é absolutamente auto-evidente que as coisas ocorram no universo aos pares, menos ainda em pares cm oposição ou “contradição” (com uma síntese 

trinitária como resultado). A noção de “contradição” e, mesmo pior, sua identificação com o conflito é, à luz da metafísica, pro-_.

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fundamente dualista. Estou totalmente convencido de que__gode- jniQS quase sempre demonstrar que as dualidades, especialmente  

as oposiçÕes, às quais áemos tão freqüentemente status   ontológico, isão um produto de nossos axiomas, categorias e lógica, quando §e 

vai diretamente ao encontro da experiência. Além disso, o compromisso de Marx com a dualidade infundada permeia seus escritos: qualquer leitura intensiva, por exemplo de O Capi ta l ,  mostra dualidades desnecessárias injustificadas virtualmente em cada página.

Onde isso criou o maiorjnúmero de problemas para a ciênçia fcociaI~Ioi na análise de classes, pois os critérios de classe na teoria geral dé- classes-' ^ " criadores versus apropriadores de mais valiao a organização interna de cada um desses agregados assim dife

rençados — leva necessariamente   a uma análise de duas classes. Pode-se interpretar muitos dos recentes escritos neomarxistas como- íima tentativa para resolver esse dilema quando confrontado com  

ordens sociais que “resistem” (isto é, “entram em contradição  com a teoria” ), sendo intelectualmente encaixadas num molde dual de classes (ver a tentativa fracassada de Millet, 19)* Muitos  

. de meus trabalhos tTataram deste problema (especialmente 1964a  Cap. 2, neste livro; 1967, 1973).

Um problema relacionado a isso é que a lógica dualista, dia

lética fez com que se tratasse a presença da classe como axiomática ao invés de exigir, pelas próprias regras de correspondência originais de Marx, a demonstração. Este apriorismo, que infesta virtualmente toda análise social corrente na tradição m arxista e neomarxista, em vez de redefinir e reordenar a análise de classes clarificando problemas epistêmicos e metodológicos, obscureceu a análise tanto da estrutura quanto da dinâmica p orq ue^ axioma jjtende à análise dos mecanismos criadores de limites e dos processos] ide automanutenção, bem como respostas conflituosas a ambos por 

outras classes (ver Leeds, 1964b). Sem nos desfazermos disso, não  poderemos entender processos “reais”, materiais, a interação política e social real, a motivação real individual e de grupo, as variações de ideologia reais, menos ainda as mudanças em qualquer uma dessas coisas ao longo do tempo.

Meu próprio trabalho envolveu de modo crescente a tentativa explícita de desenvolver, no interior de um quadro de referência do materialismo histórico marxista e da lógica das multiplicidades de “forças sociais” (o termo é de Durlcheim, com seu modelo implícito, 

indesejável, newtoniano de interação física, mas servirá de momento), abordagens substantivas e teóricas inais refinadas_e detalhadas

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desses problemas. Como indico abaixo, alguns dos trabalhos neste volume fornecem exemplos desses contínuos esforços.

Herdamos outra, dificuldade^ de M arx: sua idenjjficação de bases materiais da sociedade especificamente e apenas na produ

ção, e, ainda mais, com uma concepção relativamente, estreita, da produção e do produtivo — ambos virtualmente isomorfos àquelas concepções em que aparecem tanto na economia clássica como na neoclássica. Esta é uma identificação axiomaticamente dada, e não empírica. Pode-se questionar por que Marx a adotou. Onde esta dificuldade aparece mais fortemente — pela primeira vez nos próprios escritos de Marx — é na aplicação da teoria marxista geral a casos específicos de análise da estrutura de poder. É muito difícil ajustar a teoria geral de poder (amplamente baseada na análise teó

rica genérica e necessariamente de duas classes de qualquer sociedade com propriedade privada) a uma teoria específica da distribuição de poder numa dada sociedade, num momento e lugar datis, ou seja, a um conjunto concreto de condições históricas, como  diria Marx — por exemplo, a França do 18 Brumár i o de L uís Bo-  napar te . Apesar do alerta de Marx nos Grundr isse   (ca. 1857) contra abstrações reifiçadas (cf pp 18), e de sua intimação de que  baseássemos toda análise em realidades concretas, a teoria geral está cheia de abstrações cu ja aplicação na análise de caso jé, na melhor das hipóteses, ambiguamente consistente e, na pior, marca-  

damente inconsistente, com o uso na teoria geral, por exemplo, do conceito de “modo de produção”. Por vezes ele parece caracterizar toda uma sociedade. No 18 Br umári o  , ele caracteriza as bases de várias “classes” e “frações de classes” (nao é nem mesmo claro se  havia classes com a amplitude da sociedade cuja apropriação diferencial de mais-valia pareceria necessariamente implicar) — às vezes parecendo mais grupos de interesse de base ecológica. Essa-  ambigüidade permeia toda a análise marxista subseqüente e ê par-; ticularmente visível no recente ressurgimento de abordagens mar

xistas, onde, em instâncias extremas, qualquer variação na organi-; zação da produção torna-se ipso fact o   “um modo de produção” (cf.  Paul Singer, 1976). Isso me paree<a uma forma de reduçionismoje* um fracasso em ver ordens mais amplas, mais inclusivas, e mais constrangedoras, para não mencionar a dinâmica interna de uma  tal ordem. Por exemplo, a^agricultura de subsistência, um suposto' “modo de produção”, não existe no Brasil como um modo de pro- 

jdução separado,  mais do que a agricultura marginal dos Àpala-í ches existe como um modo de produção separado   nos Estados Unii dos, mas_antes como um sistema de produção gerado pelo próprio (modo de produção capitalista, sob condições ecológicas especificá-

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veis. A agricultura de subsistência é um aspecto da produção, ca- capitalista quando ocorre no sistema dc economia capitalista, 

c não numa economia tribal. Não apenas é uma forma de margínalização relacionada a mecanismos de lucro capitalista, como  ;.c também um pjeçanipmo para criar reservas dc trabalho mais ou jiqcüos aütoV iíicícntcs fofa dos \pentros *políticos efetivos, 'aa ci1dades,.

'Voltemos ao problema do poder. A maior parte da ciência social, inclusive a marxista, não comprometida com um marxismo ideológico estreito ou vulgar ( uích dan k e der l i eber H er r Got t  dass i ch k ei n M arxi sm bi n 9\   disse M arx), reconheceu que há outros 

recursos de poder além_daquele^ que residem na produção, ou seja, outras fontes que podem ser usadas no controle de outros atores  contra a sua vontade. Qualquer,  forma de organização pode scr usada como recurso de poder" mésmo_ria ausência de controle sobre òu de acesso aos meios de produção; controle sobre ou acesso à (informação, controle sobre pontos-chavc de tomada de decisão num  sistema social, mobilização de massa com ou sem organização for- maí^”êtc.”sãó todo« fontes de poder (ver Cap. II). Marx está cons

ciente disso — como é óbvio em suas análises de casos e, implicitamente, em suas teorias relativas à revolução proletária que deve  ocorrer em virtude da organização, em grande parte ou totalmente  

 ,>na ausência de controle sobre, ou de accsso aos meios de produção.  ,5Mas ps axiomas dc sua teoria dialética de classe, com seu modelo 

substantivo de classes dual e sua lógica teórica de dois valoras, além da suposição de sua isomorfia, não lhe permite lidar com  esta consciência sistemática e teoricamente. Ela permanece, na maior parte da teoria marxista, como um produto bastante epife

nomenal, derivativo e não uma causa: a metafísica da “estrutura” e “superestrutura” (outra expressão do dualismo subjacente), t* Ao longo dos anos, tentei romper esse impasse para desen

volver uma análise mais ampla do poder, “suas” (observe-sc a rei- .ficação padrão!) fontes tal como se distribuem na sociedade, e a ^dinâmica da mudança inerente a tais distribuições. Minha primei* 

 ; ra. formulação desta abordagem está no Cap- II. Desde então, eu fa refinei e clarifiquei consideravelmente, mã^Tiíaô numa forma sistemática publicada. (Ver, todavia, Caps. IV, VI e VII* reunidos). 

Todo o restojdos ensaios (exceto o Cap. III, que o precedeu e do qual é, em parte, uma formalização) se desenvolveu a partir dele.  

»[Deve-se observar que jão logo alguém especifica ou tras_ fontes de  ,fpqder_é possível escapar do beco sem saída da análise dc classes ildual e produzir uma análise multiclasse, semelhante'ao 18 Bru mári o,  que faz exatamente isso. Poderia ser argumentado que o

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Cap. II é uma afirmação clara (la teoria geral para a qual o Br umári o   fornece uma história^de caso, na qual os meios de produção e a mais-valia sâo apenas dois dos vários recursos de poder.

Compatível com uma abordagem materialista é o subcampo de investigação biosocial conhecido como ecologia humana. Esta e uma área na qual fiz muitas pesquisas (ver Leeds, 1961, 1964c, Í965 a, 1965b, 197 lM s) e que parece rqfegrado com uma descrição elaborada da organização social e ideologia da produção de cacau na Bahia e outras monoculturas do Brasil através de "seus 450 anos de história em minha dissertação (Leeds, 1957). Embora  nenhum dos trabalhos aqui incluídos seja sistematicamente ecológico na abordagem» a abordagem ecológica está subjacente a mui-  

itos jdeles (especialmente Caps. I I e IV ) no embasamento de suas çmálises sociais em condições materiais^ de localização, topográfi? cas, físicas e climáticas. Deve-se notar que grande parte da teoria ecológica contemporânea vê um feedback   causal direto a partir dos objetivos, alvos, necessidades e desejos definidos, mesmo da estética— em suma, da ideologia — das condições materiais que, por sua vez, têm efeitos causais sobre as condições de vida, e conse?  qiientemente sobre a ideologia.

Numa forma mais abstrata e formal, a compreensão desse tipo de causas múltiplas em interação é incluída numa abordagem cha

mada Teoria Geral de Sistemas, que se desenvolveu nos últimos 30-40 anos, a partir de problemas complexos na biologia, engenharia, meteorologia, neurologia, e outros domínios. Sem entrar em detalhes, a Teoria Geral de Sistemas geralmente evita lógicas duais, causalidade linear, epistemologias unitárias impostas sobre experiências fenomenalmente variadas, categorias fixadas ou reifi- cadas tratadas como entidades ontológicas, enquanto que o grau  de variação e conexão desempenha um papel muito maior em abordagens sistêmicas do que na maior parte dos outros paradigmas  

da ciência social. Surpreendentemente — ou talvez nem tanto —  isto é em geral totalmente compatível com a aplicação que Marx faz de sua própria teoria a analise" de casos; a Jógica de dois valores desaparece em grande medida, a causalidade emana de muitos  loci   diferentes no sistema sócio-cultural, incluindo a ideologia, e desenvolve-se em diferentes direções; a ideologia torna-se uma causa ativa, não um derivativo T e l a t i v a m e n t e passivo; as pessoas reais pensando são também ativamente causais; as categorias são, numa medida considerável, convenções ou conveniências meramente lingüísticas.

Como se sabe, muito do que apareceu sob a rubrica de Teoria  Geral de Sistemas foi meramente programático (exceto em suas

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subformas da teoria cibernética e da informação). Além disso, tendeu a ser amplamente atemporal e a-histórico. A não-historicidade não apenas não   é intrínseca, como, num certo sentido, é contrária' 

'aos preceitos mesmos da Teoria Geral de Sistemas. Uma vez que* ala concebe os sistemas compostos de var iávei sl   revelando diferen- les^cstadoH em diferentes épocas e ocasionalmente, soli condições especificáveis, mudando para novas gamas de estados (uma “mudança de quantidade para qualidade” ) , a seqüência temporal — ou a história ^éjnerente e _ e sse nc i a l _ à a jmálises sistêmiçaç, especialmente nas chamadas situações 3é feedback   positivo ou de “amplificação do sistema”. Muitos dos trabalhos publicados neste volume  

são informados por uma abordagem sistêmica geral materialista histórica (especialmente os Capítulos II, V e VII, ver também Leeds, 1965b, 1963, 1973, 1974b, 1975, 1971ma, 1975ms). A  Teoria Geral dc Sistemas também fornece alguns paradigmas extremamente úteis para a análise de sistemas em hierarquias que utilizamos em particular nos Capítulos II, VI e VII, bem como em alguns trabalhos não reproduzidos aqui (ver Leeds, 1969, 1975, 1976a, 1976b, e 197lMs, 1975ms). Os textos marxistas não são  tão claros sobre os diferentes níveis do sistema em hierarquias até  

o início do último terço deste século, especialmente com o aparecimento de André Gunder Frank (por exemplo, 1967). Seu pensamento foi fundamental para toda uma geração de teóricos, incluindo a mim mesmo, e foi precursor no desenvolvimento da Teoria da Dependência que usei algumas vezes (por exemplo,  1969, 1975, 1971 Ms-a), embora não mais do que implicitamente nos trabalhos aqui apresentados.

Em suma, todos os trabalhos deste volume, embora, quase sem exceção, sobre alguma questão substantiva tratàda em termos de ma- 

tçriais etnográfico-sociológicos específicos do trabalho de campo conjunto feito por Elizabeth Leeds e por mim num total de 6 anos  no Brasil (ou meu próprio trabalho de campo anterior de um ano e meio), são também trabalhos teórioos tentando clarificar resultados epistemológicos e metodológicos na análise de classe e tentando estabelecer modalidades específicas ev genéricas da formação e manutenção dos limites de classe. Eles tentam encarar o conflito  num quadro de referencia mais amplo do que meramente o do 

r.oonflito de classes, que é apenas uma categoria do conflito social. Eles tentam desenvolver uma teoria de recursos de poder c consequente comportamento político — uma teoria que, por um lado, inclui o controle dos meios dc produção e mais-valia num conjunto  mais amplo de recursos e, por outro, inclui a teoria das restrições (ver Leeds, 1970 Ms) de qualquer ator sobre qualquer outro ator.

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Finalmente, eles tentam desenvolver uma teoria que permite que se lide com toda uma gama de atores, de indivíduos a entidades  internacionais, num único quadro de referencia. Estas várias preo

cupações teóricas se foram gradualmente fundindo num sistema  teórico mais e mais intimamente articulado, talvez mais bem exemplificado, neste livro, pelo trabalho final. Em geral, os trabalhos  tentam dar sólidas definições de conceitos-chave, definições que contêm suas regras de correspondência; eles quase sempre indicam  onde a quantificação — como um procedimento epistêmico — é desejável ou mesmo está disponível, muito embora quantidades detalhadas não sejam dadas freqüentemente. As situações descritas situam-se em “contextos” históricos que não são cenários passados reificados, mas processos estruturados contínuos cujo corte trans

versal corrente é o presente observado. As análises estão comprometidas tanto com uma compreensão materialista do universo como  com uma compreensão dialética nao dualista do mundo material  na história.

O Capítulo II rejeita o isolamento conceituai ou substantivo da “comunidade11, vendo em vez disso recursos de poder possuídos por uma variedade de nós organizacionais sociais, alguns localizados, outros não. A natureza diferencial dos próprios recursos é tal  que nao podem todos ser possuídos por qualquer nó — qUâlquer 

tipo de ordenação de pessoas — , mas devem   ser diferencialmente distribuídos através da sociedade. Logicamente, segue-se que_ nenhum deles é desprovido de poder, mas, uma vez que os recursos  são materiais e, em princípio, quantificáveis, pode ser mostrado que  jbs quantidades^ de recursos que dão poder_a qualquer ator social, podem variar muito. A acumulação e manutenção de recursos de poder tornam-se fatos centrais da sociedade e de sua expressão política. Os recursos de poder já distribuídos nas mãos dos atores sociais formam um sistema de restrições sobre quaisquer atores, especialmente aqueles com pequena ou pouca quantidade de recursos,  

que tentam mudar a sua distribuição. Metodologicamente, o argumento do trabalho torna necessário específ ícar^todos os recursos poder de uma dada sociedade ou do subsegmento de uma socie-j cfade e mapear   todos os atores que formam nós detentores de po3er«; Este trabalho argumenta que os recursos centrados nas localidades tendem a estar associados aos atores que se encontram em conflito  com atores cujos recursos não são localizados, e as localidades, em  virtude de suas inserções ecológicas, fornecem certos recursos de poder nao disponíveis aos detentores de poder supralocal (e vice- 

versa). O Capítulo II (escrito cm 1964) é a exposição geral do modelo de organização descrito no Capítulo III (escrito cm 1962)  e torna-se o trabalho teórico básico para todos os outros. O último,

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na verdade, trata dos vários atores, seus recursos, suas jogadas políticas para obtenção de maiores recursos ou para restringirem uns nos outros o acesso aos recursos. A utilidade do modelo é vista nos últimos trabalhos.

O Capítulo III faz muitas coisas: articula nós sociais (ver  Leeds 1967), que vão de indivíduos a sistemas de classes num único quadro de análise; estabelece como os limites de classe são  gerados e mantidos numa dada sociedade e uma categoria de sociedades e como as próprias classes são constituídas de unidades sociais menores; argumenta que os traços característicos encontrados no Brasil são genéricos de um tipo de sociedade que representa  uma fase na evolução social geral —- posição que não mais sustento.

O aparato central de tomada de decisão e de organização do 

sistema de classe e seus constituintes localizn-se nas cidades — o locus   concentrado da maioria dos recursos de poder. Assim, o trabalho é também um estudo da natureza da sociedade urbana (ver  Leeds, 1967a), Algumas considerações do Capítulo Í II — particularmente o caráter das panelinhas-   e suas. funções.— junto com as considerações do Capítulo II, levaram ao extenso trabalho de campo  sobre populações proletárias, especialmente aqueles segmentos localizados nas favelas, com os quais o restante dos trabalhos se preocupa.

0 Capítulo IV é talvez o mais etnográfico dos trabalhos, mas levanta ainda alguns problemas teóricos colocando em questão interpretações, modelos e teorias, especialmente a rejeição do conceito e da existência de uma “cultura da pobreza” (mais forte e sistematicamente rejeitada em Leeds, 1971); sua rejeição da conçep- 

íção de “imaturidade”, “passividade”, “fatalismo”, “continuidade tdos valores rurais” e coisas semelhantes que, como se argumenta, jsSo interpretações amplamente etnocêntricas dos cientistas sociais (de classe média urbana (especialmente norte-americanos) que nun- ca participaram das estratégias e tomadas de decisão reais dos pro

letários nem avaliaram suas bases reais de julgamento nas situações políticas e outras (ver E, Leeds, 1972).

Capítulo V generaliza os achados do Capítulo IV relativos às favelas c moradores das favelas para o proletariado urbano em  geral, mostrando como um processo de organização e ideologia de fiasse é" formado em função das estratégias de vida e decisões to-  ;mndas aob^os conjuntos de restrições estabelecidos contra eles pela j “ classe superior”. Esta última também é discutida, remetendo ao Capítulo III em termos tanto de sua organização como de seu fra-  cionamcnto competitivo interno. As conseqüências em termos de comportamento político para ambas as classes — em suas tentativas

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de ganhar aliadQs em_§uasJutas^fracionadas para, acumular recursos— são apresentadas. 0 processo de formação de classe, conflilo c coalisão através das classes esta intimamente vinculado às bases ecológicas da vida urbana.

O Capítulo VI^apresenta um contínuo processo de tentar manter e controlar recursos por parte da “classe superior” nacional urbana através de leis, associações, coalisões, e assim por diante •— o oposto dialético, se quiserem, dos Capítulos IV e VII. É também um  trabalho etnográfico, complementando o Capítulo IV, que mapeia os recursos, atores e ações dos detentores de poder supralocais. A afirmação teórica principal talvez seja a de que fovmas manifestas de  controle 'e suas bases de recursos podem variar amplamente, embora visando o mesmo objetivo — não-oculto, “ profundo”, ou mis

terioso, mas bastante consciente entre os detentores dc poder, mesmo se não expresso publicamente a maior parte do tempo.0 Capítulo VII tenta fazer algumas coisas. Em primeiro lu

gar discute alguns temas metodológicos das Ciências Sociais cm termos de suas bases filosóficas, rejeitando muitos dos paradigmas hoje correntes. Em segundo lugar, rejeita especificamente algumas 

(das posturas adotadas na literatura sobre o comportamento político jda “classe trabalhadora” ou das “massas”. Em terceiro lugar, ^apre-1senta plenamente, pela primeira vez neste livro, o paradigma e a utilidade da abordagem geral de Sistema, Finalmente, expl ica   o com

portamento político em bases estruturais, cm vez de atribuir tal  comportamento a características imanentes ou a categorias residuais, em si não explicadas, tais como “cultura”. É dada mais força à explicação estrutural em virtude da comparação relativamente controlada dc três sistemas políticos independentes, a qual fortifica a interpretação em qualquer um dos casos. Desenvolve mais além as concepções de restrições estratégicas e detenção de recursos, da oposição entre formas de poder da localidade e formas supralocais. De um modo significativo, é uma sínteso de todos os trabalhos an

teriores.Esta massa de trabalhos não é merameute uma obra minha e de  Elizabeth, mas um trabalho em conjunto com inúmeras outras pessoas que contribuíram com idéias, críticas e apoio. É impossível listá-las todas e o que nos deram de diferentes formas, mas gostaríamos, ao menos, sem negligenciar alguém não nomeado, de citar  os seguintes: Richard N. Adams, Joseplmaa Albano, Thales de Azevedo, Maria de Azevedo Brandão, Carolina Martuscelli Bori, Ra miro Cnrdona, Theo Crevenna, Vitória Cruz, Antônio Carlos dos Santos, Carlos Nelson Ferreira dos Santos, Manuel Diegues Jr., Jaime  Cianella, William Glade, Benedito Guilherme, Peter Nakim, John

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P, Harrison, Bertram Hutchinson, Helan Jaworski, Juarez Ru- bens Brandão Lopes, Luís Antônio Machado da Silva, Wjlliam  Mangin, Hélio Modesto (e sua família), David Morocco, Angel Pa- lerm, Roberto Pinead, Márcia Koth de Pareder, Maria e Orestes Pinto Paiva, Davi Queiroz, José Artbur Rios, Diego Robles, Alfredo Rodriguez. (o fálecjdo Flávío Romano, qrle morreu demasiado jo- 

jvem e cuja grande habilidade nunca foi utilizada devido a estrutíi- Êja de classes no Brasil, Cecília Rupert, Lawrence Salmen, Ina Dutra Savage, Kay Sutherland (então Toness), Odin Toness, Anísio  Teixeira, John F.C. Turner, Gilberto Velho, Yvonne Maggie Alves Velho, e Sylvia Wanderley (hoje Caserio de Almeida). Outros que  deveriam ser citados nao o serão por várias razoes. Além disso, há muitos milhares de brasileiros e de peruanos que chegamos a co

nhecer, às vezes transitoriamente, às vezes em algumas de nossas mais intensas relações, que enriqueceram nossas vidas de modo permanente. Agradecemos também às várias fontes de fundos para nossos estudos, entre outras o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, A Fundação Ford, a Comissão Fulbright, a Organização dos Estados Americanos (Departamento de Negócios Sociais) e a Fundação Wenner-Gren. Esperamos que o produto tenha valido a vasta quantia que foi despendida no trabalho. Finalmente, agradecimentos especiais a Gilberto Velho, que me convenceu a organizar este livro — um abraço para um velho amigo e colega.

Embora a maior parte deste livro seja oriunda de trabalho de <campo conjunto, redação conjunta e reflexão conjunta meus e de Elizabeth Leeds, escrevi a introdução à coleção porque os temas teóricos centrais que a permeiam são mais primordialmente preocupações minhas, pois venho trabalhando neles há já aproximadamente  15 anos, antes daquele dia feliz em que nos encontramos no Rio,  onde nosso trabalho comum começou, e porque o trabalho teórico chave, o Capítulo II, que é subjacente a todo o resto, foi formulado por mim. Novas compreensões, novos problemas subordinados, e 

uma riqueza extraordinária de dados etnográficos — de fluxo de vida e de vivência sentida, percebida, experimentada e gozada no Brasil — proveio deste caro trabalho conjunto que criou vários mundos de significado para nós ambos e um renascimento pessoal para mim, que vai além dos pálidos agradecimentos em palavras.

IBib l i og ra f i a 

Frank, André Gunder

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li

Poder Local em Relação com Instituições

de Poder Supralocal

A n t e ô n y   L e e d s

I n t r o d u ç ã o

Este trabalho é um esforço para desenvolver alguns conceitos e um modelo para tratar de: ( a ) as instituições do estado territo

rial , ( b ) a unidade social — a comunidade, e ( c ) a unidade geo-

* Publicado originalmente em XJrban Anthropology , org. por Aidan Southall e E. Bruner — Aloine, Chicago.1 Este trabalho permanece essencialmente como foi escrito em 1964,embora com a ampliação de considerações teóricas, clarificação e precisãode definições, etc. O texto, elaborado dedutivamente como um modelo,tentou ser de nível teórico e uma espécie de trabalho de posição, par-tindo do trabalho teórico acerca da natureza de cidades, que eu vinhafazendo há alguns anos. Preocupase também, embora isto não tenha sidoenfatizado, com problemas espitemológicos, particularmente o status  de

nossas unidades de estudo. Não pretendeu ser um trabalho de dados oumonografia abieviada. O material da favela serve apenas como exemplo;não contém portanto» exatamente dados de campo em absoluto, tendo sebaseado em três visitas muito breves a favelas, combinadas com algumaleitura. O trabalho de campo subseqüente, de cerca de 20 meses, nãoapenas confirmou o que eu dedutivamente supunha a partir de recortesde dados, como indicou que o argumento fora pouco enfatizado. Dadosdo trabalho de campo começam a aparecer como está indicado na biblio-grafia, mas não são apropriados, no todo, aos objetivos deste trabalho.É minha a responsabilidade de manter a forma originaJ, apesar das crí-ticas no seminário e das muitas sugestões para a construção da teoria apartir dos dados. Este procedimento indutivo foi deliberadamente evitadoporque eu achei — e acho — que ele tende sistematicamente a bloquearuma visão teórica frutífera.

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.gráfica — a localidade, num único quadro de referência e como uma totalidade única, sistêmica.

Em seus inícios, a Antropologia tratou quase que exclusivamente de entidades sócio-culturais vagamente chamadas de “tribos” . Estas eram unidades “naturais”, no sentido de que geralmente possuíam uma língua ou dialeto diversos; compreendiam sistemas ou subsistemas sócio-econômicos; tinham uma série de costumes  característicos; e, finalmente, reconheciam-se a si mesmas e eram  reconhecidas como distintas pelo uso de algum nome. Tais tribos eram marcadamente constituídas por grupos de localidade autônomos (bandos, aldeias, etc.), paralelos quanto à ecologia, instituições,  conteúdo cultural, etc. O paralelismo permitia o estudo intensivo de um como uma amostra representativa de... todos__os que perten: 

ciam à_ mesma tribo (ou assim se pensava) porque eles eram supostamente comunidades completas.? A partir de amostras deste tipo era possível, ou assim geralmente se pensava, descrever uma “cultura total” ou sociedade total.

Os antropólogos transferiram este “método” para o estudo de sociedades complexas quando foram levados a estudá-las pelas exigências da ciência e dos tempos. EIes_continuaram a estudar localidades que eram tomadas como comunidades e que eram pensad""  como amostras representativas 3a cultura ou sociedade total3 p exemplo, Dollárd, 1937; Embree, 1939; Lynd e Lynd, 1929; Obe: T.960;,íPíerson» 1949?; Powdermaker, 1939; (Wagley, 1953;; Wari e Lunt, 19 41 ; W est, 1 94 5; íWillems, 1 94 7í e muitos outros).

Quando começou a ficar claro que tais “unidades” de esti  em sociedades complexas nsio   são análogas às unidades tribais cais e não fornecem um quadro da totalidade^'os antropólogos

2 Os dados sobre os índios Yaruro, coletados por Falia (comunicpessoa]), Le Besnerais (1954), Leeds (1964), Petrulle (1939) e R(comunicação pessoal), demonstram claramente o que pareceram se

riações microecológícas de algum significado de aldeia para aldeiavés de vários declives geográficos da área; além disso, os Yaruro xmrelações com outros grupos lingüísticos ou "tribos**, cada um dos quaistem relações ecológicas especializadas deatro do sistema ecológico maiordos Uanos  onde todos estão. Este gênero de_ dados, do qual podese encon-trar paralelos em algum outro_ liigar do mundo, sugere que a representatividade de comunidades únicas na sociedade “primitiva” c  os procedi-mentos de amostragem utilizados para controlar o tipo de variação aquimencionado deveriam ter sido qnestionados já há muito.3 Para o conceito de “cultura total”, ver Kroeber, 1948: 316,318, etambém Leeds, no prelo, “Conclusões”,

í.4 ) Cf. Steward, 1950; Steward, org,, 1956; e a séríe_ de_estydos realizados' pelo projeto da Universidade ColumbiaEstado da Bahia em 195052,. cf,\Harris, 1956; Hutchinson, 1957; Wagley, org., 1952. Em relação a isso, ;

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A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

meçaram a tentar tratar totalidades sócio-culturais com métodos que falhavam em fornecer descrições da dinâmica funcional da mudança e da resistência à mudança.

Para tais problemas de dinâmica de mXdança, resistência, etc. 

as velhas concepções, modelos e métodos eram inadequados porque feles na verdade, não lidavam de forma alguma com a “unidade”, sócio-cultural da sociedade complexa como tal, ou seja, com a unidade mais ou menos claramente delimitável denominada estado territorial ou país, o análogo apropriado à localidade-comunidade tribal.

Assim, nem^os. antropólogos nem ninguém apresentou modelos de uma entidade — por exemplo, os Estados Unidos — na qual os estudos dèTcòmunidade fossem tomados como representantes so- 

cietais ou reproduções microscópicas desta. Menos ainda apresentaram o que poderiam ser as relações entre as comunidades estudadas. Por exemplo, que tipo de relações estruturais, dinâmicas, pode-se dizer que existem entre Plainville, e Yankee City, ou Mid- dletown, ou Elmtown, ou mesmo Hollywood? Onde está o locus  de tais relações? Elas devem ser estudadas nas localidades respectivas? Elas são realmente exemplificadas nas relações internas das pretensas “comunidades”? Se o são, como? As condições ecológicas locais e os valores e opçoesculturais aiitoperpetuadores interiiossão.  os únicos parâmetros limitadores que governam a organização e as características dessas “comunidades”, ou os parâmetros limitadores/  

|provêm de uma ordem mais abrangente, de fato, a ordem que in-  ■! clui a localidade A — Plainville — e a localidade B ■— Yankee j' '.City — num único sistema? Se a úljima possjbijidade é verdadeira;' como este trabalho supõe, então? nós, como antropólogos, não temos 

jpraticamente qualquer instrumento metodológico para lidar com as!  /relações entre Plainville e Yankee City, porque não tratamos antro- !

] pologicamcnte a estrutura social empírica do estado e outras ordens de grande escala nas nações complexas modernas. Este estudo 

trata de certos aspectos das questões aqui levantadas.5

as observações que se seguem» de T. Lynn Smith (1947:587), são extra-ordinárias: " . . . a comunidade rural brasileira não é imediatamente vi-sualizada e de fin ida... a aldeia não é de forma alguma idêntica à comu-nidade.,. o camponês brasileiro poderia ter sido chamado de o ‘homemsem uma comunidade ". Cf., também, Leeds, no prelo.5 Tratei de outros aspectos em outros trabalhos. Meu trabalho de 1964fornece um estudo de caso de como os elementos constitutivos da estru-tura social articulam as localidades de níveis coordenados e hierárquicosem sistemas nacionais e mesmo internacionais, e constroem nós sociais dediferentes graus que atravessam todos os tipos de localidade. O de 1964 b relata a ecologia local, acontecimentos políticos locais e acontecimentos

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P o d e r   L o c a l   e   P o d e r   S u pk a l o c a l   ^ 29f ; . •• , : I 

A Comun i dade   ' .

Pela maioria das definições ou usos comuns,0 a comunidade, especialmente como um objeto de estudo, é tomada como uma uni

dade sócio-estrutural de algum tipo. Em geral, ela tem sido considerada como uma forma de microcosm o de ujqaa espécie de macrocosmo chamado sociedade total, ou algo equivalente. Sendo assim,  os que se dedicam a estudos de comunidade supuseram que estes,  por si mesmos, informariam sobre a sociedade total.

Grandes falácias, estão envolvidas nessas suposições. Primeiramente, não é auto-evidente que o macrocosmo é estruturado como./;o microcosmo. Na verdade, fossem os antropólogos menos ignoran-ftes em outras ciências sociais, especialmente a ciência política, eco

nomia e geografia, bem como a formidável economia política do século X IX , seria imediatamente evidente, em bases empíricas, e compulsivamente claro, em bases lógicas, que de forma alguma  poderia ser assim. Também, em bases axiomáticas gerais, haveria toda razão para se supor o ^ontrário, ao menos para as sociedades complexas, organizadas em estado.7 Pareceria mais provável axioma- ticamente, que os estudos de localidade nos chamados estudos de comunidade constituíssem entidades especializadas, diferenciadas e diversamente inter-relacionadas de uma sociedade total possuido

r a de mecanismos institucionalizados para uni-las. A partir de tal 

 ;a.xioma, fica claro que a organização do microcosmo não pode ser homólsga à do macrocosmo.

Daí se seguiria que o “estudo de comunidade” certamente não  j   pode, em qualquer definição útil de comunidade, dar-nos uma des- 

|crição do macrocosmo, e conseqüentemente que os limites aparentes dos estudos de comunidade estavam sempre deslocados. Âqui

políticos nacionais num sistema interativo. O de 1967 b   dá conta do qua-dro teórico subjacente a ambos. Em Leeds, no prelo, a relação entre sis-

temas legais nacionais e estrutura social local é extensamente discutida.6 Observese, por exemplo, a afirmação de Murdock (1949: 79) “ (A comunidade) tem sido definida como o ‘grupo máximo de pessoas que nor-malmente mora junto numa associação próxima3”. Firth (1951:2728) dizque “O termo comunidade enfatiza o componente tempoespaço, o as-pecto de se morar junto. Ele envolve um reconhecimento proveniente daexperiência e da observação de que devem existir condições mínimas deconsenso acerca de objetivos comuns, e inevitavelmente algumas manei-ras comuns de se comportar, pensar e sentir. Sociedade, Cultura, Co-munidade implicamse mutuamente...” É interessante que Bredener eStephenson (1964) nem mesmo tratem da comunidade!7 Mas também, acredito, para as sociedades tribais, exceto talvez osmais simples tipos de bandos organizados cujas unidades locais são, emsua maior parte, bastante autônomas.

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reside a segunda grande falácia do método de estudo de comunida- de.

Seguir-se-ia, indo mais além, que, mesmo que tivéssemos estudos de cada tipo de comunidade, de todo o inventário de tipos numa  

sociedade total ou macrocosmo, ainda assim não teríamos tal descrição. Uma^amostragem de tipos de comunidade de uma nação, como temos hoje para o Brasil,8 ainda não nos daria um quadro das inter-relações destas localidades, ou seja, das estruturas macrocós- micas e sua dinâmica. Tudo que^se pode derivar deles sao traços comuns. Estes podem, então," ser listados como um inventário totalmente estático de traços caracterizando toda a unidade territorial do macrocosmo. Tendo como base tal inventário, nenhuma predição quanto a condições futuras tanto do macroscosmo como do micro

cosmo pode ser feita. 0 inventário mostra-se tão estéril quanto a maioria das listagens de traços^ análises dé áreas culturais tao comuns nos anos vinte e trinta deste século, como o mostrou o final  da década de 40, quando desapareceram como interesse principal da antropologia moderna.i ' Em suma, o chamado método de estudo de comunidade, é totalmente inadequado ao estudo de sociedades organizadas em esta-? do, nações, sociedades complexas, países ou como quer que se queií- 

•ra chamá-los.i Devemos, então, descobrir e analisar as formas diretas P indi

retas das inter-relações entre as chamadas comunidades ou localidades. lilste campo não ê inteiramente virgem: a economia política, a ciência política, a jurisprudência histórica e a economia têm tratado de várias destas instituições por alguns séculos, embora os antropólogos, particularmente devido à estrutura totalizante que tanto caracteriza sua abordagem da ciência humana, geralmente não conheçam adequadamente a literatura a esse respeito, u!' Todavia., essas disciplinas, em sua maior parte, trataram apenas da£ f o rmas   de inter-relação como_tal — com aquilo que aqui 

designarei como “ instituições supraloc^is” ■— e então apenas com algumas escolhidas. Em sua maior parte, estas foram consideradas sem levar em conta seus vínculos nas “comunidades” e localidades,

■e sem levar em conta, por sua vez, a influência destas últimas nas  instituições. Dito de outro modo, essas disciplinas trataram de um número restrito de instituições que haviam sido selecionadas dentre 

*■todas as instituições sociais e tratadas como se operassem de modo

8 Cf. Harris, 1956; Hutchinson, 1957; Leeds, no prelo; cÖberg, 1960;Pjerson. 1949; Waglev, 1953; Wagley, org., 1952; 'Willems, 1947; Willemsé Mussolini, 1957>; etc., e de um ponto de vista histórico, Morse, 1951,1958; Poppino, 1953; Stein, 1957.

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totalmente independente das bases locais. Por exemplo, economistas, tratam do imposto, mas eu não sei áe ocasião alguma em que a mobilização da organização social local para lidar com problemas de imposto, engendrados por uma dada política nacional de taxação,, 

tenha sido explorada. Apresento o caso extremo, mas no essencial a afirmação é verdadeira.

Desde que parece ser axiomático entre os antropólogos que eles devem tratai' de sociedades totais ou sistemas inteiros, eles têm te ratado e conseguiram realmente, descrições do macrocosmo.9 Mas não, foram capazes de tratar adequadamente das instituições supra locais em si mesmas. Menos adequadamente ainda, se não de forma  totalmente inadequada, foraiãi eles capazes de tratar das inter-rela- ções entre essas instituições e as comunidades ou localidades especí

ficas com as quais elas se articulam. Existem poucas descrições de* tais relações na literatura, com a possível exceção do material Si~  nológico   (cf, também Lopes, 1964, 1968), e praticamente nenhuma proposição geral, hipóteses, ou modelos acerca da natureza de tais inter-relaçÕes (cf, todavia, Adams, 1967). A seguir, proponho um modelo geral.

A Loca l i dade 

Para os objetivos presentes, prefiro o termo localidade a comunidade, devido às confusões existentes cpm .relação a oste último, usado para designar as etnografias de lugares específicos. Aceitan- do-se a definição de Arensberg (l96T)""oü aquela bastante diferente  dada por Murdock (1949:79) fica claro, então, que, na maior parte, os chamados estudos de comunidade são na verdade, dubia-  mente, ou não são de forma alguma, estudos de comunidades, mas sim de localidades. O status   do locus   de estudo nesse campo de pesquisas como unidade real da ordem social é mais ambíguo no  sentido da definição de Arensberg de comunidade. Seja como for* 

ele define no máximo uma_unidade analítica, não_uma unidade que se relaciona com outras num sistema total.

O termo “localidade”, todavia, refere-se, no contexto das distribuições geográficas humanas, aos loci   de organização visivehnen-, te distintos, caracterizados por_coisas tais como um agregado de pes^ spas mais ou menos permanente ou um agregado de casas, geralmente incluindo e cercadas por espaços relativamente vazios, embora não necessariamente sem utilização. Conseqüentemente, o <jue-

9 Cf. Adams, et cã.s   1960; Benedict, 1946; Embree, 1945; Lowie, 1945;.Mead, 1942, 1955; Steward, org., 1956; Wagley, 1949; e muitos outros..

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normalmente denominamos grande cidade, aldeia ou também um, jjonto de mineração ou algo parecido são Jocalidades. Subáreas vi* sualmente distintas de uma cidade, nitidamente delimitadas como  

uma área invadida por posseiros,* o conjbnto de uma catedral e seus anexos também se enquadram nesta definição, Não importa  quão simples seja o locus  , isso ainda continua sendo verdadeiro. Mesmo uma fazenda, provavelmente o mais simples de todos os tipos de locus, é também uma localidade segundo a definição dada.

Pode ser demonstrado em bases teóricas que as localidades  constituem pontos nodais de interação (cf. Leeds, 1968), os pontos de maior densidade e mais ampla variedade de categorias de comportamento na área, mas não possuem necessariamente um conjunto exaustivo .de tais categorias de comportamento, como õ requer a definição de comunidade de Arensberg. Esta observação aplica-se não apenas a cidades e aldeias, mas mesmo ao conjunto de uma  catedral e seus anexos, e à fazenda acima mencionados. É um lugar da maior densidade e mais ampla variedade de categorias de  comportamento humano, entre ele e a localidade seguinte. Transações e comportamentos econômicos, sociais, religiosos, etc. estao todos lá concentrados.

As interações duradouras e cotidianas e as relações personalizadas de todos os tipos são predominante mas não exclusivamente interações de localidade. Deve ser observado, todavia, que a definição não   sugere que todas as relações em localidades são desse tipo, mas podem ser de tipo impessoal e secundário. Na verdade, ai »definição tenta ser neutra a este respeito, para que a natureza das' relações se torne mais uma questão empírica do que de definição:} pode ocorrer, idealmente, que não exista qualquer   relação personalizada na localidade, apenas relações secundárias e impessoais sem  

sentimento ou características comunitárias.Assim, o uso do termo “localidade” não nos obriga a postular 

uma unidade mínima ou máxima de organização como a “comunidade1’ (c f. Maclver e Page, 19 39 , Gh. 12, pp* 281-3 09) nem á 

•discutir seu status ontológico . Precisamos apenas desenvolver insi trumentos adequados e relevantes para lidar com sua descrição emt pírica.

Ele não nos obriga a supor que a localidade em que vivemos e  em que, como antropólogos, pesquisamos seja também uma comu

* No original, squatter settlements.  Ao longo de todos os textos, optou*se pela tradução de squatter settlements  e squatments  como, indistinta-mente, “áreas invadidas por posseiros e áreas invadidas”, traduzindose■o termo “squatters”, indistintamente, por “posseiros” ou “moradores, de.áreas invadidas”. (N. da R.T.)

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nidade. Geralmente ela não o é. 0 fato de as localidades estudadas por antropólogos e sociólogos, geralmente não serem comunidades, ou no máximo o serem apenas parcialmente, é , certamente outra 

grande ambigüidade do chamado método de estudo de comunidade ao Jratar d_a_ sociedade macrocósmica   de que_são parte.

Característ i cas da L ocal i dade 

As localidades como pontos nodais de interação, como se observou acima, caracterizam-se, mesmo as mais simples, ppr uma rede altamente complexa de diversos tipos de_ relações. Qs laços de parentesco mais ativos — aqueles da família nuclear, e, freqüente

mente, aqueles com parentes próximos — serão amplamente encontrados na localidade, especialmente nas pequenas. As amizades mais próximas, numerosas e vivas (se não as mais profundas) tendem a  existir na localidade. A~maiõr parte da parentela ritual de alguém  tende a existir na localidade, onde pode ser mobilizada mais ou menos instantaneamente. Os vizinhos, que podem ser chamados para várias finalidades, existem por definição na localidade. A. ambiência, tal como definida por Caplow (1955), é_em grande parte necessariamente um fenômeno de localidade. Uma pletora de 

grupos informais tais como cliques, gangs7 grupos de trabalho e outros semelhantes, bem como pequenas organizações cujos interesses e amplitude de ação são necessariamente bastante limitados (uma banda de cidade ou uma escola de samba), são fenômenos dê localidade.

Em contraste com o parentesco, o parentesco ritual, a amizade, ambiência, vizinhança, grupo informal e relações personalizadas próximas, dentro de pequenas associações, inúmeras relações face-a- fase secundárias e impessoais podem também caracterizar localida

des como pontos nodais de transação e interação (Leeds, 1967 b, 1 9 6 8 ). O vasto conjunto inclui serviços de massa (com o os prestados por trocadores de metrô e caixas de restaurante), ^serviços temporários (como os dos vendedores de uma liquidação de um  grande màgazi n ),  compra e venda no mercado impessoal, associa: ção cm grupos secundários (tal como instituições corporativas como nma universidade, ou, mais marcantemente, “clubes” de livro e discos por corresuondência), apoio de instituições beneficentes, etc. 

Tais relações, como aquelas apenas simplesmente listadas, não se enquadram na definição de. comunidade de Murdock e não se relacionam claramente à de Arensberg. Os moradores de uma localidade relacionam-se uns com os outros através de vínculos que se enquadram em muitas ou em todas estas categorias, e os têm grontos* para enfrentar as contingências e exigências da vida diária. Os in

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divíduos movem-se por entre estes laços, mobilizando ora um ora  outro, conforme o exigem a ocasião e a utilidade. É da maior significação que, para a maioria das ocasiões e finalidades, dois ou mais  tipos de relação possam muito bem ser úteis e mobilizáveis.

Por um lado, para ajudar em um momento de crise financeira, os amigos, vizinhos, parentes e parentes rituais podem ser solicitados. Para dar apoio em caso de morte súbita, os mesmos tipos de pessoas podem ser solicitadas. Para resistir ao imposto ou outras imposições externas, esses tipos,’* bem como grupos de trabalho ç, cliques, talvez possam ser chamados à cena para servir como rede  distributiva indectável, retirando a riqueza das mãos do coletor dè imposto. Todas essas formas de organização também podem facili-i tar a preservação ativa de tradições e orientações culturais valoriza« 

das contra interferências externas.Por outro lado, as localidades, dependendo do tamanho, apresentam laços institucionais e estruturais em maior ou menor número  que também podem ser usados para lidar com problemas tais como  uma crise financeira, morte siibita ou outros. Novamente, a questão é empírica, não devendo ser tratada por conjecturas que incluem ou excluem de consideração esses laços.

Os mesmos tipos de relação podem ser acionados para lidar  com as exigências extraordinárias da vida, especialmente aquelas qão provenientes da rotina diária, próprias das, ou impostas pelas, 

características econômicas, políticas ou sociais maiores da localidade. As exigências mais típicas deste gênero sao externas, impostas de . fora da localidade por organismos supralocais. O imposto, acima mencionado, o recrutamento, o recenseamento, a coerção militar e outros podem ser mencionados e serão discutidos abaixo. Dentre os tipos mais efetivos de relação para enfrentar tais exigências, estão aqueles informais e pessoais, facilitados pela proximidade na localidade.

Em suma, a organização social da localidade pode ser vista  

como um sistema altamente flexível de adaptação humana. Sua extrema flexibilidade e fluidez de organização, sua complexidade não- mapeada e nao-especificada (ou, poder-se-ia dizer, não racionalizada  e não burocratizada) permite-lhe uma ampla gama de respostas para uma variedade de acontecimentos, contextos e exigências quase infinita. Sua flexibilidade permite a rápida mobilização de seus recursos econômicos e sociais para diferentes fins e de formas diversas, muitas vezes sob a pressão mais extrema, de uma maneira  não alcançável por nenhum outro sistema de organização. Ela é limitada apenas pela extensão dc total disponível de recursos de 

terra, material, pessoal e finanças. Estes, certamente, variam mui

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to em termos de tipo e quantidade em diferentes espécies de localidades, como9 por exemplo, entre uma cidade universitária e um bairro proletário do Rio . 0 grau das limitações é, em si, um dos importantes fatores que dão forma ao poder e às inter-relações institucionais da localidade e das instituições supralocais.

Nesta relação, é da maior importância observar que todas as localidades são também, de alguma maneira, entidades ecológicas. Isto é, são popuJagões relaciotiadas a alguma extensão de território, possuindo alguns recursos, embora mínimos, inclusive o trabalbo humano. Elas são diversamente ordenadas era áreas e atividades especializadas; freqüentemente, estão, ao menos em parte, relacionadas às diferenças territoriais e ao lugar de imposição de influências externas por exemplo, estações de gás nas entradas rodoviárias 

da cidade, pontos de abastecimento de energia elétrica).Além disso, uma vez que o sistema de organização é tão flexível, deveríamos esperar observar não apenas continuidades físicas de longo alcance de tais localidades, mas também continuidades das regras características dos vários tipos de laços, tanto internamente como com relação às estruturas supralocais em mudança que interferem de fora. Assim, embora o governo ou mesmo o estado possa mudar, a localidade coníínua. Aldeias do Nordeste, como observou Braidwood, comunidades bolivianas ou outras comunidades corpo

rativas, o m i r   russo, a “comunidade” aldeã indiana e muitas outras formas de localidade enquadram-se neste caso.

Duas outras características das localidades devem ser observa- das. Primeira: os indívíduos são identificados por sua residência nelas e/ou_origem de alguma localidade — um edimburguês morando em Kensington, Londres, ou um recifense morando na favela  Tuiutí, no Rio de Janeiro. A identificação residencial não envolve  qualquer especificação quanto à pertinência a uma comunidade ou grupo, embora esta possa realmente existir. Novamente a questão é 

empírica e não de definição.Segunda: a definição de localidade admite diferentes níveis, 

um incluindo o outro como uma espécie deÇhierarqriia concêntrica"— por exemplo, no Rio de Janeiro: Favela da Babilônia, dentro da área chamada Lido, dentro da área chamada Copacabana, dentro da Administração Regional de Copacabana, dentro da área chamada Zona Sul, dentro da cidade do Rio de Janeiro, dentro do Grande Rio, etc. Cada um desses níveis. diz. respeito a um çpnjun- to de instituições supralocais, o__que também se dá como uma hie

rarquia concêntrica, ou vários níveis da primeira podem estar em  relação com vários níveis da última ao mesmo tempo.

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A S o c i o l o g i a d o B k a s l l U r b a n o

A a m o r f i a , multiplicidade c qualidade caleidoscópica da organização das localidades, que engendram a flexibilidade que mencionei, são muito difíceis de serem compreendidas intelectualmente, mesmo por especialistas. Pela^ mesma razão,^ impossível legislar a s e u favor (ou contra) ou contfólá-las por um conjunto uniforme de sanções. O único controle efetivo total sobre as localidades, que afetaria todas as formas de organização, seria a coerção total, sobretudo através da aplicação da força. Devido a essas condições, as localidades são quase sempre caracterizadas por uma certa autonomia em relação aos organismos e instituições externas, por uma  certa habilidade em se relacionar com estes como corpos independentes. Essa independência é mantida p:ilo “estofamento” fornecido pelo complexo de relações sociais da localidade contra o im

pacto dessas entidades supralocais. Nesta independência e em suas bases sociais e ecológicas, encontra-se um locus   de poder para a cooperação com e, especialmente, para a resistência contra interferências das instituições supralocais, como será visto adiante.

A Estrutura e os Recursos de Poder 

Antes de continuar a desenvolver o argumento, devemos vol* tar-nos brevemente nara o tema do poder. A literatura acerca do poder é monumental, mas uma coisa parece cada vez mais eviden

te: uma definição de poder que se Limite estritamente, por um lado,  às prerrogativas especiais do Estado e seu pessoal ou às instituições do Estado, ou, por outro lado, ao controle de recursos estratégicos (que também pode, total ou parcialmente, ser prerrogativa estata l) totalmente inadequada. As dimensões ou significados essenciais da noção de poder parecem ser o exercício de algum controle  iobre a situação própria de alguém como indivíduo ou grupo e a  influência na situação de outros- Fa lar do potencial para exercer  tais controles me parece inútil, porque este não é observável nem  

mensurável. O único sentido inteligível em que se pode falar de poder como. potencial é quando se consideram as dimensões acima indicadas simplesmente como a expressão na ação de um subconjunto de'atributos empiricamente descritiveis’, dentre os muitos atributos possíveis“que status  , papéis ou redes de status   e papéis podem possuir (cf. Leeds, 1967 b: 335-336, nota para a definição destes term os). Os atributos em questão parecem ser de dois tipos principais: ( a ) um privilégio ou direito explícito que pertence ao sía- íus, papel ou rede por sua definição cultural, e, (b ) uma posição tática conseguida em virtude da posição de alguém numa rede de status   ou papel (sem que nenhum direito seja definido). Tanto o direito quanto a posição tática são usados para proteger interesses

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e prerrogativas dos status  , papéis, suas redes e seus beneficiários, pela aplicação de sanções, não importa como estas tenham sido formuladas.

À observação e a mensuração do poder envolvem, então, por 

um lado, a„descrição de situações nas quais controles estejam sendo exercidos e para as quais os recursos envolvidos possam ser especificados, e por "outro, os^síãíus,~jmpeis e redes de status   e papéis cujos atributos são direitos e privilégios ou aposições taticas (ver  Mills," 1 9 5 6 ). ...............

Quando tais direitos são diferencialmente distribuídos entre dois (ou mais) grupos, cada um deles concordando com o direito de  um dos grupos de exercer sanções, existe um arranjo estável, pacífico. Onde cada grupo define seu próprio direito de sanções, é provável que exista conflito e oposição, e que exista constante tensão e oscilação de poder entre eles, Se posições táticas são diferencialmcn-  te distribuídas entre dois (ou mais) grupos, as relações podem ser  pacíficas ou antagônicas, conforme o grupo que controla as posições e o grupo que não controla reconheçam ou nao a posse da posição  tática. Onde o último não reconhece e sua existência, as relações tendem a ser pacíficas. Onde ele a reconhece, as relações tendem a ser antagônicas, a não ser que não sejam possíveis direitos ou posições táticas eqt^valentes.

Com relação aos recursos dejpoder, como ponto de partida, 

podemos nos referir aqui a~Bierstedt (1967), que argumenta que o poder Tem_três fontes principais: ( a ) o controle de recursos materiais ( b ) o uso de organização e ( c ) massas de pessoas mobilizáveis, Ele argumenta que essas três fontes de poder geralmente correspondem a três grandes classes, respectivamente: uma alta, a classe controladora dos recursos; uma classe média, caracterizada por infindáveis conjuntos de associações de grande e pequena escala; uma classe baixa, representada simplesmente pela quantidade de pessoal — as massas.

Não é preciso refutar aqui esta argumentação para dizer que  estas três fontes de poder existiam muito antes que o sistema de três  classes emergisse na sociedade, e também que é óbvio que cada  classe, num sistema de classes, possui algum grau de controle sobre cada fonte, embora uma delas possa predominar. Assim, os grupos de pessoas que controlam recursos estratégicos são também altamente organizados (por exemplo, a Associação Nacional de Manufatu-  reiros; a Câmara de Comércio, o Ministério da Fazenda), provavelmente o são necessariamente. As “classes” médias, organizadas pelo menos, nos Estados Unidos, são também extremamente numerosas, 

talvez ultrapassando as próprias “massas”, isto é, aqueles níveis 60-

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33 A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

ciais supostamente caracterizados principalmente por serem numero

sos • „Todavia, e extremamente util examinar a distribuição das fon

tes de poder de Bierstedt na população como um todo para poder

mos localizar relações de poder. Aqui, exaininaremos a distribuição de tais fontes nas localidades e nas instituições externas ou supra- locais com as quais aquelas se confrontam.

L o c a l i d a d e s e Fontes d e Poder 

0 conteúdo do que procedeu foi que as R ealidades são, na ^verdade, segmentos altamente organizados da ..população....LÕlaTe são ^caracterizadas por Uiversos graus de controle sobre certos recursos, íiespecialmente recursos tem toriaisje de pessoal, bem como um cer-j 

íto montante de capital, mesmo pequeno (Fried, 1962). Mais importante, todavia, é o fato de que elas são organizadas, na verdade  altamente organizadas, porém segundo a manejxa„muito_especial que dçscrevi, ou seja, numa estrutura multiforme, flexível, complexa.' EnT virtude de sua posse desses recursos de poder, por mais limitados que eles sejam, as localidades podem ser consideradas como loci  dçjíoder na sociedade como um todo, variando conforme suas histórias próprias, suas bases geográficas, sua posição na hierarquia  de localidades, e assim por diante.

Como loci   de poder, elas podam, por conseguinte, estabelecer vários tipos de _inter-relações com outros, loc i   de pojjer, caracterizados por diferentes_conjunturas de lon tes de poder. Essas relações podem ser muito dinâmicas e de vários tipos — cooperativas, hostis, competitivas, autônomas ou várias destas ao mesmo tempo.

As inter-relaçÕes reais observadas entre uma localidade e instituições supralocais sao geralmente de vários tipos ao mesmo tempo. As modalidades de interação reinantes num dado momento dependerão dos vários interesses de ambas as partes quanto à relação  e à estrutura da relação mesma. Onde várias localidades diferentes, 

especialmente de tipos diferentes, estão interagindo com vários tipos diferentes de estruturas supralocais de várias maneiras diferentes, a situação real pode tornar-se complexa e sua descrição, extremamente  difícil.

I nsti t uições e Est ru t ur as Supr al ocais 

Podemos, então, voltar-nos para as instituições e estruturas  supralocais. A expressão “ estruturas^ supralocais” refere-se a organismos sociais para cujos princípios organizacionais qualquer conjunto dado de condições locais e ecológicas é irrelevante- ou seja,

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P o d e r   L o c a l   e   P o d e r   Su pr a l o c a l 39

em seus princípios fundamentais de ação, as estruturas supralocais confrontam qualquer localidade, qualquer "suKünidaclé~ sócto-geo- gráficã do sisíemâ “"total ou suas subdivisões, com normas ou instrumentos [uniformes e generalizados, organizacionais e operacio

nais]. À expressão “Instituições Supralocais” refere-se a princípios e modos d-2  operação de estruturas supralocais. Qualquer estru-j tura_cuja formacão^ não seja governada pcrr, ou relacionada a, uma d$da localLdade^que confrbiità "várias localidades de maneira idêntica,,) é um a ^estrutura supralocal, operando com instituições supra- locaís. * ~ _ ____    ____  _ 

Dentre tais (estruturas e instituições ( supralocaises.tao as organizações de negócios^ cm escala nacional, o sistema bancário, o mercado de preços ou mesmo a própria economia nacional, organiza

ções políticas nacionais (notadamente os partidos), sindicatos, amplas associações profissionais e de interesse privado (a Associação  Médica Americana, a Associação Antropológica Americana), associações para-governamentais (como a associação dos governadores de estado dos Estados Unidos, ou a dos secretários da agricultura) e o  próprio Estado, incluindo partes do sistema eleitoral, do judiciário', do sistema educacional, organismos monetários, burocracias administrativas, etc.

Em conjunto, o pessoal dirigente dessas estruturas, direta ou  indiretamente, engloba os principais controladores dos recursos .estratégicos, isto é, de uma das significativas fontes de poder,. Eles são» eles próprios, altamente organizados, utilizando portanto outra  fonte de poder, embora provendo-se apenas de uma estreita gama de formas de organização, Muitas delas envolvem um número significativo de pessoas, por exemplo, os grandes sindicatos.

Deveria ser observado, em termos de um modelo geral, que as estruturas supralocais, taia como as organizações nacionais de negócios, sindicatos ou partidos políticos, são fenômenos evolutivos recentes. Durante toda a história evolutiva recente, a estrutura su

pralocal mais difundida foi o estado (como contrário ao parentesco ou classe de idade, por exemplo, que muitas vezes seriam melhor designados como “translocais” ) . Por_ora considerarei apenas o Estado e suas relações^ genéricas com as localidades, especialmente em  suas interações hostis, voltando mais adiante a outras instituições  supralocais, como as organizações de negócios e os partidos nacionais.

0 Est ado e as Local i dades 

0 Estado e seus organismos, como sistemas ou corpos sociais, exercem formas de controle sobre sua própria situação e especifica

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A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

mente, é claro, sobre as situações de outros através de uma variedade de instituições. Os objetivos do Estado são dois: primeiro, a coordenação pública, administração e manutenção da ordem em toda a sociedade, e segundo, sua própria manutenção como um grupo de 

interesse especial, geralmente uma classe dominante e seus representantes.

O primeiro, objetivo público do Estado, isto é, a supervisão dos interesses da sociedade, é em si mesmo ambivalente, porque freqüentemente o interesse da sociedade pode corresponder, por diversas razoes, ao interesse privado do Estado em He manter. Esta é a situação no México contemporâneo, onde cada setor da nação ■—  negócio, trabalho, campesinato, Igreja, etc., cada um por seus próprios motivos, mas especialmente também o Estado como tal, atra

vés do aumento de seu próprio poder, objetivos e controle — trabalha pelo interesse geral da nação para promover o crescimento, aumentar o consumo, ampliar a distribuição e manter a ordem.

Esta dupla jlualidade das finalidades do Estado imprime em suas relações com as localidades uma dualidade, oú talvez até melhor, uma polaridade correspondente. Às duas fmalidades da polaridade englobam, por um lado, relações cooperativas precisas surgidas de ^interesses comuns, e por outrg, antagonismos precisos e 

 Ju ta ! Estágios intermediários envolvem cooperações mais ambíguas provenientes de interessesses diferentes que podem ser alcançados 

por meios comuns; relações bastante neutras de coexistência ambivalente ou autonomia generalizada; resistência sem antagonismo aberto, e assim por diante.

Esses vários tipos de relações podem ser vistos como uma espécie de escala. Quando as pressões das instituições supralocais sobre as localidades aumentam, as relações tendem a se^nç£rüiubar para a polaridade. Conforme as pressões das instituições supralocais  tornam-se menos. vigorosas ou menos numerosas, a cooperação e a

1autonomia tendem a aumentar. Às aldeias ou comunidades semi-au- 

tônomas da Guatemala de vinte, trinta anos atrás, a comunidade aldeã indiana, o m i r   russo sao talvez exemplos do último caso. Embora, em cada um destes casos, as pressões fossem sem diívida consideráveis, ainda assim, em sua maior parte, elas se restringiam a uma  gama muito estreita de instituições, especialmente o imposto em dinheiro, espécie, ou trabalho. Em outros aspectos, a tendência era  deixar as localidades entregues a si mesmas para resolver seus próprios problemas internamente. Apenas em circunstâncias especiais ou em momentos de crise do Estado ou da localidade, o primeiro  exercia muitas e fortes pressões, inclusive sanções militares, sobre esta última.

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P o d e r   L o c a l   e   P o d e r   Su pr a l o c a l 41

Sempre há, então, uma tendência dual. Por um lado, há o  impulso para um acordo comum com as finalidades políticas do Estado e operações associadas a estas, simplesmente porque elas contribuem para a viabilidade da prosperidade da localidade em ter

mos de ordem pública, bem estar, auxilio, instrumento para relações  externas, etc. Po r outro lado, há o impulso em direção ao antagonismo contra os fins privados do Estado e operações a eles associadas (que podem ser meramente intensificações das mesmas operações que são usadas para os fins políticos públicos, mas a um grau  além do suportável) porque estes negam, ou restringem os interesses, bem-estar, prosperidade, etc. da localidade.

Deve-se dizer algo acerca da emergência de estruturas de negócios e políticas nacionais como entidades supraloeais. Ambos, 

por motivos estruturais intrínsecos, requerem acesso a grande número de pessoas para trabalho de massa, associações, votos e casa semelhante, uma condição não   necessariamente característica das estruturas do Estado. Torna-se crucial para as estruturas de negócio  e políticas nacionais, embora cada uma a seu modo, ter acesso direto a, controle sobre e uso de uma massa de pessoas. Conforme as estruturas evoluem, elas requerem novas formas de articulação entre elas próprias, especialmente seus organismos de decisão supraloeais, e a massa de pessoas cuja vida cotidiana é amplamente orientada para a localidade no trabalho, nas casas, nas escolas e assim por diante. Em outras palavras, conforme a sociedade evolui, novos tipos de relações complementares e duais entre as localidades e as instituições supraloeais emergem e as antigas desaparecem.^ Qualquer situação histórica dada apresenta combinações de novos e velhos tipos, mas, certamente, os tipos de combinações possíveis numa dada sociedade variarão seqüencialmente com a progressão de  seu desenvolvimento.

Além disso, os dirigentes supraloeais de cada um desses tipos de estruturas nacionais são, por um lado, distintos, da .massa de 

pessoal de suas próprias organizações, e, por outro, vinculam-se entre si. 0 vínculo é necessário porque o acesso ao poderjdedecisao é em si mesmo um recurso, e* por motivos operacionais e de valor,  deve ser mantido entre grupos restritos de pessoas.

Eles não apenas se vinculam uns aos outros, mesmo quando são concorrentes, mas devem também, ao menos num grau mínimo, articular-se ao Estado em seu papel de coordenador da sociedade.. Esse vínculos podem girar em torno de fins comuns ou de objetivos discretos — geralmente alcançáveis cooperativa^nente. Ambas as 

condições são atualmente observáveis no México nas relações entre; o Estado e os partidos, negócios e trabalho, cada um dos quais ten-

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dendo a tornar-se estrutura supralocal, mantendo diversas relações complementares, multivalentes^ de oposição, cooperação, e neutralidade com as localidades.

O Estado, por conseguinte, ocupa -^m papel cliave enquanto conjunto de instituições supralocais, primeiro porque ele é um canal para e coordenador do restante das instituições supralocais da sociedade como um todo e, segundo, porque ele não depende necessariamente das massas para seus recursos, mas pode exercer controle sobre os recursos, números e organizações em virtude de seus propósitos públicos, no âmbito de comunidade política, de uma maneira relativamente autônoma e indireta.

Em geral, a evolução da sociedade envolve ajustamentos e rea

justamentos contínuos entre a localidade e as instituições de poder supralocal. Qualquer alteração nos recursos ou nas instituições de controle traz alterações nas relações de poder, alterações essas que podem ser respondidas com mais ajustamentos ainda para compensar as alterações. Os sistemas de Poder, como concebidos aqui, podem portanto ser vistos como um equilíbrio móvel, passando ocasionalmente ao desequilíbrio ou, por saltos quânticos, de um estado de equilíbrio a outro.

Est ado e L ocal i dade   — 0 Caso da Favel a 

As relações duais ou múltiplas entre a localidade, por um lado, ■e as instituições supralocais estatais e não-estatais, por outro, podem ser clarificadas pelas interações entre um tipo especial de localidade e um número de estruturas supralocais. Falo das áreas pobres4 urbanas, e referir-me-ei aqui especialmente a dados de favelas br^  sileiras10 e órgãos do Estado.

* Em inglês, slum. (N. do T.)10 Num sentido estrito, as favelas não são áreas pobres (slums), massão aqui discutidas como tal porque geralmente assim são concebidas etratadas. Se definimos uma área pobre como uma área de uma cidadecom casas decadentes, aluguéis relativamente elevados (em relação aosalário dos moradores), praticamente nenhuma propriedade de casa, ser-viços abaixo do padrão médio e alta densidade populacional, onde asconstruções são em geral oficialmente relacionadas no registro apro-priado de ttulos, então uma favela não é uma área pobre (slum).  As fave-

las, em sua maioria, são áreas em valorização existindo por meio do in-vestimento privado geralmente de proprietários de casas pobres, mas in-dependentes, que são posseiros em terras de outros, nas quais, com ocorrer do tempo, os serviços tendem a melhorar, embora tendam tambéma estar abaixo do padrão médio. A densidade populacional, como nasáreas pobres (slums)  é bastante alta, mas isso é também verdade para^algumas sólidas áreas de classe “média” e “médiaalta” no Rio de Ja

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P o d e r   L o c a l   e   P o d e r   Su pr a l o c a l 43

Resumindo, a favela é uma unidade sócio-geográfica facilmente observável* possuindo todas as formas de organização acima mencionadas como íãractCTSticas de localidades. A favela tem uma ecologia, ou sejfi, uma distribuição social de atividades através do 

território_da_favela„conforme"atopogralia. ;3oíos e outras eòíidiçoes geográficas, Essa distribuição é geralmente governada, por exemplo, pelas florestas feeíiadas nas encostas dos morros que dividem o Rio de Jãnêirõ~em segmentos as cpxais constituem esconderijos para criminosos, enquanto que as_ruas" na base dos morros_são locais para lojas e outras atividades econômicas e para o abastecimento de água e energia elétrica. Assim, a favela, territorialm ente, se subdivide em zonas socialmente especializadas que moldam suas atividades diárias,

No conjunto, as favelas mantêm suas própria ordem, um verdadeiro empenho semelhante ao comunitário. Chamar a polícia —  uma organização supralocal — é rigorosamente evitado. Todavia,o crime não grassa na favela e mesmo, n a ausência-dos agentes do Estado — ■a polícia — a .OEíí.epL publica é geralmentejbem estabelecida.

A favela é complexarxiepte. organizada.pelo parentesco, pseudo- parentesco, ambiência, amizade, grupo de trabalho, cliquè, vizinhança, vínculos associativos e outros tipos de laços. 0 comportamento social da favela compreende um fluxo constante entre estes, pelo  

menos na medida em que a interação se desenrola dentro da localidade, ponto ao qual volto adiante. A importância da vida associativa não deve ser subestimada, ao menos no Brasil. Evidência recente indica que muitas favelas têm uma estrutura extraordinariamente elaborada girando em torno de Clubes de Carnaval. Atualmente, muitas favelas, ao menos no Rio, têm também associações cívicas que fornecem pontos de organização centralizadores. Da mesma forma, todas as favelas possuem vários tipos de associações religiosas.

Todavia, deveria ser asinalado.que as relações sociais que ocorrem numa íavela são predominantemente de tipo pessoal, próximo, fato que levou, muitos autores.a falarem das “áreas pobres11 (n o sentido de áreas ocupadas por posseiros) da América Latina como “rurais11 na estrutura social e de valor (c f, Bonilla, 19 61 , 1962 ; Pear- se, 19 57; e tc ). 0 atributo de ruralidade é conferido muito embora

neiro, como partes da área Sul de Copacabana, com cerca d e 3000 habi-tantes por hectare ( c e d u g , 1965:152, 153). O que se aplica às favelas doRio aplicase também às

barriadas   de Lima (ver Mangin, 1967; Turner e

Mangin, 1963) e áreas ocupadas por posseiros em outras regiões da Amé-rica Latina.

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os moradores de bairros pobres tenhamimigrado não de áreas ruraisTmas' de^idades, onde, presumivelmente, os imigrantes deveriam ter I  aprendido formas de vida urbanas. A vatribuição é conferida até1quando os habitantes da favela e a própriíTtaveia estiveram i n si t u  

por duas, três, quatro ou mais gerações. Descrições de áreas pobres ou cortiços cariocas da última metade do século X IX (c f. Azevedo, 189 1 )n são notavelmente semelhante às de meados do século X X .

Observadores de favelas parecem ter ficado muito impressionados pelas semelhanças entre a (.suposta) organização rural e a organização da favela, e daí em diante falaram das favelas como sendo rurais em estrutura, ou como sendo enclaves rurais na cidade (Bonflla, 1961, 1962; Pearse, 1957, 1958, 1961), apesar de muitos dados siginificativos que tomavam tais descrições enganosas ou totalmente errôneas.

Quanto a este aspecto, já falei da existência de yií}a_associati- va na favela,, o que é um traço nao amplamente característico das  áreas camponesas ou rurais do Brasil. Mencionei um alto grau de especialização ecológica e social. Há também, todavia, outras evidências contrárias a esta ruralidade. Po r exemplo, parece que dentre aqueles moradores que vieram realmente diretamente de áreas  rurais, ocorre geralmente uma rápida modificação no sentido da adoção 'de valores urbanos (cf. Cate, 1962, 1963, 1967, e outros). Èm segundo lugar, há bastante çvidencia de que a estrutura fami

liar se altera (cf. Hammel, 1961, 1964) por exemplo, no sentido do casamento consuetudinário periódico, de grupos familiares matri- çentrados, de um estreitamento do âmbito operacional para duas  em vez de três ou quatro gerações, como no campo. Outra forma de dizer isso é que a distribuição demográfica segundo a idade e o sexo encontra-se muito alterada em relação aos padrões rurais. Outras evidências serão discutidas [ligadas adiante às relações externas  da favela].

11 O cortiço já não existe no Rio, com poucas exceções. Era uma casade cômodos, construída por especuladores imobiliários para aluguéis debaixo rendimento» numa dupla fileira com um conjunto banheiros em umdos extremos ou no centro do pátio onde se encontravam também tor-neiras e tanques de lavar que serviam a todo o conjunto de quartos.Grande parte da vida comunitária centravase nesses locais comuns dacasa de cômodos e em torno das torneiras e tanques. Os moradores docor t iço   parecem ter sido um dos focos a partir do qual as populações dasfavelas começaram a se formar, por volta da passagem do século e pos-teriormente, na medida em que os cortiços  decadentes eram gradualmen-te destruídos, sendo a maioria substituída por habitações de aluguel maiselevado. Com relação à questão da urbanidade dos moradores da favela,ver Leeds e Leeds, no prelo.

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P o d e r   L o c a l   e   P o d e r   S ü pr a l o c a l 45

De todas essas circunstâncias, surge a pergunta: por que as  relações próximas — aparentemente “rurais” — existem, ou, segundo o pensamento corrente, persistem na favela. Parece-me que 

parte_da resposta está não ein suas origens (ou seja, persistência), mas no fato de que estas relações, dadas a ecologia e a demografia da favela, devem forçosamente ser próximas. A outra parte da resposta^ a mais_importante, está nas relações da fãveía com o contexto süpralocal. Argumento, portanto, que a continuidade a longo prazo daqueles aspectos das favelas que os observadores chamam  de “rurais” é uma questão funcional, e apenas incidentalmente uma questão de origens (ou história), especialmente quando a favela é considerada no contexto das estruturas e instituições supvalo- 

cais, como tentarei mostrar.

Favelas como L ocal i dades “v er sus” I nst i t ui ções  e Estruturas Supralocais 

Como veremos essas características ecológicas, sociais e legais de favelas ou de áreas pobres que estivemos discutindo? As concepções de poder íocal, instituições de poder süpralocal e suas relações, são úteis aqui.

As favelas, faem como as áreas pobres, no Brasil e sem dúvida igualmente na América Latina e em outras partes do mundo, confrontam-se com um conjunto de estruturas altamente organizadas que controlam os recursos estratégicos, toingm decisões, e operam com relação à comunidade política como um todo, isto é, supra- localmente. As estruturas operam tanto isoladamente, por direito nato, quanto articuladas entre si, especialmente através do Estado.

As exigências supralocais sobre a favela tomam a forma de ta

xas, aluguéis sobre o solo, taxas sobre serviços, recrutamento, pressão ou interferência policial, e, certamente, solicitação eleitoral e recrutamento pára o trabalho. Taxas, aluguéis e impostos^ sobre serviços e instituições similares são instituições supralocais que^drenam de forma notável, os parcos recursos da localidade, seja ela favela  ou bairro pobre. Como regra, a organização social da favela aparentemente mitiga, ou melhor, exerce certo poder de resistência contra essas drenagens, a não ser que as exigências sejam impostas demasiado opressivamente. Sem o conhecimento dos órgãos supralo- 

f cais, 3  organização social pode servir para redistribuir os njagros  j   recursos entre os moradores da favela ou de áreas pobres por meio   J jde mecanismos de ajuda mútua, ou algo parecido, de forma a di- 

iminuir a parcela apropriada pelos órgãos. Ela pode opera_c_ fazendo uso “ilícito” dos serviços. Poae ajudar a reduzir ou desviar o pa-

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46 A S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

gamento de aluguéis mantendo toda a informação acerca de construções não autorizadas rigorosamente dentro da comunidade da favela, onde a entrada de fiscais com objetivos de inspeção é difícil  ou pouco salutar.

A organização social da favela ou área pobre funciona como  um sistema de comunicações altamente complexo mas eficaz que, apesar das condições limitadoras sob as quais opera, ajuda a maximizar as vantagens a serem extraídas dos órgãos externos e seu pessoal, e a reduzir a tensão ( cf. pp acim a). Estes e vários outros procedimentos só podem ser desenvolvidos por formas de organização que operam especificamente nas unidades locais, ecológicas.

Todavia, a resistência da favela e do bairro pobre pode ser mais ativa, como hoje no Brasil, onde favelas, geralmente por meio 

de associações cívicas, têm enfrentado judicialmente práticas de aluguel injustificadas. A lei também foi usada com outros propósitos ultimamente. Ou seja, a favela, como uma localidade, age como uma pessoa jurídica contra a pressão externa. Para fazê-lo, ela se utiliza de instituições associadas aos fins do Estado, quanto à comunidade política, tanto contra interesses supralocais não estatais, como contra interesses do Estado como pessoa privada.* &   Todavia, de um ponto de vista externo, o recurso mais importante da favela ou do baiTro pobre é, certamente, a massa de gente: 

num lugar como o Rio, onde talvez 20 -2 5% da população da cidade Vive em favelas “não-visíveis”, estas constituem parcelas significativas do eleitorado e da força de trabalho. Constituem também, em potencial, amplas forças de greve e rebelião. Como uma força  eleitoral e de trabalho, do ponto de vista das estruturas supralocais, .elas devem ser mobilizadas como meios para alcançar os fins do. pessoal supralocal; como uma força potencial de greve e desordemJ  [elas devem ser contidas ou ativamente reprimidas — tarefas contraditórias das instituições supralocais entre as quais estas necessariamente oscilam. Essas relações são características de certos tipos 

de sociedade nas quais a exploração das massas é importante para  a economia e a política, ou seja, sociedades capitalistas e possivelmente outras baseadas no lucro privado sobre o controle de recursos.

Essas tarefas jsontraditórias_ prescrevem uma série de relações jcom a localidade que a localidade, por sua vez, explora tanto quanto possível ou das quais escapa por meio de suas formas próprias de organizações e pelo uso de seus recursos de poder disponível, extremamente limitados como pode ser a maioria deles. Assim, por 

exemplo, os partidos, por um lado, e o Estado em seu papeF social, por outro, são levados a fazer favores, realizando trabalhos públicos,

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provendo o bem-estar e conforto aos moradores_das favelas. Isto é. ocorre uma distribuição de. recursos das estruturas supralocais para as localidades, a çjual* ainda que limitada, ajuda a .assegurar a_yia- 

Klidpdc da localidade, cujas sanções são a greve, a desordem, a não* cooperaçao, ou mesmo a oposição direta,por meio da eleição, de  recursos legais, e assim por diante. Ou seja, uma resposta tanto  aos atributos de^síaíus quanto às posições táticas — em outras palavras, ao poder — é_ produzida.

Por outro lado, quando os organismos supralocais tentam ativamente reprimir, a pressão pode ser minimizada através da organização flexível da favela ou do bairro pobre. A localidade pode,, por exemplo, usar sua estrutura social para dar sumiço a pessoa~ou| 

pessoas procuradas pela polícia, fazer com que bens e materiais desapareçam, recusar informação, enganar e iludir com grande consis-i tcncia, e assim por diante. Ninguém e nada pode ser encontrado. Aúnica solução para o órgão supralocal é a eliminação da própria lo- calidade. No Brasil, ocorreram exemplos disso, como quando uma favela_do Rio foi queimada com a justificativa' de que estava^ãbri- gando criminosos. —

Em suma, com_relação à organização local da favela, pode.se dizer que a viabilidade e a continuidade a longo prazo das fpvelas como fenômeno pode, de forma considerável, ser garantida por sua efetividade enquanto loci   dc poderr para opor-se, desviar-se ou utilizar-se das pressões das instituições supralocais no interesse da localidade, especialmente sob condições altamente tensas. Pode-se dizer também que seus chamados atributos rurais não sao dc forma  alguma necessariamente, rurais, m as adaptações organizacionais funW  cionãlmente mais efetivas nojçontexto urbano  , em vista de seus re-cursos "econômicos^ sociais e institucionais. Qualquer outra alternativa de organização para a ampla massa de moradores da favela tende a colocá-la numa condição pior, dadas as bases exploradoras da sociedade, acima referidas, do que naquelas nas quais são constrangidos a viver na favela — um fato que deve ser levado em conta em todo planejamento de desenvolvimento, habitação ou remoção urbana.

General i zações e Concl usões 

Generalizando a partir do material da favela, eu proporia..para. consideração que,muitas, se nao todas, ag continuidades duradouras de lacalidades (tais como as comunidades corporativas bolivianas, as localidades (tais como as comunidades corporativas bolivianas, as aldeias do Oriente Próximo que Brandwood cita como estando em continuidade com os tempos antigos, ou as comunidades aldeãs da

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índia), em oposição ^ relativa mutabilidade -dos Estados que foram  e yier.atp* íürmaram-se e reformaram-se, através da história, podem* ser compreendidas nos termos da concepção de poder local aqui  

apresentada. A explanação parece-me mais poderosa na medida em que recursos territoriais para a produção de alimentos e ação militar estão envolvidos na situação da localidade (cf. Leeds, 1962).

Quanto ao ultimo aspecto, como um exemplo, parece simples compreender a lentidão do desenvolvimento agrícola soviético, apesar de, ou melhor, por causa das constantes, vigorosas e por vezes violentas pressões supralocais. Às populações agrícolas que se desenvolveram tão lentamente sao agrupamentos de localidades sob pressão, resistindo de maneira diversa às atenções supralocais enquanto preservaram seus próprios interesses (ainda não descritos).12

Uma revolução real na agricultura envolve a demolição de formas antigas de poder local e sua substituição por novas formas ou pelo total controle supralocaL13 A implantação das comunas chinesas pelos órgãos supralocais da China Vermelha significa exatamente esta demolição dc antigas formas e sua substituição por novas, exatamente como sua implantação pela Revolução Cultural foi destruidora dos traços locais c extensões translocais da família arcaica, 

patriarcal, extensa, detentora de capital. As implicações deste tipo de análise para a reforma agrária e o desenvolvimento comunitário parecem-me numerosas, mas não podem ser desenvolvidas aqui.

Em suma, as localidades podem ser vistas como loci  de certas formas de poder, geralmente numa condição bastante atenuada; as estruturas supra-locais, como loci   de outras formas de poder, cuja  intensidade de concentração e aplicação pode variar muito no decorrer do tempo. Localidades e estruturas supralocais, com suas respectivas formas de poder, estabelecem uma variedade de relações 

opostas, cooperativas, complementares e de outros lipos que consti

12 Os cientistas sociais soviéticos apenas nos últimos anos começaram areconhecer que há realmente uma necessidade aqui, e que aspectos dc“valor” e “psicológicos" desempenham um papel mais ativo na sociedadedo que eles teriam gostado de admitir. A hda   cedo rcconhcceu isso epermitiu que mais interesses locais operassem abertamente na agricultura,tendendo a preservar, ao menos em parte, as organizações sociais locaisdo trabalho» apesar de a propriedade se ter tomado amplamente coletiva(entrevista com o comitê administrativo dc uma fazenda coletiva pró-xima a Leipzig, w>a , agosto de 1964). J3 Muitos projetos de reforma agrária não são dc lodo revolucionáriosneste sentido, mas tendem antes a promover a ossificação de formas an-tigas da organização Iccal. Muitos dos projetos parccemme então fadadosao fracasso desde o começo. Urna vez que eles são quase que totalmenteformuladas pelo pessoal dos órgãos supralocais, podese muito bem in-dagar acerca da função de tais fracassos.

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P o d e r   L o c a l   e   P o d e r   S ü pr a l o c a l 49

tuem uma das mais importantes estruturas da sociedade total, em* bora tenham sido amplamente negligenciadas na literatura. Elas requerem muita pesquisa de base. Fazer tal pesquisa requer a espe

cificação daquelas formas de estruturas e instituições nacionais que quase sempre são, na melhor das hipóteses, tratadas perifericamen- te nos estudos antropológicos, embora seja especificamente o caráter süpralocal ou nacional destas entidades que vincula as comunidades ou localidades a um único sistema. Precisa-se, então, de descrições antropológicas conceitualmente bem formuladas das instituições nacionais, das localidades e comunidades e dos arranjos de suas relações. Apenas então seremos capazes de desenvolver teorias adequadas acerca da mudança e resistência à mudança.

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III

Carreiras Brasileiras e Estrutura Social:

Uma História de Caso e um Modelo

 A n t h o n y L e e d s

(Versão revista do trabalho lido para a Sociedade Antropológicade Washington, D .C ., 16 de outubro, 1962)

I

 A pesquisa que relatei é interessante para mim, não tanto pelos dados em si mesmos, embora eles jamais tenham sido apresentados e tenham uma certa fascinação intrínseca, mas antes porque elaé sobretudo uma confirmação detalhada do que eu já conhecia amplamente a partir de reflexões teóricas e algumas observações esparsas. Com efeito, eu já havia descrito meus resultados de campoantes de ter ido ao campo: será interessante rever brevemente como

isso ocorreu e considerar posteriormente suas implicações mais amplas.

Durante algum tempo, estive buscando uma tipologia de so-çiedades organizadas em Estado que se basearia numa visão sinóptica da ..função, da estrutura total, e da trajetória das sociedades, maisdo que, como em certas tipologias anteriores, em um ou alguns traços ou sintomas.1 O objetivo de tal tipologia é fornecer uma basepara comparação com o intuito de investigar as seqüências  de desenvolvimento, suas regula ridades e buscar leis gerais do desenvol

vimento sócio-culturaí. 0 exame de casos únicos sem uma tipologia1 C f. Steward, 1949; Bennett,  et al;  Meggers.

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56  A SocïOLOGiA d o   B r a s i l   U r b a n o

nega a possibilidade de generalização acerca 'dos processos ou mecanismos descritos para cada caso e exclui qualquer precisão quenão em bases intuitivas. Tais bases são, de qualquer forma, em geral implicitamente tipológicas, envolvendo afirmações como “ meupovo  é  semelhante a algum outro povo. . . conseqüentemente, , . n

Dois tipos de sociedades organizadas em Estado, parecem caracterizar as últimas fases conhecidas da (  çvoJu ílo jçuítüráD Chamei-as de "sociedade estático-agrária” e “sociedade expansivo-in-dustrial” . A primeira  é  representada pela Europa feudal, a índia

pré-colonial, os grandes despotismos orientais, o Haiti, e outros países latino-americanos, muitos países do Oriente Próximo e assimpor diante; a última pela Alemanha, u r s s ? e x j a , Inglaterra e outros a eles semelhantes. Precedendo o_tipo estático-agrário de socie

dade encontra-se a "sociedade expansivo-agrária” , cujos exemplos,como os primeiros impérios mesopotâmicos, estão extintos. Pode-sesugerir oue um tipo “ estático-industrial” de sociedade sucederá aosexpansivo-industriais existentes‘ atualmente, e pode-se tentar delinear as características de tais sociedades e o mundo em que elasserão predominantes.2

Sem entrar em detalhes aqui, a sociedade jsstático-agrária podeser descrita como tendo todos os recursos e riquezas fundamentais,e alocando seus recursos básicos de trabalhos, equipamento técnicoe os demais em torno da agricultura. Conseqüentemente, as principais características sociais — a divisão do trabalho, administração esupervisão, estrutura comunitária, comunicações, estrutura social deguerra e poder, o próprio Estado — moldam-se pela extensa relação tecnológica com a terra utilizada para plantações. A íntima relação da ordem social total com as localidades e estruturas comunitárias localizadas produz relações próximas de parentesco e pseudo-parentesco como mecanismos organizacionais.

 A sociedade expansivo-industrial obtém sua riqueza e recursosfundamentais e aloea todos os seus recursos básicos em torno da in

dústria. A agricultura torna-se, primeiro, em certo sentido, gubor-dinada_ à indústria, econômica, política e ideologicamente, e depoistòrna-se ela mesma industrializada em tecnologia e organizaçãoTodas as principais características sociais são moldadas pelas extensas relações tecnológicas com os múltiplos recursos relevantes para^J>consumo industrial (dentre os quais as plantações são importantescomo material nao-alimentício). 0 padrão_ ecológico fundamentalé multirregional, tendendo ao global, e, conseqüentemente, as sociedades tendem a ser exocêntricas política e economicamente, ten

2 Cf. Guardini, 1956.

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Ca r r e i r a s   B r a s il e i r a s   e   E s t r u t u r a   So c i a l 57

dem a maximizar relações translocais às expensas das relações locaise comunitárias, e tendem a operar através de instituições e associações supra-locais altamente organizadas. Tais características tendem a fazer com que estas sociedades se expandam econômica — ochamado crescimento segundo o modelo do take-off  — , demográficae politicamente. Na expansão elas revelam instituições de implementação de política características tais como o colonialismo, o investimento estrangeiro, a hegemonia política internacional e assimpor diante.

 A aparência pura da sociedade expansivo-industrial é a dc umcrescimento evolucionista a partir do feudalismo ocidental, atravésde várias fases, sendo as fases intermediárias, em si mesmas, formasde sociedade substancialmente integradas e coerentes. Todavia,

uma vez tendo ocorrido o desenvolvimento puro, todo tipo de justaposições de formas societais pode ocorrer em situações de aculturação. Assim, sociedades expansivo-industriais total ou parcialmentedesenvolvidas podem encontrar-se em várias formas de contatos deaculturação com sociedade estático-agrárias em diferentes estágiosde desenvolvimento, ou em fases iniciais pós estático-agrárias, produzidas por evolução independente.

Podemos, com base nestas ohservaçÕes, considerar várias hipóteses.8 À primeira é que onde as culturas destes dois tipos polares

estão mais ou menos em contato duradouro e vigoroso, as instituições de amhas operam numa rede de entrelaçamento característica.Poder-se-ia esperar encontrar aspectos característicos da organização expansivo-industrial ligados a instituições feudais típicas ou estático-agrárias. Poder-se-ia esperar que aquelas entidades sociais daorganização industrial — tais como corporações, instituições públicas ou privadas, sindicatos, sistemas administrativos, escolas voca-

3 Estas hipóteses foram em parte induzidas  pela observação da existência do autodidata e do ocupante de múltiplas posições no Brasil. Elas sãoapresentadas aqui como deduzidas de princípios evolucionistas gerais, umavez que pretendem ser modelos mais gerais para este tipo de sociedade“ em transição” . Isto é, com base na teoria e nas hipóteses derivadas,deveríamos esperar encontrar fenômenos similares ou relacionados emoutras sociedades em transição da estático-agrária para a expansivo-industrial, ambas em situação de aculturação, e também na própria seqüênciaevolutiva. As hipóteses acima apresentadas deveriam ser comprováveis nahistória européia, digamos, nos séculos XVI-XIX. Se os dados confirmamas hipóteses, o argumento teórico se fortalece; se não, pode-se primeiro investigar as conseqüências da afirmação de que a evolução de um sistemapuro e a aculturação entre dois níveis evolutivos não são a mesma coisa, de

forma que diferentes resultados devem ser esperados de cada um. Todavia,personagens como Michelangelo, Rubens e Goethe sugerem a confirmação da hipótese.

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C a r r e i r a s   B r a s il e i r a s   e   Es t r u t u r a   So c i a l 59

o capacitará para preencher a posição B. Em vista da natureza dosvínculos sociais mencionados na primeira hipótese, é de seu interesse manter conexões com a primeira organização através de seu cargo na posição A, ao mesmo tempo em que estabelece novas conexõesatravés da posição B. Além disso, podem existir realmente pressõespara o não-abandono de A, uma vez que não há ocupantes disponíveis para preencher a posição que ele deixaria.

Um segundo corolário é que a entrada para a posição A podeser vista como preliminar para a entrada na posição B, ou podepreparar tal conexão mesmo quando não prevista. Isto é, A podeservir de trampolim para B. A entrada na posição A pode mesmoenvolver a criação da posição A como um prelúdio para o pulo paraB. Quando este é o caso, a mudança do ocupante para B faria de

saparecer seu interesse na posição ou organização A, que morre oupermanece institucionalmente moribunda. Esperaríamos encontrar,no presente ou passado recente, certo número de tais posições ouorganizações mortas ou moribundas.

' .4 pesquisarealizada no Brasil durante junho e julho de 1961pretendeu não apenas mostrar que as instituições descritas nas Hipóteses existiam, mas também obter histórias de casos para ilustrarcomo estas^ instituições funcionam, e como opera a dinâmica interna da organização.

II

Podemos agora voltar-nos para a pesquisa propriamente dita.No decorrer de uma estada de duas semanas no Brasil em novem-bro último, algumas observãçõe^bãstante dissociadas me marcaram.

 À palavra “ autodidata” começou a registrar-se em meus ouvidosapós ser ouvida várias vezes. 0 autodidata começou a aparecer paramim como um importante fenômeno no Brasil, como mostrou sc-lo

em muitos outros países~3a América Latina que visitei. Indagandoacerca do autodidata e de sua origem, o fenômeno do exercício demúltiplosjcargQs, para o qual os brasileiros têm um termo, o cabide de^ emprego,  começou a assumir uma importância teórica cada vezmaior.• c

Os dois fenômenos pareciam, por intuição, estar significativamente ligados e ambos relacionados a uma estrutura de oportunidades em rápida expansão induzida por aculturação. Em tais condições, tende a haver, em geral, mais posições vagas do que pessoas

para ocupá-las. Ambos os fenômenos, o do autodidata e o do cabide,pareciam ser funções desta situação, altamente adaptadas a ela, e

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 A   S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

de grande utilidade para as operações interi^ts da sociedade, nãoimporta como as pessoas se sentissem acerca de seus excessos.

Hipoteticamente, argumentei^ gue o cabide  deveria representarum vínculo social numa sociedade em que, devido a sua rápida

transição, os vínculos contratuais padronizados de uma sociedadeindustrial totalmente organizada ainda não se desenvolveram ouforam organizados. O cabide se tornaria possível pela ausência doque podemos chamar de trajetórias curricularizadas para os s tatus como as que, em sua maioria, caracterizam a sociedad.e expansivo-industrial avançada. 0^ fenômeno do autodidata pareceria ser função desta falta de curriculaxizagão.

Üma vez que, hipoteticamente, o cabide  parecia ser um vínculosocial importante, e a curricularização parecia estar amplamente ay-

sente? levantou-se a questão de quais eram os mecanismos íntimospelos quais o cabide  surgia e como, uma vez surgido, ele operavano sentido de interligar várias entidades organizadas na sociedadebrasileira, em grande parte frutos de aculturaça0)ou difusão das sociedades altamente industrializadas, entidades tais como institui-coes burocráticas, novos setores de universidades, estruturas administrativas, serviços públicos, etc. Foi para rejeitar ou confirmaras hipóteses e para responder a essa questão que a pesquisa foi empreendida.

Todavia, uma vez que várias esferas convencionais da socie

dade, como a burocracia, o Exército, a Igreja, o mundo de negócios,etc. permaneceram praticamente não descritos em sua organizaçãointerna ou em suas inter-relaçÕes, foi. necessárioJesenvolver algumtipo_de_ modelo^ operativo para avaliar as atividades do autodidata e3o cabide. Para este íim, julguei útil o^modelo apresentado pelo Ur.

 Anísio Teixeini,4 embora na época achasse que ele não correspondia ao que eu conhecia do Brasil a partir de meu trabalho de campo prévio. Apesar disso, já havia, há muito, aprendido que as percepções de Teixeira geralmente davam muitas dicas úteis para

qualquer fenômeno em discussão. Além disso, o modelo, por suaprópria desarticulação, era estruturalmente compatível com o fenômeno do cabide. Assemelhava-se ao diagrama apresentado noQuadro 1. (Concebi os cabides, todo o tempo, como ligando estasoligarquias*, fornecendo sua organização interna e entrelaçandoas várias esferas da sociedade acima mencionadas. Ao mesmo tem-

4 Teixeira, 1962 e conversas.* Na concepçã o de Anísio Teixeira, as entidades a que ele se referecom o oligarquias e grupos de interesse incluem não apenas "o s poucos” ,mas aqueles “muitos” que estão organizacionalmente ligados aos primei

ros, Teixeira usou também a expressão “ grupos de pressão” para estas enti-* dades (Teixeira, 1962,  Revolução e Educação, mimeo.).

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Quadro 1

Modelo do Dr. Anísio Teixeira  da Estrutur a de Poder B rasi leira: 

Relativa a Grupos Políticos de Pressão

Nota: Deve ser assinalado que cada coluna representa um grupo depressão ou oligarquia que é descrita como operando na cúpula acima dela.Devia também ser observado que os indivíduos, qua  indivíduos, que com«põem as oligarquias não estão necessariamente em níveis de salários, prestígio e poder comparáveis: estes critérios de estratificação comuns sãosocial-estruturalmente irrelevantes aqui. As linhas pontilhadas representara

os níveis de “classe” dentro das oligarquias.

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C a r r e i r a s   Br a s il e i r a s   e   E s t r u t u r a   So c i a l   63

soais, e também que se esperaria o movimento de posição para posição e a ocupação de muitas posições por uma única pessoa, seguiu-se que a maneira mais incisiva de descobrir os mecanismos internos do sistema era acompanhar as carreiras dos indivíduos enquan

to se movem através de suas histórias de vida, estabelecendo conexões e movendo-se de entidade social para entidade social. Conseqüentemente, a primeira técnica de pesquisa consistiu em entrevistas com informantes selecionados possuindo as características docabide  e freqüentemente autodidatas. Era nosso plano selecionarcasos de todas as esferas importantes ou de todas as oligarquias importantes.

Desejávamos também selecionar representantes de cada_ geração, de formada, mostrar o aumento da clirricularizaçao em qualqueresfera a partir do momento em que tal esfera se tenha estabelecido. A hipótese pode ser aqui apresentada através do diagrama do Quadro 2, Tomando representantes, digamos, de três gerações de carreiras com relação a qualquer tipo de atividade, deveríamos ser capazesde documentar o processo real de mudança da sociedade no sentidode uma maior organização, do qual o treinamento curricularizadopara posições sociais é um sintoma., conforme aumenta a dedicação-aos fins intrínsecos à carreira.

Em terceiro lugar, dado que até muito recentemente o Brasilpossuía províncias e estados relativamente autônomos, ecológica, econômica e historicamente muito diferentes, segue-se que as estruturassociais em si mesmas e como contextos para carreiras deveriam diferir amplamente. Na verdade, elas podem ser colocadas numa escalahipotética de desenvolvimento e atraso. Poder-se-ia esperar queuma ordenação dos estados brasileiros fornecesse uma representação espacial do desenvolvimento da organização social brasileira, enquanto que as carreiras estudadas numa seleção de tais estados re

fletiriam esta ordenaçao.Escolhemos as cidades de Sao Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Salvador como representando supostamente umasérie de estados decrescentemente desenvolvidos em termos industriais, financeiros e políticos, ou crescentemente arcaicos em comportamentos, costumes, e ideologias. Incluímos também Brasília emnossa amostra, uma vez que é a sede do poder do qual fluem todasas boas coisas brasileiras, e nenhuma realidade brasileira pode serentendida sem um exame da “ cúpula” , tal como passou a ser chama

da popularmente no Brasil de hoje.Em cada cidade, estabelecemos contatos com um ou mais cida

dãos bem informados de posição proeminente que foram persuadidos a dar-nos listas dos cabides  locais importantes, com tanta infor-

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Quadro 2

 A Ev olução do Tr ei nam en to e dos  Objetivos das Carreiras

*

ss*

**

Y/ '*  \ 

 / ÉfcmÊÊÍk 

 A sT T

 A K jutixlidatasT = semttrcinadoT = crcinadoT * utilização de treinamento para objetivos extrínsecos ao treinamento] ~ ufjlização de rreinamento para objetivos intrínsecos ao treinamento

mudança idealizada, através do tempo, de distribuição'apartir do autodidatismo com objetivos extrínsecosem relação ao.treinamento com objetivos intrínsecos

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C a r r e i r a s   B r a s i l e i r a s   e   E s t r u t u r a   So c i a l 65

mação quanto possível acerca de cada um com relação às suas conexões — uma descrição sumária dc sua carreira, passada e presente,e de sun genealogia social. Sempr^ qugpoMÍyej, tentávamos obteruma introdtii;ã0wpes5i>aL ou ao menos escrita, ou marcar encontros

através 'de-intermediários 'que nos conheciam tanto cpianto aos jn-formantes. Onde este procedimento foi seguido, a cooperação nunca falhou; onde não foi — onde, por exemplo, tínhamos que nosapresentar nós mesmos — éramos geralmente evitadas. A_ influên-fciadas apresentações pessoaia_e.de. intermediários foi uma das me-(Ihores evidências da significação dos. laças_ pessoais na sociedade(brasileira, pois que foi forte e suficiente pura abrir portas que levaram a considerável intimidade mesmo entre estrauhos totais.

Cada entrevista sc iniciava pela minha explicação do que estávamos tentando descobrir e pelo pedido de cooperação dos informantes. Em algum ponto desta , t roca~introdutórijf, o informante introduzia invariavelmente algum aspccto de sua própria experiência. Usávamos isso como uma brecha para penetrar na história davida inteira. Uma entrevista ideal consistia de muitas sessões, como intervalo de alguns dias para termos tempo de rever nossas notase de formular questões que queríamos respondidas. Algumas entrevistas tiveram que ser feitas em uma unica sessão. Estas estao,invariavelmente, cheias de lacunas.

Q grupo^e pesquis^ composto por dois psicólogos brasileiro^) c

.por_mim, conseguiu em seis semanas reunir quinze entrevistas completas, muitas entrevistas mais curtas, e um ou dois relatos de carreiras bastante detalhados acerca de certas pessoas a partir de seusconhecidos. Sempre que possível, tentávamos conferir os dados dosinformantes a partir de outros informantes que os conheciam c dequem geralmente possuíam também dados adicionais substanciais..

Três outras fontes de dados deveriam ser mencionadas, cadauma das quais forneceu uma verificação de todas as outras e dasentrevistas. Eu_recoito_ya-sistematicamente jornais, por um lado

para dados relacionados às oligarquias e esferas sociais,^ por outro lado, para dados acerca das carreiras e carreiristas e suas operações. Curiosamente, os jornais eram geralmente muito generososem seu suprimento de material sobre carreiras. Todo domingo, du-rante um ano, o  Jornal do Comércio  de Recife publicou algumasbiografias de carreiras. O principal jornal de ürasilía~tmha umacoluna diária que dava biografias curtas de carreiras. A puhlicaçãode histórias de carreiras ocorria com algumas freqüência na maioriados jornais brasileiros.

Em segundo lugar, tentamos encontrar informantes que pa

recessem muito bem relacionados corn a organização econômica, so-

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u66   A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

ciai e política local e com aqueles que ocupassem posições nesta organização. Destas pessoas, tentamos obter o ipaior número possívelde informações acerca das operações, sociais locais, através de casose relatos sobre o comportamento do pessoal em questão. Este tipo 4e

informação mostrou-se, com efeito, geralmente muito mais^rico, jáque, por motivos explicados mais adianle^muitas das operações eãto$_ pessoais tornavam-se conhecidos através dos vínculos mais ^al-

! tos, apesar de sua aparente privacidade — uma privacidade que é,na verdade,_sempre potencialmente e propositalmente pública. 1

 ATterçeira fonte^de informação foi o materialjgublicajp. Aquipodem ser incluidos, certamente, estudos da organização econômicae social brasileira. Todavia, mais úteis são itens como õs anais doCongresso, em cujas discussões publicadas podem ser discernidos osprincipais grupos de interesse do país; análises da organização burocrática e política do país; estudos do comportamento eleitoral, eassim por diante. De grande interesse também são livros com motivos inconfessos, como o elogio de Niemeyer a Juscelino Kubitscheksob o pretexto de discussão de suas experíências~em Brasília, 7_e rç^vistas cujos artigos principais_são pagos por grupos de interesse.

1 r.: i~.~~ '

IV 

 A seguir, tentarei apresentar uma sinópse dos nossos achados ediscutir suas implicações.Em primeiro lugar, devia ser observado que o conceito e a

palavra cabide  existem apenas na comunicação informal. No decorrer da pesquisa, além disso, dçscobri que havia_toda^ j.uua lin*guagem existente apenas na comunicado JnformaL da carreira ode seus aspectos estruturais. Todavia, a carreira e o cabide  nãoeram as únicas unidades estruturais a serem descritas no discursoinformal, familiar a qualquer um. Descobri. Jambém_a  j)arielinha> çijja relajao com as carreiras c os cabides  ninguém observara an-

'teriormen|e._Por_ora, a  panelinha  pode ser definida como um grupo relativamente fechado, çmnplelamentc informal, reunido por laços de amizade, contato pessoal ou interesse comum, agindo parafins comuns e incluindo uma relação de todas as posições sócio-po-(lítico-econômicas chaves,." " Õ fato deéjsas unidades sócio-estruturaiã) que são tão vitaisno Brasil, serem conhecidas apenas pelo discurso informal é em simesmo um reflexo da faj.t§ 4®- purricu]ãrízaçao e fprrna]izaçap_<latessitura social brasileira. Dito de outro modo, esta organização in-% V r * - ' * *• 1  * I

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C a r r e i r a s   B r a s il e i r a s   e   E s t r u t u r a   So c i a l   67

formal só pode ser descoberta através do trabalho de campo, e nãoatravés de qualquer fonte publicada. Porém, sem conhecer essa organização, não se pode entender como o Brasil funciona econômicaou politicamente.

Esquematicamente, a carreira consiste numa constante ampliação de novas atividades — às vezes multiplicações de antiga, àsvezes em novas esferas. O problema^principal. é . estabelecer o primeiro passo, criar um tfampotirify  como dizem. A variedade detéajic§£ para isto é grande e essas, às vezes, são usadas isoladamente ou em combinação. Menciono apenas algumas, como a jitivid^demarcante nas associações universitárias esjtudantis. especialmentenas Escolas deTJireito; partíçipaç§P__Çia .grupos, fas,çistas ou. comunistas quando muito jovem; declarações públicas em favor de polí

ticas não encampadas pelos poderes constituídos; ceam os [Ç cqna jovens ricas; _ajuda da própria família ou da família da esposa;ajuda de padrinhos; jornalismo; ser famoso no esporte; ingresso napolítica em posições políticas mais baixas; ingiesso^ nuçn_pequenoescritório burccrático_ a partir do qual_laços_ para cima e para forapodem ser estabelecidos.

O que e significativo quanto a estas conexões, como o carreirista as utiliza, de forma ideal-típica, é que nenhuma_c intrínsecaaop.fins da carreira como tal, mas antes_! criação de um vnome,

ao começo de uma promoção (uma autopromoção), à construção da projeção. Por exemplo, um jovem que se tornou um político de carreira de “ esquerda” começou por unir-se à ala relativamente de direita da organização da juventude católica em sua escola de direito.Ele usou a influência e energia desta como trampolim (por meiode uma eleição) para o ofício político, logo a abandonando. Este efuturos estágios de sua carreira foram em muito ajudados peloprestígio e apoio de um burocrata nacionalmente eminente e respeitado, que se tornou seu sogro ao longo desse caminho.

Como regra, muitos de tais degraus para novas conexões são

alcançados por meio de conexões consanguíneas diretas ou de parentesco afim. Qualquer um de uma multidão de parentes podeestar num status  que lhe permita arranjar uma posição para seucliente-parente ou persuadir outros, através de redes de obrigaçõesmútuas (ver adiante), a arranjarem ou a ajudarem a arranjar taisposições. A forma mais imediata disso consiste, por exemplo, na firma familiar na qual o pai arranja loci  para a realização inicial dacarreira de seus filhos; com efeito, traça mais ou menos os principais contornos da carreira em seu início. As conexões podem ser es

tabelecidas através de relações de parentesco menos imediatas comparentes nepótícos de graus mais distantes. Os parentes articuladores

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68  A S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

mais característicos são pais e cônjuges, geralmente esposas, sendoentão o parente protetor principalmente tios e sogros e, às vezes, porextensão, um primo. Tais relações apareciam em muitos de nossos

casos em campos bastante diversos, como um político, um industrial e homem de negócios, um político e proprietário de imóveis, eum educador.

Conexões de parentesco ainda ínais amplas podem ser ocasionalmente acionadas, mas estas não aparecem geralmente com as ligações principais da trajetória da carreira. Apesar disso, mesmo umparente distante pode fornecer uma ligação necessária, pode ajudara abrir uma porta, e de qualquer forma servir de base para a entrada imediata numa relação que nao seria acessível de outro modo.Um correlato disso  é   a importância do mapeamento dos laços genealógicos tão rápido quanto possível, e sempre que possível. Um brasileiro, chegando numa comunidade nova para ele, tem em poucotempo uma extensa genealogia de todos os personagens significativos da cidade cujo número pode ser muito grande, e também deseus parentes significativos em outras localidades do país. Enquanto traçava esta genealogia, ele também explorou pontos aos quais elemesmo poderia estar ligado, por laços de consangüinidade, afinidadeou de amizade com uma das pessoas do mapa genealógico. Mesmoesta conexão a partir de um não-parente é um passo à frente no

avanço de interesses ou no estabelecimento de novas relações.É de grande importância que os movimentos iniciais da carreira

se tornem conhecidos nos lugares certos, uma vez que o jovem carreirista pode ser solicitado a apoiar, auxiliar ou formar aliançascom outros de sua mesma idade ou mais avançados em suas carreiras do que ele. Tornar os movimentos conhecidos tem o efeitode dar informações quanto às capacidades do jovem carreirista e desuas conexões. Ao mesmo tempo, essa divulgação não pode ser de-masiado aberta porque, por um lado deseja-se uma resposta seleti

va, e, por outro, algumas manobras são talvez um tanto vergonhosas. Em suma, do início da carreira em diante, há uma constanteemissão de “ deixas” que pretendem transmitir informações acercado estado da carreira de alguém - isto é, acerca das posições queele ocupa, conseqüentemente a relação de suas conexões, os tiposde influência que possui, os tipos prováveis de manobras que poderealizar, e também as pessoas que podem ser alcançadas atravésdele. Acredito que, em todo esse processo, há uma intensa seleçãoem favor daquelas pessoas com percepção mais aguda, com habilidades mais aguçadas para ver mais significados atrás das deixas, ecom energia e determinação para acompanhar e utilizar a informação assim adquirida.

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C a r r e i r a s   B r a s il e i r a s   e   Es t r u t u r a   So c i a l   69

Esta convicção tende a ser confirmada pela extraordinária habilidade, inteligência e diversificação de atividades da maioria denossos informantes que não haviam, sido selecionados na base destes

critérios, mas apenas por ocuparem várias posições.Qs mecanismos para a emissão de deixas são altamente institucionalizados, não obstante serem amplamente informais. Talvezo mais importante seja o uso do jornalismo. A variedade de técnicas envolvidas é enorme. O reitor da Universidade X mantém umaequipe de repórteres empregados em tempo parcial na Universidade. Através deles — sem dúvida devido a sua gratidão — ele podeapresentar diariamente uma magnífica reitoria ao publico, especialmente aos políticos com quem ele realiza grandes manobras. Muitas pessoas de posição considerável podem publicar matérias pagas

num jornal; podem contactar repórteres que conhecem e que publicarão notas a seu favor ou sobre elas; podem realizar algum atopúblico para o qual terá sido arranjado ou empregado um repórter.Relações de obrigação e dependência recíprocas entre um carreirista e um repórter são comuns, uma vez que o repórter também podeestar investindo na sua  própria  carreira através do contato.

Examinando os trabalhos, encontra-se uma extraordinária variedade de contextos nos quais as deixas se apresentam: notícias demunicípios no interior, inclusive dos mais miseráveis; colunas so

ciais; colunas de informes de negócios; colunas políticas; anúnciosprivados. Todos apresentam conexões. Todos, como era o caso, estão pedindo novas conexões ou anunciando as potencialidades e adisposição de seus autores ou das pessoas referidas para estabelecernovos laços. É do maior interesse o fato de que em algum momento de uma carreira aparecesse uma conexão importante com um jornal, exatamente como em praticamente toda carreira uma conexãoimportante com a vida política ou com algum cargo público fornecia uma chave. O jornalismo e a vida pública são_ claramente insti

tuições centraisjoa .sociedade brasileira.0  passeio a pé  _é_uma_ técnica de bnportância no fluxo_e trans-

g&issão de„ informação* O  passeio_a pé  proporciona a oportunidade|4e encontros exploratórios a partir dos quais as conexões podem^crescer. Essses encontros ocorrem em lanchonetes, nas portas dtTli- VEEtriap, e assim por diante, e se constituem de conversas mlõrtnaisacerca de cenário social da cidade, dp modo. a emitir veladamenteopiniões e demonstrações de conhecimento e conexão.

Hoje, a televjs§.q e o rádio constituem também canais para a

transmissão de jdeixâs para aquela pequena parcela da populaçãoda sociedade que tem acesso a eles.

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70  A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

I A fofoca  é  outro mccanisrpo_vitaI. Os brasileiros  prestam aten- j tão  í fofoca^ e a armazenam, ao_ contrário dos americanos, cujo ob-fejtívo principal  é  aumentá-la, passa-la adiautee então esquecê-laj

É^cõníiecido o caso de um brasileiro que chega c mautcr um ficliá-^rio de tópicos de fofocas e outras informações da vida pública e privada dc grande número de pessoas.

1 Reuniões em clubes sociais também proporcionam meios paraa difusão de “ deixas’*, que mo  de especial significação devido à suaexclusividade. U círculo no qual as *;dèbuisMdevem ser disseminadas

 é  nitidamente definido e restrito.

 V 

 A principal função da transmisgap e manipulação de*áeixas_éa manutenção cias fronjeiras entre grupos informais mutuamenteexclusivos de pessoas £U_a apropriação das prerrogativas e concessõespor algum desses grupos, negando-as aos demais. Pode-se*entendero conjunto do sistema de comunicações como ttm meio de difusãode determinados tipos de informações em determinados códigospara apenas determinadas, calpgorias de pessoas. D conhecimentodor códigos e dos tipos relevantes de iuformação é ensinado, poraqueles que os sabem, a seus congêneres e sucessores* À aprendizagem ocorre primordialmente no círculo familiar, mas também nos“ legítimos” contatos entre famílias não aparentadas, mas de mentalidade semelhante, como em clubes sociais* cliques e grupos deamigos. 0 acesso,_à_infprmação_ transmitida nos jornais e revistas,

rjno ridio_e_na televisão,.na fofoca de lanchonete^ requer um mínimo lfde recursos por parte dos participantes. Eles têm que ter tido aces-y[so à educação. Eles têm que ppder cojnprar jornais sistematicamen-- te ou possuir um rádio_ou televisãg, uma vez que sua utilização deveser contínua. Devem poder freqüentar lanchonetes, assim pordian-

te.  A exclusão total da, ou mesmo um acesso meramente parcialou altamente esporádico à informação transmitida por essas instituições torna o pessoal envolvido praticamente ineficiente em todas asoperações com relação às quais a transmissão de deixas é importante,isto é, para todo controle, planejamento e tomada de decisão econômica e política significativa e organizada. Este ponto ficará maisclaro na minha discussão abaixo acerca da  panelinka.

E claro que a pobreza institucionalizada seria altamente funcional na manutenção de tal sistema, uma vez que ela automáticae eficazmente exclui o pobre, seja totalmente ou num grau significativo, do acesso às deixas e informações e jle sua transmissão. A 

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Ca r r e i r a s   B r a s il e i r a s   e   Es t r u t u r a   So c i a l 71

institiiriionalÍTaçãn ria pobreza no Brasil compreende uma inflaçãoque, especialmente nos níveis mais baixos, consome praticamentetodo aumento salarial concedido, mas que é ao mesmo tempo utilizada pelos ricos para aumentar sua própria renda. Compreende umsistema escola^cgnstruído de forma a fomentar o privilégio e expulsar o”pobre tão cedo quanto possível; por exemplo, pela difieul-da3e Vcusto~3o atendimento, por exigir uniformes que devem serpagos, pela ausência de transportes e, freqüentemente, quando sãoalcançados os graus elementares superiores, pela exigência de ensino especial e pago para o prosseguimento.8 ^in^Uuci<ma.UzaçíIo dapobreza também compreende uma extraordinária gama de instituições informais,^das^quais o controle da transmissão de deixas quediscuti é apenas uma.

 A pobreza também traz seus próprios símbolos externos, roupa- jgem, fala e maneiras especiais, de modo que a "sua Tnstitucionaliza- jção informal incluí um tratamento diferencial por todos, tanto ricos jeomo pobres^ As técnicas sao inúmeras e as consequênciãsT inevi-

tãveis. Aqui, pode-se observar, como exemplo único, o tratamento diferencial dado a um homem pobre e a um homem de possesnuma repartição pública, quando ambos estão fazendo reclamações.0 empregado encarregado pode, certamente, identificar imediatamente ambos os protagonistas, seus prováveis associados, os interes

ses que representam, simplesmente pelos símbolos visíveis de seusstatus. Ele baseia sua linha de conduta nesta informação, expulsando talvez o homem pobre, mandando-o voltar no dia seguinte,ou não encontrando solução para o seu problema, ao passo que chama o homem rico a seu escritório, considera imediatamente seu problema, resolve o caso na hora, e estabelece um vínculo de obrigaçãomútua às expensas do homem pobre.

 Ainda mais, as comunicações, no sentido mais amplot fazçrgparte do controle dos pobres. Com efeito,, o mal fimcipqamento institucionalizado de praticamente toda a rede telefônica urbana e do

chamado sistema telegráfico “ nacional” assegura grandes dificuldades à organização tanto em termos de habilidade em sugerar osproblemas da distribuição espacial de pessoas como em termos dotempo necessário à organização. Apenas aqueles que têm acesso atransmissores de rádio privados ou estatais (como o pessoal do Estado, um certo número de políticos e alguns dos cidadãos privadosmais ricos e bem relacionados), ao caro telégrafo e sistemas telefônicos “ Nacional” ou “ Western” , ou ao rápido transporte pessoal,sobretudo por aviões, escapam ao lento ritmo da organização telefô

# Leeds, 1957, cf. Capítulo V ; Leeds, no prelo; Teixeira, 1957, 1958,1960.

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nica. Deve ser observado que o caro sistema telegráfico “ Westernas redes telefônicas de longa distância (ao menos no Sul), os arran

 jos para a transmissão no rádio e o transporte aéreo, operam de maneira realmente eficaz numa base nacional ampla. As comunica

ções ferroviárias e telefônicas relativamente localizadas e o telégrafo “ nacional” , em sua maioria, funcionam bem apenas na região mais urbanizada, industrializada, corporativamente organizada,e marcadamente rica em torno de São Paulo. De passagem, v a le jpena assinalar^ que o mau funcionamento institucionãlizaH^dí sistema de comunicações afeta totalmente os pobres, mas também afe-. ta por extensão todos os status  e níveis salariais médios, e atua sobre. çles, iambéiu, como um sistema de controle social exercido pelosdetentores "das ppsiçoes centrais da sociedade.

Em suma, sem entrar em maiores detal&es aqui, pode-se dizerque a transmissão de deixas em si mesma, seu controle, o fluxo amplo de outras forma de informação, o controle desse fluxo e todasas instituições formais e informais provenientes destes controlescriaram e mantêm limites altamente impermeáveis entre os dois grupos fundamentais — que chamei de classes e massas — e fronteiras apenas relativamente permeáveis entre os subgrupos hierárquicos das classes.

Deve-se observar que as massas e as classes de sistemas sociais

como o do Brasil encontram-se numa relação funcional bastante viável para ambas. As massas nao sao sintomas de “ desorganização”ou “ disfunção” , ou de uma sociedade “ doente” . Como a riqueza,o prestígio e o poder de decisão permanecem todos nas classes, quevisivelmente não têm nenhum desejo forte de disseminá-los pelapopulação como um todo, mas que tiram deles grandes vantagens,o sistema tende a se perpetuar. Além disso, o alto grau de controleexercido sobre as massas tende a forçá-las a procurar nas classesapoio e ajuda, reforçando assim estrutural e ideologicamente o sistema ,

 VI

 Voltando à estrutura interna das classes, podemos examinar opapel das comunicações em levar o carreirista principiante a relações significativas com pessoas de síafus de igual importância, e otipo de grupo informalmente socializado e societalmente focal noqual ele entra. 0 resultado da transmissão e manipulação de deixas é nma série sempre crescente de conexões, associações e ocupação de posições. Desta forma, um informante de 26 anos, que controla um colunista social prestando-lhe favores ocasionais como o

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C a r r e i r a s   B r a s i l e i r a s   e   E s t r u t u r a   So c i a l 73

saldo de dívidas de jogo ou de dívidas contraídas por causa de mulheres, já entrou numa  panelinha,  tem conexões no Rio, e já setornou até membro de vários conselhos de diretores mesmo sem tersido consultado. O fato de que ele possui também treinamento espe

cial num campo não acadêmico é geralmente sabido e desempenhaum papel na sua seleção.

Os estágios iniciais e médios da carreira, que podem durar cerca de 10-11 anos, caracterizam-se pela multiplicação das fontes deapoio, de modo que, antes de mais nada, não haja recuos; em segundo lugar, de modo a existir um permanente conjunto de trampolins; em terceiro lugar, de modo a que existam diversos conjuntos de conexões, por entre as quais, por motivos estratégicos, o carreirista pode movimentar-se para avançar em sua carreira posterior.

Talvez nosso melhor exemplo seja um homem que construiusimultaneamente uma carreira como acjvogado, acadêmico, políticoe jornalista. Quando fracassou nji política, possuía três outros con

 juntos _de Jnteresses e conexões^ em ativo andamento para prosseguirsua projeção, como dizemos brasileiros. Ele havia dividido sua vidaacadêmica entre o país natal e o estrangeiro. Quando se envolveuescandalosamente com uma outra mulher que não sua esposa, encontrou conveniente refúgio temporário na Europa, de onde prosseguiu no jornalismo. Recentemente, retornou para reativar a basepolítica e reassumir seu papel acadêmico.

Qaando um homem alcançou certo ponto em sua carreira, caracterizado por contatos desejáveis, um certo “ nome em sua áreaou áreas, ele pode ser convidado a participar de uma  panelinha. O convite pode ser explícito ou ser feito através de um teste verbalnão explícito. As  panelinhas  existem em todos os tipos de atividade.mas,_.para_ nosso objetivo, as panelinhas políticp-economicas., maisdo que, digamos, as literárias ou acadêmicas, são de interesses j>ri-mordjal, embora deva ser lembrado que todas as paagliphas- nn menos em p rte^ possuem fins. pplítiços^

 A vanelinha  poLticQ-£poaQiaica consiste caracteristicamente deum inspetor da alfândega, um homem de seguros, um ou_dois advogados, homens de negócios, um contador, um vere^dox, deputadoestadual ou federal, e um banqueiro com seu banco. Nao se estabelece nenhum compromisso formal entre essas partes; nenhumareunião formal é mantida. Elas são identificáveis apenas por rela-tos de informantes ou jpela_pbservação de esforços cooperativos dura-douros entre as pessoas envolvidas. Freqüentemente, essa cooperação nao é facilmente visível.

Cada  panelinha  mantém suas relações internas a nível localpor meio de certas sanções potenciais muito simples. Aquele que

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abandona uma 'panela  perde automaticamente suas conexões no local. Uma vez que a  panela  na localidade  é  também uma sociedadede groteção mútua — seus membros sao praticamente imunes à leiem função da pressão que pode ser exercida através das conexões da

 panela  — , o .apóstata jperde suas proteções» a menos, é claro^gue já se tenha alinhado nuina^outra panela. Em outras palavras, comomembro de uma  panela  clc tonto d i i. como recebe.

0 banqueiro que sai perde os negócios e depósitos dos membrosde sua  panela  — e às vezes o total de bens de uma  panela  podechegar a dez ou mais bilhões de cruzeiros. Ele teria dificuldadesem encontrar substitutos, pois a maioria das pessoas de interesse jáse encontra ligada a seus próprios bancos. Por causa da dependência do banco, eles nao tendem a ser a força predominante das  pa

nelas  cujos membros têm poder e status  mais ou menos equivalentes.

T3e modo semelhante, o deputado depende da panela para a'sua eleição (e seu bom salário) — ele  é  o seu homem. Todavia,por sua vez, ela depende dele porque ele fornece os vínculos como governo tão necessários para a solução de inúmeros problemasdefinidos pelos membros da  panela. |

Isso  é  particularmente verdadeiro quando se trata de vínculos que alcançam a cúpula político-administrativa, visto que cada

: panela  tem seus laços com a hierarquia juvídico-política até o pre-í sidente, que é a pedra fundamental de toda a estrutura. Esses laços atravessam o Rio de Janeiro, especialmente os escritórios dedireito do Rio, os altos burocratas do Rio, funcionários de minis-

: térios, deputados federais e senadores, e assim por diante, a partir/\dos quais os ministros podem ser alcançados.

Os ministros fazem os contatos com o presidente quando necessário, especialmente em problemas como os que podem envolvera indicação de funcionários ou a tomada de decisões importantesquanto à alocação de fundos. Nos últimos anos, as decisões de

cúpula finais que dizem respeito às panelas em níveis político-íidministrativos menores mudaram-se para Brasília e doravante serão cada vez mais rápidas.

 As panelinhas, todavia, não são totalmente dependentes dopresidente e de outras altas autoridades, já que, por sua vez, estesprecisam das  panelinhas  que favoreceram para a retribuição de favores. Isso  é  especialmente verdadeiro no que diz respeito ao apoiopolítico a nível local^seja em eleições ou em decisões que afetans.as hierarquias políticas municipais ou estaduais* J3 abandono de

uma  panelinha  não é boa política. A relação entre ãs  panelinhas ■ de nível maior e menor  ê  recíproca, exatamente como as relações

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C a r r e i r a s   B r a s i l e i r a s   è   Es t r u t u r a   So c i a l 75

no interior da  panelinha,  embora de tipo diverso, são recíprocas, eas conexões individuais com grupos e organizações por parte docabide  são também recíprocas em suas obrigações e utilizações —uma vasta rede de obrigações mútuas.

 A  panelinha  também alcança os níveis políticos, os mais baixos, estabelecendo contato com  panelas  municipais da mesma forma como o faz com as  panelas  a nível federal.

Relações recíprocas semelhantes são estabelecidas aqui. Às pessoas que podem mover-se em ambas levam vantagem, mas tendema mover-se permanentemente no interior do nível mais alto e nãoa operar em ambos, substituindo as relações recíprocas 46igualitárias” de um participante do nível mais baixo pelas relações recíprocas hierárquicas de um participante do nível mais alto com

relação a um do mais baixo.O número de  panelas  em uma cidade ou estado é proporcio

nal ao seu grau de avanço econômico, político ou social. Assim,estados como o Piauí e o Maranhão possuem provavelmente umaou duas; a Bahia, muitas; Minas Gerais, algumas; São Paulo, inúmeras. É interessante observar que, numa estrutura de oportunidades em expansão, as  panelinhas  geralmente nao brigam entre si,especialmente a nível local. Não se adere a uma briga que poderia ser destrutiva para uma  panelinha, preferindo a  panelinha  per

dedora unir-se à vencedora. Apenas para grandes contratos ocorremgenuínas batalhas competitivas, porém essas batalhas tendem a passar para a cadeia de comando da  panela, de modo que a batalha é travada no nível burocrático e mesmo ministerial mais elevado.

Pode-se ver que a  panela ê  um grupo que se automantém comalgumas funções. Em primeiro lugar, ela funciona para selecionartalentos de certo tipo, embora possa também proteger a inépciapor motivos políticos internos, especialmente quando um grupo deauxiliares e patrocinadores, uma espécie de claque chamada noBrasil de  Rotary,  é mantida como dispositivo tático, como no casodos repórteres do i-eitor da universidade acima mencionado. Todavia,em geral, os membros dominantes sao pessoas de grande habilidade, o que se reflete em termos de admiração, quase que de adoração, como  furador, cavador, absorvente, pára-quedista,  etc. A inclusão por convite dá certa garantia de que uma pessoa desse tiposerá trazida para dentro da  panela.

 A contrapartida disso é que carreiristas medíocres tendem aser excluídos e que todas as pessoas possíveis que querem subir,ascender socialmente, são, na verdade, controladas a partir, de çima5

mesmo se elas já estao nas “ classes” . 0 controle da mo^üídad^'ás^, cehsiojial jdçs / pia aas” é heqi inais_sey.ero^ e será, descrito em

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 A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

 /butra oportunidade. Em iuma,_a  panelinha  e o cabide  são unida-Wes-est£tituraÍ5^que^-yinçuladas ou a ã o ^ ia m uma divisão de classe no Brasil. Uma divisão praticamente total: aquela entre as'classes e as massas. As outras divisões, no interior das classes, apre

sentam graus variados de impermeabilidade, especialmente marcados nas proximidades da parte mais baixa e do topo. Estas constituem estratos no interior das classes mais do que grupos claramenteintegrados, menos ainda conscientes de si, paxa os quais o termo“ classe” seria apropriado. Em outras palavras, o Brasil possui umsistema de duas classes com estratificação interna em ao menosuma delas. A outra  é  praticamente desconhecida.

Em segundo lugar, a  panelinha  possui certas funções econômicas. É um grupo de controle e constituição de capital, que mantém

grande parte de seu dinheiro em forma líquida. Isso permite a seusmembros ter à mão grandes somas de dinheiro de maneira extremamente fácil pela redução da maior parte das restrições e exigências legais, e permite que eles estabeleçam rapidamente contatos, realizem grandes compras ou várias especulações com grandefacilidade.

De diversas maneiras, a  panelinha  atua de modo a ajudar seusmembros a resistirem à taxação através, por exemplo, da transferência de bens de um para o outro, sem o pagamento das taxasde transferência correspondentes, ou pela introdução de bens porcontrabando ou com taxas de importação muito reduzidas por meiode seus membros na alfândega. Através de seus membros políticose banqueiros, a  panelinha  tenta tirar vantagem das taxas de câmbio controladas pelo governo para enfrentar, agir contra, opor-seà inflação e tirar vantagem dela para o aumento do capital e liquidez — e,  é  evidente, da riqueza pessoal. Ao mesmo tempo,através das atividades e interesses variados de seus membros, a  panelinha  tende a controlar uma proporção muito ampla de bens econômicos no interior da unidade política na qual opera, uma vez

que o controle pode ter importantes repercussões políticas, podendoser inclusive um plano político, como na recente contenção de alimentos básicos dos mercados urbanos com correspondentes manobras políticas a todos os níveis9.

* Em junho e julho de 1962, ocorreu no Centro-Sul do Brasil, especial*mente na área do Rio, uma escassez aguda de todos os principais gênerosdc primeira necessidade. Promessas eram feitas constantemente e nenhuma ação efetiva era realizada para aliviar a situação, até que, primeiro,5.000.000 de sacas de arroz foram “descobertas” “escondidas” no RioGrande do Sul, e os saque de alimentos em Duque de Caxias, no Estado

do Rio de Janeiro, produziram um quase instantâneo reaparecimento dequase todos os gêneros em suprimento adequado nas lojas. Durante o

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C a r r e i r a s   B r a s i l e i r a s   e   E s t r u t u r a   So c i a l 77

Isso ocorre tanto com a  panelinha  quanto com seus componentes de cabide. Observando-se do ponto de vista da carreira, pode-eever que a carreira passa, idealmente, por uma série de níveis de  panelinhasi, identificadas principalmente com os níveis políticos municipais, estaduais e federais. Conforme se ampliam as conexões, atividades, experiência e riqueza de um homem e se contraem maisrelações verticais ascensionais, sua carreira tende a alcançar a  panelinha  de nível imediatamente mais alto. Do ponto de vista dacarreira, ela gradualmente se universaliza e se nacionaliza, no sentido em que seu nome, sua influência e suas atividades tornam-segeograficamente nacionais em alcance. Isto é, sua  projeção  torna-se cada vez mais ampla no raio de ação sócio-geográfico. Essa pro

 jeção torna-se estruturalmente firme por meio de laços descenden

tes com várias  panelinhas  estaduais e municipais, por seus laços decabide  em vários diferentes tipos de esforços, e por seus interessese atividades geograficamente dispersos. Por exemplo, um de nossoscasos tem sua força política num estado do Nordeste; seus laçosassociativos mais influentes e grande número de suas conexões denegócios estão no Rio; suas atividades centrais de negócios, em Brasília; e um conjunto de conhecimentos no Congresso Nacional eem legislativos estaduais e municipais.

O estágio final da carreira é a  projeção  internacional, mas as

posições da sociedade para tal sao extremamente limitadas em número como o são as mais elevadas posições político-burocráticas nacionais.

É neste nível mais elevado, onde a estrutura de oportunidades, sob outros aspectos expansiva, se contrai abruptamente, que seobserva o conflito mais feroz no Brasil. Tanto a projeção nacionalcomo a internacional são auxiliadas muito significativamente peloacesso aos, ou pelo controle dos meios de comunicação e de transporte, uma vez que o primeiro auxilia o estabelecimento de contatos, /i manutenção de um fluxo de informação adequado, e assim

por diante, enquanto o último permite a constante manutenção deimportantes relações. Ambos, em conjunto, permitem um controlerelativamente instantâneo sobre os problemas a serem resolvidos,o que não  é  acessível às massas ou aos níveis mais baixos das classes. Na verdade, o controle de ambas essas tecnologias pelos níveismais elevados  é  um dos mecanismos fundamentais, especialmenteda manutenção da divisão de classe entre as classes e as massas,mas também da divisão entre os estratos mais elevados e maisbaixos das classes.

saque, todas as casas foram avariadas ou invadidas,  exceto   a de umdeputado. A turba de grevistas deixou, em consideração, sua casa intacta!

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?8  A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

 VII

Há ainda alguns pontos relativos a esta sinopse de resultados

Em primeiro lugar, a divisão da economia política brasileira emsubesferas tais como as de negócios, educação, indústria, instituições burocráticas, serviços públicos, etc. tem, na melhor das hipóteses, valor analítico, mas na verdade não faz muito sentido estruturalmente nos níveis mais elevados, uma vez que estão todas intimamente articuladas, especialmente nas fases finais do desenvolvimento de uma carreira, ou em outras palavras, nos mais elevadosníveis da tomada de decisão efetiva. As divisões sociais se dão,na verdade, mais ao longo das linhas oligárquicas descritas por

Teixeira, cujas evidências constantemente apareceram nos materiais de história de vida. As oligarquias tendem a atravessar os setores e esferas analíticas mais convencionais. Elas parecem maisavançadas nos estados de São Paulo e Minas do que na Bahia eno Recife. Nos níveis mais elevados dentro de cada oligarquia, oslimites começam a se enfraquecer por causa da quantidade e intensidade dos laços cruzados entre o pessoal que ocupa as posiçõesmais elevadas ou por causa de pessoas, especialmente políticos altamente situados, que se relacionam com muitas oligarquias aomesmo tempo.

Em sua maioria, nestes níveis mais elevados, os fins últimosde todos aqueles em questão sao relativamente uniformes, de,modo que não há clivagens políticas genéricas fundamentais nacúpula no Brasil. As clivagens parecem girar em tomo de políticas específicas como a implementação dos objetivos políticos genéricos e do acesso ao controle de todo o sistema e suas recompensas no ponto mais elevado — a presidência e suas dependências.Eu poderia representar a situação da organização social total brasileira como o diagrama encontrado no Quadro 3.

Em segundo lugar, algumas observações quanto à técnica de pesquisa. A técnica utilizada neste estudo pode ser prontamente estendida a todos os outros grupos significativos da sociedade, inclusive às “ massas” e às camadas de síatus e nível salarial médio. A técnica é essencialmente um dos procedimentos, euma adaptação especial, do chamado método de estudo de comunidade. Diferente deste último, esta adaptação não é, em seus aspectos essenciais, restrita a qualquer localidade dada, uma vezque a “ comunidade” das “ classes” brasileiras tende sempre, pelanatureza mesma da carreira, a um alcance nacional ou mesmo supranacional, ao passo que, segundo evidências recentes, mesmo acomunidade das “ massas” , apesar de alguma ligação a localidades

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Quadro 3

Nota: As linhas verticais inclinadas representam a expansão e contraçãoda estrutura de oportunidade. As setas representam a mobilidade ascensional, As linhas pontilhadas representam limites indefinidos ou poucodefinidos. As camadas pontilhadas representam divisões de estratos. Ostriângulos em linha tracejada representam grupos de interesse bastanteamorfos ou categorias não significativamente vinculadas a grupos de interesse importantes, as “ oligarquias” . O símbolo / = / representa canaisatravés dos quais é feita a conexão com as grandes oligarquias. Estesgrupos ou categorias, do meu ponto de vista atual, incluem as igrejas,

professores primários e secundários, profissionais autônomos, alguns sindicatos, alguns tipos de associações, etc.

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ou regiões por motivos ecológicos e de controle social, tende a extensos laços organizacionais interurbanos e interestaduais. Certamente, os “ níveis mais baixos” das classes possuem com freqüência amplas conexões de tipo institucional supracomunitário trans-local.

Em vista dessas redes institucionais supralocais a todos os níveis, a técnica de carreira pode ser usada com as massas e “ níveismais baixos” das classes, entre os quais incluo presidentes de sindicato, trabalhadores especializados e equivalentes. Em vista dosindicadores da existência de uma organização semelhante à  panelinha  nas massas e níveis mais baixos das classes, e em vista de conversas exploratórias com pessoas das massas, com líderes sindicais,

e assim por diante, é praticamente certo que as entrevitag sobrecarreiras seriam praticamente tao produtivas com eles como comos carreiristas em posição de controle. Uma pesquisa deste tipo,a julgar por um rápido olhar inicial, seria muito reveladora noque diz respeito à estrutura social, barreiras sociais, mobilidade social, e no que diz respeito aos mecanismos da organização socialde, e além de, qualquer tipo de localidade.

Com efeito, a técnica pode, para muitas características importantes, ser_utilizada na descrição qualitativa dos sistemas sociaisdas cidades de qualquer tamanho — as operações internas da economia e da política da cidade, bem como seu sistema de estratificação correspondente, e asgim por diante. De fato, o resultado datécnica é o de traçar uma espécie de genealogia de todos os grupos de parentesco, significativos ou nao, da população da cidade,bem como de muitos dos indivíduos em questão. Descobre-se quemse relaciona com quem (por laços de parentesco e de qualqueroutro tipo importante) na tessitura social. E, ainda mais, no de

correr desse mapeamento descreve-se também como tais “ genealogias” nascem, isto é, a dinâmica da organização social. Ë importante observar que ele revela estruturas em geral visíveis abertamente e não acessíveis à observação, que utiliza as categorias comuns de coleta de informações, como a demográfica, a estatística, aocupacional e outras rubricas de estratificação.

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 VIII

Concluindo, gostaria de assinalar, inicialmente, que ao longo

da dcscrição da estrutura de carreiras no Brasil foi possível descrever muitos dos aspectos fundamentais da estrutura social nacional brasileira, dos instituições sociais brasileiras conduzidas pelosgrupos nacionais e locais. À descrição não se atem aos limites artificiais criados pelo chamado método de estudo de comunidade, oupior* pela pletora de estudos de localidades que não são nem mesmo comunidades, mas que estão encravadas nas estruturas sociaisnacionais. / 

O método de estudo de comunidade ou de localidade, emparte um empréstimo de inétodos de estudo a tri6aís” , ^tendeusempre a impedir a apreensão das conexões que integram a eomu-nidade a ordem social maior pela qual elã  ê   profundamente abalada" em suas articulações mais básicas. Na medida em que as comunidades. _em soçjedades nacionais são, fundamentalmente unida-des^swiaisj elas _existcm_ nurna constantc ç jt iva_rela ção coin asinstituições^ nacionais que são, na melhor das Jiipótesç§,_ nada maisdo que apontadas e nunca descritas pelos antropólogos. As comu-

nidades podem estar em conflito com as instituições nacionais;elas podem, como o fazíãmT coexistir com elas; elas poclem teruma^_ativa participação nelas; e, com relação aos diferentes contextos da vida comunitária, elas podem fazer tudo isso ao. mesmotempo, em diferentes graus e em diferentes momentos. Poucas,se é que alguma, descrições das relações entre sociedade nacionale sociedade comunitária são encontradas na literatura, e a comunidade tem sido apresentada, por causa do método, como _uma jjs-pécie de unidadejnônada cuja dinâmica interna e trajetória pQflein

ser apenas obscuramente percebidas^ 0 método aqui sugerido per-,mite ao menos uma aproximação da análise tanto do todo comoda parte ao mesmo tempo, porque eles sao vistos como constituídosbasicamente pelas mesmas unidades sociais.

Em segundo lugar, os mecanismos de carreira descritos parao Brasil ajudam a explicar por que tal sistema tende a permanecer como está, isto é, ajudam a explicar a dinâmica do equilíbrio.Embora eu o tenha apenas esboçado aqui, pode-se ver como fun

ção da pobreza o reforço constante do privilégio e das vantagensdas classes detentoras de poder. A pobreza concentra a riqueza e opoder, maximiza lucros c permite o reinvestimento, enquanto oslucros crescem sob condições inflacionárias. Também todos os mecanismos para a transmissão de “ deixas” tendem a favorecer as

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classes atuais assim como estão, e, em geral, as classes procuram,por meios organizacionais, deixar que as coisas permaneçam comoestão.

Em terceiro lugar, pode-se ver que os tipos inegavelmente mais

importantes de organização informal que descrevi para o Brasilsão bastante flexíveis nas circunstâncias de rápida mudança técni-co-econômica experimentada atualmente, mais ainda nas condiçõesem que a tecnologia de transportes e comunicação existente e oindustrialismo bastante rudimentar criam grandes dificuldades para organizações a longo prazo através de longas distâncias. Em taiscondições, a autonomia relativa e o atomismo geográfico e socialdas unidades sociais de todos os tipos são funcionais porque permitem às unidades, qua  unidades, ter muitas séries de respostas,

0 tjpo ,de_ jmnjãinha. aqui -descrito..autarquia_se^ÜpÚb]jça.semiprivada; . ol igarquia , semi^ojada ; ps_estados o _ mcsino, hs vezes, os municípios consideravelmente autônomos, e até órgãoscomo as universidades, escolas e algumas, igrejas^— têm notável flexibilidade por causa de sua autonomia e atomismo,

Elas podem ser contrastadas com a ossificada e monolítica burocracia. As unidades sociais flexíveis que descrevi aqui podem mo-ver-se rapidamente, aproveitar oportunidades, reformular políticas,mudar estratégias e assim por diante, sem que elas mesmas mudemmuito. Em suma, este tipo bastante atomizado, livre de organiza

ção, sem um fundamento jurídico, é altamente adaptativo para sociedades onde está ocorrendo uma justaposição de seu próprio passado estático-agrário e de um futuro expansivo-industrial.

Em quarto lugar, hipoteticamente, o caso aqui descrito fornece um modelo para todas as sociedades semelhantes. Assim, demodo geral, esperar-se-ia que países do Oriente Médio, Sudeste

 Asiático, alguns africanos e outros latino-americanos fossem conformes ao modelo, exceto na medida em que os fatores variáveis se

 jam mais ou menos influentes em cada caso. Assim, a justaposição

da sociedade expansivo-industrial ao estático-agrário Haiti foi mínima, situação mantida pela virtual ausência de recursos a seremdesenvolvidos segundo modelos industriais naquele país. Seria dese esperar, entao, uma sociedade muito mais próxima do ideal-tipode uma sociedade estático-agrária*

Esperar-se-ia também uma competição mais aguda pelos poucos recursos, mas uma competição que se limita às posições maisaltas de poder. A ausência de uma estrutura de oportunidades emexpansão, a extrema pobreza de recursos, a limitada absorção denovos status  levariam a esperar uma intensa luta pelos poucos

status  existentes que têm poder, riqueza e ganhos de prestígio.

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C a r r e i r a s   B r a s i l e i r a s   e   E s t r u t u r a   So c i a l   83

Este  é o  modelo de uma sociedade que possui um pequeno conjuntoaristocrático de cliques e elites constantemente substituindo-seumas às outras, freqüentemente pela violência. O Haiti, evidentemente, corresponde de forma bastante nítida a este modelo.

Por outro lado, esperar-se-ia um maior desenvolvimento dascaracterísticas expansivo-industriais na Argentina e no Chile doque no Brasil, porque eles são, ou eram, mais industrializados.Todavia, eles não possuem atualmente, e não o possuem há já algumas décadas, estruturas de oportunidade em expansão, de modoque se esperaria que as estruturas e elites do tipo  panelinha  a nívelgovernamental nacional entrassem em competição direta e violentaumas com as outras — o que, de fato, fazem.

Dito de outra maneira, o modelo hipotético e o tipo de expec

tativas discutidas aqui são, na verdade, previsões. O uso de ummodelo permite previsões de dois tipos. Primeiro, a previsão dassituações de campo, isto é, a descrição anterior, como ocorreu, deque tipo de condições sócio-culturais serão encontradas numa entidade sócio-cultural desconhecida como, digamos, o Iemen ouBhutan. O afastamento das condições esperadas levaria à modificação dos princípios teóricos sobre os quais a construção do modelose baseou, bem como à modificação das variáveis, enquanto o encontro das condições esperadas tenderia a confirmar tanto os prin

cípios como as variáveis.Em segundo lugar, o uso do modelo permite que se façamprevisões razoáveis sobre os estados futuros da sociedade em consideração e, mesmo, de acontecimentos específicos. Do modelo e deseus elementos variáveis se pode derivar logicamente modelos variantes conseqüentes, pela descrição de relações diferentes das variáveis. Tais modelos constituiriam uma série de trajetórias e conseqüências possíveis para uma sociedade sob diversas condições.Onde uma dada conseqüência não correspondesse às expectativasdo modelo construído na base de variáveis cujos valores para asociedade sao conhecidos, estaríamos obrigados a, e em condiçõesapropriadas para, extrair novas variáveis significativas dos dados,assim redefinindo e tornando mais poderosa a teoria.

Finalmente, pode ser assinalado que o modelo que estive discutindo foi moldado principalmente nos termos de uma justaposição de uma já existente estrutura expansivo-industrial a uma estrutura estático-agrária. Cabe a nós perguntar que tipo de modelo deveríamos construir para estruturas intermediárias entre as duas,quando uma estrutura expansivo-industrial ainda não existe. Isso

diz respeito, é claro, ao desenvolvimento puro da sociedade expansivo-industrial a partir da estático-agrária. Seria o modelo muito di-

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 A S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

ferente? Seria substancialmente o mesmo? Seriam algumas variáveis extensivamente afetadas? Certamente, a variável ritmo  seriasignificativamente diferente, uma vez que a pressão para condensar o tempo total de transformação de um estado para o outro estáausente na seqüência pura* Evidentemente, também, a variável decoerção  direta ou indireta presente na justaposição não deve existir.Claramente, a variável de direcionamento  na transformação do organismo em aculturação estaria faltando. Como tais diferençasafetam o modelo? Elas sugerem, por exemplo, que o desenvolvimento puro pode ter sido mais diverso ao passo que as conseqüências da aculturação tendem a ser relativamente semelhantes umasàs outras?

Tais questões permanecem para pesquisa futura. Respostas a

elas podem envolver previsão retrospectiva das condições que seesperaria encontrar no desenvolvimento puro (Europa Ocidental),ou seja, se poderia predizer a ocorrência de algo parecido com ofenômeno do autodidata especialmente no século XVIII. O afastamento dos modelos retrospectivos exigiria a modificação dos princípios, modelos e variáveis, ao passo que o encontro das condiçõesprevistas os confirmaria.

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O Brasil e o Mito da Ruralidade Urbana: Experiência

Urbana, Trabalho e Valores rias “Áreas Invadidas’*do Rio de Janeiro e de Lima * 1

 A n t h o n y   L e e d s   e   E l i s a b e t h   L j g e d s

 Introdução

Gs_mitos que prevalecem entre os cidadãos das capitaiã eoutras cidades tanto do Brasil como do Peru acerca das áreas invadidas por_ jpftssejrõs )— favelas e barriadas2 — sustentam, por umlado, que os moradores têm uma organização social e valores altamente rurãis e são desajeitados em relação a e não familiarizadoscom os modos de vida da cidade, muito embora sejam essencial-jmente voltados para o futuro e desejosos de progredir ou, por outrolado, pessoasque não desejam trabalhar, são assassinos,

♦ Publicado originalmente em Citcy and Country in the Third World, 

1970.1 Os dados deste trabalho para o Rio de Janeiro provêm de oito mesesde trabalho de campo nas favelas e, para Lima, de artigos por e extensasconversas com Mangiji. e. Xurner, duas longas enirevistas com José MatoaMar, várias visitas às barriadas, dois meses de pesquisa de ElizabethLeeds para Turner Jidando com comparações entre as duas cidades. Ostermos “ favela” » “ barriada” e “ favelado” (morador de favela) serão usados como as demais palavras, sem grifo.2 Tipos de Moradia semelhantes são chamados callatnpas  no Chile, tur- gurios  na Colômbia, ranchos  na Venezuela etc. Dados desses paísessugerem que o que encontramos no Brasil e no Peru encontra paralelolá. Nota: Por pedido dos autores, o manuscrito loi publicado exatamentecomo foi apresentado, sem mais do que o mínimo necessário para aedição. AJF.

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SS  A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

li+ro presumivelmente autobiográfico de Carolina Maria de Jeaus(1962), que foi ávida, mas não criticamente, lido pelos brasileiros4.

Examinando estes elementos míticos, A. Leeds já tratou extensamente do imediatismo (1966b). O trabalho de E. Leeds (1966)gobre integração política e o de Moroceo sobre grupo de carnaval(1066) lidaram efetivamente com o mito do enclave isolado. Modesto (1966) trata incisivamente da múltipla rede de causas* daqual as favelas são uma expressão. Até Pearse (cf. 1957: 245,1962) indica claramente, de um modo geral, o erro de uma noçãocomo a de “ marginalidade” e de isolamento em sua discussão darelação dos moradores das favelas com o mercado de trabalho,

embora afirme, como suposição, que as instituições urbanas sãoestranhas e externas aos moradores da favela e, assim, que estaúltima deve ser essencialmente rural. Ela busca descrever as “ relações estabelecidas pelas famílias com pessoas e instituições estranhas ao grupo de parentesco  (na) sua integração efetiva na sociedade urbana” (1957: 245; o grifo é nosso)* Mangin (1967a) eTurner (1967) listaram precisamente elementos paralelos destemito para as barriadas de Lima e, praticamente nos mesmos termos que apresentaremos aqui, têm indicado seu erro fundamen

tal. Parece-nos que dados para Porto Rico, Chile e Venezuela também demonstram seu erro5.

4 Vários cuidados deveriam ser tomados na leitura de Carolina Maria deJesus: a) o livro foi de maneira clara, amplamente organizado por seudescobridor, um jornalista; b) consideramos bastante possível que naverdade, o livro não tenha sido totalmente escrito por Carolina; c) olivro serviu claramente às operações da carreira do jornalista (cf. Leeds,1964a); d) Carolina não é certamente uma representante característicados dois mil moradores de favelas no Rio que conhecemos, como mos

tramos aqui, embora seja concebível que a população das favelas deSão Paulo seja diferente.  Ê  verdade que as favelas de São Paulo são menores e mais pobres que as do Rio.5 Cf. Caplow  et alt  (1964) e G. Lewis (1967). A migração dos portor-riquenhos para Nova York indica em si uma preocupação com o futuro,o trabalho, melhores padrões de vida* uma busca de oportunidades, mobilidade de vários tipos, bem como um grau de informações sobre ascondições além da ilha. Preocupações semelhantes — não característicasda cultura atribuída à pobreza — estão refletidas num artigo na San  Juan Star>  4 de nov em bro de 1967, que, sob o titulo de “ La Perla GroupStarts Repairs” diz: “ Seis ansiosos castores da seção de São Miguel de

Ia Perla criaram um galpão para reparos imediatos de casas destinado aajudar sua com unidade... ‘construímos o galpão na semana passada porque há muitas casas precisando de reparos’. Baretto disse:' ‘Nosso trabalho é fazer reparos provisórios de emergência até que as autoridade*governamentais propriamente ditas possam chegar aqui*. O comitê também decidiu ajudar as idosas, viúvas e doentes não apenas a consertarem

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O B r a s i l   e   o   M i t o   d a   R u r a l i d a d e   U r b a n a 89

I Nosso objetivo neste trabalho é mostrar o   caráter essencial

mente" urbano da exper iênc ia e dos valores dos moractores das ía-

xelãs^é hãicriadas. Fazer isto s ignif ica contradizer l i tr ins ícam êS íe

o~mito da rura l idade e do imediatismo, e converte as suposições

impl íc ítas~5e Pearse em propos ições explici tamente ver if icáve is —para am bos os países — qu e esperamos mostrar serem essencial

m ente falsas0. É im portan te observar qu e a sup osição transfor

mada em propos ição contém a f irmações ver i f i cáve is de modo inde

pendente : a) q u e as pessoas e instituições urbanas são externas às

popu lações em qúestão; b ) q i íe estas pop ulações não foram , de

modo a lgum, e fet ivamente integradas na soc iedade urbana .

suas casas, mas a ‘fazerem quaisquer construções adicionais necessárias*...

O reencanamento de um esgoto que estava vazando embaixo da casa deum vizinho foi feito para evitar possíveis infecções. ‘Havíamos chamadoo governo para isso*, disse Baretto , 4mas nada aconteceu, de m odo quodecidimos que nós resolveríamos’ .” La Perla é um arrabel  (favela).Cf. O. Lewis,  La Vida.€ Para fazer justiça, deve ser assinalado que uma pequena parte dosdados do artigo de Pearse (1958) se baseaia numa fonte não citada para1948, outra parte nos dados do censo de 1950 (sendo duvidoso que oscritérios de procedimentos de campo para os dois conjuntos de dados, que*ão comparados no artigo, fossem comparáveis). A parte mais importante baseia-se num survey  realizado por uma freira em 1955, mas os métodos de seleção, os procedimentos de campo e as questões colocadas às

19 famílias utilizadas para entrevistas mais intensivas não são fornecidos. A o contrário , jq primeiro contato de Leeds jçorn_ag favelas fo i apenas .emÍ95HTquando José Artu r Rios estava implementando _as primeiras form ulações das políticas do <j0vern0~de Tãcerda relativas à f avela;* õíi~seja, já havia um ano e meio ou mais que ocorria um novo tipo de^fintervenção,que não existia quando Pearse esteve lá._A maior parte de nossos dadosqyaliíativos é de 1965-66, dez anos de intervalo em relação aõ”cõntã’tÕ"ííePearse» durante o qual, provavelmente, grandes mudanças podem terocorrido. Tentamos controlar as mudanças que podem ter ocorrido, obtendo as melhores descrições históricas possíveis — especialmente das relações políticas das favelas com seus interesses por todo o período. Tam -

 jjbém nos esforçam os por obter um quadro das mudan^^_na_£alítica^3 asílinstitniçSes. pübnças^p org u e estas estabelecem limites para a& oossibilida- jltfê?T~cfe~Tntegração ejn. qualquer èpóca dada (ver abaixo). Para as barria-

das, há melhor material histórico disponível porque Mangin, Turner eMatos Mar estiveram em contínuo contato com elas por pelo menosuma década, e o desenvolvimento ecológico urbano das barriadas, quese iniciou mais recentemente que nas favelas, é relativamente bem conhecido. Para ambos os casos, concluímos que houve menos uma evolução de experiência e ideologia dos moradores da favela e da barriada doque uma evolução de sua articulação com a sociedade contextuai (cf.Peatti, 1968, Cap. 2). Esta articulação é governada por desvios na política ou em necessidades políticas e de outros tipos daquelas agências da

sociedade e, crescentemente, pela evolução da estrutura social interna daspróprias favelas.

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 Antes de nos voltarmos para os nossos dados, desejamos fazerduas observações metodológicas e teóricas. Primeiro, uma palavrasobre o termo integração11. Ele vem sendo correntemente usadonuma vasta literatura sobre sociedades em desenvolvimento de umamaneira determinada por valores, significando em sua essência “ o_nosso” , isto é3 um tipo de integração americana, “ ocidental” , .“ democrática” , baseada no “ mercado” (cf. Pearse, 1957, também claramente exposto em Nadler, 1967, e Cliaplin, 1966, sem o emprego da palavra)* Daí decorre_que., as outras sociedades sao não-ilitegradas ou desintegradas. Em bases teóricas, metodológicas e dc'observações, esta visão mantida de forma tao comum, mas inconscientemente, é,desprovida de sentido porque implica necessária elogicamente  que a sociedá3e medieval, as sociedades de irrigação,

os despotismos orientais, as sociedades “ tradicionais” , as sociedadesarcaicas, as sociedades “ subdesenvolvidas” e . mesmo as sociedadesprimitivas, tão caras aos antropólogos, são não-integradas ou desintegradas. Tais visões são despropositadas em Jermos de qualquerteoria, societal generalizada viável. Torna-se evidente que devemoscomeçar a pensar em fojcgias de integração qualitativamente jfjife-rentes, seja como Jipos-ideais, como modelos estruturais empiricamente orientados,/ como formas evolutiva^ ou qualquer combinc-ção disso (ver Leeds, 1964-a^. Os_cj£jitIst ás._ _ soty a is d eycyí^m dirigir esforços intensivos para a compreensão dessas_formas de_ integração, em seus próprios termosy _comq_formas viáveis, independentes dos modelos “americano” ou “ocidental” .

Uma conclusão a ser tirada dessas observações  é  que se deveria buscar empiricamente ou prever teoricamente a forma de integração das favelas e barriadas no resto da sociedade e não fazersuposições teóricas inaceitáveis da não-integração ou desintegraçãodessas entidades.

Em segundo lugar, como decorrência do que foi dito, as“ áreas invadidas” não podem ser compreendidas empírica ou teo

ricamente a não ser que sejam examinadas em detalhe como partesde um sistema maior e como produtos da operação do sistema. Especificamente, nós — assim como aqueles que realizaram trabalhosde campo nas barriadas — aprendemos, mais com a experiênciaempírica do que com a teoria7, que nem_as .fqvelas nem ^s barriadas podem ser adequadamente compxççndidas sem a compreensãode uma ampla gama de* outfõs tipos sóciojesidenciais concorrentes,uma vezjçjue os movimentos para, entre e de favelas ou barriadas.

7 O que se segue teria sido previsível a partir da teoria antes do estudo

de campo se os cientistas sociais estivessem acostumados a produzir hipóteses pensando teoricamente a partir dos materiais empíricos.

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O B r a s i l   e   o   M i t o   d a   R u r a l i d a d e   U r b a n a 91

constituem parte do processo de desenvolvimento favela-b^rrlada.migrações nirãl-urbanas e_ urbanização de pessoas não- urbanas, eassim por diante^ Segundo Matos Mar (entrevista de 4* de setem

bro, 1967) e segundo nossa revisão de praticamente toda a literatura sobre habitação no Rio (ou outro lugar do Brasil), nao existem estudos para Lima ou para o Rio acerca desses tipos residenciais, exceto o de Patch (1961). Em geral, eles são desconhecidos,a não ser pelo trabalho de Oscar Lewis sobre vecindades  no México;o melhor material que temos para o Rio e para Lima é superficialporque se baseia apenas em breves incursões nesses outros tipos dehabitação9. Conseqüentemente, todos os quadros da estrutura sociale do processo social envolvidos sao, até hoje, incompletos, seja para

a Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México, Nicarágua ou Peru, os países latino-americanos em que estudos maisexaustivos foram realizados9.

8 N o R io , estes consistem dos tipos listados à esquerda abaixo, ao passoque os equivalentes para Lim a estão listados à direita. Defin ições aproximadas são dadas abaixo (cf. Harris e Hosse).

a.  conjunto conjuntob.  vila urbanizoción popularc.  cortiços caHejonesd.  parques proletários vilas de emergencia e.  avenidas viviendas continuas f.  cabeças de porco , casas de

cômodos casa de vecindad g.  favelas de quintal corralonesh.  favelas barriadasi.  áreas pobres propriamente

ditas (nenhum termo queconheçamos) turgurios, barrios insalubres

a. N o Brasil, um “ pro jeto habitacional” independente do nível de rendaou de estratificação; a maioria é ocupacionalmente especializada, justificando-se portanto falar de conjuntos  da “ classe trabalhadora1*, b.  vilas daclasse trabalhadora, c. essencialmente, uma única construção de um oudois andares divididos em fileiras de apartamentos horizontalmente, emvolta de um pátio comprido que contém uma ou duas bicas, tanques paralavar roupa e banheiros. Em São Paulo, o termo fo i aplicado a casasde cômodos, d.  habitação governamental temporária para a classe trabalhadora, feita de madeira; no Rio, na verdade, habitação permanente. Ainda não descobrimos term o equivalente para Lima.  e.   filas de casas. / . . .  g.  construções tipo favela autorizadas pefo proprietário no quintal ou

na frente da casa, para elevar sua renda. h.  áreas invadidas por posseirosi.  Não descobrimos nenhum termo para o Rio — a área extensa de casasoutrora razoáveis que decaiu, existente em ruas oficiais e tendo oficialmentefacilidades urbanas como água, luz e esgotos.? Para biografia sobre os vários países, ver Mangin (1967, p. 90, nota 2;e Tumer (1966e) Além disso, para a Colômbia, ver Reuchel-Dolmatoff 

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92  A So c i o l o g i a   d o B r a s i l U r b a n o

 A Experiência Urbana dos Moradores das Áreas Invadidas

 Voltamo-nos, em primeiro lugar, à concepção de “ urbano**

na discussão. Um compoagnte do fepômenQ _urbano, que pode serdesignado “ o^etEos urbano” foi tratado em detalhe por Harris(1956) e A. Leeds (1957; Capítulos 6 e 7) para cidades de 1.500e 3,500 habitantes, respectivamente, no interior do Brasil. Ambosos autores estão rigorosamente de acordo quanto à ideologia essencial e fortemente urbana mesmo das pequenas cidades no Brasil,especialmente se elas são centros administrativos. Ambos os autores baseiam seus argumentos em noçoes geralmente aceitas acercado fenômeno urbano sustentadas por autoridades como Mumford,

 jWirth e outros. A. Leeds, além disso, argumenta ques. mesmo os

'latifúndios tão comuns tanto no Brasil como no Peru são urbano^na sua organização e orientação, ou seja, sistemas essencialmenteJndustriais orientados para os mercados, atividades e interesses daciçlade.

Um segundo componente é a inter-relação complexa, localizada, de grande número de especializações técnicas, sociais, administrativas, poJíticas e de outros tipos, qualitativamente diferentes(c f, Leeds 1965), Um terceiro _çomjipueote que queremos incluiré o simples aparato físico da cidade: utilidades públicas, sistemas

de comunicação, transportes, amontoados de diferentes tipos dec®nstrução, etc.É com relação a características urbanas como essas que os

moradores das favelas e barriadas devem ser examinados se se pretende uma avaliação válida da natureza de sua experiência social ede seus valores. Antes que a questão da ruralidade de sua urbanidade possa ser discutida profundamente, é essencial ter disponível alguma sociologia mínima doJugar de-origem-dos moradores.

 /Muitos surveys  simplesmentç indagaram o nome do lugar__de ori- jgem, que foi então arbitrariamente classificado como urbano ou

 jrural segundo critérios mais ou menos pessoais do investigador —sempre de um grande centro urbano e geralmente com pouca ounenhuma experiência do “ interior” , como se diz no Brasil, com.menosprezo implícito, mesmo por parte de cientistas sociais. NoBrasil, indagar pelo nome do lugar de origem é totalmente inade-

(1953). Para o Brasil: Cate (1961, 1962, 1967), Estado de Minas Gerais(396 6), Goulart (19 57), Magalhães (1939)., Medina (1964), Pendrell(1967) e Silva (I960). Para El Salvador, existem materiais manuscritos

pelo Sr. Alistair White, da Cambridge University; para a Guatemala, R oberts (1966, 1967); Para a Nicarágua, ver O. Toness (1967) e K. Toness.

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O B r a s i l   e   o   M i t o   d a   R u r a l i d a d e   U r b a n a 93

<quado porque, diferentemente dos Estados Unidos, o nome da sede‘ administrativa municipal (que é juridicamente a cidade, sem levarem conta o tamanho, fornecendo todos os organismos básicos degoverno e administração) e das seções rurais do município são

idênticos. Não se pode dizer, ji partir da resposta, sendo d&do apenas o nome do lugar, qual é a experiência cio informante, que tiposde contextos instfrucíõnais ele conheceu, ou a que tipos de valores esteve exposto.

Üm segundo, problema foi lucidamente exposto por Browninge seus associados (1967, também Browning e Feindt, 1967): osfmigrantes que vêm para a cidade ainda bebês, ou mesmo crianças, r, iforam, em estudos anteriores, tomados como nativos de seu lugar/- jde “nascimento, mais do que de seu lugar de sociaíizaçãq. Esta úl*

tima, do ponto de vista de muitos cientistas sociais, é a informação^mais significativa. Browning  et al.  (1967) distinguiram desta forma esses dados ém seus questionários em Monterey, México. Esperamos poder fazer o mesmo, mas como os nossos dados de survey ainda não estão calculados, impressões com relação às favelas doRio são, por ora, suficientes.

Logicamente, do ponto de vista de uma metrópole como o Rio,sem considerar a migração de cidades para áreas rurais (insignificante no Brasil), a migração de retorno e migrações de metrópolepara metrópole ou intrametrópoles, sao_concebíveis J5 tipos de migração rumo à cidade« onde são possíveis os seguintes pontos de partida ou de chegada: o interior rural (R ) , o povoado ( P ) , a cidadepequena (C P ), a cidade (C ), a metrópole (M ). Somopte as migra-ções R — M permitem 8 combinações, se todas, algumas, ou nenhuma parada intermediária é calculada. P— M permite 4 combinações.Se, seguindo as características do “ urbano” dadas acima, ou a definição jurídica brasileira, define-se a cidade como o nível mínimo urbano, entao, das 15 combinações possíveis, apenas 3 (R — P — M;R — M ; P — M ) não têm qualquer cidade pequena ou cidade como

degraus intermediários.De fato, todos os 15 tipos, e, somados a esses, os tipos de migra

ção inter e intrametropolitanas, mais as combinações das ulíimascom as 15 acima, são encontrados como modelos de migração dosmoradores tanto das favelas como das barriadas. Àssim^nio__é s^r-prendente que os migrantes verdadeiramente rurais nas favelas _doRio sejam poucos. O que é_surpreendente_é_o__seu número mm to

apequeno* Nosso palpite  é  de <jue eles constituem não_ mais do que5% da população das favelas.

Mas estes números não dizem tudo porque ainda não dão qualquer indicação da sociologia dos locais de_ origem. Assim, pode-se

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perguntar a um homem; “ De onde você é? ” Resposta: “ De Santo Antônio de Pádua.”  P : “ Mas, da própria cidade?”  R:  “ Não, daroça.”  P:  “ Mas você estava trabalhando na enxada?”  R:  “ Estava.,v P:  “ 0 que você plantava?”  R : “ Plantava, arroz, milho, feijão, café,i

tinha ovos e fazia farinha de mandioca.”  P : “ Vocês comiam tudo?”■ R:“ Bem, não, nós vendíamos na cidade.”  P:  “ Quantas vezes vocêsiam lá?”  R:  “ Toda semana. Vivemos na cidade por um tempo antes de ir morar na roça” , ou outra  R : “ Levávamos a coisas para látodo tempo. Eu também sei cortar cabelo, então eu tinha uma barbearia no limite da cidade — ganhamos fregueses que iam e vi*nham para a cidade.”

Conversas como essa são típicas. O informante trabalhava( numa fazenda, vendia no mercado, tinha familiaridade com'as tran

sações comerciais, com a ambiência e com as instituições üríjanaS— polícia, burocratas, autorizações, comércio, troca, fluxcTdè^fráftHgo e transporte. Ele não veio despreparado e ignorante gara a vida!

|da_ cidade. "Mas mesmo essas conversas são, de certo modo, espúrias. Im

plicitamente, elas assumem a persistência e relativa imutabilidadedos chamados valores rurais. Na literatura, esta suposição permeiao tratamento nao apenas dos migrantes rurais para a cidade,, mas depraticamente todos os problemas relativos ao campo. Os observadores oitadinos parecem todos convencidos da “ idiotia da vida rural” . Uma expressão mais sofisticada e generalizada da mesma noção é que os_ aspectos ideológicos mudam mais devagar ou “ estãoatrasados” com relação à mudança no comportamento tecnológicoou social.

Entrevistas com as poucas pessoas que identificamos comotendo vindo especificamente de áreas de povoados rurais do Brasile de Portugal contradizem diretamente tais suposições mais freqüentemente do que as confirmam. Em alguns casos, a pessoa emquestão parece ter-se adaptado muito rapidamente à ambiência

urbana e da favela, e ter-se agarrado violentamente ao que ela oferecia. Assim, por exemplo, o presidente “rural” de uma associaçãode favela, que tivera treinamento em eletricidade, encanamento eoutras habilidades de construção, deu certa vez um inteligente desfalque num escritório e investiu em terras no Estado do Rio, ondeos valores das terras estão subindo rapidamente.

Somos levados a suspeitar que os chamados “ valores rurais”incluem muitos valores e savoirs-faires, tais como  a “ esperteza camponesa” (cf. Biersted, 1967, p. 89), que são altamente adaptativos

em cenários urbanos, especialmente quando lidando com cidadãosurbanos que nao são familiares a estes valores ou modo “ campo

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nês” de fazer as coisas. Mesmo o chamado modo paternalista jderélaç^o, tido como característico do rurícola brasileiro, pode^serusado de formas altamente adaptativas para a contra-exploração dosistema na área urbana — aproveitando-se de um patrão, de uma

instituição de Serviço Social, de um órgão de bem-estar social, deuma Igreja ou grupo de mulheres, de um Corpo da Paz, de umaUSAID, de antropólogos americanos, etc.

 Alternativamente, parece evidente que os novos imigrantespara a cidade mudam algumas coisas muito rapidamente, de fato,e embora não o mais profundo cerne cie seus valores, as tarefas, ospadrões, os interesses, os_ objetivos, os prazeres, especialmente doshomens,_ transformam-se rapidamente em urbanos. Quase que semexceção, se se pergunta a eles se qiierem voltar a seu lugar de origem, a resposta é nao. Ás razoes dadas variam do vago “ lá é bom,mas aqui é melhor” a respostas bem específicas acerca de condiçõesmais desejáveis de frabalho, vida e coisas a ver e fazer na cidade(ver adiante). Apenas algumas das mulheres, mais intimamenteligadas ao lar, lutando na labuta diária, e sem as compensçÕes dasbrilhantes luzes ou de reboliço da cidade, falam às vezes de querervoltar ao lugar tranqüilo e familiar de onde vieratD.

0 l\ asei do na Cidade

 Assim acontece ocm as ruralidades; voltemo-nos para o extremo oposto: os residentes em favelas ou barriadas que nasceram nacidade. No Rio, estes constituem elevada percentagem da população da favela. A fonte não citada de Pearse para 1948 ( L958) dá20% da população-amostra como nascidos no Rio. Ele observa, todavia, que o Esqueleto, a favela em questão, era recente, ao passoque favelas mais antigas tinham em média 38% de cariocas, Nãosabemos certamente, quantos vieram para o Esqueleto como criança,« e foram desta forma socializados no Rio, seu “ lugar de socialização” , a segunda categoria de Browning e Feindt (1967). Deve-se

lembrar que os informantes eram adultos. Se fosse feito um cálculopor cabeça das pessoas nascidas no Rio, a percentagem provavelmente seria maior, porque muitas das crianças seriam cariocas. Otrabalho  Estudos Cariocas  (Estado da Guanabara., 1965, Vol. 5 )10permite o cálculo das seguintes percentagens:

Os dados para esta tabela foram calculados a partir dos dados fornecidos nos  Estudos Cariocas  (Estado da Guanabara, 1965) N.Q 5, sobre•"População por Naturalidade e Grupos de Idade” nas tabelas para a po

pulação da favela e para o Estado da Guanabara como um todo. Nãohá paginação.

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 Idade Percentagem nascida na Guanabara Favela  . .  Não-Favela

todas 51,4 59,1

0-19 81,4 84,520-49 23,8 45,6mais de 50 14,3 31,7

Esses números referem-se, evidentemente, a pessoas nascidas,não aculturadas, no Rio de Janeiro. É marcante que as diferençaspercentuais entre favela e não-favela entre os jovens da cidade se jam negligenciáveis. O grupo 20-49, que contém grande númerodas pessoas da amostra de Pearse, é ainda apenas 23,8% carioca,comparado com os 20% de Pearse. A categoria 0-19 anos encobre

49?3% e 40% respectivamente do total da população da favela enão-favela, fato que se reflete nas percentagens entre 50 e 60, parapessoas tanto da favela como não, nascidas na Guanabara.

Numa favela mais antiga que estudamos no verão de 1967,Tuiuti, conversando apenas com adultos, talvez 40% ou maiá fossem cariocas, ou seja, uma percentagem mais elevada do que amédia das favelas em geral. Um bom número destes, talvez 5 a1 0 % da população total, era da segunda ou terceira geração nascida

 jna própria favela, situação que não encontra correspondente nas

barriadas de Lima, que em sua maioria surgiram a partir da IIGuerra Mundial. Todos os restantes 40% haviam migrado para aia vela vindos de várias partes da cidade >no que eles ou sua cidadeencontram um paralelo em Lima. Lá tamhém, muitos dos migrantes de outras partes da cidade haviam nascido na cidade (entrevistas com moradores da barriada Letícia, Wpl 1967, cf. Mangin,1967a).

Esse fato é da maior importância porque, primeiro, estes sãourbanitas cuja entrada para as áreas invadidas é um ajustamentoã vida num cenário urbano e é distintivamente uma escolha urbana. Em geral, isso indica, mais uma vez, que a favela ou a barriada é um fenômeno de áreas estritamente urbanas, e não rurais,onde, de qualquer modo, não se encontram paralelos (cf. Mangin1967b, p. 80).

Em segundo lugar este fato exige que as pressões que empurramas pessoas para fora das partes da cidade autorizadas em direção àsáreas de moradia não autorizadas sejam estudadas de modo a compreender corretamente o desenvolvimento da favela (Modesto,1966).

Em terceiro lugar, isso significa que há um núcleo permanente de urbanitas nativos, de há muito moradores das favelas*

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em torno dos quais migrantes posteriores se agregam. Os dadojsugerem que muitos daqueles que migram de áreas autorizadaspara favelas ou barriadas são os mais empreendedores, mais consci

entes dos fatos econômicos, sociaisf políticos e administrativos edas políticas urbanas (cf. Turner, 1966b); alguns daqueles quemigram e fazem para preservar ou melhorar sua situação econômica e pocial sob as dificuldades reinantes na economia e no sistemasocial brasileiro.

Na maioria das entrevistas de nosso surt?ey de_ 1967. e emtodas aquelas realizadas em fevemro e no verão de_ 1968, obtive-mos os locais de origem dos moradores. Já havíamos observado que

i considerável percentagem de adultosnascera na própria Tuiuti, ao(

' passo que outra percentagem considerável nascera na cidadc do Rio,[\fora das favelas, tendo se mudado para elas. Falamos com pessoasque haviam vindo dc^capitais de estados, São Paulo (muito poucos), Vitória, Salvador, Recife, João Pessoa e Fortaleza, bem comodas grandes cidades suburbanas independentes do Estado doR io deJaneiro, imediatamente contíguas a e, de fato, sociologicamenteparte da cidade do Rio de Janeiro, embora administrativamentefora do Estado da Guanabara. Estes centros suburbanos sao. Duque

de Caxias, Nova Iguaçu, São João de Meriti e, do outro lado dabaía, Niterói, capital do Estado do Rio, e São Gonçalo (ver Qua-dro I, anexo). Além disso, uma percentagem muito grande vinhade municípios dos Estados do . Rio de Janeiro, Minas Gerais e_Es-pírito Santo. Uma percentagem aparentemente .menor vinha_de_cidades pequenas e povoados no interior dos municípios e, como assinalamos acima, uma percentagem muito pequena vinha diretamente,de áeras plenamente rurais (ver Peattie, p. 13).

Com relação a estas observações, deveria ser assinalado que todas essas cidades, cidades pequenas e povoadas estao elas mesmas,crescendo, às vezes, muito rapidamente (ver Quadro I) e se tornando mensuravelmente mais urbanas, a julgar pelos indicadores de urbanismo listados anteriormente. Em outras palavras, migrantes detodos os lugares, exceto dos povoados e áreas rurais mais estagnadas, experimentaram continuamente o processo de urbanização antes que tivessem deixado seu lugares de origem.

Com_ relação essência urbana dos moradores da favela, três

outros pontos relacionados ao problema do lugar de origem e lugarde aculturação devem ser considerados (a ) as variedades de entradapara e estabelecimento na cidade, e a questão dos centros recepto^res; (fe) a história ocupacional do morador da favela anterior a suamoradia na favela; ( c ) os fatores que operam para selecionar pes

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lojoeiro, freqüenta uma escola noturna para estudar Direito, envolveu-se na principal corrente da política da favela,  é  proprietáriode sua casa. Outros que conhecemos entraram na cidade através deáreas mais proletárias como Olaria e Ramos, mas posteriormente

mudaram-se para a favela.Todavia, nas favelas do Rio, também encontramos um bom

número de pessoas c[ue vieram diretamente de algum ponto de origem fora da cidade. Isso é particularmente verdadeiro para os nordestinos do Estado da Paraíba,12 cujos últimos migrantes geralmente parecem ser segmentos de família ou amigos de grupos de migrantes anteriores e que se teriam mudado para a mesma casaou habitação destes últimos. Assim, há uma enorme quantidade deparaibanos ( “ cabeças chatas” ) em várias favelas, como por exem

plo em uma das subdivisões de Tuiuti chamada, de modo muitointeressante, “ Mineiro” , por causa do grande número de pessoasnascidas em Minas Gerais, vivendo em uma outra parte desta mesma subdivisão.

Todavia, devia ser observado que parece não haver centrosreceptores altamente focais e persistentes como foi relatado paraimigrantes tribais em cidades africanas (cf. Epstein, 1967, p. 280).O padrao do Rio, e aparentemente o de Lima, éj3 de dispersão daspessoas nos çentros que, através do tempo, variam em núpiero e

localização na cidade, dependendo de migrantes anteriores, fontesde migragoes atuais, habitação e outras condições nas áreas receptoras, condições do mercado de trabalho local, políticas administrativas relativas à habitação, trabalho ou transporte.

Nada conhecemos, praticamente, acerca das paradas migrató-ris de uma categoria especial, os habitantes estrangeiros da favela,nascidos quase que exclusivamente em Portugal, porque não conseguimos, em geral, informação suficiente sobre seus locais de origem. Muitos dos portugueses de Tuiuti haviam crescido no Rio, ouhaviam vivido no Rio desde a chegada ao Brasil. Muitos eram ati

12 Não encontramos ninguém das seguintes áreas do Brasil; Pará, Piauí, Alagoas, Sergipe, no Nordeste; M ato Grosso, Goiás, no Oeste; SantaCatarina, no Sul; nem dos territórios nacionais do Acre e Rio Branco.Um ou dois são dos seguintes estados: Amazonas no Norte; Rio Grandedo Nortr, no Nordeste; São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, noSul. Número considerável (mas uma pequena percentagem) é da Bahia eCeará; núm ero muito maior da Paraíba e de Pernambuco. A grandemaioria é do Espírito Santo, Minas Gerais, Estado do Rio de Janeiro eGuanabara, da Região Centro-Sul. Um grupo pequeno, mas altamente

significativo, é estrangeira, especialmente portugueses. Praticamente, osúnicos camponeses genuínos que encontram os nas favelas eram portugueses.

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vos no comércio nas favelas, alguns tendo constituído recentemente um bom negócio. Alguns (sobretudo homens) são artesãos.

 Aqueles que têm plantações no topo da favela Salgueiro eram camponeses antes de vir para o Rio meio século atrás. Outros sonhamvagamente com a volta, inas seu realismo lhes diz que não há muitopara o que voltar; é melhor no Brasil, embora, alguns dirão, “ nScesperássemos isto” , ou seja, viver nas favelas.

Breve jnenção deveria ser feita a alguns interessantes casos demigração. Um é o caso do proprietário 3e uma loja e oito apartamentos na favela Tuiuti, Por volta de 1946, seu avô comprou eregistrou a terra na qual se erguem as construções. Ele tinha dificuldades financeiras, e então decidiu experimentar sua sorte nocultivo. Assim, comprou uma plantação no Estado do Rio, para

onde se mudou, Apesar de nascido na cidade, de pais urbanos, oatual proprietário da propriedade na favela foi criado na fazendadesde um ano de idade, só voltando para a cidade como um jovem,depois da morte de seu avô. Tomou, então, conta da propriedade e adesenvolveu. Este éjjm caso extremo de migração de ida e volta, queseria provavelmente classificado como migrante rural na simplesenumeração estatística. Temos alguns casos de pessoas nascidas,digamos, em Cabo Frio, que passaram sua infância no Rio ou forampara lá como jovens por alguns anos, voltando entao a Cabo Friopor um período, quer para uma visita prolongada, quer para buscaruma possível alternativa à vida no Rio. Eventualmente voltavampara o Rio, achando a vida em Cabo Frio muito confinada, economicamente pobre ou insatisfatória. Alguns destes, também, embora amplamente aculturados como moradores de grandes cidades,podem ser classificados pelos cálculos simplistas dos censos comomigrantes rurais. Finalmente, descobrimos uma senhora nascidaem Tuiuti que com dois anos de idade se mudara para a Espanhacom seus pais espanhóis e morara lá até 17 anos. Voltou, então,para o Rio, morou fora da favela por alguns anos, retomando fi

nalmente a Tuiuti para o lote que os pais tinham comprado e registrado mais de meio século antes (por volta de 1912), do qual elaé hoje proprietária. Todos esses casos ilustram simplesmente ofato de que a gama de experiência dos moradores de favelas é bas-tânte..mápl^ (ver menção de Peattie aos chineses, libaneses, e ára-

~Ms mòfalííio no seu bairro, pp. 12,13), por vezes incluindo muitostijjos de moradia, de povoados e metrópoles, muitos tipos de habitação e~unidades residenciais, todos os tipos de papéis legais13 e mesmo considerável experiência internacional.

13 Depois de algum tempo de trabalho de campo com moradores de fa<velas, começa-se a compreender quantos papéis oficiais eles têm: recibo

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dial. Tais experiências são visivelmente lembradas (ver Guilher-mo, Ms, Gap. 4). Outros viajaram para Nova York, Filadélfia, eoutros pontos americanos, onde aprenderam um. pouco de inglês

e às vezes muito sobre discriminação racial. Essas experiências também são vividamente lembradas.Em suma, muitos serviços militares e, no Brasil, paramilita-

res (como a Polícia e o Corpo de Bombeiros), contribuem para padrões de migração, para a intensificação de experiências urbanas einterculturais e para a aculturação de pessoas, algumas das quaisforam morar mais ou menos permanentemente nas favelas.

 Experiência Ocupacional Anterior

 Voltamo-nos agora para a questão da experiência ocupacional anterior à entrada na favela. Novamente, não existem dados sistemáticos acerca disso para o Rio; por ora, podemos apenas contar nossas impressões. Primeiro, deve ser assinalado que a gama de ocupações encontrada entre os moradores da favela como um todo abrange toda a gama de níveis de status  ou categorias de avaliação (tãocomumente chamadas “ classe” na literatura) traçadas por Hutchin-son e seus colegas (1960, pp. 30ss) para o sistema de estratificação

ocupacional brasileiro. Todavia, a gama varia com o tamanho dafavela. Apenas em favelas grandes e complexas como o Jacarezi-nho, com 70 a 80.000 pessoas, ou a Rocinha, com cerca de 30 a40.000, encontram-se advogados, médicos, dentistas, padres, engenheiros, funcionários públicos de responsabilidade, ou semelhantes,que estão na categoria A e B de Hutchinson, no topo da escala.

Em Tuiuti, com talvez 7.000 pessoas, estes dois níveis do topo— profissionais — estão ausentes, embora um contador (nível B )more lá (ver abaixo). Escrivaos, secretários, hábeis costureiros, fun

cionários de mais baixo nível, incluindo bombeiros, PMs, detetives,policiais civis e afins são representantes dos níveis C e D, que nãoestão nitidamente diferenciados nas favelas (ver variante do esquema de Hutchinson, ibid,  p. 77). Artesãos altamente qualificadoscomo ourives, funcionários públicos do nível mais baixo — incluindo alguns bombeiros, guardas civis e afins — e artífices como marceneiros e carpinteiros constituem o nível E (com alguma superposição com o D de Hutchinson). Aqui, também, há trabalhadoresqualificados — em fábricas têxteis, de fio de lã, corda, lata, livros

de bolso, rum, elevadores, reboco e corte de mármore na área industrial circundante» Também, havia choferes, motoristas de táxi, caminhão e ônibus, mecânicos, trabalhadores de construção qualificados, garçons, etc. No nível F, o mais baixo, estão trabalhadoresnão qualificados e semiqualificados: estivadores, trabalhadores de

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tido uma variedade de experiências de trabalho e ocupacionais antes de vir para a cidade, sem falar nas favelas. Pessoas de áreasagrárias do campo tinham, mesmo quando trabalhavam anteriormente era fazendas, ocupações secundárias, como barbeiros, peque

nos lojistas, e vendedores no mercado. Outros haviam trabalhadotfnteriormente nas cidades, sem nenhuma experiência no trabalhodo campo, como escrivãos, pedreiros, eletricistas, motoristas de caminhão, secretários ou empregados domésticos. Ambos os contextos de trabalho envolvem experiência com dinheiro, taxas e impostos, licença, pequena burocracia, papéis oficiais de todos os tipos,comunicações, transporte, ferramentas mais ou menos sofisticadas,e assim por diante.

Duas coisas devem ser ditas acerca de tais experiências de trabalhos anteriores. Primeiro, os contextos dessas experiências envolvem a exposição a toda xtma série de posições, instituições e comportamentos que são urbanos em conteúdo e  ethos. Segundo, muitasdas ocupações e atividades encontradas em pequenas cidades e mesmo em algumas áreas “ rurais” são comuns ao mercado de trabalhomais amplo das cidades dos chamados países subdesenvolvidos;grande parte daquele mercado consiste de trabalho para o qual otreinamento curricularizado (ver A. Leeds, 1964a, pp. 1345ss.) émínimo ou inexiste, mas especialidades para as quais a experiência é relevante numa situação de mercado competitiva. A articula

ção do mercado de trabalho com a força de trabalho é em si mesmanão curricularizada e constante,15 embora altamente institucionali

15 Observe-se, por favor , que não consideramos isso desejável. É comum»entre os chamados economistas e sociólogos do desenvolvimento, pensarque este tipo de articulação do Mercado de Trabalho é uma coisa má,um verdadeiro sinal de subdesenvolvimento e ineficiência (por sua vez umverdadeiro sinal de subdesenvolvimento), e indesejável porque é improdutivo (comparado com a condição ideal caracterizada pelos EstadosUnidos ou pela teoria de mercado). N a verdade» tal articulação — note-se bem, uma forma altamente característica de integração  (ver introdução ao trabalho)  específica de toda uma classe de sociedades  — é altamente adaptativa de várias maneiras. É provável que muito mais pessoassejam “mantidas empregadas” por meio de biscates, auto-emprego, trabalho como vendedores de carrocinhas de hortaliças, mascate, etc. nacidade, do que num mercado de trabalho mais severamente curricularizado e canalizado. Em segundo lugar, isso provavelmente significa maioraplicação dos benefícios de previdência social, por mais exíguos que estessejam. Em terceiro lugar onde a direção, sistemas de crédito, sistemasde transferência monetária, procedimentos de contabilidade e o própriomercado de consumo estão todos em constante fluxo, em altos e baixos,e caracteristicamente não canalizados e não curricularizados, é óbvio que

a situação do emprego está em fluxo constante (em última análise, emresposta às condições e políticas econômicas nacionais, e em parte às

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zada. Em suma, para praticamente todos os que migram para acidade e que terminam nas favelas, a experiência de trabalho anterior lhes dá experiência das formas i»rbanas e os pré-adapta à expressão intensificada dessas formas na metrópole.

 Fatores Que Operam na Seleção para a Vida na Favela

Finalmente consideramos os fatores que operam para selecionar pessoas da população urbana para a vida nas favelas. As razõespodem ser conceitualmente examinadas em termos de uma espéciede continuum.

verdadeira marginalidade pressão fazer econom ia vontade

Por “ verdadeira marginalidade” referimo-nos a situações em

que as pessoas não operam efetivamente nem na economia legalnem na extralegal (criminosa) da cidade, mas são empurradas parafora de todas elas. Por exemplo, durante a severa depressão do mercado de trabalho que ocorreu no Brasil a partir de 1964, as formasmais esporádicas e não curricularizadas de trabalho foram as maisduramente atingidas; ou seja, a reserva de trabalho mais marginal,que em tempos razoáveis passa de raspão pela marginalidade foi jogada a contragosto na verdadeira marginalidade. Houve aumentodas taxas de crime por todo o Rio para todos os tipos de crime, es

pecialmente aqueles que são caracteristicamente cometidos porindivíduos agindo sozinhos e sob pressão: roubos, assaltos, espancamentos, roubos com assassinato. Outros mendigam, vivem de caridade, vegetam de algum modo.

“ Pressão” refere-se, por um lado, a situações que podem assemelhar-se àquelas_q ue_ produzem_a u ver^dadeira jmàjrginãl idade ” ,

condições econômicas internacionais como as flutuações dos preços deimportação e exportações nos mercados mundiais, dos quais o Brasil, oPeru e países semelhantes são entidades dependentes e com pouco controle). Um pequeno exemplo será suficiente: o cheque. Apenas nos últimos três ou quatro anos é que a Lei do Cheque foi criada. Isto fez avançar enormemente o uso de cheques, de modo que se pode ter cheques emseu próprio banco e dá-los a outros em pagamento. Estes devem, todavia,ir para o meu banco, geralmente mesmo a agência específica com quenegocio (o serviço telefônico no Rio é tão ruim que é difícil conferirde agência para agência), pava que o cheque seja descontado. Nem o«banco deles, nem qualquer outro descontará meu cheque. Não há serviçode compensação de cheques. Novamente para descontar um cheque deviagem num banco no Brasil, mesmo em uma filial de banco americanoque o emitiu, por exemplo, o National City Bank no Rio, deve ser preenchido um formulário com 10 cópias. Os sistemas de pagamentos, então,,

devem também estar em fluxo e ser adaptáveis a qualquer tempo, pa acontornar uma rigidez deste tipo.

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tos  Ä   S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

mas nas guais—as pessoas envolvidas estão em melhores condigõesparaíidax comelas ou, por outro lado, a situações e acontecimentosque são repentinos e imprevisíveis — por exemplo, a morte, a perda do emprego, doença, acidente e assim por diante — ou que, em

bora previsíveis, eiivolvem uma mudança importante das circuns^tâncias de vida, como, por exemplo, o casamento, ou nascimento deum bebê. •

Por “£azer economia” referimo-nos a situações em que as pessoas têm recursos mais ou menos estáyeis., mas ilimitados, que devemser distribuídos^entre vários fins, conforme as escolhas baseadas nahierarquia de valores (ver último capítulo). Obviamente, qualquer pressão produzirá uma aguda necessidade de economizar nosentido aqui definido, mas preferimos tratar tais situações como

“ pressão” .Por "vontade” referimo-nos a casos como o do relojoeiro mencionado acima que vivia na favela porque gostava, e não por qualquer necessidade.

É esclarecedor observar habitantes de áreas pobres, moradoresdas áreas habitacionais da “ baixa classe média” e moradores das favelas mudarem de posição ao longo desta escala sob condições variadas. Em tais mudanças, as favelas têm um papel muito importante.Para muitos, _as_ favelas podem representar uma área de refúgio emdõís sentidos: por serem lugares oiide se pode_ escapar de, aliviar ou

minimizar a pressão — desta forma, o padrão de vida volta ao estado de “ fazer economia” normal — e por ser um lugar onde segode sobreviver através de vários procedimentos marginais, inclusive, jyãr^alguns casos, viver da terra, executar crimes menoresser sustentado e outras formas de prostituição ou semiprosti-tuição e, em geral, minimizando a pressão e ameaça externa,P^ra_outros, a.favela pode ser parte da poupança da pessoa ou dafamília, entre inúmeros valores, especialmente onde os objetivos alongo prazo são perseguidos, enquanto se mantém o sistema domés

tico numa condição tão estável quanto possível, ou mesmo se a me-*lhora. Estes comentários aplicam-se também às barriadas de Lima(cf. Mangin, 1967b). Finalmente, como foi dito, algumas pessoas

 gostam  de viver nas favelas. O movimento pode ser em ambos ossentidos da escala: o movimento para as favelas não é  idêntico ao

 jnovimento para baixo na escala. Muitos casos provam o contrário.

 A . Vontade

 Vejamos alguns casos típicos. Aqueles do relojoeiro e do con-

tí.dnr já foram citados. Ambos preferem viver nas favelas. Elesgostam de lá. Há_uma_atmosfera de liberdade (ver último capítulo)

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dos estorvos do mundo de negócios da “ classe média” ., e da^eliteque existe lã embaixo,  ou lá fora,  atmosfera da qual essas, pessoasgostam. Elas acham que podem ter as boas coisas, que a cidade tempara oferecer, e ainda liberdade e conforto também, Eles podemigualmente ter muita influência entre seus co-moradores, participar do crescimento político da favela, ter um grau de reconhecimento e prestígio social, Podem participar de todos os tipos deatividades fora da favela como nos negócios, política, religião, escola, recreação e futebol.

O velho Orlando Ferreira também mora na favela por preferência. Tem um diploma em desenho arquitetônico e dá aula numaescola. Em sua maturidade interessou-se pela quimbanda (uma dasformas dos cultos afro-brasileiros) e, assim, morar na favela lhe deu

mais liberdade e uma atmosfera mais favorável para tal. Ele podetambém desfrutar do seu casamento consuetudinário com sua segunda mulher em paz e sem censura social.

Casos como esses podem ser multiplicados. Eles envolvem pessoas com percepção das condições e qualidades da vida urbana e desüãs possibilidades que podem, em alguma medida, ser ajustadasa seus desejos. Sao pessoas que têm um certo controle tanto sobresuas próprias vidas como sobre o que existe à sua volta, exercitamescolhas, são explícitas em sua apreciação de um certo grau de liberdade, e ainda estão lidando plenamente com instituições urbanasque não lhes são estranhas.

O gosto pela vida na favela nao restringe aos mais sucedidos,mas  é  mais claramente percebido entre eles porque eles não sãoobrigados a viver lá. Outros também gostam de viver lá e parecemamplamente fazê-lo por escolha, embora o fato de não viver na favela pudesse, em alguns casos, lhes ser fonte de pressão. Eles também gostam da favela, ainda que possam queixar-se da péssimahabitação, do preço da comida e assim por diante. Geralmente, avida da favela faz com que vivam próximos a enclaves ou extensas

redes da família, a pessoas da cidade natal, ou pelo menos, dõ seuestado natal (um comportamento não necessariamente rural, comotaptos autores parecem crer, mas muito característico, por exemplo,dos rústicos bostonianos e novaiorquinos — os nordestinos na metropolitana Austin, no Texas).

n Também marcante entre muitas das pessoas é uma forte 4pre _(nação, estética da. paisagem como em Tuiuti, que tem algumas ^das.

[vistas mais belas de todo q Rio. Os moradores falam dos aspectosnaturais e feitos pelo homem, da paisagem, com uma certa admira-

çao, A lavadeira D, Iaiá era um desses casos. Ela já era da segunda geração no morro do Tuiuti; seu marido tinha sido um trabalha-

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3 or semiqualificado numa fábrica de móveis antes que ela fosse àfalência alguns anos antes. Ele ainda estava tentando ser indenizado por sua demissão e, enquanto isso, ganhava menos que o salário mínimo num emprego, enquanto ela ganhava dinheiro extra em

trabalho de meio expediente como doméstica e “ lavando para fora” ,Eles são vizinhos da mãe de D. Iaiá numa pequena vizinhançaonde ocorre uma considerável quantidade de atividades.10 Iaiá cseu marido passam muito tempo contemplando a paisagem, quandonão estao ocupados com outras coisas, e Iaiá falava de sua beleza, ede como a usufruía, o que era possível graças à sua vida na encosta de Tuiuti.

B.  Fazer Economia

 A utilização da favela como um lugar para morar de modo aeconomizar é exemplificada em inúmeros casos. Em geral, os moradores das favelas, por serem posseiros, são “proprietários” queconstruíram suas próprias casas — sejam elas barracos, chalés oupalacetes — ou locadores que pagam aluguéis relativamente baixos (embora este padrao tenha começado a se alterar com a cres-

16 O Mito da Ruralidade levou os observadores à nã o-p ercepção . seletiva. A vizihKança de D. Iaiá fornece um exemplo típico. É verdade que

se* vê um grupo de mulheres batendo papo, em geral lavando roupa“ juntas” , ajudando-se nisto ou naquilo, e se descobre qüe alguma delassão parentes e algumas da mesma região (neste caso, muitas eram naturais daqui). Tende-se a dizer “ Ah! eis aí a_ vizinhança rtira) na cidade!Um a sobrevivência^dã^Turálidadeí”” - - ' a suposição que se auto-evidencia.D e fatÕ7 com o se descobre, essas famílias na vizinhança de D. Iaiá pagamaluguel à tia e à mãe de D. Iaiá, tendo a primeira controle sobre a terrae casas, enquanto que a última depende dela. A tia mora fora da favelanuma pequena casa de “ classe média” que ela mesma comprou com osaluguéis dos barracos da favela. O “ lavar as_ roupas” na verdade não sedá “ junto” ,.,mas_em paralelo; não é^u ma.tarefa cooperativa, mas eminen-tenfíêrite individual. Alguns usuários da bica da mãe de D, Iáiá pagampela água, e assim por diante* Em outras palavras, a vizinhança ocorreem certos contextos apenas, ao passo que comportamentos bastante urbanos com relação a aluguéis, taxas, extorsões e coisas semelhantes devemser encontrados em outros contextos. Os brasileiros são muito mais capazes de misturar a vizinhança amigável com a extorsão “ razoável” , especialmente em situações de coerção, do que os americanos, de modoqüè7 geralmente, os americanos não conseguem ver ambas nas mesmaspessoas. Na América, o proprietário e o locador muito raramente sãoíntimos) Também os americanos, inclusive os cientistas sociais, tendema ver o mundo em dicotomia branco e preto, de modo que é difícil paraeles ver múltiplas relações concorrentes ou conjuntos de papéis desem

penhados por um grupo de pessoas com relação a outro, quando não amuitos outros.

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isente escassez de espaço nas favelas mais antigas, mais densas emais desejáveis). Em_ um grande número de favelas, especialmente aquelas nas encostas de montanhas e nos morros, é possível plan-

tar frutas, vegetais, criar porcos e galinhas, numa espécie de cultivo urhano especializado que^,permite a criação de valores economi-<ío s   que podem ser consumidos diretamente, trocados, vendidos, ou,■ como os porcos, usados como uma forma de depósito, que, enquantocrescem, fazem uso dos recursos locais: sobras de lixo, grama, raízes, fezes humanas, etc,17

Um exemplo específico de “ fazer economia” ; Orlando Munhoz quis viver no Jacarezinho, para onde tinha vindo quando menino, da cidade, onde sua mãe vivia na época em que o conhece

mos. Ele fez esta escolha porque o aluguel era barato e mínimoo custo para o café e o jantar fornecidos pela proprietária no primeiro andar. Vivendo desta maneira, alcançou muitos objetivos. O-objetivo da economia era poupar boa parte do salário de seu emprego como chefe da divisão de contabilidade da Bolsa de Valoresdo Rio. Se não vivesse na favela, teria gasto a maior parte de seusalário. Em vez disso, ele o investiu, na época do seu -casamento,que ocorreu quando estávamos lá, numa casa que construiu pertode seus futuros sogros na cidade propriamente dita, Ele e sua noivafizeram grande parte do trabalho nesta casa, eminentemente de“ classe média” , dessa forma poupando, e investindo essa poupançano lar e em outros bens. Os outros objetivos eram sua participação política na favela e a direção de um clube de futebol e socialdo Jacarezinho, ambos tendo contribuído em muito para seu prestígio e para seu futuro (cf. Galifart, 1964), Ele era a pessoa maisinfluente no conselho de representantes de ruas no Jacarezinho.

João, por um grande período, enquanto trabalhava numa em

presa americana, não morou na favela. Embora seu pagamento detrês salários mínimos fosse maior do que o da grande maioria daforça de trabalho brasileira, era ainda apertado quando comparadocom as caras alternativas de aluguéis na cidade, uma boaboa educação para seus quatro filhos, a manutenção de certo padrãode vida e outras coisas. Ele optou pela boa educação de seus filhos,

17 Cf. Vayda, Leeds e Smith3 1961. Uma série de complicados arranjosexiste com relação aos porcos nas favelas: criar os porcos para matança,

vender animais adultos, comprar leitõezinhos no mercado para criar, criarpara dividir; compradores ambulantes, matadores especializados de porcosque trabalham por percentagem de carne ou por pagamento, e assim pordiante. A criação de porcos pode ser realizada por consignação para aspessoas que vivem lá embaixo  e não têm acesso à terra. O cálculo da criação de porcos é muito complexo e deve ser deixado para outra oportunidade.

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vendo, a longo prazo, mais segurança para eles e para ele na educação. Então, mudou-se para uma favela para poder economizainos custos de aluguel, e alocar seus recursos no que ele julgavamais importante. Será observado que nesta escolha há ao menos

uma análise e uma compreensão implícitas de como a sociedade dacidade funciona, e nela, ele está tentando maximizar os ganhos parasua família transgeneracionalmenle.

C.  Pressão

Hélio nasceu na cidade propriamente dita. Tornou-se umtrabalhador de fábrica qualificado, mas foi involuntária e definitivamente aposentado pelo Instituto de Serviço Social dos Trabalhadores Industriais (IA P I) quando, com 31 anos, um acidente

lhe quebrou as pernas. Ele recebeu uma quantia para compensação. Calculando seus recursos e custos a curto e longo prazo, decidiu que o melhor que tinha a fazer era comprar uma casa barata,um barraco, na favela do Jacarezinho, um vez que, mesmo semmelhorias, ela se valorizaria e ao mesmo tempo lhe forneceria umlugar para morar livre de taxas e aluguel, e esta valorização seriaproporcional às sempre presentes taxas de inflação brasileiras.

 Além disso, era concebível que, com o tempo, ele fosse capaz demelhorar a casa, e o que a valorizaria ou a tornaria negociável em

troca de outra casa de melhor localização (mais valiosa). Posteriormente, sua família — mãe, irmãs e respectivos esposos — mudou-se para a favela, criando entre eles séries de propriedades entrelaçadas em sistemas de água, esgoto e nas próprias casas. Umadas irmas, que havia casado há pouco e se mudado da favela, vendeu seus interesses ao resto da família. Todos esses cálculos e operações mostram uma forte familiaridade com as instituições da cidade — na verdade, nacionais — e uma clara habilidade em lidarcom elas. 0 caso também ilustra a relação, no nosso continuum, entre uma situação de pressão aguda e de fazer economia paramanter um certo padrão de vida, e mesmo, a longo prazo, maximizar os ganhos. Ele adquiriu, depois disso, através de uma complexa série de barganhas e favores, uma casa quase que luxuosa.

D  Marginalização

O espaço permite-nos apenas um exemplo, um caso ein queuma família tentou economizar, mas foi empurrada para o limiteda marginalização por uma série de pressões. 0 marido imigrara,aparentemente, de um interior verdadeiramente rural rural — umapequena cidade do Espírito Santo — algum tempo antes de sua mu*

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O B r a s il   e   o   M i t o   d a   R u r a l id a d e   U r b a n a  XII

Iher. Encontrou trabalho não-quali ficado na área industrial de Ramos, um bairro do Rio, tendo estabelecido uma casa de pau a piquee argamassa na favela Nova Brasília. Uma vez no trabalho, mandoubuscar mulher e filhos. Por algum tempo, a mulher trabalhou como

doméstica, de modo que eles tinham duas rendas. Com as minguadassomas que recebiam eles podiam juntar algum dinheiro com dificuldade, soma que foi investida em algumas garrafas de cachaça,vinho, bebidas não alcoólicas, e alguns condimentos, tentando montar um botequim. Eles esperavam que esse pequeno botequim progredisse, em parte para obter lucros, mas em parte também porquea mulher achava que não podia mais ficar longe dos filhos que estavam crescendo sem orientação, sozinhos. Seu capital, todavia,não foi suficiente para montar o negócio. Assim, qualquer renda

que ele desse era absorvida pela família como um substituto darenda anterior da mulher no trabalho doméstico. Esta era a situação quando a primeira de uma série de pressões ocorreu. O maridocaiu doente. Embora melhorasse, nunca se recobrou plenamente(como é tão comumente o caso entre os trabalhadores pobres noBrasil), e então ficou doente de uma coisa, depois de outra, pormeses. Cada vez ele tinha mais dificuldade em encontrar trabalho(o mercado de trabalho também estava em contração), de modoque, pela última vez que os vimos, ele estava fora do trabalho há

quase dois meses, deitado em casa, doente, quase permanentemente, incapacitado. A mulher teve que vender todo o pequeno estoque que possuíam e procurar emprego doméstico num mercado detrabalho já saturado por causa da depressão econômica geral. Acasa estava decadente, as crianças esfarrapadas e doentes, e o cuidado com o lar praticamente inexistia.

bAs causas da marginalização, neste exemplo, não_ parecem sera ruralidade e ja nSo-IamíIiaridade com os modos iirbanos, mas uma

 I combinação de traços estruturais e _aci_dentais ( pressão) agindo em

conjimto. Õs traços estruturais incluem a baixa posição homemnas escalas de educação e treinamento (uma característica pan-bra-sileira), seu isolamento, como recém-chegado, da rede -de—colocação de trabalho, o mau funcionamento das InstitiiiçÕes_ de Previdência Social, a depressão econômica, resultado das condições nacionais, a falta — novamente porque eram recém-chegados e suaregião da favela tinha sido estabelecida há pouco tempo — do quese poderia chamar de grupos de “ apoio na crise” , que fornecemuma espécie de mecanismo de segurança informal  etp.  tempos decrise, especialmente a família extensa, vizinhos, a^rapaziada]1)- adupla patrao-cliente, ou os  éom padre^  Em tais circunstancias es-

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TÍ2  A S o c i o l o g i a   d o   B r a s e l   U r b a n o

trúttiràis, as situações tornam-se insolúveis para os indivíduos sobpressão, levando à marginalização e, algumas vezes, à morte.

Os casos são inúmeros. Mas são histórias não apenas dos de ori

gem rural, mas também dos de origem urbana, tanto sofisticadoscomo não-sofisticados. Em todos os casos, traços estruturais e acidentais combinam-se mais ou menos da mesma maneira como nosso protótipo acaba de ilustrar. Os traços institucionais ou estruturais saoaqueles comuns a todo o Brasil e característicos da estrutura da economia, política e organização administrativa brasileira, ou, de forma abrangente, da estrutura da sociedade da qual estas instituiçõessão facetas (cf, Frank, 1967; Leeds, 1964).18 Estas incapacidadesestruturais parecem ter seus análogos no Peru, se a nossa leitura

do artigo de Patch (1 961) é correta. O tremendo esforço feito peloinformante de Patch — que, depois de anos de luta, talvez tenhasucesso — e por outras de seu callejón  que fracassaram, além deoutros detalhes da luta, sugerem quase os mesmos tipos de impedimentos estruturais para o trabalhador pobre, rural ou urbanof noPeru.

Deve ser enfatizado que o tipo oposto de caso também ocorremuito freqüentemente; pessoas tão rurais como o rnando e a mulher

descritos sao bem sucedidos no meio metropolitano. É, de fato. o•caso de uma família para a qual temos a maior documentação.É suficiente dizer aqui que, no decorrer do tempo, eles construíram uma casa no Jacarezinho que vale hoje Cr$ 10.000 (enquanto o dólar valia Cr$ 2,70 e o salário mínimo era de Cr$ 105,00por mês); têm um rádio, televisão, máquina de costura elétrica, geladeira, vitrola, luz elétrica, muitos banheiros, água corrente; ajudaram, por meio de empréstimo, troca de trabalho e outros serviços, aestabelecer a terra, a casa e a loja de seu genro, bens valendoCr$ 40.000,00; estao ajudando outro genro a aumentar sua riqueza do mesmo modo, fornecendo uma casa livre de aluguel enquantosua loja é reconstruída, cuidando das crianças, construindo peçasde móveis para a loja, e assim por diante.

18 Implícito nas discussões sobre a pressão está a suposição de que elaé uma coisa ruim. Do ponto de vista dos indivíduos com percepção, taiscomo as pessoas no nosso exemplo, isto provavelmente não ocorre. Uma

análise funcional de  feedback  de tais pressões seus efeitos sobre os indivíduos, as respostas dos indivíduos e seu impacto neles (tal como serempurrado para fora do mercado de trabalho e das listas de previdência)sugere que, sob condições variáveis da sociedade e sua economia, tal pressão é adaptativa ao sistema, por mais triste que alguém possa sentir-secom isso.

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O B r a s i l   e   o   M i t o   d a   R u r a l i d a d e   U r b a n a 113

 Experiência Urbana no Interior da Área Invadida

Para concluir este capítulo, queremos discutir brevemente aexperiência dos moradores da própria favela ou barriada. O xniíe

sustenta (cf. Mangin, 1967a) em sua forma extrema, que a áreainvadida por posseiros  é   a “ área pobre, rural, dentro da cidade15ou o “decadente bairro rural na cidade” (respectivamente Bonilla,1961, 1962 ).ie Em nossa opinião, com base em alguns anos de vida

19 Não conhecemos nenhum padrão de moradia rural no Brasil quecorresponda a algo como uma favela. Achamos que muita discussão deveser feita acerca de como investigações supostamente científicas podem chegar a tais conclusões. Muitas coisas parecem envolvidas, todas relacionadas aos problemas metodológicos fundamentais, mais especialmente à escolha das hipóteses e ao uso de questionários. A questão das hipóteses édiscutida através de todo este trabalho.

Nenhum questionário apropriado pode ser feito sem a participaçãoe observação extensa e intensa anterior. Não se pode saber que categoriassão relevantes; não se pode saber as formas lingüísticas apropriadas; não .>epode saber como interpretar as respostas, uma vez que o contexto designificação dos itens não foi investigado. Além do mais, o método deaplicação de questionários é em si totalmente estranho à experiência devida dos informantes (especialmente fora dos Estados Unidos), de modoque respostas não-naturais, convencionadas ou mal interpretadas — pen

sadas pelos informantes com o apropriadas à pergunta feita — são emitidas, mas não a informação sobre a situação real que o item do questionário deve estar buscando. Este problema torna-se particularmente agudoquando estão envolvidas diferenças culturais dos conceitos implícitos nasquestões, quadros de referência e mesmo instrumentos do investigador.Quando este é um acadêmico americano de classe média, enfrenta umadupla diferença cultural -— a primeira de compreensão e tradução para alíngua de seus pares peruanos ou brasileiros e, então, a de compreensão etradução para a língua do proletário brasileiro ou peruano. Bonilla, completamente, Pearse, parcialmente, e muitos outros não conseguem fazeressas traduções ™ não conseguem compreender os significados centrais dos

comportamentos, instituições e idéias das “classes mais baixas” confrontando-se com as outras “ classes” , nos seus próprios termos e perspectivas cf.fracassos semelhantes, em outros contextos, de Chaplin (1967), Goldrich(1965), Goldrich, Pratt e Schuller (1966), Kahl (1965), Needler (1967),Rosen (1962, 1964) etc., etc. Nenhum deles consegue perceber, em parteou no todo, que mesmo as mesmas palavras na mesma língua significamcoisas bastante diferentes em contextos diferentes mesmo para as mesmaspessoas, ou podem ter ainda significados mais claramente variados quando estão envolvidas diferenças maiores na posição de classe, regional,ou outras situações1na sociedade. Um exemplo:  Malandro, para as “classes” brasileiras, significa “ delinqüente” , um “ criminoso” ; para as “ massas'*

a quem o termo se aplica, significa “sujeito esperto” , “camarada inteligente” . Para as “ classes” , é uma forte condenação; para as “ massas” , éum termo de admiração. O observador não-participante que poderia usar otermo sobre uma- pessoa da favela pode também dar por finda sua investigação neste ponto, ao passo que o observador-participante, usando-o demodo correto, faz parte do grupo.

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nas favelas, íntimo conhecimento tanto através da etnografia quanto do survey  de meia dúzia de favelas, visitas (que vão de algumashoras a idas repetidas a 45 favelas, e estudos de Mangin, Maios? Mar

e Turner das barriadas peruanas e de Peattie de um barrio  venezuelano, especialmente com relação a suas histórias de moradia, vida•associativa, padrões ocupacionais e visões políticas, estes pontos de

vistas são, em geral, fundamentalmente falsos. Tanto as favelascomo as barriadaSj çemo regrav sâkioeais altamente políticos (comoincidentalmente o são as cidades do interior do Brasil; cf. Harris,1956; Leeds, 1957, Cap. 5). Elas sao duplamente políticas nosentido de que têm, em geral, relações políticas muito elaboradascom políticos e instituições,extern.as à favela.20 Quanto maior a íã- 

vela, mais isso parece ocorrer. No Rio, um exemplo extremo é,evidentemente, o Jacarezinho, com cerca de 70.000-80.000 hab,Como JE. Leeds (1966) assinalou, essas pessoas estão intimamenteenvolvidas com as políticas estaduais, enquanto as instituições administrativas esfao envolvidas com toda uma série de partidos, fac-

'ções õu outros grupos da favela, tanto em benefício de várias* pessoas da administração do Estado como em seu próprio benefíciopela extração de ganhos destas últimas. Os administradores e instituições estatais, que estão envolvidos em toda uma série de parti

dos, facções, ou outros grupos da favela, utilizam todos eles osempregos tecnocrático-burocráticos como frentes “ neutras” páraseus interesses partidários na3a neutros. Os moradores da favelaegtão conscientes disso e jogam com isso. Afinal, o Jacarezinho temum eleitorado de 30.000-40.000 pessoas (embora o cálculo exagerado de partidos e instituições o estime em 50.000-80.000 )21, e

20 Cf. Leeds, 1966. É da maior importância observar que quando um estranho incauto ou não-iniciado observa o último tipo de relação, ele o

vê através dos olhos da instituição ou níveis de statusj  embora de umaforma desapaixonada. Dada sua posição, a instituição opera de modo paternalista — “ uma perpetualização do ruralismo” . Ele não consegue veras manobras e contramanobras sutis e exploradoras feitas pelas pessoasque se encontram na posição complementar da relação, que muito intelvgentemente e com grande sofisticação utilizam o modo paternalista imposto em seu próprio favor — até que não haja mais nada a ser ganhocom isso. Então eles desaparecem. O pessoal da agência ou do nível destatus  mais elevado conta então ao observador quão “ ingratos” , quão indignos de confiança, quão traiçoeiros são os favelados, ou operários  ouquem quer que seja. Astúcia camponesa, sem dúvida, mas quando vista

a partir do lado deles, não paternalista, apenas uma forma oportunistade tirar o melhor do pior.21 Num survey, a o o h a b   (ver p. 27) estimativa (Estado da Guanabara,1963) para a favela de Jacarezinho 176.000 habitantes. Isso teria significado um eleitorado de cerca de 70.000. Acrescentando ao Jacarezinho7.000 casas que consumiam eletricidade da c e e . e , cerca de 3.000 que a

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isso é bastante para balançar toda a Administração Regional ou distrito eleitoral.

 Além disso, o Jacarezinho hoje propicia internamente ganhossuficientes para tornar intensa a vida política. 0 controle do sistemade luz elétrica fornece grandes possibilidades de suborno, cerca deuma dúzia de empregos de patronagem e uma posição poderosa paraprestar favores aos fregueses de energia elétrica, favores estes a serem retribuídos quando solicitado. 0 controle sobre o sistema deluz também coloca o indivíduo estruturalmente em contato comuma série de instituições administrativas externas, como a Light;a Comissão Estadual de Energia (CEE), a Administração Regional,não oficialmente com os militares, com os vários partidos políticosagora legalmente extintos, os novos partidos políticos criados por

decreto pelo governo militar brasileiro, e assim por diante. Pode serassinalado que, além dessa bagagem de experiências urbanas, afmera_instalação_e administração de um sistema de luz tão intenso(e eomplicado como o_do Jacarezinho — cerca de 10.000 casas —|<Tèm si uma experiência de gerência urbana, significativa.

 Argumentar-se-á que esse tipo de coisa é muito recente. Defato, os tipos de organização como a c e e   são recentes, mas, comofoi demonstrado em outro lugar (A . Leeds, E. Leeds, e D. Mo-rocco), os sistemas de energia da c e e   são apenas as formas mais

recentes de um longo desenvolvimento dos sistemas de luz, cujasformas anteriores eram redes dirigidas de forma privada por empreendedores da favela que buscavam lucros individuais, enquantoalgumas formas posteriores, legalizadas pelo decreto chamado Portaria n.° 2, por volta de 1956, em geral compreendiam formascooperativas bem como lucros individuais. Casualmente, os sistemas de água cooperativos como no Borel e no Jacarezinho, remontam a muitos anos (ver Wygand, 1966).

 Algumas favelas organizadas, como Guararapes, têm mudadorecentemente no sentido de se tornarem propriedades comunais.Guararapes comprou a terra em que se situa de um proprietárioprivado. Ela desenvolvera uma cooperativa não apenas para comprar a terra, mas para urbanizá-la (ou seja, “ instalar nela pequenos serviços urbanos” ), criar centros de treinamento para elevar a

consumiam de outras linhas privadas, um máximo de cerca de 10.000 éencontrado lá. As casas da favela, em muitos surveys, tinham em média

 4,6  a 4,8 pessoas. Hoje, muitas dessas casas abrigam várias famílias,, talvez numa média de 1,24 por casa. Conseqüentemente, um total de

cerca de 60.000 é razoável, com uma margem de 50.000 a 90.^00 (se secalcula numa média máxima de 6 por casa, 1,4 famílias por casa, e cercade 14.000 famílias).

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renda através da especialização do trabalho jovem, para que acooperativa pudesse ser mantida, para prover habitação suficientepara seus membros, e assim por diante. Planos semelhantes estãoem andamento na favela da Corok e outras. Os líderes do Jaca-rezinho sempre falaram da idéia de comprar a terra em que elaestá, mas ela é atualmente do governo, e, desta forma, existe umproblema quase insolúvel, de vez que o governo vê a solução apenas em termos da venda de lotes individuais para propriedadeprivada aos moradores, o que requer o fracionamento de toda afavela. A aparente razão para isso é a adequação à lei nacionale estatal que regula o tamanho do lote. Uma razão menos abertamente declarada é que a coHAB (Companhia de Habitação Popular) vai ficar com o dinheiro das vendas (para financiar outros

projetos), uma fortuna considerável, embora só tenha pago porvolta de US$8.000 pela imensa extensão (cerca de 125 acres) deterra potencialmente utilizável, prioritariamente, de forma residencial e industrial no centro da cidade.

No Peru, tal planejamento e direção em larga-escala foramparte da experiência da barriada desde o início. As próprias invasões eram freqüentemente planejadas, e, uma vez invadidas, taisáreas recebiam ruas e praças e era planejado o fornecimento deágua, esgoto e luz; áreas para escolas e outros serviços eram deli

mitadas. As barriadas, como entidades sociais, eram freqüentemente corpos gerenciais corporativos em grande escala, criandovizinhanças claramente urbanas, algumas das quais foram recentemente oficializadas como partes da cidade de Lima (cf. Turner,1963; Mangin, 1967a; Turner 1967; entrevistas, setembro, 1968).

 Além disso, as favelas do Rio tiveram uma longa história deatividade associativa. A União dos Trabalhadores Favelados ( u t f  ) foi originariamente estabelecida por um advogado (MangarinoTorres) do antigo p t b   (Partido Trabalhista Brasileiro) do entãoDistrito Federal (hoje Guanabara), em cooperação com lideres da

favela entre 1946 e 1948. Apenas o ramo da favela do Borel da u t f   original permanece até hoje, mas é um órgão altamente político(cf. Schultz, 1966) que conduziu com sucesso os moradores a derrotarem duas tentativas e uma ameaça (por volta de 194<8, 1954e 1966, respectivamente) de extinção da favela; utilizou-se de —e sobreviveu a — pelo menos uma importante agência de desenvolvimento comunitário (cf. Leeds, 1966a); fundou um posto desaúde com muitos associados; estabeleceu um fundo cooperativopara funerais e construiu uma caixa d’água para toda a favela,

pela qual as quatro subdivisões administrativas ( “ sociedades” ) dafavela, cada uma com estatutos mimeografados, são responsáveis.

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O B r a s il   e   o   M i t o   d a   R u r a l id a d e   U r b a n a 117

Dos funcionários da associação, todos moradores do Borel, fazparte um homem ® membro de um Sindicato, outro que temaçougues tanto dentro como fora da favela, outro que é sargentoda Polícia Militar, outro que é oficial da reserva do Exército —

todos intimamente vinculados a instituições externas à favela, inclusive os sindicatos, altamente urbanos. À maior parte das associações de favela boje existentes é de

data mais recente, não porque todos os moradores das favelas tenham subitamente se urbanizado em 1961 e 1962, mas porque aspressões políticas e administrativas contra os moradores da favel?não apenas aumentaram, mas a ação governamental foi proposi-talmente levada a cabo para criar associações e plena cidadaniapara todos os moradores do Rio. Isso começou em 1964 (quandoo Governo de Carlos Lacerda iniciou o Novo Estado da Guanabara) pela Secretaria de Serviços Sociais, sob a direção de José Arthur Rios. Este esforço compreendia o fornecimento de informação legal e advogados, de outro modo de acesso extremamentedifícil ao trabalhador pobre, uma vez que, em geral, os advogados identificam seus próprios interesses com os das elites sociais epolíticas do país (cf. Naro, 1966), e não com os problemas daclasse baixa. É muito difícil obter, nós o soubemos, informaçãolegal, mesmo por advogados. Em outras palavras, quando algumas barreiras de manutenção de classes são quebradas ou contor

nadas", os moradores da favela de imediato desenvolvem todas ascaracterísticas urbanas que os investigadores com o estereótipo

 jMÍralL — que nunca examinaram a situação estrutural na qual afavela existe — não encontram entre os “ rústicos do interior” quecompõem a população da favela22.

22  A evidência para essas declarações tem que ser colhida a partir dedados como aqueles apresentados em Naro (1966), e E. Leeds, (1966),que mostram como as barreiras discriminatórias são mantidas hoje, e também a partir de reconstruções históricas, especialmente através de entrevistas com moradores de algumas faveías e com o pessoal atual e passadodos organismos administrativos. Isso é necessário porque praticamentetodos os dados publicados baseiam-se no mito da ruralidade,  de modo queeles (a ) repetem as alegações de ruralidade, e (b) também não conseguem ver o contexto e a estrutura nas quais a favela existe. Particularmente quando se examinam as histórias políticas das favelas com umolhar cuidadoso para perceber como ambas (ou mais) partes fazem o

 jogo — com que estratégias, táticas, regras, intenções, truques, retóricas,etc. — é que se compreende a natureza essencialmente urbana tanto dafavela como de seus moradores. Começa-se a compreender como as características supostamente rurais — família extensa, etc. — são, na ver

dade, instituições altamente adaptáveis numa situação opressiva e repressiva. (cf. Leeds, 1964).

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 As barriadas de Lima são talvez caiais evoluídas neste aspecto.Elas começaram sob a forma de atividade associativa, coordenadacm larga escala, em geral ligadas a algum político. Muitos membros tiveram considerável experiência anterior em associações nas

cidades natais (cf. Mangin, 1964, 1965), mudando para a participação nas associações das barriadas conforme estas surgiram. Afunção das associações nas cidades natais é, em parte, aculturar e urbanizar os camponeses dos altiplanos peruanos (cf. Cate, 1962.1963, 1967 para paralelo com o Brasil), que diferem em sua língua e cultura daquela parte da sociedade peruana na qual estáocorrendo o processo de urbanização» As associações de barriadasão não apenas organismos administrativos para as barriadas (amaioria das quais tem hoje cerca de 50.000 pessoas), mas tam

bém organizações para barganhar com o governo federal e municipal, pontos-chave nas relações políticas com a sociedade circundante e sistemas políticos internos que, de forma atípica para oPeru, realizaram eleições anuais entre toda a população da barriada para escolher funcionários (Mangin, 1967c).

O que dissemos sobre as favelas e barriadas como, em si mesmas, loci  de experiência urbana e de atividade associativa, administrativa e política, pode também ser dito para a vida social, religiosa, recreativa e econômica. Não podemos aqui entrar nessesaspectos, mas remetemos o leitor a Leeds (1966), Leeds e Leeds

e Morocco (1 966), Schultz (1 966), Cate (1962, 1963 )23. Ainda não foi dado tratamento adequado a  organização social

da favela. O que foi escrito refere-se exclusivamente à família.Pouca ou nenhuma atenção foi atribuída aos seguintes aspectos daordem social (e aos laços ou identidade com os mesmos elementosfora da favela), todos encontrados no interior das favelas: estratificação, elites, cliques, grupos (turmas, rapaziadas, garotadas, meninadas,  panelinhas), grupos de vizinhança, ambiência, clubes sociais e outras associações (por exemplo, comòos), díades patrao-

cliente de muitos tipos, mecanismos de carreira (ver Leeds 1964a)etc., e aqueles fatores sociais que contribuem para o sentido parcialde comunidade observado nas favelas.

Km suma, as favelas são atravessadas por todas as formas deorganização comuns à sociedade inclusiva; a maioria das operaçõesdestes tipos de organizações é análoga àquelas de fora, a não ser

23 Foi realizada uma pesquisa no verão de 1966 sobre a complexa estrutura dos cultos afro-brasileiros com relação à estratificação social dentroe fora das favelas e como empresas econômicas. O trabalho, que estáem continuação atualmente (1969), foi feito por Brown, do Departamento de Antropologia da Universidade Columbia. Agradecemos muito suacooperação.

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que alguma coisa relativa à situação estrutural da favela com relação à sociedade-matriz impeça que isso ocorra. Se a sociedade-matriz, inclusiva, é urbana, então, também a favela é urbana e,em muitos aspectos importantes, contínua a ela. Por ora, podemosapenas estabelecer estas conclusões; a documentação completa aparecerá mais tarde. Enquanto isso, seria proveitoso para o leitor oestudo do trabalho de Hélio Modesto (1966).

Valores Urbanos

Nesta parte final do trabalho, voltamo-nos para os valores urbanos dos moradores da favela. Muitos destes foram mencionadosnas partes precedentes, mas convém aqui nos referirmos a eles

novamente, no contexto de uma discussão geral de valores.Primeiro, entre a maioria dos moradores da favela, especialmente os homens, é expressa uma preferência generalizada pelacidade. O campo  é  atrasado, triste, paralisado, sem nenhuma atração especial como lugar para morar. Exceto algumas mulheres,muitas pessoas dizem, quando perguntadas, que não querem voltar.Por quê? Porque é melhor aqui. A vida é melhor, a pessoa se sentemelhor, economicamente é melhor, não é atrasado ou parado, etc.Em outras palavras, a atmosfera e o ambiente da cidade são, deuma maneira incipiente, quase que sensorial, sentidas como dese

 jáveis e, para aqueles que têm familiaridade com as áreas rurais,mais desejáveis ainda.

Traços específicos da situação urbana são valorizados. O amplo e variado mercado de trabalho é valorizado em termos de“ oportunidade” , as possibilidades de ganhar dinheiro através dotrabalho para viver melhor. Para aqueles que vêm do interior, avida da roça,  a vida na Mãe-Terra, não era tão adorada a ponto

i de superar seus sentimentos negativos com relação aos seus sempre crescentes rigores econômicos ou com relação ao fato de serem

parceiros, trabalhadores assalariados ou mesmo pequenos proprietários endividados. Não valia mais a pena, mesmo que aindafosse possível. Entao eles vieram para a cidade que, mesmo coma difícil situação econômica atual, é melhor do que o campo. Há.sempre, tanto para o migrante quanto para o trabalhador pobre citadino, alguma oportunidade, alguma possibilidade de sobrevivereconomicamente, na pior das hipóteses, na melhor, pode-se ganharbem e aprender a ganhar ainda mais. Muitos podem obter treinamento especial no trabalho, no s e n a c   o u   no s e n  a i , em escolasprofissionais e, mesmo, em pequenas lojas. Algumas das organiza

ções de Previdência e programas de desenvolvimento comunitáriotêm também, ocasionalmente, projetos de treinamento.

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Mesmo para os homens que estiveram fora do trabalho pormuito tempo, que obtiveram licença para tratamento dc saúde eraórgãos de previdência, por exemplo, a cidade é ainda um lugardc oportunidade, de possibilidades. A falta de trabalho, a inabilidade em curar-se para poder trabalhar 6 atribuída (em geral corretamente) ao “ mal funcionamento” do governo federal, dos Institutos de Serviço Social e outras instituições. Em outras palavras,as contradições entre seus valores relativos à cidade como um lugar de oportunidade econômica e sua situação real não os empurram “ de volta” aos valores rurais, mas antes a análises bastantesofisticadas e astutas (urhnnas) da estrutura social de sua sociedade nacional e urbana.

Relacionados a este conjunto de valores estão os valores tanto

quanto à educação em si mesma como quanto as oportunidadeseducacionais específicas acessíveis nas pequenas c grandes cidades24. Para praticamente todos os brasileiros, a educação — talvez mais bem representada no título de udoutor” , usado por qualquer graduado em universidade —  é  um bem intrínseco e máximo. John Turner, num questionário aplicado aos moradores deuma barriada em Lima, descobriu que a posição de professor (deescola) tinha mais prestígio, na maioria dos casos, do que outrascategorias ocupacionais, como médico, padre, policial, homem denegócios, etc. (dados nao publicados). Este valor é, em si, umproduto da civilização urbana da península ibérica, e foi sempreparle do  ethoa  urbano do Brasil, hoje generalizado para todas as“ classes” e setores da população, e considerado importante por todos os meios de comunicação predominantes.

 As oportunidades educacionais específicas compreendem instituições de ensino públicas e paroquiais, primária, secundária e denível superior, escolas profissionais, treinamentos públicos especializados como o SENAi e o senác acima mencionados, uma pletorade pequenas escolas privadas e outros. Ninguém fez ainda um

censo das escolas em favelas, mas alguns moradores reconhecerama necessidade de mercado para escolas privadas no interior dasfavelas. Assim, no Jacarezinho, conhecemos no mínimo meia-dii-zia de escolas, duas ou três delas razoavelmente boas, embora compouco equipamento e livros. Uma das maioves tem uma proCesso-

24 Cate (1962, 1963, e cm comunicação pessoal) assinalou que os migrantes analfabetos dc aparência verdadeiramente rural que chegam aoRccifc vindos do interior do Estado de Pernambuco são introduzidos navida urbana nas favelas ou mocambos da cidadc através de algumas escolas financiadas e compostas pela extraordinária rede dos grupos decarnaval, dos quais muitos dos membros diretores hoje alfabetizados erammigrantes analfabetos de um período anterior.

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ra preparada. Ela ensina a cerca de 100 crianças por dia, em trèi»turnos. Assim, muitos moradores que, por uma variedade de razoes, têm dificuldades (tais como custos de uniformes, ruas movimentadas para atravessar, distância, etc.) para mandar as crian

ças para escolas estaduais e paroquiais valorizam em muito as escolas dentro da favela. Cada vez mais, à medida que as pressões discriminatórias vindas de fora diminuíram, os moradores da favelaenviaram suas crianças a  escola secundária e mesmo à universidade, de modo que, dentro de uma década mais ou menos, umconsiderável estrato de profissionais será encontrado nas favelasmaiores e mais ricas.

Os moradores da favela também valorizam outros tipos deoportunidades institucionais da cidade. É irrelevante se eles nas

ceram nelas, como era o caso, como pessoas de origem urbana, ouas conheceram depois de migrar para o Rio ou para outras cidades.De ambos os modos, elas eram valorizadas, mesmo quando asperamente criticadas, como ocorre freqüentemente. Referimo-nos especialmente aos “ Institutos” , os institutos federais de previdênciasocial que devem fornecer pagamentos na doença, aposentadoria,salários-família, apoio a viúvas, cuidados médicos, cuidados coma maternidade, e assim por diante. O porquê de seu mal funcionamento não deve ser analisado aqui. Todavia, mesmo dado o realmal funcionamento, eles ainda fornecem a promessa e a realidadede uma medida de segurança contra pressões e crises imprevisíveis, ii m certo controle adicional sobre um meio ambiente difícile problemático. De fato, os pagamentos globais do Instituto compreendem uma percentagem considerável do total da renda detoda a classe trabalhadora de uma cidade como o Rio. Em hora talsistema possa parecer “não-econômico” para economistas que pensam em função da produtividade, sob as condições da economianacional brasileira e de sua etapa de desenvolvimento, este gastototal de pagamentos  é  econômico para o trabalhador pobre que

deve lidar com esta forma particular de economia capitalista.No total, também, os sindicatos trabalhistas sao valorizados,

embora por um número de habitantes muito mais limitado; nãoouvimos queixas dos moradores das favelas sobre eles. Estruturalmente fracos, como sempre foram e, depois de 1964, mais do quenunca, os sindicatos, o longo prazo, têm-se fortalecido, melhorandosua posição de barganha com relação à indústria no jogo tripar-tite sindicato-indivíduo-governo federal, o qual, por lei, está sempre envolvido na situação de barganha. A crescente força dos sin

dicatos significou melhores condições de trabalho, melhores salários, maior segurança e crescentes benefícios secundários, e tem

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havido alguns esforços para ligar os interesses da favela a órgãossindicais. Por exemplo: os funcionários sindicais moradores da favela que concorreram na eleição para a associação da favela naRocinha, em 1966; o presidente da UTf    do Borel, que era umfuncionário sindical; e o esforço para ligar o programa de ação deurbanização da f a f e g   (Federação das Associações de Favela do Estado da Guanabara) — ela mesma um fenômeno notavelmenteurbano! — como o sindicato dos trabalhadores metalúrgicos, depois das impressionantes chuvas de janeiro, de 1966.

Estes últimos pontos chamam a atenção para valores altamente urbanos de participação política por parte dos moradoresda favela. Os brasileiros, em geral, e quase que a maioria dos habitantes de cidades pequenas, cidades grandes e metrópoles, são

inerentemente interessados em política, suas operações, e as maquinações das pessoas envolvidas. A maior parte dos moradores de favela com quem falamos — de todos os níveis econômicos e tiposde formação — é profundamente ciente do que está acontecendono interior da favela e, especialmente desde o advento do rádiotransistorizado, em geral extraordinariamente bem informados sobre, e precisos em suas análises do que está ocorrendo na matrizpolítica. De fato, afirmaríamos, sem nenhuma dúvida, que sueisvisões das estruturas políticas e dos processos do Brasil fornecembasicamente melhores modelos para as realidades políticas brasileiras do que aqueles que são obtidos da maioria dos observadoresnativos sofisticados, e certamente de quase qualquer estrangeiro.Sua ação política e social se dá nos termos dessas perspectivas.

Muitos moradores da favela não apenas estão interessados,mas valorizam a real participação em problemas políticos de todotipo. Juntamente com os políticos profissionais e administradoresda política brasileira, os moradores da favela são os mais sutis epolíticos que já encontramos, muito mais políticos em todos ossentidos, do que a população americana como um todo, e dificiJ-

mente comparáveis a quaisquer categorias de pessoas equivalentesnela. Á política é um jogo, uma recreação, um sistema de recompensas, um gozo do poder, uma estrada para a mobilidade econômica, um caminho para a mobilidade social e um compromissocom alguns conjuntos de interesses. O jogo da política  é  extremamente complexo, movendo-se em muitos níveis, por múltiplos modos de expressão ( cf* Leeds, 1964b), por múltiplos caminhos derelação interpessoal. Apenas aqueles que foram jogados nos turbilhões da superfície do oceano político da favela ou nele mergulharam profundamente podem ter uma noção de como essas pessoas são verdadeiramente políticas e de como o sistema opera. Co

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De passagem, deve ser observado que o antropólogo está na:posição peculiar de ser de alguma forma um participante, e sempre um observador de corpos nodais e transnodais estruturalmentebastante diferenciados (cf. Leeds, 1967) sejam estes ordenados

horizontalmente, verticalmente ou não apresentando nenhum arcanjo particular. Assim, ele tem múltiplos pontos de vantagem evariadas interpretações, ou experiência cuidadosamente relativiza-da da estrutura social como um todo, que pode chegar a percebercomo ninguém. Assim, por exemplo, A. Leeds exp^imentou a vidade uma pequena cidade brasileira, a vida da plantação, uma limitada quantidade de vida camponesa (Leeds, 1957), as cliques urbanas (1964a), e participou da vida da “ classe baixa” urbana(1966b; com E. Leeds e Morocco, 1966) e teve longo contatocom vários ramos da elite intelectual. Teve pouco ou nenhum contato com os militares e a Igreja (exceto a Escola de Serviço Socialno Rio) no Brasil. Por ter acesso a essas diferentes posições dasociedade, ele conheceu as visões pequeno-burguesa, intelectual “ deesquerda” , intelectual de “ centro” e a visão que os administradores públicos têm das “ classes baixas” , do trabalhador pobre, e dofavelado. Sobre os três últimos, conhecemos os pontos de vista dascamadas “ superiores” . Não  é  nosso propósito aqui descrever todosesses pontos de vista, mas simplesmente apresentar várias consi

derações.Primeiro, os moradores da favela, em geral, não têm idéia doque é a vida da alta burguesia, das elites intelectuais, do escalãomilitar, superior ou da Igreja, ou mesmo da._pequena. burguesiae da maior parte da burocracia. Eles nao têm como conhecer essespadrÕes de vida, os valoresinternos essenciais que diferenciam cadacategoria das outras, as tarefas e significados ^nvolvidos em seusempregos e nos empregos de seus amigos, o conteúdo e os seus canais de comunicação (cf. Leeds, 1964a). A maior aproximação

entre_experiência dos .moradores da favela e_ estes grupos  ê  o trabalho femininq_çpmo doméstiça_em suas casas, mas isso representaapenas um pegueno segmento das vidas daquelas categorias (lepessoas, e j^ aquele segmento mais parecido com o àa" própria vidadps jnoradores da favela — cozinhar, comer, lavar pratos, limpar,e assim por diante. 0 que a doméstica aprende disso são “melhores” padrões de vida e não canais de mobilidade ascensional. Oque  é  verbalmente expresso como valor é geralmente o primeiro, enao o último; essencialmente, a “ mobilidade” concebida, para a

maioria, é uma expansão contínua do que eles têm hoje, e nãouma mudança de estado.

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 Alguns moradores da favela sonham em mudar-se para a cidade propriamente dita, onde podem usufruir, como o fazem aspessoas da classe média, do tipo de haKitação e serviços da cidadg-Em alguma medida, isto é_uma rejeição da favela e dos seus co-mo^radores de lá, uma vaga olhada para fora dela e “ para cimar’,mas o conteúdo deste “ para cima” consiste principalmente de adornos externos do que é avaliado como uma posição mais elevadana sociedade. Por outro lado, também se encontra alguma depreciação dos “ granimos” , dos ricos ou, como pessoas altamente sofisticadas, da própria “ classe média” .

O desejo de “ mobilidade, ascensional” tende a existir mais emesferas particulares. Um desejo comum é o de subir na hierarquiade cargos políticos, sendo o valor subjacente o da mobilidade para

posições de poder pessoal e influência e, talvez de alguns amigos e   coortes, mas não o de mobilidade a uma classe, nível de status ou estrato diferente. É basicamente um desejo de mobilidade aolongo de uma cadeia de posições que é vista, desejada e valorizada. Qxitra aspiração é_a_ de treinamento profissional como médico, advogado .ou. talvez _çom menor freqüência, como engenheiro.Tais ambições não se dão tanto em termos de classe ou coisa semelhante, mas em termos de uma posição, seu prestígio, o trabalho  que pode ser feito naquele tipo de profissão, o serviço que pode

ser prestado a sua própria gente, por exemplo, os moradores dafavela.

Essas aspirações, são, sem dúvida, valores altamente urbanos.São ca_da_yez mais realizáveis, nem tanto porque haja mais posições, abertas, ou porque as facilidades educacionais tenham aumentado oú sido democratizadas, mas antes porque ..a discriminaçãocontra os moradores da favela diminuiu e porque os moradores da favela evoluíram, encontrando mais formas de contornar as barreiras...

Os moradores da favela têm um forte valor positivo pela organização em si, apesar dos lugares-comuns de que os brasileirosnão gostam de organização, preferindo relações individual-persona-lizadas, e de que eles não se organizam bem. O valor de organização parece refletido, ao menos de modo teórico, formalista, na<preocupação com a lei, com o  estatuto  e o regulamento,  com o procedimento. Numa favela, assim que uma associação se constituía,preocupava-se muito com que o instrumental fosse adequado àscondições específicas da favela em questão, de modo a que os ca

nais organizacionais formais estivessem presentes e fossem apro-priados às condições de vida reais.

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126  A S oc io l og ia r>ó   B r a s i l U r b a n o

Há, além disso alguns interesses que são servidos pela organização, especialmente por organizações voluntárias. Assim, o fu

tebol, uma preocupação central de todos os brasileiros, gera muitaorganização na favela. Uma favela do tamanho de Tuiuti tem trioou quatro clubes de futebol, cada um com seu equipamento próprio, seu uniforme único, geralmente cora uma sede, e com seucalendário de jogos com times da mesma ou de outras favelas,ou externos. Alguns dos clubes pertencem a federações de clubes.Os membros são orgulhosos, não apenas do seu futebol, ma3 dapróprio qualidade de organização e direção.

O samba é um interesse tão difundido como o futebol c tem

uma gama e uma complexidade de organização que provavelmenteexcedem em muito às do futebol. Moroceo relata isto (1966; cf.Cate, 1962, 1963, 1964). Os interesses no samba tornaram-se formalizados em  escolas de samba, blocos  e cordões, bem como emclubes sociais,  festas  e assim por diante. As _egcolas_e blocos estãocomplexamente ligados a importantes indústrias têxteis, de cervejae de bebidas não alcóolicas, ao amplo negócio do jogo do bicho, aocomércio "turístico, ao Departamento de Turismo do Governo estadual, inêsmo a instituições de bem-estar social e escolas estaduais e

privadas, possivelmente também a rodas de prostituição, interessesimobiliários e cultos afro-brasileiros. Para compreender as ramificações dos grupos de samba, é preciso ter assistido às inúmerasreuniões da diretoria de uma  escola de samba,  observado as brigasinternas pelo poder, observado os coups d’état  que ocorrem, aprendido as trapaças, observado a organização dos ensaios, o desfileaiiual e as festas. É preciso ter, observado a escola desamba representada na Federação^ de Escolas de_ Samba e na suposta confederação, bem como suas manobras com os representantes do Estado. É preciso ter visto o súbito aparecimento e saída de candidatos, deputados, funcionários estatais (corno Lutero Vargas, filhode Getúlio, no Jacarezinho e na Mangueira, e o Governador Ne*grão de Lima e a secretária da Secretaria de Serviços Sociais doEstado da Guanabara, Hortência Abranches, também na Mangueira) em ensaios, cerimônias e festas das escolas de samba.

tíãcT é  apenas o samba e a sua execução propriamente ditaque são _vflknâzfldos, jnas _a própria organização é, ao menos verbalmente, concebida como uma coisa boa, algo que trará benefícios à favela eomo um todo, que da (através do samba,  é  verdade)uma orientação moral para a juventude, fornece um lugar adequado para recreação, um ambiente familiar. Que isso não corresponda exatamente à realidade  é_  outra coisa. Estes são_ os valores abertamente expressos. Mesmo para interesses ocultos, tais como su

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borno e carreirismo político, a organização em si mesma é umacoisa boa,

 A organização pode ajudar a dar moralidade — o que  é  en

fatizado ainda mais marcadamente entre as fortes seitas protestantes nas favelas — , ajuda a dar segurança, ajuda a fornecer canaispara uma variedade de fins. Uma das mais severas críticas que-pode ser feita à favela é “falta união aqui”m

Toda a preocupação com a organização e tanto o valor comoo conteúdo factual da organização nas favelas do Rio nos impressionam por serem eminentemente urbanos e diretamente contraditórios em relação ao quadro que se faz das favelas como organizadas, quase que exclusivamente, na base de laços familiares (Bo-

nilla, Pearse,  et al) e por serem marcadamente diferentes doquadro dos callejones  no Peru (ver Patch) e das vecindades  noMéxico (ver Lewis) a nós fornecido. Deve ser notado, a propósito, que as escolas de samba, que datam de 40 ou 50 anos em suaforma atual e que foram precedidas por outras formas de gruposde carnaval, estiveram, até recentemente, quase que totalmenteassociadas às favelas. É apenas com a evolução das próprias favelas e de seus arredores urbanos que algumas das escolas se mudaram para as fronteiras das favelas e então, algumas, para a ci

dade propriamente dita. Outras foram fundadas mais recentemente fora das favelas, mas retiram basicamente da favela o seu pessoal, como por exemplo o bloco Cacique de Ramos.

Outro conjunto de valores claramente orientados no sentidourbano refere-se às possibilidades culturais mais amplas da cidade*F.m geral, ter muitas coisas para fazer é uma boa situação (cf.Morris, 1956; Leeds, 1957). O movimento  da cidade pequena eespecialmente da cidade compreende cinemas, clubes, todos os tiposde recreação; na maioria das cidades mais importantes, praias,

 jogos de futebol, programas religiosos, circos, até teatro para alguns. Dentre as muitas coisas a fazer e entre as possibilidades culturais mais amplas, podem ser incluídos também o rádio com suamiríade de programas, a TV, os vários jornais e revistas, materiais,de leitura, os vários tipos de treinamento mencionados anteriormente, mesmo o aprendizado de línguas, especialmente o inglês.Talvez uma expressão característica desse conjunto de valores seja'a festa particular dada na casa de alguém por um jovem paraoutros jovens. Bebidas alcóolicas, — vodca, rum, cachaça, mesmo»

o scotch  nacional — e nao-alcóoücas sao servidas e a festa prossegue até o amanhecer. As pessoas vestem-se na última moda da?minissaia, do tomara que caia e tipos de decotes familiares atra-

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■ ves de programas da TV assistidos nos aparelhos que possuem, ouvistos em revistas de moda que compram (ver Peattie, p. 24*).

Não duvidamos de que, para algumas pessoas, o valor do cr’’me e suas recompensas seja alto. Para alguns, ele  é  visto como

uma alternativa, mais desejável que a luta para encontrar, mantere sobreviver em um trabalho regular na cidade, sob as difíceiscondições de um mercado cheio de vicissitudes e da ausência dequalificação. O crime na cidade é um conjunto complexo de atividades, com seus especialistas, seus trabalhadores treinados c não-treinados, seu pessoal da direção, seus manda-chuvas, seus sistemas de sanção e seu mercado de trabalho. Pouco conhecemos docrime no Rio, exceto de entrevistas com muitos “ trapaceiros” e comamigos de criminosos25.

Um destes, o carioca Emílio, era, a seu modo calmo, uma força da ordem e organização em Tuiuti. Ele queria que a favelafosse bem organizada e funcionasse bem. Estava sempre muitopreocupado com o samba e o bem-estar organizacional do GrêmioRecreativo Escola de Samba Paraíso de Tuiuti. Além desses interesses, mantinha um jogo de cartas e era, indubitavelmente, traficante de maconha. Para ele, essas atividades eram legítimas —havia consumidores e participantes interessados, nada, suspeitamos,que fosse visto como mais ou menos moral que as outras atividades

do mundo de negócios. Ele sabia é claro, que a sociedade definiatais atividades — e, certamente, matar um homem — como crimes, e conhecia os tribunais, o código penal e o decreto 59 relativo à vadiagem (aplicável se alguém não está com sua carteirade identidade). Mas isso era exterior a ele e ao mundo que eleamava e valorizava: seu jogo de cartas, seu negócio de maconha, amaconha, a defesa — até a morte (e houve mortes enquanto vivemos lá ) — daqueles interesses, sua família, amigos e vizinhos.O conteúdo de seus valores e o seu conhecimento nos impressio

navam como essencialmente urbanos.Finalmente, um valor que permeia a favela é a liberdade —liberdade tanto de como para. Os moradores da favela estão bastante conscientes das restrições sociais da sociedade burguesa e burocrática exterior à favela — eles a vêem no vestuário, aparência,formalidades de endereço, linguagem, poses e assim por diante — ,uma infinidade de indícios que identificam os outros, os estra

25 Provavelmente, Cristina Schweter, uma assistente Social da Escola deServiço Social da Universidade Católica do Rio, conhece como ninguém

o crime nas favelas. Ela contactou algumas  gangs  de diferentes especializações e seus líderes, alguns dos quais ela chegou a conhecer bem. Commuitos deles, teve repelidas entrevistas, cujo conteúdo básico ela noscomunicou. Somos muito gratos por esta informação.

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nhos, as “ classes” (cf. Leeds, 1964a). A favela propicia um refúgio da retórica e do vazio, das formalidades e coações das pouco

compreendidas “ classe média'* e “ elites” , lá embaixo. Este refúgioreforça a ausência de desejo de mobilidade ascendente para status de classe “média” ou “ superior” , embora não das vantagens mate*riais a eles ligados.

Os valores relativos à liberdade das restrições da classe “ média” aparecem em muitos contextos. Um dia, quando já morávamos no Tuiuti há algum tempo, fomos chamados a um pequenobar por pessoas que nao conhecíamos, embora elas depois se tornassem nossos melhores amigos em Tuiuti. Quase que imediata

mente a conversa se voltou para a  gíria. “ 0 senhor conhece anossa gíria?” Não, eu não conhecia. Seguiu-se meia hora de instrução sobre termos da gíria da favela. Perguntei se eles usavamestas palavras lã embaixo. Maria Àntônia disse que não. Perguntei por quê. Ela disse: “ Por vexame!” Ela não queria dizer queeles ficariam embaraçados, mas antes que esta linguagem nao temlugar lá e que eles também, conseqüentemente, não teriam lugar“ lá embaixo” . A linguagem da gíria da favela é uma impropriedade para a maçante e apática classe média que define aquelesque a utilizam como brutos, assassinos, ladrões, maconheiros, malandro,s.

No morro, eles sao livres para usar essa linguagem rica, engraçada, irônica, alusiva e totalmente incompreensível para estranhos. Com ela, eles podem gozar o sistema que traz tantas  encrencas  e privações. Alguma coisa aparece vez por outra nos sambasque os moradores das favelas escrevem (baseados, observe-se, emem temas pesquisados em bibliotecas!) e que o resto da cidade escuta e dança. Eles gostam da linguagem, gostam de usá-la, e podem apreciá-la como observadores da linguagem, com sofisticação.

No morro, há também liberdade muito grande para escolhere manter relações com muito menos atenção para as formalidades. Para muitos, o ato legal do casamento não é tao terrivelmenteimportante, especialmente se a pessoa experimentou um casamento e achou-o desejável. A liberdade para casar-se na “ igreja verde”   (ou seja, estabelecer um casamento consuetudinário), a luade mel no “hotel das estrelas” (isto é, na rua) estabelecer ou ao

menos tentar uma vida decente sem os cuidados e requintes — ecustos e dificuldades — das bodas e casamentos formais são definitivamente valorizados. Valorizados como humanos numa sociedade que ainda não tem o divórcio. Em geral, sentimos que osmoradores da favela vêem e valorizam uma grande liberdade paraestabelecer relações e liberdade na qualidade daquelas relações —

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abortas, diretas, não instrumentais — mais do que vêem nas re»lações externas à favela.

 A preocupação predominante com a liberdade, com a escolhadas relações, em contornar as obrigações tradicionais, em encontrar situações estruturais e enclaves sociais onde se pode gozar detal liberdade nos soa como a essência da vida urbana.

Para concluir, citamos uma canção cantada por várias meninas que pulavam corda em Tuiuti, um dia depois das eleições paragovernador de 1966. A Situação -— que havia extinto favelas emandado seus moradores para fora da cidade, nas Vilas da Aliança para o Progresso, longe dos mercados de trabalho, das facili

dades e pouco custo em transporte e tempo de acesso à cidade ■—havia colocado Flexa Ribeiro como candidato. Ele era contraparen-te* de Carlos Lacerda, o então governador do Estado da Guanabara, líder da Situação no Estado e participante proeminente domovimento militar de 1964, que trouxe para o poder o impopulargoverno de Castelo Branco e suas políticas economicamente devastadoras. Negrão de Lima era seu opositor. Negrão, ex-embaixadorem Portugal, prefeito anterior do Distrito Federal, depois Guanabara, foi favorecido pelos moradores da favela porque ele era opo-

siçao, embora esperassem pouco dele, conhecendo seu palavreado.O verso indica a acuidade política daquelas meninas — a gozação,;um pouco do uso da linguagem, a liberdade de opinião no morrode Tuiuti.

 Lacerda morreu  Precisa de um caixão  Flexa tá de luto  Negrão é campeão

Comentários Informais do AutorO  problema tratado no nosso trabalho é, na verdade, parte de

um muito maior, a compreensão da sociedade totàI“no‘ Brasil. Meuprimeiro campo de estudo foi uma  plantation>  uma área de latifúndio da zona monocultora no Sul da Bahia; o segundo estudoenvolveu o trabalho em uma série de cidades, o estudo de elites,e o terceiro foi nas áreas da classe trabalhadora urbana. Em outraspalavras, trabalhei em vários setores da sociedade tentando obter

diferentes perspectivas da estrutura institucional total, escolhendovários pontos do sistema^total. “ — —

* A fílha de Flexa Ribeiro é casada com um dos filhos de Carlos Lacerda. (N . da R .)

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® que tento fazer nos comentários que se seguem é dizer al-fuma fioisa sobre o quadro geral que empreguei, que  é  tambémnáef&ie^àra a questão da relação entre as áreàs agrícolas e ur-

h&m&  S(L$jaç;ente a muito do meü pensámento neste tópico estáde que as distinções geralmente feitas entre os• sfifnrw, e urbanos da sociedade sao errôneas.m . " Ê m e i -ê e  mais nada, sugiro que o grande mercado de traba-

É o metrpjpplitapo da cidade é um mercado de trabalho nacional,ítfu seja* Se  configura a partir da política total e por vezes de alémideia A utilizaçao por Andrew Pearse do termo “ vendendo traba

lho à distância” reflete muUo bem o que tenho em mente. Creioque i muito característico das cidades o fato do que, na verdade,

èlas séjam mercado de trabalho ao menos para todo um segmentodo estado, ou de todo o próprio estado; a migração internacionalestã associada ao fato de sereni elas mercados de trabalho paraáreas ainda maiores.

Meu segundo ponto é <pie, quanto maior a massa absoluta dacidade e quanto maior a massa relativa da cidade no estado, maior

 ê  a penetração da cidade em áreas nao-urbanas como um locus de mercado de trabalho. Em outras palavras, quanto maiores as cidades, maior será a penetração externa em áreas não urbanas, quePearse descreve neste volume em sua dupla análise da penetração— institucional e econômica — comercial.

Terceiro: sugiro que a massa da cidade ou das cidades  ê   proporcional ao número de especializações nas operações tecnológicas,sociais e econômicas da sociedade como um todo. Quanto maior onúmero de especializações, maior a densidade e o tamanho, das cidades. Isto  é  visto a partir da perspectiva evolutiva geral para aqual tendem os antropólogos. 0 aumento na densidade e no tamanho da cidade e de suas especializações gira em torno de uma se-leçao evolutiva, a longo prazo, de comunicações e operações efeti

vas ou minimizadoras de custos no sentido mais amplo possível.O que introduzo aqui é um princípio eficiente que compreende aefetividade dà comunicação entre os vários tipos de especializações— técnica, social e econômica.

Em termos da efetividade de reunir essas coisas, o custo totaldecrescerá se as unidades de especialização estiverem concentradas num único lugar. A cidade pode ser vista, socialmente, comoo ponto de interação mais denso entre especialistas que devem,pela natureza da especialização, estar em constante contato. A no

ção de um especialista implica a idéia de outro especialista e dainteração entre eles. A cidade é também, tecnologicamente, o pontode coordenação mais denso de instrumentos, tarefas e recursos es-

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peeializados que devem estar numa contiguidade imediata entresi. Economicamente, a cidade é o ponto mais denso de transação «ntre especialistas. Na verdade, evidentemente, a cidade compreende a interação de todas essas especializações, de modo que háinterações sociais, tecnológicas e econômicas ocorrendo ao mesmotempo.

Minha tese é de que elas são mais efetivamente valorizadasno menor espaço possível; em geral, este, então, é um argumentoque se refere ao que se pode chamar de intensividade espacial deatividade. A cidade, ecologicamente e em termos de localização,encontra-se em algum ponto geograficamente muito adequado acertos conjuntos ou a um conjunto preeminente de especializações.

Por exemplo, com a substituição do transporte por terra pelo transporte por mar, um porto se desenvolve, com um conjunto de especializações girando em tomo de atividades de navegação e processamento, e com as especializações econômicas e sociais correspondentes ligadas a elas, possivelmente com o serviço de recursosde embarque e outras atividades comerciais a ele vinculadas.

Então, há o ponto (mais ou menos óbvio, mas que é útil colocar) de que o aparato físico de todas essas especializações — osedifícios, sistemas de transportes e instrumentos importantes •—

são os elementos visualmente marcantes que prontamente reconhecemos como uma cidade, e por vezes mesmo definimos comouma cidade, erroneamente, creio, porque são apenas propriedadesfísicas e não as meras características essenciais “ do que é ” umacidade.

Em suma, uma importante característica da sociedade emgeral e a de que ela é feita de especializações. Através de processos evolutivos, mais e mais especializações se desenvolvem e, conseqüentemente, há mais e mais concentrações de especializações demodo espacial-intensivo. Quanto mais especializações existem, maiora concentração espacial-intensiva, maior a massa e maior a penetração em áreas não espacial-intensivas.

 Volto-me agora para as áreas que sao espacial-extensivas.Existem poucas especializações importantes, no interior da gamatotal de especializações culturais, que não podem, sob qualquertecnologia atualmente conhecida, ser limitadas a áreas pequenasnem localizadas tendo como referência os determinantes ecológicos de localização urbana. Há basicamente três delas — agricultura, mineração e pesca. Sob as atuais condições, elas são necessariamente espacial-extensivas. Todavia, eu argumentaria queas transações mais importantes que envolvem essas atividades nãoestão nas áreas físicas de especialização, nas áreas rurais e agrá-

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rias, mas nas cidades. A maioria das decisões políticas e as instituições de coordenação mais importantes da agricultura estãoconcentradas nas cidades; tais instituições são urbanas (assumindo momentaneamente que a dicotomia rural-urbano tenha algum

valor) e de forma alguma instituições propriamente rurais.Segue-se que os traços essenciais — os controles, as decisões,as políticas básicas, as instituições monetárias centrais, o sistemade créditos e mercados para a produção agrícola — devem serbuscados nas cidades, e nao nas áreas de especialização espacial-ex-tensivas. Esta última não pode ser entendida sem uma rigorosadescrição da primeira. Isto é, nunca se compreenderá plenamenteum sistema agrícola se não se observar o que está ocorrendo comrelação àquele sistema nas áreas de coordenação que sao as cidades. Mesmo o sistema de posse da terra não pode ser plenamen

te entendido sem referência às transações fundamentais e de controle nas cidades.

 Através da evolução do tempo, torna-se “ útil“ desenvolverinstituições de coordenação a que chamamos “ governo” e “ administração” . Mesmo entre estas, há elevados níveis de instituiçõesde coordenação, a que chamamos “ governo” e “ administração” .Ora, estes órgãos de coordenação central estão também refletidosnas estruturas da cidade, de modo que encontramos, por exemplo,cidades administrativas que podem estar ou não ligadas ao siste

ma de transação total da sociedade. Por exemplo, Brasília é umacidade muito peculiar no sentido de que as especializações administrativas e de coordenação estão mais ou menos separadas doresto das especializações da sociedade. Lá não existe praticamentenem uma indústria e nenhum comércio, exceto pequenos negócios e lojas para consumo. Camberra é outro exemplo, e Washington, DC, um terceiro. Novamente, sem a compreensão de ondee como as funções administrativas se concentram, é impossível,dar uma explicação coerente da situação da agricultura em qual

quer época ou espaço particular. Assim, em vez de ver a agricultura como um setor separado, idéia que nosTói- fõrmilmènlê impingida pela dicotomia entreSociologia Rural e Sociologia Urbana (embora tenha mudado consideravelmente nos últimos anos), vejo uma única estrutura na.qual a agricultura é simplesmente outro elemento do sistema to-í/ tal de especializações da sociedade. Conforme a sociedade se torna jmãis urbanizada a agricultura também se torna mais urbanizada^1Creio que é correto falar de agricultura urbanizada, por exemplo,com relação à agricultura americana, na medida em que instituições tais como o Departamento de Agricultura e todas as institui

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çÕes importantes do governo nacional, as universidades, mercadose outras instituições centradas na cidade penetram no campo.

Resumindo, creio que toda a noçao de “urbano” foi historicamente jconcçfcida. basicamente, em termos do aparato físico da

cidade, mais do que da estrutura institucional da sociedade. Par.rece mais próximo da_verdade dizer que muitos subsistemas especializados de uma sociedade nao são nem urbanos nem, rurais.,mas societais, e que conforme a sociedade se urbaniza, o mesmoacontece com os subsistemas.

 Bibliografia

Nota: 37.° iç a   refere-se a um grupo de trabalhos lidos em um sim

pósio sobre Antropologia Urbana no 37.° Congresso Internacional de Americanistas, Setembro, 1966, em Mar del Plata,

 Argentina. Estes trabalhos, mais o de Modesto, seráo publicados sob a direção de A. Leeds, pelo Instituto de Estudos Latinos Americanos, Universidade do Texas.

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V

Tipos de Moradia, Arranjos de Vida, Proletarização,e a Estrutura Social da Cidade 1

 A n t h o n y   L e e d s

Conforme se examina a literatura de várias disciplinas sobreas cidades* observa-se que elas tendem a ser concebidas, como na

arquitetura ou no planejamento urbano, como entidades físicas eaparatos (edifícios, espaços abertos, sistemas de esgoto, redes decomunicação, etc.) ou, nas ciências sociais, como o pano de fundodiante do qual várias categorias de interesse para as respectivasdisciplinas (parentesco, migração, comportamento político, vidaassociativa, etc.) devem ser observadas, ou ainda, nas disciplinasestéticas, como expressões na forma e no desenho de tendênciasideológicas maiores de uma sociedade.

Minha própria visao orientou-se de modo crescente no sen

tido de ver aquilo que chamamos de “ uma cidade” , a localidademais ou menos discretamente delimitada, pequena ou grande,como uma combinação de estruturas sócio-político-econômicas e doaparato físico (acima citado) utilizado no seu funcionamento. Oaparato físico reflete a ordem social e ideológica, se bem que sempre de modo lento, porque sua mera concretização física se prestaà perpetuação, enquanto a ordem social está mudando a sua volta.Conseqüentemente, o interesse primordial no estudo das cidades,exceto talvez paxa a estética, é não tanto o aparato físico, mas a es

trutura social da cidade e a estrutura societal que, como um todo,lhe é subjacente.

1 Publicado originalmente in Lotin America Vrban Research, vol. IV,1974, Wayne Cornelius e Felicity Tineblood, orgs.

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M o r a d i a , A  r r a n j o s   d e   V id a , P r o l e t a r i z a ç ã o   145

Um tema deste trabalho, então,  é  mostrar, ao menos para alguns casos, que o aparato físico é, num grau abrangente, um reflexo ou cristalização da ordem societal e de seu subsistema cida

de. Um segundo tema é seguir que as ordens societais de sociedades construídas de acordo com o capitalismo e suas manifestações sócio-estruturais nas cidades envolvem necessariamente aproletarização, embora a proletarização seja, em si mesma, um processo dual por ser amplamente um resultado da luta pela auto-manutençao das elites da(s) classe(s) capitalista(s) e da competição capitalista pela propriedade privada como meios de auto-en-grandecimento pessoal e de controle social. Algumas conseqüên

cias secundárias desse processo total serão enfatizadas no decorrerda discussão.

Um terceiro tema é sugerir, como conseqüência do argumento precedente, que as políticas e planos para cidades criados porseus próprios órgãos políticos ou por aqueles de nível mais elevado são necessariamente não-efetivos, irrelevantes, ou mesmo desastrosos, e que o planejamento urbano pode, na melhor das hipóteses, ter apenas uma eficácia muito limitada se, por um lado, nãolida explicitamente com as estruturas sociais globais da cidade naprimeira linha de ataque, e, por outro, com as condições nacional-societais que afetam o sistema da cidade, como pressões, restriçõese exigências.

 Volto-me, primeiramente, para alguns aspectos físicos, especialmente a habitação, do Rio de Janeiro e outras cidades, e, então, para alguns dos aspectos sócio-estruturais envolvidos na moradia e sua localização diferencial na cidade.

 A Especialização da Moradia no Rio

Uma das coisas marcantes no Rio, da mesma forma que emgrande número de cidades da América Latina, como Lima, Caracas, Bogotá, e Santiago,2 é a especialização dos tipos de moradia.

Para a maioria dos leitores, os tipos familiares compreendemas “ melhores áreas residenciais” , os bairros sabidamente de “ clas

2 Estas estão citadas na ordem da minha intimidade de conhecimento,

seja em virtude do trabalho de campo, ou da revisão intensiva da literatura. Também visitei algumas outras cidades como Salvador, San Juan,Ciudad Guyana, Bela Horizonte, São Paulo, Curitiba, Recife, o suficientepara ter um quadro mais ou menos detalhado, embora algo superficial,de cada uma.

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146  A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

se média e média-alta” de Copacabana, Flamengo, e algumas outras partes da Zona Sul do Rio, à margem do Atlântico, bem comoa Tijuca c o Grajaú, na Zona Norte; e as “favelas” ou áreas inva

didas por posseiros.3 Diferenciações paralelas devem ser encontradas em cada uma das cidades acima mencionadas, embora repousem em categorias e terminologias de folk que variam de lugarpara lugar,

 A favela no Brasil e, mais geralmente, as áreas invadidaspor posseiros em qualquer lugar do inundo são mencionadas comornn “problema” de modo análogo aos “ problemas” dos “ guetosurbanos” das áreas pobres, dos “ imigrantes rurais” , da “ margi-nalização” , das minorias étnicas, e da “cultura da pobreza” , tão

freqüentemente encontrados nas mentes e falas dos povos em questão por todo o mundo. Essencialmente, tudo isso se refere a aspectos diferentes do mesmo problema — a proletarização discutida neste trabalho.

 As favelas são concebidas como um problema •— como o foram as bairiadas  de Lima, os arrabales  de San Juan, os ranchos ou barrios  de Caracas, as callampas  de Santiago, as villas misérias de Buenos Aires, etc. — porque, presume-se, suas populações se

constituem, num dos extremos do mal, de assassinos, ladrões, assaltantes, maconheiros e viciados em drogas; em um outro extremo do mal, de comunistas e outros tipos de ameaças em termospolíticos e sociais; num terceiro e mais brando extremo, de pobresignorantes, não-educados, mal-adaptados, imigrantes rurais caipiras; ou, no melhor dos extremos, de seres humanos razoáveis, mastristes e pobres, morando em cabanas, criando promiscuidade umcâncer social e urbanístico na cidade.4

Mostrei alhures5 que quase todas estas concepções são falsasou distorções drásticas das realidades, mas quero realmente  enfatizar que as favelas, “shanty-towns”, “ áreas invadidas” , áreas urbanas de moradia não autorizada, chamem-nas como quiserem, sãogeralmente a forma visível  mais marcante de moradia a ser observada.

3 Cada um dos termos locais está grafado em itálico em sua primeirautilização; se usado mais vezes no trabalho, é tratado subseqüentementecomo uma palavra comum. Definição e discussão extensivas sobre favelaspodem ser encontradas em Leeds (9 69 ), e não serão repetidos aqui.4 Para documentação de tais visões, ver Leeds e Leeds (1972), especialmente os apêndices.5 lbid,,  também em Leeds (1969, 1970 — com E. Leeds — , 1971, 1873b).

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M o r a d i a , A r r a n j o s   d e   V id a , Pr o l e t a r i z a ç ã o   147

Não tão visível e geralmente visualmente difícil de ser descoberta e distinguida é uma série de outros tipos de construção debaixa renda ou de bairros residenciais que permanecem — como senão existissem — quase que totalmente nao-descritos, não apenasna literatura relativa ao Rio, mas naquela relativa a outras cidadeslatino-americanas, onde habitações equivalentes existem.6

Em primeiro lugar, dentre estes tipos de moradia, comprcepden-do cerca de um quarto a meio milhão de pessoas, ou por volta de5% da população do Rio e uma percentagem muito maior em Lima,estão as casas de cômodos  ou cabeças de porco, no Brasil, e casas subdivididas, em Lima. Estes termos referem-se a uma única cons

trução grande, de vinte, oitenta, ou mesmo cem apartamento deum ou dois quartos. São geralmente ocupados por lares compostosde famílias nucleares, subnucleares ou levemente nuclear-extensas* eraramente por indivíduos ou pelo que no Rio se chamam “ repúblicas” — grupos de pessoas solteiras do mesmo sexo dividindo o aluguel ou todas as despesas do lar. A maior parte deste tipo de construção, no Rio, originou-se no século passado, mas algumas se transformaram a partir de outros tipos de construção ou ampliaram-se várias vezes neste século até o presente. Sao construções destinadas

quer originalmente, quer em sua conversão, a habitação de rendamuito baixa, especialmente para explorar pessoas ou grupos de pessoas que precisam estar próximas do mercado de trabalho, mas nãopodem pagar por outros tipos de acomodação, ou não tinham, comose argumentará abaixo, capital para acomodações em áreas invadidas, e, deste modo, eram forçadas a pagar aluguel. Seja no Rio,lJma ou alhures, essas casas apenas recentemente começaram a serestudadas, de modo que não sabemos praticamente nada a seu res

peito, embora a impressão indique que internamente têm algunsIraços comunitários.7Um segundo tipo de construção no Rio, talvez constituindo ou

tros 5% , é a chamada avenida  ou vila, com vários adjetivos qualificativos tais como  proletária, de lavadeiras, etc.8 Em Lima, o equiva

6 Ver Lewis (1959 e outros); Patch (1961); Selmen (1971); Azevedo(cerca de 1891); Ecksteín (1972); Banco Obrero (1959).7 Isto parece claro a partir de alguns escritos de Oscar Lewis — porexemplo, Lewis (1969).8 Um tipo relacionado a este é o cortiço,  hoje quase extinto, discutidomais adiante no texto. Outro ainda encontrado tanto no Rio, como emLima, é a quinta,  casas muito pequenas ou grandes apartamentos ligadosem torno de um jardim ou pátio central.

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I

lente é o callejón;  no México, a vecindad;9 no Chile, o conventillo; em Santo Antonio, o corrál  (e em Midlands da Inglaterra, ondetalvez se originou, o “ back-lo-back''), etc. Consiste numa série hori

zontal de unidades de um ou dois quartos alugáveis, servidos todospor três ou quatro banheiros e um número semelhante de bicas etanques de lavar. Há o que deve ser uma área comum — o pátiocentral, alongado, e as entradas. No Rio, esse tipo é quase que totalmente não estudado, e falta informação acerca dos poucos estudos,tais como o de Patch para Lima e o de Lewis para a cidade do México, uo que se refere a aspectos como a área de uso comum, distribuição interna, e assim por diante.10 No Rio, a mais antiga variante conhecida, chamada de cortiços, herança do século passado, tinha uma

proporção bastante elevada de ocupantes solteiros em muitos dosapartamentos, especialmente no segundo andar. O tamanho médiodas famílias  é  de 3 pessoas, em contraste com 4,6-4,7% das favelas,e um tamanho quase sinjilar para as casas de cômodo.11 Aqui, comonas casas de cômodos, pagam-se aluguéis.

Um terceiro tipo no Rio  é o parque pro letário, ou, no Chile eem outros países, a vila de emergência   — habitação governamentaltemporária (com maior freqüência “ temporária” ), cujo objetivo  é  

proporcionar tetos e paredes a pessoas sem abrigo devido aos renovados ou drásticos acidentes urbanos que ocorrem com as áreasinvadidas, como enchentes e incêndios. Há pouco ou nenhum dado

ô O termo vecindad  significa “ bairro", mas é usado nos trabalhos deLewis referindo-se a muitos tipos diferentes de moradia. Aquele do qualele dá de longe a maior quantidade de dados é o tipo descrito no texto.

 Ver Lewis (1959, 1969).10 Minhas fotografias dos callejones em Lima, e visitas a casas de cômodos e avenidas no Rio, pobremente documentadas em termos fotográfi

cos» indicam muita atividade econômica nesses locais: lojas» casas deconsertos, serviços, pequenas indústrias, como sapateiros e tipógrafos, eassim por diante. Creio que a descrição de Patch (1961) ou foi distorcidaou era de um callejón atípico. As descrições de Lewis tendem a superestimar o dramático, o digno de piedade e compaixão, e subestimar a economia e as estruturas sociais dos lugares que ele descreve, mas mesmo emsuas referências rascunhadas e no material do texto encontram-se indicações de tais economias internas, embora não o bastante para avaliarsua importância qualitativamente.11 Para detalhes sobre as casas de cômodos, ver Salmen (1971); o tamanho médio da unidade familiar para os cortiços foi retirado das estatístU*cas obtidas em um survey  de cortiços feito por dois estudantes do MuseuNacional, Departamento de Antropologia, Rio. Praticamente toda estatística demográfica de favela apresenta os númeroe 4,6 — 4,7. Os dadosdas casas de cômodos foram extraídos de um survey  feito por dois outroiestudantes da Antropolgia do Museu, e de Salmem (1971:156).

148 A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

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paia o Rio referente a este tipo,12 e não sei de nenhum para outrospaíses. Nem mesmo estou certo de que se pague aluguel, embora tenha a impressão de que, oficialmente, o aluguel deve ser pago, mes

mo que, na prática, freqüentemente não o seja. Não vi nenhumaestimativa do número de pessoas nos parques proletários. As unidades habitacionais, como nas favelas, são ocupadas principalmente porgrupos familiares, mas entrar nelas é um problema complexo queenvolve a solicitação a burocratas ou instituições para a cessão deuma unidade habitacional — um procedimento muito mais constrangedor do que entrar para uma favela, embora não se exija cnpi-taL

Um quarto tipo chama-se, no Rio, conjunto, com termos equi

valentes em outros países. Há vários tipos de arranjos habitacionaischamados conjuntos, mas o termo sempre se refere a um estabelecimento multiunitário de algum tipo. Restringi-lo-ei aqui a um únicoedifício de muitos andares ou um conjunto de edifícios compostos demúltiplas unidades alugáveis como as unidades vacinales  de Limaou os famosos (ou infames) superhloques  de Caracas — o equivalente dos altos projetos habitacionais urbanos norte-americanos construídos pelas companhias de seguro. Ao outro sentido do termo con

 junto —- tipo de habitação multiunitária, cada unidade ocupada por

uma única família — voltarei mais adiante (ver vila).Os conjuntos no Rio, Lima, Caracas e outras cidades têm algu

mas características que os tornam particularmente interessantes e,freqüentemente, levam à fusão como categoria para análise, emboraaqui, novamente, exista muito pouca literatura além do estudo financiado pelo Banco Obrero de Venezuela (1959). A primeira  é  que otermo conjunto  é sociologicamente  bastante enganoso, porque o pessoal morador é muito diverso no que se refere a qualquer categoriasociológica padrão, como classe, estrato, grupo étnico, ou salário,

quando se observa o universo dos conjuntos. Os conjuntos, como tal,podem abrigar qualquer tipo de categoria social e o termo  factualmente  nada denota em termos sociológicos. Um estudo dos conjuntosteria que diferenciá-los segundo categorias sociologicamente relevantes. Interessam aos objetivos deste estudo os conjuntos de baixonível dc renda do Rio, espalhados aqui e ali, basicamente na ZonaNorte, industrial, da cidade.

Uma característica importante dos conjuntos habitados por pessoas de baixo nível de renda no Rio e, como eu vejo, em outros lugares, é a sua especialização ocupacional, porque cada um foi construído separadamente por um órgão, sindicato, associação ou outro

12 Caldas de Moura (1969); ela também era estudante de Antropologiado Museu.

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grupo corporativo atendendo a seus membros. Desta forma, há oconjunto dos bancários, dos marinheiros, da Marinha, do iapi (oBoje extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários),

doiapc

(o hoje extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Co-merciários), do Pedregulho ( ftmcionários públicos), e assim por di-,, ante. Assim, por todo o Rio e outras cidades, espalham-se enclaves

ocupacionais residenciais. Este fato ganha significação especial emvista dos salários estabelecidos para a força de trabalho brasileira,que tendem a impor parâmetros bastante claros para a renda familiar ou recursos de capital familiar, dos quais quantias igualmenteestabelecidas são subtraídas através de aluguéis ou amortizações. Emcontraste, não se encontra nem especialização ocupacional, nem umafaixa de renda nas favelas e outros tipos de moradia, um ponto aoqual voltarei adiante. Não existe qualquer estimativa de quantaspessoas vivem nos conjuntos, de um modo geral, menos ainda naqueles de baixo nível de renda. Minha impressão é de que isso  é  daordem de 10% da população do Rio.

Um quinto tipo é constituído por vastas vilas  populares — ouseja, proletários (no Rio chamam-se também conjuntos, mas maiscomumente vilas), resplandecendo em nomes como Vila Aliança,

 Vila Kennedy, Vila Esperança, Cidade de Deus, e*mais recente e

muito ironicamente, Vila Paciência e outras, no Rio; Ciudad Ken-nedy em Bogotá; Caja de Água e Ventanilla em Lima, e assim por(diante. As populações dessas vilas foram removidas de outras partes da cidade por ato do homem ou de Deus — pela remoção dafavela, renovação urbana, enchente, deslizamento de encosta, ououtro desastre. Nessas vilas, as chamadas casas “ embrião” são vendidas aos moradores, selecionados em virtude de sua suposta “ capacidade para pagar” — as taxas calculadas de amortização baseiam-senos custos de construção governamental — mas que são incapazesde obter melhor moradia para substituir aquela que perderam. Assim, os influxos de capital familiar dos moradores têm limites bastante estreitos e além deles, há, aparentemente, os pagamentos» deamortização. Digo “ aparentemente” porque nas vilas do Rio cercade 60 a 80% não o fizeram até o momento. Todas as vilas, ou umtotal de cerca de 250.000 pessoas ou mais, constituem cerca de 5 a7% da população do Rio. Deve-se observar que as principais vilasdo Rio estão a 50, 60 km do centro da cidade e dos principais locais de trabalho, exigindo duas ou três conexões de ônibus ou treme, geralmente, de uma hora e meia, a três horas de viagem de idae volta. Praticamente nenhum mercado de trabalho, qualquer quçseja, desenvolveu-se próximo a elas. Em Lima, a distância, o custoe o cansaço do transporte são bem menos severos, mas ó mercado

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rem uma ocupação “ ilegal” da terra, já que sua ocupação não scbaseia nem na propriedade da terra nem em seu aluguel aos proprietários legais.

Todos os outros critérios freqüentemente usados para distinguir as áreas invadidas dos outros tipos de moradia apenas aplicam-se parcialmente ou não-freqiientemenle. Além da ocupação, elasgeralmente também não são planejadas. Isto  ê  quase que uniformemente o que ocorre no Rio, em São Paulo, e outras cidades brasileiras, embora em Salvador alguns dos alagados  ou invasões de lagos pareçam ter tido um traçado pré-concebido. Os barrios  de Caracas também parecem não planejados. Bogotá as tem tanto plane jadas como não-planejadas. Lima, todavia, é notável pelo númeroe tamanho de barriadas “ ilegais” que foram planejadas antes da in

vasão, e algumas que parecem ter sido “ reguladas” antes de implantação ocorrer.

Devido ao padrão de desenvolvimento de melhorias habitacionais encontrado nelas, é errôneo, seja no Rio, Lima, Caracas ouBogotá, por exemplo, chamar as áreas invadidas de shantytowns,*embora muitas o sejam e outras, que nao o sao primordialmente,tenham vizinhanças que o sejam. Em alguns casos, as áreas invadidas, com o decorrer do tempo, transformam-se em partes regulares da cidade com construção padrão, através de seus próprios moradores.14

Raramente é verdadeiro que suas populações sejam primordialmente migrantes “ verdadeiramente rurais” , apesar de muitaspessoas terem vindo de áreas mais ou menos rurais, ria maioriaatravés de migração gradativa. Não se trata também de populaçõesuniformemente compostas de trabalhadores marginais, lumpen- proletários ou meros proletários mas, antes, tais populações apresentam uma gama de estratificação que alcança até os níveis pro*fissionais, burocráticos e de negócios médios-superiores em algumasdas maiores e mais evoluídas áreas invadidas, como o Jacarezinhò

no Rio e San Martin de Porras (com seus bancos e instituições governamentais em Lima. Não se trata também de comunidades uni~formes e unidas, mesmo naquelas áreas que têm associações de moradores mais estruturadas.

Em suma, embora as áreas invadidas por posseiros compreendem um único tipo de moradia, em virtude de sua origem e da

* O termo shantytcwns  refere-se a áreas urbanas deterioradas, como,por exemplo, áreas onde o tipo de moradia predominante é composto de

cortiços. (N. da R.T.)14 Ver, nesta conexão, Mangin (1963); Turner (1963, 1968, 1969, 1970);Uzzel (1972).

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* A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

testa forma, aproximadamente 70% da população da cidade_jó de Janeiro e uma percentagem comparável em Lima e Cara-nioram em habitações que, com exceção de algumas áreas mais

uídas, sã° quase <Iue exclusivamente proletárias.Quero enfatizar que cada um dos padrões habitacionais aquiiBsqutidog tem um aparato físico característico facilmente reconhe-eível pela vista exercitada. Estes aparatos, mais os aparatos físicosfacilmente reconhecíveis da estrutura de trabalho da indústria, serviços, transportes, etc — ou seja, fábricas, máquinas, ônibus, vagões, e semelhante — e a organização administrativa (edifícios deescritórios públicos, aeroportos, instalações militares, etc.) constituem juntos os adornos físicos da cidade, que lhe sao tão peculiares,

e que, em nosso pensamento, tendem a ser identificados  c compreendidos como a cidade. No que se segue, desvendarei as relaçõessociais que acompanham e que sao subjacentes a estes aparatos esua distribuição espacial.  4

Po ponto de vista da forma urbana e, particularmente, da estrutura social urbana a ser extensamente discutida abaixo, a distribuição “ desordenada” de todos esses tipos de moradias deveria serobservada. Embora, de fato, haja amplos trechos de tugúrios, elessão descontínuos, entremeados nao apenas por favelas, avenidas,

conjuntos de baixo nível de renda, parques proletários, etc, mastambém por conjuntos de nível médio, áreas residenciais de alto nível, áreas de negócios, indústrias e assim por diante. Hoje, há apenas uma área inteiramente de alto nível no Rio — Ipanema-Le-blon, na parte mais nova da Zona Sul — e mesmo ela tinha, até1968-1969, quando remoções em larga escala, foram iniciadas pelogoverno, um número significativo de favelas. A mundialmentefamosa Copacabana — um  playground  internacional de elite e umcentro do comércio chique de boutiques? galerias de arte, modernas

lojas de móveis, e coisas semelhantes — mesmo depois das remoções iniciadas em 1968, permanece uma área de tipos de moradiadiversificados, incluindo duas importantes favelas, dois ou três edifícios de apartamentos conjugados de má reputação,16 prédios su

fi?1 Estes são conhecidos no Rio com o Jks. Trata-se de um trocadilho:JK. são as iniciais de Juscelino Kubitschek, que estava tentando construiro Brasil às pressas com resultados por vezes grandiosos, mas pouco sólidos; também significam “Janela  e Kitchinette ’*, expressão que descreveironicamente o tamanho e vantagens dos apartamentos. O mais famoso(ou mal-afamado) é conhecido como Barata Ribeira, 200 — o endereço

de um edifício que abriga muitas centenas de tais apartamentos, comextrema densidade de ocupação, um constante fluxo de prostitutas, alcoviteiros, “ cabeleireiras” , jogadores, e policiais à procura cie um ououtro. O lugar estava sob vigilância constante da polícia. Os dados pro*

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perlotados, edifícios palacianos, e assim por diante, todos entremeados. Botafogo, próximo a Copacabana, mas na Baía de Guanabara,adentrando pelo Pão de Açúcar, montanha que a separa do Atlânti

co, que tem igualmente áreas de elite, intercaladas com favelas remanescentes, algumas surpreendentes casas de cômodos, avenidas,uma variedade de habitações de baixa renda, alguns conjuntos ecoisas semelhantes. A próxima subdivisão da cidade, Flamengo, éainda mais dispersa, tendo algumas das mais notáveis avenidas, favelas, conjuntos, habitação de “ classe média” e rica. Entre essebairro e a Zona Norte estão duas importantes áreas e o maciço montanhoso central — o centro bancário e de administração pública dacidade c do Estado da Guanabara (e, em parte, do Brasil), e a

montanhosa área residencial quase que exclusivamente de classealta de Santa Teresa, que abriga, num de seus extremos duas grandes favelas, no outro, duas ou três pequenas, e em cujas encostasmais baixas situa-se uma selvagem variedade de casas uni ou multi-unitárias, tanto legais como ilegais em sua ocupação da terra epadrões de construção.

 A Zona Norte é a principal região industrial e artesanal da cidade, mas possui também duas importantes áreas residenciais doestrato superior, circundadas por e contendo favelas, e fazendo fronteira com conjuntos, subúrbios, avenidas. Para o Norte e o Leste,não se encontra nada além de habitações de nível médio, mas mesmo estas são totalmente entremeadas por uma extraordinária coleção de parques proletários e habitações de emergência, favelas dosmais variados tipos, conjuntos, vilas construídas anos atrás pelaFundação da Casa Popular, avenidas, favelas de quintal, instalações industriais, pequenas e grandes, lotes agrícolas, e assim indefinidamente.

Dei tantos detalhes para transmitir ao leitor o caráter caleidoscópico da cidade do ponto de vista não apenas dos tipos de moradia, mas também de características sociais, como renda, classe emesmo etnia (não importante no Rio, embora mais em Lima), proveniência, ocupação, que estão ligadas e são subjacentes a elas. 0aspecto caleidoscópico  ê  claramente visível em fotografias aéreas etiradas do alto dos morros, mas não é facilmente reconhecível pelosnão iniciados como socialmente  caleidoscópico, em termos da distribuição de pessoal no  espaço  segundo características sociológicas.

 Voltarei ao que significa esta dispersão caleidoscópica e desconti-nuidade em termos da organização social da cidade no último capí

tulo.

vêm de um estudo realizado por dois estundantes de Antropologia do MuseuNacional, 1969,

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Lima é menos multifacetada, mas também apresenta considerável dispersão. Por exemplo, em Miraflores, sempre pensada comouma das áreas residenciais e de centros recreativos de elite por ex

celência, há ao menos uma barriada e muitos corralones consideráveis, bem como alguns callejones. La Victoria, área em grandeparte de média-baixa para média, é iun bom rebuliço de projetoshabitacionais, pequenas barríadas, callejones, corralones, casas subdivididas e semelhante. Rimac  é  ainda mais complexa, incluindoalgumas habitações de sólida classe média, grande número de calle

 jones, algumas grandes barriadas (hoje chamadas  pueblos jóvenes)solares, casas de cômodos, corralones, unidades vecinales, instalações militares, as praças de touros da cidade, jardins públicos, etc.

 A única área uniformemente superior é San Isidro.

 Arranjos de Vida Alternativos

Começando com certos modelos a partir dos quais a situaçãode campo foi abordada, foi apenas através de dolorosos passos, ampliando e modificando o modelo, forçado pelos próprios dados docampo — por vezes provocado por grandes dificuldades, por vezesacertando quase que por acidente — que se descobriu finalmente

uma ordem que articula todos os tipos de moradia acima discutidos.17Talvez os dados de campo mais significativos a este respeito

sejam aqueles relativos à circulação de pessoas entre os tipos demoradia, as razões de sua escolha, a estrutura das situações nas quaisas decisões de mudança sao tomadas e as restrições à sua mudança.Dado o fato de que os dados para muitos tipos de casos ainda estãoapenas esboçados, posso apenas delinear as conclusões e fornecertentativas de hipóteses.

Em essência, cada tipo de moradia compreende arranjos característicos de vida, eujos elementos foram identificados acima de passagem. Envolvem números e proporções variáveis de algumas formas características de lar (uma unidade econômica, corporativa, or

17 O modelo original é plenamente apresentado em Leeds (1973a escritoem 19Ó4). Ainda pressupõe que as favelas são habitadas por "favelados”— sentido de um estado permanente — antes do que por moradores dafavela — ou seja* pessoas que, em sua maioria, moram nas favelas porescolha, no desenvolvimento de estratégias de vida (ver Leeds 1973).

Quando o aspecto da escolha e estratégia é por fim reconhecido, deve-seindagar de onde  os moradores vieram ao mudar-se para a favela. Aresposta é; majoritariamente de outros tipos de moradia na cidade. Issoé verdade tanto para Lima como para o Rio, embora em ambos oslocais o padrão evolua com o desenvolvimento da estrutura residencialtotal da cidade (yer os trabalhos de Turner acima citados).

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çamentária; ver Leeds 1973b), geralmente, mas nem sempre, umsegmento familiar (nuclear outro), combinando o fim econômicocom todos os outros fins da unidade doméstica. A unidade familiar

como unidade orçamentária, tem a tarefa de alocar seus recursos__   evidentemente parcos em todos os tipos de moradia que estoudiscutindo — a uma série de fins em diferentes proporções, dando prioridade a alguns, rebaixando outros, e ainda protelando outros, se possível. Assumindo que as pessoas querem viver, algunsdesses fins são inelutáveis — alimentação, algum abrigo, saúde;outros, devido à sociedade contemporânea, quase inevitáveis —educação , vestuário, etc; e outros ainda, mais periféricos, mesmose sentidos como necessários, como a recreação.

Em geral, o padrão de pesos e conteúdos dados a estes finscorresponde a um determinado tipo de moradia, como o veículoapropriado para maximizar o padrão de fins selecionado. Não sabemos ainda em detalhes que variáveis determinam a escolha queuma unidade familiar faz de um padrão de fins, e não outro, masas linhas gerais são claras.

0 padrão de fins, em si mesmo, relaciona-se a percepções, cog-niçoes, interpretações e experiências por parte dos membros da unidade doméstica com relação ao mundo maior em que vivem, espe

cialmente com relação ao mercado de trabalho, à burocracia, ao sistema político, ao sistema de saúde, à estrutura de serviços e do mercado, e talvez, especialmente, com relação aos sistemas de posições hierárquicas que os atravessa, e que tanto os ordena como articula. Por este último, refiro-me tanto à hierarquia interna formal de cargos nas instituições burocráticas, partidos políticos, hospitais, órgãos de previdência, organizações de distribuição, etc,quanto às redes informais de parentesco, amizade, relações de trocade favores e patronagem que atravessam os limites dos vários seto

res, contribuindo para o elitismo e para a criação das fronteiras declasse*0 padrão de fins também se relaciona a,  é  coagido por, dois

outros fatores importantes. Primeiro: diferentes estados da unidade familiar, movendo-se através do ciclo doméstico determinam necessariamente  diferentes avaliações dos fins. Segundo: diferentesníveis absolutos de renda e capital disponível, relativos ao custo devida num dado momento, tendem a determinar diferencialmentepadrões de fins — por exemplo, quanto mais baixo o nível absoluto,

maior a percentagem atribuída à alimentação e ao custo do trabalho.18 Ambos, além dos mecanismos externos de manutenção de

18 Numa amostra bastante grande de entrevistas para entrada no Planodoa Pais  Adotivos em Niterói, descobrimos que, na época das primeiras

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dades de recreação.19 As favelas também tendem a permitir a proximidade física de extensões de redes sociais, contribuindo portanto nosentido de um sistema de segurança social mais eficiente para mobilização imediata do que em áreas de baixo nível de renda e maisfragmentadas da cidade. Elas também permitem o desenvolvimentode grande solidariedade social, ponto ao qual voltarei adiante. Asdesvantagens compreendem os reduzidos ou inexistentes serviçosurbanos com possíveis riscos para a saúde; restrições sobre as construções em função de ameaças de represálias divinas, como incêndios ou chuvas torrenciais; insegurança de posse; a necessidade, absoluta para mudar-se para lá, de capital, seja para comprar umacasa já existente ou construir algum abrigo mínimo inicial, a primeira geralmente em favelas superlotadas ou supervisadas. Esta

última observação indica que o estado em que a unidade familiarse encontra, em qualquer dado momento de sua historia, é uma importante restrição sobre a escolha feita realmente, ponto ao qualvoltarei adiante. A falta de um endereço oficial pode, também, seruma importante desvantagem em termos de acesso à comunicaçãode um morador, e em termos de discriminação no trabalho contraos moradores de favela, devido aos mitos existentes (ver acima,pp. 10-11) com relação às favelas.

Uma circulação típica de uma unidade familiar entre tipos de

moradia pode ser de uma casa de cômodos para uma favela, paraum subúrbio, para uma vila e de volta para a favela, ou de umquarto ou casa alugadas de uma área pobre para uma favela, subúrbio ou conjunto habitacional. Todavia, ainda nao tenho estatísticas para indicar se há padrões de circulação, embora as hipóteses indiquem que deveria haver.

 As escolhas de tipos de moradia são analiticamente equivalentes, mas não o são como possibilidades reais. 0 que as torna não-equivalentes são as condições ou estados de unidade familiar, ou daempresa doméstica. Uma variável importante é o capital disponívelou mobilizável, que determina, por exemplo, se se pode pretenderuma easa numa favela que, como procedimento padrão,  é  obtidaatravés de um único pagamento (uma vez que não há forma jurí-

*9 A discussão aqui refere-se à situação no Rio antes que começasse aremoção maciça das favelas, em 1968. Até essa época, as favelas apresentavam o que se poderia chamar de uma distribuição “natural” — ouseja, uma distribuição que refletia as necessidades de localização dosmoradores originais e imigrantes subseqüentes. As remoções forçadas, evidentemente, perturbaram drasticamente este sistema, vomitando as pessoas

para os limites distantes da cidade, longe do trabalho, hospitais, escolas,,áreas de recreação, parentes e amigos, e assim por diante.

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 A So c i o l o g i a   d o   Br a s i l   U r b a n o

 fâfâí  Me utilização de vendas a prazo na favela ilegal); se se podeníaneiar séries de prestações ou pagamentos de 15, 20 anos poruma chamada “ casa da cooperativa” . A quantidade de capital mo-fôilizável ou disponível depende, ela mesma, de uma série de va

riáveis:(а ) As extensões da rede social para mobilização de serviços

grátis para reduzir os custos.( б ) Habilidades de membros da família que podem ser usa

das para obter salários ou outras formas de pagamento, como presentes ou serviços prestados;

( c ) Trabalhos mantidos pelos membros do domicílio;(d ) Salários recebidos pelos membros da unidade familiar.(e ) Capacidade de indenização por membro do domicílio;

( / ) Proporção dos salários que vai para os membros não tra-Ibalhadores da unidade familiar.

(g ) Condições de saúde dos membros da unidade familiar;( k ) Custos do trabalho para os trabalhadores da unidade fa

miliar — transporte, taxas, etc.

Como único exemplo,20 aqui, uma mãe abandonada e seus filhos morando numa casa de cômodos de aluguel “barato” . Por serela lavadeira ou doméstica, tem pouca ou nenhuma chance de mu-

dar-se, porque não pode obter os recursos para construir uma casa,menos aiuda para fazer os pagamentos da amortização ou pagar aluguéis, nem pode mobilizar serviços para construir uma casa porqueestá isolada das redes que poderiam fazer o trabalho para ela, e elamesma nao pode fazê-lo, uma vez que não pode estar in situ,  e deveocupar o seu tempo trabalhando. Ela é pobre demais para escaparao pagamento de aluguel e pode apenas alugar locais em que os aluguéis exigidos são exorbitantes em relação às vantagens por mais“ baixos” que possam ser em termos absolutos. Os aluguéis hoje vãode 15 a 90% do salário mínimo (que é fixado pelo Governo Nacional e era, em meados de 1973, Cr$ 312,00 ou cerca de US$50/mês). Se a pressão se torna bastante grande, ela pode não conseguirpagar o aluguel e ser despejada, ou pode conseguir obter dinheiroextra vendendo seu corpo a um homem ocasional; ou pode tentarcontrair um arranjo consuetudinário mais permanente. A limitaçãodesta última solução é que ela tem pouco a oferecer a um homemem termos de serviços ou capital, de modo que, provavelmente, ela

CO Embora este exemplo seja hipotético, foi construído a partir de al

guns casos conhecidos.

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só atrairá um homem que tenha pouco para dar e, freqüentemente,muito para tomar. Eventualmente, um de seus filhos, se viver,torna-se bastante grande para trabalhar, se está em condições de

saúde adequadas, situação que pode adicionar ganhos de capitalsuficientes para permitir à unidade familiar fazer um arranjo doméstico mais vantajoso, como comprar um segmento de uma construção ou alugar um quarto ou apartamento numa favela. Fazendo isso, ela poupa recursos que podem ser usados para educar o filho mais moço, talvez aumentando, desta forma, suas futuras possibilidades de trabalho.

Histórias de casos, hipotéticas ou reais, poderiam ser multiplicadas indefinidamente, mas basta, aqui, indicar a situação ini

cial do estado da economia da unidade familiar. Seu estado é emsL mesmo dependente de modo crítico da relação da unidade familiar e com o mercado de trabalho e das características deste, amboscontrolados, sociologicamente e com relação às suas manifestaçõesestatísticas, pelas classes e suas elites, externas ao proletariado, ondese localizam as unidades familiares que consideramos.

Em suma, as unidades familiares, cujas economias dependemdo mercado de trabalho-salário das economias de trabalho intensivo,tais como aquelas dos países neo-colonialistas da América Latina eoutras áreas “ subdesenvolvidas” do mundo, confrontam-se todascom um sistema de restrições financeiras e institucionais (parteda estrutura de proletarização) que estabelece os parâmetros das escolhas que eles podem fazer, dentre os arranjos de vida. Essas escolhas são diferentes daquelas abertas às unidades familiares cujaseconomias dependem dos mercados de trabalho intensivos, salarial,profissional ou empresarial. Volto às restrições sobre o primeiromais adiante, mas antes quero acrescentar mais alguns comentá

rios sobre as escolhas e suas conseqüências. Como um grupo, asescolhas devem ser vistas como alternativas que permitem diferentes vantagens estratégicas e táticas com relação aos objetivos devida, mas todas no interior do quadro de um modo de vida prole-tarizado, criado e mantido essencialmente pelos detentores dos recursos estratégicos de capital da sociedade.

 As escolhas, como foi observado, refletem os estados mutáveisdas unidades familiares, mas podem também refletir condições externas, como mudanças nas ofertas de trabalho locais ou totais na

cidade, às quais, por sua vez, refletem elas próprias mudanças nadisponibilidade de habitações; mudanças na política relativa à favela (ver Leeds e Leeds, 1972) ou outros tipos de habitação, e muitas outras modificações no meio.

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 Monseqüência das Escolhas entre Arranjos de Vida;Solidariedade e Divisão

 As conseqüências das escolhas feitas, todavia, não são meramente as mudanças nos arranjos de vida da unidade familiar, mas' também na relação daquela unidade familiar com seu meio circun

dante, no sentido de criar relações solidárias entre pessoas de status soeietal semelhante — isto é, entre os membros do proletariado*Nos casos de todos os tipos de moradia discutidos aqui (exceto, possivelmente, algumas favelas de quintal), a relação se dá com a meio imediato, no qual penetra ou do qual parte, constituído deunidades familiares significativamente semelhantes, que se encon

tram no mesmo conjunto de condições ou que fizeram as mesmasescolhas. Essas unidades familiares não são meramente semelhantes como categorias,  mas também em virtude dos padrões sociais,condições legais, elementos de comportamento e identidade semelhantes ao comunitário, que os acompanham, áreas de moradiacomo o meu termo indica. Dentre grupos ou agregados totais detais unidades familiares, há o reconhecimento do “ nós” como oposto ao “eles”, os de fora — ou dos “ nossos interesses” como contrários aos “ interesses externos” , da nossa gíria como oposta à dos

estranhos em outras aglomerações ou classes. As cristalizações detais redes de relação, sentimentos, auto-identificaçÕes e interessessão vistas, por exemplo, na emergência de grupos de carnaval, ouclubes de futebol associados a um conjunto, a um subúrbio, favela*parque proletário — todos grupos solidários, freqüentemente comuma articulação muito forte de sua relação com a comunidade —moradia à que pertencem.21

De extrema importância para este trabalho  ê  o fato de que mudanças nos arranjos de vida — na verdade, migrações intra-urba-nas — tecem redes intraproletárias de todos os tipos através da ci

21 Os nomes dos grupos de Carnaval indicam isso claramente: GrêmioRecreativo Paraíso de Tuiuti, com o qual tive contato contínuo duranteminha estadia lá; Unidos (referindo-se a dois ou três grupos anterioresmenores, bom como a seu próprio pessoal) do Jacaré, do qual fui sócioe no qual desfilavam dois colegas próximos; Acadêmicos do Salgueiro;Império Serrano; Mangueira. Com exceção das duas primeiras, essasagremiações competem pela fama, reconhecimento, honras nacionais, ex

cursões, etc, em cada Carnaval. Suas sortes, sucessos e fracassos suà politicagem dentro e fora das favelas» sua relação com outros grupos sociaise políticos dentro e fora das áreas de moradia são seguidas de perto porgrande número de populações locais. Grupos semelhantes, embora menosfamosos, são encontrados nos parques, vilas, conjuntos e alhures, e evidentemente em ouíras cidades, sendo a mais famosa Recife, um centro dedifusão de danças nacionalmente populares como o baião  e o  frevo.

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dade. O que impressiona depois de um trabalho etnográfico prolongado é o número, variedade, multílocalização, freqüência de mobilização e utilidade dessas redes. Elas sao estendidas através do

parentesco, compadrio, amizade, papéis de ajuda mútua, laços patronais intraclasse, relações dc vizinhança, relações de troca de favo-res, e também por meio da interação de grupos solidários, tais comoescol as d e sam ba , bl ocos d e sam ba ? clubes de futebol, clubes sociais,congregações religiosas, sociedades de ajuda mútua, e assim^ pordiante, que trocam visitas ou encontram-se fora das áreas de moradia em convenções de federação.22 Essas redes servem para umamultiplicidade de funções, embora a maior parte do tempo de modoesporádico — por exemplo, segurança soeial, ajuda mútua, apoiopolítico mútuo em atividade eleitoral, legal ou realização de pedidos, etc.

O q u e é mais significativo com relação a isso é a base potencial para a solidariedade da classe proletária e mesmo, em c e r t o3

contextos, uma tendência observada para a criação de tal solidariedade, Cito dois exemplos.

Depois do movimento militar de 196.4, as eleições de outubrode 1965 foram mantidas nas modalidades anteriores, em nome da

imagem política nacional. Nesse mês, foram realizadas eleições paragovernadores em alguns Estados-chaves, o mais importante dosquais era a Guanabara, que fora anteriormente o Distrito Federal,a capital nacional, e permanecia, em 1965, apesar da existência deBrasília, como o principal centro da administração nacional, Um doscandidatos era Flexa Ribeiro, o fantoche (e parente afim) do governador da época, Carlos Lacerda, que fora o agente imediato do colapso do segundo governo de Yargas, do Governo de Quadros, e doGoverno de Goulart, em 1964, e era uma figura central no golpe

de 1964, esperando mesmo tornar-se presidente. O Partido deles,um importante sustentáculo do movimçnto militar, era a conservadora e reacionária u d n   (Uniao Democrática Nacional), Q outrocandidato ( além de alguns negligenciáveis de partidos menores)era Francisco Negrão de Lima, outrora prefeito do Distrito Federal(1956-1959), embaixador em Portugal, que era quebra-galho do ex-presidente Juscelino Kubitschek, um típico mercenário político docentrista, pragmático, ideologicamente pouco fundamentado p s d  

(Partido Social Democrático). 0 p s d   apresentou sua candidatura

22 Os vários tipos de grupos de Carnaval, clubes de futebol, coíigrega-ções religiosas de diferentes seitas, e outros, pertencem todos a, federações a nível estadual e confederações nacionais (embora, estás tendarp aser fictícias), todas con formes à lei de organização sindical civil' rásL*leira.

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m   A   S o c i o lo g i a d o B r a s il U r b a n o

•fem coalisão com a ala “direitista” do p t b   ( Partido TrabalhistaBrasileiro), o partido populista, baseado no trabalho de Getulio

 Vargas__  tuna coalisão de longa duração.

Em todas as favelas (e possivelmente outros tipos de moradiado pessoa de baixa renda aos quais até agora não me referi), com aexceção de muito poucos moradores, a resposta a essa situação erasistemática, e pode ser parafraseada desta forma: “Negrão é ummal que conhecemos — ele pouco ou nada fez como prefeito, masnão éum d el es ” (significando os militares e suas forças de apoiorepresentadas por Lacerda). 0 voto foi maciço em favor de Negrão,mais claramente em áreas de ocupação proletária.23 0 esmagadorvoto proletário contra Lacerda e seu candidato não significou uma

perda para os militares que, naque l a mesma no i t e e como conse- qüên ci a d i r eta d o vot o , eliminaram todo o sistema partidário, e criaram por decreto o atual sistema de um partido do governo (emgrande parte a velha u d n , e l emen t o s   mais direitistas do PSD e outros pequenos partidos) e um partido de “ oposição” rigorosamentecastrado (absorvendo o resto do PSD, o velho p t b e outros) que soçobrou num lamaçal de impotência, em grande parte imposto “ legalmente” . Este movimento por parte dos dirigentes militares nãosignificou, por sua vez uma derrota do proletariado que, nas últimas eleições, expressou seu protesto por meio de um maciço votoem b r a n c o    (sendo legalmente obrigados, ou forçados, a votar, elesdepositam votos nao assinalados para indicar a nulidade da eleição,fato que foi censurado nos meios de comunicação pelo governo militar).

0 caso relaciona-se às redes de comunicação e de discussão —de interpretação e compreensão — que articulam as favelas e outras instalações proletárias. A mera posição categórica, como pro

letário, não pode explicar o voto de oposição, uma vez que, atomiza-dos como o são, em termos de localização, eles também se confrontavam com os meios de comunicação favoráveis ao governo, com asrepresentações populistas de Lacerda e com outros fatores que tendiam a obscurecer seu interesse. 0 que foi surprendenfe para umobservador estranho foram as visitas de área a área proletária —a mobilização de redes de comunicação — e a discussão constantedas questões políticas.

33 Ver Leeds e Leeds (1970). Apesar das dificuldades em avaliar o voto»devido às peculiaridades de seu registro, não há qualquer dúvida quantoà sua natureza; ver texto acima. Ver também em ibid.  o poema cantadopor algumas meninas pulando corda na favela, citado no final daqueletexto,

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0 segundo caso, discutido alhures em detalhe (Leeds e Leeds;1972; Leeds, 1973b), precisa apenas ser brevemente revisto aqui.Em 1964, foi fundada uma organização defensiva e representativa

chamadaf à f e g

  (Federação das Associações das Favelas da Guanabara). Ela promoveu um “Primeiro Congresso” naquele ano. Em,1968, promoveu seu segundo Congresso e foi prontamente esmagada pelas forças policiais. No Congresso de 1964, os participantes;discutiram problemas bastante específicos das favelas — água, “ urbanização11, eletricidade, etc. Em 1965, quando assisti pela primeira vez às reuniões da f à f e g   e à hora no rádio do presidente da'f a f e g , era ainda esta a orientação. Depois das catastróficas chuvasde fevereiro de 1966, seguidas imediatamente dos apelos de vários1

órgãos “ técnicos” de elite (ver Leeds e Leeds, 1972), para removeras favelas, a f a f e g   começou a ser mais explícita em seus ataques àindústria de construção civil e outros interesses políticos e econômicos envolvidos na Indústria das Favelas (significando “ a Indústria de exploração da favela” , como paralelo à “ indústria das secas7’ do Nordeste brasileiro explorando as vítimas das secas). Todavia, o ponto de vista ainda se limitava às favelas. Depois dos anosrepressivos de 1967 e 1968, a f a f e g   mudou drasticamente. Os documentos e discursos expressaram-se em termos de classe   e em ter

mos de problemas nac i o na i s    e outros problemas gerados pela classe,tais como estrutura salarial, inflação, o sistema de lucros, exploração e coisas semelhantes. Emergira uma clara concepção de solidariedade da classe, indo muito mais além dos interesses das fragmen-lárias áreas de moradia, que são, na verdade, segmentos físico so-;ciais do proletariado, divididos parcialmente pelo processo mesmode lidar com o meio urbano, por sua busca de ai*ticulação mais viá^vel com as exigências e ofertas da vida na cidade, e, particialmente.pela ação deliberada da classe “ superior” .

De modo semelhante, é de extrema importância para os temasdeste trabalho o fato de que tais áreas de moradia também apresentam atitudes antagônicas entre si. Se nos relembrarmos dos aspectos caleidoscópicos acima mencionados de localização da moradia na cidade, compreenderemos também a fragmentação das soli-dariedades proletárias ou da classe trabalhadora em virtude dessasatitudes. A especialização ocupacional do conjunto, a separação dalocalização das vilas, a patronagem que vigora nos parques proletá-’rios, a ilegalidade, a criminalidade e a marginalidade míticas da fa

vela, e assim por diante, todas funcionam, cada uma a seu modo,de forma a estabelecer identidades celulares, ligadas à área de mo-1radia, às expensas da identidade de classe como proletariado assala-;riado ou sub-remunerado. A construção do conjunto, a localização'

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 A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

 j-iliís vilas, a patronagem dos parques, a ilegalidade das favelas, ecoisas desse tipo são aspectos controlados pelas estratégias de eliteHa sociedade.

Por demais características são as atitudes contra as favelas, al-

^gumas das quais eu citei acima, que permeiam todas as classes e"áreas da cidade. Ao mesmo tempo, muitos dos moradores das favelas, especialmente de algumas mais confortáveis e evoluídas, desprezam os parques, os conjuntos mais pobres e, especialmente, ascasas de cômodos, abominadas por todos os que nao moram nelas.Os moradores de casas de cômodos, por outro lado, dizem que nãomorariam nas favelas porque o ambiente é pesado e os habitantessão maus elementos.

Em outras palavras, as áreas de moradia de baixa renda, examinadas coletivamente, são, numa medida notável, organizacional-mente centrífugas e estão separadas e divididas umas das outras.Esse divisionismo é fortemente reforçado pela discriminação do trabalho praticado pelos empregadores contra os moradores da favelae pelas discriminações em serviços e preços; pelo tratamento pejorativo que a imprensa dá às favelas, como se viu anteriormente;pela caracterização das condições na favela pelo rádio e televisão, eassim por diante, ifma vez que 20 a 25% da população total, outalvez mais de 40% do proletariado, vivem em favelas, uma divisão maior do proletariado se cria com base apenas na moradia, di

visão e divisionismo fomentados pelas classes não proletárias em geral e pelas elites que controlam o sistema de comunicação e, emparticular, o mercado de trabalho.

Há evidência substancial e algumas próvas inequívocas de quea divisão física do proletariado e dos baixos-assalariados é, em parte, intencional, e freqüentemente reforçada de forma deliberadapelo fomento às atitudes antagônicas divisionistas como, por exemplo, pela manipulação dos meios de comunicação de massa. Masmuito da ação divisionista da elite parece não ser «onsciente, ocor

rendo antes como conseqüência não pretendida de seus atos. Porexemplo, uma ação de desenvolvimento comunitário tal como aquela desenvolvida pela Aceión na Venezuela e em Lima, ou sua ramificação brasileira, Ação, no Rio e Sao Paulo; pelo Corpo de Pazou, no Rio, pelo b e m d o c   ( Brasil-Estados Unidos Movimento de Desenvolvimento e Organização de Comunidade, um programa de desenvolvimento comunitário patrocinado pela  A ID , realizado através doDepartamento de Serviço Social do Estado da Guanabara, ver Leedse Leeds, 1972), tende a colocar as favelas, barriadas ou ranchos em competição entre si pelos recursos que o órgao de desenvol

vimento comunitário detém: eles trabalham em seu próprio inte-

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M o ra d ia , A r r a n j o s d e V id a, P r o l e t a r i z a ç ã o 167

xesse, e nao no interesse coletivo. Ainda assim, o órgão trata da melhoria tanto da área de moradia individualmente como, a longo prazo, da coletividade das áreas de moradia.24 Como outro exemplo, a-conversão de um velho edifício de um wbom" bairro em casa de cô

modos enquista seus moradores socialmente, seja ou nao pretendida tal atomização. Assim, as duas imensas casas de cômodos no famoso Morro do Pasmado, no Rio, cercadas pelo Iate Clube, clubeda elite carioca, pela Universidade Nacional, por uma boate importante e por um cinema, além de algumas casas de classe médiaalta, estão fisicamente bastante isoladas de qualquer outra população proletária. Juntas, constituem um enclave de talvez 500 pessoas, que cresce rapidamente com o passar dos anos, conforme osproprietários acrescentam novas unidades alugáveis à construção e

suas extensões que sobem o morro. De passagem, é interessante notar que aparecem anúncios nos jornais pedindo capital para empregar em empreendimentos do tipo casas de cômodos. Embora, oficialmente, esse tipo de empreendimento seja hoje ilegal, ele prossegue sub r osa,  criando, pelos atos dos detentores de capital, novosagrupamentos isolados do proletariado.

Outro exemplo de tal divisão é a construção das vilas. O objetivo da divisão era, pelo menos em parte, deliberado e articulado,«mbora apenas em particular o de, por um lado, colocar os proletários geograficamente fora do alcance das elites e, por outro, remo

ver grandes enclaves deles para fora da cidade, separá-los de suasredes de relações, vizinhanças e comunidades anteriores, que fo-

24 Aqui, deveria ser observado com justiça que alguns dos membros daelite, em bases que parecem ser puramente ideológicas, contribuíram realmente para a organização coletiva do proletariado através da ligação comfavelas ou seus líderes. Um caso é o de José Arfhur Rios, discutido plenamente em Leeds e Leeds (1972), que reuniu os líderes das favelas nachamada “ Operação Mu tirão” — para melhorarem coletivamente suacondição, receberem informação legal e ajuda, auxílio material, orientação na organização. Não há evidências, na mitíha opinião, de que Rios

estivesse tentando ganhar um eleitorado para si e menos ainda para oGovernador Lacerda, que na época precisava de bases populares e que,quando teve acesso a grandes somas de dinheiro através do Acordo doFundo do Trigo Aiu-Estado da Guanabara, em 1962, não mais precisandode uma massa organizada populista, demitiu Rios. O trabalho de Riospode ter dado a base para o desenvolvimento posterior da f a f e o , emboranão haja conexão direta entre os dois, tendo a última aparecido doisanos depois do término abrupto do programa de Rios (ver Schimitter,1971: 208, para o contrário). Estou certo de que Schimitter está errado,uma vez que eu estive nas reuniões tanto da Operação Mutirão, em1961 e 1962, como da f à f e g , em 1965-1966. Rios continuou a fazer otipo de trabalho que havia feito em 1961-1962 e 1968-1969 na Bahia,

onde também foi eventualmente expulso pelas elites que não queriamceder poder e controle para os moradores da favela.

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 jiráS tfBbuptamente desarticuladas pelas remoções, A favela qureJtfétia no Morro do Pasmado foi arrancada independentemente det£iraisquer laços sociais, políticos ou econômicos que tinha com aSiea circundante da cidade, e colocada a muitos quilômetros doDentro. Todas as remoções — de íavelas, casas de cômodos, ou o

'Çüe fosse — por motivos punitivos, por renovação urbana, para uti-lídade pública, por segurança (real ou alegada) — desarticula redes sociais e outros laços construídos entre as populações proletáriascontribuindo para a atomizaçao e o divisionismo do proletariado.

 Adiante, voltarei aos traços institucionais do divisionismo.

H estr i ções sobréa E scolh a 

 A restrição chave sobre a escolha de qualquer dado tipo demoradia é financeira, seja qual for o estado do ciclo doméstico.Ela não é apenas a restrição sobre escolhas individuais específicas,mas uma que não permite que se escape de todo um conjunto deescolhas dos arranjos proletários para viver.25 No Brasil, hoje,grande proporção da força de trabalho recebe oficialmente o salário mínimo. A renda mínima necessária a uma unidade familiar,para pagar aluguel, suprimentos alimentícios básicos, roupas, transporte e cuidados médicos fica entre 900 e 1,200 cruzeiros (3-4 salários mínimos). Talvez um máximo de 5 a 10% das unidades fa

miliares proletárias alcance este nível de renda, a maioria obtendode 300 a 500 cruzeiros por meio de salários e outras fontes.26Os resultados são claros. Tal sistema de salários, com a estru

tura de renda que engendra, estabelece parâmetros para o conjunto de escolhas com um todo ( “o conjunto de escolha” ). Emborahaja um pequeno número de pessoas ou unidades familiares que es-

25 Esta situação é quase tão verdadeira para os Estados Unidos com oo é para o Brasil ou qualquer outra sociedade capitalista. Todavia, nosEstados Unidos» é mais marcada como um fenômeno total» e torna-se

mais complexa por uma elaborada estratificação interna do proletariadobaseado nas faixas de qualificação exigidas no mercado de trabalho norte-americano, o nivelamento do pagamento conforme a qualificação» a vin-culaçao do critério racial à taxa qualificação e o custo geral de vidarelativamente mais elevado. Os dois primeiros não se ligam ao Brasil ouao Peru em grau tão significativo.20 Etstes dados baseiam-se nos salários e preços de 1968* mas foram corrigidos para os aumentos que ocorreram em ambos desde então e confrontados com os dados de Salmon (1971) e Rush (1974) que, em 1973, fizeram um trabalho de campo de verão num survey  de uma amostragem depessoas removidas de favelas. Deve ser lembrado, no último caso, que aspessoas de mais baixa renda não são de modo algum enviadas para os

conjuntos, de modo que os dados de Rush são bem mais elevados queos meus.

 P i  S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

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capem do conjunto de escolhas, penetrando num conjunto de escolhas estabelecido por parâmetros diferentes, ainda assim, provavelmente, um número maior en t r a    em circulação no interior do con

 junto de escolhas proletárias, talvez o mais baixo da escala de con juntos da cidade, seja porque os salários reais baixam, uma vez queos aumentos nos salários absolutos não guardam proporção com osaumentos no custo de vida, ou porque pressões ou desastres os empurram para fora do estrato mais baixo da pequena burguesia, osautônomos, pequenos burocratas e equivalentes,27 O número denovas unidades familiares que têm que encarar o conjunto de escolhas é também engrossado por imigrantes chegados de fora dacidade em busca de oportunidades de emprego no mercado de trabalho — salário, uma situação mais marcante em Lima do que no

Rio, já que Lima concentra uma proporção muito maior do mercado de trabalho nacional do que o Rio, e seu crescimento em grande escala foi mais recente. Deveria ser observado que esses imigrantes tornam-se competidores no mercado de trabalho, especialmente, supõe-se,28 por trabalhos nao-qualif içados e de baixa qua-

27 Para uma discussão da pressão, ver Leeds e Leeds (1970:243-248),com relação às populações proletárias; os mesmoa princípios aplicam-seaos estratos citados no texto.BS Digo “ supõe-se” porque em vista de evidências etnográficas de váriostipos, incluindo algumas entrevistas com pessoal administrativo de fábricas que realizei em 1968, não fica absolutamente claro que muito domercado de trabalho tipo trabalho-intensivo  precise  de elevadas qualificações; não está claro que as qualificações aprendidas nas pequenas cidades, povoados e em fazendas, as quais os imigrantes trazem consigo,não  sejam as qualificações mais comumente necessárias (por exemplo,habilidades de construção e serviços); conseqüentemente, não  está claroque os empregadores queiram realmente  trabalhadores qualificados porque, dada a unicidade técnica de cada fábrica, a falta de outras fábricassemelhantes e a ausência de padronização entre as instalações industriaisbrasileiras, eles devem treinar e retreinar seus trabalhadores para as exigências técnicas únicas e específicas dos empregos específicos, adequan

do-se aos arranjos usualmente únicos das características de cada fábrica. A evidência sugere, pelo contrário, que a “não-qualificação” é um estratagema retórico, útil para a desvalorização dos salários, para a manutenção de um elevado nível de competição entre os trabalhadores, para acooptação de alguns trabalhadores para obrigações de clientela através doassentimento “generoso*’ em dar-lhes treinamento interno. Muita evidência indica que esta é a forma em que o sistema trabalha, não que sejaconscientemente organizada e manipulada desta forma pelas elites. Dequalquer m odo, o procedimento é de distanciamento — contribuindo paraa proletarização e manutenção dos limites de classe. Incidentalmente,ocorre nos Estados Unidos — contrariando muito da discussão entre acadêmicos quanto ao credencialismo, a necessidade de educação para òtreinamento de uma habilidade e alguns tópicos relaeionados — quegrande parte do treinamento para trabalhos qualificados é feita no pró

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 A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

Slfícacão. Esta competição, em parte deliberadamente fomentadapelos controladores dos recursos estratégicos e do mercado de trabalho, e em parte estruturalmente induzida, contribui para a fragmentação do proletariado acima discutida,

 A estrutura salarial é mantida pela política nacional, atos ad-"ininistrativos nacionais e instituições nacionais, todos controladospelas elites estratégicas nacionais. A maioria das instituições temsuas representações locais — funcionários, administradores, conselheiros, equipe e equipamento — , ao menos nas grandes cidades esed es d e mu n i cíp i os,  todos os cargos de decisão e toda política e postos administrativos significativos controlados pelos membros da elite e da classe superior30 que estão ligados pelo sangue, laços de afinidade, co-parentesco, amizade e outras redes pessoais reunidas, que

criam as fronteiras de classe, excluindo todos os membros do proletariado (ver Leeds, 1957, Caps. IV e V; 1964, 1967, 1973c).Subjacente à política salarial altamente desigual de países

como o Brasil e o Peru — as dependências capitalistas, semicolo-niais dos grandes países capitalistas metropolitanos — eslao os sistemas de lucro capitalista privado e de propriedade privada. Estenão é o lugar para examinar esse tópico em detalhe; o argumento,foi exposto por outros autores.00

O que pretendo enfatizar, aqui, todavia, é que este tipo de sis- 

t em a    capitalista dependente determina uma estrutura salarial quej

prio trabalho. Qualquer um que tenha trabalhado numa fábrica e tenhaentrevistado trabalhadores qualificados, coisas que eu fiz, o sabe. O desacordo quanto a como o sistema trabalha e como ele deve trabalhar —também uma diferença de visões de classe do sistema — levanta questões e perspectivas interessantes — por exem plo, com o questão: qual,ideológica e socialmente, é a função das concepções errôneas dos acadêmicos?; como perspectiva: ainda que os negros e outras minorias étnicasobtenham credenciais para empregos, o sistema opera de modo a anulá-lasmesmo onde elas estão sendo real ou supostamente estimuladas pela supervisão federal contra a discriminação no mercado de trabalho.29 Não tentei aqui distinguir problemas term inológicos, e usei livremente os termos “ classe alta” , “Classe capitalista” ou “ elites” . Discuti, noslocais citados no texto, as bases da fronteira de classe no Brasil, e re-firo^me aqui aos grupos lá descritos. Creio que o significado no presentecontexto é suficientemente claro, “ Elites” no plural refere-se coletivamente às fileiras superiores, controladoras do poder, da “ classe alta” oua uma série de grupos amplamente informais no interior daquela classe,os quais controlam os principais recursos de poder; o contexto deixaclaro de que utilização se trata.30 Há uma grande literatura sobre a dependência, a maioria dela com eçando a partir de Frank (1967 ou versões anteriores desse trabalho). Outros autores importantes são Aníbal Quijano, Fernando Henrique Car

doso, Oswaldo Sunkel, Stanley e Barbara Stein. e muitos outros. Vertambém meus próprios textos (1969; 1972b; Ms b).

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envolve necessariamente a proletarização, ou é, na verdade, idênticoa ela. A proletarização 6 construída no interior do sistema capitalista, como já foi indicado há um século, mas nos países “ subdesenvolvidos” dependentes ela é ainda mais fortemente delineada, menos

suavizada pela “afluência” , menos melhorada por grandes massasmais bem pagas, assalariados altamente qualificados, menos abran^dada pelas oportunidades de mobilidade ascendente, menos receptiva ao protesto político e à expressão eleitoral, e geralmente mais impressiva do que nas metrópoles como a Grã-Bretanha e os EstadosUnidos.

Na medida em que a proletarização se vincula ao capitalismoe ao industrialismo, e na medida em que é intensificada pela açaodo Estado, tendendo, todos os três, a estar centrados institucional e

operacionalmente nas cidades, ela é peculiarmente um fenômenoda c i d a d e  7 mesmo que sua extensão possa também ser encontradanos setores agrários. No seu aspecto da habitação em massa c moradia, ela ê intrinsicamente parte da cidade em sociedades estruturadas de forma capitalista. Na medida em que a habitação, o trabalho, os cuidados com a casa e o desenvolvimento das atividades diárias estão ligados, a proletarização também envolve a emergência deum sistema soc ia l   ou subsistema numa dada cidade, complementando seu papel na estrutura societal.

Uma vez que a proletarização resulta da relação com os proprietários e controladores de recursos estratégicos, o capital e o Estado, ela é, na verdade, um processo único que envolve necessar ia- 

me n t e    o desenvolvimento de papéis complementares — um desenvolvimento dialético. 0 aspecto complementar do processo pode serchamado de “elitização” , ou a contínua construção do poder daclasse superior, da auto-identificação, das condições de fronteirapara excluir o proletariado, e do proletariado necessário para suaprópria manutenção e progresso.

Dito de outro modo, o sistema de propriedade privada e lucro

privado envolve necessariamente um processo de desenvolvimentode um conjunto de papéis complementares — a evolução do proletariado e das elites; e a cidade, com o um a or gan i zação para a p r o- 

d ução,  com todos seus aparatos produtivos, é o l o cus   primordialdesse processo.

D sustentáculo estrutural do processo é a exclusividade econômica, social e política das elites. As elites, em todas essas esferas,desenvolvem meios para sua própria manutenção, dos quais o sistema salarial já mencionado é talvez o mais efetivo. Todavia, háum grande número de meios ancilares que operam junto com osistema salarial para manter as fronteiras* Com efeito, eles estabele-

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A   So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

ipf|ÍÉrâmètros no interior cios quais os arranjos proletários para aescolha de vida podem ser feitos.

No Rio, em Lima e, de uma ou de outra forma, em outras cidades, tais meios ancilares incluem sistemas de contratação

e demissão; manobras de contratação especiais; demissão exatamente antes da época em que a manutenção no trabalho se torna obrigatória, resultando na perda de aposentadoria acumulada ebenefícios de pensão; repressão legalizada a pessoas (se proletárias)que não portam carteiras de trabalho oficiais, ou que são recolhidasna rua sem identificação (mesmo que a tenham em casa); aluguéi&e extorsão de aluguéis; baixa acessibilidade ao treinamento qualificado; alto custo da educação para todos os níveis, especialmente pagamento de uniformes, livros, suprimentos escolares; custo geral

mente alto da educação secundária; redução legal dos salários naforma de pagamentos por doença de 70% do salário mínimo; não-pagamento de benefícios como pensão familiar, hora extra e pagamento por trabalho insalubre; pagamento adiado dos aumentos salariais fixados; divisão de moradia; quebra das redes sociais proletárias pela mudança física de partes das áreas de moradia; relaçõespatrão-cliente numa rede de obrigação e cooptaçao secundada porameaças de sanção como a não   ajuda do patrão em tempo de crise:e assim indefinidamente.

O efeito conjunto de tudo isso é a fronteira de classe que en

fatizei, a qual opera ela mesma como uma restrição sobre o proletariado. Com relação ao proletariado, visualizo uma representaçãopossível dessa estrutura como envolvendo um vasto número departículas — indivíduos e unidades familiares — em movimentoenormemente variado, cujo estado, a qualquer dado momento, podeser apenas estatisticamente medido, e cujas características sao, emparte, estabelecidas pelas açÕes da elite que criam a fronteira declasse e, em parte, pela adaptação dos proletários aos parâmetrosno interior dos quais devem operar — estabelecido para eles de

fora, pelas elites. Deste sistema, umas poucas partículas escapampela fronteira. Outras, que praticamente abandonam o sistema, oumomentaneamente o fazem, são trazidas de volta pelas forças queestabelecem os parâmetros, ao passo que as partículas da massararamente chegam ao menos peito da fronteira.

Cl i vagem de E l i t e e Coa l i sões com Gr u pos Pro le tár i os 

Mas, como sempre ocorre com sistemas sociais, a descrição nãoé tão fácil e não termina aqui. Dado o sistema capitalista de pro

priedade privada, lucro e auto-interesse, segue-se também que nãohá interesse único, comum, corporativo para a classe alta como

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um todo e para qualquer parte importante dela. A tendência é a•divisão em sempre menores divisões de interesse, que chega até oindivíduo, representado pelo conceito de individualismo no Brasile nos Estados Unidos, e a idéia do “ indivíduo grosseiro” neste úl

timo. Estas divisões de interesse são competitivas de maneiras ego-centradas e auto-engrandecedoras.31Pode-se mapear redes e grupamentos estendidos por indiví

duos em seu próprio interesse, ou por um membro ou membrosde um grupo mais ou menos estável quando os interesses são semelhantes ou comuns (ver Maclver e Page, 1949:32). Os própriosgrupos freqüentemente não têm, eles mesmos, absolutamente nenhuma base corporativa intrínseca, ou, na melhor das hipóteses,têm uma base bastante tênue, como laços de parentesco egocêntri

cos característicos de sistemas de parentesco bilaterais como os doBrasil, Peru e Estados Unidos. Freqüentemente, a estas redes deparentesco semifechadas, ou mesmo a redes pessoais que não a deparentesco, é atribuída certa formalização corporativa pela criaçãode uma carta de garantia informal ou formal — no primeiro caso,laços de compadrio e, no último, uma corporação. Redes de relações de parentesco tomadas corporativas ou redes de relações pessoais de parentesco e não parentesco sao ubíquas entre as elitesbrasileiras, na forma de bancos familiares, companhias de construção familiares, empresas individuais familiares, partidos políticos

familiares, etc. 32Tanto as redes como os grupos competem em sua luta pelos

recursos e ganhos da sociedade que podem ser mobilizados pelosistema econômico ou por outros sistemas que detêm dinheiro epoder, especialmente vários ramos do governo. Como será mostrado, eles também competem através do sistema social por recursoscujo l o c u s    se encontra no proletariado, mas que são taticamente

31  É   notável o fato de que cientistas sociais, trabalhando em várias instituições, e mesmo pessoal das universidades — todos das “ classes” su

periores” no sentido discutido na nota 28 — constantemente repetissem afrase ”Há falta de coleguismo aqui” , referindo-se a sua instituição ousua situação de trabalho, Era sempre pronunciada no sentido de que elesachavam que devia   haver um sentimento coletivo em função do queestavam fazendo e dos objetivos da instituição, mas que a realidade eraa competição e a maledicência entre colegas.32 Ver Leeds (1 964 ). As entrevistas com membros detentores de múltiplos empregos feitas para este trabalho deixaram esses fenômenos bastante claros. Uma entrevista foi com um políítico-industrial-especuladorde terras de um pequeno estado do Nordeste. Um exemplo clássico decoronetísmo (ver Leal, 1948), incluindo um sistema bi “partidário” , que

consistia de duas grandes redes familiares competindo entre si e trocandobens políticos.

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semelhantes às de elite para mantê-las juntas. Sua duração é totalmente governada pela medida do que há a ganhar para ambasas partes, especialmente a elite: se um dos lados não tem mais nenhum recurso ou bem para dar, pára de dar ou faz propostas a

outras partes além daquela com a qual está em conluio, a coalisãose desfaz. O que é fascinante, tendo descoberto este aspecto da estrutura social urbana, é revelar as várias situações nas quais a$coalisões entre segmentos de ambas as classes ocorrem, freqüentemente sem nenhuma deixa com relação à interação da coalisão emsua forma externa. Dois exemplos do que quero dizer serão suficientes.

0 Carnaval não é apenas a festa anual da alegria, mas simuma estrutura social altamente complexa, perene, que foi descrita

alhures (Morocco, 1966). Basta aqui dizer que no Rio existeuma relação mais elaborada entre instituições do Estado, especialmente o Departamento de Turismo da Guanabara, grandes negócios, especialmente a Companhia Cervejaria Brahma e algumas dasCompanhias têxteis, departamentos maiores do Estado, como a Secretaria de Serviço Social, ou até mesmo o governador; redes derádio e televisão; importantes casas noturnas; a indústria de discos; os grandes “banqueiros” do jogo do bicho, muitos dos quaissão importantes proprietários de bens; e os próprios grupos de carnaval (ver nota 21), especialmente as grandes escolas de samba

como Salgueiro, Portela, Mangueira, Império Serrano (as “ QuatroGrandes” ), que são mais ou menos ligadas a favelas ou a áreasproletárias específicas, geralmente próximas a importantes favelas.Um sistema de prêmios dado pelo Departamento de Turismo estáligado a essa relação e a   competição entre as escolas na época deCarnaval, Os prêmios envolvem somas bastante consideráveis dedinheiro. Outros prêmios adicionais importantes que fluem para os  grupos proletários através das escolas de samba vêm de contatoscom emissoras de televisão, gravadoras ou casas noturnas, e outros

tipos de apresentações.Uma resposta a tudo isso é a crescente comercialização (ouseja, apego a e comportamento semelhante aos valores compradose vendidos no mercado capitalista) dos grupos de Carnaval, umaforma de cooperação com o Departamento de Turismo, as companhias de cerveja e têxteis, e assim por diante, no interesse da promoção do turismo, vendas, consumo, ou, geralmente, atendendo àsaúde dos negócios de elite e do governo, controlados pela elite queserve aos negócios.

Do ponto de vista da classe superior como um todo, além donegócio e ganhos em termos de renda, ela pode usufruir coletiva

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mente dos grupos de Carnaval. Qualquer grupo de elite pode julgarútil trabalhar com um grupo específico de carnaval ou com partedele para realizar manobras do interesse de ambos. A Brahma, porexemplo, estabeleceu um monopólio virtual do fornecimento entre

as grandes escolas   através do fornecimento de milhares de cadeirase   mesas para suas quadras de ensaios, o que ajuda a atrair turistastanto nativos como estrangeiros, bem coxuo membros da comunidade, e ajuda a vender mais bebidas em proveito da Brahma e daescola de samba, esta chega, no seu auge, a atrair de 30 a 50.000pessoas por noite»

Todavia, muito mais importante, do nosso ponto de vista, éque os grandes grupos de carnaval fornecem amplos nódulos organizacionais para a atividade política; para a conquista de um elei

torado por um político ou candidato, ambos representativos de algum fragmento de elite; para a aquisição de recursos financeirosacumulados pelo grupo de carnaval ou por algum de seus líderesatravés do grupo e através do j og o d o b i ch o >do qual participa pelomenos cerca da metade da população da cidade, para grande vantagem financeira dos banque i r o s .  Os banque i r o s   do j ogo d o bi ch o  e   os líderes dos grupos de samba freqüentemente parecem reforçar-se reciprocamente com manobras financeiras nas épocas apropriadas. Alguns desses fundos podem ser canalizados para as elites.Deve-se observar que os grupos maiores podem ter sócios ou uma

clientela regular de cerca de 5.000 pessoas, consistindo (a) daqueles que assistem aos “ensaios'’ quase que diariamente, à noite, naquadra, nas semanas anteriores ao Carnaval, e (6 ) de pessoas organizadas pelo grupo para a coreografia da apresentação de rua noCarnaval.

Para os grupos proletários de samba, o interesse na coalisãosão os pagamentos — obtenção de uma escola, um sistema de águaou espaço de recreação para a escola de samba, mas utilizável pelacomunidade; obtenção de um patrão no governo que pode tentar

canalizar bens, serviços, empregos ou dinheiro para a favela; obtenção de alguns itens da legislação conduzidos através da assembléia do estado (quando funciona) com o objetivo de, por exemplo, declarar uma rua, edifício ou área de “ utilidade pública” ,protegendo-a desta forma da remoção por lei, e assim por diante.Os grupos de samba continuam a ajudar e a dar votos enquantoseu homem continua a favorecê-las33. Tais coalisÕes podem manter-se com sucesso durante anos contra a oposição.

33 Este era o caso de G eraldo M oreira, que detinha vários cargos noDistrito Federal, especialmente o de vereador; ver Leeds (1972:50-52).

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Os esforços para mobilizar apoio e estabelecer laços para umacoalisão podem ser vistos em qualquer ensa io   importante. Por exemplo, observamos, numa noite o Governador Negrão de Lima e seuSecretário de Serviço Social na Mangueira; outra noite, um deputado, um cientista social e um embaixador na Unidos do Jacaré;em outra, várias pessoas conhecidas de elite no Salgueiro.34

0 segundo exemplo é o das associações de favelas. Nem mesmo a presença da f a f e g   (ver pp. 27-28) impedia as associaçõesdas favelas de tenderem a ligar-se aos órgãos administrativos existentes, abertamente ou às escondidas, a alinhar-se com um ou outrodos hoje legalmente “não-existentes” (ou “ex” , como o& brasileiros diriam) partidos políticos militarmente suprimidos, os quaisoperam clandestinamente (especialmente o p t b , o p s d   e a u d n ) ,  

ou suas antigas coalisões (ver E. Leeds, 1972). Os velhos partidospolíticos, suas divisões e coalisões, e as “sublegendas” de 1968 emdiante,85 representam eles mesmos facções, talvez mesmo p a n e l i- 

n h a s    (cliques de elite, ver Leeds, 1964), no interior da classe alta.Facções do ex -PTB operam em coalisão com algumas associações defavelas com o objetivo de criar eleitorados e seguidores que podemser usados de várias maneiras, particularmente nas eleições (see quando houver alguma), para obter o máximo de vantagem parao partido, especialmente sob as restrições impostas pelo Governo

militar desde 1965, ou olhando para o futuro, quando eleições relativamente “livres” forem restabelecidas. Podem também ser usados como grupos para uma representação pública perante o governo,para apoio deste ou daquele burocrata com quem estejam em coalisão. O burocrata retribui esse apoio dando proteção, segurança deposse, bens, serviços, dinheiro, empregos. A politicagem dessas coalisões, umas contra as outras, nas favelas, pode ser bastante complexa, ferrenha, envolvendo esforços para a obtenção do controle

34 T od o ano a escola de samba deve escolher qual de vários sambas es

critos por sua “ ala de compositores” será o samba-enredo, descendo aavenida. A seleção é realizada por um quadro próprio para este propósito, que se reúne uma noite, cerca de seis semanas antes do carnaval,e julga a apresentação das várias canções. No caso das grandes escolas,pessoas de fama nacional são convidadas, e de fato comparecem — porexemplo, o novelista mundialmente famoso Jorge Amado, que controla (oucontrolava antes de 1964) uma linha de patronagem nas artes, a qüalse liga a postos de embaixadores e adidos culturais e coisas semelhantes.Pessoas de importância equivalente em outras área são também procuradas.35 Os velhos partidos tentarem fazer com que o governo militar reconhecesse os grupos de interesse no interior do sistema bi-partidário sob

a rubrica de “sub-legendas”; estas eram essencialmente os velhos partidos tentando se reagrupar,

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i m   A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

das   associações de favelas, das comissões de eletricidade; para influenciar os clubes sociais e de futebol, as igrejas e as sociedadesrecreativas. As técnicas vão da flagrante manipulação do voto a

complexas manobras entre vários grupos e a promessas de favores'"bor parte de candidatos eleitos.36 Arranjos paralelos existem provavelmente nas vilas, conjuntos, parques, e assim por diante, embora poucos dados existam sobre isso.

0 resultado deste tipo de coalisão é a distribuição por todacidade de uma série de coalisões mais ou menos paralelas, manobrando por proeminência, controle, liderança e influência, mas queatravessam  a fronteira elite-proletariado. Discuti alhures outrasformas dessa travessia com referência específica às o l i g a rqu i a s   brasileiras (ver Leeds, 1964). Estas simplesmente intensificam o fenômeno das divisões tanto no interior da elite como do proletariado e a competição entre as coalisoes.

Condições semelhantes são encontradas em Lima, embora elanão pareça ter paralelo com os grupos de carnaval do Rio, Osprincipais grupos proletários solidários envolvidos em tais coalisõessão (a) as associações de barriadas e/ou associações de blocos nointerior das barriadas; (fr) as associações de construção cooperativas compostas inteiramente de pessoal proletário; (c ) as associações de construção mútua, mais predominantemente de classe média, mas com algumas pessoas da classe trabalhadora, e, possivelmente ( d )   associações regionais. Grupos específicos de cada umadessas categorias são envolvidos em negociações complexas com vá

36 Dou três exemplos, todos de uma favela suficientemente grande (2%  da população do Rio)» para afetar criticamente os resultados das eleições em seu distrito eleitoral, e mesmo no estado como um todo. Primeiro: de 1965 em diante, havia uma Comissão da Luz (cr.), na referida

favela, vinculada a, e oficialmente reconhecida pela Comissão Estadualde Energia ( c e e ) s a qual criou as c l s em algumas favelas, começando porvolta de 1964-1965, A c l era responsável por organizar um sistema dedistribuição de eletricidade para toda a favela, freqüentemente às expensas dos proprietários privados dos sistemas de fornecimento elétrico usadosde forma exploradora para engrandecimento pessoal. Numa favela de maisde 10.000 pessoas, como essa, grandes somas de dinheiro estão envolvidasno conjunto das contas dos consumidores; o contato com os consumidores também permite a extensão de redes cie patronagem pelos comissáriosda Luz, através de favores ao consumidor (por exemplo, reduzindo oscustos da instalação). A c l estava originariamente sob o controle de um

morador da favela intimamente ligado ao padre, que estabelecera umagrande igreja e um centro social na favela, e ambos estavam ligados àu d n através de uma hierarquia de laços. O c e e t a m h é m estava, originariamente, nas mãos da udn, até que a eleição de outubro de 1965 trouxea coalizão ps d -pt b   aos cargos que controlavam a patronagem estadual. Ocontrole do c e e , muito embora certas pessoas de administração anterior

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rios órgãos representantes das elites da classe alia, como bancos,instituições do governo, detentores de cargos políticos ligados apartidos políticos (quando estes eram ainda abertamente ativos,

particularmente a APRA, que tinha ampla base de massa nos proletariados industrial e agrário, mas não era forte nas barriadas)vcompetindo com outros detentores de cargos políticos em outrospartidos, escritórios burocráticos e, possivelmente, firmas de negócios, como companhias de material de construção. 0 poder de barganha das barriadas tornou-se muito claro imediatamente após atomada do governo pelos militares, em 1968, porque este não tinhaeleitorado ou apoio claro. Ele começou imediatamente a adular

fossem mantidas ainda no escritório central, passou para o ptb , mas a CLda favela estava ainda nas mãos da facção u d n . A s regrs da c e e exigiameleições periódicas, e ocorreu uma na favela poucos meses depois daeleição estadual. O c e e enviou supervisores para a eleição, dos quais umadas obrigações era a de instruir os eleitores inseguros — a maioria deles —nos procedimentos do voto. Foram dadas instruções de modo tal a indicarao eleitor como votar nos candidatos do p t b , que, não surpreendentemen~te, ganhou.

Segundo: os novos comissários da c l   eram intimamente ligados ouidênticos à clique do pib na favela, que por vezes tivera o controle de,ou uma forte influência em, várias associações dos moradores (nunca

muito viáveis nessa favela e, pelas regras do c e e , exclusivas da c l , e vice-versa — uma técnica deliberada de dividir e governar por parte do c e e  

como um meio de dividir a organização proletária potencial). Esses homens apareceram na noite da seleção  (ver nota 33) da escola de samba,que era bem grande, mas não do primeiro grupo, em companhia de Lu-tero Vargas, filho de Getúlio Vargas e um dos líderes da ala esquerdado PTjt, que esperava tornar-se candidato a deputado federal (antes queo governo militar o desqualificasse). Ele se dirigiu à grande assembléia,que consistia da comissão de seleção (de alguma importância local) ocerca de 400 a 500 moradores reunidos paar essa importante ocasião, efaíou, na retórica populista padrão, das necessidades do povo da favela,

do direito à autodeterminação da favela, que não era mais uma favela,mas um bairro  (um tema familiar aos moradores), de seu desejo de ajudar o bairro  e suas associações na melhoria de suas condições, etc., obviamente tentando ganhar a lealdade da escola.

Terceiro, uma pequena escola na parte dos fundos da mesma favelaofereceu um jantar cerimonial para o qual várias pessoas de algumaimportância na favela foram convidadas, em parte para ajudar a recuperara sua imagem, e aumentar novamente a sua fortuna. A escola estivera emdeclínio, seu presidente era idoso, e estava obscurecida pela ascensãodaquela discutida acima — as únicas pessoas que compareceram foram ofiel antropólogo e um voluntário do Corpo de Paz. Todavia, o deputado— esperando uma multidão de pessoas inFluentes da favela — tambémapareceu com um cabo-eleitoral  extrafavela (ver E. Leeds, 1972:24-26)na esperança de fazer negócios políticos em alguma forma de coalisão ede encontrar um curral eleitoral através de membros inFluentes da comunidade.

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as Barr i ad as (prontamente rebatizadas como pueb los jóvenes,  paraapagar a pejorativa “ barriada” ) dando-lhes serviços melhorados,ampliando esIradas e transportes, legalizando a posse e dando segurança de ocupação, distribuindo títulos, ajudando a melhorar a

infra-estrutura no interior das barriadas, etc. Esperava, em troca,s e r capaz de uni-las ao Sistema Nacional d e Mobilização Socialf s i N A M O S ) , mas as barriadas participaram apenas na medida emque lhes convinha e que continuavam a obter recompensas — eentão resistiram.

Em suma, tanto no Rio como em Lima, que considero representativos do modelo genérico de uma classe de cidade, e suas ordens sociais, encontramos um processo que separa as elites do proletariado, reforça continuamente as fronteiras entre eles, e tende

a gerar em cada um uma organização de classe plena. Ao mesmotempo, a estrutura da economia nacional e o mercado de trabalhourbano, além da ação deliberada por parte das elites, tendem afragmentar o proletariado organizacionalmente, fato que se refletenos arranjos habitacionais e na necessidade que tem o proletariadode circular entre um conjunto de tipos de moradia, de modo a maximizar sua habilidade em alcançar seus objetivos no interior dosestreitos parâmetros permitidos pelas elites, A fragmentação é intensificada pela imigração. A classe superior também tende a fragmentar-se devido à natureza da própria empresa capitalista e devido à imigração. Seus membros estão constantemente em competi-ção entre si, criando assim fragmentos de classes. Em sua luta competitiva, buscam apoio fora de suas fontes de recursos usuais, vol-I ando-se para aqueles fragmentos do proletariado que podem dar-lhes recursos utilizáveis ná luta pelo poder, riqueza e prestígio. Osfragmentos proletários — especialmente sua liderança — acharamvantajoso e conveniente entrar em coalisão com os fragmentos deelite de modo a deles extrair recursos com os quais podem (a)melhorar a vida da comunidade e (&) solidificar suas próprias po

sições ocmo líderes. Em troca, fornecem votos, eleitorado, dinheiroe possivelmente outros valores às elites. 0 resultado é a articulação de grupos sociais, áreas geográficas e instituições da cidade numa ordem social complexa que, num grau marcante, é coextensivaà própria cidade em termos físicos, e representa uma série de nós,relações entre eles, e múltiplas trocas baseadas nos recursos existentes na cidade e impossíveis sem eles.

Im p l i cações pa ra o P l an eja m en to 

Em outras palavras, a cidade física é, em grande medida, umacristalização temporal da ordem social t o ta l   da cidade — das in

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teraçÕes e interesses das elites e   proletariados. A cidade física, comovista na realidade, e não na prancheta dos planejadores, é ininteligível sem a compreensão do processo de proletarização e da açãoproletária. Em geral, certamente em sociedades capitalistas, se não

mais amplamente, o processo e ação proletária sao ambos negligenciados, pensados com relação a características específicas —como as áreas invadidas por posseiros — , como aberrações, ou pensados com relação a características específicas — como, por exemplo, com relação às favelas, mas não a outros tipos de habitação-Certamente, no Rio, a maior parte do pensamento sobre a cidadefísica situou-se entre a primeira e a segunda dessas formas, enquanto em Lima, até os últimos anos, quando foi bem mais além(ver Leeds, 1973b), vinha se situando entre a segunda e a terceira.

Em conseqüência, os planejadores, que praticamente sem exceção são recrutados nas elites, vêem a cidade física apenas de modoparcial, Como membros da elite, vêem-na como um processo deelite. Vêem a cidade futura para a qual o planejamento deve serfeito em termos do futuro extrapolado da classe alta, ou, mais provavelmente, daqueles subsegmentos mais intimamente ligados àsprofissões e ao governo. Uma vez que a maioria deles vê a cidadeapenas parcialmente, eles sempre a planejam parcialmente.

Planejar parcialmente significa que o planejamento é feito

apenas para alguns dos papéis sociais da cidade. Uma vez que aordem social da cidade envolve i n e r e n t emen t e    a interação com, e aação da(s), parte(s) para as quais não se planejou, sempre ocorreque processos, acontecimentos e situações imediatamente ligadas a  cidade como um processo social não são levados em conta nos planos. Na pior das hipóteses, a parte considerada e a não consideradaestão em contradição conflituosa direta e conduzem à luta socialintensifiead aeja cenários urbanos em deterioração — como noca&o do Rio hoje (ver Leeds, 1973b) e possivelmente importantes

cidades norte-americanas, como Washington e Nova York. Na melhor das hipóteses, pode haver uma coincidência acidental de interesses por um curto prazo, como talvez no caso de Lima, ondeainda hoje, depois de contínua pregação desde que foi assumidoo encargo da realização de uma reforma urbana, nada existe ainda.

Em geral, então, qualquer planejamento urbano que não levaem conta toda a ordem social da cidade está fadado ao fracasso,como os planos urbanos que, em parte ou como um todo, fracassaram continuamente. Nas sociedades marcadamente divididas por

linhas de classe, onde posições oficiais tais como aquelas dos planejadores são preenchidas apenas por membros de uma classe, osfracassos tendem a ser de grandeza ainda maior — por exemplo,

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“p caso de Brasília (Epstein, 1973). A implicação pareceria ser aãe que o planejamento urbano bem sucedido requer a eliminaçãoHa classe. Eu tendo a achar que esta, também, seria uma visão demasiado otimista. O problema é que um plano prevc apenas umagama de possibilidades, levando em consideração a forma da orga-’-nizaçao social que existia na época do planejamento ou imediatamente depois deste. Mas a dialética da mudança não segue necessariamente a visão do planejador, e o não-antecipado e o imprevisto-ocorrem — “o super” crescimento de Moscou, numa sociedade su-ipostameníc sem classes, é um caso em questão (Hall, 1966, capítulo sobre Moscou). Possivelmente, teremos que chegar ao ponto de vista de que o processo social é, el e m esm o,  o processo deplanejamento.

B i b l i o g r a f i a   

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 VI

Favelas e Comuisidade Política;  À Continuidade da 

Estrutura de Controle Social *

 A  n t h o n y   L e e d s   e   E l i z a b e t h   L e e d s

I n t r od ução 

Pode-se perfeitamente dizer que, nas últimas décadas, houveum crescente reconhecimento na América Latina, se não no mun

do, de uma intensificada crise de urbanização. A crise consiste noimenso crescimento populacional das cidades, por um lado, e, poroutro, na falta de recursos, especialmente na habitação e infra-estrutura urbana a ela relacionadas, para ocomodar os urbanitasnativos recém-chegados, particularmente aqueles de baixa renda.O grau dessa falta e, como conseqüência, a intensidade da crisedependem um pouco dos padrões de habitação e infra-estrutura estabelecidos como normas. Estas normas e, com elas, as definiçõesdo problema da “habitação social” ou “ habitação de interesse so

cial” — eufemismos freqüentemente usados para a habitação barata de baixa renda — são estabelecidas em larga medida pelosmembros das classes de renda superior que controlam também aconstrução e as políticas e instituições urbanas.

0 Brasil não foi exceção tanto no que diz respeito à onda deurbanização como no que se refere ao reconhecimento da crise

* O trabalho baseia-se, em parte, em dois anos de trabalho de cam pono Rio, e, em parte, em fontes documentais e publicadas (ver Leeds eLeeds, em elaboração). O trabalho de campo e o estudo foram feitos,

em todos os sentidos, em colaboração. Mas E. Leeds tem a responsabilidade maior pela síntese das pontes documentais publicadas no estudo.

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 187

crescente. O reconhecimento é encontrado em um número imensode relatos sobre “ o déficit habitacional” e em uma vasta literaturade declarações publicas, estudos sociológicos e pronunciamentos superficiais especialmente com relação ao “problema da favela” . Ostemas da habitação e da favela aparecem já por volta de 1880,mas, em termos de alcance e volume, tornam-se significativos apenas na década de 1940 e urgentes apenas na de 1950 *— refletindo o rápido crescimento das favelas e a elaboração de respostainstitucional, os quais devem ser, ambos, examinados, caso se queixa compreender a década de 1960.

 A década de 1960, embora um corte artificial e mesmo impróprio do fluxo histórico, tem certa significação para o Brasil e

para o estudo das favelas. O ano de 1960 é um divisor de águas,no qual o Rio de Janeiro, o lugar de maior concentração de favelas no Brasil, deixou de ser a capital nacional, enquanto Brasília,então ainda quase um povoado, tornava-se da noite para o diauma capital e uma cidade com a su a   própria _coleção de favelas.Como um Estado, o Rio tornou-se verdadeiramente independentepoliticamente — mais do que como Distrito Federal, um elementomeramente administrativo da sociedade nacional — fato da maiorimportância tanto internamente para o novo Estado da Guanabara

(em suas políticas habitacional e urbana, por exemplo) quantopara o governo nacional, em relação ao qual ele permanecia aindanuma certa oposição dialética, agora quase que totalmente aniquilada.

 À década de 60_se caracteriza também, pela crescente dissonância das linhas eoqtrapontístiças de desenvolvimento no interiorda sociedade, de modo que a textura da composição em algumponto precisava quebrar-se para se estabelecer como uma nova forma de desenvolvimento* Essa quebra foi,o movimento militar de

1964, com todas as mudanças institucionais significativas que eleproduziu. Estas, em suma, gelaram mudanças no curso na poli-tica de desenvolvimento de abordagens institucionalistas para abordagens monetaristas, mudança esta que se refletiu na política habitacional e urbana, no controle salarial, nas estratégias de impor-tação-exportaçao e. em desenvolvimentos in£ra-estruturais. Talvezainda mais importante, elas envolveram uma expansão drástica deuma extensa inovação em uma feroz aplicação de controles sócio-políticos.

 Apesar das mudanças na política e na ação, as novas formasde desenvolvimento perpetuaram velhos elementos e temas, sejaporque estes velhos elementos não podiam ser erradicados, sejaporque se julgava desejável mantê-los. Essa continuidade através

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 A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

âos anos 60, com suas raízes no século passado, pode ser encon-trãda átravés do exame de um certo conjunto de políticas, linhasHe pensamento e instituições através das quais essas políticas foramimplementadas ao longo dos últimos 80/90 anos.

Subjacente a essa continuidade nos anos 60 encontra-se uma"estrutura societal brasileira cuja ordem básica foi mantida e irregularmente reforçada ao longo desse período, desde que a primeirafavela surge, por uma série de instituições variando em formas*mas semelhantes em objetivos e efeitos.

Um de tais conjuntos de políticas é o que se refere à população urbana de baixo nível de renda, em grande parte, mas nãototalmente proletária, e especialmente, mas não exclusivamente,àquele seu segmento que reside em áreas invadidas por posseiros»ou favelas1. As favelas do Rio fornecem uma amostra especialmente interessante da população urbana de baixo nível de renda, nãoapenas por causa de seu grande número, ampla variedade e grandepopulação, mas particularmente pelo fato de que elas se localizamno que é, ainda hoje, o centro significativo da tomada de decisõesno Brasil, o Rio de Janeiro.

Neste estudo, mostramos que, nos anos 60, a política relativaà favela, apesar de marcada por variações externas na forma, é

 j essencialmente a continuação de uma política de controle, que re-|monta, pelo menos, aos anos 30. Pqe_ vezes, esse controle reveste-

se de adornos mais populistas — por exemplo, na forma de. “urbanização”2 i n l o c o    das favelas, mas em outros momentos aparecesob uma forma mais repressiva, como, por exemplo* a remoção tostai das favelas e rigorosa supervisão administrativa das unidadeshabitacionais governamentais de “ emergência” , chamadas “ parquesJproletários”. À natureza da solução política particular varia diretamente com relação à ideologia nacional reinante e à ordem política. Assim, quando um regime mais populista controla a comunidade política, então tende a surgir uma política relativa à favelamais comprometida com soluções “sociais” e “humanas” , ao passoque o regime militar e outros regimes elitistas tenderam a produzir políticas mecânicas, administrativas e repressivas. Ambos osconjuntos de política, todavia, podem ser vistos como objetivandoum controle governamental sobre as massas. Ainda_ mais,_ a polí

1 Favela é a palavra usada para áreas invadidas por posseiros no R iode Janeiro e outras cidades do Brasil, Para uma discussão detalhada, ver

 A . Leeds, 1969.2 O termo “ urbanização” , a não ser quando indicado, será usado neste

trabalho no sentido espanhol e português de fornecimento de serviçosurbanos e infra-estrutura para uma área da cidade.

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m  A   S o c i o lo g i a d o B r a s il U r b a n o

e a demolição e extinção dos inumeráveis cortiços, sem a substituição por outra habitação de baixo custo, deixaram os setores maispobres da população sem habitação e £orçaram-nos a morar comoutra família em outra habitação na cidade ou a mudar-se para os“ subúrbios”.4 Só a abertura da Avenida Central (hoje Avenida RioBranco) exigiu a demolição de duas ou três mil casas, muitas comfamílias numerosas, deslocando com isso milhares de pessoas (Goulart 1957: 13 ).5 Novas habitações não substituíram as velhas numritmo suficiente para impedir a escassez, e como conseqüência osaluguéis subiram como subiram de maneira geral os valores imobiliários no centro da cidade. Dados os níveis de renda, o pobre pagava relativamente muito mais por sua moradia do que os ‘'mais remediados” » A situação tornou-se mais difícil com a lei municipalde 10 de fevereiro de 1903, proibindo todos os reparos em cortiços (Baekheuser; 1906, 1907). Somando-se à intensidade do problema estava a imigração, que Baekheuser descreve para esse período de modo bastante semelhante às descrições dos anos 60 épocaem que se supunha que o problema fosse um fenômeno peculiar característico:

“ A situação da classe pobre era, pois, muito precária, apesar daexistência de trabalhos bem remunerados no Rio atualmente. Maspor isso mesmo chegavam diariamente, de todos os lugares circunvizinhos, camponeses, que trocavam seu serviço na roça por ocupa-

4 O termo “subúrbio” , no R io e em outras cidades brasileiras, refere-sea áreas no interior dos limites jurídicos das cidades em questão, constituídas basicamente por estabelecimentos residenciais de pessoas de classebaixa ou média; uma área geralmente pouco desenvolvida em termosde serviços urbanos, rnas mais ou menos regularmente loteada e estabe-cclida segundo um plano de ruas, embora estas, na melhor das hipóteses,sejam muitas vezes de terra. Contrastam com os subúrbios americanos»que são áreas geralmente de pessoas de classe média e alta, fora dos li-1

mites jurídicos das cidades centrais. N o Rio , os subúrbios situam a 10ou 30 km do centro da cidade. Do ponto de vista dos moradores destecentro, as grandes cidades vizinhas, como Caxias e Niterói (cada umacom 500.000 pessoas), incluem-se no amplo termo "subúrbio” , mas doponto de vista dos moradores destas duas últimas cidades, apenas otipo dc área acima definido é propriamente um subúrbio; eles não sãomoradores de subúrbio — diferentemente dos moradores de Scarsdale comrelação a Nova York ou dos moradores de Newton em relação a Boston. Assim, a articulação de interesses dos moradores de subúrbios diz respeito ao governo da cidade central, e não ao governo da cidade satélite.5 Ve r também i b g e , 1953. Como conseqüência do movimento de massaspara os subúrbios,  um aumento de 1.876.325 passageiros por ano foi obser

vado na Estrada de Ferro Central do Brasil, linha que serve as áreas suburbanas (Goulart, ibid).

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 191

çoes de operário, . . A população pobre aumentou sem que aumentasse o número de casas” (Backheuser — 1906/7).

 A partir deste exemplo, fica claro que algumas características

básicas, como o crescimento urbano, a reconstrução urbana, migração, a habitação decadente, a escassez de habitação, aluguéis relativamente elevados para pessoas de baixa renda, superpopulação, epropostas político-administrativas para soluções do problema habitacional, bem como alguns dos tipos físicos de habitação, têm sidocomponentes da situação no Rio desde a década de 1880.

O “P r o bl em a da F a v el a ” V i r a M oda 

Na década de 1880, a favela ainda não existia como um dessescomponentes; é apenas por volta de 1895 que a primeira favela— Favela Providência (ver fotos i n   Backheuser, 1906) — aparece,e o “problema da favela” começa a evoluir, embora despertandopouca atenção durante as duas primeiras décadas deste século.

Discussões extensas sobre as favelas per se   como elementos importantes do padrão habitacional do Rio aparecem pela primeira vezem 1930, quando o Rio sofria novamente as dores de importantesprojetos de reconstrução urbana,0 quando crises agrícolas nos Estados

vizinhos estimulavam nova e intensa migração para o Rio,7 quandoo acelerado crescimento industrial atraía novas levas de imigrantese quando a política econômica essencialmente institucionalista de

 Vargas visava a construção de mercados internos para criar um graude independência política e econômica para o Brasil. Ao mesmo tempo, Vargas deu muita atenção ao proletariado urbano. Essa atenção,como encontramos em nossos questionários de su r veys   e entrevistas,é ainda muito valorizada por pessoas de 30-35 anos ou mais. Aatenção não era desprovida de seus controles, expressos por um po-

pulismo corporativo (ver abaixo) e através de instrumentos legaistais como o Código de Obras (D i ár i o O f i c i a l Feder a l ,  7 de janeirode 1937), em sua tentativa de limitar a expansão e melhoria da favela.

O código continha (segundo Modesto, 1960) o primeiro reconhecimento legal das favelas c o primeiro de muito apelos, tanto

6 O primeiro planejamento sistemático de conjunto para o R io foi feitopor Alfredo Agache em 1928-1930, na Administração de Prado Júnior. Oplano foi apenas parcialmente realizado, sendo depois abandonado por

motivos políticos (Modesto, 1960:39, col. 5).7 Durante a década de 1920, um grande com ércio de exportação de cafée a subida dos preços desse produto atraíram grande número de imigrantes para trabalhar nas áreas cafeeiras. A abrupta queda dos preçosdo café na época da Crise de 1929 levou muitos desses homens paraáreas urbanas em busca de outros meios de trabalho.

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oficiais como nao-oficiais, para sua eliminação das favelas e subs-tuição por “núcleos de habitação de tipo mínimo” (Artigo 347), Vendo o problema basicamente como de ordem habitacional, esse

artigo pede a construção de habitações populares ou “ habitaçõesproletárias” a serem vendidas a pessoas reconhecidas como pobres," enquanto o Artigo 349 "proibia” a expansão das favelas: nas fave

las existentes ficava absolutamente proibida a construção de novascasas ou a realização de qualquer melhoria nas casas existentes. . . Assim, na primeira política governamental formal relativa a favelas, os temas de erradicação, de uma “ doença social” e da tentativa de solução do problema habitacional por medidas puramente administrativas são apresentados — temas que se repetirão periodica

mente no decorrer dos 30 anos seguintes.O interesse populista do período de Vargas e a abordagem habitacional administrativa ao “problema da favela” cristalizou-se logodepois do começo do Estado Novo, em 1937. O Governo de Henrique Dodswortb, Prefeito do Distrito Federal no início da décadade 1940, foi o primeiro de 11 mandatos, de 1940 até hoje, a lidaradministrativamente com as favelas.8 A era de Dodsworth deveser vista no contexto da ideologia do Estado Novo de Vargas, modelado segundo o fascismo europeu do Estado corporativo. Essa

ideologia ditava suas relações populistas, paternalistas e essencialmente controladoras do proletariado através de meios corporativis-tas. Como diz Skidmore (1967 — 30-31):

“ Os objetivos do bem-estar social e do nacionalismo econômico. . . deveriam ser agora buscados sob uma tutela autoritária. Oresultado foi um aprofundamento da dicotomia entre um estreitoconstitucionalismo que havia negligenciado questões sociais econômicas e um bem-estar social nacionalista que se tornava inequivocamente antidemocrático.”

 As políticas relativas à favela desenvolvidas sob a Administração Dodsworth combinam os elementos aparentemente contraditórios de um profundo interesse pela situação angustiante do proletariado e um rígido controle autoritário.

Dodsworth ( A N o i t e  , 17 de outubro de 1945) via sua políticarelativa à favela como uma continuação das tentativas do PrefeitoPereira Passos, 40 anos antes:

“Depois de um intervalo de mais de 40 anos, coube ao governo do Presidente Vargas reiniciar, por intermédio da Prefeitura, as

providências de ordem prática para a solução do problema das fa

■8 Para discussão mais extensa da Administração Dodsworth, ver Parisse,1969.

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 193

velas. Mais de quarenta anos decorridos, permanece o problema,agravados os seus aspectos urbanos e médico-sociais, contribuindode forma nociva para complicar outros problemas. . . Porque assimé, a Prefeitura na administração atual encarou a urgência e gravidade do caso, procedendo ao estudo sistemático das favelas.”

Na Administração Dodsworth, o indivíduo que teve a maiorresponsabilidade para lidar com as favelas e que levou adiante oestudo mencionado foi um médico, Victor Tavares de Moura, Diretor do Albergue da Boa-Vontade e chefc do Serviço Social do Riode Janeiro, sob a direção de Jesuíno Carlos de Albuquerque, Diretor do Departamento de Assistência Social na Adiministração Dodsworth. Moura fala também do interesse de Pereira Passos por fa

velas, 40 anos antes, fazendo longa citação de um artigo de Back-heuser em Ren a scença   (ca. 1902), prosseguindo para dizer (1943:260);

“ Isso ocorria exatamente há 40 anos. Nessa época, AlcindoGuanabara, no País , Machado de Assis no J or n a l d o B r a si l ,  Medeiros e Albuquerque e Olavo Bilac na Ga zet a d e Notíci a s secundaramBackheuser em sua campanha contra o corliço, a estalagem [uma espécie de casa de cômodos hoje extinta] e a favela. Bilac, tratandodeste assunto, disse: este é o principal problema agora; adiar sua

solução é cometer um crime de desumanidade.”E surpreendente que pessoas tão eminentes como o novelistade renome internacional Machado de Assis se preocupassem com oproblema nos inícios deste século!

Por iniciativa de Victor Tavares de Moura, estabeleceu-se umacomissão para o estudo de saúde e saneamento nas favelas baseadonum censo sistemático. Apesar do enfoque mais limitado definidopela comissão, as perspectivas de Moura acerca da favela eram b e m

mais amplas e certamente mais extensas do que as da maioria de

seus contemporâneos.Diversamente de muitas de tais comissões e planos propostosdesde então, depois dos quais nenhuma ação se efetiva, o estudo deMoura realizou censos em 14 favelas chegando a conclusões raraspara a época. Elas divergiam radicalmente dos mitos — entãocomo agora — comumente sustentados de criminalidade, marginalidade e desorganização social que são ainda usados para caracterizaras áreas invadidas por posseiros.9 Como exemplos, (a ) foi encon

9 A permanência de tais mitos pode ser comprovada nas seguintes citações: ;

a. “ As péssimas condições de vida que caracterizam as favelas sãoapenas em parte conseqüência do meio geográfico e das circunstânciashistóricas de sua construção. Eles refletem, sobretudo, a mentalidade &

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trada elevada percentagem de “favelas organizadas” ; (b ) uma “ tendência pronunciada” para uma ativa vida associativa incluindo clubes de futebol que participam em campeonatos com times locaisestaduais e de outros estados foi também encontrada; (c ) Moura

observou a existência de um sentimento distinto de interação sociale um sentimento de “ nós” ; (d ) os pais cuidavam de seus filhos tãobem quanto possível, exercendo sua influência educacional (1943:264-265),

 A conseqüência mais visível e duradoura da política de Dods-worth relativa à favela foi a construção de parques proletários comosubstitutos dos barracos de madeira sabidamente insalubres, característicos das favelas. As casas de madeira enfileiradas deveriam ser

os hábitos cte uma população que trouxe para as favelas um modo de

vida pré-formado e que o ambiente podia apenas agravar. A anormalidade não ocorr e apenas nas vizinhanças; ela se reflete

também na irregularidade de mais da metade das famílias, uma irregularidade, na maioria dos casos, anterior a sua chegada ao Rio. Ela seexpressa na ociosidade de grande parte dos homens, embora eles sejamaptos para o trabalho. Ela se torna evidente no estado de abandono emque as crianças se encontram. Essa situação se agrava mais ainda pelofato de que as favelas constituem um refúgio ideal para a camada inferior dos marginais, cariocas ou imigrantes, o que produz o contágio deuma fração dos moradores, especialmente os jovens.” ( i p e m b , 1957: 36)

b . '‘ Com relação aos favelados e especialmente às pessoas de corque predominam entre eles, tem havido um preconceito amplamente difun*dido e profundamente enraizado de que se tratava de uma população primitiva, não dotada de qualquer estrutura mental, seja por natureza ou porconseqüência do deslocamento a que esta população se submeteu.

Nada mais errôneo! O favelado, como o sabemos agora, não temuma mente virgem. Pelo contrário, seu subconsciente carrega não apenas as tendências provenientes de seu substrato étnico, mas também aquelas nascidas através dos séculos e milênios de uma vida ancestral rica emformas psíquicas, sempre muito peculiares e> freqüentemente contraditórias. E em sua débil consciência criativa preponderam tradições e hábitos herdados de um passado familiar e freqüentemente pessoal no campo.Desta forma, o favelado tem uma mente anquilosada por automatismos,

poucos, mas muito poderosos. É evidente que não por acaso, mas porrazões raciais, os nordestinos são mais beíicistas que os outros; não épor acaso, mas por causa da pressão subconsciente do animismo ancestral que os negros produzem duas vezes mais macumbeiros que os brancos ou mulatos; e não é devido às contingências sociais o fato de queuma a p r e c iá v e l p e r c e n t a g e m de f a v e la d o s , a n t e r io r m e n t e c a m p o n e s e s oufilhos de camponeses, conseguiram, apesar de sua miséria, converter-seem pequenos proprietários.

 Assim , a vida mental do favelado é dominada alternativamente porum subconsciente anquilosado e por uma consciência maleável. Em ambosos casos, ele é um inadaptado” . ( i p e m e , 1958: 31)

c . “As fav e la s. .. apresentam as mais precárias condições de habitação e higiene, expondo seus moradores a situações de promiscuidade e

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 A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

gía estadono vista.10 A autoridade da Administração sobre os mora-dores era total. Todos os moradores tinham carteiras de identificação, que apresentavam à noite nos portões guardados que eram fechados às 22 horas. Toda noite, às nove, o administrador dava um

“chá” ( “chá das nove” ) quando ele falava num microfone aos moradores sobre acontecimentos do dia e aproveitava a oportunidade

gráção ocorre na favela como resultado da habitação promíscua, mausexemplos e dificuldades financeiras,

 A promiscuidade é aceita com o condição natural. As jovens são seduzidas e abandonadas, engravidam, mas não se

envergonham com isso. É a seguinte a moral nas favelas: a mulher honesta tem de ter um homem que a defenda, se possível que sefa marido;è suspeita a mulher que não tem um homem, pois isso significa que ficalivre para ser de muitos.

Os rapazes se corrompem menos por serem obrigados a trabalhar309   14 anos para ajudar no apoio à família.

Em algumas favelas, os adultos traficantes de maconha procuramassociar o jovem às suas atividades e o obrigam a ser portador da “ervamaldita”.

 A s noites pertencem aos marginais que se acoitam nas favelas. Osmoradores pacatos recolhem-se após 0  trabalho diário e não mais séaventuram pelas vielas. Se em altas horas da noite ouvem-se gritos desocorros, os ouvidos permanecem surdos: “Sou chefe de família, tenho de

ganhar o pão dos meus filhos. Se sair em socorro de alguém que estejasendo agredido, amanhã serei eu o sacrificado.” E assim perpetram-se oí»erimes.

Na calada da noite, só aos pares os policiais penetram nas favelas.”Da p. 4: “A gente favelada é boa ; gente humilde, sofredora, dedicada,”Deve-se observar que esse documento oficial de 1969 não menciona

a Comissão Estadual de Luz, que, desde 1965, vinha se introduzindo nafavela,  especialmente nas favelas sob 0  controle da Fundação. Deve serobservado também que muitas dessas mesmas favelas são as mais envolvidas na cidade, e, como nos casos do Jacarezinho e Barreira do Vasco,suas casas são entre 90-95% de tijolos e reforçadas de concreto, havendotalvez 30-40% de casas de dois andares. Além disso, deve-se observar quepraticamente todos  os moradores da favela, como todos os brasileiros, tomam obrigatoriamente um banho diário (ver acima); que os moradoresdas favelas participam profundamente do futebol (como o resto da população brasileira) com inúmeros clubes, inúmeros grupos de carnaval (ver -Morocco, 1966), e outras recreações. Finalmente, cerca de 20-30% daspopulações das favelas, em nossa experiência, são protestantes e grandeparte do restante relativamente devota à religião católica. Que tal quadrodos moradores da favela seja pintado em 1969 por um órgão dessa espécie pode se dever apenas à má-fé, a motivos políticos, ou a ambos. Não

pode ser ignorância (Fundação, 1969).10 Gostaríamos de agradecer a Maria Coeli de Moura, R io, por suacooperação em ceder-nos os arquivos de seu pai sobre favelas, os quaisincluem correspondência, artigos de jornais,, fotos, memórias e conferências dadas por Victor Moura.

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A   S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

entre forças externas e populações locais seriam sempre cons-iituídaa de acordo com interesses eleitorais” (MF de Moura,1969:6). A instituição do sistema eleitoral foi acompanhada demudanças nos instrumentos de controle no interior do parque. En

quanto que, antes, a escola, a creche, e a igreja eram partes da es-tjçutura administrativa de controle, depois de 1945, a escola de samba ( ver Morocco, 1966) e as b i roscas   (ver Machado, 1969), bemcomo as associações de favelas e igrejas, ganharam importânciacomo veículos organizacionais para a manipulação por parte de políticos de fora (ver, também, E. Leeds, 1966). Por meio dos pagamentos políticos aos cabos eleitorais locais no interior dos parques,03 políticos asseguravam a “permissão” (geralmente não oficial) aseüs capangas para a construção de casas em terras vagas dentro e

atrás do Parque. Muito da regularidade que o Parque tivera antes foi perdida na construção desordenada e ao acaso.

A “D em oc ra c i a ” PósVa r ga s 

O final da primeira era de Vargas e a entrada do General Dutra çomo presidente marcavam uma grande descontinuidade na política relativa à favela do Distrito Federal. Tais deseontinuidadessão um Iraço comum na história da política social do Brasil, como

assinalamos acima. A maioria dos programas iniciados sob Dods-worth foi negligenciada, enquanto que as tentativas feitas para “solucionar o problema da favela” não introduziam nada de novo, repetindo desnecessariamente trabalhos anteriores já realizados.

 A Administração de curta duração de Hildebrando de Góis{janeiro a junho de 1946) iniciou o que mais tarde se tornaria um-elemento significativo do dramático contraponto das relações fave-3a-governo. A criação da Fundação Leão XIII foi, além dc seus-aspectos de bem-estar social um barômetro preciso das pressões po-

lílícas do Brasil do pós-guerra. A idéia de sua criação nasceu dc umacordo entre Hildebrando de Góís e o conservador Cardeal D. Jai-irc de Barros Câmara para tentar “ recuperar os favelados” . Explícito nesse pensamento inicial estava o controle da “ infiltração comunista” , que era vista por muitos como uma enorme ameaça numaépoca em que o Partido Comunista tinha seu maior apoio popular;embora o Partido estivesse em quarto lugar dentre os partidos emnúmero de votos, ainda assim o número absoluto de votos que eleobteve nesta eleição de 1947 foi tão grande que parecia representar

um verdadeiro perigo eleitoral parao

futuro. Op c  

foi posto fora dalei no mesmo ano. Um slogan  popular da época era “É necessário su-

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bir o morro antes que os cpmunisías desçam” (dados e citações desagmcs , Pt. I, 1 9 6 0 ; 2 8 ) í ^ y

O plano da Fundação era o de criar, em cada favela, centros

sociais, escolas e clínicas de modo a dar orientação prévia para aurbanização. A noção de “ orientação” permeia o pensamento dobem-estar social e especialmente das escolas de Serviço Social noBrasil; ela significa “ estabelecer normas para, dar incentivos à, eestimular a motivação naqueles habitantes do distrito eleitoral quesfbidamente não têm o ponto de vista correto, tal como definidopela instituição” . “Urbanização” refere-se à instalação de serviçusurbanos numa área de terra acompanhada por construção apropriada, conforme os códigos de construção urbana*

É significativo que as primeiras favelas selecionadas pela Fundação para a manutenção de centros sociais fossem as maiores doRio, abrangendo 1/3 a 1/2 de sua população favelada.11 Estaseram também as favelas-chaves no sentido de que a maioria delas-era bem conhecida por toda a cidade, e uma ou duas, como a doJacarezinho, tinham reputação folclórica a nível nacional (ver Cardoso, 1935). Assim, na época, talvez 100.000 pessoas estivessemsendo “ salvas” dos “ perigos do comunismo”, e um número muitomaior era influenciado pela Fundação.

 / O  estudo do s a g m a c s   é ainda hoje o melhor e mais precioso relatório I publicado sobre favelas no R io. Nele nos baseamos em muito para certos j

aspectos da história administrativa, uma vez que seu material factual pare- !i ce digno de confiança. Consideramos que ele também pode ser analisado  j  

. 1 co m o uma declaração política n o contexto brasileiro, já que (a)  pressu- !i | põe uma certa visão de qual deveria ser a relação entre estado e po vo,11 especialmente o proletário, implícita em várias críticas feitas a ações e, | políticas anteriores, que permeiam o documento; (b) foi elaborado numaI\ época em que a participação política mais ampla das massas urbanas esta^

va, de um m odo geral, sendo encorajada e teve paralelo na criação e ati- !| vídade de órgãos tais com o o s e r f h a u e instrumentos legais com o a Porta- 1| ria n .° 2 de 1965 do Distrito Federal, que abria caminho para a eletrici

dade oficial nas favelas; (c) ele é subjacente à nova abordagem das favelas, realizada nos anos 1960-62 por José Artur R ios (ver discussão dotexto), que tambcm tinha nela os meios de controle e cooptação (verij Apêndice I — a subordinação das favelas, através de suas associações, a \j um organismo estatal, e o controíe deste sobre finanças e programas)./ 14 Entre 1947 e 1954 a Fundação trabalhou em 34 e manteve centrossociais em 8 das maiores favelas do Rio, entre as quais Jacarezinho, Roci

nha, Telégrafos, Barreira do Vasco, Morro de São Carlos, Salgueiro,Praia do Pinto e Cantagalo (as seis primeiras estão entre as mais desenvolvidas da cidade) (Fundação Leão XII I, 1955). Embora a Fundação permanecesse formalmente nessas fnvelas, ela esteve relativamente moribundaaté por volta de 1962, quando foi reativada pelo Governador Lacerda (vertexto adiante').

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medida definitiva para tratar dele diretamente. A AdministraçãoMendes de Morais não foi exceção a essa prática. Em 1946, umaComissão Interministerial foi criada pelo Presidente Dutra pararealizar um “estudo extensivo das causas de formação das favelase de suas condições atuais,”17 As medidas específicas propostaspelo relatório da Comissão retomam os elementos de controle doCódigo de Obras de nove anos antes. As medidas incluíam (a) aproibição de construção de novas casas nas favelas; (b ) a supervisão severa nas favelas para impedir o aluguel ou venda de casasabandonadas; (c j uma lista daquelas pessoas que exploram o&residentes da favela pelo aluguel de c[uartos ou casas ou que cobram taxas exorbitantes pela eletricidade; ( d ) o    rápido término dosprojetos de urbanização em terras da Prefeitura do Distrito Federal

para evitar a invasão dessas terras e sua transformação em favelas;(e) recomendações às instituições federais tais como os Institutos dePrevidência Social para prevenirem-se contra a formação de favelas em suas terras; ( / ) reforço das medidas legais já existentes requerendo esforços para o fornecimento de casas de trabalhadores.18

 As propostas da Comissão tratam as favelas apenas em termosde controle e repressão. Nenhum meio para a melhoria das casase de outras condições nas favelas é sugerido, nem a substituição dahabitação da favela é sugerida, nem mesmo se alude às causas mais

superficiais da formação das favelas.O tema da repressão é reforçado pela criação, em 1947, deuma comissão para a extinção das favelas por Mendes de Morais*,Essa Comissão, ao menos, deu a contribuição positiva de iniciar ocenso das favelas de 1947-48. A iniciativa do censo deve ser entendida nos termos da política geral relativa às favelas de Mendes deMorais. Numa entrevista ( O G l ob o  , de 26 de janeiro de 1966) 10Mendes de Morais, na época legislador, descreveu melhor seu planoanterior para a extinção das favelas, abrangendo o retorno dos moradores das favelas a seus estados de origem, submetendo os mora

dores acima de 60 anos à tutela de instituições do Estado, e expulsando das favelas famílias cujo salário excedesse um mínimo estipulado. O ex-prefeito disse que seu plano não funcionara devido àfalta de apoio dos governadores dos Estados de origem dos moradores das favelas, dos diretores da Cia. Lloyd de Navegação e d<v

^  A Manhã, 1946, sem data, p. 2 (do arquivo Moura).10  Press release  governamental mimeografado encontrado nas colunas da

 jornal Tribuna da Imprensa , Rio, sem data (1946, depois de fevereiro).O tema da extinção é expresso novam ente em 1949 num pro jeto

federal proposto para a remoção de todos os moradores das favelas paracolônias agrícolas nos seus estados de origem. Projeto n,° 633,  Diário do- Congresso, agosto de 1949: 7149.

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foana de apoio. O próprio relacionamento de Lacerda com essa massa urbana nos inícios dos anos 60 será discutido adiante.

Quaisquer que sejam os motivos políticos que Lacerda tenha

tido na época, o fato era que alguma coisa muito fundamental emuito próxima ao cerne do problema da favela havia sido dita eimediatamente captada pelos legisladores e meios de comunicação.Durante todo o mês, os jornais Coi r ei o d a Ma n hã  e O G l o bo    tentaram excitar a opinião pública e tirar as autoridades de sua inércia.Os artigos de Lacerda eram publicados no Cor r ei o d a Ma n h ã, maso G lobo   (parte dos bens da conservadora família Marinho, vinculado aos interesses Time-Life) deu imediatamente cobertura a Lacerda. Ambos os jornais estavam ligados à ala direita da u d n   (UniãoDemocrática Nacional) anti-Vargas (Skidmore, 1967: 69, 88, 125).

 A “batalha” fazia as seguintes afirmações:1. O problema da favela não era uma praga local, mas na*

cional, embora pudesse ser controlado localmente.2. Era um problema complexo que não admitia soluções

simplistas nem podia ser atacado em apenas um aspecto.3. Era resultado de um profundo desequilíbrio na vida do

país e da cidade, resultado, acima de tudo, de Administração escandalosamente inepta.

4. Requeria a coordenação de órgãos federais e municipais,

públicos e privados, sob um único comando.Em seu começo, a “Batalha” pareceu conquistar a simpatiados líderes dos três maiores partidos políticos, figuras-chaves do Legislativo, e do Prefeito Mendes de Morais. Uma nota foi apresentada à Câmara Nacional dos Deputados pedindo apoio federal.20Isso resultou na criação de mais outra comissão e 7 subcomissões porMendes de Morais, Todavia, segundo um modelo consistente, otema, a resposta, e os planos emergentes da “Batalha” logo se extinguiram, sugerindo: (a ) gue qualquer movimento ameaçandoperturbar fundamentalmente o status quo  tinha pouca chance desucesso, e/ou (6 ) que a “Batalha” era uma atitude retórica e política que nunca pretendeu produzir mudança significativa. O estudo do grupo s a g m a c s   corrobora a noção de que aqueles que se encontravam no poder eram basicamente hostis à realização de qualquer mudança deste tipo:

£0 O Deputado Segadas Viana apresentou à Câmara dos Deputados umalei solicitando apoio federal para a “Batalha” : “ O prefeito da capital Jámanifestou seu apoio, convém que o Governo Federal colabore porque o

problema das favelas não é um problema local, Grande parte dos moradores das favelas é composta de trabalhadores que vêm para esta capitalem busca de melhores condições de vida” (Correio da Manha),

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' 204  A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

u{Dl plano (a “Batalha” ) era radical, e modificações de tão longo alcance seriam introduzidas na Administração e no Governo queimplicariam uma verdadeira revolução. Para executar (o plano)era necessária uma nova mentalidade no povo e nas elites. . , Mais.mna vez, a inépcia, a mediocridade e a rotina burocrática venceram. Venceram também aqueles interesses inconfessáveis que têm seudestino ligado às favelas, como outros são ligados à seca no Nordeste e outros ainda ao analfabetismo, . . todos conspirando contra olevantamento das massas brasileiras...” ( s a g m à c s , Pt. I, 1960;38, col 2).

JNuma retrospectiva, a política relativa à favela, ou a sua ausência durante os anos Dutra, 1945-1949, não é surpreendentequando vista no contexto da repressão geral deste período de cinco*anos da história brasileira. Pensava-se ser o P C u m a ameaça tãogrande, depois das eleições de 194>7, que ele foi posto totalmentefora da lei pelo Governo Dutra, Os sindicatos, especialmente o grupo-dos metalúrgicos e dos estivadores, foram também severamente atingidos. No primeiro ano desse Governo, os organizadores trabalhistas comunistas e de esquerda haviam ganho considerável poder nossindicatos até o ponto em que Dutra interveio, em 1947, demitindo

muitos dos elementos de esquerda.Na estrutura do trabalho construída por Vargas no EstadoNovo, os sindicatos estavam sob controle direto do Ministério do.Trabalho que, por exemplo, controlava a alocação dos direitos com-pulsórios dos membros dos sindicatos. A estrutura permaneceu amesma sob Dutra, que “apenas explorou o controle do Ministério*do Trabalho sobre as corporações sindicais para evitar a inquietação do trabalho” (Skidmore, 1967: 114). Assim, as políticas decontrole geral e repressão podem ser vistas como o contexto insti

tucional para o controle e repressão encontrados nas políticas relativas à favela durante o período de “ democracia eleitoral” de Dutra.

O Segu n d o Per íodo d e Var gas e os A n os 50 

O “ democrático” Vargas do início dos anos 50 estabeleceu umatendência ideológica, que, embora não favorecesse explicitamente acausa do proletariado urbano, provia ao menos uma atmosfera naqual as favelas e o proletariado em geral poderiam encontrar canaispara articular seus interesses. A suspeita da classe média e a oposição d e elementos da conservadora UDN não deixaram outra escolha a Vargas senão a de buscar o apoio em grande escala da classetrabalhadora. Inicialmente, houve um afrouxamento substancialdas restrições sobre os Sindicatos estabelecidas por Dutra, permitindo que os líderes sindicais mais radicais retornassem ao poder.

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Uma segunda tendência de maior alcance íoi o estímulo a uma política de desenvolvimento econômico nacionalista que, pessoas da•classe trabalhadora o perceberam, seria benéfica a elas (ver Skid-anore, 1967: 109).21

 A abertura de canais para a classe trabalhadora parecia sertuna deixa para que as instituições legislativas e administrativascomeçassem novamente a tratar mais diretamente das favelas. OServiço de Recuperação das Favelas, criado em 1952 pelo novo prefeito João Carlos Vital, ficara, pela primeira vez em muitos anos,sob a jurisdição da Secretaria de Saúde e Assistência, mais do quesob a do Departamento de Segurança Pública, como, desde a épo--ca de Dodsworth, as instituições referentes à favela haviam ficado(Berson, 1964-: 15). O novo chefe do Serviço, Guilherme Roma

no, declarou numa entrevista de jornal:“Nós não destruiremos as favelas sem construirmos algo melhor que as substitua. A pior das favelas é melhor que nada. Trataremos de assegurar aos favelados uma habitação próxima do local*de trabalho. { T r i b u n a d a I m p r en sa  , 3 de inarço de 1952, citado emParisee, 1969: 124).

Pela primeira vez, a idéia de urbanização i n l o co    começou aaparecer na discussão pública sobre as favelas. Essas idéias e declarações refletem um reconhecimeno genuíno das diferentes funçõessociais e econômicas das areas invadidas por posseiros, aqui especi

ficamente favelas.O ano de 1952 viu também a maior atenção, a nível minis

terial, dada à habitação e às favelas em particular. Pela primeiravez, o fenômeno das favelas eya vinculado a estabelecimentos semelhantes em outras partes do país — mocambos no Recife e v i l a s de  ma locas   em Porto Alegre, A Comissão Nacional de Bem-Estar Social, nessa época parte do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, realizou uma série de conferências de âmbito nacionalcujas conclusões gerais eram de que as favelas constituíam um

problema nacional, e deveriam ser vistas a partir de seu aspecto social, econômico e legal; estudos deveriam ser feitos no contexto de

21 Skidmore diz: UA   classe na qual é mais certo que o apelo nacionalistaencontre resposta positiva é a classe trabalhadora urbana. O entusiasmogerado pela íetüíobrás foi, com certeza, entre os assalariados urbanos. Alinguagem do nacionalismo econômico parecia ser de mais fácil entendimento para eles do que a idéia do conflito de classes doméstico.” Tambémem oposição à maioria dos relatos sobre a ignorância da classe baixa emrelação aos objetivos nacionais, encontramos moradores de favelas muitoconscientes dos efeitos da política econômica e da política nacional emsuas próprias vidas diárias. Inúmeras entrevistas mostraram um agudosenso analítico.

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206  A SOCIOLOGIA DO tíRASIL URBANO

mn planejamento de escala nacional. Em afirmações semelhantesàquelas de Victor Moura no início do período de Vargas, os relatórios afastaram-se do modelo mítico. Um relatório descrevia as favelas como possuindo “populações heterogêneas variando de crimi

nosos procurados pela polícia a famílias legalmente constituídasque, devido a uma série de razões, são forçadas a arranjar um abrigo na favela utilizando aqueles recursos de que dispõem” , (verBrasil, Ministério... 1952: 5, 6, 20).

O Papel do Adm in i s t r a d o r Po lít i c o 

Há um importante elemento na relação burocracia-favela brevemente mencionado acima, que merece maior discussão neste pon

to. Os desenvolvimentos pós-1945 da relação entre o legislador-po-lítico e a favela é um fenômeno bem documentado.22 Os legisladores de então, vereadores, ou candidatos a cargos por eleição ou nomeação, comumente cortejavam o eleitorado da favela ou seu similar proletário, fazendo promessas de todos os tipos (geralmentede serviços urbanos), regularmente não, ou apenas parcialmente,,cumpridas. A prática comum era, e ainda é, apesar da suspensãoatual de eleições genuínas no Brasil, selecionar um ou vários caboseleitorais dentro da favela para colher votos para a eleição do can

didato. O cabo eleitoral, se bem sucedido, seria pago de diversasmaneiras, com uma nomeação, uma casa na favela ou num conjunto habitacional, terra para construir uma casa (como no caso do.Parque Proletário), uma vaga numa escola pública para um filho, oupresentes menores, como roupas e utensílios. Em suma, a relação éde uma “ troca de interesses” (na terminologia local) que beneficia ambas as partes.

Outra forma de relação é o vínculo entre a favela e o agenteadministrativo que, em virtude de suas conexões oficiais, é capaz,

de formular ou influenciar a política relativa à favela e tornar essainfluência conhecida dos favelados, criando dessa forma seu próprio“ ambiente” (no uso local) antes mesmo de anunciar sua candidatura a um cargo eleitoral; para criar o “ ambiente” , ele utiliza ump o l e i r o    que opera clandestinamente. O fato de que o administrador oficial esteja utilizando o cargo para o qual foi nomeado paraser eleito não significa necessariamente que seus esforços durante oexercício do cargo não sejam sinceros e fundamentalmente benéfo

cos às favelas. Alguns o são, outros não.

22 Para a discussão da relação entre políticos e favelas, ver E. Leeds.1966; Machado, 1967; Rios, 1960; e s a g m a c s , 1960,

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 207

O Administrador do Parque Proletário da Gávea, no primeiro Governo de Vargas, que dava o “ chá das nove” (ver acima) énm   exemplo de tal caso. M. Arruda era candidato ao cargo de vereador (pelo Distrito Federal) em 1950, cerca de 14? anos após sua

atuação no Parque. Em um de seus discursos da campanha noParque, Arruda tentou capitalizar sua posição administrativa anterior:

“Proletários, amigos, chefes de família, trabalhadores e homens de respeito; venho mais uma vez buscar o seu apoio políticoe moral para a vereança em 1958. Não sou político profissional enão faço demagogia, pois tenho programa realizado. Dentre outras coisas, realizei o Parque Proletário, Deus sabe com quantosacrifício, de modo a que famílias boas c honestas pudessem vivercom seus filhos numa atmosfera de respeito, conforto, higiene e independência familiar. . , Quando eu oferecia o ‘eliá das nove’ , eracomo uma troca de idéias e conselho àqueles pais menos afortunados,era como um conselho às crianças, ensinando o caminho do bem, e o-resultado aí está. Com o meu ‘chá das nove1, ajudei a formar homens e excelentes operários, o que não acontece nestes dias ondeimpera desordem, a indisciplina e a falta de respeito. . . ”( s a g m a c s , Pt, II, 1960: 45),

 A posição do administrador regional (depois de 1960, chefede uma subdivisão do Estado da Guanabara) é outro exemplo. De

pois da criação de Brasília, o Rio de Janeiro tornou-se o Estado daGuanabara, dividido em cerca de 23 distritos administrativos, cadaqual com o seu administrador nomeado que possuía certa autoridade para tratar das favelas na sua área. Supervisionar as eleições dafavela e resolver as disputas entre os moradores da favela deram aum de tais administradores ampla oportunidade para tornar-se apa t r ão   da favela e para tentar, subseqüentemente, tornar essa relação politicamente lucrativa.

Um secretariado no gabinete do governador é uma posiçãoigualmente vantajosa, Um ex-secretário da administração de I a-cerda descreveu numa entrevista como, em seu papel de promotor daComissão Estadual de Energia, foi capaz de selecionar um eficiente time de cabos eleitorais na maior favela do Rio. Posteriormente*ele venceu uma eleição para deputado federal.23

 A recente restrição às eleições genuínas no Brasil e a instituição de um controle virtualmente total pelo Governo quanto a cniem

23 Ex ceto nos casos em que fontes publicadas (tais com o sagmacs) játenham usado nomes reais, os nomes e cargos dos informantes foram emgeral ocultados ou omitidos para protegê-los de possíveis recriminações,políticas, tão drásticas no Brasil dc hoje. O indivíduo em questão* também um general do Exército» teve os seus direitos políticos suspensos.

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pode aer candidato não pareceram fazer diminuir o jogo mútuo.Em novembro de 1969, os seguintes acontecimentos ocorreramnuma das favelas poltiticamente mais desenvolvidas do Rio, queseus moradores acreditavam estar ameaçada de remoção pelo quechamaremos de Instituto de Construção de Casas do Estado daGuanabara ( i c a c ) . Uma mulher, líder da favela, foi com a suadelegação do Departamento feminino da associação da favela visitaro Diretor do Instituto de Posses e Propriedade, um político jovem,ambicioso, que também tinha uma coluna em dois jornais do Rio,cujo eleitorado era em grande parte da classe trabalhadora. Depoisde obrigar o diretor a promover uma visita à favela, dizendo que elenada sabia das favelas (ele nunca tinha visitado este local particular, tendo-o apenas visto em viagens aéreas ou de helicóptero), oDepartamento Feminino preparou elaboradas recepções para ele em

duas ocasiões distintas, sendo uma delas a comemoração de seu aniversário. A seguinte canção foi composta para uma das recepçõese cantada pelas meninas do Departamento Feminino:

Dr. Dumont, as crianças deste ParqueJuntamente com seus paisReconhecem o seu valor,E por isso nós lhe estimamosE hoje te consagramosComo nosso benfeitor

t

N o icac e nos Parques ProletáriosNas favelas e nos morrosO seu trabalho é sem igual

 Ajudando e a todos incentivandoTodos cantam e comentamComo o amigo ideal

Coro; Salve O Dia  e  A Notícia O i c a c   e o Parque FederalParabéns Estado da GuanabaraPor esse grande assessor,Nosso orgulho e paixão!

Pouco depois da ocasião, o homem em questão f o i eleito umdos delegados da Guanabara para o comitê nacional do m d b   (Movimento Democrático Brasileiro), o menos conservador, menos definitivamente subordinado ao atual Governo dos dois partidos políticos atuais do Brasil. Evidentemente, os motivos para que cadalima das partes cortejasse a outra eram políticos. As vantagenscalculadas pelas respectivas partes eram a possível eliminação daameaça de remoção para a favela e o possível futuro apoio eleitoral

para o administrador.

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Um exemplo final dessa relação nos traz de volta aos meadosdos anos cinqüenta, e ao nosso relato seqüencial das relações favela-burocracias, sendo o próximo período significativo o do regime de

Kubitschek. 0 indivíduo em questão é uma das poucas figuras nessa história que tentou abrir canais para o desenvolvimento das favelas e cedeu algum poder de decisão aos favelados. O falecidoGeraldo Moreira, Secretário de Agricultura na primeira administração de Negrão de Lima, em 1956-57, depois vereador no Distrito Federal, e ainda mais tarde deputado estadual na legislatura daGuanabara, foi um dos mais bem falados políticos nas favelas daZona Norte do Rio (uma área densamente industrial, com extensas zonas de habitação proletária e muitas favelas enormes). Essas

favelas da Zona Norte abrangiam uma percentagem significativa dototal da população favelada da cidade.24 Havia uma certa identificação com Geraldo Moreira porque ele era do Partido de Getúlio

 Vargas, o p t b , mas também porque cie realizara as promessas desua campanha antes   das eleições — um fenômeno raro. Não hádúvida de que ele seria capaz de utilizar sua posição administrativapara obter vantagens políticas. Todavia, na mesma época, ele estava preocupado de maneira geral com o problema das favelas eexpressara pontos de vista agudos e realistas acerca dele. Ele ma

nifestara mais fé nas capacidades dos próprios moradores das favelas para urbanizar e utilizar recursos do que nas instituições doGoverno. No estudo do s à g m a c s   (Pt. I. 1960; 38, col, 3-4), ele éapresentado como tendo dito:

“A grande maioria da população da favela é auto-suficiente,carecendo tão somente de orientação, apoio e boa-vontade das autoridades (e) há solução para as favelas, mas não são as autoridadesque resolverão o problema — nem a Fundação Leão XIII nem aCruzada São Sebastião, nem qualquer outro órgão de serviço social.

 A solução deve ser procurada pelo próprio favelado.’1O primeiro passo na promoção do desenvolvimento da favela,segundo Geraldo Moreira, era dar terras aos moradores. A sugestão é feita pela primeira vez em 1952 à mencionada Comissão Na-

24 Informantes de todas as 8 favelas da Zona Norte visitadas falaramde Geraldo Moreira como um dos poucos políticos sinceros e bem-intencionados dos últimos anos. Suas atitudes com relação a outras instituições operando nas favelas nos parece também perspicaz, s a g m a c s  

(Pt. II; 38, col. 4) conta que Moreira acha que tanto a Fundação Leão X III com o a Cruzada São Sebastião (um órgão privado de serviço socialorganizado pela ala esquerda da Igreja católica no Rio, sob a direção deD . Hélder Câmara) contribuem para aumentar a “ miséria deliberada17(das favelas) e gastam dinheiro público sem produzir soluções para óproblema. ; * .. . .

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cíonal de Favelas para “expropriar aquelas terras nas quais as favelas se localizam, instalar água, luz e esgotos, loteá-los e distribuiresses lotes, gratuitamente e de escritura passada, aos favelados quepossam construir suas próprias casas num período de 5 anos, deacordo com as posturas municipais e os padrões de construção proletária ( s a g m à c s , Pt- I, 1960:38 col. 4).

Geraldo Moreira, então, serve duplamente como exemplo: primeiro, como um elo importante nas relações favela/administraçãoque mais tarde é capaz de beneficiar-se de suas atividades no cargoadministrativo oficial para ganhar apoio eleitoral substancial, e então continua a cortejar, embora genuinamente, seu eleitorado através dos meios abertos aos legisladores eleitos — alocação de fun

dos legislativos paia serviços urbanos limitados em favelas selecionadas, assistência para conseguir registrar legalmente as associaçõesda favela. Segundo, a popularidade e relativa (embora limitada)eficácia de um Geraldo Moreira nos últimos anos da década de1950 e primeiros da de 1960 expressaram um certo tom dos temposde Kubitschek que prosseguiu nos anos de Goulart. A ideologiade desenvolvimento nacionalista do período implementada nos maiselevados níveis do Governo trouxe consigo a receptividade geral aapelos populares que haviam marcado o segundo período de Var

gas.515 Isso refletiu-se ao longo dos anos de Kubitschek numa expansão do voto proletário urbano, em parte devido à alfabetizaçãoampliada, à melhoria no sistema eleitoral, à abertura de canais paraa participação política relativa das massas urbanas, e à sua participação através do trabalho e consumo no grande surto econômico nacional e nacionalista daqueles anos. Este voto ampliado deve serlembrado no exame dos acontecimentos dos anos 1960.

Em 1956, foi aprovada uma lei autorizando o Ministério daJustiça e do Interior a alocar fundos a órgãos que lidassem com

favelas em 4 cidades brasileiras — Rio, São Paulo, Recife, e Vitória —^para a melhoria das condições habitacionais nas favelas daquelas cidades. Mais específicos para o Rio eram dois dos artigos( 5 e 6 ) que davam proteção aos moradores das favelas contra exploradores (favelantes) que os ameaçavam com expulsão dara extorquir dinheiro.20 Nos dois anos que se seguiram a   data de publicação da Lei, todas as expulsões de favelas do Distrito Federal estavam proibidas. Aos favelados, era garantida a continuidade da

25 Com o mencionamos na nota 12, a maioria das pessoas abaixo de 36anos citou o nome de Kubitschek.26 Lei n.o 2875, 19 de setembro, 1956» publicada no  Diário Oficial  (Fed),seção 1, ano XCV. no 220, 24 de setembro de 1956. Para uma discussãoda seção d»  lei específica do Rio, ver Meuren (então advogado do ser-p h a ) , 1959.

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moradia em suas casas enquanto nao recebessem uma casa construída com os fundos que essa lei provia. Meuren (1959) viu a leicomo uma forma efetiva de combater o problema da favela, porque

aqueles que estavam anteriormente interessados em explorar os favelados não mais achariam tais interesses lucrativos; a ameaça de expulsão não seria mais efetiva.

Uma vez que o cargo de prefeito do Distrito Federal era umanomeação federal, a política e as ações desse cargo sempre refletiam a postura ideológica do Governo nacional, A criação doSERFHA (Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações

 Anti-Higiênicas)27 na primeira Administração do nomeado deKubitschek, Francisco Negrão de Lima (1956-57) era um exem

plo. 0 s e r f h a   era um novo ponto de partida em muitos aspectos.Primeiro como seu nome indica, tratava não apenas dos “ can

cros” visíveis (Seminário, 1967: 76) na paisagem, as favelas, mastambém daqueles característicos das áreas pobres menos visíveis egeralmente muito piores — cortiços, casas d e côm od os   ou ca beças d e  porco, v i l a    e avenidas^   e, de um modo geral, áreas decadentes dacidade legalmente constituída.

Segundo, ele buscava coordenar vários órgãos municipaisnuma tentativa de reduzir o paralelismo de esforços e a falta decomunicação entre eles, tão característicos das administrações anteriores, como mencionado anteriormente. Foram unificados órgãos tais como o Departamento de Higiene, a Fundação da CasaPopular, a Polícia de Vigilância, o Departamento Sanitário e aFundação Leão XIII.

Terceiro, ele tinha a filosofia de não ofender a dignidade dosfavelados. “ 0 fator básico, do nosso ponto de vista, é que os moradores das favelas concordem em trabalhar espontaneamente [com

o s e r f h a ] sem nenhuma imposição da parte de técnicos ou do poder público” (Perucci, 1962:40).28 O decreto que estabelecia os e r f h a   exigia a criação de cooperativas de habitação para moradores das favelas a produção de materiais de construção que ajudariam na redução dos custos habitacionais, e o estabelecimento de escolas profissionais para moradores da favela não qualificados.

27 Decreto n.° 13.304, 28 de agosto, 1956, publicado no  Diário Oficial ( D . F . ) , seção II, ano X IX , n.° 197, 29 de agosto, 1956, pp. 7655-7656.

28  Perucci, 1962, relata sua colaboração com a equipe do ser fha quandoeste desapareceu na recém-estabelecida Secretaria de Serviços Sociais doEstado da Guanabara, que também absorveu a Fundação Leão X II !, aqual, todavia, manteve seu nome e atividades. Para um completo traçadode todos os programas sugeridos pelo conselho técnico do s e r f h a , verDuprat, 3958.

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L*

m  A   S o c i o lo g i a d o B r a s il U r b a n o

Os primeiros anos de existência do s e r f h a   soh a administração do Distrito Federal distinguiram-se por apenas uma tentativade suprimir novas construções na favela através do Serviço de Re

pressão de Construção. Nesses anos, o s e r f h a   sofria de típica faltade fundos. Em 1958, uma alocação capacitou-o para começar a estabelecer postos nas favelas em que a Fundação Leão XIII não estivesse operando. A obra mais positiva do s e r f h a   — sua filosofiade ajuda aos moradores da favela nas formas que os próprios moradores julgassem mais válidas — só começou a se materializar depoisque o Distrito Federal tornou-se Estado da Guanabara e o s e r f h a  

tornou-se parte da Coordenação de Serviços Sociais do Estado, chefiado, por José Arthur Rios. Um primeiro objetivo desta última

versão do s e r f h a   era capacitar o morador com o ta l   a ganhar certaindependência para tratar com as autoridades estatais em vez de terde depender de favores de políticos que eram efetivos apenas ocasionalmente, e de forma não sistemática. Foi precisamente esse objetivo que acarretou o fim do s e k f h a   (Leeds, entrevista com Rios,25 de agosto, 1969).

0 apelo e o tema do s e r f h a , expressos na frase “ Operaçao Mutirão” , eram de cooperação entre o órgão e as favelas. Nesse trabalho conjunto, as favelas deveriam organizar associações cujos re

presentantes se encontrariam regularmente com o pessoal dos e r f h ^ , o qual, por sua vez, deveria dar orientação quanto à organização, informação legal, assistência financeira, social, e outrasformas de ajuda técniçai^ Com a ajuda de Rios e de outros membros da equipe do SERFHA, foram organizadas asssociaçÕes em 75favelas. Cada associação assinava um acordo com o órgao ( ver

 Apêncice I). Por um período de muitos meses, em 1961, Rios esua equipe mantiveram encontros semanais com_o^ representantesde nove favelas diferentes a cada semana, ajudando a resolver pro

blemas legais ou dando assistência técnica na instalação ^ .luz,água, redes de esgoto, pavimentação de ruas, etc. ou na alocação —dos Jixnitados recursos disponíveis.30

( 20J R ios, 1961, A palavra “ mutirão” , de acordo com Rios, vem do Brasilrural e significa solidariedade de vizinhança e ajuda mútua. E. Leeds assistiu a dois desses encontros em 1961. A ansiedade dos representantes (presidentes) das associações das favelas em participar da organização de suaspróprias vidas e adquirir conhecimento útil pra fazê-lo era notável. Foi,

obviamente, graças à dedicação de Rios e de alguns membros de suaequipe que Leeds fez suas primeiras visitas às favelas, assistindo a reuniõesd&jima associação de favela e ao mutirão em funcionamento.30 Como exemplo de tipos de problemas resolvidos, ver Ò Mu ti rão   (Boletim Informativo do serfha, n.° 1-4 de outubro, 1961. Era um boletiminformativo distribuído em todas as favelas para ampliar as comunicações.

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Deveria ser observado que os esforços de Rios eram genuinamente aceitos e altamente considerados pelos líderes da favela envolvidos com o s e r f h a . Os líderes que entrevistamos, nas favelas emque o SERFHA havia sido ativo, foram unânimes em elogiar as ten

tativas de Rios para a abertura de canais entre as favelas e o Estado; em tratar os moradores da favela com dignidade, reconhecendo suas capacidades, habilidades e humanidade; e em criar soluçõeslocais viáveis para a habitação e problemas da favela relativos a ela.

Essa comunicação efetiva teve um fim abrupto cm maio de1962, quando Rios foi demitido por Carlos Lacerda, em meio a umaonda de protestos públicos (todos os jornais do Rio, 17-24 de maiode 1962), O contraponto político que envolveu o incidente é indicativo da visão essencialmente elitista dos legisladores da Guanabara e do Governador Carlos Lacerda, apesar de suas declarações

anteriores na “ Batalha do Rio” de 1948, e marca o fim de um período de diálogo relativamente aberto entre favelas e Governo. Tratava-se de um final que, embora súbito, deve ter sido plauejado porLacerda e pelos interesses aos quais se ligava, porque, como serádescrito adiante com mais detalhes, o Estado empreendeu uma extensa reorganização administrativa que começou precisamente naépoca em que Rios foi demitido, o ressurgimento da Fundação Leão XIII. Qualquer tentativa de dar um órgão corporativo às favelasna forma de uma pessoa jurídica e, desse modo, garantir-lhes a in

dependência política era, é evidente, mais ameaçadora e prejudicial aos legisladores que dependiam das favelas para apoio nas eleições e que, na verdade, usavam as favelas como um “ curral eleito-ral5\31 Isto foi de certa forma semelhante ao efeito da introduçãodo bem-estar social no sistema de empreguismo políticos nos Estados Unidos. À altura de maio de 1962, alguns legisladores poderosossentiram-se ameaçados o suficiente pára pedir a demissão de Rios,e Lacerda obedeceu.

Dessa forma, foi suspenso o início de um intenso e prolongado esforço para quebrar os modos tradicionais de controle das mas

31 Rios conta o caso de um conhecido deputado da Guanabara quedependia do Parque Proletário da Gávea para grande número de votos.Numa tentativa de tirar o Parque da Gávea de seu rígido controle pelosistema de patronagem, Rios deslocou o administrador do Parque, queera seu cabo eleitoral local, ou seja, trocava favores especiais com os moradores por votos para seu patrão. O deputado, cuja mulher era uma assistente social da Goordenação de Serviços Sociais, o próprio órgão de Rios,visitou o Parque num domingo e disse a seus moradores que nada haviamudado, que eles não levassem em conta a mudança no pessoal, e aindaprometeu favores relevantes para a vida do Parque. Embora o Governa

dor Lacerda tivesse sido notificado rios acontecim entos, ele achou quenão podia mexer no deputado e, em vez disso, demitiu a mulher»

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( C o m p a n h i a de Habitação Popular,3;í e em 1964, em um órgãoestatal semi-autônomo subordinado à Secretaria de Serviços Sociais(entrevista com Josefina Albano, 1966). Também foram incluídoss o b a Secretaria, na extensa reorganização posterior da administra

ção do Estado f e i t a por Lacerda,4 em dezembro d e 1962, a c o h a b ,

o d r f    e o antigo Serviço Social. A criação da COHAB inicia uma era de erradicação na política

relativa à favela tanto estadual quanto nacional, apesar dos objetivos expressos da c o h a b   de assistência às favelas para melhorar,construir casas e, com a ajuda da subordinada Fundação Leão XIII,urbanizar. A criação de uma autoridade de construção habitacional de baixo custo podia apenas significar uma intenção de construir casas de baixo custo em grande escala. Sugeriu-se que a

c o h a b   foi criada, em parte, para arrecadar uma soma considerávelde dinheiro através do Acordo do Fundo de Trigo Estados Unidos-Brasil, dando assim ao orçamento do Estado da Guanabara um auxílio significativo em dinheiro isento de taxas. Essa observação é 

de especial interesse em vista da criação do Conselho Federal deHabitação, em 25 de junho de 1962, pelo Governo Goulart (Decreto Federal n.° 1, 281, 1962).

 As cláusulas do decreto parecem orientar-se, em primeiro lugar para a ahertura de canais ao pobre (Art. 2, I e X, Art. 3,Parag. 4), provavelmente uma continuação do populismo getulista

33 A Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara, nomecompleto do órgão, é tomada aqui como a Autoridade em Habitação dobaixo custo porque a palavra “popular”   significa corretamente “das massas” ou “ classe baixa” , “Autoridade” é utilizada porque é o que ela é —um órgão estadual (e após 1964 nacional, mas organizado a nível estadual) com a maior autoridade para construir casas e autoridade secundária para fazer uma série de outras coisas, inclusive, por vezes, o trabalhosocial julgado necessário na remoção das favelas para preparar sua popul a ç ã o inculta para a residência nas casas da c o h a b . O termo “companhia”refere-se a uma forma jurídica de organização — um estratagema chamado

“companhia mista”;, isto é, com paTticipação tanto privada (em 1962 e daíem diante, fortemente controlada pelo grupo de Lacerda) quanto pública — ,o que, pela lei brasileira, permite ao órgão fazer coisas que um órgã o doEstado formalmente não pode fazer — por exemplo, expropriar, comprare possuir terras, uma função, assim o cremos, de status  de seu setor privado. Esse estatuto jurídico foi necessário porque sempre foi o objetivo dac o h a b   desenvolver extensos projetos, exigindo grandes parcelas de terrade propriedade privada, que ela mais tarde parcelaria em lotes. A maioriadas construções e financiamentos da c o h a b , mas não toda, foi de casasde baixo custo; ela também construiu casas de classe média, bem comoedifícios no bairro da Glória que haviam sido destruídos pelas chuvasde 1966.

34  Lei n.° 263, 24 de dezembro de 1962, publicada no  Diário Oficial  (gb)a 24 de dezembro de 1962, pp. 26,907-26,914.

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cebida como uma simples função percentual da renda familiar, enão como uma complexa política de alocação a longo prazo levadaadiante pela família. Assim, por exemplo, a inclusão da “ correçãomonetária” — uma contínua correção na soma paga sobre amortiza

ções das casas inacabadas e em apartamentos, baseada na taxa dedesvalorização do dinheiro — nos pagamentos de amortização produziu mais ou menos um acréscimo de 60% nos pagamentos dessascasas mínimas, porque as políticas de financiamento a longo-prazopara pessoas de baixo nível de renda sempre consideraram a quedaabsoluta, bem como relativa, do custo dos pagamentos onde nãohouvesse “ correção” num sistema de pagamento por prestação. Oproblema tornou-se mais grave em virtude do fato de que, desde1964, os aumentos salariais não foram concedidos nem na mesma

época, nem na mesma medida em que o custo de vida aumentava.Essa situação deriva diretamente do salário nacional, do controle da inflação e das políticas de investimento dos governos militares da forma como são realizadas, no caso em questão, através doórgão estatal da c o h a b   e, mais tarde, através dele e da c h i s a m  

(ver adiante), ambas capazes de usar a política ou a força militarquando necessário. Os interesses imediatamente ligados a essas políticas eram os da indústria de construção e dos mercados de capital, ambos tendo apoiado vigorosamente Lacerda e as políticas nacionais.

 Além disso, nem a c o h a b , nem Lacerda refletiram sobre o fatode que remover famílias faveladas para enclaves proletários isolados, distantes dos mercados de trabalho da cidade, criaria uma fortepressão econômica sobre famílias cujos orçamentos já eram esticados até o limite máximo. Produziriam também fortes pressões sociais devido ao tempo de transporte necessário para chegar ao trabalho, de modo que os homens geralmente permaneceriam na cidade durante a semana. Muitas famílias removidas de favelas paravilas desfizeram-se, tendo os homens encontrado novas famílias, vol

tando a inchar outras favelas, permanecendo suas mulheres isoladas, sem trabalho e com crianças, ou tendo voltado para favelas nacidade.

Nesta última etapa da história da relação favela-administração,as favelas são novamente vistas como aberrações sociais nocivas, devendo ser removidas do  playground  de elite da “ gente fina” (vernota 11, (d ) (e ) e ( / ) e a discussão de texto da Fundação Leão

 XIII adiante)* As poucas tentativas de oposição a essa política encontraram reação vigorosa e efetiva por parte dos órgãos governa

mentais tanto a nível estadual como federal, como descreveremosabaixo.

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22 0  A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

 As realizações mais notáveis da c o h a b   encontram-se na áreada remoção e transferência das populações faveladas e da construção das vilas Kennedy, Aliança, Esperança e Cidade de Deus ( ! ! ) ,embora tenha havido algumas tentativas ao longo de 1965 de ur

banização in loco 

de algumas poucas favelas.30 Uma das duas primeiras favelas a serem removidas pela c o h a b   foi a do Morro doPasmado, localizado numa área turística por excelência com vistapara a Baía da Guanabara. Correu amplamente o rumor de que essafavela extraordinariamente visível foi removida para dar lugar aum Hotel Hilton, e, com efeito, o Relatório Geral da c o i i a b   lista*entre seus projetos, “ Morro do Pasmado — construção do Hotel”( g b , c o h a b , 1963-65:27).

 A reação da população favelada às remoções iniciais e a ameaça de novas remoções foi muito negativa. O estudo de Salmen, feito em 1966, relata um grau significativo de insatisfação por partedos moradores da favela removidos para as Vilas Kennedy e Aliança (Salmen, 1969). 0 fracasso do candidato de Lacerda na eleição governamental de 1965, Flexa Ribeiro, seu contraparente*parece ser, em grande parte, atribuível a essa reação negativa.

36 Na maior favela do Rio, com cerca de 80.000 habitantes, a lacare-zinho, planos para urbanização em larga escala foram implantados (verGB, c o h a b , 1963-65:78), incluindo a instalação de redes de água, esgotose galerias de águas pluviais. Na época em que a c o h a b   deixara a favela,parte de uma das ruas principais havia sido ampliada às expensas de algumas casas ao longo da rua, cujos proprietários viram o nível da rua tornar-se mais alto do que as suas portas de entrada e janelas, impedindo aentrada, a ventilação e a luz. Milhares de metros de canos de água, armazenados em 1965, esperando para serem instalados, usados como  play- 

 grounds  pelas crianças, ainda estavam nas ruas da favela em dezembrode 1969, quatro anos e meio depois de nossa última visita lá. A urbanização da Favela Vila da Penha foi amplamente completada em 1965 {ibidT p. 12). Na mesma época, as remoções das favelas prosseguiram apressadamente como se segue (até junho, 1965; remoção total: T; parcial: P;

família: F; uma família, cerca de 5 pessoas): Vila da Penha (P, 180F);Bom Jesus (T, 510F); Vila do Vintém (P ); Álvaro Ramos (T, 25F );Ponta do Caju (T, 30F); c c p l   (T, 118F); Timbó (P, 104F); Morro SãoCarlos (P, 253F); Avenida Brasil (P, 15F); Moreninha (T, 35F); Querosene (P, 210F); Morro dos Prazeres (P, 10F); todas as precedentes em1961. Pasmado (T, 911F); Getúlio Vargas (T, 113F); Maria Angu (Tt460F); João Cândido (T, 665F); Maneta (T, 41F); Conjunto São José(P, 20F); Vila do s à s e   (T, 11F); Macedo Sobrinho (P, 14F); Del Castilho (P, 9F); Marquês de São Vicente (P, 32F); Ladeira dos Funcionários(P, 8F), todas em 1964. Brás de Pina (P, 366F); Turano (P, 34F); RioJoana (T 23F); Morro do Quieto (P, 46F); Praia do Pinto (P, 20F);Favela do Esqueleto (2027F, 800 dos quais em 1961). Total 6290F oucerca de 31.000 pessoas ( g b , o o h a b , 1963-65, pp. 12-18).

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O maior número de votos contra Flexa Ribeiro foi sistematicamente das áreas proletárias que incluíam o maior número de favelas. A distribuição estatística reforça as impressões que tivemos emalgumas favelas a partir de entrevistas, sendo praticamente todasexplicitamente anti-Lacerda, contra o governo nacional militar aquem ele e as dificuldades econômicas estavam associados, a seuver, e, evidentemente, contra o “ pupilo” de Lacerda, Flexa Ribeiro.

0 resultado da eleição de 1965 na Guanabara foi o de trazerao governo Negrão de Lima, um governo cujo apadrinhamentop t b - p s d   tornou-se oposição ao Governo federal e, por implicação, asuas políticas expressas a nível estatal. Este reagiu imediatamente,em crise, suprimindo todos os velhos partidos políticos e criando amiragem do aparente sistema bipartidário atual.

 As privações, que atingiram não apenas os entrevistados no estudo de Selmen, mas também os milhares de removidos desde 1966,são de natureza econômica, social e emocional. Um breve estudode caáo de dois tipos de problemas tipicamente encontrados ilustrarão essas dificuldades. A família que descrevemos está talvez emmelhor situação do que muitas retiradas à força das favelas, masseus problemas são típicos. Sua favela situava-se numa área de elite do Rio, mas com um pequeno enclave de indústrias com salários comparativamente bons e algumas embaixadas requerendo trabalho doméstico. Eduardo, 29 anos, ia a pé para o seu trabalhonuma fábrica têxtil; trabalhava de 16h. à meia-noite, ganhandotrês salários mínimos na fábrica. Esse horário lhe permitia ter umasérie de trabalhos secundários ( biscates, ver Silberstein, 1969) comopintor de casas em suas horas vagas pela manhã, Vilma, sua mulher, 26 anos, ia também a pé para seu trabalho matinal como empregada numa embaixada, o que deixava livres as suas tardes paradar almoço a seu marido e tomar conta de seu filho de 4 anos e desua sogra idosa e doente que morava com eles. Nao pagavam aluguel, tendo construído a casa, e, com o salário de ambos e uma pe

quena pensão de sua mae, podiam se virar, sendo os gastos principalmente para alimentação, abastecimento doméstico, remédios,peças de vestuário ocasionais, e alguma ajuda à mãe de Vilma. Emmarço de 1966, a favela foi removida e a população colocada numconjunto habitacional num distante distrito do Rio, exigindo duasHoras de viagem de ônibus, cada ida e volta, oito passagens de ôni-bus^diárias (cerca de 50-60% de um salário mínimo), assistênciapaga para o filho, o pagamento de uma amortização mais cara doque eles podiam arcar, a redução dos biscates de Eduardo devido às

dificuldades de horário e o aumento da tensão emocional entre marido e mulher porque seus horários sõ coincidiam aos domingos.

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A   S o c i o lo g i a d o B r a s il U r b a n o

Para muitas outras famílias, tal mudança significou também aperda de uma parte ou de todo o salário da mulher, uma vez que03  empregos domésticos mais bem pagos encontram-se apenas nadistante Zona Sul, longe dos novos conjuntos habitacionais. Alémdisso, significou a perda do dinheiro de reserva obtido pelas crianças como carregadores para as matronas de classe média nas feiras da Zona Sul, ou como engraxates ou garotos de recados nas áreascomerciais da cidade.

 A era de erradicação, controle e repressão é também bem exemplificada pela história e atividades da Fundação Leão XIII nos anos60 e por suas subsidiárias de pouca duração, o b e m d o c   (Brasil-Es-

tados Unidos — Movimento para o Desenvolvimento e Organizaçãode Comunidade ).Nos fins da década de 1950 e inícios dos anos 60, a Fundação

estava moribunda, tendo as suas atividades e muitas outras sido englobadas pelo SERFHA e pela Coordenação de Serviços Sociais dirigida por Rios. Toda pequena atividade que a Fundação desenvolveuhavia sido, em sua maior parte, financiada pelo Estado (Berson,1964:28). Assim, na verdade, ela já era instrumento do Estado?Embora ainda existisse como pessoa jurídica privada sob a influên

cia conservadora de D. Jaime de Barros Câmara e possuísse aindaoficialmente centros em um grande número de importantes favelaseomo assinalamos anteriormente.

Esse status  permaneceu durante os primeiros dois anos do Governo Lacerda na Guanabara ► Ainda não desemaranhamos totalmente a teia política de sua obtenção dessa agência em 1960, porém ela envolve entre outros os seguintes elementos. Lacerda jáhavia sido intimamente ligado a Igreja e ao seu chefe da ala direita no Rio, o Cardeal Câmara, em muitas questões políticas, especialmente com relação às batalhas em apoio das escolas paroquiaissob a nova lei nacional de educação (Maciel Barros, 1960:442,504-522), enquanto ele era ainda deputado federal (ver, tambémSkidmore, 1967:200, 299, com seus pontos de vista próprios).

Em segundo lugar, Lacerda assegurou a candidatura de Quadros à presidência da República, em 1959, pela legenda da u d n . 

O próprio Lacerda — talvez, em parte, às custas de Quadros — obteve a vitória sob a legenda da u d n , embora essa aliança, como tan

tas de Lacerda, fosse provisória. Assim, Lacerda foi pioneiro numaarena política nova — a cidade-estado do Rio de Janeiro, nao maisum apêndice nacional como o Distrito Federal, mas um Estado autónomo, maduro, política e administrativamente igual aos outrosEstados.

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Desta forma, Lacerda chegou ao poder com o múltiplo apoioda ala direita da Igreja e dos interesses corporativos de grandes negócios, privados por um lado e, por outro, de um certo populismo,derivado das posturas de Quadros no Governo e na campanha, edas próprias declarações anteriores de Lacerda que pediam reformaadministrativa, bom Governo, e maiores benefícios para o povo. Ahistória dos cinco anos do seu Governo pode ser entendida noa termos da predileção bastante clara de Lacerda pelo primeiro conjunto de interesses, conexões e influências, a crescente e dissonanteoposição entre os dois conjuntos de interesses a nível federal duran»te os regimes de Quadros e Goulart, o explícito e abrupto movimento em direção ao primeiro conjunto, começando com o golpe de 1964«(no qual — como na queda de Quadros — Lacerda, esperando al

cançar a presidência, desempenhou um papel ativo), e sua tentativa,entre 1964 e a posse de Negrão no cargo, em 1966, de lançar raízes permanentes de poder na ampla população urbana, e especialmente proletária, da Gunabara. A Fundação Leão XIII tem umahistória interessante com relação a esta seqüência. Como dissemos,ela foi originalmente, e permaneceu até 1962 (ver Decreto [ g b ]  

N.° 1041, 7 de junho de 1962) como uma instituição privada, escorada pela Igreja, para o bem-estar social. Como o Apêndice II indica, por volta de 1961 ela havia se tornado — em virtude do am

plo apoio financeiro estatal e da “ compreensão17 do Cardeal Câmara— uin órgão estatal de facto.  Lacerda escolheu este órgão ambiguamente situado para representar o Estado e para ser o funil para averda da  AID fornecida pelo Acordo. Foi também designado como órgão para desenvolver atividades de urbanização. Assim, a organização privada, religiosa, de bem-estar social, estabelecida originalmentecom o objetivo principal de combater a influência comunista e ainda supervisionar 34 favelas importantes, tornou-se, por curto espaço de tempo, o instrumento oficial de urbanização, e o receptor dos*

fundos internacionais concedidos ao Estado.Na reforma administrativa geral de agosto/dezembro de 1962*

depois da demissão da Coordenação e da criação da Secretaria deServiços Sociais, a Fundação Leão XIII foi absorvida pela então recente Companhia Estadual de Habitação Popular da Guanabara, ouGOHAB. Documentos da época são rotulados “ coHAB-Fundaçao Leão

 X III” ou, ocasionalmente, vice-versa. No intervalo entre a assinatura do Acordo do Fundo do Trigo e sua absorção pela c o h a b , aFundação havia começado a trabalhar na primeira das cidades pro

letárias — Vila Aliança — cujo estabelecimento, sob a direção dac o h a b ,  já começara no início de 1963. Outros “ projetos” de “ vilas1’*

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 e   o de urbanização da favela da Penha, listados no Acordo, foramdesenvolvidos sob a direção da c o h a b .

 A c o h a b   permanece, boje, como um organismo basicamente

habitacional. Sua relação específica com o Estado e, após 1964 —com a fundação do B N H e sua divisão a nível federal (tambémchamada c o h a b ) como autoridades em habitações de baixo custo —com os governos federais, mudou muitas vezes. O que variou nessasmudanças foram suas atividades subsidiárias, como serviço de bem-estar social. A Fundação permaneceu adormecida por cerca de anoc meio, mantendo em esqueleto serviços médicos e sociais em algumas favelas tradicionalmente sob seu controle, como uma espécie de ramificação de bem-estar social da c o h a b .

 A renovação das atividades da Fundação Leão XIII começaram com a proposta da  AID para um projeto de demonstração de desenvolvimento comunitário baseado em pesquisa supondo que ( o )as favelas continuariam a existir por muito tempo, {b )  a necessidade de fundos era inesgotável, ( c ) programas de desenvolvimentocomunitário poderiam ser feitos para a diminuição dos custos emáreas pobres, e ( d ) com novas abordagens e práticas demonstrativas eles poderiam ter um efeito multiplicador significativo (Leavitt,em Leeds, 1966:1). A proposta foi, eventualmente, apresentada

ao Estado da Guanabara através do então Secretário de ServiçosSociais de Lacerda, Sandra Cavalcanti, que lhe deu sua “ entusiástica aprovação e subseqüente apoio” — com o aval de Lacerda, ao quese  supõe {ibid).

É interessante observar que a primeira formulação da proposta foi feita em outubro de 1963 — em meio às intensas atividadespopulistas do Presidente Goulart e do Deputado Federal LeonelBrizola, eleito pela Guanabara em 1962, embora tivesse poucas ligações nesta, por um recorde de votos, na mesma eleição que trou

xe ao poder Elói Dutra, “ um franco opositor de Lacerda” (Skidmore, 1967:230) como vice-governador da Guanabara. Brizola estava presumivelmente desenvolvendo seu “ grupo dos onze” , exigindo mudança radical e atividades de esquerda no Brasil. Assim,do ponto de vista de Lacerda, de seus objetivos políticos de sua política estatal, ele se confrontava com um vice-governador antagonista, um deputado federal radical, da Guanabara, aparentementemuito poderoso, ativo entre a população, e um presidente esquerdista tentando radicalizar as massas urbanas. O “ entusiasmo” deSandra Cavalcanti, então,  é  mais do que compreensível, uma vezque a ela, como agente de Lacerda, se apresentava uma proposta dedirigir o dinheiro dos cofres do Estado, de criar um organismo•cujas realizações redundariam em credito para o governador, en

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quanto neutralizariam o ônus das remoções de favelas já iniciadase forneceriam um canal adicional de influência nas favelas, muitas das quais eram sabidamente ligadas às atividades inspiradas porBrizola e Goulart.

0 presidente da Fundação Leão XIII, que, já há algum tempo, era de algum modo subsidiária da Secretaria de Serviços Sociais (sss), induziu a a i  d   a se colocar sob a égide da Fundação devido à sua flexibilidade e autonomia administrativa e financeira;porque ela executava “ importantes planos da Secretaria de Bem-Estar Social” ; e devido a seus longos anos de ligação com o problema das áreas pobres (carta à  A i d , 16/3/1964, citado em Leavitte em Leeds, 1966:2 ). A Fundação era também a escolha de Sandra Cavalcanti.

Os fundos iniciais a partir da Lei 480 de fundos do trigo colocava Crf! 424.000.000 disponíveis com a promessa de uma somaposterior maior, dependendo de uma avaliação ao final de doisanos; um subsídio adicional de Cr$ 270,000.000 era concedido(um total bruto de cerca de 450 .000 dólares na época). O Projetochamou-se b e m d o c   e iniciou suas operações por volta de outubrode 1964.

 À altura de dezembro  de 1966, o b e m d o c   estava morto. Umaanálise desse desaparecimento, bem como dos últimos meses do regime de Lacerda e do primeiro ano do de Negrão de Lima, clarificaa continuidade e as alterações na forma do controle que é o temado nosso trabalho. Esse último começou de modo nao auspiciososob a ira do derrotado Lacerda, chuvas catastróficas, crise militar,37repressão dos partidos políticos, tentativas de se iniciar uma inves

37 Durante toda a noite da eleição de 1965, o edifScio do Ministério daGuerra esteve iluminado. Do que se depreende a partir de notícias de jornal, rumores e acontecimentos subseqüentes o seguinte: os militareslinha-dura, temerosos com a eleição de um candidato ptb-:psd e com a

rejeição popular maciça em relação ao governo militar, seus representantes e colaboradores, forçaram o Presidente Castelo Branco, anteriormenteum “legalista” entre os militares, a abolir a totalidade dos partidos existentes e, por decreto, a criar um aparente sistema bipartidário (sendo hojereduzido a um sistema unitário). Aparentemente, fez-se uma troca pormeio da qual foi permitido a Negrão permanecer no cargo, mantendo destaforma a aparência de uma escolha democrtica — e também, segundoalgumas interpretações, permitindo ao Presidente Castelo Branco mantercomo sua oposição um conjunto de homens mais fraco do que se 0  “marionete’* de Lacerda, Flexa Ribeiro, houvesse ganho, minando desta formao poder de Lacerda, que fora uma ameaça real para Castelo Branco naépoca em que este foi escolhido como presidente — em troca da criação

de uma fachada de uma estrutura partidária democrática que era naverdade rigorosamente controlada pelo Governo Militar. Um outro aspec

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tigação policial militar contra ele, e acusações de corrupção e debrandura para com o comunismo.

O b e m d o c   nunca recebeu uin estatuto jurídico como instituição, exatamente como a Fundação, que permanecera por muitotempo, equivocadamente, um órgão do Estado — e o era aindaquando a  AID fundou o b e m d o c , sob sua supervisão. A Fundaçãodevia fornecer sede para o projeto, incluindo pessoal de secretaria epadres, manutenção de veículos e equipamentos, controle fiscal, incluindo a manutenção de contas abertas à a i d   de todas ag operaçõesdo projeto. Assim, na suprema questão de finanças, embora aa i d   alocasse fundos especificamente ao b e m d o c , foram abertos canais para a utilização por parte da Fundação de tais fundos para

objetivos que não os do b e m d o c . O fracasso em tornar o b e m d o c   juridicamente independente deixou-o, na verdade, simplesmentecomo um programa desprotegido, muito rico, da Fundação.

 A história do projeto  é  a história da utilização do b e m d o c  

pela Fundação como um veículo para se autopromover e promover osinteresses do Estado relativos às populações faveladas. O b e m d o c  

publicava um boletim informativo para divulgar suas atividades;a Fundação insistiu em lançar notícias das atividades da Fundação»O b e m d o c , usando apropriadamente os fundos da a i d , conforme

o acordo, fez vários tipos de melhorias nas favelas. A Fundaçãofez com que estas lhe fossem creditadas por meio de sua presençanas cerimônias de inauguração e colocando placas com a ênfase noseu nome. Os exemplos eram inúmeros*

 Além de se promover, a Fundação, especialmente em 1966?começou a pressionar tanto o b e m d o c   como a a i d   para que o primeiro operasse em todas as suas favelas — contrariamente à intenção e ã carta dos objetivos originários do projeto ( açao-pesquisa piloto em duas a quatro favelas). Sendo a única parte da Fundação-

que, na época, funcionava efetivamente, e a única seção rica, essapressão pode ser vista como um esforço importante para estenderos laços do b e m d o c   e sua influência substantiva (embora limitada,como realmente o era) nas favelas àquela proporção muito importante da população favelada da Guanabara que sempre estivera sobo domínio da Fundação.

Isso foi especialmente importante em 1966, quando Negrãoprecisou consolidar sua posição política na Guanabara pela erradicação do pessoal de Lacerda das posições de liderança, cultivando

to da barganha, diz-se, foi a manutenção de Castelo Branco como presidente — do que os militares linha-dura ainda precisavam naqueles diasmais brandos, quando se pensava ainda que lisonjas verbais criariam oconsenso para apoiar o novo Governo e suas políticas.

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apoio real no seio da população favelada, e tudo isso ao mesmo tempo em que evitava constantemente qualquer antagonismo com essegmentos médios e superiores, e acima de tudo não provocando nenhuma resposta do Governo central e seus homens de confiança

(especialmente o Secretário de Segurança Pública) no Governo doEstado, Assim, em 1966 e por algum tempo’ mais, a c o h a b   declinou

em importância e se restringiu no alcance de suas atividades, ao passo que a Fundação expandiu suas atividades e renovou sua açãonas favelas através de todo o Rio, inicialmente tentando usar ob e m b o c   e, depois do desaparecimento deste, por sua própria conta.Começou a ter crescente controle sobre a autorização de melhoriasHabitacionais e outroã problemas, reativou seits centros médicoã eeducacionais, e tentou exercer um controle sobre as organizaçóesdas favelas (ver Medina e Valadares, 1968:204-5).

 À extinção do b e m d o c   teve como causa imediata a intransigência, por um lado, do pessoal do b e m d o c   e da  A ro em insistirem que ele devia permanecer como um projeto-pilotò de pesquisade comunidade operando em três ou quatro favelas, ou seja, úmaoperação limitada, experimental, técnica.  Por outro ládò, deveu-seà intransigência da Fundação, ou, mais provavelmente de séu comando extraordinário, em insistir em que o b e m d o c   expandissesuas atividades para muitas favelas* alterando a forma de suás atividades —- ou seja, que ele se tornasse uma ampla operação  política.  Esse objetivo é coerente não apenas com as necessidades dogovernador de ampliar seu controle na época, mas também,com osinteresses de controle populista da facção Tf ara Vargas no p t p , 

cujo representante no Governo dè Negrão era Hortênsia Dunçheede Abranches, então Secretária de Serviços Sociais. A intransigência da Fundação manifestou-se em uma série de conversações instigadoras com a  AID, criando facções dentrò dó b e m d o c * retendo fun

dos para o pagamento de pessoal, e assim por diante. A a i d   finalmente deu fim ao projeto ém dezembro de 1966.Num sentido amplo, a extinção resultou da dissonância de um

novo contraponto que emergiu com â eleição de 1965: aquele enfreo governo militar cada vez mais controlador e repressivo  e  o governo de oposição de base populista de Negrão de Lima, que bayiasido eleito pela coalisao p t b -p s d . Por volta do final dos.anos 6-0,este era o único governo nominal de oposição restante ilo Brasil,uma relação dissonante a que voltaremos abaixo. A extinção dob e m d o c   foi função do contraponto  político  que, na época governava a política relativa à favela. -

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dos 2 0 % acumulados da c e e   e de outras fontes, como uma verbasecreta a ser mobilizada para os objetivos políticos e públicos do Estado não divulgados. Uma parcela significativa desses fundos esta

va sendo obtida pela exploração da necessidade de eletricidade dosmoradores das favelas e pela sua necessidade de pagar mais porisso do que as pessoas de fora de favela.

Embora a c e e    já houvesse estabelecido algumas Comissões deLuz por volta do final de 1964 (Primeiro Congresso de Favelas,1964), a mudança na administração do Estado, no início de 1966,iniciou um período de rápida irradiação da c e e   nas favelas, processo paralelo à revificação da Fundação Leão XIII.

Por volta de meados de 1966, a c e e   dirigiu-se ao b e m d o c   re

querendo sua assistência para ajudá-la a persuadir dezessete favelas a aceitarem e cooperarem com a c e e .  A Administração dob e m d o c   viu o pedido eomo um desafio tanto às suas capacidades detrabalho social como aos seus objetivos de desenvolvimento comunitário. O fato de esse órgão jamais ter trabalhado na verdade com ac e e   deve-se talvez à rápida deterioração de sua posição e à sua morte iminente. Todavia, o episódio é mais uma vez ilustrativo datentativa essencialmente provocadora de usar a base técnica, o fundo e os objetivos sociais do b e m d o c   para fins de controle político.

O esforço de Negrão para tomar em mãos todas as rédeas noinício de 1966 pode ser também percebido na reconcentração docontrole sobre as administrações regionais, pela reatribuição às repartições públicas centrais do Governo do Estado de tarefas quehaviam sido transferidas às repartições regionais por Lacerda. Apenas mais tarde naquele ano, e em 1967, houve novamente uma descentralização, acompanhada por uma reorganização, tendo já Negrão estabelecido suas linhas de comando.

Essas linhas de comando com relação às favelas são de especialinteresse para nosso tema do contínuo controle sobre essas populações. Os elos de comando através da Fundação Leão XIII e da CEE

 já foram discutidos.  Um outro elo — a tentativa de vigiar a ativi*dade política na favela — vinha da sss, através de suas subdivisõessemi-autôuomas em cada uma das repartições regionais, para as favelas. Os serviços regionais de bem-estar social deviam ajudar a organizar as associações de favelas, supervisionar suas eleições, aprovar seus estatutos, aprovar reparos nas construções, enquanto as as

sociações deviam ser responsáveis diante deles por levantamentoscadastrais das favelas, pelo controle de reparos nos “barracos” , aprevenção de novas construções ( ! ! ) e assim por diante (Decreto“ N” , N.° 870, 15 de junho, 1967,  Diário Oficial  [72], 19 de junhode 1967, ver Apêndice III).

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 Além disso, de acordo com essa medida, o Estado reconheceapenas uma associação como o corpo representativo oficial da favela, Essa associação deveria representar mais do que cinqüenta

por cento da população da favela. Se a associação existente age dexná-fé (por exemplo não se submetendo quinzenalmente ao relatório financeiro do Estado, ou não depositando os fundos da favela especificamente no Banco do Estado da Guanabara),  a Secretariapode designar uma junta da favela de sua própria escolha. O Estado, então, tentou exercer controle substancial sobre as atividadesdas associações de favelas, bem como sobre suas populações. A realização da medida, como em muitos dos planos relativos a favelas,foi ineficiente e inconsistente, mas a medida em si mesma é indi

cativa do ponto de vista de que as favelas devem ser controladas.Os administradores regionais, além disso, deviam criar um con

selho de representantes de diferentes categorias sociais ( organiza-fÕes de classe)  — uma de cada negócio, favela ou grupos de interesse. Esses conselhos deviam ajudar a formular e a executar a política administrativa regional. Apenas dois ou três, como na região de Copacabana, chegaram a funcionar. Certamente, um representante de todas  as favelas de uma administração regional era muito pouco representativo da diversidade de problemas, interesses,

necessidades e objetivos das favelas em muito diferenciadas e desuas populações igualmente diversificadas (ver A. Leeds, 1969).Esse solitário representante parece ter sido completamente apagadopelos outros grupos representativos nos conselhos ■— nos poucosque funcionaram. Aqui, novamente, somos levados à conclusão deque o objetivo era o controle, de que o pretendido era a cooptaçao;e de que a difusão dos interesses políticos do Estado para as favelasatravés desses conselhos era desejado pelo governador e seus conselheiros.

Nos últimos anos da década de 60 e nos primeiros da décadade 70, sobrepaira a ameaça e a possibilidade de remoção e reloca-lização forçada, em massa, contrária ao desejo enfaticamente vociferado e prementemente expresso dos próprios moradores das favelas e da Federação das Associações das Favelas da Guanabara( f a f e g ) , h  qual voltaremos mais adiante.

O que  é  curioso, nessa atmosfera de coerção governamental ede violência desenvolvida na base da política nacional estabelecidapelo B N H com a — digamos, coagida — cooperação do Governo

Estadual, é a contínua tentativa, ein pequena escala, de ofereceruma solução alternativa à remoção pelo organismo experimental doEstado, a c o d e s c o   (Companhia de Desenvolvimento Comunitário),criada no início de 1968.

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 231

 A c o d e s c o   foi, ein parte, uma continuação ou uma modifica*ção da experiência da  AID com o b e m d o c . Em meados de 1966,três especialistas em habitação {ver Wagner, McVov e Edwards,1966; daqui por diante, chamados “ Plano Wagner” ) vindos de

Washington através da  AID, tendo visitado favelas e revisto os programas urbanos e de favelas, propuseram suas ações principais, concebidas como um linico plano: o governo deveria (a ) promovervm programa de ajuda própria de desenvolvimento habitacional-comunitário e ( b ) criar uma autoridade da área metropolitana paratratar de todos (e não apenas da favela) os problemas do Rio deJaneiro e suas cidades satélites mais ou menos importantes (NovaIguaçu, Nilópolis, São Joao de Meriti, Duque de Caxias, Niterói,São Gonçalo, cada uma com 400.000-500,000 habitantes, e algu

mas cidades menores como Queimados, Belford Roxo, etc) comuma população, no total, de cerca de 3.000.000 de habitantes espalhada por ambos os lados da Baía de Guanabara.

 A  AID levou ao Governo do Estado essas propostas. Depois deuma demora  e  de manobras consideráveis — que podemos entender como relacionadas às manobras políticas do governador notratamento das propostas em vista de todo o contexto políticoqiíe circunscrevia o seu acesso ao cargo — , Negrão designou ospresidentes da c o h a b , s u r s a n   (Superintendência de Urbanização

 e  Saneamento) e do c p o   (Coordenação de Planos e Orçamentos doEstado da Guanabara, a comissão estadual de planejamento comouma comissão para considerar essas propostas e ponderar um estudode viabilidade do Programa de Ajuda Própria de Desenvolvimento Comunitário.

Em suma, os três primeiros organismos, como era de se esperar pelo que dissemos antes de um deles, não mostraram interesse. A cOH AB ? nessa época, estava sob o controle político do d n h , apesar do fato de seu presidente ser designado pelo Governador do Es

tado. Nem a s u r s a n , nem o c p o   eram de forma alguma órgãosadequados para realizar a tarefa proposta, embora fossem relevantespara alguns de seus aspeetos, Foi a c o p e g , da qual uma das funções principais era estimular o setor privado — indústria, finanças,construção e semelhantes — que encampou o projeto com interesse.

Isso é particularmente interessante em vista dos contrapontosque vimos discutindo, porque o pensamento econômico orientadorda liderança da c o p e g   era ínstitucionalista, apesar das formas mo-netaristas e dos tipos de operação; seu cbefe de entao havia tido im

portantes ligações com ambos os campos do pensamento econômiconas épocas em que estiveram no poder do Governo federal. É tam

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232  A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

bém significativo que tenha sido a c o p e g   quem tomou a si essatarefa porque ( « ) a c o p e g   era mais livre do que outros órgãos estatais que tinham uma ligação anterior com as forças agora controladoras do Governo federal e (6 ) ela tinha o governador e muitos

secretários-chaves favoráveis de seu gabinete no quadro de diretores(alguns dos quais posteriormente forçados a se retirar pelo Governo federal).

Esses pontos parecem-nos importantes porque todos os procedimentos de Negrão quanto a essa questão são carentes com seus esforços de 1956 e 1957, e de seu governo de 1966-1970, para fazeralguma coisa útil para as favelas, mas no último período todas aspossibilidades foram cada vez mais restringidas pelo Governo federal. Por exemplo, pelo seu controle direto sobre o Secretário deSegurança de Negrão, Frauça, que freqüentemente contradizia diretamente as ordens e compromissos de Negrão, agindo cada vez maisde forma independente; ou as remoções de outros secretários porpressão do Governo central; ou a substituição sob pressão do chefeda casa civil de Negrão, Luís Alberto Bahia, antigo populista detradição mais ou menos getulista, por Carlos Costa, primo do entãopresidente do Brasil, Marechal Costa e Silva. Sob as condições políticas de então, fazer alguma coisa pelas favelas significava também a extensão do controle sobre elas — compreende-se assim a utilização de Negrão, como argumentamos, da Fundação Leão XIII e

da CEE, seu Decreto n.° 870 e sua presença na inauguração da Açãodo Brasil.39

 A c o d e s c o   foi estabelecida como uma subsidiária autônoma dac o p e g , com membros do quadro desta última ocupando funções depresidente e membros do seu quadro. Baseada no estudo de viabilidade de três favelas da Zona Norte (Brás de Pina, Mata Machadoe Morro União), a c o d e s c o , com alguns jovens e imaginativos sociólogos e arquitetos, começou a completar planos de urbanizaçãopara duas das três favelas estudadas, e outra acrescentada posterior

mente.40 A urbanização incluía regularização, pavimentação e ilu39 Uma subsidiária da Acción International criada com o objetivo privado mais explicitamente declarado de lutar contra a influência comunistanas favelas e com o objetivo público de desenvolvimento comunitário paraa melhoria das mesmas. A Ação Comunitária do Brasil, organizada tantono Rio como em São Paulo, sob a égide do ipes, era um órgão cujosmembros, como o General Golbery, estavam intimamente ligados ao pessoal e às ações do movimento militar de 1964.40 Das três originalmente estudadas, Brás de Pina é hoje urbanizada,enquanto que Morro União e Vigário Geral, uma terceira escolha posterior, ambas na Zona Norte industrial do Rio, como o é Brás de Pina,

tiveram as operações para esse fim apenas iniciadas. Não conhecemos opresente staíus  de Mata Machado, a terceira das três originais.

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minação das ruas, instalação de redes de água, esgotos e eletricidade, auxílio financeiro e mínima supervisão da reconstrução de casas(geralmente com ajuda própria), além da administração da venda

de terras que tinham sido expropriadas pelo Estado.Do ponto de vista dos moradores da favela, o programa dac o d e s c o   tem rigoroso sentido econômico. Eles permanecem naárea, ou com fácil acesso a seu mercado de trabalho, minimizandoassim os custos de transporte. Podem construir casas sólidas maisapropriadas a seus orçamentos domésticos, no seu próprio ritmo econômico viáueh  podem projetá-las de modo adaptado às suas neces-áidades domésticas e ao seu estilo de vida. Um estudo das atitudesdos moradores com relação à tentativa da c o d e s c o   de urbanização

mostrou uma reação geralmente favorável ao programa.41Uma equipe constituída de um arquiteto e um sociólogo, observando que a  AID no Brasil estima cada casa (unité urbanizée) reabilitada in loco  em 500 dólares e cada unidade construída numnovo projeto urbano para alojar favelados expulsos de suas favelaserr 1.000 dólares (Machado e Santos, 1969:55), forneceu elementos para um estudo da c o d e s c o , mostrando o custo relativo de casas

Quadro 1. CUSTOS COMPARATIVOS (ESTIMADOS) DE AJU DA

PRÓPRIA E SOLUÇÕES GOVERNAMENTAIS PARAO “PROBLEM A D A FAV ELA ” 42

(em dólares de 1968)

Vila  Kennedy  Morro UniãojBrásde Pina

 Item  Dólares % do total  Dólares % do total'

Terra 19,6 1,2 148,45 18,1Nivelamento da terra 105,62 6,5 2,75 0,3Sistemas elétricos 110,36 6,7 29,80 3,6Serviços (ruas, redespluviais e de esgoto) 88,94 5,4 201,42 24,5

Construção da Casa 1.310,38 80,2 458,35 53,5

Totais 1.634,92 100,0 820,77 100,0

41 A avaliação afirmava mais adiante que os moradores julgavam-se elevados em siatus  e se pensavam como parte de uma comunidade. Ver g b , o o d e s o o , 1969.42 Machado e Santos, 1969:55-56. Os dados para Morro União e Brásde Pina são confessadamente estimados, embora quando a última fot»

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i m  A   S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

construída« pela c o h a b   na Vila Kennedy e daquelas a serem construídas em favelas urbanizadas para ajuda própria sob supervisão<la CODESCO.

Um de nós argumentou (À . Leeds, 1970) que, também do

ponto de vista da economia política, o tipo de abordagem daCODESCO, onde fisicamente viável, tem sentido econômico. Os cálculos de órgãos como a c o h a b , o   b n h   e seu órgão metropolitanomais recente (discutido abaixo) são feitos quase que exclusivamente em termos dos custos de construção mais do que em termos de estratégias de vida geral entre os usuários das casas de baixo custo.Dessa forma, uma série de custos dos usuários é caracteristicamentenão calculada na decisão de projetos habitacionais em larga escalacom casas anteriormente construídas para ocupação e sem a contribuição do trabalho, projeto ou material do comprador-proprietário.Tais custos incluem os custos — sobre e acima da amortização -—de serviços; de transporte para o trabalho, difícil e comulativa-mente caro; de tensão física e mental proveniente da pressão doshorários e condições salariais, conseqüentemente crescentes índicesde doença e, a partir daí, de pagamentos de Previdência Social; deaumentos nos índices de criminalidade, como ocorreu notavelmentena segunda metade da década de 60; da deterioração do novo estoque habitacional, pois os custos incluídos não permitem a manutenção ou despesas de condomínio/5 e assim por diante.

O plano da c o d e s c o   está intrinsecamente em contradição comas suposições subjacentes e com os interesses imanentes nos tipos decálculos envolvidos nas abordagens monetaristas do Governo federal, como representado pelas políticas e ações do b n h , com relação à “ habitação” ou ao “problema da favela” . Tal plano, baseando-se em grande medida nos recursos e julgamentos dos moradoresdas favelas, nao é um programa que favoreça os interesses da indústria de construção civil, nem do b n h , embora este último tenhafinanciado em parte a c o d e s c o , nem das companhias de finanças,

^poupanças e créditos.

urbanizada (o que terminou em 1970) esses dados tenham sido rigorosamente confirmados. A razão pela qual o custo da terra é tão mais elevado para as favelas da c o d e s c o   é que estas são muito próximas do centro da cidade, competindo com os valores de terras vizinhas, especialmente, no caso de Brás de Pina, com aquelas de uso industrial. O custo maiselevado dos serviços não se explica. Não é claro a partir dos números fornecidos, ou a partir da discussão no texto, se os dados para casas dao o h a b   incluem o custo do dinheiro e o custo da administração. SupÕe-seque sim; se este não é o caso, então a disparidade de custos na razão de

mais ou menos 2:1 seria ainda maior.43 Ver Correio da Manhã,  1.° de janeiro de 1971.

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 235

Inerente a essa contradição, nos contrapontos do Estado federal e nas dissonâncias monetaristas-institucionalistas que temostraçado, estava o surgimento de um órgão administrativo federal

em oposição à c o d e s c o . £ uma curiosa ironia que a c h i s a m   — aCoordenação de Habitação de Interesse Social* da Ãrea Metropolitana do Grande Rio de Janeiro — se tenha desenvolvido a partirde, ou conforme à, segunda recomendação do “ Relatório Wagner” ,aquela relativa a uma autoridade metropolitana para tratar conjuntamente de alguns problemas em escala regional, inclusive favelase suas causas. É claro que a tentatitva do “ Relatório Wagner” erade um plano incluindo dois níveis de ação baseados num ponto devista comum, objetivos comuns, estratégias e implementações. É

claro também que o programa de favelas foi proposto não apenascomo uma experiência de reabilitação, mas como modelo-base, generalizável, para o tratamento da maior parte das favelas dentro deum quadro de referência de planejamento metropolitano racional ereorganização regional.

 A c h i s a m , criada pelo Decreto federal n.° 62, 654, 3-5-68quatro meses depois da criação da c o d e s c o , tinha como diretor-cbefe nessa época o então Ministro do Interior, General Afonso de Albuquerque Lima, sob cuja égide também ficou o b n h . Foi criada, ao que se disse ( c h i s a m , 1967:78), em função do reconhecimento de que o problema da favela — que é encontrado praticamente em toda cidade do Brasil, não apenas no Rio — é um problema nacional, requerendo ação nacional para resolver problemascriados pela falta de recursos, diversidade de órgãos, políticas habitacionais inadequadas, e outros fatores que contribuem para o surgimento de favelas. Reconhecia-se, finalmente, que esses problemasnão podiam ser resolvidos a nível local, municipal ou estadual, masapenas a nível nacional, em cooperação com entidades estaduais oumunicipais. Em parte, as soluçoes eram vistas como envolvendoo controle dos fluxos migratórios, o que não podia ser resolvidoa nível dos governos estaduais. Não ficou claro por que apenas ac h i s a m   foi criada, nao tendo sido criados organismos análogos emoutras importantes áreas urbanas, ao que nos consta. As razões parecem ser principalmente políticas, como indicamos, uma vez queoutras cidades, como Recife e Salvador, tem conjuntos de áreas invadidas por posseiros de tamanho comparável às do Rio e geralmen

te em piores condições. A criação do b n h   e de seu “ Sistema Finan

* Eiste curioso termo é amplamente usado na América Latina. “ Habitação de Interesse Social” significa sempre habitação da classe de baixonível salarial, ou especificamente baixa ou proletária.

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ceiro da Habitação” (ibid.,  p. 7) abriu novas possibilidades, inclusive a da C H I S A M .

Todas as declarações políticas feitas pela c h i s a m   o u   pelo seu

Diretor-Supervisor, o engenheiro Gilberto Coufal (também um dosdiretores do b n h ) , falam de “eliminação” e “ desfavelamento” , ne-gando-se a “erradicação” das favelas como objetivo. A distinçãoparece ( Agente,  1968 2[6]:85-86) indicar que “eliminação”pode referir-se ao desaparecimento de favelas pela urbanização in loco j pela substituição dos “ barracos” (a única espécie de habitação que a c h i s a m   reconhece como existindo nas favelas, seja porinformação imprecisa ou por representação imprecisa deliberadapor casas sólidas, bem como pela remoção e relocalização; “ erradi

cação” parece significar apenas o último aspecto. As declarações,políticas da C H I S A M também incluem a possibilidade de urbanização in situ  e, realmente, o órgão declara (ibid.,  p. 85, citando Coufal) que o b n h   estava examinando tal projeto em três favelas, estranhamente, aquelas cujo estudo de viabilidade (ver c o p e g , 1967)34fora desenvolvido pela c o p e g , tendo o trabalho em uma delas já começado, por iniciativa da c o d e s c o , antes da criação da c h i s a m , embora nenhum dos dois órgãos anteriores seja mencionado nessa conexão.

Com efeito, o b n h , como asinalamos anteriormente, deu na verdade  algum dinheiro para a c o d e s c o , para a urbanização no local daquelas três favelas, mas a c h i s a m   não iniciou qualquer novoplano de urbanização após sua criaçao.45

44 A c o p e g   tomou a liderança do estudo, mas deu várias partes para o c e n p h a   e para a Pontifícia Universidade Católica do Rio, e também parauma ou duas pessoas privadas, contratadas através de uma das instituições.45 O antagonismo à urbanização demonstrado pelo b n h   e seu órgãoc h i s a m   tornou-se claro quando a o o d e s o o   procurou fundos para o seu tra

balho na favela Brás de Pina, e depois na Morro União. Embora planosmeticulosos baseados em estudos detalhados, incluindo custos de todos ostipos, já existissem e o trabalho já estivesse começado, ainda assim o Bancosempre devolvia o pedido, primeiro com pequenas críticas, depois comoutras, pedindo revisões, de modo que os meses se passaram até que asoma fosse finalmente liberada. O Banco usou a mesma tática (tambémem 1968) com o Instituto de Meio Ambiente Urbano da UniversidadeColumbia, que fora convidado e contratado (através do c e n p h a ) . Fez issoquando descobriu que o Instituto pretendia agir autonomamente na realização das avaliações que o Banco pedira acerca dos efeitos de suas políticas habitacionais na economia nacional, e que o Instituto podia até criti

cá-los, sobretudo no que diz respeito à política relativa à favela. O Pro jeto do Instituto nunca recebeu a maior parte dos fundos prometidos, ea avaliação nunca foi feita. Um aspecto interessante da situação foi opapel da u s a i d . O acordo original do estudo de viabilidade fornecia algumas centenas de milhares de dólares para o estudo, a serem seguidos por

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Essas declarações políticas devem ser vistas tanto em termosdas ênfases e atitudes nas declarações públicas como em termos dagações desenvolvidas pela C H i S A M .  Assim, por exemplo, a c h i s á m  

declara ( c h i s a m , 1969:6):

“ Apenas de 1962 em diante é que o problema da favela começou a ser abordado com maior profundidade.”

Em outras palavras, as abordagens e soluções do período deRios, 1964-62, ou aquelas que foram adotadas com sucesso em outros países, como o Peru, são implicitamente rejeitadas, presumivelmente sob alegações de (ver i b i d p. 7) falta de coordenação, fracasso em consolidar a política, e “ pulverização” de recursos. O anode 1962 também marca o começo das políticas de remoção de Lacerda e da construção de vilas proletárias, das quais as política?; do

B N H e da C h i s a m   são continuações. A c h i s a m   baseia sua política nos seguintes princípios (ibid,. p. 14):

a. “ Os favelados são seres humanos integrados na comunidade, mas vistos por esta última como alienados por causa de sua habitação.

b.  Os aglomerados de favela, construídos de maneira irregular, ilegal e anormal (eom relação ao panorama urbano) ( . . . )não fazem parte do complexo habitacional normal da cidade, uma

vez que, não participando dos impostos, taxas e outras taxações inerentes às propriedades legalmente constituídas, não deveriam  fazer  jus  aos benefícios públicos decorrentes dessas taxações.

c.  Os favelados, todavia, têm iniciativa e vontade de melhorarseu stalus, mas lhes faltam recursos.

d. Os favelados constroem “ barracos” próximos a seus empregos; qualquer remoção abrupta afetaria sua renda. Com isso emmente, a c h i s a m   propõe ( ibid., p. 15) como objetivos a longo prazo:

a. A reabilitação econômica, social, moral e sanitária das famílias faveladas.

fc. A integração total dessas famílias à comunidade, principalmente com relação às formas de habitar, pensar e viver-

uma quantia de 10.000.000 de dólares, se a viabilidades da urbanizaçãofosse demonstrada. A transferência dessa quantia para a c o d e s c o   estavaem discussão durante a época entre sua fundação e a da c e c s a m , quatromeses depois. Neste último período, a a i d   não podia decidir o que fazer— se dar o dinheiro à sua própria criação, a c o d e s c o , que seguia as ênfases de desenvolvimento da a i d , ou se à c j h s a m , que contradizia a tentativa

da autoridade metropolitana do "relatório Wagner” , embora semelhantena forma. Ela deu o dinheiro à chisam.

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c. A alteração do panorama urbano atualmente deformadopor núcleos de sub-habil ações7 por meio da substituição dos barracos por habitações, obras públicas ou pela própria natureza violentada.” 

Os objetivos a curto-prazo ( ibid, pp. 18ss) incluíam a utilização de 1559 casas da c o h a b   e apartamentos em breve disponíveis-para a absorção dos favelados, a serem removidos das áreas prioritárias e dos Centros Habitacionais de Bem-Estar Social, especifica-dos nas pp. 22 ss, todas na turística e elitizada Zona Sul, e tambéma construção de dezenas de milhares de novas unidades habitacionais nos próximos dois anos (ver adiante).  Agente  (1963, 2[6]:85)relata que Coufal já falava, em agosto de 1968^ três meses após a

fundação dac h i s a m ,

da “ eliminação” de 66 favelas no Rio. Vemos claramente muitas coisas no <jue foi dito. Primeiro, asfalsas representações mitológicas das favelas e dos moradores dasfavelas que validam certos tipos de políticas e objetivos políticos.46

4G Em suas publicações, a c h i s a m   distorce sistematicamente os fatos, sóse podendo supor que o faz deliberadamente. Por exemplo, o número demoradores de favelas ou de casas fornecido é sempre demasiado elevado— consideravelmente mais elevado do que o fidedigno censo realizado poroutros órgãos (por exemplo, a Escola de Serviço Social da p u c , as contascompletas de casas do c e d u g a partir de fotografias áreas, que corresponderam de perto aos nossos cálculos de base, etc.). Hã uma longa históriados cálculos de população das favelas, mais para mais do que para menos.Cada caso parece envolver algum interesse particular em fazê-lo — maximizar o problema de modo a mobilizar mais fundos para os órgãos quetratam do problema, ou de modo a racionalizar o uso ainda maior dasatividades de construção civil; minimizar o problema de modo a desviarfundos usados em serviços sociais e habitação para outros fins, etc.

 A c h i s a m , como a Fundação Leão XIII e a sss, deformaram siste'maticamente a situação habitacional da favela. Esses órgãos referem-seinvariavelmente a “barracos” , e nunca a “casas” . Mesmo o cerisò féito

pela c o h a b   e m 1963 ( g b , c o h a b , 1963), que exagera gritantemente apopulação das favelas, fornece apesar disso percentagens bastante precisasdos tipos de construções de casas — por exemplo, o Jacarezinho com umapopulação dada (absurda) de 176.000 habitantes, e 90% de casas reforçadas com tijolo e concreto. Os 90% aproximam-se do correto» emboraa população fosse então de 66.000 pessoas.

Esses organismos uniformemente distorcem o trabalho e o status ocupacional dos favelados, apresentados como não qualificados, itinerantes, traficantes, biscateiros, etc. A maioria, em nossos materiais de censotanto na Zona Norte como na Zona Sul, bem como em nossos censosnacionais e nos realizados pelas escolas de Serviço Social, indica uma ampla

gama de ocupações, que chega a profissionais e um nível de empregorelativamente alto.Finalmente, a c h i s a m   distorce sistematicamente a sua utilização de

fotos. Como exemplo, de seus 18 quadros panorâmicos de favèlas: (chi~s a m , 1969), 6 ou 7 são da Catacumba, 7 parecem ser do conjunto Praia

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dores das favelas são engolfados por uma interminável onde de novos gastos, contra a qual a política salarial do Governo Federal,

 junto com a correção monetária sobre as amortizações, torna impossível qualquer reação para uma grande parcela deles. Sua únicasolução é o retorno a, ou a criação de, novas favelas em outro lugar.  A  situação  é  vividamente descrita num longo e detalhado artigo do Correio da Manhã60 (21/1/1971), que transcrevemos emparte:

“ Nem mesmo na Catacumba tinham eles tantos problemasEram 2.230 famüias ocupando 98.000 metros quadrados do Morroda Catacumba. Não pagavam aluguel, nem condomínio, nem taxas(inúmeras taxas impostas pelo uso da terra e por serviços urba

nos), nem a água que carregavam em grandes latas (desde 1961,havia sistemas de bombeamento no alto do morro — A.L.) nas cabeças. Também não pagavam condução. Muitos tinham três emprego&e ainda estudavam à noite para poder melhorar de vida. Então surgiua g u i s a m   e acabou com a favela, prometendo casas próprias paraaqueles que pudessem pagar mensalmente, cerca de 100 cruzeirosdurante 18 anos. E nos primeiros três meses, as . taxas seriam porconta do Estado. Agora * passados quatro meses, a maioria nao con

2*12 A S o c i o l o g i a d o B r a s c , U r b a n o

“parcelas" e suas habitações são próximas ao mercado de trabalho apenas no sentido em que qualquer coisa na Guanabara ou no Estado do Riaé alcançável ■— com tempo e dinheiro suficientes, por ônibus ou trem. A remoção das favelas da Zona Sul, quando completa, significará a remoção de talvez 100.000 pessoas das vizinhanças de seus trabalhos, Isso significa um dia mais comprido por causa do desgastante transporte, mais umagrande pressão num sistema de ônibus já sobrecarregado. Observem-se ascontradições entre as declarações d o Diretor da c h i s a m , Coufal, citadasacima, e os quatro princípios sobre os quais a c h t s a m   diz basear gua política e os efeito? reais das expulsões.

50 o Correio da Manhã, até o ano de 1966, permaneceu o único jornalem genuína oposição ao Governo militar. Sua contundente crítica acarretou repressão vigorosa, embora indireta, por parte do Governo, demodo que este pôde» mais uma vez, apresentar uma fachada de manutenção das formas democráticas (ver nota 37), não tendo fechado abertamente um jornal. As repressões consistiram de ameaças de ação punitivapelo Governo Federal a anunciantes no Correio,  que em conseqüênciaperdeu praticamente todas as suas rendas de anúncio, mantendo-se pormuitos meses apenas com as vendas e contribuições de homens, de boavontade. No final, 1969, a editora, Sra. Bittencourt, acabou por demitir-1se com uma amarga explosão contra o Governo. O jornal reapareceu

somente depois de algum tempo, com novo formato, um intenso impulsode venda e uma nova e branda retórica. Em vista disso, é interessanteque o artigo 21 de janeiro de 1973 faça mais uma vez um violento ataque a uma instituição federal, sobretudo a uma instituição qpe operaatravés dos órgãos do Estado, que estão relativamente a salvo de ataquenas condições políticas atuais.

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 243

seguiu pagar: a prestação mensal de 60 cruzeiros para luz, 95cruzeiros para taxas, 10 cruzeiros para o condomínio, conta deágua, e rateio para o conserto de instalações defeituosas, mais um

sem número de outras despesas, para não falar nos custos do transporte para o trabalho. Tudo somado, fica mais caro do que o alu-güel de um apartamento médio localizado em Ipanema, próximoà praia. Aquele que não pode pagar terá que sair, E ninguém sabedizer para onde. Para aqueles que conseguem permanecer, será umpéssimo negócio: os apartamentos não valem nada, não há acabamento nem áreas para as crianças brincarem. O prédio no conjuntoGuaporé foi construído às pressas e está rachado. Para os morado

res, a única diferença entre o novo edifício e os velhos barrâcos éque eles não mais precisam carregar água. AgoTa eles têm; águaaté de sobra, quando chove, tudo é inundado, e se eles làvám ochão, o teto do apartamento de baixo vira chuveiro.”

Em suma, a c h i s a m , quando criada — seja deliberadamente com este fim ou não — representou de fato   uma proposta oposta à ênfase de Negrão e do Estado na urbanização: a da construção habitacional em massa para permitir a relocalização dós moradores da favela.61 À oposição das abordagens foi claramente re>

conhecida pelo pessoal da c o d e s c o   (Machado e Santos, 1969:55).Os dois órgãos responsáveis pela política habitacional das favelas na Guanabara têm poderes básicos e princípios diametralmente opostos. Essa situação indica não uma flexibilidade é adaptação à realidade por parte do Poder Público ( le  Pouvoir), massobretudo, sua ambigüidade, E, para complicar ainda mais os dados do problema, a plataforma da campanha do atual governador(eleito em 1965) desenvolveu-se em tomo da defesa da urbanização,ao passo que a chisam, órgao do Governo central, opta pela expid-

são, muito embora de modo mais flexível do que os primeiros esforços da c o h a b ,

 A criação de dois organismos, com um intervalo de poucosmeses entre um e outro, tratando dos mesmos problemas, ainda quecom orientações radicalmente diferentes e bases de apoio tão nitida

51 A escala é indicada pelo comentário do Grupo Executivo da c h i s a m

(entre outros, Coufal, um parente do Ministro do Interior, General Albuquerque Lima, e Oswaldo Sampaio, um dos altos funcionários do c p o )

de que, em pouco mais de dois anos, 33.000 casa9 estariam construídas,tendo 10.000 sido iniciadas naquele ano {Agente,  1968,2(6):34). Estima-se que por volía de outubro (escrevendo em agosto) as concorrênciastenham sido realizadas, permitindo iniciar, ainda este ano, a construçfiode 10.000 habitações, às quais se acrescentarão 1.500 a serem terminadaspela c o h a b -g b   num conjunto de apartamentos em Cordovil e um projetode casas na Cidade de Deus {ibid.,  p. 85).

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A   S o c i o l o g i a d o B r a s il U r b a n o

mente diferentes, é um fenômeno muito revelador não apenas comTtÊçSê  à favela, ou num âmbito mais geral, com relação à políticasocial e econômica, mas do conflito nas políticas nacionais brasilei

ras. A criação da c h i s a m , um braço do b n h   e do Ministério doInterior, reflete a institucionalização a nível nacional das políticaseconômicas e sociais e uma ideologia funcionando para intensificar o controle exercido pela elites, servir a seus interesses políticose econômicos, concentrar a riqueza em poucas mãos e para controlar e reprimir qualquer pessoa que busque impedir esses desenvolvimentos. A política relativa à favela é um espelho de todas essasinstitucionalizações, operações, controles e repressões; na área doRio, a C H I S A M é o agente da hierarquia nacional, como o BIVH

o  é  para o país como um todo.Como um retoque final deste processo de controle e repressão,

crescente e centralizado, e a correspondente política relativa à favelaa nível nacional e estadual, podemos voltar rapidamente à f a f e g . 

 A FAFJEG reagiu asperamente às políticas da c h i s a m   como reagiraàs do CEE e do Decreto N.° 870, A Federação das Associações das Favelas do Estado da Guanabara, a única confederação de favelas existente em âmbito estadual, foi fundada em 1964. Por volta de 1968,depois de alguns altos e baixos, ela se tornara um corpo cada vezmais articulado e de peso, representando ao menos 100 favelas doRio.

Enquanto suas declarações em seus primeiros anos giravam emtomo de objetivos locais e práticos de urbanização de favelas, serviços urbanos, apoio financeiro para reabilitação, etc., seu Congresso Geral de 1968 tratou de temas nacionais fundamentais de longoalcance, como a inflação, a contribuição dos moradores da favelapara a economia nacional e seus direitos como contribuintes, níveis

salariais nacionais, as falácias das políticas habitacionais, o problema da imagem do “ coitado do favelado” sustentada pelo Governo.O relatório final do Congresso Geral, critica especificamente as interpretações permitidas pelo Decreto 870 e pela c e e   ( f a f e g , 

1968:4-5). Com relação a esta última, o relatório afirma que ascomissões do c e e   em favelas não deveriam ser um “ 'instrumentode desintegração da comunidade e que as comissões existentes jáhaviam criado conflitos e facções dentro das associações de favela” .

 A crítica explícita a  política governamental de remoção, pre

sumivelmente endereçada à c h i s a m   (cuja eriaeao precedeu o Congresso de 8 meses), foi um ponto importante nas reuniões. “ Rejeição de qualquer remoção, condenação do desperdício humano e financeiro resultante dos problemas da remoção” forem especificamente discutidos no documento oficial do Congresso. Ao mesmo

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lempo, a urbanização era firmemente exigida como a única soluçãoviável para as favelas.52

Coerente com as posições tomadas no Congresso, a f a f e g  

tratou imediatamente de impedir a ação contra a primeira favela

(Ilha das Dragas, próxima a um clube social de elite na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul a ser ameaçada de remoção pelac h i s a m , agindo através de seus órgãos subordinados executivos.Quase que imediatamente, todos os diretores foram presos numaação policial que incluiu sua localização nas favelas e grande coordenação para que a pressão anterior de um não permitisse aos outros escapar. Estava bastante claro que a polícia estava muito beminformada com relação às identidades dos líderes (nunca ocultadas), suas atividades e localização em momentos específicos. Obviamente, os líderes foram mantidos incomunicáveis  por algunsdias, sendo ameaçados de severas conseqüências caso a oposiçãocontinuasse.53 Os homens foram soltos por causa da pressão da alamais liberal da Igreja Católica no Rio que, com outros setores orientados para a ação social da Igreja por todo o Brasil, só começarama ser severamente reprimidos pelo Governo Federal em 1969.

Desde a prisão em massa, as atividades públicas da f a f e g  

praticamente cessaram e nenhuma tentativa foi feita para impediras remoções em andamento das favelas da Zona Sul. Se tal esforçotivesse sido feito, aquelas tentativas de impedir tal remoção seriam

enfrentadas por soldados armados com revólveres, como foi o casoem 1964 quando o pessoal da f a f e g   tentou impedir a expulsão doMorro do Pasmado, a primeira favela a ser removida pela € O i i A B

(contado nos jornais da epoca). (

Conclusões

Os acontecimentos e as relações descritos neste trabalho paraas favelas da Guanabara, num certo sentido, são apenas um diag

nóstico da progressão de modelos maiores de acontecimentos e relações na estrutura social brasileira como um todo.

 As recentes castrações da f a f e g , as remoções de favelas queprosseguem, as intervenções legais e administrativas de órgãos doEstado, tudo isso acelerou o processo de eliminação dos meios pelosquais as favelas podem comunicar-se com os níveis administrativosdo Estado. A situação reflete as atuais tendências políticas elitistas

52   Ver f a f e g , 1968, também notícias de jornais em 3, 10 e 17 de novembro de 3968, especialmente no  Jornal do Brasil  e no Correio da Manha.

53 “Favelados presos sem saber o motivo” ,  Jornal do Brasil,  14/3/69,p. 18.

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 Apêndice I

Forma padrão d e acordo e n t r e o S E R F H A e as Favelas*1Estado da Guanabara

Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas

Direitos e Deveres das AssociaçõesTermos do AcordoFederação das Associações de Lucas e Vigário Geral(nomes de duas favelas vizinhas), registrada sob± 10.657 no Livro A .6 e do Protocolo ±: 247.337 , Livio=fc A .3 de 2 3 /4 /6 6*1

No dia 15 de novembro do ano de ...............   compareceu aeste Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-Higiênicas a Diretoria da Federação das Associações de Parada deLucas e Vigário Geral, que consciente das resoluções do Departamento de Bem-Estar Social em relação às favelas do Estado daGunabara, compareceu diante deste serviço [ s e r f h a ] , e assumiu ocompromisso para cumpri-lo bem e sinceramente, como indicadonos seguintes itens:

1. Cooperar com a Coordenação de Serviços Sociais na realização de programas educacionais e de bem-estar.

2. Cooperar na urbanização da favela, recolhendo quaisquercontribuições dos residentes para a melhoria do local, responsabili

•1 Este documento segue a forma-padrão de acordo, embora seja umacópia de um rascunho de um acordo específico com uma associação defavela específica. O fato de que o ano não tenha sido preenchido sugereque o acordo pode não ter sido fechado.

*2 isso deve ser um erro tipográfico. O s e r f h a   parou de funcionar em]962, como também a Coordenação. Pode tratar-se de 1960.

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zando-se pela utilização de tais contribuições e submetendo-se à supervisão da Coordenação.

3. Contribuir para a substituição progressiva dos barracospor construções mais adequadas e cooperar através da mobilizaçãode trabalho para a realização de outros trabalhos de emergência nafavela — OPERAÇÃO AUTO-AJUDÂ — conforme os planos técnicos e a orientação desta coordenação.

4. Cuidar das construções e melhorias feitas na favela.5. Solicitar a autorização da Coordenação para a melhoria

de casas, especificando as necessidades de reparo e manutenção.6. Impedir a construção dè novos barracos, vindo, quando

necessário, a esta coordenação para apoio policial.

7. Cooperar com a Coordenação para realocar os moradoresremovidos das favelas.8. Encaminhar a  coordenação as necessidades e reivindica

ções da favela relativas a serviços públicos, manutenção, saneamento, polícia e higiene.

9. Na favela, manter a ordem, o respeito pela lei e, de ummodo geral, garantir o cumprimento das determinações da Coordenação e do Governo.

10. Dirigir todos os pedidos de assistência médica, hospita

lar e educacional para a Coordenação.

 A Coordenação se abriga a:

1. Fortalecer a associação da favela e a nada fazer nas favelas ou vilas operárias sem anúncio ou acordo prévio.

2. Desenvolver um plano permanente de bem-estar para afavela com relação a melhorias no local, suas habitações e a situação de seus habitantes.

3. Supervisionar a utilização dos recursos recolhidos pela as«sociação e aplicados para melhorias na favela.4. Substituir progressivamente os barracos por construções

mais adequadas com a ajuda dos próprios favelados.5. Autorizar a melhoria dos barracos existentes, tendo &ido

os reparos aprovados pela associação.6. Dar assistência às necessidades e reivindicações da favela,

procurando a ajuda de outros organismos, mas sempre em cooperação com as associações.

7. Impedir qualquer violência da parte dos detentores defalsos títulos de propriedade contra os favelados.

8. Impedir a exploração dos favelados sob qualquer forma,especialmente com relação ao aluguel de barracos e ao fornecimento de eletricidade.

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 A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

lifecnicas e sociais relacionadas a  habitação e à urbanização do Estadoiâa Guanabara.

O Projeto

 As  partes do acordo assinado no Palácio Guanabara são o Executivo carioca, representado pela Fundação Leao XIII, a Ce a p a  

(Comissão Especial para Acordos sobre Produtos Agrícolas) e a Agência para o Desenvolvimento Internacional, o órgão criado peloGoverno americano para executar os projetos da Aliança para ©Progresso,

Conforme os termos do acordo, os Estados Unidos contribuirão para a sua execução com a soma de um bilhão de cruzeiros provenientes da venda de produtos agrícolas no Brasil. Os itens prin

cipais do projeto incluem a urbanização parcial e reconstrução das-favelas, a reacomodação dos seus moradores, a urbanização da favela de Vila da Penha e a construção de uma clínica de saúde emMadureira, região que possui 21 favelas com um total de 82.620moradores.

O Estado da Guanabara, de sua parte, dotará a Fundação Leão- XIII, para a execução do projeto, de 3% de suas rendas anuais deimpostos, ou o equivalente a um bilhão de cruzeiros.

O Governador FalaConvidando um delegado de cada um das duas primeiras fa

velas designadas para os benefícios da assinatura do acordo para integrar a mesa que presidiu os trabalhos, e na presença de várias delegações de favelas cariocas, o Governador Carlos Lacerda indicou osprincipais pontos do projeto de renovação urbana da Guanabara,que dará melhores condições de vida para a enorme população favelada do Rio de Janeiro. Disse o governador em um trecho de seudiscurso: “ Conforme as reformas estatutárias e graças à compre

ensão do Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara, o Estado pode confiar a execução do projeto a uma instituição privada, como a Fundação Leão XIII, sob a supervisão do Estado. Os primeiros pro

 jetos beneficiarão 43 favelas e 325.000 pessoas. Cerca de 124.000favelados receberão assistência medica e 18.750 terao a oportunidade de comprar suas casas próprias, por pequenas que sejam. Osprojetos são de quatro tipos:

1. Completar a urbanização da Vila da Penha;2. A construção de 2.250 casas de baixo custo em Bangu

e 1.500 em Botafogo;3. Melhorias em 35 favelas do Rio de Janeiro;

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 Apêndice III

Decreto UN ” N.° 870 de 15 de junho de 1967[Diário Oficial ( g b ) , 16 d e  junho, 1967]

O Governador do Estado da Guanabara, no uso de suas prerrogativas legais e

considerando que todo o programa elaborado para uma administração eficiente e racional, requer a colaboração de grupos representativos;

considerando que urge obter a colaboração desses grupos ent:cada favela, vila ou parque proletário e centro de habitação social*,

com a finalidade de representar os seus moradores perante os órgãos estaduais;

considerando que as associações de moradores ora existentesem favelas poderão constituir o grupo representativo do locàl;

considerando que as associações que se organizaram à margemde diretrizes orientadoras não atingiram seus objetivos, motivandograves distorções que urge corrigir;

considerando que as associações em tela são muitas vezes fictícias e carecem por isso mesmo da necessária representatividade;

considerando que a formulação defeituosa de seus estatutostêm sido causa de sua incapacidade de funcionar;considerando que esta situação de fato prejudica sobremaneira

a solução dos problemas da comunidade, DECRETA: Artigo  1 — Em cada favela, vila proletária, parque ou centro*

de habitação social, apenas uma  associação será reconhecida e teráa finalidade espeeífica de representar os moradores da comunidade

 junto aos órgãos de Estado.parag. 1 — Entende-se por associação de moradores a socieda

de representativa de mais de 50% dos moradores, à qual deverá

ser dado um estágio inicial de congregar 10% da popidação local eum prazo de dois anos para completar os 50% mais 1.

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parag. 2 — Toda associação que objetiva representar, os moradores de uma comunklade deverá previamente submeter os seus es-,tatutos à aprovação da Secretaria de Serviços Sociais.

parag. 3 — Após a aprovação e respectiva inscrição na Secretaria de Serviços Sociais, a sociedade que se estiver constituindo realizará o registro no Cartório competente.

 Artigo  2 — À associação devidamente autorizada e registradacompete:

— Trabalhar pela comunidade, no sentido de prestar assistência e benefício de caráter coletivo, apresentando ao Serviço SocialRegional da Secretaria de Serviços Sociais o seu programa de ação:

— Manter cadastro completo dos moradores, cujas fichas de

verão ser preenchidas em 2 vias, uma das quais será enviada aoServiço Social da Secretaria de Serviços Sociais para a devida anotação e respectiva inscrição:

— Solicitar ao Serviço Social Regional da Secretaria de ServiçoSociais, em caso de necessidade devidamente constatado, autorizações para reforma e conserto de barracos;

— Não permitir a construção dè novas moradias;— Comunicar ao Serviço Social Regional da Secretaria de Ser

viços Sociais as moradias desocupadas. Artigo  3 — 0 Secretário de Serviços Sociais nomeará uma

 junta para dirigir a Associação de Moradores, com a finalidade derealizar novas eleições de diretoria:

a) quando não for depositada, no Banco do Estado da Guanabara, numa conta aberta em nome da Associação representativade cada favela, toda a arrecadação;

b) quando não for apresentado o balancete trimestral ao Ser

viço Social Regional da Secretaria de Serviços Sociais, relatando omovimento financeiro da associação;c ) quando não for cumprido qualquer dispositivo dos esta

tutos por parte da diretoria;d ) quando for apurado qualquer ato que desvirtue a fina

lidade da Associação de Moradores. Artigo  4 — As associações já existentes nas comunidades fa

veladas vilas proletárias e centros de habitação social, deverão proceder de acordo com os parag. 2.° e 3.° do artigo 1.°, a fim de que

possam continuar a representar os moradores.Parag. único — Será reconhecida e inscrita em cada comuni

dade aquela que congregar maior número de moradores ou que melhores condições apresentar, a critério da Secretaria de Serviços-Sociais.

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P T B — Partido Trabalhista BrasileiroSAG MACS — Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográfica» Apli

cadas aos Complexos SociaisS E R F H A — Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habita

ções Antihigiênicassss — Secretaria de Serviços SociaisSURSAN — Superintendência de Urbanização e SaneamentoU D N — União Democrática Nacional, um partido políticousis — United States Information Service (Serviço de Informação

dos Estados Unidos)

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mo  A   S o c i o l o g i a d o B r a s il U r b a n o

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Guunabara e Áreas Vizinhas. Rio: Universidade Federal do Riode Janeiro,

Skidmore, Thomas E.1967  Politics in BraziL  Cambridge: Harvard University Press.

II.  Periódicos

 Agente  (jornal, efetivamente o órgão do BNH). Rio. Boletim Oficial do Estado da Guanabara,  Rio,

Correio da Manhã  (jornal) Rio. Dut, O  (jornal) Rio. Diário do Congresso  (Federal, abrev. Fed.), Rio. Diário Oficial  (Distrito Federal, abrev. DF.), Rio. Diário Oficial  (Federal, abrev. Fed.), Rio. Diário Oficial  (Guanabara) (abrev. g b ) ? Rio. Estado de São Paulo  (jornal), São Paulo.Globo, O  (jornal), Rio

 Manhã, A  (jornal), Rio.

 Jornal do Brasil  (jornal), Rio. Mutirão, 0   (boletim mimeografado, s e r f h a , 1960-62), Rio. Notíciaf A  (jornal), RioTribuna da Imprensa  (jornal), Rio»

III. Leis e Decretos

1937 Lei 6.000  Diário Oficial  (Fed), 7 de janeiro, lei estabelecendo os códigos de construção, conhecida em geral como o

Código de Obras.1946 Decreto n.° 9.124, citado in  Modesto» 1960; criou o Departamento de Habitação Popular.

1947 Decreto n.° 22.490, 22 de janeiro, criou a Fundação Leão XIII.

1949 Projeto n.° 633; Diário do Congresso, agosto, p. 7149; propôs um projeto de remoção de favelas federal, enviando os moradores para colônias agrícolas em seus estados de origem.

1956 Decreto n.° 13.304, 28 de agosto;  Diário Oficial  ( d f  ) ,  

seção II, ano XIX, n.° 197, pp. 7, 55-56; criou o s e r f h a .1956 Lei n.° 2.875, 19 de setembro;  Diário Oficial  (Fed.) seção I,

ano XCV, n.° 220; conhecido como a Lei das Favelas — alo-cou fundos federais a favelas de quatro cidades; deu tambémproteção aos moradores das favelas contra expulsões.

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a 261

1962 Decreto n.° 1.041, 7 de junho; aprovou modificação dosestatutos da diretoria da Fundação Leão XIII, de modo queela pudesse mais tarde ser incorporada ao Estado e desenvolver a urbanização, a construção de habitações de baixo custo,

e a remoção de favelas.1962 Decreto n.° 1.281, 25 de junho;  Diário Oficial  (Fed); cria

ção do Conselho Federal de Habitação.1962 Decreto n.° 1.162, 30 de agosto;  Diário Oficial  ( g b ) , 23

de setembro, pp. 19, 627-628; aboliu o s e r f h a   e transferiusuas obrigações e propriedades para o Departamento de ServiçoSocial da Secretaria Geral de Saúde do Estado; o Serviço de

 Vilas e Parques passou ao Serviço Social de Favelas sob as Administrações Regionais; a Fundação Leão XIII passou a

realizar urbanizações, remoções e desenvolvimentos habitacionais, especialmente daquelas favelas sob sua égide.

1962 Lei n.° 263, 24 de dezembro;  Diário Oficial  ( g b ) , 3 de setembro, pp. 26,907-914; reorganizou extensivamente toda aadministração do Estado da Guanabara; criou a c o h a b   paraassumir as atividades de habitação e urbanização da FundaçãoLeão XIII, deixando a Fundação com um órgão auxiliar livremente vinculada a ela.

1964 Lei n.° 4.380, 21 de agosto; criou o b n h .

1967 Decreto n.° 870, 15 de junho;  Diário Oficial  ( g b ) , ver Apêndice III.

1968 Decreto n.° 62.654, 3 de maio; criou a c h i s a m .

IV.  Fontes Documentais e Não Publicadas t

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o Expert Meeting on Housing Management and TenantonEducation, Weelington Nova Zelândia, 8-22 de março de1963 (mimeo). Rio: Fundação Leão  X I I I - c o h a b .

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e g b , c o h a b

1963 “ Censo das favelas da Guanabara” . Rio (hectografado).

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V *

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Museu Nacional, Progama de Pós Graduação em Antropologia Social — Antropologia Urbana, trabalho de seminário (datilografado).

TJS1S1962 “ Firmado acordo entre os Estados Unidos e o Brasil para a

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Wagner, Bernard; David McVoy; e Gordon Edwards1965 (“ Guanabara Housing and Urban Development Program —

Report and Recommendations by  AID Housing and UrbanDevelopment Team” . Rio: a i d   (mimeo).

 V . Arquivos e coleções pessoais de documentos de instituições oupessoas selecionadas que, em algum momento, colecionaramconsiderável material primário, que foi colocado à nossa disposição. A todas somos muito gratos. Estão listados pelo nomeda(s) pessoa(s) que os coletou(aram).

 Albano, Maria Josephina Rabello; Matérias da c o h a b ; recortes,1963-65; puc, Escola de Serviço Social; c e n p h à   (Rio) ,

b e m d o c s   boletins; Semana de Estudos;  material de survey,  etc.

(todo o material dob e m d o c  

 foi transferido  para a FundaçãoLeão XIII).Brown, Diana: recortes, 1968-69 (Nova York.Departamento de Recuperação de Favelas: fichário sobre 210 fave

las, incluindo material estatístico, mapas, algumas fotos, mate~riais legais, etc, (todo material do CRF foi transferido para à

Fundação Leão XIII, que tambépi tem extensos fichários legais e outros tipos, de material) (R io).

Leeds, Anthony e Elizabeth Leeds;» jornais e recortes, 1965-69; en

trevistas e falas gravadas; documentos, fotos; cópias de outrosarquivos e coleções (Aústin)_. '* 1Modesto, Hélio: recóríes dps anps’60 ÇRxó). ’ ’/ Moura, Vítor Tavares de: recortes, relatórios, discursos, fotos, toclos

de por volta de 1941-4r5 (Rio:-de posse de Maria Coeli-Tavares de Moura): ; --inr-Tvr ;

Rio, José Arthui* Rios: recorfôs dò'f]nal dá década de 1950 e início da <Je Í960;. dot s e i } f h £ (OgqraçãÒ Mutirão);, relátçs, fefc

(R io ). ' Ji ’ *

:gand, Sílvia Peréirá, recortes, 1964’65t; materiais' da' c o H fA N.. 1 l • I t .  <‘ » ' * • ••í i .• ' 'tt ii •.*.K • •*•**-.)»> "I l

• . . : i , ?»'*•» /? V . • t   * •• *. v

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F a v e l a s   e   C o m u n i d a d e   P o l í t i c a   263

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C o n s i d e r a ç õ e s s o b r e   D i fe r e n ç a s C o m p o r ta m e n t a is 2 65

individual e coletivamente, no Brasil, Peru e Chile, ao se confrontar com os sistemas políticos daqueles países, dado o seu interesseem extrair bens e serviços da comunidade política. Observamos va~riagoes em suas formas de tratar, manipular, resistir, e, sob outrosaspectos, de lidar com o sistema político externo a eles, o que já foibastante explicado anteriormente em termos das caareterísticas imanentes  das próprias populações. Nessas explicações, as características imanentes variam de país para país, de maneira que, até agora, não foi, em si mesma, explicada. Argumentamos que as formasdiferenciadas de comportamento são explicadas efetivamente emtermos da variação nas formas dos sistemas políticos com os quaisàs populações das áreas invadidas por posseiros se confrontam, eque  é  totalmente desnecessário apelar para características imanentes como modo de explicação.

0   problema surgiu quando encontramos contradições relativasàs afirmações da literatura existente, durante as observações realizadas, primeiramente, no extenso trabalho de campo nas favelasdo Rio de Janeiro, e, depois, nas prolongadas visitas às barriadas deLima, e em visitas mais curtas às áreas invadidas de Caracas, San.Juan (Porto Rico) e, no Brasil, Curitiba, São Paulo e Salvador«2

 A argumentação geral deste trabalho  é   de que a ação políticade qualquer dado agente ou ator  ê  condicionada, constrangida, e

em sua área de moradia como tal. Paralelos a esses tipos são encontradosno Peru (a) barriadas tugurisaãas  (ver Delgado, 1968), (b)  o que hojeé chamado  pueblos jóvenes  (estas duas categorias subdivididas em seustatus  com o “reconhecidas” e “ não-reconhecidasw pela Junta Nacional dela Vivienda), (c) projetos de conjuntos habitacionais de baixa renda,(d) corralones, e, possivelmente, {e)  as unidades vecinales. Paralelos brasileiros seriam (a) as  favelas, (b) as vilas e (c) os  parques proletários  (verLeeds e Leeds, 1970, A. Leeds, 1974a). A ausência de uma gama completa de paralelos no Brasil está nitidamente relacionada à natureza do estado político e da ação e estrutura política, como se esclarece no texto.Por causa dos traços comuns desses vários tipos e da dominância numérica no conjunto de posseiros e de áreas invadidas, bem como do fato deos outros tipos envolverem parcialmente posse e invasão, empregamos otermo áreas invadidas por posseiros, genericamente, para todos eles nestetrabalho, reconhecendo que algumas variações no comportamento políticaficam com isso inevitavelmente atenuadas. As diferenças entre eles parecem mais significativas no Chile.2 Além de nossa própria pesquisa e de nossas visitas, lemos a literatura sobre áreas invadidas e habitações de baixa renda relacionada (ver"Leeds e Leeds, em elaboração), particularmente àquela que Jida com apolítica e a organização social, não apenas para o Peru, Brasil e Chile,que são melhor documentados, mas também para a Venezuela, Colômbia*Guatemala, Nicarágua e México, que vêm em seguida em qualidade dematerial. A esta deve ser acrescentada a literatura comparativa sobrftHong-Kong, Deli, Lusaka Lisboa e Manila.

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 M   S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

talvez mesmo determinada por uma ampla gama de variáveis externas à comunidade política inclusiva. A descrição e compreensãoou á previsão do comportamento de qualquer um de tais atoresnínna comunidade política requer especificação das variáveis que

operam como coatoras sobre, e/ou das opções disponíveis a aqueleátor, ou seja, uma descrição da ordem externa ao ator escolhidopara estudo — no nosso caso, as áreas invadidas por posseiros noBrasil, Peru e Chile. Sem uma rigorosa discussão das variáveis dacomunidade política, inclusive, o comportamento de atores taiscomo os moradores de áreas invadidas tende a ser vista, como serám o s t r a d o abaixo, em termos dos estereótipos e etnocentrismos pre-valescentes na literatura existente, escrita em grande parte por norte-americanos ou por representantes de classes da sociedade em consideração, que são, na verdade, também estranhos aos t ipo3 de moradia em questão.

 Aqui, definimos “ políticow como compreendendo qualqueração, articulação de interesses ou tentativa feita por um ator paramanobrar com órgãos públicos e privados que têm como objetivoa extração de bens e serviços de um dado sistema por outros meiosque não as trocas padronizadas de valor, em geral de dinheiro. Noscasos em consideração, tal tentativa pode significar laços informaise individualistas com políticos, pela saída intencional da participação nos processos políticos formais, de modo ú  reter o poder da

barganha, permanecendo fora dos compromissos políticos formais,ou participando dos canais políticos formais, abrangendo a burocracia, ou ainda combinações dessas alternativas, variando conformeas condições.

Uma Metodologia e um Modelo Holísticos:"Contexto” como Variáveis Determinando a Ação

O leitor detectará, no que se colocou, uma certa orientação,

com sua terminologia, que queremos discutir brevemente antes deprosseguir, uma vez que filosófica e metodologicamente ela permeiaa abordagem para a compreensão de nosso tema3 e leva a certas■ conclusões acerca dos resultados de estudos anteriores.

3 O termo inglês original é subject matter, cuja tradução é tema. Oautor faz a seguinte observação a seu respeito: “ A esquisita expressão subject matter  ou subject matter  de estudo é usada para evitar subect (que teriao duplo sentido de sujeito e de tema) ou object  (objeto) (de estudo),com suas complexas e complicadas implicações filosóficas, especialmentenas tradições marxista e hegeliana, por um lado, e, por outro, em suas

.formas adjetivas ‘subjetivo' e ‘objetivo', na tradição positivista britânica.Também evitamos 'entidade’ ou ‘coisa’, uma vez que ambos envolvem,

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C o n s i d e r a ç õ e s   s o b r e   D i f e r e n ç a s   C o m p o r t a m e n t a i s   267

Nosso trabalho está construído sobre dois métodos interligados:a compreensão de nossos casos por meio de uma forma específicade liolismo, a análise geral de sistemas e uma comparação de casos.Esses casos são escolhidos não apenas em função do acidente, duasou três unidades de estudo que por acaso nos são familiares, mascom base numa tentativa de usar critérios de compatibilidade paraselecioná-los. Embora o procedimento de seleção esteja sabidamen-íe ainda pouco desenvolvido, ele está distante do puramente aã hoc  e  representa um passo na direção de um método propriamente comparativo, seja para análises políticas, sociais ou outras. Isso  ê  melhor discutido adiante.

0   holismo foi, por um longo período, um modelo metodológico especial para a antropologia, amplamente para a história, e mar-cadamente para certos tipos de economia política, especialmente omarxismo. Ele afirma, em essência, que, para qualqueT tema aser estudado, é essencial entender sua estrutura, seu ambiente, acena em que  é  observado, e conseqüentemente é necessária algumadescrição do contexto. De forma recíproca, o tema de estudo nãoestá isolado, não  é completo em si mesmo, mas se relaciona de modosignificativo ao contexto, cuja especificação ilumina nossa compreensão do tema. O contexto também fornece bases para o julgamento na interpretação do significado do tema — é uma espécie decontrole. 0 que a “ compreensão” do contexto acarreta ainda nãofoi, na verdade, claramente estabelecido em termos filosóficos, nasdisciplinas ou subdisciplinas holísticamente orientada, mas ela  ê tomada — praticamente como um ato de fé de sentido estético —como essencial. Na prática, isso significa que um antropólogo oueconomista político conhecerá mais e mais aspectos de “ sua cultura” ou “ sua sociedade” (isto é, a entidade sócio-cultural em consideração) intimamente até que, idealmente, ele os conhece todos e os

vê todos inter-relacionados e interpenetrando-se. 0 fato de que “suacultura” seja propriamente um todo nunca foi muito questionado— isso é tomado (erroneamente, do nosso ponto de vista) comoaxiomaticamente auto-evidente, também como um ato de fé. Finalmente, a eficácia de um tratamento holístico não é explicada filosoficamente de modo claro, mas é antes concebida esteticamente, cem conseqüência também como um ato de fé.

Gostaríamos de sugerir algumas idéias acerca deste problema,esclarecendo o método subjacente ao nosso estudo. 0 “ contexto”

tem sido tradicionalmente pensado, em essência, como o “ resto dacultura” ou “sociedade” (outro que não o que se enfoca no estudo)

freqüentemente, reificações baseadas em axiomas incorporados, não explícitos** (ver Leeds, 1974b).

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 M   S o c io l o g ia d o B r a s il U r b a n o

funcionando para o tema como uma base ou cenário constante ondesèXt  papel é dessempenhado.4 Esse tratado antes como uma coisa unitária que suporta o tema de estudo.

Rejeitamos a visão de um contexto imóvel. Em vez de vê-"lo”

como uma coisa, tratamos o contexto como um conjunto de variáveis num sistema de variáveis, no sentido em que a teoria geral desistemas utiliza esses termos. Cada variável, ou “ elemento” , direta ou indiretamente interagem — tem um papel ativo — e afetacada uma das outras, das quais o nosso tema de estudo é simplesmente uma, ou um conjunto que escolhemos, com bases em váriosaspectos para atenção especial. Assim, mais do que ver nosso modelo como consistindo de uma estrutura de dois corpos de um temavariável de estudo e uma base constante ou um conjunto de condi

ções chamadas de “ contexto” , ele é visto, Iiolisticamente, como umaentidade com múltiplos corpos (se  é  que, na verdade, sc trata deuma entidade e não de uma construção mental num modelo teórico) que consistem de elementos chamados variáveis, conhecidas,idealmente, pela observação direta e por medidas de tipo quantitativo, todas interagindo entre si, em grau maior ou menor, às vezes direta, às vezes indiretamente, através de outras variáveis. Nessa concepção, o contexto como uma coisa  conceituai desaparece;

resta-nos um tema de estudo com relação ao qual açÕes — “ forças” , pressões, etc. — e coações estão ocorrendo a partir de forçasexternas a ele, sobre as quais, por sua vez, ele exerce ação e coação.

4 A base é vista como constante tanto de forma ativa como passiva, deuma maneira peculiarmente contraditória. A visão passiva vê a base digamos como um meio ambiente que para todas as pretensões e propósitos,é fixo ou tão macrocósmico que suas variações são triviais e puramentelocais. A visão era (e ainda é, amplamente) difusa nas abordagens paraa compreensão do indivíduo na sociedade ou cultura, ou, muito freqüentemente também, em estudos ecológicos onde o meio ambiente natural(mesmo com variação sazonal ou de outro tipo) foi tomado simplesmentecomo um dado externo com o qual os seres humanos devem lidar. Avisão mais ativa dessa base a pensa como determinando  a ação humana— os seres humanos, essencialmente, como fantoches do meio ambientefísico ou social que age sobre eles. Ainda assim, esses meio ambientes são,nessas visões, tratados como essencialmente fixos e externos, não trabalhados, delineados e formados pela ação  e atividade  humanas de modoque a base, embora determinante, é ainda vista curiosamente como passiva, enquanto que, uma vez que são determinados, os humanos são vistospeculiarmente como passivos, embora na verdade constantemente agindo.

 Achamos essas visões inerentemente contraditórias, construídas com categorias metafísicas e concepções causais na sabedoria herdada da ciênciasocial. Cremos que a visão geral de sistemas resolve o problema.

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C o n s i d e r a ç õ e s   s o b r e   D i f e r e n ç a s   C o m p o r t a m e n t a i s   2 ó 9

 Antes de detalhar outros aspectos de uma abordagem sistêmica, consideremos como nosso tema tem sido comumente tratado.

 Até recentemente, a maior parte da literatura sobre posseiros e áreasinvadidas tratou-as essencialmente, de modo isolado, como entidades auto-suficientes (por exemplo, “ enclaves rurais na cidade” ,Bonilla, 1961), cujas supostas características são explicáveis em termos de seus atributos ou essências imanentes. Na versão mais extrema, praticamente nada da base ou do contexto é elucidado (ibid: d e s a l , 1965; Lewis, 1959, 1961, 1965, 1966 etc; Mangin 1967a,1967b; Perase, 1956, 1959; Portes, 1971; Turner, 1963, 1966,1968, 1969. À medida que a literatura evoluiu, e particularmenteos cientistas políticos começaram a ter interesse nas áreas invadidaspor posseiros, mais atenção foi dada ao contexto, mas de modo es

sencialmente passivo. Assim, os posseiros, como indivíduos ou coletividades, eram vistos como se comportando ou não se comportando na esfera política ( concebida sobretudo em termos de eleiçòes ,fato que necessita da especificação do contexto em termos de partidos, eleições, e coisas semelhantes (ver Goldrich, Schuler e Pratt1967-1968; Goldrich, 1970; Portes, 1970, 1972) ou no sistema legal (por exemplo, Conn, 1969). O reverso é também verdadeiro: o■ estudo do sistema político com relação aos posseiros, mas tratandoestes últimos mais como uma base passiva (Collier, 1971; Leeds e

Leeds, 1972; Medina, 1964). A visão de sistema do holismo, rejeitando essencialmente ocontexto como uma base passiva, requer que se especifiquem tanto o tema de interesse e os aspectos apropriados da base, como os“ atores” ou as variáveis no sistema. Do ponto de vista dos atores^posseiros” como variáveis, somos obrigados a ver como as variá-veis externas (neste caso, o sistema político em sentido amplo) seinter-relacionam ativamente com os “ posseiros” como indivíduos ecoletividades — e a ver como os “ posseiros” se inter-relacionam comas variáveis políticas externas. Nossa colocação aqui simplifica o

quadro porque fez dos “posseiros” e sistemas políticos categorias unitárias — um tipo de modelo de dois corpos — enquanto que, na verdade, numa análise mais completa, argumentaríamos que teria queser feita uma consideração diferencial com relação aos moradores das

 poblaciones, campamentos, projetos de habitação “ popular” (ou seja,da classe trabalhadora), áreas invadidas por posseiros, e mesmo vários tipos de áreas invadidas (ver A. Leeds, 1969). Além disso, teríamos que incluir, em nosso relato mais completo, relatos diferenciais dos sindicatos, do sistema partidário, da burocracia, do Legis

lativo, do Executivo e, muitas vezes, dos militares e da Igreja. Dequalquer forma, colocando o problema em outras palavras, ò mode-

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lo geral de sistema  exige  que examinemos como as variáveis agemumas sobre as outras num sistema de mútua causação — uma causarão de grau, não de determinãncia absoluta.

 A concepção de mútua causação tem as mais profundas implicações para os sistemas que envolvem populações humanas porque os seres humanos avaliam não apenas situações e tendências,mas, sobretudo, as ações de cada um e, então, governam suas próprias ações de acordo com tais avaliações. Esse efeito de avaliaçãosobre o comportamento dos elementos — nossos “ atores” ou varia-veis — de um sistema é tecnicamente chamado de  feedback.  O

 feedback  faz parte da essência da interação humana, uma vez quetodos os atores envolvidos no sistema estão envolvidos em circuitosde  feedback, e adaptam constantemente o comportamento às

mudanças no comportamento das variáveis (atores, incluindo organismos, instituições, condições) externas a eles, bem como ao seupróprio comportamento modificado. Metodologicamente, isso significa que o tratamento de qualquer grupo como uma entidade auto-suficiente é inerentemente uma falsa representação e só pode serfeito com base em suposições implícitas e bastante despropositadas,mas amplamente sustentadas — por exemplo, que uma populaçãono interior de uma situação política pode ser de alguma forma wdes-politizada” .5 Tal suposição afasta-nos da pesquisa sobre a ava

liação, atribuição, cognição, conação, ação — com os conseqüentesquadros míticos que nos foram apresentados sobre posseiros (veradiante).

 A existência de  feedback  nas populações humanas tem outrasimplicações dè grande interesse para análises políticas (e outras)*

 A possibilidade de  feedback  constitui uma coação sobre qualquervariável dada porque as pessoas avaliam e governam seu comportamento segundo ele: o  feedback  limita sua gama de variação. Emtermos políticos, com relação aos posseiros, isso significa que um

ator político* como um partido que precisa de um eleitorado e queproduz bens para seu eleitorado — tais como melhorias infra-estru- 1turais na área invadida — arrisca-se a perder seu eleitorado. Conseqüentemente, é coagido —■ deve  produzir algo se existem partidos

5 Foi interminavelmente repetido na literatura de ciência política queas pessoas que vivem sob ditaduras linha-dura são “despolitizadás”, umavez que não “têm” prática política (isto é prática eleitoral). Eles nãoconseguem ver que exatamente essas condições agudizam o senso políticoestratégico e a análise, e fortalecem a organização — como a recente his*

tória de Portugal, depois de um regime totalitário de 50 anos, e os acontecimentos políticos antiautoritários de Portugal e Bspanha deveriam, deuma vez por todas, indicar. ' '

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concorrentes nas proximidades. Do ponto de vista das áreas invadidas, a ausência de partidos concorrentes ou inacessibilidade ao sistema partidário constituem coações sobre suas possibilidades de

ação, a não ser que, por exemplo, os partidos estejam competindo com a burocracia ou com o executivo por eleitorado, ou quehaja outros caminhos para pressionar os partidos ou o governo paraa produção de bens e serviços — por exemplo, através dos sindicatos.

Nosso tratamento holístico, então, dissolve o “ contexto” em variáveis ativas relacionadas de modo importante, direta ou indiretamente, à variável, do sistema também ativo, que escolhemos parafocalizar. Idealmente, descreve-se o si stem a d e i n t er ação   das va

riáveis especificadas como delineando o sistema. Esse conceito obri-ga-nos a descrever para as populações humanas nao apenas a organização dos atores ( “ estruturas das variáveis” ), mas também seusprocedimentos avaliativos, os mecanismos de f eedback ,  e o sistemade coações mútuas em operação — ou seja, limitações sobre osatores que existem para cada ator em cena, quer individual ou coletivamente. Estamos metodologicamente obr igados   a evitar o procedimento tradicional de isolar algum tema de estudo unicamentepara o exame interno, baseados na suposição de que a estrutura in

terna é autogeradora. Em vez disso, afirmamos que a estrutura interna é um produto da interação tanto do processo interno comada ação externa. Somos obrigados a evitar a busca de essências. Sequalquer estrutura interna for autogeradora ou tiver qualquer espécie de “ essência1’, isso deve ser em p i r i c am en t e d em on st r a d o  , enão tomado como axioma.

Podemos explicar mais detalhadamente a relevância dessasconsiderações para a nossa questão de modo mais completo. Primeiro, a ação de qualquer ator é limitada pela utilidade ou inutili

dade de sua açao na consecução de objetivos. Algumas ações quepodem ser imaginadas são impraticáveis porque, por exemplo, seus;efeitos de f eedback   são indesejáveis (de modo que, por exemplo,como as maldosas vinganças, elas são em geral remetidas à fantasia). Dito de outro modo, para qualquer sistema dado, as gamas deação útil são limitadas, e tais limites devem ser descritos empiricamente.

Segundo, no interior dessas gamas limitadas, para qualquer

açao dada a gama de açao política é ainda mais restrita em virtudedas respostas políticas que o ator pode prever que outros atores-produzirão. Uma reação política prevista pode ocorrer real ou apenas potencialmente, é puramente postulada como uma possibilidade, ou é entrevista ou imputada ao outro partido. Nem mesmo pre*

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E72  A S o c i o l o g i a d o B r a s i l U r b a n o

‘cisa materializar-se num comportamento real para operar comor e s t r i ç ã o sobre as ações de qualquer ator. A proposição refere-se,pox ptincípio, a todos os atores. Na essência, o jogo político para

qualquer ator dado consiste na minimização das restrições sobresua açoã e na maximização das restrições que ele pode exercersobre outros.

Terceiro, a descrição e compreensão, e a possibilidade de previsão, do comportamento de qualquer ator numa sociedade pelomodelo construído requer a inclusão de descrições das várias restrições e de um modelo de sua interação. Isso também significa especificar as opções disponíveis aos atores. No final das contas, essasvárias exigências significam uma descrição e um traçado do sistema

mais amplo de variáveis — ambas as ordens externas ao ator escolhido para estudo e ao próprio ator.6

A L i t er a t u r a sob r e a Pol i t i z açao :Al ega ções d e Não Pol i t i zaçao da s Ár ea s I n va d i d a s 

 A literatura recente que trata dos proletariados urbanos da América Latina exemplifica calaramente alguns dos problemas metodológicos que acabamos de discutir. Ela combina o erro fundamental de tomar unidades de análise fora de contexto, isolando osfenômenos em estudo — nesse caso, formas de articulação e organização política. O tema é abordado com um forte etnocentrismo, amplamente baseado nos postulados das análises sócio-políticas anglo-americanas, mas também, às vezes, nas suposições de classe dos observadores latino-americanos da i n t e l l i g e n t s i a    — essencialmentemembros das elites ou seus congêneres americanos (Collier, 1971;o grupo d e s a l , 1965, 1966; Medina, 1964; Portes, 1970, 1971;Schimitter, 1971; parte da literatura da dependência). Embora tomar o tema fora do contexto e o tenocentrismo não estejam inerentemente ligados, isolar o comportamento político de seu contexto político permitia que interpretações errôneas e ctnocêntricas floresces

6 é   interessante observar que a utilidade e eficácia das explicações psicológicas, inclusive em termos de motivação, dos fenômenos sociais sereduzem a um papel extremamente periférico num mundo que é visto damaneira descrita acima. Talvez a única suposição básica de tipo psicológicoque é preciso fazer é que, embora muitas pessoas possam agir tambémaltruisticamente, elas se comportam basicamente em termos de auto-in-teresse individual e coletivo. Gostaríamos de evitar a reação de valor que

esta suposição sempre parece emitir, apontando para o fato de que ointeresse próprio não é necessariamente maligno, mas pode ser, e talvezcomumente seja, benigno e, na verdade, torna o possível altruísmo: quemnão se adaptou a um mundo real com alguma forma de interesse próprionão pode também ser altruísta.

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*Volvi mento” europeu-ocidental ou norte-americano (ver suposiçãosemelhante em Leeds, 1964a). Tais práticas políticas, processose atitudes serão, dado o princípio evolucionista unilinear subjacen

te a tal pensamento, homólogas àquelas dos “países altamente desenvolvidos” . As formas da articulação política além daquelas concebidas por tais escritores parecem-lhes irrelevantes ou sugerem umbaixo grau de politixação ou de “ socialização” política para essaspopulações proletárias rurais e urbanas (e outras).

0 cientista político americano Goldrich, em particular, lidoucom a socialização política dos moradores de áreas invadidas porposseiros e dos projetos habitacionais governamentais de baixa renda em Lima e Santiago, no contexto de uma concepção unilinear

de desenvolvimento, desenvolvimento este que progrediria atravésde uma seqüência determinada, que começa com a “ aão consciência de governo” (pergunte-se quando, na história humana, issoocorreu) e procede aos seguintes estágios: “ consciência de governo” , “percepções da utilidade do governo” , “ realização de sua ma-nipulabilidade” , “ desenvolvimento de uma preferência política” ,“ avaliação da provável eficácia de alguém” , “ cálculos de ganhos ecustos da ação” e, finalmente, “ fazer demandas” . Outro cientistapolítico americano (S. Powell, 1970) considera a participação polí

tica dos moradores de uma ba r r i a da  de Lima primária e estreitamente em termos do comportamento eleitoral — novamente, uma forma ocidental, particular, anglo-americana de ver o comportamento político. Um sociólogo britânico (Bamberger, 1968) é talvezmuito culpado do pensamento desenvolvimentista em suas discussõesda integração política nos “instáveis” bairros da Venezuela, cujascondições “ tornam difícil alcançar a integração política essencialpara o funcionamento da democracia” . Ray (1969) faz eco a essaatitude de forma mais branda em todo seu livro.

O que se objeta a essa literatura é primeiramente, a suposição normativa de que uma dada população deveria necessariamente alcançar um tipo particular de politizaçao ou socialização. Talsuposição, por um lado, impõe um conjunto de valores políticossobre uma população cujo contexto histórico e estrutura sociológica podem indicar formas bem diferentes de comportamento político. Foi visto que no Brasil, por exemplo, a “ variável” “ eficáciapolítica”, geralmente empregada por autores que escrevem sobre apolitizaçao, era imprópria, no contexto brasileiro para o estudo das

atitudes políticas entre moradores de favelas no Rio. “ O morador dafavela que diz que pode fazer alguma coisa para influenciar o Governo não é mais eficaz, mais moderno, ou mais competente comocidadão, mas simplesmente mais desapontado pela retórica do go-

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verno — menos em contato com a realidade. É um tributo ao senso comum do morador da favela que seu grupo esteja na minoria”(Perlman, 1971:383).

Em segundo lugar, a imposição de suposições normativas pre- julga certos tipos de comportamento político como “ subdesenvolvidos”, quando, na perspectiva metodológica acima discutida, essecomportamento parece ser a maneira mais eficaz e efetiva, dado umcerto conjunto de limitações estruturais impostas pelas condiçõespolíticas e ações externas aos atores em questão. Por exemplo, arelação “personalista” de patronagem comum, particularmente na Venezuela, Brasil e em outros países, fo i caracterizada como contribuindo para a “ imaturidade” da vida política do b a r r i o    (Bamber-

ger, 1968). Outra forma de comportamento político, o afastamento da participação associativa ativa, e vista como um processo de“ despoUtização” por Goldrich (1970), e ocuparia um espaço inferior na sua escala de politização. Afirmaríamos que, sob certas condições, pode ser mostrado que é uma decisão racional e politicamente conveniente da parte dos moradores de áreas invadidas. Pretendemos mostrar que tais tipos de comportamento político, comoas relações patrão-cliente ou o afastamento da associação políticaaberta, mais do que indicadores de subdesenvolvimento político,

como é tão freqüentemente alegado, são, na verdade, respostas adap-tativas, racionais e politicamente estratégicas às condições estruturais externas a nossos atores na comunidade política mais ampla.

 Ainda um outro problema com a literatura acerca do proletariado urbano é a suposição de que a relação entre uma dada população proletária e a comunidade política externa é necessariamente uma relação de exploração unilateral por parte dos atores externos. O quadro do imigrante rural pobre e não sofisticado, à mercê

dos políticos demagógicos é apresentado nas descrições de áreas invadidas no Brasil, Venezuela e Chile. Embora devamos ressaltar queexiste uma série de controles e coações, que limitam severamenteos canais através dos quais as populações “ posseiros” podem extrairbens e serviços do sistema mais amplo, no interior daquele conjuntode controles (ver E. Leeds, 1972: cap. 2, “ Jogos que as Favelas jog a m U z ze ll , 1972: cap. 6, “ Play Lexicons and Chollo Self Crea-tion” ). No caso do Brasil, por exemplo, a associação da favela ouseu presidente usam o político ou administrador do Governo, ins-

tuição de previdência públiea ou privada, Corpo de Voluntários daPaz ou provedores em potencial semelhante, tanto quanto a favelaé usada por agentes externos para apoio eleitoral ou de ouiro tipo.Chamar a relação de exploração unilateral é, em primeiro lugar,não ver de forma alguma esse jogo, é não entender o jogo jogado

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como uma resposta n ecessár i a   aos atores políticos do sistema maisamplo, dadas as restrições que estes últimos estabelecem.

Como foi enfatizada anteriormente, a ausência de descrições

adequadas da comunidade política externa e de sua relação com grupos proletários tais como a área invadida por posseiros, é uma objeção maior a grande parte da literatura que lida com o comportamento político desses grupos. A literatura existente tende a tratar apopulação das áreas invadidas, ou grupos de baixo nível de rendaem geral, de modo isolado, e não nos contextos das estruturas políticas mais amplas nas quais eles de fato operam.

Para reiterar este ponto argumentaremos que qualquer análisedo comportamento político ou da organização numa população como

o proletariado urbano deve conter uma discussão extensa dos canaisdisponíveis através dos quais tal população opera, das pressões &  coações sobre a população que limitam sua operação e dão forma asuas atitudes e comportamentos e, além do mais, da política relativa a tal população por parte dos organismos governamentais externos que, em última análise, fecham, abrem ou desviam os canais.Depois de uma breve discussão de nossas razoes para escolher oBrasil, o Peru e o Chile, voltamo-nos para descrições dessas características com relação a tais países e para a resposta aos “posseiros”

a elas.

T r ês Com u n i d a d es Pol ít i ca s   — Bases d e Sel eção 

Os três países que escolhemos sao soeiedades com muitos as»ospectos, grosso modo, aproximadamente comparáveis. Primeiro, ostrês têm sistemas políticos claramente multipartidários, com ao menos três ou mais partidos independentes concorrentes desempenhando importantes papéis no jogo político nacional. Os três países têm

amplas e complexas estruturas burocráticas com evoluídos mecanismos de bem-estar social que existem há algumas décadas, como possuem organismos especializados que lidam com a habitação e áreasde moradia. Além disso, todos os três têm longas histórias de umavasta organização sindical,a embora o grau de autonomia dos sindicatos em relação à estrutura governamental varie consideravelmente— fato que é, em si mesmo, um importante determinante do comportamento político. Quarto, todos têm ao menos uma cidade com vários milhões de pessoas e também muitas outras cidades grandes.Todos eles, desta forma, têm amplas e sofisticadas populações ur-

® É interessante notar a importância, também, da influência anarco-sindicalista nos movimentos sindicais, ao menos no Brasil e no Chile, porvolta da passagem do século e depois, por quase 20 anos.

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C o n s i d e r a ç õ e s ' ' s o b r e   D i f e r e n ç a s   C o m p o r t a m  e n t a i s   277

banas com proletariados que já existem há um tempo considerável,especialmente nas metrópoles urbanas. Finalmente, cada um dospaíses tem há muito tempo uma indústria substancial, especialmen

te nas principais cidades, fato relacionado à proletarização, à moradia das massas urbanas e à política. Embora um país como oMéxico se ajuste à maioria dessas características, sua estrutura partidária em muito divergente modifica as variáveis políticas do nosso modelo de tal forma que, na ausência da formulação de modelosmais genuínos, não sabemos como prever, a partir dessa divergência, o efeito sobre a vida política dos atores em questão. Outrospaíses, sobretudo a Venezuela, poderiam ter-se ajustado aos nossoscritérios, mas o material descritivo necessário era inadequado.

Essas três comunidades políticas variam segundo uma maneira que pode ser ordenada logicamente de forma nítida, fato quefornece a estrutura central do nosso argumento9. Em um deles, o

 ______________   l   f

9 Acontecimentos políticos recentes em cada um dos três países (Brasil,1964; Peru, 1968; Chile, 1973) alteraram algumas das estruturas discutidasem diferentes graus.

 Após as eleições de 1965, que, especialmente no Rio de Janeiro,foram-lhe contrárias, o Governo militar brasileiro, que chegara ao poder

com o golpe de estado de 1964, decretou um sistema bipartidário, emboraos antigos partidos persistissem “clandestinamente” de várias maneiraspor muitos anos (se não até hoje). O Brasil, na verdade^ tem um sistemafuncionando com base em três (ou mais) partidos — o partido do Governo, a r e n à ; o Movimento Democrático Brasileiro, ou m d b , de oposição,e ao menos um partido comunista altamente reprimido e clandestino.Dada a excentricidade da política eleitoral, nos quarenta anos ou maisanteriores ao movimento militar de 1964, e dada a estrutura das estratégias políticas abertas às áreas invadidas sob tais condições, as condiçõespós-1964 representam a continuidade de um extremo de um padrão familiar.

No Peru, o golpe de estado de 1968 deixou a à p r a   e os partidos comunistas, bem como  os pequenos partidos de elite, essencialmente intactos, enquanto tentava minar seu poder criando novos eleitorados, emparte oriundos dos antigos partidos. Mas esse é, na verdade, um padrãopolítico-modelo para o Peru, de modo que nossa descrição se aplica continuamente (inclusive sua aplicabilidade se mantém para os fortes sindicatos, que na verdade, continuaram a deter muito poder ao longo dadivisa estrutural representada pela ascensão ao poder do atual regimemilitar).

No Chile, o sistema multipartidário ainda existe, apesar da extremacoação do repressivo regime militar. Na verdade, as coalisões governa

mentais pré e pós-Alíende persistem hoje (em parte clandestinas, em parteno exílio; ver Engler Perez* 1975). Tanto os partidos como as coalisões aindatentam manter a organização política e mobilizar ação contra o atual.Governo. Nossa descrição, todavia, restringe-se principalmente ao período de 40 anos até 1973, caracterizado pela política eleitoral “ estável”que, supunha-se, continuaria indefinidamente no futuro.

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Brasil, nenhum dos partidos tem (ou teve) base de massa, emboramuitos votos de massa possam ter sido mobilizados nas eleições. Aorganização essencial, as escolhas pessoais e as articulações de interesse se davam, todas, intra-elite. No segundo, o Peru, apenas umpartido ( a p r a ) tem (ou teve) base de massa, basicamente nos sindicatos, tanto rurais como urbanos. No terceiro, o Chile, muitospartidos têm uma base de massa, ou seja, têm unidades subsidiá-irias operantes no interior das massas populares que funcionam politicamente, fazem escolhas locais do pessoal, articulam interesseslocais à hierarquia partidária. 0 jogo político nas três comunidades políticas, argumentamos, varia para todos os níveis sociais e setores da sociedade, conforme a variação nos sistemas partidários econforme a interaçao partidária com as burocracias, sindicatos evários ramos do Governo, especialmente o Executivo e os militares.

B ra s i l  

A Comu n id ad e Polít i ca   — 0 Brasil apresenta um quadro doscanais para reivindicação e articulação de interesses muito diferente daquele do Peru ou Chile, que são descritos adiante. Essencialmente, o sistema político f o r m a l    para a distribuição de recompen

sas, bens e serviços da sociedade é desprovido de qualquer base demassa. Conseqüentemente, como mostraremos, as respostas por parte do proletariado a essa estrutura distinta de redistribuição de re-

É importante notar que nenhum dos autores esteve efetivamente noChile. Toda nossa informação vem de fontes publicadas ou comunicaçõespessoais ocasionais. A literatura etnográfica sobre áreas invadidas chilenas (principalmente de Santiago) ou outras formas de moradia prole-tária é quase que inteiramente de épocas recentes, a mais rigorosa sendopós-AIIende. Nem a profundidade do tempo, nem a riqueza de detalhesetnográficos que temos para o Rio, Lima ou San Juan é disponível. Muitosdos dados da d e s a l , depois dos estudos de Portes, e mesmo da pesquisade Castells-ciDU, são essencialmente um trabalho de survey  e entrevistasmais ou menos detalhado, mais do que um trabalho etnográfico deobservação participante. A pesquisa CastelIs-ciDU também é, em nossaopinião, altamente carregada de suposições a priori  sobre classe e ideologia, típicas do marxismo francês, que prefiguram suas interpretações (versumário detalhado do último em Handelman, 1975). Excluímos a Venezuela como exemplo, embora ela se adequasse aos critérios comparativos»porque as fontes (por exemplo, Karst, Schuartz e Schwartz, 1973) sãopor demais dispersas por diferentes cidades e setores para permitirem umaanálise adequada. Também o período de sua organização multipartidáriafoi bastante pequeno.

O leitor levará em conta, no nosso tratamento do caso chileno, ofato de ser ele provisório, até que mais materiais etnográficos, tais comoos Teunidos, mas não publicados, de James Clifton se tomem disponíveis.

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compensas deve ser, necessariamente, bem diferente. Querer encontrar formas eleitorais como aquelas observadas no Chile seria vão, e julgar as do Brasil “ imaturas” , “ despolitizadas” , etc., é não apenas

fracassar como analista político, mas também colocar-se numa dúbia posição étnica.Em contraste com os do Chile e do Peru, nenhum dos parti

dos brasileiros tem base de massa. 0 único partido que, no nome,pareceu pretender ser uma organização do povo — o Partido Trabalhista Brasileiro — foi, na verdade, criado pelo Presidente Getií-lio Vargas, em 1943, para formar uma massa seguidora manipulável, controlável, que ele dirigia, essencialmente, no jogo político jdantecipado que deveria emergir com as eleições prometidas para

1945, e o conseqüente fim necessário de seu s ta tus   ditatorial. Op t b

 foi construído a partir de uma coalisão dos sindicatos sob dominaçãototal do Governo e de outras forças “ progressistas” que apoiavamprogramas de industrialização, nacionalização e previdência social— programas que pretendiam, no seu lado unicamente político, fortalecer cada vez mais o poder de uma das importantes facyões de eliteda sociedade brasileira (ver Leeds, 1975). O p t b   objetivava, então,conquistar como curral eleitoral a população urbana, que havia aumentado em muito durante a ditadura de Vargas, com o rápido

crescimento da indústria, especialmente em São Paulo. Basicamente, ela era um fenômeno relativamente novo na sociedade brasileira, que precisava ser considerado nas estratégias políticas devários atores, na comunidade política, que tentavam ter acesso ouacumular mais poder. Na época do maior crescimento inicial dessas populações urbanas, Vargas era o único numa posição políticaque permitia sua incorporação numa estratégia política, enquantotodos os outros partidos permaneciam elitistas em eleitorado e controle, muito embora o Partido Social Democrático (PSD — nem so

cial nem democrático) freqüentemente drenasse o curral eleitoralde massa do p t b   nas eleições nacionais, quando trabalhavam emeoalisão. Deve-se observar, de passagem, que mesmo essa massa seguidora não existia para o PTB em todas as partes do país — emalguns dos Estados esmagadoramente agrários do Nordeste, o p t b  

não tinha seguidores na massa; seus eleitorados, diretorias e orientações serviam totalmente às aristocracias territoriais e comporta-vam-se de modo quase idêntico à direitista União Democrática Nacional ( u d n , ainda menos democrática que o p s d ) na metade Sul

do país.0 único outro partido que tinha ampla base popular, emgrande parte entre as classes trabalhadoras tanto urbanas comorurais, era o Partido Comunista, p c , que, entretanto, exisetiu como

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2 8 0 A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

»

partido legal por apenas poucos anos antes do estabelecimento doEstado Novo em 1937 e por cerca de dois anos entre o final dachamada ditadura em 1945 e sua Repressão Renovada, depois deseus grandes sucessos eleitorais, em 1947. Permaneceu como in

fluência substancial mais ou menos subterrânea talvez por alguns'anos, mantendo membros em postos ganhos por eleição, nomeaçãoou outros meios (como nos sindicatos), e tem ainda importânciahoje como organização totalmente clandestina. Mas p o r q u e    operava na clandestinidade, sujeito a ser reprimido e molestado, nãofoi muito bem sucedido como canal de manobra política para a obtenção de bens e serviços para as populações proletárias, como, porexemplo, a maioria dos posseiros.

 Assim, no Brasil, há um conjunto de partidos, nenhum dosquais tem base de massa no sentido de eleitorados efetivos, formalmente organizados, locais, auto-expressivos, agindo no interior dasnormas operacionais do partido.10 Todos os partidos, tanto intencional como não intencionalmente (talvez!), seguem políticas, fazem escolhas e agem de uma forma que tal base de massa não sepode desenvolver ou não se desenvolverá. Especificamente, seja deforma deliberada ou não, eles agem para manter vínculos com oseleitorados apenas através de laços patronais, e chegam a encorajarseus clientes nas massas a operar, a nível mais baixo, como subpa-trões a seus   clientes, eleitores em geral. O conceito entre tais sub-

patrões do partido ocorre freqüentemente na forma de redes — cli

10 Gostaríamos de enfatizar que não estamos afirmando que “ eleitora^dos efetivamente organizados” obtenham» necessariamente, muito mais(não importa o que esteja sendo medido) das fontes externas via estrutura partidária, mas que, daquilo que eles realmente obtêm, a maiorparte é obtida mais eficientemente através da estrutura partidária do queatravés de outros canais. De fato, as áreas invadidas brasileiras combinavam opções partidãrio-eleitorais, burocrático-personalistas, ciérico-patronais,e outras opções menores, e parecem ter obtido, às vezes, quase tanto comono Peru e no Chi]e, com duas diferenças notáveis. Primeiro, os resulta

dos brasileiros são mais irregulares e imprevisíveis (ver Leeds e Leeds,1972); eles não têm o tipo de direção evolutiva que parece haver nocaso do Peru, e, até recentemente, do Chile; segundo, os bens e serviçosnão são, no total, cumulativos para as coletividades, individualmente oucomo uma categoria — um processo muito marcado no Peru, com crescentes taxas de regularização, legalização dos títulos e municipalização dasbarriadas,  agora ideologicamente elevadas ao status  de “ cidades jovens*(pueblos jóvenes) . Neste sentido, as áreas invadidas no Peru, combinandooperações puramente eleitorais* burocjrátiíío^personalistag, sindicais, mi-litar-patronais e econômico-associativas (utilizando, por exemplo, a vastasoma de poupanças coletadas em cooperativas habitacionais populares)

parecem ter extraído mais bens e serviços do Estado do que quisqueroufero6 sistemas.

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ques — informalmente organizadas que controlam os bens canalizados a partir de cima, através deles, para a massa eleitora, mas oscontrolam num grau significativo, em seu próprio interesse, nãoc o n s t r a n g i d o s pela responsabilidade formal com uma associação

de eleitores. Os interesses dos eleitores, em última análise, estãoem grande escala nos pagamentos que eles podem dominar, masapenas perifericamente, na melhor das hipóteses no partido comotal. A estratégia do eleitor é a de extrair bens de tantos subpatrõesdo partido quanto possível.

Essa estrutura de organização partidária, evidentemente, define as regras do jogo que deve ser jogado e n t r e    os partidos. Porexemplo, além de cada interesse de classe de elite do partido emnão   permitir o desenvolvimento de uma base de massa organizada,

ele também é impedido de organizar tal base (que, idealmente, poderia ter a esperança de manter sob controle) devido à ameaça deque outros partidos também organizem uma base de massa — naverdade, devido à ameaça de criação de um tipo de situação partidária como a chilena, idéia intolerável para o Brasil. A combinaçãopeculiar de circunstâncias que, no Peru, permitiu à a p r a   desenvolver um partido único baseado nas massas nao ocorreu no Brasil. Aação preventiva (tal como depois do movimento de 1964, a destruição dos movimentos dos sindicatos, das associações de sargentos emarinheiros e dos estudantes e clérigos de esquerda) é realizada ra

pidamente quando tal conjunto de circunstâncias parece estar sedesenvolvendo — geralmente, por uma ampla eoalisão elite-partidodtt companheiros peculiares, que começam a brigar logo depois.

 Assim o Brasil, do ponto de vista dos partidos de elite, é caracterizado por uma tensão late jante entre a mobilização controlada de votos de uma massa excluída da participação real e a intensificação desua exclusão, às vezes até o ponto da repressão quase que universal.Uma característica importante desse procedimento é a manutençãodaquele frágil elo, o político paternalista, que pode também ser fa

cilmente eliminado como um caminho de contato para o proletariado.

Em vista dessa organização partidária, nunca houve para oproletariado, para os posseiros que são amplamente proletários, partidos políticos brasileiros regularmente utilizáveis como meios paraa canalização de pedidos e pressões numa base cotidiana. Nenhumaestrutura f o r m a l    sensível às condições locais sociais ou políticas quetais populações possam utilizar jamais foi construída — além daseleições periódicas nacionais e estaduais, mesmo depois de 1964

(realmente o único nível de expressão política eleitoral para as massas, especialmente a urbana, uma vez que os m u n i cíp i os   — ampla

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2 8 2  A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o   »

mente rurais — eram basicamente controlados por cliques locais).Mas mesmo as eleições estaduais e nacionais não podiam inspirarconfiança, já que ( a ) elas existiram apenas a partir de 1945, ate,efetivamente, 1965 (época em que muitos candidatos eleitos, de

ampla popularidade proletária, como Miguel Arrais, governador de' Pernambuco, já haviam sido violentamente removidos e declaradosinelegíveis); (6 ) elas haviam sido repetidamente ameaçadas pelaintervenção ou golpe militar (por exemplo, 1954, 1955, 1961, e,efetivamente, 1964 — ver Leeds, 1975).

Embora Vargas tenha feito grandes aberturas, especialmentepara o proletariado urbano, nem o p t b ? nem o PSD  jamais criaramuma estrutura partidária de raízes permanentes em órgãos como comitês de bairro formalmente organizados, organizações partidáriaspor zona eleitoral, ou coisas semelhantes. É notável que cm aproximadamente '250 favelas existentes no Rio, antes de 1968, comuma população conjunto (substancialmente alfabetizada) de aproximadamente 20% da cidade, ao que nos consta, nenhuma comissão partidária local ( como os com i tês  peruanos) ou outro órgão localformal tenha existido, ou que não tenha havido um único candidato de raízes populares para um cargo local de uma favela. Embora se encontre ocasionalmente uma construção utilizada comosede de campanha para um candidato específico, o candidato, apesar de uma filiação partidária explicitamente identificada, faz sua

apresentação basicamente em seu próprio nome.Não pretendemos sugerir com isso que os partidos nao tenham

significado ou continuidade no Brasil, ou que o personalismo seja aúnica forma significativa de interação política. Pelo contrário, ospartidos têm sido muito consistentes ideologicamente e em termosde pessoal. Todavia, para os nossos objetivos o que queremos enfatizar é que os partidos, especialmente o p t b > fizeram uso da f o r m a   de organização personalista e paternalista em tentativas de manteruma continuidade subjacente de política e ideologia, enquanto su

focavam quaisquer movimentos no sentido da independência ou iniciativa por parte do proletariado ou de seus subsegmentos “ posseiros” . Este modo de operação política está intimamente vinculadoà automanutenção de elite-classe numa sociedade com mobilidadeascendente extremamente limitada (ver Hutchinson, 1960; A.Leeds 1964a, 1964b, 1973a; Leeds e Leeds, 1970). Todavia, grande parte da diversidade ocupacional no interior das classes aumentou nas últimas três ou quatro décadas.

Embora todos os partidos significativos utilizem procedimentospolíticos paternalistas, sua utilização é mais significativa no caso doPTB? partido que^ supostamente se dirigia às massas trabalhadoras, e

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C o n s i d e r a ç õ e s s o b r e D i fe r e n ç a s C o m p o r ta m e n t a is 283

que se tornou o primeiro herdeiro das políticas “ getulistas” de bem-estar social e dos controles sobre o movimento trabalhista — suabase mais importante para a negociação de poder interelite, para acoali ao (cotno o p s d ) e para políticas de poder (como nas greves“ espontâneas” de 1962 — ver Leeds, 1975). Todo político queera do p t b , estivesse num cargo ou fazendo campanha para eleição,podia, e na verdade o fazia, apelar para o nome de “ Pai Gegê11 oudo “ Grande Presidente Vargas” para santificar alguma medidaque estivesse preparando ou para indicar sua proximidade em relação aos objetivos sociais e ideológicos de Vargas, que eram dointeresse do proletariado. Muitos informantes das favelas disseramque nas eleições passadas quase todo candidato que aparecesse eapoiasse o regime de Vargas, invocasse, de alguma maneira, o seunome, ou fosse simplesmente membro do hoje ex-PTB, obtinha fortes chances de ganhar. Como disse o astuto personagem político,há muitos anos: “ Todos os candidatos que vêm na frente, nas costas, ou atrás dele vencem. Todos os outros perdem.” O contato,todavia, permanece controlado e paternalista,

O nome e a imagem de Getúlio Vargas, enquanto politicamente lucrativos, foram usados por políticos —■ mas podiam ser usados apenas por políticos do p t b   o u   da ala esquerda do p s d , observe-se para mostrar solidariedade com o “ povo” . Esta solidariedade* todavia, raramente se estendia para lém das épocas de eleições— ■ um fato estrutural, tornado possível pela forma paternalista devincular a cotação de massa ao controle de elite dos partidos, utilizada assiduamente por t odos   os partidos. Nenhuma obrigação formal perdura além da época de eleição.

Uma característica concomitante a este modo típico de utili'% ação dos partidos por parte da elite é, evidentemente, o fato de elaevitar deliberadamente a criação ou a permissão para criação de or

ganizações abertas, públicas, formais, para fins políticos a nívellocal. O tipo de construção das sedes dos comitês de partidos peruanos com os barracos com a estrela do a p r a   em tantas ba r r i a d a s   deLima que são superados pelas sedes de outros partidos, são notáveispor sua total ausência nas favelas, vilas, parques proletários e subúrbios do Rio. Apenas se descobre as organizações políticas locaisdepois de um trabalho intenso de observação participante e depoisde se ter desenvolvido amizades pessoais próximas nas favelas. Pode-se então entrever, a partir de ambas as fontes de informação,

que tais órgãos — altamente informais — existem, e quem são osseus quadros. Em outras palavras, os grupos políticos locais sãoquase que exclusivamente cliques informais (cujos membros sãoestáveis por longos períodos), sem eleitorados organizados* Suas

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 A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

reconhecimento dessa política por parte dos encarregados de suarealização. O mais recente e gritante exemplo do tema da erradicação de um umal social” foi a remoção das favelas — especialmente na Zona Sul do Rio — para regiões periféricas desprovidasde mercados de trabalho, frequentemente de transporte, e geralmente da ambiência urbana na qual o ex-morador da favela estavaintegrado (ver Leeds e Leeds, 1972). Foi erradicada, com efeito,

 junto com o aspecto físico das áreas invadidas (por ação policial)ra Federação das Associações da Favela, organização de nível esta-dual, cujas ações e análises da relação entre o proletariado urbanoe a economia nacional, explicitamente em termos de classe, eramvistas pelo Governo militar como uma ameaça direta (ver  A . Leeds,1973b).

 A ausência de canais partidários, sindicais e burocráticos (inclusive militares) para os posseiros extraírem retribuições, bens eserviços do sistema tanto limita como solapa, em grande parte, ostipos de opção abertos aos moradores das áreas invadidas brasileiras e as formas mais efetivas de tirar vantagem dessas opções paraas quais nos voltamos agora.A Resposta da Fa vel a   — Dado esse quadro esquemático da ordempolítica nacional no interior de cuja estrutura o proletariado urbano é obrigado a operar — ou talvez, mais precisamente, é impedidode operar — , pode-se entender melhor suas formas de respostacom relação ao aspecto do estado exterior ao segmento favelado daproletariado. Essas respostas são, em grande parte, ditadas pela natureza do sistema através do qual prêmios, bens e serviços são distribuídos e pelos muito limitados meios de acesso à sociedade externa politicamente organizada. Confrontadas com os tipos de barreiras acima discutidos, as populações das favelas foram forçadas aoperar de modos e através de canais que lhes possibilitassem alcançar mais efetivamente os poucos bens que pudessem.11

11 Uma diferença fundamental entre o modelo de moradia das áreasinvadidas nos três países deveria ser aqui observada. As favelas são, emsua maior parte, estabelecidas por acréscimo, com quase nenhuma pré-organizapão da invasão. A o que nos consta, apenas uma favela no R iofoi estabelecida de modo vagamente semelhante a uma invasão organizada, e o período de invasão prolongado por um ano, nada semelhante aoprocesso descrito para cerca da metade das áreas invadidas de Lima epara muitas daquelas de Santiago. Para descrições de invasões em Lima»ver Mangin, 1963; Collier, 1971; Diets, 1969; para Santiago, Giusti, 1971;Castells, 1974. A elevada freqüência de ocorrência de tais invasões noturnastem, em Lima e Santiago, o sentido de criar como conseqüência participantes solidários da invasão que então agem de modo relativamente unifi

cado para assegurar e melhorar seus ganhos, ao menos até que as prioridades básicas sejam encontradas. Essa oportunidade para unificação, dessaforma está amplamente ausente no Rio.

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R Wi%&  A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

razão de ser na favela e, conseqüentemente, terá perdido uma por-ção significativa de sua base de poder. Assim, o interesse do político deve ser fundamentalmente o de perpetuar o sistema no qual

opera. Não é surpreendente o fato de que critérios para politizaçãocomo os que Goldrich usa para o Peru e o Chile, se aplicados aoBrasil, teriam, pelas suposições de Goldrich, produzido uma imagem de uma população bastante “ não-politizada” , mas ao mesmotempo esses critérios fracassariam totalmente na descrição das realidades políticas no interior das quais aquela população necessariamente opera.

Devido à falta geral de resposta governamental positiva, devido ao fato de que os partidos e sindicatos não servem como canais

efetivos para o encaminhamento de pressões — em suma, devidoao grau extremo de coações sobre a expressão política efetiva — osmoradores das favelas foram forçados a continuar procurando suamelhoria através dos canais paternalistas, individualistas, de favores e trocas de interesse, embora realmente façam uso de outros canais — o voto, o apoio burocrático, a Igreja, e mesmo o apoio sindical — nos momentos pouco freqüentes em que estes estão disponíveis. Agir dessa forma é, na verdade, não apenas político, maa

altamente político — a única forma importante de ação políticarealmente viável. Quando tentativas de articulação de interessesde massa são sistemática e violentamente reprimidas, o avanço pessoal ou de grupo deve ser levado adiante de um modo que nãoameace a estrutura governamental, até a época em que a remoção<las barreiras ou a organização de base cumulativa permita um fluxode comunicação e pedidos acerca de valores, escolhas e necessidades e um contrafluxo de reconhecimento, bens e serviços.

P e r u  

A. Comu n i d ad e Po lít i ca   — A comunidade política peruana tem umsistema multipartidário com base de massa em apenas um partido,a Alianza Popular Revolucionária Americana (conhecida comoapra, e seus membros como a p r i s t a s  ). Os outros partidos, com apossível exceção do pc, são todos mais ou menos representantes estabelecidos de duradouras cliques de elite ou partidos bastante per

sonalistas de exígua viabilidade (como a Ação Popular, ou AP, deBelaimde Terry). O Partido Comunista paTece ter genuíno apoiopopular, especialmente entre trabalhadores industriais urbanos, masnunca representou significativamente uma potência eleitoral comoa APRA, nem teve jamais o apoio de massa na escala deste último.

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0 fato de haver apenas um partido com base de massa é oelemento chave para as politicas interpartidárias no Peru. Emqualquer eleição aberta, a à p r a o u um de seus partidos d e írente,

sozinho ou em coalisao, pode quase sempre obter importantes vitórias e, com efeito, freqüentemente as obteve. A base de massa eas  capacidades de obtenção de voto da a p r a significam que, se outros partidos ou atores políticos querem permanecer como concorrentes viáveis na arena política, devem operar com relação ao apoiopopular da a p r a de modo a que concorram com sucesso com a política da a p r a . tenha ou não sido tal política jamais implementada.

 A sólida estrutura partidária da  APRA visava, primeiro, che

gar ao poder, e, então, tendo tomado o Governo, no mínimo reformar o sistema sócio-político peruano ou, mais radicalmente, reconstruí-lo revolucionariamente de fio a pavio. Essa organização partidária penetrou nas esferas mais populares da sociedade,12 mais especialmente nos sindicatos, e no setor do trabalho agrário, emboratambém tivesse tido considerável influência nas áreas invadidas,ponto ao qual voltaremos abaixo. 0 principal poder da a p r a   —sua base de massa — repousou por muito tempo, sobretudo, em suaíntima associação com o movimento sindical peruano, incluindo

os grandes sindicatos de trabalho rural nas plantações de açúcarda costa Norte, onde a a p r a   teve suas origens. Embora a a p r a  

tenha, relativamente, uma influência menos extensa nas semprecrescentes populações das ba r r i a d a s   do que entre os trabalhadoresrurais, e menos do que a de outros partidos com base nas ba r r i a das ,observamos todavia sua presença mais ou menos ubiquamente nasáreas invadidas — identificada por seu emblema estrelado nos edifícios dos escritórios locais.

 A base de massa da  AP R A , que existe há 14 anos,13 é a característica marcante da política peruana. Toda ação política, sejaela tomada por qualquer um dos outros partidos, p o r coalisões, pelaburocracia, pelos ramos executivos ou legislativo d o Governo, pelosmilitares ( m e s m o hoje), ou p e l a Igreja e s t a b e l e c i d a , tem q u e l i d a r

eom o fato d e que a a p r a   p o d i a e iria ( e queria) t o m a r completamente o Governo. Todo partido, d e vida curta ou longa, entrando esaindo de coalisões, teve que elaborar estratégias e táticas de sobre

32 A sede da a p r a em Lim a organizava-fee em divisões que seriam m i

nistérios se a a p r a tomasse o Governo ; entre essas d iv isões estava umsecretariado das barriadas.13 N a realidade, a a p r a continua a exis t i r a té ho je (ver  Latin  America, 9(43):343, 1975) c o m o u m p o d e r n a p o lí ti ca p er u an a “ q u a se c in q ü e n ta

a n o s de co rr ido s de sde a su a fu n da çã o . Se u fu n da do r o r ig in á r i o e ide ó l o go ,

H a y a d e l a T o r r e , t a m b é m c o n t i n u a v i v o .

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feração e desenvolvimento, e na atenção dedicada às áreas invadidas por posseiros pelo Governo Nacional.

 Assim, do ponto de vista de um eleitorado, particularmente dasempre crescente população das áreas invadidas, o setor partidárioda organização política formal apresentou Uma ordem de coisas altamente imprevisíveis: às vezes receptiva, às vezes esvauecendo-se,às vezes florescente, às vezes reprimida em seu funcionamento, àsvezes virtualmente inexistente. A própria imprevisibilidade do sistema partidário significa que os eleitores tiveram que desenvolverestratégias políticas alternativas para obter os prêmios que desejavam. Um conjunto de estratégias fazia uso de qualquer Governoem exercício; outro conjunto manipulava as burocracias relativa

mente estáveis; outros conjuntos ainda trabalhavam através dosmilitares, da Igreja, de instituições autônomas e dos sindicatos. Aseguir, tentaremos mapear o que está envolvido por meio de umbreve relato histórico dos arranjos políticos mutáveis que apresentavam um quadro móvel ou um conjunto de parâmetros para aação das áreas invadidas, cada fase envolvendo uma estrutura diferente de opções com relação aos canais utilizáveis de resposta dasáreas invadidas.

Embora as ba r r i a d a s   tenham existido por décadas, o rápido

crescimento na formação das áreas invadidas peruanas começouem 1945, época em que a a p r a , depois de um período de ilegalidade durante o primeiro regime do Presidente Manuel Prado (1939-1945), recuperou seu s ta tus   Zegal e buscou formalmente reingres-sar na arena política nas eleições de 194514 Collier (1971:60)sugere que os grandes sucessos do congrèsso da a p r a   e seu conseqüente acesso aos recursos governamentais lhe permitiram tentarativamente ampliar sua base partidária e sindical, especialmente

através de seu envolvimento com as invasões de terras, um dosmeios usados para estabelecer aquela' base.No Governo do Presidente Bustamante (1945-1948), o então

Ministro do Governo, Gal. Manuel Odría, numa tentativa de desacreditar a a p r a , tornou-se ativamente engajado na contenção doseu crescente apelo popular. Odría, como a  APRA, tomoú medidasque abrangiam a proteção das áreas invadidas contra sua extinçãopela polícia,15

14  Foi também n o primeiro Governo d e Prado q * e a a p r a foi declaradailegal, ato indicativo do fato de ser a a p r a tratada como uma ameaça aostatu quo, ou ao menos ao controle de poder pelas velhas elites.15 Nâo se deve entender que Odría tenha reagido positivamente a todasas invasões. Nos primeiros dois anos de seu regime, quando dependia dos

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“ O apelo de Odría às áreas invadidas tornou-se necessário erelévante pelo fato de que a reemergência da a p r a   criara nesse umperíodo em que os líderes militares que queriam ganhar poderpolítico tinham que fazer alguma tentativa para obter apoio popu

lar» Desta forma, a reemergência da  APRA é uma causa imediatae crucial do crescimento da taxa de formação [de ba r r i a d a s ], independentemente da proporção exata de invasões nas quais elasestavam envolvidas” (Collier, 1971:61).

Dever-se-ia observar que o papel dos militantes indicados nessetrecho é um tema repetido e especialmente marcante na políticaperuana dos últimos anos. 0 Governo militar que se instaurou em1968 deu, até hoje, grande apoio ao que ele rebatizou de “pueb lo t  

 jáven es9’ * 

O golpe abortado da a p r a   em 1948 foi seguido do bem sucedido golpe de Odría, que derrubou o Governo de coalisão de Bus-tamante. Políticas paternalistas e de cooptação com relação às áreasinvadidas iriam caracterizar não apenas todo o seu regime (1948-1956), mas também o segundo Governo de Prado (1956-1962) eo atual regime militar (1968- ). As políticas desses três períodos podem ser mais bem entendidas como respostas a tentativas daa p r a   de promover uma base de massa independente tanto nas ba r- 

r i a d a s    como nos sindicatos. Enquanto que o objetivo da ação daa p r a   era o de corporativizar e institucionalizar tanto as ba r r i a das  como os sindicatos, o contra-objetivo de Odría, e mais tarde de Prado e do atual Estado militar, tem sido de mantttr um controle taoforte quanto possível sobre os dois grupos que sempre se sobrepunham, essencialmente através de sua divisão, vinculando-os a diferentes organismos, por relações paternalistas e de dependência, ouàs vezes meramente por sua separação ou pela tentatitva de mobilização em novos sentidos (especialmente a partir de 1968).

 As tentativas de cooptação são, em grande parte, reconhecidascomo tais pelos moradores das ba r r i adas ,  que então formulam demodo correspondente, suas próprias contrapartidas, de modo a utilizarem as jogadas de cooptação para seus próprios objetivos. Emoutras palavras, eles fazem o jogo de estarem sendo cooptados enquanto alguma coisa pode ser ganha com isso. Tais jogadas serãodiscutidas adiante. O que é importante observar no momento é ocontraste entre o tipo de relação estabelecida entre as áreas invadidas e os Estados do Chile e do Peru. Enquanto que um íoco-cha-

ve de contato entre o Estado e a área invadida no Chile repousa

membros conservadores da coalisão golpista, ele expropriou judicialmentee com sucesso pouco menos de 1/3 de todas as invasões. Isso contrastacom a ausência de extinções nos seis anos restantes (Collier» 1971:69),

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nas bases concorrentes, formalmente organizadas — os partidos —o coniato no Peru, muito freqüentemente, tomou a forma de laçosde corretagem e trocas “ paternalistas” .

Exemplos do paternalismo governamental são numerosos. Atentativa de Odiía acima mencionada de destruir a a p r a   foi acompanhada de uma tentativa de destruir os sindicatos com os quais a APRA estava intimamente ligada. 0 esforço de substituir uma estrutura institucional por laços patronais diretos e descrito por Paybe( 1 9  65-51).

“Enquanto, por um lado, ele deu aos empregadores o que equivalia à completa liberdade para destruir os sindicatos em suas empresas, por outro lado ele daria surpreendentes benefícios salariaise sociais aos trabalhadores. Decretou, por exemplo, sete aumentossalariais gerais enquanto ocupava o poder. . . A política trabalhistade Odría era, de uma forma elefantina, paternalista. Destruindoou incapacitando as organizações dos trabalhadores, mas usando opoder governamental para fazer os empregadores concederem recompensas aos trabalhadores, ele praticamente destruiu o pouco queexistia no sentido dos processos de solução de conflitos.”

 A ativa promoção da formação das áreas invadidas levada a

efeito por Odría e o envolvimento de sua mulher, à l a   Eva Peron,fazendo excursões de boa-vontade às ba r r i a das   foram acompanhadas pela promoção das associações de moradores de tendência odrís-ta.1G Enquanto o “ paternalismo” permanecia uma característicachave do regime de Odría, do ponto de vista dos moradores dasba r r i adas ,  concessões substanciais estavam sendo feitas e ganhossendo obtidos. Visto na perspectiva de uma trajetória de 25 anos,essas concessões e ganhos funcionavam de modo — uma espéciede feedbach   positivo — a estabelecer firmemente o fenômeno das

áreas invadidas como uma forma viável de habitação urbana e seusmoradores como uma força política por direito nato.Exatamente como o regime de Odría se havia preocupado em

contrabalançar o apelo de base de massa da a p r a , o segundo regimede Prado (1956-1962) preocupava-se também em estabelecer seupróprio apoio de massa no proletariado,17 em parte devido à neces

Das muitas áreas invadidas estabelecidas durante o período de Odría,uma chamou-se Tarma Chica (lugar de nascimento de Odría) e outra “ 27

de outubro”, o aniversário do golpe de Odría. Outras ainda tomaram onome de sua mulher e da mulher de um amigo próximo (Collier, 1971:64).17 Collier (1971:71-72) diz: “ Odría utilizara as áreas invadidas com tan~to sucesso que qualquer político que quisesse opor-se a ele não apenastinha que devotar grande dose de atenção aos problemas de habitação,mas também era inevitavelmente tentado a envolver-se diretamente com

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 294 A   S o c i o lo g i a d o B r a s i l U r b a n o

sidade política de contrabalançar a influência de Odría. Embora apromoção de invasões fosse uma tática usada por Prado, o traçomais característico de sua administração era a tentativa de institu

cionalizar canais para os pedidos das ba r r i a das   e estabelecer umaparato administrativo formal para lidar com o fenômeno dasáreas invadidas. As duas administrações, vistas em conjunto, exemplificam o processo descrito no início deste trabalho ■— de dois diferentes partidos, ambos competindo pelo apoio de massa — e, neste caso, ambos operando com relação à base de massa da a p r a . Oresultado da competição foi multiplicar as formas de ação e organização disponíveis para a manipulação dos moradores da ba r r i a da   —outro fenômeno de feedback   positivo — , aumentando o tamanho

absoluto e relativo das ba r r i a das   e fortalecendo sua posição política.Embora as formas de açao e organização disponíveis para os

“ posseiros” peruanos e chilenos sejam provavelmente as mesmasem numero, seu arranjo  é  bastante diferente. Gomo mostraremosdetalhadamente adiante, as do Chile, parecem ocorrer simultânea econsistentemente, devido à consistência (até recentemente) dospartidos políticos, ao passo que as do Peru ocorrem de modo seqüencial, trazendo para os moradores das áreas invadidas uma contínua mudança na avaliação das formas usadas, ao mesmo tempo em  

que mantendo todas as formas acessíveis de modo concorrente. Embora algumas das opções permaneçam adormecidas em qualquermomento dado, elas devem ser mantidas prontas para a mobilização, à medida que a ordem política do Estado varia em resposta àatuação recíproca dos partidos, militares, burocracia, Governo e sindicatos — uma atuação cuja estrutura é governada pela relaçãobásica com a a p r a , conforme esta se move através de sua repressãoperiódica e vitórias eleitorais irregulares.18

 A preocupação burocrática e legislativa com as ba r r i a das   nosanos de Prado pode ser vista como o primeiro apoio institucionalaberto do Governo, às áreas invadidas. Ela culminou com a importante Ley de Barrios Marginales (Lei n.° 13517), de 1961, for

a formação das áreas invadidas... Portanto, não é surpreendente descobrir que os opositores políticos de Odría faziam um apelo calculado àsáreas invadidas para apoio político, mesmo opositores políticos da direita.O que CoIIier não  vê é com quanto sucesso os moradores das barriadas haviam feito um jogo político.

18 Ê interessante observar que» da classificação de Collier de seis tiposde envolvimento político nas áreas invadidas, de uma amostra de 62 áreasinvadidas, apenas quatro tiveram intervenção de um partido político nãopresidencial (p. 38). Isso também sugere que a competição partidáriasimultânea predominante no Chile torna-se no Peru, menos nitidamentedefinida, mais difusa.

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C o n s i d e r a ç õ e s   s o b r e   D i f e r e n ç a s   C o m p o r t a m e n t a i s   295

 jada pelo Senador Alberto Arca-Parró (um economista, ex-diretordo Serviço Nacional de Estatística do Peru e organizador de censospara vários países latinos americanos), que estabeleceu os canais

através dos quais as ba r r i a d a s   existentes poderiam ser legalizadase reconstruídas, e elevou a antiga Corporación Nacional de la Vi-vienda a, primeiro, Instituto e, pouco depois, a Junta Nacional dela Vivienda, para promover tipos mais controlados de moradia chamados u rban i zac i ones   (ver Leeds, 1973a, 1974) e ajudar na “urbanização” das áreas invadidas (reconstrui-las para especificaçõesurbanas apropriadas).

Os anos Prado foram também de extensa publicação de estudos governamentais sobre as ba r r i adas ™   Talvez o mais importante

de t o d o s tenha sido o I n f o rme s o b r e l a V i v i e n d a    (1957), produzido pela Comisión Especial para la Reforma Agrária y la Viviendade Prado, que tinha sido organizada em 1956 sob seu Ministro deFinanças, o economista Pedro Beltran (uma forte figura a n t i - A P R A ,

proprietário de um influente jornal, L a P r e n s a  ). Este relato foiuma importante influência na criação da Ley de Barrios Margina-les de 1961.

 Além disso, o Governo de Prado estava desejoso de tentar experiências inovadoras. Por exemplo, ele acedeu às sugestões e pe~

didos do arquiteto e planejador urbano John Turner para transferir uma quantia de dinheiro, sem nenhuma restrição, para ser usada para melhoria de habitações e infra-estrutura por uma junta deba r r i a d a ,  da forma como esta julgasse adequada. A idéia era tãorevolucionária quanto chocante para muitas pessoas que estavam-certas de que o pobre não podia controlar o dinheiro de modo algum ou, seguramente, o malversaria. Na verdade, a ba r r i a d a   Hua-rascan, com o dinheiro para ela canalizado através do Instiluto Nacional de la Vivienda, fez um excelente e econômico trabalho de re

construção, com grande probidade.Por volta do final do regime de Prado, as ba r r i a das   eram parte

integrante da vida limenha e peruana, “ reconhecidas”20 (onde seadequassem à lei) pelo Governo, e entendidas por este como umaforma necessária de habitação e moradia urbana sob as condiçõessóeío-econômicas reinantes do país. Iiá considerável evidência deque tudo isso teve seus efeitos sobre o eleitorado das ba r r i a d a s , ondemuitos ainda apóiam as políticas pradistas.

19 Leeds e Leeds, em elaboração, listam não menos do que 20 relatórios governamentais em estudos realizados de 1958 a 1962.20 Sob certas condições, a Junta Nacional de la Vivienda “ reconheceu”as barriadas, ou seja, listou-as como tendo um status  oficial como urbanizáveis, ou senão, formalmente sob a supervisão e apoio físico d a i n y .

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296■ *r

 A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

0 curto i n t e r r e gnum .  militar de 1962-1963 e o período de Belaúnde representam uma quebra nas políticas paternalistas c abertamente cooptativas dos regimes anteriores, Belaúnde deu poucaatenção às bar r iadas9 porém voltou seus cuidados, por um lado, paraa coustrução em grande cscala de habitações para níveis de renda

-média e superior, geralmente apoiando a indústria de construção,à qual ele, como arquiteto, se achava ligado*1 e, por oulro lado, aodesenvolvimento do interior do país. Esse desenvolvimento tinhaum aspecto cooptativo, também, na forma da CooperaciónPopular — uma espécie de braço de desenvolvimento de comunidade do partido político mais ou menos pessoal de Belaúnde, a  AP .

Ê difícil demonstrar, mas ao que parece a Cooperación Popular deveria ser vista como prestando serviços, ajudando os pobres a se

ajudarem a si próprios, e coisas semelhante. A Cooperación Popular tinha pouco contato com as ba r r i a d a s ? que foram deixadascada vez mais sem apoio ao longo do regime, à medida que os fundos para a Junta Nacional de la Vivienda e outras instituições urbanas minguavam regularmente, ao passa que os partidos de oposição bloqueavam a legislação que ajudaria os moradores porque nãoqueriam desperdiçar nada que revertesse em favor de Belaúnde( Collier, 1971:85-86).

Embora o período fosse de relativa abertura política, de eleições abertas e liberdade de ação para os apr i sta s, oãr i sta s   e outrosos '"posseiros” viram-se forçados a trabalhar tanto quanto possívelatravés dos organismos burocráticos (que, na verdade, continuarama dar-lhes apoio substancial, quando podiam, apesar da reduçãode fundos — como, por exemplo, dando aos moradores das áreas *invadidas assistência no planejamento para o traçado do povoamento) e através da Igreja.

Este é o período da maior atividade e influência da ala maisa esquerda da Igreja, e especialmente do “ Bispo das Barriadas5’,Monsenhor Luís Bambarem, que desenvolveu os pueb los jóvens  

( o n d e p u j o p ). Outras numerosas organizações da Igreja de muitospaíses também floresceram nas ba r r i a d a s   nessa época, fornecendo,sobretudo, serviços de saúde e educação.

21 Há outros elos circunstanciais de conexão com a indústria de construção. Belaúnde promoveu uma auto-estrada periférica ao longo das terrasbaixas na base Leste dos Andes — a ser edificada por Brown and Roote,a poderosa firma construtora texana. Belaúnde é formado pela escola de Arquitetura da Universidade do Texas. N o sistema americano de estados» que têm “ países irmãos” , o país irmão do Texas é o Peru, através deuma organização cliamada Parceiros do Texas para o Peru, cujo diretor

era um dos homens principais das relações públicas do Presidente Johnson. Belaúnde e Johnson» evidentemente, se conheciam razoavelmentebem.

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C o n s i d e r a ç õ e s s o b r e D i fe r e n ç a s C o m p o r t a m e n t a is 297

Os moradores das ba r r i a d a s   também manipulavam significativamente funcionários eleitos por meio de operação política paternalista. Um exemplo é o uso mútuo do alcaide de San Martin dePorras (um município todo de ba r r i a d a s   perto de Lima) e dos moradores daquelas ba r r i a d a s , interessados na segurança da posse deseus lotes. 0 alcaide “mobilizou-os” — e eles permitiram que“ fossem mobilizados” — para uma marcha que caminhou em direção ao palácio presidencial de Belaúnde, para pedir a emissãode títulos. Belaúnde, para não ter uma demonstração pública queele via como possivelmente perigosa, acedeu ao pedido, prometendoque os títulos seriam emitidos. Essa promessa de meados de 1968era um importante compromisso político (para um executivo eleito)1com os moradores das ba r r i a d a s   de Lima, que agiam grandemente

com base nela em termos de investimento e construção. É interessante observar que o alcaide cooptador, recebendo um número insignificante de votos, foi derrotado numa eleição que ocorreu pouco depois.

Novamente, a irregularidade de seqüência na política peruanaconduziu ao reajustamento e à flexibilidade da resposta na adaptação política dos “ posseiros” às condições políticas externas.

 As políticas do atual regime militar com relação às áreas invadidas devem ser vistas à luz da discussão anterior dos partidospolíticos concorrentes e outros órgãos, porque eles também devemcompetix pelo apoio de um eleitorado. 0 atual regime chegou ao-poder praticamente sem nenhum eleitorado. Um dos primeirospassos importantes foi, ao menos retoricamente, a remoção do estigma de marginalidade das ba r r i a d a s   e a adoção, oficial, do nomepueb los jo venes   para as áreas invadidas.2 Pouco depois, aO N D E P U J O P se constituía no serviço nacional oficial para tratar dasáreas invadidas.

Embora algumas pessoas achassem que o gesto fora previstomuito demagogicamente com a intenção de trazer as populações

das áreas invadidas diretamente para o interior da esfera de atenção governamental e, desta forma, por um lado, remover sentimentos de alienação e dissidência potencial, e, por outro, tentar coop-tar uma base de apoio, os prêmios reais distribuídos no processode incorporação foram, entretanto substanciais. Os serviços urbanos continuam a ser fornecidos e as áreas invadidas estão consilida-das como partes permanentes da estrutura urbana (ver nota 16).

22 Na inauguração de uma estação de energia elétrica no  pueblo jóven 

Comas (ver A . Leeds, 1973b), um dos moradores disse “ todo o Peru éum  pueblo jóven!  “ O que significa: todo o Peru está na mesma condição que nós; estamos todos juntos nisto, sem distinção.

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I ©s objetivos do regime militar de exercer controle e de vincular moradores das ba r r i adas   aos seus vários organismos podemsêií claramente percebidos no estabelecimento do Sistema Nacionalde Apoyo a la Movilización Social ( s i n a m o s ) , em 1970, cujo alvo

£ preparar as massas para o advento da “ democracia social complena participação” ( L a t i u Am e r i c a ,  1973, 7(9):65). A OficinaNacional de Cooperativas ( o n d e c o p ) , também envolvida com asbar r iadas ,  tornou-se uma subsidiária do SINAMOS. Como será visto na seção seguinte, as respostas das massas a tais tentativas demobilização variam com o contexto situacional, isto é, com as variáveis externas. Se é vantagem para elas ser mobilizadas, elas o permitem; se não, recusam vigorosamente a mobilização. Voltemo-nos agora para essas respostas.

A s Resposta s Po lít i cas dos M or ad o r es das Ár eas I n vad i da s no Per u 

 A relação entre as ba r r i adas   ou pu eb l os j òvenes   peruanos e áordem política externa tendeu mais e mais a focalizar a crescentemente diversificada estrutura burocrática, mais do que a lidar comos partidos concorrentes, uma vez que estes últimos competem deforma bastante duvidosa. Porque um complexo aparato administrativo foi implantado para lidar com as áreas invadidas ao longo dosúltimos 15 anos ou mais, os meios para obter bens tendem a ser vistos como associados mais ao es tab l i shmen t   burocrático do que mesmo a qualquer Governo em exercício, exceto quando possibilidadeseleitorais mais claras são abertas a nível nacional, estadual ou municipal (este último surgiu pela primeira vez como parte das experiências cooptativas de Belaúnde). A própria diversidade das instituições e associações semipúblicas ou semiprivadas (como as igre

 ja s), operando paralelamente com comunicação relativamente reduzida entre si, permite uma ampla base de manobra aos moradores de ba r r i a d a s , que podem lançá-los uns contra os outros.

Em parte, essa possibilidade parece estar enraizada nas possibilidades de as burocracias (bem como os partidos) terem eleitoradospara se fazer representar ante o Executivo ou o Legislativo comoalocadores de recursos. As burocracias fazem tal representação emseu próprio interesse, bem como no interesse dos partidos políticosque podem controlá-las (freqüentemente, gerando votos do eleitorado numa antecipação das eleições). Elas também podem representar vários grupos de interesse que influenciam as burocraciasatravés do controle sobre burocratas-chaves, exercido por vários

meios (suborno, rede de relações pessoais), ou através de outrasformas de articulação de interesse. Os grupos de interesse podem

 A So c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

             i

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ser servidos, por exemplo, pela burocracia com a alocação de recursos para o eleitorado. Assim, se a Junta Nacional de la Viviendaurbaniza uma ba r r i a d a ,  são usados recursos que beneficiam a in.dústria de construção enquanto se cria um duplo apoio para os burocratas da Junta. 0 grupo de interesse pode, por sua vez, fazerh o b b y   em favor das burocracias do Legislativo ou do Executivo, ouem conjunto com outras burocracias.23

Como nas áreas invadidas chilenas, as associações de ba r r i a d a  freqüentemente começaram com desenvolvimentos de comitês iniciais de invasão. Conforme as prioridades básicas que levavam àánvasao são satisfeitas e as necessidades passam a ser de tipo de vizinhança, familiar, pessoal (educação do filho, puxar um sistemade água, etc.), opostas às tarefas que exigem a ajuda da comuni

dade como um todo (instalação de um sistema elétrico, de um sistema de esgotos, etc), as associações formais de ba r r i a d a   freqüentemente deixam de existir, permanecem adormecidas ou dividem-seem organizações de bloco para dar conta de problemas num âmbitomais local, processo descrito por Mangin (1967a) para Lima nosinícios da década de 1960.

Mas, como no caso chileno, quando surge uma causa coletivaque requer mobilização e apelo conjuntos, toda uma ba r r i a d a   podeser rapidamente mobilizada para ação ( isto, certamente, acontecetambém no Brasil, porém é mais raro). Inúmeros exemplos podemser citados, tais como a passeata acima descrita, mas um exemplorecente será suficiente aqui. Em outubro de 1972, 1.000 famíliasde uma área invadida ao longo do rio Rimac escreveram uma cartaaberta ao jornal Exp resso , de Lima, acusando o escritório local daSi n a m o s   de apoiar os supostos proprietários das terras, que desejavam expulsar os invasores. O oferecimento feito pelo Governo demudança da área invadida para um local a cinco milhas ao Sul deLima foi rejeitado pelos moradores que, em vez disso, exigiram reconhecimento de seu direito à terra na marger do rio e chamaram

outras pessoas que se encontravam em situação instável de possede terra ao longo do rio para agir com eles.

“ Exigindo reforma urbana, expropriação da terra construívele a abolição de aluguéis a longo prazo, tudo na intransigente linguagem da luta de classes, os líderes das áreas invadidas desafiaram não apenas as políticas urbanas governamentais — fundadas

23 Tanto quanto sabemos, não há uma teoria sistemática da natureza dapolítica em estados que não possuem sistema eleitoral ou outros mecanismos de articulação de interesse a nível local. Presumivelmente, isso

incluiria uma teoria da agregação de interesses do eleitorado articuladosatravés de burocracias, o conflito sendo canalizado entre e no interiordas facções dos organismos burocráticos.

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 A S o c i o l o g i a d o B r a s i l U k b a n o

no é S f í m u l o às sociedades de poupança e crédito e à propriedade in*d í v i d u a l , obtida por esforço próprio, e presididas por almirantesc o n s e r v a d o r e s que prometeram repetidamente ao nervoso setor pri

vado que não haveria reforma urbana — mas também toda a basede suas políticas de mobilização social. Com efeito, eles estão di-■’zendo à s i n a m o s   que nao precisam de apoio externo para se mobilizarem” ( L a t i n Ame r i c a  ? 7 (9 ):6 6 ; 1973).

 Além disso, os “ posseiros” mostraram-se peritos em manipularvalores desejados por outro conjunto de órgãos externos, apenasmencionado acima, que também concebe seu objetivo como “ a mobilização” das áreas invadidas. Estes órgãos freqüentemente tornam-se tão valiosos para as áreas invadidas como os partidos políticos concorrentes e os canais burocráticos. Referimo-nos aos nume

rosos e diferentes órgãos semiprivados e religiosos24 como Acción..Corpo da Paz, Oblate Fathers, Fé y Alegria, para citar uns poucosque, nos últimos 10 a 15 anos, tentaram seu próprio tipo de invasão — nas áreas invadidas, Cada grupo benfeitor externo geralmente traz consigo um conjunto de benefícios — como o fundeamericano de caridade religiosa, contribuições industriais americanas e peruanas (a Acción), fundos americanos da  AI D, serviços detrabalho dos membros do Corpo da Paz americano ou VoluntáriosBritânicos Internacionais, e coisas semelhantes. Que muitos desses

grupos, como o Corpo de Paz e a Acción, operem sob a sanção direta ou implícita do Governo é em si mesmo um recurso para asba r r i a d a s , uma vez que, por esse meio, eles a legitimam e concedem também proteção e visibilidade política adicional.

Desenvolve-se entre o agente “ benfeitor” e os líderes das áreasinvadidas uma relação de troca — com os líderes das áreas invadidas considerando os órgãos úteis para quaisquer assuntos, serviços e freqüentemente coníatos (como colocação em emprego, disputas burocráticas, serviços legais, etc) que eles podem oferecer, enquanto que o benfeitor precisa da cooperação dos líderes das áreas

invadidas para o sucesso de seu programa, o que fornece a justificativa de sua presença lá. O jogo é algumas vezes ampliado pelos“ posseiros” de modo a criar competição entre grupos benLeítores sea área invadida é bastante grande. Essa relação é muito semelhante à “ troca de interesses” brasileira entre os moradores das favelas e os políticos externos, como será visto adiante.

 As ações de grupos benfeitores foram analisadas como sendofundamentalmente cooptativas. Rodrigues, Riofrio e Welsh (1972)vêem a presença de benfeitores como mascarando objetivos

24 Esses tipos de grupo sem dúvida existem no Chile, embora não este jam presentes na literatura, com o vimos.

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C o n s i d e r a ç õ es s o b r e D i fe r e n ç a s C o m p o rt am e n ta e s 301

fundamentais tais como a distribuição de riqueza na sociedade comoum todo, atrás dos “ problemas” imediatos de instalação de serviçosurbanos e estabelecimento de clubes sociais. À crítica contra osagentes benfeitores é semelhante àquela feita por Collier (1971),

referente às administrações de Odría e Prado, e por Cotler (1969)com relação ao atual regime militar. Tais análises, por mais precisas que sejam com relação às intenções dos governos ou dos benfeitores privados, tendem a negligenciar aqueles que se encontramno extremo receptor das ofertas, ou a tratá-los como sujeitos passivos, totalmente manipulados. O que é negligenciado é o fato de que■os moradores das áreas invadidas geralmente reconhecem as tentativas da cooptação e astutamente acompanham o jogo enquanto é,lucrativo fazê-lo, e dentro das vantagens limitadas representadaspelas ofertas. O resultado é o contínuo fluxo de bens, serviços e■ outros recursos, o que levou as ba r r i a d a s   a se tornarem pu eb l os j ó  venes , e estes a se tornarem, pouco a pouco, plenamente incorporados à cidade e ao Estado, tanto em termos físicos quanto em termospolítico-administrativos, como municípios com plenas funções legais. Tal incorporação nao ocorreu nem no Brasil nem no Chile.

C h i l e  

A Com un i da de Po lít i ca   — O Chile (ver nota 9) é o nosso caso deum sistema multipartidário com uma base de massa em váxios partidos e com um movimento sindical que gozou de considerável independência e dinamismo por cerca de meio século. Os partidoscom base de massa vão desde os Democratas Cristãos ( p d c ) passando pelos Comunistas ( p c ) , até os Socialistas (psn e suas subdivisões independentes), o Movimiento Izqirierda Revolucionaria ( m i r ) e incluem até um ou dois partidos de direita. O Chile, até recentemente, também teve eleições regulares e efetivas por quarenta anosou mais.25

Em tal caso, esperar-se-ia descobrir que ações e apelos políticos

de qualquer partido devem ser desenvolvidos no reconhecimentode que, uma vez que os outros partidos têm, de modo semelhante,bases de massa em grau variável, eles também podem acumularapoio na forma de atores tanto individuais como coletivos (porexemplo, as áreas invadidas) e incorporar tais atores à estruturaativa do partido — se o partido produz bens e serviços para eles.Cada partido deve   produzir para o seu eleitorado porque, se não

05 Uma vez que o caso chileno é o nosso terceiro paradigma, usamos otempo presente quando nos referirmos ao seu caráter paradigmático. Para

relatar acontecimentos históricos, usamos o passado. Que o paradigmanão mais exista na realidade em nada afeta nossa utilização.

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302  A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

consegue fazê-lo, os outros partidos estão prontos a capturar seuapoio de massa através de apelos e ação mais efetivos. Os partidos3o Chile, conseqüentemente, querem,  precisam  e devem gerar continuamente suas bases de massa, e desenvolver mecanismos para

trabalhar com elas. Além disso, uma vez que todos os partidos importantes desempenharam um papel significativo em várias esferasdo Governo, cada um tem também importantes fontes de recursospara distribuir, como bens, serviços, e outros prêmios a seus eleitorados, reais ou potenciais. A competição partidária também resultou num amplo entrelaçamento entre partidos e sindicatos. Comefeito, muito da estratégia sindical é fortemente influenciada pelaspolíticas partidárias (Angell, 1972).

Devido a essa estrutura, os partidos preocupam-se com as variações em seu poder eleitoral acumulado ou com outras formas de

ação eleitoral, como demonstrações de força do tipo das tomas  (“invasões” ou “ tomadas de terra” ). Tal preocupação leva os partidos amaximizar o acúmulo de poder eleitoral ou outro poder organizacional pela diferenciação dos graus em que prêmios, bens e serviçospodem ser dados e em que a participação significativa de atores“ posseiros” pode ser propociada ou não. Os partidos tentam mobilizar apoio potencial utilizando uma variedade de meios e de lógicas.Deve ser enfatizado que os partidos operam com os meios, apelos elógicas no interior das bases de massa em seu loci  tanto geográfico

como social (por exemplo, áreas invadidas e sindicatos, respectivamente). Todavia, a articulação das organizações partidárias centrais e as bases de massa podem abranger controles internos muitodiferentes sobre uma base de massa no interior da hierarquia par-tidária, bem como objetivos diversos dos poderes partidários centrais.

 A seguir, as distinções entre os vários tipos de áreas de moradia mencionados anteriormenLe neste trabalho devem ser reiteradas, uma vez que os vários tipos apresentam diferentes comportamentos no contexto da estrutura multipartidária chilena. Será observado que as callampas  sao áreas invadidas geralmente estabelecidas por ocupação gradual de um pedaço de terra, ao passo que õscampamentos, como o nome sugere, são geralmente áreas invadidasestabelecidas em investida instantânea num pedaço de terra poruma massa organizada — a toma  ou invasão (ver Handermann1975:65, 8; Castells, 1974:250 262).  Mejoras e Poblaciones  referem-se a áreas de moradia estabelecidas^ de várias formas, ou melhoradas- pela ação governamental, embora o termo  pobhcíóh   sejatambém usado genericamente para indicar qualquer tipo de área

de moradia. Usamo-lo apenas no primeiro sentido.

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C o n s i d e r a ç õ e s   s o b r e   D i f e r e n ç a s   C o m p o r t a m e n t a i s   3 0 3

 A natureza da competição partidária a nível local varia com ostipos de áreas de moradia nos quais os partidos estão agindo. Para a,callampa, na falta de uma história do movimento político-social unificado em sua própria criação (ver adiante), os partidos concor

rentes apresentam canais alternativos que as callampas  podem jogar uns contra os outros, ou através dos quais elas podem operarpara extrair bens e serviços e outros valores dos níveis superioresdo sistema político. 0 jogo não se restringe aos partidos, mas podeser ampliado através de laços patronais a burocracias e outrosagentes externos, tais como sindicatos ( ver várias passagens emCastells, 1974-, por exemplo, pp. 248-b, 259-260, 264ss; Handel-man, 1975, 58-63,  passim).

Há alguma evidência de que as  poblaciones   também se relacionam desta forma com o sistema partidário (ver Vaughan, 1968,Castells, ibid.,).  Geralmente, as  poblaciones, ou projetos de habitação popular, são construídas inicialmente como lugares físicos, sejana forma de infra-estrutura de localização e serviços, ou de infra-estrutura com habitação mínima. Então, uma população mais oumenos heterogênea, oriunda, por exemplo, de uma callampa  ou demuitas callampas  e dos conventillos  das áreas pobres dentro da cidade, é transferida pelo Governo, mais do que por um partido tentando criar um novo ramo de sua própria organização. QualquerGoverno é, evidentemente, em grande parte, embora não exclusiva

mente, controlado por um partido ou uma coalisão, e empreendeuma açao, como o fornecimento de moradia para uma populaçãopobre, com a intenção de conquistar eleitorado. Muito embora issoseja evidentemente inadequado em qualquer sentido absoluto, oGoverno tem alguns recursos para utilizar neste tipo de esforço cooperativo que não  ê   acessível a partidos individuais não representados no J^overno. À relação estabelecida com a  población,  então,é burocrática na medida em que diz respeito ao Governo, abrindodesta forma a possibilidade de vínculos patronais bem como parti

dários para os moradores. As afiliações da callampa  ou da  población  tendem a ser bemheterogêneas, em contraste com as dos campamentos. Às jogadaspolíticas da callampa,  são, conforme as circunstâncias, feitas diferentemente (ver adiante). Segundo Handelman (1975:55), as populações das callampas  tendem a ser diferentes daquelas dos cam pamentos  — as primeiras consistem mais marcadamente do “ luin-pen-proletariado” e as últimas de trabalhadores industriais ou proletários.20 Suspeitamos que a distinção seja pouco significativo e

26 o termo não é definido de maneira útil nestes trabalhos. Julgamo-lovirtualmente inútil em geral — mesmo para a Europa, para a qual se

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m  A   S o c i o l o g i a d o B r a s il U r b a n o

esconda estratégias alternativas, não apenas de ação política e deinvasão de terra vista num contexto político, mas também de comclidar com as restrições de mercado de trabalho. Voltaremos a esseproblema.

Os c ampamen t o s    são quase <jue invariavelmente gerados ouconduzidos por um partido ou por grupos políticos como o mir oupossivelmente o Movimento de Acción Popular Unitária ( m a p u ). Tendo sido estabelecidos numa única investida em algum pedaçode terra, eles com eçam   como corpos altamente organizados e unificados, embora não fique claro a partir de nossas fontes quais sãoos mecanismos para agregar tal corpo anteriormente à invasão.27

originou — e especificamente inútil para a América Latina, onde elenão consegue, na nossa experiência empírica no Brasil e no Peru (e pro

vavelmente também nos Estados Unidos) distinguir sistematicamente qualquer das duas populações. Achamos que o conceito reflete o preconceitode classe dos observadores (semelhante à noção de “ cultura da pobreza” )— todos de sólida classe média (ou, na retórica, bourgeois), a partir deMarx e Engels. O preconceito de classe é também metodológico devidoao fracasso em compreender realmente as opções e estratégias tíe vida doobre e do relativamente pobre sob severas coações no mercado de trabalho. Tal comprensão requer trabalho etnográfico intenso de observaçãoparticipante que nenhum dos que utilizam o termo fez, Eles conseguiram, conseqüentemente, ver como as pessoas, confrontando-se com ascoações do mercado de trabalho, criam estratégias para utilizar váriaspartes do mercado de trabalho, de modo a maximizá-lo ou otimizá-lo (ver

Gianella, 1970; Hart, 1973; Machado, 1971; Mayhew, 1849-1850,. 1861-1862; Peattie, 1975; Uzzell, 1972). Eles não conseguiram, portanto, descobrir que pessoas — indivíduos dados — podem operar em dois ou maissetores do mercado de trabalho simultaneamente numa estratégia otimi-zadora-maximizadora, ou seja, as mesmas pessoas são trabalhadores industriais, proletários, vendedores ambulantes, biscateiros ou lumpen-pro-letãrios ao mesmo tempo. Os dois conceitos, sustentamos, não distinguemquaisquer categorias válidas de atores ou de estruturas nas sociedades emdiscussão; o conceito de lumpen-proletariado é fundamentalmente retórico ecom base de classe, e como tal deveria ser abandonado.27 o mecanismo é muito mais conhecido para o Peru *— os grupos de

invasão utilizavam redes pessoais de parentesco, vizinhos, e laços e associações da cidade natal para criar o corpo organizado de invasores. Asredes não apenas recrutavam o pessoal, mas também serviam de canaisde informação para estabelecer o lugar, data, e época da invasão e osinstrumentos para as táticas e material necessários para a defesa potencial contra esforços da polícia para removê-los. Essas invasões freqüentemente tinham sanção partidária, como mencionamos no texto, mas nãoeram organizadas como tal pelos partidos, mas sim pelos invasores atravésde seus laços sociais. Isso ocorria também nos casos em que uma invasãoera encorajada por pessoas privadas (por exemplo, um proprietário deterras cuja terra situava-se entre a cidade e o trecho sugerido de invasãode modo que, no contexto peruano, ele avaliaria sua terra pelo valor ur

bano em vez de rural) ou possivelmente por um orgão burocrático compa Junta Nacional de la Vivienda.

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No Chile, este corpo organizado é de fato muito freqüentemente,se não sempre, parte de, ou diretamente ligado a, uma organizaçãopartidária: a toma  foi promovida por um partido e organizada porseus líderes, às vezes com e às vezes sem líderes dentre aqueles

que são mobilizados. Uma vez executada, a invasão é encorajadae protegida pelo partido. O campamento,  verdadeiramente, tantocm sua liderança interna como em sua resposta à estrutura partidária externa à localidade, representa uma ramificação e um cliente do partido. Ao mesmo tempo, o partido precisa de uma ramificação como uma fonte significativa de poder tanto para ação eleitoral como para açao coletiva.

Desta forma, os partidos concorrentes representam algo muitodiferente para os campamentos  e para as callampas.  O interesse

do campamento  — e o interesse partidário externo — repousa namanutenção de organização e da disciplina partidária, bem comoda disciplina interna relacionada ao partido. É importante observar,todavia, que esse obietivo pararalelo não  significa que os interessesdo campamento  e da liderança partidária externa sejam idênticos.Esta última, seja o pdc, o ps, o pc, o m ir, ou outro partido ou grupo, age na esfera política nacional, tentando controlar ou acumulando poder. Faz isso através de uma variedade de meio, dos quaisa promoção de campamentos é  apenas um — e um que pode não ser desejável a longo prazo, já que pode criar grupos políticos muito fortes e independentes com uma organização social não diretamente sob controle do partido. O PDC, por exemplo, enibora possater ocasionalmente sugerido uma invasão, especialmente nos últimos anos do regime do presidente Eduardo Frei (1964-1970),quando competia arduamente com a XJnidad Popular de Salvador Allende ( u p ) , tentou evitá-los criando  poblaciones  e desenvolvendomejoras.  Se o objetivo da organização partidária central  é  principalmente chegar ao controle do poder, como no caso do pdc do Presidente Frei, o campamento  pode ser visto como um veículo tático 

a curto prazo, tornando-se seu poder mais tarde desgastado ou maisretórico que real. Se o objetivo do partido  é  a mobilização social,especialmente com reforma extensiva ou revolução com a tomadatotal do poder em mente, como no caso do mir, o campamento  podeser visto como um veículo  estratégico  tanto a longo como a curtoprazo, um objetivo que requeríria treinamento ideológico além daorganização, de modo que a adesão a longo prazo e o controle pelaestrutura partidária central e seus interesses fossem garantidos.Pode haver também partidos, segmentos de partidos ou líderes in

dividuais que encorajem a formação do campamento  no interesseda melhoria do “ posseiro” como ura fim em si mesmo, como re-

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fÜexo de seu forte compromisso ideológico. O recente apoio dadoaos c a m p a m e n t o s    pela U P é politicamente útil, bem como socialmente benéfico tanto no sentido de fornecer possibilidades habita

cionais às áreas invadidas através da auto-ajuda onde a construção*de habitações pelo Governo não pode ser fornecida, quanto, e doponto de vista da up? no sentido de ampliar a participação socialnos processos políticos e no bem-estar social geral. Esses diferentes interesses partidários, programas e estratégias são claramenterefletidos nos dados sobre as áreas invadidas no Chile, que damosadiante com detalhes.

 Ambas as formas de áreas invadidas, a partir de seu ponto devista, preocupam-se com a extensão de bens e serviços ou com a re-distribuiçao de riqueza da sociedade inclusiva. Todavia, dados os

vários partidos com base de massa no Chile, com políticas bastante divergentes, todos vinculados ao Governo com maior ou menoreficácia e todos operando (até 1973) num sistema eleitoral previsível e efetivo, diferentes padrões de respostas deveriam, necessariamente, ser esperados. Ainda assim, dado o grau de importânciados partidos na vida política de todos os setores e estratos da sociedade chilena, seria de se esperai* que o par áreas invadidas-par-tidos, fosse muito mais estreito que no Brasil e no Peru; que muitomais ações para extrair bens, serviços e outros prêmios fossem de

senvolvidas através das relações partidárias do que por outros meioscom laços patronais diretos com burocracias. Com efeito, seria dese esperar que os laços patronais fossem aspectos da relação intra-partidária,28 com relativamente poucas possibilidades de laços patronais independentes fora do sistema partidário.

Em vista do que já foi colocado e da conhecida gama de características dos partidos, esperaríamos que a distribuição de respostas das áreas invadidas variasse de nina virtual identidade de açao

28 Este tipo de organização é citado para o sistema político partidário

italiano, incluindo o p c   — e constitui o modo característico d e controleinterno sobre o partido pela liderança, Darwin (comunicação pessoal,1975) fornece algumas passagens que sugerem paralelos na organizaçãochilena de controles partidários internos, embora sua intenção não sejaa mesma, de modo algum. As “áreas invadidas no Chile são desenvolvidaspor um partido. A toma é estabelecida pelo partido X . A negociação paratítulos infra-estrutura e organizações comunitárias, juntas de vecinos,  centros de madres,  etc. é mantida pelo partido junto com escritórios governamentais — Ministério de la Vivienda, etc” . “ Na maioria dos casos, asáreas invadidas continuam sob a dominação do partido descobridor e deseus representantes nelas.” “Durante os últimos anos, 1971-1973, de

 Allende, as  j a p s   tornaram-se mais e mais ativas e decisivas... determinando, segundo o nível de organização e atividade, o acesso dos  poblado-res  à comida, querosene, etc. segundo níveis de participação.”

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C o n s id e r a ç õ e s s o b r e D i f e r e n ç a s C o m p o r t a m e n t a is 307

entre o partido e a área de moradia, através de várias gradações emesmo relações mistas, a imi número relativamente reduzido decasos nos quais as áreas invadidas fazem par com agentes externos

— partido, burocracia, ou algum outro — por meio de laços patronais, enquanto mantêm certa independência em relação aos partidos. Com a crescente importância da mobilização das bases demassa pelos partidos de esquerda, surgida a partir da década de1950 pela competição interpartidária, poderíamos esperar umatransformação gradual em direção ao primeiro extremo do leque.Os dois extremos da escala corespondem mais ou menos ao que £oidesignado por campamen t o s   e c a l l ampa s .

Com relação a essas expectativas, observe-se o resumo de Han-

delman (1975:44) dos achados de pesquisa do Centro de DesarolloUrbano y Regional ( c i d u ) referentes à “ liderança externa” nasáreas invadidas.

“ Num extremo do espectro estavam os organizadores representando partidos políticos legítimos, desejando estabelecer uma relação patrao-cliente entre seu próprio partido e seu campamen t o .  Ascomunidades com tais líderes poderiam solicitar serviços específicos do sistema político em troca da promessa de apoio eleitoraL Nooutro extremo do espectro político estavam os organizadores altamente radicais dos c ampamen t o s  , que viam o movimento das áreasinvadidas urbanas como um meio para criar a consciência revolucionária entre as massas e desafiar a ordem política existente. Elesestavam interessados em objetivos instrumentais, pragmáticos.”

Finalmente, devemos argumentar que a estrutura de açãomais ou menos exclusiva através dos partidos r e du z   a vantagem estratégica a longo prazo para as áreas invadidas porque reduz suasalternativas operacionais e a ambigüidade que tais alternativas representam para as lideranças partidárias num sistema eleitoral emfuncionamento. Os fatos chilenos parecem confirmar essas expec

tativas em detalhe.20 A ação dos partidos políticos concorrentes com relação às áreasde moradia proletárias pode ser mais bem percebida através deexemplos dos últimos dez anos, embora pudéssemos citar inúmeros

29 Note-se que Talton Ray (1969) com efeito descreve essas duas tendências para as áreas invadidas da Venezuela sem compreender suas implicações, Ele lamenta o fato de que algumas áreas de moradia não participem mais plenamente do processo democrático, tornando-se mais vinculados a partidos políticos e eleições. Por outro lado, ele observa que

são precisamente as áveas invadidas que não são tão comprometidas —contrastando com aquelas diretamente vinculadas, na invasão original ena vida política subseqüente, a um partido particular — que obtem omaior número de bens do sistema político externo.

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casos que remontara aos inícios da década de 1950. Os tipos de“ intervenções” praticados pelos partidos vão, como observamos, deinvasões organizadas e fomentadas, direção de  j u n t a s d e vec i n os  

( “ conselhos de comunidade” ) começando no período de Frei e florescendo no regime de Allende, vários outros tipos de grupos nasáreas de moradia, uma vez estabelecidas, à mera fundação de umc om i té (comitê de defesa) numa dada área.

Tais intervenções devem ser vistas no contextos da ação governamental para acumular apoio político de massa pela produção debens e serviços — ação, evidentemente, não-divorciada dos interesses político-partidários dos funcionários eleitos em exercício, mascanalizada_ através de funcionários apoiados pelo Governo e órgãosburocráticos, em vez de através de partidos, de modo (entre outrosfins) a fortalecer o controle do partido sobre as posições governamentais básicas. Pode-se interpretar deste modo as políticas habitacionais do Governo democrata cristão do Presidente Frei, maismarcadamente a Operación Sitio e os Planos de Ahorro Popular(PAP).30

O partido no poder tem uma vantagem distinta com relaçãoà mobilização e manutenção do apoio popular em virtude de seu

controle do aparato burocrático do Estado. São exemplos a Operación Sitio de Frei e o PAP acima mencionados e a Operación Invi-erno de Allende, uma medida tomada para evitar os problemas habituais do inverno como a sobrecarga e escassez de abrigo, ou ocontrole dos recursos reais para levar adiante melhorias materiais,títulos de concessão, decretos de emissão, e coisas semelhantes, queestão à mão para o Governo e sua burocracia,

 A Ley de Junta de Vecinos31 de 1968, proposta pelos demo-cratas-cristãos, foi vista pelos partidos concorrentes como uma ten

tativa de mobilizar apoio eleitoral dos moradores das áreas invadidas, por ser uma concessão política a estas permitindo-lhes estabelecer um canal para exigências sociais. Ccmo um plano para “ legalizar” ou criar organizações das áreas invadidas, o projeto recebeu aprovação unânime dos partidos e congressistas concorrentes.Os partidos objetaram, todavia, à medida adicional do pd c   de colocar as j u n t a s   soh autoridade da Consejaría Nacional de Promo-

30 A Operación Sitio, anunciada como a “solução habitacional* do Go

verno de Frei, permitiu às pessoas optarem por um si t io   semi-urbanizadoque era p a g o a prestações mensais. O p a p   é um esquema de poupanças «crédito para famílias desejosas de ter ou um lote semi-urbanizado ou umacasa acabada. A Unidade Popular do Presidente Allende manteve esteesquema modificando-o apenas levemente.3t Ley 16.880, que passou pelo Congresso chileno a 4 de novembro de1968. 1

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C o n s i d e r a ç õ e s s o b r e   D i f e r e n ç a s   C o m p o r t a m e n t a i s   309

ción Popular, com base no argumento de que o pdc queria “ penetrar nas áreas invadidas e canalizar, em vantagem própria, apoio evotos do setor popular urbano” .  A Promoción Popular fracassoii c

as organizayões das áreas invadidas foram vinculadas, de uma maneira difusamente mais acessível, a todos os partidas participantes(inclusive os partidos de direita, que também votaram contra) daburocracia ( Vanderschueren, 1971b: 73 e 68).

O caso da Promoción fornece o exemplo de um ponto expostoacima — que os quatro ou cinco principais partidos concorrentes(especialmente antes da coalisão u p )32 são bastante conscientes doapoio eleitoral potencial derivado da ação dos outros — variávelque, numa medida considerável, determina sua ação. Eles não de

sejam permitir açoes de natureza mobilizadora de apoio sem umatentativa de opor-se ou igualar, essa açao. As ações dos opositoresnão podem envolver, por exemplo, um bloqueio totai à propostaque auxiliaria os moradores porque os partidos que fizessem talbloqueio perderiam seu próprio apoio ou o novo apoio potencial; aação deve, desta forma, dividir o partido opositor, como no caso daPromoción, ou tentar atrair novos seguidores, como, por exemplo,dirigindo uma invasão de terra ou estabelecendo um comitê dentrode uma área invadida. O contra-ataque deve ser positivo, traço*

marcante da situação chilena. Assim, os programas burocráticos governamentais acima jnen^

cionados eram contra-atacados, em termos de mobilização de apoio*popular, por algumas invasões dirigidas por partidos, especialmente o MIR* a ala extrema esquerda do ps. Um exemplo ê a invasãodo c ampamen t o    La Victoria, ein Santiago, em 1965, dirigida peloPC. Conforme se aproximava o ano eleitoral de 1970, o número detomas ilegais, muitas fomentadas pelo m i r , a umen t o u    notavelmente, como pode ser visto nos dados que se seguem (Informe de laDirección General de Carabineros dei Senado, relatado na cidu,1972b:56)

*  Invasões de Terras Urbanas

1966 1967 1968 1969 1970 1971 total? ? 8 23 220 175* 426

* Apenas os primeiros seis meses; para o ano, estimadas em 350 ou mais,

32 Os principais partidos independentes pré-1970 — o pdc, o PC, o p s , oPartido Radical e o Partido Nacional estavam, nas eleições de março de 1973.alinhados do seguinte modo: code (Confederação Democrática), uma coalizão dos democratas cristãos, do Partido Nacional e do Partido de Izquier-da Radical (puí); Unidad Popular, coalizão de comunistas, socialistas, radicais e Organización de Izquierda Cristiana (oic), Acción Popular Indepen-diente ( a p i ) e o mu.

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 A S o c i o l o g i a   d o   B r a s i l   U r b a n o

A   ação do MIR? tanto logo antes como no ano eleitoral, teve oefeito de forçar o Governo p d c , então no poder, não apenas a evitara ação repressiva contra o que nos anos anteriores fora causa destetipo de ação __   as invasões ilegais — , mas mesmo a incorporar o

gjoçeso de t oma s   ilegais à sua própria ação política, de modo amanter ou aumentar o apoio entre os moradores. Enquanto que,logo após as eleições de 1970, a coalisão u p   do Presidente Salvador Allende tentava desacelerar o processo de invasões, os democratas-cristãos, numa tentativa de se recuperarem de suas perdas eleitorais, aumentaram sua participação nas invasões de terra e ampliaram sua açao para abranger casas recém-construídas, não habitadas( c i d u , 1972b:56).

O objetivo político do m i r   de impulsionar uma mudança re

volucionária mais rápida e mais drástica do que Allende pareciaestar preparado para desenvolver, complementava o crescente envolvimento do p d c   com invasões, um conflito de cúpula interparti-dário ao qual grande parte do comportamento das áreas invadidasse adaptou. O MIR, como parte de sua estratégia política tanto paraacumular mais poder no Estado chileno como para empurrar Allende para a açao revolucionária mais profunda, ampliou rapidamente seu fomento às invasões de campamen tos ,  envolvendo umaorganização sócio-política e ideológica mais explicitamente revolu

cionária em seus campamen t o s   e, mesmo, notadamente, ajudandoa armar muitos deles. A pressão do p d c   e do m i r   forçou Allendea ir muito mais longe na ação relativa às áreas invadidas do queele presumivelmente queria (já que ele pretendia diminuir o ritmo das invasões), embora sem dúvida simpatizasse e apoiasse amaioria dos objetivos sociais e de bem-estar da extrema esquerda. Assim, de 1970 a 1973, quando o golpe militar acabou com tudoisso, vemos um quadro de muitos partidos importantes e coalisõespartidárias operando em competição aguda com diferentes programas e estratégias para ganhar eleitorados constituídos de amplossegmentos (talvez 30-40%) da população urbana. Neste sentidoo período 1970-1973 é uma continuidade das décadas anteriores,embora uma versão bastante acabada dos tempos procedentes. Osdetalhes das estratégias partidárias dados acima confirmam fortemente nosso argumento geral.

Todos os princípios da ação partidária discutidos nos parágrafos anteriores são bem ilustrados pela extraordinária coleção deorganizações e atividades promovidas por todos os principais partidos políticos que emergiram depois que Allende chegou ao poder

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em 197O.33 Durante os anos de Allende, a inflação e outras dificuldades econômicas trouxeram graves problemas à distribuiçãode alimentos e outras necessidades, especialmente durante o perío

do de crescente escassez, em 1972-73. Os partidos concorrentespropuseram diferentes políticas em seus esforços para atrair públicos mais amplos, mas todos queriam dominar através do sistemade distribuição. Por exemplo, o MA p u   favoreceu o racionamentopúblico de cartões. 0 FC favoreceu as Juntas de Abastecimentos yPrecios (  j a p s ) e o controle dos preços. Os socialistas, o m i r   e aesquerda crista favoreceram a “ Canastra Popular” , ou seja, lotespor família de gêneros de primeira necessidade (feijão, óleo, açúcar, arroz, café, chá, etc.). A forma de organização mais importan

te a emergir foi a  j a p > que se tomou cada vez mais ativa e decisiva,determinando o acesso dos moradores das áreas invadidas e pob l a -do res   à comida, querosene e outros gêneros de primeira necessidade. A distribuição era realizada de acordo com os níveis de participação. Este sistema, como era de se esperar “era disputado aunhas e dentes” . Todavia, nos anos anteriores ao golpe, todos ossistemas estavam funcionando ao mesmo tempo. Por causa docrescente mercado negro, o controle sobre os preços e a entrega debens através da  j a p   havia diminuído muito. A Canastra Popularera o único modo seguro de obter as necessidades familiares, a menos que se tivesse — e a maioria dos moradores não o tinha —vinculaçoes e dinheiro para o mercado negro, ou seja, a menosque se fosse membro das classes superiores. Os problemas de abastecimento e distribuição eram então capitalizados para objetivos deconstituição de apoio partidário, com o m i r   em crescente vantagem.

 As organizações formais com os campamen t o s   e pob lac iones  variavam de juntas de Vecinos (mencionadas acima como tendosido fomentadas pela ação governamental durante e depois do regime de Frei), a clubes de esporte aos quais muitos jovens pertenciam. Os clubes de esporte freqüentemente respondiam à mobilização para objetivos comunitários, bem como aos partidos políticosno interior da área de moradia. Outro conjunto de organizaçoeseram os Comandos de Pobladores Sin Casa (Castells os chama Comités Sin Casa, 1975, pp. 273-280), organizações altamente militantes dominadas pelo m i r   e pelos socialistas. Os comandos, por suamilitância e extensa participação de moradores de áreas invadidas e

pob lado res ,  foram capazes de realizar sempre mais para estes últi-33 Muito do que se segue, incluindo o item de respostas, foi fornecidopela boa-vontade de Shirley Darwin (comunicação pessoal, 1975) e algumas passagens constituem uma transcrição livre de sua exposição. Seusdados são os mais próximos dos etnográficos que encontramos, e desejamos agradecer-lhe por nos permitir usá-los.

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mis, especialmente nos Ministérios de Habitação e Urbanismo e doTrabalho. Os partidos, através dos comandos, trataram do desemprego nas áreas invadidas, apresentando listas de desempregados ao Mi

nistério do Trabalho de modo que muitos encontraram emprego,especialmente na indústria de construção, durante o Governo de Al-lende. Além disso, os Centros de Madres, iniciados sob o Governode Frei, eram muito importantes para a organização das mulheres — inicialmente em torno de atividades “ tipicamente” feminini-nas, mas sob Allende, em torno da educação política de mulherese   como canais para a mobilização pela u p .

 Vemos no relato precedente o complexo jogo entre os partidos, a burocracia, o Executivo, as associações desenvolvidas parafins específicos e as áreas invadidas, vinculadas através de organi

zações formais intra-áreas invadidas fomentadas externamente, Esse processo tem apenas um tosco paralelo no Brasil e não está extensivamente desenvolvido no Peru. Como observamos acima, a liderança no Chile é, de modo amplo, gerada externamente, contrastando tanto com o Brasil como com o Peru, onde a liderança tende amplamente a emanar das próprias áreas invadidas — e a per**manecer no seu interior.

O conjunto de organizações e de atividades geradas reflete oscrescentes conflitos entre os partidos no contexto da situação sin

gular onde um partido declaradamente marxista chegara ao poder numa eleição aberta. Do ponto de vista das áreas invadidas*responder a tal conjunto só poderia ser um comportamento político viável no contexto muito peculiar do sistema político nacionaldo Chile daquela época.

0 sistema político atravessava certa desordem, incapaz de resolver os problemas econômicos maiores e confrontado com grande resistência política e retaliação dos eleitoralmente ainda poderosos partidos do centro e de direita, que ocupavam vários cargosnacionais, especialmente no Congresso, entre os militares e as burocracias. Ele também se confrontava de modo crescente com a violência extralegal de direita e era nitidamente incapaz de exercercontrole sobre as instituições extralegais em desenvolvimento, como o mercado negro.

A Respos ta de Morado res das Âreas Invad idas e   “Pob l a do r e s ”

 Argumentaremos que, embora a fermentação singular e aabertura política da época tornasse possível grande número de res

postas das áreas invadidas, em vista da confusão política, a viabilidade de respostas era diversamente avaliada. Diferentes segmentos da população das áreas invadidas interpretavam as potenciali

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q ü ê n c i a relativamente baixa, mas existente — de áreas invadidasque evitam tal participação desenvolvendo conexões patronais indiretas e algumas que combinam estratégias de participação direta com várias formas de manipulação patronal. Tais tipos de áreasinvadidas são percebidos aqui e ali (ver Handelman, 1975), masnenhum s a r v e y    sistemático recente ou trabalho de entrevistas enenhum trabalho etnográfico intensivo de qualquer tipo foi feitocom eles (todavia, ver DESAL, 1965, 1966; Vaughan, 1968). Aaus ê nc i a de qualquer etnografia sistemática, co-residencial, de observação participante ocorre também com relação aos moradoresdiretamente participantes das áreas invadidas e suas áreas de moradia — os c ampamen t o s    — de modo que não sabemos, na verdade, se alternativas para a filiação partidária direta e a participação política direta estão ou não presentes nesses locais e disponíveis como procedimentos táticos para as áreas invadidas. Todavia, as oblíquas indicações são suficientes, junto com a informação de Darwin (comunicação pessoal), para sugerir algumasobservações relativas às respostas das áreas invadidas.

Numa pob lac ión   ou cc i l l ampa,  devido à presença de dois oumais comitês de partidos nacionais formalmente organizados, cadaum concorrendo por membros, os atores individuais permanecemlivres para avançar ou recuar entre os partidos e seus comitês se

o partido ao qual eles prometem sua fidelidade não produz (Vaughan, 1968). O mesmo argumento se aplica onde dois ou maispartidos nacionais ou grupos partidários estão operando por meiode qua l q ue r    modalidade organizada como o caso da  j a p   acima citado indica claramente. Suspeitar-se-ia que onde existissem Centros de Madres e Clubes de Esporte ocorreriam competições equivalentes para filiação, deixando às associações e a seus membrosindividuais a opção de jogar os partidos (ou ministérios) uns contra os outros. Para isso, todavia, não temos evidência. Apesar disso,

os casos acima fornecidos evidenciam que a tática era efetivamente utilizada.

0 fato de que tenha havido eleições competitivas cujos resultados tenham sido respeitados por 40 anos ou mais e de queos partidos tenham competido no interior das áreas de moradiasignifica que, para os moradores das áreas invadidas e os pob la -dores,  sempre existiu, necessariamente, um ponto de contato viável e mobilizável para alcançar os níveis partidários mais elevados. O fato de que existam muitos pontos de contato em compe

tição significa que a oportunidade para exercer pressão e mano-brar Jjens e serviços permanece uma possibilidade, mesmo que umponto de contato deixasse de operar — fato pouco provável, que

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acarretaria o suicídio político, como os resultados eleitorais de1973 parecem sugerir, especialmente no declínio agudo do conservador Partido Radical e crescente força do grupo socialista MIR

(ver L a t i n Am er i ca  , 7(10):73).O tipo de vida associativa encontrado em qualquer área demoradia do tipo que estamos considerando reflete, sem dúvida, ahistória desta — por exemplo, o caráter organizacional dc sua formação. Reflete ainda, também indubitavelmente as escolhas feitas pelos moradores entre diferentes opções de resposta. As formasde vida associativa encontradas nas pob lac i ones   e áreas invadidasvariam consideravelmente com relação ao grau de participação dosmoradores, tipo de liderança e orientação ideológica da  j u n t a ãe  

vec i nos   (se existe). A variação parece (isto é o máximo que podeser dito, em razão da pobreza de dados publicados) ser determinada, em parte, pelos tipos de problemas e objetivos enfrentados pela área de moradia coletivamente e por seus membros individualmente, em parte por sua localização, em parte, como foi dito, porsua história, e possivelmente também por outras variáveis, tais como a pressão externa direta. Na ausência de dados suficientes para definir que variáveis e que situações variáveis governam as va

riações, podemos apenas apontar a marcante diversidade a ser observada, sugerindo que a diversidade indica tanto a ampla experiência das áreas invadidas com relação a fatores externos comodiferentes análises de possibilidades estratégicas e vantagens, deum ponto de vista amplamente instrumental.

 A variação é ilustrada de muitas formas. Por exemplo, a liderança pode ser organ izac iones de masa , com i tés pol ít i cos d e cau   d i l l o    ( c i d u , 1972b:69), estudantes universitários, mercenários de

partido, patrões individuais, e assim por diante (ver também Han-delman, 1975:43-45). A organização interna das áreas de moradia é caracterizada por um rico inventário de associações para diversos propósitos —  j u n t a s d e vec i n os9 cen t r os d e m a d r es , cen t r o s  d e pad r es   (um tipo de p t a ), clubes de esporte, grupos de jovens,como a Juventude Socialista, a Juventude Comunista, etc. Todosesses são, declaradamente, diretamente vinculados a órgãos externos. Os clubes esportivos, por exemplo, têm vínculos com o Mi

nistério da Cultura, enquanto que as  j u n t a s d e vec i n os   mantêmrepresentação formal no Ministério de Habitação e Urbanismo.Não se relata se existem grupos semelhantes a alguns desses porem não ligados ao exterior, mas pareceria ser esse o caso a partir dos breves comentários sobre as c a l l ampa s    organizadas de modo patronal (ver também as citações de Portes).

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 A habilidade instrumental para negociar com o estado externo é também vista como crucial pela equipe do c i d u   (1972b:60)que acha que

“ l a d i r ec t i va es e l e l emen to dec i s i vo de i campamen to , pe ro  no l o es tan to po r su p r op r i o ca r ac ter , si n o por ser el vín cu l o d e  re lac ión en t re los agen tes ex te rnos   ( apa ra to de i Es tado   y, sobre  

t o do ? orga n i zac ion es po l ít i cas ) y e l t r a tam ien to de l os p rob l emas  conc re tos de i campamen to 

Como já foi visto, o problema de negociar com o estado externo e a habilidade em fazê-lo são traços-chaves da política dasáreas invadidas nos três países em discussão. O que varia nos três

casos é a estrutura política externa, de modo que as opções porcanais de negociação — e, desta forma, os tipos de organização eos comportamentos utilizados na negociação — devem   variar demodo correspondente. Conseqüentemente, não é de surpreenderque Goldrich ache, em sua comparação sobre a politizaçao nasáreas invadidas de Santiago e Lima, que os moradores das áreasinvadidas chilenas tendam a “ obter mais pontos” que os peruanosnos testes de “ consciência do Governo” , “ pei-cepção da utilidadedo Governo” , “ percepção de sua manipulabilidade” , “ desenvolvimento de preferência política” , “ avaliação de sua provável efetividade” , “ cálculos de ganhos e custos da ação” e “ realização dedemandas” . (Goldrich, e t aL , 1967-1968:14). Afirmamos que tudo isso é inexpressivo. O maior número de pontos dos moradoresde Santiago não significa que eles sejam politicamente mais socializados — como concluem Goldrich e Handelman, oito anos depois parece reiterar (1975:59, falando do Peru), mas que as estruturas políticas peruana e brasileira, sob condições políticas es

pecíficas, permitem poucas opções e canais para negociação do tipo dos chilenos, tendo desenvolvido suas próprias possibilidades ecaminhos.

Muitos autores que escreveram sobre o Chile antes de 1973não previram um importante golpe militar, ou, se o julgaram possível, viram-no em termos da continuidade de uma sociedade operando com um sistema eleitoral estável. A possibilidade de umgolpe não é prevista na literatura sobre as áreas invadidas chilenas que lemos, muito menos são previstos os violentos extremos a

que o golpe de 1973 chegou. Tivessem eles examinado tal possibilidade, suas análises políticas das articulações das áreas invadidaspoderiam ter sido diferentes. 0 que as condições políticas do Chilepós-1973 indicam é que uma estrutura de laços formais como descrevemos acima, que é penetrante e quase exclusiva (tecnicamente

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um sistema firmemente articulado), também pode mostrar-se aita-inente rígida e nao adaptativa sob diferentes circunstâncias. Emcontraste, a combinação de laços patronais que tanto unem como

separam, geralmente com outras modalidades de extração de bens,ppssibilitam um grau bem maior de flexibilidade. Na perspectivadas situações brasileira e peruana, a incidência no Chile de casosem que se relata que ca l l ampas   operaram através de relações deHpo patronal sugere uma interpretação diversa tanto daquela dosdesenvolvimentistas como Goldrich, et aí7   e Handelman, como dosmarxistas ideológicos, como Casíclls e o pessoal do Ci d u , que observaram a situação chilena de um ponto de vista m i r i s t a  , Por diferentes razões e de diferentes maneiras, ambos vêem as estruturaspatronais como atrasadas, conservadoras e poltiticamente subdesenvolvidas.

 Apresentamos a interpretação alternativa, qual seja, as estruturas patronais, especialmente quando usadas em combinação comoutras formas de vinculaçao, como no Peru, representam, primeiroum reconhecimento de coações m u i t o    reais sobre a ação; segundo,um reconhecimento histórico, cumulativo, de como, no sistema declasses, os que utilizam as estruturas patronais estão interconectadosna prática política; e terceiro, uma astuta avaliação de estratagemas e instrumentos usados para o interesse coletivo e indi

vidual. Laços patronais constituem uma estrutura na qual há umamortecedor entre os fatores externos e a população das áreas invadidas; um certo grau de autonomia dos laços externos é mantido.35

 A autonomia tem algumas vantagens: (1 ) a população torna-seobjeto de vários esforços de “ cooptação” e “ mobilização” , e conseqüentemente maximiza suas possibilidades de extrair bens, serviçose outros ganhos do sistema político externo sob condições de substancial coação; (2 ) deixa a população livre para mudar de palrãoquando nenhum bem é fornecido, ou, na verdade, de colocar vários patrões uns contra os outros, ou de ter muitos ao mesmo tempo; a ameaça de que isso aconteça, em si mesma, exerce pressãopara um fluxo contínuo; (3 ) a autonomia maximiza a capacidadede sobrevivência sob severas coações de classe como situações re*pressivas que se seguem a golpes de estado do tipo daqueles doBrasil, 1964, Peru, 1968, e Chile, 1973.

Uu*a decorrência dessa interpretação é que se as áreas invadidas são predominantemente vinculadas ao Estado externo por laços

35 Estamos falando de laços patronais em situações urbanas. Esses laços,

no relativo isolamento das áreas rurais, são outra questão, de vez que,na ausência de estruturas políticas de apoio, nenhuma alternativa estádisponível.

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formais, com organização interna formal, e diretamente envolvidas na ação ou acontecimentos políticos, elas se tornam extremamente vulneráveis, podendo perder a propriedade ou a vida se ocor

re uma súbita mudança na ordem política nacional. Ao contrário,se as áreas invadidas multiplicaram seus laços e dependem, numamedida considerável, de laços patronais mutáveis, elas reduzem avulnerabilidade tal como se reflete na manutenção ou no aumento de propriedade, relativa segurança de vida, e estabilidade de localização da área invadida. Os casos chileno e peruano ilustramclaramente esses dois pólos.36

Conclusões 

Pretendemos ter mostrado que as f o r m a s    de respostas políticas dos moradores de áreas invadidas e populações a elas relacionadas são previsíveis em função (a ) dos tipos de interesse e necessidade com os quais eles se confrontam na vida diária e aos quaisse articulam politicamente e (fc) das situações de um sistema externo a eles e de suas variáveis que sao os elementos diversos da política institucional da sociedade — partidos políticos, o Governoem exercício, as burocracias, os militares, os sindicatos, as Igrejas.Os interesses e necessidades da população que tratamos são, paramuitas intenções e propósitos, comuns: alimentação e vestuáriodecente, habitação, segurança de moradia, água, luz, e, mais imediato em termos de pressão, porém mais remoto em termos de expectativa, melhor renda. 0 que varia em nossa amostra é a estru

36 Dada esta hipótese, seria interessante comparar o grau de vulnerabi

lidade e a conseqüente perda de opções depois dos golpes de 1964, noBrasil, <íe 1968, no Peru, e de 1973, no Chile. Diríamos que as áreas invadidas brasileiras c peruanas e seus líderes sofreram menos repressãoaberta e perda de opções do que seus pares chilenos. Não conhecemosparalelos ao violento bombardeio mencionado na nota 34, nem aos fuzilamentos de massa relatados para as áreas invadidas, especialmente aquelas intimamente associadas à esquerda, ao m i r   em particular. Estivemosno Brasil anualmente de 1965 a 1969, e a cada ano vimos importantesatos militares e institucionais da repressão — contra os sindicatos, os estudantes, a Igreja, etc. Mas estes contra as favelas, foram apenas limi

tados. Também estivemos brevemente no Peru em 1968, 1969 e 1970.Nada de remotamente comparável ao Pinochetazo era encontrado lá* Apenas na grande invasão de 1971 houve algumas mortes, quando milhares de invasores foram removidos. Deve-se notar que aos mesmos invasores foi dada imediatamente outra área para se estabelecerem, unipouco além de Lima, mas ainda bem acessível. Esse foi, essencialmente,um acontecimento local. Os moradores de barriadas  são ainda um poderoso eleitorado político com o qual o Governo deve lidar.

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Abr evi a ções 

 AP Acción Popular (P eru) APi  Acción Popular Independiente ( Chile)a p r a    Alianza Popular Revolucionaria Americana (P eru) ARENA  Aliança Renovadora Nacional (Brasil)CIDU Centro de Desarrollo Urbano y Regional (Chile)CODE Confederación Democrática (Chile)d e s a l   Desarrolo Económico-Social de America Latina (Um

grupo de pesquisa na Universidade Católica de Santiago, Chile).