Livro Completo- Economia

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Economia e Educação

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  • Belo Horizonte2012

    Marcos Histricos na Reforma da Educao

    Nigel Brooke (Org.)

  • cip-brasil catalogao-na-fonte | sindicato nacional dos editores de livro, rj

    M276 Marcos histricos na reforma da educao / Nigel Brooke (organizador). - 1.ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Trao, 2012. 520p. (Edvcere ; 19) Inclui bibliografia ISBN 978-85-8054-054-3 1. Educao - Histria. 2. Educao comparada. 3. Educao - Aspectos polticos. 4. Reforma do ensino. I. Brooke, Nigel. II. Srie.

    12-3564. CDD: 370.9 CDU: 37(09)

    29.05.12 11.06.12 035959

    Todos os direitos reservados Fino Trao Editora Ltda. Nigel Brooke

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    conselho editorialColeo EDVCERE

    Diana Gonalves Vidal | USP

    Jos Gonalves Gondra |UERJ

    Maurilane de Souza Biccas | USP

    Luciano Mendes de Faria Filho | UFMG

    Vera Regina Beltro Marques | UFPR

  • Sumrio

    Introduo........................................................................................................11

    Seo 1: Reformas curriculares da Guerra Fria......................................21

    Leitura 1 Do Sputnik Era de Ouro, 1957-1968Fundao Nacional de Cincias.......................................................................26

    Leitura 2 O programa de aperfeioamento do contedo do ensinoFundao Nacional de Cincias.......................................................................29

    Leitura 3 Manifesto dos educadores democratas em defesa do Ensino Pblico (1959)Manifesto ao Povo e ao Governo....................................................................32

    Leitura 4 Cincia, educao e sociedade: o caso do Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e cultura (IBECC) e da Fundao Brasileira de Ensino de Cincias (FUNBEC)Antonio Carlos Souza de Abrantes..........................................................................35

    Leitura 5 Aumentado a escala das boas prticas educacionaisRichard Elmore............................................................................................41

    Leitura 6 As mudanas de dentro para fora e de fora para dentro: lies dos paradigmas de aperfeioamento escolar do passado e do presente (1a parte)

    Emily Calhoun e Bruce Joyce............................................................................45

    Referncias Bibliogrficas (Seo 1)...................................................................51

    Seo 2: O Impacto da Teoria do Capital Humano........................................55

    Leitura 1 Investimento em Capital HumanoTheodore W. Schultz......................................................................................61

    Leitura 2 A revoluo do Capital Humano no Desenvolvimento Econmico: sua histria e status atualIrvin Sobel..................................................................................................68

    Leitura 3 Documento de trabalho do setor educacional Banco Mundial............................................................................................77

    Leitura 4 Trabalho, educao e desenvolvimento Manuel Zymelman.......................................................................................85

    Leitura 5 Diversificao do Ensino Mdio na Amrica Latina: o caso do Brasil Nigel Brooke......................................................................................................89

    Leitura 6 A falcia da escola profissionalizante no planejamento do desenvolvimento Philip J. Foster............................................................................................101

  • Leitura 7 A anlise da demanda por fora de trabalhoGeorge Psacharopoulos e Maureen Woodhall.........................................................105

    Referncias Bibliogrficas (Seo 2).................................................................108

    Seo 3: Reformas revolucionrias..........................................................113

    Leitura 1 Educao e transio social no terceiro mundo Martin Carnoy e Joel Samoff................................................................................118

    Leitura 2 A reforma educacional peruana Judithe Bizot....................................................................................................124

    Leitura 3 A educao como um campo de disputa na NicarguaRobert F. Arnove................................................................................................134

    Leitura 4 A vantagem acadmica de CubaMartin Carnoy..................................................................................................138

    Referncias Bibliogrficas (Seo 3)............................................................142

    Seo 4: Uma nao em risco.....................................................................143

    Leitura 1 Uma nao em risco: o imperativo de uma reforma educacionalComisso Nacional para a Excelncia em Educao...............................................149

    Leitura 2 A primeira onda de responsabilizaoThomas S. Dee.................................................................................................157

    Leitura 3 A poltica e a prtica da responsabilizaoMartin R. West e Paul E. Peterson..........................................................................163

    Leitura 4 Os testes high-stakes podem alavancar melhorias educacionais?Jonathan Supowitz ..........................................................................................166

    Leitura 5 Cumprindo a promessa da reforma baseada em padresThe Hunt Institute.............................................................................................176

    Leitura 6 Sistemas educacionais baseados em desempenho, metas de qualidade e a remunerao de professores: os casos de Pernambuco e So PauloCludio Ferraz.................................................................................................184

    Referncias Bibliogrficas (Seo 4).................................................................193

    Seo 5: Racionalidade econmica.........................................................201

    Leitura 1 O papel do governo na educaoMilton Friedman..............................................................................................209

    Leitura 2 A Reforma da Educao chilena: contexto, contedos, implantaoCristian Cox....................................................................................................217

  • Leitura 3 Escolha da escola no Chile: duas dcadas de reforma educacionalPatrick J. McEwan............................................................................................219

    Leitura 4 Escolas charter: aprendendo com o passado, planejando para o futuroLea Hubbard e Rucheeta Kulkarni........................................................................222

    Leitura 5 As escolas charter esto fazendo a diferena? Rand Education...............................................................................................228

    Leitura 6 A melhoria da educao na Amrica Latina: e agora, para onde vamos? Martin Carnoy e Claudio de Moura Castro..............................................................231

    Leitura 7 Os efeitos da descentralizao do sistema educacional sobre a qualidade da educao na Amrica LatinaDonald R. Winkler e Alec Ian Gershberg.................................................................241

    Leitura 8 Financiamento da educao: gesto democrtica dos recursos financeiros pblicos em educaoJos Carlos de Arajo Melchior.............................................................................249

    Leitura 9 A municipalizao cumpriu suas promessas de democratizao da gesto educacional? Um balano crticoRomualdo Portela de Oliveira.............................................................................253

    Referncias Bibliogrficas (Seo 5).................................................................260

    Seo 6: Crise cultural.............................................................................267

    Leitura 1 A virada direita: a revoluo conservadora na educaoKen Jones.........................................................................................................276

    Leitura 2 Os documentos negros sobre a educao: introduoC.B. Cox e A.E. Dyson.........................................................................................286

    Leitura 3 A ameaa igualitriaAngus Maude...................................................................................................294

    Leitura 4 O currculo nacionalDenis Lawton e Clyde Chitty................................................................................298

    Leitura 5 O Currculo Nacional: uma perspectiva histricaRichard Aldrich...............................................................................................302

    Leitura 6 A mudana na governana da educaoStewart Ranson ...............................................................................................306

    Leitura 7 O legado da Lei de Reforma da Educao (Education Reform Act ERA): a privatizao do ensino e a poltica de efeito catraca Stephen J. Ball................................................................................................312

    Referncias Bibliogrficas (Seo 6).................................................................321

  • Seo 7: A reforma educacional no mundo globalizado................................325

    Leitura 1 Reformas educativas na Amrica Latina: balano de uma dcadaMarcela Gajardo..............................................................................................333

    Leitura 2 Reformas da educao pblica: democratizao, modernizao, neoliberalismoLicnio C. Lima e Almerindo Janela Afonso .......................................................339

    Leitura 3 A construo social das polticas educacionais no Brasil e na Amrica LatinaNora Krawczyk.................................................................................................347

    Leitura 4 Mundializao e reforma na educao: o que os planejadores devem saberMartin Carnoy..................................................................................................350

    Leitura 5 Globalizao e reformas educacionais em democracias anglo-americanasScott Davies e Neil Guppy....................................................................................354

    Leitura 6 Prescrevendo as polticas nacionais de educao: o papel das organizaes internacionaisConnie L. McNeely,............................................................................................365

    Leitura 7 As polticas do Banco Mundial: se correr, o bicho pega, se ficar obicho comeCludio de Moura Castro....................................................................................371

    Leitura 8 Currculos escolares e suas orientaes sobre histria, sociedade e poltica: significados para a coeso social na Amrica LatinaCristian Cox, Robinson Lira e Renato Gazmuri........................................................377

    Referncias Bibliogrficas (Seo 7).................................................................385

    Seo 8: Equidade..................................................................................393

    Leitura 1 A guerra johnsoniana contra a pobreza: programas federais em favor dos pobres nos anos 60Francesco Cordasco..........................................................................................399

    Leitura 2 Polticas educacionais e equidade: revendo conceitosSilvia Peixoto de Lima e Margarita Victoria Rodrguez.............................................403

    Leitura 3 O Programa das 900 Escolas e as escolas crticas no Chile: duas experincias de discriminao positivaJuan Eduardo Garca-Huidobro S.....................................................................407

    Leitura 4 Como anda a Reforma da Educao na Amrica Latina?Claudio de Moura Castro e Martin Carnoy..............................................................416

  • Leitura 5 FUNDEF: corrigindo distores histricasUlysses Cidade Semeghini..................................................................................418

    Leitura 6 Singular ou plural? Eis a escola em questo!Angela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben.......................................................429

    Leitura 7 Vinte anos de progresso? A poltica educacional inglesa de 1988 at o presenteGeoff Whitty.....................................................................................................432

    Referncias Bibliogrficas (Seo 8).................................................................439

    Seo 9: A implementao de reformas em larga escala................................443

    Leitura 1 A avaliao da mudana educacionalSeymour B. Sarason..........................................................................................451

    Leitura 2 Resoluo de problemas educacionais: teoria e realidade da inovao em pases em desenvolvimentoR. G. Havelock e A. M. Huberman..........................................................................457

    Leitura 3 Polticas de reforma educacional: comparao ente pasesRobert R. Kaufman e Joan M. Nelson ................................................................464

    Leitura 4 Pesquisando a implementao das polticas educacionais: uma abordagem de mapeamento reversoCaroline Dyer..................................................................................................472

    Leitura 5 Aumentado a escala das boas prticas educacionaisRichard F. Elmore.............................................................................................479

    Leitura 6 As mudanas de dentro para fora e de fora para dentro: lies dos paradigmas da melhoria escolar do passado e do presente (2a parte)Emily Calhoun e Bruce Joyce...............................................................................486

    Leitura 7 Tenses e perspectivas para o campo da melhoria escolarDavid Hopkins.................................................................................................491

    Leitura 8 As reformas de larga escala atingem a maioridadeMichael Fullan................................................................................................594

    Leitura 9 Uma dcada de mudana educacional e um momento definidor de oportunidades uma introduoAndy Hargreaves..............................................................................................504

    Referncias Bibliogrficas (Seo 9) ................................................................512

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    Introduo

    O presente livro um estudo em educao comparada, com nfase em po-ltica educacional. Adota tambm uma dimenso histrica, o que permite traar a evoluo das principais ideias por trs das reformas educacionais das ltimas cinco ou seis dcadas que mudaram a forma de pensar a educao, incluindo no nosso continente. Para essa finalidade, as diferentes sees do livro tentam captar a essncia dessas reformas nas suas formulaes originais, assim como os formatos adotados ao serem implementadas fora dos seus lugares de origem.

    O estudo das mesmas polticas em contextos ou pases diferentes no repre-senta nenhuma novidade propriamente dita. H muito tempo que os estudiosos da educao comparada examinam a transferncia de polticas de um contexto para outro atravs das correntes globalizadas da moda educacional e tentam medir os efeitos dessas mesmas polticas nos diferentes contextos em que se instalam (McNeely, 1995). Ou seja, as formas e mecanismos da transferncia so temas recorrentes no campo da pesquisa comparada e diversas das leituras que com-pem o livro mencionaro as principais instituies envolvidas nesse processo e as agendas por elas perseguidas.

    Talvez menos comum pelos cnones da educao comparada, seja a dimenso histrica deste estudo que coloca a nfase nas ideias e suas origens, e a vontade de entender como elas permeiam o nosso debate educacional sem que se saiba, muitas vezes, qual foi a sua procedncia ou as condies precisas de sua formulao. As nossas instituies so produtos da histria e o sistema educacional, talvez at mais do que outros, contm a memria dessa herana multinacional. No faz mal tentar identificar os recantos do sistema que, como os resqucios de uma arquitetura j superada, ainda nos conduzem por certos caminhos e no por outros.

    Ao mesmo tempo, a histria tem sua prpria justificativa. Cada perodo de reforma educacional tem sua razo e, para os que gostam, h uma satisfao na identificao das razes e dos interesses que colaboraram na formulao das pol-ticas que deram sua identidade reforma. Nesse caso, no so as consequncias das reformas nem suas trajetrias internacionais que justificam sua incluso, mas sim a sua importncia como ponto de virada na histria geral do pensamento educacional.

    Da a necessidade de definir o que queremos dizer com reforma educacio-nal. O problema que o termo reforma educacional pode ser empregado para organizar quase tudo o que j se escreveu sobre a histria da educao. Quando entendido no sentido de uma mudana na poltica educacional para corrigir rumos ou abrir alternativas, observa-se uma multiplicidade to grande de enfoques e de casos que no haveria como criar uma organizao que desse conta de tal varie-dade. O que se chama de reforma nesses casos determinado pela percepo do

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    problema a ser resolvido e pelo movimento na direo da sua soluo (Method, 1974). A deciso de reformar pode ser a deciso de expandir a cobertura ou de reduzi-la, de melhorar os livros textos ou de acabar com eles, de melhorar as instituies existentes ou de substitu-las, de introduzir novas tecnologias ou de enfatizar as j existentes.

    Outra constatao que muitas vezes o termo reforma empregado pelos responsveis exclusivamente para atribuir importncia mudana pretendida, com base na percepo de que cham-la apenas de mudana ou inovao fosse diminuir o prestgio do empreendimento e enfraquecer o apoio necessrio para sua implementao. E como a maioria das mudanas fruto de clculos polticos, no de se surpreender que os responsveis queiram atribuir o mximo de prestgio a cada novo conjunto de diretrizes educacionais.

    s vezes o termo s tem sentido quando atribudo a um nmero significativo de mudanas numa determinada regio, como no caso da Reforma Educacional na Amrica Latina, ou num determinado perodo de tempo, como na Reforma Educacional dos Anos 90. Nesses casos o que se procura so as semelhanas em termo das ideias condutoras das reformas, pressupondo que h uma identidade comum de gerao, evitando, assim, se perder nos detalhes de cada contexto. Compartilho dessa preocupao de no entrar demais nos detalhes das reformas, mas de buscar o esprito do momento da sua formulao e os seus objetivos mais amplos. Com isso, as reformas escolhidas para esta discusso acabam sendo os movimentos de maior envergadura, como as reformas neoliberais da era da globalizao da dcada de 1990, que ningum excluiria mesmo de uma histria breve das ideias educacionais mundiais.

    s vezes so feitas distines mais tericas. Uma delas a diferena entre a reforma estrutural e a reforma tcnica (Simmons, 1980). No primeiro caso a reforma mira mudanas significativas na prpria organizao da sociedade. Na Amrica Latina so vrios os exemplos que refletem a esperana de acoplar a educao aos esforos de criao do homem novo em preparao sociedade socialista que j estava em formao. No segundo caso, a reforma pode ser pro-funda no seu impacto no sistema, mas como no visa uma alterao significativa na distribuio de poder ou no sistema de produo, pode acabar sendo chamada de inovao, ao invs de reforma.

    Acho essa distino um exagero. Estou a favor de incluir todas as mudanas marcantes como reformas, independente do seu impacto estrutural. A definio de reforma deve incluir a ideia de uma mudana planejada de envergadura maior, a partir de uma crtica ou insatisfao em relao forma ou estrutura de funcio-namento vigente do sistema. Para isso, preciso enfatizar a dimenso intencional e planejada da reforma educacional. No se trata de um ajuste ou sucesso de ajustes naturais na poltica de educao, visando a adaptao do sistema s mudanas no seu contexto, e muito menos das acomodaes que acontecem sem a formulao de objetivos. Esses ajustes no planejados acontecem regularmente e nem sempre estamos cientes do seu impacto at comparamos a escola de hoje com a de 30 ou

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    40 anos atrs. Nesse olhar sob o tempo, percebemos o quanto o sistema se modi-ficou quase por conta prpria, s vezes sem a interferncia direta do legislador ou do gestor pblico. Essa sucesso de adaptaes reflete muito mais as mudanas na sociedade como um todo. Quem em 1970, em plena ditadura, teria previsto o grau de incluso e diversificao da escola de hoje, o grau de sindicalizao e a frequncia da ao sindical dos professores, a perda de relevncia do diploma de ensino mdio, o grau de violncia e a necessidade da escola de se proteger de invasores? Se for verdade que muitas dessas mudanas podem ter sido facilitadas ou apressadas pela ao do legislador depois de tudo, a funo do legislador interpretar o seu tempo no se configuram como uma reforma por no terem sido planejadas no seu conjunto e no corresponderem a uma lgica que justifica a soma das partes em determinado momento histrico.

    Em resumo, a reforma educacional uma ao planejada em escala sistmica, mas cujo contedo depender das circunstncias histricas e locais. Muitas vezes a reforma se concentra na organizao do sistema e nos seus procedimentos admi-nistrativos, como nas reformas da descentralizao da gesto e do financiamento da educao. Nesses casos, podemos antever um processo de implementao mais rpido e previsvel, j que muitas das mudanas seguem os caminhos da legislao e dos controles da hierarquia educacional. No caso de reformas curriculares, que acima de tudo objetivam mudar as prticas de ensino, os caminhos so outros. Como essas reformas dependem de mudanas as vezes at radicais no compor-tamento dos professores, entram em cena mltiplos fatores subjetivos, incluindo a cultura da profisso e da escola e a estrutura dos incentivos institucionais. Essa distino ser objeto de discusso mais aprofundada, sobretudo na seo final, que foca a pesquisa sobre os condicionantes da adoo e implementao das reformas educacionais.

    Tambm verdade que muitas reformas tm uma dimenso doutrinria, que espelha uma viso sobre o papel do Estado na promoo de um novo tipo de formao, para uma nova conjuntura social e econmica, que vai muito alm da mera reorganizao administrativa. Nesses casos, alguns pesquisadores so levados a procurar as razes das reformas fora dos escritos dos idelogos reforma-dores, atravs de anlises que atribuem os fenmenos educacionais ao momento de fortalecimento ou de crise do sistema capitalista. Eu resisto a essa orientao, no somente porque essas anlises raramente tocam nas questes mais prticas da gesto da reforma educacional, mas principalmente porque elas raramente permitem enxergar as escolhas especficas assumidas pela poltica educacional quando colocada em ao. Se as reformas de determinada poca fossem todas expresso das mesmas foras econmicas subjacentes, porque elas assumiriam configuraes diferentes? Como entender a nfase no currculo nacional durante a reforma conservadora da Margaret Thatcher na Inglaterra quando esse compo-nente ausente de outras reformas contemporneas? Mais razovel nesse caso a explicao da reforma nos seus prprios termos, como fruto da conjugao de foras locais, muitas vezes conflitantes, que acabam conduzindo os polticos em

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    direo a decises que alteram o funcionamento do sistema, em nome de ideias e princpios que foram abertamente defendidos.

    Mesmo usando essa definio de reforma mais aberta, que enfatiza a mudana planejada em larga escala, sem atrelar o contedo aos movimentos subterrneos da economia global, ela no satisfaz todos os requisitos. Um deles trata da questo da durao da reforma. Vrias das reformas estudadas se tornam processos contnuos que ultrapassam seus gestores e objetivos originais. Essas reformas podem mudar substancialmente ao longo do caminho em funo de mudanas nas prioridades dos novos governantes ou na situao em que as escolas se encontram. So todas partes da mesma reforma ou so reformas diferentes?

    Consideraes Prticas

    Com essas definies incompletas, talvez o leitor no encontre explicao cabal para a incluso de algumas ideias reformistas e a excluso de outras. Alm de certa dose de idiossincrasia, a escolha das leituras tambm obedece a outros critrios, que tm a ver com os propsitos prticos deste livro e que precisam ser esclarecidos.

    Em primeiro lugar, o livro fundamentalmente uma estratgia para tornar disponvel ao aluno universitrio brasileiro um apanhado de textos aos quais nor-malmente no teria acesso, seja pela dificuldade de encontrar os livros ou revistas acadmicas originais, seja pela barreira da linguagem. Isso no diminui a respon-sabilidade do organizador em fazer opes razoveis, nem desculpa a incluso de textos que no so representativos, mas obriga uma seleo que pode iluminar aspectos da histria e o funcionamento do sistema educacional brasileiro. Ou seja, h por trs da escolha, o interesse em desvendar aquelas ideias que receberam abrigo no Brasil e, atravs das suas formulaes locais, influenciaram a forma de fazer educao no pas. Em quase todas as sees do livro o leitor encontrar pri-meiro os textos que explicitam as insatisfaes que levaram s expresses originais das reformas, e depois os textos que identificam as especificidades das reformas brasileiras que exprimem verses dessas mesmas propostas.

    Com esse critrio de relevncia no haveria porque incluir exemplos de reforma educacional que, por mais abrangentes e significativos nas suas origens, no tenham uma contrapartida brasileira. No entanto, fao uma exceo a essa regra com a Seo 3, que trata de reformas educacionais revolucionrias, na sua maioria, socialistas. Pela sua importncia na nossa regio e no iderio dos educadores progressistas das dcadas de 1960 e 1970, achei legtimo prestar ho-menagem a uma corrente de reformas que, mesmo sem correspondncia efetiva em solo brasileiro, ocupou um lugar importante no imaginrio dos nossos educadores.

    primeira vista, essa organizao parece propor que para cada mudana sig-nificativa no sistema educacional brasileiro houve necessariamente um antecedente

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    de origem estrangeira. No esse meu argumento. Mesmo havendo exemplos de mudanas educacionais profundas que s podem ser explicadas pelas convices de diferentes setores sociais brasileiros, no so essas as reformas que o livro prope tratar. O livro no uma histria das reformas educacionais brasileiras. O ponto de partida da presente anlise so justamente as reformas que no tm origem local, mas que por sua importncia histrica, ou pela relevncia das suas propostas, acabaram tendo um impacto muito alm do perodo e local da sua criao, nesse e em outros pases. Nesses casos, o importante o estudo do contexto cultural e histrico que gerou a proposta de reforma e, em consequncia daquilo que os estudiosos chamam de policy borrowing ou emprstimo de polticas (Broadfoot, 2002), a sua implantao em outros contextos, incluindo o nosso.

    Ou seja, independentemente da nossa avaliao dos benefcios ou malefcios da circulao internacional de modelos de reforma, no h dvida sobre a eficcia de instituies como a UNESCO, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial na execuo das suas atribuies. A influncia das agncias e bancos multinacionais na divulgao de teorias e prticas educacionais no segredo nem para os governos nem para os pesquisadores, que mostram como as instituies internacionais se encarregam da transmisso de normas e ideologias educacionais atravs dos diversos canais do sistema internacional. Portanto, no deve ser surpresa o fato de que uma das premissas bsicas do presente livro a de que vivemos imersos numa cultura educacional mundial e que no h nada mais apropriado que estudar como as ideias fluem entre os Estados membros dessa cultura. Aps o estudo dessas reformas que estaremos em condies de fazer algum julgamento sobre os benefcios ou no dessa convivncia.

    O que esse tipo de estudo nos mostra? Inicialmente, que as preocupaes e problemas que estimulam a demanda de reforma so comuns a muitos sistemas. Por mais que acreditemos na nossa singularidade, os sistemas educacionais do mundo ocidental so muito parecidos. Em segundo lugar, h uma interao entre ideias e contextos, de modo que o processo de multinacionalizao das reformas educacionais pode produzir tanto a perda de detalhes quanto a transformao das propostas originais. O que finalmente implementado resultado de inter-pretaes, negociaes e outros processos que atestam a influncia dos muitos atores nos diferentes nveis de deciso e implementao. A lei 5692 de 1971, que alterou os rumos do ensino mdio no Brasil por mais de uma dcada, exemplo cabal dessa tese, como ser demonstrado. justificativa econmica original para a diversificao do ensino mdio foram acrescentadas justificativas sociais e polticas, que s faziam sentido no contexto brasileiro, e s foram legitimadas por conta do ambiente poltico de exceo em que o pas se encontrava.

    Uma segunda considerao prtica para a organizao deste livro a inteno em criar uma ligao entre os textos escolhidos e o Programa de Ps-Graduao Profissional em Gesto e Avaliao da Educao Pblica organizado pelo Centro de Polticas Pblicas e Avaliao da Educao CAEd, e lanado pela Univer-sidade Federal de Juiz de Fora em 2010. Esse programa, pioneiro tanto na sua

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    metodologia quanto no seu enfoque em relao gesto da educao, prope que os alunos recebam uma formao que os permita se ambientar na discusso global das ideias educacionais, que garanta acesso s preocupaes por trs dos movimentos reformistas da segunda metade do sculo passado e que leve discusso acerca da conexo entre esses movimentos e as mudanas passadas e presentes do sistema brasileiro. Em outras palavras, o livro tem um objetivo eminentemente didtico. Espera-se que as anlises das reformas aqui includas permitam aos alunos compreender as ideias centrais que provocaram as maiores mudanas nos sistemas educacionais do ocidente e identifiquem a sua influncia no cenrio educacional brasileiro.

    O fato dos primeiros usurios do livro serem esses jovens da rea de gesto educacional, levou incorporao de outra vertente prtica que tambm pode ser chamada de profissionalizante. Acredito que o estudo das origens e da implantao das diferentes reformas discutidas neste livro fornecer pelo menos algumas lies sobre as dificuldades inerentes s polticas educacionais de abrangncia sistmica e alguns dos cuidados necessrios na formulao das estratgias de implemen-tao. O estudo acadmico das reformas jamais servir como manual do gestor, mas a leitura atenta, sobretudo das anlises das dificuldades de implementao, permitir a aquisio de ferramentas de diagnstico que possam funcionar em outros contextos.

    As Sees

    As nove sees no seguem uma cronologia rgida, mas, ao tentar captar as origens de cada reforma, houve um esforo em encontrar os documentos originais que melhor exprimem o clima e as preocupaes educacionais da poca. Na rea da educao, como em todas as outras, somos sujeitos do nosso tempo e contexto, e, portanto, propensos a filtrar a nossa viso do passado atravs dos conceitos e consideraes do momento. O resultado o processo quase imperceptvel da re-escrita da histria. Como antdoto, procurei documentos at anteriores a algumas das reformas do sculo passado, na tentativa de caracterizar o caldo do qual os reformadores extraram suas ideias. Como exemplos, posso citar os Black Papers, anteriores, mas fundamentais para a explicao do contedo das reformas do currculo na Inglaterra, e tambm o trabalho de Milton Friedman como inspirao para a formulao de polticas de school choice e outras reformas baseados em um pensamento de livre-mercado.

    Segundo Fullan (1992), o estudo sistemtico dos processos de mudana educacional tem histria bastante recente. Somente a partir da dcada de 1960 que se comeou a discutir como as transformaes educacionais acontecem na prtica. Essa evoluo do estudo e da prtica das transformaes educacionais planejadas datam do perodo ps-Sputnik e das inovaes curriculares implantadas

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    naquela poca. Nada mais razovel, portanto, que iniciar o nosso estudo com as reformas provocadas pela Guerra Fria e o susto que os americanos levaram com o lanamento do satlite russo. O componente brasileiro desta seo um trecho de uma tese de doutorado que nos fornece uma srie de informaes sobre como as grandes reformas curriculares nos Estados Unidos, engendradas pelo desejo de recuperar a dianteira cientfica e tecnolgica, chegaram at ns na forma de projetos patrocinados por fundaes americanas como a Fundao Ford.

    A seo seguinte procura mostrar o impacto da teoria do capital humano, principalmente nos pases em desenvolvimento, e os instrumentos de planejamento educacional que surgiram a partir da consolidao da convico na relao vir-tuosa entre o investimento em educao e o desenvolvimento econmico. Alm da expanso em ritmo acelerado de todos os sistemas educacionais do mundo, observaram-se mudanas tambm na orientao dos currculos e na reformulao do ensino mdio para colocar a educao a servio do crescimento de novos se-tores da economia. Os bancos multilaterais fazem sua entrada como as agncias de divulgao das teses desenvolvimentistas.

    Como j mencionado, a Seo 3 trata de exemplos de reformas revolucio-nrias e as suas influncias. Logo a seguir, numa guinada ideolgica acentuada, voltamos aos Estados Unidos e ao famoso relatrio Uma Nao em Risco, lanado como um alerta nacional sobre o declnio na qualidade da educao nos Estados Unidos. Essa seo trata do incio da avaliao externa como instrumento da reforma educacional, da discusso de padres curriculares e da utilizao dos resultados dos alunos como medida da eficcia da escola e dos professores no cumprimento das suas tarefas.

    primeira vista, a Seo 5 parece uma coletnea de reformas sem muita conexo entre si. O que estabelece a conexo, e explica a incluso de cada leitu-ra, so os conceitos e critrios retirados da esfera da economia e aplicados pelos reformadores ao prprio modo de organizar a educao. No se trata, portanto, de novos exemplos da importncia da educao para o crescimento da economia, mas de como conceitos como eficincia, produtividade, relaes de mercado, clientelas, preferncias dos consumidores, e outros, comearam a criar novas regras para o funcionamento do sistema educacional e para diminuir a distncia entre o pblico e o privado. Nos casos mais extremos dessa tendncia, observam--se processos de privatizao que questionam a prpria legitimidade do modelo do governo de bem estar social.

    A seo seguinte aprofunda essa discusso mediante o estudo da reforma da educao na Inglaterra, primeiro com o governo conservador da Margaret Tha-tcher e depois sob o controle dos trabalhistas. As origens das reformas iniciadas ao final da dcada de 1980 se encontram na discordncia dos conservadores com as mudanas institudas no sistema de ensino mdio a partir da dcada de 1960. Ao mesmo tempo, a reforma procurou incorporar critrios de mercado para livrar as escolas de controles burocrticos tradicionais e estabelecer novos sistemas de avaliao e de accountability. Na volta ao poder do governo trabalhista, as reformas

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    so preservadas e em muitos aspectos aprofundadas, principalmente em relao aos processos de privatizao compreendidos pela terceirizao de servios edu-cacionais e o fornecimento externo dos chamados produtos de aperfeioamento.

    A Seo 7 trata do perodo de reforma mais recente na Amrica Latina, que pode ser caracterizado como decorrncia das reformas neoliberais, tanto dos Esta-dos Unidos quanto da Inglaterra, ao incorporar elementos de ambos os modelos. As leituras oferecem uma oportunidade de estudar a influncia dos organismos internacionais no processo de disseminao simultnea dos diferentes componen-tes de reforma a quase todos os pases da regio, e tambm na compreenso do impacto da globalizao na definio do papel da educao. A Seo 8, por outro lado, d destaque a uma das dimenses das reformas educacionais recentes, a equidade. A seo tem o propsito de traar a evoluo da preocupao com a igualdade de oportunidades e tambm de esclarecer os diferentes significados da equidade em relao distribuio da educao.

    Na dcada de 1970, a partir dos primeiros estudos avaliativos e de livros como A Cultura da Escola e o Problema de Mudana, de Sarason (1971), foi incorporada a palavra implementao, como reconhecimento da complexidade de fazer acontecer as reformas educacionais na prtica. Usando metodologias diversas, incluindo a teoria da informao, diversos autores chegam a concluses bastante pessimistas a respeito das chances de mudar a prtica dos professores mediante os modelos conhecidos de reforma educacional. Para Elmore (1996), a prpria organizao da escola e a estrutura de incentivos tendem a frustrar a adoo de prticas inovadoras e, nas condies atuais de funcionamento dos sis-temas educacionais altamente burocratizados, as reformas de larga escala sero sempre ineficazes.

    Esse debate o assunto da ltima seo, que inclui tambm um pequeno conjunto de leituras sobre a possibilidade das reformas futuras quebrarem o pa-dro estabelecido ao longo dos ltimos cinquenta anos. Esse padro, de mudanas sistmicas vindas de fora, comea a ceder lugar para modelos novos de mudana no nvel da escola, a partir do enfoque de melhoria escolar. No se sugere que a soluo universal para os problemas de implementao j tenha sido encontrada, mas a leitura das experincias recentes para aumentar a escala de reformas, com participao direta da escola, abre perspectivas novas e permite finalizar o livro com algum otimismo.

    Referncias Bibliogrficas

    BROADFOOT, Patricia. Editorial: educational policy in comparative perspec-tive. Comparative Education, v.38, n.2, p.133135, 2002.

    ELMORE, Richard. Getting To Scale With Good Educational Practice. Harvard Educational Review, v.66, n.1, primavera de 1996.

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    FULLAN, Michael G. The New Meaning of Educational Change. New York: Teachers College Press, 1992.

    McNEELY, Connie L. Prescribing National Education Policies: The Role of International Organizations. Comparative Education Review, v.39, n.4, p.483-507, 1995.

    METHOD, Francis J. National Research and Development Capabilities in Education in Education and Development Reconsidered. F. Champion Ward (ed.). Michigan, The Ford Foundation. 1974.

    SARASON, Seymour. The Culture of the School and the Problem of Change. Boston: Allyn and Bacon, 1971.

    SIMMONS, John. Steps towards reform. In: SIMMONS, John (Ed.) The Edu-cation Dilemma: Policy Issues for Developing Countries in the 1980s. Oxford, New York, Toronto: Pergamon Press. 1980.

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    Seo 1Reformas curriculares da Guerra Fria

    Introduo

    Em outubro de 1957, a Unio Sovitica enviou o satlite Sputnik para o es-pao e deixou os americanos em estado de choque. O lanamento bem-sucedido de um mssil intercontinental e, pela primeira vez, a colocao em rbita terrestre de um objeto fabricado pelo homem sacudiu a crena dos americanos na sua su-perioridade cientfica e deixou patente a vantagem dos russos na corrida espacial.

    O impacto profundo do Sputnik na psique americana se tornou evidente menos de um ano depois, quando, em setembro de 1958, o Congresso dos EUA aprovou a Lei de Educao e Defesa Nacional. Da mesma maneira que a populao em geral, os congressistas culpavam o sistema educacional pela perda da superiori-dade tecnolgica americana e votaram aumentos substanciais tanto nos gastos do ensino de cincias quanto na formao de novos profissionais para as diversas atividades da segurana nacional. Em algumas ocasies, a escola norte-americana foi criticada por sua falta de criatividade; outras vezes, por ter se deixado fascinar pela teoria da educao para ajustar-se vida, proposta por educadores pro-gressistas como John Dewey. Como disse o ento Presidente Eisenhower, em um artigo publicado logo aps a assinatura da nova lei: Educadores, pais e alunos nunca devem perder de vista os defeitos do nosso sistema educacional. Eles devem ser induzidos a abandonar o caminho educacional que esto seguindo um tanto cegamente, sob a influncia dos ensinamentos de John Dewey (Life, 1959:104).

    A oposio ao movimento progressista atingira seu auge na dcada anterior. Com frequncia, a imprensa retratava esse movimento com base nas suas ma-nifestaes mais extremas a falta de exigncia em relao aos contedos e o foco no bem-estar psicolgico e na autoexpresso da criana, em detrimento da aprendizagem (Elmore, 1996). Com esse acmulo de insatisfaes com a educao e sob a sombra de uma ameaa externa, no fica difcil entender como a nova lei de educao foi apreciada e aprovada em espao to curto de tempo.

    Durante a prxima dcada, a qualidade da educao norte-americana se tornou o foco de vrios programas federais e o ensino de cincias foi guindado a um lugar de destaque em todas as escolas de ensino mdio do pas. A escola se tornou um lugar bem mais exigente, ao mesmo tempo em que se abriram no-vas oportunidades para estudos superiores. Milhes de dlares foram gastos na formao de toda uma gerao de professores de cincias, matemtica e lnguas estrangeiras e na expanso de programas de ensino superior em cincia e enge-

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    nharia, bem como outros cursos associados defesa nacional. Na dcada de 1960, a matrcula no ensino superior mais que duplicou, passando de 3,6 milhes para 7,5 milhes, o que correspondia a 40% dos jovens na faixa etria adequada para o ingresso nesse nvel de ensino.

    Mas acima de tudo, a Lei de Educao e Defesa Nacional tratou da reforma do currculo. Pode-se citar o curso de fsica de nvel mdio desenvolvido pelo Comit de Ensino das Cincias Fsicas (PSSC) composto de 56 filmes, livros e experimentos inditos de sala de aula; o Estudo Curricular de Cincias Biolgi-cas (BSCS); o ambicioso currculo para as cincias sociais - Homem: Um Curso de Estudo; novos mtodos para o ensino da qumica; o desenvolvimento de uma nova matemtica atravs da teoria dos conjuntos e muitas outras inovaes. Atrs desse movimento, residia a convico de que era possvel reformar a escola por meio da reforma curricular.

    Este sentimento, de que a chave da reforma educacional residia na orienta-o dada ao currculo e aos instrumentos curriculares depositados nas mos dos professores, no foi exclusividade dos americanos. Tampouco se restringia aos embates da Guerra Fria a nova f nas cincias e na engenharia como os dnamos do desenvolvimento. Por exemplo, a educao cientfica para o trabalho e para o desenvolvimento j era um tema que havia sido encampado pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO) em 1954. Na reunio de Montevidu naquele ano, os membros da UNESCO autorizaram o Diretor Geral da entidade a estimular a expanso e a melhoria do ensino de cincias, especialmente nos ensinos fundamental e mdio, atravs da modernizao do currculo dos cursos de formao de professores e da promoo de mtodos laboratoriais, guias para professores, elaborao de equipamentos de laboratrio, catlogos de equipamentos de ensino, livros-texto, manuais e sugestes de materiais de improviso1. O pressuposto bsico dessa e de outras polticas do perodo era o de que a melhoria na formao dos professores de cincias era fundamental tanto para o bem-estar das pessoas quanto para o progresso humano em uma poca em que as prprias condies de vida mudavam, devido influncia de tantas novas aplicaes da cincia.

    Essa certeza tambm era compartilhada pelos educadores brasileiros que lanaram seu manifesto em defesa do ensino pblico ao final da dcada de 1950. Havia f nos benefcios da cincia tanto para efeitos militares quanto para o de-senvolvimento econmico, e as aspiraes dos reformadores eram as de alterar a prtica dos professores mediante o fornecimento de materiais de alta qualidade que exprimissem a urgncia da tarefa que os docentes tinham em mos.

    As primeiras duas leituras desta seo dedicam-se ao efeito galvanizador do Sputnik nas reformas curriculares das dcadas de 1950 e 1960. So trechos de documentos internos da Fundao Nacional de Cincias, uma das principais parceiras do governo federal dos Estados Unidos em seus esforos de tornar

    1 Resoluo IV.1.2.321 da UNESCO, de 1954, sobre o Ensino de Cincias.

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    mais competitivo o sistema educacional americano. Atravs desses documentos, percebe-se a importncia atribuda ao ensino de cincias como parte integrante de uma poltica cientfica nacional, e como os materiais instrucionais, principalmente os livros-texto, se tornaram a estratgia central da reconstruo do sistema de ensino em todos os seus nveis.

    A leitura seguinte um trecho do manifesto dos educadores brasileiros, elaborado em julho de 1959, como uma contribuio s discusses em torno do projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional que, em tramitao no Congresso poca, se tornaria a Lei de nmero 4.024 em dezembro de 1961. Conhecidos como os Educadores Democratas em Defesa do Ensino Pblico, que incluam muitos dos signatrios do Manifesto dos Pioneiros difundido mais de 20 anos antes, os integrantes desse grupo defendiam o papel cada vez maior do Estado na educao, mediante a escola pblica e laica e, principalmente, a modernizao da instituio escolar, pari passu com a prpria modernizao do pas.

    Para os autores, o futuro previsto na dcada de 1930 j havia chegado, mas a educao escolar tinha ficado margem. As mazelas enumeradas repetiam a mesma lista do Manifesto de 1932:

    [...] m organizao do ensino; organizao arcaica, antiquada e deficiente; ensi-no primrio ministrado em dois, trs e quatro turnos, reduzido a pouco mais do que nada; escolas tcnicas em pequeno nmero e nvel secundrio desqualificado; problemas graves na rede fsica das escolas; professorado de nvel primrio e mdio, geralmente mal preparado cultural e pedagogicamente, na grande maioria leigo e com salrios no condizentes; proliferao desordenada e eleitoreira de escolas superiores e particulares (faculdades de filosofia); mais de 50% da po-pulao geral analfabeta e menos da metade da populao escolar (7 a 14 anos) matriculada (5.700 milhes para um total de 12 milhes). (Sanfelice, 2007:547)

    Para os Educadores Democratas, a educao pblica tinha que ser reestrutu-rada de modo a contribuir para o progresso cientfico e tcnico que a modernidade demandava. Ou seja, a escola tinha que reformar seus objetivos em conformidade com a revoluo industrial pela qual o pas ento passava e contribuir para o trabalho produtivo e o desenvolvimento econmico.

    O texto deixa claro que para garantir a modernidade imposta pela sociedade industrial, as escolas precisavam ser prticas nas suas preocupaes, mais voltadas para as questes profissionais da cincia aplicada e menos para a cincia pura. De toda forma, a cincia representava o caminho a seguir e, nisso, os Educadores refletiam a confiana da sua poca e a esperana no desenvolvimento econmico e social calcado na aprendizagem tcnica e cientfica. No havia nenhuma ameaa externa, como o Sputnik para os EUA, porm era real o risco do Brasil continuar s margens do processo mundial de desenvolvimento cientfico.

    Os instrumentos mais prticos dessa orientao so descritos na leitura se-guinte. Colhida de uma tese de doutoramento na rea da histria das cincias, esta leitura recapitula o processo pelo qual o Brasil se tornou beneficirio dos investimentos norte-americanos no desenvolvimento de materiais curriculares

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    para as cincias ao longo da dcada de 1960. Foram vrios os atores envolvidos, incluindo a Fundao Nacional de Cincias, j mencionada, a Fundao Ford nos Estados Unidos e no Brasil e o Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cul-tura. Porm, nenhum desses atores teria se tornado to instrumental na reforma do ensino de cincias no Brasil se no fosse pela disposio reinante a favor da revoluo cientfica to bem expressa pelos Educadores Democratas. As portas estavam abertas para essa contribuio estrangeira, no s pelas estreitas relaes entre o Brasil e os Estados Unidos, forjadas nos projetos de desenvolvimento do ps-guerra, mas tambm pelas certezas compartilhadas em relao s condies necessrias para se constituir uma reforma educacional.

    A sntese das relaes entre os atores e o papel empreendedor de Isaas Raw e o Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura IBECC, constitui uma espcie de estudo de caso da transferncia de tecnologia educacional e uma sntese das mltiplas conexes entre as instncias oficiais e no-oficiais que contribuem para o processo migratrio das propostas curriculares. Se foi a nova LDB de 1961 que tornou possvel a adoo de novos materiais curriculares no Brasil, ao permitir a descentralizao da aprovao do currculo e a equivalncia dos diferentes cursos de nvel mdio, foi a troca entre educadores brasileiros e norte-americanos facilitada por instituies filantrpicas intermedirias que efetivamente deu incio ao processo de adoo dos materiais didticos da Fundao Nacional de Cincias.

    A histria da produo editorial dos novos materiais no Brasil merecia seu prprio captulo. No princpio, a partir de 1962, a editora responsvel por essa iniciativa foi a da USP a Edusp , que tinha sido criada com esse propsito e cujo catlogo em 1963 j contava com treze ttulos de cincias em coedio com o IBECC. Com as mudanas na reitoria da USP, em 1965, o projeto de Raw migrou para Braslia e, aps negociaes diretas com o reitor da recm-inaugurada UnB, Darcy Ribeiro, foi publicado, com uma tiragem de 20 mil exemplares, o primeiro volume da verso azul do Estudo Curricular de Cincias Biolgicas (BSCS), chamado Das Molculas ao Homem o que seria a primeira de quatro edies. Com o encerramento do convnio com a UnB, de 1967 a 1972, foram publica-das mais 200 mil cpias do 1 volume da verso azul do BSCS e cerca de 115 mil cpias do 2 volume pela editora comercial EDART (Krasilchik, 1972:79). Entre 1965 e 1970, a associao entre o IBECC e as editoras privadas viabilizou a publicao de cerca de um milho e meio de exemplares.

    Mesmo sem os nmeros totais de todos os exemplares de todos os novos currculos, fica evidente que o impacto dos materiais da Fundao Nacional de Cincias no mercado de livros didticos brasileiro foi enorme e estabeleceu um padro para a estrutura e a dimenso dos empreendimentos didticos posteriores.

    Em relao ao sucesso dos novos currculos propriamente ditos, talvez o impacto no tenha sido to grande. O prprio Raw admitira que essa iniciativa contava com um programa de treinamento de professores muito limitado, restrito em grande parte ao sul do pas, que a participao dos colaboradores era somente

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    de tempo parcial e que havia poucos recursos para o processo de implementao. Segundo Elmore, autor da prxima leitura, nos Estados Unidos, as avaliaes dos projetos de desenvolvimento curricular patrocinados pela Fundao Nacional de Cincias tambm concluram que os efeitos foram amplos, porm superficiais.

    Elmore atesta a grandiosidade do projeto, mas oferece uma viso bastante pessimista em relao ao impacto das reformas:

    Centenas de milhares de professores e diretores foram treinados em cursos de vero. Dezenas de milhares de apostilas foram disseminadas. Milhes de alunos foram expostos a algum produto ou subproduto dos vrios projetos. Em algumas escolas e sistemas, os professores e administradores tomaram medidas srias para transformar o currculo e o ensino de acordo com as novas ideias, mas, na maioria dos casos, os resultados foram parecidos com os que Cuban (1984) encontrou no seu estudo das prticas de ensino progressistas. Uma forma fraca, diluda, hibrida evoluiu em alguns dos lugares em que o novo currculo foi aplicado por cima de prticas antigas, enquanto que, na maioria das salas de aula de escolas de ensino mdio, o currculo no exerceu impacto algum sobre o ensino-aprendizagem. Em-bora tais esforos tenham resultado em materiais de valor que ainda servem para muitos professores, e tenham mudado o conceito das pessoas em relao s pos-sibilidades do currculo de cincias de ensino mdio, o efeito tangvel na questo central da aprendizagem tem sido insignificante. (Elmore, 1996:23)

    A ltima leitura desta seo avalia uma explicao do aparente fracasso das reformas curriculares das dcadas de 1950 e 1960. Em sua essncia, os esforos de reforma curricular em larga escala seguiram um modelo que os autores Calhoun e Joyce chamam de pesquisa e desenvolvimento P&D. Mediante a contratao de especialistas, concentrados, maiormente, nas universidades e centros de pes-quisa, os idealizadores das reformas curriculares entendiam que o essencial era a produo de materiais didticos de alta qualidade, e no o processo de adoo e uso desses pelos professores. A concluso de muitos autores que esse modelo deve ter sido o responsvel pelo fracasso, por violar uma[s] das condies da vida profissional na educao, o envolvimento do professor no processo de elaborao e a produo de seus prprios materiais. No entanto, Calhoun e Joyce no esto inteiramente convencidos de que seja impossvel implementar reformas a partir de fora da escola e deixam no ar uma questo que se repetiria com frequncia nas outras sees do livro.

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    Leitura 1Do Sputnik Era de Ouro, 1957-1968

    Fundao Nacional de Cincias (1994)2

    O Sputnik foi um acontecimento que serviu para, uma vez mais, fazer a pala-vra competio assumir grande importncia tanto no discurso das autoridades governamentais quanto do povo norte-americano. O Sputnik foi uma ameaa ao interesse nacional dos Estados Unidos, em um grau ainda maior que havia sido a quebra, em 1949, pela Unio Sovitica, do monoplio atmico norte-americano. Ele, com certeza, conseguiu abalar o prprio sistema de defesa dos Estados Unidos, visto que a capacidade russa de colocar um satlite em rbita significava que os soviticos agora tambm podiam construir foguetes com potncia suficiente para transportar ogivas de bombas H na ponta de msseis balsticos intercontinentais.

    Entretanto, algo talvez ainda mais importante foi que o Sputnik forou os Estados Unidos a fazer uma autoavaliao que questionou o seu sistema educa-cional, o seu poderio cientfico, tcnico e industrial, e mesmo a sua fibra como nao. Afinal, o que deu errado?, perguntavam-se tanto as autoridades quanto os cidados nas ruas. Na viso dos norte-americanos, a tradio que seu pas tinha de ser o nmero um estava, ento, enfrentando o seu mais srio desafio, particularmente nas reas de cincia e tecnologia e de educao em cincias.

    Com os elos que possua com as universidades dedicadas pesquisa em todo o pas, a Fundao Nacional de Cincias tornou-se, ento, um agente crucial nos eventos que se desenrolaram durante esses tempos difceis. Uma indicao disso foi o grande aumento das verbas por ela recebidas, tanto para financiar programas j em andamento como para iniciar novos. No ano fiscal de 1958, o ano anterior ao Sputnik, as verbas destinadas Fundao encontravam-se em um patamar estvel de 40 milhes de dlares. J no ano fiscal de 1959, elas mais do que triplicaram, chegando a 134 milhes de dlares e, em 1968, o seu oramento atingiu aproximadamente 500 milhes de dlares. Entretanto, no possvel descontextualizar os eventos destacados que ocorreram nessa fase da histria da Fundao, devendo-se, antes, situ-los no contexto mais abrangente dos aconte-cimentos polticos ento observados nos Estados Unidos.

    O Congresso norte-americano reagiu ao Sputnik aprovando leis importantes e promovendo uma reorganizao interna de suas prprias comisses. Toda essa

    2 Extrado de: The National Science Foundation. A Brief History. 1994. (Captulo III, From Sputnik through the golden age, 1957-1968). Disponvel em http://www.nsf.gov/pubs/stis1994/nsf8816/nsf8816.txt Acesso: 25/11/09.

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    ao coletiva prenunciava que os EUA fariam frente competio sovitica. A Lei Nacional de Aeronutica e Espao (National Aeronautics and Space Act), mais do que qualquer outra lei ps-Sputnik, exerceu um grande impacto sobre o crescente financiamento federal nas reas de pesquisa e desenvolvimento cientficos. Assinada pelo presidente em julho de 19583, essa lei criou a Administrao Nacional de Aeronutica e Espao (National Aeronautics and Space Administration NASA), dando-lhe, ao mesmo tempo, a responsabilidade de promover o avano do pro-grama espacial norte-americano. A NASA tornou-se uma das principais empresas contratantes dos Estados Unidos e provocou um tremendo aumento do apoio, por parte de instituies externas, dado s pesquisas do governo federal. A NASA no somente simbolizava a resposta norte-americana ao desafio sovitico, como tam-bm servia como uma prpria dramatizao do apoio que o governo dos Estados Unidos estava dando cincia e tecnologia.

    No Congresso norte-americano, os deputados trataram de se reorganizar em comisses permanentes com o propsito de lidar com o tema espacial, bem como com questes de cincias e tecnologia em geral. Essa reorganizao fez surgir no Congresso um foco sobre questes cientficas e tecnolgicas que antes simples-mente inexistia. Pela primeira vez, tambm o poder legislativo passava a se valer de equipes de profissionais especificamente treinados em cincias e tecnologia. Em meados de 1958, o Congresso criava a Comisso de Cincias e Astronutica, ao passo que o Senado implementava a Comisso de Cincias Aeronuticas e Espaciais. Se, por um lado, a comisso senatorial se limitava a tratar de questes espaciais e da NASA, por outro, a comisso do Congresso exercia uma jurisdio que abrangia todo o programa espacial e as polticas cientficas gerais dos Estados Unidos, o que tambm inclua a superviso da Fundao Nacional de Cincias.

    O Sputnik levantou questes sobre a capacidade de competio do sistema educacional norte-americano, ao que o Congresso dos Estados Unidos respondeu com a Lei de Educao e Defesa Nacional (National Defense Education Act) de 1958, que enfatizava o ensino de cincias e que se tornou uma parte significativa da poltica cientfica do pas. Essa lei promoveu a criao de programas de bolsas de estudo para alunos, de apoio ao ensino de cincias, matemtica e lnguas estran-geiras em escolas de nvel elementar e mdio, e de bolsas de estudo concedidas a estudantes de ps-graduao. Apesar dessa lei ter tido como foco principal os alunos, e no as instituies, e de ter sido administrada fora do mbito do United States Office of Education4, ela exerceu um considervel impacto sobre o apoio federal dado ao ensino de cincias. Tanto as bolsas de estudo quanto os benefcios institucionais por ela concedidos obedeciam a padres de distribuio geogrfica,

    3 O ento presidente norte-americano era o republicano Dwight D. Eisenhower. (N.T.)4 rgo federal norte-americano que, em 1980, transformou-se no Departamento de Educao dos Estados Unidos, encarregado de fornecer s agncias estaduais e distritais responsveis diretas pelo provimento da educao nos Estados Unidos assistncia e verbas para a melhoria da educao e o combate desigualdade. (N.T.)

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    ao invs de se guiarem pelo tpico formato elitista dos programas da Fundao Nacional de Cincias. E, o que foi ainda mais importante, esse ato abriu caminho para futuras leis que redefiniriam muitas das relaes entre o governo federal e a comunidade educacional dos Estados Unidos.

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    Leitura 2O programa de aperfeioamento do contedo do ensino5

    Fundao Nacional de Cincias (1961)6

    O objetivo de longo prazo do Programa de Aperfeioamento do Contedo do Ensino contribuir para uma maior modernizao dos materiais utilizados no ensino de matemtica, cincias e engenharia nas escolas de nvel elementar, mdio e superior.

    J possvel fazer vrias generalizaes importantes a partir da experincia que se tem tido com esse programa:

    Primeiro, uma vez que a educao deve ser um processo contnuo para o aluno, necessrio dar uma ateno equilibrada e coordenada sequncia de programas de cincias em todos os nveis educacionais. Uma melhor preparao dos alunos no ensino elementar possibilita que as escolas do ensino mdio ofeream programas mais abrangentes e completos, o que, por sua vez, facilita a concepo de cursos mais estimulantes e complexos nas instituies de nvel superior. Dessa forma, as universidades sero ento capazes de formar professores com condies de desenvolver um trabalho de maior qualidade nas escolas.

    Em segundo lugar, embora se reconhea que um bom ensino se caracterize pela inovao pessoal e que cabe s instituies e aos professores individuais a responsabilidade final por decidir o que ser oferecido aos estudantes, tambm preciso reconhecer que todos os professores de todos os nveis tero melhores condies de desenvolver um bom trabalho se eles tiverem acesso maior qualidade possvel, tanto em termos de modelos de curso, quanto de instrumentos de ensino e aprendizagem. Quanto melhor for esse material, maior ser a probabilidade de se proporcionar uma boa educao a todos os alunos, independentemente da ine-vitvel variao de conhecimento e de habilidades existente entre os professores.

    Em terceiro lugar, para que os modelos de curso e os materiais pedaggicos atinjam a maior qualidade possvel, preciso contar com os melhores talentos de que um pas pode dispor, e tambm necessrio que haja uma colaborao entre os maiores estudiosos das reas de ensino e de pesquisa.

    5 No original, Course Content Improvement Program, nome de um dos diversos programas educacionais implementados pela Fundao Nacional de Cincias dos Estados Unidos. (N. T.)6 Extrado de: National Science Foundation, 11th Annual Report, 1961: 104-106. Program Activities of the National Science Foundation. (Disponvel em http://www.nsf.gov/pubs/1961/annualreports/start.htm Acesso: 25/09/09).

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    Em quarto, a pesquisa e o desenvolvimento de programas educacionais, tanto no nvel fundamental quanto no superior, requer uma quantidade substancial de investimentos: um nico ciclo envolvendo a implantao de um curso de maior qualidade ou de uma srie deles, em uma nica disciplina e para um nvel espec-fico de ensino, requer o esforo de vrias centenas de pessoas ao longo de quatro ou cinco anos e a um custo de vrios milhes de dlares. Entretanto, quando se compara isto com o valor que esse investimento representa potencialmente para a nao, o custo , na verdade, pequeno.

    E, por ltimo, essa uma tarefa que nunca tem fim. preciso um esforo incessante para fazer com que os frutos do crescimento explosivo do conhecimento sejam incorporados experincia educacional dos nossos jovens.

    Estudos Sobre o Aperfeioamento de Contedo do Ensino de Cincias e Engenharia

    Apresentamos a seguir uma reviso dos maiores destaques que se observaram nos projetos referentes s cincias e engenharia, acompanhada de um relatrio mais completo sobre matemtica, como um exemplo de um amplo esforo profis-sional que se empregou para se conseguir uma maior qualidade e modernizao dos materiais pedaggicos.

    Ensino Fundamental7

    Sob os auspcios da Associao Americana para o Progresso da Cincia (American Association for the Advancement of Science), cerca de 200 cientistas, professores e administradores escolares participaram de um estudo sobre a viabilidade do ensino de cincias entre o jardim da infncia e a nona srie do ensino fundamental. Esse grupo de estudos concluiu que as cincias devem ser includas na grade curricular de todas essas sries, e recomendou enfaticamente a necessidade de empreender um esforo consistente no desenvolvimento dos materiais necessrios, investigar as bases psicolgicas da aprendizagem de cincias e fornecer um melhor preparo cientfico para os professores do ensino elementar, tanto na sua formao preparatria quanto durante o seu trabalho nas escolas. Espera-se que um programa de maior envergadura seja iniciado nessa rea du-rante o prximo ano. Um trabalho altamente interessante j est em andamento por meio de projetos-piloto realizados por cientistas e professores na Universidade da Califrnia em Berkeley e na Universidade de Illinois.

    7 No original ingls, elementary and junior high schools, o que corresponde aproximadamente aos nove primeiros anos de escolarizao formal, equivalente, portanto, ao ensino fundamental brasileiro. (N.T.)

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    Ensino Mdio

    Projetos de vulto relacionados ao ensino mdio j esto obtendo progressos importantes. No outono de 1960, o Comit de Ensino das Cincias Fsicas (Physi-cal Science Study Committee) disponibilizou, atravs de distribuidoras comerciais, um livro-texto, um manual e materiais de laboratrio, um guia do professor, monografias e testes de um curso de fsica, tendo esse material sido oferecido a 50.000 alunos de todo o pas no ano escolar de 1960-61. Entre os trabalhos que esto sendo atualmente desenvolvidos, incluem-se filmes adicionais; textos suplementares, experimentos e filmes prprios para uma verso universitria do curso; a preparao de filmes mais longos, concebidos para serem utilizados em situaes onde no h disponibilidade de professores muito qualificados; e um armazenamento contnuo de feedback com o objetivo de orientar futuras revises do projeto. Em outros pases na Europa Ocidental, Israel, Nova Zelndia e Amrica do Sul tm sido realizados seminrios de professores e estudos sobre a adaptao desse mtodo a outros contextos.

    Em qumica, verses preliminares dos cursos de ensino mdio desenvolvidas pelo Projeto Metodolgico Ligao Qumica (Chemical Bond Approach Project) e pelo Estudo dos Materiais para o Ensino de Qumica (Chemical Education Material Study) foram experimentadas em vrios milhares de estudantes, tendo tambm j se iniciado um trabalho sobre verses substancialmente revistas e que passaro por exaustivas experincias ao longo do prximo ano. Edies definitivas dos testes, dos manuais de laboratrios, filmes e outros materiais esto com uma distribuio prevista para o ano escolar de 1963-64.

    Por sua vez, o Estudo Curricular de Cincias Biolgicas (Biological Sciences Curriculum Study BSCS) desenvolveu e testou em 13.000 alunos, trs diferentes mtodos de ensino de biologia nas escolas secundrias, juntamente com projetos sequenciais de laboratrio, que proporcionam vrias semanas de estudos aprofun-dados sobre tpicos especficos, projetos de pesquisa para estudantes superdotados e outros recursos. Essa experincia possibilitou ao BSCS preparar, durante o vero de 1961, verses posteriores substancialmente aperfeioadas para serem utilizadas experimentalmente em mais de 360 escolas no ano escolar seguinte. Todas essas experincias sero ento consideradas em uma reviso final, e os materiais estaro disponveis para todas as escolas interessadas no outono de 1963.

    A preparao de um livro de consulta sobre cincias da terra para professores do ensino elementar e mdio foi levada a cabo pelo Projeto de Desenvolvimento de Recursos Didticos (Teaching Resources Development Project) do Instituto Ame-ricano de Geologia (American Geological Institute), devendo esse documento ser publicado no incio de 1962. Essa atividade tambm j resultou na produo de filmes e monografias sobre meteorologia, patrocinados pela Sociedade Americana de Meteorologia (American Meteorological Society). Tambm j comearam a fazer discusses sobre projetos de desenvolvimento de cursos completos de cincias da terra e sobre a preparao de um livro de consulta de antropologia.

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    Leitura 3Manifesto dos educadores democratas em defesa

    do Ensino Pblico (1959) Mais uma vez convocados

    Manifesto ao Povo e ao Governo8

    [...]

    Educao para o trabalho e para o desenvolvimento econmico

    No ignoramos que a Nao uma realidade moral; mas, se a educao no pode, por isso mesmo, desconhecer nenhum dos aspectos morais, espirituais e religiosos dessa realidade, rica de tradies e lembranas histricas, ela deve igualmente fazer apelo a todas as foras criadoras para p-las a servio dos inte-resses coletivos do povo e da cultura nacional. A educao pblica tem de ser, pois, reestruturada para contribuir tambm, como lhe compete, para o progresso cientfico e tcnico, para o trabalho produtivo e o desenvolvimento econmico. reivindicao universal da melhoria das condies de vida, com todas as suas implicaes econmicas, sociais e polticas, no pode permanecer insensvel nem indiferente a educao de todos os graus. Se nesse ou naquele setor, como o en-sino de grau mdio e, especialmente, o tcnico, a precria situao em que ainda se encontra a educao est ligada ao estgio de desenvolvimento econmico e industrial, ou, por outras palavras, se deste dependem os seus progressos, le-gtimo indagar em que sentido e medida a educao, em geral, e, em particular, a preparao cientfica e tcnica, pode ou deve concorrer para a emancipao econmica do Pas. Os povos vm demonstrando que o seu poder e sua riqueza dependem cada vez mais de sua preparao para alcan-los. No h um que desconhea e no proclame a importncia e a eficcia do papel da educao, restaurada em bases novas, na reviso de valores e de mentalidade, na criao de novos estilos de vida, como na participao do prprio progresso material. Se insistimos nesse ponto e lhe damos maior nfase, no somente pelas concluses

    8 Extrado de documento elaborado quando da tramitao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n 4.024) no Congresso Nacional, em julho de 1959. Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos. Braslia, v.75, No. 179/180/181, 1994: 273-300. Reproduzido com permisso do INEP. (Disponvel em: www.rbep.inep.gov.br.)

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    a que nos leva a anlise da civilizao atual e de suas condies especiais, como tambm por ser esse, exatamente, em nosso sistema de ensino, um dos aspectos mais descurados. A educao de todos os nveis deve, pois, como j se indicou em congressos internacionais, tornar a mocidade consciente de que o trabalho fonte de todas as conquistas materiais e culturais de toda a sociedade humana; incutir-lhe o respeito e a estima para com o trabalho e o trabalhador e ensin-la a utilizar de maneira ativa, para o bem-estar do povo, as realizaes da cincia e da tcnica, que, entre ns, comearam a ser socialmente consideradas como de importncia capital. A revoluo industrial, de base cientfica e tecnolgica, que se expande por toda parte, em graus variveis de intensidade; as reivindicaes econmicas ou a ascenso progressiva das massas e a luta para melhorar suas condies de vida (pois a riqueza est evidentemente mal distribuda e, como tantas vezes j se lembrou, no devemos pensar que podemos impunemente continuar a enriquecer enquanto o resto da populao empobrece) e, finalmente, a expanso do nacionalismo pelo mundo inteiro so fatos sumamente importantes a que no nos arriscamos a fechar os olhos, e cujas repercusses, no plano educacional, se vo tornando cada vez mais largas e profundas. O nosso aparelhamento educa-cional ter tambm de submeter-se a essas influncias para ajustar-se s novas condies, e s o Estado, pela amplitude de seus recursos e pela largueza de seu mbito de ao, poder fazer frente a tais problemas e dar-lhe solues adequa-das, instituindo, mantendo e ampliando cada vez mais o sistema de ensino pblico e estimulando, por todos os meios, as iniciativas de entidades e particulares. A inteligncia racional e o esprito e mtodos cientficos, que no obtiveram os seus primeiros e grandes triunfos seno no sculo XIX, denunciam a sua difuso, por igual, nas sociedades capitalistas e socialistas, pela aplicao crescente das novas tcnicas em todos os domnios, pelas crises e rupturas de organizao econmica e social que provocaram, modificando profundamente os modos de vida e os estilos de pensamento. Alm de intelectuais e estudiosos, cada vez mais competentes, espritos criadores, nos domnios da filosofia, das cincias, das letras e das artes, temos que preparar (observou com razo um de ns) a grande massa de jovens para as tarefas comuns da vida, tornadas tcnicas, seno difceis, pelo tipo de civilizao que se desenvolveu, em consequncia de nosso progresso em conhe-cimento, e para os quadros vastos, complexos e diversificados das profisses e prticas, em que se expandiu o trabalho especializado. Mudaram, pois, os alunos hoje todos e no apenas alguns; mudaram os mestres hoje numerosos e nem todos especialmente chamados pela paixo do saber; e mudaram os objetivos da escola, hoje prticos, variados e mais profissionais e de cincia aplicada do que de cincia pura e desinteressada. o que mais ou menos j propugnava Rui Barbosa no alvorecer deste sculo, quando mostrava a necessidade de limitar as superabundncias da teoria, de robustecer cientfica e profissionalmente a um tempo o ensino, saturando-o de prtica, de trabalhos investigativos, de hbitos experimentais.

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    Para a transformao do homem e de seu universo

    E aqui ferimos um ponto que da maior importncia, sobre o qual temos nos detido muitas vezes e escreveu Luis Reissig (1958) uma pgina excelente em que analisa a tcnica como fator revolucionrio da educao. O fato de, na apreciao desses problemas, coincidirem com frequncia os pontos de vista de pensadores e educadores de pases diferentes, um dos sinais mais caractersticos da semelhana que apresentam, na civilizao industrial, as situaes concretas que ela vem criando por toda parte e que impelem s mesmas reflexes. Antes das descobertas cientficas e suas extraordinrias aplicaes tcnicas, que abriram o campo s trs grandes revolues industriais, o principal papel do ensino consistia em dotar o homem de conhecimentos e instrumentos para a apropriao e uso de seu ambiente e, em seguida, para a transformao e evoluo deste; mas, quando as condies de seu meio pareciam manter um recalcitrante estado de fixidez, como no caso da economia agropecuria, a tendncia da escola era procurar que o indivduo se adaptasse e se submetesse ao seu ambiente, como, por exemplo, a adaptao vida rural, quando este tipo de vida aparecia em forma predominante, renunciando assim a estimular uma caracterstica singular e valiosa do homem: a iniciativa para as mudanas. Para o homem da era tecnolgica, esse ensino adaptativo chega a ser pernicioso, pois o universo tem de ser, para ele, cada vez mais, um campo de experincia e de renovao. A era tecnolgica marca o fim do processo de ensino para a adaptao e o comeo do processo de ensino para a evoluo do homem e de seu universo, partindo de condies tcnicas criadas exclusivamente por ele. J no deve preocupar tanto o homem (as palavras ainda so de Reissig) o tipo do ambiente em que esteja vivendo, para ajustar a este o seu sistema de ensino, embora deva relacionar ambos, pois est em caminho de mudar radicalmente toda a classe de condies que sejam dadas. Antes havia de aceit-las e aproveit-las o melhor possvel [...]; mas agora no h nada impossvel, em princpio, para o homem, no que toca transformao das condies de seu ambiente, favorveis ou adversas (Reissig, 1958). Da a necessidade de uma preparao cientfica e tcnica que habilitar as geraes novas a se servirem, com eficcia e em escala cada vez maiores, de todos os instrumentos e recursos de que as armou a civilizao atual.

    [...]

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    Leitura 4Cincia, educao e sociedade: o caso do Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e cultura (IBECC) e da Fundao Brasileira

    de Ensino de Cincias (FUNBEC)

    Antnio Carlos Souza de Abrantes (2008)9

    [...]

    A produo de material didtico de origem norte-americana

    A experincia do IBECC/SP, seja na produo de material didtico ou no treinamento de professores, dentro de uma perspectiva didtica de renovao do ensino de cincias e nfase na experimentao, converge no mesmo sentido de outros movimentos observados no plano internacional. No incio dos anos 1960, no setor de ensino de cincias, a ao da UNESCO, que antes era pautada por objetivos humanitrios e civilizatrios, passa a estabelecer uma relao direta com a questo do desenvolvimento econmico dos pases. Nessa nova perspectiva, a UNESCO procurou difundir mtodos modernos no ensino de cincias puras e aplicadas, estimulando a fabricao e a utilizao de material cientfico de baixo custo para o ensino elementar e mdio, bem como a qualificao de professores.

    Dessa forma, as propostas do IBECC esto em conformidade com as diretrizes da UNESCO para a promoo de atividades cientficas e culturais, especificamente com relao Resoluo IV.1.2.311 da UNESCO (que trata da disseminao da cincia atravs de exposies de cincias itinerantes e promovendo atividades fora da escola) e Resoluo IV.1.2.321 (que trata do estmulo ao aperfeioamento no ensino de cincias, particularmente na educao fundamental e nas escolas primrias e secundrias) de 1955. Albert Baez, diretor da Diviso de Ensino de Cincias da UNESCO (1961 a 1967) destaca que o esprito crtico cientfico deve ser estimulado nos jovens alunos (Baez, 1976:53), sendo este o mesmo princpio que se encontra presente nos ideais do IBECC/SP.

    9 Extrado de: ABRANTES, Antnio Carlos Souza. Cincia, Educao e Sociedade: O Caso do Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura (IBECC) e da Fundao Brasileira de Ensino de Cincias (FUNBEC). Tese (Doutorado em Histria das Cincias e da Sade) Fundao Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2008: 179-200. Reproduzido com permisso do autor.

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    Segundo Albert Baez, os eventos da Segunda Guerra despertaram em mui-tos cientistas dos pases centrais a responsabilidade de uma ao mais ativa no ensino de cincias e no papel que a cincia teria no bem-estar da humanidade (Baez, 1976:31; 2006:176). Os anos de guerra fria e a necessidade de se vencer a corrida espacial estimularam investimentos macios em educao em cincias em fins dos anos 1950, por parte do governo norte-americano (Krasilchik, 2000).

    Nos Estados Unidos e Inglaterra, intensificou-se a necessidade de investimen-tos no ensino de cincias de nvel mdio, em face da aparente superioridade dos soviticos nas cincias (Barra & Lorenz, 1986:1972). Os projetos de reforma de ensino mdio norte-americano (High School), iniciados nos Estados Unidos em fins dos anos 1950, entre os quais o Physical Sciences Study Committee (PSSC), o Biological Sciences Curriculum Study (BSCS), o Chemical Bond Approach (CBA), o School Mathematics Study Group (SMSG), financiados pela National Science Foundation (NSF), exerceram um efeito cataltico sobre diversos outros pases, entre os quais o Brasil.10

    Nos Estados Unidos, um grande incentivador dos projetos da NSF junto ao governo John Kennedy foi Jerrold Zacharias, professor do Departamento de Fsica do Massachussetts Institute of Technology (MIT), que participou das pesquisas para o desenvolvimento do relgio atmico de csio e que foi um dos diretores do projeto Manhattan.11 O PSCC teve origem nos Estados Unidos, em 1956, com uma doao da NSF, que financiou a maior parte do projeto, e que tambm recebeu aporte de recursos da Fundao Ford e da Fundao Alfred Sloan. O curso de fsica do PSSC o resultado das pesquisas de centenas de colaboradores, entre os quais: Jerrold Zacharias, Philip Morrison e Francis Friedman do MIT. Nos Estados Unidos, o projeto iniciado no ano letivo de 1957-1958 envolveu apenas oito escolas e 300 estudantes, elevando-se, no ano letivo de 1959-1960, para quase 600 escolas e 25 mil alunos, o que permitiu a reviso do curso luz dessa experincia (Killian Jr., 1964:422). A proposta original de que os prprios alu-nos montassem os kits de experimentao foi abandonada e foi adotado o uso de kits de preo acessvel (Haber-Schaim, 2006:6). A primeira edio comercial do PSSC Physics surgiria em 1960. A adeso ao projeto cresceu exponencialmente, atingindo, no ano letivo de 1963-1964, cerca de 4 mil escolas e 160 mil alunos. Cerca de 20% dos alunos de escolas de nvel secundrio norte-americanas cur-sando fsica utilizavam-se do material PSSC (Gevertz, 1962:30).

    10 Na Inglaterra, a Fundao Nuffield tambm financiou projetos de ensino de qumica, fsica e biologia (Barra & Lorenz, 1986:1973). O projeto, iniciado em 1962, voltado a alunos de 14 a 16 anos de idade, visava criar instrumentos que ajudassem os professores a apresentar a cincia de forma viva, agradvel e compreensvel, encorajando uma atitude de curiosidade e investigao. Em 1965, a mesma Fundao Nuffield formou outro grupo para estruturar o curso de biologia em nvel avanado para alunos de 16 a 18 anos de idade. Embora os sistemas escolares ingls e norte americano sejam diferentes, fundamentalmente os objetivos dos dois projetos so os mesmos (Krasilchik, 1972:5).11 Ver: http://www.answers.com/topic/jerrold-zacharias.

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    [...]No perodo de 1952 a 1960, a NSF investiu cerca de US$ 13,5 milhes nos

    projetos, alcanando a cifra de US$ 16 milhes no ano de 1966. Cerca de 200 mil alunos nos Estados Unidos utilizaram o material do PSSC (fsica), que comeou a ser distribudo em 1960; 580 mil alunos, o material do BSCS (biologia); que comeou a ser distribudo em 1963; 210 mil alunos, o CHEMS (qumica), que comeou a ser distribudo em 1963; e cerca de um milho e 350 mil alunos, o projeto SMSG (matemtica), que teve sua distribuio iniciada em 1960 (Baez, 1976). Entre as principais caractersticas de tais projetos, destacam-se:

    (i) cientistas de renome, inclusive detentores de prmios Nobel, estiveram envolvidos nos projetos; (ii) os projetos eram orientados pelo contedo, ou seja, os cientistas definiam os temas a serem cobertos pelos projetos; (iii) os projetos eram centrados em disciplinas, mantendo as divises tradi-cionais entre fsica, qumica, biologia, etc.;(iv) havia uma tentativa de apresentar os temas como abertos investigao e ao questionamento, e no como um corpo definido de conhecimento;(v) havia uma grande nfase em prticas laboratoriais e experimentais;(vi) envolviam o desenvolvimento de novos materiais de ensino e de laboratrio;(vii) incluam treinamento de professores; (viii) eram voltados para o aluno do ensino de segundo grau.

    No Brasil, o padro rgido da LDB na poca em vigor estabelecia um programa de ensino uniforme para todas as escolas do Pas (Raw, 2005b: 22) e tornava a adoo de tais projetos da NSF no Brasil de difcil aplicao. Entretanto, com a nova LDB, Lei 4024, de 21 de dezembro de 1961, ampliou-se bastante a partici-pao das cincias (fsica, qumica e biologia) no currculo escolar, que passaram a figurar desde o 1 ano do curso ginasial. Com a lei recm-aprovada, garantiu-se a equivalncia de todos os cursos de nvel mdio (Cunha, L. A., 2003:171) e abriram-se novas oportunidades para a descentralizao na elaborao de curr-culos, at ento inteiramente de competncia do MEC (Bertero, 1979:63; Nunes, C., 2000:56). Com a nova LDB, revogam-se a obrigatoriedade de adoo dos programas oficiais, possibilitando mais liberdade s escolas na escolha dos conte-dos a serem desenvolvidos e assim tornando possvel ao IBECC/SP promover a adaptao dos projetos da NSF com o suporte da Fundao Ford (Nardi, 2005:5; Barra & Lorenz, 1986:1973).

    Em 1956, Isaas Raw entrou em contato com os primeiros projetos da NSF em Indiana, nos Estados Unidos, ao visitar Francis Freedman, do Educational Service Inc. uma entidade sem fins lucrativos que emergiu do projeto PSSC (Raw 2005b:23; 1965: 19). Freedman havia sido destacado para vir a So Paulo em misso da Fundao Ford, porm, algum tempo antes adoeceu e veio a falecer (Raw, 1970:51). Em julho de 1959, uma comisso liderada por Alfred Wolf em visita ao Brasil mostrou-se impressionada com o ritmo de desenvolvimento industrial

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    do Brasil, e a existncia de problemas na rea educacional e de recursos huma-nos necessrios para a modernizao e reorganizao das instituies polticas e administrativas, manifestando o interesse de montar um programa de assistncia tcnica Amrica Latina (Herz, 1989:104). Os contatos de Isaas Raw com a Fundao Rockefeller nos Estados Unidos levaram-no a conhecer Alfred Wolf, em Nova York, ao qual informou as atividades do IBECC/SP (Raw, 1970:33). A Fundao Ford decide, ento, enviar os cientistas americanos Arthur Rose, da American Chemical Society e da National Science Foundation (Raw, 1965:9) e Paul Singe da Indiana University para conhecer projetos na rea de educao no Brasil. Aps visitarem a XII Conferncia da SBPC em Piracicaba, em julho de 1960, eles conheceram as atividades do IBECC/SP. Ao visitarem escolas de di-versas cidades brasileiras, os representantes da Fundao Ford puderam observar a penetrao dos materiais produzidos pelo IBECC/SP. A estratgia da Fundao Ford era a de estabelecer contatos com instituies, ao invs de trabalhar com rgos governamentais (Miceli, 1995:349). Em 1961, viria o apoio de US$125 mil para o IBECC/SP (Raw, 1965), para projetos de distribuio dos kits, por meio de rgo estatais, e a venda ao pblico, treinamento de professores de ci-ncias e a distribuio de material didtico elaborado nos Estados Unidos (Barra & Lorenz, 1986:1973).

    O projeto PSSC constava de um livro texto ricamente ilustrado, uma srie pro-gressiva de livros intitulada Science Studies Series, manual de experincias, manual do professor e material de apoio. Os objetivos do curso incluam: (i) apresentar a fsica, no como um conjunto de fatos, mas como um processo contnuo, pelo qual se tem procurado compreender e explicar a natureza do mundo fsico; (ii) dar nfase s ideias fundamentais da fsica, possibilitando ao estudante acompanhar o nascimento, o amadurecimento dessas ideias e, por vezes, a sua invalidao; (iii) proporcionar ao aluno participar da redescoberta desse conhecimento cientfico; (iv) estimular os alunos especialmente dotados a desenvolver por iniciativa prpria pesquisas interessantes; e (v) apresentar um projeto-guia, elaborado pensando no professor que vai execut-lo (Gevertz, 1962:30). A tarefa de implantao do PSSC envolvia a preparao, adaptao e traduo dos livros-textos, preparao do mate-rial de laboratrio para realizao dos experimentos e treinamento de professores. O projeto PSSC foi lanado em 1962, sob a coordenao de Antnio Teixeira Jnior e Anita Berardinelli. Os textos do PSSC eram traduzidos por equipes de professores universitrios como Pierre Lucie, Rachel Gevertz, Rodolpho Caniato, Antonio Navarro e Anita Berardinelli (Nardi, 2005) e publicados pela Editora Universidade de Braslia. O projeto contou com o apoio da Unio Pan-americana, precursora da Organizao dos Estados Americanos (OEA) e da Fundao Ford (Raw, 1965:20; 1970:53). Sob a coordenao de Antnio Teixeira Jnior, o PSSC foi utilizado no curso de treinamento de professores da USP, ao passo que, no Rio de Janeiro, Pierre Lucie introduziu os materiais nos cursos da Universidade Catlica (Raw, 1965:21). O guia do professor foi traduzido e adaptado pelas equipes do IBECC/SP e do Centro de Treinamento de Professores de Cincias de

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    So Paulo (CECISP) (Barra & Lorenz, 1986:1974). Entre 1964 e 1971, foram publicados no Brasil mais de 400 mil exemplares dos quatro volumes do PSSC (Barra & Lorenz, 1986:1974).

    Na biologia, foi adotado o projeto BSCS, verses verde (ecologia) e azul (bio-qumica), sob a coordenao de Myriam Krasilchik. A origem do BSCS data de 1959, na Universidade do Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos, quando foi realizada uma primeira reunio, sob o patrocnio do American Institute of Bio-logical Societies, para a reforma e a constante renovao do ensino de biologia, com financiamento da NSF (Bertero, 1979). Segundo o geneticista Bentley Glass, presidente da Comisso Diretora do BSCS, uma deficincia do ensino de biologia tradicional era consider-la um corpo de conhecimentos imutveis, sem observar as limitaes e o carter dinmico da cincia, e que, somente palmilhando o ca-minho da pesquisa, pode um estudante tornar-se capaz de discernir a verdadeira diferena entre um experimento seguro, que produz evidncia fidedigna, e um malabarismo tcnico, feito com instrumental complexo que no conduz a nada; entre os fatos e a autoridade; entre a cincia e a magia (Glass, 1964:361). Para Bentley Glass, uma reforma no ensino deveria tomar a cincia como o miolo do currculo moderno, infundindo o mtodo cientfico nas demais matrias, sem, contudo, se exclurem os demais campos do conhecimento: o miolo da ma certamente no a ma inteira. Todavia ele d sentido ao resto da ma nele esto as sementes sem as quais em estado de natureza no haveria mais macieiras e no haveria mais mas (apud Reis, J., 1968:178). Para Oswaldo Frota-Pessoa, o que fez do BSCS um movimento absolutamente nico na histria da educao foi a amplitude de sua frente de combate, sua confiana no mtodo cooperativo de trabalho e sua produo macia