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IS N 85 7106 289 7

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  oleção Pensamento riminológico

ristina Rauter

Crilninologia e subjetividade no rasil

Instituto

arioca de

riminologia

Editora Revan

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~ P e n s a n e n t o

riminológico

Prof. Dr. Nilo Batista

© 2 3

Instituto

arioca de

Criminologia

Rua Aprazível, 85 - Santa Tereza

Rio de Janeiro/RJ

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Projeto gráfico

Luiz Fernando Gerhardt

Revisão

Sylvia Moretzsohn

Diagramação

lido Nascimento

RaUler Cristina.

Criminologia e subjetividade no Brasil Cristi na Rauter. Rio

de Janeiro: Revan 2003

128p.

ISBN 85-7106-289-7

1.

Direito penal.

A ;ninhas filhas

Luísa e Clara

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Sumário

À

guisa de prefácio

........................................................

9

Apresentação

........................ ........................................

O

nascimento

da

criminologia

no

Brasil

1.

Introdução

.................................................................... J5

2.

Os

juristas

e os progressos

da

ciência

.........................19

Era o

caos por toda parte

.............................................

19

c direito 5

Sobre a a ..................................... 27

Sobre

o livre

arbítrio

.................................................... 28

Sobre as penas .............................................................. 28

Sobre a

natureza

do ato de julgar e a origem das leis ....... 29

3. Da anormalidade do criminoso ......................... ................ 30

Uma espécie

à

parte

do gênero humano ......................... 30

Anormais morais ............................... ........................... 34

O brasileiro e a

degeneração moral

............. ................ 37

Curar

o

crinlinoso

.................................................... .... 39

Crime e

loucura

...........................................................

4

Criminologia e 4

Os estados crepusculares da liberdade ................... ....... 44

O destino do louco-criminoso ....................................... .49

Todos somos criminosos ou a

11 .\.. 'J,

... ,,;;

.........

50

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4. Da anonnaHdade social

.................................................

57

Ferri,

a

psiquiatria e

as

causas

sociais

do crime ....

58

o micróbio

o meio

de

1

e l'eforma socia

I

..... 62

;Vluitidões crimiílOsas

..............................................

65

5. O

Penal

de

1940:

75

do preconceito -......................................83

1.

A história

individual:

o

condena

........................ 88

9S

4

do

cárcere

......................... I 98

5.

O

tratam.ento

penitenciário

...........................................

1

02

6.

Conclusão .......................................................................... 107

Bibliografia ....................................................................... 111

Os carreiristas indisiciplina

Um

estudo sobre a psiquiatria e seus

........ ll3

Justiça e psiquiatria ..........................................................

113

o

p s i c l P ~ l t a como limite entre

a

114

A

de

um saber sobre

as

.................... 118

Os

carreiristas da indisciplina .......................................

121

125

É uma honra

para a Pensamcnto

este que

reúne

três trabalhos da Cristina

Raulcr.

Desde

os anos setenta, Cristina desenvolve não apenas um

mas sobretudo uma

militância-

iniciada como psicóloga do e

aprofundada mais tarde como vice-presidente do Conselho Penitenciário

que

saberes

história

do

inflAm

vinhetas

l ctt

código criminal

imperial

não

impunham

irrestritamcntc

a

institucio

nalização dos

loucos

- solução que a

reforma

que

resultaria

no código

penal de

1890

manterá - as coisas vão

mudar

na primeira República.

O

sucesso do positivismo criminológico entre nós tem

uma

dívida com a

abolição

da escravatura,

porque

o

discurso

do

controle

pcnal tem que

mover-se do paradigma escravista

da il ferioridadejuríclica

para o

da

inferioridade biológica;

ao contrário do primeiro,

pura

decisão

ca o segundo de demonstração científica . Nina

achava

que

seu

As roças hUlilonas era

um cstudo dc

naI. Enquanto, na última década do século XIX. o

das

de

era

inventado

na

Europa,

os

vados

e

recolhidos por

co e processos c

crimi

mcdi

eram

obser-

de

em

momento

a alta provir

de

decisão

laudo psiquiátrico converter-se

cm

alvará de soltura,

é o

que

Cristina

nos

rcvela e

nos

drásticos. Sim, bem que neste campo uma tcó-

rica tem o mesmo efeito de uma legal, para o bem ou o

9

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mal. Alguémjá

se esqueceu da

segunda

parte do

§

4

o

das

novas regras

formuladas

pelo

Dr.

Simão

Bacamarte,

que

significou não

o

esva

ziamento da Casa

Verde, mas

também

abriu suas portas para outros

hóspedes compulsórios?

O

segundo

trabalho

se detém

sobre a

e x p r e s s i v ~ m o s t r g e m de

12 laudos de exame para de cessação de periculosidade.

Embora

banidos

da

prática

da

execução penal

pela

reforma

de

1984,

Cristina tem toda a razão em que permanece muito do

rito

que os

criou".

Por

fim, temos a bem-vinda reedição do primoroso c_esgotadíssimo

Os carreiris:as da indisciplina, publicado em 1979 pela Achiamé:

o

implacáve lidesnudam ento das entidades nosográficas c0 1hecidas por

personalidade

psicopática" e "personàÚdade sociopata".

Qualquer

quantos mi

con-

que permanecem

ainda

que

vampirescamente

refugiados nas tumbas,

à

espera dos

enig-

mas

chocantes

-

um maníaco

do parque, por

exemplo

-

cujo sangue

lhes garantirá mais sobrevida.

Cristina

Rauter

é uma:interlocutora especial

para

os juristas sedi

ciosos porque, invertend o o sentido do contubérnio positivista, atribui

à

investigaçã o psiquiátrica ou psicanalítica um sentido libertador.

Nilo Batista

10

Apresentação

Este conjunto de textos se propõe a discutir a criminologia brasileira

enfocando-a sob doisfispectos pe lo menos. Inicialmente, em

O

nasci

mento da criminologia no Brasil", empreendemos

uma

análise da emer

gência do discurso criminológico a partir de novos elementos que foram

sendo incorporados ao discurso jurídico liberal a partir do final do século

XIX. A partir desta análise podemos conel uir que, não obstante sua fragi

  idade teórica, a crimiriologiajá nasce

útil-

ela não apenas esconde uma

realidade carcerária violenta, mas a instrumenta, maximizando seus

tos. No contexto de

dadedo

dos" psiquiátricos, psicológicos, etc.) muitas vezes,

perância do próprio sistema, por seu funcionamento discriminatório e

ilegítimo, introduzem apenas novos entraves burocráticos que têm como

principal efeito concreto o aumento puro e simples da pena. Não é à

individualização da pena ou à implementação de novas tecnologias de tra

tamento

do

delinqüente que prestam serviço a multiplicação das avalia

ções ensejadas

a

artir do advento

da

crimínologia. Não

seda

inexato dizer

que o principal efeito dessas novas tecnologias no contexto brasileiro é o

aumento da velha pen a de prisão.

Mas

não era disso que tratava desde o

início a climinologia,

ao

pedir o fim da igualdade perante a lei, e clamar

por "penas especiais para homens especiais"?

Ou

ao difundir a idéia de

que atrás

de

cada crime se escondia

uma

personalidade perigosa, doente

e geralmente incurável?

Os outros dois textos dizem respeito mais especificamente à

implementação prática do discurso criminológico na

~ l í d d e .

Em "Diagnóstico psicológico do cdmínoso: tecnologIa do

r e c o n c e ~ t o

,

laudos realizados com a finalidade de avaltar a

.

Em

Os carreiristas da indis-

11

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ciplina ,

analisamos o funcionamento do de psicopatia no

ínteriorde

um estabelecimento operando como

modo

de e

l lL' ,ILd.V

de

rebeldes .

Os três textos foram escritos

ças ocorreram no

da

o fato

de

que o

Exame para

riculosidade, o

não

é

mais realizado

' II ,->,,,(10S Não existe mais

denominada duplo

, em que

se

aplicava a

pena

e a

da de

contra-senso

que o mais febril

dos

veria razões para

c

cuja

adoção

atendeu apenas a

motivações

de

política criminal, de conciljação do inconciliável, ao estilo brasileiro.

Como

Uma certo tipo de n'1entalidade crirrunológica fundamenta estas avalià

ções

e laudos. A

transformação

do crime em

doença,

ptinci paI

efeito

do

discurso criminológico,

deixou marcas

indeléveis nos

modos

de proce

der dos técnicos sisten)a , com efeitos palpáveis

sobre

o futuro dos

seus avaliados. No momento atual, porém, a crença nas possibilidades de .

tratamet'lto

deste

doente ou

anormal parece estar

em

franca decadên

cia, impulsionada pelo discurso

da

tolerânciazero . O que se

quer

hoje,

mais enfaticamente, sob a r e s ~ ã o histélÍca de

um

inexorável e incontrolável

aumento da criminalidade, é diagnosticar para encarcerar pura e simples

mente, mais

do que para

tratar ou individualizar a pena.

Haverá

individualização

da pena em

presídios de segurança

máxima? Haverá

ain

da interesse em que detento's estudem na prisão,

ou

que aprendam qual

quer ofício? Há toda uma redefinição da função do encarceramento

em

curso no

sentido (infelizmente) da

ênfase no

aspecto punitivo, com

me

nos pudores

que outrora, em

detrimento

do

sonho de modificar

ou inler

vir sobre a personalidade do delinqüente. Cabe notar que o discurso da

criminologia, desde os seus primórdi.os, não fez outra coisa que cantar

12

aos quatro ventos

esse

irresistível

aumento

da criminalidade, de

conclamar

a todos para a de mais

modem

as e A LC;L.llL V) .Ht

Por

outro

da

população

se constitui cada vez mais a zona cinzenta do

tráfico e do uso

de

como forma predominante de cri mina ização .

dos pobres e ou usuários de outros

sociais

continuam em minoria

ou

quase ausentes no

penal).

Esses novos clientes

da

prisão e também

dos

manicômios judiciários

nida

dessa clientela

gra-

que se

trala,

, ainda

associada a transtornos anti-sociais.

J,-'

Em Os'carreiristas da Íl1disciplina , abordamos a questão da

psicopatia. O

diagnóstico sofreu

transforr:nações,

sendo

prefe: 'ida ho}e a

,categoria

de

Transt01110 Anti- Social , a pi ntir

da

DSM IV, a maiS atuahza

da classificação internacional

de

doenças mentais, A psiquiatria america

na

contemporânea, ou quem sabe poderíamos chamá-lacom mais exati

dão

de psiquiatria globalizada,

ou

até

impelial ,

e, em especial, a corrente

denominada

psiquiatria

biológica , qtfer afastar-se de denominações re

lacionadas a estados internos. Afasta-se da psiquiatria

outrora denomina

da dinâmica , de inspiração psicanalítica, ou de inspiração fenomenológica,

e aproxima-se de correntes comportamentais,

em que

a descrição / u ~ a e

simples, considerada objetiva

e

não

filiada a

qualquer c o r r e n t ~ t e ~ n ~ a

atende

melhor às definições atuais sobre o que é científico em pSl,qUlatna.

o\transtorno anti-social

não

é diferente

da

psicopatia

num

aspecto

b á s i c o ~ ~ de pretender fazer da

oposição

às leis, da rebeldia, da

desobedi-

o sintoma de

uma

doença1A mudança reside muito na desen-

voltura

com

que os novos psiquiatras, apoiados

em

suas

ditas neutras e

descompromissadas,

se desobrigam de buscar

causas

ou

13

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de contextualizar os fenômenos que observam. Estão comprometidos

apenas

com

descrições objetivas de comportamentos que os autorizam

pragmaticamente

a eIlfrentar

esses

transtornos Com o arsenal

medicamentoso da moderna psiquiatria. Para cada síndrome, UJ11 moder

no medicamento - a potente indústria fannacêutica parece ter encontrado

um novo campo, o

da

prisão, ~ à r vender seus produtos. Isso já é verda

de nas americanas; será necessário empreender urna pesquisa

sobre essa questão nas prisões brasileiras.

De

qualquer modo, já estão

lançadas as bases pa ra que, sem qualquer pudor, se diga que as síndromes

anti-sociais

têm

maior incidência nos

bainos

pobres e nas prisões, e para

que se busque resolver pragmaticamente a questão, pela via medicamentosa,

sem necessidade de qualquer reflexão teórica ou política.

A chamada "reforma

psiquiátrica ,

com

suas

excelentes

inten

ções

no

sentido

de

pedir

a reinserção

do

doente mental na

sociedade

e

o

fim dos manicômios,

parece não

chegar

ao

campo

penitenciário.

Ao

o se

acolhendo

novos cli-

entes,

mesmo em

que a psiquiatria imperial

se

em

direção aos normais

mais do que

aos loucos desarrazoados de outrora:

o

diagnóstico

de transtorno anti-social, este híbrido

situado

a

meio

caminho

entre justiça

e psiquiatria, é urna das ferramentas

dessa nova

tendência expansionista,

pois se refere a estranhas formas

de

loucura

lúcida, difíceis de diferenciar da normalidade.

Sobre a criminolog ia, a mais pragmática e utilitária entre as ciências

humanas e,

por outro

h;ldo, talvez a

menos coerente

e

sistemática,

podemos

dizer que

segue

sendo

um

poderoso instrumento de 6ontrole

social,

acolhendo

cm

seu campo

de dispersão as recentes contribui

ções de

uma

psicologia e de uma psiquiatria globalizadas. A

partir

de

uma

análise

de

sua emergência

histórica

no

Brasil e de

seus

usos con

cretos em instituições penais brasileiras,

pretendemos contribuir

para

seu combate e

para

a dinrinuição de seus efeitos mortificadores.

Niterói, ] 1 de março de 2003

14

o nascimento da criminologia no

Brasil

1.

Introdução

Este

trabalho

tem por objetivo

analisar a

constituição históri

da

criminologia no Brasil, bem

cOmO a

história das transforma

ções dos dispositivos

de

poder

que

este saber foi

capaz

de

instrumentar. Tomaremos a déeada de 1930 como

período privile

giado, uma vez que

foi

particularmente fecundo na elaboração

das

idéias que geraram o Código Penal de 1940. Éjustamente o "Novo

Código"

que incorporará

a

noção

de

periculosidade, como resulta-

do décadas

de

discussões nos

meios

brasileiros em

torno da de modos de julgar e

f.

Não é

nosso

tivo, ,'empreender

uma

análise mais aprofundada sobre as

t r ~ n s f o r m ç õ e s pelas quais passava

o

Estado brasileiro na época.

Ativemo-nos exclusivamente

às transformações no

âmbito do dis

curso

jurídico e a

algumas

mudanças nos dispositivos legais relacio-

nados

ao discurso crirrlÍnológico

que se

difundia. '

Ao tomarmos

a

criminologia como

um

"saber", estamos desde

já nos afastando de um

tipo

de

an1ilise

que pretendesse formular uma

,

nova

criminologia,

capaz

de

resolver

os problemas de

uma

anterior,

excessivamente vinculada

ao

Estado

e a seus interesses.

As relações entre saber e poder são, em nossa concepção,

intrínsecas.

Lançando mão

da

noção

de

"poder

disciplinar" ,

pode

mos

compreender os saberes

enquanto partes

de estratégias de

poder. Neste sentido, as humanas (psicologia, psiquiatria,

criminologia

e

outras)

surgem

historicamente como ponto

de

apoio

para

novas

técnicas

de gestão das massas humanas, capazes

de

Michel

Foucault.

igiar

Vozes,

p.

191-9.

15

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controlá-las, fixá-las

e

de produzir indivíduos

vista

da

produção

e dóceis do ponto de vista polític0

2

.

do ponto de

A

de

poder

não

deve ser

com

exclusiva a transformações

ocorridas no

As

' v ' , J U ' L ' 0

se

como uma

rede

que

atravessa o espaço social, não têm

como

fonte única o

(embora não estejam desligadas dele), mas se

em

dis

positivos nas instituições, nos métodos de vigilância e COl1-

tw1eJJa

Por

outro lado, o modo de func ionamento d este disposi tivo .não

se caracteriza apenas pela repressão, pela violência, rrfas

também

i)ela .

produção de

saberes

que instrumentam

táticas de controle, fixação e

adestramento

dos

corpos.

pela

da

não apenas

como

de

os de

presentes na prisão e mesm o fora dela, a rede forma

da

pelos

procedimentos

policiais, pedagógicos e assistenciaís que a

complementam, são todos eles produtores de conhecimentos relati

vos aos indivíduos sobre os quais se exercem.

Da mesma

forma, a constituição da psiquiatria não pode ser se

parada

da

criação do asilo, que inaugura novas formas de gestão da

loucura, abrindo espaço para uma observação cientificamente orien

tada

do

louco,

que

o redefinirá

como

um

doente

5

Cabe ta mbém aqui esclarecer o que entendemos por reconstituicão

da

história de um saber.

Não

se

trata de buscar nos

precursores'

os

primeiros sinais

de

uma verdade que ao longo do tempo

pode

se tor

nar mais evidente. Não se trata também de mar car o

pontoa

partir do

Id ibid. p. 193.

3

Roberto

Machado.

Por uma

genealogia

cIo poder .

Prefácio

n Michel

Foucault, Microfísica do podei; Rio de Janeiro, Graal, 1979, p.VIl-XXIII.

4 Michel Foucault. op. cit. p. 172.

5 lel

História da

lOl/cura.

São Paulo, Perspectiva, 1978.

p

459-503.

16

qual passou-se ao domínio científico, fazendo aparecer o passado

como um

passado

de

erros

6

. Interessará aqui

conceber

a história

da

criminologia

como

a história das

marchas

e contramarchas

de

um

novo

dispositivo

de poder que se

armou

no

Brasil, no interior

do qual

o saber deve ser entendido, enquanto arma,,7.

A condução

deste tipo

de

análise

no contexto

brasileiro

requer

especiais.

Sendo

as disciplinas características

de

socie

dades industriais avançadas,

que

papel

desempenhariam numa

socie

dade

como

a nossa, na qual as formas

de dominação

burguesa encon

tram (e encontraram historicamente) métodos peculiares

de

implanta

ção? RemetemcH10s aqui a

uma problemática ampla,

que

vem

sendo

discutida

por

diversos autores

8

:

a de

não

se

poder

falar

de

uma

revo

lução

burguesa

no sentido estrito entre nós,

de

se ter

que repensar

as

características

do Estado de

se criticar as análises

que

pen

sam

a social

de

atraso, de repe

tição tardia

e elos

nas soei-

edadeS ditas desenvolvidas.

Se

as disciplinas são

como

que a

outra

face

do liberalismo

polí

tico,

como

pensá-las

no

Brasil, onde a

ação do

Estado sempre

se fez

de modo

violento,

onde

as relações

antagônicas entre

as classes não

puderam ser absorvidas

ou

geridas através das estratégias ma is sutis e

anônimas características deste dispositivo

de

controle social?

Sem

pretender

dar

uma resposta definitiva a essas questões

9

,

deixemos

esclarecido

que

não

pensamos que

saberes

como

a psiquia-

6

Sobre

a concepção descontinuÍsta

da

história das ciências, ver, entre

outros, Michel Pêcheux e Michel Fichant. Sobre la historia de las ciendas.

Buenos Aires, Siglo XXI, 1971.

7

Gilles Deleuze.

Os

intelectuais e o poder , in Microfísica

do

p. 71.

8 A questão é colocada

com

relação ao papel da burguesia

industrial

na

revolução

cIe

1930

em

Boris Fausto

A revoluçâo de 1930

São

Paulo,

Brasiliense, 1972) c

Paulo

Sérgio Pinheiro Política e

trabalho no

Brasil.

Rio de Janeiro,

Paz

e Terra, 1977).

9

Ver a esse respeito Roberto Machado et aI.

Da n)ação da

norma. Rio

de

Janeiro, Graal, 1978.

17

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tria, a crimino logia, a psicologia, estejam no Brasil fora de lugar JO,

no sentido de que sirvam apenas para esconder, de modo imperfeito,

uma outra realidade política, sem ter qualquer efeito positivo.

Estudando o discurso da criminologia

em

seu processo de im

plantação no Brasil, pretendemos mostrar que embora em muitos mo

mentos ele tenha servido como disfarce, noutros foi evidente seu pa

pel positivo. A constituição histórica deste saber está ligada, como

procuraremos mostrar, à instauração de novas formas de julgamento, -

à reforma

(ainda que sempre inacabada) das instituições penais, en

fim, à implementaçãO novas de controle social de que se

arma o Judiciário para realizar o que a própria criminolog ia vai definir

como defesa da sociedade . .

Estas transformações correspondem a um processo de norma

lização ]1 da sociedade brasileira, que não se dá apenas no

nível das

práticas

judiciárias, mas pela escolarizDção, pela mediealização, etc., e

que são o correlato do de um indus-

trial crescen te. Veremos nos 3 e 4 como se

respect ivamente as noções de anormalidade do criminoso e anormali

dade social, que instrumentam uma transformação das concepções

relativas ao delito.

Segundo Georges Canguilhem, uma norma se propõe como um

modo possível de unificar um diverso, de reabsorver uma diferença,

de resolver uma desavença .. a regra só começa a ser regra fazendo

regra e

essa

função de correção surge da própria infração 12

O

modo

de absorção ou dissolução das diferenças e contradições nas socieda

des industriai s vai ser cada vez mais a normalização técnica, pela qual

se pretende racionalizar a produção e ao mesmo tempo racionalizar a

vida social e o comportamento dos indivíduos.

1 Roberto Schwarz.

o

vencedor as batatas. São Paulo, Duas Cidades,

1977,

p.

13-25.

ti Georges Canguilhem. O normal o

Rio

de

Janeiro, Forense

Univers itária, 1 p. 210.

12Id. ibid. p.

212-3.

18

O processo brasileiro vai requerer que se pensem certas es

pecificidades: não se pode dizer que as normas sociais, econômicas,

técnicas ou jurídicas tenham se generalizado ou difundido na socieda

de de uma forma abrangente, da mesma maneira que o processo in

dustrial. No entanto, não se trata de diminuir a importância destes

mecanismos: talvez o que tenhamos de pensar sejam fornías peculia

res de combinação, nas quais a repressão ou a tentativa de solução das

contradições

por

essa via se articule com estas formas novas , ca

racterísticas do processo

de

normalização.

É o que pretendemos também discutir ao longo deste trabalho,

em especial no capítulo 5: de fato, no Brasil, o Judiciário incorporou o

que poderíamos chamar de uma tecnologia penal normallzadora, com

o advento e expansão

do

discurso da criminologia. No entanto, no

nível das práticas sociais (das instituições elo Judiciário), este proces

so não pôde se dar sem um ônus de violência que aparentemente o

contradiz. Esta bizarra, até certo de norma e re-

talvez a peculiaridade no processo

de

zação da sociedade brasileira. As operações conhecidas como de re

educação , cura ou ressocialização , etc., não podem se dar sem

um nível de violência mais ou menos explícitq que todo o tempo as

denuncia.

2.

Os juristas

e os progressos da

ciência

Era

o

<; aos por

toda

parte

O aparelho judiciário é a instância que possibilita e assegura as

condições de exploração que

um

grupo de indivíduos exerce sobre

outro na sociedade. Mas sua ação não deve ser entendida unicamente

no sentido da repressão, da violência explícita

da

polícia, ou da exclu

são pelo encarceramento. Ao lado destes efeitos mais visíveis, é posta

em uma engrenagem que inclui também saberes destinados a

instrumentar e validar tais procedimentos.

encobrissem ou mascarassem as verda-

deiras

Ao eles se

de

modo

19

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indissociável

com as

mesmas, produzindo

efeitos

concretos, capazes

de dotá-las de novos e mais eficazes métodos de controle sobre a

Os

cesso

de

zaria as

sociedades

do a

uma

forma de

so, de u contrato

costumam

referir-se a um

pro

que caracteri

ter-se-ia

seriam

fruto de

consen

Nessa

ser

punido sem

que

uma

lei

preexistente, e proporcional mente ao mal que praticado

contra a sociedade. aplicada a que o

contrato antes de tudo legítima, além de serjusta porque aplicada

a todos indiferenciadamente.

leis ter-se-ÍalTl

e cstc proccsso

na

maIs

menos

o

o que

na verdade que, se de urn lado não tem mais as formas

claramente violentas de punição,

como

o açoite, os suplícios, as fo

gueiras ou os métodos de intimidação exercidos diretamente sobre o

corpo, surgem, de par com este aparente abrandamento das penas,

novas

tecnologias de

poder capazes

de,

com

diferentes métodos, con

seguir a sujeição e a

docilidade dos

indivíduos.

A disciplina é esta nova tecnologia de

poder

que age, de

certo

modo, como prolongamento da lei, preenchendo os espaços

vazios

deixados

pelo'Judiciário. /

Com o desenvolvimento da sociedade burguesa, desenvolve

ram-se também a medicina social, a escolarização

em

massa, a polí

cia,

os

métodos

de

racionalização

da

produção, os sistemas carcerários.

O espaço social foi reorganizado no sentido de impedir que as massas

populares, ao invés

de

serem obedientes ao contrato ,

descambassem

para as ilegalidades, para o desrespeito à propriedade privada, para o

não pagamento dos impostos cobrados pejo Estado, etc. A não obser

vância das leis

do Estado

vai

ser um problema combatido não

apenas

pela punição, mas, preventivamente, haverá

uma

tentativ,úle se for-

20

mar,

pelos diversos dispositivos

disciplinares

(pedagógico,

médico,

militar, etc.), gerações de

indivíduos obedientes

à lei. Mas é de uma

outra lei que se trata aqui - que se de

maneira

sutil, lento

U 1 L U U V da

disciplina,

do

adestramento corporal;

que se

faz ao

em que

se educa o povo, se de

higiene, se torna o militar obrigatório. Trata-se ela norma, atra

vés

de

cuja generalização na sociedade o

Estado burguês garante

a

do contrato social em

bases liberais.

A vinda

da

família real portuguesa

para

o Brasil

trouxe-nos

os

ventos das grandes tnmsformações As

Bases

da Consti

tuição

da Monarqui a Portuguesa , promulgadas

em

1821, prepara

ram terreno para a Constituição

do

Império e para o

Código

Penal

de

1830.

Ele

vinha

substituir as nas

de

o

crime de encantos, o trato ilícito de cristãos com Judia

ou Moura,

e o

furto de marco de são

igualmente

punidos com

pena

de

morte

  3

.

Os juristas liberais saúdam este processo humanizador por que

passam

as leis

brasileiras

e olham para o passado com indignação. A

pena

de morte era freqüente,

o direito e a

religião

se

misturavam,

a

aplicação da lei era desigual, havia as provas secretas, as devassas.

Ao marido traído era permitido matar o adúltero desde que esse não

fosse fidalgo

l4

.

As leis

brasileiras

humanizam-se,

com

a adoção

de legislações

liberais

calcadas

110 modelo

europeu. Mas

certos autores dirão tam

bém

que

elas

se humanizam

excessivamente. Discussões

na

mara

dos

Deputados lamentam

o

salto exagerado entre

as

Ordena

ções

Filipinas

e

leis,

segundo eles,

inadequadas

à realidade

do

país.

Defendem

o retorno ao fortalecimento

da

autoridade, ante a amea-

  3

João Mendes de Almeida Júnior. Processo criminal brasileiro. Rio de

Janeiro, Francisco Alves, 1911,

p.

105.

Id. ibíd. p

105.

2

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ça,

segundo

já o dizem naquela época, de uma criminalidade cres

cente. É assim

que

a lei de 3 de

dezembro

de 1841 já

impõe

restri

ções ao

Código de Processo

Penal

de 1832, limitando as atribui-

dos

de

paz e conferindo às autoridades policiais fun-

ções judiciárias. E, neste momento, a criminalidade é claramente

associada à contestação política ao Estado que se implantava.

gundo

o Marquês do Paraná,

... a estatística criminal era assombrosa Era a desordem, a anar

quia,

o

caos por toda parte Em diversas províncias o furor re

vo ucionário se ostentou

de

modo avassalador...

  S

o liberalismo das leis desde cedo pareceu inadequado, do ponto

de vista do poder

político, à

realidade do

país, sempre a

reclamar

instrumentos de controle mais eficazes. A coexistência, no Brasil,

de

uma

legislação liberal, com dispositivos autoritários que são como

seu

pano

de fundo", tem sido

uma

constante no direito brasileiro.

Para

no textn das leis são encontradas amiúde de evi

dente sentido liberal, alternadas com outras, com nítida inspira

ção autoritária O discurso liberal está aí simultâneo, coexistente

com o discurso autoritário da "necessidade" de controle, de

segurança, de preservação de valores e de condições de sobre

vivência 16.

É também do início do século XIX que data o crescimento em

importância da medicina no Brasil e sua expansão enquanto medicina

social. As epidemias que assolavam o Rio de Janeiro e o seu combate

através de programas de saúde pública trouxeram consigo também

uma

reorganização do espaço urbano que não se referia unicamente

à

higiene propriam ente dita. A medicina social prescrevia também no

vos hábitos ("civilizados") de vida, novos costumes, combatia a de-

15

Id. ibid.

p. 198.

16

Felipe Augusto de Miranda Rosa

e

Rio de

1980, p 37-55.

22

sordem relacionando-a à doença, oferecendo-se ao Estado como fun

damento de

uma

política social racional e tecnicamente orientada 17;

Mas o processo de medicalização

da

sociedade brasileira teve

lenta evolução, permanecendo ainda hoje inacabado, com fo-

cos sucesso nos maiores centros urbanos ao lado de re-

pouco exploradas.

Com

isso queremos dizer que o esquadrinhamento do social,

efeito característico do poder disciplinar, não se operou no Brasil de

maneira tão acaba da quanto nos países'de' onde importamos tais mé

todos. Ou seu modo de articulação foi diverso do europeu, com estra

tégias peculiares de poder. Se a medicalização e a escolarização foram

implantadas no país de forma desigual, isto não provocou um vazio de

poder. O que ocorre é que convivem, no nível das práticas sociais,

novas e velhas

s

em que

o

de modo mais ou menos onde a

repressão violenta, sem segue sendo a forma de que

o

Esta-

do se vale para a sua preservação. Ou, ainda, pode haver a combina

ção de estratégias sutis de normalização com formas de repressão

violentas, que de certo modo denunciam e contr adizem as primeiras.

Podemos pensar, neste ponto, a questão da inadequação da legisla

ção liberal

à realidade do país, preocupação repetidas vezes demonstrada

pelos juristas desde o século XIX. Se as disciplinas não puderam se ex

pandir a contento no Brasil, conclui-se que a norma não pôde ser genera

lizada a ponto de atuar como complemento adequado de um contrato

social em bases liberais. E, neste sentido, os juristas do Império tinham

razão ao considerar que

as

leis eram inadequadas ao Brasil; para manter

as condições de exploração de uma minoria sobre uma esmagadora maio

ria, de escravos inclusive, era necessário que o Judiciário se armasse de

instrumentos mais potentes para a do Estado.

Com

o Código Penal de 1890, o código da República, a questão

Jurandir Freire Costa. Ordem médic e norm

IU f l L /L l lC i f

Rio de Janeiro,

p.79-123.

23

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da inviabilidade do liberalismo é recolocada pelos juristas, em suas críti

cas a um código ultrapassado e ineficaz para o combate ao

neste período, essa é de modo

não

é

como Ulna j Jolftica que a

mas

como

fma

os ventos

d 1 cOl r C11fe

a necessi-

dade de se estar em dia com este movimento renovador, vindo da

Europa. Seus são repletos

de

mão, italiano. Quando são feitas sobre crimes

os exemplos são quase sempre estrange iros. As referências à realida

de brasileira são particularmente escassas.

apenas,

que

as

só teriam um de da

mos que não.

O

discurso da criminol ogia capaz de produzir efeitos

concretos: que ~ e ~ u l t r m

num reaparelhamento do Judiciário, amplian

do seus dISpOSItIVOS de controle e repressão.

A criminologia, espécie de amálgamupor vezes mal articulado e

confuso das ciências humanas, foi a via através da qual o JudicIário

pôde incorporar certas estratégias disciplinares que redefiniram as

noções de delito e de punição e que modificaram a ação dajusti ça. Ela

pôde aparentemente se humanizar, revestir -séde uma finalidade tera

pêutica e de uma neutralidade científica.

. ~ o s chamados desenvolvidos a disciplinarização da jus-

tlça

fOI

o

correlato

de um

processo

de disciplinarizacão de toda a

sociedade.

Teremos que reconstituir o significado da introdução do discur

so da criminologia junto ao Judiciário n uma sociedade como a brasi

leira,

em

que os controles disciplinares tiveram um modo de articula

ção peculiar, jamais conseguindo ocul tar a violência das relações entre

as combinando quotidianamente norma e

24

riminologia e direito penal

A principal produção do discurso

da

criminologia é a figura do

criminoso anormal, cuja era anti-

gos Tal desconhecimento,

dizem

os com

que as antigas leis fossem,

zindo os

aos

de

defesa

social

reais, não fJHHH

O criminoso não era tematizado pelo liberal, a não ser

como

o agente de uma transgressão

à

lei. Todo cidadão devia ser

considerado responsável, já

que

parte contratante, a não ser que se

tratasse de

um

louco, de um débil ou uma Fundadas num

contrato social livremente firmado, as leis eram consideradas produ

tos de

um

consenso democrático e portanto legítimas, Legítima era

A punição infligida ao indivíduo pela pena devia ser também pro

porcional ao deUto cometido, delito este definido por lei preexistente.

Se há arbítrio na lei, este é antes de tudo legítimo,

que visa sobretu

do a defesa da sociedade contra o arbítrio de um só de seus cidadãos,

que, pelo delito, ameaça a liberdade da coletividade.

A criminologia vai empreender uma crítica radical dos funda

mentos do direito penal liberaL Ela vai traçar uma história evolutiva

segundo a qual o direito, a partir da criminologia, pôde enfim tornar

se uma ciência, redefinindo retrospectivamente o passado como um

passado de erros.

Segundo os criminólogos, o direito penal teria saído de

um

está

gio embrionário, rudimentar, de um tempo em

que

assumia formas

semi-selvagens, inci vilizadas, para chegar, depois de len ta evolução, a

um período em que basear-se-ia finalmente em métodos científicos.

Nesse período inicial, as penas eram excessivamente cruéis

a tortura era aplicada sem limites,

confundia-se

a lei com a religião

25

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e o

c ~ i m e

com o pecado. A

sociedade, dizem-nos

os

criminólogos,

r ~ g l natural e espontaneamente

contra

seus

detratores,

mas

esse

t pO

de

reação social era desordenado, excessivamente cruel e aca

b a ~ a ~ u i . t a s vezes por voltar-se contra

a

sociedade mesma, já que

a vIOlencIa

acabava por dizimar

parte

da

população.

Num período intermediário, o direito horroriza-se com a cruel

dade p e n a ~ . mais humano e

justo,

as penas são apli

cadas

~ o m n : a l O r

parcimônia

e

uniformidade. É

o período ético

h u . m a ; l ~ s t a

maugurado por Beccaría, com

o

estabelecimento do

pnncIpIO da pI:oporcionalidade das penas e dos delitos, da igual da

perante a leI, da

não-retroatlvidade da

lei penal e da

responsabi

hdade

corno fundamento do direito

de

punir.

Mas, por um

lado há

um avanço no sentido da humanização,

por o ~ t r ~

ha

uma certa

ingenuidade,

ignorância

até,

no entender

dos cnmmólogos. Por prescindir de

.

nas qUa S se

em considerações metafísicas

e

sua

tarefa

a

À

t ~ r c e i r

~ s ~ corresponderia,

com

o advento da criminologia,

a

ascensao

do dIreIto

penal ao seu período

científico,

no qual

a lei

passa a corresponder a

uma

avaliação científica da sociedade e da

mente humana. De certo modo, essa

terceira fase

reedita

a

primei

r ~ .

A reação social

contra aquele

que c'omete um delito é

também

v1sta

como

natural. Tal

como nas

tribos

primitivas,

o

direito penal

representa uma reação legítima do corpo social

a

uma

das

suas

p ~ r t ~ s d o e n t i ~ s . A seleção natural é tornada como fundamento do

dIreIto de pumr

por

alguns autores:

A lei que

~ a r a n t e

e mantém a conservação das espécies consis

te,

e n t e n ~ l d

na sua acepção ética, em que o indivíduo receba

os proveItos e sofra os prejuízos de sua próprÍa natureza e do

comport':l:mento que dela decorreIs.

No

entanto, se

em

seus primórdios esta

Bastos, 1963,

p.

95.

escolas penais Rio de Janeiro, Freitas

26

e por

demais

violenta, hoje

ela

é mais elaborada, mais racional e

sistemática, já que fundada na

ciência.

O

momento tático inicial que inaugura a criminologia traz corno

efeitos,

de

um lado, a promessa

de

um direito

penal

que

pode

enfim

conhecer

cientificamente o

crime

e os meios

para

seu

combate

e, de

outro, a

denúncia

de

que

o direito liberal é anticientífico e ineficaz.

Aparece a denominação escola clássica , que passará a designá-lo,

por oposição à

escola

antropológica

ou

positiva , construída pela

crillÚnologia.

Vejamos inicialmente,

de

modo resumido,

que

transformações,

no nível

do

discurso, a criminol ogia vai

operar sobre

o direito penal,

em nome desta nova realidade trazida

à

luz pela ciência da crillÚnologia.

Sobre a igualdade perante a lei

O direito clássico ,

por

prender-se a metafísicos,

não ver

a

fundamental entre

os ho-

mens.

Deve haver homens

As não

têm

o

mesmo

efeito de intimidação

e

coerção

sobre

todos

os ho

mens,

pois

aqueles que se constituem

como

verdadeiros

inimi

gos

da

ordem

jurídica,

sendo insensíveis à pena.

Assim sendo, o direito deve deslocar-se da apreciação dos delitos

e das penas para o estudo daquele que comete o delito. Deve analisar

os criminosos

em

suas peculiaridades psico-sociológicas. A partir desta

operação, estabelecer-se-ão penas adequadas a características

de

per

sonalidade.

O crime, que anteriormente era definido como transgressão

à

lei

penal, converte-se em

indício,

em manifestação superficial

que

aponta para

a

personalidade

do

criminoso.

Contraria-se também o princípio cardeal do direito penal não

há pena sem lei . Pois que

a

pena deve basear-se, mais do que na

violação de

um artigo

do Código

Penal,

no estudo da personalidade

do

criminoso.

27

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Sobre o qvre arbítrio

A idéia

de

que o fundamento das leis é a existência de um contra-

to social firmado entre os membros da a concep

LI ' - ' . IU( ; lU, ,

racional de decidir sobre

ão de que os homens

têm

esta

seus atas. Considerados como

em virtude desta mesma

neste contrato, é

se

violação dos mesmos. Os loucos, as os

dementes não podem decidir

com

a seus atas, não

tanto

nem

criminosos, no sentido jurídico

do termo.

A vai critica r a noção de livre arbítrio e de respon-

sabilidade, mostrando que não é a razão

que

controla nossos atas,

mas os instintos, os afetos, os atas reflexos.

uma

de monstro

não apenas os

mente

Do de da urge que as pe-

nais se adequem a esta realidade trazida à luz pela ciência. Se os ho

mens não são livres para agir,

como

fundamentar a legitimidade da

reação social sobre o livre arbítrio e sobre a responsabilidade?

A lei smge, no discurso da criminologia, como

um

anteparo ne

cessário que a sociedade deve opor a esta espécie de caos íntimo que

habita todo ser humano.

Sobre as penas

Para o direito liberal, a pena, antes de ser útil ou devia ser

legítima, ou seja, fundada em lei anterior e aplicada em indivíduo res

ponsável. A criminologia inaugur a a noção de que as penas devem,

antes de tudo, ser eficazes. Sua legitimidade baseia-se não mais em

considerações estritamente jurídicas, mas cÍentíficas.

A proporcionalidade entre os delitos e as penas deve ceder lugar

a considerações quanto à modalidade de pena a ser aplicada, de modo

a corrigir uma anormalidade

e

ao mesmo tempo, dotar o Estado de

28

meios mais eficazes na defesa contra estes seus i n i m ~ o s anormais.

Surge a noção de pena indeterminada, graduada segundo o .

d.e

. . - por sua mefl-

anormalidade do cnmmoso. As vao ser

1

Quanto aos

~ ~ .

deveriam prodUZIr

de

razão

da

própria

do criminoso,

isso não ocorre. Em

não intimidável

ou de

por meio de

Sobre a natureza

do

ato de

ea

das

Um

dos maiores alvos

da crítica a ser d ~ s ~ e c h a d a yela

criminologia é o júri popular. O

direito liberal defIma

a funçao de

d de mo-

como de

bom e ,

19. Pois a

são do consenso

seus

aplicar a lei, o juiz, em razão de seu próprio e

poderia

hipertrofiar-se

em

suas

funções.

.

O júri popular, formado por e p r e s e n t a n t ~ s . d o P ~ v ? , sena

elemento

de moderação a impor limites ao arbltno do JUIZ. DeveI lU

ser composto por

homens

do

trabalho

ativo , p e s s o ~ s ~ u ~

se

atêm ao lado prático da vida,,2o, contra stando com os própn os JUIzes,

que, por força

da

profissão, estariam relativamente afastados dos

efubates quotidianos.

Ora, o discurso criminológico veiculará um outro tipo de vi

são sobre a atividade de julgar. O júri popular

a s s ~

a

s.er c ~ : n : r e -

endido

como um obstáculo a uma compreensão maIS clCnufIca do

criminoso

e do crime. É

tornado

incompetente

para

julgar

porque

9 Magarinos Torres.

A

importân cia do para B ' ] ' a de

I

· d J

0

Sociedade raSI elr

Brasil", in Revista de Direito

Pena

O e anel ,

Criminologia.

Vol. VIII, J935,

p.47-57.

2

id. ibid. p. 47-57.

29

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. ,

'I

não detém um

saber

q ' '

p J 1 ' ue so a magIstratura togada é

capaz

d

C ~ l ~ ; ~ ~ e : ~ ~ ~ p a s s a a ser um:função técnica, noção essa que s :

à origem das l e i ; ~ ~ : ~ ; ~ ; a ~ naturalís,ta (e não política) quanto

vida coletiva de que a so

do

d a necess1dade, determÍnada pela

d ' L Cle a e se defenda de seus detratore '

: 0 ~ 1

o, ao

m e s ~ o

t e ~ 1 1 p o no nível individual, um freio aos i n s t i : ~

, ~ u e covernam todo ser humano, impedindo-o d·

I'

,

mente

decldIr

sobre seus atos, e lvrc-

Qual o fundamento das leis?

Qual '

J a

imposta a.quem as transarid"e? . da

e b l t l m l d ~ d e .

da punição

leis são consídcrad c

,om

o a vento da cnmmologia, as

d d 4' como

fundamentadas

na necessidade natu-

e elesa da socledade A qu C dI

da eficácia O J d' .,.' es ao a eglt1midade cede lugar à

. U IClano pode

aparecer

com

nomo e técnico da . d d " . o um regulador autô-

SOCIe a e entendIda e

'd

isenta de contradições I t I _ m sentI o genérico,

, en a evo uçao finaln

t

se produzÍsse

um

( , len e Com

que

Ia

de

a

de armá-

para

sua

3.

anormalidade do criminoso

Uma espécie

à

parte do gênero humano

Por

volta da segunda metade do sécuI XIX . ,.

relacionados ao direito ena com o , ?S textos jUndlcoS

modernizador por que a ~ ~ este a ; : ~ ~ ~ c : : : : ~ ~ I r s e ao p r o c e ~ s o

ris tas discutem as idéias de Lomb mento. Nossos jU

estas surgem na Europa. / roso quase ao mesmo tempo em

que

Em 1871

é

publicada a obra L '

U .

fundadora da criminologia

M

o ~ o d e l ~ n q u e n t e , considerada

, as a cnmmologIa não sur

B

apenas

em

decorrência dessa importação

cultural '

ge

no

rasll

caracterizou a produção intelectual b '1' maCIça que sempre

ras1 eIra.

O processo

de

ímplantaç d d

do no princípio do século d a me lcma social no Brasil, já inicia-

prisões, Tornar

os

á r c e r ~ s ~ r ~ s : ~ : ~ a uma e f l e x ã o

h ~ g i ê n i c a

sobre as

focos

de epidem'

:Jados e lImpos, eVItando possíve is

las, de

mod 'b'

o a Ol Ir a convivência ne-

30

fasta

dos

malfeitores entre si, taís passam a

ser

as preocupações dos

médicos e juristas, Em 1868, há notícia de um médico dirigindo uma

prisão no Rio de Janeiro

21

,

Mas, 1833, o Brasil

tinha uma prisão expressamente

voltada

para

a recuperação

do

criminoso e

que

se das

demais por não ser uma prisão coletiva: a de da Corte,

As prisões-depósito são vistas como fonte de males e mentais

para

os presos,

pela

falta

de

higiene e pela

desordem

que

propiciam,

senhores [na Casa de Correção da C011e] ... é expressamente proi

bido aos presos conversarem sobre qualquer assunto, devendo

todos trabalhar com os olhos baixos e se qualquer deles

é

surpreen

dido desviando os olhos do trabalho: .. procurando comunicar-se

com os companheiros .. é ali mesmo castigado pelo guarda que para

isso se serve de um látego de couro

22

.

Trata-Sé

de

o

espaço

da prisão, que não

deve

ape-

nas excluir, mas ser capaz de evitar possíveis entre os presos,

wmbém um de obediência moralidade atra-

vés

do

trabalho. É

enquanto reforma moral que se

define, neste mo

mento, a recuperação do preso, Mas já se fala aqui de uma outra fina

lidade da pena, que não se reduz à intimidação ou

à

punição.

O

processo de medicalização, enquanto introdutor no Brasil de

uma

ordem

disciplinar, cria condições

para

uma reflexão médica so

bre as prisões, que vai acabar por estabelecer um parentesco,

desde

então sempre afirmado, entre doença e crime. Além disso, ele vai

possibilitar uma reorganização do espaço da prisão, processo que.vai

se

dar de forma

lenta e incompleta, Pois permanecerão existindo no

Brasil, em maioria absoluta, os depósitos de presos, estes espaços

mais

ou

menos

caóticos,

cuja

finalidade é apenas a

exclusão

e o cas

tigo, ao lado de outras instituições, onde já se opera a implantação de

uma

tecnologia disciplinar,

21 Roberto Machado t

al op eU. p.

328.

22 Clemente

da Cunha

Ferreira, Sistemas

Peni

tenci ários ,

111

f1J l .H J . ,FS n°

9, Rio de Janeiro 1876, p. 73.

3

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É a disciplinarização do espaço da prisão e do espaço social como

um

todo que cria condições

para

a veiculação do discurso da

criminologia no Brasil. Em seu início, os textos reproduziam, quase

que

sem

as na

o momento de da de mo-

mento de dos

E

d

. . _ ' um momento upIo, de cons-

tltUlçao de um saber sobre o criminoso e de constituição do c riminoso

como um anormal. O

olhar do

vai

nele

que sua

comparado às pessoas honestas . Os criminosos

são uma

parte do humano, dirá Lombroso. e se eles assim se

não se trata mera afirmação casuística:

Eu

Q tenho demonstrado, nas minhas visitas

( , < l l y · . ~ · f ,

fato

para vencer os

u

que transf ormar o penaL E este vai ser visto corno

metafísico e anti-científico exatamente porque não se baseia na ob

servação dos fatos .

Para Lombroso, um médico, a anormalidade do criminoso ex

pressa-se em características físicas, que vão dos zigomas enormes

à cor negra dos cabelos, passando pela analgesia (insensibilidade à

dor).

Uma

série de procedimentos

de

medição, inclusive com apare

lhos ( algômetro elétrico ), vão descrever fisicamente o delinqüente.

A maior anomalia dos criminosos natos é a resistência

à

dor. ..

os

médicos das prisões sabem como

as

operações mais dolorosas

..

aplicações de ferro em brasa .. são muitas vezes pouco sensíveis

aos criminosos

24.

Aragão,

op cit. p. J

71.

24

Id. ibid. p. 177.

32

Assimetria do fosseta occipital média, maior desenvolvi

mento da região occipital em relação

à

frontal, fronte fugidia,

assimetria de seios frontais

...

má formação da

orelha .. falta de barba ... predomínio da envergadura sobre a

estatura

25

.

de

características do corpo

dos criminosos irão constituir sua anormalidade. O é um ser

É

o acabado de um às avessas,

m }qermis o em seus caracteres

cos, instintos

e ausência de sensibilidade física e moral

o

criminoso típico seria urna cópia

..

nas sociedades modernas

do

homem primitivo, aparecido, pelo fenômeno do atavismo, no meio

social civilizado, com muitos de seus caracteres somáticos e os

mesmos instintos falta de

fase

ela existência

..

mento da humana

26.

Que projeto institucional se articula à concepção de atavismo?

Em

outras palavras, que fazer com estes anormais? Diante dos atávicos,

nada mais resta que a eliminação

ou

a exclusão.

Os

criminosos são

anormais e sua anormaJidade, incurável.

Não

há sentido em se falar de

responsabilidade moral como fundamento

da

punição, pois todos os

criminosos são irresponsáveis.

Os

juristas brasileiros, na passagem do século, vão discutir as

. /

teses lombrosianas. Ruy Barbosa, ele próprio

defensor

de anarquistas

processados pelo governo brasileiro, vai apontar os compromissos

políticos de Lombroso, mostrando que

em

todos os anarquistas italia

nos ele diagnostica a tara hereditária .

Transparece de

maneira

por

demais evidente a ligação da teoria do atavismo

com

o arbítrio,

com

o

aumento das penas, colocando-se

em

confronto claro com o liberalis

mo, sem conseguir articular uma proposta de reforma ou cura do

25 Id. ibid.

p. 183.

26 Id. ibid. p. 133-4.

33

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criminoso, que permitisse

dar

à

uma

característica humanizadora.

Para nos hannonizannos com a ciência da criminologia teríamos que

subverter as garantias mais respeitáveis do processo penal entre

nós favorecendo a ampliação do cárcere preventivo, diminuindo

os casos de liberdade provisória, abolindo a publicidade na forma

ção de culpa mutilando o direito de graça, amesquinhando a anis

tia e restaurando a pena de morte

27

 

Por

outro lado, começa-se

a admitir,

como

é o

caso de Clóvis

a ele um mor us que ao elelito,,28

e

contra

o qual a pena se revelará ineficaz. Da discussão da teoria do atavismo

surge a idéia

de

uma punição baseada

num

certo tipo

de

anormalidade

de

que

padeceria

o

criminoso, idéia

essa

que passa

a ser

incorporada

por

nossos juristas, apesar das

críticas aos

exageros

de

Lombroso.

morais

em louvar

o

do

a para um outro de vista

de criminosos encarcerados: seus vícios, seus

seu

comportamento.

É

Feni quem

será p31iicularmente citado,

como

autor da descoberta de que o climinoso é um anormal moral.

Segundo ele,

os criminosos

são insensíveis, imprevidentes, co

vardes,

preguiçosos,

vaidosos e mentirosos.

Manifestam incapacidade

para o amor fino e delicado, seu apetite sexual é exagerado e tendem

para

o homossexualismo e a

promiscuidade.

Nas galés, come-se com mais apetite, dorme-se com mais abando

no que em muitos lares honestos, atormentados pela preocupação

do presente .. os presos cantam, riem, divertem-se ao conto das

proezas feitas ... glorificam os atas mais vis e exibem, como diploma

de honra, as mais ignóbeis tatuagens, vivem com a esperança da

liberdade e preparam novos negócios para a hora em que ela

27 Ruy Barbosa. A obra de Ruy Barbosa em criminologia e direito

Rio de Janeiro, Escola Nacional de Direito, 1952, p. 164.

28

Clóvis

29 Moniz Sodré

de

r l l 7 l l l l( ) IU I IU

e direito

op ito p 190.

34

1896. p

17

Os criminosos, diz-se neste

momento, são

basicamente incapa

zes de realizar

um

adequado controle moral, como o são as pessoas

honestas.

Sua

anormalidade

se

manifesta por um excesso instintivo,

explicado como um retorno a um estado selvagem, atávico, hereditaria

mente

determinado.

Mas

este mal

oculto,

existente

no

corpo, não se

exterioriza

mais, como

em Lombroso, apenas em características

caso O

que

permite

um

alcance muito

maior, para

o

discurso da

criminologia.

Ele

pode

deslocar-se dos procedimentos

de

mensuração

e

observação do corpo

do

para a do comporta-

mento, seja dos criminosos do seja dos criminosos em poten-

cial,

na

sociedade.

A

anormalidade,

a

tendência

para o

crime,

pode

agora

ser

reco

nhecida

em

hábitos de vida, em comportamentos considerados anti

sociais.

Ela não

se

expressa mais na f isionomia,

mas numa

tendência

pela do

, ' . r ' i ' .PC'

que

se

tornarão

chaves

na

a de

ou temibilidade e os

novos de

clas

sificação dos criminosos.

Em

Ferri,

como em Lombroso,

opõem-se

as categorias

de normal

e

anormal

(homem

honesto

x homem crimi

noso). Mas

insinuam-se entre

os

dois pólos outras categorias, que

terão papel fundamental na progressiva ampliação do discurso da

criminologia,

como

veremos mais

tarde.

Como um discurso

que

pode remeter ao social, sem

ficar cir

cunscrito à bio-típologia, Fen j

empreende

uma classificação dos indi

víduos na

sociedade,

segundo

sua

tendência

para o

crime.

Podemos dividir as camadas sociais em três categorias: a classe moral

mente mais elevada, que não comete delitos porque é honesta por sua

constituição orgânica, pelo efeito do senso moral.. do hábito adquiri

do e hereditariamente transmitido mantido pelas condições favorá

veis de existência social... Outra classe mais baixa é composta por

indivíduos refratários a todo sentimento de honestidade, porque pri

vados de toda educação e impregnados da miséria material e moraL..

herdam de seus uma anOlmal que une a

tiPctp,,..p,·,,t,'v a uma verdadeira volta atávica às

35

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raças é nesta classe que se recruta o maior número de

delinqüentes natos. A terceira classe [é a dos que não nasceram para

o delito,

mas

não são completamente honestos

..

30

.

da evolução natural,

em

que

uma

classe

é

en

desenrolarutra é naturalmente

do mesmo processo.

São

, porum mais

do

neste momento

consideradas hereditariamente. Ferri considera que o

criminoso deve ser classificado

cm

tipos, tendo-se em conta seus

de e assim seu

de temibilidade ou de anti-sociabilidade . crime deve ser to

mado como

sintoma deste mal moral que habita o criminoso e as

em que estc

mal

ser

de

de

para quem as penas tradicionais ainda

ou

de crimino

sos natos , loucos , por paixão ou por hábito , que requerem penas

especiais. A maioria dos criminosos, segundo esta concepção, está entre

aqueles para quem

as

penas falham como meio de regeneração.

Mas, neste momento de implantação

da

criminologia, não se

enfatiza tanto a recuperação do criminoso quanto a necessidade de que a

sociedade se defenda destes degenerados morais. As penas, transforma

das no sentido de se tornarem mais severas, devem atuar como uma

/

espécie de seleção artificial: eliminar os degenerados, os atávicos, os pro-

dutos mal sucedidos do processo de evolução natural da sociedade.

Temos, portanto, um discurso

em

que o crime é visto como sin

toma de

um

mal moral hereditário. Deve-se, assim, adequar as penas

à

personalidade

do

criminoso,

empreender

um estudo desta personali

dade, de sua origem social, etc. Ao mesmo tempo, o projeto institucional

que se articula a essas inovações é o de

um

maior rigor das penas, que

permita defender a sociedade dos criminosos.

30 Id. ibid.

p.286-7.

36

E como atuar preventivamente sobre a

camada

baixa da popu

lação,

na

qual o crime é sempre

uma

possibilidade,

dada

a ausência

hereditária de freios e

a

devassidão dos

costumes

favorecida

Pela vigilância

e também por meio de

ç ' < 1 U U C

que

te-

rão

mais tarde,

nem

estão bem

aLXL, ',O

o

do

crime

com

um

ele é entendid o como um mal de natureza

não se com a no dizer

de

Ferrí. anor-

malidade no terreno da das e do temperamento.

o

brasileiro

e a degeneração moral

Em torno da

do um discurso

que

começa a ser

os autores

mas que se à realidade brasileira. encont ram u

vasto campo de para a tese de

que

o é

resultante de uma anomalia biológica atávíca, que afeta a moral.

Não é

ainda de doença mental que se fala na acepção

moderna do

termo,

mas desta outra forma de anormalidade, calcada na noção de evo-

lucionismo

às avessas .

o

olhar dos criminólogos

se

volta

para

os

costumes

brasileiros:

o carnaval, os sambas, os cangaceiros nordestinos, a miscigenação.

Todos estes são indícios de uma incapacidade para o controle moral,

que

explica também a indolência para o trabalho, a tendência para o

desrespeíto à autoridade e finalmente

para

o crime.

.., grande número de crimes violentos tem origem nos sambas, se

não mesmo durante eles praticados

31

.

Clóvis Bevilaqua refere-se às raças brasileiras: a miscigenação

não favorece o crime e quanto mais ela tende para as características

negras, mais esta tendência se acentua. Porque as raças inferiores,

3 Clóvis Bevilaqua,

op. cit.

p.

94.

37

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:1

negra

e índia, representam por si sós uma espécie de degeneração. São

estágios

inferiores de um

processo

evolutivo,

que

culminaria com a

raça branca, ariana, menos propensa à criminalidade.

Em razão

das características

degenerativas

trazidas misci-

genação, justificar-se-ia um aumento const.ante

no

rigor de nossas leis,

sempre ameaçadas pela propensão inata

do povo

ao crime.

...

que admirável caldo de cultura para as mórbidas manifestações

do crime essa nova sociedade, formada de uma miscigenação .. de

senvolvida

à

solta num ambiente em que o império da

lei

mal se fazia

sentir, dominada pelos imperativos do instinto e da força

..

32

.

O mais triste e desanimador, porém, está em sermos uma espantosa

população de bárbaros heterogéneos .. entre nós não existe o brasi

leiro, mas

os

tipos brasileiros. Diferenças raciais profundas ou indi

vidualidades profundamente dissemelhantes, com o agravante do

atraso e da incultura .. daí

semlOS

uma população de mentalidade

e

o

criminoso

..

encontram-se em e:;tado

dos bárbaros híbridos das cidades e dos

o discurso da degeneração

articula-se

mais

a uma

proposta de

eliminação e exclusão

do

criminoso,

pelo

aumento do

poder

repressivo

das leis,

do que

a

uma perspectiva

de-cura ou reforma. Ele arma

para

32

José Mesquita. Evolução e aspectos da criminalidade em

Cu

yabá ,

in

Revista de Direito Penal. Rio

de Janeiro, Sociedade Brasileira de Criminologia,

vaI. XIV, 1936, p. 27.

33 Mário

Gameiro. Pena

de morte , in

Revista de Direito Penal.

Rio de

Janeiro,

Sociedlide

Brasileira

de

Criminologia,

VoI. VIII, 1935, p. 184-6.

Este

é

um trecho

da década de 30, que reedita o discurso criminológico

mais

característico do

final do

século XIX

ao

início

do

século

XX. Na

realidade, a demarcação precisa

das épocas históricas não é possível neste tipo de análise, principalmente

num discurso como o

da

criminologia, cujo caráter utilitário se sobrepõe

à

necessidade de coerência interna. Os criminólogos

não

hesitaram, sempre

que necessár io , em utilizar conceitos aparentemente em desuso numa

determinada época,

ou mesmo em

deturpar de modo

cerras

teorias,

pois

trata-se, em primeiro

lugar, de

demonstrar a necessidade

de um

maior

rigor das

de

criticar o liberalismo, etc.

38

o Judiciário um a

estratégia

na qual o aumento do rigor das

penas

tor

na-se justificado,

através

de

uma crítica repetitiva a leis excessiva

mente

liberais,

inadequadas à índole do

povo, etc.

Mas

justamente por mostrar de forma excessí vamente clara

sua

com o autoritarismo, este discurso fracassa, do

ponto

de

vista

de sua

penetração

no

Judiciário. No Brasil republicano, o discur

so liberal predomina

no campo

penal, e a maioria de nossos juristas

olha

com

certa desconfiança

essas

inovações

científicas .

Curar o criminoso

uando

as provas faltassem

por que não haveríamos

de procurar

no delinqüente a

sua

ireóide? 34

corpo a tendência médica

no Encontrar um

corpo

doente

para

o entre

cardíacas, tuberculose,

verminose

e crime,

seja

buscando

associar

variações

da quota hormonal

com distúrbios

de comportamento,

tal

vai

ser

a

tendência do discurso neste

momento.

mulher criminosa e o

homossexual

serão objeto de considera

ções, no

sentido

de

comprovar

a influência dos hormônios sobre o

caráter.

O

fluxo

menstrual,

visto

como espécie de crise endócrina

natural, pode levar a manifestações criminosas, assim como o perío

do puerperal.

O homossexual é

arries

de

tudo

um

doente, tratável

pela

injeção

de hormônios

sexuais. Teríamos

por esta via

a solução de

muitos

dos crimes contra os costumes ,

inclusive da

prostituição.

Estaria

aberto o

caminho para se afirmar que

se

alguém

é preso,

privado de suas garantias de cidadão, isto

ocorre

não apenas em razão

de ter sido cometido um

delito,

mas

em razão de

uma

doença

que se

quer

curar. A prisão,

como

fOfila de intimidação,

de

vingança, está

em

Péricles Madureira de Pinho. Estudos

de

Cultura Jurídica.

Bahia, 1932,

p. 11.

39

,

in Revista de

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d e s ~ s o ou

fora de moda. O Judiciário humaniza-se, ao mesmo tempo

que mcorpora o desenvolvimento

da

ciência. A prisão se

em

nome

da cura e em do próprio preso.

A volta à idéia da

.H,Ul1l ,W.\ dU

, H ' U ' C > V , mas sob a forma mais

radical e humana da

A vindo confirmar o que Lombroso

E com vantagens, teria vindo falar-nos de

um

corpo anormal

. de um quimismo interno, não expresso na

fisIonomia, mas detectável por científicos.

. Como corolário busca em estabelecer o elo

corpo

c n ~ 1 ~

t e ~ l O . s

o crescimento

em

importância

da

figura do médico jun-

to as mstltmções judiciárias.

Será

cada vez mais aconselhável ter-se

um médico

como

diretor de .

U l \ . ; U t ~ : ideais para

or-

administrados

por

um O

• • A • como u,

mesmo

que

na

pratica a vlolencla tenha

continuado

a

mesma

nas prisões,

ao

menos

ela

pode aparecer

como

uma deturpação, como

um

desvio indevido

da

nova vocação curativa do cárcere.

Poderíamos sintetizar as inovações trazidas pelo discurso médi

co interio.r da crimi.nologia enumerando três estratég ias básicas q ue

serao postenor mente Incorporadas ao direito penal:

1 O criminoso é um doente.

2. A pena é

um

tratamento que age em benefício do criminoso.

3. A prisão não deve punir, m as curar.

o

discurso médico não

é

o

único

a veicular esta nova estratégia

~ s e ~

~ n ~ o r p o r a d a pelo Judiciário,

que

vai redefinir a pena procurando

JustIfica-la não em si mesma,

mas

fazendo menção a finalidades ao

mesmo

tempo científicas e human itárias. A pedagogia, a psicamÚise

35 Id. ibid.

pJ3.

40

criminal, a psiquiatria, vão também,

mais

ou

menos

no mesmo perío

do,

começar

a produzir novos discursos de

readaptação

e cura dos condenadOS,

e

loucura

LV '-J'U e a da segunda meta-

de do século XIX, um diálogo constante, ao mesmo tempo

vando certas especificidades e diferenças.

Para

a psiquiatria, a

do sempre

uma estratégia

para a confirmação de

sua

competência,

de

seu

lugar

social. O louco

é alguém potencialmente

capaz

de

cometer

um crime tal foi

sempre

dos

e

simultaneamente o louco

teve

certo

para

ser no no

bojo

de um lento e sempre

inacabado

processo de

medicalização

da

sociedade brasileira.

A diversidade fundamental entre a crimino logia e o discurso psi

quiátrico sobre o crime reside no fato

de

que, enquanto a primeira

representa

uma

transformação interna do direito penal sob o

impacto

das ciências humanas, a psiquiatria se insurge do exterior, disputando

com o direito

penal

o papel de gestora dos criminosos, através da

afirmação de uma relação, progressivame nte mais íntima, entre crime

e

doença

mental. -

Se

a criminologfa buscou, a partir de

Lombroso,

estabelecer en

tre crime e anormalidade uma relação estável, por outro lado apenas a

psiquiatria afirmou de modo inequívoco que o criminoso é quase sem

preum doente mental. Embora

buscando

causas

mórbidas

para o cri

me, a criminologia não deixou de tematizá-lo enquanto tal, enquanto a

psiquiatria pretendeu colocá-lo

como

mais uma dentre outras mani

festações de loucura, medicalizando a noção de

crime

e transferindo-

a para a esfera da psiquiatria.

41

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A história das relações entre psiquiatria e direito penal no Brasil pode

ser traçada fazendo-se menção à maneira como se colocou, nos códigos

penais brasileiros, a questão da responsabilidade climinaI do louco.

O primeiro código penal brasileiro, de 1830 (o Código do Impé

rio), tornava irresponsáveis os loucos de todo gênero salvo se

rem intervalos Iucidos e neles cometerem crimes .

A existência

de

loucura tornava o crime inexistente no sentido

jurídico, e neste momento a loucura era compreendida como o con

da

lucidez, como a incapacidade de discernir segundo a razão.

Os loucos seriam desarrazoados e por incapazes

para

o contrato

social.

o

código de 1830, um código liberal e calcado nos códigos

que

se faziam

na

Europa sob influência francesa, fundava a responsabili-

dade o

que,

racional de

estava ausente no

A nascia í 1841 o

no Rio

de

Janeiro. Mas este não erà ainda o

lugar

reconhe

cido pela sociedade

para

o envio

de

loucos. Havia loucos vagando

pelas ruas, no hospital

da

Santa Casa, misturados a vagabundos, sifi

líticos e prostitutas, nas prisões e nas casas de família, especíalmente

as abastadas.

O Código Penal de 1830 previa que os loucos

que

cometessem

crimes podia m ser entregues às famílias e casas a eles destinad as

conforme

ao juiz parecesse mais conveniente. O destino dos loucos

criminosos era incerto, assim

como

o

eJ a

o dos loucos

em

geral. A

própria noção de que os loucos

devem

ser encerrados

em

hospícios

ainda se construía no Brasil.

À medida

que

o.processo de medicalização

da

sociedade brasi

leira avança, a psiquiatria, reivindicando competê ncia ex

clusiva sobre a loucura, ganhando espaços

junto

ao Estado e ao mes

mo

tempo dotando-o de novas técnicas

de

controle social.

O discurso

quer

, , ' -0La.v

e controle sobre as

42

ao

que não se

mas como

complemento de

programas de higienização e

de

saúde

pública, ganhando

um

caráter técnico-científico.

A psiquiatria, ao se pretender

um

saber sobre a loucura, se apre

senta ao mesmo tempo como uma medicina que prescreve os com-

portamentos a serem considerados normais.

E

acíma

de tudo ela reserva a estes cidadãos, cujo comporta

mento é considerado fora

da

norma, um tipo

ele

destino inteiramente

novo: não serDO excluídos

por

infraçDo a um código

de

explí-

cito,

como

o criminoso. Mas, ao serem definidos

como

sua

exclusão justifica-s e

como

tratamento.

A doença de que padecem

é

justamente esta incapacidade para

o

contrato social, esta ausência

de

razão que

os

torna perig9sos

para

o convívio com a sociedade. A possibilidade de exclusão de cidadãos

.

C

d f t '

ue não tenham contrariado qualquer artlgo

c

o

U 19O

1

ena e

a

arma

que

a

a ao mas que no Brasil só será incor-

e

acelta oficialmente

em

alra

vês ela lei

Esta

lei, resultado dos esforços dos alíenistas

mento científico e político da psiquiatria, finalmente regulamenta a

guarda temporária dos bens do alienado pelo psiquiatra, define o hos

pício

como

único local onde devem ser recolhidos os loucos, subor

dinando a internação a um parecer médico.

A psiquiatria passa a dispor de um poder de seqüestro divers?

daquele de

que

dispõe o Judiciário. Podemos neste

~ n o

nos

r f ~ r

de modo mais claro às relações entre a psiquiatria e o dlrelto penal: sao

relações entre dois tipos de poder de seqüestro, um fundamentado

em

leis advindas

de um

contrato social de bases liberais, outro fundamen

tado

na

tecnologia médica.

Sob o impacto das ciências humanas, o próprio direito penal irá

transformar o direito de seqüestrar (ou de punir) numa função técni

ca, baseado nas noções de anormalidade e de cura. A psiquiatria exer

ce

junto

ao direito penal um papel ao mesmo tempo semelhante e

diverso do

da

36

Roberto

Machado op. cit. p.

484.

43

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8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003

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Semelhante porque vai dotar o Judiciário de meios técnicos para

que

mais e mais se fale em prende r para tratar

do que para

punir. Diver so

será a de colocar o juiz, de

celto

Sc b

a

tutela

do o

que levará as

duas técnicas

de

como denominamos a um confronto com cs-

vários

mOlncntos, mas

nunca conflito.

o

Penal dc 1830 não considerava criminosos

lou-

,com crescente d2

aumento dc

seu

na

sociedade

críticas começam a

I A loucura não deve ser num sentido tão

coo H 6

várias formas

e vários

graus

de loucura.

2. Loucura e irracionalidade

não

são sinónimos.

Há as

loucu-

loucura c criminal

há 1'e-

s,

que requerem

a

avaliação do

psiquiatra

para sua

determinação

estados crepusculares

da liberdade

A

psiquiatria,

numa de suas estratégias de consolidação,

procura

definir-se como autoridade única

nas

questões

de

respon

sabilidade

é ela quem vai apontar, para a Justiça, o grau em

que

a capacidade de discernimento

do criminoso está

afetada.

processo,

vai ser

destruída

a

idéia

de

que para

haver

loucura

é

so

haver perda de

razão.

Surgem as loucuras sem

as loucuras quase aos olhos do Ce do

juiz),

mas detectáveis

para o perito alienista. Vários

graus

de lou

cura que são o correlato

de

vários graus de responsabilidade. O

poder do psiquiatra

aumenta

na

medida

em

que ele pretende ser

o

verdadeiro juiz, porque médico e

cientista.

A

tentativa

é a lei, aproximar

crime

e doença men-

tal,

transferindo para

o

psiquiatra maior

poder.

44

Cedo os juristas

empreendem uma eríUca

deste ideal psiquiá-

trico, pretendendo a

competência

do perito: há a crítica

de

que

a psiquiatria

do-o

num doente. E

tal

crítica de certo

A

grande

batalha que se trava entre Justiça e

médicos e s6 aos médicos é definir

mente o estado normal ou anormal da constituição psicofísica dos

criminosos Assim como temos médicos do exército, médicos da

armada, médicos da polícía, poderíamos ter médicos

da

justiça

37.

Mas

vejamos o

lugar

do

médico

dajustiça

definido

pelo mes-

mo autor:

Não

confundir esta minha opinião com a que viesse coloca r o legis

ladoI/penal sempre à escuta dos orúculos da medicina, nas ques-

tões de

Os juristas

abrem

um para a

psiquiatria

junto ao

direito

penal, mas pretendem limitar este

ante a de que

toda

a

sociedade

se

transforme num imenso hospício, ante

a

dos

patólogos do

crime

..

Tobias Barreto

de

Meneses.

Menores e loucos em direito

de Janeiro, Simões, 1951,

p.

103.

B ld. ibid. p.

98.

45

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' em cujas obras a sociedade inteira aparece cómo uma imensa casa

de Orates e nquanto esses ilustres ... não desc obrirem o meio

nosocrático suficiente para opor barreira ao delito

39

.

Talvez

em

razão dessa desconfiança

reinante

nos meios jurídi

cos, o

Código

Penal de

1890

ainda

não

incorpore muitas das inovações

psiquiátricas.

Os juristas esperam que os se ocupem dos

mas não lhes tantos poderes na

avaliação

e

detecção da

loucura

quanto

estes reivindicavam.

O destino

do

louco-criminoso pode ainda

ser a além do

hospital de

alienados

referido

no

texto da lei. Mas,

por

outro lado,

a palavra

loucura

é substituída

por afecção mental , termo médico

que ratifica, de certo modo, a competência do

médico-psiquiatra.

Artigo

27:

Não serão criminosos .. os que se acharem em estado

de completa privação dos sentidos

e

da

no Mo ele

co

meleI'

o

crime .

nasce criticado

tas abrir para o

referência aos loucos de todo gênero era por demais ampla, a com

pleta

prívação dos

sentidos

e da

inteligência será criticada

por seu

caráter restrito demais, aplicando-se

apenas aos mortos 40.

Os psiquiatras querem demonstrar que um indivíduo não precisa

estar privado

de

seus

sentidos

e

inteligência

para

estar

acometido de

uma afecção mental. Há os loucos lúcidos, os que conservam as fa

culdades

intelectuais, as formas

morais de

loucura que deixam intacta

a integridade do eu. Há ainda os estados de inconsciência temporários

e situacionais (as cataJepsias, o sonambulismo, as histerias) capazes

de suprimir

a

capacidade de imputação

e

de conviver com uma

perso

nalidade que,

fora deste

estado,

é

inteiramente

normal.

Aparentemente,

os psiquiatras

parecem mostrar à Justiça que há

muito mais casos de inimputabilidade

do

que

osjuristas

poderiam

su-

39 Id. ibid. p.

34,

40 Dario Callado. Inconsciência do

1916, p, 5,

46

Rio

de Janeiro,

du

por, muito mais casos em

que

o psiquiatra

a ~ a r ~ c e

c o m ~ o perito

providencial, subtraindo criminosos à .

da,Jus.tlça,

no dIzer de

al

guns juristas. Mas se à prímeira vista a p S J ~ ~ : a ~ n a p a r e ~ e ~ concorr:

r

d

· . l'ção

do

raio

de ação do

JUdIcIano, na

verdade ela

abe

para uma lmmu c . •

muito mais no sentido

do

seu

reaparelhamento.

Acusada,

mUltas ve-

d

.

t t

de humanitária, com a qual desculpa-

zes, . e uma a 1 u .

. ,,,

o

criminoso,

a psiquiatria, embora

não d e s m e n t m ~ o

sua

~ u n ç c l o

curativa, buscou sempre

se

apresentar como aliada

no fortalecImento

da rPT,r.. , , ,

e

do controle

social,

agora dotado de novas

associadas

a uma

ação médica.

O

ensinamento psiquiátrico mais característico do

p e r Í o ~ o em

torno da elaboração do Código Penal de 1890 é

o

de que

a

razao

a

desrazão não po dem se opor de modo antagônÍco, que as r ~ l a ç ~ e s

entre Justiça e psiquiatria não podem ser colocadas de modo tao

s l m ~

1

I

C

)S

o aos a

p]cs, como, por cxemp o, aos

ou (

Entre a e

sua

1

t· 1

l lZ

o e a

loucura encontram-se

do

mesmo mOlO que ell te ~ , I . .

gradações diversas na

c o n s t í l u i ç ~ ? m e n t a 1 4 ~ o s

indivíul.l.OS, fonnan-

do os estados crepusculares da llberdade .

O destino institucional destes criminosos cuja e ~ p o n s ~ b . i l i d a d ~ é

modificada em razão de patologia mental está ainda l 1 d e f 1 1 l d ~ . N.ao

querem os juristas transferi-los totalmente para a g u a r d ~ ,d? pSIqUIa

tra. A tentativa

da

criminologia

é dotar

o

p r ó p ~ i o ~ u d ~ c I a n o de_um:

tecnologia própria

recolhendo subsídios

da pSlqUIatna, mas

nao

s

confundindo com ela.

Algumas

entidades nosográficas

da

psiquiatria

vão estar

particu-

larmente

relacionadas ao crime:

. d' 'duos com uma inteli-

As loucuras morais encontram-se em

lD IVl ?

. d detestave1

4

-.

gêncla regular ou mesmo agu a e um

4 Rodrigues

DolÍa.

Responsabilidade

Económica, 1929, p. 1l.

Id. ibid p. 48.

47

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Os

e p i l é t ~ c o s são sempre inclinados à ira, à violência, enérgicos e

sen: ~ s r u p u l o s na são excessivos nas opiniões religiosas e

pohtIcas, conservadores revolucionários

A

são

ou

aesr

1ro

po:rciIJnlldliIS,

. . com

que

S.Ofl

am ou f a ç a ~ ~

sofrer a socIedade. Consti tuem o grupo das persona-

lIdades pSlcopatlcas. Junto com as neuroses, constituem os casos de

restrita

..

A

nes-

do não

. que o acusado por dizer, um destino psiquiátrico .

EIS

por

esta categoria diagnóstica pode promover

uma

conciliação

~ n t r e Justlça e psiquiatIia, pode ser uma ponte de transformação no inte

nor das técnicas judiciárias, dotando-as de uma feição médl'ca qu _

.

.

. e

per

mltlla confundir, de forma definitiva, punição e tratamento.

, ? psicopata é um louco lúcido, cuja patologia consiste numa

e s p ~ c l ~ de opção cIiminosa. Mas o diagnóstico de psicopata não envia

o f l I ~ l I ~ O S O ao hospício, nem mesmo se tem a esperança d e 1110dificá

]0. Immlgo das leis por natureza, ele é antes alguém de

quem

a socie

dade deve se proteger:

Na sociedade o número de IJsicopatas é de ]

1

;0

. •• pessoas que

entram em conflIto com o direito administrativo, civil e

pena1

45 .

X

44

v

 

Conferência Brasileira de Criminologia,

in

Revista de Direito Penal 01

, 1936,p.58. . . V •

45Id. ibid.

p. 58.

48

A oposição às leis pode ser transformada

em

patologia, o que

permite adoecer , por extensão, as formas

de

contestação ao Esta

do. Cria-se a de dispositivos capazes conter tal tipo de

anomalia

As marchas e que as en-

tre e

ao

longo das últimas décadas

do século XIX

vão encontrar sua contrapartida prática na

década

20, da

_'''__ .

do

Manicómio Judiciário.

Este é um evento que coroa

de

êxito a dos

por seu reconhecimento oficial, mas, por outro lado, são impostos

certos limites a seu poder

quanto

ao

destino do louco-criminoso.

Um decreto lei em 1903 parecer, moment aneame nte, que os

vão

esta classe

de

criminosos em

os estados

nados e condenados alienados somente per

manecer em asilos públicos, nos pavilhões que especialmente se

lhes reservem (Artigo 11 do decreto 1132 de 1903).

Mas os manicómios criminais serão o resultado

de

um armistício

entre as duas partes em disputa: nem manicómio, nem prisão,

um

híbrido,

que

muitas vezes sofrerá a crítica

do

psiquiatra.

Ele

não po

derá aplicar totalmente a tecnologia disciplinar característic a do hos

pício e

nem

poderá decidir autonomamente sobre o destino desta classe

de alienados, ficando as internações e altas a critério

do juiz /

O Manicômio Judiciário é uma dependência da assistência a aliena

dos do Distrito Federal destinada a internações .. dos delinqüentes

isentos de responsabilidade por motivo de afecção mental quando,

a critério do juiz

assim o exija a segurança pública (Decreto

14831

de 25/5/1921, artigo 1°. Grifo nosso).

Em

decretos subsequentes a competência do psiquiatra restrin-

gia-se mais e mais:

Em qualquer dos casos a internação far-.se-á por ordem ou de

terminação dos juízes respectivos (Parágrafo Único do Decreto

17805 de 23/5/1927 .

49

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As limitações ao pode r psiquiátrico impostas pelo Judiciário vão

marcar a forma

com

que se dará a absorção

da

tecnologia psiquiátrica

por parte

do

mesmo. Ou seja, a psiquiatria não se apresenta para o

direito penal como uma alternativa que até mesmo a suprimi-lo.

Ao

contrário, ela vai ser um complemento da ação repressiva, dando

ao aparelho de uma disciplinar. O Judiciário se arma de

uma própria, que não se confunde quer com a psiquiatria,

quer com a penalogia tradicional.

somos

crnrmll0S:0S ou a

seremos latência Seremos

todos ambulantes cheias de criminosos

aferrolhados e que buscam escapar-se a despeito

das grades

e dosferrolhos

do recalcamento

dos carcereiros da censura.

EI fes evadidos

sedio

1USSOS crÍmes.

como

assassinos a

para

o

roubo ou homicidio

46

Dentre

os discursos produtores da anormalidade do criminoso, a

psicanális e criminal é o que vai aproximar de tal forma as noções ho

mem

honesto, normallhomem criminoso, anormal, que a oposição entre

elas

deixará

de

existir. .

A psiquiatria,

ao

produzir categorias

como

a de psicopatia, neu

rose ou loucura mental,

permitiu que a questão da responsabilidade

penal

se

colocasse

não

mais

como

oposição (responsável/irresponsá_

vel) mas

como

uma questão de se avaliarem graus de responsabilida

de . As formas em que a doença mental podia afetar a razão (capaci

dade de livre arbítrio, de responsabilidade penal) eram múltiplas, e

por

sua correta avaliação feita pelo psiquiatra, podia o direito penal orien

tar-se quanto à forma de sanção adequada a cada caso.

Moniz Sodré

de

50

A psicanálise, ao pensar o problema do crime vai tomar caduca

a idéia de responsabilidade. Nas décadas de 20 e 30 vão se tornando

mais freqüentes as referências ao que seria

uma

criminologia s i c ~ n a -

lítica, que de certo modo vai reeditar o pensamento dos p:'lluelros

criminólogos n este particular. Mas quando

Lombroso

e Fern susten

tavam que todos os eram

e inimigos

da

ordem social, quase não deixavam outra alternativa senão sua exc1u-

através de um aumento do rigor das penas e da vigilância policial.

Ao contrário, a psicanálise criminal poderá articular a idéia de

irresponsabilidade criminal a uma proposta de recupera ção do cri

minoso. Ao i11esmo tempo,

por

deixar

em segundo

plano as causas

biológicas e hereditárias, ela vai deslocar totalmente as determinações

do crime

para

a esfera do comportamento.

Na psicanalítica do a razão rcspon-

ou os graus

cm

que ela está de ser

A

se desloca para os afetos e para o controle que

o indivíduo é

capaz

de fazer deles, capacidade

esta

determinada

por

sua história de vida e pela educação que recebeu.

Tanto no

homem

criminoso quanto no

homem

honesto, o in

consciente seria a força capaz de direcionar seus atos (e não a razão).

A psicanálise criminal é contemporânea de propostas pedagógi

cas

de

recuperação do delinqUente, e veremos mais d i n t ~ que as

duas estratégias, psicanalítica e pedagógica, podem ser conSIderadas

complementares.

... já vimos que a afetividade se educa ou é s u s c ~ t í v e l d e modifi

cação .. assim como a inteligência, por

V J ~

da m s ~ u ç a o . Se

homem não foi educado, se não teve na

VIda

senao o conhecI

mento que ela própria lhe deu ... [se seus)

s e n t i d ~ s

embotados ...

jamais sofreram os benefícios das sanções bem onentadas.:. a t e ~ -

dendo às requisiç ões ego ísticas do eu ... delinque .. [ r ~ g n d e ] as

condições primitivas. Esses elementos afetívos, exammado: e:n

-

 I d

-

de Patna

unção da noçao .. de faml la con uzuao a _ .

e ao sentimento Cívico e Social... da conclusao ser llnpos-

51

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ta ao paciente, mesmo qu e a título de

conselho... ele

próprio

quem à conclusão

compatível com a moral

Queméo

Alguém a quem não foi

dada

a

adequada

levar instintos

sem

opor frei-

do

em

comum: uma afetividade caó

sempre a

sociais, o adequado con trole

IJ '- 'Uti. -u

os objetivos

A associada à vai

procurar

as

c:usas do

cnme

no inconsciente do este manancial de pai-

x o e ~

d e s ~ r d e n a d a s

que habita todo

ser

humano. Na criança,

que

neste

sentIdo

e.semelhante

ao criminoso, os afetos, ainda não

vai opor a

nosos, incompatíveis

com

a convivência social.

Segundo a psicanálise criminal, o criminoso e o neurótico ao

mesmo

e ~ p o se aproximam e

se

diferenciam. Neste ponto, o centro.

de referenCia das discussões é a noção de Complexo de Édipo.

O

enfermo neurótico e o deli nqücnte são no fundo a

mesma coisa

..

que

o .neurótico faz pela representação, no

domínio

dos sintomas

m o f ~ s l v O S executa-o o delinqüente em reais ações criminosas ..

ambas as condutas mórbidas se originaram na vida sexual

da

crian

ça e

em

seus desejos proibidos .. os delinqüentes praticam o crime

porque este

é proibido e

porque

sua execução lhes dá alívi048.

aspecto da colaboração do

educador

na

obra

de regeneração do sentenciado , in

Revista

de

ireito

Penal

VoI. IX, 1935, p. 163/5. '

48

~ l s o n Hungria Hoffbauer. Comentários ao Código Penal Rio de Janeiro

RevIsta Forense, vol. I tomo l, p. 502. '

52

Nosso

propósito não é o

de

analisar a propriedade ou a exatidão

com que os conceitos psicanalíticos são utilizados neste contexto,

mas de

situar o

da

que

antecede à elaboração do

Código

~ J L ~ . ,

da anormalidade do

sobre o

Mas

é

de uma que nos falam os autores, e

neste ponto tornam-se os mais otimistas quanto à cura do

Como

uma

tendência no interior do a

psicanálise nos fala

da necessidade da

lei.

Se Lombroso e

Tarde enfatizam a necessidade de

defesa

social (através da metáfora

biológica,

um

organismo

que

se defende), aqui as leis

surgem desta

vos

atuando e, de certo

cujas proibições

n t e r n ~ s

falharam

49

:

Com relação às penas,

vimos que

o discurso

médico

(psiquia

tria, endocrinologia, etc.) as vê sob retudo

como

possibilidade de cura,

tendo uma finalidade terapêutica, embora

quase sempre imposta

ao

doente, pela necessidade de defesa social. Apenas a psicanálise crimi

nal

vai

falar do desejo inconsciente que todo criminoso

tem pela

pena,

o

que

a torna,

como

veremos, ineficaz, apontando para a necessidade

de sua transformação.

Vai

ser

operada uma redefinição da pena.

Se

o delinqüente in

consciente mente a deseja, ela se torna ineficaz,

que o

levà

a

come-

49

Interessante questão a ser pensada pelos psicanalistas de hoje, a

da

coincidência (ou não) da lei (do aparelho judiciár io) com

a

lei do pai, o

superego, etc. Caso não se faça uma correta distinção das duas acepções do

termo, dificilmente poderá ter a psicanálise um outro papel que não o da

adaptação e do controle social. No exame desta questão podemos verificar

freqüentemente que a psicanálise de hoje não é tão diferente da de ontem ,

na qual apenas sua feição autOlltária apareceria mais claramente.

53

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ter

novos

crimes. As culpas edípicas inconscientes

que

o levaram a

delinqüir

continuam agindo,

levando-o

a

novos atas criminosos.

E

neste ponto, enquanto alguns autores defendem que o delinqüente deve

ser

submetido ao tratamento psicanalítico,

outros defendem a

refor

ma das para que deixem ser punitivas, tornando -se

A idéia de punição deve ser riscada de todo o direito penal, pois

que a pena satisfaz somente a culpa íntima infantil.

aboliu a pena

a

destruirá a

Seja via de reforma ela prisão, seja pela psicanálise, o que se

busca é a reconstrução do respeito às leis, não

conseguida

através da

punição

ou intimidação,

segundo o direito

penal clássico ,

mas pela

reconstrução de

algo

interno ao indivíduo,

que se

diferencia

também

de uma

dita.

que me habituei a conhecer a alma humana através da

do inconsciente

tellho

culdade de os códigos

me

ensinou que é possível cultivar a infância e até mesmo regenerá

la mas isso sem a necessidade de punições nem de castigos o

único meio atual capaz de mergulhar no inconsciente do indivíduo

e de refazer-lhe o superego, isto é, de reconstruí-lo na capacidade

de adaptação [é a psicanálise]51.

Produz-se

aqui

uma

técnica de regeneração através de

uma

pe

dagogia dos afetos e dos instintos. Sem punições ou castigos, essa

técnica pode conduzir o

indivíduo ao

respeito às leis.

Não

há pois

lugar para

a

prisão

tradicional. As

prisões poderiam

mesmo

ser aber

tas , semelhantes a hospitaIS psiquiátricos open doors , à medida

que

fosse

sendo

reconstruída no

indivíduo

esta capacidade de auto-

aprisionamento instintiv0

52

• .

50 J P Porto-Carrero.

Mano, 1932,

p 27

5 Id., ibid.

p. 58-63.

52 Id., ibid. p. 63.

e psicanálise. Rio de Janeiro, Flores e

54

Como

parte das

estratégias

de recuperação

e também como for

ma de

evitar o

favorecimento

do homossexualismo nas prisões,

estas

não devem

proibir

a

vida

sexual.

As proibições

e

punições devem ce

der lugar ao controle adequado

sobre

a sexualidade, dirigindo-a

no

sentido

da adaptação

social.

Pois

o

crime

é o

produto de uma errónea impul-

sos sexuais. Como canalizá-los adequadamente, no sentido

da

adapta

ção?

Através da educação, seja na

nos

casos

seja

pela

psicanálise, nos casos de insucesso. Mas esta é, antes

de

tudo, uma

tarefa de

toda

a sociedade:

: quando uma educação sexual bem dirigida preparar o indivíduo

para a vida coletiva, que é a vida de espécie, quando houver um

regime de trabalho obrigatório e toda vocação for discriminada no

gabinete do técnico, será pelo menos raro que os sexuais

não satisfeitos ato procriador,

e

não sublimados

se desviem

para

as suas ;mômalas: perver-

A sociedade deve se transformar num imenso laboratório peda

gógico, em

que

a tarefa do Estado

deve

ser não apenas repressiva

(de

fato,

deve

deixar

de

sê-lo), mas

educativa, agindo sobre

os afetos e

sobre os instintos e dessa forma eliminando as ilegalidades. Enquanto

tal reforma social não se dá, a

sociedade aparece como

um

imenso

celeiro

de comportamentos desadaptados.

A

miséria preocupa

nossoS

teóricos exatamente no que ela pode trazer

no

sentido de uma má

canalização dos impulsos, pela desagregação

sla

família,

pela

promis

cuidade. infância abandonada merece especial preocupação

- des

cuidada, ou cuidada por famílias corruptoras, ela vai ser vista como o

domínio natural

para

a ação pedagógica do Estado.

Ao desprender-se das determinações biológicas para

a

compre

ensão

do crime, a criminologia psicanalítica

pôde

dar significado pre

ponderante

às

chamadas causas sociais do mesmo.

Entretanto,

esse

social

será compreendido

de modo

especial. De par com a constru-

53 Id., ibid. p. 29.

55

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8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003

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da do criminoso anormal constrói-se

também

uma visão do

social como fonte

de anonnalidade

e de crime como

tanto à de negativos. : : ) ~ a r n H 1 a I e n 1 0 S

a o

modo

como o discurso

para além

do

da

ao Judiciário de

sobre as

a

d é c a d a d e 3 0 , v J I ~ V , l d H H ç l

tenl aCao entre os juristas na

se as

de incor-

poração

Código

discurso

aos

novos dispostivos inaugurados com

o

de 1940.

o novo código vai reconhecer a anormalidade do criminoso muito

mais

via do

discurso Por

outro

este

muito mais voltado para

o

a

que em

e

permanece

como

um

discurso relati vamen-

te

inoperante.

Ela

se liga

a estratégias disciplinares

que permanecem de

certo

modo preventivamente organizadas

mas

apenas parcialmente leva

das à

prática

na

sociedade brasileira da

época.

. A criminologia psicanalítica é por outro lado alvo de crítica

aCIrrada por

parte

da

maioria dos juristas do

período:

... dír-se- ia o sonho delirante de um fébrento .. o

métod;de

Freud

é

anti-científico e a psicanálise não passa de um episódio de

cultura

54

.

tão excêntrica tão repugnante ao nosso sentido moral a teoria

f r e u d i a ~ a ,

no

~ a : e . r i a l i s m o

obsceno de seus raciocínios forçados e

c o n c l u s o e ~

a r b l t r ~ n a s ... a criminologia dos psicanalistas é bem aque

la que sena arqUltetada por um delinqüente

55

.

54

Nelson Hungria Hoffbauer

op. cit.

p. 507.

55

M . S ·d

omz o re de Aragão op p. 370.

56

Embora fosse a criminologiapsicanalíti ca a tendência no interior

da

criminologia capaz

de

instaurar formas de

controle mais marcada-

mente

disciplinares ela

relativamente

inoperante no período da psiquiatria

da qual

a

conotação

com uma

conotação

essa

melhor fornecida

pelo discur-

80 psiquiátrico.

Da

anormalidade social

Além

de

ser um discurso

da anormalidade do

so a criminologia

produz também tendo como ponto

de apoio o

estu

do das

causas

sociais do crime um discurso complementar

que

per

mite ao Judiciário remeter-se ao social como

um

foco anómalo de

causas

criminosas.

A anormalidade do criminoso e a anormalidade social são

na

ver

dade concepções indissociáveis partes de uma estratégia que arma

o

Judiciário de maior

poder

de repressão e controle social.

Ao produzir

a

figura do criminoso anormal

a

criminologia pro

cura caracterizar a

transgressão

à lei como

sintoma

de

anormalidade

Abre espaço por

outro lado

para

confundir

todas as

formas

de ilega

lidade

desde

o

homicídio mais facilmente identificado

com

formas

patológicas até aquelas formas

de

ilegalidade

popular

mais evidente

mente contrárias às autoridades constituídas à

moral burguesa

e aos

interesses

de

propriedade.

56 Mário

Gameíro,

op cit.

p.

190.

57

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Já vimos no i s c u r s o da criminologia o Estado aparece como

r e g ~ l a d o r

apohtlco,

tecnico-científico, podemos dizê-lo d d

socIal _

ele

se coloca acima, descompromissado de ua ' a

or

em

se, Seu compromisso único delegado q .lquer

mteres-

 I

' ' ' ao

sena

com a defe

sa l

a socIedade em sentido / d -

legitimo . benenco, a qual ele

se apresenta

como

Nesta

medida

o cr'] 1 •

J

dr ' J 11e \ aI sei tematlzado,

na

vertente sociológi-

Cc. o , I S : , U ~ s o da cnmmologia, enquanto

A

do JudIclano seria o combate

a esse

mal ··

. que

po

e germmar em

. c

A

as:e

ou segmcnto social. Para comprovar tal tese .

cem referenc ' ' ' apate-

. las aos cnmes das classes abastadas

que

d

combatIdos

com' > ' evem ser

a mesma energIa que os

demais'

o

O Cl O

d '

dão a d f ' a evaSSI-

, ;

gran

es alcatruas, delitos igualmente graves e tão pouco

ob-

serva os, Por outro lado, a articulação

afirmada entre

o

nódulo das anMises cri

do

crimc.

e

No

a anon113lidade do

~ ~ q u ~ m t o

p r ~ d u ç ã o

do

discurso

da

criminologia, fizemos

menção

tam

l

dm :

a ~ ~ J r a

c o m ~ era paralelamente produzida a noção de anorma-

l, a e SOCIal. R ~ c a ~ t u l e m o s aqui,

brevemente,

como ela a areci

dISCurSO dos pnmeIros criminól

' p a

no

criminal.

ogos, na

pSIqUIatna e na

psicanálise

Lombroso,

Ferri,

a psiquiatria e as causas soCiais do crime

o

atavismo,

reconhecido por

Lombroso no delinqüente l'mpI'

cava também u . - d ' 1-

'd

ma vlsao o SOCial segundo a qual um grupo

de

indi

VI

u o s _ o ~

transgressores

das

leis)

representava

o resultado d -

evoluçao as aves

t

e uma

as

formas

de 1 e c r : ~ : ~ ~ ~ e O ~ a ~ d o , ao

r i m i ~ i : i s m o

e à seJvageria. Todas

, _ mc

USlve as pobtlcas) eram vIstas como m -

:olt:Sedsteaçaod este retrocesso evolutivo, transmissível e r e d i t a r i a m e n ~ e

scen entes

razão

1'1 '

ív' . I pe a qUd

estes

deVIam ser excluídos do con-

10

SOCla

,

A

leI as

eram

58

mesmo raciocínio, um resultado «feliz

da

seleção natural no campo

da cultura. A

sociedade

estava

assim dividida entre

seres atávicos,

que

reeditavam

a selvageria

dos

primitivos, e seres normais,

produtos

bem

sucedidos

da

cvolução, que naturalmente

detêm

o

poder

de legis-

lar

sobre os primeiros,

Em esta concepção da divisão das classes

segundo

seu grau de evolução

hatural

se

torna

mais clara c

prescinde

da

de

estigmas

físicos,

São

defeitos morais transmitidos here-

ditariamente, que podem ser adquiridos, c

pela convivência nos ambientes pobres e

por

isso

mesmo

devassos. A

seleção natural, única responsável pelas diferenças e contradições so

ciais, dá o fundamento da reação social contra

aqueles

que transgri

dem suas leis, pois a sociedade é também um

organismo

natural .

tem

o direito

de

amputá-lo .. a

por

um de

seuS membros .. tem o

di-

do social e no interesse

A psiquiatria,

em

sua

contribuição

ao

direito

penal,

sempre

re

meteu ao social ou às causas sociais da doença mental. Inicialmente

vinculada ao discurso da degeneração, ela também

encontrava

no do

ente mental

um degenerado.

As

causas

de seu mal, hereditárias, esta

vam presentes sobretudo nas classes pobres, nas

raças

inferiores ,

especialmente a negra, para alguns autores da passagem

do

século

XIX ao XX, Mais

tarde

a doença mental passará a ser vista.como

produto da interação dos fatores hereditários com as causas ambientais,

O que

se herda,

a partir dessa interação, é

uma

disposição à doença,

que só vai

se manifestar

se fatores externos colaborarem. E estes

fatores estarão ligados,

quase

sempre, aos ambientes

onde

imperam

a

pobreza e suas conseqüências somáticas, tais como a subnutrição, e

por outro lado à desagregação

familiar

e moral, os chamados antece-

sociais da

doença,

57 Moniz Sodré de

59

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Para

a psiquiatria, o combate ao crime só se dá

em

toda sua

plenitude se, além do diagnóstico e tratamento das patologias mentais

relacionadas

ao

se fizer

uma

política de higiene das popula-

uma

vigilânc ia sobre as sobre os etc.

doentes mentais

é

estabelecer o exato

U 5 ~ C ' ' ' ~ ' ~ da temibilidade

dos

candidatos

a

livramento

condicional e

sua

CajX1C;W;a-

de de anti-social. O que se torna de absoluta necessidade

é

fixar sua médica fora das e o programa conveni-

ente de

higiene mental a que cada

um

deve ser

A

do Judiciário, medicalizada pela psiquiatria, deve

ser

es-

tendida para fora

da

prisão ou do manicómio Judiciário - o termo

vigilância médica fala por desta

trica sobre a sociedade.

o discurso da

totalmente

d<

causa

Ul1 h U, abriu espaço para que a sociedade, especialmente no que

diz respeito

à

organização da família, puoesse ser vista

como

a grande

fonte produtora

de

criminalidade. A solução para o problema do crime

é

colocada, fundamentalmente, como

resultado

de

uma

ação

reformadora sobre o social- ação refoDnadora que se daria através

de métodos educativos.

Mas a criminologia psicanalítica apenas retoma uma questão sem

pre presente no discurso da criminologia: a das relações entre a pobre

za enquanto desorganização

da

soc;iedade ( o caos ) e o crime. O

discurso criminológico, no período que antecede a elaboração do có

digo penal

de

1940, não

se

articllla

necessariamente a ações

reformadoras sobre o social; pode articular-se apenas a ações repres

sivas de cunho policial e judicial.

psicopáticos

dos

sentenciados ,

in

Revista de Direito Penal,

vaI. VIU,

1935,

p.

27.

60

o micróbio e o meio de fermentação

o meio o caldo de cultura da

o

' U ' n m f J

é o criminoso,

um

senZio

no

dia

s

lemento

que

não tem

em que acha o caldo quc

têm

os

que

merecem .

,como

eles

de

uma

se

de 20

e que tematiza

de

delineada nas . . O

l a ~ o

entre

questão das causas socuus do '< . .

estará sempre presente, mas articulado

de

duas fOlmas

a

e crime

. / ; m mal-estar

flSlCO,

Na

primeira deJas, a

mlsena,

ao gerar u

A da

desnu-

ao o

eo

'1estas o

taras. . . doenças lado a

. d d eração A

111lSena

.

dIscurso a egen

.

. das populações pobres

. . Tal dIagnostlCo

lado

com

anomalias moraIS.

t

que vão desde

- d

nétodos de

tratamen o ,

levou à elaboraçao e

vanos 1 . _

dos menores sempre

e

'os pedacrógicos até políticos

de

recuperaçao '

mI/;>

. .

associados a medidas policiais e JudicIaIs. . ' cala que

1

a renda em

mUlto

malor

es

Que ele (o povo) aprenda a er e . p 1 _ das sílabas se lhes injetem

e com a artlcu

a ç a o

, .

atualmente

..

mas qu . _. 1 slnente falando a mte-

. J

do direIto nao sImp e. . .

os preceItos;:l:a mora e

.

t para melhor disClph-

liuência,

mas

principalmente aos senumen os,

o 60

na da vontade . ue este transplan-

À

'famílias é

preciso tirar-lhes o filho para q

6 1

smas _ t r a tara ongmal .

tado e regenerado, nao possa perpe

ua

59

Moniz Sodré

de Aragão

op.

cit.,

p.

60 Clóvis Bevi1aqua, op. cit., p. 95.

.

Rio de Janeiro, Brasil,

d

. a criminolog

ta

.

6 Astolpho

Rezende.

Nos ommlOS .

1939,

p.

169.

6

mais importante destas

características refere-se i n c a p a c ~ d a d e ou in

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8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003

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o segundo tipo de articulação entre miséria e crime presente no

discurso

da chamada

criminologia crítica é o

que

relaciona não a miséria

em si, mas a desigualdade na distribuição de bens, ao fenômeno do crime.

É importante sublinhar que, em ambas as concepções, o meio

social é visto antes de tudo como um gerador de crime. Estamos

diante

de

uma concepção segundo

a qual as as

antagônicas entre as classes, são produtoras, antes de tudo,

de

um

fenômeno

negativo,

patológico, sobre

o

qual

é

reclamada

urna

reformadora.

E de onde partiria esta ação reformadora?

Do

próprio Estado,

entendido, como

vimos, enquanto regulador

técnico, apolítico,

da

sociedade.

As diferenças sociais,

mesmo quando apontadas (fala-se

aqui em desigualdade), são esvaziadas de qualquer positividade, de

qualquerpotencialidade de mudança e transformadas em sinal de anor

social a ser

A miséria e as sociais nào

em

seu

cial de mas sempre como do crime en-

quanto

um

mal

a

ser sanado por medidas repressivas

e técnicas.

Alardeia-se a necessidade inadiável

de que

se

contenha

a onda

sempre crescente da criminalidade, frase encontrada repetidas vezes

e em diferentes épocas nos textos

criminológicos,

como

parte de uma

estratégia que justifica o constante reaparelhamento

do

Judiciário e da

polícia, viabilizando um aprimoramento constante dos meios de re

pressão

e controle social.

/

rabalho e reforma social

No discurso criminológicosobre a anormalidade social, a pobreza é

vista

como

o principal agente

causador do

fenômeno do crime.

Mas

pre

cisemos melhor de que maneira esta é concebida: não que o estado de

necessidade material gerasse, por exemplo, os delitos contra a proprieda

de,

ou

que estes encontrassem

um

sentido ao serem assim explicados.

Ao

contrário, a pobreza é vista como deconente

de

característi

cas morais

ou

mentais

de um grupo

de indivíduos

na

sociedade. A

62

dolência para

o trabalho, associada a outros víc:os.

orms

decorren

tes,

como

a

tendência para

o alcoolismo, a proStltUlçao etc.

O

.

1l\'nólogo

s

comentam que a vadiagem, antes de ser

um

delito,

seUl .

d d

é sobretudo

um

assunto para médicos. Representa um e v: a

incompatível

com

a convivênci a social.É justamente s s ~ gênero

de

VIda

que

caracteriza a pobreza e,

em

última análise, o

cnme.

A reforma social de que nos fala a r i m i n o l o ~ i a versa u s t : ~ e n ~ e

sobre

a

transformação

d e ~ e s hábitos de vida. E uma estrategta ue

_ b

oe

o social de modo a melhor controlá-lo. Gerir e tutelar a

açao

so

I

.

miséria:

assim poderia

ser definida a

proposta da cnImnolog

13

em seu

projeto de intervenção sobre a sociedade.

No

que

se refere à questão da recuperação

do

criminoso, o traba

a

terapêutica

privilegiada. As prisões

devem transformar-se

oficinas, erl1 que o trabalbo'é antes de

eda

e

lho

em

de

o

[iamente

.

esta marcha lenta da prisão mais rigorosa

à

liberdade obri?a

o

sentenciado a uma ginástica contínua

de

suas a c u l ~ a d e s

m o r ~ l ~

A

todo momento .. tem

o

preso] que respeitar os

p r e . c e ~ t o ~

dogmatIc.as

do estabelecimento, tem que se restringir, se

d I s ~ l p h n a r

e. aSSIm

aprender a viver com modéstia, tolerância e r.espelto ao reg.une

ordem e do trabalho

..

isto traz grandes sofnmentos morms, mas

precisamos aprender que só com o s o f r i ~ e n t o aprendemos a ser

pacientes, resignados, tolerantes e bons .

A indisciplina e a ociosidade geram a miséria, que é por sua vez o

gerador número um da criminalidade. Nada melhor, pa:a o combate ao

crime, que combater o ócio e a indisciplina, tanto na o c l e ~ a d e ~ m ~ um

todo quanto

na

prisão, enquanto

i c r o s ~ c i ~ d a ~ e .

O

e l ~ ~ p ~ v I l ~ ~ l a d o

para o aprendizado

da

disciplina, do respeI to a leI, da obedIencla, eJusta-

62 Roberto Moreira da Costa

Lima.

A

de Direito Penal vol. X, p.32.

Paulo ,

in

Revista

63

11

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8/20/2019 Livro Cristina Rauter Criminologia e Subjetividade No Brasil Colecao Pensamento Criminologico Vol 8 2003

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mente

o trabalho.

É

o que

veremos

a seguir, num exemplo privilegiado

desta estratégia fornecido pelas

colónias correcionais agrícolas.

lhes

não

As colónias

correcionais agrícolas,

segundo o exemplo

pas-

seI' tomadas como laborató-

que o Judiciário arma

do

à lei.

As

colónias ~ . . - , ~ , ~ .

têm como

a

à

vadiagem e o amparo aos necessitados .. impedir que os

egressos

do

cárcere e

os

sem trabalho se tomem vadios .. que os

vadios se tornem criminosos.

Destinam-se

também

a

vadios

condenados e,

livres que

por de emprego a

ser consideradas

que os guar-

de

rnanrida

a

noturna dos e absoluta dos

indivíduos de seções diferentes

e

de solicitar

.. o

auxílio da força

pública para

pôr

fim a motins e lutas entre os internados .

o cliente da colónia é o

vadio:

Inspirou-se o regulamento na moderna corrente penalista que sus

tenta ser a vadiagem um estado patológico

do

indivíduo .. o vadio

será condenado

à

residência na colônia correcional... procurou o

legislador incutir-lhe [assim] o hábito de residência.

ainda

um

Conselho de Trabalhadores , decorrente

da

neces

sidadede

se levantar o nível do moral do internado, despertando a noção

ex ata de seu próprio esforço .. estimulando a vida

em

sociedade, o

êxito da produção racionalizada e as múltiplas vantagensda justiça

social.

Os membros

do

Conselho dos Trabalhadores são escolhidos pelo

diretor, entre os trabalhadores

de

melhor conduta, podendo

ser

desti

tuídos

se for posta em

risco

a boa ordem e disciplina da

colônia .

64

A

colônia

é uma verdadeira-escola de

trabalho

e readaptação,

onde

são também ministrados ensinamentos de

de

moral e

disciplina 63.

a

o

o Judiciário

corrente

de

residência , são estratégias

disci-

plinar do Estado

sobre

os

setores

da população.

Eis as mudanças

sociais

de que

nos

falam os criminólogos. Na

verdade, elas

se

referem mais a mudanças

na própria

estratégia do

Judiciário,

que mas procura dar à

político a idéia

um

sindicato

ideal,

onde

os

trabalhadores

são cúmplices na vigilância, tra

balham sem reivindicar

direitos,

organizando-se apenas para sustentar

a própria

exploração.

Multidões criminosas

Os motivos populares têm sempre a pronta

. • 65

adesão dos piores elementos SO lalS

Em suas análises sobre os delitc:s das multidões, que

se

tornam

freqüentes na

é c ~ d a

de 30, a criminologia mostra

uma

outra faceta de

seu

discurso

sociológico

É

como se fosse neste momento avaliado

63

Milton Barcelos.

As

colónias correcionais agrícolas constituem meio

de profilaxia social , in

Revista do Direito Penal vol.

XIII, 1936, p. 175-82.

6 De fato a repressão policial segue sendo o método mais comum de controle

sobre esta parcela da população, mas que se dá muitas vezes acompanhada

de um

discurso como o que descrevemos.

65 Nelson Hungria Hoffbauer. O crime da sedução , in Revista de Direito

Penal voI. X

1935, p. 9.

65

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i

o potencial político das massas populares, no

que

elas

representam

como

ameaça ao Estado,

ao

mesmo tempo instrumentando este mes

mo

Estado

para

sua própria preservação.

Nos

textos

criminológicos

das

décadas

de

20

e

30 aparecerão

com insistência referências

à

selvageria das massas em

geral, ao

bra

sileiro

em

particular, fadado

por

sua

própria

natureza

ao desrespeito

às leis,

à

indolência, e outras características de

conduzir à

delinqüência.

A

causa

deste estado emocional caótico e descontrolado que ca

racterizaria

o

coletivo vai ser buscada, neste momento, tanto na ori

gem

racial

do

povo, no atavismo (reeditando o lombrosianismo),

quanto

116S fenômenos

psicológicos descritos por

Gustave

Le

Bon, Freud

e

outros.

Quando na multidão enfurecida os homens obedecem mais aos fa

tores

Brasil

dárias,

é

um vasto campo para

essas

reveltas

As manifestações populares preocupam os criminólogos

e

aos

fenômenos que

nelas estes observam são dadas várias designações:

epilepsia

das multidões, furor coletivo, degradação do

pensamento,

estado hipnóide. Na multidão

o

indivíduo perde os freios morais que

possuía:

a

afetividade

se

intensifica,

a

inteligência decresce, já não

pode decidir livremente por seus

atos, torna-se

facilmente suges-

tionável,

odeia

e

ama exageradamente.

Necessário se

torna, do

ponto

de

vista do poder

dominante,

que

se oponha um paradeiro ao perigo

que

representam os indivíduos reu

nidos. E mais

uma

vez surgem o Estado e as leis

como

fruto de uma

necessidade,

aqui, a

necessidade

de

ordenar

o caos,

de conter

o

inaciona .

' a

disciplina legal, formulada pelo direito, inspirada pela necessi-

p

108-9.

66

dade .. vem tornar em manso lago

as

inconstantes ondas das mas

sas que se arrepiam aos mais leves sopros de opiniões soeiais ...

67

.

Ao caracterizar como doentias

e

selvagens as manifestações da

multidão, a criminologia se apresenta

como

um dfficurso através

do

qual

o

Judiciário capta seu potencial

político.

Ao mesmo tempo,

faz

aparecer como

uma

necessidade

natural o

de

as leis,

os dispositivos

de

repressão e controle social, respostas

tecnicamente

justificadas

à

desagregação mental das multidões em

revolta.

Através do

estudo dos

chamados

crimes da multidão, o Judiciá

rio elabora um saber que

se articula a

uma estratégia de controle sobre

as formas de organização popular.

A multidão coloca-se, agora, no primeiro plano da vida social, ins

talando-se nas praças, como no gover'flo. Enlarguecendo os hori

zontes da função do Estado, fazendo-a em órbita

(os estudiosos da duplo serviço:

à

sociedade e ao

indivíduo

..

mostrando o caminho a

para, em

sua

contra os

excessos das

mul-

tidões dclinqüentes

68

.

5 O Código Penal de 1940: vigilância e tratamento

Ao longo

de cerca de quatro décadas, a partir

do

final do século

XIX, a criminologia se expandiu, ampliando sua importância

junto

ao

direito

penal

e

produzindo

transformações

concretas

nas práticas ju

diciárias. O

Código Penal brasileiro de 1940

é

saudado como aquele

que

finalmente incorpora as inovações trazidas por

esta

jovem ciên

cia,

ainda

que com atraso em relação aos

grandes

centros e

mesmo

em relação a outros países da América Latina.

A

criminologia, esta espécie

de amálgama confuso

formado

a

partir das ciências humanas, se por um lado deixa

a

desejar em

67

Haeckel

de

Lemos. "A razão de ser da disciplina",

in Revista de Direito

Penal

voI.

XIV, 1935,

p.

217-9.

68

Elias de Oliveira, op cit.

p.

3-7.

67

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termos

de

elaboração

dentre

as

mesmas

69

.

por outro é talvez a mais

As

v H ~ - - J - entre as chamadas ciências humanas e o poder não

são nunca de exterioridade:

estas

não

são

usadas

ou

o sentido

de aos interesses da

e do controle so-

cia . Ao

e

estão indissociavelmente

que instrumentam e viabilizam.

Não que

a

deixem

de

ter,

neste sentido,

um

caráter

aqui

é

que a demonstra

de

por demais evidente

esta

com o poder.

O direito criminal moderno deve ser estudado, não para complicar ..

mas para armar o

defesa contra

de meios mais

70

e eficazes

ela

de Estado.

O

poder

disciplinar se

generaliza

na sociedade, através de outros

dispositivos

como

a psiquiatrização, a escolarizaçã o, etc.,

instaurando

formas

de controle

sutis,

não

violentas à

primeira

vista.

Acompanhan

do este processo,

o

próprio Judiciário adquire

uma

feição

disciplinar,

mas que não consegue

descartar-se

de sua outra face, claramente re

pressiva.

Eis por

que a

criminologia

não

pode disfarçar seu

compromisso

básico com a defesa social", ainda que se esforçando em ser uma

69 "Tem-se a impressão de que o discurso da criminologia possui uma

tal

utilidade, de que é tão fortemente exigido e tornado necessário pelo

funcionamento do sistema, que não tem nem mesmo necessidade de se

justificar teoricamente

ou

mesmo simplesmente

de ter uma

coerência

ou uma

estrutura.

Ele é

inteiramente utilitário", (Michel Foucault. "Sobre a prisão",

in

Microfísica o poder

Rio de

Janeiro, Graal, 1979,

p. 138 .

7 Esmeraldino

O.

T Bandeira.

Estudos e política criminal

Rio de

Luzinger, 1912, p.12.

68

ciência

do

homem , no

sentido de

que

visaria

a

cura

do criminoso, a

solução

do

problema do

crime,

etc.

de

crime na qual

este não

cas quase

à lei, mas a

um

fenômeno

com característi

ÁlUi,--,ç,uv

social

ou individual.

O

alvo

inequívoco desta

de popu-

lar

que ameaçam

diretamente

o

mas que

dessa

forma

seu

caráter

político.

É constante, desde

o da criminologia, o

repetitivo

clamor

contra

um

aumento

da

criminalidade e pela necessidade

de

uma reação contra este fenômeno.

Podemos considerar

que

o

tão

es

tudad.o e propalado

problema

da criminalidade,

de

seu aumento

do discurso

,no SCI1-

tido

de

que isola e

descarta de

seu

contexto

o chamado combate

ao

crime , urna

tarefa técnica, é

descaracterizado,

em seu compromisso com

a

manutenção

das

formas de dominação vigentes

na

sociedade.

Em

nome da

adoção

desses

novos meios técnicos para

o

comba

te ao crime

são incorporadas

ao Novo Código algumas

inovações.

No período que antecede

a

elaboração do

mesmo,

os juristas mais

ligados

à tradição liberal do direito

denunciavam

estes novos

dispo

sitivos

no que estes representavam enquanto aument o do arbítrio e

restrição

das

liberdades individuais.

Como

diz Magarínos

Torres:

O direito penal foi subvertido em seus princípios mais elementares

..

abolido por completo o princípio da igualdade perante a tornada

esta retroativa e, em certos casos, pura criação do juiz, tendo em

vista a periculosidade do delinqUente. Não serã o coisas velhas com

71É também, certamente, uma invenção do discurso veiculado através da

imprensa, freqüentemente impregnado de opiniões de cientistas sociais,

psicólogos, criminólogos, etc.

69

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novos nomes? Não serão .. males que a humanidade lutou séculos

para corrigir?72.

Mas

se a tentativa de aumenta r o espectro repressivo das leis era,

em anteriores ao surgimento da criminologia, identificada de ime-

diato com o autoritarismo, com

uma

política conservadora, a

relJreseJntc u

uma via através da esta apa-

recer como apolítica, neutra e descompromissada, porque científica.

Dissemos que a intervenção da criminologia junto ao direito penal

resulta

em

que este passe a ter

uma

disciplinar,

OH

que

a tecnologia disciplinar práticas judiciárias tradicionais.

No Brasil, este processo tem características peculiares. O Códi

go

Penal

de

1940 traz consigo dllas inovações, produtos do d esenvol

vimento da ciência da criminologia: o critério da periculosidade para a

aplicação

da pena

e o dispositivo da medida de segurança.

Nesta

de pudor de que é tomada a

a COll

sendo pouco a pouco

de um que não mais pela

punição, mas pelo tratamento, readaptação ou reforma do delinqüente.

Mas, ao

mesmo

tempo que

se

reconhece nas medidas de

seau-

o

rança este novo tipo de pena de tratamento, os juristas brasileiros re-

conhecem

também que este ideal reformador terá limitadas condições

de se efetivar no Brasil:

Sobre o estabelecimento especial... na prática vamos ficar mesmo

nos limites da primeira galeria e dasala da capela

do

pré-histórico e

dantesco presídio da rua Frei Caneca e nas infectas cadeias do

interior do país73.

A medida de segurança deveria sercumprida em estabelecimento

especial, intermediário entre a pr isão e o hospital, as

chamadas Casas

de Custódia e Tratamento. Mas

sua

inexistência no Brasil da

época

não

Penal voI. XV, 1936, p. 15.

Brasileira de Criminologia , in Revista de Direito

7

Id. p. 109.

70

faz

com que se recue

na

adoção deste dispositivo. Na exposição de

motivos ao

Código

Penal

de

1940,

Francisco Campos assim

define

sua utilidade:

É notório que

as

medidas e

penais se

revelaram

insuficientes

na luta contra a criminalidade ..

para conigir a

ao

adodas penas, que têm

finalidade e intimidante, as medidas de segurança.

embora

aplicáveis

em

regrapost

delictum

são

destinad as à e tratamento

dos indivíduos perigosos, ainda

que

moralmente írresponsáveis

7

A

adoção da

medida de segurança a incorporação

CiO

direito penal de um critério de

julgamento

que não se refere ao delito,

mas à personalidade do criminoso.

O

julgamento do

juiz

refere-se a

um tipo de anormalidade reconhecida no delinqüente, a periculosidade .

77: ...

deve ser reconhecido o indivíduo se sua perso-

nalidade e bem

como

os motivos e circunstâncias do

autorizam a que ou torne a

A

noção

de

periculosidade não equivale exatamente a um diag

nóstico

psiquiátrico, mas os considerados doentes mentais são tam

bém vistos como perigosos, juntamente com os reincidentes, os con

denados

por crimes organizados e, o que é mais importante: todo e .

qualq uer criminoso, desde que o juiz o avalie como virtual reincidente.

O arbítrio do juiz é

enormemente

aumentado em razão desta ca

pacidadede julgar tecnicamente, que a ciência da criminologia lhe ou-

/ .

torgou. A personalidade perigosa é definida

como

aquela

em

que eXlste

uma tendência delituosa, tendência essa avaliada pelo juiz com o auxí

lio de seus peritos auxiliares (os psiquiatras, principalmente).

Uma

vez

considerado perigoso , o destino do criminoso

é

a

medida

de segurança. E neste ponto surge

uma

aparente incongruên

cia do

"novo código , que faz conviver este novo dispositivo, curativo

74 Francisco Campos.

Diário Oficial de 31/12/1940.

Penal Brasileiro de 1940.

de Motivos ao

enal de 1940.

7

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e preventivo, com a velha pena, punitiva e intimidatória. As propostas

da não se

fazem

e

por

graus variados de responsabilidade,

dos por

Assim sendo,

lidade é

L C ~ l l C H U l d

os criminosos considerados

22 do

22:

É isento de pena o agente que. por

clescnvo lv'imento

ruinoso do

dimento.

Parágrafo Único:

A pena pode

s r

reduzida

de

um

a dois terços, se

o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desen

volvimento mental incompleto ou retardado, não possuía ao tem

po da ação ou omissão, plena capacidade de entender o caráter

criminoso do fato

..

É

neste ponto que a contribuição psiquiátrica dos graus variados de

responsabilidade penal permite conciliar a existência das penas,

em

seu

sentido retlibutivo e expiatório, com as medidas de segurança, que seriam

sua antítese. Isentando de pena os doentes mentais (os antigos loucos de

toda espécie) e reduzindo-a no caso dos limítrofes (os parcialmente res

ponsáveis), não se está deixando indeterminado o destino destes anor

mais perigosos, como ocorria nos códigos de 1830 e 1890.

Ao contrário, seu destino está definitivamente selado. O destino

do louco criminoso é a medida de segurança, a ser cumprida em mani

cômio judiciário, por um período determinado, ao fim do qual será

avaliada a cessação de sua periculosidade e a

cura de sua

doença, o

que poderá não ocorrer jamais ..

72

Os

limítrofes, os psicopatas, os perigosos

de

toda além

da

pena, que cumprirão serão enviados para instituições

tratamento

e

Francisco

Cam-

Na

a extrema

com

que

são definidas as

medidas

de

segurança acaba por deixar claro sua intenção primeira

é

e não o tratamento:

A fórmula do projeto medidas de segurança) virá aumen1ar a

celteza geral

de

punição dos que delinqüem, tornando

maior

a eficiên-

 13

ao

homo-

 

reformadas (ou o serão cm que do entre

hospital e prisão ficaremos na prática

com

a. velha prisão. E com a

adoção

da

medida de segurança ao lado das

penas

teremos

na

prática

um aumento

destas,

sem nem

sequer

uma

feição curativa, aumento

este

baseado

no arbítrio do juiz, que julga finalmente

sem

lei.

A penetração de concepções sobre a anormalidade do criminoso,

processos de reeducação ou cura, concepções sobre a anormalidade

social e propostas técnicas de reforma social

ou

institucional são algu

mas

das questões trazidas pelo discurso da

criminologia

e incorpora

das

ao

antigo direito penal de tradição liberal.

A colonização

do

Judiciário pelas ciências humanas, pela

via

da

criminologia, corresponde a

um processo

de

implantação

de urna

76

A única instituição

do

gênero ainda hoje existente no Brasil é a Casa

de

Custódia e Tratamento de Taubaté, São Paulo. sendo válida, ainda

hoje a afim1ação de

que

as medidas

de

segurança são na prática,

na

maioria

das vezes

penas

prolongadas cumpridas

em

prisões comuns.

77

Francisco Campos

op

cit. p. 17.

73

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tecnolog ia disciplinar, com efeitos no nível do discurso e também das

práticas sociais.

Um dispositivo como a medida de segurança é o resultado práti

co de cerca de quatro décadas de discussões nos meios jurídicos bra

aU\J ,d lU de um novo critério de julgamento, baseado não no

mas na do deIinqüente. Além

a uma transformação na concepção de pena e de sua

sobre uma personalidade considerada anormal: nasce a idéia de uma

pena

de

tratamento.

Mas este processo de incorporação de uma tecnologia disciplinar

ao Judiciário tem no Brasil características peculiares. Estas peculiar i

dades fazem com que tenhamos uma completa redefinição das con

cepções relativas ao ato de julgar (de fato, passa-se ajulgar uma per

sonalidade) ao lado

de

uma realidade institucional (prisões,

que não

se

modifica ou o faz de

desigual.

ú U \ . JL , \ I

do Novo de

a uma das judiciárias, mas que se processa

no sentido do aumento do arbítrio judicial pura e simples, de uma ampli

ação na duração das penas, ou seja, numa ampliação do poder repressivo

deste aparelho de Estado que se dá em nome da ciência.

Entendemos que o discurso

da

criminologia teve, pois, uma

contrapartida prática, no nível das transformações que foi capaz de

operar nos disposit ívosde poder. Entretanto, esta sua positividade deve

ser entendida tendo-se em conta as condições peculiares

da

formação

social brasileira. Nela o processo

de

implantação de tecnologias disci

plinares não se dá sem um ônus de violência, de repressão sem másca

ra, que o coloca permanentemente em xeque. O esquadrinhamento do

campo social no Brasil, também no período que focamos nossa pes

quisa bibliográfica - o que antecede à elaboração do Código Penal de

1940

é

imperfeito e deixa muitos pontos claros. É sabido que a

generalização da medicalização e da escolarização, no Brasil, pemmne

ce como um projeto embrionário. Podemos dizer que regiões de amon

toados humanos - de cheias de presos sem nome

7

ou número,

de

favelas e bairros pobres sem médico ou escola, onde

crianças mor rem

de

verminQ.se - convivem com regiões esquadrinha

das onde a tecnologia discipl inar de fato se efetivou.

Um

último ponto a mencionar seria o próprio modo como o Judi

ciário incorpora essa tecnologia disciplinar: o discurso criminológico

não

pode

sem um excesso de utilitarismo, o que o torna cla

ramente comprometido com a repressão. Essa característica do dis

curso crimino lógico torna-se particularmente visível na realidade bra··

sileira, mas não seria exclusiva

da

implantação desse discurso entre

nós.

A

criminologia, como a mais utilitária das ciência humanas, não

pode propor um tratamen to do delinqUente sem enfatizar a necessi

dade da vigilância , ou não pode falar de reforma social sem defender a

repressão policial, ligada ao chamado combate ao crime. Contraditório,

impreciso, desordenado, °discurso da não deixa de ter, en-

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Diagnóstico psicológicodo criminoso:

tecnologia preconceito

o

objetivo deste trabalho é refletir sobre os pressupostos em que

se baseiam as avaliações, exames e procedimentos diagnósticos de

indivíduos encarcerados, considerados criminosos . Embora esta

reflexão diga respeito mais especificamente à avaliação ou diagnóstico

psicológico, tal restrição relaciOfla-se com a ma ior familiaridade da

autora com as técnicas psicológicas, e não

com

a existência de qual

quer distinção importante, do ponto de vista de nossa análise, entre

e exames levados a efeito ou assistentes

A do Penal de crescem em

Brasil, os procedimentos destinados a diagnosticar, analisar ou estudar

a personalidade e a história da vida dos condenados, com vistas a

prescrever adequadas técnicas de tratamento penal, assim como pre

ver futuros comportamentos delinqüenciais. Mas esta é uma tendência

n legislação penal ocidental: a de se aplicar a pena tendo em conta

uma personalidade, muito mais que um delito cometido.

Seguindo essa tendência, o princípio de individualização das pe

nas parece ter tomado proporções muito maiores e mais abrangentes.

Isto significa também que s instituições penais deverão transfOl:mar

se cada vez mais em locais onde deverá ocon er uma constante avalia

ção do compOliamento do preso, uma vez que o mérito do sentencia

do é o que comanda a execução progressiva l .

Parecem ter aumentado s ocasiões em que estará criada a ne

cessidade de se avaliar a personalidade do preso, avaliação esta apoia

d em procedimentos técnicos, mais do que no simples olhar leigo de

um

Situações como mudança de penitenciário (de

Lei de

Penal.

8

o seu destino. Não

se

pergunta o Judiciário sobre as razões

que

justi

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me

fechado semi-aberto), concessão de livramento condicional,

bem como

a chamada do condenado, através da qual

mes, pareceres ou laudos formulados por

a daconfiabilidade que

dos referidos exames. Das duas uma: ou de

que examimm-

não versado nos mesmos conhecimentos. Além disso,

por se tratar de procedimento normalmente reconhecido como científi-

c

dadcs de vir a no erro. De posse desta cle. rndiografia

(ou exercício de futurologia

.. ,

a Justiça poderia enfim ter o respaldo

seguro de uma ciência.

Nosso objetivo não é o de, simplesmente, denunciar o caráter

não-científico dos exames e técnicas empregados, o

que

não consti

tuiria grande novidade. Se este fosse o caso, tratar-se-ia simplesmen

te de, demonstrado o fracasso destes instrumentos, defender

que

a

Justiça os pusesse de lado.

O que nos chama a tenção é, sobretudo, o grau de eficáci a ou de

utilidade que os referidos exames apresentam: eles têm conseqüências

palpáveis, no que diz respeito ao futuro do condenado. Na maioria das

vezes, um resultado desfavorável lança

uma

desconfiança sobre a ín

dole do preso, que poderá perdurar como uma marca indelével sobre

seu futuro no interior das instituições carcerárias, tendo

como

efeito

prolongar-lhe indefinidamente o tempo de reclusão ou dificul tar-Ihe a

concessão de benefícios.

Este tipo de avaliação do condenado goza, portanto, de elevado

grau de credibilidade junto

à

Justiça, trazendo efeitos concretos sobre

84

ficam tão a

da

utiliza as téc-

nicas

de

um

os ,instrumentos a

que

nos

podem ser

denunciados por sua

fraqueza

teórica, de outro

seu elevado grau

de

utilidade. O

de ' - - ' ~ , , ~ y O , ' - '

no Instituto de Classificação Nelson Hungria no período de 1968 a

Os

EVCP

faziam parte dos dispositi vos legais

do Código

Penal

de 1940. Eram realizados ao final dos prazos estabelecidos p ara as

medidas

de

seaurança impostas aos semi-imputáveis

ou

aos condena

dos

julgados

:Specialmente perigosos. As referidas e d i d a s

de

e g ~

rança, impostas em combinação com as penas,

e v e n ~ m

ser cumpn-

das em estabelecimentos especiais,

onde

se processana o tratamento

por elas pretendido. Como

estes estabelecimentos não

chegaram

de

fato a existir,

na i o r ~ d o s

casos,

pena

e

medida de

segurança eram

na prática a mesma coisa.

Os EVCP, que deveriam signif icar

uma

espécie de

a v a l i a ç ~ o

dos

efeitos

do

tratamento penal, na prática reduziam-se a ~ . a tentativa de

prever a capacidade de reinserção social do preso, adml tmdo-se desde

já, pelas condições do sistema penitenciário, que nenhum tratamento

tivesse sido levado a efeito.

Um laudo desfavorável do EVCP significava, na maioria dos ca

sos, um prolongamento do tempo de reclusão do condenado, a pre

texto de um tratamento sabidamente inexistente.

85

Com

a entrada em vigor do Novo Código Penal e da

Nova

Lei de

Também nos idos da década de 30 saudou-se o código anterior

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 Ii

Execução Penal,

emjaneiro

e 1985, não há mais medida de secruran

ça para os condenados imputáveis. Deixam também de existir os EVCP,

mas, a nosso ver, permanece muito do espírito que os criou. Continua

o Judiciário a nutrir a expectativa de que um parecer técnico possa

prever comportamentos, servindo de base para a penal.

É

de

se o ~ s e ~ v a r que a no diagnóstico do não pressupõe a

eXlstencla real de tratamento ou de modificações nas instituições carcerárias.

No campo penal: o

d i a g n ó s t ~ c o

cttmpre antes de tudo uma função de

e lflstrumentahzação de procedimentos carcerários..

/ O

novo c6digo ampliou as oportunidades em que um condenado

sera toma do alvo de uma avaliação técnica. No início do cumprimento

da p ~ n a

deverá ser submetido

a

um

exame

criminológico", caso te

nha sldo condenado a pena privativa de liberdade em regime fechado.

Para

mudança

do regime (do fechado para o novo exa

me será

da pena e

relevo

com

a de

técnicas

de l a s s í f i c ~ Ç ã o

- CTC", de cuja composição obrigatória, re-

g u l ~ m e n t a d a por

lei, farão parte um psicólogo, um psiquiatra e um

asslstente

SOCIal

A

c l a s s i f i c a ~ ã o

será feüa por Comissão Técnica de Classificação

que elaborara o programa individuajjzador e acompanhará a execu

ção das penas privativas de liberdade e restritivas de direito deven

do

p r o ~ o r à

autoridade competente as progressões e

r e ~ r e s s õ e s

dos reglmes bem como

as

conversões

2

.

Deste m ~ d o toda a vida do condenado n uma instituição prisional

p a ~ s a

a subordmar-se a um exame ou avaliação formulada por uma equi

pe mtegrada.por "cientistas humanos". Pretende-se certamente revestir

estes

p r ? ~ e d u n e n t o s

de certo grau de cientificidade, emanando daí sua

c o n ~ a b I l ~ d a d e . _ a inovação. como um considerável avanço no

sentIdo

da

humamzaçao e da modernIzação do tratamento penitenciário.

Lei de Exec Jcão

86

como grande inovação e os hoje tão criticados

EVCP como

grande

avanço científico. Na prática, no entanto, eles se conver teram numa

verdadeira fonte de arbitrariedades, concorrendo

em

última análise para

o encarceramento prolongado ou até perpétuo

de

muitos prisioneiros

cuja periculosidade jamais foi dada c omo "cessada"3 .

Assim, a avaliação de um preso feita por

um

psicólogo ou equipe

interdisciplinar tem, como teve no passado, c onseqüências importan

tes sobre

sua

vida na instituição.

Que dizer, por outro lado, destas próprias avaliações? Quem ava

lia os autores

da

avaliação

em

seus compromiss os político-ideológi

cos? Muitas vezes se tem apontado as falhas

ou

a tendenciosidade dos

dados trazidos

à

tona pela chamadas "ciências humanas", em diferen

tes campos de atuação. Apesar disso,

em

vários setores

da

sociedade,

muitas atribuições e têm das mãos do homem co-

mum para o arbítrio do . Nas sociedad es industriais mo-

o L l

transmissão de

indivíduos que se encontram aparentemente "mais pr6ximas

da

verda

de" por dispore m de um saber científico.

No campo

da

justiça penal têm-se operado transformações se

melhantes: mais e mais pretende-se julgar e condenar um indivíduo

com o respaldo pretensamente neutro e seguro

de

uma

j ê ~ c i a .

Violên

cia, repressão, punição são palavras

em

desuso. Trata-se hoje de cu

rar, tratar ou recuperar o criminoso.

Neste trat)alho pretendemos mostrar que, ao invés de serem

descompromissados e neutros instrumentos científicos, as avaliações

ou exames técnicos de criminosos reproduzem todos os estereótipos e

preconceitos,

em

suma, toda a ideologia que permeia a questão do

crime, traduzindo-se

em

práticas

de

repressão, controle e disciplina

rização das parcelas mais pobres da população.

3 Cristina Rauter. Criminologia e Poder Político no Brasil Rio de Janeiro,

de

Filosofia

da

PUC, Tese

de

mestrado, mímeo,

87

o técnico, tão característico do capitalismo moderno, pe-

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netra cada vez mais no cam po das inter-relações humanas, instru-

mentando novas de

controle sobre a população.

No campo

e instrumental tem

correspondido

a

mudanças nos métodos

de

como

violentos à

que

não

mais

mas de um cunho

e de

sobre a subjetividade do encarcerado.

Nosso

LA

prático

ao

escrever

este

trabalho

foi o de

proce

em geral.

É

na

teoria psicanalftica que freqüentemente se pretende encon-

trar a fundamentação teórica para este tipo de estudo da personalida

de.

Grosso modo, pode-se dizer

que, neste

campo do conhecimento,

é a partir de Freud, de suas primeiras teorias do trauma como fator

causal

da

neurose, que

se

construiu

o

modelo segundo

o

qual

a partir

dos fatos do passado é que se compreende o funcionamento psíquico

presente.

/

No

que

se

refere à teoria freudiana, a

concepção

de história indi

vidual evoluiu

muito desde

a teoria

do

trauma.

De

imediato, uma dis

tinção importante deve ser feita: na perspectiva psicanalítica,

não

é a

história re l que importa; não há uma preocupação com a veracidade

dos fatos

narrados

pelo cliente.

Parie-se do

princípio

que essa

história

se passa num outro

plano

que não

o do real concreto. Ela

remete

à

vivência particular de cada indivíduo ou à realidade psíquica que lhe

é peculiar.

Também no campo da medicina

está

dado

o

modelo de

recons

tituição da história individual, desta vez buscando o ponto de eclosão

88

da doença, seus fatores desencadeantes, seus antecedentes, historiados

pelo médico numa ordem cronológica.

Nos procedimentos judiciais

e

IJU'l1\.,1<LJl busca-se também

rc-

constituir a história

do

réu

ou

do Um objetivo claro deve ser

e é ele que norteia os a fala

das testemunhas: a reconstituição

do

de fatos concretos

vistos

por a partir

da

fala do

fonte de erros

e e

que deve ser

deles depurada,

buscar-se-ia à verdade . Nesta que chamaremos

de

jtttídico-policial, os antecedentes

ou

a história

são

utilizados para condenar ou inocentar, para fornecer elementos para o

julgamento,

par a

incriminar.

Na perspectiva psicanalítiea, deve ser

indivíduo é tomada

real ou O

mesmo

ou

aos

acontc

à sua

por

um dos seus filhos como

severo

e por

outro

como indulgente e

afetuoso.

Os acontecimentos reais

têm

pois

uma

importância relativa

no que se refere à patologia mental. Fica preservado deste m odo

um

certo grau

de

liberdade

do indivíduo

com relação à

influência

que

pos

sam ter as vicissitudes da existência sobre

sua

personalidade. Feliz

mente, nem todos

adoecem

psiquicamente

devido

a um

mesmo

fato

traumático real: o valor que este fato terá futuramente,

na

determina

ção

de uma neurose ou psicose, é

dado não

por características intrÍn

secas ao mesmo, mas por sua tradução nos termos da realidade psí

quica

individual.

Ou

seja,

os

acontecimentos têm seu

valor dado pela

maneira como o indivíduo os vê, de acordo

com

sua realidade interior.

De que forma é colhida a história individual no camp o da técnica

psicanalítica?

Ela

vai sendo reconstituída

na

fala

do

cliente

num tempo

que lhe é próprio. O que está

emjogo

é o livre desejo do cliente de a l ~ d ~

silenciar, de omitirum fato, de revelar outro. Esta liberdade

com

relaçao a

própria fala, no entanto, não se deve a razões éticas apenas: ela c O I : d ~ Ç ã O

de possibilidade para que emerja o inconsciente. Ou seja, que o d l v l d ~ o

possa comunicar livremente o que lhe

vem

à cabeça: esta é

uma

~ ~ d l Ç ~ O

metodológica indispensável, sem a qua l está invalidada qualquer uülizaçao

89

da teoria e técnica psicanaIiti.ca: ~ m b o r ~ ao psicanalista não esteja

isolados acontecidos na vida de alguém, não podemos tirar conclu

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v e d a ~ o fazeI perguntas, a reconstltUlçao da hIstória individual não é feita

a ~ r a ~ e s de e s ~ o s t a s dadas a um interrogatório, mas a partir da associa

çao

v r ~ .

As dIstorções ou omissões são parte do material colhido, sendo

determmadas por e motivações inconscientes; ao de se-

rem vistas

como

-

sao um material valioso para

se

uma do psiquismo do sujeito.

f • Nã? se r ~ t a aqui de defender a coneta utilização de qualquer

ceona pSlcologlca no camp o

dajustiça

penal para elaboração de exa

mes

~ e r s o n a l i d a d e .

Nosso objetivo é deixar claro que x i s t e m di

~ e r g e n c l a S f u n d ~ m e ~ t a i s e ~ ~ r e métodos e técnicas empregados, por

e x ~ m p l 0 , na

e o r ~ a

pSlcanahtlca, e aqueles emprega dos na feitura dos

EV CP que

~ a m 1 I 1 a m o s .

Entretal}to, também não pod em

ser

entendi

dos os r e ~ e l ~ l d o s exames

como conespondendo

unicamente à pers-

pectlvamedlca ou à perspectivaJ·urídico-polícial.

mal de de .

uma

e

. Uma vez

o s t o em

ação, a partir da lógica interna deste disposi-

~ l V ~

P?de-se afirmar que se,

por

exemplo, um indivíduo teve

uma

ll1fanCla

pobre

e povoada de incidentes em suas relações familiares

( m o r t ~ s de p a ~ ' e n t e s próximos, separações de casais, vícios

como

alcoolIsmo, pnvações financeiras), ele com certez será um crimino

so.

Um determinis mo ceg?, mecân ico e simplista é o que caracteri

za estes laudos_de

e ~ a m e .

E este tipo de determinismo que permite

f ? r m u l ~ r

equaçoes

taIS

como: carências familiares

na

infânci a mi sé

na

=cnme

Estamos diante de uma conc epção segundo a qual o indivíduo

é

escravo

a b s ~ l u : ~

dos

f ~ t o s

concretos de sua vida pregressa, não lhe

r ~ s ~ a n . d o sermo cumpnr seu destino criminoso

determinado pelas

VICISSItudes

de

sua vi da familiar.

. ? ~ a i s afirmações pretendem, evidentemente, basear-se em teorias

cIentlfIcas. Entretanto, se tomarmos a teoria psicanalítica e mesmo

outras concluiremo s de

90

sões seguras sobre seus efeitos sobre a personalidade. Tomemos,

por

exemplo, um fato geralmente aceito como traumático: a morte da mãe

de uma criança

na

primeira infância. Como um dado isolado,

nem

mesmo este exemplo extremo nos autoriza a fazer previsões sobre o

futUro psicológico do indivíduo que tivesse sofrido esta perda.

que encontram

um

substituto satisfatório e, embora viven

dando

grande perda afetiva, esta não marcas duradouras

em

sua personalidade. Há certamente aqueles casos em que a vivência

provavelmente contribui para a eclosão de uma psicose ou neurose

grave.

Por

outro lado, há

também

pSÍCóticos gr aves em cuja história

clínica não se encont ram acontecimen tos familiares deste tipo.

A

teoria psicanalítica, assim como qualq uer outra teoria psicoló

gica

que

conheçamos, não nos au toriza a fazer previsões sobre o com

portamento ou sobre a saúde ou a doença. Através

da

reconstrução do

com ele ficou namemória e nas vivências

luz sobre a natureza de seus confli-

tos atuaís.

A

sempre

O

para H ~ ' v H U

o

E

o futllro continua pertencendo a Deus ..

O processo de reconstituição

da

história do condenado nos EVCP

poderia ser descrito como

uma

mirada em direção ao passado do indi

víduo, buscando a confirmação de que realmente existiram aconteci

mentos em sua vida que por sua própria natureza são geradores de

crime. Circula-se tautologicamente sobre este tipo

de

raciocínio: se

tenho diante de mim alguém que está preso e condena do, este alguém

só pode ser criminoso e, como criminoso, só

pode

ter história

de

crin:linoso. A este passado se

tem

acesso

pela

fala do preso, mas esta

não é, por certo, uma via totalmente confiável: acredita-se que, certa

mente, ele procurará enganar, falsear a verdade . Lança-se mão dos

autos do processo-crime,

da

ficha de compor tamento carcerário, etc.

Com

base nestes dados considerados inquestionáveis, chega-se ao

que se desejava: vidas pontilhadas de indícios

poderiam mes

mo levar ao crime. Supõe-se que, sem somb ra de dúvida, o crime só

pode ser uma aI10rn1alidade psicológ ica. Ao se historiar a vida do indi

víduo, o que

se

quer é encontrar os indícios desta anormalidade d esde

a (abandonou a escola? seus pais não o criaram? já praticava

91

pequenos furtos? egresso da

Funabem?), pela vida no

cár

cere (cometeu muitas infrações disciplinares? tentou fugir?) e assim

• F amílias onde a mãe bebe, está presa, é prostituta, etc.

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por diante, atentando-se para uma trilha de pequenos

atos de indisciplina.

de

é

2.

da sua é

nais de saúde mental, de várias tendências.

indiví

importância na formação

chamados profissio-

qualquer modo, mesmo que os psicanalistas afirmem tratar

se de imagens parentais internalizadas e não de personagens concre

tos, o fato é que o modelo edipiano mais difundido é aquele que pres

supõe a existência de uma família baseada na autoridade paterna e

composta de pai, mãe e filhos.

É a difusão deste modelo edipiano, talvez em desàcordo, dirão

alguns, com a teoria pura , que permitirá a nossos psicólogos e psi

quiatras forenses caracterizarem como potencialmente criminogênicas

e patogénicas situações do tipo:

.. Famílias onde ocorreu a morte do pai ou o abandono precoce

por

parte deste.

i Famílias onde o pai bebe, está preso ou doente.

.. Famílias onde a mãe cria o filho sem o pai, ou

onde

a mãe

tem

filhos de homens diferentes.

• Famílias onde a mãe está ausente, mesmo que seja por ter que

trabalhar.

92

Podem

ser encontradas

nos

EVCP interpretações

como ausên-

cia da figura do de personalidade variados; ca

' ~ > ' ~ ' W ;fctivas

gerando

mecanismos

de que podem

íl

por exemplo, à do roubo;

não recomendáveis : etc,

Mas o principal eixo interpretativo é aquele que reconhece no preso as

chamadas

carências ,confundindo

num

só bloco

afetivas e carências materiais.

Um

sem-número de situações são apon-

 

deste de e c]uando tentamos

ac

as

como

,

listá-las, concluímos que qualquer acontecimento familiar pode s ~ r

tomado como causa: morte de brigas de man-

do e mulher, traições, vícios c até m udanças freqüente de o ~ 1 i c í l i o . O

de a mãe ter que trabalhar fora e deixar o filho sob os cUldados de

se auscntar lar por

devido scr daninhos

que ou a falta de (:os

laços familiares

é uma

característica das

h m ~ d s

p o ~ u l a ~ ~ e s b m x ~

renda'

as uniões sexuais

são

efêmeras , os flihos dItos IlegItlmOS

p r o l i f ~ r a m .

As mortes, tanto de genitores quanto da.s c r j a n ~ a s , ,são

precoces e

freqüentesem

razão da miséria (a expectatlva VIda e

fato menor), as condições de trabalho e a extrema exploraçao levam a

que

os pais se ausentem de casa por longos períodos.

Ter que deixar os filhos aos cuidados de outras pessoas para

/ poder trabalhar, freqüente mente pela semana inteira, seguramente a

realidade da maioria das mulheres deste segmento

SOCIal.

E logo nos damos conta de que todos os graves indícios a ~ o : -

malidade mental ou de tendência a delinqüir n c o n t r ~ o s na h l ~ t o n

familiar dos indivíduos examinados fazem parte da realidade maIS co

mum

e cotidiana vivida

pela camada da

população a

que

e r ~ e n c e r r :

Ou

seJ

a as condições de miséria geradas pela própria exploraçao capl-

, / 1 d onstru-

talista recebem

uma

leitura estigmatizante, que e utl lZa a

na

c ,

ção

da personalidade criminosa. Entretanto, o

que

é tomado

por

nos

sos peritos como anormalida de constitui,

na

verdade, a regra, o re-

93

sultado mesmo das condições a

que

são submetidos imensos setores

da populaçã o brasileira.

2. Presença de valores morais e formas de organização familiar

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Nunca se pensa, por outro lado, que estas mesma<; condições pos

sam

gerar fenômenos positivos, ou seja, fom1as diversas de organização

valores dos das classes dominantes, colocando-os

em

Nenhuma é claro, sobre a luta de classes.

para detectar de

contradição e diversidade

o

modelo

a

partir do qual se

a e a

de

é

o da

família conjugal.

No

entanto,

nas

populares,

parece haver formas

de

organização familiar

de

diverso. Enquanto nos

segmentos médio e alto da

sociedade a unidade ar composta de

pai, mãe

e filhos

preva

lece, nas populações economican1ente carentes as famílias se

cons-

tituem em grupamentos Segundo

dados

do Departamento

do Sistema do Rio de 13%

presos

além de

pai, mãe e filhos.

A partir do modelo conjugal e do referencial teórico edipiano, no

entanto, estes grupamentos familiares extensos são vistos freqüen

temente

como

formas

de

anomalia familiar,

como

possível foco

de

patologias.

São

pensados a partir das categorias como promiscuida

de , simbiose , etc., são tomados como o famoso caldo

de

cultura

dentro

do

qual

é

gerado o micróbio

do

crime.

/

A parti r de outro ponto de vista, poderíamos perceber esta forma

de organização familiar como ligada a pelo menos duas causas:

1

Estratégia de sobrevivência para estas populações, que desta

forma dividem entre si o custo da moradia , luz, gás, etc.,

bem

corno a

alimentação, trabalho

doméstico

e cuidados com os filhos.

Janeiro, 1984,

do Sistema Penitenciário

do

Rio de

94

diversos daqueles das classes dominantes.

Estes dois enfoques

não são

excludentes,

mas

o n : p l e m e n ~ a r e s .

De fato, numa casa onde

dormem

no mesmo

cômodo

paI, fIlhos,

como é nas classes populares, por certo outras

maneiras de se relacionar

com

o corpo. Quantas e

mas levantados pela psicanálise tcriam que scr neste

texto: a nudez do's país e a tão fa lada

cena

primária , a informaçao

sexual

elas

etc.

Esta

é

por'certo

úma

questão complexa.

Por

um.lado,

é

verdade

que a dominação cultural exercida e l ~ s elites

e n ~ r a h z a

ou u s c a :e

neraJizar por toda a sociedade determmados padroes de mOla:ldade e

de

comportamento sexual. Porém, é verdade também

q ~ ~

ha

o u ~ r a s

formas de comportamento sexual, de

e l a c i o n a m e n t ~

fa:mhar, pratIca-

d

emora s

hversos da que

s na

les difundidos

ele

de

que para a

daquela das classes dominantes, que, no entanto, será s i s t ~ m a t i c a -

mente reprimida

por

esta,

no

sentido de

manter

sua

hegemoma

cultu

ral, também neste campo, o da moral sexuaIs.

Ora o discurso psicológico contido em nossos laudos claramen

te

opta defesa

dos valores morais das e ~ i : e s Lá

onde

seria o s ~ í -

vel ver diferentes formas de organização fmmhar, atenta-se

a r a

a eX1S-

tência de promiscuidade, de transgressão à norma. E

c u n o s a m ~ n t e

este tipo de visão leva nossos peritos a

consi?e:ar

como

a n o m ~ h ~

e

tendência criminosa tudo

aquilo

que se

constItUI

como caractenstlca

de nossas populações pobres. Ao agirem deste modo,

a c r e ~ i t a m

estar,

no entanto, desvendando as causas desta grande

anomaha

que para

eles constitui o fenômeno do crime.

3 Cultura, subcultura ou ausência de cultura?

Adquirindo uma feição sociológica, os laudos do

EVCP

relacio

nam

também a cultura do preso

com

o ato criminoso que cometeu.

Jos van Ussel. Rio de Janeiro, ' -éllU,,, w 1990,

p

57

95

Assim, aparecem concepções de deterioração cultural, desvirtuamen-

Cabe aqui

uma

sobre a questão que a

questão cultura1

6

.

É

certo que diferenças culturais entre os

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I I

I I

I I

: I

to ou até mesmo de estados de "incultu ra" que à produção do

crime. Se o detento é um do

se foi todos

estes antecedentes

de nota é o caso dos detentos que na estiveram

reclusos em algum tipo de patronato, instituição de reeducação, etc.

Neste caso costumam ser considerados

margem" ou fora da cultu

ra (a cultura das elites), o que levaria a um desconhecimento dos

valores da mesma. Esquece-se (sintomaticamente) que nestas insti

tuições, como nas prisões, não se está fora da sociedade, apesar dos

muros. Em seu interior encontram-se reproduzidos os mesmos valo

res e preconceitos "de fora", tornando-se a distinção dentro/fora um

falso problema. Os egressos de instituição de menores que, quando

adultos, caem nas malhas da prisão, fornecem com suas tristes vidas

exemplos de como toda a engrenagem supostamente "recuperador a e

reeducativa" na verdade, cria para o sujeito uma canei ra, a de crimi

noso crônico. Com suas histórias pessoais peculiares, suas infâncias

atípicas se comparadas às de crianças de classe média, estas crianças

por certo adquirem valores também peculiares e diversos destas. Para

um ser humano, entretanto, um fato impensável e paradoxal seria não

participar de uma cultura ou não ter

uma

cultura. A não ser que se

queira retornar às concepções lombrosianas de atavismo, degenera

ção e de aproximação do criminoso ao animaL

96

0v "-Ul.vuevc> na sociedade, entretanto a de deve

de contradição. É

a

às demais classes. Por outro

sua

culturais das

não consegue

se

efetivar. Ora, o

acertadamente a

culturais,

mas como desvio relativamente a um básico, que é

a cultura das elites. Não há enfrentamentos, não há luta, não se vê

A entre as

('ue audos para esta

diversificação cultural, tão nefasta, por ser a geradora de crimina i?ade.

Trata-se de um processo que poderíamos chamar de exerClCIO de

dominação cultural

força". Encarcere-se este desaculturado . A

prisão seria uma espécie de nivelador cultural o m p u l s ó r ~ ~ a ~ u ~ n d ?

através da disciplina, do trabalho, do aprendizado da obedICncla a leI,

etc. Nestes locais de subcultura (o morro, as favelas, o sertão), impe

rariam outras leis ou nenhuma lei: far-se-ia necessário que o crimino-

so aprendesse as "nossas leis",

por

bem

ou

por mal.

/

O que podemos facilmente verif icar é

q ~ e t a m b ~ m

os exames

cessação de periculosidade compartilham da IdeologIa posta em açao

desde a fase policial (no reconhecimento

do

crime e do criminoso) até

a fase judicial: pune-se e julga-se muito mais um indivíduo em função

de sua classe social do que em função de seu crime. Segundo tal

6 Marilena Chauí. "Cultura do povo e autoritarismo das elites", in Cultura

e democracia São Paulo, Moderna,198L

Karl Marx e Frederico Engels. a

ideología alemana

Buenos Aires,

Pueblos Unidos, 1973, p.50.

97

concepção, quem é o criminoso? Alguém pobre, negro, favelado, anal

relação de confiança . As relações estabelecidas numa instituição to

tal entre aqueles que estão a

ela

submetidos e as diversas categorias

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I'

li

II

:Ii

fabeto, rude e não tanto alguém que matou ou furtou,

simplesmenté.

O que os laudos fazem

é

reproduzir o estigma do criminoso,

detectando carências familiares, subculturas, descontroles afetivos,

todos eles localízados nos segmentos mais pobres da população.

4. do

instituição não é algo abstrato que paira acima das cabeças

U L ' U U v ~

que nela trabalham. Ela se reproduz cotidianamente nas dife

rentes tarefas que a constituem. É assim que, cada qual a seu

do guarda ao diretor do presídio, do psicólogo ao psiquiatra ou assis

tente social, todos se enContram envolvidos na tarefa última e mais

importante que é a colocação em. marcha da engrenagem carcerária.

É assim que muitas afirmações contidas nos laudos examinados só

sentido se as evidência desta

que, antes de estar

outros, é um fun

do ciírcere. inicial mente a de exa-

me que se estabelece entre um técnic o e um preso. Se se tratasse de

um outro contexto, o de um consultório, clínica psicológica ou psi

quiátrica, o técnico teria

como

requisito básico de sua tarefa de exa

minador a criação de

uma

atmosfera de confiança e amistosidade,

sem a qual os resultados poderiam até ser prejudicados. Vejamos o

que dizem a esse respeito os manua is de testes psicológicos, usados

com freqüência neste campo:

Especialmente importante es la llamada preparación psicológi-

ca en todos los casos se

procur rá

establecer un buen contacto

debe existir una atmosfer a de y muy particul armente en

pacientes angustiados y temerosos

9

 

Ora, a situação

em

que se

realizam

exames como o

exame

criminológico desfavorece, por si só, o estabelecimento da chamada

8 Augusto Thompson. Quem

são

os

criminosos?

Achiamé, 1983,

p.

63.

Ewald Bohn.

Manual

de de

Rorschach

Madri, Morata,

1971,p.26.

98

funcionais que compõem a instituição estão marcadas, de imediato,

por

um desequilíbrio de poder,

por

uma situação de controle e opres

são exercid a pelo funcionário (técnico ou guarda) sobre o preso, que

se estabelece até mesmo independente de sua vontade. Esta situação,

que poderia ser simplificadamente descrita como uma condição fun

damental entre os que "têm a'chave" da

cadeia

e os que não a têm,

está presente na situação de exame.

É estabelecida uma polarização na qual um dos pólos é ocupado

por alguém que deve ser submetido e outro por alguém que deve

propiciar condições para a efetivação dos controles institucionais que

se atualizam cotidianamente.

A si tuação de exam e é para o preso, antes de simples oportunidade

de introspecção ou auto-conhecimento, uma que tem repercus

sões futura. Se os resultados lhe forem favorá-

  - 'Ü" ';)Ü,hC1U do para o

n , , , , ~ F v ~ , , , o b t e r livramento seu

tempo de reclusão se prolonga, seu direito a benefícios se restringe. É, na

prática, uma situação de julgamento revestida de uma peculiaridade: sua

aptidão para o reingresso na sociedade é determinada por critérios e mé

todos, que lhe são desconhecidos e inacessíveis, pois se referem, em

tese, a dados fornecidos independente de sua vontade,

já que por defini

ção seriam inacessíveis ao próprio sujeito, inconscientes, subjetivos, etc.

No cárcere, o emprego da noção de inconsciente tem desdobramentos

bastante peculiares: o examinador é capaz de saber coisas sobre seu exa

minado, mesmo que este não

as

confesse. A veracidade ou a razão de ser

dos dados obtidos deste modo é caucionada pela existência de um saber

científico. Como se sabe, um não em psicanálise pode ser entendido

como um sim, uma discordância como mera resistência. Está montado

um sistema eficiente e imbatível na construção da personalidade crimino

sa, ao mesm o tempo a partir e contra a fala

do

preso.

Com

relaçãoà ética profissional,

também

descobriremos inte

ressantes questões relativas à atuação dos técnicos na prisão. Veja

mos, por exemplo, o que rez a a respeito do sigilo profissional o Códi

go de Ética do Psicólogo:

99

Art.

24

- Somente o examinando e a critério do psicólogo

Ora, nesta relação

surgirá

um

fenômeno

interessante, referido

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rã ser informado dos resultados dos exames.

Art. 25 -

Se

o atendimento for realizado a pedido de outrem,

ser dadas as a quem o solicitou dentro

dos limites

do

estritamente necessário e

com

i anuência do exa-

minando.

§ 1

-

  3 vedado ao

ClatS pessoas ou entidades que 11:1

por

de ética ou que, por

estranhos o acesso às informações.

§ 2° - Nos casos de laudo pericial, o deverá tomar

todas as a fim de que, servindo à autoridade que o

designou, não venha a expor indevida e desnecessariamente seu

examinando.

íntimns

da persona-

lidade , serão matéria privativa técnico e de seu examinando.

Ao

contrário, poderão ser veiculados no intelior

de

equipes interdisciplinares,

das quais participam inclusive elementos

da

segurança do estabelecimen

to. Serão remetidos ao juiz solicitante ou a outras autOlidades judiciárias.

Freqüentemente o examinado será o último a sabe r (ou não saberá) dos

resultados

do

processo a que se submeteu. Quanto a consultá-lo sobre

que informações deseja ver transmitidas,

nem

pensar...

E todos dirão que, obviamente, tais restricões à liberdade indívi-

/

'

dual, tais

ananhões à

ética profissional,

deconem da

condição de

condenado do cliente em questão. Todos se apoiarão na idéia de que,

se agem

de modo diverso

do

que

reza

o código de ética

ou

a consciên

cia profissional, assim o fazem apenas em cumprimento à lei.

A

relação

entre o técnico e seu cliente,

no

entanto, não

pode

deixar de ser marcada por este estado de coisas: de um lado um téc

nico desobrigado do sigilo, com

um

instrumental que o preso sabe

ser capaz de decidir seu futuro e cujo funcionamento escapa à sua

compreensão,

e

de

outro o preso, o infrator das leis, o

condenado,

a

quem cabe um papel apenas passivo e sem quaisquer direitos.

100

nos laudos. O da dúvida sempre com que se debatem os técni

cos: estará

o preso

dizendo

a

verdade? diante

de uma

ou

simulação?

Por isso os laudos

de do

entrevistado: se

ou se, desafiar a autoridade do

examinador; se procurava impressionar

de

modo se dava

mostras de etc.

A nosso ver, a situação se estabelece entre o e o seu

examinando não

pode

ser

outra senão

a de um

confronto

de duas

em

luta. O preso luta com as armas de que jamais

algo

que perceba

como

comprometedor, procurará agradar, impressio

nar

bem. A simulação

é

a arma por vezes falha de ele dispõe

contra o

desmesurado

de seu

examinador.

do

in-

com o

deve

\ ~ n t e l l l i d o

seu sentido por outro a não-colabora-

ção,

ou

a falsa colaboração, tendo como conseqüência

um

mau resul

tado, evidencia

o

lugar do funcionário do

cárcere

neste

confronto.

A defesa e a manutenção da ordem institucional é o princípio a

partir do

qual é interpretado o

comportamento

do

preso

na situação

do

exame. As tentativas de oposição, as manifestações de indisciplina são

vistas como indícios de não recuperação

ou de

distúrbio menta1. A

colaboração, ° respeito às normas e à hierarquia institucional, sim,

constituem

sinais

de

normalidade e regeneração.

Uma solução parcial é

encontrada no

que diz respeito a saber se

o paciente diz ou não a verdade: a referência aos autos do processo.

Se a versão do preso é compatível com a dos autos, é sinal de que ele

a verdade.

Caso

contrário, está

se defendendo

(no sentido psi

cológico) ou não está suficientemente

arrependido

(o que provavel

mente

implicará um resultado desfavorável).

A verdade é a verdade da instituição, é a

ela

que o preso deve se

adequar. A Justiça, na visão do perito, nunca falha. A fala do detento

deve ser a fala

dos

autos.

Deve amoldar-se

a

ela, submeter-se

a ela.

101

Mais espantosa se torna a de se tomar o conteúdo dos autos

como

expressão

da verdade,

quanto

pensamos sobre as condições em

prisões. O trabalho prisional atende,

além

disso, a muitos interesses para

além

da

recuperação

do preso.

No

cárcere

tudo

se converte

em

um

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que

muitas vezes terão sido julgados estes condenados: provas duvidosas

ou falsas obtidas até mediante tortura, ausência de

U I . . - J v U 0 V J

do Augusto Thompson, a dos pobres sem defe-

sa,

ou,

o que dá no

mesmo,

com um simulacro de

Mais realistas do

que

o rei, nossos se

conduzem como

se

de

fato

a justiça

fosse

cega e

descompromíssada.

leitura dos laudos de exame,

a

crença numa imparcial, acima

das

classes,

uma espécie de apolítico da ordem Tal

crença equivale também a uma despolitização do próprio

nico,

que dessa

maneira atua

Úil continuidade

com o

Judiciário, exer-

cendo dominação e controle sobre as populações pobres.

5 O

tratamento

penitenciário

Os EVCP

teoricamente a

avaliar os

se convcnciollou

chamar

tratamcnto

o

conleúdu dos

grau de

compromisso

dos técnicos com a

curiosamente,

uma

visão

segundo

a qual se crê

na

eficácia

da

prisão, nos

resultados positivos que

ela

pode proporcionar ao indivíduo.

A prisão é freqüentemente desclita como o lugar onde vai se operar

uma transformação na personalidade do preso. Assim,

ela

teria como

virtude possibilitar a reflexão, a introspecção, o arrependimento. Pela dis

ciplina

ela

possibilitaria a intemalização da lei, a aquisição

de

valores mo

rais, substituindo um estado de incultura ou uma subcultura por uma

cultura caracterizada pelo respeito à lei e à ordem. A pena-prisão,

segun-

do opiniões expressas nos laudos, é, enfim, regeneradora.

Na

construção desta

imagem da

prisão enquanto

espaço

terapêutico

aparece com insistência a referência ao trabalho. A plisão seria uma espé

cie

de oficina-escola

onde os

presos poderiam curar-se do mal da ociosi

dade, admitido como fator que induz ao clime. Uma vida de trabalho e

disciplina

é,

no entanto, apenas uma exceção ou uma virtualidade nas

1 Augusto Thompson, op. cit.,

p

96.

102

bem negociável e isto

também

OCOITe com as oportunidades de trabalho.

Muitas vezes uma é o prêmio por uma a oportuni

dade

de estar mais

próximo

da administração e

com

isso obter certas'

como o acesso ma is f,ícil

ao mundo

melhor de comportamento, proteção

contra

os

H i \ . d i L ~ y U , V

melhor, etc.

Além

o trabalho nas prisões a ser

um

légio:

segundo

dados do Desipe 11

,

aproximadamente apenas da po

pulação

carcerária trabalha.

Se

atentarmos, porém, para a natureza do

trabalho, concluiremos

que

90 da mão-de-obra estão empregados em

atividades

de

manutenção

do

próprio sistema, ou seja, cozinheiros,

bom-

beiros, eletricistas, pintores, faxineiros

que

trabalham na manutenção da

cadeia ou até

inexistentes.

em

e

menos do

de vi

sta da

a

trabalho prisional atende a uma necessidade da instituição, tanto material

(suprir o trabalho

de

muitos funcionários

que seriam

onerosos

para

o

Estado) quanto

de

segurança. O preso que trabalha

pode

ser usado como

um aliado na instituição:

em detemúnadas

ocasiões, o faxina (designa

ção do

preso que trabalha,

na

gíria carcerária) é geralmente escolhido

por

suascaracterísticas colaboracionistas. Há também aqueles que trabalham

em

favor de seus companheiros como assistentes jurídicos, escrevendo

cmtas

para o.§Aue não sabem escrever, etc. Mas o

que

queremos ressal

tar é

que

o trabalho

é

algo a ser compreendido no jogo das múltiplas

forças institucionais: a possibilidade de trabalhar é vista pelo preso como

um privilégio,

em

virtude dos benefícios secundários que acarreta.

Além

disso, ela é um imperativo, do ponto de vista da preservação da sanidade

mental, para alguém mantido

em

confinamento

por

longos anos.

Este talvez o único lucro do preso que trabalha: a preservação

de

sua saúde psíquica.

Fora

este aspecto, lucra sempre a instituição, real -

 

Anuário Estatístico do

1984.

103

zando um do capitalismo: o trabalhador

deseja apenas trabalhar, exigindo muito pouco.

que

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tratamento é

que ser por teóricos ou mesmo

autoridades na Tem exaustivamente demonstrado que a pri-

são, ao contrário de qualquer efeito recuperador sobre o delinqüente,

parece ter como

seus ao preso só resta es-

tabelecer novos laços com possíveis futuros cúmplices. Estigmatiza

do como ex-presidiário, freqUentemente retorna ao mundo extra-mu

ros

s e ~

esclarecimentos ou

o r i e n ~ ç ã o

sobre

?S

documentos de que

neceSSIta, ou sobre como consegmr emprego. E presa fácil da pol ícia

num país de desempregados, onde estar sem trabalho era considerado

até há pouco tempo como crime ( vadiagem ) e onde ter estado no

cárcere significa ter uma ficha suja .

Tudo se passa como se

a ..prisão

produzisse exatamente o con

trário daquilo que seria sua missão primordial, como se ao invés de

curar o criminoso ela agravasse o seu mal. Este fracasso da prisão

tem sido exaustivamente admitido até mesmo por autoridades do sis

tema penitenciário, policiais, autoddades judiciárias. As críticas e ten

tativas reformadoras são tão antigas quanto a própria prisão. E, no

entanto, sua realidade quase imutável tem desafiado todas elas como

se delas zombasse.

E se, aceitando a proposta de Foucault

12

, invertêssemos a 01'-

Vigiar e punir

Petrópolis, Vozes, 1977, p. 243-7.

1 4

Através da o aparecer

como produto de uma individualidade especial, animal, ca-

sem cultura, etc. O criminoso

outras

formas de que oposlçao ao burguês e

suas instituições. São os parentescos do criminoso comum com o

chamado criminoso políti co , ou, o que seria mais terrível, com o

homem comum, que, embora vivendo as mesmas condições de ex

ploração, talvez não tenha tido coragem ou força para se revoltar.

Apesar tudo isto, o perito encontra razões para afirmar a cfi

da prisão em seus pareceres - em algum nível o sistema carcerário

precisa desta imagem de eficácia para que se mantenha em funciona

mento. O técnico

é,

pois, o funcionário

encanegado

de fabricar este

sonho: o da eficácia

da

prisão em fazer

de

um criminoso um homem

de bem. A fabricação desta image m da prisão aparece aqui

como uma das do técnico enquanto funcionário da instituição

carcerária. Uma função complementar às funções carcerárias

ligadas à repressão propriamente dita. A função dos sempre fracassa

dos projetos de reforma prisional

é

também esta, perante a opinião

pública mais esclarecida ou perante a boa consciência dos psicólo

gos, psiquiatras, etc. como se dissessem: na prisão, trata-se de

reprimir, mas estamos fazendo o possível para alguma outra

coisa mais digna, mais edificante: tratar, etc. Misteriosa-

1 5

mente, sempre fracassamos e acabamos encarcerando simplesmente.

Mas

fazemos o possível...

Felizmente,

nem

todos os indivíduos se submetem à disciplina

carcerária, tornando-se mortos-vivos, autómatos que apenas cum

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Tal necessidade de mascarar a violência pelo Judiciário,

Estado em última análise, articula-se

com

uma política

las sociedades os

mecanismos

re-

e substituídos

por de

controle

internalizados indivíduos. Os controles institucionais podem ser

menos violentos e sutis, pois agem sobre o indivíduo previamen-

te discipl inarizado, desde a famflia, a etc.

dizer

sobre os efeitos

da

carcerária sobre o indi-

víduo que a sofre? Sabemos que uma vida no

cárcere

pode

adequação às normas discipl nada tendo a ver

com a

saúde

psíquica que certamente necessana

para

que

um

indivíduo

pudesse,

à saída

da

prisão,

reorganizar sua vida, vencer

o

do criminoso e do arrumar um emprego, "re-

enfim.

onde estão as formas mais acabadas de controle sobre os

indivíduos. Nestas instituições a intimidade, a privacidade são siste

maticamente

violadas

em

razão dos objetivos institucionais, através,

por

exemplo,

da

censura da correspondência, da impossibilidade de o

indivíduo

ter padrões

pessoais

de

conduta (os horários e locais de

refeições, de dormir, acordar, por exemplo, são coletivos). Restam ao

indivíduo

poucas

possibilidades

para manifestação do seu

eu (que é

algo

não

uniformizável), o que

não

se

dá sem uma

conseqUência so

bre a personalidade, a mortificaçãodo eu".

E no caso

da

qual será o preso cujo eu está morto?

Éjusta-

mente o preso bem comportado. É aquele preso que nada mais s abe fazer

do que obedecer e perpetuar a rotina do cárcere.

É

aquele preso que

reúne

em

si a contradição de ser

um

ótimo preso, imprestável, porém

para a vida onde teria novamente que lutar

por

si próprio,

algo que há muito desaprendeu.

3 Goffman. ll1anÍcômio.

e

conventos.

São Paulo,

I - ' p c n , M ' _

tiva,1974.

106

prem

ordens.

Apesar de

toda a pressão institucional

em

contrário, existem. for-

mas

infinitas de individual e que ser

VIstas

como formas de chamar

da

saúde psíquica.

de se que todos os envolvidos com a

promoção

da

chamada saúde mental encontrassem meios

de

solidarizar

se

com

estas manifestações, ou, ao menos,

de

não atuarem con tra elas,

superando sua condição de "funcionários do e, com.o tais, en-

volvidos n reprodução e atualização de seus mortJficadores.

6

Conclusão

os leitores a

uma

reflexão a

nosso l

os

te

mas nos

Uma

que

logos, psiquiatras, assistentes sociais, etc., ante a leitura deste material, é

pensar: ora, mas estes são exemplos

de

mau uso da ciência, ou de eu'os,

deficiências conceituais ou de formação, etc. Eu não faria isso

..

A meu

ver, não se trata aqui de apontar

eiTOS

deste tipo, o que reduziria nosso

trabalbo a mero inventário crítico. Trata-se sim de restabelecer as cone

xões entre nossas tão "humanas" ciências e os mecanismos de controle,

mortificação, sujeição dos indivíduos. As conexões existem. Com a pala-

vra, os laudos.

1 A história individual: o passado condena

A reconstituição da história

é

uma montagem, cuja finalidade

é

con

firrnar no indivíduo o rótulo de criminoso

..

"Totalmente abandonado pelos familiares

..

aos

15

anos na

prostituicão .. mantém uma conduta a infância , mos

t r n d o ~ s ~

pessoa

de

fácil sugestibilidade com tendências à delinqUência"

(EVCP 270-1972),

,

Os

são meus.

1 7

  A

rude do interno

atribuímos

ao

ambiente

cola em que se

local onde desde cedo as habituam-se

O periciado teve uma

tantemente de

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não sobrando para

ainda menor conheceu

as

celas do

2 Família: o modelo

ao

da a screm a válvula de escape cios . este

de retaliação pelas sofridas no interno como móvel de

suas ações ... (EVCP 45-1969).

A história psico-evolutiva mostra que o periciado teve uma for

mação de personalidade com carência

de

um lar onde pudesse introjetar

os costumes da Teve um pai irresponsável que maltratava

os filhos e a esposa. incutiu-lhe a revolta contra a autoridade, pois

em nossa sociedade é a figura paterna o primeiro exemplo de autori

dade. As carências afetivas por que passou desenvolveram-lhe propó

sitos de retaliação, o que motivou sua impulsão a apropriar-se dos

bens alheios

..

(EVCP 70-1969).

O interno formou sua personalidade num

ambiente carente de

pai e mãe .. a presença de pai e mãe é importante para um jovem que

se desenvolve ... outro fator foi o fato de

seus pai s tere/ri constituído

novas famílias. A vivência de rejeição deve ter sido

Sua queda na vida delinqüencial pod e estar ligada ao desejo de

atenção dos pais para si. .. com sua vinda para o mobilizou a

dos 39-1968).

1 8

de

3.

?

As

vistos como o caldo da

e

são vistas como

Trata-se de pessoa pobre globalmente .. era matutão e

ter criado antes de c

anos de o confron to com a Justiça lhe mostraram

que a sociedade tem outro padrão de masculin idade, diferente daquele

que aprendeu no ambiente

dafavela

(EVCP 1968).

Ao trocar a vida da roça pela vida da grande cidade, perdeu as

possibilidades de controlar sua agressividade, que até então utilizava

nos rudes misteres lavrara terra (EVCP 1-1968).

4 Funcionários

do

cárcere

As atitudes do preso, de colaboração ou de oposição, d e rebeldia

ou subserviência, são determinantes para os resultados dos exames.

Admitir como verdadeira a versão dos autos pode contar pontos a

favor...

A

apresentação displicente, sobre a cadeira em

que o convidamos a sentar. Gestos e trejeitos c o ~ p n h m as . .

tas do periciado. Tom de voz firme, rápido no

f1mr

erros gramatIcaIS

em abundância, predomínio acentuado da gíria carcerária, às v z ~

acrescida

de

explicações para que possamos entender. O humor e

basicamente Os conceitos são incapaz de boas

109

respostas, quando inquirido sobre sentimentos espirituais superiores ..

(EVCP254-1972).

quase oito anos e meio no cárcere,

permanece

~ o m ~ / .

t

t

 rabcllhador ..

acha-se totalmente

adaptado à pemtenclana

lnen o

, f i

t

a

uma nova

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Respondeu-nos com evasivas quando lhe perguntamos se esta

va

envolvido na revolta ... (EVCP

42-1968).

a versão

autos

com

serenidade, dizendo-se

arre-

(EVCP 252-1972).

O periciado

era

elemento a uma quadrilha de nssal-

tendo cometido

bárbaro

como tornam

os autos. Todavia, ele nega

a autoria dos crime s ..

(EVCP 42-1968).

simulador-dissimulado r ..

ocultou a verdade

..

a

ver

são que

dá de

seus crimes foge

flagrantemente

dos autos. Isto

deve

resultar de seu não-arrependimento

(EVCP

1968 .

Os

exames

podem

até

prescindir de

toda a lógica. Sua

função

éa de

relação eu-mundo, apresenta

sinais

ambiental

(EVCP

34-1968).

5 O

tratamento penitenciário

Alguns

efeitos

da

prisão

sobre os condenados,

tal

como apare

cem

nos laudos ..

Embora o periciado tenha começado

sua

vida no

mundo

do cri

me, da ociosidade, vemos que sua conduta modificou-se dentro do

ambiente

penitenciário.

Deixou

sua

vida de contendas, desavenças,

para trilhar a do

respeito à ordem

(EVCP 106-1970).

Vinte

e

dois

anos de

ajudam

a

resolução de

alguns

pro-

blemas psicológicos, mas podem também criar novos Na penitenciária

não consegue relacionar-se,

já ganhou apelidos

por

causa de sua

apro

ximação com homossexuais.

Nenhuma perspectiva

de futuro. Nota-s e,

portanto, que

ainda não

oi pela penitenciária

971).

110

onde

trabalha como cozinheiro .. o tempo e su lClen e p/ar, C .

. d

de f l exão Esta pronto. es-

colocacão

e

adequação da

agresslVl a

e,

r .

sada

a

periculosidade (EVCP 255-1972).

con-

  Fcz

uma

crítica de seu .

. d b A'

colocando-os

como mconse-

siderações

sobre vicra os e o e : m ~ ; ,

T

ealheiosàrealidadedavlda (EVCP 1972).

. .

.

e

não

ter

com

O

hOlmcídlO

em

apreço

p,nec ' .

de personalidade .. decorreu mesmo das

o / n ~ i ç õ e s c u l t ~ ~ m s ,

da : ~ : ~

la de

valor..:s, onde o

interno formou seu COdIgO

de o n ~ à ... sua eXI

riência carcerária lhe deu um lastro de

controle sobre

: vW

.

(EVCP 250-1968).

Aprendeu que existe

que

eleve ser respeitada,

ii

qual

vez que

noS

em nossos

Bibliografia

.

. .

do Rio

ANUÁRIO Estatístico do Departamento do SIstema Pemtenclano

de Janeiro, 1984.

. d R

rschach

Madri Morata.

BOHN, Ewald. Manual deZ psicodwgnostlco e o . , .

1971

. S-

Pulo

Moderna 1981.

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MARX, Karl & ENGELS, F

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THOMPSON, Augusto.

1983

VAN

Jos.

. . R d Janeiro Achíamé,

são

os

cnmznosos;- la e ,

Rio de

1980.

111

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c

As entre a e a

justiça penal

têm sido,

pelo

menos desde

o iníeio do século bastante um

a

justiça

não dispunha de meios para dar conta de um certo tipo

de crime cujas características

pareciam

fugir

completamente

à razão.

n l 1 .PC T Q r . ao

mesmo tempo

deixada

em

aberto

nascente.

(role

Não se

trata,

como

ainda hoje se confunde, de

desculpar

o cri

minoso, dispensando-lhe

um tratamento mais

humano. O que

ocorre

é apenas a substituição de um tipo de controle

por

outro, mais efieaz

e abrangente.

Enquanto ajustiç a só pode agir sobre o delito quando este

tiver

sido cometido, a psiquiatria

aparece como capaz de

prevê-lo em fun-

de

critérios de periculosidad e definidos cientifica mente . O ato

criminoso torna-se resultado inevitável

de uma

condição mórtÍIda que

já se

esboçava

desde a infância. A

criminalidade

atravessa a

vida do

indivíduo, o crime é sempre uma virtualidade.

A descoberta, por pmie de Esquirol, da monomania permite trans

formar a simples existêneia de crime

em

sinal de doença. Ao mesmo

tempo, amplia a noção de alienação mental:

enquanto

na tradição

intelectualista do século XVIII ela era equiparada a um erro ou delírio da

razão, torna-se possível pensar numa espécie de loucura sem del{rio .

Com

o diagnóstico de

monomania

fala-se

pela primeira

vez de

uma patologia

dos

sentimentos

e da vontade sem qualquer

pertur

bação

do entendimento. Pode-se

a

partir daí

incluir

na

categoria

3

de

alienado

m ~ n t ~ l U1.n número maior

de indivíduos,

trazendo para

a alçada da pSlqUJatna

eventos

sociais

anteriormente situados na

justiça penal. Representam, para o poder psiquiátrico, um instrumen

tal para a patologizaçã o de um número cada vez maior de atos e indi

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i

área do Judiciário.

.

~ a r ~

que

~ a l

processo pudesse se dar em toda sua extensão, a

pSIqUIatna preCIsou se armar de um instrumental institucional e teóri

do qual ainda carecia ao tempo de Esquirol. Mas, ao menos no

mvel do. . a

~ c l i c i n a

mental elabora uma entidade nosográfica

que se sItua na fronteIra entre seu próprio campo e o

da

justiça.

O ou o de uma determinada

ria

de

indivíduos; na entre as duas institui-

. haverá aqueles considerados excessivamente lúcidos para casas de

alIenados e insuficientemente responsáveis para a prisão. Além disso, se

aparentemente a psiquiatria livrou das mãos da justiça o monomaníaco.

dando-o como irresponsável, por outro lado sempre acentuou o carátel:

l

sob a tutela do

sem

de tratamento.

Do

P?nto de vista institucional, porém, os criminosos perversos

ou

a:n orats

colocam

uma

questão aparentemente insolúvel: ao

co.nslderá-Ios incuráveis, a psiquiatria parece admitir a ineficácia do

asIlo para

u a n o r m a ~ z a ç ã o .

Embora merecedores de

um

diagnóstico,

monomamacos nao se adequam às táticas do tratamento moral,

a:nda que ele baseie

em

recobrar a razão ?

Como

proceder

dIante de alguem ao mesmo tempo lúcido e anormal?

.

T r a z e n ~ o

pr?blemática do alienado criminoso e lúcido para a

-atu

alIda.de da pSlqmatna, veremos como hoje esta tendência a estender mais

e maIS os domínios da mesma frente ao Judiciário se ampliou. Entretanto,

permanece a questão do destino a ser dado a estes indivíduos.

o

psicopata como limite

entre

a

psiquiatria

e

ajustiça

penal

.

r o c u r ~ r e m o s

desenvolver aqui algumas considerações a res

peIto das entidades nosográficas da psiquiatria atuaI conhecidas como

personalidade psicopática , personalidade anti-social ou sociopata

entre as não são importantes). Tal como

entre psiquiatria e

114

víduos; para

ajustiça

a possibilidade de uma solução

cómoda

para o

crescente índice de criminalidade, permitindo a referência a causas

mórbidas e mascarando a problemática política e social.

Para mt Schneider

1

 

a personalidade é uma perso-

nalidade anormal, definível em função de procedimentos sociológi

cos ( variações

de

uma faixa que se tem em mente ). Não se

trata porém de uma personalidade mórbida, como é o caso das

nQ,r- r ,c c>Q

De acordo com sua célebre definição,

as

personalidades psicopáticas são

aquelas que sofrem ou fazem sofrer a sociedade . Co mo sub divisões

da

mesma cntidadc clínica, o autor distinguc oito tipos que podcm ser

subdivididos entre os caracterizados pelo sofrimento próprio e o gru

po perturbador da vida familiar e da ordem social . Para nosso pro-

pósito, interessa apcnas

o

grupo. Assim,

denomina mos carentes de as

parecer mais do que são... ifesta-se

[a

anormaJida-

por um modo de ser adotando formas de

ser estranhas.

Os psicopatas explosivos

..

são as pessoas que explodem ao me

nor ensejo

.. os

psicopatas insensíveis são

as

pessoas destituídas

ou quase destituídas

de

compaixão, vergonha, sentimento de hon

ra,

arrependimento, consciência ..

são

em princípio incorrigíveis e

não podem ser educados

2

.

Na

psiquiatria contemporânea, aponta-se em Kurt Schneider o mé

rito de ter trazido para o campo da psicopatologia

as

psicopatias. Ou seja,

/

ter extraído os fenómenos de conduta que se desviam

em

relação a uma

faixa média do campo exclusivo da climinologia ou do direito criminal.

Embora seja um avanço no sentido da ampliação do dominio de influênci

as

da

psiquiatria, ao não considerar a personalidade psicopática como um

fenómeno mórbido , o autor remete parcialmente este tipo de indivíduo

ao

campo não-psiquiátrico. Anormal, porém não-doente; merecedor de

um rótulo, mas dado como irrecuperável. A personalidade psicopática é,

assim, definida de maneira contraditória.

I

K.

Schneider.

f slcOj JatolOgza cl ínic a.

São

Paulo,

Mestre lou, 1968, cap. 2.

2 fel

115

Que

a

sociedade ?

A

sociedade

é

tomada

como um todo

único, indivisível e

harmónico. Transgredir

suas no1 -

atria, como de poder, toma as leis da

sociedade

como nor

ma da qual qualquer desvio se constitui em patologia. Mais claramente

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E a para tal é de

conter em seu

têm conduta

e

poder

enfim, todos

E

para

eles a dis-

de não-educabilidade.

definições de personalidade psicopática, a sociedade

e causas relativas ao quase sempre

por uma

solução conciliatória, a

da

colaboração dos dois

como personalidades anti-sociais classificam-se os indivíduos cro

nicamente anti-sociais, incapazes de ligar-se ou serem leais a al

guém, a grupos ou a modos de vida. Dados a prazeres imediatos,

parecem carecer de senso de responsabilidade e apesar de humilha

ções e punições deixam

de

aprender a modificar seu comportamento.

Carecem de capacidade de julgamento social, embora sejam fre

qüentemeRte capazes de racionalizações verbais que

os

convençam

de que suas ações são justificadas .. O comportamento da personali

dade sociopata impede o ajustamento psicossocial e vai da estranheza

à

criminalidade, com um grupo intennediário formado por excêntricos,

extremistas, delinqüentes e outros desajustados sociais .. fre-

qüentemente mostram atitude de rebeldia frente à sociedade

..

são

incapazes de se identiticar com a sociedade e suas leis

3

.

A

personalidade sociopata, segundo este autor, caracteriza-se

fundamentalmente pelo desrespeito às leis . Evidentemente, a psi qui-

C

KohJ.

odem Clinical Psychiatry

Filadélfia, W. B. Sownders,

1973,

p.

496-500.

116

do que na

a

de

que

considera

a

U. L<U . U\. oJUlI .J uma existência

desequilíbrio da

devaSSldao.

os produtos dos lares

velmente serão esta corrente

tipo de

pessoa

uma atitude

de

rebeldia frente à socie-

dade, não aceitando suas leis. uma tão

que

vai

da excentricidade à criminalidade,

passando pelos extremistas

e de

linqüentes :

a psiquiatria,

como dispositivo de controle

por um erro da

rebeldes que,

acerca da

diagnóstico de

personalidade

anti-social traria em si

alguma

dificuldade no que diz respeito à diferenciação frente à neurose.

Schneider não chega

a utilizar o

termo, referindo-se em contrapartida

aos

indivíduos

que sofrem,

por oposição

aos

que fazem sofrer

a soci

edade. Isto

porque,

ao contrário dos psicóticos, esquizofrênicos,

cicIotímicos, os neuróticos e

psicopatas não

cometem eITos

de

ra

zão .

Para

o diagnóstico diferencial precisa-se,

além

da

exploração

direta,

do estudo da história vital completa do indivíduo.

Na análise da biografia de psicopatas sobressai a ausência de uma

comunicação com o meio que data da infância

4

.

O

estudo da história e da infância destes indivíduos torna-se im

portante

para

a constatação

da

anormalidade. Pois o

que

se valorizará

serão

as

pequenas oposições

e

rebeldias

às

leis da sociedade ,

no

interior

de cada

um de seus dispositivos disciplinares. Serão de

desadaptações

à

escola, ao exército, ao trabalho, às autoridades, à moral

vigente, que acabarão por definir, aos olhos do psiquiatra, a psicopatia.

4 Hafner,

pud F

Alonso-Fernandez.

Fundamentos de la

IJ ') L / I {, IU/

Madri, Paz Montalvo, 1972.

7

actual

o discurso psiquiátrico, estaria justificada a de

tratamento

para

tais

indivíduos

e sua internação

em

hospitais.

Entre

tanto, permanece

ainda uma

ambigüidade: os psicopatas

dificilmente

justiça

penal, e

será

necessário

remeter

à prisão

como

uma

espécie de

instituição disciplinar modelo, um quartel um pouco estrito, uma es

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por influências seu comportamento. Tal c: Jfno para

são

incuráveis em sua maioria.

aceitam

o

uma vez rompido seu

da autoridade e da

mais facilmente curáveis

s

,

no

caso

dos psicopatas ou au-

tores

parecem que apenas

o tempo

com a aceitação das exigências da

Embora proclamando-se de antemão fracassada diante deste tipo

de doença mental, a psiquiatria sugere que a aceitação

da

autoridade e

da responsabilidade

conduziria

à cura.

o

' parece preferir o trato dos juízes ao dos médicos . ,

tais personalidades não são tributárias de tratamento médico mas

de atividade educacional-pedagógica6.

A psiquiatria

parece

transferir a tarefa de lidar

com os questio

nadores da lei

para

as autoridades judiciárias ou para as instituições

de

reeducação . Ao

mesmo tempo em

que dispõe de

uma

entidade

nosográfica capaz de

dar

conta da contestação às leis, do extremismo

e

da

excentricidade,

recua

diante da tarefa de disciplinarizá-Ios. Resta

nos examinar por

que

isto

ocorre,

ou que tipo de oposição faz

à

pró

pria psiquiatria o

chamado

psicopata.

A produção

de

um saber sobre

as

ilegalidades

Só poderemos

compreender

o discurso psiquiátrico

acerca dos

chamados

indivíduos anti-sociais se fizermos referência ao local

de

constituição deste discurso, ou seja, às instituições disciplinares. A

questão se situa,

como já

dissemos, na fronteira entre a e a

61d p. 102

118

cola

sem

indulgência,

uma

oficina sombria,

mas

levando

ao

fundo,

nada qualitativamente 1 l 1 : e n ~ m e

inaugurou,

com uma

nova dita

,

ll11°1

saber sobre a diríamos

ms

que

a

produz

a delinqüência, não no

sentido

de

que se

reformá-la ou de que

seu

tivesse ser aperfeiçoado.

Ao

dizer que a prisão o é dizer que

cum-

pre

plenamente

seu papel enquanto dispositivo de controle social.

Dentre as instituições disciplinares, a é a que

leva

a efeito

com maior intensidade a utilização

da

maquinaria disciplinar.

A

priva

ção

da

liberdade

é

apenas

uma

das estratégias:

com

o

p e r f e i ç ~ a m e n t o

das técnicas de

observação

e registro

de

dados

sobre

as mOVImenta-

do que tendem a as formas de

a

de um novo

Como

se diz a

uma

dade no interior

da

sociedade. Sob condições de

extrema

privação,

ela

faz

conviver

todo tipo

de

infrator das leis,

proveniente

das camadas

mais

pobres da

população, e

produz um

tipo de

c ~ u n i d ~ d ~

~ n d e

prolifera

uma

estranha

espécie

de

seres violentos,

VICIOSOS, 111lmlgos

de qualquer ordem social.

É

a própria prisão que constrói meticulosa

mente este tipo

de

violência

que se

manifesta

de forma

incoercível e

desligada de qualquer contexto.

Estímulando a delação e a

chantagem,

ela tenta destruir rS laços

entre os

que

a

ela

estão sujeitos.

Na

prisão se manifesta

de

forma mais

acabada o esquadrinha mento disciplinar: são estabelecidos lugares rí

aidos

para

observação e controle das individualidades, privilegiam-se

contatos no sentido vertical (o da hierarquia), maximizam-se as

diferenças no sentido de neutralizar possíveis alianças.

A pena-prisão

inaugura

também uma forma de que não

se refere tanto a

uma

infração,

mas

a

um comportamento, compreen-

dido no de uma história individual.

7

M. FOllcault.

Vozes, 1977.

119

. Aqui, e penal se confundem: a de

delmqüente, produz ida no interior das prisões, como já vimos, estabe-

uma

entre estes Tal como nas que

cando dessa forma agir no sentido de pr eservar o poder dominante.

Vimos como a é uma ent idade noSognUH:a

que visa "adoecer" a rebeldia frente às normas

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dc

como

atos que têm

ao indivíduo.

tomam se

a

dia mais

do

dc

Não é todas elas tcnham em si propósitos políticos, mas podem

conduzIr a estes ou mesmo ser capitalizadas

em

seu favor.

Ao. produzi r a del nqüência, a prisão procura romper os elos que

unem o mfrator das leIs

com

seu meio social, utilizando-se de duas

principais:

1 No

n t ~ r i o . r

da pr?pria prisão, através

da

delação, ou de privilégios

e sub-hlerarqUlas ll1centIvados como forma de diluir as alianças.

2.

No meio social, através do estigma do condenado que o impe

dirá de : r ~ i n t e g r a r - s e mesmo que queira, forçando-o a uma situação

de bandJtlsmo, que o faz voltar-se contra seu próprio meio

. Ao mesmo tempo, o esquadrinhamento geral

da

população, es

pecIalmen te dos setores pobres, torna-se justifi cado, sob do

combate ao crime. Os jornais e a literatura policial contribuem para

fazer

d e s t ~

o produto de

uma

maneira de ser muito especial e selva

gem, deslIgada

do

contexto social e político.

A psiquiatl:ia é também um dos mecanismos de poder que

tem descaracten zar a transgressão

à

lei como oposição política, bus-

12

no

mcreCedl)res deste

ou mesmo para

ajustiça

os indivíduos

sões psiquiátricos eles

parecem opor

ao poder

uma

forma de resistência.

Na tentativa de ser considerado

poet

exibia retórica sobre

os

temas

do mor

e

d

liberdade

8

Vejamos, primeiramente, de que maneira a sociopatia é constmída

no interior do hospital-prisão, ponto singu lar

de

convergência de duas

grandes instituições disciplinares.

Desde a primeira entrevista com o psiquiatra, algo

é

determinante

para

que o futuro paciente receba este diagnóstico.

... atitude ligeiramente hostiL.. foi logo ameaçando a equipe de se

gurança, avisando que a qualquer momento poderia causar proble

mas se as coisas não caminhassem como queria .. diz que não é

cobáia:

de psiquiatra e que

muito tempo está curado.

O psiquiatra aqui não se defronta

com

um "paciente" no sentido

próprio

da

palavra, mas com alguém que oferece resistência através

de um

discurso coerente do ponto de vist a racional. Não se trata

de

um delirante, por mais que se quisesse enquadrá-lo como tal. Seme

lhante atitude de rebeldia deve ser designada como psicopática, po

dendo ser estabelecido um paralelo

com

a característica, descrita

por

8

Extraído como as citações a seguir de um laudo psiquiátlico elaborado

em

insítuição psiquiátrico-penal no Rio de Janeiro em 1978.

2

Kurt Schneider, dos psicopatas que desejam parecer mais do que são .

Ao

invés de submeter-se, o paciente faz ameaças, reivindica, desconfia,

não aceita o lugar de submjssão a q ue seria confinado.

rança .. teria chefiado rebelião para atear fogo

às

enfermarias (de

outro hospital penal].

Exercer liderança

é

algo inteiramente intolerável

numa

instituição

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Esta, entretanto, não é a única atitude de resistência possível. Há

os que

simulam doença,

os que

se

mostram

solícitos

para com

isso

obter

benefícios; numa do

psiquiatra

com

estranha astúcia e em nenhum momento parecem

fora

de

si , a não ser

por vontade

própria.

é

a chamada curva

de

vida que

e ~ n i r á

o enquadramento

do

indivíduo

como

personalidade sociopata:

'

casou

aos 17

anos com

a

namorada

que

engravidara

e no dia do

casamento deixou a esposa e saiu

com

outras mulheres ..

...

há registros de distúrbios de compOltamento desde a infância, sem-

pre

com beligerância. Brigas freqüentes,

fre-

uma amante.

A psicopatia é como um germe que tem sua origem na infânc ia e

caracteriza-se

pela

oposição

ou

transgressões sistemáticas à ordem

da família, da escola, do trabalho, d o exército. O desrespeito à autori

dade

é também

um sintoma

importante.

Dissemos

que

tal espécie de anormalidade é construída no inte

rior da

instituição, n o

caso um

hospital-prisão.

Sem

dúvida, a oposi

ção sistemática àmaquinaria disciplinar é

um

ponto central

na

defini

ção

do diagnóstico.

...

em todos

os

estabelecimentos plisionais tornou-se elemento inde

sejável, temido e causador de inúmeros problemas de disciplina .. ne

cessário esquema de Segurança Especial para contenção das atitudes

sociopáticas

do

paciente. Também

nos

estabelecimentos psiquiátrico

penais conquistou a incômoda posição de ser absolutamente intolerá

vel pelo potencial de periculosidade que encerra, levando

as

equipes

a um clima de tensão, perturbando a assistência a psicóticos,

graças à sua influência e

de

nefastas

..

lidera gru

po de mantendo de sobreaviso

os

esquemas de segu-

122

disciplinar. De

um

iado, a

constante

i g i l â n c ~ a ~ o b s e ~ v a ~ ã ? o

c ~ í d a ~

d ~ s o

esquadrinhamento

do

espaço com

o obJetlvo

de

ll1d.lv.ldu.al:zar e

, para

com isso obter maior

controle e prodUZIr mdlvH.iuos

e dóceis. De outro, um grupo de

indivíduos

não tão

intoleráveis,

como

o próprio

psiquiatra

o confessa, tanto na

comum

quanto no hospital penal.

Na

verdade

estas

duas

remeter

estes tipos

de

indivíduos

uma

à

outra.

No caso

psiquiatria, embora

esta

disponha de um di.agnóstico, não . dis-

por de um

tratamento suficientemente eficaz

do

ponto

de

VIsta

da

nommtização.

Vejamos mais concretamente

de que

maneira

a oposição ao

poder

psiquiátrico levada a efeito pelo

chamado

soclOpata.

... manteve sempre

u comr ortarnelmo

rdante,

reivindicador,

taleo .

volvi menta das rotinas

de

investigação

..

mostrou-se o todo

rebelde, pouco cooperador e ameaçador

..

revela incapacidade de es-

tabelecer aliança terapêutica .. a investigação psicológica

foi

prejudi

cada porque o paciente recusou-se a fazer testes. Em sua participação

nos grupos operativos incita os outros pacientes à greve de fome ...

aparentemente simulava delírio como maneira de ser dado como

ilTes-

ponsável climinalmente ..

O

chamado

sociopata parece

dispor

de

meio

singular

de

oposi

ção

ao

poder

psiquiátrico.

Ao

invés de submeter-se às

r o t i n a ~

aos

testes, estabelecer alianças, cooperar,

como se espera de um

paCIente,

ele reivindica

e ameaça, mostrando-se irredutível. E o faz de modo

coerente do ponto

de

vista racional.

Se

entendermos a

i ~ t e r v e n ç ã o

psiquiátrica como

uma luta

que só termina com o

s u b m ~ t l m e n t o

e a

aceitação

da

palavra-verdade

do

médico por

parte

pacIente, pode

mos supor que no caso

em

questão isto não se

venfIca.

Se

o

paciente

parece delirar, o faz apenas

em

seu

benefício; se

aceita participar de grupos que funcionariam

como

pontos

de

obser-

e de a o

faz

de

ma-

  23

a e promover revoltas.

No

contato com o psiquiatra, rei-

vindica

sem

cessar, coJocando-o

constantemente

à prova.

psiquiatria

se

apresenta como uma modalidade de controle PO\ebelde

sutH, ineficaz quem também se comporta

de manter sua

nos do

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, .conta

nando rrp 'nF'n

tornou-se amante de um

se

envol vendo nem mencio

ordenada , diz que sua mulher

ele a matou,

Conforme mencionamos, quando nos referimos à produção da

delinqüência, aqui também, por

mecanismo

Este controle, no

que

se refere ao psicopata, não

parece

se

dar

de

forma

eficaz:

,

.

carreirísta da indisciplina e da desordem, campeão da pantomima

e da burla, põe em polvorosa os agentes da terapêutica.'E ingénuo

manter sob regime hospitalar psiquiátrico perigosos deste porte.

Recomenda-se encaminhamento para estabelecimento penal de se

gurança máxima e disciplina rígida, onde seu comportamento pos

sa ser avaliado à luz do regulamento penitenciário tão-somente.

Que destino dar ao psicopata? Seu env io para o hospital psiquiá

trico

penal

é,

por

si só,

um

indício de

que

a prisão fracassou na tenta

tiva

de

obter o enquadramento à sua ordem.

Paradoxalmente, o psiquiatra lhe dá

um

diagnóstico, mas, ao in

vés de tratá-lo, remete-o de volta à prisão. Por segurança

máxima

e

disciplina rígida podemos entender a violência sem máscara que se

exerce diretamente sobre o corpo9. Com este tipo de indivíduos, a

9 O detento foi enviado a uma prisão conhecida pelo emprego sistemátíco da

violência física.

24

louco

e

mel1

te

em

no momento não se fazem presentes.

momentos culminando com

d

d

m

de

consciên-

crime contra a vida em or ena

a

se .

incapacidade de estabelecer relações afetlvas adequadas,

à de fomentar

Curva de vida

de

tratamento,

Bibliografia

ALONSO-FERNANDEZ, F. Fundamentos de la psiquiatria actual. Madri,

paz Montalvo, 1972.

.

. . .

d d d

o

ro do alienismo. R O de

CASTEL,

R.

A

ordem pSlqwatnca

.-

a I e e 1

Janeiro Graal 1978.

FouêA

ULT

M. Eu

Pierre Riviere ..Rio de Janeiro, Graal,

1977.

. Vigiar

e

punir.

Petrópo}is,

Vozes

1977.

-----

- . F'l d lfi W B Sawnders, 1973.

KOLB, L. C. Modem Clinical Psychzatly.

1 a e Ia, . '

. [ . S- Paulo Mestre Jou, 1968.

SCHNEIDER,

K

Psicopatologta c l/nca. ao

125

Veja os livros de direito

da

Revan.

Eis alguns títulos:

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Direito Penal Brasileiro I, de

E

Raúl Zaffaroni, Nilo Alejandr o

Alagia

e

Alejandro Slokar.

Destacando o trabalho jurídico feito em equipe

por Nilo presiden te do Instituto Carioca de c Raúl

Zaffaroni,

da

associação Internacional a

obra apresenta materiais em que estão elementos portu-

os problemas bases diferentes de

e constitucional.

95 00

Introdução crítica ao direito

penal

brasileiro, de Nilo Batista.

Nesta obra, fundamental para o ensino jurídico, Nilo Batista faz uma revisão

pontual de soluções usualmente adotadas na literatura jurídico-penal brasilei

ra.

Adotada

em

diversas faculdades de direito em todo o país, está em 8

a

edição.

4 X

2 m

36

p.

R 17,00

produziram de

Latina . Adotado

em

4 X

21

m 282

p

e estudantes da cientistas sociais

debates entre

o autor e seus

de

O juiz e a

democracia

(Le gardien des promesses), de

Amoine

Garapon.

Livro do renomado jurista e homem público francês que vem alcançando

grande repercussão internacional. C om introdução de Paul Rícoeur, trata do

aumento-da importância do poder judícülrio na sociedade moderna, quando

as instituições políticas (partidos e poder executivo) perdem crédito junto à

população e cresce nesta a solicitação do recurso aos juízes para a solução

de seus problemas individuais e como fiadores da ordem e do direito.

6 X 23 cm 272

p.

R

39,00

Corpo e alma da magistratura brasileira, de Luiz Wel71eck Vianna, Maria

Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palácios Cunha Melo e Marcelo

Baumann Burgos. Uma pesquisa sobre a estrutura e o funcionamento do

Poder Judiciário no Brasil foi o ponto

de

partida para este grupo de

renomados cientistas sociais do IUPERJ traçar um perfi I social do magistra

do brasileiro, das suas opiniões e atitudes, sua trajetória profissional e seu

processo de recrutamento, bem como relacionar o magistrado

com

o Esta

do e a sociedade, o direito e a organização deste poder. Trabalho pioneiro,

analisa cerca de quatro mil questionários respondidos juízes de todas

as instâncias e do inovando tanto no análise quanto

de - a do direito. 2

336 p.

Se procurar nas livrarias

um

livro

da

Revan e não encontrar

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