Livro de Poesia

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Publicação do Instituto Federal da Paraíba - IFPB

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(ORGANIZADORES)

SANDRA CRISTINA SANTOS ALVESGOLBERY DE OLIVEIRA CHAGAS AGUIAR RODRIGUES

JOSÉ ROBSON DO NASCIMENTO SANTIAGO

ANTOLOGIA POÉTICA DO IFPB: CONTOS, CRÔNICAS E POEMAS – A INCLUSÃO SOCIAL

NO MUNDO MODERNO

1ª edição

João Pessoa - PBIFPB EDITORA

2013

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Presidente da RepúblicaDilma Vana Rousseff

Ministro da EducaçãoAloizio Mercadante

Secretário de Educação Profissional e TecnológicaMarco Antônio de Oliveira

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB)

ReitorJoão Batista de Oliveira Silva

Pró-Reitora de Extensão

Maria Edelcides Gondim de Vasconcelos

Comissão Julgadora - Portaria, nº 2538/2012 – Reitoria - 21/12/2012Golbery de Oliveira Chagas Aguiar Rodrigues(Presidente)

José Robson do Nascimento SantiagoCleriston de Oliveira

Maria Analice Pereira da SilvaMaria Virgínia Gomes de Holanda

Sergio Castro Pinto

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(ORGANIZADORES)

SANDRA CRISTINA SANTOS ALVESGOLBERY DE OLIVEIRA CHAGAS AGUIAR RODRIGUES

JOSÉ ROBSON DO NASCIMENTO SANTIAGO

ANTOLOGIA POÉTICA DO IFPB: CONTOS, CRÔNICAS E POEMAS – A INCLUSÃO SOCIAL

NO MUNDO MODERNO

1ª edição

João Pessoa - PBIFPB EDITORA

2013

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Antologia Poética do IFPB: Contos, Crônicas e Poemas – A Inclusão Social no Mundo Moderno.

O conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade dos autores.

Capa, Projeto Gráfico e DiagramaçãoLuzivan Jose da Silva

Revisão de TextosTamires Ramalho de Sousa

ContatosEditora do IFPBEnd: Av. Primeiro de Maio, 720. Jaguaribe, João Pessoa – PB.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Biblioteca Nilo Peçanha - IFPB

Responsável pela catalogação: Lucrécia Camilo de Lima – CRB 15/132

A634 Antologia poética do IFPB: contos, crônicas e poemas – a inclusão social no mundo moderno / Organizadores , Sandra Cristina Santos Alves , Golbery de Oliveira Chagas Aguiar Rodrigues ,

José Robson Santiago. – João Pessoa : IFPB , 2013. 91 p. : il.

Originalmente apresentado no I Concurso multicampi de lite- ratura do IFPB. ISBN

1.Antologia poética – IFPB. 2. Contos. 3. Crônicas. 4. Poemas 5. Inclusão social. I. Alves, Sandra Cristina Santos. II. Rodrigues,

Golbery de Oliveira Chagas Aguiar. III. Santiago, José Robson.

CDU 82-82

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Antologia Poética do IFPB: Contos, Crônicas e Poemas – A Inclusão Social no Mundo Moderno

SUMÁRIO

Prefácio..................................................................................................................................07Apresentação........................................................................................................................09Contos.....................................................................................................................................14 A vida de Maria Esperança..........................................................................................15 Seu esforço não foi em vão..............................................................................................19 Vetor da sensibilidade...................................................................................................22 A moral do transeunte...................................................................................................24 Novo ser.......................................................................................................................28 Verde-claro...................................................................................................................32 Rios voadores................................................................................................................36 Óvni.............................................................................................................................40 Mais uma vez...............................................................................................................42 Por justa causa..............................................................................................................45Crônicas.................................................................................................................................48 Barba, Machado e Aplausos - Cristino Viernes.............................................................49 Sonho..............................................................................................................53 Pedância da vida moderna.............................................................................................55 Vejo o que não consigo ver.............................................................................................57 Trabalho em um Hotel Diferente...................................................................................59 Mulher calçando salto alto.............................................................................................63 Nossas cotas de cada dia................................................................................................65 A recordação.................................................................................................................66 Sobre tudo eu te amo.....................................................................................................68 A vista de outro ponto...................................................................................................70

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Poemas...................................................................................................................................72 “Meio-dia”...................................................................................................................73 Inclua-me onde eu possa ser diferente..............................................................................74 Índio: Um exemplo de cidadania....................................................................................75 Difere de diferente..........................................................................................................76 Mundo Moderno?..........................................................................................................77 Mundo Moderno não Inclusão Social..............................................................................79 Metafísica da inclusão....................................................................................................80 O Mito Moderno............................................................................................................81 Sonho Utópico...............................................................................................................82 A inclusão social no mundo moderno..............................................................................83 Nos bastidores da liberdade............................................................................................84 Calculando a exclusão....................................................................................................86 Educa...........................................................................................................................87 Inclusão........................................................................................................................88 Todos num mesmo ciclo...................................................................................................89 Desencontro..................................................................................................................90 A tecnologia para o conhecimento......................................................................................91

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PREFÁCIO

Aguçar a visão poética, estimular a produção literária, incentivar a cultura de representação poética e prosaica premiando contos, crônicas e poemas, promover a socialização do conhecimento e da cultura através da publicação dos textos premiados são objetivos do I Concurso Multicampi de Literatura do IFPB – Contos, Crônicas e Poemas.

Suscitar a inspiração poética – via conto, crônica ou poema – em ambientes de formação profissional em ciência e tecnologia é propiciar ao alunado a formação humanística, social, interativa e cidadã.

À formação profissional de um ser científico e tecnológico é preciso oferecer condições para a construção de um ser poético. A poesia, o literário, o lado conotativo da vida se inserem nessa formação.

Construir um ser poético significa criar metodologias e estratégias para fomentar não apenas escritores, mas também artesãos da escrita que, semelhante a um oleiro que modela o barro, fazem um jogo de palavras, selecionam a melhor metáfora e compõem seu poema, seu conto ou sua crônica; palavras e figuras que enfeitam o nosso cotidiano. Quando nasce uma metáfora, nasce a sensibilidade para melhor enfrentar as agruras e os desafios da vida.

Com essa visão, o Instituto Federal da Paraíba, através da Pró-Reitoria de Extensão, promoveu o I Concurso Multicampi de Literatura do IFPB – Contos, Crônicas e Poemas. Via conto, via crônica ou via poema, o alunado foi instigado a manifestar seu ser poético. Tendo como ponto de partida “A inclusão social no mundo moderno”, acreditamos ter conseguido trabalhar no alunado duas vertentes importantes para a formação sociocultural: a expressão do senso crítico e a expressão poético-literária.

O I Concurso Multicampi de Literatura do IFPB – Contos, Crônicas e Poemas contou com duas comissões: uma organizadora e outra julgadora. Para julgar

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com proficiência cada texto, a comissão julgadora foi composta por professores de literatura do IFPB e membros ad hoc da Academia Paraibana de Letras, Universidade Estadual da Paraíba e Secretaria de Estado da Educação.

Deste I Concurso resultou a coletânea “Antologia Poética do IFPB: Contos, Crônicas e Poemas – A Inclusão Social no Mundo Moderno”, composta de quatro partes que acolheram as categorias: conto, crônica, poema tradicional e poema concreto.

Esperamos ser esta uma de muitas iniciativas do IFPB que instiguem a criatividade e ampliem as possibilidades de uma formação integral e cidadã dos nossos alunos.

Maria Edelcides Gondim de Vasconcelos

Pró-Reitora de Extensão do IFPB

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APRESENTAÇÃO

Com grande satisfação apresentamos esta publicação, resultado do êxito e da aceitação dos estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. Partiu de uma das ações da Pró-Reitoria de Extensão, o I Concurso Multicampi de Literatura do IFPB, Contos, Crônicas e Poemas, que foi dirigido especificamente a todos os alunos do Instituto, independente de seu nível educacional e com o objetivo maior de disseminar, incentivar e socializar a cultura, por meio do ensino, da pesquisa e da produção de textos, nas categorias: Contos, Crônicas e Poemas: Tradicional e Concreto.

O I Concurso Multicampi de Literatura previu a Produção de textos literários, premiação e publicação dos dez melhores trabalhos em cada categoria, para tanto foi necessária a formalização de Comissões, de Organização e Julgadora. Foram inscritos 140 trabalhos, dos quais foram selecionados, pela Comissão Julgadora, 10 trabalhos na Categoria Crônica; 10 Contos; 11 Poemas Tradicionais e 06 Poemas Concretos. Todos premiados com as publicações, enquanto que os três primeiros lugares em cada categoria receberam também um prêmio em valor monetário, com o sentido de motivação.

Os trabalhos giraram em torno de um tema central escolhido pela Comissão de Organização, com o objetivo de trazer à reflexão, e posterior exposição, a questão da Inclusão Social no Mundo Moderno, uma vez que os IFs têm esta Missão Institucional primordial, que é a necessidade de contribuir com a transformação e a superação da exclusão social, por meio do acesso à Educação Profissional de qualidade.

Neste sentido, o I Concurso Multicampi de Literatura veio propiciar aos estudantes do IFPB a oportunidade criativa de dizer em suas linguagens a Inclusão social no mundo moderno.

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Nas palavras de Drummond: “São tristes as coisas sem ênfase”, sendo assim, pretendemos a partir desse momento, descrever de maneira sucinta o assunto dos textos apresentados sob os formatos do Conto, da Crônica e dos Poemas Tradicional e Concreto. Cada produção é um convite a uma viagem criativa, reflexiva e crítica sobre nossa realidade social, que exige atitudes que repensem a exclusão em prol de uma produtiva Inclusão Social.

A Inclusão Social é aqui entedida, conforme as palavras de Almir Souza, enquanto “toda forma de combater à exclusão aos benefícios da vida social, causada pela idade, educação, preconceitos raciais, lugar onde nasceu, deficiência física, etc... É criar mecanismos que permitam iguais oportunidades de acesso a bens e serviços no interior de um sistema.”

As Crônicas apresentadas nesta edição nos conduzem a uma aproximação criativa e crítica do real, a partir de textos que passeiam por várias dimensões da exclusão e consequentemente da inclusão social.

A primeira Crônica selecionada se intitula: Barba, Machado e Aplausos. O autor consegue por meio da relação entre preconceito e deficiência, trazer algumas reflexões sobre a inclusão social a partir do despertar para leitura de nossa literatura. Já em Sonho, o leitor é convidado a refletir sobre as dificuldades das pessoas que na atualidade estão excluídas da tecnologia dos computadores e redes sociais, além de sua importância para facilitar e encurtar as distâncias. Em Pendência da vida moderna, o autor nos convida para reflexão de nossos preconceitos conscientes e inconscientes, que se apresentam em nossas atitudes cotidianas, que muitas vezes não percebemos quando excluímos. Os demais trabalhos versam sobre diversos níveis de exclusão social, abordando o preconceito e a exclusão causados pela cegueira, pelas relações de gênero e fatos políticos atuais, como a questão das cotas para Educação.

O conto que abre esse nosso passeio temático é A vida de Maria Esperança – eleito em primeiro lugar – que provoca-nos a repensar nosso olhar, muitas vezes distorcido para

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o diferente. Maria fez jus ao seu sobrenome “Esperança”, e conseguiu fazer com seus coleguinhas de sala questionassem suas atitudes de insultos e humilhações, apenas pelo fato de ela ainda não ter namorado e nem gostar de ir a festas. Bullying e discriminação sócio-afetiva são temas que circundam essa comovente luta pela aceitação de si pelo outro.

Já o conto eleito em segundo lugar Seu esforço não foi em vão traz a representação do drama de Joana e de inúmeras mães de nossa sociedade que lutam para que seu filho seja aceito/credenciado por grupos de pessoas que não conseguem ver a diferença na igualdade. Pedrinho nasceu com deficiência genética e, consequentemente, muitos colegas próximos o criticavam por isso. Porém Joana sempre acompanhou os passos do filho, mostrando a ele que, embora diferente do ponto de vista físico, ele era igual a qualquer um em dignidade de ser humano. Fortalecido pela força da mãe, Pedrinho ganhou auto-confiança, venceu nos estudos e tornou-se Meritíssimo Pedro Henrique. O conto ensina-nos que Joana espelha uma simples célula de uma sociedade que sabe ser justa, porque entende que a dignidade é condição que deve ser dada a todos, independente daquilo que o diferencia dos demais.

Ainda nessa perspectiva de inclusão socioafetiva, está o conto classificado em terceiro lugar, Vetor da sensibilidade, que mostra a atitude solidária do professor Rômulo para com seus alunos deficientes visuais, no sentido de transmitir-lhes não apenas conteúdos técnicos, mas também o prazer de aprender. A presente narrativa ensina que o ministério da docência vai muito mais além da mera trasmissão conteudística; vai ao encontro primeiro da necessidade especial de cada turma.

Além desses textos, muitas outras narrativas discutem, sob o disfarce da ficção, inúmeras outras situações de inclusão sócioafetiva e social que estão de alguma maneira presentes na nossa dura realidade empírica. Sinta-se convidado a ler A moral do transeunte; Novo ser; Conto verde-claro; Rios voadores; Óvini; Mais uma vez e Por justa causa.

Agora, convidamos-lhe para apreciar o resumo de mais textos premiados, desta vez

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pertencentes ao formato do poema, tradicional ou concreto. Apreciemos a temática da inclusão social a partir da janela da poesia, expressa via poema.

O primeiro texto da parte “poema tradicional” é o premiado Meio-dia, que convida à reflexão sobre a inclusão dos moradores de rua, excluídos e esquecidos, tratados com desconfiança pelas vias urbanas. É a saga diária de um personagem que representa uma parcela da população à margem dos benefícios do sistema, cujo fim é certo e triste.

Por outro lado, o segundo colocado é a rejeição à inclusão na sociedade excludente. Inclua-me onde eu possa ser diferente aponta a revolta contra a incoerência de um mundo que prioriza as riquezas materiais e a aparência em detrimento das relações pessoais, mundo este que ainda assim apregoa a inclusão social em discurso.

O terceiro colocado traz à tona a inclusão pelo viés étnico. Trata dos povos indígenas, que buscam os mesmos direitos dos não índios: educação, voz na sociedade, representação política, entre outros. Em linguagem mais direta, Índio: um exemplo de cidadania acena que a luta não descaracteriza a cultura indígena, apenas fortalece o desejo de igualdade.

Seguem após esses três primeiros colocados, os classificados na ordem: Difere de diferente, Mundo moderno?, Mundo moderno nÃo inclusão social, Metafísica da inclusão, O mito moderno, Sonho utópico, A inclusão social no mundo moderno e Nos bastidores da liberdade.

Por fim, contemplemos e apreciemos a temática da inclusão expressa nos traços e letras do poema concreto. Abrindo esta última parte da obra, Calculando inclusão joga com a composição das palavras inclusão e exclusão, e aproxima a poesia da matemática para lembrar que excluir é subtrair, sobretudo subtrair pessoas da sociedade. É uma conta com saldo negativo, com resultado indesejado aos olhos do poeta. Melhor incluir!

O segundo colocado traz no vazio das letras da frase Sem educação não há inclusão a figura mais emblemática do processo educacional. Composto pela repetição das mesmas palavras, separadas apenas pela imagem de um educador e seu educando, Educa não exclui sequer uma letra da referida frase e massifica a ideia de que incluir passa por educar.

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Em terceiro, Inclusão constrói diversos sentidos na esteira da palavra através do preenchimento de suas letras. Em cada uma, um termo que aponta o que é preciso fazer para chegar à inclusão ou o que ela traz de benefício.

Após os primeiros da categoria, a obra ainda apresenta mais três classificados: Todos num mesmo ciclo, Desencontro e A tecnologia para o conhecimento.

Por fim, esperamos que cada leitor deguste cada sabor verbalizado nos versos e imagens aqui presentes, e que cada texto possa suscitar o ser poético que, de repente, esteja adormecido e que necessita ser despertado. Que venha o despertar do olhar literário, esse que aperfeiçoa o ajuizamento correto das coisas que nos rodeiam.

Sandra Cristina Santos AlvesGolbery de Oliveira Chagas Aguiar Rodrigues

José Robson Santiago

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A vida de Maria EsperançaCarlos Thiago de Farias

Maria Esperança não teve sorte alguma em sua vida. Fruto de uma relação fortuita entre uma mulher aventureira e um cafajeste casado. Perseverando sem noção das adversidades que enfrentaria em vida, lutou de todas as formas para cumprir o seu direito de nascer.

Devido a tantas tentativas de aborto, o parto foi complicado e fez o desprezo e o ódio que Maria Esperança sofria por parte de sua mãe elevarem-se de maneira exponencial. Foi logo abandonada. Por sorte, sua avó Maria da Paz, uma mulher vivida, sofrida e espirituosa, acolheu-a com todo o carinho que sua filha não aceitara desde a mocidade.

A bebê nasceu desnutrida, sem respirar. A reanimação demorou um pouco, o que lhe causou problemas no cérebro, mas os médicos disseram que não poderiam, naquele momento, dizer se as sequelas durariam ou não. Infelizmente, seu desenvolvimento foi comprometido, não se sabe bem se pelo parto complicado ou pelos descuidados durante a gestação.

Sempre perseverando, a infância de Maria Esperança não foi das mais fáceis. Seus óculos “fundo de garrafa”, sua pele escura e seu cabelo natural – que nunca serviria em comerciais de condicionadores e xampus – eram sempre alvos de piadas. Pela pouca pecúnia de sua avó, as roupas não acompanhavam a moda, seus calçados eram gastos e ela não tinha brinquedos.

Todo domingo, ela e sua avó iam à igreja. A devoção de Maria da Paz foi o alicerce para a educação e o respeito de Maria Esperança para com todos os seres neste planeta. Apesar de suas dificuldades em aprender a ler, escrever e memorizar as informações, a complacência e a ternura com que sua avó a educara formaram uma criança muito zelosa e prestativa.

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Na rua, na praça ou no parque, outras crianças não economizavam nas humilhações. “Quatro Olhos”, “Dragão Encardido”, “Pesadelo Ambulante”, “Sujinha” e “Ceguinha” eram apenas alguns dos apelidos com que era chamada por outras crianças. Sempre excluída nas escolhas dos times – havia quem preferisse brincar com um parceiro a menos do que brincar ao lado dela – ou usada como alvo para as mais terríveis ofensas, Maria Esperança nunca se deixou abater pela forma como era tratada.

No início de sua adolescência, Maria Esperança era a única que não namorava. Nas poucas festas a que ia, nem mesmo conseguia um parceiro para dança. Restava-lhe apenas comer bolos e salgados para mudar o foco. O mesmo acontecia em casa: comia bastante para suprir a carência de amigos. Resultado: com 15 anos, ela já possuía mais de cem quilogramas em seus ínfimos um metro e meio.

Na escolinha, atrasada em três anos com relação aos seus coleguinhas de turma, Maria Esperança demorava mais que todos os demais para terminar de copiar o que estava escrito no quadro, toda vez perguntava repetidamente sobre o que se acabara de falar, nunca entendia corretamente o que lhe era pedido e suas notas nas provas estavam bem aquém do que os professores esperavam. Todavia, o brilho no olhar atento de quem quer aprender, por mais difícil que algo lhe pareça, o sorriso que direcionava aos professores quando estes lhe dirigiam a atenção, o carinho com que tratava a qualquer que lhe cruzasse o caminho, apesar de todos os insultos, faziam com que os profissionais da escola tentassem compreender a situação de Maria Esperança e buscassem a melhor solução para incluí-la entre os demais.

Aviõezinhos, desenhos ofensivos, cantigas que a humilhavam, os mais horrendos apelidos, as mais infames brincadeiras, petecas de papel atiradas contra sua cabeça diariamente, tudo tentava a paciência de Maria Esperança, mas ela nunca desrespeitou seus colegas, nunca agrediu nenhum deles.

As crianças que lhe pregavam estas peças, que a humilhavam e a excluíam não se preocupavam com os sentimentos de Maria Esperança. Na verdade, ninguém lhe dava

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a mínima, pois ela apenas servia de expiação para as demais crianças descarregarem suas raivas, frustrações e medos. Enquanto Maria Esperança sonhava com um mundo em que as pessoas se amassem, se respeitassem e se ajudassem, os outros se focavam nas roupas mais bonitas, nas festinhas de finais de semana, nos namoricos e em como gastar as mesadas que recebiam.

Nem mesmo Maria da Paz sabia que no interior do quarto de Maria Esperança todos os dias havia sessões de choros, lamentações e orações. A menina não odiava as pessoas que a maltratavam, mas pedia a Deus que as ajudasse a se tornarem melhores e a agirem mais respeitosamente. O choro de Maria Esperança não era de ego ferido, nem de sonho com aceitação social, era de preocupação para com aqueles que, em lhe magoar, entristeciam a Deus.

Certa vez, em sala de aula, depois de tantas gozações, petecas jogadas e toda zombaria de seus coleguinhas, Maria Esperança pediu licença ao seu professor para falar com toda a turma. Solicitamente, o professor outorgou-lhe o espaço:

– Meus amados colegas, sei que não sou querida por vocês. Infelizmente, não sou como vocês gostariam que eu fosse e nem faço coisas que consideram divertidas. Não tenho nenhum amigo, nunca namorei e não fui para muitas festas na minha vida. Desde sempre já escuto apelidos que me ofendem. As pessoas podem até pensar que eu não percebo porque não sou boa da cabeça, mas eu percebo sim. Eu noto tudo. Não fico com raiva de vocês pois sei que a maioria faz sem nem se preocupar com meus sentimentos, mas apenas para divertir os demais. Sei que atrapalho a turma por não aprender tudo direitinho e atraso os professores por perguntar tantas vezes as mesmas coisas, mas peço desculpas por isto. Não gostaria de ter os problemas que tenho porque sei que isto atrapalha muito as pessoas ao meu redor, principalmente minha avó, que sempre esteve comigo.

Neste momento, alguns coleguinhas já se arrependiam de tudo que fizeram e choravam, lamentando. Mas Maria Esperança continuava:

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– Todas as noites, quando estou em casa, fecho a porta do meu quarto para minha avó não ouvir meu choro, pois sei que ela brigaria com todos se soubesse o que fazem comigo diariamente. Chorando, eu peço para que Deus toque nos corações de vocês para que nunca passem pelo mesmo que eu passo. Espero que nunca tenham nenhum dos meus defeitos e que possam ver as coisas boas que existem dentro de cada pessoa, assim como eu vejo em vocês, mesmo me machucando tanto. Deus me ama assim como ama vocês. Somos todos filhos de Deus, mas vocês não me veem assim. De toda forma, continuarei orando por vocês.

Sem titubear pelos choros em sala, ela ocupou novamente a sua carteira e os coleguinhas pediram-lhe desculpas pelas ofensas. Desde este dia, os coleguinhas pararam de tratá-la pelo que viam de defeito e passaram a enaltecer suas qualidades. Maria Esperança, sem vaidade, sem egocentrismo, sem soberba, sem raiva, mas com amor, paciência, carinho e ternura, mostrou ao mundo uma lição que as pessoas desaprendem bem cedo.

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Seu esforço não foi em vãoThayuan Rolim de Sousa

Era noite de quarta-feira, 20 de abril, e Joana estava abalada. Depois de quatro gestações frustradas pelo aborto espontâneo, nasceu seu primeiro filho, Pedro Henrique.

Pedro Henrique, ou Pedrinho, como é costumeiramente chamado, nasceu com uma deficiência genética. Após seu nascimento, o médico disse a Joana que seu filho nunca iria andar.

Joana não estava decepcionada com seu filho, afinal amor e carinho nunca faltariam daquela mãe tão generosa. Sua preocupação, por outro lado, era sobre como a sociedade iria encarar e tratar Pedro Henrique.

Joana era de família humilde e seu marido, ao saber da deficiência do filho, foi o primeiro a desistir da grande caminhada que estava apenas começando. Mário Jorge, pai de Pedro Henrique, abandonou Joana e nunca mais se ouviu falar dele.

Apesar dos desafios, Joana nunca desistiu de seu grande tesouro, Pedro Henrique. E garantiu a todos que Pedrinho teria uma vida como a de qualquer outro garoto, mesmo com a ausência do pai.

Sem dinheiro, Joana recorreu aos seus pais, que deram a ela e ao neto abrigo e alimento por um longo tempo.

“Não posso continuar na casa de meus pais com Pedrinho, eles já são idosos. O que vou fazer, meu Deus?”, perguntava Joana, no silenciar da noite.

Com o passar dos anos, todos já estavam acostumados com a situação. Pedrinho já estava estudando e se destacava pelas excelentes notas. Joana estava trabalhando como merendeira na escola em que seu filho estudava.

Embora a escola fosse pública, a educação era de excelente qualidade e os professores amavam Pedrinho; aquele garoto era muito querido.

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Joana não gostava que seu filho se sentisse excluído por ser deficiente. Ela nunca contou a ele tudo o que chegou a enfrentar: preconceitos e julgamentos antecipados, principalmente das pessoas que não se sensibilizavam com a situação. Joana era uma mulher determinada e ver seu filho feliz era seu maior objetivo. Ela faria o que fosse necessário para alcançar esse nobre objetivo.

Certo dia, em casa, Joana ouviu seu filho chorando, o que ele não costumava fazer.– O que aconteceu, Pedrinho? – perguntou Joana, desesperada.– Mainha, eu queria tanto ser como os outros garotos, eu queria ser um garoto

normal, não queria dar tanto trabalho à senhora. Me perdoa mainha, me perdoa. – falava Pedrinho, enquanto soluçava com o próprio choro.

Sensibilizada com a situação, Joana tentou tranquilizar o garoto e respondeu:– Meu filho, você é muito especial. Todos lhe admiram. E você é como qualquer

outro garoto: inteligente, divertido e muito, muito amado.Os dois se abraçaram e dormiram profundamente emocionados.A luta daquela mãe era diária, o que ela mais queria era a inclusão do seu filho, e

Joana conseguiu. Seu esforço não foi em vão.Com um bom desempenho na escola, Pedrinho conseguiu uma vaga no curso de

direito de uma universidade federal. E olha que ele nem concorreu às vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais.

O tempo passou e Pedro Henrique, aquele garoto que sempre soube reconhecer o valor de sua mãe, acabou se tornando um grande juiz. Hoje, sua luta é pela inclusão de todos na sociedade, todos os que são excluídos por apresentarem características físicas ou sociais diferentes da maioria.

uase ia me esquecendo que Pedro Henrique, o Pedrinho, agora Juiz Pedro Henrique, se casou e já tem dois filhos. Joana já não tem tanta energia, mas faz o máximo para dar carinho e atenção aos netos.

Recentemente, num encontro de família, Pedro Henrique destacou a luta de sua

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mãe durante todos aqueles anos, mas ele não esperava ouvir de sua mãe palavras tão emocionantes:

– Você é meu filho querido. Todo meu esforço foi recompensado. Todo segundo dedicado a você não foi em vão. Eu te amo, Pedrinho, e sempre te amarei. Faria tudo novamente se fosse preciso para garantir sua felicidade. Qualquer mãe gostaria de ter um filho tão especial e querido como você!

Nem preciso descrever a emoção que todos sentiram naquele momento.

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Vetor da sensibilidadeSuênia de Souza Silva

Os passos apressados quebravam o silêncio dos corredores da instituição, que aos poucos acordava para receber seus mais de dois mil alunos. Rômulo sempre chegava cedo. Sua maturidade já começava a ser expressa pelos fios de seus cabelos que eram um tanto lisos e juntos tinham certo volume, mas não sei se isso ocorria por estarem sempre bagunçados. Os óculos eram outra marca sua, mas não tão forte quanto a pontualidade. A dedicação ao seu trabalho fazia com que todos percebessem o amor que tinha pela profissão. Amor esse que inspirava muitos a quererem ter a mesma formação daquele dedicado professor.

Eram seis e vinte quando chegou à coordenação. Apesar das poucas horas de sono na noite passada, sua aparência não era cansada. Em cima de sua mesa pôs um pacote repleto de arames artesanais, alguns enrolados e intactos, outros já com formato, mas que, pelo embrulho, não dava para identificar bem o que era.

Ligou o computador, ansioso para abrir o e-mail, que era o local para manter contato com seus alunos, mas esse não era o principal motivo de sua impaciência. Rômulo esperava o seu material de aula, um slide que havia preparado e, para seu alívio, na caixa de entrada estava a resposta de seu filho, que estava intitulada como: Slide- vetores- revisado. Apesar de anos de tratamento, aquele homem, que era um verdadeiro expert no mundo da física, sentia-se totalmente inseguro quando precisava expor símbolos que não fossem matemáticos. Os vexames vividos nos primeiros anos escolares por conta das letras dançantes, mas principalmente pela falta de preparo das escolas onde estudara, ainda se faziam presentes em sua memória, por mais esclarecimento que tivesse sobre o transtorno que lhe acometia.

Faltavam dez minutos para o toque da primeira aula, quando pegou suas coisas e saiu em direção ao laboratório de física. Os alunos que lhe esperavam eram os do

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primeiro ano do Curso Técnico Integrado em Música. Rômulo caminhou mais feliz quando de longe já avistou Juliana e Bia, que em frente à sala afinavam seus violinos. Para aquelas meninas, acorde algum lhes permitiria ver qualquer letra do professor dançar, não só por isso ser raro, mas pelo fato de nem mesmo as mais tímidas e comportadas, símbolos matemáticos ou qualquer que fosse a expressão, lhes serem captados pela visão. Por isso todas as aulas naquela turma eram especiais. Aquele professor dobrava sua dedicação e usava tudo o que a escola disponibilizava em tecnologia no preparo e ministração de suas aulas. No entanto, daquela vez o braile e os recursos sonoros não foram capazes de traduzir o que as grandezas vetoriais exigiam, o que levou a coordenação pedagógica a rever o conteúdo programado daquela disciplina para os deficientes visuais da instituição.

Soou o primeiro e, depois, o segundo toque. Era o sinal de que a aula já ia começar. Todos entraram e o professor começou apresentando o novo conteúdo. Enquanto falava da importância de estudar as grandezas vetoriais, Rômulo tirava do pacote o fruto de seu trabalho que tomou quase toda a madrugada. A ideia, que de longe parecia tão simples, mas que nenhuma tecnologia avançada substituiu. Com setas feitas manualmente, se dirigiu a Beatriz e Juliana colocando o material em suas mesas, e lhes falou: estes são os vetores.

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A moral do transeunte Raphael Reicharmann Rolim

Antônio estava irritado. Nada colaborara com ele naquele dia. Nem o sol quente do meio dia, nem o calor humano; nem mesmo o humor do centro da cidade, irrequieto, apressado, transpirando suor de um mundo moderno que aspirava a fachadas antigas e pomposas, contrastantes com o público. O mundo, lá, seguia seu próprio ritmo. Não era o ritmo de Antônio, e assim sendo, estava errado. O centro lhe faltava com o respeito. Fedia.

Antônio, lá deslocado, tinha obviamente um motivo para estar ali, a despeito de suas vontades: pretendia comprar uma pequena lâmpada de geladeira. Ainda em casa, achara que substituir a lâmpada queimada seria uma tarefa simples: não fora. Após rodar por várias lojas, viera tardiamente a descobrir que era algum feriado comerciário. Quase todas as lojas estavam fechadas, a não ser as do centro. A lâmpada não valia a pena: voltaria outro dia, e estaria tudo resolvido... Apesar de que, se não fosse, estaria perdendo toda a tarde em vão. Sua decisão final fora arrastada, mal recebida, fatídica, mas enfim Antônio se rendeu ao centro da cidade.

Caminhando por entre as pessoas, angustiado, ele as observava. Elas atravessavam as ruas em todos os pontos, disputando espaço com os carros; caixas de som, na entrada de cada loja, gritavam esganiçadas uma profusão de preços e propagandas: cada passo seu parecia ter o poder de sintonizar em uma nova faixa que não queria escutar. Em determinado momento, um homem numa lambreta veio pela calçada, devagar, aproveitando-a para dirigir no sentido contrário ao da rua.

– Isso aqui é uma calçada, amigo – Antônio disse, equilibrando seu autocontrole.O homem ainda lhe respondeu, depois de Antônio já ter se virado para continuar:

– Poxa, nem tinha percebido, olha só!

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Antônio sentiu seus músculos se retesarem e, por bem pouco, não revidou. Nem chegou a se virar, preferiu escolher o anonimato da complacência. Quando estava chegando ao seu destino, quase foi atropelado – era uma conspiração. O sinal tinha acabado de fechar, e achando que já era seguro para se atravessar, o fez. E não era, para sua infelicidade.

Tudo isso era demais para ele. Estava ficando desesperado: o suor, o calor e a apatia o sufocavam. Mas vivo ele chegou; são, ou quase. Estava tudo bem. Comprou enfim a lâmpada. E como ela o ironizava: ela não valera a pena, talvez devesse tê-la procurado noutro dia. Fitou o objetozinho em suas mãos, e foi ao caixa. Era uma loja simplória, mas tinha lâmpadas de geladeira. A fila do caixa rápido era a maior, mas sabia que ela correria fluida. Estava tudo bem. Logo sairia daquele lugar odioso e respiraria um pouco de ar puro. Sim, respiraria. A fila logo andaria, e ele sairia dali.

Três pessoas à sua frente, havia um homem, Antônio notou. Ele parecia estar carregando, em suas cestas, muito mais do que era permitido para aquela fila. Não teria ele percebido que essa é uma fila preferencial?, pensou ele. Esperou mais algum tempo, inquieto, mas o homem não saía dali. Estarei eu errado? Não, a placa é clara. Não vou brigar agora. Mas o tempo passou, a fila foi se encurtando, e ele continuava lá, balançando suas cestas gordas. Por que ninguém se mexe? Antônio não suportava seu próprio gênio. Ele vai chegar ao caixa, e a atendente, profissional, vai lembrá-lo de que está na fila errada, e se ele tiver um pouco de vergonha na cara... Logicamente, ela não falara nada: o cliente fizera toda a fila e ela tinha medo de ofendê-lo. Não brigarei! Estou quase saindo. Quase. Logo tudo terminará. Amanhã é sábado. Relaxe. Mas o homem tirava coisas, e tirava coisas... E Antônio esperava...

O tempo passou, e a fila também. Antônio não podia se dar por satisfeito: lições de moral ele sabia dar. Fora da loja, cutucou o homem no ombro. Ele se virou.

– O senhor não tem respeito? – começou logo. – Você acha que as pessoas não têm mais o que fazer? Você devia se envergonhar! E não me olhe com essa cara! Eu

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contei as coisas da tua cesta: não tinha menos de dez coisas ali, não é mesmo? Mas não, a tua necessidade é maior que a de todo mundo, e vai pro caixa rápido mesmo assim.

– Mas era o caixa rápido? – perguntou o homem. Antônio já franziu o cenho, quando o outro ainda disse: – Moço, me desculpe... É que eu não sei ler...

A realidade desabou sobre o pobre Antônio, e o esmagou. Por um segundo, o mundo deixou de existir, e a única realidade era sua incompreensão. Estupefato, arfou. É que eu não sei ler, dissera o homem. O homem não sabia ler. Ele não lê, absorveu enfim.

– Ah... Então sou eu quem lhe deve desculpas...Mesmo depois de anoitecer, já em casa, não conseguia deixar de se lembrar da

expressão do homem. Ele não sabia ler. Como poderia Antônio ter adivinhado? Era um homem, como qualquer outro... “Caixa Rápido”, a placa dizia, a placa escrevia. Mas não lia... Eu não tinha como adivinhar. Por que tinha de ser justo aquele homem iletrado? Poderia ter sido qualquer um... qualquer outro um... mas foi ele. Por quê? Seria um aviso, afinal? Seria a deficiência do outro deficiência minha? Por que deveria ser minha? É dele. Por que me sinto tão aleijado, então? Sinto, amedrontado, o membro fantasma da minha moral... Mas, se fosse deficiência minha, o que poderia eu fazer para saná-la? Seria correto, ou mesmo suficiente, esquecê-la? Sabia que, se deixasse isso de lado, facilmente se esqueceria do evento, e estaria livre. Isso o incomodava conflituosamente, sentia-se observado por olhos julgadores, e eles o acusavam... Bem sabia que a deficiência real, do outro, não poderia ser esquecida... A realidade crua constantemente o lembraria.

Antônio não sentia que viera ao mundo para mudá-lo desde seus tempos de juventude. Sentia-se tão velho... não deveria ter tantas dúvidas, os adultos de sua infância eram confiantes... Não progredi desde minha adolescência, refletiu ele. Continuo com os mesmos sonhos, mas agora estou velho. Apenas sonhei-me, e esqueci de me encaixar no mundo... Permaneci sonho. Faltou-me a garra da ação. Sonhos não mudam o mundo sozinhos. Custa-me dizer que até mesmo levantar todos os dias firme não muda as coisas, pelo menos não o que eu queria que mudasse... É preciso mais. Bebeu um copo de leite, e engoliu um naco de pão. Estranhou o

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gosto. Era de centeio e falsa esperança. Esperança de verdade não é algo que possa ser engolido, só talvez digerido, tijolo por tijolo.

Viver um sonho é construí-lo, e não se constrói sozinho, e nem se vive sozinho, mas é comum se esquecer dos vizinhos, eles e suas agonias e cegueiras, enclausurados.

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Novo ser Severino Pereira Cavalcanti Neto

Minha vida nunca foi fácil. E creio eu que a vida de ninguém foi sempre um mar suave, todos passam por problemas. Tenho uma amiga muito especial, é ela que me ajuda a enfrentar algumas de minhas dificuldades. Eu a conheci quando tinha uns seis anos de idade, na saída do hospital. No princípio tinha aversão a ela, pensava que fazia parte de um pesadelo interminável, que iria me azucrinar para todo o sempre. Mas à medida que foi passando o tempo, eu me acostumei ao seu jeito truculento, frio e indelicado. Mamãe, para me convencer a gostar dela, chamou-a de Lilinha. Ela poderia ter sido mais criativa. Além do mais, não foi isso que me fez reconhecer que a “Lilinha” veio para me ajudar. Foi um fato bem mais recente da minha ainda curta vida.

Começou na sala de aula, eu sentava na frente, sempre junto com Lilinha. E sofria com isso.

Antes preciso apresentar a vocês Jonas e Bernardo: posso dizer que eram as piores pessoas que eu já havia conhecido. Jonas, o cruel, era baixinho, tinha cabelo espetado, olhos perversos e um tom de voz irritante. Já Bernardo, o comparsa, era enorme, tinha o nariz em forma de batata, o rosto coberto por espinhas e seu hobby era acertar um soco no rosto de quem cruzasse seu caminho. Durante toda minha vida escolar convivi com os dois, e o problema era que eles me odiavam.

Voltando à sala de aula: estava eu sentado na fileira da frente, anotando o que o professor escrevia no quadro com destreza. Enquanto escreviam, os alunos conversavam sobre os mais variados temas, e eu, como um bom ouvinte que sempre fui, estava atento a tudo que se passava. Nunca gostei de conversar na aula, mas amava ouvir cada conversa que surgia.

Estava tudo normal, até que começou o martírio diário. Uma bola de papel me

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atingiu como um meteoro de escárnio bem na orelha. Olhei para trás: Jonas ria de mim e seu comparsa Bernardo amassava outro papel, aprontando-o para o lançamento seguinte. Pensei em avisar ao professor, mas pensei bem: seria pior, os dois iriam se vingar de mim com uma fúria ainda maior. A segunda bola veio, acertou Lilinha, eu olhei novamente, fiz uma cara de ira, isso só atiçou a risadagem deles. Decidi, chamei o professor:

– O que foi, Tiago? – disse o professor.– Jonas e Bernardo estão atirando bolas de papel em mim – disse eu.O professor dirigiu o olhar para os dois e disse:– Já chega de atrapalhar minha aula. É a quinta vez nessa semana que vocês dois

causam problema, fui tolerante demais. Saiam da sala, vão levar advertência!– Professor, por favor, já estamos manchados na direção, vão nos expulsar! –

suplicou Jonas.– Vocês ouviram.Os meninos pegaram seus materiais e saíram resmungando do fundo da sala, onde

estavam. Ao passar por mim, Jonas disse:– Te pego na saída, aleijado.É, se ainda não tinham percebido, sou um deficiente físico. Quando tinha seis anos

de idade brincava na frente da minha casa. Atravessei a rua e um carro me atropelou, fiquei paraplégico desde então. Não vou mentir, me sinto diferente de todos, às vezes acho que sou inferior. Estou para sempre condicionado a Lilinha, que na verdade é o modo carinhoso como mamãe chamou a minha cadeira de rodas.

Depois da ameaça, um frio tomou conta do meu estômago. Passei o resto da aula pensando em como me livrar da triste sentença. O pior é que certos alunos ficaram o tempo todo dizendo coisas como “O Jonas vai acabar com ele”, “Coitado do Tiago, vai apanhar como nunca na vida dele”, isso só me desanimava cada vez mais.

Não tardou o fim das aulas, saí disparado com minha cadeira no corredor da escola. Avançava o mais rápido que eu podia, desviava dos alunos que abarrotavam o

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caminho. O que aconteceu não foi nada bom, mas provocou mudanças em mim que até hoje são responsáveis por moldar o meu caráter.

Estava perto da porta de saída; se conseguisse sair sem que Jonas e Bernardo me vissem, estaria no lucro. E de fato consegui sair, desci a rampa de acesso tão aliviado que nem percebi quem me esperava no final dela.

Vi o sorriso maléfico de Jonas, tinha ódio no olhar. Bernardo pegou minha cadeira e foi me levando para longe dos outros alunos. Tentei gritar para chamar a atenção do porteiro da escola, mas foi inútil: Jonas abafou minha voz com a mochila dele que, por sinal, estava amassando meu rosto, e me deixando sem ar.

Chegamos a uma ruazinha que ficava atrás da escola. Bernardo empurrou minha cadeira contra a parede, eu machuquei a mão tentando me manter sentado.

– Você sabe o que sua denúncia idiota causou? – disse Jonas, me segurando pela camisa.

Calado estava, calado fiquei.– Nos deixaram em detenção, e vamos ser suspensos! – falou Bernardo, exaltado.– A culpa não foi minha! Vocês estavam me irritando, o professor já tinha dito

para vocês se comportarem na aula dele. Tiveram o que mereceram.Nem me responderam, Bernardo me desferiu um soco no rosto, em seguida Jonas

pegou minha cadeira e a empurrou com toda força. Cambaleei até cair no chão, recebi chutes e pisões. Como poderia me defender? Imóvel no chão, apenas me encolhi e recebi todos os golpes.

Além de dor no corpo, senti dor na alma. Sabia que eles não estavam me batendo só por causa da denúncia, eles tinham prazer em me ver chorar, sempre foi assim. Tinham ódio de mim porque eu não sabia andar, não admitiam o fato de esse alguém incapaz de andar ser melhor do que eles em quase tudo. Por isso batiam em mim, sentiam inveja de mim, não eram capazes de acreditar que eu pudesse ser feliz, tinham nojo de me ver.

Quando a pancadaria acabou, fiquei em tão péssimo estado que fui levado ao

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hospital. Meus pais ficaram indignados ao saberem, exigiram a expulsão dos alunos que tinham feito aquilo comigo.

Minha autoestima ficou um caco depois do ocorrido. Sentia-me o lixo em pessoa. Na cama do hospital estava eu numa manhã de sábado, meus pais estavam sempre ali comigo. Como disse, estava triste, até que minha mãe entrou no leito. Tinha o sorriso de canto a canto do rosto, e atrás dela seguiam umas quinze ou dezesseis pessoas: eram meus colegas de classe. Traziam presentes, e eram para mim! Posso dizer que aquela visita me deixou sem chão. Estava muito feliz, depois de tudo que aconteceu, ver tantas pessoas ali, preocupadas comigo. Eles cantaram para mim, me entregaram os presentes e se despediram.

Recebi alta no dia seguinte, e já não era o mesmo. A surra que tomei e o acolhimento dos meus pais e amigos me ensinaram muita coisa. Descobri que a Lilinha não é uma condenação: ela faz parte da minha identidade, ela me faz especial. E o mais importante que descobri é o fato de que a inclusão dos especiais na sociedade não depende só de ações do governo. Precisa de algo mais. E pude ver isso quando meus amigos foram me visitar no leito: o carinho que tiveram por mim era a minha inclusão no mundo. A partir dali, não me julguei mais como um anormal. Vi-me como um Eu.

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Verde-claroClaudiney Alison da Silva

A lua em quarto crescente, ao silêncio da pacata cidadezinha que tentava se reconstruir após uma guerra devastadora, anunciava o desfalecer do longo dia, dando liberdade e vida para um novo tempo. Era uma terça-feira comum de estudo, brincadeiras e jogos. Lahisse foi dormir enfadada, lembrando-se que precisava guardar sua energia para o restante da semana. Com o bloquinho de notas e lápis na mão, apoiou a cabeça no travesseiro, tendo a mão direita livre ao movimento no papel. Seus olhos iam se fechando lentamente à medida que os dedos se movimentavam e os ponteiros andavam à sua frente. O relógio marcava cinco para a meia-noite.

Uma voz dizendo “acorda, menina” ressonava pela casa e pela cabeça de Lahisse. Num súbito momento e ainda dormindo, ela reconheceu como sendo a voz de sua mãe. Pela frincha de uma janela surgia uma linha de luz que incomodava o rosto da menina. Ao abrir os olhos viu que se tratava de um outro dia, porém, diferente. Abriu as janelas, deixando o vento lhe soprar os cabelos, e observou o céu numa outra iluminação.

Minutos depois, ela saiu de casa intrigada consigo mesma, a caminho da escola, num longo percurso solitário – havia algo de estranho nisso tudo.

Ao passar por um vilarejo desolado que refletia as ações do tempo e a devastação de uma guerra, algo chamou sua atenção em meio aos escombros. O sol parecia ter localizado uma singela plantinha, que contrastava enormemente com o caos da paisagem, impossível de acreditar. Boquiaberta, desviou-se do caminho e foi de encontro ao verde que florescia. Foi uma atração fora do comum.

Junto à planta e à destruição, abismou-se ao encontrar um envelope, o qual parecia ser muito antigo. Mas essa não foi a surpresa. O que mais lhe atraiu a atenção foi o lacre do envelope, intacto. Parecia ter sido posto propositadamente para alguém. Mas

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como ele sobreviveu às intempéries do mundo e se fez assim tão explícito? As perguntas passeavam pela mente de Lahisse em fragmentos de segundo. Não havia dúvida quanto ao que fazer. Deixando em paz a planta que evidenciou o fato, pegou o envelope e retomou o seu caminho. Nas mãos, um invólucro prestes a ser aberto.

A carta não tinha um destinatário no envelope. Ao deslacrar, percebeu uma folha amarelada, uma escrita quase que ilegível, de uma caligrafia péssima. Mas só notou a razão de tudo quando começou a leitura, em passos curtos, não habituais, rumo à escola:

Se você está lendo essa carta foi porque eu atingi o meu objetivo. Essa é minha tentativa de salvar vidas. Desculpe-me, mas foi o único meio que consegui.

Deixe-me apresentar-me: meu nome é Cleare. Tenho 76 anos, e nasci na cidade de Nalo. Não sei o que começar dizendo... Mas posso adiantar que sou considerada por muitos uma pessoa diferente. Não sei ao certo o que me difere das outras pessoas. Sou normal. Simplesmente, tenho meu gosto diferente, como todo mundo. Eu redigi essa carta porque minha vida foi difícil. Agora mesmo estou escondida e a morte me espreita. Só queria que o mundo tomasse ciência da minha situação, esperando eu que minha vida sirva de lição para muitos.

Minha vida se resume em Novembro de 1948. Chovia muito, e eu não havia ido para a escola. Minha prima Mad e eu tínhamos ficado sozinhas em casa. Éramos adolescentes, e numa brincadeira das mais bobas de nos abraçarmos, eu senti o que posso classificar como sendo meu primeiro contato físico com uma garota. Notei ali algo fora do comum, notei mudanças opostas às das garotas de minha idade, e pude compreender que tinha uma opção que divergia das demais. Mad percebeu, não minha malícia – claro que não houve! –, mas que eu teria um tratamento discrepante em relação a ela: se afastou de mim, assim como o restante da família e dos amigos.

E eu fui viver minha vida, isolada. Passava pelas rodas de meninas conversando e me deparava com sussurros e desvio de olhares. E o triste foi minha mãe descobrir tudo e pedir que eu saísse de sua casa. Isso era triste para mim. Não pense que eu escolhi tudo isso. Acha que eu queria viver distante de todos, não brincar num grupo de amigos? Eu nasci assim. Isso não é uma doença, nem muito menos

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uma doença contagiosa. Ninguém escolhe nascer preto ou branco, ninguém escolhe nascer pobre ou rico, ninguém escolhe nascer na América ou em Nalo. Eu também não escolhi minha vida. Hoje choro ao lembrar o quão dura foi minha trajetória. Mas esse não foi o problema. Percebi que eu havia, de certo modo, superado. O pior estava por vir. A cidade de Nalo entrava num processo americonazista, que decretou que todas as pessoas deficientes deveriam ser condenadas à morte. E eu estava inclusa.

Há quem pense que fosse caso de modernidade, já que era adolescente. Eu posso afirmar que não. Depois de a família e os amigos terem dado as costas a mim, tive contato com pessoas que passaram pelo mesmo problema que eu. Óbvio que tudo no mais absoluto sigilo, pois éramos, ou melhor, somos perseguidos até hoje, e pude ver que todo esse mundo julgado ser um mundo estranho e moderninho não era em nada moderno, todavia, carregava consigo uma contemporaneidade absoluta. Muitos diziam que em pouco tempo ele se tornaria melhor, com pessoas de bom coração, sem racismo ou preconceito. Mas não. Tornou-se um mundo infame, indigesto, inseguro.

A vida isolada de tudo e de todos foi um tanto complicada. Apesar de fragilizada, tornou a vida mais vulnerável e suscetível às torturas americonazistas. Na primeira de muitas que sofri, tinha apenas dezesseis anos, e me deixaram ir. Contudo, da segunda vez me trancaram em uma de suas viaturas numa das vielas desoladas de Nalo... Desmaiei, tamanha a dor, acordando num beco sem saída, em meio a containers de lixo e o frio estridente do inverno da região. Já depois de adulta fui pega saindo de um bar. Cercaram-me, e me puseram no porta-malas de um veículo, amordaçada e de mãos atadas. Percebia dali de dentro que o caminho começava a ficar sinuoso e irregular, então me dei conta de que estavam me levando para fora da cidade, para um campo de concentração no norte do país. Eu, claro, já havia pesquisado sobre Cassoa, local em que incriminavam e alojavam escravos diferenciados sexualmente.

O local era tenebroso. Havia ali um cheiro forte de cadaverina, característico das ações inumanas. O vento, mais gélido – típico da região norte –, soprava numa harmonia dissonante, misturando-se a burburinhos de seres irreconhecíveis. Alguns dialetos estridentes ecoavam na região. Fui coberta por um capuz preto... Enfim...

O que foi mais triste para mim não foi sofrer abusos, não foi ser espancada, não foi viver na era

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americonazista, mas foi ter longe de mim as pessoas que mais amava e das quais esperava o apoio quando mais precisei. Foi falsa inclusão que me proporcionaram nesse tempo. O mundo poderia mudar, era o que esperávamos. Mas tudo se tornou um desejo, infelizmente, irrealizável... “Lahisse, Lahisse... Acorde!”

Lahisse sentiu que as letras se misturavam à fala de sua mãe. Ela despertara, num terror repentino, assustada. Era manhã. Talvez fosse um sonho. Apressadamente, ajeitou-se e saiu para a escola. Passou pelos escombros e viu uma linda plantinha, delicada, intacta. Imaginou que aquela plantinha clamava pelo sangue de Cleare. Entretanto, não havia senhora, nem Nalo, nem carta, nem a época. Mas uma coisa ainda existia, pensou Lahisse: Preconceito.

E continuou sua jornada à escola. No quarto, o relógio marcava 23h58.

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Rios voadoresJorge Luciano da Silva

Pense num sujeito com empatia, era seu Antunes. Aqueles seus largos ombros e seu jeito calmo de olhar as pessoas faziam dele um dos indivíduos mais queridos na praia de Jacarapé. Isso sem falar nas estórias que sempre narrava aos amigos de pesca e também aos novos, que surgiam a cada vez que voltava do mar, em rodas da venda do pescado ou mesmo nas conversas de fim de tarde, na beira da praia. Era assim um humano mais que especial, a simpatia em pessoa, um humano com visão aprofundada das temáticas do homem moderno. E o que poucos sabiam, com o desconhecimento quase geral da comunidade: que as suas leituras diversas, em livros garimpados na estante de sua filha que já cursava o nível médio e que servia de suporte para suas perguntas e divagações, o faziam um homem antenado com o mundo, mas pouco visto pela sociedade, inclusive na própria vila de pescadores. Mais do que isso eram as observações que seu Antunes fazia do mundo quando via um noticiário ou dava uma olhada no jornal, que sempre chegava aos domingos na sede social da colônia de pescadores da qual fazia parte.

E foi uma dessas chegadas do mar, já no amanhecer de um domingo de março em que fortes rajadas de vento atingiam a costa de João Pessoa e toda a região, que o tornou uma personalidade, não para aquela sua comunidade, mas para toda a população do estado e do país.

O alvoroço era grande em terra: havia notícias de que um grande temporal se formava no Atlântico com destino ao litoral e que era iminente uma tempestade de proporções avultosas, e que toda a população deveria estar preparada para esse evento

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que, por certo, causaria grandes estragos em todas as instalações do litoral; isso era o que o noticiário local de rádio e televisão divulgava a cada instante. Ao chegar do mar com sua equipe, seu Antunes ficou surpreso com a correria. Pensou em algum assassinato ou alguma tragédia familiar, e foi logo perguntando: – O que é que está acontecendo?

Marcolino, seu compadre, foi logo lhe dizendo: – Compadre, a gente tem que estar preparado logo...

– Mas como preparados? – indagou seu Antunes. – É a tempestade, compadre... Vem a toda, a televisão e o rádio não param de

falar... Não tá vendo os ventos não, compadre? Não sei nem como você chegou do mar...

Retrucou seu Antunes: – Oh, Marcolino... Meu Deus... Essa gente não entende nada... Será que não percebem a diferença dos ventos? Sua intensidade, sua direção... Acredite, Marcolino, não vai haver tempestade. Vamos acalmar essa gente. Estou há mais de trinta anos no mar e sei quando é tempestade e quando são os Rios Voadores...

– Rios Voadores?! – disse Marcolino, de forma descrente.Nesse instante havia uma equipe de TV se aproximando do grupo de pescadores

que conversava sobre os preparativos para esse acontecimento, alertado por todos os meios de comunicação. A repórter, com microfone em punho, se aproximou de seu Antunes e logo o indagou: – Senhor, alguma preparação para todos deixarem o local de imediato?

– Senhora – disse seu Antunes –, eu tô chegando do mar agora... posso afirmar à senhora que o que essa gente está fazendo com essas pessoas é alarme falso. Sem conhecimento.... não haverá tempestade alguma.

– Como assim, senhor? – disse a repórter, enquanto gravava.– Isso são apenas Rios Voadores – disse seu Antunes.

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– Rio Voadores? Como assim, senhor? – retrucou a repórter.– Olha, senhora... esse fenômeno é conhecido como o ciclo das chuvas, que

acontece na região Amazônica... o que não impede que aconteça em outras regiões. Lá foi chamado de Rios Voadores, porque descreve a quantidade de águas que temos sobre nossas cabeças...

– Continue, senhor – disse a repórter.Continuou seu Antunes: – O atlântico é o lugar inicial do aporte de água de chuva

do mundo inteiro, mas poucas pessoas sabem que um metro quadrado de floresta tropical evapora mais água do que um metro quadrado do Oceano Atlântico. É por isso que essa floresta é uma bomba de água fantástica e ela permite justamente recircular várias vezes, até esse vapor de água chegar às regiões, por exemplo, ao sudeste do país. Os Rios Voadores são formados de correntes de ar que vêm do Atlântico inicialmente, passam pela Região Amazônica e se beneficiam do aporte de água que vem da própria vegetação, através do processo de evapotranspiração das árvores. Ela se junta e faz essa corrente, essa corrente de ar úmido é parada pela barreira natural que representa a Cordilheira Andina, que não deixa passar uma boa parte desse ar pelo Peru, por exemplo. Isso força um pouquinho essa corrente pelo sul, trazendo justamente esses benefícios enormes para a economia e o bem-estar de todo o país.

“Só pra senhora ter ideia... A quantidade de vapor d’água transportado pelos Rios Voadores e tão grande que pode ter a mesma ordem de grandeza ou até mais do que a vazão do rio Amazonas, que é de 200 mil metros cúbicos por segundo. Estudos mostraram que uma árvore com copa de dez metros de diâmetro é capaz de bombear para a atmosfera em um único dia mais de trezentos litros de água em forma de vapor. Isso é mais que o dobro da água que uma pessoa usa diariamente na Amazônia. Existem bilhões de árvores, já imaginou quanta água a floresta toda está bombeando a cada vinte e quatro horas?

“É isso que está ocorrendo, são massas de ar com bastante intensidade que estão

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causando essa ventania toda! Entendeu? Por isso, acredite! Não haverá tempestade alguma... Pelo menos hoje... Esses Rios Voadores, que são de pequena intensidade por aqui, tendem a se dissipar, entendeu? Eu não entendo essa gente com tanto equipamento e recursos tecnológicos a fazer uma confusão danada, deixando as pessoas em pânico.

Estarrecida com tanta segurança e conhecimento, a repórter indagou ao seu Antunes: – O senhor acredita que as mudanças climáticas são as causadoras dessa incerteza?

Respondeu seu Antunes: – A mudança do clima também representa nossa qualidade de vida. Se a gente não começar a agir agora mesmo, nós enfrentaremos mais problemas, não nos próximos quarenta ou cinquenta anos, mas já na próxima década. – Dito isso, a repórter agradeceu a seu Antunes e correu para a redação, para editar a matéria que seria exibida naquele dia em edição nacional. A repercussão tornou seu Antunes a personalidade do ano nos meios culturais e no meio ambiente da cidade, sendo agraciado com títulos e honrarias em diversas entidades, inclusive com uma de inclusão social, com a temática “Eu me preocupo com o mundo”. Ah... Os dias na vila nunca mais foram os mesmos: além da ausência de uma tempestade falsa, ficou a visibilidade de quem é verdadeiro, transparente e se preocupa de fato com o mundo, sem necessitar de holofotes.

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ÓvniValdira Cavalcanti Marques

Ney é arquiteto e hoje ele precisa acompanhar mais uma de suas obras, acorda cedo então e deixa seu apartamento rumo ao quebra-quebra da nova edificação.

Em meio a essa bagunça visual e auditiva, comum às obras de edificações, Ney recorda o quebra-quebra anterior e quem sabe, bem maior que este, que ele teve de enfrentar: intelectuais e profissionais da área moveram ações contrárias à realização do projeto, afirmando que seu aspecto moderno bem como o tamanho da edificação modificaria a cidade de forma irreparável, interferindo negativamente no fluxo do turismo de modo geral, uma vez que a infraestrutura da região ainda não estava preparada para receber uma obra de tal porte. Trata-se de uma pequena cidade do interior, pacata e de tradição secular, considerada inclusive patrimônio histórico da humanidade. Seus habitantes diariamente dividem opiniões a respeito da adoção de novas culturas e tecnologias, temem destruir o aspecto e a memória desse patrimônio, entretanto, percebem que a inclusão faz-se necessária inclusive para manter vivo o que eles tanto temem destruir.

Nos bancos da praça da cidade o tema mais comentado não poderia ser outro. Os mais anciãos acham a empreitada uma falta de respeito para com a cidadezinha e todos os seus habitantes:

– Já passamos por situações parecidas diversas vezes e entendo que em alguns casos, é o tempo quem decide, as coisas mudam mesmo, os tempos são outros, todos precisam de desenvolvimento tecnológico e social. Mas acho que isso já é demais, corremos o risco de perder nossa identidade e valores.

Os mais jovens não temem arriscar e dizem já estarem fartos de tanta monotonia e acomodação:

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– Acho que já passou do tempo da cidade se desenvolver mesmo. No mundo globalizado em que vivemos não dá para continuarmos nesse cotidiano inerte. Na minha opinião, adotar significa ser adotado também. Perde-se um pouco de você para receber um pouco do outro.

Depois de sete anos de muitas controvérsias, foi proposto então um referendo popular, a maioria é quem decide.

Com o início da obra, a transformação do projeto em realidade mostrou-se muito mais difícil do que uma mera questão de aceitação, os problemas surgiam como que brotando da terra. Foi necessária a escavação de 26.000m² de rochas e a construção de postes de aço maciço para evitar deslizamentos, além da desapropriação de vários imóveis, afinal, uma construção de 1.500m² exige espaço.

Ainda hoje muitos comparam a obra de Ney a um óvni: aspecto destoante da região, gigantesco, pairando sobre uma atmosfera pacata e medieval. Os habitantes ainda estão se acostumando com a novidade, porém, a maioria está confiante no sucesso. Enfim, o fato marcante dessa história e que também se faz presente em tantas outras, é que a mudança, qualquer que seja ela, ainda está longe de ser aceita de forma serena e unânime.

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Mais uma vezLucas Barbosa Maciel

– Informarei se foi selecionado, ainda hoje, senhor Fabrício.As palavras de seu possível novo chefe levaram lágrimas aos olhos de quem

estava acostumado a vários nãos e nãos. Uma nova esperança ocultava um mundo de restrições e desvantagens em relação aos outros, pelo motivo da dependência de uma cadeira de rodas. As portas poderiam se abrir para um novo caminho, uma nova rotina.

Porém, nada é do dia para a noite. A volta para casa de um cadeirante que precisa do transporte coletivo nunca é fácil.

– Está com defeito, tome outro ônibus!Mesmo acostumado com aquelas situações, Fabrício ainda se incomodava com

momentos desagradáveis.– Está com defeito, tome outro ônibus!Passavam um, dois, três coletivos com o mesmo defeito. Mas uma hora conseguiria

voltar para a sua residência.Morava com os pais, dona Marta e seu Paulo, mas sempre sonhou com a

independência, principalmente depois que começou a faculdade de Administração, com 18 anos. Agora, cinco anos depois, com diploma na mão, necessitava de um emprego.

– Mãe, será que vou conseguir esse emprego?– Claro que vai, meu filho. Você tem um grande potencial. Agora venha jantar.Comida de mãe é sempre diferente. Sempre especial.– E a entrevista, filho, como foi? – indagava seu Paulo.– Foi muito boa. Gostei do espaço, da empresa. Basta agora o resultado, que

poderá sair ainda hoje.

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Seu Paulo era comerciante, começou a trabalhar desde cedo. Sabia dos preconceitos que seu filho poderia sofrer, entretanto sempre apoiou Fabrício em seus projetos.

Fabrício gostava muito de seu quarto. Livros em sua estante eram mais que bem cuidados. As memórias da infância e da adolescência marcadas em porta-retratos. Memórias que o tempo nunca apaga.

Pegou um livro e começou a ler. Uma diversão, uma viagem, era algo com que sentia um prazer a mais a cada página. As horas passavam rápido.

E começou a pensar na possibilidade do trabalho. Na compra da casa própria, de um carro, na sua vida. Seria tudo diferente se o sonho se transformasse em realidade. Mas, e se ele não ligasse? Mais uma vez a vida negaria a chance de um início de vida?

Começou a se lembrar das decepções.– É que... Você é diferente. Não conseguirá realizar o trabalho que nossa empresa

deseja.– Você não tem o perfil da nossa empresa.Perguntava a si mesmo o porquê daquilo. Ora, havia pessoas com menor capacidade

que ele e conseguiam ficar. – Será que porque estou em uma cadeira de rodas não vou ser capaz de realizar

algo?Eram nove da noite. A noite era regida pelos Beatles. O celular de Fabrício não

tocava. E assim, tentava passar o tempo, em uma angustiante espera. Foi ler um de seus livros preferidos, “Feliz Ano Velho”. Identificava-se bastante com o autor, e com sua história.

Porém, nada tirava a ideia do sim ou do não sobre o emprego.Lembrou-se do e-mail. A notícia tão esperada poderia estar em sua caixa de

entrada. Porém, nada. Já era um pouco tarde. E todos os pensamentos de negatividade começaram a rondar Fabrício.

Além da paixão por livros, o filho de dona Marta tinha outra grande afinidade:

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Legião Urbana. Começou a ouvir aquelas músicas que sempre o encantaram. Já passava das 11 da noite. E, mais uma vez, a oportunidade foi por água abaixo.

Ele não ia ligar mais, uma hora daquela. Outra decepção, tudo por culpa daquela deficiência.

Mas uma ponta de esperança ainda restava em Fabrício. Talvez algum problema, e não conseguira falar com ele. Entretanto, não. Uma empresa não faria aquilo.

A única alternativa que restava a Fabrício seria a de conformar-se. Outro emprego surgiria, em outro dia. E ouvindo “Mais uma vez”, acabou adormecendo.

– Acorda, filho! – dizia dona Marta, por volta das sete da manhã.Fabrício acordou e viu que seu celular não havia tocado. A esperança havia acabado.

Mas e o e-mail? Poderia ser, mas achava muito difícil. Então visualizou sua caixa de entrada e viu o e-mail da empresa, informando que estava contratado.

– Mãe, eu consegui! Eu consegui! – dizia Fabrício com emoção.E lá foi ele, mais que feliz, mais uma vez, tomar o ônibus para uma nova jornada.

Ainda que passassem um, dois ou três coletivos com defeito, nada tiraria o sorriso de Fabrício. Mas uma hora ia passar. Como tudo passou. Pois, para quem acredita, sempre há uma chance de vencer.

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Por justa causaAndrew Bonifácio Ferreira

Em um dia quente de uma grande cidade, um advogado chegou a seu escritório e se trancou na sua sala. Estava ele na esperança de poder relaxar um pouco e se refrescar com uma latinha de cerveja que guardava no seu frigobar para aliviar as tensões do dia a dia. Porém, não demorou mais de um minuto para que suas obrigações afligissem-no novamente. Sua secretária bateu duas vezes na porta e exclamou:

– Seu Paulo, preciso falar com o senhor! Depois de uma longa pausa que parecia resultar em espera vã da secretária, a

porta foi aberta. O homem com sua expressão de cansaço, que conservava há anos, respondeu:

– Pois não, espero que seja algo muito importante, viu, dona Carminha? – No final da frase abriu um breve sorriso.

– Pois é, seu Paulo. Tivemos um probleminha esta manhã com aquele segurança novo que o senhor contratou. Um dos seus clientes, daqueles bem pobrezinhos, veio aqui procurar pelo senhor. Mas o segurança não o deixou entrar porque ele estava meio mal vestido. Se é que o senhor me entende. Então o cliente revoltado disse que nunca mais voltaria aqui e que já desconfiara quando o senhor pegou o caso dele por um preço bem abaixo do normal. O que devo fazer?

– Primeiro, ligue para o seu Cícero e diga-lhe que resolverei a sua questão de graça se ele aceitar minhas desculpas. E mande chamar o rapaz que fez a confusão, que eu quero ter uma conversinha com ele.

Então a secretária saiu a passos apressados e seu Paulo sentou-se na sua confortável poltrona de couro, enquanto paquerava com sua latinha de cerveja escondida embaixo da mesa. Depois de alguns minutos, o empregado chegou e abriu a porta com um “com licença” cheio de receio.

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– Pode sentar aí, José. Quero saber o que aconteceu. – falou o chefe, com ar de paciência forçada.

Depois de acomodado, José começou sua árdua tarefa de se defender à frente de um dos melhores advogados da cidade, conhecedor da mente de um culpado como poucos.

– Seu Paulo, não tinha como eu saber que o moço era seu cliente. Cara mais mal encarado. Posso garantir pro senhor que qualquer um, no meu lugar, tinha expulsado o cara. Até feder ele fedia.

Nessa hora, o advogado farejou o preconceito que cercara o ato da expulsão de seu cliente. Mas fingiu que compartilhava do mesmo pensamento do funcionário e disse:

– Hum... sei como são essas coisas, José. Mas você sabe que eu não posso ter no meu escritório um funcionário que expulsa qualquer um que não entre de terno e gravata e não tenha um Rolex no pulso. Isso é ridículo. Você já deveria saber que aqui neste escritório eu atendo todo tipo de gente, porque defender pessoas como a que você expulsou é o que me dá mais prazer e o que me motivou a ser o que sou.

Com um olhar firme ele mirou seu funcionário, esperando sua resposta.– Mas seu Paulo – José respondeu –, não faça isso comigo, não. Perdoe minha falta

de jeito. Não foi por maldade que eu expulsei aquele homem. Olhe, eu sou um cabra que foi educado para respeitar os outro, principalmente os pobre. Pro senhor ver que num foi por maldade. Sempre fui pobre também, eu fui criado na favela do Mingau, seu Paulo. Vivia jogando bola no meio da rua. Dos sete irmãos que eu tenho, sou o único que terminou os estudos. Pro senhor ver como minha vida foi difícil.

Então o advogado sacou a cartada da manga: – Sabe, José, eu também me criei naquela favela. Meu pai morreu quando eu tinha

dois anos e minha mãe se prostituía para colocar comida na mesa. E eu aposto que você não sabe por que o aceitei neste emprego.

– Não, senhor – respondeu o segurança, atordoado.

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– Eu já te conhecia de vista, José. Em muitas das tardes que eu passava estudando, você e seus amigos chutavam uma bola de couro rasgado por cima do muro da minha casa. Como você morava distante do campo de futebol, talvez não se lembre de mim. Mas toda vez que eu ia entregar a bola pra vocês, me lembro de refletir onde todo aquele esforço pelo estudo me levaria. Pois bem, aqui estou. E o aceitei neste emprego porque pensei que, por ser de origem pobre, assim como eu, você fosse uma pessoa que respeitasse seu passado. Pois bem, que pena que nem todos são assim. Basta lhes dar um terno de quinta e dois salários mínimos que já se esquecem de onde vieram.

Então o recém-desempregado disparou: – Mas doutor, eu nunca tive oportunidade de ser alguém na vida... E com uma risadinha irônica o advogado respondeu: – Meu querido, e você acha que me deram qual oportunidade nesta vida? As que

tive, fui eu mesmo que construí com muito sacrifício. Essa é a inclusão social que existe, sempre existiu e sempre vai existir. Só os mais fortes sobrevivem. Agora desocupe minha sala que tenho muito trabalho a fazer.

O rapaz saiu desapontado da sala. Imediatamente, após fechar a porta, o advogado, com ar de riso, pegou sua cerveja, já quase sem gás, mas ainda gelada, colocou os pés sobre a mesa e ficou olhando para o teto, pensando em qual posição seu time estava no campeonato.

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Barba, Machado e Aplausos - Cristino ViernesLucas Ferreira Martins

Às vezes, para a infelicidade de sua esposa, Hermenegildo Troglovaldo deixava a barba crescer. “Os alunos me respeitam mais, Catarina”, dizia ele, mas logo depois atendia aos insistentes pedidos da mulher. Hermenegildo cursava a Licenciatura em Letras, e, naquele instante, havia sido convidado para ser professor do ensino médio em uma escola perto de sua casa. Ele já estava atento aos alarmantes índices de analfabetismo funcional entre os adolescentes daquela comunidade e decidiu que iria tentar combater esse problema durante suas aulas. Hermenegildo direcionou o seu plano de aula para algumas questões específicas como a leitura, a escrita e, claro, a interpretação textual.

Foi para casa todo feliz e com a cabeça fervendo de ideias.– Querida, você não vai acreditar.– O que foi?– Vou dar aulas naquele colégio grandão, o CTM. Aquele da outra rua, sabe?– Que incrível, amor! Como conseguiu?– Nada tão difícil. Um convênio com a universidade. Legal, né? Eu vou alterar

algumas coisas do plano de aula que eles me deram, para que se encaixe melhor nas condições dos alunos. Ouvi dizer que lá os alunos enfrentam um problema sério com o analfabetismo funcional.

– Você é incrível, Her.– Sabia que você ia me apoiar. Obrigado.Por outro lado, a reação dos alunos da escola surpreendeu o professor:– Então o senhor não vai dar longas aulas sobre acentuação, ortografia ou coisas

desse tipo? – questionou o aluno mais intrigado da sala.

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– Não. – disse o professor, transbordando boas intenções.– E nós vamos ficar lendo, lendo e lendo sem parar? – insistiu o aluno.– É. – o professor prosseguiu, monossilábico.– Legal. – e com ele, todos os alunos se resignaram, aceitando as novas doutrinas.– Vamos lá. Começamos a aula de hoje com Literatura Brasileira. Vocês já ouviram

falar em João Cabral de Melo Neto?– Não! – um verdadeiro coral respondeu rápido no fundo da sala.– Machado de Assis? Monteiro Lobato? – Não e não!– Céus, o que eles ensinavam neste lugar?E prosseguiu a aula. O professor começou com os livros que possuem uma

linguagem mais clara, direta e cômica. “O Menino Maluquinho”, do Ziraldo, ou algumas crônicas do Luís Fernando Veríssimo: eles adoravam esse último. Com o passar do tempo, o caldo engrossou: Hermenegildo já lia junto com eles clássicos universais como “Dom Quixote de La Mancha”, do Miguel de Cervantes. Os alunos estavam realmente interessados naquilo tudo, maravilhados com tanta novidade.

– Nós nunca tínhamos lido nada assim. – disse um aluno empolgado.– Achava português um porre, mas até que é legal – disseram outros tantos alunos. O fato é que, semanas depois, o professor estava ganhando notoriedade na escola

e, por causa disto, a direção começou a investigar a razão de tamanho sucesso entre os estudantes. O diretor de ensino resolveu fazer uma reunião extraordinária para cuidar do caso. Segue-se o diálogo entre o diretor de ensino do colégio, alguns professores, alunos e pais de alunos, no auditório da escola.

– Queridos alunos e professores, sabemos que esta instituição de ensino é fundamentada em valores éticos, morais e tradicionais e estes não podem ser desrespeitados nem infringidos por quem quer que seja. Sabemos, também, que o professor Hermenegildo Troglovaldo vem expondo aos alunos, em suas metodologias

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didáticas, assuntos os quais não os convém saber. Devemos tomar uma posição diante desse assunto, pois eu, pessoalmente, não concordo nem um pouco com as atitudes vanguardistas e comunistas desse professor.

O pai de uma aluna cogitou levantar a mão, como se quisesse falar. Criou coragem e falou:

– Minha filha tem demonstrado uma melhora astronômica, na leitura e na escrita, desde que o professor Hermenegildo começou a dar aulas neste colégio. Como o senhor explica a eficiência destas “metodologias didáticas” as quais estão sendo tão criticadas?

Um verdadeiro bate-boca começou naquele local e só foi interrompido quando, subitamente, algumas pessoas começaram a aplaudir alguém que havia entrado no auditório. O professor Hermenegildo Troglovaldo havia acabado de chegar. Assim que se acomodou em seu lugar, foi abordado pelo diretor de ensino.

– Mas, professor Hermenegildo, o que o senhor tem a dizer acerca das queixas da direção da escola? – questionou o diretor, aparentemente irritado.

– Antes de tudo, gostaria de fazer uma pergunta: o que o senhor entende por “acessibilidade”?

A pergunta do professor surpreendeu o público, que há muito tempo não via uma discussão tão estimulante.

– Essa pergunta é fácil. Olhe ao seu redor, professor. Veja as rampas para deficientes físicos que foram construídas durante a minha gestão aqui nesse colégio. Veja também os materiais didáticos em braile, os intérpretes para surdos: em minha administração, eu viabilizei todas essas coisas. Acessibilidade é incluir pessoas deficientes em nosso meio.

– E se eu disser que, em minhas aulas, eu tentei incluir pessoas, digamos, deficientes, na sociedade?

– A meu ver, nas turmas que o senhor leciona não há nenhum deficiente.

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– Há sim, caríssimo diretor. Quando eu cheguei aqui, os alunos, em sua totalidade, desconheciam o prazer da leitura, da escrita. Não conseguiam compreender um texto simples, como um manual de instruções, por exemplo, ou uma notícia de jornal. Se isso não é uma deficiência, eu não sei o que é.

O irritadiço diretor calou-se. Hermenegildo continuou o seu discurso em meio aos inesgotáveis aplausos do público ávido de bafafás.

– Essas pessoas carecem – da mesma forma que os deficientes físicos, por exemplo – de uma atenção especial. Além disso, enquanto as pessoas que não podem andar podem, entretanto, utilizar cadeiras de rodas para se locomover, os “deficientes literários” não podem utilizar nenhum artifício, a não ser a mente. Nunca ninguém pensou no termo “acessibilidade literária”? Nessa instituição, nada havia sido feito até a minha chegada. Se uma escola não edifica a mente dos seus alunos, quem poderia fazer isso?

O público aplaudiu novamente. O diretor de ensino simplesmente demitiu Hermenegildo, que logo foi trabalhar como atendente em uma farmácia. Ele havia concluído que ser um bom professor dá muita dor de cabeça.

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SonhoEveton Nascimento da Silva

“Será que tenho idade para começar a aprender a usar um computador?”, foi isso que pensou Sr. José, de quase 80 anos. Depois de ver seus netos falando sobre a internet, redes sociais e como todo mundo está conectado através de um computador, foi daí que surgiu essa ideia e decidiu que iria aprender a usar essa máquina que era tão comentada.

Assim que pensou no assunto, Sr. José pediu ajuda a seus familiares, mas estes logo negaram dizendo que ele não tinha mais idade para aprender a usar um computador, e que ninguém tinha tempo para ensiná-lo; porém, ele não desistiu e foi atrás de um curso que ensinasse a manusear essa máquina. Apesar da dificuldade de achar um curso que se propusesse a ensiná-lo, pois muitos não o aceitavam como aluno por causa da sua idade, depois de muito procurar acabou encontrando um, mas tudo isso em segredo de todos.

Três meses se passaram. Sr. José ficou muito doente e foi levado para um hospital; após uma semana internado, ele já estava sem forças para lutar e acabou morrendo. A tristeza de todos foi enorme, principalmente pela falta que ele iria fazer no dia a dia de todo mundo.

Em um belo dia de sol, a filha do Sr. José, organizando a gaveta de seu falecido pai, encontrou um papel e nele estava escrito um endereço de um site. Ela percebeu que o nome do site era o nome do Sr. José, então correu depressa para o computador e chamou todos da sua família para juntos verem o conteúdo que havia no referido site. Todos ficaram admirados e surpresos com o que viram, tanto que as lágrimas corriam no rosto de cada um quando começaram a ler o conteúdo.

Antes de morrer, Sr. José, depois de muito se esforçar, criou um site e nele postou

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uma única mensagem, dizendo: “Mesmo com a minha idade avançada, eu procurei aprender a usar um computador. Porém, a sociedade não aceita ou demora a aceitar a ideia de que todos nós temos a capacidade de aprender e nos adaptar ao mundo moderno. O que mais me motivou a continuar foi a minha família ter rejeitado a ideia de que eu seria capaz de aprender a usar um computador. Então com isso eu criei coragem para continuar e mostrar a todos que cada um de nós é capaz quando temos um sonho e determinação para realizá-lo. Por isso, só tenho a dizer que amo todos vocês, e vocês vão estar em meu coração para sempre”. E, logo abaixo dessa mensagem, ele colocou uma foto de sua família reunida.

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Pedância da vida modernaValéria Cândido

Típico dia de segunda-feira, meu carro já se encontra lotado de objetos, mas não objetos quaisquer... Pasta, notebook, iPad, bolsa e o mais importante: lembretes dos assuntos que eu discutiria na importantíssima reunião de hoje.

Tudo checado, dou partida no carro e saio de minha modesta casa com destino à empresa. Pego a Marginal Tietê e não me assusto com a fila imensa de carros à minha frente. Como havia dito antes, típico dia de segunda-feira. Cada um ali busca seu rumo, à procura de sua rotina, e assim a cidade de São Paulo vai tomando seu ritmo desenfreado.

O meu dia seria normal como qualquer outro dentre os dias comuns, a não ser pelo fato que presenciei durante o estressante trânsito da Marginal. Um ocorrido curioso, por sinal. Usava o tempo que me havia dado aquele trânsito para repassar meus lembretes e pontos principais: tudo repassado. Liguei o rádio e dei por escutar as notícias matinais, coisas ali discutidas que não me surpreendiam em nada... Não se fala doutras coisas em São Paulo a não ser trânsito, violência, sequestros, poluição, coisas que de tanto serem debatidas se tornaram fatídicas. Resolvi desligar e prestar atenção na rua, e então aconteceu.

Um rapaz sujo, porém com trajes muito bem aprazíveis, estava passando carro por carro a numa mão segurar um pano e um rodo, enquanto na outra uma espécie de recipiente no qual, creio eu, havia sabão ou algum outro produto de limpeza: nas janelas dianteiras do carro ele jogava o tal produto e então limpava e tirava o excesso do jogado com o rodo, para posteriormente finalizar a limpeza com o pano. Ele fazia aquilo de carro a carro, batendo de janela em janela oferecendo seus serviços, porém quase todos o ignoravam. Até que ele chegou à minha janela e educadamente baixei o vidro.

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– Bom dia, senhora! Quer que eu limpe o vidro de seu carro?Antes de eu falar alguma coisa ele já havia jogado o produto na janela e já estava

o espalhando. Ele o fazia com tanto carinho e dedicação que não tive como deixar de observá-lo. Após o término de seu serviço ele sorriu para mim e eu peguei a carteira em minha bolsa e generosamente lhe dei uma cédula de dez reais. Sua expressão em resposta foi de pura abelhudice. Ele olhou rapidamente para mim com pura gratidão e apontou em direção ao meu banco de passageiro, onde estava meu iPad; olhei-o curiosamente de volta.

– É o novo iPad com tela de retina? Eu olhei para o equipamento sem saber o que lhe explicar. Inquieto, continuou a

falar:– É ele sim! Eu sei que é o novo. Ele é acompanhado do novo chip A6X que é duas

vezes mais rápido que o da geração anterior. Além do mais, ele tem Wi-Fi avançado que alcança uma velocidade até duas vezes maior que o antigo. Nossa senhora! Você tem uma poderosa tecnologia em suas mãos.

Sem entender o que ele falava, continuei a olhar para o iPad tentando imaginar tudo o que ele falava dentro daquele simples utensílio de minhas reuniões. Então resolvi lhe questionar:

– Como sabes disso tudo e está aqui limpando vidros de carros? Ele soltou um largo sorriso para mim e respondeu:– Estou limpando vidros de carros a fim de juntar dinheiro suficiente para comprar

um igual ou melhor que esse.E com seu belo sorriso e dez reais a mais para sua futura compra no bolso, o

menino partiu em busca de mais clientes, a fim de continuar seu honesto serviço. E assim ele foi deixando um vazio, não causado pela sua presença e sim dentro de mim... Deixando-me oca. Eu que pensava que era tão inclusa, dei por mim que sou vazia, completamente vazia. Sou exclusa... Exclusa da vida.

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Vejo o que não consigo verMariana Monteiro Linhares

Mais um dia de aula, não que eu veja o dia ou a aula, mas já é rotina. Posso ouvir, sentir. Vivo assim: acordar, levantar, me arrumar. É difícil, afinal o que é fácil para alguns é dificuldade para outros. Não o vejo, mas sei que está presente. Isso é triste para tal século. Enfim, todo mal tem seu bem, e continuando, vou para a escola. Como falei anteriormente, diante da maldade a bondade também reina. E essa é a melhor parte. Quando chego à escola ouço essa boa realeza. Agora você me pergunta: Como assim? Do que está falando? Estou falando do que definem como inclusão social. Não que isso só aconteça na escola, mas é da mesma que fruta o conhecimento, e a prática prova a teoria.

Voltando a minha rotina. Na escola percebo, realmente, essa inclusão de pessoas como eu: aulas em libras, rampas, etc., além de respeito e cidadania. É como se tudo pudesse ser visto, pelo menos por mim. O vai e vem de todos pelos corredores da escola acaba e logo sei o motivo: é as aulas terem começado, assim vou indo para a sala de aula. A aula começa, sento-me em minha carteira e com a ajuda do meu tato pego meus materiais. Mas e agora? Como vou assistir à aula? (Penso que não necessariamente o verbo assistir refere-se à visão, e sim, à atenção, e a atenção também pode ser chamada vocalmente, pois aqueles que não conseguem ver sabem ouvir, afinal quando se tem dificuldade em algum sentido melhora-se em outros). Assim continuo a minha aula, e como se nada me atrapalhasse percebo que adquiri o mesmo conhecimento que meus colegas, mesmo diante de tal deficiência. Mais uma aula termina e logo chega a hora do intervalo. O intervalo é a hora em que praticamente tudo pode, é a hora em que vagamos nossos pensamentos, liberamos a nossa mente e gastamos a energia que não se pode soltar em sala, e esse momento é um dos mais esperados por mim durante

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o dia, pois além de me fazer relaxar a mente também descanso o meu eu emotivo. Explicarei o porquê.

O sinal toca e somos liberados para o intervalo, guardo meus materiais e sigo junto com os meus colegas ao refeitório. Sento-me em uma mesa com meus amigos a levar suas refeições; após alguns segundos, alguém a mais chega onde estamos. Sinto algo bom, bom demais pra falar a verdade, sinto-me nervoso e ao mesmo tempo relaxado. Hum... Só pode ser ela. Ela é uma menina adorável, linda, inteligente e estuda o mesmo ano que eu, mas, infelizmente, em outra sala; mesmo assim é ótimo estar em sua presença, nem que seja só por alguns minutos. Confesso, estou apaixonado. (Vai dizer que nunca teve uma paixão de escola?) Ela senta conosco, bem ao meu lado, e começa a manter um diálogo conosco. Interagir-me na conversa, mesmo parecendo um bobo diante dela, mas ela volta sua atenção para mim e acho que ela gostou do meu jeito, pois começou a dar toda sua atenção a minha pessoa, ou talvez só estivesse sentindo pena de mim. Acho que aquela linda menina leu meus pensamentos, porque após essa minha vaga ideia ela se dirigiu a mim e falou algo assim: “Sei o que estás pensando; por incrível que pareça, penso o mesmo sobre as pessoas em relação a mim, mas sou sua amiga e amigos dão força, e não piedade desnecessária”. Aquelas palavras me fizeram sentir um carinho maior por aquela menina.

Quando pensei que tivesse mais tempo com ela o sinal toca, o que indica que as aulas começariam novamente e eu a deixaria por hoje. Triste, mas necessário. As aulas retomaram, assim aquele momento acabou e tempos depois as aulas também se passaram e então volto de onde vim, retorno a minha casa. Sinto o ar mais arrepiante, tenho vontade de recolher-me, agora entendo, a noite chegara. Aulas entendidas, pessoas compreensivas, enfim, esse foi meu dia. Não que o veja, mas já é rotina. Só lembrando que dormirei um pouco mais tarde. O porquê? Só o amor explica. O motivo? Ela me domina.

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Trabalho em um Hotel DiferenteLucas de Sousa Fernandes

Já se tornou rotina: sempre pela manhã desperto com os raios de sol que adentram pelas aberturas das janelas vítreas e azuis do meu quarto e que tocam meu rosto, o que já é um bom motivo para acordar entusiasmado, animado e corajoso para enfrentar o mundo e os problemas de um dia comum para qualquer pessoa. Entretanto, antes mesmo de pôr os pés no chão, aquela lembrança escapa do vale mais profundo do meu pensamento e vem à tona contra a minha vontade, lembrança essa que mais parece um pesadelo e que me traz de volta a minha verdadeira realidade. Por culpa do destino hoje sou paraplégico.

E começa mais uma manhã, porém, hoje é um dia especial, hoje terei minha primeira experiência de trabalho. Depois de muitas dificuldades, consegui uma vaga como recepcionista em um hotel da minha cidade. Estando pronto para sair para o primeiro dia de trabalho, estou nervoso e suando frio, pois nunca pensei que realizaria a façanha de conseguir um emprego, algo tão difícil para deficientes físicos hoje em dia. Inteiramente formal e com minha amiga e fiel companheira, a cadeira de rodas, lá vou eu saindo cedo de casa. O local de trabalho fica um pouco distante de onde moro e, por isso, é necessário ir de ônibus para chegar até lá mais rápido, pois não quero causar uma má impressão chegando atrasado logo no primeiro dia. Após um profundo suspiro na tentativa falha de me acalmar, logo firmo minhas mãos nas rodas da cadeira e sigo em frente, quando uma espécie de tumulto de expectativas se forma na minha mente contra a minha vontade.

Tomo o rumo do ponto de ônibus mais próximo e, chegando perto do local, logo avisto algumas pessoas que, como de costume, atiram olhares frios, semblantes diferentes em minha direção e até mesmo uma espécie de comportamento disfarçado

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na tentativa de não fazer o errado. Tentam falsificadamente incluir, quando no seu pensamento o egoísmo ainda é presente. Chegando ao local, me posiciono normalmente, fico esperando calado e me sentindo, como sempre, excluído do grupo de pessoas ali conversando. Já estou acostumado.

Depois de alguns minutos o ônibus para no ponto, dirijo-me à porta de entrada, posiciono minha cadeira no elevador especial para deficientes e sigo viagem.

Ao chegar à frente do hotel respiro fundo, paro e olho para cima com a visão um pouco atrapalhada por causa dos raios de sol que dificultam a visualização do nome do hotel que, se não me engano, tem o nome de “Different’s Hotel”. Traduzindo vagarosamente e mentalmente o nome ali escrito, que significa “Hotel dos Diferentes”, espantei-me com aquilo, porque nunca havia visto um hotel com um nome tão divergente, e me espantei ainda mais quando me perguntei o sentido da escolha de tal nome; turbilhões de suposições vieram a minha mente.

Indo em busca da porta de entrada, logo percebo em um primeiro instante que minha movimentação está mais fluida, de repente quando olho para o chão me deparo com uma espécie de pista lisa e perfeita, e penso: parece até que foi feita especialmente para deficientes. É estranho, pois não é nada do que pessoas especiais como eu estão acostumadas a ver nas ruas. Continuei. Uma rampa no hotel me facilita adentrar no meu local de trabalho; ao entrar, olho atentamente todos os detalhes do lugar e percebo que nada ali é comum, pelo menos para mim. Com a ajuda de um coordenador de setores do hotel que me passa todas as instruções e me direciona à minha mesa localizada ali mesmo na recepção, atrás da bancada começo a preencher alguns formulários de petições dos hóspedes, iniciando assim minha primeira tarefa de trabalho. Em meio ao preenchimento dos formulários, vejo na lista de pedidos ao lado que todos os hóspedes pedem algumas coisas incomuns a meu ver, todos eles pedem equipamentos especiais para pessoas com algum tipo de deficiência, como cadeiras de rodas, muletas, bengalas e até cães. Tudo é estranho aqui.

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Duas horas após a minha chegada ao hotel, a movimentação de pessoas começa a surgir pela recepção e percebo que todos aqui são diferentes. E o tempo passa e não aparece ninguém normal por aqui, todos são especiais, há cegos com suas bengalas e seus cães, pessoas usando muletas e pessoas com suas cadeiras por toda parte e até mesmo pessoas um pouco mais diferentes.

Ao finalizar a tarefa, vou em busca de uma coisa que não sai da minha mente, um dos detalhes observados em minha entrada no hotel: uma placa acompanhada de uma seta, que dizia: “Se você é diferente, siga”. Como o dito, esqueço que estou no meu local de trabalho e, bobo, rumo em direção ao caminho indicado. Ao me locomover um pouco, me deparo com uma porta à frente, nela está escrito: “Os obstáculos foram postos na sua vida somente porque grandes desafios apenas são dados a grandes guerreiros nos quais a vontade de viver ainda permeia seus corações. Se você é um amante da vida, entre.”

Fiquei extasiado ao ler a mensagem e frontalmente a mim vieram os reflexos de toda a minha trajetória até então. Hoje sou especial por culpa da vida, mas mesmo assim não desisti de vivê-la. Assim, então, ponho-me a entrar no desconhecido. Ao passar pela porta, estritamente cauteloso e com medo, fecho meus olhos antes mesmo de perceber o que me aguarda. Abro meus olhos rapidamente e visualizo tudo o que nós, pessoas especiais, passamos e as dificuldades que temos de enfrentar através de uma estrutura gigantesca. Ali estão todos os obstáculos que eu enfrento no dia a dia, e ao olhar para o lado vejo a palavra ENFRENTE. A coragem toma conta do meu corpo e inicio o desafio: ruas fissuradas, escadas ao invés de rampas, passando por cada um em busca da recompensa final.

Consigo concluir o desafio e, esperando pela recompensa ao final, fico aqui sem nada, suspirando e esperando. Depois de alguns segundos vem à tona a verdadeira lição que aquilo havia me dado. O mundo ainda não se apresenta inteiramente adaptado para nós, mas devemos continuar, lutar e viver mesmo com as inúmeras dificuldades que aparecem à nossa frente.

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Por culpa do destino me tornei paraplégico, mas ao contrário de muitas pessoas que também se encontram nessa mesma controvérsia da vida que, na visão delas, as impede de aproveitar a vida, eu faço da minha deficiência mais um motivo para sorrir, alegrar, viver, amar. Após o ocorrido, a vida para mim não é mais apenas uma trajetória a ser vivida com o passar do tempo; desde o dia em que me tornei especial até hoje, a vida tornou-se um desafio a ser concluído. Afinal uma vida sem metas e desafios não tem a mínima graça.

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Mulher calçando salto altoSonara Laizy da Silva

Nunca pensei que veria tanta mulher saindo para trabalhar e deixando o marido em casa cuidando do lar, como vejo hoje em dia... Eu nunca pensei que chegaria a ver uma mulher “mandar” tanto no marido como agora.

Dia desses, eu vi minha neta falando que queria mesmo era ser pedreira, trabalhar no pesado. Vê se pode isso! Disse assim pra mim: “Vó, a mulher construiu seu espaço na sociedade, hoje em dia mulher faz tudo que homem faz”. Eu nunca aderi muito a essas coisas de que mulher pode fazer tudo que quer. Meus netos, netas, filhos e filhas dizem que sou um pouco ignorante em relação a isso, mas é assim mesmo que penso!

No “meu tempo” mulher parecia cinderela, esperava sempre que seu príncipe viesse trazer seu sapatinho para lhe calçar. Agora as mulheres mesmas calçam seus próprios sapatos, sem esperar e sem precisar desse tal príncipe.

Minha neta mais nova, que tem 18 anos, me falou que o reconhecimento da mulher na sociedade está cada vez mais presente, e isso tudo é por causa do que chamam de inclusão social. Ela disse que eu deveria entender que todos nós, tanto homens quanto mulheres, temos direitos iguais. E que eu deveria buscar mais informações a respeito disso.

Sempre gostei muito de assistir jornal, fazer casaco de lã, ser mãe, porque na verdade foi sempre para isso que minha família me educou. Quando eu era jovem, lembro-me bem, nós mulheres éramos vistas como favoráveis apenas para cuidar dos nossos filhos, executar as tarefas domésticas e satisfazer os nossos maridos.

Hoje vejo meus netos em um tal de facebook, orkut, e sei lá mais o quê... As meninas não se importam em aprender a costurar, cozinhar, para serem boas donas de casa! Agora a moda é ser “independente”.

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Não é que assistindo ao jornal da tarde e tomando meu leitinho quente, eu vi um noticiário sobre as mulheres e sua atuação no mundo atual? Tanto nome bonito e difícil. Falava de Ellen Johnson Sirleaf que foi eleita presidente da Libéria, sendo a primeira a assumir o poder em um país do continente africano; Michelle Bachelet foi eleita como primeira presidente do Chile.

Então uma coisinha mexeu lá dentro de mim e eu comecei a perceber que tudo que meus netos falam é mesmo verdade. A mulher está mesmo mostrando que tem poder. Fiquei curiosa e pedi pra minha filha olhar lá na tal da internet algumas notícias sobre a mulher na sociedade, e fiquei toda feliz em saber que elas não se calam diante de desrespeitos a seus direitos. Percebi que mesmo sofrendo muitos tipos de preconceitos, as mulheres já andam atuando decisivamente em várias áreas sociais. Ou seja, o mundo em si anda mais aberto à ação feminina. É como uma espécie de epidemia que foi se espalhando entre as atitudes femininas, e pouco a pouco a mulher foi crescendo e ganhando espaço social sem perder sua inocência e sem deixar de ser mulher; a mulher que cuida do lar, do esposo, dos filhos, de si. É como andar de salto alto: não é mais preciso pisar no chão para poder senti-lo, mesmo estando nas alturas é no chão que tocamos.

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Nossas cotas de cada diaAna Maria Gomes Oliveira

“Não concordo com número de cotas para negros, baixa renda e deficientes físicos, nem para trabalho, muito menos para universidades federais; todos têm que conquistar seus espaços por seus próprios méritos.”

Ouvi esse comentário de um senhor dentro do coletivo em que venho para a faculdade; o que me surpreendeu foi a tamanha arrogância com que se expressava, pois não cabia tanta altivez naquele opinião.

Vivemos no Brasil, país de terceiro mundo onde, apesar dos avanços na economia, ainda falta dignidade, um país onde o valor de cada um está, em sua maioria, no que se tem, seja bens materiais, aparência, cor... Não podemos de forma alguma nos aquietar com opiniões como essas. Sabemos que há muitas oportunidades, mas também não podemos fechar nossos olhos quanto à forma de avaliação de “capacidade” para preencher essas oportunidades; se somos avaliados pelo que temos, devemos rever nossos conceitos, já que sabemos que o sol escaldante nasce para todos, mas a sombra e a água fresca ficam apenas com alguns poucos.

O sistema de cotas é muito bem vindo sim, pois o que temos é a cor da pele, seja parda, negra, amarela, a deficiência física e a pobreza, então é mais que justo que ocupemos as universidades públicas. Penso que não deve ser a cor da pele, o dinheiro ou qualquer deficiência a excluir as pessoas; a inclusão social está em reconhecer os direitos do cidadão garantidos por uma constituição que, mesmo sendo por muitos considerada ultrapassada, continua valendo nesse país, ainda que constantemente violada pelos que têm maior poder aquisitivo.

Devemos lutar, sim, por uma inclusão social efetiva, não porque precisamos, mas por ser direito; quanto àquele senhor autor do infeliz comentário, subiu no coletivo pela porta dianteira, a porta da “gratuidade”, pois lhe foi assegurado esse direito de não pagar a passagem após seus sessenta anos de idade.

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A recordaçãoZenilda Sula dos Santos

Acordei com aquela disposição. Enfim, era sábado. Tomei café e planejei com os amigos sair à noite, mas o dia estava preenchido, tinha muitas coisas para fazer. Uma delas era arrumar o meu guarda-roupas, que minha mãe me mandou há alguns dias.

Comecei pelas gavetas, e jogando todas aquelas coisas em cima da cama, avistei uma foto muito antiga. Era do meu primo Vênos, tirada no dia em que meus amigos e eu fizemos-lhe uma surpresa. Tal foto fez com que aquela lembrança viesse com nitidez a minha mente.

O sonho de Vênos era conhecer o mar. Ele não tinha vergonha de contar para todo mundo a sua paixão por aventura, mas seus pais muito ocupados não tinham tempo para levá-lo à praia.

Certa manhã, eu e meus outros amigos o chamamos para ir conosco dar uma volta de carro. Ele não queria, mas insistimos, até que, mesmo um pouco desconfiado, ele aceitou. Saímos, e quando íamos chegando a nosso destino, ele perguntou-nos para onde iríamos. Disfarçamos, e cada vez mais crescia sua ansiedade. Ao chegarmos, ele mal podia conter sua felicidade, seu sorriso era contagiante e seu coração parecia bater aceleradamente. Seus olhos brilhavam e seus cabelos ao vento voavam. Estávamos na praia.

Vênos era um cadeirante, e por isso tudo parecia ser mais difícil, o que o deixava muito mal. Mas sua força de vontade era tanta que, após tal acontecimento, ficar diante do mar fazia com que ele esquecesse todas as suas dificuldades. Ele agradeceu a seus amigos, e com seus olhos derramando lágrimas de emoção, abraçou cada um dizendo que aquele momento serviria muito durante sua vida.

E realmente ajudou. Ao relembrar tais fatos, peguei o telefone e liguei para Vênos.

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Queria saber como ele estava, pois há vários meses não tinha notícias suas. Para minha surpresa, quem atendeu foi sua mãe. Ao perguntar se seu filho estava presente, ela me surpreendeu com sua resposta. Disse-me que ele estava ausente, pois participava de um campeonato de jogos de praia. Isso me fez sentir muito bem. Agradeci a informação a mim dada pela sua mãe, e comecei a imaginar o quanto aquele passeio à praia havia contribuído para essa mudança radical na vida dele.

Retorno às minhas atividades, porém com algo a mais. Uma sensação de satisfação, de paz interior por ter relembrado tais momentos. Levo também comigo uma grande lição de vida: não importa o tipo de pessoa. A todas elas devem ser dados direitos que as façam viver bem individualmente e socialmente. Que todos sejamos iguais, apesar de nossas diferenças.

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Sobre tudo eu te amoAna Beatriz Afonso de Sousa

Ele era alto, loiro, esbelto, de olhos verdes e me amava. Numa viagem para o Sul, o carro em que estávamos capotou e eu fiquei internada com graves ferimentos, enquanto ele havia sofrido leves arranhões.

Com algumas semanas de internamento, os médicos puderam perceber que eu havia perdido o movimento das pernas; ao receber a notícia me desesperei, procurando uma forma de dar a notícia ao meu namorado. Pensei que ele ia me abandonar, mas ao contrário das minhas expectativas ele aceitou, apesar de muito chocado com o acontecido. Tempos depois me recuperei dos ferimentos, mas ainda continuava paraplégica; pensei melhor e decidi terminar o relacionamento com o amor da minha vida, não queria privá-lo de nada, pois ele ainda era muito jovem, ficar comigo seria um atraso na vida dele, e imaginei que em tudo o que fosse fazer eu ia precisar de ajuda, até um dia quando melhorasse. Ele não aceitou minha escolha e se recusou a sair de perto de mim. Eu já não lhe dava mais atenção, sentia-me imprestável, com vergonha do estado em que me encontrava e ele ainda assim não desistiu de mim.

Recebi alta do hospital, os médicos recomendaram que eu fizesse fisioterapia e o meu namorado sempre me acompanhava. Minha vida não era a mesma, as pessoas me olhavam de um jeito diferente, sair nas ruas era constrangedor, as crianças paravam de brincar e olhavam pra mim como se eu fosse um ser sobrenatural; mesmo assim eu olhava e sorria, me fingindo de feliz. Depois de sete meses de tratamento comecei a andar, ainda com dificuldade, e a recuperação era cada vez mais avançada, até que me recuperei totalmente – havia me livrado do preconceito, porém tinha passado por uma experiência para poucos: sabia a desigualdade que sofrem os portadores de deficiência.

Depois que fiquei bem, voltei a demonstrar meu amor por ele. Afinal nós nos

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amávamos. Então ele olhou para mim, com seus olhos serenos, me vendo andar novamente e disse:

– Sobre tudo, eu te amo. Enfim nos beijamos.

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A vista de outro pontoEdrielly Milena da Silva Lima

Certo dia, não mais quente ou mais frio que qualquer outro, ao passar vagarosamente por uma avenida, presenciei um acontecimento com o jovem Alan: um carro desgovernado vinha na sua direção e ele não conseguiu desviar, provocando um trágico acidente, o que resultou na perda de sua visão. Após esse acontecimento, sua vida mudou.

Após o acidente, Alan passou a “enxergar” o mundo de outra maneira. E assim começou a viver grande parte de sua vida... Apesar de não poder enxergar, Alan tinha outros sentidos bem aguçados, como a audição e o tato.

O fato de ser cego não o impedia de fazer absolutamente nada. Ao longo dos anos foi desenvolvendo sua independência. Tinha noções de tempo e espaço, conseguia distinguir formatos de objetos, cozinhava sozinho, dentre outras ações. Em suma, vivia uma vida completamente normal.

Exceto um detalhe: Alan era vítima de discriminação e preconceitos, e aos poucos foi sendo excluído da sociedade. Diante disso, decidiu ir à busca de especialistas e médicos para solução do seu problema. Mas não conseguiu... Por falta de equipamentos especializados nos hospitais públicos. Como ele não tinha condições financeiras, não podia ir para um hospital particular.

Hoje em dia o Brasil está cada vez mais piorando, estamos vivendo um momento histórico muito importante. O mundo está esquecendo, ou fazendo-se de esquecido, de olhar pra o seu próximo, enquanto muitos estão morrendo em filas de hospitais por falta de equipamentos ou espaços. Principalmente quando se é portador de deficiência, pois está muito difícil encontrar hospitais com equipamentos apropriados para eles.

Até quando o Brasil vai ficar desse jeito?

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O dinheiro, em vez de ser gasto com o quadro da educação, e principalmente com o estado da saúde, está sendo gasto com a Copa do Mundo de Futebol. Do modo como as coisas estão hoje em dia, muitos brasileiros não poderão assistir à Copa do Mundo, nem sequer no conforto de suas casas, nem em meio à euforia dos estádios.

Sabe por que não poderão assistir?Porque não chegarão até 2014: morrerão nas intermináveis filas de hospitais

públicos, ou até mesmo em casa, esperando haver vagas para poderem ser atendidos. A maioria dos políticos já não liga mais para a saúde das pessoas, principalmente

quando a população é pobre. Eles excluem de uma forma ou de outra da sociedade, sem a menor piedade.

Mas não são apenas os políticos que cometem esse erro. Nós mesmos também excluímos pessoas que consideramos diferentes.

Precisamos, então, conhecer e reconhecer essas pessoas que vivem à nossa volta, excluídas por nossa própria ação.

Está na hora de mudar essa situação! Vamos deixar de ser orgulhosos, e pensar mais nos outros.

Para que a sociedade se torne inclusiva, é preciso cooperar no esforço coletivo de sujeitos que dialogam em busca do respeito, da liberdade e da igualdade.

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“Meio-dia”Raphael Reichamann Rolim

Marcelo, de carro, um pai de famíliaEsfuma o cigarro em atenta vigília

Farol, ansioso, anseia a largadaO sol, furioso, em queima arrastadaBatida no vidro, já sente o estorvoGaroto, menino, sorriso na cara

Moeda está longe, o vidro é bem turvoNem abre a janela, mensagem é claraA boca agradece, o olhar entristeceMaroto, a pino, trabalha e não para

Menino de rua não chora nem cresceJá nasce falando e quebrando a cara

A noite norteia o nascer de um abrigoO afoite embriaga o sentir do ferido

Serva sina assinala santa cegueiraSopa suja sacia janta rasteira

Poucas moedas compram satisfaçãoSó algumas golfadas, a servidão

Vive torto, acabado, em seu castelo encantadoSemi-morto, animal, felizes pedras cor de cal.

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Inclua-me onde eu possa ser diferenteClara Figueredo Dourado

Corpos de Adônis, construções monumentais e coração vermeA riqueza não se ceifará, mas seus corpos putrificados

Ulteriormente se juntarão às suas almas, desde muito, vazias e inférteis.

A máquina gradativamente os consome,A importância da vida aos seus olhos:

Produzir em larga escala, ter riquezas sem fim.

Desfalecem seus corpos, poucos regozijam das reais belezas,Para ter o que não lhes é necessário e esquecem-se por aí,

Onde os sonhos em luz se escondem,Para serem o que a ideologia do consumismo moderno os ordena.

De que adianta toda a riqueza e ostentação do mundo...E ser cético de vida?

Almas de mulambos com vidas suntuosas.

Ser igual? Não, obrigada.Quero dignidade, respeito e coisas basilares à minha sobrevivência.

Mas não me inclua junto a eles, por favor.Ser tão diferente é minha proteção ao mundo paralítico.

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Índio: Um exemplo de cidadaniaSonara Laizy da Silva

Muitos pensam que os índiosQuando por seus direitos começam a lutar

Deixam de ser índioE de sua cultura amar

O índio na verdade querO que todo homem procuraReconhecimento e direito,

E a luta é sua armaduraHoje em dia nas universidades

Nos cursos de Medicina e DiretoMais de 5.000 índios vêm cursando

Isso merece é respeitoNa política e em outros cargos públicos

O índio anda atuandoMostrando sua identidade

E o homem branco enfrentandoA CNPI é o nome

De uma comissão que o índio conquistouNa elaboração de políticas públicas

Essa comissão ajudouPorém o índio ainda sofreUma grande discriminaçãoMas essa história vai mudarCom a luta pela inclusão.

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Difere de diferenteTatiana Saturno da Silva

Ser diferenteNão é só diferente palavra,

É diferente fala,Diferir o que sente

Não diferente e mais nada.

Ser diferenteÉ falar o que não é faladoPensar o que é esquecido,

Descartar o normal eContradizer o contradito.

Ser diferenteÉ pensar diferente,Criar o diferente

É esquecer as regrasE ainda ser gente.

Diferenças à parteE isto não é recente

Tudo difereDe conceitos preestabelecidos

De ser apenas diferente.

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Mundo Moderno?Sebastião Junio da S. Gonçalves Sales

Mundo modernoSem inclusão social não é mundo

Sem dar vez a ninguémSem respeitar moribundo

Só caminhamos para o fimSó descemos para o fundo.

Num sentimento profundoSinto-me perplexadoCrianças pedindo pão

Idoso desabrigadoE eu aqui na inérciaPela mídia alienado

Cada vez mais afogadoPelo rio da Injustiça

Que corre descontroladoSem sentir menor preguiçaPara o mar de impunidade

Onde a pouca lei é muito omissa

A injustiça está na ruaDe esgoto a céu aberto

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Onde um menino famintoVai se deitar descoberto

Lavando o rosto com lágrimasPorque não tem água perto

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Mundo Moderno não Inclusão SocialDanilo Fernandes Tavares

Inclusão social, MarginalUtopia de uma realidade farsa

Pacíficos e desordeirosEstudantes e administradores de grande magnitude

Teorias póstumasFachada fechada e lacrada pelo burgo

Negros, mendigosHomossexuais, excluídos por moral

Errantes, Ex-ErradosE tolos homens de pouca influência (pobres)

Pensam em um ser; a existir, e existemEsperando um posicionamento da sociedade modernidade, uma mão

De quem inclui as raças, os gêneros e afinsE viva aos sociais democratas!

Poeta retrata verdade numa folhaA inclusão social à espreita de ser inclusa!

Amoral ela é fática, é falha, é incompleta, injusta e mascaradaPessoas diversas criam paradigmas repletos

Juram a Deus e o mundo igualdade em todas as castasGrandes comportamentos politizados, para grandes corporações e corporativistas

E, na concretude do planejamentoHomem máquina e internet artista

Esperam o público “homem bom da modernidade”.

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Metafísica da inclusãoAndrew Bonifácio Ferreira

Na beira do abismo do reclusoSe aspira ar seco desiludido

Não mais se espera o fim do martírioQue sufoca a vida por desuso

O medo da queda atordoa o confusoSe respira a vontade de equilíbrioNa janela do futuro se vê incluídoMas no presente retém-se recluso

De repente uma vontade lhe transcendeComo a luz que atravessa a janela do penoso

Costura-lhe os pulsos e estanca o suicídio

Desde então se sente outro viventeLivre do cativeiro já transposto

Agora pertencente ao mundo vivido

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O Mito ModernoThales Brito Cantalice

Tempo e tecnologia, deuses vivos Fundidos, outro globo surge em teias Que ilumina legiões de esquecidos Bombeando cultura em suas veias

A sociedade e suas várias faces Reinventa-se em outra realidade Onde os continentes da era moderna Expandem fronteiras, momentos, épocas

Dessa história, promessas são feitas Aos filhos restantes do anonimato Ainda assim, o homem somente é escravo Da liberdade que tanto anseia

A era dos deuses começa do novo Para que imortais se tornem o povo

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Sonho UtópicoThayuan Rolim de Sousa

Estava sonhando acordadoImaginando um mundo diferente

Nem um pouco parecido com esse atribuladoEsse mundo em que vivemos, mundo tão carente.

Não queria parar de sonharMeu mundo não tinha opressão,

Depressão, não quero nem lembrarDo que me faz triste, me faz chorar

Felizes estavam as criançasSeus direitos eram reais

Seus desejos e esperançasEram muito mais que ideais

Todos tinham moradiaMoradias seguras e protegidasSonhos se tornam realidade?

Queria que esse fosse todo dia!

O sonho traz uma luz mansaComo faço para voltar àquela ilusão?

Como posso ter mais esperança?O primeiro passo é a inclusão.

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A inclusão social no mundo modernoCatarina de Fátima Januário da Silva

IMinha vida mudou muito

Pois antes vivia malSem trabalho nem guarida

Numa miséria totalMe sentindo totalmente

Um excluso social.

IIHoje tenho minha casaE o meu computador

Um dos sonhos do passadoRealizei com amor

Além de aprender bastanteGraças ao meu professor.

IIIE nesse mundo moderno

Consigo me adaptarBuscando conhecimentoTenho que me reciclar

Para acompanhar as mudançasE a vida continuar.

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Nos bastidores da liberdadeSidney Costa dos Santos

Em sociedade de liberdadeOnde a democracia morre com a idade

Tolos votam por irmandadePara serem mandados por entidades

Limitados em precariedadePela desconsideração de nossa seletividade

Onde o poder reinaAo lado, a impotência nos queima.Pela leviandade e falta de coragem

Onde a ignorância se manifestaEm nossas trivialidades

Com nossos poderes e responsabilidadesNossos reflexos em poderDesastres só para entreter

É a falta do desejo de crescerQue desvanece o nosso orgulho de TerE corrompe a nossa capacidade de Ser.Eles estão presos; e nós estamos livres

Presos sobre nossa liberdadeConsumindo nossa realidade

Não são as correntes que nos limitamMas nossa escassez que nos debilita

E dá-nos sede, fome e sono.

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O sono diante do nosso ganhoO sono diante de nossos sonhos

O fardo é a prisão do levianoA ilusão do medíocre humano

O entorpecente contra a evolução dos bonsE o veneno contra os sinceros e puros sons.

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Calculando a exclusãoCarlos Thiago de Farias

INclusão – EXclusão In–Ex … de Inexato

Nove fora e o time fica incompleto.

Se é inexato, pelos meus cálculos, é melhor incluir.86 |

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EducaLeonardo Alves de Farias

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InclusãoJesarela Merabe Silva Freire

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Todos num mesmo cicloEmille Santiago Castor

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DesencontroVictor Erick Lucena Nobre

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Antologia Poética do IFPB: Contos, Crônicas e Poemas – A Inclusão Social no Mundo Moderno

A tecnologia para o conhecimentoIslany de Andrade L. Anastácio

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Poe

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