Livro Desvendando Minas - Descaminhos do projeto neoliberal

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ORGANIZADORES: Gilson Reis e Pedro Otoni COLABORADORES: Adelson França Jr, Clarice Barreto Linhares, Cláudio Contijo, Érica Anita Baptista, Fabricio Maciel, Gilberto Antônio Reis, José Luiz Quadros de Magalhães, José Tanajura Carvalho, Maria Eulália Alvarenga, Maria Lucia Fattorelli, Rodrigo Ávila, Ronald Rocha, Vanderlei Martini e Virgílio de Mattos

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Coletânea de artigos organizados por Gilson Reis e Pedro Otoni.

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O livro Desvendando Minas – descaminhos do projeto neoliberal, organizado pelos professores Gilson Reis e Pedro Otoni, promete instigar a reflexão sobre os limites do bloco dominante mineiro, em especial seu principal representante no momento, o senador Aécio Neves. No entanto, os artigos que compõe a obra vão além e promovem uma investigação ampla sobre os diferentes aspectos da condição estrutu-ral e conjuntural de Minas Gerais. A abordagem permite revelar os verdadeiros contornos do projeto em andamento no Estado, vendido como “moderno” e “eficiente”, mas que objetivamente repro-duz o mesmo padrão histórico regional, pautado pela condição periférica e primá-rio-exportadora.

Os artigos que compõem a coletânea fazem uma leitura crítica de cada ação dos governos do PSDB e demonstram, com farta quantidade de dados, os estragos causados por suas gestões – e de seus fiéis aliados – ao importante estado de Minas Gerais. Entre outros mitos desmascarados está o do “choque de gestão”, praticado pelos governadores tucanos no Governo Estadual. O autor Ronald Rocha comprova esta orientação, tão badalada pela impren-sa nacional, que serve apenas aos interes-ses do empresariado e agravou as desigual-dades sociais no estado. No mesmo rumo, o autor Cláudio Gontijo aponta que o “choque de gestão” enriqueceu ainda mais os rentistas e travou o desenvolvimento da economia.

Em outros terrenos, o desastre neoliberal também é esmiuçado. Na obra há estudos sobre a regressão da política agrária, sobre o “estado de choque” da saúde em Minas Gerais, sobre os descaminhos na política de educação, entre outros. O livro apresen-ta um rico apanhado do modo tucano de governar, o que o torna uma obra indispen-sável para o debate de ideias na sociedade brasileira, com vista a promover a reflexão e superação deste campo político definiti-vamente identificado com os interesses do mercado. Ele ajuda a desmistificar a trajetória do PSDB Mineiro e desmascara a mídia conservadora, que tanto fez e faz para blindar o seu cambaleante projeto político.

Altamiro BorgesPresidente nacional do Barão de Itararé

ORGANIZADORES:

Gilson Reis e Pedro Otoni

COLABORADORES: Adelson França Jr, Clarice Barreto Linhares, Cláudio Contijo,Érica Anita Baptista, Fabricio Maciel, Gilberto Antônio Reis, José Luiz Quadros de Magalhães,

José Tanajura Carvalho, Maria Eulália Alvarenga, Maria Lucia Fattorelli, Rodrigo Ávila,Ronald Rocha, Vanderlei Martini e Virgílio de Mattos

REALIZAÇÃO:

Cedebras

Fundação Mauricio Grabóis

ISEM - Instituto 25 de Março de Sérgio Miranda

Sinpro Minas - Sindicato dos Professoresdo Estado de Minas Gerais

Gilson Reis (Org.)Professor de Biologia, Pós-graduado em Economia Brasileira e Mercado de Trabalho pela UNICAMP, Dirigente da CTB-Nacional, Presidente do Sinpro Minas e Vereador de Belo Horizonte.

Pedro Otoni (Org.)Mestre em Ciência Política pela UFMG, especialista em Economia Política, diretor do Centro de Estudos Aplicados ao Desenvolvimento Brasileiro (Cedebras).

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Gilson ReisPedro OtonniOrganizadores

DESVENDANDO MINASDESCAMINHOS DO PROJETO NEOLIBERAL

Belo Horizonte2013

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Projeto gráfico e capa: Mark FlorestFoto capa: Ana Castelo Branco (Cúpula do Palácio da Liberdade)Revisão: Alexandre Vasconcelos de MeloImpressão: Gráfica O LutadorTiragem: 2.000

ISBN: 978-85-7907-078-5

Realização:Cedebras

Fundação Mauricio Grabóis

ISEM - Instituto 25 de Março de Sérgio Miranda

Sinpro Minas - Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais

Apoio:

Contee - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino

CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

Fitee - Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino

SAAE/MG - Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar do Estado de Minas Gerais

SINDIBEL - Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte.

Sindireceita - Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil

Sindicato dos Vigilantes de Minas Gerais

Sindicato dos Metalúrgicos de Betim e Região

SINJUS/MG - Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância do Estado de Minas Gerais

Sinpro Minas - Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais

SINTDER-SINTTOP - Sindicato dos Trabalhadores Públicos em Transportes e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais

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Sumário

Prefácio............................................................................................. 09

Ronald RochaA MITIFICAÇÃO DA EFICIÊNCIA NO “CHOQUE DE GESTÃO”........................................................... 11

Cláudio Gontijo NOTAS SOBRE A ECONOMIA POLÍTICA DOGOVERNO TUCANO EM MINAS GERAIS............................. 39

Maria Eulália AlvarengaMaria Lucia FattorelliRodrigo ÁvilaDÍVIDA PÚBLICA DE MINAS GERAIS: AUDITORIA JÁ!............................................................................. 69

Pedro OtoniARRANJOS POLÍTICOS E DESENVOLVIMENTODEPENDENTE EM MINAS GERAIS........................................ 91

Gilson ReisMINAS GERAIS: UM ESTADO E UMA ELITE A SERVIÇO DE UM PROJETO ELEITORAL........................ 139

José Luiz Quadros de MagalhãesLEIS DELEGADAS: O LIMITE DA POLÍTICA E DA TÉCNICA, OU COMO O DISCURSO DA TÉCNICA ENCOBRE A POLÍTICA AUTORITÁRIA........... 155

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Gilberto Antônio ReisO SUS EM ESTADO DE CHOQUE.......................................... 171

Clarice Barreto LinharesAdelson França Jr.O DIREITO À EDUCAÇÃO NA BERLINDA: MINAS GERAIS E OS DESCAMINHOS NA CONDUÇÃO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO..................... 193

Virgílio de MattosSEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMA PRISIONAL: POR QUE PRENDER OS POBRES EM MINAS GERAISVIROU UM GRANDE NEGÓCIO?.......................................... 223

Vanderlei MartiniQUESTÃO AGRÁRIA, REFORMA AGRÁRIA E VIOLÊNCIA NO CAMPO EM MINAS................................. 233

José Tanajura Carvalho OS TRIBUNAIS DE CONTAS, MAIS ALÉM DE HESITAÇÕES E COMPLACÊNCIAS NO EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO DO ESTADO........................... 265

Érica Anita BaptistaAÉCIO NEVES E OS ENQUADRAMENTOS MIDIÁTICOS DE SUA PRESIDENCIABILIDADE............... 287

Fabrício MacielO QUE SIGNIFICA A NOVA CLASSE MÉDIA?..................... 313

SOBRE OS AUTORES ................................................................ 327

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PREFÁCIO

O livro Desvendando Minas: descaminhos do projeto neoliberal é umaobra de intervenção. Foi pensado para provocar reflexão e ação em seusleitores.

A trajetória do tempo recente é percorrida dentro de “nuvens”;por isso os efeitos da turbulência são permanentes – partir do presentetirando as vendas do passado, lançando-se assim a abrir caminhos parao futuro.

No plano teórico, o ponto de vista da crítica, não deve hoje ter li-mites; não deve aceitar barreiras; deve saltar para frente, superando enegando todas as provas factuais que lhe serão continuamente exigidaspela covardia intelectual.

Para o pensamento crítico em Minas Gerais, voltou o momentoda descoberta. O tempo da repetição, da banalidade erigida em discursosistemático, está definitivamente terminado.

Aquilo de que precisamos de novo, desde o princípio, é uma férrealógica que tenha lado, uma coragem empenhada para si e uma capaci-dade de apontar caminhos para os outros, pelo e para além do seu apa-rato de crítica.

O conjunto de textos que se agrupam cada um vão desmontando,“abrindo caminho com a machadinha afiada da razão”, as Minas Geraisdo agora, sem opacidades e encobrimentos das possibilidades do vis-lumbre de um outro caminho, que só pode ser se guiado por outra viae de outra modernidade.

Das salas de aula, ao chão das fábricas, do sistema prisional às ruasda cidade capital, temos em cada texto deste livro um fragmento quevai estabelecendo a construção de uma caixa de ferramentas necessáriapara forçar as frestas do discurso e consenso que se assentou na últimadécada, para tanto, o necessário “dar combate à mistificação em sua pró-pria casa”, é a linha de conduta dos textos.

Segui-se o aprofundar da crítica dos dispositivos que foram mon-tados para este consenso: gestão, eficiência, governo técnico, resultados;demolir esta narrativa para dela extrair categorias, sua origem e justifi-cação e a luz das contradições expostas, apresentá-la a disputa dos rumos

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que correspondam às exigências do nosso tempo – liquidação progres-siva, mas rigorosa, do poder de escolhas e de domínio sobre a vida dasociedade por parte das camadas dominantes, o que só será real se de-terminar a afirmação em crescendo do poder de escolha e da hegemoniade um poder público democrático, isto é, fundado no consenso e noapoio nas grandes massas trabalhadoras e populares.

Pensar a crítica e a superação tem sido tarefa inglória. Até a uni-versidade e a intelectualidade se estabeleceram sobre novos patamares,de horizonte curto e conservador, limitado à ambiência do bom-tomacadêmico que reproduz o mundo exatamente como ele está. Era pre-ciso captar a teoria política crítica no patamar mais alto no qual foi aban-donada nas últimas décadas, para, a partir dela, avançar. É necessáriofalar o inesperado e o angustiante num mundo no qual a angústia existee é cada vez maior, mas não sabe o que falar nem tem voz.

Minas Gerais precisa de um novo rumo, de uma ruptura com aatual orientação dominante, de um projeto de mudanças que seja capazde promover o estabelecimento de um novo papel do Estado, capaci-tando-o para exercer uma intervenção reestruturadora, abrangente econtinuada.

Podemos inaugurar esse novo período; se nós podemos, logo de-vemos.

Sérgio Danilo Miranda RochaSecretário Geral da Fundação Maurício Grabois (Seção Minas Gerais)

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RONALD ROCHA

A MITIFICAÇÃO DA EFICIÊNCIA NO “CHOQUE DE GESTÃO”

Eu vejo o futuro repetir o passadoEu vejo um museu de grandes novidades

O tempo não paraNão para, não, não para

(Cazuza, “O tempo não para”).

A palavra “eficiência” percorreu, de sua remota origem latina atéa Carta Magna brasileira, uma longa trajetória, repleta de percalços enuanças, ao longo da qual foi afetada por drásticas mudanças de sentido.Entre as mais notáveis estão as ocorridas nos anos de 1970 a 1990,quando acabou apossada pelos public managers – inclusive os agentes daadministração estatal alinhados à chamada “Reforma Gerencial” (Bres-ser Pereira, 2001, p. 29) ou às suas derivações mais ou menos assumidas– e pela doutrina jurídica. Dedicado a certos aspectos da orientação tra-çada pelos últimos governos mineiros, o texto a seguir antecipa um ex-trato do livro As aventuras da eficiência na gestão pública – em fase deconclusão –, que dialoga criticamente com o liberalismo gerencial e odireito administrativo positivo.

O LUGAR DA GESTÃO PÚBLICA EM MINAS

A política denominada “Projeto Choque de Gestão” – segundo a“Apresentação” da obra O Choque de Gestão em Minas Gerais: políticas dagestão pública para o desenvolvimento, escrita a várias mãos – teria surgidono processo eleitoral de 2002, “com o concurso de um grupo de técni-cos de diversas áreas do conhecimento e com vasta experiência no tratoda coisa pública”. Desde então, assumiu a posição de “linha condutora

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principal do programa governamental para Minas Gerais”. (Anastasia,2006, p. 15). Seus autores manifestaram o propósito de oferecer umaresposta ao “dramático quadro” existente no Estado, em especial à de-nominada “falta de eficiência do serviço público”:

Observava-se, objetivamente, um ambiente de desânimo nos ato-res responsáveis pelo processo de gestão, como que descrentes emqualquer reversão positiva de quadro tão nefasto. (...) Deste modo,o tema da boa gestão assumiu relevo nas discussões com o entãocandidato (Anastasia, 2006, p. 14 e 15).

Nesse mesmo livro se encontra citada na condição de antecedentea Emenda Constitucional nº 19, de 1998, mas apenas como sinalizadorde uma prioridade na esfera da gestão: “ideal de um aparato públicofuncionando com plena eficiência” (Anastasia, 2006, p. 13). Semelhantediscurso soa como se a iniciativa tivesse origem e se processasse, exclu-sivamente, no interior das Alterosas. O próprio governador, à época,após referir-se à questão do desenvolvimento, sintetizou sua mensagemnuma frase única, imprimindo à vulgata ukelesiana (Ukeles, 1982), jáuniversalmente famosa e repetida nos círculos conservadores desde osanos de 1980, uma tonalidade provinciana: “fazer mais e melhor commenos para (...) fazer de Minas o melhor Estado para se viver no Brasil”(Governo do Estado de Minas Gerais, 2006, p. 11). Assim, contrapondoos pleitos locais aos demais interesses existentes no colar federativo, tallema se reafirmou como “visão de futuro” ao anunciar-se a “SegundaGeração do Choque de Gestão” (Vilhena, 2006, p. 352 e 356).

O traço paroquial – típico da política tradicional mineira e facelocal do cosmopolitismo burguês, que nos seus momentos de arrouboprotesta contra as derramas e opressões passadas para servir cordial-mente aos poderosos do presente – iria apresentar-se novamente, sejaafirmando-se “que a expressão ‘Choque de Gestão’,” portadora de in-tenções antes manifestadas pelo World Bank e por governos paulistas,teria sido “absolutamente inédita e profundamente criativa” (Anastasia,2006, p. 16), seja destacando-se a sua “originalidade e singularidade (...)no panorama/trajetória das políticas de gestão nacionais e internacio-nais”, seja recusando-se a reconhecer qualquer influência das referências

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elaboradas pela “era da reforma do Estado” e pelo Plano Diretor da Re-forma do Aparelho do Estado, de 1995 (Vilhena; Martins; Marini, 2006,p. 30 e 31).

Assim, afirmou-se a tese de que o “novo paradigma de gestão (...)não estava vinculado a nenhum ideal finalístico de transformação –senão, talvez, ao ideal de eficiência” – e “não logrou alinhar meios efins”. Dever-se-ia aproveitar, do governo Cardoso, tão somente a liçãonegativa – o que teria faltado: “a necessidade de construir um norte, (...)de se promover inovações gerenciais (...) e de integrar as políticas degestão” (Vilhena; Martins; Marini, 2006, p. 31). Deduz-se, pois, que o“Choque de Gestão”, muito além de uma linha gerencial formuladacom a intenção de transformar o padrão e o método então vigentes naadministração pública, teve desde o nascedouro a pretensão de conter,imanentemente, o conjunto dos objetivos do Governo Estadual, comose fosse programático por si só. Em consequência, dispensou um projetopolítico amplo e estratégico para Minas Gerais, capaz de dirigir e pro-tagonizar a coisa pública como sujeito insubmisso à lógica – material,organizacional e metabólica – intestina ao aparato estatal.

Além do abraço de tamanduá, desdenhoso, enviado aos correli-gionários nacionais, os “choquistas” fizeram um silêncio barulhento: aausência completa de referências a Bresser Pereira nos textos que apre-sentaram unificada, programada e setorialmente. Sem gastar papel esem ocupar bits com pequenos registros sobre fogueiras de vaidades aca-dêmicas, rixas regionalistas e bicadas de personalidades políticas, vale apena reter o contraste curioso entre as elaborações do ex-ministro daAdministração Federal e Reforma do Estado expostas no Seminário de1996 (Reforma do Estado e administração pública gerencial, 2006) e asopiniões oficiais dos gestores pertencentes ao primeiro governo Neves.

Enquanto, no famoso colóquio de Brasília, a reiterada demarcaçãocom o “neoliberalismo”, então no auge, caracterizava um ecletismo im-plícito, no quadro da subjunção político-prática à reação antipopularem marcha para “ajustar” o Estado e retirar direitos, a distância olímpicada equipe governamental mineira em relação àquele mesmo processo ea seus desdobramentos permitia, quando a direita gerencial já estava emfase de enfraquecimento, a tranquila assunção dos valores e métodosdominantes sob o manto de um ecletismo assumido e declamado

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(Vilhena; Martins; Marini, 2006, p. 32). No discurso político, não raroa omissão revela mais que a verbalização.

O Bresser de hoje, depois de vivenciar muitas contradições, deromper com o PSDB, de reconciliar-se como o nacional-desenvolvi-mentismo e de firmar-se na trilha do republicanismo social-liberal, con-tinua procurando esconjurar os fantasmas conservadores de ontem.Aqui nas Alterosas, porém, os gestores oficiais incorporaram sem con-flitos de consciência os vultos pretéritos, insistindo apenas em definiros contornos próprios do terreno ideológico e das políticas que forma-taram em 2002. Para tanto, concentraram o ataque, não nos principaisobstáculos sociais ao progresso econômico-social do País e dos mineiros– o capital monopolista-financeiro, externo ou interno, e o latifúndio,inclusive os políticos e partidos que lhes representam os interesses –,mas no que denominaram, com virulência incomum para quem diz agir“de uma maneira eclética” (Vilhena; Martins; Marini, 2006, p. 32), a“ideia nacionalista, xenófoba e autóctone de desenvolvimento (...) a par-tir da qual se buscava ‘independência econômica da nação’” (Vilhena;Martins; Marini, 2006, p. 28).

A polêmica contra os pressupostos e os limites do nacional-de-senvolvimentismo, que poderia ser acolhida se abordada sob um ângulode esquerda e sem escatologia, é insuficiente para anuviar a evidênciade que o fulcro do programa em aplicação pelo governo local representa– a despeito de suas singularidades e de sua recusa em admitir suas iden-tidades genéricas – a radicalização liberal inaugurada pelas contrarre-formas no aparelho de Estado e no processo de gestão públicadominantes na cena política internacional nas duas últimas décadas doséculo passado.

Constituem exemplos lapidares e placas indicativas desse caminho– cuja renúncia a cúpula gerencial da administração pública mineira nãotem como fazer de maneira consistente – o período Pinochet, orientadopelo conselheiro Friedman desde a primeira hora e gerido por seus Chi-cago Boys, assim como os mandatos de Thatcher, com suas privatizaçõese tributações regressivas, e de Reagan, com suas renúncias fiscais e ele-vações da dívida pública, ambos dando mais visibilidade à proposiçãode “reformar o aparato e a administração do Estado com base nos prin-cípios que governam os negócios privados” e de adotar a eficiência

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como “sua meta primordial” (Menegasso, 2012, p. XX). Reserve-selugar destacado ao cartão-postal neozelandês, que levou mais longe eque operou de modo extremo tais experimentos. Por fim, registrem-seos seus desdobramentos nas políticas do governo Cardoso.

Eis por que, ao referir-se à “era da reforma do Estado”, ao cons-tatar a substituição do “ideal do desenvolvimento” pela “necessidadepragmática (emblematicamente evocada no corolário do consenso deWashington) de promoção de um ajuste estrutural” – voltado à “ade-quação do sistema econômico e do Estado” à “economia de mercadoglobalizado” – e ao notar que tal situação “não apontava, portanto, umretorno triunfal do planejamento”, a primeira geração do “Choque deGestão” em Minas Gerais recusou apenas a “ênfase nos meios”, resga-tando seus efeitos por meio de uma postura que oscilou e por fim des-lizou da contemplação ao elogio:

Tal contexto (...) lograria uma década de ajuste fiscal e de reformasestruturais na ordem econômica, no perfil de atuação do Estado(a partir das privatizações, principalmente) e nas políticas sociais(previdência, principalmente). (...) a estabilidade econômica per-mitiu o ressurgimento do planejamento governamental, a partirda incorporação de metodologias de gestão de programas (Me-negasso, 2012, p. 30 e 31).

O aparente formalismo se revela um claro comprometimento, devez que serviu para encobrir o endosso à ordem do capitalismo mono-polista dependente e facilitar a incorporação acrítica do passado. Aliás,até a menção reverente a certas formas transitórias, que diz respeito atransformações administrativas ocorridas durante o regime militar, in-tegrou o padrão político dos public managers caboclos. Enquanto, nosanos de 1990, os federais defenderam – em termos, reconheça-se – opioneirismo do Decreto-lei nº 200 e das propostas de Beltrão, em 2006os estaduais aceitaram que se apresentasse o “Choque de Gestão” comolegítimo herdeiro “de inovações na área pública para o Brasil durante operíodo 1965-1982”, abstraindo-se do terrorismo de Estado a pretextoda cordialidade mineira e identificando-se com o entulho tecnocráticoremanescente da passagem pelo topo:

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Décadas depois, a arquitetura institucional de Minas Gerais aindaguarda relação com os fundamentos de então, marcada pelo brilho de umatecnocracia modernizadora, que se beneficiava de um ambiente político auto-ritário, porém, relativamente brando no caso estadual (Gaetani, 2006).

O verniz de neutralidade – permitindo-se olhar pelo retrovisorsem sujar as mãos com a ideologia – serviu também para conferir gla-mour ao presente. Assim, repetiu-se o discurso do senso comum burguêscontemporâneo, com elogios ao “desenvolvimento aberto, num con-texto marcado pela globalização, integração e interdependência” (Vi-lhena; Martins; Marini, 2006, p. 28). Quando se reconheceu o papel doEstado, rendendo-se à visão positiva sobre a política que a classe domi-nante e seus representantes são sempre obrigados a praticar de algummodo, lançou-se mão do discurso tecnicista e amorfo de Castells, queescandalizou até um ilustre admirador e amigo:

De modo que, após passar minha vida estudando e lutando paramudar meu país, quando por fim me torno presidente, agora medizes, Manolo, que o Estado perdeu sua capacidade de ação. Ob-viamente, não posso aceitá-lo (Cardoso, 1998, p. 1).

Lavagens de roupa à parte, tentou-se diluir a função pública doprincipal agente político coletivo do capital, inclusive as atribuições eprerrogativas próprias de seu modo de existência mediado, para con-ceituá-lo como “rede” completamente aberta e disponível às “capaci-dades do mercado” (Vilhena; Martins; Marini, 2006, p. 28) – assimmesmo, nomeado como simples coisa e não como relação social. Se-gundo a referência intelectual adotada e nomeada, haveria no mundocontemporâneo uma “crise do estado nação” e a inviabilização “do es-tado plenamente soberano” (Castells, 1998, p. 2 e 7). Configurou-se,pois, uma afronta aos arts. 1º, I, e 4º, I, da Constituição Federal, queapresentam, respectivamente, como fundamento e princípio pétreos daRepública Federativa do Brasil, “a soberania” e a “independência na-cional” (República Federativa do Brasil, 2008).

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O GOVERNO COMO FACILITADOR DO CAPITAL

Sabe-se que muitos enunciados do arcabouço jurídico vigente,quando estão em causa os interesses e direitos do mundo do trabalho edas classes populares, existem à margem da vida fática – como home-nagens formais da exploração e opressão à justiça e liberdade reais quefaltam –, mas certamente não possuem uma vocação suicida. A retóricauniversal abstrata sobre o esmaecimento do Estado no capitalismo, deextração “pós-moderna”, completamente alheia ao mundo existente daeconomia e da política, adapta-se com suavidade às determinações fun-dadoras e articuladoras da sociedade civil concreta, que nenhuma teoriaou prática de gestão – mesmo que o quisesse, embora não esteja sendoo caso – poderia reverter ou neutralizar.

O que os governantes mineiros vêm propondo e aplicando é umaparelho público a serviço direto da reprodução do capital e de suaordem, para tanto dissolvendo e misturando, permanentemente, suasinstâncias mediadas na sopa dos negócios e das relações coisificadas.Desse modo, suas orientações passam a desenvolver apenas um papelpragmático como mestre de cerimônias, para as quais o “desenvolvi-mento requer um efetivo Estado que jogue o papel de facilitador, en-corajando e complementando as atividades dos negócios privados eindividuais” (World Bank):

Trata-se de um Estado incrustado na sociedade não apenas nosentido de que reproduz suas demandas, mas também no sentidode que promove ações conjuntas (...). O desenvolvimento requerum Estado eficaz, que encoraje e complemente o mercado e a so-ciedade civil, como parceiro, catalisador e facilitador (WorldBank, 1997) (Vilhena; Martins; Marini, 2006, p. 28).

Tal processo aconteceu sob os auspícios e a capacidade coatora daconcepção e das diretrizes espargidas pelo World Bank, que financiouas políticas e controlou diretamente sua aplicação, numa ingerência quepõe sob suspeição a soberania da coisa pública estadual na última dé-cada:

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O Banco Mundial esteve sempre conosco, acreditou no modelode gestão. O primeiro financiamento que nós pegamos nunca tevecontrapartida financeira. A contrapartida foram os resultados, eele sempre nos cobrou muito (Vilhena, 2013).

Claro está que tamanho zelo de gestão mereceu os elogios efusivosdo Diretor para o Brasil da corporação financeira internacional protetora:

Em 2002, Minas Gerais (...) possuía uma dívida consolidada e umgasto com pessoal que consumiam, respectivamente, 275% e 66%da receita corrente líquida do Estado. Eleito naquele ano, o go-vernador Aécio Neves firmou o propósito de colocar o Estado devolta no caminho do crescimento e da sustentabilidade por meiodo (...) Programa Choque de Gestão. (...) Chamado a participarda primeira geração do Choque de Gestão, o Banco Mundialatendeu ao pedido do governo mineiro com um empréstimo parapolíticas de desenvolvimento de US$ 170 milhões, que visavaapoiar a estabilidade fiscal, a reforma do setor público e o apri-moramento do setor privado. Iniciava-se aí uma parceria resolutaentre Minas Gerais e o Banco Mundial (Briscoe, 2008).

Osborne e Gaebler, também impressionadíssimos com a “era dainformação” – mais uma periodização fenomênica –, batizaram tal pers-pectiva com uma expressão sintética e bem mais crua: “governo orien-tado para o mercado”, que por sua vez, utilizando o senso prático pormeio de uma simples regra de três, “está para a atividade social e eco-nômica da mesma forma que o computador para a informação” (Os-borne; Gaebler, 1995, p. 310). Referiam-se – como nos EUA é comume sintomático confundir-se – ao Estado, no qual juraram acreditar “pro-fundamente”. Chegaram até a garantir que tal instituição tem condiçãode se tornar tão eficiente quanto a empresa privada: pode ser “reinven-tada” (Osborne; Gaebler, 1995, p. XII) e até aderir ao empreendedo-rismo (Osborne; Gaebler, 1995, p. 213). Basta abdicar de suaspretensões públicas e receber “o poder” que os autores do abecedárioprivatista, julgando-se onipotentes como deuses e caridosos como san-tos, prometeram “dar” ao “leitor” (Osborne; Gaebler, 1995, p. 359).

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Todavia, há controvérsias entre os especialistas em administraçãopública. Denhardt, mesmo com sua propensão a conciliar concepçõese métodos distintos e até conflitantes, reconheceu que “o lado ‘sombra’do empreendedor caracteriza-se por um foco estreito, uma falta de dis-posição de seguir regras e permanecer dentro dos limites”. Disse tam-bém que “a noção de gestores públicos agindo puramente como se odinheiro do público fosse o próprio dinheiro – isto é, motivados por es-trito autointeresse – vai contra uma longa e importante tradição (...) naadministração pública democrática” (Denhardt, 2012, p. 208). Ademais,endossou o libelo de Mintzberg contra a substituição do cidadão peloconsumidor: “de meu governo espero mais do que apenas uma distantee fria transação comercial e menos do que um estímulo para o consumo”(Denhardt, 2012, p. 207).

No rastro de Osborne e Gaebler, os gestores do governo mineirotambém atribuíram um “papel central ao Estado” (Vilhena; Martins;Marini, 2006, p. 28) e lhe impuseram uma condição sine qua non, quenomearam: como o aparelho público “é menos eficiente” e não deveenfraquecer o mercado, que “é virtuoso em eficiência” (Vilhena; Mar-tins; Marini, 2006, p. 27), seria preciso implantar “um modelo de gestãoeficiente” (Anastasia, 2006, p. 5), que seja “mais focado”, não no cida-dão, mas “no cliente beneficiário” (Vilhena; Martins; Marini, 2006, p.30). Sob a luz dessa ribalta e ao longo da peça, a eficiência vagabundeouentre os personagens de objetivo, princípio, coisa, diretriz e função: res-pectivamente, como “ideal” de funcionamento a ser conferido ao “apa-rato público” (Anastasia, 2006, p. 13) e ao Estado (Duarte et al. 2006,p. 98), como qualidade do “modelo de gestão” (Anastasia, 2006, p. 5)ou elogio à sua “inserção (...) no texto de nossa Constituição Federal”(Anastasia, 2006, p. 13), como ausência “no serviço público” até 2003(Anastasia, 2006, p. 14), como diretriz técnica “organizacional” (Vi-lhena; Martins; Marini, 2006, p. 24) e como foco de “gestão” (Vilhena;Martins; Marini, 2006, p. 24).

A pretexto de garantir a consecução de todos esses sentidos varia-dos e mutantes, em dose bastante para compor uma panaceia, os gover-nantes resolveram criar cargos de recrutamento amplo em númerosuficiente para acolher os especialistas da nova era (Bernadi; Lopes,[s.d.], p. 3-6), que deveriam, preferencialmente, vir de fora do serviço

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público: puros e sem vícios. Em vez de fortalecerem o funcionalismopor meio de melhorias na carreira, na remuneração e na formação, suaopção foi contratar pessoas sem concurso, por meio de currículos, en-trevistas e testes psicológicos, método não raro vulnerável a julgamentossubjetivistas e a escolhas pessoalizadas (Governo do Estado de Minas,2007, p. 9-13).

Reivindicando-se modernos, os governantes locais incharam eatualizaram a elite gerencial de Estado por meio da Lei Delegada nº174, de 2007, que, nos arts. 18 a 21, instituiu os cargos de recrutamentoamplo denominados Coordenadores Executivo e Adjunto do ProgramaEstado para Resultado – inspirados no Sistema Alta Direção, antesexistente no Chile –, assim como Empreendedores Públicos I e II,esses destinados a atuarem na coordenação das áreas conhecidas comode resultado e na gestão de projetos em geral. (Estado de MinasGerais, 2007).

Ademais, com a Lei Delegada nº 182, de 2011, alocaram, por meiodo art. 19, o Cargo de Empreendedor Público “no Escritório de Prio-ridades Estratégicas e nos órgãos e entidades encarregados de ProgramaEstruturador ou Área Estratégica”, bem como prorrogaram, através doart. 21, sua existência até 30/4/2011 (Estado de Minas Gerais, 2011b).Por fim, usaram o Decreto nº 45.578, de 2011, arts. 15 e 16, para con-ferir amplíssimas competências ao Núcleo de Entregas e de Empreen-dedores Públicos e à Superintendência de Empreendedores Públicos(Estado de Minas Gerais, 2011a).

Assim, acreditam e apostam, não no trabalho como práxis socialdestinada a se criarem valores de uso, mas só na qualidade inerente aosleaders individuais que se autoproclamam. Em face da pergunta sobre oque seria preciso “para o ‘choque de gestão’ dar certo”, respondeu-se:

Liderança. Se não tiver liderança não se implanta um projeto des-ses, porque na hora que define quais são os programas estrutu-rantes, e que recursos vão estar alocados nesses programas, apressão política para ter uma alocação diferenciada é muitogrande. Essa liderança é fundamental num modelo desses (Vi-lhena, 2013).

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Tal situação, conformada por meio de simples atos administrati-vos, concorre para consolidar o contrário do que afirma o mito da so-ciedade pós-industrial e informacional, ou da “economia doconhecimento” (Governo do Estado de Minas Gerais, [s.d.]), onde otrabalho – complexo indispensável à efetivação dos serviços, das técnicasinformáticas e das várias formas de saber – seria uma categoria irrele-vante ou nula. Ironicamente, a massa de funcionários públicos, cujo nú-mero se expandiu consideravelmente durante o século XX, está hojeocupando a exata posição que lhe foi reservada pelo desenvolvimentodo capitalismo: a condição de vasto proletariado de serviços – centenasde milhares só em Minas Gerais, com prática sindical e consciência sen-sível –, agora apartado funcional e politicamente da cúpula governa-mental por uma camada intermediária, à imagem e semelhança do queocorre na empresa privada.

Eis a impressão que os gerentes da nova era causaram, como nocaso dos assessores ligados à Pricewaterhouse, uma das várias empresasde consultoria contratadas por terceirização: “Vieram ensinar os servi-dores a serem servidores; na Fazenda ensinaram que o contribuinte éum cliente” (Jannotti, 2013).Semelhantes reações, decerto, foram cre-ditadas ao corporativismo pelo desdém elitista que escolhera como alvoa “noção de uma gestão pública não voltada para os resultados” (Anas-tasia, 2006, p. 14). Ora, para o gênero trabalho, a teleologia, fundadaem sua própria gênese ôntica, é um atributo essencial. Nenhuma de suasespécies, inclusive a improdutiva prestação pública, poderia dar-se deforma casual, contingente, ao léu, sem pretender alcançar um fim e umbem qualquer. Reivindicar a busca de efeitos não passa de truísmo, alémde vã tentativa homicida contra o sujeito do labor anterior ao adventoda “modernidade” gerencial.

RESULTADO DO VALOR E VALOR DO RESULTADO

No afã de se contraporem à chamada administração “clássica”,que se comprazeria a considerar os meios e regras procedimentais, ospublic managers apresentaram, “na área de planejamento e gestão estra-tégica”, a quantificação percentual dos resultados alcançados no desem-

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penho de “Projetos (programas) Estruturadores” e “não estruturadores”como se fosse a fina flor da inovação (Almeida; Guimarães, 2006, p. 89e 90). Na verdade, eram apenas os triviais índices comparativos de exe-cução, aplicados a créditos autorizados e despesas empenhadas, muitomais pobres do que os cálculos da função-eficiência.

Os governantes adotaram, ainda, como forma de efetivarem seumétodo administrativo, o mecanismo da “contratualização de resulta-dos”, isto é, o “compromisso (...) que regula as relações (via de regra)entre o núcleo estratégico (formulador de políticas) e as entidades des-centralizadas (executoras)” (Duarte et. al, 2006, p. 96). Depois de apre-sentarem como precedentes, calcados num estudo de Saraiva (2005),vários casos pontuais, transcorridos em épocas e situações distintas, no-mearam os portos por onde realmente passou a sua jornada intelectual:

A Grã-Bretanha (...) vem utilizando largamente esses instrumen-tos a partir de 1988, quando da implantação do programa NextSteps que deu origem à criação das Agências Executivas e intro-duziu a figura dos Framework Documents (...). Austrália e Nova Ze-lândia também adotaram mecanismos de contratualização deresultados no bojo de suas experiências recentes de reforma. (...)Shepherd (1988) coloca em relevo a experiência chilena que, navisão do autor, foi o país que mais avançou na reforma gerencialna região (Duarte et al., 2006, p. 97).

Ciosos, porém, da esparrela em que se metera Collor, cujo volun-tarismo o levara à ilicitude e possibilitara o impeachment, recorreram,como base legal, ao princípio e às demais normas aprovados em 1998,por meio da Emenda Constitucional nº 19. O atual art. 37, XXII, § 8º,da Carta Magna, permitiu-lhes ampliar “a autonomia gerencial, orça-mentária e financeira dos órgãos e entidades da administração públicadireta e indireta (...) mediante contrato, a ser firmado entre seus admi-nistradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metasde desempenho” (República Federativa do Brasil, 2008). Assim, os va-lores de uso das prestações foram reduzidos a meras quantidades, cujaaveriguação comporta boa dose de formalismo, quando não resvala parao subjetivismo.

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Sob o nome de Acordo de Resultados, os pactos negociais de ges-tão “entre dirigentes de órgãos e entidades do Poder Executivo”(Duarte et. al., 2006, p. 98) – regrados pela Lei nº 14.694 e pelos De-cretos 43.674 e 43.675, de 2003 – substituíram profusamente as relaçõescaracterísticas do serviço público. Concorreu, ainda, para dissolver asingularidade típica do trabalho na esfera estatal o “mecanismo de pre-miação dos servidores”, usando a concessão de incentivos econômicosà “produtividade” – entendida como “redução das despesas correntes”e “aumento da arrecadação de receitas” – em vantagens pecuniárias deaté 70%, pelo Adicional de Desempenho (Duarte et. al., 2006, p. 100 e101), que rebaixa o papel da responsabilidade axiológica, política e téc-nica do funcionalismo:

Por isso o acordo por resultados é o instrumento mais importanteporque desdobra isso para todas as equipes de trabalho. Ele sabeque o resultado daquilo pode levá-lo a receber até um 14º saláriode prêmio de produtividade. O princípio da meritocracia avaliadopelo resultado que ele alcança, mas ele é avaliado também indivi-dualmente, porque a remuneração dele uma parte é fixa e outraparte pela avaliação de desempenho (Vilhena, 2013).

Os próprios partidários do chamado Novo Serviço Público – quetantas vezes se perderam em considerações românticas sobre o Estado,ao procurarem conciliar os seus vagos valores democráticos e humanis-tas com a sensibilidade fractal e irracionalista “pós-moderna” – têm re-cusado a New Public Management, sob o argumento convincente de quesua tradição se mostra “exaltada pelos modelos de mercado e pela eco-nomia da public choice”, mais preocupada “em reduzir o red tape e au-mentar a eficiência e a produtividade do governo”, e sempredeterminada em sonegar aos trabalhadores “especificamente um con-texto moral para a ação pessoal” (Denhardt, 2012, p. XII e XIII).

No caso de Minas Gerais, os resultados obtidos ficaram longe deserem propriamente alvissareiros. A concentração de esforços dos go-vernantes mirou, no primeiro momento, com métodos informados porfortes medidas de austeridade, a meta de “ajustar-se à dura realidadefiscal” (Governo do Estado de Minas Gerais, 2006, p. 11). Todavia, a

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despeito dos criativos volteios conceituais e contábeis adotados, assimcomo do volumoso marketing que martelou diuturnamente a consigna“déficit zero”, a dívida estadual continuou em curva ascendente, comodemonstra um estudo sobre o assunto:

Entre 31/12/2002 e 31/12/2010, a dívida contratual (DC) do go-verno do estado de Minas Gerais evoluiu, em valores nominais,de R$34.650,5 milhões para R$64.475,8 milhões, (...) uma varia-ção de 87,2%. A dívida consolidada líquida (DCL), (...) aumentou,neste mesmo período, de R$32.941,7 milhões para R$60.200,7milhões, com uma variação nominal de 82,7%. (...) Isso significaque, em termos reais, (...) a dívida continuou em expansão, apesardos elevados encargos que o estado vem fazendo para o seu paga-mento, desde a assinatura do contrato com a União (Oliveira;Contijo, 2012, p. 95 e 96).

Fica registrado que, além dessa reversão de expectativa e das pífiasdespesas com políticas sociais, “notadamente a saúde e a educação”, opeso da austeridade caiu nos ombros dos servidores, vitimados pelo “ar-rocho dos salários” (Oliveira, 2010), tudo oficialmente definido como“promovendo os resultados buscados a custo menor” (Vilhena; Martins;Marini, 2006, p. 24). Tal escolha político-gerencial, que se tornou iner-cial e que o movimento sindical prossegue apontando severamente –inclusive com manifestações e greves –, determinou a compressão re-munerativa logo em 2003, mesmo sob uma conjuntura econômica fa-vorável: “O período de ‘caça ao gasto’ que marca este ano conseguiuproduzir uma queda real de 3,1% das despesas correntes, com o con-gelamento dos salários do funcionalismo (queda de 5% reais no ano)”(Oliveira; Contijo, 2012, p. 85). Outrossim, mantiveram-se incólumesas disparidades regionais e o discreto crescimento econômico (Oliveira,2010), de vez que suas dinâmicas se encontram atreladas, como simplessubprodutos, à lógica metabólica do capital e do mercado.

O Sistema Prisional é outro exemplo, desta feita na categoria dasconcessões administrativas. Trata-se de mais uma das medidas baseadasna Lei nº 14.868, de 2003, e encetadas no regime de Parceria Público-Privada (PPP), que inclusive previa “estudos de modelagem” para a

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“construção de três mil vagas penitenciárias no âmbito do projeto es-truturador Segurança Pública – Redução da Criminalidade Violenta”.A ideia, já esboçada em 2006, foi pagar “ao parceiro privado pelos ser-viços de operação, gestão e manutenção do presídio (ressalvadas a se-gurança externa e a direção-geral, que deverão ficar a cargo do parceiropúblico)”, na “estimativa de que o projeto possa aperfeiçoar o meca-nismo de tutela e cuidado com o preso, viabilizando a sua reintegraçãoposterior, gerando grande benefício à sociedade” (Athayde; Gusmão;Silva, 2006, p. 154 e 155).

No início de 2013, o governador apresentou a “auspiciosa e iné-dita notícia” sobre a inauguração, em Ribeirão das Neves, da “primeiradas cinco unidades do primeiro complexo penitenciário construído noBrasil, por meio de parceria público-privada”, para 3.040 detentos. Acoisificação das relações sociais, típica do capitalismo, foi inspirada “nomodelo inglês” e vista como “esforço ciclópico para humanizar todasas cadeias”. Caberá ao socioempresarial o conjunto dos serviços inter-nos: além da guarda prisional, “as assistências médica, odontológica,psicológica, social e jurídica” (Anastasia, [s. d]), inclusive as socioedu-cativas, todas devidamente transformadas em mercadoria.

Tal façanha recebeu a seguinte menção autoelogiosa e um tantopositivista: “maneira mais eficiente” de “modernização da gestão pú-blica, sem sucumbir às armadilhas ideológicas ou às falsas dicotomias”(Anastasia, [s. d.]). Embora se proclame imparcial – vale dizer, uma vo-lição técnica imune aos valores mundanos –, trata-se de opinião alta-mente controversa, que inclusive se encontra vivamente contestada pelomovimento popular na cidade, que engloba “entidades, igrejas” e “gru-pos organizados”:

Não são estratégias de mercado, como a parceria público-privada,que poderão, em substituição à política pública, oferecer um ser-viço de qualidade e digno aos detentos, vistos pelo “mercado dasprisões” como mais uma mercadoria de lucro para enriquecer al-guns poucos empresários (...). É do conhecimento de todos que aprivatização do sistema prisional em outros países não trouxe aredução da violência urbana (“Nós Amamos Neves”, 2012).

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Bresser, em pleno contencioso sobre a matriz da “Reforma Ge-rencial”, refutou o chamado “Estado liberal clássico” por se limitar,entre as “tarefas exclusivas”, tão somente às “Forças Armadas” e à “Po-lícia” (Bresser Pereira, 2001, p. 36). Referia-se, pois, ao minimum mini-morum: ao piso cuja violação os próprios defensores da coisa públicananica sempre julgaram inaceitável. Os dois últimos governadores deMinas Gerais, ao concederem o setor prisional ao comando econômico-social do capital privado, retendo para si apenas a função de burocraciafiscalizadora externa, abriram mão do poder típico de polícia. Renun-ciando a tal prerrogativa extroversa de um modo que nem sequer o lais-sez-faire tradicional ousara fazer, situaram-se no lugar teórico,ideológico e prático do ultraliberalismo.

O ex-ministro Paiva estava, pois, muito bem sintonizado com oespírito do “Choque de Gestão”, quando, após repetir as vulgatas e oschavões de praxe – “modernizar o Estado” e “fazer mais com menos” –, foi ao ponto nodal e teceu o elogio que julgou ser maior: “Um dos as-pectos inovadores desse processo é a introdução efetiva e competentede experiências exitosas da gestão privada na administração pública”(Paiva, 2006). Seria exigir demais que percebesse a introjeção, além demeras práticas, métodos e valores, de relações sociais mercantis direta-mente no aparelho estatal, destroçando por dentro o seu caráter me-diador – instituição política – e, consequentemente, um dos princípiosbasilares da república democrática burguesa, tal como se configurounos direitos conquistados pelas massas populares e recriados pelos “decima” ao longo do século passado.

Eis por que, mesmo no âmbito das teorias dedicadas à gestão e aoserviço público, tem havido um enorme desconforto:

Como confessa Denhardt, a literatura teórica de administração pú-blica tem se espelhado muito fortemente – para não dizer de formaexacerbada e acrítica – na literatura da gestão de negócios; a fun-damentação teórica (public choice) do new public management é umexemplo inequívoco dessa afirmação (Menegasso, 2012, p. XXII).

A tentativa – ambientada na Secretaria de Estado de Planejamentoe Gestão de Minas Gerais, com base em formulações afins – de fornecer

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um corpo conceitual à relação dos quadros governamentais, especial-mente da elite tecnocrata, com as referências intelectuais desenvolvidasno mesmo campo ideológico durante os anos de 1990, embora rasa epragmática, é sintomática:

Ao invés do “Estado Mínimo”, preconizado até então, passou-se a dia-logar sobre o “Estado Eficiente” como impulsionador do desenvolvimento.Emergiu então um novo paradigma de ação governamental centrado (...) emresultados que traduzem as principais demandas de serviços públicos por parteda população; modelos e práticas de gestão pública capazes de dotar o Estadode flexibilidade; inovação e rapidez em suas ações e propósitos. Ainda deacordo com o autor, essa é a essência do que se chama Estado Empreendedor(Tangari; Gonçalvez, 2012).

ALÉM DO LIBERALISMO

A participação de técnicos provenientes da Fundação Dom Cabralno “Projeto Choque de Gestão” é um indício sobre as ideias que o he-gemonizaram desde o início. Embora a celebrada instituição de ensinoinclua, entre suas especialidades como “centro de desenvolvimento deexecutivos”, a preparação de “gestores públicos”, sua orientação enfa-tiza, seja a formação de “equipes que vão interagir crítica e estrategica-mente dentro das empresas”, seja o “seu acesso a grandes centrosprodutores de tecnologia de gestão e a modernas correntes do pensa-mento empresarial (Fundação Dom Cabral).

A presença dessa perspectiva repercutiu não apenas na concepçãogeral predominante, incluindo o chamado empreendedorismo, mas tam-bém na implantação dos acordos de resultados e das PPPs como instru-mentos privilegiados. Assim, coeriu pessoas e aportes que vieram daempresa privada, da Universidade Federal de Minas Gerais, da FundaçãoGetúlio Vargas e da Fundação João Pinheiro, constituindo um corpo degestores identificados e envolvidos, doutrinária, política e profissional-mente, com o “Projeto Choque de Gestão”, bem como pessoalmente de-pendentes de seus resultados técnicos e desdobramentos eleitorais.

A própria influência do Instituto de Desenvolvimento Gerencial,de 2003 a 2004, que mereceu um agradecimento especial (Anastasia,

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2006, p. 5), é muito esclarecedora quanto aos valores e à matriz da po-lítica estadual. Semelhante instituição, emblemática em promover con-sultorias a processos de ajustes em corporações empresariais e emgovernos desde o seu debute nos anos de 1980, quando introduziu achamada Qualidade Total associada à Japanese Union of Scientists andEngineers, introjetou na administração pública a Metodologia Estru-turada de Planejamento e Controle de Projetos (MEPCP), que exerceuum estrito controle sobre o “gerenciamento dos projetos estruturado-res” (Almeida; Guimarães, 2006, p. 79).

Tal linha gerencial, desenvolvida para o ambiente das corporaçõesprivadas, combina os conceitos contidos no guia prático Project Mana-gement Body of Knowledge, publicado pelo Project Management Institute,que rege os padrões estadunidenses, com a sequência PDCA – planning,do, check e act –, também conhecida como ciclo de Shewhart ou Deming,utilizado para se alcançarem resultados dentro de qualquer tipo de em-presa, com vistas ao sucesso nos negócios. O dogmatismo já existentena generalização do procedimento para todas as unidades capitalistasparticulares, reconhecidamente assimétricas, foi elevado à enésima po-tência em sua transposição mecânica ao domínio da administração pú-blica, na falsa suposição de que sua universalidade abstrata responderiaaos problemas concretos da gestão estatal.

Ademais, destaca-se, desde a primeira hora, entre outras, a pre-sença íntima do Instituto Publix, “uma organização que atua no mer-cado de consultoria” (Publix, O Instituto...). Em seu site, o livro O Choquede Gestão em Minas Gerais: políticas da gestão pública para o desenvolvimento– que apresenta a linha oficial – aparece como publicação própria, figu-rando o “Governo de Minas / Seplag” apenas na figura de “apoio” (Pu-blix, Conheça nossas publicações). O feixe conceitual usado possui tambémo seu selo: desde “iniciativas de melhoria da governança pública”, até“abordagens, metodologias e instrumentos de gestão para resultados”,tudo devidamente ligado em “rede”, assim como legitimado por meiode apelos abstratos como “Ética, transparência e responsabilização”(Publix, O Instituto...), que não raro têm sido as túnicas de vestais.

Trata-se, pois, de um aparato multiempresarial, que não apenasprenuncia, mas já realiza a simbiose direta e inflexível do capital e dosinteresses privados com os órgãos e autoridades públicas maiores.

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Semelhante contexto diz muito sobre a linha de gestão em vigor no Es-tado de Minas Gerais, apontada pelos governantes como a menina deseus olhos: além da necessidade óbvia de políticas se integrarem entre si,a sua singular “adequação institucional voltada para o desenvolvimento”.Negando, segundo proclamaram, os pressupostos da Administração Pú-blica Progressivista e o padrão da “burocracia ortodoxa”, os formuladoresdo “Choque de Gestão” se propuseram a coerir “meios e fins” na cons-trução do seu “norte” (Vilhena; Martins; Marini, 2006, p. 29 e 31).

Destarte, ao vincularem suas medidas “duras e necessárias (...) deprimeira geração” – assim reconhecidas – com as diretrizes da chamada“reforma de segunda geração”, embutiram totalmente o conceito e asmatérias referentes ao desenvolvimento nos mecanismos e procedimen-tos típicos de gestão, que por sua vez também já se encontravam dissol-vidos, amalgamados e submetidos, com déficit de prerrogativas nacionaise de soberania, aos mitos da chamada “pós-modernidade”, como explici-taram na apresentação e na fundamentação de suas propostas.

Por via de consequência, o desenvolvimento deixou de ser umproblema nacional, articulado a um projeto alternativo para o País, quepressupõe o combate e a superação dos enormes obstáculos que lhe sãointerpostos pela formação econômico-social e pela ordem política vi-gente. Ao transformar-se em assunto exclusivo de gestão possibilista –calcada no já posto –, rebaixou-se, inapelavelmente, à mera reproduçãodo modo de produção capitalista tal como é, do atraso agrário e doslaços de dependência, bem como aos limites historicamente impostosao regime político constituído sob a tutela monopolista-financeira e nocurso de uma transição que conciliou com a herança deixada pelo re-gime político castrense.

Mesmo que o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado(PMDI), previsto na Constituição do Estado de Minas Gerais, se des-tine a estabelecer as diretrizes gerais para os demais instrumentos locaisde planejamento, inclusive o Plano Plurianual de Ação Governamental,com suas revisões anuais, e as leis orçamentárias, a concepção em vogadesde 2003 o vem rebaixando a mero capítulo da gestão administrativa,sujeito a pontuais alterações legislativas. Obviamente, os pioneiros so-ciais jamais podem ser indiferentes aos assuntos que afetam, mesmo in-direta e levemente, a vida e os interesses dos trabalhadores e do povo.

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Todavia, é preciso ter plena consciência de que as políticas apresentadasanualmente à discussão pública em fóruns abertos permanecem ocultasno labirinto de sua forma – acessível somente a especialistas – e passíveisapenas de serem arranhadas em sua casca exterior.

O PMDI 2011-2030 exprime tal concepção. De início, silenciasobre a estrutura monopolista-financeira da formação econômico-socialmineira. Depois, quando se refere às vastas regiões rurais, esconde o la-tifúndio e omite a providência de reforma agrária ou democratizaçãoda terra, reivindicação histórica dos movimentos, entidades e partidospopulares, limitando-se tão somente a anunciar uma rede para integrar“as ações de provimento de infraestrutura, crédito e apoio à comercia-lização”, com o objetivo exclusivo de “promover o desenvolvimento sus-tentável e a competitividade do agronegócio e da agricultura familiar”(Governo do Estado de Minas Gerais, [s.d.], p. 80).

De fato, suas propostas se baseiam na concepção geral de que asmudanças tecnológicas e o conhecimento teriam substituído as relaçõessociais como ambiente e o trabalho como sujeito propulsor do desen-volvimento:

A capacidade de uma sociedade e de sua economia gerar e assi-milar mudanças tecnológicas é, cada vez mais, um fator chave parao crescimento econômico e o conhecimento tem se consolidadocomo um dos principais motores da economia mundial. Há umdeslocamento gradual do valor da produção intensivo em mate-riais e energia, para a valorização do conhecimento e da inovação.Nesse contexto, confere-se importância crescente aos ativos in-tangíveis das empresas, abrindo novos segmentos e oportunidadesde negócios (Governo do Estado de Minas Gerais, [s.d.], p. 26).

Em suma, trata-se de uma concepção pragmática, conservadora,tecnicista e autocrática de crescimento, que se define e milita contra asreformas de fundo que dariam possibilidade real, corte progressista,conteúdo democrático-radical, dimensão de justiça e caráter humanoao desenvolvimento econômico-social. Portanto, é preocupante sua pre-tensão à eternidade, expressa nos ordinais que denominam as sucessivasgerações do “Choque de Gestão”:

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O grande desafio a enfrentar agora é o de consolidar, institucio-nalizar o processo de transformação, de forma a assegurar a suairreversibilidade (...). Por isto, não pode ser um projeto de um sógoverno, deve ser um projeto de Estado, mais ainda, um projetoda sociedade mineira (Vilhena, 2006, p. 354 e 355).

O anúncio da chamada “Terceira Geração do Choque de Gestão”contradita algumas afirmações feitas por ocasião da primeira. Em 2006,um compromisso lembrava que a “lei mineira” sobre as PPPs resguar-daria “sempre, a participação da sociedade em todas as etapas do pro-cesso” e frisava que se abriria “à população a oportunidade de semanifestar sobre os projetos” (Athayde; Gusmão; Silva, 2006, p. 146 e153). Hoje, o discurso é outro: os cidadãos eram “antes consideradosapenas destinatários das políticas públicas implementadas pelo Estado”e só agora passariam a ocupar “também a posição de protagonistas nadefinição das estratégias governamentais”, de vez que a “sociedade civilorganizada” seria um “ator ativo e imprescindível”. Esclarece, porém,para que não haja novos mal-entendidos, que a participação se dará nosinterstícios da “organização do Estado em Redes” (Vilhena,Terceira Ge-ração...).

Nesse terreno institucional providencialmente fragmentado,fluido, movediço e errático, a presença das pessoas ocorreria tão so-mente em links informáticos, em conselhos meramente consultores eem reuniões com prerrogativas limitadas a detalhes ou trivialidades semimportância fulcral, assim mesmo circunscrita à esfera da mediação pú-blica exterior e, ao fim e ao cabo, submetida, seja à palavra final da hie-rarquia político-burocrática, que jamais diluirá seu núcleo duro nasquimeras que divulga para quem queira acreditar, seja à lógica do capital– apelidada de mercado –, que prosseguirá prevalecendo na sociedadecivil burguesa. Trata-se, mesmo, de uma “gestão da cidadania” (Vilhena,2013): as classes populares apenas integrariam a cena como arremedode sujeito político.

As políticas encaminhadas na última década pelos governos esta-duais de Minas Gerais declinaram ambições estratégicas e imprescrití-veis, que estariam amparadas inclusive no art. 37 da Carta Magna, cujocaput cristaliza o princípio da eficiência. A aceitação de semelhante cláu-

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sula implica reconhecer – como definição de seu estatuto doutrinário ecomo pressuposto da ordem jurídica vigente – que sua presença, na con-dição de processo articulador de normas, regras e atos, impregna eorienta imperativamente o próprio ser da administração pública. Salvocontrário, o dispositivo constitucional responsável pelas relações inter-nas indispensáveis ao bom funcionamento dos serviços estatais, consi-deradas irrenunciáveis, tornar-se-ia um mero enunciado diletante, semefeito prático.

Todavia, a base teórica e o esforço de hegemonia, respectiva-mente, apresentada e dispendido pela cúpula gerencial local, encon-tram-se em oposição flagrante, não apenas à lógica característica doserviço público, que se origina da sociedade civil para depois diferen-ciar-se em sua singularidade complexa, mas também ao próprio princí-pio constitucional da eficiência como processo efetivo, pois nega suaexistência na prática ao dizer, de forma recorrente, que o Estado “émenos eficiente” e que somente o mercado “é virtuoso em eficiência”(Vilhena; Martins; Marini, 2006, p. 27).

Nesses termos, desvela-se uma contradição insolúvel nas entra-nhas do status quo: ou bem os enunciados jurídicos maiores do País sãoapenas formais e estão realmente limitados pela vontade discricionáriada classe dominante e de suas representações, o que implicaria a desa-gregação das mediações político-administrativas e a redução da coisapública à sua essência de classe, ou bem as autoridades estaduais minei-ras vêm trilhando um caminho que tangencia a ilegalidade, tornando orecurso à norma constitucional um artifício casuístico com vistas a ado-tarem, diretamente, a lógica empresarial.

Semelhante aporia – e os dilemas que lhe correspondem – só po-derá esfumar-se no momento em que a eficiência deixe, por meio dacrítica ao gerencialismo burguês, de ser concebida como virtude cativado capital privado, assim como passe, por meio da crítica ao direito po-sitivo, a ser acolhida, não como princípio constitucional, que nunca de-veria ser e para o qual jamais encontrará sustentação teórica consistente,mas como diretriz técnica integrante aos processos de planejamento eavaliação de políticas e atos na administração público-estatal.

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Cláudio Gontijo

NOTAS SOBRE A ECONOMIA POLÍTICA DOGOVERNO TUCANO EM MINAS GERAIS

INTRODUÇÃO

Afora os Balanços Anuais da Economia Mineira, publicados re-gularmente pela FIEMG, do Boletim de Conjuntura Econômica daFundação João Pinheiro e de alguns poucos estudos sobre o assunto,como a coletânea organizada por De Oliveira e Siqueira, As muitasMinas (2010), é escassa a literatura sobre a estrutura e dinâmica da eco-nomia mineira, quanto mais da política econômica e financeira do go-verno do Estado, para não falar no rebatimento da política econômicado governo brasileiro sobre ela.

Dado, contudo, as dimensões da tarefa, este texto não pretendesuprir inteiramente essa lacuna, por demais ampla, mas apenas discutir,de forma crítica, algumas das características estruturais da economia deMinas Gerais e sua dinâmica cíclica, inserida na evolução da economiabrasileira, suas transformações nas últimas décadas, assim como a es-tratégia de desenvolvimento abraçada pelo Governo Aécio Neves(1960-) e que não tem sofrido solução de continuidade no governo An-tonio Augusto Junho Anastasia (1961-).

DO NACIONAL DESENVOLVIMENTISMO AO NEOLIBERALISMO FINANCEIRO

A economia brasileira experimentou extraordinário processo decrescimento econômico e transformação estrutural entre a RevoluçãoConstitucionalista de 1932 e a crise da dívida externa de inícios da dé-cada de 1980. Nesse período, dominado pelo nacional desenvolvimen-tismo, prevaleceu o denominado modelo de substituição deimpor tações, que, embora acerbamente criticado por muitos economis-

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tas, foi o responsável pelo fato de o crescimento do PIB brasileiro se terdado a um ritmo anual de 7,7% ao ano, superior, inclusive, ao do PIBmundial, que se expandiu a uma taxa anual média de 4,7% no período.Como consequência, o Brasil se tornou, já em 1961, quando do términodo Programa de Metas de JK, no país mais industrializado do então cha-mado Terceiro Mundo.

Esse acelerado crescimento econômico foi resultado do dramáticoprocesso de transformação da estrutura produtiva, com o decréscimoda importância relativa da agropecuária, cuja participação no PIB totala preços básicos recuou de 21% em 1947, para somente 11% em 1980,e do aumento paralelo da participação da indústria, que saltou de 26%para 44% no mesmo período. Em particular, ganhou destaque a indús-tria de transformação, cuja participação no PIB pulou de 20% para 34%(Figura 1). Ampliou-se, por outro lado, a participação da economia bra-sileira na economia mundial, de forma que a relação PIB do Brasil/PIBmundial passou de 1,6% em 1948, para 3,8% em 1980 (Figura 2). Esseaumento foi o resultado conjugado da ampliação da participação daagropecuária e da indústria brasileira, inclusive a da indústria de trans-formação, no valor adicionado desses setores no nível mundial.

Figura 1 - Participação da Agropecuária e da Indústria no PIB. Brasil, 1947-2009

Fonte: Ipeadata.

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Figura 2 - Participação do Brasil no PIB Mundial, 1948-2009

Fonte: Dados originais do Banco Mundial e do Ipeadata.

De fato, isso se pode verificar através do exame da Figura 3, queretrata a participação do Brasil no valor adicionado da agropecuária,produção florestal e pesca, assim como da indústria mundial, inclusiveo dos segmentos da indústria extrativa e de serviços de utilidade públicae da indústria de transformação a partir de 1970. Em todos esses setores,a participação brasileira é crescente até inícios da década de 1980,quando, em razão da crise da dívida externa, o modelo nacional-desen-volvimentista foi colocado em xeque.

Figura 3 - Participação do Brasil no Valor Adicionado da Agropecuária e daIndústria

Fonte: Banco Mundial e Instituto de Desenvolvimento Industrial.

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Graças, em parte, às denominadas Leis de Kaldor, que estabele-cem que o ritmo de aumento da produtividade está positivamente cor-relacionado ao crescimento do setor industrial, observou-se, ao longodesse processo de crescimento econômico e transformação estrutural,sensível aceleração do crescimento da produtividade, ou seja, da eficiên-cia da economia nacional em seu conjunto.1 A explicação das Leis deKaldor reside no fato de que, desde a Revolução Industrial, a expansãodo setor manufatureiro ocorre necessariamente com a incorporação doprogresso técnico, que é inerente, como têm salientado vários autores,ao próprio sistema capitalista.

Contudo, no caso dos países, como o Brasil, cujo processo de in-dustrialização se deu de forma tardia, vale dizer, quando, no nível inter-nacional, já se faziam presentes países com setores industriais maduros dealto conteúdo tecnológico, para não dizer dominados por oligopólios mul-tinacionais, fizeram-se presentes especificidades marcantes. Para começar,a industrialização ficou condicionada, desde suas origens, ao protecio-nismo e aos incentivos governamentais, para não falar no contingencia-mento cambial ou nas fortes pressões sobre a taxa de câmbio, resultantesdo estrangulamento externo provocado pela queda das exportações deprodutos primários causada pela Grande Depressão.2 De mais a mais, ainovação se deu mais pela importação de bens de capital dos países desen-volvidos do que pela introdução de novos produtos e novos processos cria-dos e/ou desenvolvidos pelas empresas nacionais.

Seja como for, o fato é que, impulsionados pelo processo de indus-trialização via substituição de importações, marcado pelo intervencio-nismo estatal sob diversas formas, vários países do Terceiro Mundocresceram de forma exponencial entre meados da década de 1930 até prin-cípios da década de 1970, sob o signo de acelerada e permanente revoluçãodas tecnologias de produção. No caso do Brasil, as dimensões do seu mer-

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1 As Leis de Kaldor (1967) estabelecem que: (i) o crescimento do PIB está positiva-mente correlacionado ao crescimento do setor manufatureiro; (ii) a produtividadedo setor manufatureiro está correlacionada positivamente com o crescimento doPIB desse setor (Lei de Verdoom); (iii) a produtividade do setor não manufatureirotambém está correlacionada positivamente com o crescimento do PIB do setormanufatureiro. Veja-se, também, Thirlwall (1989).

2 Veja-se Gontijo (2005).

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cado interno efetivo, resultante da expansão cafeeira verificada até 1930 ede seu mercado potencial, expresso pelo seu grande contingente popula-cional, viabilizaram empresas de escala relativamente grande em diversossetores da atividade econômica. Em contraposição, os países com merca-dos reduzidos, como no caso de Taiwan, Coreia do Sul e Singapura, a po-lítica de substituição de importações teve de ser complementada, de formaprogressiva, por uma política de expansão das exportações, com a impor-tação de insumos e componentes não produzidos domesticamente.

Inserida no processo de industrialização brasileira, a economia mi-neira se ressentiu, desde cedo, de fortes entraves, causados pelo redu-zido dinamismo de sua agropecuária, assentada, em grande medidas,em técnicas tradicionais e relações de produção arcaicas, onde predo-minavam, lado a lado com a pequena produção familiar, as grandes fa-zendas autossuficiente, alicerçadas no trabalho de meeiros e agregados.Carecendo de uma cafeicultura dinâmica, como a paulista, assentada nocolonato, Minas não se industrializou, durante a República Velha, nasdimensões de São Paulo, apesar da instalação, desde cedo, da siderurgiade escala relativamente reduzida, em harmonia com a presença de gran-des jazidas de minério de ferro de alto teor.

Daí os esforços precoces de empresários e políticos mineiros no sen-tido de superar seu atraso relativo, claramente identificado quando da su-peração do modelo primário exportador, na esteira da Grande Depressãoe do colapso da República Velha. Verificando que, ao contrário de SãoPaulo, a industrialização não iria resultar do dinamismo das forças de mer-cado, os políticos mineiros, muito cedo, alçaram o setor público estadualcomo o seu promotor. Como resultado, já no final da década de 1930, oGoverno do Estado se lançou na experiência de montagem de um sistemaenergético público e, na seguinte, criou a primeira cidade industrial doPaís, em Contagem. Na sequência, empreendeu, década de 1950, enormeesforço no sentido de superar os estrangulamentos existentes ao nível dobinômio energia e transportes, embora, como salienta Diniz (1981, p. 18),tenha sido somente com o programa rodoviário e energético nacional, emespecial a transferência da capital federal para Brasília, que se superou de-finitivamente o isolamento geográfico mineiro.

Apesar dos esforços do setor público, a industrialização de Minas,contudo, se manteve acanhada até fins da década de 1970, devido às suas

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características estruturais (dispersão das atividades econômicas; mercadointerno restrito, em razão da lentidão da predominância de relações nãoassalariadas na agricultura, dominada por grandes fazendas autossufi-cientes; polarização das indústrias paulista e do Rio de Janeiro; topo-grafia difícil). Mesmo os investimentos externos se deram em ummontante modesto em relação ao verificado em São Paulo, restrin-gindo-se principalmente aos setores de mineração e metalurgia.

A frustração do processo de desenvolvimento econômico de Minas,todavia, não impediu que as lideranças estaduais atuassem de forma deci-siva, através da ampliação do aparato institucional de apoio à industriali-zação, a começar pela criação do Banco de Desenvolvimento de MinasGerais (BDMG), em 1962. Os parcos resultados do Banco (em grandeparte em razão da exiguidade dos recursos disponíveis), contudo, levou-o, em conjunto com a CEMIG, a constituir o Instituto de Desenvolvi-mento Industrial (INDI), em 1968. O próximo passou veio com ainstituição do Conselho Estadual de Desenvolvimento (CED), que abri-garia o Gabinete de Planejamento e Coordenação do Governo do Estado,e, em seguida, a reforma fazendária, que promoveu a reestruturação in-terna da Secretaria da Fazenda. Além da instituição do caixa único, dacentralização da arrecadação e da dívida pública através da rede bancáriae do controle do sistema financeiro público estadual, esta reforma permi-tiu, como ressalta Diniz (1981, p. 162), transformar a Secretaria “emagente do desenvolvimento econômico, inclusive pela manipulação do sis-tema de incentivos fiscais e da participação acionária do Estado em em-preendimentos considerados prioritários para Minas Gerais”. Além disso,ainda seriam criadas a Fundação João Pinheiro, encarregada de elaborarestudos e diagnósticos socioeconômicos, além de programas e projetos dedesenvolvimento, da Companhia de Distritos Industriais (CDI), em 1971,e do CETEC, em 1972, que a exemplo do Instituto de Pesquisas Tecno-lógicas de São Paulo (IPT), seria orientado para o desenvolvimento emC & T do Estado, tendo em vista o seu progresso econômico.

Seja em razão dos próprios vínculos estruturais entre a indústriamineira – especializada na produção de insumos industriais e em bensde capital – e a indústria brasileira, que passou por importante processode mudança estrutural, devido à implementação do II PND, com oavanço dos setores de produção de insumos e bens de capital, seja devido

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aos esforços do setor público estadual, acima mencionados, o fato é quea economia mineira se acelerou relativamente à brasileira, com o au-mento da participação de Minas no PIB do País. De mais a mais, coma instalação da FIAT, em meados da década de 1970, deu-se importantepasso no sentido de ampliar a diversificação do parque industrial do Es-tado, reduzindo sua dependência tradicional em relação à mineração, àsiderurgia e a outras indústrias produtoras de insumos básicos.

A continuação desse processo, contudo, seria interrompida du-rante a “década perdida”, que assistiu ao colapso do nacional desenvol-vimentismo. De fato, com a eclosão da crise da dívida externa, emprincípios da década de 1980, e a decisão do governo militar de honraros compromissos externos, não obstante a natureza eminentemente fi-nanceira do endividamento brasileiro, encetou-se drástico programa deajuste macroeconômico, que afetaria o complexo de promoção do de-senvolvimento, envolvendo instituições federais e estaduais, desembo-cando no seu progressivo esvaziamento.Além disso, através do processode nacionalização da dívida externa, o custo do ajustamento macroeco-nômico foi efetivamente transferido para o setor público brasileiro epara as empresas estatais, resultando na crise fiscal do aparato públicoe na fragilização financeira dessas empresas. Paralelamente, as máxides-valorizações cambiais e o atrelamento do câmbio às variações dos índi-ces de preços provocaram forte aceleração inflacionária. No entanto,apesar do aumento da taxa de inflação e da sensível redução do ritmode crescimento econômico, não houve mudança do modelo de desen-volvimento na primeira metade da década de 1980 e, passada a recessãode 1981-1983, a crise financeira do setor público pouco afetou as em-presas privadas e o sistema nacional de promoção da inovação, apesarde as empresas estatais terem reduzido fortemente os seus investimen-tos, inclusive em novas tecnologias.

Mas, enquanto o Brasil lutava, ao longo da década de 1980, com oestancamento econômico, a instabilidade inflacionária, a deterioração dosserviços públicos e a crescente ineficiência das estatais, a economia inter-nacional voltava a reativar-se, a partir de 1983, em razão da recuperaçãoda taxa de lucro (Figura 4), na esteira de novo ciclo da revolução técnico-científica, oriunda da difusão das inovações proporcionada pela microin-formática. A elevação da taxa de lucro viabilizou as políticas expansionistas

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dos Estados Unidos sob a presidência de Ronald Reagan, num contextode queda dos preços reais do petróleo e da taxa de juros, sem que, con-forme ocorrera na década de 1970, essa desembocasse na estagflação.

Figura 4 - Comportamento da Taxa de Lucro do Setor Privado, EUA e Europa,1960-2002

Fonte: Duménil e Lévy (2004, p. 90).

Mais do que isso, em lugar de representar apenas uma recuperaçãotemporária da trajetória de crescimento econômico, conforme ocorreraentre 1976 e 1978, desta feita à reativação econômica corresponderiauma nova fase de expansão do ciclo de Kondratief, ao mesmo tempoque, paradoxalmente, se assistia ao aprofundamento da estagnação dospaíses do bloco socialista que se iniciara em fins da década dos setenta,a prenunciar a perda de legitimidade do regime comunista, preso na ar-madilha do estancamento econômico, obsolescência tecnológica, e, nocaso da Polônia, Yugoslávia e de outros países do Leste Europeu, doendividamento externo. Dessa tensão gerada pela retomada do cresci-mento dos países capitalistas avançados, num contexto de reformulaçãoda base tecnológica e de reafirmação da hegemonia financeira, que haviasido perdida durante a Segunda Guerra Mundial, de um lado, e o es-tancamento econômico e tecnológico dos países socialistas, num con-texto de repressão política permanente, o regime comunista iriasoçobrar, na esteira da tentativa de reformulá-lo.

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A conjugação do forte desgaste do modelo de substituição de im-portações nos países periféricos, incapazes de articular uma saída para acrise da dívida externa, com a crise – e depois do colapso – do bloco so-cialista, em meio à retomada do dinamismo da economia mundial, numcontexto de nova revolução tecnológica, não poderia redundar em outracoisa que não o desprestígio do projeto nacional-desenvolvimentista, as-sentado no planejamento em larga escala e na intervenção do Estado naeconomia. No Brasil, a opção pelo neoliberalismo, com o abandono doprojeto nacional-desenvolvimentista, ocorreu durante o governo do pre-sidente Collor de Mello, que deslanchou tanto o processo de abertura dosmercados quanto de privatização das estatais, que foram reforçados du-rante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Na verdade, o processo de globalização se traduziu, até 2002, peloaumento das transferências de recursos dos países não desenvolvidospara os países desenvolvidos, quer a título de remuneração dos fatoresprodutivos, quer a título do pagamento de royalties e direitos de pro-priedade intelectual. Já a adoção das políticas de liberalização do co-mércio exterior não resultou em melhoria da balança comercial dessespaíses; antes pelo contrário, conforme o demonstraram as crises dospaíses latino-americanos (México, em 1995, Argentina, em 1995 e 2001,e Brasil, em 1999, para somente citar os mais importantes) e dos paísesasiáticos (Tailândia, Malásia, Indonésia e Coreia do Sul, em 1997), o li-beralismo comercial provocou desequilíbrios expressivos, a requerer rí-gidas políticas de ajuste e fortes desvalorizações cambiais – com todo oconteúdo recessivo nelas implícitos – para a superação do quadro crítico.

Os defensores da inserção incondicional no processo de globali-zação têm argumentado que, uma vez tendo sido removidas as distor-ções causadas pela intervenção governamental, os benefícios da recenterevolução tecnológica liderada pela informática fluiriam ao redor domundo, provocando o aumento da renda possibilitado pelos ganhos deprodutividade, com o declínio do desemprego e a redução dos proble-mas sociais. A liberalização dos movimentos de capital, por outro lado,redundaria na queda das taxas de juros e no aumento dos investimentos,com a aceleração do crescimento econômico. No entanto, ao contráriodo previsto, a taxa média de crescimento do PIB mundial, que atingirao patamar de 4,9% ao ano durante o período de forte intervenção estatal

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(1950-1973), caiu para 3,2% durante a década de 1980, atingindo 3,0%na década seguinte, num contexto de manutenção de elevadas taxas dejuros, crises recorrentes, queda da taxa de investimento e ampliação,tanto dos problemas sociais quanto da disparidade entre os países ricose os países periféricos, cuja participação no PIB mundial recuou deforma significativa depois de 1980.

O mesmo se observou com a economia brasileira, cujo ritmo anualmédio de crescimento caiu para 2,9% na década de 1980 e para apenas1,6% na década seguinte, bem abaixo, portanto, da taxa de expansão daeconomia mundial. Repercutindo essa forte desaceleração, a economiamineira cresceu somente 1,7% ao ano na “década perdida”, muitoabaixo, portanto, da economia nacional, embora se tenha invertido, nadécada seguinte, a relação, pois a economia de Minas Gerais se expandiua um ritmo de 2,6% (Figura 5). De qualquer modo, contudo, essas taxas,se não caracterizam uma situação de completa estagnação econômica,significam um crescimento muito lento – consequência necessária, nadécada de 1980, da decisão do governo Figueiredo de honrar a dívidaexterna e, na década seguinte, da adoção do modelo neoliberal, com po-líticas fiscais restritivas, altas taxas de juros, privatização das estatais eliberalização dos mercados, particularmente das importações.

Figura 5 - Perfil do Crescimento das Economias Mineira, Brasileira e Mundial.Fonte: FMI e IBGE.

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DA BOLHA DO SUBPRIME À CRISE MUNDIAL

O longo período de lento crescimento da economia mundial sob adominância do capital financeiro, que se iniciou em torno de 1982, termi-nou com o novo ciclo expansivo, iniciado por volta de 2002, na esteira dabolha especulativa dos créditos hipotecários subprime, que conduziria àcrise de outubro de 2008. Tudo começou com a adoção de uma políticamonetária expansionista pelo Federal Reserve (Fed) – o banco central dosEstados Unidos –, que objetivava enfrentar o estouro da denominada“bolha do dot.com”, “bolha da Internet” ou “bolha do mercado de alta tec-nologia”, causada pela queda dos lucros da indústria de telecomunicações,que se tornaram negativos em 2000, depois de terem atingido US$ 35,2bilhões em 1996. Ocorrendo em 4 de abril desse ano, o estouro provocou,além de brutal queda do valor das ações cotadas na Bolsa de Nova York enos demais mercados de capital do mundo, drástica redução dos investi-mentos e do próprio nível do consumo, jogando a economia norte-ameri-cana na recessão, o que afetou seriamente o desempenho da economiainternacional.

Reagindo à crise, o Fed cortou a taxa de juros dos federal funds de6,5% para 6% no dia 3 de janeiro de 2001, dando início a uma série de re-duções que desembocaria em uma taxa de somente 1% a partir de 25 dejunho de 2003, patamar que seria mantido até 30 de junho de 2004,quando, em razão da recuperação da economia norte-americana, foi ele-vada para 1,25%. À redução da taxa de juros e a implementação de umapolítica monetária folgada por parte do Fed se somou, depois do atentadoterrorista de 11 de setembro de 2011, uma política fiscal também expan-sionista, condicionando novo e extraordinário ciclo de expansão da eco-nomia mundial, alicerçado, desta feita, na bolha dos créditos hipotecáriossubprime e no aumento do crédito ao consumidor. Nesse novo ciclo, os ex-pressivos déficits em conta-corrente dos Estados Unidos, que chegaram aUS$ 3.404,3 bilhões no quadriênio 2003-2007, funcionaram como umaverdadeira “máquina de dinheiro”, para usar a expressão de Rolfe e Burtle(1973, p 82), contribuindo decisivamente para que o ritmo de crescimentoda economia mundial atingisse 4,8% ao ano durante o período 2003-2007.

Efetivamente, o Brasil, então sob a Presidência de Lula da Silva, pôde“surfar” nessa onda expansiva, devido ao espetacular aumento das expor-

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tações brasileiras, que praticamente dobraram entre 2002 e 2005, saltandode US$ 60,4 bilhões para US$ 118,3 bilhões, e continuaram a aumentarde forma expressiva até 2008, quando atingiram US$ 197,9 bilhões, con-solidando, assim, um aumento de 227,9% em apenas seis anos! Dos quaseUS$ 137,6 bilhões do acréscimo nas exportações nesse período, cerca deUS$ 56,1 bilhões, ou 40,8%, corresponderam às vendas de produtos bási-cos, grande parte dos quais se destinou à China, cujas aquisições de pro-dutos brasileiros cresceram 555,4%. Paralelamente, devido ao fato de oBrasil ter continuado a apresentar as mais altas taxas de juros do mundo,num contexto de moeda em valorização frente ao dólar, assistiu-se à volu-mosa entrada de capitais, tendo o País acumulado expressiva reservas in-ternacionais, que pularam de US$ 37,8 bilhões em 2002, para US$ 206,8bilhões em 2008.

Essas reservas cambiais acrescidas, ao se transformarem em dispo-nibilidades bancárias, induziram as instituições financeiras a expandir ocrédito, o que resultou em forte impulso para o crescimento econômico,que ganhou força, apesar das políticas contracionistas do primeiro governoLula da Silva. Assim, assistiu-se à nova, embora tímida, aceleração do cres-cimento econômico brasileiro, que se traduziu numa taxa de variação do

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Figura 6 - Taxas de Crescimento do PIB Real do Brasil e de Minas Gerais

Fonte: IBGE.

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PIB real de 4,2% ao ano no período 2003-2008, próxima, portanto, doritmo da economia mundial no período, de 4,4% ao ano.

Também Minas Gerais, agora sob o governo tucano, tiraria vanta-gem dessa fase de “vacas gordas”, com a sua economia se expandindo a umritmo de 4,3% ao ano, muito próximo, portanto, tanto do ritmo da eco-nomia brasileira quanto da mundial. Todavia, refletindo suas característicasestruturais, marcadas, no âmbito industrial, pelos setores produtores demeios de produção, a economia mineira apresentaria, como registra a Fi-gura 6, flutuações mais acentuadas do que a economia brasileira.

Essa tímida aceleração do crescimento econômico mineiro a partirde 2003, contudo, não se refletiu em mudanças da estrutura produtiva querepresentassem avanços em termos da sua diversificação, retirando a de-pendência do Estado em termos de seus setores tradicionais. Antes pelocontrário, conforme se observa pelo exame da Tabela 1, que retrata a com-posição do valor adicionado bruto a preços básicos no período 1995-2012,além da tradicional perda de importância relativa do setor agropecuária,cuja participação recuou 1,6%, o aumento da importância relativa do setorindustrial se deveu, além do crescimento da indústria de construção, quetem atravessado um período de expansão cíclica, graças, em grande parte,às maiores disponibilidades de crédito, à indústria extrativa, que se bene-ficiou enormemente das condições extraordinariamente favoráveis do mer-cado internacional, em que a presença da China como grande importadorde minérios e outros produtos básicos se fez sentir de forma crescente.Aliás, também se pode notar a expressiva queda da participação do setorpúblico – prestador de serviços essenciais à população – no período, paranão falar na redução da importância relativa dos setores de energia, sanea-mento e limpeza urbana, produto, em grande parte, da interrupção dos in-vestimentos em barragens pela CEMIG e da tímida atuação da COPASA.

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Tabela 1Composição do Valor Adicionado a Preços Básicos

Minas Gerais, 1995 – 2010Em %

Fonte: IBGE.

Na verdade, essas modificações estruturais regressivas, que têmreforçado a dependência da economia mineira em termos de produtosprimários, são o resultado, em grande parte, da própria dinâmica dasexportações, que favoreceram particularmente a economia mineira apartir de 2003. A Figura 7 retrata a evolução dessas exportações pornatureza do produto, revelando o seu extraordinário dinamismo noperíodo 1998-2011, quando se expandiram a um ritmo anual de13,9%, mas particularmente a partir de 2003, quando a taxa anual decrescimento pulou para 23,2% ao ano. Embora nesse último períodoas exportações de produtos industriais (incluindo semimanufaturados)se tenham expandido a um ritmo de 17% ao ano, o aumento das ex-portações de produtos básicos foi ainda mais espetacular: 28,4% aoano.

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Figura 7 - Exportações de Minas Gerais segundo a Natureza do Produto (emUS$ bilhões)

Fonte: FJP.

A composição das exportações mineiras por produto se encontraretratada na Figura 8, que revela a importância fundamental dos pro-dutos primários, como minério de ferro, que respondeu, em 200 por45,5% das exportações mineiras, café (14,0%); ferro nióbio (4,1%),ouro (3,5%) e açúcar (1,8%). Quanto aos produtos industrializados, osúnicos destaques são os veículos (4,0%), outros produtos de ferro/aço(1,6%), madeira e pasta química (1,5%) e ferro fundido (1,2%), muitosdos quais, conforme se pode comprovar, são semimanufaturados, pró-ximos, em termos de cadeia produtiva, dos produtos primários. E a Fi-gura 9 confirma essa perspectiva, ao mostrar a concentração dasexportações mineiras nas mãos de somente algumas empresas, como aVale do Rio Doce (40,6%), CBMM (4,5%), Fiat (4,0%), Namisa Mi-nérios (3,7%) e Gerdau Açominas (3,5%).

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Figura 8 - Exportações de Minas Gerais por Produto em 2011 (em US$ bilhões)

Fonte: FJP.

Figura 9 - Composição % das Exportações de Minas Gerais por Empresas em2011

Fonte: FJP.

As figuras 10 e 11, por outro lado, também revelam os impactosda crise do subprime sobre a economia mineira, que, novamente emrazão de suas características estruturais, sofreu relativamente mais doque a brasileira, em parte pela própria queda das exportações, que re-cuaram quase 20,2% em 2009 em relação ao ano anterior, enquanto oPIB caia 4,0%, contra uma queda do PIB brasileiro da ordem de 0,9%.

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O “CHOQUE DE GESTÃO” DO GOVERNO AÉCIO NEVES

O governo Aécio Neves se iniciou com a identificação, pelosnovos administradores do Estado, de um “gravíssimo quadro fiscal, comgravíssimo déficit orçamentário desde 1996, pelo que faltavam recursospara todas as despesas, inclusive para regular o tempestivo pagamentoda folha de pessoal” (Anastasia, 2006, p. 13). Diante disso, sua primeirainiciativa foi, sem dúvida alguma, o denominado “choque de gestão”,que seria utilizado como peça-chave na promoção das “qualidades ad-ministrativas” do novo governo mineiro empossado em 2003. Expressãocunhada pelo Banco Mundial, o “choque de gestão” objetiva equilibraro orçamento do setor público, através do aumento da receita e da redu-ção de despesas, além da reorganização e suposta modernização do seuaparato institucional, implementando novos modelos de gestão, pró-prios da esfera privada, inclusive a implementação de parcerias públicoprivadas. No caso de Minas Gerais, em que, além da crise fiscal, tambémse convivia com uma forma de funcionamento do estado “obsoleta ebolorenta” (Anastasia, 2006, p. 15), o governo tucano

se propôs, numa primeira etapa, sanear as contas do estado, vi-sando criar as condições minimamente requeridas para se avançarna retomada dos investimentos públicos e, com isso, abrir os ca-minhos para o reingresso de sua economia numa etapa de cresci-mento sustentado (De Oliveira; Gontijo, 2012, p. 81).

E, de fato, conforme mostra a Tabela 2, o déficit orçamentário,que atingira R$ 874,3 milhões no último ano do governo Itamar Franco(2002), caiu para menos de R$ 227,9 milhões no ano seguinte, tor-nando-se superavitário a partir de 2004, situação que se manteria inde-finidamente até os dias de hoje.

Na verdade, contudo, quando se subtraem as operações de cré-dito, verifica-se que o equilíbrio orçamentário foi efetivamente alcan-çado somente durante três anos – 2004, 2005 e 2008 –, voltando o setorpúblico estadual a experimentar déficits superiores a R$ 1,0 bilhão nobiênio 2009 e 2010, quando os bons ventos da economia mundial e bra-

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sileira em acelerada expansão haviam sido substituídos por um cenárioadverso, particularmente em 2009, quando se fizeram sentir todos osefeitos negativos da crise do subprime.

Tabela 2Resultado da Execução Orçamentária

Setor Público de Minas Gerais, 1998-2011Em R$ mil

Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais.

Porém, se os mesmos dados da Tabela 2 deixam claro que, con-trariamente aos epígonos do “Choque de Gestão”, o mesmo não pro-duziu o equilíbrio orçamentário no longo prazo, deixam de revelar osseus custos sociais, que foram pesados. De saída, a redução de despesasfoi resultante, em primeiro lugar, do arrocho salarial obtido através docongelamento dos salários do funcionalismo num contexto inflacioná-rio, que resultou, além de uma queda de mais de 10% dos vencimentosreais da categoria no período 2003-2004 (Tabela 3), em um recuo darelação despesas com pessoal (inclusive encargos)/receita corrente lí-quida do estado de pouco menos que 73,1% em 2002, para 67,1% em2003 e 58,2% no ano seguinte, para alcançar o seu piso em 2005,quando chegou a pouco mais que 52,2%. Em segundo lugar, tambémcontribuiu para o ajuste o contingencimento, em 2003, de 20% das des-pesas do Tesouro Estadual, com o corte real de 13,1% dos gastos comcusteio e de 32,6% dos investimentos.

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Tabela 3Governo do Estado de Minas Gerais: evolução das despesas, por algumas categorias econômicas e taxas de crescimento

real – 1998-2010Em R$ milhões de 2011*

Fonte dos dados básicos: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Relatórios Téc-nicos da prestação de contas do Governador - vários anos; Secretaria da Fazenda doEstado de Minas Gerais. Relatórios da Execução Orçamentária.(*) Corrigido pelo deflator implícito do PIB de Minas Gerais.

Mas como era de se esperar, o corte do custeio afetou dramatica-mente a prestação dos serviços sociais, inclusive na sensível área da se-gurança pública, causando verdadeira crise no setor, com o aumentoexpressivo da criminalidade, tendo a taxa de crimes violentos saltado deuma média de 35 por 100 mil habitantes em 2002 para um pico de quase50 por 100 mil habitantes em meados de 2004. Na realidade, essa taxacontinuou a aumentar nos próximos anos, tendo atingido 250 por 100mil em 2011 e 324 por mil no seguinte, caracterizando verdadeira crisedo setor de segurança pública do Estado.

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Figura 10 - Comportamento da Taxa de Crimes Violentos em Minas Gerais,jan. 2002-Marr. 2004

Fonte: FJP.

Mas, além dos cortes das despesas com investimentos e custeio, oscofres estaduais também se viram beneficiados por ter a União concor-dado em abater R$ 119,5 milhões dos encargos correspondentes aoBônus do exterior que a União havia saldado em 1999, diante da suspen-são dos pagamentos efetuada pelo governo Itamar Franco. Além disso, oGoverno Estadual deixou de pagar R$ 250 milhões à CEMIG, por contade sua dívida referentes à Conta de Resultados a Compensar (CRC).

Do ponto de vista das receitas, o “Choque de Gestão” do governotucano implementou o denominado Programa Modernizador da Re-ceita, abrangendo a adoção do Simples; a desoneração tributária de 150produtos; a simplificação tributária; a ampliação da substituição tribu-tária; medidas de restrição da guerra fiscal e de combate à sonegação, aelevação das alíquotas do IPVA, do ITCD e das taxas estaduais; a me-lhoria da receita patrimonial, o reajuste da Unidade Fiscal do Estadode Minas Gerais e o aumento da receita da administração indireta. Mas,afora o recebimento de R$ 223 do Governo Federal a título de ressar-cimento das despesas com as estradas federais, conforme negociadoainda pelo governo Itamar Franco, o que realmente aliviou as contasestaduais foi o crescimento da arrecadação tributária resultante da rea-tivação da economia, que ganhou fôlego a partir de 2004, permitindoque a receita com ICMS crescesse a uma taxa anual média superior a

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9,0% de 2002 a 2008. Contribuição não desprezível também foi dadapela receita proveniente da quota parte do setor público estadual na ar-recadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral(CFEM), que, graças principalmente ao aumento da produção de mi-nério de ferro para exportação, saltou de R$ 33,1 milhões em 2004, paraR$ 123,0 milhões em 2010, tendo ultrapassado R$ 181,4 milhões noano seguinte.

Em suma, nas palavras de De Oliveira e Gontijo (2012, p. 85),

caso a economia mineira não tivesse experimentado um compor-tamento altamente favorável a partir de 2003 e uma ajuda extradas receitas extra orçamentárias não tivesse sido dada ao governo,além de se ter contado com a contribuição obtida com a adoçãodo instrumento da Contabilidade criativa, certamente essa histórianão seria tão exitosa.

E nada exitosa, na verdade, foi a história depois da desaceleraçãoeconômica provocada pela crise do subprime em fins de 2008, que des-nudou a natureza do “Choque”, com o setor público estadual mergu-lhando, uma vez mais, em déficits bilionários, conforme apontadoanteriormente.

Isso sem falar, como não poderia deixar de ser, no crescente endi-vidamento do Estado (Tabela 4), mesmo quando se desconsidera a dí-vida com a União, cuja evolução esteve condicionada quase queexclusivamente pelos termos do Acordo de 1997 e da Lei 9496/97, pelosquais os encargos da mesma ficaram em juros de 7,5% ao ano mais cor-reção monetária do saldo devedor pelo IGP-DI. Além disso, estipulou--se que 13% da Receita Líquida Real do Estado seriam destinados paracobrir o seu serviço até 2028, sendo que o saldo devedor eventualmenteexistente em 31 de dezembro desse ano deveria ser liquidado até 2038.Embora, em larga medida, o governo mineiro não possa ser diretamenteresponsabilizado pela evolução dessa dívida, saliente-se que os termosdo Acordo da Dívida foram estabelecidos pelo governo do presidenteFernando Henrique Cardoso, sem que nenhum político tucano, comoo governador Eduardo Azeredo, ou o então deputado federal AécioNeves, líder do PSDB na Câmara, tivesse protestado. Mais do que isso,

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somente a partir de 2012, depois de o Tribunal de Contas de Contaster alçado sua voz, mostrando o absurdo dos custos da dívida com aUnião, foi que o governador de Minas, Antonio Anastasia, e o senadorAécio Neves passaram a criticar os termos da mesma.

Tabela 4Evolução da Dívida do Setor Público de Minas Gerais – 1998-2010

Em R$ milhões de 2011*

Fonte: Tribunal de Contas de Minas Gerais(*) Corrigidos pelo deflator implícito do PIB de Minas Gerais.

Mas mesmo quando se subtrai a dívida com a União, ainda assimo crescimento real da dívida pública mineira, ou seja, descontando-se ainflação, foi de 24,3% entre 2003 e 2010. É claro que, em parte, esseexpressivo aumento se deveu à dívida com a CEMIG, que, a preços de2011, saltou de R$ 4.118,5 milhões para R$ 5.341,4 milhões no mesmoperíodo (aumento de 29,7%). Isso se explica, contudo, não somentepelos termos ainda mais abusivos do contrato entre o Estado de Minase a CEMIG, da qual é o acionista controlador, mas pela decisão de nãopagar a totalidade do serviço dessa dívida, mesmo quando as condiçõesfinanceiras do setor público estadual o permitiram, para não falar no

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abatimento da mesma utilizando os recursos que cobriram a construçãoda Cidade Administrativa. Tratou-se, assim, como se verá na seção“Gestão ‘eficiente’, rumo incerto e obras faraônicas”, de opção políticade elevado custo para os cofres estaduais. Mas mesmo quando se des-considera a dívida com a CEMIG, ainda assim torna-se inescapável con-cluir que o governo optou claramente pelo endividamento do Estado,pois, a preços de 2011, a dívida restante saltou de R$ 6.867,8 milhõesem 2003, para R$ 8.320,1 milhões em 2010, num acréscimo de 21,1%acima da elevação do nível de preços no período. Não se pode negar,portanto, que o governo Aécio Neves deixou pesado fardo para as ge-rações futuras de Minas Gerais, que terão que arcar com o pagamentode uma dívida muito maior.

GESTÃO “EFICIENTE”, RUMO INCERTO E OBRASFARAÔNICAS

Para o Banco Mundial, a gestão do governador Aécio Neves foicaracterizada como de muita eficiência, o que contribuiu para que a ins-tituição concedesse vultosos empréstimos para o governo mineiro, entreos quais se destaca o financiamento de US$ 976 milhões, concedido emmaio de 2008 sem outra contrapartida financeira que o cumprimentode 24 metas estipuladas em programas sociais em várias áreas, tais comoeducação, saúde, gestão e desenvolvimento econômico.

Essa pulverização de recursos se revelou, inclusive, em projetosenvolvendo expressivas somas, como no caso do Proacesso (Programade Pavimentação de Ligações e Acessos Rodoviários), iniciado em 2004,com recursos próprios, mas que recebeu R$ 100 milhões do Banco In-teramericano de Desenvolvimento (BID) em 21 de dezembro de 2005.Prevendo o asfaltamento do acesso de 224 municípios, 60% dos quaislocalizados nas regiões Norte e Noroeste, assim como nos vales do Je-quitinhonha, Mucuri e Rio Doce, aos principais eixos rodoviários doEstado, o Programa havia sido responsável, em fins de 2010, pela pavi-mentação de 4.528,6 km, com desembolsos de R$ 3.009,3 milhões. Em-bora, ao facilitar o acesso dos municípios a serviços e mercadosregionais, certamente tenha melhorado a qualidade de vida das popu-

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lações beneficiadas, sua contribuição para o desenvolvimento econô-mico de Minas foi, na melhor das hipóteses, marginal, de modo algumjustificando os recursos alocados. Do ponto de vista eleitoral, contudo,o Proacesso certamente rendeu vultosos juros políticos, o que leva aquestionar quais teria sido a sua verdadeira motivação.

Tampouco o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais foi uti-lizado de forma a financiar grandes projetos estruturantes, e, apesar dosaldo de seus empréstimos, conforme mostra Gontijo (2005), ter au-mentado 158,6% em termos reais no período 2003-2010, sua partici-pação no total do crédito concedido pelo setor financeiro em MinasGerais caiu de 1,66% em 2004, para 0,85% em 2009. Aliás, em finsdesse ano, os créditos concedidos pelo Banco representavam somente47,8% de suas aplicações, que se concentravam em ativos financeiros,em lugar, portanto, de estarem direcionadas ao desenvolvimento da eco-nomia estadual.

No caso da CEMIG, a empresa parece ter abandonado, duranteo governo Aécio Neves, qualquer compromisso com desenvolvimentomineiro, que foi trocado pelo comprometimento exclusivo com os seusacionistas. É bem verdade que, em virtude da nova regulamentação dosetor elétrico brasileiro, a empresa se viu compelida a realizar determi-nadas inversões para manter sua posição competitiva. Não obstante, nãoforam construídas novas barragens,3 o que faz antever que, em futuronão distante, Minas possa ter problemas sérios em termos de disponi-bilidade de energia elétrica. Observe-se, por outro lado, que a operaçãode usinas geradoras de eletricidade é fonte de renda e de emprego paraa população das cidades do interior.

Mas se o governo mineiro pulverizou recursos em projetos polí-ticos e não utilizou tanto o BDMG quanto a CEMIG como instrumen-tos de desenvolvimento do Estado, não deixou de gastar soma expressivaem propaganda, retratados na Tabela 5, o que, aliás, passou inteiramentedespercebido aos “técnicos” do Banco Mundial, que não cessaram de

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3 A última hidrelétrica construída pela CEMIG corresponde à Usina Hidrelétrica deIrapé, cuja construção se iniciou em 2002, por decisão do governador Itamar Franco,que objetivava com o empreendimento, além de obviamente expandir a oferta deenergia do Estado, atender a uma área deprimida, em razão da localização do em-preendimento, nos Municípios de Berilo e Grão Mogol.

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elogiar o governo tucano. Apesar de que grande parte desse tipo de des-pesas das empresas controladas possa se justificar por razões comerciais,o mesmo parece difícil quando se considera o setor público estritosenso, que despendeu R$ 803,65 milhões no período de 2003-2010,correspondendo ao governo Aécio Neves (embora o vice- governador,Antônio Anastasia, tenha governado no último ano). Observe-se que ototal dos dispêndios com publicidade pela administração pública mi-neira mais aos gastos das empresas controladas pelo Estado com amesma finalidade, que somaram R$ 1.342,37 milhões no período, foramsuperiores às estimativas das despesas envolvidas na construção da Ci-dade Administrativa, de R$ 1,2 bilhão, fora móveis e equipamentos. Poroutro lado, se se considerar o total gasto somente pela administraçãodireta, autarquias e fundações de Minas Gerais no período 2007-2011,incluindo, portanto, dois anos de governo Anastasia, tem-se um mon-tante de R$ 581,03 milhões, bem próximo, portanto, do gasto pelo setorpúblico de São Paulo durante o mesmo período (R$ 609,0 milhões).Em outras palavras, o governo mineiro gastou o mesmo que o governode uma unidade da Federação, cujo PIB é três vezes o de Minas!

Tabela 5Gastos com publicidade

Setor Público e Empresas Controlada pelo Governo de Minas Gerais, 2003 – 2011

Em R$ mil

Fonte: Tribunal de Contas de Minas Gerais.

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O desperdício de recursos públicos, contudo, não se restringiu àpulverização de investimentos em obras de fartos rendimentos políticos,mais de parcos benefícios econômicos, como no caso do Proacesso, ouaos abusivos gastos com publicidade, mas se cristalizou através da Ci-dade Administrativa Tancredo Neves, obra que, tendo, conforme men-cionado, custado R$ 1,2 bilhões fora móveis e equipamentos, foifinanciada essencialmente com recursos extraorçamentários, ou seja,com dinheiro da CODEMIG (Companhia de Desenvolvimento deMinas Gerais), que recebe 25% dos resultados da Sociedade em Contade Participação que tem com a CBMM, que explora o nióbio de Araxá.

Se, conforme divulgado pela Agência Minas, em matéria divul-gada no dia 4 de Março de 2013, o governo mineiro teria economizadocerca de R$ 110,9 milhões nos gastos com a manutenção de serviços daadministração estadual em 2012 como consequência da Cidade Admi-nistrativa, pode-se ter uma ideia, ainda que aproximada, das perdas en-volvidas no projeto. Isso porque, de saída, nesse cálculo não se toma emconsideração o denominado custo de oportunidade do capital. Se, porexemplo, o governo de Minas Gerais tivesse investisse na CEMIG, cujodividend yield é de aproximadamente 18%, teria obtido um rendimentoanual próximo a R$ 216 milhões por ano (= R$ 1,2 bilhão x 18%), oque significa que a Cidade Administrativa estaria dando um prejuízo deR$ 105,1 milhões por ano. Isso, contudo, não seria tudo, pois se teriaque abater a depreciação dos edifícios e demais construções da Cidade.Admitindo-se, então, uma taxa de depreciação linear de 2,5% (o queequivale a uma vida útil de 40 anos), ter-se-ia que somente o custo dedepreciação da Cidade seria de R$ 30 milhões (= 1,2 bilhões x 2,5%), oque significa que o prejuízo seria de R$ 135,1 milhões por ano. Mas,por outro lado, se se tomar a taxa média de retorno dos investimentosda própria CEMIG, que estaria em torno de 15% reais ao ano, as perdasanuais do governo do Estado com esse elefante branco alçariam a R$182,9 milhões.4

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4 Supondo uma inflação de 6,5%, ter-se-ia um rendimento nominal de aproximada-mente 21,5%. Multiplicando-se por R$ 1,2 bilhão, chega-se a R$ 258 milhões. So-mando-se, então, os custos de depreciação, de R$ 30 milhões, e subtraindo-se aeconomia de R$ 110,9 milhões, obtém-se R$ 182,9 milhões de perdas.

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Na verdade, considerando que os custos anuais da dívida do go-verno público mineiro para com a CEMIG eram de 8,18% de jurosmais a variação do IGP-DI, se o governo mineiro tivesse aplicado, nodia 1 de janeiro de 2010, os R$ 1,2 bilhão gasto na construção da CidadeAdministrativa no abatimento da dívida para com a CEMIG, então emR$ 4.646,8 milhões, teria economizado R$ 244,85 milhões somentenesse ano, mais R$ 441,15 milhões em 2011 e R$ 719,14 milhões em2012. É ridículo, portanto, que economistas ligados ao governo mineirotentem justificar, em termos financeiros, essa obra digna dos faraós, masbem distante de qualquer gestão econômico financeira minimamentecoerente! E, é necessário notar, essas perdas dizem respeito apenas àsauferidas pelo próprio setor público estadual, não incluindo, portanto,o aumento do custo de transporte dos funcionários que trabalham naCidade Administrativa, nem suas perdas em termos de bem-estar, porgastarem mais tempo no deslocamento e estarem mais distantes doscentros de prestação de serviços. É claro que essas perdas não estiveramno cálculo do governador, muito menos de muitos de seu staff, que seviram cegados pela avaliação positiva do Banco Mundial!

Em suma, não existe qualquer justificativa econômico financeirapara a Cidade Administrativa Tancredo Neves, cuja construção subtraiuvultosos recursos financeiros que poderiam ter sido utilizados commuito mais proveito em investimentos em infraestrutura, ou mesmo naconstrução de novas barragens. Sua motivação, portanto, somente podeser o prestígio obtido por se ter construído uma “pequena Brasília”, oque certamente produz dividendos políticos, ainda que em detrimentodo desenvolvimento do Estado e do bem-estar de seu funcionalismo eda população em geral.

CONCLUSÃO

Em resumo, a partir da análise acima se torna inevitável concluirque, em lugar de concentrar recursos para promover a transformaçãoestrutural da economia mineira, o governo Aécio Neves, além de des-perdiçá-los em propaganda, os pulverizou em programas de reduzidoimpacto econômico, deixou de utilizar o BDMG e a CEMIG como ins-

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trumentos de desenvolvimento, além de construir a Cidade Adminis-trativa, que cristalizou sérias perdas financeiras, tanto para o setor pú-blico estadual quanto para o funcionalismo. O pior é que, além decomprometer os recursos da Companhia de Desenvolvimento de MinasGerais, que no seu governo abriu mão de promover o desenvolvimento,recorreu ao endividamento em larga escala, comprometendo, assim, osgovernos futuros com seus pesados encargos.5

REFERÊNCIAS

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DE OLIVEIRA, Fabrício Augusto; GONTIJO, Cláudio. Dívida públicado Estado de Minas Gerais: a renegociação necessária. Belo Hori-zonte, 2012.

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DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrializaçãomineira. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1981.

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GONTIJO, Cláudio. Subsídios para a política de integração brasileira:Alca versus Mercosul. Ciência e Conhecimento, v. 2, n. 5, p. 239-325, maio-jun. 2005.

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5 Na verdade, o único projeto estruturante viabilizado durante a administração tucanao foi durante o governado de Antônio Anastásia: a fábrica de semicondutores daSix Semicondutores S.A.

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KALDOR, N. Strategic Factors in Economic Development. New York: It-haca, 1967.

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THIRLWALL, A. (1989). Growth and Development: With Special Re-ference to Developing Economies. The New Palgrave DevelopmentEconomics. New York: Norton, 2003. p. 121-122.

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Maria Eulália AlvarengaMaria Lucia Fattorelli

Rodrigo Ávila

DÍVIDA PÚBLICA DE MINAS GERAIS: AUDITORIA JÁ!

Nos anos de 1990, as dívidas públicas dos estados com o setor fi-nanceiro cresciam fortemente, devido principalmente às altíssimas taxasde juros estabelecidas pelo Governo Federal. No final daquela década,a União refinanciou essas dívidas mediante a emissão de títulos da dívidapública mobiliária federal interna, passando os estados à condição dedevedores da União.

Na época, muitos defenderam esta operação, sob o argumento deque ela permitiria uma redução das taxas de juros. Porém, na prática,apesar do rigoroso cumprimento dos acordos então celebrados, tais dí-vidas se multiplicaram, principalmente devido à onerosa remuneraçãonominal cobrada pela União, composta pelo indexador IGP-DI, acres-cido de juros que variaram de 6 a 7,5% ao ano, dependendo do estado.

Importante ressaltar que todos os pagamentos de juros e amorti-zações feitos pelos estados à União são utilizados por esta última parao pagamento da dívida pública federal, que consumiu 44% do Orça-mento Geral da União em 2012. Estes 44% equivalem a mais que oquádruplo das transferências federais a todos os 27 estados e mais de5.000 municípios brasileiros.

A dívida do Estado de Minas Gerais e dos demais estados faz partede um sistema maior, que viola o Federalismo para privilegiar os ren-tistas nacionais e estrangeiros. Conforme Relatório Parcial da ComissãoEspecial da Dívida Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais,1a dívida de Minas Gerais com a União era de R$ 14,85 bilhões ao final

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1 Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (Comissão Especial da DívidaPública) - Relatório Parcial, Belo Horizonte, maio de 2012, p. 8 e 9.

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de 1998. Apesar de o Estado ter pago à União a quantia de R$ 26,6 bi-lhões, até 2011 (quase o dobro da dívida original) o débito se multipli-cou assustadoramente para absurdos R$ 59,3 bilhões, em 2011.

Os encargos têm sido tão elevados que o Estado de Minas Geraistem pagado à União, anualmente, mais de R$ 3 bilhões a título de ser-viço dessa dívida, além dos mais de R$ 6 bilhões de juros que são incor-porados ao seu estoque. Dessa forma, o custo anual com oendividamento chega à casa dos R$ 10 bilhões, o equivalente a nadamenos que um quarto de toda a Receita Corrente Líquida do Estadoem 2012, ou ao dobro de todos os gastos estaduais com Segurança Pú-blica, ou ao dobro de todos os gastos estaduais com Saúde, ou 56% amais que todos os gastos com Educação.

Portanto, é urgente investigar essa dívida monstruosa, que cons-titui hoje um dos principais entraves à garantia de justiça social a todaa população mineira. Faz-se necessária uma profunda auditoria dessadívida, dadas as suas origens obscuras, como os “saneamentos” de ban-cos estaduais e os seus graves indícios de ilegalidades, tais como a apli-cação de “juros sobre juros” (“anatocismo”).

A POLÍTICA DO GOVERNO FEDERAL PARA A NEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA DOS ESTADOS

Não por acaso, a origem da renegociação das dívidas dos estadoscom a União vem da imposição do FMI, e cartas de intenções assinadasna década de1990. Da Carta de Intenções ao FMI de setembro/1990, itens18, 20 e 28,”c”, constou:

18. O Governo lançou um ambicioso programa de privatizaçõesque se destina a liberar recursos fiscais e a promover a eficiênciada economia. O primeiro grupo de empresas públicas a serem pri-vatizadas dentro dos próximos três anos inclui 10 firmas nos se-tores petroquímico, siderúrgico e de fertilizantes, com um valorpreliminarmente orçado em US$ 15 bilhões líquidos (...) a receitaproveniente da privatização será utilizada no resgate da dívida pública(grifos nossos).

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20. ... O acesso pelos Estados e Municípios a financiamento junto a bancosnacionais deverá sofrer restrições semelhantes àquelas impostas àsempresas públicas federais e esses governos deverão saldar inte-gralmente os juros devidos sobre suas obrigações para com o te-souro (grifos nossos).

28. c. ...O Brasil brevemente iniciará negociações para a reestru-turação da dívida com os bancos comerciais credores a partir deum cardápio de opções incluindo instrumentos de mercado paraa redução do principal e do serviço da dívida, bem como outrosinstrumentos de conversão da dívida a serem empregados em conjugaçãocom nosso programa de privatização (grifos nossos).

Da Carta de Intenções ao FMI de dezembro/1991, itens 24 e 26,constou:

24. Um ambicioso programa de privatizações que deverá render apro-ximadamente US$ 18 bilhões foi iniciado em outubro de 1991,com a venda da USIMINAS – uma lucrativa siderúrgica que é amaior da América Latina... (grifos nossos).

26. Para facilitar um maior fortalecimento das finanças públicas,em outubro o Executivo submeteu ao Congresso propostas demudanças institucionais que procuram fazer modificações na dis-tribuição de receitas tributárias entre os governos federal, estaduale municipal para 1992 e 1993, a proibição de novas emissões de títulosde dívida pelos estados e um programa de reestruturação de dívida noqual o governo federal vai assumir as dívidas dos estados em troca deum programa de ajuste de 2 anos que vai facilitar a reestruturação dosgastos dos estados (grifos nossos).

O processo de endividamento dos estados brasileiros se aceleroua partir do início da década de 1990. A partir de 1997, a União aplicoumodelo de ajuste fiscal aos estados da Federação, obrigando-os a priva-tizar o seu patrimônio em troca de “renegociação” de suas dívidas, alémda assunção de dívidas dos bancos que seriam privatizados.

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Os acordos com o FMI propiciaram a implementação das políticasneoliberais listadas no chamado “Consenso de Washington”. O FMIexigia privatizações de empresas estatais estratégicas e lucrativas, sob ajustificativa de que as receitas da venda de tais empresas serviriam parao pagamento da dívida. Também exigia a redução de gastos com pessoale previdência social, liberalização dos fluxos de capital, redução de ta-rifas de importação, contenção de salários, além da própria negociaçãoda dívida externa com os bancos privados e Clube de Paris, e tomadade empréstimos junto ao Banco Mundial para a implementação de maismedidas de ajuste estrutural.

O processo legal que culminou com a edição da Lei 9496/97 as-sinada por Fernando Henrique Cardoso e seu ministro Pedro Malan,que estabeleceu critérios para a consolidação, a assunção e o refinan-ciamento, pela União, da dívida pública mobiliária e outras que especi-fica, de responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal, vem doscompromissos assumidos com o FMI através das mencionadas Cartasde Intenções.

As intenções (compromissos) foram cumpridas com a introduçãodas Leis 8388/91 e 8727/93, precursoras da Lei 9496/1997.

O artigo primeiro da Lei 9496/97 determinou que poderiam serincluídos no âmbito do Programa de Apoio à Reestruturação e ao AjusteFiscal dos Estados (PAF), dentre outros, as dívidas públicas mobiliáriasdos estados e do Distrito Federal, bem como, ao exclusivo critério doPoder Executivo Federal, outras obrigações decorrentes de operaçõesde crédito interno e externo, ou de natureza contratual, relativas a des-pesas de investimentos, líquidas e certas; os empréstimos tomados pelosestados e pelo Distrito Federal junto à Caixa Econômica Federal, comamparo na Resolução no 70, bem como, ao exclusivo critério do PoderExecutivo Federal, outras dívidas cujo refinanciamento pela União, nostermos dessa Lei, tenha sido autorizado pelo Senado Federal até 30 dejunho de 1999; compensar, ao exclusivo critério do Ministério da Fa-zenda, os créditos então assumidos com eventuais créditos de naturezacontratual, líquidos, certos e exigíveis, detidos pelas unidades da Fede-ração contra a União; assumir a dívida pública mobiliária emitida porestados e pelo Distrito Federal, após 13 de dezembro de 1995, para pa-gamento de precatórios judiciais.

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Para que a União assumisse as dívidas dos estados, estes tiveramde cumprir as metas e condições estabelecidas pelo PAF, além dos ob-jetivos específicos para cada unidade da Federação e, obrigatoriamente,metas ou compromissos quanto à dívida financeira em relação à ReceitaLíquida Real (RLR);2 resultado primário; despesas com funcionalismopúblico; arrecadação de receitas próprias; privatização, permissão ouconcessão de serviços públicos, reforma administrativa e patrimonial;despesas de investimento em relação à RLR.

Os contratos foram assinados com o prazo, estipulado pela Lei,de 360 meses, ou seja, 30 anos, com juros calculados e debitados mensal-mente, à taxa mínima de seis por cento ao ano, sobre o saldo devedor pre-viamente atualizado. A atualização monetária estipulada, calculada edebitada mensalmente, com base na variação do Índice Geral de Preços -Disponibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação GetúlioVargas, ou outro índice que vier a substituí-lo.

A Lei também determinou expressamente que o pagamento dadívida dos estados seria automaticamente e integralmente canalizado parao abatimento de dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional.

Sob a justificativa de “salvar” os estados de uma taxa de juros al-tíssima – mas que era estabelecida pela própria União, por vezes em pa-tamares de mais de 40% ao ano –, o Governo Federal refinanciou asdívidas dos estados, para que estes passassem a pagar uma remuneraçãonominal composta por juros (dependendo do estado de 6% a 7,5% aoano) mais a inflação medida pelo IGP-DI.

Apesar de essa operação ter sido anunciada como uma grande van-tagem para os estados, ela se mostrou altamente onerosa, pelo fato deo IGP-DI possuir forte ligação com os preços no atacado e com as des-valorizações do real frente ao dólar. Por essa razão, o IGP-DI costumaapresentar uma taxa de inflação bem maior que os demais índices: de

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2 Receita Líquida Real (RLR), conceito introduzido pela Lei compreendida como:receita realizada nos 12 meses anteriores ao mês imediatamente anterior àquele emque se estiver apurando, excluídas as receitas provenientes de operações de crédito,de alienação de bens, de transferências voluntárias ou de doações recebidas com ofim específico de atender despesas de capital e, no caso dos estados, as transferênciasaos municípios por participações constitucionais e legais. A RLR é divulgada men-salmente por portaria da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

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1998 a 2010, o IPCA (índice comumente utilizado pelo governo paramedir a inflação) apresentou variação de 123%, enquanto o IGP-DIapontou uma inflação de nada menos que 206% no mesmo período.

A escolha do IGP-DI se mostrou altamente funcional à União,pelo fato de que, na época das renegociações das dívidas dos estados(1998), grande parte da dívida interna federal estava indexada ao dólar.Dessa forma, as grandes desvalorizações do real ocorridas em 1999 e2002 aumentaram a dívida federal, mas também aumentaram as dívidasdos estados, de maneira que dessa forma, o Governo Federal conseguiaequilibrar o aumento em seu passivo (dívida interna federal com o setorfinanceiro) com o aumento em seu ativo (dívida cobrada dos entes fe-derados).

O problema da dívida pública dos estados com a União não atingesó Minas Gerais, mas também outros 25 estados da Federação (excetoo Estado de Tocantins) e vários municípios (nestes os juros podem che-gar a 9% a.a mais IGP-DI).

Para melhor compreensão da edição das leis determinantes parao refinanciamento de das dívidas dos entes subnacionais pela União,temos que analisar o contexto em que elas foram editadas. Os estadosassinaram contratos para pagamento de suas dívidas com a União ematé 30 anos, atualizados pela variação do IGP-DI, com juros entre 6%e 7,5% a.a. Os entes federados comprometeram entre 11,5 a 15% daReceita Líquida Real (RLR). A determinante para a taxa de juros e ocomprometimento da RLR foi a relação a que cada estado poderia darde entrada, ou seja, qual patrimônio o estado ia privatizar.

Conforme Análise Preliminar Nº 7 elaborada pela assessoria téc-nica da CPI,3 caso o índice de atualização monetária aplicado ao saldodevedor fosse o IPCA, o valor do saldo devedor das dívidas dos estadosem 2009 seria bem menor, visto que esse índice acusou inflação de119% de janeiro de 1997 a setembro de 2009, enquanto o IGP-DI apre-sentou índice de 196%. O gráfico a seguir dá uma ideia da evolução dosdois índices, bem como do ônus provocado pela utilização do IGP-D,ao invés do IPCA.

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3 Fattorelli, Maria Lucia; Molina Aldo. Análise Preliminar nº 7 da CPI da DívidaPública, Câmara dos Deputados.

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Inflação acumulada (%) – 1996 a 2009 – IPCA X IGP-DI

Fonte: Ipeadata.

Segundo o Relatório Final da CPI da Dívida na Câmara dos De-putados, encerrado em maio de 2010, aprovado pela base do governo etambém pelo próprio PSDB em maio de 2010, o IGP-DI apresentoucomportamento “volátil”, pois englobou a dilatada variação do dólarocorrida em 1999, por exemplo, dentre outras, e provocou custo exces-sivo aos estados, pelo fato de ter se mostrado um índice de inflação bemmaior que os demais índices utilizados no país.

Além dessas condições onerosas, os estados foram obrigados a pri-vatizar seu patrimônio, o que também constituía uma exigência do FMI.Da Carta de Intenções ao FMI de novembro/1998, item 13, constou:

O programa de ajuste fiscal acordado com os estados inclui metas especí-ficas para cada estado no que concerne ao resultado primário o desempe-nho da receita as razões folha de pagamento e gastos deinvestimentos/receita bem como privatizações e outras reformas estru-turais. Os acordos também dotam o governo federal de poderes para nocaso de um estado deixar de pagar sua dívida reestruturada como pro-gramado reter a receita compartilhada com aquele estado e até embargarsuas próprias receitas. Em conjunto com a negociação desses acor-dos o governo e o Senado atentos para o fato de que o acesso ir-

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restrito pelos estados aos fundos de empréstimo levou à escaladada dívida estadual até meados dos anos 90 envidaram esforços nosentido de limitar vigorosamente o recurso dos estados à contra-ção de dívidas. Especificamente o Senado proibiu as emissões de novostítulos estaduais bem como a tomada de empréstimos por estados com dé-ficit primário; resoluções do Conselho Monetário Nacional redu-ziram substancialmente os limites dos empréstimos bancários aosestados e municípios bem como os limites dos empréstimos noexterior por essas entidades. Ademais a privatização ou liquidaçãoda maioria dos bancos estaduais o cumprimento de estritos padrõesde prudência quanto aos ainda existentes bem como o atual pro-cesso generalizado de privatizações eliminaram a maioria das al-ternativas de financiamento de déficits pelos estados (grifosnossos).

Para consolidar o compromisso estabelecido com o FMI foi edi-tada, em 2000, a Lei Complementar no. 101, conhecida como Lei deResponsabilidade Fiscal, também assinada por Fernando Henrique Car-doso, Pedro Malan e Martus Tavares. Essa Lei Complementar vem dis-ciplinar as finanças públicas, principalmente para garantir o pagamentoda dívida pública. Em seu Capítulo VII – Da Dívida e do Endivida-mento, engessa a administração pública dos entes subnacionais, ferindode morte o federalismo brasileiro e contrariando o que preceitua o caputdo art. 18 da Constituição Federal, que determina que a organizaçãopolítico-administrativa da República Federativa do Brasil compreendea União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos.

O engessamento promovido pela LRF pode ser comprovado coma leitura do art. 31, em que proíbe a realização de operações de crédito,ressalvado o refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária; ob-riga os entes subnacionais a ter resultado primário necessário à recon-dução da dívida ao limite, sendo que se este for ultrapassado, fica o enteimpedido de receber transferências voluntárias da União ou do Estado. O con-trole de qual ente subnacional que ultrapassou o limite fica a cargo do executivofederal e ainda o Ministério da Fazenda verificará o cumprimento doslimites e condições relativos à realização de operações de crédito decada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, di-

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reta ou indiretamente. Ou seja: a autonomia dos entes subnacionais naConstituição tornou-se letra morta.

A partir da consolidação dos acordos, toda a dívida pública mobiliá-ria interna passa a ser federal. A União atuou como uma Instituição Fi-nanceira, em que a autonomia do gestor público ficou condicionada aesta “operação bancária”.

OS CONTRATOS E ADITIVOS DO ESTADO DE MINAS

Minas Gerais assinou, em 18 de fevereiro de 1998, o Contrato004/98/STN/COAFI com a União, nos moldes da Lei 9496/97, novalor de 10,185 bilhões de reais, em valores da época, dos quais a maiorparte era correspondente a Letras Financeiras do Tesouro Estadual(LFTE). Minas Gerais passou a comprometer 13% da sua Receita Lí-quida Real com o pagamento da remuneração bruta, que compreende:juros de 7,5% a.a mais a inflação medida pelo IGP-DI. Os valores dessecontrato sofrem alterações conforme explicaremos mais adiante.

A negociação de 1998 com a União envolveu, além do refinancia-mento da dívida do Estado (no valor de R$ 10,185 bilhões), o refinan-ciamento da dívida referente ao saneamento de bancos no âmbito doPrograma de Apoio Reestruturação e Ajuste Fiscal dos Estados(PROES),4 no valor de R$ 4,34 bilhões.

O empréstimo de R$ 4,34 bilhões de reais do PROES foi justifi-cado pela necessidade de promover o saneamento e a privatização dos ban-cos estaduais. Tal empréstimo também foi submetido à remuneraçãonominal composta por atualização monetária medida pelo IGP-DI,acrescida de juros de 6% a.a.

Não se conhece a verdadeira origem dessas dívidas refinanciadas,que em 1998 somaram R$ 14,8 bilhões, e no final de 2011, apesar documprimento dos acordos, chegou a R$ 59,3 bilhões. Por essa razãoreivindicamos a realização de completa auditoria dessas dívidas, desdea sua origem.

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4 Autorizado pelo Senado Federal, em maio de 1998, através da Resolução 45.

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No ano de 2010, por exemplo, o Estado de Minas Gerais pagou àUnião R$ 3,1 bilhões (montante insuficiente para pagar sequer os ele-vados juros), e ainda transferiu para o estoque da dívida o valor de R$6,1 bilhões. Além de caracterizar a ilegal prática de anatocismo, esseprocedimento tem provocado o crescimento da dívida como uma bolade neve e sem qualquer contrapartida ao povo mineiro: no ano de 2010,o saldo da dívida passou de R$ 48,7 bilhões para R$ 54,8 bilhões.

Nessa circunstância, constata-se que é totalmente falacioso o dis-curso a respeito do “déficit zero” em Minas Gerais. Para o professorFabrício de Oliveira, Secretário Adjunto da Fazenda durante o Governode Itamar Franco, no primeiro ano do governo Aécio Neves, além denão se reconhecer a dívida do Estado, o governo a converteu em “déficitzero”. Segundo o Professor “esta foi uma obra de ficção que se trans-formou na propaganda do governo do Estado”. “Só que, se há dívida, éporque há déficit. No final das contas, a propaganda caiu por terra e adívida reapareceu em valor infinitamente superior à capacidade de pa-gamento do Estado.” Fabrício afirma que “eles usaram um conceitoequivocado. O conceito de resultado orçamentário não diz nada sobreo resultado do desempenho das finanças públicas.”5 Desse modo, a evo-lução da dívida pública de cada ano é determinada pelo déficit orça-mentário e também pela própria estrutura da dívida contraídaanteriormente. “A questão da sustentabilidade financeira da dívida mi-neira tornou-se central”, ressalta.

Segundo os contratos, o início do pagamento da dívida se daria30 dias após a assinatura dos contratos, ou seja, o governo de EduardoAzeredo6 deveria começar o pagamento das parcelas. Segundo o pro-fessor Fabrício de Oliveira,7 o governo de Eduardo Azeredo não pagounada, ou seja, quem assinou os contratos não pagou nada, deixando oinício do pagamento das parcelas para o próximo governador que iriaassumir em janeiro de 1999, ou seja, Itamar Franco. O contrato geroutambém obrigações de privatização de empresas estatais, como antes

78

5 Artigo “Dívida Pública Mineira cresce 4,5 vezes em uma década”, revista MercadoComum, ed. 228, p. 65.

6 De janeiro 1995 a dezembro de 1998.

7 Revista Mercado Comum, ed. 228, p. 64.

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mencionado, e realização de pesado ajuste fiscal para garantir o paga-mento da dívida com a União.

Para melhor esclarecimento, entraremos em algumas questõestécnicas do contrato celebrado entre o Estado de Minas Gerais e aUnião em 18 de fevereiro de 1998. O valor inicial de R$ 10,185 bilhõesfoi obtido a partir da fórmula a seguir:8

D = VLFTE + VBB + VCEF + VBancos - VIPI

Os valores nominais em reais são os constantes do quadro abaixo(em R$):

D VLFTE VBB VCEF VBANCOS VIPI

10.184.651.441,68 9.784.508.829,17 38.775.133,07 270.647.687,97 141.407.947,90 (50.688.156,43)

Fonte: Primárias (contrato e aditivos). Valores apontados no Segundo Termo Adi-tivo de Rerratificação ao Contrato de Confissão, Promessa de Assunção, Con-solidação e Refinanciamento de Dívidas, de 30 de novembro de 1998.Elaboração Econ. Maria Eulália Alvarenga - Auditoria Cidadã da Dívida - NúcleoMineiro.

Depreende-se que o valor da dívida mobiliária (dívida em títulos,indicada pela sigla VLFTE) era a parcela mais relevante da dívida objetode refinanciamento.

Do valor apurado (D), R$ 9,212 bilhões seriam pagos em 360meses, e o restante (R$ 973 milhões) seriam pagos por meio da chamada“conta gráfica”, ou seja, uma conta cuja fonte de recursos foi a privati-zação de diversos ativos estaduais.

Conforme quadro a seguir, vê-se que o Contrato inicial sofreu al-terações de valores desde a sua assinatura, em 18 de fevereiro de 1998,até o Quarto Termo Aditivo, assinado em 28 de dezembro de 1998.Nesse termo, também se prorroga o prazo para liquidação do saldo de-

79

8 D = dívida inicial; VLFTE = valor das Letras Financeiras do Tesouro Estadual;VBB = valor do débito com o Banco do Brasil; VCE = valor do débito com a CaixaEconômica Federal; VBancos – valor dos débitos com vários bancos privados; VIPI– valor do que o Estado tinha a receber da União referente à crédito de atualizaçãomonetária do IPI-EXPORTAÇÃO.

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vedor da conta gráfica, ou seja, até esta data o Governo de Minas aindanão o havia quitado totalmente. O prazo para pagamento do saldo de-vedor da conta gráfica foi novamente prorrogado em 28 de janeiro de2000, quando as ações da Ceasa e da Casemg foram transferidas para aUnião.

Fonte: Contrato 004/98/STN/COAFI e Aditivos – Elaboração Econ. Maria EuláliaAlvarenga - Auditoria Cidadã da Dívida - Núcleo Mineiro.

Estudos feitos com base em dados disponibilizados pelo TesouroNacional e Banco Central à CPI da Dívida Pública realizada na Câmarados Deputados em 2009/2010 indicaram que apesar do baixíssimo valorde mercado dos títulos da dívida mobiliária dos estados, essa dívida foirefinanciada pela União a 100% de seu valor de face, o que representouclaramente uma brutal transferência de recursos públicos para o setor finan-ceiro privado.

80

COMPOSIÇÃO

DÍVIDA INICIAL

LFTE - em 31-3-96

Banco Brasil -

CEF

Operações dedívida fundada

IPI-EXPORTAÇÃO

DÍVIDA INICIAL

11.827.540.208,92

11.353.243.881,84

40.596.059,64

281.843.159,03

151.857.108,41

(50.688.156,43)

DÍVIDAREFINANCIADA-

FORMULA

10.184.651.441,68

9.784.508.829,17

38.775.133,07

270.647.687,97

141.407.947,90

(50.688.156,43)

DEDUÇÃO VCG

972.845.803,38,deduzido créditoIPI - ExportaçãoR$50.588.156,43(atualização mon-etária)

AMORTIZAÇÃOVCG

Parcelas

360 vencendoa primeira 30dias após aassinatura docontrato 1/12de 13% daRLR

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A DÍVIDA DO ESTADO DE MINAS GERAIS COM ACEMIG

A Dívida do Estado com a CEMIG teve início em 1995, mas suahistória data de 31 de dezembro de 1989 em decorrência da Lei Federal7976/90, quando Minas Gerais refinanciou com o Tesouro Nacional,através do Banco do Brasil, dívidas externas originárias da utilização deempréstimos-ponte (Avisos MF-09 e NF-30), incluindo empréstimosde antecipação de receitas-ARO.

A Auditoria Cidadã da Dívida através de seu Núcleo Mineiro fezuma análise preliminar do contrato e aditivos da dívida de Minas coma CEMIG e apurou que indicam graves indícios de ilegalidades.

Os pagamentos desta dívida beneficiam principalmente os acio-nistas privados da CEMIG, que detêm 76,61% das ações da empresa,sendo que 46,45% do total se encontram nas mãos de estrangeiros.9

Em 31 de maio de 1995 o valor dessa dívida era de R$ 602 milhões,e depois de 17 anos de onerosos pagamentos, a dívida se multiplicou pormais de nove vezes, tendo chegado a R$ 5,6 bilhões ao final de 2011.10 Talcrescimento se deve às taxas de juros nominais absurdas, nos últimos anoscompostas pela combinação da taxa de 8,18% ao ano acrescida da atualizaçãomonetária medida pelo IGP-DI; taxas ainda mais elevadas que o tão ques-tionado custo da dívida de Minas Gerais com a União.

Uma análise preliminar dos contratos e aditivos dessa dívida jámostrou diversos e graves indícios de ilegalidades:

• Taxas de juros abusivas, violando princípios jurídicos relaciona-dos ao equilíbrio contratual;

• Aplicação de “juros sobre juros”, já considerados ilegais pela Sú-mula 121 do Supremo Tribunal Federal.

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9 Disponível em: <http://cemig.infoinvest.com.br/static/ptb/estrutura_acionaria.asp>.Acesso em: mar. 2012.

10 Disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2011/11/17/inter-nas_economia,262399/governo-de-minas-quer-pagar-divida-com-a-cemig.shtml>.

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• O contrato prevê a vinculação de arrecadação de tributos ao pa-gamento da dívida, violando-se art. 167, IV da Constituição Fe-deral, além do Código Tributário Nacional.

Em 23 de janeiro de 2006, foi assinado aditivo contratual deter-minando que as taxas de juros poderão ser elevadas para o absurdo pata-mar de 12% ao ano (mais o IGP-DI) caso o Estado, por exemplo,“...permitir a redução da distribuição e pagamento dos dividendos ejuros sobre o capital próprio das subsidiárias integrais da CEMIG paraa CEMIG...”, ou “...reduzir a distribuição e o pagamento de 50% dolucro líquido da CEMIG a título de dividendos e juros sobre o capitalpróprio...” (Quarto Aditivo, Cláusula Sétima). Dessa forma, o contratoestabelece uma obrigação ao Estado, que não guarda nenhuma relaçãocom o endividamento, e visa estritamente garantir os lucros aos acio-nistas da empresa, em sua maioria privados, em detrimento do interessepúblico que a empresa deveria defender.

Recentemente, no final de 2012, o governo do Estado negociouesta dívida, por meio da tomada de empréstimo de cerca de R$ 4 bilhõesjunto ao Banco Mundial e outras instituições internacionais, alegandoque assim teve um desconto de R$ 1,9 bilhão e passaria a pagar jurosde 4,62% (taxa média ponderada pelos saldos e pela projeção daLIBOR) ao ano, ou seja, 4,62% mais a variação cambial.11

Tal renegociação foi realizada sem que perguntas básicas formu-ladas pelo Núcleo Mineiro da Auditoria Cidadã da Dívida à ComissãoEspecial para Renegociação da Dívida da Assembleia Legislativa deMinas durante todo o ano de 2012 fossem respondidas:

• Quanto o Estado já pagou à CEMIG, desde 1995?

• Qual o efeito das taxas de juros abusivas e dos “juros sobre juros”?

• Quais as imposições de políticas que o Banco Mundial fará aoEstado, em troca do empréstimo para o refinanciamento da dí-vida com a CEMIG?

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11 Conforme “Mensagem nº 143/2011, do Governador Antonio Anastasia” (Projetode Lei nº 2.700/2011).

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Até quando o Estado irá pagar esta dívida, considerando que onovo contrato assume o pagamento da variação cambial, que é incerta?

A partir de análise preliminar do contrato e aditivos da dívida doEstado de Minas Gerais com a CEMIG, a Auditoria Cidadã da Dívida(Núcleo Mineiro) protocolou junto à Assembleia Legislativa de MinasGerais em 23 de março de 2012, no Gabinete do deputado AdelmoLeão,12 e em 26 de março de 2013 nos Gabinetes dos deputado Boni-fácio Mourão13 e Dinis Pinheiro,14 Carta Aberta15 aos Deputados daALMG e à População do Estado de Minas Gerais denunciando os graves in-dícios de irregularidades. Os gráficos a seguir demonstram o crescente es-toque da dívida do Estado de Minas Gerais com a CEMIG, apesar doselevados pagamentos anuais, também demonstrados.

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12 Presidente da Comissão Especial para Renegociação da Dívida Pública de MinasGerais.

13 Relator da Comissão Especial para Renegociação da Dívida Pública de Minas Gerais.14 Presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerias.15 Íntegra publicada na revista Mercado Comum, ed. 226, p. 8, e site da Auditoria

Cidadã da Dívida: <http://www.auditoriacidada.org.br/pagina-do-nucleo-mineiro-da-auditoria-cidada/>.

Fonte: DCD/SCGOV/STE/SEF-MG - Elaboração Econ. Maria Eulália Alvarenga - AuditoriaCidadã da Dívida- Núcleo Mineiro.

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Fonte: DCD/SCGOV/STE/SEF-MG- Elaboração Econ. Maria Eulália Alvarenga - AuditoriaCidadã da Dívida - Núcleo Mineiro

A PROPOSTA DE RENEGOCIAÇÃO FEITA EM 2013PELO GOVERNO FEDERAL

No início de 2013, o Poder Executivo enviou ao Congresso Na-cional o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 238/2013, que alteraas taxas de juros das dívidas dos estados e municípios com a União.

Essa nova proposta não enfrenta o problema da renegociação dasdívidas dos entes subnacionais, que está em sua origem e vem se acu-mulando desde a assinatura dos convênios, conforme já expusemos.

O PLP propõe a modificação para a remuneração nominal co-brada dos entes federados: redução do percentual dos juros para 4% a.a.e a troca do indexador de inflação para o IPCA, índice calculado peloIBGE. Também prevê que se tal remuneração for superior à “TaxaSelic”, prevalecerá a Selic.

Tal remuneração ainda é extorsiva, especialmente considerandoque será aplicada sobre o saldo da dívida inflada por ilegalidades e ile-gitimidades desde a origem dos convênios.

Analisando-se o texto do Projeto, verifica-se que, ao contrário doanunciado pela imprensa, o PLP não prevê a redução do percentual decomprometimento da receita com o pagamento destas dívidas, ou seja,estados e municípios não terão nenhum alívio financeiro por muitos

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anos, já que os extorsivos juros superam o limite legal de comprometi-mento. Isto significa que os entes subnacionais continuarão efetuandoelevados pagamentos dessas dívidas à União, que, por sua vez, empregatais recursos unicamente para pagar a dívida federal ao setor financeiro.

Além disso, o PLP não é aplicável às dívidas relativas ao “sanea-mento” dos bancos estaduais (PROES - Medida Provisória 2192/70),que representa grande parte do endividamento de muitos estados, econtinuará com taxas de juros de 6% mais o IGP-DI.

A renegociação proposta pelo PLP 238/2012, no que se refere àsdívidas estaduais, será somente aquela referente aos contratos com basena Lei 9496/97. O art. 4º do PLP estabelece:

Art. 4º Fica a União autorizada a adotar, nos contratos de refi-nanciamento celebrados entre a União, os Estados e os Municí-pios, com base, respectivamente, na Lei no 9.496, de 11 de setembrode 1997, e na Medida Provisória nº 2.185-35, de 24 de agosto de2001, as seguintes condições:

I - quanto aos juros, serão calculados e debitados mensalmente, àtaxa mínima de quatro por cento ao ano, sobre o saldo devedorpreviamente atualizado; e

II - quanto à atualização monetária, será calculada e debitada men-salmente com base na variação do Índice Nacional de Preços aoConsumidor Ampliado - IPCA, apurado pelo Instituto Brasileirode Geografia e Estatística - IBGE, referente ao segundo mês ante-rior ao de sua aplicação, ou outro índice que venha a substituí-lo.

Parágrafo único. Os encargos calculados na forma dos incisos I eII do caput, cujo somatório exceder à variação da taxa SELIC nomesmo mês, deverão ser substituídos, para todos os efeitos, pelareferida taxa (grifos nossos).

Em sua exposição de motivos, o ministro da Fazenda, Guido Man-tega, reconheceu o abuso do custo do refinanciamento decorrente daLei 9.496, o que chamou de “discrepância”:

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Em 2011, a taxa Selic foi de 9,78%, enquanto a atualização monetáriaacrescida de juros dos contratos com Estados e Municípios variou entre17,98% e 21,32%. Essa discrepância tem acarretado dificuldades para que osreferidos entes federativos cumpram seus compromissos financeiros, econô-micos e sociais.

Conforme cálculos a seguir, fruto de simulação elaborada pela Au-ditoria Cidadã da Dívida para a dívida de Minas Gerais, caso aplicadas ascondições oferecidas pelo PLP 238, partindo de um estoque de R$ 63,4bilhões no início de 201316 e considerando-se todos os pagamentos devi-dos como efetuados, em 2028 (ano da suposta quitação completa da dívida,segundo a Lei 9.496), o estoque dessa dívida ainda estaria em R$ 84 bilhões.

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Ano

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

2022

2023

2024

2025

2026

2027

2028

Saldo Devedor -Início do ano

63.400.000.000,00

66.515.620.098,12

69.638.532.425,30

72.740.777.788,73

75.788.898.566,24

78.743.134.522,02

81.556.514.291,28

84.173.829.854,78

86.530.479.845,80

88.551.165.885,93

90.148.424.313,58

91.220.973.629,92

91.651.855.718,22

91.306.346.368,08

90.029.607.829,17

87.644.052.996,84

Juros (IPCA+ 4%)

6.156.140.000,00

6.458.666.711,53

6.761.901.498,50

7.063.129.523,29

7.359.102.050,78

7.645.958.362,09

7.919.137.537,68

8.173.278.878,90

8.402.109.593,03

8.598.318.207,52

8.753.412.000,85

8.857.556.539,47

8.899.395.190,24

8.865.846.232,34

8.741.874.920,21

8.510.237.545,99

Pagamento (9% da RLR)

2.771.415.460,65

3.040.519.901,88

3.335.754.384,35

3.659.656.135,07

4.015.008.745,78

4.404.866.095,00

4.832.578.592,82

5.301.821.974,19

5.816.628.887,88

6.381.423.552,89

7.001.059.779,88

7.680.862.684,51

8.426.674.451,17

9.244.904.540,38

10.142.584.771,25

11.127.429.752,54

12.207.903.181,51

Saldo Devedor -Final do Ano

66.515.620.098,12

69.638.532.425,30

72.740.777.788,73

75.788.898.566,24

78.743.134.522,02

81.556.514.291,28

84.173.829.854,78

86.530.479.845,80

88.551.165.885,93

90.148.424.313,58

91.220.973.629,92

91.651.855.718,22

91.306.346.368,08

90.029.607.829,17

87.644.052.996,84

83.946.387.361,32

Fonte: Elaboração economista Rodrigo Ávila (Auditoria Cidadã da Dívida).

16 Juros = IPCA + 4% a.a, usando a estimativa do IPCA para 2012, para todos osanos; Crescimento anual da Receita Líquida Real: IPCA + crescimento real de4%%; obs.: simulou-se essas condições também para o ano de 2012, apesar de oPLP prevê-las apenas a partir de 2013.

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Como se depreende da tabela acima, estas novas condições nãoresolvem o problema da dívida de Minas, que continuará crescendo,dado que os juros nominais (IPCA mais 4% ao ano) são muito superio-res ao limite de 9% da Receita Líquida Real. É bom lembrar tambémque, apesar de a Selic estar, no final de abril de 2013, em 7,5% ao ano(abaixo do IPCA + 4%), a qualquer momento essa situação pode modi-ficar e reiniciar o ciclo de elevação, como já ocorrido no dia 17 de abril,quando a taxa subiu 0,25%.

Esta nova proposta procura legitimar uma dívida repleta de ques-tionamentos, tais como a aplicação de juros sobre juros (já consideradailegal pelo STF) e o recente erro de R$ 2,1 bilhões no estoque da dívida deMG com a União, denunciado pela Auditoria Cidadã da Dívida (NúcleoMineiro).17 As análises de sustentabilidade pressupõem a utilização deestimativas de evolução econômica de médio e longo prazo, que sãoparticularmente questionáveis num contexto de grande volatilidade daeconomia e incertezas comprovadas pelas constantes revisões – parabaixo – de distintas previsões publicadas por organismos nacionais epelo governo brasileiro. O mais grave é que o histórico do endivida-mento dos estados brasileiros é permeado de denúncias de ilegalidadese irregularidades, a exemplo das comprovadas pela CPI dos Precatóriosem 1997. Diante disso, é necessário realizar ampla auditoria dessa dívidadesde a sua origem.

Por essa razão, são altamente preocupantes as campanhas que estãosendo veiculadas para convencer a opinião pública de que uma “Renego-ciação” da dívida seria positiva para o Estado de Minas Gerais. Uma re-

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17 Erro dado ao conhecimento aos deputados através de Carta da Auditoria Cidadãda Dívida (Núcleo Mineiro), protocolada em 6 de setmbro de 2012 nos gabinetesdos deputados Adelmo Leão e Bonifácio Mourão. Constatamos a utilização detaxas de juros maiores que as constantes da Res. do Senado, 7,5%, que autorizouos financiamentos do Estado de Minas no âmbito da Lei 9496. No arquivo “Lei9496 – após jan. 2007.xls recebido pela comissão da SEF e repassado ao NúcleoMineiro na coluna “Juros” – detectamos que a taxa de juros mensais foi obtida di-vidindo 0,075 por 12, obtendo-se 0,00625; com este procedimento a taxa aplicadacumulativamente chega a 7,76% a.a (1,00625 elevado a 12). O mesmo problemaocorre com a dívida referente ao saneamento dos bancos estaduais, cuja taxa de6% acaba sendo 6,17 a.a.(não incluída no erro de 2,1b).

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Page 87: Livro Desvendando Minas - Descaminhos do projeto neoliberal

negociação sem auditoria constitui passo temeroso e representa atémesmo um risco de empacotar operações ilegais e ilegítimas. A auditoriadeve preceder qualquer renegociação, para que as parcelas ilegais e ilegí-timas sejam segregadas, e o processo garanta a participação cidadã.

AUDITORIA JÁ!

O momento atual exige o enfrentamento do problema, especial-mente diante do ambiente de crise financeira internacional que tem com-provado a geração de “dívida pública” a partir da atuação especulativa dosetor financeiro bancário, com fortes impactos sobre a sociedade.

É fundamental garantir transparência e promover a democratiza-ção do conhecimento sobre esse importante tema, mobilizando a so-ciedade em busca da Justiça Fiscal e Social.

O Estado de Minas não pode continuar pagando uma dívida ilegalà custa de sacrifício social. Somos o 3o Estado mais rico do Brasil, masessa situação não favorece à sua população, que possui mais de três mi-lhões de pobres e miseráveis, comunidades carentes, analfabetos, semmoradia ou vivendo em moradias inadequadas, sem acesso a saneamentobásico. Faltam recursos para investimentos em segurança, saúde, educa-ção e transportes, sendo que nossas estradas são as mais perigosas do País.

Pagamos elevados tributos ao Estado, principalmente o ICMS(embutido em produtos comercializados) e o IPVA (devido por todosos proprietários de veículos, do qual 50% são repassados aos municí-pios). O Estado recebe parte dos impostos pagos pelos mineiros ao Go-verno Federal (Imposto de Renda e Imposto sobre ProdutosIndustrializados) através do Fundo de Participação dos Estados (FPE).A dívida de Minas com a União tem baixo risco e alta liquidez porquese o Estado não pagar mensalmente, o valor que deveria ser pago (má-ximo 13% da RLR) o valor do repasse do FPE será retido pela União.

Por tudo isso, reivindicamos a realização de completa auditoriada dívida com participação cidadã, para que todo o povo mineiro possasaber, por exemplo: qual a origem dessa dívida do Estado de Minas Ge-rais? Qual a sua justificativa e contrapartida? Onde foram aplicados osrecursos? Até que ponto está sendo respeitado o princípio do federa-

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lismo e a autonomia dos entes federados? Quem se beneficiou da vendadas LFTEs? Qual era o valor real de tais letras no mercado, uma vezque a União as refinanciou por 100% de seu valor de face? Qual a ori-gem da dívida do PROES que foi repassada para o Estado de MinasGerais?

“O movimento social da Auditoria Cidadã da Dívida procura res-postas para estas e outras questões”,18 pois a subtração de recursos parao pagamento dessa onerosa dívida está diretamente relacionada à au-sência de serviços sociais de qualidade – saúde, educação, transporte pú-blico urbano e intermunicipal, segurança, etc. Em 2012, o investimentodo Governo Estadual, em todas as áreas foi de R$ 3,2 bilhões, ciframuito inferior ao valor destinado à dívida com a União. O princípio datransparência está sendo desrespeitado e o povo que tem arcado comessa pesada conta tem o direito a todas as informações sobre esse pro-cesso.

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18 Disponível em: <http://www.auditoriacidada.org.br>.

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Pedro Otoni

ARRANJOS POLÍTICOS E DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE

EM MINAS GERAIS

INTRODUÇÃO

A importância da dimensão política na história da industrializaçãoé ponto pacífico nas principais leituras sobre a formação econômica mi-neira. Assim, o papel do Estado ganha centralidade, como indutor eco-nômico de primeira ordem, um substituto dos capitalistas, ou até comoprodutor dos mesmos. Tendo a intervenção estatal como constante, di-ferentes arranjos políticos foram articulados em Minas ao longo do sé-culo XX, com o intuito de combater o atraso relativo perante seusvizinhos, São Paulo e Rio de Janeiro.1

Os arranjos políticos governantes em Minas alinham-se à noçãode que o progresso – em especial a industrialização – foi negado ao Es-tado pela ação de forças externas, nacionais ou internacionais. Essacrença social, com algum fundamento material, sedimentou-se durantedécadas no núcleo de decisão estadual, produzindo uma ideologia deenfrentamento à defasagem industrial. A vontade consciente e organi-zada na dimensão política deveria ser mobilizada como contra a ten-dência à marginalização econômica proveniente da livre ação domercado.

Com o advento do processo de liberalização econômica do finaldo século XX ocorreu uma mudança na política de compromisso entre

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1 “(...) a trajetória esperada em contextos de atraso econômico é no sentido da pri-mazia de fatores políticos sobre fatores de mercado. Esta primazia aparece, antesde tudo, no caráter diretivo de que se reveste o processo de desenvolvimento. OEstado, seus aparelhos e sua burocracia assumem particular importância como es-paços de coordenação estratégica da economia e de articulação dos interesses dosdiversos atores – tradicionais e emergentes – envolvidos no empreendimento damodernização” (Dulci, 1999, p. 37).

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os membros do condomínio de poder instalado em Minas Gerais. Osgovernos do PSDB (Partido da Social Democracia), a ideologia do“Choque de Gestão” e o “aecismo” estão inscritos nesse registro, quefigura como “ruptura” com a noção de desenvolvimento regional e con-solida a adesão subordinada ao padrão de reprodução do capitalismodependente, em sua fase globalizada.

O trabalho é divido em três partes. A primeira, denominada“Minas Gerais: a categorização como problema”, trata da questão me-todológica, explorado as categorias, conceitos e tipologias empregadasna literatura correspondente. Nesta oportunidade, apresento o con-torno do estilo de abordagem empregado no trabalho, em diálogo crí-tico com as análises de referência sobre o tema. A segunda, intitulada“Descaminhos do desenvolvimento regional mineiro”, analisa os dife-rentes arranjos políticos mineiros e sua relação com o desenvolvimentoregional. A terceira parte, “A ideologia do Choque de Gestão”, apre-senta o lugar político dos governos estaduais do PSDB na trajetória deMinas. Concluo apresentando uma sumária sistematização dos arranjospolíticos indicados e apontamentos sobre os contornos e limites do pactode compromisso neoliberal.

Evidentemente, a análise aqui apresentada não é exaustiva, tam-pouco o método empregado pretende abordar a totalidade do tema, emsua complexidade e nuances. Seu objetivo é, ainda que de forma limi-tada, desenvolver uma abordagem pela qual os acontecimentos da his-tórica econômica do Estado sejam interpretados pela política. Ou seja,procura identificar como o debate sobre o desenvolvimento regional semanifesta como poder.

MINAS GERAIS: A CATEGORIZAÇÃO COMO PROBLEMA

Estilos de abordagemA maior parte da literatura, que aborda direta ou indiretamente a

política mineira e o tema do desenvolvimento regional, utilizam de ma-neira pouco rigorosa, e até mesmo abusiva, categorias que merecem umtratamento atencioso. Refiro-me principalmente ao uso corrente dado

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aos termos: Elites Mineiras, Oligarquias e Tecnocracia.2 O propósito doitem é oferecer, a título exploratório, elementos para uma melhor com-preensão do uso das categorias, que são componentes do objeto do ar-tigo. Sem a pretensão de oferecer uma perspectiva minuciosa, masapresentar a questão da categorização e tipologia dos setores sociaiscomo um problema em aberto.

Utilizo a obra do argentino Jorge Graciarena, Poder y clases socialesen el desarrollo de America Latina (1967), como ponto de partida para otratamento das categorias Elite, Oligarquia na relação entre “sistema po-lítico” e “desenvolvimento econômico”. O autor constrói, em seu es-tudo, uma linha argumentativa que aborda de maneira bastante profícuaa interpretação das estruturas sociais e do poder político como um sis-tema complexo de interações. Assim, a determinação estrutural, em ter-mos de classes sociais, é traduzida analiticamente para a dimensãopolítica, materializando em “estruturas de poder” e “estruturas sociais”.Tal operação enriquece de conteúdo a luta de classes, transportando-apara níveis mais concretos de percepção, ou seja, indica a forma objetivaem que os interesses classistas se manifestam no cotidiano. Importa,para Graciarena, a maneira como esse processo de concreção políticados interesses classistas incide no caso específico da América Latina, ecomo o sistema político se relaciona com o desenvolvimento econômicono subcontinente.

Centralidade da política em formações sociais periféricas:Minas Gerais como exemplo

O Estado nas sociedades periféricas é o principal recurso mobili-zável pelas classes para materializar suas pretensões de poder social eeconômico. É naturalmente um recurso escasso e se estabelece comocentro da disputa entre os interesses contraditórios da sociedade. Ascausas desse fenômeno são muitas; no entanto, atenho apenas a esta: asituação de subordinação das sociedades de capitalismo dependente em relação à

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2 A obra de Otávio Soares Dulci, Política e recuperação econômica em Minas Gerais(1999), contraria a regra geral, pela qualidade e profundidade, não obstante a dis-cordância marginal que tenho em relação ao uso das categorias elencadas acima.

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dinâmica econômica dos países centrais implica na conformação de um quadrodesfavorável às necessidades de reprodução das burguesias locais. Em termoseconômicos, a ausência de controle efetivo do excedente econômicoleva o empresariado e a oligarquia da periferia do sistema a buscar pro-teção na capacidade de inversão pública, ou se associar de maneira su-balterna ao capital internacional, ou ainda, o que ocorre com grandefrequência, procurar as duas possibilidades. Quanto aos aspectos sociais,será por meio dos instrumentos do Estado, do uso de seus recursos deautoridade, que tanto a burguesia quanto a oligarquia são capazes deconservar uma ordem social marcadamente desigual, suscetível cons-tantemente a confusões populares, e por vezes revoluções, que desafiamsua condição dirigente.

Essa formulação, um tanto simplificada e genérica, colabora como entendimento do papel da política em formações sociais dependentes,na medida em que a tomamos como um primeiro lastro para a respostaao problema. Como afirma Graciarena:

Em los países subdesarrollados, las expectativas sobre la situacióneconómica y, también, las relaciones ante sus efectos están puestasmucho más em el gobierno que en la economía. Aun en países ogrupos donde la ideología dominante tiene fuertes tonos man-chesterianos la responsabilidad principal por la situación econó-mica sin excepción le es atribuída al gobierno, pues las diferentesactitudes del público al respecto se expresan en su mayor parte através del sistema político (Graciarena, 1967, p. 77).

En el subdesarrollo el impulso de las fuerzas económicas espon-táneas no sólo es débil sino raquítico y enfrenta una multitud deinterferencia que sólo pueden salvarse mediante una acción coor-dinada al nivel más general, es decir, mediante un plan o programade desarrollo que debe ser lanzado y sostenido politicamente (Graciarena,1967, p. 87, grifo nosso).

Tal caracterização exposta acima me parece válida para o caso deMinas Gerais, sobretudo por ser uma formação subnacional que reúne demaneira bastante clara as principais componentes do capitalismo depen-

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dente, definido por Diniz como uma “caricatura do capitalismo brasileiroatual: moderno, selvagem, público e estrangeiro” (Diniz, 1981, p. 21).

No entanto, nos interessa níveis mais concretos de análise, no qualessa formulação geral se manifesta como operações políticas dos atoressociais. Para esse intento, utilizo dois conceitos presentes em Graciarena(1967): os conceitos de “situação objetiva de poder ou poder real” e“poder efetivo ou político”. O primeiro pode ser definido como o poderde cada ator (grupos, setores sociais, organizações etc.) em decorrênciada sua posição própria na estrutura social, ou seja, deriva do volume,importância e do tipo de propriedade que controla, ou ainda sua loca-lização (central ou marginal) na estrutura produtiva. O segundo é de-terminado pelo lugar que indivíduos ou grupos ocupam no interior dasinstituições de importância política (governo, parlamento, exército etc.).Diante desse enquadramento analítico podemos ter grupos que mesmonão possuindo poder real amplo, ou seja, determinado estruturalmente,acabam por controlar, por meio da sua posição institucional (dentro doEstado), um grande volume de recursos políticos.

Em Minas Gerais, esse procedimento de compensação do baixopoder real por meio da acumulação de poder efetivo é uma chave de in-terpretação para o entendimento da centralidade da política no Estado.Esta abordagem possui um ganho analítico em relação àquelas que, aoestilo antropológico, procuram estritamente na cultura e na tradição aexplicação para o comportamento dos mineiros na seara pública.

Como trataremos na seção “Descaminhos do desenvolvimento re-gional mineiro”, os agentes econômicos em Minas Gerais sempre estive-ram em desvantagem relativa perante o centro dinâmico da economiabrasileira Rio-São Paulo. Tal condição levou-os a concentrar suas forçasna direção do Estado, no lugar de apostar a disputa no terreno do mer-cado, ambiente em que suas fragilidades estavam expostas e sem possibi-lidades de recuperação de posição pelo expediente econômico, stricto sensu.

Elites, oligarquias e tecnocracia em MinasO uso dos conceitos como elites, oligarquias e tecnocracia reflete

uma preocupação justa dos autores em, ao analisar o sistema de poderem Minas, não reduzirem suas interpretações a apenas categorias de na-tureza estrutural (classes sociais), sem nenhum tratamento de objetiva-

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ção na dimensão política.3 Seria um equívoco procurar uma correspon-dência direta e incondicionada entre situação de classe e a manifestaçãode seus membros na disputa social, política e econômica. Tal estiloganha em elegância o mesmo que perde em capacidade elucidativa. Aação de cada classe social não pode ser entendida como um sistema deoperações calculadas e sempre informadas por seus interesses gerais,não se trata de um regime de “escolhas racionais”.4 Assim, é admissível,e até mesmo necessário, a formulação de categorias que operem no sen-tido de atribuir vigor as análises, por meio de sua objetivação. É igual-mente necessário evitar o uso abusivo e até mesmo intuitivo deconceitos, que carecem de tratamento reflexivo para cumprir com suafunção explicativa; é o caso dos conceitos dispostos acima.

Dulci (1999) sustenta a existência em Minas de quatro elites: agrá-ria, política, empresarial urbana e técnica. As duas primeiras teriam umregistro tradicional (rural) e as duas últimas seriam produto da moder-nização e urbanização, bem como as elites política e técnicas estariamidentificadas com o setor público, enquanto as elites empresarial urbanae agrária ao privado. O autor afirma pela existência um “jogo das elites”na conservação do seu poder político, em um período de transformações(industrialização), no qual a diversificação social decorrente da urbani-

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3 Para uma análise política é imperativo levar em conta os conflitos no interior dasclasses, entre grupos que, mesmo tendo a mesma inscrição estrutural, divergem edisputam a direção e o controle do poder.

4 Tão pouco as instituições classistas – sejam entidades sindicais (patronais ou de tra-balhadores), associações, partidos ou movimentos populares – representam os inte-resses de toda a sua “base social”. Tal pensamento “representativo” não é mais queuma ideologia burguesa, que contamina até mesmo setores reformadores e revolu-cionários. A representação perfeita, a correspondência direta entre direção e dirigidos,a pureza dos tipos ideais, a coerência incondicionada à vontade geral são, no máximo,ilusões úteis à ordem. Apenas o pensamento, as ideias, os programas e as proposiçõessão passíveis de representação; partidos e outras instituições representam um enun-ciado que tem origem em um grupo ou liderança que, em uma conjuntura específica,é apoiada por maioria ou parcelas de determinada coletividade, importantes o sufi-ciente – seja por seu número, seja pelo os recursos econômicos e políticos que controla– para se materializar, em seguida, por imposição ou concertação, em uma linha geralválida para todos, não excluindo as ações de oposição e sabotagem desta orientaçãopor parte do setor vencido pertencentes a este mesmo conjunto social.

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zação impõe atualizações do papel e da importância de cada elite, emconflito ou justapostas em um acordo de modernização conservadora.Em outra perspectiva, Amilcar Vianna Martins Filho, em sua Economiapolítica do café com leite, 1900-1930 (1981), assume mais incisivamente oconceito de oligarquia mineira, enfatizando as ideias de patrimonialismoe clientelismo. A administração pública, nesta abordagem, estaria a ser-viço dos interesses mais imediatos e discricionários da oligarquia, quede forma arbitrária tomaria as decisões, sem necessidade de intercâmbiopolítico com outros setores sociais. Em sua perspectiva, a questão damodernização precoce em Minas Gerais é rejeitada, bem como o signi-ficado político do Estado na construção de um projeto de desenvolvi-mento para além dos interesses particulares imediatos dos oligarcas.

Cabe, no entanto, precisar inicialmente as características que dis-tinguem os conceitos de oligarquia, elite e tecnocracia e com isso identi-ficar a pertinência ou não do seu emprego no caso mineiro. E mesmosendo válido, é importante observar a extensão e profundidade do seuemprego.5

A oligarquia, conceitualmente, é identificada como um estrato socialque tem origem estrutural nos setores primários, e em algumas situações,terciários. É dizer, ao que se refere às classes sociais, a oligarquia, predo-minantemente, é composta por latifundiários e/ou proprietários deminas. Tendo seu ambiente de reprodução conectado com espaço rural,caso dos latifundiários, e no espaço urbano, no caso da oligarquia rentistada extração mineral. A fonte principal do poder real (situação objetiva depoder) é a propriedade da terra, em termos gerais. A base de recruta-mento oligárquica é restrita aos proprietários; possuem alto grau de so-lidariedade entre seus membros que constroem relações baseadas,prioritariamente, nas afinidades regionais, socioculturais e parentais. Olastro econômico dessa homogeneidade oligárquica está na manutençãodo controle fundiário e na conservação do sistema primário-exportador,

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5 A categorização ofertada no tópico não é exaustiva, tampouco descreve com precisãoa realidade dos arranjos políticos em Minas Gerais. Os termos indicados devem serentendidos como uma aproximação, limitada, do objeto do artigo. Será por meiosdestas categorias que desenvolveremos os argumentos adiante, nos quais os conceitosque porventura se encontrem com carga abstrata serão dotados de maior concretude.

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tendo, portanto, um alto grau de dependência econômica com o exterior.O tipo de controle social oligárquico é mais indireto no que se refere aocontrole das instituições e pulverizado geograficamente em termos desua fonte de irradiação de poder, isso porque dispõe de instrumentos pró-prios de imposição de sua autoridade, não dependendo exclusivamentedos aparelhos de estado (polícia, tribunais, etc.). O Estado é, portanto,instrumento e não fonte de poder oligárquico. Assim, internamente à oli-garquia, o poder é exercido por meio de expedientes personalizados (laçosde amizade e familiares), no que se refere ao controle externo, também épersonalizado e se manifesta pelo coronelismo, caciquismo e caudilhismo(Graciarena, 1967, p. 58-59).

A elite, tratando ainda no nível conceitual, é conformada, em ter-mos de origem de classe, de modo mais heterogêneo, no qual o recru-tamento de seus membros é realizado, predominantemente, em setoresurbanos da pequena burguesia, profissionais liberais e indivíduos de ori-gem oligárquica que transitam para ocupações de maior exigência deconhecimento técnico-acadêmico. As bases de incorporação e ascensãono interior da elite são menos pessoais e seguem critérios funcionais,assumindo padrões de racionalidade mais avançados do que a oligarquia.Logo, a solidariedade é mais frágil entre seus membros, e está susten-tada por requisitos ideológicos e práticos, excluindo em grande parteinterações de natureza parental e afinidade pessoal. A autoridade é exer-cida de maneira direta, emanada do posto na estrutura estatal e insti-tuições dotadas de poder político; nesse caso o Estado é fonte de poder.Assim, o estilo de controle social elitista passa muito mais pela utilizaçãodo poder efetivo (institucional) do que de sua situação objetiva de poder, viade regra mais restrita se comparada com a oligarquia. Deriva dessa con-dição que o poder da elite é mais político do que econômico. A baseque unifica e divide a elite é necessariamente o controle da política deEstado. Seu estilo de controle social externo é impessoal, se dá por meioda força policial, sistema judiciário, propaganda e discursos, nos quaissuas posições são difundidas como o “interesse geral” da população.Procuram estabelecer um “consenso social” em torno da ideia de que aelite é eficaz, moderna e impessoal, e estaria melhor preparada para acondução dos serviços públicos. A relação entre elite e agentes do capitalexterno se dá, prioritariamente, pela convergência de aspectos ideoló-

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gicos e políticos, em termos de modernização, progresso e desenvolvi-mento (Graciarena, 1967, p. 58-59).

Cabe, a partir dessa caracterização geral dos conceitos de elite eoligarquia, desenvolver uma categorização que se aproxime da realidademineira, haja vista que a formulação acima opera apenas como funda-mento e não esgota a questão. Os conceitos “puros” são didáticos e au-xiliam a exposição, mas estão longe de abarcar a complexidade dofenômeno social. Em Minas Gerais, a estratificação social assume con-figurações particulares, próprias de sua condição periférica dentro deum espaço nacional dependente. É importante destacar, seguindo a pro-posta de tipificação de Graciarena (1967), que tanto a elite quanto a oli-garquia se transformam e imbricam-se durante o processo demodernização, distanciando-se do registro conceitual exposto anterior-mente. Nesse sentido, é fundamental o apontamento de tipos interme-diários, que mesmo apresentado algum nível de ambiguidadeconceitual, aproxima-se de maneira mais apropriada à realidadeobjetiva.

Se a hipótese deste artigo estiver correta, existiu em Minas umasequência histórica de grupos dirigentes que transitaram do padrão oli-gárquico para o elitista dentro de um sistema de reconciliações perma-nentes sustentada por uma política de compromissos dentro do blocodominante estadual.

Até o fim do Ciclo do Ouro, Minas Gerais foi dirigida por umaoligarquia mineradora, marcadamente urbana e escravocrata, dentro deum padrão monolítico de exercício do poder, constrangido diretamentepelo poder colonial. Será com o declínio da atividade mineradora queo centro de reprodução da autoridade oligárquica se transfere para oespaço rural, ou seja, para o interior do Estado e se pulveriza geografi-camente. A desconcentração espacial da autoridade oligárquica veioacompanhada da perda relativa de poder real. Distribuídas por rincõesisolados e desarticulados, a oligarquia, agora com um padrão de repro-dução latifundiário, encontra-se em uma situação bastante desconfor-tável, possuindo um baixo dinamismo econômico e constrangida pelocrescimento dos seus vizinhos paulistas e fluminenses.

A oligarquia latifundiária de Minas, como resposta à situação des-favorável, transita com relativa rapidez e precocidade, se comparada

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com situações semelhantes na América Latina,6 para um padrão de re-produção mais aberto. A necessidade de enfrentar a vulnerabilidade eco-nômica e de poder levou a oligarquia estadual a construir um conjuntode compromissos que teve como centro a diversificação produtiva e in-dustrialização, e possui como marco histórico (e também simbólico efuncional) a construção da capital Belo Horizonte em 1897 e a realiza-ção do Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, fenômenoque será desenvolvido adiante. Tal “tomada de consciência” da oligar-quia de Minas Gerais, principalmente no que se refere a sua adesão aoparadigma de modernização via industrialização, expõe de maneira ob-jetiva a transfiguração que sofria internamente. Em outros termos, aoligarquia latifundiária reinventava-se com uma oligarquia pluralista(Graciarena, 1967, p. 65).

A necessidade de desenvolvimento econômico, associada ao com-promisso de manutenção do sistema oligárquico, levou a construção deum regime político-social regional que a um só tempo conservou prer-rogativas dos setores tradicionais e incorporou, de forma subalterna, àsprincipais esferas de decisão, em especial à administração do Estado,setores até então segregados do circuito do poder. Essa capacidade deagregação é demonstrada na própria configuração dos delegados aoCongresso de 1903, composta majoritariamente por membros do inte-resse do latifúndio, porém com a participação ampla de profissionais li-berais e empresários da indústria e do comércio (Dulci, 1999). Outroaspecto importante e distinto do período anterior reside na questão daadministração estadual; os oligarcas passam a necessitar contundente-mente do controle do Estado para gerenciar os compromissos e o pro-grama modernizador; o uso do poder efetivo (institucional) torna-seimperativo.

O processo de atualização da oligarquia gesta no seu interior oinício de sua caducidade. A inclusão dos setores urbanos (engenheiros,comerciantes, industriais) dentro do bloco dirigente estadual lhes con-fere, em um ambiente de modernização, uma autoridade política em-balada pela crença informada pelo positivismo, que indica como virtude

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6 Esse fenômeno ocorrerá com maior frequência na América Latina a partir da décadade 1930.

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a ordem, a modernidade e a cientificidade na condução da administra-ção pública, da economia e da sociedade. A acumulação de força dessessetores urbanos no interior dos governos irá promover uma nova atua-lização do bloco dirigente mineiro a partir da década de 1930, com aformação de uma elite propriamente dita.

Nos anos de 1930, ocorre a conformação de um novo arranjo po-lítico estadual no qual o sistema oligárquico pluralista é substituído pelosistema elitista. Nesse sentido, cabe destacar que a mudança do arranjopolítico não se dá por meio de uma ruptura ou exclusão de partes doanterior, mas por uma reconfiguração da hierarquia dos setores no in-terior do bloco dirigente. Ou seja, os setores oligárquicos perdem es-paço de direção e autoridade política na administração do Estado. Amudança sem ruptura se dá principalmente porque os termos do pactode modernização não se alteraram e os compromissos entre setores ur-banos e a oligarquia permaneceram vigentes. Cabe ainda ressaltar quea forma de composição social da elite mineira, que também incorporamembros de origem oligárquica que adquiriram conhecimento técnico-acadêmico ou migraram para o setor industrial ou comercial, colaborapara uma relativa “estabilidade na mudança”, ou seja, a perda de poderefetivo da oligarquia não aparece para os sujeitos, em seu tempo, comouma derrota frontal. Por outro lado, o próprio ambiente econômico, osnegócios no ramo agrícola, também se modernizava gradativamente, ecom isso diminuía a possibilidade de qualquer reação explosiva por partedesse setor.

A elite mineira que assume o controle político do Estado a partirdos anos de 1930 é tampouco típica, poderíamos defini-la como elite--conservadora. No sentido de que suas pretensões em executar um pro-grama de modernização sempre foram fortemente constrangidas porsua política de compromissos com os setores oligárquicos. Ou seja, oprocesso de mobilização social dos anos de 1930 e 1940 – em que amassa popular, principalmente urbana, começa a operar como um atorpolítico relevante não teve o mesmo efeito e extensão em Minas Gerais.A abertura para a participação social não foi uma opção razoável para aoligarquia, receosa dos questionamentos “dos debaixo” em relação aoregime de privilégios, principalmente fundiários, que ostentava. A es-tratégia da elite mineira foi procurar garantir o máximo de unidade no

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interior do arranjo político, executar uma política de desenvolvimentopreservando os interesses dos setores incorporados ao arranjo, e fazero enfrentamento ao capital estrangeiro primário-exportador de minério.Alcançar o controle do Governo Federal sempre foi uma pretensão per-seguida e por vezes conquistada, no sentido de levar às últimas conse-quências a lógica de compensação da perda de poder real por meio docontrole do poder efetivo.

A chamada tecnocracia apresentada nas obras de Dulci (1999) eDiniz (1981) como um setor social “a parte” da elite dirigente, a meuver, é imprópria. Dulci, inclusive afirma que existe uma “elite política”e uma “elite técnica” (Dulci, 1999, p. 157). Ocorre que toda elite diri-gente requer a conformação de um quadro técnico amplo de profissio-nais especializados, ou seja, uma intelectualidade de Estado que sejaformuladora das diretrizes administrativas, e legitimadora social das op-ções políticas do grupo hegemônico, por meio do discurso da raciona-lidade na condução da coisa pública. Não há razão em admitir aexistência de uma “elite técnica” com interesses próprios em Minas Ge-rais, apartados do grupo dirigente, tampouco podemos perceber um go-verno de técnicos, conforme sugere a noção de “tecnocracia”.

O que levou a cristalização da ideia de “tecnocracia” ou “elite téc-nica” na literatura e no pensamento dos mineiros foi menos sua exis-tência factual e mais a profunda habilidade da elite-conservadora emlegitimar socialmente suas posições e manobras, que se apresentavampara a sociedade como decisões embasadas cientificamente.

Não é produtivo descartar o papel da intelligentsia de Estado nasdecisões do Governo; não é este o sentido do argumento aqui apresen-tado. Tampouco reduzir o parecer do conhecimento produzido pelostécnicos a meros instrumentos de legitimação. De outro modo, afirmoque a distinção entre “Elite Técnica” (ou tecnocracia) e “Elite política”é formal e didática, tem o valor de reconhecer a importância e existên-cia, em Minas Gerais, de um pensamento articulado em torno do temado desenvolvimento, que teve como lastro estudos de peso sobre a rea-lidade regional. Enfim, é preciso reconhecer a virtude do argumentoapresentado na literatura e salvá-lo dos seus excessos.

Esta elite mineira também alterou sua configuração interna e suadiretriz política-ideológica, a partir da década de 1950, em decorrência

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da derrota de seu projeto de industrialização e diversificação produtiva.A elite-conservadora – que resistiu às propostas do capital estrangeirovoltadas para a especialização produtiva com ênfase na exportação deminérios in natura – ao perder o projeto da CSN (Companhia Siderúr-gica Nacional) – perdeu também a possibilidade de se constituir comovanguarda do parque industrial de coque nacional, o que possibilitariaao Estado uma posição muito mais igualitária perante São Paulo e Rio,e muito menos subalterna em relação ao capital externo. Esta derrotaestratégica do projeto da elite-conservadora fez ascender em poder, nointerior do arranjo político e do pacto de compromisso, setores conec-tados política-ideologicamente como as empresas multinacionais.Assim, mais uma vez uma nova hierarquia é formada no interior dobloco dirigente, que marginalizou o pensamento desenvolvimentista daelite-conservadora e ao mesmo tempo seguiu sustentando os privilégiosdos setores remanescentes da oligarquia do interior. Podemos definireste novo setor social hegemônico como elite-dependente.

A elite-dependente se caracterizou pela associação com o capital ex-terno e pela especialização produtiva, iniciada no governo JK, por meioda política conhecida como “Binômio Transporte-Energia”, conformeserá abordado adiante. A fonte de poder efetivo da elite-dependente nãoé unicamente o Estado (governo e administração), mas de maneira subs-tancial, as instituições e companhias estatais. É o caso da CEMIG,BDMG e INDI, que, mesmo sendo instituições públicas, possuíam umalto nível de autonomia perante a administração e influenciaram deci-didamente os rumos da economia mineira. Esta autonomia perante ogoverno não implica antagonismo entre governantes e estas instituições,mas uma divisão complexa de tarefas, com algum nível de conflito, den-tro de um registro de compromissos internos à elite. A autonomia ad-ministrativa e financeira das instituições (CEMIG, BDMG, INDI)contribuía, e segue contribuindo, para a execução da política do blocodirigente, e da elite em específico, sem necessitar do cumprimento deprocedimentos da administração pública direta, em especial os sistemasde controle financeiro, jurídico e políticos dos atos do Executivo, pró-prios do regime republicano e das democracias liberais. A elite-depen-dente logrou ampliar seu poder efetivo para além dos governos e adquiriruma liberdade de condução que faz lembrar os regimes oligárquicos.

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Sistema regional de poder e arranjos políticosCabe agora indicar os contornos e o padrão de relação entre os di-

ferentes grupos políticos dirigentes em Minas Gerais. Para tanto, indica-mos a noção de sistema regional de poder e arranjos políticos. O primeiro podeser definido como o padrão de relação dos diferentes grupos políticos nacondução/manutenção/disputa do poder regional, quando analisado doponto de vista histórico, ou seja, com um alcance temporal mais longo. Osegundo refere-se a diferentes configurações hierárquicas desses grupos,em uma determina situação, ou seja, trata-se da conjuntura do poder.

Em Minas, o sistema regional de poder se aproxima do que Gracia-rena definiu como “política de compromisso”. Podemos descrever estesistema da seguinte maneira:

En general, la política de compromisso se puede caracterizar como for-mada por acuerdos tácitos o manifiestos entre grupos políticoscuyo fundamento principal consiste en: a) el reconocimiento yaceptación de la legitimidad de los intereses de los grupos queparticipan em dicha política, lo cual coincide en gran medida conla propia definición que de sus intereses formulan dichos grupos;b) supone por lo tanto la legitimidad de los grupos mismos; c) elcompromisso gira en torno de la definición y delimitación de lasáreas cubiertas por los intereses reconocidos y legitimados y lainstauración de mecanismos de institucionalización del conflitoentre los diferentes intereses representados, y d) inmediatamenteel compromiso supone una afirmación de la importancia de con-servar el status quo logrado, aunque esto pueda ocasionalmentecoincidir, sin negarlo con um sostenido forcejeo sobre las fronte-ras de las áreas compreendidas por los diferentes intereses reco-nocidos (Graciarena, 1967, p. 84, grifos do autor).

O uso de tal caracterização colabora para o entendimento de queem Minas Gerais, historicamente, foi construído um regime específicode interação entre os grupos dirigentes (oligarquias e elites) que temcomo núcleo de convergência os seguintes pontos: a) manutenção daoligarquia, da elite e do empresariado (posteriormente) no interior dobloco dirigente e no controle da administração estadual; b) desenvolvi-

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mento de uma política de modernização via industrialização; c) manu-tenção da unidade territorial do Estado; e d) disputa econômica e polí-tica com o centro dinâmico do capitalismo brasileiro, São Paulo e Riode Janeiro. Ressalta-se, para não haver engano, que este sistema regionalnão esteve isolado das alterações políticas e econômicas brasileiras; oque se afirma aqui é que Minas se insere no espaço regional por meiodesde sistema, criando obviamente um estilo de interação no cenárionacional que lhe é característico. Caracterizo este pacto entre os mem-bros do consórcio de poder como política de compromissos oligarca-elitista.

O sistema regional de poder, sob uma política de compromissos, nãoimplica necessariamente deduzir a existência de estabilidade no Estado.Os conflitos entre as diferentes frações do bloco dirigente é uma cons-tante histórica, porém não se dá por meio de rupturas de grande im-pacto, ou por meio da exclusão de setores inteiros. As cisões, geográficasou políticas no interior do bloco poderiam acarretar uma maior margi-nalização do Estado no ambiente nacional e uma fragilização do con-domínio de poder instalado, perante os setores excluídos da política decompromisso, o que não interessa a nenhum membro do pacto de com-promisso. Foi por meio desta habilidade em administrar suas fragilida-des que o bloco dirigente, ao longo da história do Estado, logrouconservar sua importância na política nacional – mesmo não sendoMinas a principal força da Federação. Daí cristalizou-se a ideia – ali-mentada pelos mineiros, diga-se de passagem – de que Minas Geraisseria o “fiel da balança” da política brasileira.

Em resumo, o sistema regional de poder em Minas é caraterizadopela manutenção de um pacto de compromissos entre as elites e oligar-quias, em suas diferentes composições históricas. Há, logicamente, oreconhecimento da legitimidade de seus membros em possuírem espa-ços de poder efetivo, mesmo que a configuração da relevância de cadaparte se altere ao longo do tempo. Os conflitos entre frações do con-domínio de poder são administrados por meio da acomodação de inte-resses (distribuição de espaços) dentro da administração estadual e suasextensões, que procura considerar, geralmente, o peso político e suafuncionalidade para a preservação do sistema.

Utilizo a noção de arranjo político7 para definir uma determinadaconfiguração de forças sociais no interior do bloco dirigente. Isso porque

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os grupos políticos e estratos sociais que compõem o pacto de compro-missos do sistema regional de poder estão submetidos, internamente, auma ordem social competitiva e assimétrica; é dizer que os membros dobloco possuem recursos econômicos e políticos diferentes em volume, ex-tensão e efetividade e, portanto, controlam parcelas distintas do poder efe-tivo. A competição gera alterações na hierarquia internas dos membros dobloco, e, logo, um rearranjo entre forças dominantes e forças subalternas.Trata-se de uma definição de alcance médio (em termos históricos), o quepodemos indicar como a conjuntura do poder.

A título de exemplo, durante o período de oligarquia pluralista emMinas Gerais o arranjo político era composto pelos oligarcas nas posi-ções centrais e a elite era incorporada de maneira subalterna ao bloco.A partir da década de 1930, esta hierarquia se altera, pelas razões apre-sentadas neste trabalho, o que leva a uma mudança do lugar ocupadopor cada um dos setores: os oligarcas são marginalizados dentro dobloco e a elite-conservadora sai da condição de subordinação e passa aocupar o lugar de força dirigente.

Em resumo, a hipótese do artigo indica que Minas Gerais possuium sistema regional de poder regido por uma política de compromisso oli-garca-elitista entre os membros do condomínio de poder. Sob esta con-dição, se desenvolveram diferentes arranjos políticos, desde a oligarquiapluralista (final do século XIX até a 1930), elitista-conservador (entreas décadas de 1930 e 1950) e elitista-dependente (da década de 1950 até1985). Da metade da década de 1980 em diante ocorreu uma alteraçãode grande profundidade, que encerra a vigência daquela pactuação, queé substituída por uma de natureza neoliberal, conduzida por um arranjopolítico distinto em composição social e programa, denominado polí-tico-empresarial.

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7 Cabe ressaltar que a noção de arranjo político não se confunde com a de coalizão par-tidária, que possui um alcance muito limitado, restrito a acordos eleitorais e de go-verno. Um determinado arranjo político geralmente absorve a possibilidade depactos eleitorais diferentes, sem necessidade de alterações substanciais em sua ar-quitetura interna. Até mesmo durante um governo, pode existir diferentes coaliza-ções partidárias em seu percurso. Uma vertente de explicação possível para estefenômeno situa-se na compreensão de que a correspondência entre posição parti-dária e representação de interesses de estratos sociais é frágil, em termos gerais.

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DESCAMINHOS DO DESENVOLVIMENTOREGIONAL MINEIRO

Raízes do atrasoNo período colonial as iniciativas de manufatura encontravam-se

bloqueadas por determinação legal proveniente da Metrópole. Situaçãoque levou Minas a se especializar durante todo o Ciclo do Ouro no pro-cesso de extração mineral e cultura de gêneros alimentícios auxiliares àatividade mineradora. Com o colapso da extração aurífera (1760), o cen-tro dinâmico da economia regional foi transferido para a Zona da Matae Sul Mineiro, aproveitando do impulso da demanda fluminense de gê-neros alimentícios gerado com a instalação da Corte no Rio de Janeiro(1808), e com a expansão da cafeicultura no Vale do Parnaíba (1830)(Paula, 2002).

A indústria siderúrgica nasce prematuramente em Minas surgecomo resultado das condições particulares da província, geografica-mente isolada e sustentada pelo trabalho escravo. Segundo Paula (2002,p. 7), a siderurgia se desenvolve em Minas, durante a maior parte doséculo XIX, como atividade auxiliar a extração subterrânea de ouro,aliando técnicas de fundição africanas e equipamentos europeus. A pro-dução siderúrgica comercial agia no sentido de “substituir a importa-ção” de peças de ferro provenientes do exterior, uma vez que nãoencontravam disponíveis no país. No entanto, o que parecia ser um sinalpromissor para o processo de industrialização se demonstrou um obs-táculo. “O papel do escravo será, ao mesmo tempo, catalisador e blo-queador no avanço da siderurgia mineira da época” (Paula, 2002, p. 7).A partir de 1880, com a abolição da escravidão e a ampliação da redeférrea no território mineiro, que reduziu o preço de peças importadas,a manufatura siderúrgica entrou em colapso, antes de completar a tran-sição do artesanal beneficiamento do ferro com emprego de trabalhoescravo, para a indústria moderna empregadora de mão de obraassalariada.

O isolamento geográfico, a inexistência de um polo exportador ede um polo articulador regional, a escassa mão de obra assalariada, aausência de um mercado consumidor interno, a dispersão espacial daatividade econômica e da força de trabalho e dificuldades técnicas na

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exploração da atividade principal do estado (a minério-siderurgia)8 sãofatores de obstrução ao desenvolvimento industrial mineiro oitocentista,tanto na siderurgia como em outros ramos (têxtil por exemplo).9

No final do século XIX, enquanto a região central de Minas sofriaos efeitos da integração das ferrovias e a abolição do trabalho escravo,Rio de Janeiro, São Paulo e a Zona da Mata (Juiz de Fora) acumulavamcapital com o comércio exterior do café. Fonte de recursos que se de-monstrou estratégica para o primeiro ciclo de industrialização paulistae fluminense. Restou a Minas a condição periférica, desarticulada re-gionalmente, sem poupança e mercado consumidor. Ao seu favor, ape-nas um enorme contingente humano, que na República é uma vantagemconsiderável quando conversível em votos.

Os mineiros fazem política por necessidadeA oligarquia estadual – até o momento, dispersa em disputas locais

– se vê obrigada a enfrentar o problema da integração regional do Es-tado e produzir uma linha geral de intervenção governamental quecombatesse a condição periférica. O símbolo desta “tomada de cons-ciência” se materializa na construção da nova capital, Belo Horizonte,marco de um novo arranjo de poder em Minas. Porém será no CongressoAgrícola, Industrial e Comercial, realizado em 1903, em Belo Horizonte,organizado pelo Governo do Estado, sob a direção de Francisco Salles(1863-1933), que se estabelece uma convicção prática em torno de umaagenda “desenvolvimentista regional” (Dulci, 1999, p. 43).

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8 Para uma maior discussão sobre os elementos elucidativos da incapacidade deMinas, acompanhar o impulso dos estados vizinho, cf. Diniz (1984).

9 Até mesmo o setor aurífero não desempenhou papel relevante na economia mineirado século XIX. “O balanço que podemos realizar a respeito do desempenho pro-dutivo das Cias. Estrangeiras na mineração aurífera subterrânea em Minas Gerais,no século XIX, é de fracasso. (...), identificamos três fatores para tal fato: o elevadonúmero de Cias., representava uma considerável dispersão de capital; alto custo noemprego de tecnologias nos empreendimentos; por fim, a maioria das jazidas tra-balhadas pelos empreendimentos estrangeiros compunha-se de depósitos já esgo-tados ou de uma pobreza de produção que nunca teria permitido uma exploraçãomais rentável deste ramo” (Paula, 2002, p.10).

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Como afirma Dulci (1999), o Congresso mobilizou frações sociaisurbanas e setores da oligarquia latifundiária para a problemática da crisemineira, e sua resposta mais destacada foi indicar o Estado como centropromotor da recuperação econômica. A intervenção estatal era enten-dida como a articulação de uma série de diretrizes protecionistas, visãoque irá evoluir posteriormente para a ideia de uma economia do setorpúblico. Na dimensão política, stricto sensu, o Congresso funda o que po-demos chamar de “partido” de Minas, ou seja, um campo de conver-gências de posições da oligarquia latifundiária e dos extratos urbanos(engenheiros, profissionais liberais, industriais e comerciantes) em tornode uma proposta de ação junto à União e ao governo estadual.

Os setores dirigentes mineiros entenderam que a unidade de açãoseria seu trunfo nos tempos de República. O instrumento do voto, aforça dos caciques em seus “currais eleitorais”, um programa definido,poderiam, se articulados, elevar o status político das lideranças mineirasno regime republicano. Dulci (1999, p. 45) indica, com razão, que umdos resultados práticos do Congresso foi a eleição do primeiro mineiro àPresidência da República em 1906, Afonso Pena (1847-1909), e JoãoPinheiro (1860-1908) à presidência estadual também em 1906, devidoao papel que desempenhou durante o evento. Minas se consolida comoum operador importante no jogo do poder nacional, internamente gestaum arranjo político que promove a aliança estratégica, ou seja, uma po-lítica de compromissos entre a oligarquia e setores sociais urbanos. Clas-sifico este arranjo político como oligarquia pluralista.

As políticas econômicas no âmbito estadual prevista no Congressoforam iniciadas na gestão de João Pinheiro,10 que se destacou pela ten-

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10 “Pinheiro era empresário da indústria, mas no governo via-se como ‘direto repre-sentante das classes produtoras’, dedicado à tarefa de mobilizar todas as suas fra-ções em torno da estratégia de modernização. Avesso ao jogo miúdo dos chefespolíticos, referia-se como frequência à necessidade de substituir a ‘política parti-dária’ pela ‘política econômica’, querendo significar que o estilo convencional depolítica, próprio das disputas oligárquicas de poder, devia dar lugar a um padrãopolítico-administrativo diferente, orientado para os interesses da produção. Paraele, papel principal no projeto de recuperação econômica cabia às ‘classes con-servadoras’. Estas, no entanto, careciam de organização, e o Estado devia ajudá-las a se estruturar, tanto no plano empresarial quanto no plano corporativo, naagregação de interesses” (Dulci, 1999, p. 46-47).

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tativa de diversificação econômica, sem recuar da preocupação centralem relação ao setor agrícola. Uma característica relevante do pensa-mento de Pinheiro foi a aposta na constituição de uma “intelectualidadede Estado”: funcionários públicos que por meio da técnica e relativa in-dependência em relação às disputas oligárquicas poderiam impulsionaras diretrizes de desenvolvimento regional. A “ideologia do tecnicismo”,inaugurada por João Pinheiro, marcará de maneira bastante profundaa lógica de legitimação do poder governante em Minas (com repercus-sões até os dias atuais), abrindo caminho para a formação um novo ar-ranjo político de natureza elitista, décadas depois.

Esta opção pelo progresso técnico se manifestou concretamentena década de 1920, com a instituição da Escola Superior de Agriculturae Veterinária em Viçosa (Dulci, 1999, p.51), que teve como objetivoformar quadros para funções dirigentes das estruturas estatais, em es-pecial para a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, secretaria, àépoca, que de fato coordenava a política de desenvolvimento, inclusiveem outros campos como a indústria e o comércio.11 Na década de 1930as Ciências Agrárias são substituídas pelas Engenharias no fornecimentode técnicos, “intelligentsia” para as funções estatais, a Escola de Minasde Ouro Preto12 e a Sociedade Mineira de Engenheiros serão as prin-cipais instituições difusoras do pensamento técnico-desenvolvimentistano âmbito estatual. Esta hegemonia dos engenheiros será rompida ape-

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11 Segundo Clélio Campolina, “foi pois na Secretaria de Agricultura que se formouo ‘embrião da Tecnocracia Mineira’, deslocada posteriormente para outros órgãos,de acordo com cada momento político e institucional. Na década de 1950, naCEMIG. Na década de 1960, na CEMIG e no BDMG. Na década de 1970 seriageneralizada por toda a administração pública estadual (...)” (Diniz, 1981, p. 42).

12 Mesmo tendo sido fundada em 1876, ou seja, antes da Escola Superior de Agri-cultura e Veterinária de Viçosa, cujo projeto é de 1920 e a inauguração ocorreuem 1926, a Escola de Engenharia de Minas de Ouro Preto só assumirá a vanguardado pensamento técnico estatal na década de 1930. Isso porque o projeto da referidaescola data da primeira metade do século XIX, quando ainda havia uma pulsão nosentido da dinamização econômica no setor mineral, que seria apoiado pela ex-pansão do ambiente urbano. No período em que foi inaugurado o cenário haviamudado, a crise da mineração levou a transferência do setor dinâmico da produçãopara o setor agrícola, o que explica a predominância dos técnicos vinculados à agri-cultura na administração estadual.

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nas na década de 1970, quando os economistas ganham espaço e assu-mem a posição central na direção técnico-político das estruturas de Es-tado (Diniz, 1981, p. 40-42).

O “desenvolvimentismo regional” foi o fundamento ideológicoda elite que se formava no interior da política de compromisso oligarcapluralista; vislumbrava a industrialização, tanto da agricultura como dacadeia produtiva do minério como chave de superação do atraso. A par-tir da década de 1930, com a predominância dos engenheiros no interiorda intelectualidade estatal, se manifesta de maneira mais decidida os de-bates acerca da estratégia de desenvolvimento em Minas.

Minas conquista – como resultado da política de substituição deimportações, protecionismo, investimento técnico e instalação de em-presas voltadas para o beneficiamento local dos minérios – um lugar dedestaque na siderurgia nos anos de 1920. Dulci (1999, p. 57) destaca ainstalação da Belgo-Mineira (associação entre capitais luxemburguesese mineiros) como um exemplo exitoso de industrialização regional, queimpedia a exportação de minérios em estado bruto. Os mineiros se tor-nam liderança na média siderurgia, porém lhes faltava a capacidade decriar plantas industriais de grande porte. A CSN seria uma promessa(Dulci, 1999, p. 58).

“Minério não dá duas safras”Nas condições específicas de Minas, a questão da extração e be-

neficiamento do minério de ferro assume um papel central nas disputasde interesses e concepções.13 A disputa de posições entre a diversificaçãoeconômica e a modernização via especialização produtiva por meio daindústria pesada será o código pelo qual se decifra os acontecimentosregionais na maior parte do século XX. Desde 1920, a oposição do Go-verno de Minas em relação ao plano de extração mineral sem benefi-

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13 Foge do escopo deste artigo explorar, com a devida riqueza de informações, a in-teressante e complexa dinâmica que formou o primeiro ciclo de industrializaçãodo Estado. Assunto formulado com êxito nos trabalhos de Clélio CampolinaDiniz, Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira (1981) e Otávio SoaresDulci, Política e recuperação econômica em Minas Gerais (1999). É pertinente, paraos objetivos específicos deste trabalho, apresentar apenas alguns apontamentosque auxiliem o argumento desta análise.

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ciamento foi contundente. Resistência sintetizada na frase “Minério nãodá duas safras”, atribuída a Artur Bernardes (1875-1955), presidente deMinas Gerais entre 1920 -1924.

Os anos de 1930 serão para o Brasil, e para Minas, decisivos naconstituição de um programa de desenvolvimento econômico. O na-cionalismo modernizante e conservador da Revolução de 30 apontou anecessidade de emancipação industrial nacional, tendo como pano defundo a crise econômica mundial eclodida em 29. Restrições no mer-cado internacional para as exportações brasileiras alimentaram a neces-sidade de resposta ao problema do subdesenvolvimento.

Com o advento da Revolução de 30 as bases de reprodução dopoder das oligarquias regionais alteram significativamente. Rompe-seo esquema eleitoral no qual se apoiava a República Velha; a eleiçõespara postos de comando nas principais cidades e nos estados são subs-tituídos pela a indicação de interventores, feitas diretamente por Getú-lio Vargas (1882-1954). Este novo arranjo político brasileiro reduzsignificativamente o poder de barganha da oligarquia pluralista mineira,que não poderia lançar mão da sua ampla base eleitoral como elementode pressão e ascensão aos postos de comando centrais da Federação,bem como legitimar-se internamente como ator central do arranjo po-lítico regional. Esta situação promove uma reconfiguração do condo-mínio de poder em Minas; os setores urbanos da política decompromisso assumem a liderança do bloco dirigente devido a sua co-nexão ideológica com o processo de modernização no nível nacional.Surge um novo arranjo de tipo elitista-conservador, remanejando a oli-garquia à posição secundária no plano político estadual.

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14 Os anos de 1920 e 1930 foram marcados pelo confronto entre o Governo de Minase as empresas estrangeiras de extração mineral. As elites e a tecnocracia governantepleiteavam que qualquer empreendimento estrangeiro deveria vir associado à im-plantação de unidades industriais de beneficiamento dos minérios no território doEstado, garantindo a transferência tecnológica, emprego e retenção de parcelasdos lucros. Nesse sentido, se opuseram a todas as propostas que estavam relacio-nadas à exploração para a exportação de matéria-prima sem nenhum tipo trans-formação. O caso icônico foi a disputa em torno dos interesses da Itabira Iron;chefiada pelo também emblemático Percival Farqhuar, de capitais ingleses, a em-presa tinha como projeto a extração de minério de ferro bruto para a exportação,sem qualquer tipo de beneficiamento.

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Os mineiros14 e setores nacionalistas (em especial militares) dogoverno Vargas eram partidários da implantação de uma companhia si-derúrgica de coque nacional, ou que pelo menos mantivesse em solonacional o beneficiamento e todo o sistema logístico sobre controle doPaís. No entanto, Vargas procurava uma alternativa mais rápida para aquestão siderúrgica, que implicava admitir a participação estrangeira nosetor. As discussões e impasses foram resolvidos no final dos anos de1930, com a derrota dos mineiros e a implantação da Companhia Side-rúrgica Nacional (CSN) no Rio de Janeiro, com a participação de capi-tais norte-americanos, resultado dos compromissos assumidos com osaliados na II Guerra Mundial. Tal decisão ganhou justificativa técnicaque desabonava a opinião de Minas Gerais. A principal seria que o Es-tado, mesmo sendo a principal fonte de matéria-prima, não dispunhade malha de transporte e capacidade energética (elétrica e de carvão)suficientes para acolher tal projeto. Porém, as justificativas técnicas ge-ralmente legitimam posições políticas, a derrota estava situada na di-mensão estratégica, com a vitória do capital estrangeiro e setores docapital nacional a ele associado, com a colaboração do Estado Brasileiro.Em síntese, a situação de dependência se modernizava, era o amanhecerda industrialização associada e subordinada ao capital internacional: aarticulação ou tripé composto por capitais públicos e privados nacionaise o capital estrangeiro.

A maldição de Percival FarqhuarDurante a década de 1940 Minas Gerais atraiu plantas industriais

diversas, tendo como base a participação do capital estrangeiro em as-sociação com o Estado. No entanto, cada contrato possuía diferentesconfigurações em termos de participação acionária, direção empresariale objetivos relativos aos planos de desenvolvimento estabelecidos peloGoverno. Em outro campo, o Governo Mineiro apostou na criação dedistritos industriais (Contagem e Santa Luzia) para procurar atrair osempresários por meio de incentivos de toda ordem. Para que estes pro-jetos industriais se desenvolvessem era necessário solucionar a questãoenergética e logística no Estado.

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Quadro 1Empresas Instaladas em Minas Gerais (1940-1960)

CARÁTER DAS PRINCIPAIS EMPRESAS INSTALADASEM MINAS GERAIS (1940-1960)

Fonte: elaboração do autor.

Em 1947, o Governo Mineiro, dirigido por Milton Campos (1900-1972), lança o Plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção,como estratégia para superar o atraso regional. Mesmo sendo amplas aspreocupações contidas no Plano, será no Governo Estadual de Kubitschek(1951-1955) que é tomada a decisão de enfrentar de maneira concreta osgargalos apontados naquele documento. Os esforços governamentais sedão prioritariamente no setor energético e de transporte, política queficou conhecida como “Binômio Energia e Transporte”.

Kubitschek defendia uma via de industrialização que teria comoprimeira etapa uma especialização intensiva (energia); na sua visão, estadeveria ocorrer com a ampla participação do setor privado, inclusive es-trangeiro. Por isso, a opção pelo sistema de holding sociedades anônimas(S.A) e não por autarquias. A unificação do setor elétrico estadual comoum primeiro passo, seguindo da constituição de uma empresa vigorosao suficiente para atrair capitais externos. Desse pensamento surge a pro-posta da CEMIG S.A.

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Empresa

Companhia Valedo Rio Doce

Acesita S.A

Alumínios Minas Gerais S.A

Cia. Mannesmann

Usiminas

Atividade

Exploração e ex-portação de Miné-rio de ferro

Siderurgia

Alumínio

Siderurgia

Siderurgia

Composição do capital

Capital Americano e In-glês + Estado (União)

Capital Inglês + Privadobrasileiro

Controle acionário daAlcan – Capital Canadense

Capital Alemão

Capital Japonês + Estado(Mineiro)

Fundação

1942

1944

1952

1952

1958

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Criada em 1952, a CEMIG S.A foi constituída pela unificação damaioria dos projetos elétricos em que o Estado era acionista, e ainda con-tou com a capitalização do Fundo Estadual de Eletrificação (fundado em1947), frações da Taxa de Recuperação Econômica, recursos do BNDE erecursos estrangeiros (Eximbank, BIRD) (Dulci, 1999, p. 102). A fundaçãoda empresa significou, em grande medida, uma nova configuração do ar-ranjo político governante em Minas, que perdeu seu caráter protecionistae sua lógica de substituição de importação; e inaugura um padrão de re-lacionamento com o capital estrangeiro cada vez mais intenso e colabo-rativo. Em linhas gerais, o desenvolvimento regional começa a serentendido como um concurso, cada vez mais amplo, de capitais externose públicos, e não como um impulso autônomo (com participação dirigentedo Estado) via diversificação econômica e solidificação do mercado in-terno. Pode-se dizer que a CEMIG foi uma resposta mineira à perda doprojeto siderúrgico nacional (CSN em especial), em sintonia com a ex-pansão da economia capitalista mundial do pós-guerra.

A autoridade da CEMIG S.A ultrapassou a mera coordenação dapolítica energética, passou a assumir o papel de núcleo diretivo da po-lítica de desenvolvimento regional, tendo concentrado entre seus qua-dros parte significativa da intelligentsia presente nas estruturas estatais.A empresa, mais tarde, em parceria com o BDMG (Banco de Desen-volvimento de Minas Gerais), cria em 1968 o Instituto de Desenvolvi-mento Industrial (INDI), um grande operador do processo deindustrialização em Minas Gerais, por meio da especialização, concen-tração regional (em Belo Horizonte) e associação ao capital estrangeiro.

No setor de transportes o enfoque foi na malha rodoviária com ofortalecimento do Departamento de Estrada de Rodagem (DER) –criado em 1946. A ampliação e pavimentação das vias possibilitou o for-talecimento das grandes empresas construtoras, por meio de uma trans-ferência gigantesca de recursos do setor público para o capital privado,como aponta Diniz (1981, p. 80). As rodovias se ampliaram e o capitalda construção civil pesada se expandiu enormemente, aquecendo o setorde equipamentos, serviços e de cimento. 15

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15 Inclusive, a associação entre JK (1902-1976) e o setor da construção civil, mesmosendo pouco estudada, salta aos olhos devido ao estilo monumental de suas obras.

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Ao longo da década de 1950 a presença econômica estrangeira con-solida-se em Minas Gerais e a resistência mineira em relação a este tipode capital, principalmente no setor de extração mineral, se flexibiliza esurge um novo padrão de relação entre Estado e capital externo, quemesmo possuindo antagonismo em alguns projetos é marcado pelo sen-tido de “colaboração” e complementaridade. Na dimensão política a elite-conservadora, protecionista e partidária da diversificação produtiva, perdeforça e é substituída paulatinamente por uma nova elite, gestada, emgrande parte, no interior das instituições como CEMIG, BDMG, INDIe CDI (Companhia de Desenvolvimento Industrial), que apoiava projetosvoltados à especialização produtiva. O arranjo elitista-conservador é subs-tituído, até o final da década de 1960, por um arranjo elitista-dependente,portador das ideias de associação com o empresariado dos países centrais.

A recuperação econômica mineira começa a se concretizar, porémem uma situação de desenvolvimento dependente e associado. Ou seja,mesmo com forte presença do Estado, cada vez mais os centros de to-mada de decisão econômica tornam-se exteriores a Minas e ao País. Aespecialização industrial imbricada como o capital estrangeiro se ma-nifesta como maldição que assolará Minas Gerais e contaminará suasestruturas até os tempos atuais. Devido a sua capacidade de condenardiversas gerações de mineiros, seria apropriado chamá-la de A Maldiçãode Percival Farqhuar.

“If Minas Gerais is good for all these companies it must begood for your company, too!”16

O desenvolvimento industrial mineiro, embora em ascensão, en-contrava-se constrangido pelos limites impostos ao fomento à indústriano Estado. Dependia do BNDE e do Banco do Brasil para o financia-mento de projetos, porém, estas instituições ou apenas apoiavam projetosgrandes e novos (BNDE) ou projeto já consolidados (Banco do Brasil),fazendo com que a incipiente burguesia industrial mineira se tornassecada vez mais marginal ao processo de desenvolvimento capitalista.

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16 Frase de um folheto do INDI intitulado “The industrial calling of Minas Gerais”– dirigido a empresários estrangeiros – a chamada diz “Se Minas Gerais é boa paratodas estas empresas deve ser boa para sua empresa também!” ao apresentar 125empresas estrangeiras em operação em Minas, citado por Diniz (1981, p. 208).

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O BDMG, criado em 62 pela administração de Magalhães Pinto(1909-1996), foi uma resposta a esta situação. A sua proposta teve ori-gem no interior do Departamento de Estudos Econômicos da FIEMG(Dulci, 1999, p. 1820), que também pleiteava uma refinaria de petróleona região central do Estado e logrou sucesso na implantação da Refi-naria Gabriel Passos, em Betim. A tese central era a de que Minas ne-cessitava autonomia de financiamento para colocar em práticas suaspróprias orientações industriais, independente, ou pelo menos commaior autonomia, em relação ao BNDE e ao Banco do Brasil.

O BDMG, com o intuito de se capitalizar, assumiu uma estratégiabastante clara: aprofundar a relação com o capital estrangeiro. As pri-meiras iniciativas do banco foram realizar estudos sobre a situação eco-nômica mineira, tanto no sentido de compreender o cenário e escolhercaminhos para a ação, como também no sentido de demonstrar aos in-vestidores a viabilidade da região em termos de oportunidades de ne-gócios. Os estudos realizados pela instituição – que logrou concentrarboa parte da intelligentsia estatal, agora com maior participação dos eco-nomistas – ganharam notoriedade e audiência governamental e do em-presariado. O BDMG consolidou autoridade suficiente para influenciaras opções governamentais em torno da política de desenvolvimento.

Por meio de acordos entre a CEMIG e o BDMG, é fundado em1968 o Instituto de Desenvolvimento Industrial (INDI),17 com a pro-posta de: analisar a situação econômica de Minas Gerais, identificando

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17 Porém a parceria entre CEMIG e BDMG na criação do INDI não era desprovida detensões internas importantes, principalmente na dimensão da concepção do Instituto.Como afirma Fausto Brito, “a CEMIG não estava em nada interessada nos chamadosestudos macroeconômicos propostos pelo BDMG (...), nem muito menos preocupadacom a correção de desequilíbrios, integração ou polos, dentro de um planejamentode longo prazo, mas numa análise pragmática de economia procurando identificar se-tores com oportunidades potenciais para investimentos (...). Uma outra divergênciaera quanto a reinvindicação da CEMIG de contratar uma empresa de consultoria es-trangeria para assessorar a organização e os primeiros passos do INDI. (...) Entretantoa divergência mais funda parecia ser uma disputa de hegemonia. De um lado a estra-tégia de ocupação de espaços do BDMG. De outro a CEMIG com sua tradição deautonomia, concepção de desenvolvimento industrial mais pelo lado da demanda deenergia elétrica, querendo refazer sua posição política dentro da estrutura do Estado”(Brito, 1984, p. 248-249). A concepção da CEMIG, mais uma vez, foi bem-sucedida.

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oportunidades e gargalos à industrialização e encontrar e atrair investi-dores potenciais (Diniz, 1981, p. 160). O INDI, conforme apresentaDiniz (1981, p.158), “no seu afã de industrializar o Estado a qualquercusto desenvolveu sua estratégia de apoio irrestrito ao capital estran-geiro e de concentração em torno de Belo Horizonte”.

O BDMG completa a configuração institucional do programa deindustrialização com a constituição da Companhia de Distritos Indus-triais - CDI (1971). Na realidade, foi a transferência de atribuições doDepartamento de Industrialização da Secretaria de Agricultura a umacompanhia autônoma, sem direção direta do corpo político do Estado.O objetivo da CDI foi dinamizar as já existentes cidades industriais,principalmente fomentar a expansão das mesmas, com a atração denovas plantas industriais.

O BDMG, INDI e CDI, com a colaboração da CEMIG, advo-garam junto ao governo uma nova estratégica de atração de investimen-tos, via incentivos fiscais variados, em especial o ICM (Imposto sobreCirculação de Mercadorias). Inclusive foi criado pelo governo o Gabi-nete de Incentivos Fiscais, em parceria com o BDMG. Esta ação indis-cutivelmente surtiu efeitos no processo de atração de capitais privadospara Minas, com destaque para sua fração estrangeira.

A constituição institucional da industrialização mineira – pioneirano Brasil, diga-se de passagem – possui duas dimensões. A primeira, quese manifestará na década de1960, trata da consolidação da política deEstado, que retira da administração pública direta o centro da decisãosobre a industrialização, processo que é identificado pela literaturacomo “fortalecimento da tecnocracia”, que prefiro identificar comouma atualização institucional da política de desenvolvimento, agora soba lógica da elite-dependente. Esta forma de condução, não é, a meu ver,de uma simples elevação do poder social dos técnicos, como querem al-

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18 “Tais órgãos facilitavam o acesso e eliminavam os labirintos da burocracia públicae, por outro lado, pelo caráter de autonomia administrativa e financeira, dispu-nham de facilidades, rapidez e eficiência nas suas ações, inclusive na arregimenta-ção e contratação de pessoal. Eram aspectos que viriam desempenhar papelrelevante como mecanismo de apoio e promoção aos novos empreendimentos in-dustriais mineiros, especialmente ao capital estrangeiro” (Diniz, 1981, p. 165-167).

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guns, mas um tipo específico de visão do papel do Estado, que surgeem Minas de maneira bastante precoce.

A tríade BDMG-INDI-CDI,18 e posteriormente a Fundação JoãoPinheiro, passam a orientar a política econômica estadual, e, além disso,realizam operações na execução desta política, ou seja, formulam e en-caminham. A criação de autarquias, companhias mistas, S.A(s), nestafase, aparece, segundo a concepção do setor dirigente, como enfrenta-mento aos limites burocráticos e procedimentais da administração pú-blica, que impediria a plena reprodução do capital. A criação deempresas e instituições com “vida própria”, administrativa e financeira,seria uma forma de retirar da esfera pública a decisão sobre o desenvol-vimento, que deveria ser – segundo a ideologia da época – “neutro” eacima da política. Como destacado na seção anterior, a elite-dependentecriou e expandiu-se por diversas instituições com relativa autonomiaem relação ao governo, elevando radicalmente seu poder efetivo e as basesde manifestação de sua orientação.

É importante destacar que a elite-dependente, com setores trans-vestidos retoricamente de “técnicos”, diluídas nestas instituições, estavapermeada de empresários e seus agentes, uma vez que a “pureza” dosetor técnico contrasta com a necessidade da burguesia industrial mi-neira de se associar à estrutura estatal e paraestatal, no intuito e neces-sidade de se reproduzir enquanto classe. A intelligentsia de Estado,mesmo com alguma autonomia relativa perante as disputas políticasmais imediatas, operava e opera interesses dos setores mais organizadose dinâmicos do empresariado, seja por confluência ideológica, uma vezque são reprodutores do “consenso social” edificado pela hegemonia,seja por convergência de interesses e/ou barganha, ou até mesmo pelaimbricação social entre empresariado e técnicos.

Cabe ressaltar o pensamento das instituições que compõe a tríade,informado de fundamentos liberais, que assume na prática uma posturaeconômica heterodoxa. Não se trata, neste momento, de deixar nasmãos do mercado, strito sensu, toda a responsabilidade da dinâmica eco-nômica regional. Para esta intelectualidade estatal e paraestatal o mer-cado deveria ser estimulado pelo setor público; os investidores deveriamser atraídos, informados e mobilizados para um projeto de industriali-zação elaborado, na dimensão estratégica, pelo setor público. As ações

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do Estado, segundo a concepção destas instituições, deveriam ser a decriar as condições para que as leis do mercado funcionassem de maneiraplena. No entanto, o processo de associação com o capital externotrouxe como resultado a construção de uma configuração política quelhe é característica, no qual os interesses econômicos internacionais co-meçam a se manifestar como campo político específico, dotado de con-dições de hegemonia – fato que ocorre durante a década de 1970.

A segunda dimensão se relaciona com a colaboração entre a tríade eo capital estrangeiro no processo de autonomização institucional. A for-mação de instituições administrativamente e financeiramente autônomascriou uma situação bastante oportuna para os investidores externos, quepor décadas sofreram resistência da elite-conservadora. No novo cenário,o BDMG, o INDI e a CDI se relacionavam, teciam acordos e fechavamnegócios diretamente com instituições internacionais, sem necessitaremda decisão e procedimentos inerentes à administração pública.

A organização interna do INDI seguia padrões operacionais dosetor privado, até mesmo com a utilização de um conjunto de bloqueiosadministrativos, visando impedir a chamada interferência “política”. Estaforma de administração, que se afirmava “neutra”, faz parte de um expe-diente cuidadosamente inspirado e configurado pela CEMIG, que haviaassumido esta linha desde sua constituição. Como afirma Fausto Brito:

O INDI acabou por encontrar o objetivo fundamental de sua es-tratégia: servir de ponte entre o Estado e o capital, particular-mente o capital estrangeiro. E a eficiência e agilidade eramenormes: ia-se ao encontro dos empresários, oferecia-se estudose facilidades e caso abrissem possibilidades o INDI assumia osseus interesses e os defendia com a maior agressividade dentro dopróprio aparelho de Estado. O que se queria era minimizar os ris-cos dos capitalistas (Brito, 1984, p. 253).

A conclusão que se segue à análise de Brito (1984) é a de que noafã de “industrializar-se a qualquer custo” o poder político de governoem Minas, a partir da década de 1970, perde uma parcela significativado controle sobre o processo de desenvolvimento industrial. A autono-mia (em relação ao Executivo e ao Parlamento) adquirida da CEMIG,

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BDMG, INDI e CDI, ao meu entender, deve ser considerada comouma reconfiguração do arranjo político dirigente em Minas, no qual achamada elite-dependente, da qual tratamos, assume um contorno li-beral-cosmopolita. Em outros termos, adere ao pensamento hegemô-nico, de desenvolvimento capitalista – associado, em detrimento doprojeto nacional-desenvolvimentista (Bielschowsky, 1995, p. 148 -179).Em alguma medida, será neste período que, definitivamente, Minas Ge-rais sintoniza-se e se subordina ao ritmo e ao padrão de reprodução docapitalismo brasileiro e mundial.

A chamada “perda de substância” de Minas Gerais e de seu con-domínio de poder, bem como a derrota do projeto regional de desen-volvimento, tem seu ponto de definição na década de 1970. Será com a“estrangeirização” da economia mineira, via constituição de uma indus-trialização especializada, fortemente imbricada com a primário-expor-tação, que o empresariado local abandona qualquer possibilidade deautonomia e adere de maneira subalterna ao novo padrão. O cresci-mento econômico – Milagre Econômico Brasileiro – sustentou de ma-neira bastante forte a tese da CEMIG e das demais instituições, quetinha na associação com o capital estrangeiro seu principal enfoque.

A especialização industrial – motivada pela tríade, sob a regênciaonipresente da CEMIG – resultou na degradação da política de com-promissos, entre elite e oligarquia. A centralização espacial da indústriae a concentração econômica dos anos de 1970 irá promover a decom-posição do lugar político do interior mineiro, solapando a autoridadedas oligarquias sub-regionais, que mesmo não sendo dizimadas porcompleto, começam a operar em uma circunscrição bastante estreita,praticamente reduzida aos seus municípios de origem e cada vez maispressionada pela expansão da empresa capitalista do setor agropecuário.Conforme afirma Lemos (1984, p. 143):

(...) a excessiva especialização da indústria nascente de Bens de Ca-pital em Minas – que constituiu de um certo modo condição parao seu próprio nascimento – determinou já, de início, os seus pró-prios limites na medida em que se viu forçada a “abstrair” todo osetor tradicional que era e ainda é, de longe, a maior expressãoquantitativa (em termos de valor econômico) do mercado regional.

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A política de compromisso não pôde resistir ao poder econômicoe político do capital estrangeiro, que estabeleceu a grande indústria debens de capital e de exploração de minérios. A especialização (e a con-centração e centralização) industrial resultou na marginalização das sub-regiões, pauperização e queda demográfica. O tempo das oligarquias eda elite-conservadora havia passado; suas pretensões hegemônicas noprocesso de desenvolvimento regional sucumbiram-se mediante a rís-pida dinâmica do capitalismo dependente. Se antes as mesmas mano-bravam o capital estrangeiro por meio do Estado, procurandoestabelecer pactos que lhes colocassem na liderança do processo de in-dustrialização, agora a associação aos investimentos externos se dá demaneira totalmente subalterna, sem margem para discutir condições deordem estratégica.

A estratégia conduzida pela elite-dependente logrou impulsionara economia de Minas, na esteira e além, do Milagre Econômico. En-quanto o Brasil, de 1970-1975, crescia à taxa média de 10% a.a, Minascrescia a 11% a.a; a desaceleração que ocorreu no nível nacional a partirde 1975 somente afetou o Estado a partir de 1978. A desaceleração setransformou em retração e Minas Gerais começa a ter um desempenhoeconômico inferior ao nacional no início dos anos de 1980.

A especialização da indústria mineira deixou consequências im-portantes para a dinâmica econômica, social e política dos anos de 1980em diante. Vejamos algumas, que ao meu entender, se destacam:

1) Minas Gerais perdeu definitivamente a possibilidade de con-dução de um projeto de desenvolvimento regional. Forma-seuma nova configuração da direção do Estado, uma articulaçãoentre os representantes locais do capital externo e a elite-de-pendente. O sentido dado ao desenvolvimento é a ampliaçãoindiscriminada da especialização produtiva.

2) A concentração fundiária no campo, com intensa expansão damonocultura. Evolução do fluxo migratório para os centros ur-banos. Adoção de um padrão agrícola baseado em uma maiorintensidade de capital e orientado para o comércio exterior(principalmente na região do Triângulo Mineiro), resultando

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na marginalização de parcelas importantes de pequenos pro-prietários e no êxodo rural.

3) Em relação à renda, os 50% mais pobres, que em 1960 partici-pavam com 18,8% da renda estadual ao final dos anos de 1970,passaram a participar com 11,9%. Enquanto isso, os 5% maisricos, no mesmo período, passaram de 29,3% para 41,7% (Ra-poso; Machado, 2002). O resultado do processo de especializa-ção produtiva, no qual o crescimento econômico estádiretamente associado à concentração absoluta de capital, foi adegradação das economias sub-regionais e a marginalização degrande parte da classe trabalhadora mineira.

4) O endividamento público dobra de volume entre 1972 e 1981,processo que segue crescendo até o presente momento. En-quanto isso, o ICM no período diminui sua importância relativa.

Em síntese, este é o futuro que os debates ocorridos 70 anos antes,no Congresso de 1903, procuravam evitar. Os diferentes arranjos políticosem Minas tinham como núcleo de convergência a superação do atrasoregional, porém, a partir da década de 1950, o vigor do seu pensamentoenfraqueceu, principalmente com advento da perda do projeto da CSN.A maior parte de suas ações, após este período, foi tomada em condiçõesdefensivas no quadro nacional de forças; foram respostas às situações ins-taladas alheias à vontade e além da capacidade de intervenção imediata.Como nos diz Saul Leblon: “Não há desenvolvimento sem hegemonia.”A habilidade política e a ousadia de algumas manobras mineiras foraminsuficientes para se materializar como hegemonia, tanto no interior doEstado, quanto nacionalmente, após a década de 1960. Como resultadode ordem mais geral, Minas Gerais se cristalizou na posição importante,porém subalterna, dentro da hierarquia dos estados da Federação Brasileira.

Baile liberal e ruptura com a política de compromissoA partir da década de 1980 fica cada vez mais evidente que o atre-

lamento intenso da estrutura produtiva de Minas Gerais ao capital ex-terno determina o ritmo do crescimento econômico estadual. Talsituação elevou o desempenho econômico a patamares levemente su-

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periores, se comparado ao crescimento nacional no mesmo período. Noentanto, este crescimento é cada vez mais divorciado de um projeto dedesenvolvimento. Na seara política, a liderança mineira se fragiliza, pro-duzindo mais uma alteração no arranjo dirigente estadual. Como afirmaDulci (2001), a “tecnocracia”, em sua terminologia, sofre um durogolpe, com o fim do regime militar, seu modus operandi não consegue seadaptar prontamente às mudanças do regime político. Segundo Diniz(1986), em artigo intitulado “O paradoxo mineiro: fortalecimento eco-nômico e enfraquecimento político”, Minas Gerais, a partir de 1984,entra numa trajetória de crescimento, porém tal processo não se mani-festou em termos de fortalecimento político dos setores dirigentes doEstado no âmbito nacional.

Quanto à estrutura econômica do Estado, nos últimos 30 anos nãoocorreram mudanças profundas na dinâmica do desenvolvimento de-pendente. Algumas alterações significativas no nível nacional, como aliberalização19 da economia nos anos de 1990, tiveram em Minas im-pactos menos intensos do que no resto do país. A modernização nesteperíodo atualizou o padrão de subordinação ao capital externo, aindasob o registro da especialização industrial. Não obstante, ocorrerammudanças em aspectos auxiliares ao paradigma produtivo instalado. Foio caso da ampliação da produção de bens de consumo duráveis e de ca-pital durante a década de 1980 e 1990 (Raposo; Machado, 2002).Porém, a orientação exportadora manteve-se sólida, bem como todasas suas consequências perversas no âmbito social.

Quanto à dimensão política, a instalação de uma democracia re-presentativa no Brasil dentro de um ambiente de pressão política e demassas contra a ditadura militar criou como subproduto a aversão in-tensa, desde a academia até as entidades classistas, a tudo que é estatal;qualquer iniciativa do Estado passa a ser identificada imediatamente

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19 Dado ao “significativo grau de dependência da economia mineira em relação aomercado externo, haja vista o coeficiente de exportação do Estado, tornando amais vulnerável às políticas macroeconômicas nos cenários externo e interno. Emque pese essa característica, a economia mineira parece não ser prejudicada pelaliberalização comercial, porque os setores de maior participação na pauta de ex-portação mineira são intensivos em capital e esses não foram beneficiados pela po-lítica tarifária brasileira dos anos 80” (Raposo; Machado, 2002)

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como autoritária. Colaborando com esta situação no âmbito nacional,o ambiente externo passava por profundas mudanças com o desmante-lamento dos Estados de Bem- Estar Social e a ascensão do pensamentoultraliberal nos países centrais. A somatória destes dois processos criouuma situação insustentável e incompatível com a tradição mineira decondução social e de governo, tanto na administração direta como naindireta, na qual os técnicos possuíam um papel de destaque. Dulci nosoferece elementos deste fenômeno:

(...) Governo Newton Cardoso (1987-90) se encarregaria de com-provar cabalmente seu diagnóstico do fim da tecnocracia, ao pro-mover uma espécie de desmanche do Estado que dificilmenteseria revertido mais tarde à luz das novas ideias de liberalização ereforma do Estado vigentes nos anos 90 (Dulci, 2001, p. 644).

O ocaso do arranjo dirigido elite-dependente em consórcio comsetores remanescentes da elite-conservadora e da oligarquia,20 sendo asduas últimas incluídas de maneira subalterna, abre espaço para uma mo-dificação muito mais profunda do que aquelas expostas até o momento.Trata-se não apenas de uma mudança de arranjo político, mas de umaalteração nas bases da política de compromisso oligarca-elitista, no qual aquestão do desenvolvimento regional não é mais a base do pacto entreos diferentes setores do bloco dirigente.

Para Dulci (2001), com o fim do Regime Militar, o empresariadose destacou na ocupação de postos-chave no Governo Estadual e suasinstituições de apoio, bem como no Parlamento. Este fenômeno seriaconsequência da diversificação social ocorrida com a urbanização-in-dustrialização do Estado e com o processo de privatização das empresasestatais. Como afirma, com razão, o autor, a imbricação entre empre-sariado, técnicos e agentes de governo não é uma novidade em Minas.Todavia, a arquitetura do poder se altera e confere aos “homens de ne-

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20 “Quanto à elite política tradicional, seu antigo monopólio de poder foi claramentefragilizado pela expansão de uma estrutura capitalista que se irradia cada vez maispara o campo político, fazendo coexistir várias modalidades de organização polí-tico-eleitoral” (Dulci, 2001, p. 644).

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gócio” um estatuto político de prestígio, mas com uma diferença im-portante, sem uma política de compromissos de longo prazo, ou seja, semum projeto de desenvolvimento definido para o Estado.

A relação entre empresariado e Governo Estadual, apoiada em umcenário de liberalização, gera novas formas de reprodução de poder po-lítico e de acumulação de capital. Diferentemente de períodos anterio-res – quando o Estado apoiava a construção de um ambiente denegócios, estimulando e orientando a iniciativa privadas em áreas eleitascomo prioritária em cada período (agricultura, mineração, metalurgia,etc.) –, agora o próprio Estado (e suas funções) se transforma em umnicho de mercado.

A perda da capacidade da burguesia mineira de disputar o controleda produção pesada (indústria de transformação) – áreas intensivas decapital hoje controlada predominantemente pelo capital estrangeiro –fez com que a mesma migrasse para ramos que ainda oferecem oportu-nidades para proprietários de capitais menores. Boa parte dos agentesdo governo tem seu ramo de atividade ligado ao fornecimento de mer-cadorias e serviços para o próprio Estado. São consultores, fornecedoresde insumos para atividades do serviço público, empresários da logísticae da manutenção e empreiteiros de toda ordem. Setores da burguesialocal que dependem diretamente de um posto (ou acesso privilegiado)no governo para viabilizarem suas atividades econômicas.

A própria função exercida pelos “técnicos” mineiros, e suas insti-tuições paraestatais, é transferida para o setor privado, por meio de con-tratação de empresas de consultoria. Os grandes planos de outrora,ligados a uma ideologia fortemente influenciada pela ideia de planeja-mento regional, são substituído por projetos, muitas vezes tratados iso-ladamente e na maioria dos casos sem correspondência com um objetivogeral articulador. Tais projetos, desde sua concepção, passando por suaimplantação e até mesmo sua gestão em alguns casos, são desenvolvidospor empresas particulares contratadas pela Administração Pública e fi-nanciadas por bancos, também vinculados ao Estado ou a União.

Os estudos de viabilidade econômica, impacto ambiental, planosde negócios, relatórios de monitoramento, todos realizados por consul-torias e auditorias “independentes”, leia-se privadas, acabam por cons-truir em seus produtos, contratados pela Administração, a própria

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demanda de seus serviços. Não obstante, estas mesmas empresas tam-bém prestam serviço para o grande capital lotado nos ramos mais dinâ-micos, completando a associação entre a burguesia local e o setorinternacionalizado da economia mineira. Destaque para o setor de mi-neração e empresas agropecuárias, demandantes desde tipo de serviço,que transitam entre a necessidade de legitimação técnica de sua ativi-dade altamente nociva à economia local – e ao bem-estar das populaçõesresidentes em suas áreas de atuação – e ao lobby dentro das instâncias degovernamentais e agências reguladoras estaduais.

O estágio do desenvolvimento do capitalismo no Brasil não podeconceber apenas a participação dos proprietários de capital na direção doEstado, como afirmam algumas posições marcadamente (ou unicamente)informadas pela ideologia que professam. Concretamente, no regime po-lítico vigente, a função de governo requer políticos profissionais, cujacarreira é construída dentro de um ambiente competitivo em termos elei-torais e de financiamento. A composição dirigente da administração atualé formada por uma acomodação complexa de diversos setores, corres-pondentes a diferentes bases sociais e interesses sob a hegemonia, no casode Minas, de uma claque altamente vinculada ao alto setor exportador eseus associados. Dessa forma é configurado um sistema de reproduçãopolítica, em que o operador adere ao projeto do setor dirigente, no sen-tido de viabilizar-se eleitoralmente, e ao construir viabilidade ou impor-tância eleitoral, é admitido em escalões preponderantes das instâncias dedecisões do governo. Esta trajetória política no interior do bloco diri-gente depende mais da funcionalidade do sujeito para os interesses ali se-dimentados do que da origem social ou familiar como fora outrora. Oempresariado local e estrangeiro atua tanto no lançamento de seus mem-bros à direção do Governo, quanto no patrocínio de carreiras de políticosprofissionais, independentes de sua origem de classe.

Este novo cenário, que se materializa de maneira mais pronun-ciada a partir da década de 1990, edifica um novo arranjo político e umanova política de compromissos.

Quanto ao arranjo, não se trata de modelo elitista, stricto sensu,isso porque não há mais um impulso modernizador efetivo, por partedo setor dirigente. A administração pública é subordinada aos interessesmais imediatos do mercado, divorciadas de um pensamento estratégico

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no âmbito regional. Quanto à composição, os “homens de negócios” eos “políticos de carreira” estão imbricados como força principal no in-terior do bloco dirigente, a oligarquia latifundiária é residual, pois per-deu espaço para o empresariado rural. As chamadas elite-dependente eelite-conservadora são alijadas do espaço de poder efetivo e por não deterum lugar de destaque de reprodução do poder real foram desmanteladasenquanto agrupamento. Fundamentalmente, trata-se de uma composi-ção entre o empresariado local (principalmente dos ramos da constru-ção, imprensa, transporte e logística, agropecuária e bancos) e osagentes do capital estrangeiro (mineradoras em particular). É possíveldefinir este arranjo como político-empresarial. O pensamento articuladordos atores é fundamentalmente liberal (ou neoliberal), desnacionali-zante, privatista e conectado aos interesses do capital externo.

No que se refere à política de compromissos entre os atores do condo-mínio de poder, esta se materializa no aprofundamento da “guerra fiscal”com os demais estados da Federação, além de toda uma política de incen-tivos e desonerações do grande capital privado. Ocorre uma concentraçãodo poder no Governo Estadual – no que se refere à articulação dos atoresdo bloco dirigente –, desmantelando o intercâmbio político com as sub-regiões. A política de compromisso oligarca-elitista, que de algum modo aindapreservava a interlocução com as referências locais, é suplantada, e em seulugar assume o que denomino de política de compromisso neoliberal. Não hápreocupação, neste cenário, em garantir a inclusão das lideranças regio-nais, isso porque a situação dos municípios – principalmente aqueles commenos de 200 mil habitantes – pós-Constituição de 88 é extremamentefrágil; sua capacidade de iniciativa é mínima em termos políticos e eco-nômicos; desse modo, os prefeitos são muito mais “clientes” do GovernoEstadual do que membros do condomínio de poder.

A IDEOLOGIA DO CHOQUE DE GESTÃO

Os governos do PSDB no Executivo estadual é resultado, em ter-mos gerais, deste arranjo político-empresarial instalado em Minas Geraisnas ultimas décadas e radicalizado com o ritmo intensivo de liberaliza-ção econômica dos anos de 1990.

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Evidentemente a hegemonia neoliberal do período não é o únicofator explicativo das sucessivas vitórias eleitorais daquela legenda no Es-tado; as variáveis conjunturais (crise fiscal estadual, incapacidade de in-vestimentos, etc.), o carisma e a origem do Senador Aécio Neves (1960-)– principal referência do PSDB mineiro – e a ausência de um projetopolítico alternativo dotado de virtudes hegemônicas também coopera-ram significativamente no estabelecimento do PSDB como força prin-cipal no Governo Estadual. Porém importa, para o objeto deste artigo,a atenção mais acurada à interpretação do grau de correspondênciaentre a política dos governos pesedebistas e o arranjo político-empresarialem Minas do que a análise das circunstâncias imediatas que definiramo quadro eleitoral a partir de 2002; missão igualmente importante e ne-cessária, mas pertencente à outra dimensão analítica que extrapolaria oescopo deste trabalho.

O primeiro passo que devemos identificar ao analisar a perma-nência do PSDB no governo de Minas Gerais na última década é des-construir alguns equívocos referentes a esta legenda e seu líder estadual.

O Senador Aécio Neves representaria, segundo o que a propaganda ofi-cial e extraoficial difunde, os interesses, tanto dos setores modernos, quanto do“interior político” tradicional do Estado. Como vimos, o lugar político damaioria dos municípios é frágil e os interesses microrregionais estãocompletamente alijados do atual arranjo político. Não há, na políticamineira, nenhuma força organizada que galvanize programaticamentee materialmente os interesses do poder municipal. As administraçõesmunicipais, hoje, são mais assistidas (mesmo de uma forma insuficiente)pelos programas da União do que aqueles apresentados pelo Governodo Estado. A interação entre prefeitos e governo do Estado se dá prin-cipalmente por intermédio dos deputados estaduais, que com este ser-viço possuem um instrumento a mais na construção de sua viabilidadeeleitoral.

Mesmo que simbolicamente – por meio do carisma e da origem –Aécio dialogue com os setores do “interior”, de longe implica identi-ficá-lo como representante dos mesmos. O apoio dos políticos do inte-rior, em especial dos prefeitos, está relacionado à sua posiçãocompletamente subalterna no jogo do poder, no qual a opção é quasesempre pelo “situacionismo” ou “governismo”, no intuito de receber

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apoio material para sua administração e/ou apoio político para sua car-reira na vida pública. Daí deriva as formulações extraoficiais de apoioao PT no âmbito nacional e ao PSDB em Minas por parte de liderançaslocais, que necessitam estar no interior do polo governista a qualquerpreço e dialogar por dentro as possibilidades eleitorais mais prováveisde vitória. Acontece que este fenômeno é tão generalizado que atémesmo Aécio depende desta ambiguidade eleitoral para viabilizar-secomo referência política no Estado; exemplo disso é que não poderianas últimas eleições enfrentar frontalmente a legenda rival e seus can-didatos à Presidência da República.

Aécio recorre ao expediente da “mineiridade” para dialogar comsua base eleitoral, e de alguma forma se colocar com o representantedesta identidade, principalmente no que se refere às suas pretensõespresidenciais. Tal operação carece de conteúdo, pois em nenhum mo-mento é esclarecido o que venha a ser o projeto que a “mineiridade”apresenta para o país.

A simbologia da “mineiridade” tem desempenhado função mar-cante nesse sentido, talvez mais para dar coesão às próprias elites,operando como uma espécie de ideologia da classe dominante, doque para generalizar um senso de identidade regional entre a po-pulação. De todo modo, sua importância como instrumento ideo-lógico é patenteada pelo uso frequente que dela têm feito asautoridades e os intelectuais ao longo do tempo. Sobretudo emconjunturas de disputa com o poder central (Dulci, 2001, p. 641).

Mas há uma diferença essencial, entre as pretensões mineiras àPresidência da República sob a vigência de outros arranjos políticos e aque se apresenta agora; nesta, não há um conjunto de proposições quelhe atribua sentido prático. Até o momento, é apresentada como puravontade, sem nenhuma virtude.

Outra noção equivocada, bastante difundida, seria que o Senador AécioNeves e o Governador Antônio Anastasia (1961-) teriam inaugurado ochamado governo “técnico”. Como foi longamente discutido anteriormente,as administrações estaduais em Minas, durante todo o século XX, seapoiaram na ideologia de que as opções de governo eram regidas por

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critérios científicos, e também foi discutido as pretensões de tal tipo dediscurso. Acontece que os governos do PSDB Mineiro são menos “téc-nicos” do que divulgam se comparados à tradição governante mineira.Independentemente das consequências práticas, a maior parte dosarranjos políticos anteriores eram informados por algum grau de cor-respondência com o Positivismo, com o enfretamento ao subde sen -volvimento regional por meio do Estado em diferentes níveis deinteração com o capital privado nacional e estrangeiro no sentido depromover a industrialização. Isso não ocorre no caso dos governos doPSDB em Minas; a ideia do “governo técnico” é essencialmente pro-paganda, pois é ausente de um plano de desenvolvimento. Assim, a“técnica” pesedebista está restrita à gestão da própria estrutura admi-nistrativa, sem nenhum objetivo maior, mesmo que retórico. A construçãoda Cidade Administrativa, a utilização de métodos empresariais comoo Acordo de Resultados e fixação de metas para os funcionários sãoexemplos deste estilo de governo.

O chamado “Choque de Gestão”, grande palavra de ordem dobloco governante, é impreciso por ser marcadamente ideológico, porémlegitima um conjunto de procedimentos que reduz a presença do Estadonas áreas sociais e debilita as condições de trabalho do funcionalismopúblico estadual, com a justificativa de “ampliar a eficiência”, “reduzircustos”, etc. Porém, o que interessa aqui é analisá-lo em seu significadopolítico, e nisso a ideia de Choque de Gestão demonstra a situação defragilidade do Estado na execução de suas atribuições. O pensamentode curto prazo que lastreia esta concepção atribui à administração pú-blica a causa ou a solução para um problema que é de ordem estrutural.Porém a chamada “gestão técnica” ganhou penetração social, em razãode sua capacidade em dialogar com o senso comum, com o conjunto depreconceitos antiEstado difundidos na população durante a década de1990. Este tipo de operação política só se sustenta em ambientes favo-ráveis economicamente, quando a pressão social sobre a estrutura pú-blica é mais fraca em decorrência do crescimento econômico, como oque aconteceu na última década. Tais condições se deterioraram nos úl-timos anos; a crise fiscal – destaque para a dívida pública – se intensificae coloca em posição bastante difícil a manutenção deste slogan, bemcomo desafia os limites da “contabilidade criativa” do Governo de An-

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tônio Anastasia (2010-). Em suma, o “aecismo” é um volume imenso de ideologia liberal

com um baixo teor de ideias. É resultado de uma longa crise políticamineira, que perdeu a capacidade de condução de um projeto de desen-volvimento regional. O Choque de Gestão e o próprio estilo de governodo PSDB Mineiro, marcado por um cosmopolitismo exacerbado, agridee condena à inoperância quaisquer ações na dimensão regional, pois nãopossui uma política informada pela necessidades objetivas dos Estado.Aécio Neves é uma liderança construída por dentro do poder estabele-cido, e é neste ponto que reside sua força, porém também significa acristalização da perda de conteúdo histórico do condomínio de poderem Minas Gerais. Sua existência, como o único presidenciável mineiro,revela, antes de tudo, a posição subalterna do Estado na dinâmica dopoder nacional.

CONCLUSÕES

A imbricação histórica entre política e economia em Minas Geraisé característica de atraso no processo de modernização, próprio de for-mações sociais dependentes. A ação estatal, nesta situação, é tomadacomo central no sentido de gerar dinamismo e desenvolver as estruturaseconômicas e sociais. A iniciativa do desenvolvimento se coloca, neces-sariamente, como uma iniciativa política, que disciplina e orienta osagentes do mercado. Tal abordagem, consequentemente, modifica arealidade sobre a qual opera, e forma, em mediação com os interessesem jogo, novas configurações do cenário, exigindo atualizações políticasque lhe sejam correspondentes. Verifica-se em Minas, no período estu-dado, quatro arranjos políticos distintos, três deles lastreados por umapolítica de compromisso centrada na noção de desenvolvimento regional,e o último sob a referência da globalização liberal.

Apresento no Quadro 2, de forma sintética, as características prin-cipais dos arranjos políticos em Minas Gerais.

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Quadro 2Arranjos políticos em Minas Gerais

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Características Tipos de arranjos políticos em Minas Gerais (Século XIX – 2013)

Oligárquico -Pluralista

Elitista-Conser-vador

Elitista - Depen-dente

Político - Empre-sarial

Período 1889-1930 1930-1950 1950-1985 1985 ....

Política deCompromisso

Oligarca-elitista Neoliberal

Composiçãode classe

Latifundiários –Burguesia Indus-trial e Comercial(orientada para omercado Interno)– Pequena Bur-guesia Urbana

Burguesia Indus-trial e Comercial(orientada para omercado Interno)– Pequena Bur-guesia (Profissio-nais Liberais) -Latifundiários

Burguesia Indus-trial e Comercial(exportadora),Pequena Burgue-sia (profissionaisLiberais) - Lati-fundiários, em-presáriosassociados ao ca-pital externo.

Burguesia Indus-trial e Comercial.Empresariado as-sociado ao capitalexterno.

Setor Dirigente

Latifundiários Composição eli-tista: Burguesias eProfissionais Li-berais

Composição Eli-tista: Frações daburguesia asso-ciadas ao capitalexterno.

Composição: Po-líticos Profissio-nais, associados àideologia liberal.

Fonte dePoder Realdo Setor Di-rigente

PropriedadeFundiária

Pequena e médiapropriedade decapital industriale comercial;orientada para omercado interno.

Pequena e médiapropriedade decapital industriale comercial.

Difusa. Proprie-dade de capitaisem diferentesramos.

Relação com o PoderEfetivo

Instrumental.Instituições comoinstrumento depoder

Dependente. Ins-tituições (princi-palmente oEstado) comofonte de poder

Dependente. Ins-tituições estatais e“paraestatais”como fonte depoder

Instrumental.Instituições esta-tais e “paraesta-tais” comoinstrumento depoder e ambientede negócios.

Relação como Estado

Instrumental- Es-tado como instru-mento deModernização

Dependente. Es-tado como prin-cipal promotordo processo demodernização.

Colaborativa. Estado como in-dutor do processode industrializa-ção por meio daatração de capi-tais.

Parasita. Estadocomo espaço denegócios.

(continua)

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Relação com oCapital Externo

Antagônica. Colabo-ração focalizada ematividades de trans-formação industrial.Resistência às ativi-dades relacionadas àexportação sem be-neficiamento.

Antagônica. Colabo-ração focalizada ematividades de trans-formação industrial.Resistência às ativida-des relacionadas à ex-portação sembeneficiamento.

Colaborativa.Atração de capitalestrangeiro, semrestrições de ativi-dades, visando àindustrialização.

Subordinada. Asso-ciação intensa com ocapital estrangeiro.

Relação com o Capital PrivadoNacional

Colaborativa. O em-presário deveria serassistido pelo Estado.

Colaborativa. O em-presário deveria serassistido pelo Estado.

Colaborativa e an-tagônica. O em-presário local devese associar ao capi-tal externo.

Limitada. Focalizadaem setores ofertan-tes de serviços aoEstado e ao capitalexterno.

RecrutamentoDos membros

Prioritariamenteentre proprietáriosfundiários, com aber-tura para setores ur-banos.

Flexível, se dá porcritérios ideológicos efuncionais.

Flexível, se dá porcritérios ideológi-cos e funcionais.

Flexível, se dá porcritérios ideológicose funcionais.

Base Ecológica do Poder

Rural Urbano Urbano Urbano

Estilo deControle

ExternoPersonalizado: Coronelismo

Impessoal. Procedi-mentos de autoridadedo Estado e meca-nismo de reproduçãode ideologia.

Impessoal. Procedimentos de autoridade doEstado e meca-nismo de reprodu-ção de ideologia

Impessoal. Propaganda e demais mecanismode controle social.

Interno Personalizado. Vínculos pessoais

Impessoal. Procedimentos racionalizados.

Impessoal. Procedimentos racionalizados.

Impessoal: Relaçõesde negócios.

Dependência Externa

Principalmente Econômica

Principalmente Econômica

Econômica e polí-tica-ideológica

Econômica e política-ideológica

Setores Econômicos Predominantes

Primário (agricul-tura)

Primário(mineração e agricultura)

Energia e Transporte.

Primário (mineraçãoe Agricultura).

Política de Desenvolvimento

Baseada na industria-lização e diversifica-ção produtiva.

Baseada na industria-lização e diversifica-ção produtiva.

Baseada na espe-cialização produ-tiva

Baseada na “primarização”produtiva (ultraespe-cialização).

Centros de decisões sobre apolítica de desen-volvimento/ Apa-rato Institucional

Secretaria de Estadoda Agricultura

Secretaria de Estadoda Agricultura, Indús-tria e Comércio.

CEMIG, BDMG,INDI e CDI

Difuso. Com predominância daCEMIG e FundaçãoJoão Pinheiro.

Base da Intelectualidadede Estado

Técnicos das Ciências Agrárias.

PredominantementeEngenheiros.

Engenheiros eEconomistas

Administradores Públicos

Fonte: elaboração do autor.

(conclusão)

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A permanência do PSDB como legenda diretora da coalizaçãopartidária governante em Minas não significa nenhuma alteração subs-tantiva no arranjo político vigente, é, sobretudo, derivação do mesmo,sob um contexto de liberalização econômica profunda. O “aecismo” éa significação política da ausência de uma plataforma de desenvolvi-mento regional; indica antes de tudo a flacidez das lideranças do con-domínio de poder instalado no Estado.

Não obstante seus limites, o PSDB Mineiro logrou estabeleceruma conexão bastante profunda com os setores empresariais associadosao capital externo, atuando com manifestação de poder efetivo, daquelescuja situação objetiva de poder (poder real) provém das atividades econô-micas primário-exportadoras. Esta articulação está apoiada na políticade compromissos neoliberal, introduzida em Minas nas últimas duas déca-das, pelo arranjo político-empresarial. Desta relação deriva sua capacidadeeleitoral e de governo.

É impreciso, portanto, definir a liderança do Senador Aécio Nevescomo expressão das “Elites” e/ou “Oligarquia” mineiras; esta corres-pondência só é possível na dimensão do carisma, não possuindo umabase sólida em termos políticos e econômicos. Primeiro, porque tantoas elites quanto a oligarquia são vestigiais no Estado, não se apresen-tando como operadores políticos relevantes no cenário atual. São luzesfoscas do passado. Segundo, porque a ideologia professada e a políticamanifesta pelo PSDB e por Aécio Neves não possui correspondênciamaterial com os arranjos políticos anteriores; a política de compromissosna qual se filia é diferente, até mesmo antagônica, com aquela elaboradapela oligarquia e pelas elites, em seu tempo, conforme foi tratado nestetrabalho. A política de compromissos oligarca-elitista não evoluiu parauma de natureza neoliberal, de outro modo foi derrotada pelo avanço docapitalismo dependente e da globalização. Objetivamente, Aécio e oPSDB são manifestações políticas dos setores do empresariado asso-ciado ao capital estrangeiro.

Será no padrão de relação entre bloco dirigente estadual e classessubalternas que Aécio Neves e o PSDB convergem com a tradição mi-neira. O condomínio de poder em Minas sempre foi alheio às reivindi-cações “dos debaixo”, não produzindo nenhum intercâmbio políticosólido – para além da ideologia da “mineiridade” – com a camada de

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trabalhadores rurais e urbanos. O ponto de contato entre o compro-misso oligarca-elitista e o neoliberal reside na exclusão sistemática dasmassas populares do arranjo político dirigente.

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Gilson Reis

MINAS GERAIS: UM ESTADO E UMA ELITE A SERVIÇO DE UM

PROJETO ELEITORAL

O Estado nasceu da necessidade de refrearo antagonismo de classes. No próprio con-flito dessas classes resulta, em princípio,que o estado é sempre o Estado da classemais poderosa, da classe economicamentedominante que, também graças a ele, setorna a classe politicamente dominante eadquire, assim, novos meios de oprimir e

explorar a classe dominada.Engels

MINAS: TARDIA, PATRIMONIALISTA E DEPENDENTE

Ao longo dos tempos, teses e conceitos foram difundidos sobre aforma e o conteúdo de se fazer política e do pensamento dos políticosmineiros. “O mito da mineiridade”. Debatem-se interpretações acercada tradição, da conciliação, da habilidade e do paradoxal convívio entreo pensamento liberal e conservador dos políticos locais. A política docentrismo, como modus operandi, impõe-se no “fazer política” em Minas.A contradição instala-se nos momentos de intempestivas disputas re-gionais e desaparecem nos permanentes arranjos de unidade em âmbitonacional, com o objetivo de influenciar os rumos da política e o controledo poder central. Via de regra, as camadas populares e os trabalhadoressempre estiveram deslocados dos projetos políticos e econômicos daselites locais.

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A nossa Minas, de identidade cultural e econômica, remonta aoséculo XVII: imensas cadeias montanhosas, uma exuberante florestatropical, um sertão que carrega o próprio mundo – tudo isso formandouma barreira natural à sua ocupação, que somente ocorreu depois dequase 200 anos da chegada dos portugueses em território brasileiro.Para dificultar a investida dos “descobridores”, uma imensa populaçãoindígena, concentrada nas encostas, vales e rios do território mineiro,resistia aos invasores em duras batalhas. Indígenas dispostos a impedira ocupação do território – quer pelos emboabas vindos do Nordestebrasileiro, via Rio São Francisco; quer pelos bandeirantes vindos de SãoPaulo, que nas picadas da Zona da Mata Mineira, buscavam o caminhodas minas. As circunstâncias naturais e humanas, assim, dificultaram eretardaram a ocupação da região.

Com o descobrimento das primeiras minas de diamante e ourono final do século XVII, a região transformou-se de forma rápida. Minasfoi, então, alçada à condição de capitania em princípios do século XVIII,tornando-se, em seguida, Província e Estado.

A ocupação urbana de Minas ocorreu de forma fragmentada, ori-ginando, desde o início de sua formação, as “sub-regiões”: Ouro Preto,Araxá, Paracatu, Mariana, Sabará, São João Del Rei, Diamantina e de-mais cidades. Destaca-se que a ocupação dispersa, fragmentada e autô-noma do solo mineiro, foi, nesse aspecto, muito diferente das ocupaçõesurbanas até então constituídas ao longo da costa brasileira e de algumasoutras regiões. Tais ocupações, até então, concentravam-se em grandespolos urbanos, como Recife, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Ma-naus, entre outros.

A extraordinária riqueza acumulada por meio da exploração, doouro e do diamante; a intensa concentração populacional nas regiõesmineradoras – Ouro Preto chegou a ter 150 mil habitantes no séculoXVIII; o inchaço da máquina burocrática; a ampliação do comércio; ofortalecimento do poder político local; a municipalidade; a imigraçãode famílias portuguesas vindas do norte – com um forte sentimento re-ligioso; as ideias liberais que chegavam do Velho Continente; e o con-servadorismo político dominante dos coronéis, contribuíram, em tomde convergência, com a configuração do perfil humano, político, eco-nômico e social de Minas Gerais.

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A formação das “sub-regiões” de Minas foi, assim, gradativamenteconstruída. A fragmentação territorial constituída por vários pequenosnúcleos urbanos se consolidou em vários polos de poderes locais. A mu-nicipalidade, marca central do arranjo de forças em Minas, consubstan-ciou, então, a tradicional política mineira. A constituição ideológica,familiar e territorial das elites seguiu viva ao longo do tempo e, aindahoje, está forte e presente nas várias regiões do Estado. É importantefrisar que, no que tange às disputas locais, a radicalidade é um lugar-comum – com muito raras exceções. Todavia, no que se refere à ocupa-ção de espaço nas esferas de poder central, os liberais e conservadores,em vários momentos da história, se uniram estrategicamente para me-lhor atenderem aos seus interesses de classe.

A SAGACIDADE DE UMA ELITE OPORTUNISTA

Com o esgotamento do ciclo do ouro, as elites mineiras entramem crise. Gradativamente, iniciou-se um processo de aproximação como poder central. Essa manobra política e econômica ficou mais evidentecom a proclamação da República e consequente constituição da cha-mada República Velha. A aproximação política tinha, nesse período, umobjetivo central: influenciar, em âmbito nacional, as diretrizes gover-namentais e garantir os interesses particulares das elites mineiras. Essaação política pode ser historicamente caracterizada pela incapacidadedessas mesmas elites de investir, desenvolver e planejar a economia doEstado, com raríssimas exceções.

Com a ausência de um projeto local, as elites mineiras se fortale-ceram historicamente através da permanente ação política na esfera na-cional. Esta movimentação sempre teve como objetivo a ocupação dosespaços institucionais, para influenciar e/ou conduzir os rumos da po-lítica nacional. Sempre objetivaram apropriar do excedente econômiconacional, via controle do aparelho estatal, que, por sua vez, é garantidograças ao clientelismo, ao patrimonialismo e à barganha política.

A construção da unidade em torno dos objetivos nacionais e a con-solidação dos projetos de poder das elites mineiras ganhou força aindamaior quando foram chamadas a interferir nas rupturas institucionais

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ou nos acordos de cúpula. Nessas circunstâncias, as elites mineiras sem-pre colocaram seus interesses de classe acima de suas convicções ideo-lógicas, segundo a lógica do pragmatismo político. É também nessemovimento de convergência de interesses de classes que se sobressaemos interesses particulares, o enriquecimento ilícito, o acúmulo de patri-mônio, a transferência de recursos públicos a pessoas e grupos econô-micos politicamente vinculados aos seus projetos particulares e atémesmo a subserviência e dependência aos interesses externos, de países,governos e empresas multinacionais.

É muito elucidativa a maneira como essas elites se comportaramna Primeira República. A aliança entre mineiros e paulistas, a conhecidapolítica do café com leite, foi a consolidação de um projeto de poder apartir do aparelhamento da máquina estatal. Essa arquitetura políticapossibilitou conduzir as elites mineiras na viabilização do seu projetode poder a partir da apropriação dos recursos de âmbito federal. Emgrande medida para contemplar interesses particulares e de grupos eco-nômicos locais. O que se observa nesse período é a completa ausênciade um projeto de desenvolvimento para Minas e para o Brasil. É im-portante destacar que alguns autores identificam nesse período peque-nas fissuras entre as elites mineiras. Uma parcela dessas elites começoua pensar e projetar um posicionamento de caráter nacional desenvolvi-mentista.

Com o fim da República Velha e consequente ruptura entre mi-neiros e paulistas, as elites de Minas, mesmo divididas internamente, sereorganizaram rapidamente no plano nacional. Setores minoritários dacomposição orgânica das classes dominantes veem na instalação do Es-tado Novo a possibilidade de avançar na construção de um projeto maisousado do País. Esse novo projeto seria concebido a partir das poten-cialidades humanas e naturais comparativas de Minas, em relação a ou-tros estados, rompendo definitivamente com as estruturas agrárias, atéentão dominante no Estado. Esse grupo apoiou e participou da funda-ção do Estado Novo. Sob o comando de Benedito Valadares as elitesmineiras somaram forças, assim, ao projeto de desenvolvimento nacio-nal encabeçado pelo Presidente Getúlio Vargas.

As elites mineiras e o Estado de Minas Gerais vivenciaram, no pe-ríodo dos anos de 1940 a 1975, o apogeu do seu projeto político e eco-

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nômico de poder. Foram 35 anos de intenso progresso econômico paraMinas e para o Brasil. Nesse período, a economia de Minas passou porgrandes transformações e diversificações. A criação da CVRD (Com-panhia Vale do Rio Doce) e a exploração mineral; a implantação degrandes siderúrgicas, como Usiminas, Acesita, Açominas; a consolida-ção dos bancos públicos, como BEMGE, Credireal e Minas Caixa; aconstrução e a ampliação do setor energético, como CEMIG, Furnas,CHESF; o ordenamento de uma extensa malha rodoviária e ferroviária;a fixação, nas varias regiões do Estado, de grandes universidades federaise escolas técnicas; a criação do polo industrial em Contagem e Betim,que atraiu dezenas de grandes empresas; a implantação da Regap (Re-finaria Gabriel Passos); enfim, são esses alguns dos exemplares práticosdo apogeu supracitado. Também nesse período ocorreu a ocupação docerrado mineiro e os projetos de excelência para a lavoura e pecuáriano Triângulo Mineiro, no Sul e no Alto do Paranaíba. Planejamento,investimento, financiamento, projetos estratégicos, economia minima-mente planejada e um crescimento médio da ordem de 8% ao ano.

O período de ouro da economia nacional e mineira não resultou,entretanto, em melhoria das condições de vida da grande maioria dapopulação e dos trabalhadores. O modelo continuava concentrador eexcludente. É importante destacar que nessas três décadas e meia o paíspassou por duas ditaduras: o Estado Novo e o Regime Militar. Entre asduas ditaduras ocorreu um breve período de democracia, que levou ummineiro à condição de Presidente da República – Juscelino Kubitschek.JK, um liberal desenvolvimentista, da cidade de Diamantina, represen-tou no plano nacional o auge do projeto das elites mineiras. Entretanto,o governo, mesmo desenvolvendo a economia no plano local e nacional,encontrou sérias dificuldades no campo da política, inclusive com seto-res determinados das elites mineiras, que tentaram, por diversas vezes,inviabilizar o seu governo. Também é importante destacar que o projetodesenvolvimentista de JK tinha como centro transporte e energia e umaprofunda dependência externa.

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MINAS GERAIS: 30 ANOS DE CRISE E RECUOS

Parcelas majoritárias das elites mineiras se propuseram, a partirdo ano de 1964, diante de uma nova ruptura, apoiar o golpe militar eassociar-se aos interesses do regime de exceção. O Governador Maga-lhães Pinto e o General Olímpio Mourão comandaram, a partir deMinas, grande parte da logística política do golpe de Estado. A ação po-lítica arquitetada no Estado levou as elites a apoiarem a sangrenta Di-tadura Militar. As Forças Armadas locais, a Polícia Militar, a classemédia e o Governo Estadual foram decisivos para o sucesso do golpede 64. Nunca esteve no horizonte das elites mineiras um projeto popu-lar e democrático com desenvolvimento e distribuição de renda. As re-formas de base, propostas pelo Governo João Goulart, soavam aosouvidos dessas elites como uma afronta. O apoio ao golpe estava, por-tanto, mais que justificado.

Nos primeiros anos do regime militar, Minas Gerais foi cenáriode grandes investimentos do Governo Federal – possivelmente os maio-res em toda a história da República. Grandes hidroelétricas, indústriassiderúrgicas, estradas, bancos públicos, Universidades Federais, ferro-vias. Minas Gerais era a vitrine do modelo desenvolvimentista do re-gime militar. Minas era o próprio “milagre brasileiro”. Minas e suaselites não eram somente beneficiárias dos grandes investimentos e obrasrealizados pelos generais; eram parte do próprio regime, com a presençacivil sacramentada pela figura de Vice-Presidentes: Pedro Aleixo, JoséMaria Alckmin e Aureliano Chaves de Mendonça.

Contudo, com a crise do petróleo em 1972 e o aprofundamentoda crise da dívida pública externa brasileira, o modelo de desenvolvi-mento nacional entrou em colapso, assim como a economia de todo opaís. Minas Gerais foi severamente atingida pela crise e suas elites setornaram novamente reféns de suas escolhas. Recessão, inflação, de-semprego, baixo crescimento da economia, endividamento dos setorespúblico e privado, baixos investimentos e a crise do regime foram seavolumando ano após ano. Com a crise econômica e social, acentuou-se a crise política. O regime militar não mais conseguia manter a socie-dade silenciada sob o seu cassetete e enclausurada nas prisões. A morte

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de dezenas de civis brasileiros nos porões da ditadura ganhou manchetesmundo afora. Os trabalhadores em condições de carestia enfrentavamas baionetas nas praças e ruas do país. O regime militar sucumbiu à rea-lidade política e social. Assim, o retorno da democracia e das liberdadespolíticas era a chama que novamente acendia corações e mentes detodos: liberais, conservadores, sindicalistas, igrejas e a sociedade emgeral, sem excluir, claro, as elites mineiras.

Com a crise instalada em todas as suas dimensões – política, eco-nômica e social –, o regime militar anunciou o retorno à democracia deforma lenta e gradual. Foi o período das greves em massa, da Teologiada Libertação, da luta contra a carestia, das “Diretas Já”, da Constituintee das reivindicações por eleições livres. Nesse cenário de intensa lutapolítica, de grandes mobilizações populares, de profundos desajusteseconômicos, fazem surgir, novamente, o oportunismo das elites minei-ras, rompendo com o movimento das “Diretas Já” e apoiando o ColégioEleitoral. Foi o conhecido acordo de cúpula: tradicional saída por cima.O mineiro Tancredo Neves, então governador de Minas, vai se juntara um dos lideres civis do regime militar, José Sarney. Estavam, nova-mente, as elites mineiras, liberais e conservadores, juntos para contro-larem as estruturas de poder; unidas para reassumir o Governo Federal.

O plano não demorou a falhar. Tancredo Neves, eleito pelo Co-légio Eleitoral, sequer tomou posse. Sua morte trouxe consigo a morteda esperança das elites mineiras, que, desde JK, não tinham a oportu-nidade de assumir o cargo mais alto da República. O governo Sarneyassumiu com a desconfiança de todos os segmentos que conduziram omineiro Tancredo Neves à Presidência, incluindo os generais, que oconsideravam traidor do regime. Fato é que o governo de transição, de-nominado Brasil Novo, enfrentou as mesmas dificuldades do períodoanterior: inflação, desemprego, baixo crescimento, entre outros.

José Sarney lançou o Plano Cruzado, numa tentativa de retomar odesenvolvimento nacional, o qual logo se mostrou frágil e inconsistente.Do outro lado, as lutas populares aumentaram. A sociedade exigia umnovo ciclo de desenvolvimento com distribuição de renda. As elites mi-neiras, fragilizada com a morte de Tancredo Neves, sumiram do cenáriopolítico nacional. Nenhum dos candidatos à Presidência da República do

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ano de 1989 era oriundo das fileiras político-partidárias do Estado deMinas. Todavia, lá estava Itamar Franco: “baiano” de Juiz de Fora, can-didato a Vice-Presidente na chapa de Fernando Collor de Mello.

O segundo turno das eleições presidenciais foi marcado pelo inu-sitado, pelo inesperado: Collor e Lula foram ao segundo turno. De umlado, Collor, um neoliberal com pouca expressão na política nacional –a não ser pela rotulagem de “caçador de marajás” –, trazia consigo ovelho discurso moralista das elites brasileiras. Do outro, Lula, sindica-lista ligado ao jovem Partido dos Trabalhadores (PT), metalúrgico elíder sindical dos metalúrgicos do ABC paulista, que vinha sacudindo opaís com centenas de greves. A crise política e econômica presente nopaís indicava tensões e desdobramentos incertos.

As elites mineiras se unificaram em torno de Fernando Collor, umneoliberal de primeira viagem. Seu Vice era exatamente o engenheiroItamar Franco, nascido na Bahia, mas que desenvolveu toda a sua traje-tória política em Minas Gerais, na região da Zona da Mata Mineira. Ita-mar Franco, vale destacar, representava parte da elite política em ascensãono Estado de Minas desde os anos de 1940. Isso porque a economia de-senvolvimentista de Getúlio Vargas e Benedito Valadares transformouprofissionais liberais em novos líderes da elite política do Estado.

O governo Collor foi um fracasso previamente anunciado. Mesmosintonizado com o programa neoliberal em franco desenvolvimento nomundo, seu governo não conseguiu mobilizar os setores sociais, políti-cos e econômicos para sustentar o projeto. A ausência do apoio derivava,sobretudo, da percepção que esses setores nutriam acerca da fragilidadepolítica que representava o governo Collor de Mello. Mesmo assim,Collor iniciou algumas medidas liberalizantes no comércio, na indústriae, principalmente, no setor financeiro. Parcela das elites nacionais e mi-neiras tinham pressa na implementação do modelo neoliberal que,àquela altura, adquiria status de hegemônico, tanto no plano ideológico,quanto no plano político.

Novamente, o país entrou em turbulência: Collor sofreu o impe-dimento, com amplo apoio da sociedade – inclusive dos setores liberaise conservadores que o levaram à Presidência. Itamar Franco assumiucom uma ampla coalizão partidária, um amplo espectro de forças polí-ticas, da extrema direita ao centro-esquerda. Entretanto, assim como

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Collor, Itamar não era um Presidente confiável para liderar a imple-mentação do projeto neoliberal. Por isso, enfrentou a oposição de se-tores mais engajados, principalmente a elite paulista. Mas Itamar foimuito útil nessa curta transição: estabilizou a economia e projetou umaliderança capaz de derrotar Lula e liderar a aplicação do modelo neoli-beral no país. Novamente estava um mineiro influenciando negativa-mente os rumos da política nacional em convergência com os interessesdas elites locais e nacionais.

Sob pressão das elites nacionais, fundamentalmente a paulista,com pouco apoio das elites mineiras e premido pelas lideranças políticasliberais e conservadoras, Itamar realizou dois movimentos: estabilizoua economia com o Plano Real e lançou o ministro da Fazenda, FernandoHenrique Cardoso, para a disputa eleitoral. FHC, com amplo apoio desetores liberais e conservadores, incluindo as elites mineiras, derrotouLula em sua segunda disputa pela Presidência, e iniciou, de forma im-placável, a implantação e consolidação do neoliberalismo, por meio doaprofundamento do Estado Mínimo.

AS ELITES MINEIRAS REALIZARAM O SEU PRÓPRIOFUNERAL

Itamar Franco, ao entregar o governo a Fernando Henrique Car-doso, também entregava a certidão de óbito do inacabado projeto na-cional de desenvolvimento. Parcelas majoritárias das elites mineiras ebrasileiras estavam coesas em torno do projeto de Estado Mínimo. Erao início da afirmação e da hegemonia do projeto neoliberal. Em Minas,o Governador Eduardo Azeredo; em Brasília, o Presidente FHC. Empouco tempo, as estruturas dinâmicas do Estado foram, uma a uma, en-tregues ao mercado. O processo de privatização foi arrasador. Todo osistema financeiro, siderúrgico, mineral, ferroviário. Setores elétricos,petrolíferos, bancos públicos e as universidades federais instaladas emMinas, que também estavam na mira da privatização, não tiveram con-cluído o mesmo fim planejado. A luta popular, a pressão de setores na-cionalistas e de personalidades políticas que se opunham ao projetoneoliberal, inviabilizou a destruição completa das estruturas do Estado.

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Depois de um longo ciclo histórico, as elites de Minas e do Brasilabandonaram o projeto de Nação e se colocaram como sócias minori-tárias do sistema financeiro internacional e das grandes transnacionais.As grandes nações capitalistas e suas elites empresariais, em virtude dacrise internacional, buscaram recompor seus lucros, comprando ativosde empresas estatais pelo mundo afora. Encontraram no governo tucanode FHC um terreno fértil para consolidar seus objetivos.

O que marcou esse período, para além das privatizações das em-presas nacionais, foi justamente o ajuste macroeconômico e financeiropatrocinado pelo Governo Federal. O ajuste foi feito em benefício únicoe exclusivo dos interesses do setor financeiro nacional e internacional.Foi desse período o extorsivo acordo das dívidas federal e estadual; a li-beralização dos fluxos de capitais; o câmbio flexível; os juros estratosfé-ricos; o aumento da carga tributária; os superávits primários; a Lei deResponsabilidade Fiscal; a Reforma do Aparelho do Estado; a destruiçãoe sucateamento do parque industrial nacional; o desemprego; a focali-zação das políticas públicas de educação e saúde; a ausência de investi-mentos estatais em infraestrutura; e, finalmente, a incapacidade dosgovernos de empreender níveis – ainda que elementares – de planeja-mento para impulsionar a economia.

Contudo, o projeto neoliberal, do Estado Mínimo, não conseguiunovamente unificar toda a elite mineira – fundamentalmente, o setorprodutivo industrial, que ficou estrangulado pelas medidas econômicase estruturais do Governo Federal. Parte do setor industrial de Minas edo Brasil rompeu, então, com o Governo Federal e iniciou suas críticasao modelo neoliberal. Na prática, o neoliberalismo abriu profundascontradições entre o setor produtivo e o setor financeiro, base do pro-jeto do governo FHC.

Foi nesse cenário de crise interna e externa, de disputa entre “ren-tistas” e “desenvolvimentistas”, que uma parcela das elites mineiras rea-lizou, pela primeira vez na história, uma “ruptura política à esquerda”.A tradicional elite mineira, mesmo diante da situação crítica da econo-mia, mantinha seu apoio ao modelo rentista e neoliberal. Porém, sob ocomando de José Alencar, importante industrial do ramo têxtil, umaparcela da elite mineira rompeu com a política local. Setores industriaisque criticavam o modelo neoliberal articularam, então, com setores de-

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senvolvimentistas e das esquerdas, um novo rumo para o Brasil. Agorasob a hegemonia da centro-esquerda, conduzida principalmente peloPartido dos Trabalhadores, parte das elites mineiras que projetavampela primeira vez na história, uma perceptiva de desenvolvimento comdistribuição da renda.

No plano nacional, entretanto, a tradicional elite de Minas man-tinha seu apoio ao governo FHC. No início da implantação do modeloneoliberal, o país viveu um curto período de crescimento econômico eestabilidade monetária, provocada pelo Plano Real. Todavia, a fragili-dade estrutural econômica e financeira e a ausência de um planejamentoestatal colocaram o projeto neoliberal em rota de crise: o modelo nãose autossustentou. A situação se agravou com o baixo crescimento daeconomia, o desemprego, a ausência de investimentos em infraestru-tura, o aumento da dívida pública, a instabilidade econômica e as fragi-lidades estruturais. O Brasil “quebrou” três vezes nesse período, tendoque recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para honrar osseus compromissos.

As eleições de 2002 foram, então, realizadas sob um cenário decrise interna e externa. As elites mineiras, agora, em disputa local e na-cional. No Estado, o imprevisível Itamar Franco rompia com o PMDBe se aproximava de Aécio Neves. A candidatura petista em Minas foi sa-crificada, e Itamar Franco promoveu uma aliança informal entre Lulae Aécio, o Lulécio. Itamar Franco investiu forte no projeto eleitoral na-cional, com o claro objetivo de derrotar FHC e seu candidato tucano,José Serra. Lula, em aliança com mineiro José Alencar, venceu as elei-ções nacionais, e Aécio Neves foi eleito Governador de Minas. Iniciou-se, nessas condições, um novo ciclo político de contradições estratégicasentre Minas e no Brasil.

A GESTÃO EM CHOQUE, OU CHOQUE DE INDIGESTÃO?

O resultado das eleições de 2002 representou uma dura derrotaao modelo neoliberal no Brasil. A aproximação do Partido dos Traba-lhadores com setores desenvolvimentistas consolidou uma aliança de

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centro-esquerda. Foi um gesto de ousadia que, de um lado, abriu novasperspectivas para o Brasil e, do outro, consolidou importantes fissurasno campo popular democrático e entre as esquerdas no país.

Vale ressaltar como questão central que Minas estava, mais umavez, presente e influenciando os rumos da nação. A presença de JoséAlencar representava, além do setor produtivo, a divisão das elites mi-neiras no plano nacional. Contudo, no plano estadual havia sido eleitoo neoliberal Aécio Neves.

A vitória de Aécio Neves ao Governo de Minas acendeu, nas ve-lhas e tradicionais elites mineiras, a possibilidade de disputar novamenteo Governo Federal. Aécio, o novo, é o líder do velho liberal-conserva-dorismo mineiro. Mesmo aparentando jovem e dinâmico, Aécio Nevesé o herdeiro de gerações e gerações de políticos tradicionais das váriasregiões do Estado. Com esse legado, o Governador construiu um po-deroso sistema de poder local capaz de sustentar seu Governo e, maisprecisamente, o seu projeto, que reflete o projeto das elites mineiras: aPresidência da República.

Aécio recebeu o Estado atrofiado, fruto da gestão neoliberal de-senvolvida desde os anos de 1990, iniciada pelo tucano Eduardo Aze-redo. É importante destacar que Aécio Neves foi, no CongressoNacional, um dos principais parlamentares responsáveis pela articulaçãopolítica do projeto neoliberal. Foi líder do governo FHC e Presidenteda Câmara dos Deputados. Eleito Governador, sem um projeto de de-senvolvimento para o Estado, anunciou o “Choque de Gestão” comovitrine e principal meta de governo. Implantou a administração geren-cial do Estado. Não obstante, o governo iria, ainda, organizar-se finan-ceiramente a partir de vultosos empréstimos bancários e dainstrumentalização de empresas estatais que haviam sobrevivido à sanhaprivatista: CEMIG, COPASA e CODEMIG.

Aécio Neves organizou o seu governo a partir da construção deum poderoso sistema de poder. Tal sistema se constituiu a partir deampla aliança envolvendo partidos políticos, instituições públicas e pri-vadas, Ministério Público Estadual, Poder Judiciário, imprensa, enti-dades empresariais, parte do movimento sindical, ampla maioria daAssembleia Legislativa, clubes de futebol, Igrejas, etc. –, em torno dogoverno e do ambicioso projeto eleitoral nacional. Na história recente

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de Minas jamais se viu tamanha concentração de poder como a obser-vada ao longo do Governo Aécio Neves.

No plano governamental, Aécio Neves e Anastásia venderam aoBrasil, por meio da mídia oligopolizada, e por uma intensa propagandagovernamental, o chamado “Choque de Gestão”. Esse modelo gerencialde Administração Pública foi desenvolvido no Chile nos anos de 1970e aperfeiçoado na Inglaterra e EUA nos anos de 1980, como proposta“modernizante” da máquina estatal. Entretanto, o gerencialismo nãopassa de uma ferramenta político-administrativa para a consolidação doprojeto neoliberal.

Três princípios básicos norteiam as ações do modelo: resultados,terceirização e gestão compartilhada entre o público e o privado. Pri-meiramente, os “resultados” são medidos pela eficiência governamentala partir da pactuação e apuração de metas, quase sempre descoladas darealidade fática e das condições objetivas à sua realização. Não refletem,portanto, resultados de fato favoráveis ao cidadão. O método consisteem estabelecer parâmetros de baixo nível qualitativo, com o objetivo dealcançar resultados quantitativos “eficientes”: é a meta pela meta. Emsegundo lugar, está a intensificação da “terceirização”. O modelo ge-rencial faz uma profunda crítica à burocracia do Estado. Imputa a mo-rosidade da máquina e a ineficiência aos seus trabalhadores. O modeloabandona, ainda, em grande parte, os concursos públicos como formade admissão e impõe a terceirização como forma de alcançar a eficiênciaorçamentária, com a redução de custos. Com essa ação, precariza o tra-balho, diminui os salários e reduz a qualidade dos serviços prestados àpopulação. Por fim, a gestão compartilhada é o terceiro alicerce do mo-delo. Consiste em transferir para o setor privado ações e políticas pú-blicas de responsabilidade do setor público: educação, saúde, segurança,entre outras.

A síntese do “Choque de Gestão” consiste em diminuir investi-mentos na estruturação e no fortalecimento da Administração Pública;terceirizar; abandonar qualquer intervenção planejada do Estado naeconomia; transferir recursos públicos para o setor privado e focalizaras políticas públicas de saúde, educação e segurança. Afirmar-se que ométodo de administração gerencial é, em última instância, uma espéciede neopatrimonialismo.

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É importante destacar que, diante do modelo gerencial desenvol-vido nos últimos dez anos, Minas Gerais ficou paralisada. A economiamineira tem o mesmo perfil estrutural há 40 anos. Ao longo dos dezanos do governo Aécio e Anastásia, não houve melhoria na dinâmicaeconômica do Estado. Minas assistiu a uma importante “desindustria-lização”, com recuo nos investimentos em setores produtivos. Zona daMata, Vale do Aço e Leste de Minas são exemplos dessa decadência. Aeconomia mineira concentra hoje cerca de 79% de toda a riqueza pro-duzida nas commodities minerais e vegetais. Com raríssimas exceções,esse governo não planejou e não organizou nenhuma plataforma de de-senvolvimento estratégico para o Estado de Minas.

O que vimos em Minas Gerais em dez anos foi o aumento da dí-vida pública, que passou de 34 bilhões, em 2002, para 100 bilhões dereais, em 2012. Os encargos com a dívida pública, em oito anos, passa-ram de 300 milhões de reais para 2,7 bilhões de reais. A dívida daCEMIG chegou à extraordinária cifra de 5 bilhões de reais. No mesmoperíodo, a receita tributária pulou de 10,4 para 25,5 bilhões de reais. Ogoverno de Minas contraiu, nos dez últimos anos, 20 bilhões de reaisem empréstimos. Em suma: mesmo com o crescimento extraordinárioda receita tributária, a dívida pública de Minas explodiu no governoAécio Neves e Anastásia. É importante ressaltar que essa dívida draco-niana foi imposta aos Estados pelo governo FHC, sob a coordenaçãodo Deputado Federal Aécio Neves, em 1998.

Se a economia e as finanças não vão bem, nota-se que o investi-mento do governo mineiro nas políticas públicas também apresenta re-sultados desfavoráveis, recuando significativamente ao longo dosúltimos dez anos. Estudos indicam que o governo sequer cumpriu comos dispositivos previstos na Constituição do Estado, que definem re-cursos para áreas sociais. As fontes de financiamento da educação, saúdee segurança foram severamente rebaixadas no período. A ausência com-pleta de uma política habitacional, de reforma agrária, de investimentona infraestrutura, é marca da ausência do governo. O servidor públicofoi destituído de seus direitos; foram determinadas reduções salariais,perda de vantagens e a introdução de metas de produtividade. Soma-sea tudo isso à quase destruição da previdência pública estadual (IP-SEMG), a ausência de concursos públicos, as terceirizações e a criação

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da MGS – empresa mista que emprega sem concurso milhares de tra-balhadores em situação precária. Por fim, esse governo ainda imputauma permanente criminalização aos movimentos sindicais e populares.

Com base no projeto histórico das elites mineiras, o qual remontaa um ciclo histórico de três séculos, nos últimos dez anos se construiuem Minas uma ampla aliança entre liberais e conservadores para gover-nar o Estado, sem perder o foco no Palácio do Planalto. Implantou-seum poderoso sistema de poder local e um programa de administraçãogerencial amplamente neoliberal. A gestão é referenciada nos três pila-res descritos no presente texto. Aécio Neves e ampla parcela das elitesmineiras buscam pavimentar o caminho para disputar a Presidência daRepública. No entanto, a situação se agrava a cada movimento: o Sena-dor mineiro, até o presente momento, não se mostrou pessoa confiávelaos olhos dos demais setores das elites nacionais.

O PSDB apresenta-se dividido. Há uma disputa interna entrepaulistas e mineiros que vem desde 2002, ou melhor, da RepúblicaVelha. Os aliados tradicionais encontram-se enfraquecidos – fundamen-talmente, os Democratas. O Senador, ainda, mesmo apoiado por grandeparte das elites de Minas, não é unanimidade no Estado. Para complicara situação do tucano, a mineira Dilma Rousseff, que nunca foi referênciapolítica para as elites mineiras – aliás, muito pelo contrário –, é candi-data à reeileição, com apoio público do Presidente Lula, que a dependerdo processo político eleitoral, poderá ser alçado à condição de candi-dato. Tem o seu governo aparecendo em todas as pesquisas com umagrande aprovação popular. Ao que tudo indica, finalmente, e a título deregistro histórico, Minas estará mais uma vez no centro da disputa na-cional. Desta vez, definitivamente dividida entre dois projetos antagô-nicos.

O artigo apresenta uma curta reflexão sobre o processo da forma-ção histórica, política, econômica, humana e social de Minas Gerais. Orecorte apresentado é uma breve radiografia do comportamento das eli-tes mineiras no que refere ao “mito da mineiridade” e à ação políticade destacadas lideranças do Estado, a partir do jogo institucional locale nacional. É importante destacar que o bloco de poder que hegemoni-zou e controlou Minas Gerais ao longo do tempo, invariavelmente, secomportou com uma visão pequena e míope das potencialidades do Es-

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tado. A atitude foi quase sempre objetivando interesses particulares eou de agrupamentos políticos, vinculados aos interesses econômicos lo-cais. O patrimonialismo é a marca e a afirmação de uma elite apeque-nada, de um Estado, que, embora repleto de possibilidades, apresenta-sefrágil e dependente das commodities minerais e agrícolas. Um modeloeconômico e social concentrador de renda e riqueza, construído desdea Primeira República ao Choque de Gestão.

Contudo, observam-se, em alguns momentos da história, fissurasno bloco de poder das elites mineiras. Devo destacar três momentosque marcaram essas rupturas, que colocaram parcelas dessas elites emoutra dimensão da luta política e na construção concreta de um Estadodesenvolvido, vinculado a um projeto de país mais independente. Pri-meiro no governo Getúlio Vargas, que rompeu com o modelo agrárioexportador e iniciou uma nova fase do desenvolvimento nacional. EmMinas, a esse projeto, aderiu o governador Benedito Valadares. Se-gundo, com o Presidente Juscelino Kubitschek, que pese um projeto dedesenvolvimento externamente dependente, avançou a interiorizaçãodo Brasil e sua modernização/industrialização. Terceiro, na luta contrao neoliberalismo, projeto que afundou o país numa profunda crise sociale econômica, aflorou uma aliança entre capital e trabalho para recons-truir um novo projeto de desenvolvimento, em contraposição ao mo-delo rentista dependente. Nesse esforço nacional se juntam Lula e Joséde Alencar, um líder operário e um empresário.

Frente a um cenário de disputa intensa, entre dois projetos anta-gônicos, que devemos refletir sobre o processo político em curso. AécioNeves se apresenta como o novo, o moderno. Mas, sua bibliografia, suahistória e suas convicções ideológicas o coloca em condições de igual-dade aos seus pares históricos, que ao longo do tempo governaramMinas e o Brasil. Aécio Neves, de São João Del Rey, é herdeiro de váriasgerações de mineiros, liberais e conservadores, que a partir de suas sub-regiões, ascenderam ao poder em Minas e no Brasil. Essas mesmas elitesbuscam impor novamente o seu representante na disputa nacional, quese vencedor, conduzirá o Estado brasileiro, o povo e os trabalhadores aum profundo retrocesso político, econômico e social.

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José Luiz Quadros de Magalhães

LEIS DELEGADAS: O LIMITE DA POLÍTICA E DA TÉCNICA, OU COMO O DISCURSO DA TÉCNICA ENCOBRE

A POLÍTICA AUTORITÁRIA

DE MINAS ATÉ A ITÁLIA

Vivemos um momento ideológico que repete uma técnica de alie-nação do passado liberal. Naquele momento, no século XIX, por exem-plo, o pensamento liberal se afirmou no Estado constitucional liberalcomo uma teoria natural: a economia liberal era a única natural e nãoera possível, por meio da história e do direito, contrariá-la. Da mesmaforma naturalizaram o direito. Agora, com a hegemonia ideológica neo-liberal, passaram a “matematizar” a economia, esvaziando esta de seuconteúdo político e, com isto, esvaziando a política, ao retirar a crençana possibilidade de a política transformar a economia. É como se, denovo, estivéssemos condenados a um único sistema econômico, políticoe social.

“Matematização” ou “naturalização” da economia, centralização daeconomia; discurso do fim da história; privatizações; criminalização dosmovimentos sociais; esvaziamento da política, que passa a ser substituídapelo discurso da técnica; aumento do direito penal e controle sobre a so-ciedade; discurso moralista e moralização do conteúdo do direito; estessão os perigosos fenômenos que de novo tomam conta de nossa sociedadee que se refletem na realidade de nosso Estado de Minas Gerais. Já vimosestas estratégias em outros momentos da História, e em nenhuma delaso resultado foi positivo. Em muitos casos resultaram em um grande au-mento da violência do Estado e em alguns, no desaparecimento da jácomprometida democracia representativa majoritária.

Na União Europeia, o poder financeiro assumiu o poder, e as de-mocracias representativas majoritárias se encontram comprometidascom a impossibilidade de os governos eleitos alterarem as políticas eco-

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nômicas determinadas pelo poder financeiro global e pelo Banco Cen-tral Europeu, pelo FMI e pelo governo alemão. Grécia e Itália chega-ram a ser governadas por banqueiros. O discurso ideológico dasuperioridade da técnica sobre a política foi assumido pela mídia, quena atual realidade pertence aos grupos econômicos que governam a Eu-ropa. As eleições italianas de fevereiro de 2013 nos convida a refletirmosa realidade das democracias representativas e majoritárias, radicalmenteem crise na Europa e nos EUA. Não vamos tratar aqui da ausência deopções, mas das falsas opções que se apresentam, muitas vezes mostra-das de forma corajosamente inocente. Trata-se da armadilha do discursomoralista de combate a corrupção e do fim das ideologias apresentadaspor políticos e novos partidos que dizem não se enquadrar nas classifi-cações tradicionais de centro, direita e esquerda. A superficialidade dodiscurso pode condenar estes partidos ao fracasso, fracasso perigoso,pois o processo em que estas “soluções” se apresentam encobrem asreais causas de tudo o que está ocorrendo.

A IDEOLOGIA

Em primeiro lugar, podemos nos perguntar o que é ideologia,para podermos entender o surgimento de partidos políticos que sedizem pós-ideológicos ou neutros o que é uma gigantesca bobagem.

A palavra ideologia pode ser compreendida como um sistema deideias mais ou menos coerente, por meio do qual acessamos o mundo.Nosso olhar, nesse sentido, é sempre ideológico. Um outro sentido paraa palavra ideologia é a sua compreensão como mecanismo propositalde encobrimento, mecanismo de distorção da realidade. Nesse sentido,ideologia é mentira. Os mecanismos ideológicos de distorção e enco-brimento atuam em dois grandes espaços: na formação de nossa com-preensão do mundo, na atribuição de significados aos significantesessenciais (o que a família, a escola e a Igreja fazem com as pessoas nosprimeiros anos de vida) e no encobrimento e distorção dos fatos, nosimpedindo de construir nossa interpretação sobre o “real” ao nos im-pedir o acesso aos fatos, ou então, ao distorcer estes mesmo fatos (o quea mídia, a propaganda, o marketing, a igreja, a universidade, os cursos

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técnicos e outros aparelhos continuam fazendo com as pessoas para oresto da vida). Reconhecendo que não há fatos puros (não temos acessoao “real”, mas sim, à “realidade”, que é o “real” interpretado), os meca-nismos ideológicos encobrem o “real” (que pode ser compreendidotambém como sendo o próprio aparelho ideológico). Assim, no lugarde construir nossa interpretação sobre o “real”, construímos nossa in-terpretação do “real” (a realidade) sobre uma falsa representação deste.Nós, pessoas (seres que vivem), somos autopoiéticos (autorreferenciaise autorreprodudivos). Isto significa que somos seres interpretativos.Nossa única possibilidade de acessar o “real” que está fora de nós serásempre, inevitavelmente, por meio de nós mesmos. Assim, estamos, porenquanto e até onde podemos compreender e experimentar, condena-dos a nós mesmos. Entre nós e o “real” estamos nós mesmos, e o quepodemos conhecer é a “realidade”, ou seja, o “real” interpretado. O quechamamos de “real” é um, possivelmente existente, absoluto inacessível,ao qual teremos acesso a fragmentos interpretados pelo nosso “olhar”.Por vezes encontramos o “real” em sua forma brutal, como experiênciaradical e violenta e logo indescritível: a violência de um “campo de con-centração”, nos muitos que existem por aí. O real é a base para a cons-trução das realidades, o que seria desejável, mas que raramente ocorrenestes tempos de embates ideológicos radicais pela construção dos sen-tidos dos fatos, das palavras, dos sistemas, da existência, enfim, do sen-tido de onde nos encontramos e do que fazemos no mundo.

Partidos, governos, governantes e políticas públicas que se dizemnão ideológicos são, portanto, uma impossibilidade ou algo indesejável.Impossibilidade, pois todos nós somos, no sentido positivo, seres ideo-lógicos que permanentemente interpretamos o mundo por meio de nos-sas pré-compreensões. Indesejável, uma vez que um partido ou umgoverno técnico (a técnica está a serviço de ideologias ou constitui elamesma uma ideologia), sem ideologia (ainda no sentido positivo comoum conjunto de ideias), seria um partido sem programa, sem marco teó-rico para compreensão do mundo, da sociedade, da economia e da po-lítica e mesmo assim continuaria a ser ideológico. Um partido nãoideológico seria, portanto, um partido de mentira ou ideológico no sen-tido negativo. Poderiam dizer que estes partidos não se enquadram nasclassificações tradicionais modernas ocidentais de centro, esquerda e di-

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reita, mas este não parece ser o caso, mesmo porque um partido forado sistema dificilmente poderia atuar dentro deste sistema. Este é o pe-rigo da crítica generalizada aos políticos e à política. O problema nãosão (só) os políticos, nem a política, mas como é feita a política e emque sistema se insere os políticos e a política. Nesse sentido, estes par-tidos sem ideologia (por isto altamente ideológicos no sentido negativo)tendem a reproduzir tudo o que os partidos que eles dizem combaterfazem, uma vez que aceitam entrar no sistema e atuam “inocentemente”dentro do sistema com uma crítica moralista perigosa. Da mesmaforma, os políticos antipolíticos, ao entrarem no sistema representativo(o partido antipolítico “Cinco Estrelas” da Itália fez 25% do Parla-mento), tendem rapidamente a serem absorvidos pelo sistema que elescombatem moralmente, logo, superficialmente.

“MATEMATIZAÇÃO” DA ECONOMIA: O FIM DA HISTÓRIA?

Se as pessoas acreditam que a história acabou, que chegamos a umsistema social, constitucional e econômico, para o qual não tem alter-nativa, uma vez que este sistema é natural e logo, o único possível, vi-torioso, não há saída. Para estas pessoas, a alternativa que está gritandoem seus ouvidos não é ouvida, a alternativa que está em seu campo devisão não é percebida pela retina.

Se a economia não é mais percebida como ciência social, se o sta-tus de suas conclusões passa para o campo da ciência exata, logo, a eco-nomia não pode mais ser regulada pelo Estado, pelo Direito e pelaDemocracia. Não posso mudar uma equação física ou matemática comuma lei. De nada vai adiantar. A “matematização” da economia é agrande mentira contemporânea. Se a economia é uma questão de natu-reza, ou se a economia é uma questão de matemática, se a economianão é história, quem pode decidir sobre a economia são os economistasmatemáticos, por meio de seus cálculos, jamais o povo. Isto ajuda a en-tender o processo crescente de indiferenciação dos projetos econômicosdos partidos políticos em muitos países do mundo.

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Esta é a ideologia que sustenta um mundo governado pela criaçãopermanente de demandas, pelo desejo criado de poder, dinheiro e sexo. Arazão não manda no mundo, se é que algum dia mandou. O desejo conduzo ser humano. O problema não é o desejo comandar. O problema é quenão são os nossos desejos que comandam, mas os desejos de poucos quenos fazem acreditar que os seus desejos são os nossos desejos.1

A DESPOLITIZAÇÃO DO MUNDO, O DISCURSO DATÉCNICA E A NATURALIZAÇÃO DO DIREITO

A despolitização do mundo é uma ideologia recorrente utilizadapelo poder econômico manter sua hegemonia. Nas palavras de SlavojZizek, “a luta pela hegemonia ideológico-politica é por consequência aluta pela apropriação dos termos espontaneamente experimentados comoapolíticos, como que transcendendo as clivagens políticas”.2 Uma expres-são que ideologicamente o poder insiste em mostrar como apolítica é aexpressão “Direitos Humanos”. Os direitos humanos são históricos e logopolíticos. A naturalização dos Direitos Humanos sempre foi um perigo,

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1 Algumas palavras problemáticas aparecem no texto: “ideologia” e “desejo”. Palavrascheias de sentidos diversos, localizadas no tempo e no espaço. A palavra “ideologia”aparece no sentido marxista: “Duas vertentes do pensamento filosófico crítico in-fluenciaram diretamente o conceito de ideologia de Marx e de Engels: de um lado,a crítica à religião desenvolvida pelo materialismo francês e por Feuerbach e, deoutro, a crítica da epistemologia tradicional e a revalorização da atividade do sujeitorealizada pela filosofia alemã da consciência (ver ‘idealismo’) e particularmente porHegel. Não obstante, enquanto essas críticas não conseguiram relacionar as distor-ções religiosas ou metafísicas com condições sociais especificas, a crítica de Marx eEngels procura mostrar a existência de um elo necessário entre formas ‘invertidas’de consciência e a existência material dos homens. É esta relação que o conceito deideologia expressa, referindo-se a uma distorção do pensamento que nasce das con-tradições sociais (ver ‘contradição’) e as oculta. Em consequência disso, desde o iní-cio, a noção de ideologia apresenta uma clara conotação negativa e critica”(DICIONÁRIO de pensamento marxista, p. 184).

2 Interessante não apenas ler esse livro como a obra desse fascinante pensador eslo-veno. Vários livros já foram traduzidos e publicados no Brasil: Bem-vindo ao desertodo real e As portas da revolução são duas obras importantes.

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pois coloca na boca do poder quem pode dizer o que é natural e o que énatureza humana. Se os direitos humanos não são históricos, mas são di-reitos naturais, devemos nos perguntar quem é capaz de dizer ou quempode dizer o que é o natural humano em termos de direitos?

Ao contrário, se afirmarmos os direitos humanos como históricos,estamos reconhecendo que nós somos autores da história, e logo, o con-teúdo destes direitos deve ser construído pelas lutas sociais, pelo diálogoaberto, do qual todos possam fazer parte. Ao contrário, se afirmarmosestes direitos como naturais, fazemos o que fazem com a economia agora.Retiramos os direitos humanos do livre uso democrático e transferimospara um outro espaço sacralizado, intocável. Neste outro espaço encon-traremos o significado sacralizado do que é natural. Quem é este quepode dizer o que é natural? Deus? Os sábios? Os filósofos? A natureza?

O CONTEXTO

O filósofo esloveno Slavoj Zizek (2004, p. 18), em sua obra Sobre laviolencia: seis reflexiones marginales,1 desenvolve três conceitos de violênciaque são importantes para entendermos os equívocos das políticas publicasde combate à violência e que podem ser utilizadas para compreender oequívoco das críticas e ações políticas superficiais moralistas que ignorama necessidade de compreensão e desmonte das armadilhas estruturais esimbólicas do sistema. Zizek nos fala de três formas de violência:

a) Uma violência subjetiva que representa a decisão, vontade, depraticar um ato violento. A violência subjetiva representa a que-bra de uma situação de (aparente) não violência por um ato vio-lento. A normalidade seria a não violência, a paz e o respeito àsnormas (normalidade), que é interrompida por um ato de von-tade violento.

b) A violência objetiva, diferente da violência subjetiva, é perma-nente. A violência objetiva são as estruturas sociais e econômicas,as permanentes relações que se reproduzem em uma sociedadehierarquizada, excludente, desigual, opressiva e repressiva.

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c) A violência simbólica é também permanente. Esta violência sereproduz na linguagem, na gramática, na arquitetura, no urba-nismo, na arte, na moda e outras formas de representação.Para entendermos melhor, podemos exemplificar a violênciasimbólica presente na gramática: em diversos idiomas os so-brenomes se referem exclusivamente ao pai; ou ainda, o plural,no idioma português, por exemplo, sempre vai para o masculino.Assim, se estiverem em uma sala 40 mulheres e um homem,diremos: “eles estão na sala.” O plural, para uma mulher pas-seando com um cachorro, será: “eles estão passeando.” Aviolência simbólica, assim como a violência estrutural, objetiva,atuam permanentemente.

Assim, de nada adianta construirmos políticas públicas de combateà violência subjetiva sem mudarmos as estruturas socioeconômicasopressivas e desiguais (violentas) ou todo o universo de significações erepresentações que reproduzem a desigualdade, a opressão e a exclusãodo “outro” diferente, subalternizado, inferiorizado.

Um exemplo interessante: a escola moderna é um importante apa-relho ideológico,2 reproduzindo a mão de obra necessária para ocuparos postos de trabalho que permitirão o funcionamento do sistema so-cioeconômico, assim como reproduzindo os valores e justificativas ne-cessárias para que as pessoas se adéquem e não questionem seriamenteo seu lugar no sistema social (e no sistema de produção e reprodução).A escola, portanto, tem a fundamental função de uniformizar valores ecomportamentos. O recado da escola moderna é: adéque-se; conforme-se; este é o seu lugar no sistema.

Simbolicamente, a escola moderna diz diariamente isso aos seusalunos, por meio do uniforme. Sem o uniforme, a meia, a calça, a camisae os sapatos da mesma cor, o aluno não pode assistir à aula. Durantemuito tempo, e ainda hoje em algumas escolas, uniformizam-se os ca-belos, o andar, o sentar, e claro, mais um monte de outras coisas maiscomplexas, como o pensar, o desejar e o gostar. A criança desde cedodeve se vestir da mesma forma, se comportar da mesma maneira; pala-vras mágicas, sem as quais as portas não se abrem. Pois bem, vamos aoproblema: a criança, mesmo que não seja dito por meio da palavra (o

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que também ocorre), simbolicamente percebe, diariamente, todo otempo, que não há lugar para quem não se normaliza, para quem nãose uniformiza, para quem não aceita a padronização. O recado, muitoclaro da escola moderna, é: o uniformizado é o bom; não há lugar parao diferente (não uniformizado); para o que se comporta diferente, seveste diferente, ou de alguma forma não se enquadra no padrão. É claroque esta criança, processando o recado permanente (dito e repetido devárias formas), irá compreender que o padrão é bom e o diferente dopadrão é ruim. No seu universo de significados em processo de cons-trução, o diferente deve ser excluído, afastado, punido, uma vez que oque foge ao padrão não pode assistir à aula, não pode sequer permanecerna escola. Logo, quando esta criança percebe alguém ou algo em al-guém que para ela é diferente do padrão (o cabelo; uma roupa; a cor; aforma do corpo; da fala; do olhar), esta criança irá de alguma forma rea-gir à ameaça do diferente, excluindo e punindo o diferente “ruim”.

Em outras palavras, a escola moderna ensina diariamente à criançaa praticar o “bullying”. Vejamos então a ineficiência das políticas decombate à violência, à discriminação, à corrupção que padecem, todas,deste mal. No exemplo descrito acima, a escola, o Estado, os governos,criam políticas públicas pontuais de combate ao “bullying” (a torturamental e agressão física decorrente da discriminação do “diferente”),ao mesmo tempo que mantém uma estrutura simbólica que ensina adiscriminação (o “bullying”).

Voltemos aos conceitos de violência: toda política de combate àviolência, às drogas, à corrupção, será sempre ineficaz se não transfor-marem as estruturas sociais e econômicas que permanentemente criamas condições para que esta violência subjetiva se reproduza, assim comoo sistema simbólico, que continua, da mesma forma, reproduzindo aviolência. Para acabar com a violência subjetiva só há uma maneira: aca-bar com a violência simbólica e objetiva. Para acabar com o “bulling”na escola, só mudando as estruturas uniformizadoras e excludentes pre-sentes permanentemente na escola; para acabar com a corrupção, sótransformando o sistema social e econômico e de valores (condições ob-jetivas e simbólicas) que reproduze as condições para que esta (a cor-rupção) se torne parte da estrutura social e econômica vigente.

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De nada adiantarão as constantes políticas pontuais de combate àcorrupção se estas políticas atacarem apenas os efeitos de forma repres-siva e (ainda pior) com o direito penal, o aumento do controle e da pu-nição. Os resultados serão enganosos, sempre, se não respondermosalgumas perguntas: por que a corrupção? Quais são os elementos es-truturais e simbólicos em nossa sociedade que reproduzem as condiçõespara a corrupção?

De nada adiantarão partidos políticos e políticas moralistas de cri-tica à corrupção se estes partidos e os seus políticos não compreendemas causas estruturais e simbólicas da corrupção. Só há uma forma de eli-minar a corrupção da política e livrar a sociedade dos políticos corrup-tos, como buscam estes partidos moralistas (como se nesta sociedade eentre os seus cidadãos também não ocorresse corrupção): descons-truindo a sociedade, a economia e a política estruturalmente e simboli-camente corruptas e construindo algo novo, tarefa que parece fora doalcance dos inocentes discursos moralistas.

Pois bem, de posse de conceitos teóricos acima debatidos, resu-mimos:

a) vivemos em um mundo onde os discursos neoliberais e o sis-tema capitalista financeiro são hegemônicos;

b) a ideologia que sustenta está hegemonia é uma ideologia ne-gativa, ou seja, que falseia, encobre e distorce propositalmenteo real;

c) a centralidade do discurso econômico do capitalismo financeirose sustenta em diversos discursos ideológicos e entre estes o dis-curso das técnicas sobre a política e a despolitização da econo-mia com a “naturalização” e/ou “matematização” do discursoeconômico;

d) no Brasil, as políticas neoliberais são introduzidas no governoCollor de Mello, com seu aprofundamento no governo de Fer-nando Henrique Cardoso, em que as técnicas e fatos anterior-mente descritos são visíveis;

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e) em Minas Gerais, a hegemonia neoliberal é representada pelosgovernos do PSDB, embora não possamos afirmar que, algumavez em nosso Estado, tenhamos conhecido ou experimentadoum governo democrático e popular. Isto, até o momento, ja-mais ocorreu;

f) esloveno Slavoj Zizek, que nos explica a impossibilidade demudar a realidade social, econômica, política, práticas vigentesde violência, corrupção, drogas, sem trocarmos, mudarmos ra-dicalmente as estruturas sociais e econômicas, estruturais e sim-bólicas da sociedade em que vivemos;

g) com estas informações e reflexões, podemos concluir que acompreensão de qualquer mecanismo legal, do funcionamentodo sistema jurídico e suas instituições, dos mecanismos proces-suais e do próprio Judiciário, do Executivo e do Legislativo, sópode ocorrer se contextualizada. Não é possível compreendero funcionamento de um sistema político, do Legislativo e doExecutivo e dos mecanismos jurídicos fora de um contexto his-tórico que representa toda uma trama de relações sociais, eco-nômicas, políticas em um sistema de relações de podersustentado em valores e compreensões de mundo,

h) em outras palavras, a utilização de um mecanismo como a leidelegada, o funcionamento de uma democracia representativaou qualquer outro regime e sistema político, só é possível com-preendendo os instrumentos ideológicos, os jogos de poder, osvalores que sustentam práticas políticas e econômicas. Não épossível uma Teoria Geral do Estado como pretendiam os ale-mães do início do século XX. Uma teoria do Estado válida paraqualquer realidade histórica. É claro que um sistema políticoconstitucionalmente previsto funcionará de forma distinta ecom resultados distintos em realidades históricas diversas.

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O problema não é a utilização das leis delegadas, mas em que con-texto, representando quais interesses, este mecanismo constitucional éutilizado. A questão não é trocar pessoas no poder de quatro em quatroanos. Nomes diferentes, mas os mesmos interesses representados e asmesmas práticas políticas com aparência renovada. Isto é ideológico nosentido negativo. De nada adiantam eleições periódicas e secretas senão há opção de transformação social para construção de uma sociedadedemocrática, onde todos tenham espaço, vez, fala e voz. No atual con-texto, democracia constitucional significa, em grande parte do tempo,uma máquina de legitimar decisões previamente construídas por quemdetém efetivamente o poder. Isto é um teatro. Por isso, a discussão dautilização de leis delegadas no governo do PSDB só tem efetiva impor-tância compreendendo o significado das políticas adotadas pelo partidoe os interesses efetivamente representados nestas políticas. Por este mo-tivo, um espaço menor para as leis delegadas neste texto, pois estas sósão mais um instrumento de atuação de um poder que se insere em umapolítica hegemônica global que tem recebido o nome de neoliberalismo,e que hoje se encontra em sua fase de capitalismo financeiro global.Minas está dentro de tudo isto, e Minas só irá mudar quando sairmosde tudo isto. Não será fácil, mas ocorrerá, de uma maneira (com a cons-cientização e ação popular) ou de outra (com o colapso do sistema queestá em curso nos centros globais de poder).

Com tudo isto, vamos falar um pouco das leis delegadas, temaproposto para estudo neste livro.

LEIS DELEGADAS: OS INSTRUMENTOS E SEUSCONTEXTOS DE APLICAÇÃO

Pelo que já foi dito, o problema não são as leis delegadas. A ques-tão que deve ser considerada é, em que contexto são aplicados meca-nismos jurídicos. Em que medida estes mecanismos determinam e emque medida são determinados pelo contexto histórico, social, cultural eeconômico. Podemos dizer, por exemplo, que a previsão de um sistemade governo previsto na Constituição de um país funcionará de maneiradiferente em contextos políticos distintos. Assim, um mesmo sistema

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de governo (parlamentar, presidencial, diretorial ou semipresidencial)terá um funcionamento distinto e servirá a interesses e objetivos dife-rentes em sistemas sociais, econômicos e culturais distintos. Por exem-plo, Cuba, Suíça e China adotam variações do sistema diretorial, eFrança, Venezuela e Rússia, variações do sistema semipresidencial. Éclaro que, se os sistemas constitucionais de governo variam de acordocom o contexto em que são introduzidos, estes sistema têm, também,uma capacidade de determinar, em certa medida, relações econômicas,sociais e políticas, mantendo, conservando ou, menos, modificando arealidade. Por exemplo, nos EUA, o sistema presidencial, com eleiçõesindiretas para presidente e vice-presidente da República, constitui umsistema de filtro poderoso, que, juntamente com outros mecanismos le-gais estruturais, como o bipartidarismo real, o financiamento privadode campanha, as agências de Estado autônomas (como o FBI, CIA,NASA), o voto secreto no colégio eleitoral e a inexistência de vinculaçãodo voto do “grande eleitor” (o eleitor do partido no colégio eleitoralque escolhe o presidente dos EUA) ao partido e candidato que o esco-lheu funcionam como um mecanismo de proteção contra escolhas queameacem a permanência de uma democracia controlada, em que as es-colhas são restritas, à prova de transformações radicais.

Assim, mecanismos legais, instituições, estruturas e sistema polí-ticos determinam e são determinados pela realidade, sendo necessárioo estudo de cada caso concreto para perceber em que medida determi-nam e em que medida são determinados pela realidade histórica. Semdúvida, todo o aparato constitucional de democracia representativa ma-joritária é hoje, em muitos Estados nacionais, um mecanismo de limi-tação das escolhas democráticas, uma limitação da democracia real,popular. Este aparato constitucional em países como Reino Unido, Ale-manha, França, Espanha Portugal e EUA, entre muitos outros, impe-dem que as pessoas enxerguem alternativas ao sistema socioeconômicoe político em que vivem, funcionando o Legislativo, o Judiciário e oExecutivo como máquinas processadoras de falsas legitimidades. O sis-tema não permite alternativas reais; as escolhas no Parlamento e noExecutivo são delimitadas; os partidos políticos servem como espaçosde segregação, onde rótulos condenam ideias ao esquecimento ou es-tranhamento. O mais interessante é que o sistema é capaz de levar as

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pessoas a se exilarem em partidos políticos que nunca chegarão aopoder, porque suas ideias, inseridas como estranhas à grande maioriana democracia representativa liberal, permanecerão carimbadas pelasigla e nome das legendas em que as pessoas se autoexilam. Alguns par-tidos são criados para nunca chegarem ao poder, justamente pela siglae significantes que adotam. O pior é que estes partidos legitimam, fazemparte da máquina de legitimação de decisões e de estabilização e manu-tenção da realidade socioeconômica e cultural hegemônica no poder.Ingleses, franceses, italianos, norte-americanos e espanhóis parecemestar condenados (pelo menos enquanto a máquina de legitimação e en-cobrimento da democracia parlamentar e do Judiciário funcionarem) àmesmice. Não há alternativa visível.

Diante de tudo isto, chegamos a um mecanismo pequeno, pon-tual, que se insere dentro desta máquina processadora de legitimidadeartificial: as leis delegadas.

O que é uma lei delegada? Temos uma democracia real em MinasGerais? As decisões do governo representam a vontade popular cons-truída de forma livre e dialógica em contextos de negação de qualquerforma de exclusão e construção coletiva das decisões? Ora, se a respostapara as duas últimas questões acima é positiva, não há nenhum problemaem adotar as leis delegadas. Se não, a lei delegada apenas servirá paraacelerar o processo de decisão, que por não ser realmente democrático,diminuirá a possibilidade de resistência às decisões e políticas quepodem não favorecer as pessoas, cada pessoa em Minas Gerais. O leitortem a resposta para estas duas últimas perguntas.

Quanto à primeira pergunta: as leis delegadas são normas primá-rias elaboradas pelo chefe do Executivo (poder ser a Presidente; o go-vernador ou o prefeito), que decorre de autorização do PoderLegislativo. Na autorização do Poder Legislativo para o chefe do Exe-cutivo legislar em seu lugar estão estabelecidos os limites deste poderprovisório e excepcional.

O procedimento da lei delegada divide-se em três fases: uma fasede iniciativa, uma fase constitutiva e uma fase complementar (GonçalvesFernandes, p. 851). Na fase inicial ocorre a solicitação por parte dochefe do Executivo ao Legislativo correspondente (Prefeito para Câ-mara; Governador para Assembleia Legislativa e Presidente para o Con-

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gresso Nacional). A solicitação é discutida e votada na respectiva Casa;se for no Congresso Nacional será em sessão conjunta das duas Casas(a solicitação deverá ser encaminhada ao presidente do Senado). Umavez autorizada a elaboração, promulgação e publicação da lei delegadaserá feita pelo chefe do Executivo. A delegação será feita em forma deresolução, que especificará o prazo e limites dos poderes legiferante dochefe do Executivo.

CONCLUSÃO

Minas Gerais jamais viveu uma efetiva democracia popular.Diante de uma história de privilégios e desigualdades sociais e econô-micas, Minas Gerais e o Brasil viveram curtos períodos democráticosrepresentativos. Acompanhando a história brasileira, vivemos uma curtaexperiência de democracia representativa e majoritária de 1946 até oGolpe empresarial militar de 1964, no qual a elite empresarial e finan-ceira teve papel determinante. Nesse período experimentamos ajustespolíticos de elites políticas fundadas em um poder agrário, financeiro eindustrial em torno de famílias de proprietários que batizaram a nossapolítica com os seus sobrenomes. Os movimentos sociais no campo ena cidade foram e ainda são criminalizados e os meios de comunicaçãoconcentrados se impõem uma autocensura. A máquina de falsa legiti-mação funciona a pleno vapor, como trem mineiro que marcha e avançafirme na manutenção de privilégios e desigualdades. A criminalidadealcança índices assustadores e hoje em Belo Horizonte ocorrem maishomicídios do que em muitas zonas de conflitos armados pelo mundo.A diferença é que em Belo Horizonte morrem sempre os mais pobres,e os crimes ocorrem nos bairros onde estas pessoas moram, diferentede Bagdá, onde uma bomba pode matar pessoas em qualquer bairro dacidade.

Em todo este quadro, as leis delegadas aparecem como um meca-nismo que pode apenas acelerar as decisões, encurtar o processo de dis-cussão com a finalidade de permitir a construção de espaços para aprivatização (inclusive transformando o encarceramento de pessoas emum bom negócio) e a aceleração do “desenvolvimento” econômico,

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avançando para a construção de um Estado e de cidades com mais con-sumo, mais automóveis, mais violência, mais competição, individua-lismo, controle e repressão. Nada de novo, o Judiciário continuaráaplicando as leis, mandando retirar as pessoas que não têm casa da pro-priedade de um magnata especulador ou “higienizando” a cidade ex-pulsando os “feios” pobres do espaço urbano construído para “belos”automóveis; o Legislativo continuará a criar leis que beneficiem os in-vestimentos de grandes empresas, e empresários que trarão mais pro-dução e pagarão salários muito aquém do lucro que embolsam; nossasmontanhas continuarão a desaparecer, gerando empregos e lucros mui-tos superiores aos empregos que geram; enfim, as engrenagens daenorme máquina do Estado moderno continuará legitimando o sistema,que como um trem a todo o vapor, continuará a nos levar para maisconsumo, mais produção, mais dinheiro, mais violência, mais lucro,mais competição, mais....

Um dia esse trem vai mudar, mas para que isto ocorra, é funda-mental enxergar como funcionam suas engrenagens. O trem processa-dor de legitimidades de uma falsa democracia nominal só irá parar nodia em que as pessoas enxergarem para o que este trem serve, e final-mente tomarem a casa de máquina, mudarem a direção e construíremuma nova estrada que nos leva a uma sociedade que tenha espaço paratodos e cada um. Este será o dia que construiremos uma efetiva demo-cracia real.

REFERÊNCIAS

DICIONÁRIO de pensamento marxista. Tom Bottomore (Ed.). Rio deJaneiro: Zahar Editor, 2001.

GONÇALVES FERNANDES, Bernardo. Curso de Direito Constitucio-nal. 5. ed. Salvador : Editora Jus Podium, 2013.

ZIZEK, Slavoj. Plaidoyer en faveur de l’intolérance. Paris: Climats, 2004.

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Gilberto Antônio Reis

O SUS EM ESTADO DE CHOQUE

INTRODUÇÃO

A medicina define o estado de choque como uma condição clínicadecorrente de várias situações patológicas, que se caracteriza pela re-dução no volume do fluxo sanguíneo nos tecidos orgânicos. Sem sangueem quantidade suficiente para atender suas necessidades vitais, o orga-nismo torna-se incapaz de manter as funções fisiológicas normais.

O estado de choque é acompanhado de diversos sintomas. Na faseinicial, a vítima pode apresentar ansiedade e agitação, evoluindo comsensação de fraqueza e tonturas, apatia e, finalmente, perda da cons-ciência. Trata-se, portanto, de uma emergência médica, ou seja, umacondição aguda com risco de morte, exigindo ação rápida e imediata.

Introduzida no jargão político pelos neoliberais, à palavra “cho-que” foi associado um sentido positivo, de ação decisiva e competentepara resolver problemas da política econômica e da administração pú-blica. Contudo, os resultados obtidos pela aplicação do receituário neo-liberal têm mostrado que tais “choques” são mais adequadamentetraduzidos pelo significado clínico dessa palavra.

A descrição da evolução dessa concepção e das suas aplicaçõespelos governos neoliberais pode ser verificada na obra da jornalista, es-critora e ativista canadense Naomi Klein. No livro, publicado em 2007,e no documentário homônimo, A doutrina do choque – a ascensão do capi-talismo do desastre,1 a autora revela a trajetória do neoliberalismo no Oci-dente desde o início dos anos de 1970. Ela põe fim ao mito de que ademocracia seria um pré-requisito da proposta neoliberal. A tese prin-cipal da autora é a de que a imposição de políticas econômicas neolibe-rais tem sido precedida de um estado de choque coletivo. O objetivo

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1 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ME-dKv2W9xU>.

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seria deixar a sociedade civil, em especial os trabalhadores, em situaçãode insegurança, de desorientação, sem saber como reagir às rápidas mu-danças econômicas impostas pelos governantes.

A autora demonstra que a onda de governos neoliberais foi inaugu-rada com o golpe de Pinochet contra Salvador Allende. A ditadura chilenafoi o laboratório do neoliberalismo. Liderados pelo economista MiltonFriedman, os Chicago boys implantaram no Chile políticas econômicas ra-dicais de abertura de mercados, desregulamentações de bens públicos eprivatizações. Depois do Chile vieram a ditadura argentina, Ronald Rea-gan e Margaret Tatcher. O oportunismo no uso de um estado de choquecoletivo para impor os interesses dos capitalistas transnacionais fica claroquando a autora mostra que, depois de um tsunami no Sri Lanka, os mo-radores do litoral atingido não puderam voltar para suas casas, pois os ter-renos seriam vendidos para a construção de resorts de luxo. Outro exemplofoi o choque a que foi submetida a população do Iraque com a invasão doseu país pelos norte-americanos, seguida pela privatização de praticamentetoda a infraestrutura pública iraquiana.

O dano generalizado que o neoliberalismo causou e continua cau-sando demonstra o verdadeiro sentido do choque neoliberal, aproxi-mando-o do sentido que lhe é atribuído pela medicina, como doutrinaque produz desemprego em massa, aumenta a desigualdade social, con-centra o capital nas mãos de corporações transnacionais e enfraquece opoder estatal. Em Minas Gerais, durante o governo Aécio Neves (2003 a2010), esta doutrina foi implementada sob o rótulo de “choque de gestão”.

SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): UMA CONQUISTACIVILIZATÓRIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Na década de 1980, na contramão da onda neoliberal, no contextodos movimentos sociais que lutaram contra a ditadura militar (1964-1985), a sociedade brasileira conquistou o direito à saúde como deverdo Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituído na décadaseguinte com a missão de materializar esse direito.

Os movimentos sociais que reivindicavam saúde para todos articu-laram-se em torno da Reforma Sanitária Brasileira, dando a direção

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política para a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, no contextoda Nova República. Essa Conferência definiu as diretrizes para implantaçãodo SUS como sistema público de saúde, financiado pela arrecadação deimpostos e contribuições e articulado como sistema único pelas trêsesferas governamentais: os governos municipais, estaduais e federal.Portanto, o SUS é a estrutura criada pelo Estado Brasileiro para realizaruma política pública definida constitucionalmente e orientada pelosseguintes princípios doutrinários: a saúde como direito fundamental doser humano; o acesso universal não seletivo, igualitário e de formaintegral aos serviços de saúde, abrangendo as ações de promoção,proteção, recuperação e reabilitação, com abordagem holística dos indi-víduos, famílias e sociedade, disponibilizando todos os níveis de densidadetecnológica necessários à solução dos problemas de saúde; a democraciaparticipativa com controle da sociedade sobre a definição e execução dapolítica de saúde; o direito à informação sobre a saúde dos indivíduos eda população e publicidade dos atos governamentais; a autonomia dousuário frente aos profissionais e serviços de saúde; a competência técnicae humana dos profissionais de saúde e a solidariedade entre todos os en-volvidos na condução do Sistema: usuários, trabalhadores e gestores.

Esses princípios doutrinários orientam as diretrizes operacionaisdo SUS, que são as seguintes: desenvolvimento de ações de saúde cole-tiva adequadas às realidades territoriais; oferta regionalizada de serviçosem redes de atenção à saúde; hierarquização dos serviços de saúde se-gundo densidade tecnológica e com capacidade resolutiva segundo seupapel na rede de atenção à saúde; descentralização da gestão com dire-ção única em cada esfera de governo, constituída como autoridade sa-nitária; realização regular de conferências de saúde abertas àparticipação de toda a sociedade com implantação e manutenção deconselhos de saúde e fundos de saúde permanentes em cada esfera degoverno; construção de pactos intergestores para a coordenação da po-lítica de saúde e sua operacionalização através da Comissão Intergesto-res Tripartite (CIT) e da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) ecomplementaridade do setor privado, submetido aos princípios, dire-trizes e normas do SUS.

Assim, paralelamente à institucionalização do direito à saúdecomo dever do Estado, o SUS trouxe como condição para sua implan-

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tação a realização de uma profunda reforma desse Estado, no sentidode aproximá-lo da sociedade civil, tornando-o mais transparente e con-trolável pela prática da democracia participativa.

A maioria desses princípios e diretrizes definidas pela Conferênciafoi incorporada pela Constituição de 1988, transformada em artigosconstitucionais por deputados constituintes comprometidos com a Re-forma Sanitária. Assim, a Constituição da República Federativa Brasi-leira passou a assegurar o direito à saúde para todos os cidadãos (Artigo196) como direito social (Artigo 6º), sendo parte do tripé que caracterizaa seguridade social, juntamente com a previdência e a assistência social(Artigo 194). Esses direitos visam assegurar a preservação da dignidadehumana daqueles que se encontram vulneráveis e fragilizados como,por exemplo, ao adoecerem, ao ficarem desempregados, órfãos ou peloenvelhecimento. Representam a realização da solidariedade como ci-mento da vida social. A efetivação dos direitos sociais representa aindaum motor do processo civilizatório, como o demonstram as nações queavançaram nesse sentido. A organização social fundada apenas na com-petição conduz à violência e à barbárie.

Apesar dessas conquistas, em Minas Gerais, no período do go-verno Aécio Neves, os princípios e diretrizes que norteiam o SUS foramrelativizados face à ideologia neoliberal. Aqui a Reforma Sanitária ins-titucionalizou-se em uma arena na qual não exibe o vigor e a capacidadede pressão política necessários para assegurar a implantação do SUS emsua plenitude: a nova tecno-burocracia do Estado, isolada da sociedadecivil, recolhida à Cidade Administrativa que foi construída como sím-bolo do “choque de gestão”.

Esse choque “aecista” pode ser traduzido como a aplicação parcialpela gestão estadual de tecnologias gerenciais desenvolvidas para a admi-nistração de empresas privadas. Sob a aparência de modernidade conser-vadora foi desenvolvido todo o discurso oficial da transformação doEstado burocrático em Estado gerencial, tendo como dogma a crença naeficiência absoluta do setor privado, tomado como modelo da racionalidadeeconômica. Porém, sua aplicação foi parcial, porque a suposta racionalidadeadministrativa mostrou-se incompatível com os interesses políticos sus-tentados pelo coronelismo, pelo fisiologismo e pelo clientelismo, práticasantigas amplamente utilizadas para realizar o projeto de poder do

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governador. Nesse cenário, sob a hegemonia desse projeto, prevaleceu aconcepção de que as políticas sociais devem ser implementadas de formaseletiva, focalizada, emergencial e destinadas aos mais pobres. O receituárioneoliberal, adotado pelo governador Aécio Neves, pôs em prática emMinas Gerais a doutrina do choque e do capitalismo do desastre ao nãoassegurar, por exemplo, os recursos necessários à efetivação de direitossociais básicos, dentre eles o direito à saúde para todos os mineiros.

Os dados e reflexões aqui desenvolvidas buscarão apresentar umpanorama geral das ações da Secretaria de Estado da Saúde (SES MG),na condição de gestora estadual do SUS, no período que compreendeos dois mandatos de Aécio Neves como governador de Minas Gerais(2003 a 2010). A partir desse panorama, será apresentada uma avaliaçãodessas ações em relação às atribuições do gestor estadual do SUS, con-forme estabelecidas pela Lei Orgânica da Saúde.

O PAPEL DO GESTOR ESTADUAL DO SUS

A definição do papel do gestor estadual do SUS está baseada emduas premissas: o conceito de saúde adotado e a organização federativado Estado Brasileiro.

O SUS tem como referência para sua implantação um conceitoampliado de saúde. De acordo com esse conceito, a saúde é identificadacom a qualidade de vida dos indivíduos e da população. O direito àsaúde, a partir desse conceito, se confunde com o direito à vida, ou seja,o direito de cada ser humano realizar plenamente o seu potencial devida e de viver com dignidade. Os níveis de saúde da população ex-pressam a organização social e econômica do país. Esse conceito am-pliado, ao definir os elementos determinantes e condicionantes dasaúde, incorpora:

1 – Os aspectos relacionados à biologia humana (herança genética;suscetibilidades individuais; etc);

2 – o ambiente socioeconômico e cultural (distribuição de renda;acesso aos serviços de saúde, à educação e à habitação; hábitos de vida, etc.);

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3 – o ambiente natural (qualidade da água e do ar; condições cli-máticas; etc.).

Para realizar sua missão, o SUS está sendo construído pela socie-dade brasileira, conforme já relatado, tendo como referência princípiosque o inscrevem no campo das lutas por uma sociedade justa e igualitá-ria. Tais princípios estão explicitados na legislação que instituiu o SUS:a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde.2

A organização federativa do Estado Brasileiro está definida pelaConstituição Federal, em especial nos Títulos III – Da Organização doEstado, IV – Da Organização dos Poderes e VI – Da Tributação e doOrçamento, consagrando a autonomia político-administrativa dos entesfederativos em suas três esferas (municipal, estadual e federal). Os arti-gos 23 e 24 da Constituição definem como de competência comum aessas três esferas de governo cuidar da saúde e assistência pública, bemcomo legislar concorrentemente sobre proteção e defesa da saúde. Já oartigo 30 estabelece que compete ao Município prestar, com a coope-ração técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendi-mento à saúde da população. Essa desconcentração da prestação deserviços de saúde da União e do Estado para o Município consagra umadas propostas da Reforma Sanitária Brasileira, aproximando o sistemade saúde das realidades locais e contribuindo para maior efetividade docontrole da sociedade sobre a execução dessa política pública.

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2 A Lei Orgânica da Saúde está composta pela Lei nº 8.080, de 19 de Setem-bro de 1990, que “dispõe sobre as condições para promoção, proteção e re-cuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviçoscorrespondentes”, e pela Lei nº 8.142, de 28 de Dezembro de 1990, que“dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único deSaúde - SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos fi-nanceiros na área da saúde”. Para suprir lacunas dessas duas leis, foi decre-tada pelo Congresso Nacional a Lei Complementar nº 141, de 13 de Janeirode 2012, que “regulamenta o § 3º do art. 198 da Constituição Federal paradispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União,Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos desaúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para asaúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas comsaúde nas 3 (três) esferas de governo”.

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• Partindo dessas premissas, a Lei Orgânica da Saúde define asseguintes competências dos gestores estaduais do SUS:

• Promover a descentralização para os Municípios dos serviços edas ações de saúde, bem como acompanhar, controlar e avaliaras redes hierarquizadas do SUS.

• Prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar su-pletivamente ações e serviços de saúde.

• Em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e ava-liar a política de insumos e equipamentos para a saúde.

• Coordenar e, em caráter complementar às ações de competênciada União e do Município, executar ações de vigilância epide-miológica; de vigilância sanitária; de alimentação e nutrição; devigilância ambiental e de saúde do trabalhador.

• Formular normas e estabelecer padrões, em caráter suplemen-tar, de procedimentos de controle de qualidade para produtos esubstâncias de consumo humano.

• Participar da formulação da política e da execução de ações desaneamento básico.

• Identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sis-temas públicos de alta complexidade, de referência estadual e re-gional.

• Coordenar a rede estadual de laboratórios de saúde pública ehemocentros, e gerir as unidades que permaneçam em sua or-ganização administrativa.

• Estabelecer normas, em caráter suplementar, para o controle eavaliação das ações e serviços de saúde.

• Acompanhar, avaliar e divulgar os indicadores de morbidade emortalidade no âmbito da unidade federada.

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O artigo 33 dessa Lei estabelece que os recursos financeiros doSUS serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação,e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.O artigo 52 estabelece que, sem prejuízo de outras sanções cabíveis,constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas (Có-digo Penal, art. 315) a utilização de recursos financeiros do SUS em fi-nalidades diversas das previstas nesta lei.

A Constituição do Estado de Minas Gerais reafirma os princípiose diretrizes do SUS estabelecidos pela Legislação Superior Federal, bemcomo as competências do gestor estadual. A essas competências acres-centou as seguintes:

• Promover a instalação de estabelecimentos de assistência médicade emergência nas cidades-polo.

• Adotar rígida política de fiscalização e controle da infecção hos-pitalar e de endemias.

• Participar do controle e da fiscalização da produção, do trans-porte, da guarda e da utilização de substâncias e produtos psi-coativos, tóxicos e radioativos.

• Participar da produção de medicamentos, equipamentos, imu-nobiológicos, hemoderivados e outros insumos.

• Implementar, em conjunto com os órgãos federais e municipais,o sistema de informação na área da saúde.

• Ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde.

• Incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento cientí-fico e tecnológico.

• Garantir o atendimento prioritário nos casos legais de interrup-ção da gravidez.

• Gerir o fundo especial de reserva de medicamentos essenciais,na forma da lei.

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• Promover, quando necessária, a transferência do paciente ca-rente de recursos para outro estabelecimento de assistência mé-dica ou ambulatorial, integrante do Sistema Único de Saúdemais próximo de sua residência.

• Executar as ações de prevenção, tratamento e reabilitação, noscasos de deficiência física, mental e sensorial.

O artigo 158 da Constituição Mineira determina que a lei orça-mentária assegure investimentos prioritários em programas de saúde, eque os recursos para os programas de saúde não serão inferiores aosdestinados aos investimentos em transporte e sistema viário.

Depreende-se dessas normas que o principal papel da Secretariade Estado da Saúde, gestora do SUS no Estado, é o de coordenar a ar-ticulação entre os sistemas municipais de saúde, fortalecendo esses sis-temas, fomentando a desconcentração de serviços no território mineiro,oferecendo suporte técnico para a organização das redes de saúde in-termunicipais em todas as regiões do Estado e financiando, juntamentecom a União e os Municípios, o conjunto dos serviços de saúde.

O FINANCIAMENTO DO SUS NOS GOVERNOSAÉCIO NEVES

A Lei Orgânica da Saúde não assegurou percentuais de gastos mí-nimos por esfera de governo para o SUS. Essa definição ocorreu apenasno ano 2000, com a aprovação da Emenda Constitucional 29 (EC 29):no caso dos Estados, devem ser destinados ao SUS 12% (12 por cento)do produto da arrecadação própria de impostos, deduzidas as parcelastransferidas aos seus Municípios.

Até que essa determinação da EC 29 viesse a ser regulamentada,foram pactuados entre as três esferas de governo os parâmetros con-sensuais sobre sua implementação, considerando as recomendações pro-duzidas por Grupo Técnico formado por representantes do Ministérioda Saúde, Ministério Público Federal, Conselho Nacional de Saúde,Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS),

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Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONA-SEMS), Comissão de Seguridade Social da Câmara Federal, Comissãode Assuntos Sociais do Senado e Associação dos Membros dos Tribunaisde Contas (ATRICON).

Esse amplo pacto foi formalizado pela Resolução nº 322, de 08 demaio de 2003, do Conselho Nacional de Saúde. Segundo essa Resolu-ção, a receita vinculada ao financiamento do SUS para os Estados, tantono período 2001-2004, como a partir de 2005, é a seguinte:

Quadro 1Base de cálculo para definição dos recursos mínimos a serem

aplicados em saúde pública pelo Estado

Receitas Vinculáveis como Gastos com o SUS pelos Estados

• Total das receitas de impostos de natureza estadual:ICMS, IPVA, ITCMD

• (+) Receitas de transferências da União:Quota-Parte do FPECota-Parte do IPI – ExportaçãoTransferências da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir)

• (+) Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF)

• (+) Outras receitas correntes:Receita da Dívida Ativa Tributária de Impostos, Multas, Juros deMora e Correção Monetária.

• (-) Transferências financeiras constitucionais e legais a Mu-nicípios:ICMS (25%), IPVA (50%), IPI – Exportação (25%), (=) Base de Cálculo Estadual

Fonte: Resolução nº 322, do Conselho Nacional de Saúde.

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Ficou acordado um conceito normativo, segundo o qual os servi-ços públicos de saúde teriam seus gastos computados, desde que aten-dessem os princípios da equidade e universalidade de acesso em todosos níveis de atenção à saúde. Partindo desse conceito, estabeleceu-seque os serviços que deveriam ser relacionadas como serviços públicosde saúde beneficiados pela vinculação de receitas seriam os seguintes:serviços constantes nos planos de saúde dos Estados, aprovados peloConselho Estadual de Saúde e executados pelo SUS; controle de qua-lidade, pesquisa científica e tecnológica, e produção de insumos emsaúde (medicamentos, imunobiológicos, reagentes, sangue e hemode-rivados, equipamentos para a saúde, dentre outros); vigilância sanitária,epidemiológica e farmacoepidemiológica; saúde do trabalhador; assis-tência terapêutica e farmacêutica; ações de saneamento básico e meioambiente associados a controle de vetores em nível domiciliar e de pe-quenas comunidades e ações de alimentação e nutrição para grupos derisco nutricional.

Ficou estabelecido ainda o que deve ser excluído do conceito deserviços de saúde: gastos com pessoal inativo; serviços suplementaresao SUS, dedicados, total ou parcialmente, ao atendimento de clientelasfechadas, excluídos em função da incompatibilidade com o critério deuniversalidade de acesso (por exemplo, os institutos de previdência eassistência à saúde de servidores públicos civis e militares); serviço dadívida (juros e amortização); ações de preservação e correção do meioambiente, realizadas pelos órgãos de meio ambiente dos entes federativose por entidades não governamentais; ações de saneamento básico deredes públicas e tratamento de água e esgotos, realizadas por companhias,autarquias e empresas de saneamento com recursos provenientes detaxas e tarifas, ainda que venham a ser vinculadas adminis trativamenteàs Secretarias de Saúde e ações de limpeza urbana e remoção de lixorealizadas por órgãos municipais específicos ou empresas terceirizadas.O acompanhamento, avaliação e controle do cumprimento da EC 29,conforme acordado, deveria ser feito com aplicação dos seguintes ins-trumentos: Plano Estadual de Saúde, Relatório Anual de Gestão (RAG),Relatório Resumido de Execução Orçamentária, Relatório de GestãoFiscal e Sistema de Informações de Orçamentos Públicos em Saúde(SIOPS).

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Contudo, o Governo Aécio Neves não cumpriu esse acordo e osdados que apresentou nesses instrumentos não são confiáveis. Apre-senta-se, a seguir, a Tabela 1 com alguns dos dados publicados peloSIOPS.

Tabela 1Alguns indicadores estaduais selecionados do SIOPS para

Minas Gerais no período de 2003 a 2010

2003 17,88 20,64 7,74 10,2

2004 14,19 15,27 10,23 12,16

2005 22,21 20,48 9,52 12,33

2006 21,47 18,97 6,44 13,2

2007 15,71 20,15 9,96 13,3

2008 14,84 22,04 11,93 12,19

2009 14,11 21,91 9,57 14,67

2010 14,23 23,57 10,48 13,3

Média 16,35 20,89 9,72 12,88

Fonte: Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) - Indica-dores Estaduais.

Os dados financeiros e orçamentários utilizados para construiresses indicadores foram fornecidos oficialmente pelo Governo do Es-tado de Minas Gerais ao Departamento de Informática do SUS (DA-TASUS), do Ministério da Saúde. Contudo, adotados os critérios paragastos governamentais com o SUS pactuados conforme exposto ante-riormente, sabe-se que os percentuais apresentados de recursos própriosaplicados em saúde não correspondem à realidade.

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Ano % Despesa compessoal/despesa

total

% Despesa comserviços de ter-ceiros/despesa

total

% Despesa deInvestimento/Des pesa Total

% Recursospróprios emsaúde (EC 29)

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O Ministério Público Estadual apresentou, em dezembro de 2010,petição inicial de ação civil pública ajuizada por ato de improbidade ad-ministrativa, que foi acatada pela 5ª Vara de Fazenda Pública e Autar-quias de Belo Horizonte, do Tribunal de Justiça do Estado de MinasGerais. A acusação sustenta que Aécio Neves, nos oitos anos em quegovernou Minas Gerais, não cumpriu o que determina a EC 29 em re-lação aos gastos com saúde. O ex-governador está sendo acusado de terlançado irregularmente R$ 3,5 bilhões que teriam sido destinados àCompanhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) na sua presta-ção de contas relacionadas aos investimentos no SUS. Esse valor cor-responde à metade do orçamento geral para a saúde no período.

Porém, os magistrados concluíram de forma unânime que nãohouve essa transferência de recursos para a COPASA. A Comissão de Va-lores Imobiliários (CVM) demonstrou que não havia esse aporte bilio-nário na empresa. A Advocacia-Geral da União (AGU) tambémcomprovou que esse recurso não chegou à COPASA e, por fim, a própriaempresa nega que tenham existido esses R$ 3,5 bilhões em seus balanços.Frente a essa constatação, o ex-governador alegou que o que fez foi uti-lizar recursos provenientes das tarifas da concessionária para atingir opercentual constitucional de gasto com o SUS. Esse argumento tambémnão foi aceito pelos desembargadores. Sendo assim, Aécio Neves teriapraticado uma fraude contábil. Caso seja condenado, as penas podem in-cluir pagamento de multa e perda dos direitos políticos.

O Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde/MG) sustenta que o desvio pode ser ainda maior: cerca de R$ 1bilhão teria sido desviado por ano do SUS para cobrir gastos do Insti-tuto de Previdência do Estado de Minas Gerais (IPSEMG) e do Insti-tuto de Previdência dos Servidores Militares de Minas Gerais (IPSM).Por prestarem assistência à saúde de apenas uma parcela da população,tais institutos fazem parte do sistema suplementar e não estão abertosa toda a população como serviços de acesso universal. Portanto, nãopodem receber recursos do SUS.

A par dessa situação, os dados apresentados na Tabela 1 permitemoutras análises. Observa-se que o gasto com serviços terceirizados foimaior do que o gasto com a remuneração dos servidores da área dasaúde na média do período e em quase todos os anos da série, exceto

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para 2005 e 2006. Um dos apelos publicitários do “choque de gestão”é a maior eficiência da máquina administrativa. Uma das formas de seobter essa eficiência seria pela terceirização da mão de obra, como nasempresas privadas. Portanto, o gasto maior com terceiros está coerentecom esse pensamento.

Paralelamente, ao verificarmos a remuneração básica dos servido-res da Secretaria de Estado da Saúde, constatamos que houve uma des-valorização violenta desses trabalhadores. Servidores mal remuneradose desmotivados completam o quadro que justifica as terceirizações se-gundo a cartilha neoliberal. O Quadro 2 sintetiza dados do edital deconcurso público para provimento de cargos da carreira de Especialistaem Políticas e Gestão da Saúde e de Tecnicos de Gestão da Saúde (Edi-tal SES nº 01/2007, de 14 de dezembro de 2007), que exemplificam essabaixa valorização.

Quadro 2Remuneração dos servidores estaduais da SES MG em 2007

Fonte: Edital SES nº 01/2007, de 14 de dezembro de 2007.

Submetidos a vencimentos incompatíveis com o nível de formaçãoexigida e com o nível de responsabilidade que cabe à Gestão Estadual

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Cargo

Técnico de Gestão da Saúde

Especialista emPolíticas e Gestãoda Saúde Nível I

Especialista emPolíticas e Gestãoda Saúde Nível II

FormaçãoExigida

Nível médio

Graduação emnível superior

Pós-graduaçãolato senso

CargaHoráriaSemanal

40 horas

40 horas

40 horas

Remunera-ção Inicial

R$ 630,00

R$1.260,00

R$1.875,38

Equivalência em Salários

Mínimos (1 SM= R$ 380,00)

1,6

3,3

4,9

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do SUS, os servidores da SES MG conviveram sob o governo AécioNeves com assessores externos com qualificação semelhante, mas re-muneração muito superior. Evidentemente, aqueles vencimentos nãoatraíram todos os profissionais para os cargos públicos efetivos que se-riam necessários para que o Estado cumprisse seu papel de coordenadore apoiador técnico dos municípios mineiros na condução do SUS. Sabe-se ainda que a terceirização de pessoal na administração pública temservido à prática de clientelismo e fisiologismo político. Os postos detrabalho não submetidos a concursos públicos são utilizados comomoeda de troca e favores políticos.

Por outro lado, a suposta eficiência no gasto com pessoal deveriapermitir maior destinação de recursos aos investimentos. Um Estadotão desigual em suas regiões como Minas Gerais precisa de uma açãodecisiva do Governo Estadual no sentido de reduzir as iniquidades re-gionais no acesso aos serviços de saúde. Esse é outro papel insubstituíveldo Gestor Estadual do SUS. Os dados da Tabela 1 mostram que nãopode ser verificado esse impacto positivo na capacidade de investimentoda SES MG ao longo dos oito anos do governo Aécio Neves. Aqui caimais um mito plantado pela propaganda governamental em torno do“choque de gestão”.

Finalmente, outro aspecto importante na análise do financiamentodo SUS em Minas Gerais com Aécio Neves no governo diz respeito àforma de transferência dos recursos próprios do Estado para os Muni-cípios. Diferentemente do Governo Federal, que vem ampliando astransferências automáticas para os municípios, como o Piso de AtençãoBásica (PAB), a forma de repasse de recursos que mais avançou sob ogoverno Aécio Neves foi aquela realizada através de convênios. Os con-vênios devem ser negociados entre os entes que o celebram, o que dálugar ao seu uso como moeda de troca política. Aqui, mais uma vez, asformas tradicionais de gestão dos recursos públicos baseadas no fisio-logismo e no clientelismo político atravessaram a pretendida moderni-dade e eficiência administrativas. Por outro lado, os dados informadospelos municípios mineiros ao SIOPS revelam que durante os oito anossob Aécio Neves, 571 municípios mineiros, dentre os de menor popu-lação e mais pobres, ou seja, aqueles que mais necessitam do apoio es-tadual, não receberam qualquer transferência de recursos financeiros

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através de convênio com a Secretaria de Estado da Saúde.

Fonte: Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS) - Indica-dores Municipais.

COORDENAÇÃO E APOIO TÉCNICO DO ESTADO À IMPLANTAÇÃO PELOS MUNICÍPIOS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Como já citado anteriormente, como regra geral, os serviços desaúde no âmbito do SUS devem ser operacionalizados pelos municípios.Para que executem essa função, os municípios devem receber recursos eapoio técnico da União e do Estado. Portanto, é desejável que os progra-mas das três esferas de governo desenvolvam sinergismos em torno deproposições e objetivos comuns, evitando o paralelismo de ações com omesmo fim. Esse desenvolvimento de programas de saúde a seis mãostorna metodologicamente muito difícil separar o que resultou da partici-pação de cada ente federado. Durante os dois períodos do governo AécioNeves, a SES MG aproveitou-se dessa situação e adotou-se a estratégiade reetiquetar programas do Ministério da Saúde com sua própria marca,apresentando como seus os resultados do trabalho desenvolvido pelas ou-tras duas esferas de governo. O Quadro 3 apresenta os principais progra-mas desenvolvidos pelo Estado e seus equivalentes em âmbito federal.

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Quadro 3Principais programas desenvolvidos pela SES MG e

seus equivalentes ao nível Federal

Programa Estadual Programa Federal

Fontes: Portal da Saúde <http://portalsaude.saude.gov.br> e “Choque de gestão emMinas Gerais: resultados na saúde”, SES MG, 2010.

No ano de 2009 a SES MG publicou o livro O choque de gestão nasaúde em Minas Gerais e no ano seguinte o livro O choque de gestão emMinas Gerais: resultados na saúde. As 684 páginas desses dois livros, denítido caráter propagandístico, estão recheadas de longos textos comdefinições técnicas e proposições genéricas, com alguns gráficos e mapasque buscam exibir os supostos êxitos do “choque de gestão” e dos pro-gramas citados no quadro acima. Há toda uma teorização sobre as redesassistenciais que culmina com a identificação do papel das unidades desaúde municipais na constituição de redes temáticas, seguindo a antiga

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Saúde em Casa

Viva Vida

Rede de Atenção às Urgências eàs Emergências

Rede Mais Vida

Rede Hiperdia

Farmácia de Minas

Programa de Fortalecimento eMelhoria da Qualidade dos Hos-pitais do SUS/MG (Pro-Hosp) –a partir de 2003

Estratégia de Saúde da Família

Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento

Política Nacional de Redução daMorbimortalidade por Acidentes eViolências

Redes Estaduais de Assistência àSaúde do Idoso / Política Nacionalde Saúde da Pessoa Idosa

Plano de Reorganização da Atenção àHipertensão arterial e ao Diabetesmellitus

Política Nacional de AssistênciaFarmacêutica

Programa de Reestruturação e Con-tratualização dos Hospitais Filantró-picos no Sistema Único de Saúde –a partir de 2006

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tradição das ações programáticas focalizadoras na velha saúde públicabrasileira, anteriores à institucionalização do SUS com seus princípiosde universalidade e integralidade. A definição de tais redes não trouxeimpacto significativo na oferta de serviços, uma vez que se limitou a re-nomear uma rede assistencial que já existia. Uma leitura atenta permite,a partir dos dados apresentados, dimensionar essas ações desenvolvidaspelo Estado sob a gestão de Aécio Neves.

O Programa Saúde em Casa promoveu melhorias de infraestru-tura para 46% das Equipes de Saúde da Família existentes no Estado.Foram implantados 21 Centros Viva Vida, cobrindo 27,03% da popu-lação mineira. O Rede Hiperdia promoveu o reaparelhamento e refor-mas nos prédios de três unidades de atendimento especializado,renomeando-as Centros Hiperdia (CHD), sendo um na Microrregiãode Janaúba/Monte Azul, outro na Microrregião de Brasília deMinas/São Francisco e o terceiro em Itabirito. A Rede Mais Vida limi-tou-se também a três unidades, sendo uma por Macrorregião (Sudeste,Norte e Centro 1). A Rede de Atenção às Urgências e às Emergênciasficou limitada à Macrorregião Norte. O Programa Farmácia de Minasimplantou 67 unidades e enfrentou na capital a resistência dos profis-sionais de saúde e dos usuários, uma vez que propõe retirar a dispensa-ção de medicamentos das Unidades Básicas de Saúde, em vez de apoiarsoluções para os problemas aí encontrados, isolando a assistência far-macêutica das demais ações de saúde e impondo à população desloca-mentos antes desnecessários para aviar as receitas.

Esses programas resultantes do “choque de gestão”, acanhadosnas suas dimensões reais, ganharam a dimensão de grandes soluçõespara os problemas de saúde da população mineira nos meios de comu-nicação de massa. Nesse sentido, funcionam como as amostras grátis demedicamentos, que são insuficientes para resolver o problema do pa-ciente e servem apenas para propagandear o produto. Já o Pro-Hosptraduziu a escolha política do então Governador Aécio Neves em in-vestir em hospitais privados, em vez de construir a rede de hospitais re-gionais estaduais conforme determina a Constituição Mineira. Essaproposta tem resultados no médio prazo conhecidos por todos os quemilitam na Reforma Sanitária Brasileira desde que o INAMPS fez opçãosemelhante na década de 1970.

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AS BARREIRAS PARA O EFETIVO CONTROLE SO-CIAL DO SUS EM MINAS GERAIS SOB AÉCIO NEVES

Sendo um dos pilares na construção do SUS, o controle socialainda depende de uma postura de comprometimento do gestor com ademocracia participativa. Um governo conduzido por uma tecno-bu-rocracia autossuficiente, de profissionais terceirizados e estranhos aoserviço público estadual, dispensa a participação da sociedade nas suasdecisões. Com o “Choque de Gestão”, o Conselho Estadual de Saúde(CES-MG) ficou reduzido a uma instância burocrática, inexpressivo po-liticamente e pouco representativo da sociedade mineira. Submetido aopoder do Governo Aécio Neves, o Conselho Estadual de Saúde foimantido apenas para cumprir as exigências legais.

EVOLUÇÃO DA SITUAÇÃO DE SAÚDE DA POPULA-ÇÃO MINEIRA NO PERÍODO DOS GOVERNOS AÉCIONEVES

Finalmente, apresentam-se alguns dados sobre a evolução da si-tuação de saúde da população mineira no período citado, focalizandoaqueles relacionados aos programas priorizados pela SES-MG para ava-liação da sua efetividade, comparando-os com o que ocorreu no mesmoperíodo em outros Estados.

A Tabela 2 exibe dados que mostram que a Taxa de MortalidadeInfantil (TMI) em Minas Gerais, sob o Governo Aécio Neves, apresen-tou uma das menores quedas quando comparada com os demais estadosda Região Sudeste, exceto o Rio de Janeiro, com estados de mesmoporte da Região Nordeste e da Região Sul e com a média brasileiraentre os anos de 2003 e 2010. Na Região Sudestes, Minas Gerais apre-senta a taxa de mortalidade infantil mais elevada. Em 2003, a TMI mi-neira era inferior à média brasileira; ao final do Governo Aécio Neves,em 2010, apresentou-se superior à média brasileira. Essa taxa é consi-derada um dos melhores indicadores da qualidade de vida de uma po-pulação.

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Tabela 2Evolução da Taxa de Mortalidade Infantil (TMI)

Unidade da Federação 2003 2010 Queda em % no Período

Brasil 23,9 16,0 33

Minas Gerais 20,0 16,2 19

Bahia 31,6 21,0 33

Pernambuco 36,1 17,0 53

Espírito Santo 16,4 11,9 27

Rio de Janeiro 17,7 14,3 19

Paraná 16,5 12,0 27

Rio Grande do Sul 16,0 11,3 29

São Paulo 15,2 12,0 21

Fonte: Indicadores e Dados Básicos de 2011 – RIPSA/DATASUS.

A Tabela 3 a seguir exibe dados sobre a evolução da taxa de mor-talidade específica para três doenças crônico-degenerativas que são focodo Programa Hiperdia da SES MG. Apenas para as doenças cerebro-vasculares a taxa permaneceu estável, tendo aumentado para as doençasisquêmicas do coração e para diabete melito.

Tabela 3Taxa de Mortalidade Específica para três doenças crônico-degenerativas – evolução entre 2003 e 2010

Causa da morte 2003 2010

Doenças cerebrovasculares 52,2 52,2

Doenças isquêmicas coração 40,8 41,9

Diabete melito 18,5 24,8

Fonte: Indicadores e Dados Básicos de 2011 – RIPSA/DATASUS.

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A Tabela 4 apresenta a Taxa de Mortalidade Específica por causasexternas por Unidade da Federação e Ano. Minas Gerais esteve no pe-ríodo compreendido pelos dois governos do Aécio Neves entre os es-tados que apresentaram elevação dessa taxa.

Tabela 4Taxa de Mortalidade Específica por causas externas por Unidade da

Federação e para o período de 2003 a 2010

Unidade da Federação 2003 2010

Pernambuco 91,3 86,9

Bahia 54,7 86,8

Minas Gerais 58,2 66

Espírito Santo 98,2 112,2

Rio de Janeiro 105,1 86,3

São Paulo 81,1 58,5

Paraná 77,3 91,3

Rio Grande do Sul 65,5 67,9

Fonte: Indicadores e Dados Básicos de 2011 – RIPSA/DATASUS.

Outro indicador importante do ponto de vista da saúde da popu-lação é a Razão de Mortalidade Materna. A Rede Interagencial de In-formações para a Saúde (RIPSA) não pode calcular esse indicador paraMinas Gerais, uma vez que o Estado não atingiu o índice final (cober-tura e regularidade do Sistema de Informações sobre Mortalidade -SIM) igual ou superior a 80% e cobertura do Sistema de Informaçõessobre Nascidos Vivos (SINASC) igual ou superior a 90%, o que indicaa precariedade dos sistemas de informação em saúde em Minas Gerais,único Estado da Região Sudeste a não dispor desses dados. Essa situaçãoé um reflexo da precariedade dos processos de gestão do SUS no Es-tado.

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CONCLUSÕES

A saúde como direito social encontra-se no rol de direitos doutri-nariamente denominados direitos progressivos, ou seja, depende deações positivas do Estado e da sociedade para a sua plena realização.Uma demonstração objetiva do nível de prioridade dada por um go-verno a determinada política pública é o volume de recursos orçamen-tários e financeiros a ela destinados. Sob esse aspecto, pode-se afirmarque o governo Aécio Neves não priorizou a realização do direito àsaúde. Ao final do período Aécio Neves no governo de Minas, em 2011,dados publicados pela Secretaria do Tesouro Nacional (Execução Or-çamentária dos Estados – despesas por funções empenhadas) mostramque o Estado ocupava a 24ª posição dentre os 27 Estados brasileiros nopercentual de recursos próprios destinados à saúde.

Reduzido a recurso da retórica oficial repetida milhões de vezespela mídia subserviente, o chamado “Choque de Gestão” não criou ascondições prometidas para o avanço do SUS e a realização do direito àsaúde para todos os mineiros, uma vez que manteve as práticas cliente-listas e fisiológicas tradicionais na alocação de recursos do Estado nosmunicípios, profundamente marcados pelas desigualdades regionais. Aocontrário, esvaziou a máquina pública e a capacidade de intervenção daSES MG pela desvalorização salarial dos servidores públicos, cujos qua-dros não foram recompostos.

O resultado foi a evolução tímida ou a piora dos indicadores dasituação de saúde da população mineira entre 2003 e 2010, período emque o Estado de Minas Gerais foi governado por Aécio Neves. Efetiva-mente, a qualidade de vida dos mineiros não apresentou a melhora vei-culada pela propaganda oficial. O “choque de gestão” revelou assim suaverdadeira face. Felizmente, as ações das outras esferas de governo, par-ceiras no SUS, impediram que todo o Sistema entrasse em colapso.Mesmo assim, sob o governo Aécio Neves, o SUS entrou em estado dechoque em Minas Gerais. Sua recuperação dependerá das próximas es-colhas políticas que serão feitas pelos mineiros.

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Clarice Barreto LinharesAdelson França Jr.

O DIREITO À EDUCAÇÃO NA BERLINDA:MINAS GERAIS E OS DESCAMINHOS NA

CONDUÇÃO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO1

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem a tarefa de fazer uma análise da gestão doEstado de Minas Gerais no que se refere à garantia do acesso e da qua-lidade da educação. O foco das análises concentra-se na gestão doPSDB, que ocupa a função desde o ano de 2003, principalmente nosdois governos do Senador Aécio Neves (2003 a 2006 e 2007 a 2010)2 eparte da gestão de Antônio Augusto Junho Anastasia, à frente do man-dato desde 2010. A escolha desse período deve-se à constatação de queo mesmo iniciou um processo de flagrante declínio da educação públicaem Minas Gerais, desde a implantação do tão alardeado “Choque deGestão”, indo na contramão das propagandas que o governo faz de simesmo para a população do Estado. Esse declínio tem sido observadopela comunidade escolar de Minas Gerais e vem paulatinamente acar-retando a perda da qualidade da educação, bem como comprometendosignificativamente as condições de trabalho e vida dos trabalhadores emeducação da rede estadual, ameaçando, assim, o sentido da educaçãoenquanto um direito constitucionalmente assegurado. Em 2009, atravésdo Especial “Radiografia da Educação Mineira”, publicação resultantede um trabalho minucioso de pesquisas, reportagens e análises sobre a

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1 Para a construção deste artigo, agradecemos imensamente a colaboração e as aná-lises de Ana Maria Prestes Rabelo, cujos textos e interpretações da situação da edu-cação no Estado de Minas Gerais serviram de base para a montagem do mesmo.

2 O segundo governo de Aécio Neves não foi completado pelo mesmo, tendo emvista sua renúncia em março de 2010, para concorrer ao Senado da República. Emseu lugar, assumiu seu vice, o Governador Antônio Augusto Junho Anastasia.

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situação da educação em Minas, o Sindicato Único dos Trabalhadoresda Educação de Minas Gerais (SindUTE) expressa claramente seu des-contentamento com a gestão no texto do seu editorial:

(...) o cenário da educação no Estado nunca foi tão perverso comose encontra hoje. O descaso público do governo Aécio relega osegmento a patamares inimagináveis. De norte a sul, o que se vêsão escolas públicas estaduais em situação lastimável, enfrentandodificuldades de toda sorte, em condições degradantes. Por outrolado, aos olhos da mídia, sob vultosas contas publicitárias, o go-verno alardeia ‘verdades duvidosas’. (...) Violência, falta de infra-estrutura e de investimento nos profissionais da educação,inexistência de políticas públicas, desvalorização do serviço pú-blico, exclusão, esquecimento e descaso são cenas que o leitorconfere ao longo dessa edição. Assim, comprovara que, de fato,Minas não respira liberdade (SindUTE, 2009, contracapa).

Soma-se a esses problemas, a ausência da democracia dos gestoresda pasta da Educação no estado, na medida em que os mesmos, comodenunciado pelo sindicato, se recusam a dialogar com os representantesda categoria e não criam mecanismos de aproximação e participação depais e alunos na gestão da educação no estado.

Não obstante a árdua tarefa de analisar a política educacionaldiante da ausência de publicidade e transparência de dados e estatísticas,por parte da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE-MG), bem como um visível descompasso entre a realidade de fato, vi-venciada pela comunidade escolar (pais, trabalhadores, alunos e gestoresda educação) e àquela que se apresenta nas propagandas veiculadas pelogoverno do estado, tentar-se-á uma análise a partir de informações le-vantadas pelos sindicatos dos trabalhadores em educação, estatísticasdivulgadas pela imprensa e órgãos federais, bem como relatos de diver-sos atores de destaque na área.

É importante ressaltar que a maior parte dos dados aqui apresen-tados foram coletados no âmbito do “Movimento Educação que Que-remos”, movimento que conglomerou diversas entidades em defesa daeducação no Estado de Minas Gerais, e do qual um dos autores deste

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artigo participou representando o Sindicato dos Professores do Estadode Minas Gerais (Sinpro Minas), entidade representativa dos professo-res do setor privado do estado.3

EDUCAÇÃO: UM DIREITO CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO, UM ACESSO, PORÉM, DEPENDENTE DE PROJETOS DE GOVERNO

A Constituição da República (1988), considerada historicamentecomo “Constituição Cidadã”, pela abrangência e extensão dos direitosnela expressos, bem como pela forma participativa da sua construção,assegura, em seu artigo 6º, a educação enquanto um direito social docidadão brasileiro. Mais adiante, o Texto Constitucional, no seu artigo205, delineia as competências da garantia desse direito: “A educação édireito de todos e dever do Estado e da família.” No artigo 206, espe-cifica-se: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:(...) IV gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais” (Bra-sil, 1988). A Carta Constitucional foi além de assegurar um direito so-cial, inovando em termos da formulação da gratuidade da educação e,“(...) assegurando-a em todos os níveis na rede pública, ampliando-apara o ensino médio, tratado nas Constituições anteriores como exceçãoe, para o ensino superior, [de forma] nunca contemplada em Cartas an-teriores” (Oliveira, 1998, [s.p.]). Um avanço significativo da Constitui-ção no direito à educação é a garantia do acesso ao ensino gratuito eobrigatório, consubstanciado no direito público subjetivo, a gestão de-

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3 O “Movimento Educação que Queremos” surgiu com o objetivo inicial de formarum grupo de estudos para analisar a proposta do Plano Decenal de Educação parao Estado de Minas Gerais, para tecer considerações e críticas e para propor emendasao mesmo. No decorrer dos encontros desse grupo formado por várias entidadesmineiras, este se transformou no “Movimento Educação que Queremos”, que atuouem outras frentes – como na preparação da Conferência Nacional de Educação(CONAE - 2010) – no planejamento do Debate Público e Encontros Regionais, eem eventos preparativos para o Fórum Técnico Plano Decenal de Educação, quese realizou em maio de 2009, em parceria com a Assembleia Legislativa do Estadode Minas Gerais (Cartilha do Movimento, 2009).

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mocrática do ensino público e a vinculação de impostos à educação, naqual cabe à União aplicar 18% e aos Estados, Municípios e Distrito Fe-deral, 25% das suas arrecadações.

Tomando como ponto de partida a esfera do Estado, a Lei de Di-retrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) reparte, ainda,as competências do direito ao acesso à educação pela estrutura do eixofederativo, atribuindo, assim, o que é responsabilidade dos municípios,dos estados e da União. Aos estados caberia a competência prioritáriado Ensino Médio, bem como da educação profissional. Porém, o regimede colaboração que se pretende entre os entes federados para a promo-ção da universalização da educação de qualidade não impede, ao con-trário, coloca-se de forma imperiosa a necessidade da suplementaçãodas competências dos níveis de ensino ente os entes federados. Segundoo próprio Plano Decenal de Educação do Estado de Minas Gerais:

A educação básica de qualidade depende, substancialmente, daeducação superior, responsável primeira pela formação dos pro-fissionais do magistério. (...) a criação de um espaço permanentede diálogo e entendimento para a efetiva e necessária articulaçãoentre este nível de ensino e a educação básica, torna-se imperiosaem Minas (Minas Gerais, 2011).

Contudo, mesmo que o governo do Estado de Minas Gerais sedetivesse apenas à sua prioritária competência expressa na LDBEN/96,a mesma ainda estaria deficitária no que se refere à garantia desse direitoconstitucional do cidadão, na medida em que diagnosticaremos nesteartigo as falhas evidenciadas pela opção de um projeto gerencial e mer-cadológico de gestão das políticas públicas.

Dessa forma, as condições estabelecidas em lei acabam por nãorefletir em acesso universalizado e imediato à educação, historicamente,para os cidadãos, na medida em que outros interesses compõem o Es-tado Brasileiro e, consequentemente, suas unidades federativas. A pers-pectiva do avanço capitalista, bem como do projeto desenvolvimentistaque se quer para a sociedade influenciam de forma decisiva para a am-pliação ou não do acesso à “educação-direito” e a extensão do mesmo.Encontramos na sociedade brasileira expressões de governos, nas três

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esferas federativas, que disputam projetos antagônicos: de um lado, pro-jetos que se cristalizaram na ênfase da ideologia da maximização do ca-pital e da educação-mercadoria, acabando por precarizar a educaçãopública, e por outro, projetos que focam o desenvolvimento no fortale-cimento das políticas sociais e na tentetiva da universalização do acessoà educação. O projeto desenvolvimentista reflete então, em grande me-dida, as políticas dos governos, ameaçando, em muitos casos, a educaçãocomo direito, e, consequentemente, enquanto política de Estado.

Acerca do projeto desenvolvimentista histórico dos governos bra-sileiros, anteriores à redemocratização, Frigotto (2010, p. 242) faz umaconstatação:

(...) ao não disputar um projeto societário antagônico à moderni-zação e ao capitalismo dependente e, portanto, à expansão do ca-pital em nossa sociedade, centrando-se num projetodesenvolvimentista com foco no consumo e, ao estabelecer polí-ticas e programas para a grande massa de desvalidos, harmoni-zando-as com os interesses da classe dominante (a minoriaprepotente), o governo também não disputou um projeto educa-cional antagônico, no conteúdo, no método e na forma.

Ainda segundo Frigotto, a década de 1990 consubstanciou firme-mente um projeto claro de desenvolvimento e, consequentemente, deeducação:

No plano das políticas educacionais, da educação básica à pós-graduação, resulta, paradoxalmente, que as concepções e práticaseducacionais vigentes na década de 1990 definem dominante-mente a primeira década do século XXI, afirmando as parceriasdo público e privado, ampliando a dualidade estrutural da educa-ção e penetrando, de forma ampla, mormente nas instituiçõeseducativas públicas, mas não só, e na educação básica, abrangendodesde o conteúdo do conhecimento até os métodos de sua pro-dução ou socialização (Frigotto, 2010, p. 246).

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A década de 1990 representou, assim, para a educação nacional,um período em que ficou claramente definido o projeto desenvolvimen-tista do país à época: a opção pela defesa intransigente do capital, e oponto de partida da mercantilização da educação brasileira. As conse-quências dessa opção para a “educação-direito” são óbvias no sucatea-mento do setor público da educação, lógica que teve seus reflexostambém nos estados e municípios.

A análise da última década permite-nos, no entanto, em relaçãoàs políticas educacionais e à entrada de outras concepções de gestão, se-gundo Frigotto, perceber projetos antagônicos em disputa:

(...) enquanto as primeiras [da década de 1990] resultavam de pro-duções de quadros intelectuais elaboradas pelo alto para seremaplicadas na sociedade, as segundas [a partir do governo Luís Iná-cio Lula da Silva] buscavam uma construção desde a própria so-ciedade (Frigotto, 2010, p. 248).

A Conferência Nacional de Educação (CONAE - 2010) foi umexemplo claro de tentativa de construção conjunta do Plano Nacionalde Educação. Portanto, ainda que não represente uma ruptura com ve-lhos modelos de gestão educacional arraigados nas estruturas institu-cionais brasileiras, é de se reconhecer que desde 2003 o GovernoFederal mostra-se propenso a um projeto desenvolvimentista que tentaviabilizar o acesso à educação estrapolando a competência da esfera fe-deral e dando ênfase à diversidade, a partir das políticas voltadas para aeducação de jovens e adultos e para a educação da população indígenae afrodescendente. Na educação superior a expansão das universidadesfederais, o REUNI e o PROUni, ampliaram o acesso de segmentos so-ciais mais vulneráveis à educação superior.

No que se refere ao financiamenton da educação:

No plano do financiamento, a criação do Fundo de Manutençãoe Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Pro-fissionais da Educação (FUNDEB), com todos os limites da na-tureza dos recursos ligados ao Fundo e não constitucionais,incorporou a educação infantil e o ensino médio, antes não con-

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templados. Para cobrir todas as modalidades, na sua função su-plementar, está em tramitação final, tem lugar a criação do FundoNacional de Desenvolvimento da Educação Profissional e Tec-nológica (Fundep). E outro aspecto diferenciado, ainda que emtermos muitíssimos baixos, é a fixação do piso nacional para o ma-gistério da educação básica, uma conquista histórica do magistérionacional (Frigotto, 2010, p. 248).

A opção de um projeto de cunho mais social para a educação, por-tanto, não se reflete de forma equânime entre os entes federados. A con-cepção clara de muitos estados e municípios é a de uma gestão que,segundo Saviani (1996), opta pelos resultados – acordo de resultados apartir das avaliações institucionais e consequentemente a focalizaçãopara atingir suas metas em detrimento da universalização do direito àeducação, de fato.

A partir do chamado “Choque de Gestão”, que segue estritamentea linha da visão gerencial e de resultados nas políticas públicas, comovem sendo demonstrado ao longo deste livro, veremos a opção clara doGoverno do Estado de Minas Gerais para a política de educação emseus dez últimos anos.

A EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS, A PARTIR DO ANODE 2003: A OPÇÃO POR UM PROJETO DE MERCADOE A VITRINE DO DESCASO

O contexto da educação pública, em Minas Gerais, a partir 2003 –início da gestão do então Governador Aécio Neves (PSDB) –, começa asofrer um declínio considerável no que tange à sua qualidade e a garantiaenquanto direito social. Reflexo claro da opção de projeto do seu governo.

A opção de uma gestão pública pautada em princípios empresariais,com a figura do Estado-empresa, gerador de eficiência, eficácia e conse-cução de resultados a qualquer custo, acabou por afastar o princípio de-mocrático da gestão e a expansão do acesso à educação de qualidade, namedida em que se diminui o papel governamental, prioriza-se as parceriaspúblico-privadas e se mantém distância do diálogo com a sociedade civil.

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Nesse sentido, a política de educação mineira, assim como as de-mais políticas que visam ao acesso a direitos sociais, vem sofrendo frag-mentações, atrelamento ao setor privado, buscando apenasconfigurar-se bem, de forma quantitativa, nos rankings nacionais e in-ternacionais da Educação.

Segundo pudemos averiguar na cartilha “Dez razões para trans-formar a educação em Minas”, de autoria do presidente do SinproMinas, Gilson Reis, os efeitos da priorização estatística, como forma devitrine de governo, para a educação pública em Minas, vem trazendoconseqüências desastrosas:

Na contramão dessa busca por um bom posicionamento nas es-tatísticas, observa-se uma série de problemas, agravados no cursodos 8 anos de gestão: a) aprofundamento das desigualdades re-gionais; b) a falta de investimento em infraestrutura; c) o deses-tímulo dos profissionais da educação – que têm um dos pioressalários do país; d) a preocupação com um número reduzido deescolas e o abandono de milhares; e) a falta de democracia na ges-tão e na garantia dos conselhos; f) a estigmatização da educaçãodo campo e o abandono da educação indígena e quilombola (Reis,2010, [s.p.]).

O foco na perseguição de metas e controle de resultados – decor-rentes dos objetivos da gestão empresarial do Estado – ocupa-se diu-turnamente com dados quantitativos da educação pública, deixando delado a preocupação com a qualidade e o acesso à educação. Nos tópicosa seguir, analisaremos alguns aspectos mais flagrantes do descaso que aeducação pública mineira vem sofrendo.

Sobre o diagnóstico da educação mineira, na gestão Aécio Neves,segue levantamento do sociólogo Rudá Ricci, elaborado para o docu-mento do Movimento “Educação que Queremos”:

Minas Gerais sofreu, nos últimos seis anos, uma queda no rankingnacional (vinculado aos resultados do ENEM e SAEB), de 1º co-locado para a 4ª colocação (abaixo do Distrito Federal, RioGrande do Sul e Paraná). A situação é ainda mais grave porque o

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desempenho dos alunos mineiros vem decaindo nos últimos qua-tro anos. Em 1997, Minas Gerais atingiu o primeiro lugar no ran-king estabelecido pelo SAEB. Em 2001, caiu para o 4º lugar. NoPROEB-SIMAVE, apenas 19,7% dos alunos de ensino médioatingiram o nível recomendado. Nos resultados do ENEM 2005,Minas Gerais ficou pouco acima da média nacional. Em relação àRegião Sudeste, esteve abaixo de Rio de Janeiro e São Paulo (naprova objetiva) (Movimento Educação que Queremos, 2009).

Tal deficiência ainda se verifica nos dias atuais. No IDEB de 2011o Estado de Minas Gerais atingiu, em relação à avaliação do EnsinoMédio – cuja responsabilidade prioritária é do estado –, a nota de 3.7mantendo-se em quarto lugar no ranking. A queda verificada desde2005 demonstra a incapacidade de recuperação nos resultados orienta-dos pela política educacional do estado.4

Além disso, ainda sobre o Ensino Médio, na avaliação do SI-MAVE/PROEB, a rede estadual atingiu o pior resultado de proficiênciamédia em Língua Portuguesa desde sua primeira aplicação, em 2008.Ainda apresentou queda significativa na proficiência média em Mate-mática em relação a 2010.5

No que tange à competência prioritária dos estados, definida pelaLei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (1996), a análise que oMovimento Educação que Queremos realizou em 2009 da educação noEnsino Médio em Minas Gerais constatou que, segundo dados oficiais:

1. Do total de 3.905 escolas da rede estadual, apenas 80 se dedi-cam exclusivamente ao Ensino Médio;

2. Em 26 (2,9% do total, sendo que o índice da região sudeste éde 1,5%) municípios mineiros não existem escolas que ofere-çam Ensino Médio;

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4 Disponível em: <http://ideb.inep.gov.br>.

5 Disponível em: <http://www.simave.caedufjf.net/proeb/resultadosescala>.

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3.Na última década, o número de matrículas no Ensino Médioda rede de ensino estadual aumentou em 111,5% (o aumentonacional, no período, foi de 57,4%);

4.Menos da metade dos jovens entre 15 e 17 anos de idade che-gam ao Ensino Médio mineiro na idade apropriada.

5. A gestão atual, a Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG),a partir de fevereiro de 2013, adotou a instalação de placas coma nota do IDEB na porta de cada uma de suas escolas estaduais.Tal atitude reflete o compromisso estrito do governo do PSDBcom o “marketing” educacional, em detrimento de verdadeirasmelhorias na qualidade, acompanhadas do diálogo com a co-munidade escolar. Dessa forma, escolas com notas baixas afi-xadas em suas portas são ainda mais desvalorizadas pelacomunidade, bem como seus profissionais são responsabiliza-dos por tal avaliação. Segundo o sindicato da categoria:

Não há diálogo sobre as condições de trabalho, não há políticapreventiva que modifique o quadro de adoecimento do professore a Secretaria insiste em ignorar a realidade da escola pública es-tadual. A ideia de exposição e responsabilização do professor nãoé nova. Outros países a adotaram e já avaliaram os erros de umsistema que não significou mais qualidade à educação. Só a Se-cretaria de Educação de Minas Gerais insiste no erro. Educaçãoé o espaço do debate, da reflexão, da construção coletiva: tudo oque não temos (SindUTE, 2013).

Quanto ao currículo, a proposta de estrutura curricular oficial doEstado não consegue nem mesmo acompanhar as sugestões de articu-lação de áreas de conhecimento sugerido pelos Parâmetros CurricularesNacionais (PCN) para o Ensino Médio. Passados alguns anos, percebe-se que a situação não se alterou. O currículo do Ensino Médio não searticula com o do Ensino Fundamental, favorecendo a desconexão doaprendizado e o desestímulo do jovem pelo estudo.

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A POLÍTICA DE FOCALIZAÇÃO E SEUS IMPACTOSNEGATIVOS NA UNIVERSALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

A garantia de eficiência e da eficácia de um governo gerencialcompromete-se com políticas universalistas. Ora, como lograr êxitosestatísticos em tão pouco tempo fazendo políticas de longo alcance?Nesse sentido, a opção clara da gestão do Estado de Minas Gerais, desde2003, tem sido a focalização. Ou seja, ao invés das ações serem tomadasde forma abrangente, vê-se uma seleção de alguns casos para que se tor-nem modelos, referência de determinada política, deixando à derivaaqueles que não foram selecionados. Opção clara de um governo quese pretende meramente enquanto vitrine eleitoral.

A focalização na área da educação, proposta pelo Governo deMinas, subdivide-se em duas frentes:

a) Atuação contundente apenas sobre escolas de regiões vulnerá-veis (risco, violência e dificuldades de aprendizagem).

b) Implantação das Escolas-referência (escolas modelo).

As prioridades efetivamente adotadas pelo governo, a partir dagestão Aécio Neves, são claras na adoção das políticas das chamadas “es-colas-referência”. Esse modelo aprofunda as desigualdades regionais,contrariando a lógica da inversão de prioridades, na medida em queprioriza apenas uma minoria de escolas, criando-se as chamadas “ilhasde excelência” em meio ao abandono de cerca de mais de 3.000 escolasda rede estadual que não são contempladas pelas mesmas ações.

Vejamos no Gráfico 1, elaborado pelo Movimento “Educação queQueremos” a partir de dados oficiais, os desníveis claros na implantaçãodesse modelo.

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Gráfico 1Número de Escolas-referência por município

Fonte: Movimento “Educação que Queremos”, 2009.

O gráfico apresenta a distribuição de Escolas-referência no Estadode Minas Gerias, divulgada no ano de 2009. Nota-se a implantação des-ses modelos em municípios representativos de todas as regiões do es-tado. Porém, a desigualdade dessa política é bastante salientada. É dese admirar que a barra em destaque, a qual atinge quase 50% dos casos,

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refere-se à Região Metropolitana de Belo Horizonte. A crítica em sinão se refere à implantação das escolas-referência. As melhorias, pelomenos no que tange à infraestrutura e gestão escolar, são bem-vindas.Porém, as medidas têm que ser universalizadas. Todas as escolas devemser modelos, exemplos de excelência, sob pena de infringir uma garantiaconstitucional de igualdade dos cidadãos perante a lei e universalizaçãodo acesso ao direito à educação.

As desigualdades salientadas ainda são mais perceptíveis quandoobservamos o gráfico da distribuição das Escolas-referência agrupadaspor região de planejamento no estado:

Gráfico 2Escolas-referência, por região de planejamento

Fonte: Movimento Educação que queremos, 2009.

A partir desse gráfico, observa-se que as regiões contempladasforam (em ordem de prioridade): região central, região sul, região nortee Triângulo Mineiro. Essa lógica, inclusive, além de ferir princípios deigualdade de acesso, não reflete correspondência lógica com as priorida-des de investimento em melhoria de qualidade presentes no documentooficial do Plano Decenal de Educação do Estado, que previu um inves-timento maior em áreas vulneráveis do estado. Ao contrário, o diagnós-tico apresentado no documento oficial do Plano Decenal conflita com asprioridades efetivas adotadas pela Secretaria Estadual de Educação, comofica claro através da implantação das Escolas-referência.

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O que se coloca em questão é que a política de Educação no Es-tado de Minas Gerais, bem como nas demais áreas sociais, deveria darênfase na inclusão social e adoção de parâmetro republicano de opor-tunidades iguais a todos os cidadãos, objetivando a universalização doacesso a esse direito.

O TRABALHADOR DA EDUCAÇÃO EM MINAS: DESVALORIZAÇÃO E DESESTÍMULO6

A atual administração estadual não considera os trabalhadores emeducação como agentes, na construção da educação de qualidade no es-tado, mas como os primeiros e principais culpados quando não se atin-gem os níveis esperados de desempenho e aprendizagem. Assim comoindividualizam o diagnóstico, também individualizam a solução ao ado-tar a premiação para professores por desempenho de suas turmas.

Vejamos em que condições encontram-se estes profissionais, quesão cobrados com tanta rigidez. O primeiro desafio é o da formação.Grande parte dos docentes não tem licenciatura. Daqueles que têm li-cenciatura grande parte não tem habilitação para as áreas em que lecio-nam. Estranhamente, um programa de êxito na formação em nívelsuperior dos professores – o Veredas – não foi levado à frente. Alémdisso, não existe um projeto concreto de formação continuada, em ser-viço para os profissionais da educação em Minas.

A qualidade da educação passa, necessariamente, pela valorizaçãodo trabalhador em educação:

Em primeiro lugar, qualquer que seja a prática de que participemos,a de médico, a de engenheiro, a de torneiro, a de professor, nãoimporta de quê, a de alfaiate, a de eletricista, exige de nós que aexerçamos com responsabilidade. Ser responsável no desenvolvi-mento de uma prática qualquer implica, de um lado, o cumpri-

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6 Esta seção teve, em grande parte, como fonte texto elaborado pelo historiador epesquisador Reinaldo de Lima Reis Jr. Também foram utilizadas informações doSindUTE e do SindUEMG.

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mento de deveres, de outro, o exercício de direitos. O direito deser tratado com dignidade pela organização para o qual trabalha-mos, de ser respeitados como gente. O direito a uma remuneraçãodecente. O direito de ter, finalmente, reconhecidos e respeitadostodos os direitos que nos são assegurados pela lei e pela convivênciahumana e social (Freire, 2003, p. 89).

Outro aspecto a se salientar é que a identidade do profissional daeducação no nosso Estado está fragmentada. É possível encontrar emuma sala dos professores de qualquer escola em Minas pelo menos qua-tro tipos de professores: o professor efetivo; o efetivado; aquele que estáem estágio probatório e o designado. Sem falar nos quase 30% dos pro-fissionais que não têm a qualificação necessária para o exercício do ma-gistério, sendo as áreas críticas de Química com 43% e Física com 55%dos profissionais sem a habilitação necessária para lecionar nessas áreas.Não existe um projeto de formação continuada, em serviço para essesprofissionais em Minas. Este é o quadro atual:

a) Professor efetivo: aquele que passou por concurso público e ad-quiriu a estabilidade, regido como estatutário;

b) Professor efetivado: aquele que não passou por concurso pú-blico, teve adquirido o direito de ocupar o cargo através da leicomplementar nº 100. Não goza da estabilidade e de vários di-reitos garantidos ao servidor público; é celetista.

c) Estágio probatório: aquele que passou por concurso público,mas ainda não concluiu os três anos iniciais de sua carreira; éregido como estatutário. Passa por avaliação específica atépoder alçar o status de professor efetivo;

d) Designado: aquele que não passou por concurso público; é con-tratado, regido como celetista; trabalha por contrato com prazodeterminado.

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Além disso, Minas não implementa o piso salarial nacional, e ogoverno ainda apoiou os governadores que entraram com Ação de In-constitucionalidade da Lei do Piso no STF.7 Os planos de carreira dosservidores das redes estadual e municipais estão defasados. A grandemaioria dos profissionais está sob o regime do contrato temporário.

No ano de 2010, final da primeira gestão do Governador Anasta-sia, os trabalhadores da educação em Minas Gerais, organizados peloseu sindicato, promoveram uma greve de aproximadamente 100 dias,reflexo da precarização de suas condições de trabalho e da recusa doGoverno do Estado de Minas Gerais em cumprir a Lei do Piso da Edu-cação nacional. Para continuar com projeto de arrocho salarial os planosde carreira dos servidores das redes estadual, que já era defasado, se tor-nou ofensivo com introdução do subsídio na carreira e destruição dasprogressões salariais.

Neste ano, 2013, segunda gestão do governador Antônio Anasta-sia com a professora Ana Lúcia Gazzola à frente da pasta da Educação,a situação de precarização das condições dos trabalhadores ainda nãovê uma solução próxima. Segundo a direção do sindicato, o ano letivojá começa caótico. A falta de professores na rede estadual é flagrante,sendo que as 15 mil vagas para professor, divulgadas no último con-curso, não foram preenchidas, e os 40 mil professores designados nãoforam autorizados a trabalhar.

Outro aspecto que trouxe desconforto pelo descaso com a quali-dade da educação é que as aulas de Educação Física, antes ministradaspor professores habilitados, foram compulsoriamente dadas para os an-tigos professores regentes do Fundamental das séries iniciais, sem ha-bilitação na área. Há, também, a denúncia do sindicato com relação àsuperlotação das salas, fusão de turmas pela falta de professores, alunos

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7 Em abril de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a Ação Direta deInconstitucionalidade nº 4167, movida pelos governadores dos estados do Paraná,Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Ceará contra a Lei11.738/2008, que institui o Piso Salarial Profissional Nacional e destina, no mí-nimo, 33,3% da jornada de trabalho dos professores em atividades fora da sala deaula, como formação continuada, planejamento, formulação e correção de provase trabalhos, atualização profissional e outras (APEOESP).

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dispensados antes do término do turno de aula ou ficando na escola semaula, apenas cumprindo horário.

Dentre todos os aspectos levantados, é de se salientar uma partedo Manifesto que criou o Fórum em Defesa dos Serviços e ServidoresPúblicos de Minas Gerais, que evidencia a situação deficitária dos ser-vidores do Estado de Minas Gerais, atingindo, sobremaneira, o traba-lhador da educação:

(...) o tão alardeado “choque de gestão” de Minas retirou direitoshistóricos dos servidores, tais como: fim dos quinquênios paraquem ingressou no serviço público a partir de 2003 e redução dosquinquênios para quem ingressou antes dessa data; fim de políti-cas salariais conquistadas em governos anteriores; fim do aposti-lamento; quebra da estabilidade do servidor por insuficiência dedesempenho, por meio de avaliação com critérios subjetivos e pu-nitivos, conferindo superpoder às chefias, sendo Minas o únicoente da Federação onde isso ocorre; redução da presença do Es-tado em função das privatizações, fechamento de órgãos impor-tantes e terceirização do serviço público (Fórum de Defesa dosServiços e Servidores Públicos de Minas Gerais, 2013).

GESTÃO DEMOCRÁTICA: UMA REALIDADE DISTANTE

A gestão compartilhada e participativa pressupõe discussão cole-tiva visando à autonomia da escola, bem como o envolvimento da co-munidade escolar – principal interessada – no desenvolvimento daspolíticas educacionais, e é prevista tanto na Constituição da Repúblicaquanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Seu sentidoé ampliado no que tange ao espectro democrático, como bem argu-menta a professora Ana Carmem Muniz Mendonza:

A fundamentação da gestão participativa está na constituição deum espaço público de direito que promova condições de igual-dade, garanta estrutura material para serviços de qualidade e crieum ambiente de trabalho coletivo que vise à superação de um sis-

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tema escolar seletivo e excludente. Para tanto, faz-se necessáriocolocar em prática uma gestão que estimule a participação dos di-ferentes segmentos sociais, permitindo o trabalho de valorizaçãoda dimensão humana e proporcionando uma ação prática-cria-dora que explicite as contradições existentes no cotidiano do tra-balho. A gestão participativa prevê uma organização em quepredominam as decisões coletivas, sempre pensadas à luz de umcontexto mais amplo, que extrapolam os muros da escola. A par-ticipação dos diferentes segmentos na construção e decisão doprojeto político-pedagógico escolar no município não acontecede forma espontânea, mas sim, realiza-se a partir da conscienti-zação e perseverança de todos, bem como na criação de mecanis-mos de participação que viabilizem as intenções coletivas(Mendonza, 2011, [s.p.]).

Para Saviani (1996) a gestão democratizada da educação é respon-sável por garantir a qualidade da educação, pois deve ser entendidacomo um processo de mediação no seio da prática social global, por seconstituir em um mecanismo de humanização e de formação dos cida-dãos. A gestão da educação necessita ser vista a partir dos contextos so-cial, econômico, político e cultural.

O governo de Minas Gerais adota, desde 2003, a concepção deuma gestão centralizadora da política de educação, tanto no que tangeà administração escolar quanto na gestão das políticas educacionais. Se-gundo o sindicato da categoria, não há nenhum mecanismo de diálogocom a comunidade escolar, sendo que a mesma não é ouvida em relaçãoàs demandas da escola. O que se observa é que a gestão se encerra nassalas dos tecnocratas do governo e as escolas são submetidas às supe-rintendências, sem autonomia, com inspetores fiscalizando o trabalhodos professores, bem mais preocupados com os diários, as notas e as fo-lhas de ponto do que com a educação em si. A elaboração democráticados projetos pedagógicos e a melhoria do ensino ficam para últimoplano.

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O CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO: MONO-PÓLIO E CENTRALIZAÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 204, inciso II, as-segura a formulação e o controle das políticas públicas através da par-ticipação da população por meio das suas organizações representativas,em todos os níveis da Federação (união, estados e municípios).

Baseados nessa diretriz, os conselhos gestores de políticas públi-cas, instâncias criadas a partir da luta da sociedade civil no processo deredemocratização política brasileira, representam um espaço de partilhada gestão dessas políticas entre governo e setores organizados da socie-dade civil. Pressupõem cessão de soberania por parte dos governos,assim como um espaço amplo de democracia e de participação diretada sociedade brasileira.

Nesse sentido, os Conselhos Estaduais de Educação representamas instâncias de deliberação de políticas e de controle da educação noâmbito estadual. Para cumprir seu papel democrático, necessária se faza garantia de representação dos setores da sociedade civil diretamenteinteressados, como os trabalhadores da educação (setor público e pri-vado), alunos, pais, assim como demais segmentos sociais envolvidos natemática e comprometidos com a qualidade e o acesso à educação.

Conforme estudo elaborado pelo Sinpro Minas, baseado na com-paração de trajetórias e de instrumentos normativos dos Conselhos Es-taduais de Educação no Brasil, o Conselho Estadual de Minas Gerais éum dos menos democráticos do país, contrariando as diretrizes daConstituição Federal de participação direta e ampla da população naformulação de políticas públicas. O regimento interno do órgão não as-segura, por exemplo, a participação de representantes de pais, alunos etrabalhadores, diferentemente de outros estados brasileiros, onde os re-gimentos dos conselhos preveem a garantia de paridade na representa-ção. Outro aspecto a salientar é que a grande maioria dos membros doConselho em Minas representa interesses do setor privado de educação,demonstrando, assim, o descompromisso do governo mineiro com ademocratização e a transparência da instância.

Outra irregularidade apontada pelas entidades ligadas à educaçãoé a forma de escolha dos conselheiros. A nomeação para um mandato

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de quatro anos e a recondução ao cargo ficam a critério do governador.Para piorar a situação, a lei delegada 172 de Minas Gerais, de janeirode 2010, estabelece que os conselheiros não precisam mais passar pelasabatina dos deputados estaduais, como ocorria anteriormente, fragili-zando, ainda mais, o controle social do Conselho. Dentre os conselhosanalisados no país, é, também, um dos que apresenta o menor percen-tual de renovação de seus membros, consolidando assim seu caráterpouco democrático e de acesso restrito.

Dessa forma, cumpre salientar que se faz urgente e necessária ademocratização do Conselho Estadual de Educação, principalmente apartir das seguintes medidas a se tomar:

• Transformação do Conselho em uma política de Estado e autô-nomo da vontade política dos governos ou partidos para o seupleno funcionamento;

• Democratização da sua composição, assegurando uma partici-pação equânime que contemple todos os segmentos sociais en-volvidos na temática;

• Indicação direta dos segmentos sociais pelas suas entidades re-presentativas e não pelo governador do Estado.

• Condições necessárias para assegurar o caráter e a efetividadedeliberativa dos Conselhos (incluindo-se os municipais).

EDUCAÇÃO E DIVERSIDADE: UM ACESSO AINDAMAIS RESTRITO

A LDBEN, lei Nº 9394/96,8 preconiza o princípio da colaboração,quanto à organização dos sistemas de ensino, entre os entes federados,e exprime questões importantes sobre a necessidade de adequação dostempos, espaços, conteúdos e formas escolares quando se tratar da edu-cação indígena, na zona rural e em comunidades quilombolas.

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8 Cf. Artigos 26, 26A, 27, 32, 78, 79 da Lei Nº 9.394/96.

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Segundo levantamento realizado pelo Projeto Quilombos Ge-rais/CEDEFES (2006), 33% das comunidades quilombolas do Estado(49, do total de 147 comunidades) não possuem escolas até 4ª série pri-mária. A estrutura física, na maioria das vezes, é bastante precária. Mui-tas escolas funcionam ao ar livre, em prédios em péssimas condições ouem igrejas. Geralmente, em decorrência do pequeno número de alunos,as aulas são com turmas seriadas. A mesma situação se dá nas comuni-dades indígenas.

A formação do professor que leciona nas comunidades indígena equilombola e a proposta pedagógica do ensino estão muito aquém darealidade e da necessidade daqueles cidadãos. O professor, quando nãoé da comunidade, dificilmente consegue adentrar no mundo etnica-mente diferenciado dos alunos. Há algumas exceções, como a escola dacomunidade de Barro Preto, no município de Santa Maria de Itabira,onde há até um museu sobre a história do povo quilombola, organizadopelos próprios moradores. A quantidade de escolas até a oitava série di-minui em mais de 25%. Os problemas são os mesmos das escolas até a4ª série, mas a obrigatoriedade da implementação da Lei 10.639, queinclui o ensino da história da África e dos afro-brasileiros, ainda nãoacontece. Segundo o mesmo levantamento indicado anteriormente,91,4% das comunidades quilombolas não possuem escolas até 8ª série.

Os dados oficiais indicam que Minas Gerais possui um total de5.899 escolas rurais (1/3 do total de estabelecimentos de ensino), pre-dominantemente situados nas redes municipais. As escolas rurais e pe-quenas possuem bom desempenho, segundo as avaliações do SIMAVE.Das 500 escolas de mais alto desempenho em Minas, de acordo com oPROALFA (Programa de Avaliação da Alfabetização), 18,2% são esco-las rurais pequenas.

Contudo, a concepção pedagógica da grande maioria das escolasrurais brasileiras (incluindo as mineiras) desqualifica a cultura rural. Es-tudo coordenado por Maria José Carneiro, cujo público-alvo foram jo-vens rurais residentes em Nova Friburgo (RJ) e Nova Pádua (RS), indicaa educação regular como elemento estranho às suas vidas, embora com-preendida como necessária. O estudo revela, ainda, que após a 4ª sérieprimária o jovem rural que continua seus estudos regulares migra, emsua maioria, para a cidade. Procuram empregos como empregados do-

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mésticos, no pequeno comércio ou na construção civil. Nas pesquisasrecentes, a velha tradição de o filho mais novo ficar no meio rural já co-meça a desaparecer. Fica quem possui menor vocação para o estudo. Esseestudo revela que 83% dos jovens entrevistados informaram que nãogostariam de permanecer na atividade agrícola, porque é um trabalhopouco rentável, sem futuro, instável, sem recompensa, duro, pesado e sujo.

O currículo e a organização do tempo das escolas rurais regularesé todo urbano, não respeitando a lógica da agricultura, os valores, ostempos (como a época da colheita, que ocorre em maio e junho, sendoeste último o mês tradicional das festas rurais, absolutamente descon-siderada no calendário oficial).

A única proposta diferente em Minas Gerais é a iniciativa, de res-ponsabilidade da união, das Escolas Famílias Agrícolas, EFA’s. As 12 Es-colas Famílias mineiras atendem um total de 1.434 alunos, sendo 474nas séries finais do Ensino Fundamental e 960 no ensino Médio. Emmédia, cada escola atende 110 alunos, sendo eles, na sua maioria, filhosde agricultores familiares, meeiros, assalariados agrícolas e assentadosrurais. Apenas um pequeno percentual, em torno de 5%, são jovensoriundos de famílias de médios agricultores. Essas escolas envolvem,indiretamente, no seu projeto educativo, uma média de 2.150 famíliasde agricultores, em 240 comunidades rurais de 43 municípios.

O número de monitores envolvidos nas experiências educativasdas Escolas Família Agrícola em nosso Estado encontra-se, atualmente,em torno de 109 profissionais que atuam no Ensino Médio e Funda-mental, sendo 55% do sexo masculino e 45% do sexo feminino. A for-mação profissional desses monitores é bastante diversificada, variandoentre as áreas de Ciências Humanas, Ciências Exatas e Ciências Agrá-rias. A maioria dos monitores apresenta uma formação em nível médio,sendo que apenas 41% possuem nível superior.

Em Minas Gerais, decreto do governador do Estado (43.978, de2005) regulamentou a Lei 14.614, de 2003, que institui o programa deapoio financeiro à escola família agrícola de Minas Gerais, e autorizoua Secretaria de Estado de Educação a conceder bolsa a alunos matricu-lados em escolas famílias agrícolas do de Minas Gerais. A SEEMGanunciou, em 26 de novembro de 2008, que a bolsa para os alunos dasEscolas Família Agrícola (EFA’s) seria reajustada no ano de 2009. O

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novo valor teria como base o Fundo Nacional de Desenvolvimento daEducação (Fundeb) e deveria aumentar os repasses em mais de 30%para o Ensino Fundamental e em mais de 46% para o Ensino Médio. AAssociação Mineira de Escolas Família Agrícola (AMEFA) divulgou queo custo do aluno da EFA é de R$ 3,3 mil por ano e que seriam necessá-rios cerca de R$ 524 mil para a aplicação na infraestrutura das escolas.Entretanto, o reajuste só aconteceu no ano de 2010, através da resoluçãoda SEE 1585/2010, que estabeleceu o valor da bolsa em R$2034,18 parao aluno de tempo integral do Ensino Fundamental.

EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: A PRIVATIZAÇÃO DE UM DIREITO PÚBLICO

No que tange à educação profissionalizante, o Estado não privi-legia uma qualificada formação inicial para o trabalho. Como se sabe,Minas Gerais não possui uma rede estadual própria de ensino técnico-profissionalizante. O governo optou pela terceirização e a privatizaçãodireta dessa modalidade de ensino. O Estado se isenta de elaborar cur-rículos de educação profissional que atendam a necessidade de formaros jovens para o exercício do direito ao trabalho, respeitando as exigên-cias de desenvolvimento nacional e regional e estimulando as vocaçõesprodutivas regionais.

Para um programa que teve um investimento previsto para a edi-ção 2011 de R$119.937.149,26 e que pretende ultrapassar a marca de168 mil jovens atendidos com investimentos de R$439 milhões, o go-verno deveria observar:

• A elaboração de currículos próprios de Educação Profissionalcom formação direta para o exercício da atividade profissionalobservando a demanda regional;

• A criação de uma rede de educação profissional pública no Es-tado de Minas Gerais, abolindo a terceirização dessa modalidadee o repasse de recursos públicos para as instituições privadas.

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EDUCAÇÃO SUPERIOR: UMA UNIVERSIDADE DEFATO?

A Educação Superior em Minas Gerais sofre um grave processode sucateamento. Sabe-se que a compatibilização almejada no PlanoDecenal de Ensino do Estado de Minas Gerais (2011) ocorre a partirdo diálogo estreito entre Educação Básica e Educação Superior, já quenos quadros da segunda são formados os professores que atuarão na pri-meira. Porém, o diálogo entre a Secretaria de Estado de Educação e aSecretaria de Estado de Ciência e Tecnologia não está estabelecido.

As metas propostas no Plano Decenal parecem não se atentar àspossibilidades concretas e à série histórica de ações públicas. Uma ilus-tração é a sugestão de provimento, até o final da vigência desse Plano,da oferta da Educação Superior para 100% (cem por cento) dos con-cluintes do Ensino Médio e, pelo menos a 30% (trinta por cento) dosjovens de 18 a 24 anos, garantindo igualdade de oportunidades e equi-dade. Contudo, o investimento feito nas Universidades Estaduais mi-neiras ainda é muito pequeno, inviabilizando qualquer possibilidade dese atingir a meta de oferta da Educação Superior em 100%.

A União tem investido muito mais do que o Estado na aberturade novas Universidades Federais (inclusive em território de risco comoo Vale do Jequitinhonha e Mucuri), enquanto Minas Gerais tem na re-gião a Unimontes, que com mais insumos do governo de Minas poderiacumprir mais alargadamente o seu papel. Enquanto a União cria oPROUNI, o REUNI e outros programas de bolsas e de expansão doEnsino Superior oferecendo possibilidades a milhares de alunos de in-gressar nas Universidades, a UEMG, criada há 20 anos pela Consti-tuinte Mineira, aguarda a construção do Campus de Belo Horizontenos terrenos da Cidade Nova. Sendo universidades públicas, gratuitase de excelente qualidade, essas Universidades Estaduais poderiam somarsuas ofertas às das federais e particulares, expandindo o leque de possi-bilidades na capital, onde a UFMG não consegue atender toda a de-manda por educação pública e no interior, através de campi regionaispúblicos, de cursos fora de sede, da criação de novos cursos, além deuma grande expansão do ensino a distância.

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Entretanto, em Minas a situação da UEMG é confusa, tendo emsua rede incorporadas instituições privadas em diversas cidades, que,porém, usufruem de equipamentos públicos para o seu funcionamento.Os indicadores de produção em Ciência e Tecnologia da UEMG e daUnimontes não são comparáveis às análogas UERJ e USP, além da de-fasagem salarial e do Plano Carreira dos docentes da Educação Superiorem Minas Gerais. Nota-se um grande número de professores nasituação de designados, conforme visto na seção “O trabalhador daeducação em Minas: desvalorização e desestímulo”, que compõem emlarga escala o quadro de docentes da UEMG. Com relação ao PlanoDecenal de Educação do Estado de Minas Gerais, é flagrante que aparte da Educação Superior é mais frágil e menos propositiva,explicitando, portanto, o desinteresse do Governo do Estado por essenível de ensino.

A partir do ano de 2013, percebe-se, frente às pressões dossindicatos das categorias, uma tentativa de ampliação da Universidadedo Estado de Minas Gerais (UEMG) e das condições do Ensino Superiorcom ações conjuntas de discussão entre a Assembleia Legislativa doEstado de Minas Gerais e a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia– ainda que sem o convite ao sindicato da categoria, SindUEMG, para ademocratização do diálogo. As projeções de conclusão do encampamentoe estadualização de algumas unidades, a implantação da UniversidadeAberta Integrada (UAI Tec), bem como o estabelecimento de um efetivoPlano de Carreira, está previsto para o início do ano de 2014. Porém,nenhuma ação concreta, até a presente data, tem sido observada nessesentido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação em Minas Gerais apresenta então uma proposta ina-dequada e que descumpre a universalização do direito social legalmenteconstituído. Direito este indisponível por parte do cidadão e dever doEstado, que nos últimos 10 anos de gestão do Estado de Minas Gerais,por opção ideológica de seus governantes, não tem garantido o cum-primento deste dever do estado.

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Este artigo apresentou uma análise das políticas de educação deforma a argumentar a respeito do descumprimento do dever de univer-salização do direito à educação no estado de Minas Gerais.

Nesse sentido, é importante observar que em todos os níveis emodalidades de educação, previstas em lei infraconstitucional, há umsucateamento e uma opção de gestão que impossibilita a garantia de umprocesso de qualidade da educação estadual.

Ao adotar um projeto de mercado, o governo de Minas Geraistraz consequências extremamente complicadas para o processo educa-tivo, desvalorizando o profissional da educação, impedindo a democra-cia e autonomia na gestão das escolas e sucateando a infraestruturamaterial e pedagógica. Esta escolha leva necessariamente ao descum-primento do direito constitucional da educação de qualidade aos cida-dãos mineiros.

Partimos de algumas propostas para tentar alcançar a universali-zação e a democratização da educação em Minas Gerais como um di-reito constitucionalmente assegurado:

• Aumento do investimento em educação no valor de 1% do Pro-duto Interno Bruto (PIB) de Minas a cada ano, nos próximos 10anos, sem prejuízo do percentual já previsto em lei;

• Extinção imediata da política de focalização – como as Escolas-referência – adotando estratégias universais de qualidade paratodo o sistema;

• Valorização dos Educadores da Rede Estadual com implantaçãodo piso salarial nacional dos professores;

• Realização de concursos públicos periódicos para preenchi-mento de vagas;

• Garantir a formação continuada dos profissionais em educaçãodentro de sua jornada de trabalho;

• Gestão Participativa em todo sistema;

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• Investimentos e políticas públicas para diminuir desigualdadesregionais;

• Garantir o atendimento da alimentação escolar de qualidade;

• Desenvolver, ampliar e implementar programas de formaçãocontinuada, em serviço, para todos os profissionais da educação;

• Garantia aos profissionais da educação do ingresso, permanênciae conclusão gratuitas em curso superior de graduação, pós-gra-duação, mestrado e doutorado com liberação remunerada;

• Reduzir o número de servidores com contrato temporário narede pública;

• Garantia dos padrões de atendimento do Ensino Médio, abran-gendo os aspectos relacionados à infraestrutura física, ao mobi-liário e equipamentos, aos recursos didáticos, ao número dealunos por turma, conforme legislação vigente, à gestão escolare aos recursos humanos indispensáveis à oferta de uma educaçãode qualidade.

• Atendimento de toda a demanda para o Ensino Médio dos alunosconcluintes do Ensino Fundamental regular ou de Educação deJovens, Adultos e Idosos e de todos que desejem retomar os es-tudos nesse nível de ensino, em todos os Municípios mineiros.

• Implantar mais escolas de Ensino Médio no campo e desenvol-ver um currículo adaptado à realidade da população do campo.

• Atualizar, com a participação da comunidade escolar, os projetospolítico-pedagógicos em todas as instituições de ensino;

• Criação de uma rede estadual própria – pública, gratuita e dequalidade – de ensino técnico-profissionalizante, absorvendo ademanda estadual e rompendo com a terceirização da oferta devagas nessa modalidade de ensino.

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• Democratização da composição do Conselho Estadual de Edu-cação (CEE) com participação equânime de todos os segmentossociais envolvidos com a educação;

• Garantia da efetiva implantação das disciplinas de Filosofia eSociologia no currículo regular do Ensino Médio, em toda arede estadual e municipal, com professores habilitados e con-cursados nas respectivas áreas;

• Garantia dos padrões de atendimento da educação de jovens,adultos e idosos, abrangendo os aspectos relacionados à infra-estrutura física, ao mobiliário e equipamentos, aos recursos di-dáticos, ao número máximo de 25 alunos por turma, à gestãoescolar democrática e ao planejamento pedagógico, ao currículo,à organização do tempo escolar e aos recursos humanos indis-pensáveis à oferta de uma educação de qualidade.

• Exigir que a Secretaria de Estado de Educação e as SecretariasMunicipais de Educação elaborem, com a participação das es-colas públicas, planos anuais de trabalho, em consonância como Plano Nacional de Educação, o Plano Decenal de Educaçãode Minas Gerais e os respectivos Planos Decenais Municipaisde Educação, assegurando o cumprimento de suas metas, a di-vulgação antes do início de cada ano letivo e a criação de fórunspermanentes de discussão e avaliação, com representação detodos os segmentos da educação.

• Que as secretarias municipais e a SEE divulguem, trimestral-mente, as aplicações dos recursos do Fundeb, salientando as ati-vidades do Conselho perante as instituições da educação e asociedade civil organizada.

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REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996.

FREIRE, Paulo. Política e educação. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

FÓRUM DE DEFESA DOS SERVIÇOS E SERVIDORES PÚBLI-COS DE MINAS GERAIS. Manifesto de criação. Ouro Preto,2013.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Os circuitos da história e o balanço da educaçãono Brasil na primeira década do século XXI. Conferência de Aberturada 33a Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação ePesquisa em Educação (ANPEd). Caxambu-MG, 17 de outubro de2010.

MENDONZA, Ana Carmem Muniz. Uma abordagem sobre gestão demo-crática. 2011. Disponível em: <http://www.webartigos.com/arti-gos/uma-abordagem-sobre-gestao-democratica/58108/#ixzz2SFqg1GXd>.

MINAS GERAIS. Lei Nº 14614, de 31 de março de 2003.

MINAS GERAIS. Decreto 43978, de 3 de março de 2005.

MINAS GERAIS. Decreto 44984, de 19 de dezembro de 2008.

MINAS GERAIS. Resolução SEE 1585, de 13 de maio de 2010.

MINAS GERAIS. Lei Nº 19481, de 12 de janeiro de 2011.

MOVIMENTO EDUCAÇÃO QUE QUEREMOS. Documento crí-tico ao Plano Decenal de Educação do Estado de Minas Gerais.2009

OLIVEIRA, Romualdo Portela de. O direito à educação na Constitui-ção Federal de 1988 e seu restabelecimento pelo sistema de Justiça.In: ANAIS DA XXI REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, Caxambu,setembro de 1998.

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REIS, Gilson Luiz. Dez razões para transformar a educação em Minas.Cartilha. 2010.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosó-fica. São Paulo: Cortez, 1996.

SILVA, Lourdes Helena da. Educação Rural em Minas Gerais: origens,concepções e trajetória da Pedagogia da Alternância e das EscolasFamília Agrícola. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 3, n. 1, p. 105-125, jan./jun. 2012.

SINDICATO ÚNICO DOS TRABALHADORES EM EDUCA-ÇÃO DE MINAS GERAIS. Radiografia da Educação Mineira. Pu-blicação Especial. 2009.

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Virgílio de Mattos

SEGURANÇA PÚBLICA E SISTEMAPRISIONAL: POR QUE PRENDER OS POBRES EM MINAS GERAIS VIROU

UM GRANDE NEGÓCIO?

INDISPENSÁVEIS PROLEGÔMENOS

Vivemos tempos sombrios. Vivemos tempos muitos sombrios, emque já ultrapassamos o vergonhoso número de meio milhão de presose presas no Brasil – sem contarmos aí os portadores mentais infratorese nem os adolescentes, tempo no qual o encarceramento total avançasem freios ou limites. Há quem festeje. Há quem ainda ache pouco. Háos que lucram com isso.

Mas esta é uma realidade que vem ganhando corpo e força nos úl-timos 30 anos; para sermos mais exatos, essa política nasce nos EUA ena Grã-Bretanha no início dos anos de 1980, com os governos neolibe-rais de Reagan e Thatcher. E não pode ser considerada uma terrívelcoincidência o fato de que a única intervenção estatal que admitem osneoliberais, dos quais os autodenominados sociais democratas, ou tuca-nos, são os maiores expoentes no país, seja o cárcere.

O mais trágico nisso tudo é que a única política pública que cres-ceu verdadeiramente nesses últimos 30 anos foi o encarceramento totalou o controle total, se vocês preferirem. Sempre da massa miserável dossem nada, sequer a esperança.

O curioso é que o Estado de Direito, ou Estado Democrático deDireito burguês, é quem vai permitir teoricamente a existência de umestado de contenção máximo para as chamadas, desde o século XIX, declasses perigosas. Aliás, melhor seria dizermos estado de polícia, em vez deEstado Democrático de Direito burguês.

A grotesca solução para tudo que se passou a enxergar no direitopenal a partir daí é deliciosamente explicada por Zaffaroni como a

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lógica do quitandeiro que não apenas é extremamente respeitávelcomo também impecável, e com a qual nós, penalistas, temosmuito o que aprender. Se uma pessoa vai a uma quitanda e pedeum antibiótico, o quitandeiro lhe dirá para ir à farmácia, porquesó vende verduras. Nós, penalistas, devemos dar este tipo de res-posta saudável sempre que nos perguntam o que fazer com umconflito que ninguém sabe como resolver e ao qual, como falsasolução é atribuída natureza penal (Zaffaroni, 2007, p. 184-185).

Desse exemplo, podemos até atualizá-lo, pois no Brasil não sepode mais comprar antibióticos sem receita médica, a regulamentaçãode tudo o que se sabe e o que não se sabe passa necessariamente pelodireito penal e suas teorias mirabolantes das prevenções (geral, especial,negativa, positiva) como se fosse possível imaginar e acreditar que antesde cometer uma conduta que a classe dominante vai definir como sendocrime, o autor consulte a lei penal para ver que tipo de pena é impostoe desista de cometê-lo...

Assim, a resposta penal a tudo que não é penal passou a ser admi-tida, querida e, sobretudo, incensada pela mídia.1 As necessidades bási-cas de habitação, educação, alimentação, saúde e “manejo” – como sefaz com os animais – do proletariado e subproletariado são “atendidas”pelo cárcere. O encarceramento passa a ser também uma oportunidadede negócios, sobretudo no que diz respeito às famigeradas parcerias pú-blico-privada ou patifarias entre a privatização do público naquilo quenão pode, jamais, ser privatizado e aqueles áulicos que lucram com isso.

Aqui é fundamental termos claro em que circunstâncias nascemas penas privativas de liberdade e a que e a quem se destinam. Elas nas-cem com o capitalismo e são extremamente necessárias e largamenteutilizadas para a domesticação dos corpos e das mentes. São revolucio-nárias a princípio, por mais estapafúrdio que isso possa parecer, poisafastam a punição do corpo (mutilações, torturas bárbaras como espe-táculo público que só termina com a morte) e passam a gerir e reger otempo como castigo e a exclusão como norma.

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1 O tristemente célebre trial by media, ou julgamento pela mídia. Antecipadamenteao julgamento legal, sem direito a defesa, quem dirá ampla. Sem direito a recurso.Cuja condenação é sempre certa e inapelável.

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A exclusão como forma de inclusão é algo difícil de entender, masfacílimo de explicar: a velha neutralização do criminoso. O processopenal utilizado como perda da paz. Excluir para incluir é um contras-senso, mas justificou-se isso, durante um largo tempo, com a falácia daspolíticas à ré: re-educar, re-inserir, re-moldar, re-adaptar, re-generarpelo cárcere. Nada mais popularesco (völkisch, “um discurso que subes-tima o povo e trata de obter sua simpatia de modo não apenas demagó-gico, mas também brutalmente grosseiro, mediante a reafirmação, oaprofundamento e o estímulo primitivo dos seus piores preconceitos”(Zaffaroni, 2007, p. 15). É o remédio possível e indicado para toda equalquer doença, quando as metáforas médicas passam a significar o“científico” nas questões sociais.

Conseguimos perceber, sem necessidade de muito esforço inte-lectivo, que o pan-penalismo vem precedido das campanhas midiáticasde pânico, cujo exemplo mais significativo tem sido o de usuários decrack, sustentado em poucas científicas – para dizermos de modo ele-gante – noções de “epidemia”, “esfacelamento da família”, “ameaça aoEstado” e outras bobagens que nos atacam cotidianamente como mi-ríades de pernilongos nas noites quentes de verão. Aqui também os quefarejam “oportunidades de negócios” em tudo também estão presentessob a denominação de “comunidades terapêuticas”, normalmente liga-das às seitas neopentecostais.

Por trás disso o famigerado direito penal atuarial, que sopesa va-riáveis como uma companhia seguradora, não importando se Republi-canos (EUA), Conservadores (GB) ou tucanos: a resposta penal estaráimpregnada do discurso das “soluções de mercado”, valores do “setorprivado”, cumprimento de “metas”, política de “gestão”, como se esti-véssemos sempre às voltas com as mercadorias vendidas ou vendíveisna quitanda do exemplo de Zaffaroni.

Acabar com os pobres. É assim que o encarceramento total lê anecessidade de erradicar a pobreza. Enquanto isso se vai lucrando coma gestão da miséria deles, via cárcere ou campos de concentração comreligião (comunidades terapêuticas) ou sem ela (hospitais psiquiátricos).

O chamado controle atuarial das questões sociais, este sim, pareceter ficado reduzido a um triste e trágico “caso de polícia”.

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Bastaria que se cumprisse a Lei de Execuções Penais (Lei n.7.210/54) para que tivéssemos uma verdadeira revolução de dignidadeem todo o sistema.

EXISTEM NÚMEROS CONFIÁVEIS? O QUE DIZEMOS NÚMEROS?

Os dados que podemos ter acesso e com eles trabalhar são aquelesque o Ministério da Justiça, através do Departamento Penitenciário(DEPEN) torna públíco anualmente em formato eletrônico.

Ainda que amplamente divulgado pela propaganda do Governodo Estado de Minas Gerais o chamado portal da transparência deveriase chamar portal “embaçado”. Não se consegue, ali, sequer determinaros gastos efetuados pela Secretaria de Defesa Social ou mesmo o relescusto de um preso por mês no Estado de Minas Gerais.

Apesar de áridos e mudos, os números nos proporcionariam umareflexão produtiva e eloquente. Há 118 unidades prisionais2 em MinasGerais, embora para a totalização dos presos haja um inexplicável balletde números.

Se se cotejam os números do Estado de Minas Gerais com aquelesapresentados pelo Ministério da Justiça,3 podemos observar que ao con-trário do que diz a propaganda do Governo do Estado, os números depresos em unidades prisionais da polícia civil (delegacias de polícia e ca-deias públicas) é praticamente a metade do total geral.

Obviamente que temos um subdimensionamento dos números re-lativos às medidas de segurança,4 que parecem fazer coro à velha má-

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2 Disponível em: <https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_con-tent&task=view&id=288&Itemid>. Acesso em: 22 mar. 2013.

3 Exemplificativamente aqueles apresentados em página eletrônica atinentesa dezembro de 2011.

4 Conferir nosso Sem rumo e sem razão – mapeamento dos cidadãos submetidos àmedida de segurança em Minas Gerais, editado pelo Conselho Regional dePsicologia/Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Li-berdade, Belo Horizonte, em 2011.

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xima do interior da cadeia de que preso só faz falta na hora da contagem.O louco infrator parece não fazer falta sequer na hora da contagem.

Se compulsarmos o total por profissão, em que temos claro que aposição de contenção é infinitamente superior (eram 11.316 AgentesPenitenciários no final de 2011) às demais, percebemos, ao contráriodo que diz a propaganda, que há um baixíssimo número de profissionaisda saúde; observe-se: Enfermeiros, 46; Auxiliar e Técnico de Enferma-gem, 309; Psicólogos, 153; Dentistas, 51; Médicos, Clínicos Gerais, 46;Médicos, Ginecologistas, 2; Médicos, Psiquiatras, 22.

Ainda de acordo com a mesma fonte, em Minas pode-se desenharo seguinte perfil, para uma população relatada de pouco mais de 40milpresos: a prevalência em relação à escolaridade (total de 23.305) é o En-sino Fundamental incompleto. As penas até quatro anos também sãoprevalentes (7.008); e quanto ao tipo penal praticado, a acachapantemaioria é de crimes contra o patrimônio (18.571), seguido pelos alcan-çados pela lei de tóxicos (7.295). O intervalo etário é o de 18 a 24 anos(12.798); e esses jovens são predominantemente pardos (18.452).

O país, sempre de acordo com a mesma fonte, apresentava (os dadosreferem-se a dezembro de 2011) 541.582 presos para uma população de190.732.694, o que nos dá o apavorante índice de 269,79 por 100mil.

Destes, 3.247 está cumprindo medida de segurança de internação,o que é absolutamente inconstitucional.5

O sistema prisional conta com 1.103 psicólogos, o que nos dá umamédia de um psicólogo para grupo de 500 presos. São apenas 467 ad-vogados, ou um profissional para cada grupo de 1200 presos aproxima-damente. São 221 psiquiatras (esse número não confere se cotejamos oquadro nacional). Convenhamos que já é um grupo relativamentegrande para medicalizar a massa carcerária em consultas que, na maiorparte das vezes, o médico vê o paciente da porta do consultório.

Existem 32 manicômios judiciários, eufemicamente apelidados,desde 1984 (Lei. 7.209), de hospitais de custódia e tratamento psiquiá-trico. À luva Foucault para o hospital que gera doenças, para a cadeiaque gera crimes.

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5 Cf. Os novos direitos dos portadores de sofrimento mental, na página eletrônica do Con-selho Federal de Psicologia.

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À MODO DE CONCLUSÃO

O Governo do Estado de Minas Gerais, em suas três últimas ges-tões tucanas, avançou para trás em termos de segurança pública e, prin-cipalmente, em termos de sistema prisional. Embora o gasto tenha sidoenorme, sobretudo na propaganda.

Prendeu mais e de modo pior, concentrando seus esforços emfazer parecer que em Minas vivia-se em uma ilha de tranquilidade,quando, na verdade, as tempestades metafóricas de crimes nem tantoaçoitam os corações e as mentes. O aumento do número de crimes vio-lentos é sempre objeto de um contorcionismo midiático, até que sedeixe, enfim, de tocar no assunto. O medo invadiu os lares e umapolítica midiática de “salve-se quem puder, se puder” tomou conta detodos os homens e mulheres de bens, que insistem em ver no outro(geralmente pobre, negro ou pardo e morador de vilas e favelas) ogrande satã.

Ninguém diz absolutamente nada sobre as elites empreendedorasque ganham, que lucram com o encarceramento massivo dos sem nada.E a política do tudo penal, já parece não admitir discussão e, sequer, ar-gumentação contrária. Brada que a lei penal é branda demais; acabar comessa bobagem de progressividade no cumprimento da pena privativa de liber-dade, e outros absurdos de mesma origem: lucro a qualquer preço, sepossível a baixo custo.

É sempre bom poder mencionar a pesquisa acadêmica, do tipoque suja as mãos e os pés no contato direto, quer seja ele com o preso,quer seja com seus carcereiros, a solução de senso comum, mesmo elaé aqui inafastável, sob pena de que o ideal encarceratório continue avan-çando:

A reinserção não é feita na prisão. É tarde demais. É preciso in-serir as pessoas dando trabalho, uma igualdade de oportunidadesno início, na escola. É preciso fazer a inserção. Que façam socio-logia, tudo bem, mas já é tarde demais (Guarda carcerário da pri-são central de Paris) (Wacquant, 2001, p. 120).

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Minas não tem feito senão mais do mesmo e do pior em termosde segurança pública (repressão localizada aos alvos comuns em temposneoliberais: os sem nada) e sistema prisional; leia-se encarceramentoem massa do subproletariado urbano.

Exemplificativamente, no Índice Penitenciário - 20096 para oEstado de Minas Gerais, temos nos indicadores quantitativos umnúmero de presos por 100.000 habitantes de 216,67; 8.035 era oefetivo de servidores penitenciários para uma população carceráriaabsoluta de 41.682.

Em todo o país, sempre de acordo com os dados do DepartamentoPenitenciário Nacional do Ministério da Justiça, com todas as unidadesda Federação, relativo ao mês de junho de 2012, apresenta umestarrecedor total de 549.577 presos e um índice de 288,14 por 100.000habitantes.

A política penalocêntrica traz consigo, e isso é pouco mencionado,também a contenção hospitalocêntrica dos denominados Hospitais deCustódia e Tratamento Psiquiátrico, apelido pomposo7 do velho mani-cômio judiciário, para contenção dos mais de 3.000 mil pacientes judi-ciários em regime de internação.8

Em junho de 2012 havia 71.679 agentes penitenciários e mais dedez mil apoios administrativos, causando espécie o baixo número de ad-vogados (551), inferior até mesmo ao número de funcionários terceiri-zados exclusivo para tratamento (sic) penal (1.831).

O número de policiais civis em atividade nos estabelecimentos pe-nitenciários é baixo (140), sendo prevalente o emprego do policial mi-litar (3.236), muitas vezes encarregado da própria gestão da unidade.

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6 Ministério da Justiça - Departamento Penitenciário Nacional, Sistema In-tegrado de Informações Penitenciárias – InfoPen, acesso eletrônico à páginano MJ. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEI-TEMID598A21D892E444B5943A0AEE5DB94226PTBRIE.htm>. Acessoem: 30 abr. 2013.

7 Por força da Lei n. 7.209/84, que reformulou a parte geral do Código Penalbrasileiro.

8 São mais de 700 aqueles em tratamento ambulatorial determinado judicial-mente.

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Vinte e oito mil e seis presos declararam-se analfabetos e acacha-pante maioria (228.627) alega ter o Ensino Fundamental incompleto.

Uma surpresa é haver mais de 50 mil presos, quase 10% do total,cumprindo até quatro anos, sendo o intervalo prevalente (88.369) o demais de quatro até oito anos. Quinhentos e noventa e nove estão con-denados a mais de 100 anos de pena privativa de liberdade, e de 30 até50 anos são 25.295 – ambos os intervalos a constituir inconstitucionale intolerável pena de caráter perpétuo.

O furto simples (art. 155, CP) ainda dá cadeia e prende muito;35.769 presos é o número confirmatório.

Cento e setenta e um presos por crimes ligados à lei de tortura(Lei. 9.455/97) e mais de 130 mil por comércio de substância ilícita im-propriamente denominada de entorpecente.

Cento e trinta e oito mil trezentos e sessenta e três presos situam-se na faixa de 18 a 24 anos. E quase 300 mil declaram-se pardos(210.171) e negros (81.602).

O Governo do Estado de Minas Gerais avança na propaganda eno inconfessável desejo de prender todos os pobres.

Ao arremate, oportuno Wacquant:

O estado apavorante das prisões do país, que se parecem mais comcampos de concentração para pobres, ou com empresas públicasde depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituiçõesjudiciárias servindo para alguma função penalógica – dissuasão,neutralização ou reinserção (...) condições de vida e de higieneabomináveis, caracterizadas pela falta de espaço, ar, luz e alimen-tação (...) aceleração dramática de difusão da tuberculose e dovírus HIV entre as classes populares (Wacquant, 2001, p. 11).

E você, que não está preso, o que tem feito para acabar de vez como modelo neoliberal de encarceramento em massa de todos os sem nada,ou quase nada?

Será que não poderíamos contar com você?

POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS E PRISÕES!

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REFERÊNCIAS

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Freitas Bas-tos/ICC, 2001.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro:Revan, 2007.

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Vanderlei Martini

QUESTÃO AGRÁRIA, REFORMA AGRÁRIA E VIOLÊNCIA NO CAMPO EM MINAS

QUESTÕES METODOLÓGICAS

O presente artigo tem como objetivo central resgatar, ainda quede forma sumária, os aspectos quantitativos e qualitativos da PolíticaAgrária no Estado de Minas Gerais e da Concentração Fundiária noPaís, no último decênio, relacionando com a permanência da violênciano campo. Pretende-se, também, que sirva de subsídio para debates po-líticos e de memória histórica, sistematizada, para ir compondo um qua-dro mais aproximativo da realidade agrária mineira.

Chamo a atenção do leitor que, numa reflexão prospectiva da Re-forma Agrária (vista como um conjunto de medidas que possibilitaria o“bem viver no campo”) dentro dos limites de um artigo como este, hádois equívocos comuns, não excludentes entre si; o primeiro é a “fugapara o futuro”, ou seja, é a ausência de atenção para as realidades atuais.Como diz Netto (1996, p. 88), “saltar para diante é, frequentemente,uma boa saída para escapar as dificuldades presentes”. O segundo é aespeculação, “converter a prospecção em operação especulativa”, ouseja, deter-se a análises que correspondem mais a vontade que a própriarealidade objetiva. Como militante social, em especial do Movimentodos Trabalhadores Sem Terra (MST), esses erros apontados podem nãoser estranhos, pois, razão e sentimentos não estão separados.

Em toda análise política devem pressupor a análise teórica, poisanálises equivocadas necessariamente levam a derrotas, embora o acertona análise em si não seja suficiente para garantir a vitória, porque estarequer, como condição subjetiva, povo organizado e em disposição deluta, e as condições objetivas, ou seja, conjuntura favorável. Noutras pa-lavras, não necessariamente um bom diagnóstico econômico determinauma ação política correta, pois percebemos que há vários autores queacertam no diagnóstico e erram na política, outros cometem o erro in-

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verso, erram na análise a certam na política. Por isso, como premissa,um balanço sério da Reforma Agrária deve ser feito em cima de dadosconcretos, da realidade concreta e de forma crítica, para seguir a boatradição marxista. É o que nos propomos neste pequeno ensaio.

INTRODUÇÃO

A questão agrária surge no Brasil quando os portugueses aqui che-garam e se apropriaram das terras, massacrando as populações aqui exis-tentes. Isso se agrava quando a terra se torna mercadoria, ou seja, apartir da primeira lei de terras de 1850 (lei n° 601), que estabelecia quesomente poderiam deter a posse da terra aqueles que comprassem e pa-gassem por ela. Para recordar, lembramos que a abolição, oficial, da es-cravidão veio somente 38 anos depois da publicação da referida lei.

Isso significa que, em 1850, somente poderiam “compra e pagar” aterra os brancos senhores de engenho, donos de comércio e da incipienteindústria, pois os negros eram escravos (os indígenas também), fato quenão os possibilitava dispor de salário ou acúmulo financeiro para “com-prar e registrar” a terra em seu nome. Assim, a lei de terras (Lei 601 de1850) transforma a Terra em propriedade privada de poucos.

Desde a invasão portuguesa (1500) até 1850, toda a terra era mo-nopólio da Coroa Portuguesa e não mais dos povos autóctones que aquihabitavam. Se o capitalista português que aqui se estabeleceu quisesseinvestir em algum produto agrícola, eles teriam a concessão de uso dedeterminado território com direito hereditário. Os nobres que vieramao Brasil poderiam substabelecer-se e transferir parte do território paraque outros pudessem explorar, desde que se comprometessem a produ-zir para exportação – 95% eram exportados à metrópole portuguesa.Não havia compra e venda de terra. A terra não era propriedade privadaou mercadoria, e o trabalho utilizado nas fazendas de açúcar, de extraçãode minério ou de madeira, era o escravo.

A lei de terras antecedeu o fim legal do tráfico de escravos, masnão o fim das classes, que ganhavam com o trabalho escravo. Não foiuma burguesia industrial antilatifundiária que aboliu o trabalhado es-cravo no Brasil, foi a própria classe senhoral, que se beneficiava dele,

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que, por pressão externa – da Inglaterra –, foi obrigada a lançar mãosao trabalho assalariado, que acabou se tornado mais rentável à nascenteburguesia brasileira.

A visão dual (ou desenvolvimentista, ou melhor, neodesenvolvi-mentista e neoliberal) acredita erroneamente que o desenvolvimentodo capitalismo resolverá o problema da pobreza e da desigualdade, nãopercebem que pobreza e desigualdade é resultado do desenvolvimentodo capitalismo. Andre Gunder Frank diz (in Stedille: 2005 é no livro Bou 2) que

o desenvolvimento econômico produziu o subdesenvolvimentocomo resultado do capitalismo mercantil (nos períodos coloniale imperial), e que aos poucos concentrou de forma extrema opoder econômico e político, e também o prestigio social, daí surgeo monopólio, que em seu sentido moderno refere-se a concen-tração em todo universalmente interconectado, que continua pro-duzindo desenvolvimento e subdesenvolvimento (Stedile, 2005b,p. 60).

Esse desenvolvimento simultâneo de riqueza e pobreza pode servisto dentro de um mesmo País como faces de uma mesma moeda.

O monopólio cumpre esse papel e cumprira cada vez mais; e é sa-bido que do monopólio da terra deriva outros vários monopólios. Em1950, 0,6% dos proprietários detinham 51% da terra e no outro campo81% dos proprietários tinham apenas 3% das terras agricultáveis. Hoje,segundo o último censo agropecuário, 1% dos proprietários tem 53%das terras agricultáveis, e isso só é possível porque um não existe sem ooutro. Karl Kautsky, em seu célebre livro, A questão agrária, apontavapara o fato de que

o capitalismo, ao penetrar nos campos, provoca o fenômeno daconcentração da riqueza, como ocorre na indústria. As grandes pro-priedades absorvem as pequenas e verifica-se a proletarização docampesinato, que não aguentam o peso dos impostos e das dívidascobradas pelos capitalistas e latifundiários (Kautsky, 1969, p. 9).

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Atualizando sua assertiva, a mais de um século de distância, diriaque os camponeses não aguentam o desdém dos governos em detri-mento das prioridades dadas à grande propriedade. A agricultura tendea ir perdendo espaço, caso não haja um programa de Reforma Agráriapara o setor industrial e de serviços.

A “Reforma Agrária é um conjunto de medidas necessárias, essasmudanças representam a criação de um novo modelo agrário e agrícolaque garanta desenvolvimento econômico, político e cultural para todaa população do campo e beneficie a população urbana” (Stedile, 2005c).Nessa perspectiva, é outro conceito que anda junto com a questão agrá-ria, mas somente ganha a dimensão nacional na década de 1950/19601

do século XX, ou seja, 100 anos depois da 1° lei de terras e de já terocorrido na Europa, EUA, Japão, etc. processos de Reforma Agráriaque ficaram conhecidos como clássicos. Isso porque, no período ante-rior, em primeiro lugar, não havia movimentos consolidados em âmbitonacional de luta pela terra e pela Reforma Agrária; as lutas eram locali-zadas; e em segundo lugar, as elites brasileiras conseguiram manter-seno poder fazendo as mudanças “pelo alto”, para usar uma expressão deFlorestan Fernandes, pois a partir de 1822 a 1890, deu-se a indepen-dência, com a implementação do regime monárquico foi se alterarandoradicalmente as estruturas econômicas e sociais, por cima, ou seja, man-tendo-se as mesmas elites dominantes.

Se examinarmos o Brasil da época colonial (1500-1822), éramosuma sociedade pré-capitalista, articulado com este através do mercadomundial, veremos que não existia sociedade civil forte; vivíamos sob oescravismo colonial. Não tínhamos parlamento nem partidos políticos,nem um sistema de educação que fosse além da catequese, nem o direitode imprimir livros; para Carlos Nelson, a independência (1822) resultoude uma manobra “pelo alto”, de um golpe palaciano, e não da partici-pação da sociedade civil; assim, a independência se fez por uma simplestransferência política de poderes da metrópole para o novo governo

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1 A primeira lei (lei n° 4.504) de Reforma Agrária no Brasil data de 30 de novembrode 1964. A lei trata do estatuto da terra, sete meses após o golpe. Lembramos tam-bém que Goulart havia anunciado no dia 30 de março um programa de reformaagrária que foi abortado pelos militares em 1° de abril.

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brasileiro – se fez à revelia do povo (Coutinho, 2005, p. 22). É nesseperíodo que a classe senhoral brasileira se afirma no poder e, posterior-mente, constitui seu próprio aparelho de Estado, o que ficou conhecidocomo República Velha, que teve início em 1890 e foi até 1930.

O termo “reforma agrária” surgiu na Europa, com o advento daRevolução Industrial, em meados do século XVIII, que possibilitou ace-lerar a produção de mercadorias e ampliar, abastecer o mercado interno,que logo encontrou um limite no poder aquisitivo da população, pois aterra estava concentrada nas mãos de poucos (fazendeiros/latifundiá-rios), que a usavam como reserva de valor; e a grande maioria da popu-lação camponesa encontrava-se na miséria absoluta. Habilmente, aburguesia industrial se apressou em defender uma reforma agrária, ouseja, a democratização do acesso à terra, e uma nova função para a terraque não como reserva de valor. Em outros termos, visando melhorar opoder aquisitivo dos camponeses para que pudessem comprar seus pro-dutos da indústria, a nascente burguesia industrial defendeu a demo-cratização do acesso a terra com intervenção do Estado, e desde entãoo conceito ficou conhecido e estritamente ligado com a posse e ao usoda terra. Assim, pode-se dizer que reforma agrária é o conjunto de me-didas (desapropriação de latifúndios improdutivos, crédito, seguro agrí-cola, garantia de preço, transporte e armazenagem dos produtos, lazer,saúde, educação, etc.) que possibilitem ao camponês viver bem no meiorural. No Brasil, quando se fala em questão agrária, o latifúndio estácolocado, pois, como viemos colocando em tela, este se consolidou em1850 e teve como marco inicial a 1° lei de terras.

Com as lutas dos posseiros em Minas Gerais, das Ligas Campo-nesas, das ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolasdo Brasil), do MASTER (Movimento dos Agricultores Sem Terra) e apromessa das reformas de base do governo João Goulart (1961-1964),etc., a reforma agrária ganha visibilidade no cenário nacional. Do pontode vista teórico, as primeiras sistematizações sobre o assunto começama aparecer, graças ao esforço teórico e ao comprometimento político demilitantes ligados aos movimentos sociais e partidos políticos da época,em especial do PCB. Hoje, a realidade é bem diferente que a de 60 anosatrás. Há uma infinidade de dados e estudos sobre a questão agrária e areforma agrária, tanto do ponto de vista dos governos, dos intelectuais,

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dos movimentos sociais, da imprensa, etc., que nos possibilita aprofun-dar nas análises.

No cenário econômico geral, era o auge do modelo de industria-lização que começara nos anos de 1930. As linhas prioritárias desse mo-delo de “modernização conservadora” eram conduzidas no interesse dosmonopólios, ou seja, grandes benesses ao capital estrangeiro e aos gran-des grupos nativos. Esse processo também atingiu por completo ocampo, dinamizando a ampliação da burguesia rural, reconcentrando apropriedade, arruinando o campesinato tradicional e integrado, sem eli-minar o latifúndio.

Mostrar a concentração da terra, considerando somente os pro-prietários e o número de estabelecimento, deixa fora os demais traba-lhadores rurais e não revela a trágica realidade da concentração da terra;como foi dito, já na década de 1960, 0,6% dos que viviam no campopossuíam 51% das terras agricultáveis. Isso é concentração monopolistada terra, pois, além disso, concentra o transporte, a distribuição comer-cial, o financiamento, a qualidade das propriedades, o controle dos ór-gãos públicos, etc., e permitem a exploração que produz odesenvolvimento e o subdesenvolvimento. Para André Gunder Frank,“o monopólio é, portanto, ubíquo na agricultura brasileira”; e continua,“para compreender a agricultura subdesenvolvida, devemos pesquisaro desenvolvimento deste subdesenvolvimento” (Stedile, 2005b, p. 72).

É somente a partir dos anos de 1930 que o Estado passa a colidircom interesses particulares do capital, mas no geral, atende aos interes-ses do capital e incorpora parte das reivindicações da classe trabalha-dora. Ele reprime os comunistas, mas incorpora parte de suasreivindicações. Isso foi uma constante na história do Brasil, e desde 1930o Estado e os governos reprimiram as organizações da cidade e docampo, mas concederem, em partes, direitos sociais ou políticos às mas-sas trabalhadoras e camponesas.

A função dos camponeses durante o modelo de industrializaçãoou da “modernização conservadora” era de disponibilizar mão de obrabarata para a indústria; pressionar para baixo o salário industrial atravésdo preço baixo dos alimentos e garantir matéria-prima para a indústria.

Como o leitor mais atento pode perceber, muita coisa mudou nosúltimos anos, do ponto de vista político, econômico e cultural em nosso

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país. No nível social se processa o desaparecimento de antigas classessociais, como é o caso do campesinato. Hobsbawm (citado em Netto,1996, p. 93) diz que a mudança social mais importante da segunda me-tade do século XX, e que nos isola para sempre do passado, é a “mortedo campesinato”; e apenas acrescentaria, como força política central.

Há também coisas que não mudaram. Nunca passamos por umprocesso de reforma agrária, embora na Constituição Federal de 1988,nos artigos 184 e 185, conste que toda a terra que não estiver cumprindocom sua função social deve ser destinada para fins de reforma agrária.Consta também que é de responsabilidade do Governo Federal as de-sapropriações,2 com “justa” indenização ao proprietário e que o INCRAé o órgão responsável para operacionalizar o comprimento da lei. Háanos o Brasil é o segundo país em concentração fundiária do mundo,3

mesmo com os aforismos de que aqui se processa a “maior reformaagrária do mundo”, ou “nunca na história deste país se assentaram tantasfamílias”, etc. etc. o fato é que os dados do último censo apontam queo índice de GINI4 é de 0.8, permanecendo inalterado já por um longotempo, e em alguns estados, até aumentou a concentração fundiária,como, por exemplo, Tocantins, São Paulo e Minas Gerais; e 47% dosestabelecimentos agrícolas ocupam 2,8% das terras, e essa concentraçãoproduz a expulsão da população rural, que hoje não ultrapassa os 17.4%que vivem no campo; aumento brutal do preço da terra no Brasil etransferência das terras brasileiras para mãos estrangeiras, etc.

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2 A desapropriação é o principal e mais clássico instrumento para o assentamentodas famílias Sem Terra. Primeiramente o governo avalia a área, se for improdutivavem o decreto presidencial e por fim a área é dividida em parcelas iguais para as fa-mílias. Isso claro a partir de análises técnicas do órgão responsável (INCRA) e comamparo institucional.

3 O Uruguai é o campeão de concentração fundiária. É o índice usado para medir a concentração da propriedade da terra; quanto maispróxima de um, maior a concentração.

4 A “Revolução Verde” foi implementada a partir da segunda metade do século XXna agricultura dos ditos países subdesenvolvidos e consistia em combinar variedadede sementes e matrizes de alto rendimento, no uso de adubos e “defensivos agrí-cola” (agrotóxicos) e na irrigação intensiva nas grandes propriedades.

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Um dos principais objetivos da classe dominante não é o uso daterra, mas impedir que outros a utilizem, para com isso manter baixosos salários no campo e na indústria, manter o exército industrial de re-serva e a dominação política de classe.

Como que para consolar os camponeses, o INCRA foi fundadoem 1964, e os camponeses, já no período de consolidação da ditadura(1964-1969), tiveram parte de seus direitos trabalhistas reconhecidosconstitucionalmente.

A RELAÇÃO ENTRE AGRONEGÓCIO E A QUESTÃOAGRÁRIA NO BRASIL

Para tratarmos da relação existente entre o agronegócio e a ques-tão agrária na atualidade, bem como dos seus entraves para a pequenaagricultura e os assentamentos rurais, caracterizaremos sinteticamentea denominação ou o conceito de agronegócio.

Agronegócio é uma aliança entre o capital industrial e financeirovoltada para o meio rural, com forte sustentação e apoio estatal e go-vernamental. Essa relação recíproca tem por objetivo ampliar os lucrose se apropriar do latifúndio atrasado. Segundo Guilherme Delgado,agronegócio, “na acepção brasileira do termo é uma associação dogrande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária” (Del-gado, 2010, p. 93). Ou seja, o agronegócio, no Brasil, é parte da ofensivageral do capital ao mundo do trabalho.

Podemos destacar como características principais do agronegócio(o monocultivo, a produção para exportação, o uso intensivo de agro-tóxicos, a alta tecnologia de maquinário e sementes, etc.). Esse modelode produção agrícola estabelece um conflito direto com a pequena agri-cultura e os assentamentos rurais.

A questão agrária atual apontada pelo Plano Nacional de ReformaAgrária identifica a concentração da propriedade da terra e o modelode desenvolvimento rural como promotor do duplo desemprego – daforça de trabalho rural e das terras controladas pelo agronegócio. Essemodelo, por um lado, descarta milhares de trabalhadores, e por outro,permite a concentração de terras improdutivas. Nessa perspectiva de

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análise temos dois fenômenos que dão conta da magnitude da questãoagrária atual, cito: a disponibilidade de terra e a demanda por terra.

Para Guilherme Delgado, as condições ligadas às estratégias doagronegócio na agricultura brasileira são, ao mesmo tempo, matriz damoderna questão agrária e representam um obstáculo ao desenvolvi-mento das forças produtivas da agricultura familiar e dos assentamentosda reforma agrária (Delgado, 2010, p. 106). A nova fase de expansão doagronegócio gera, ao mesmo tempo, uma ampliação do setor de sub-sistência, uma massa de trabalhadores desocupados e camponeses semexcedentes, descartados do novo processo de modernização técnica daagropecuária.

Uma proposta de reforma agrária e de desenvolvimento ruralque enfrente a questão agrária atual requer o abandono das prioridadesque beneficie o agronegócio, pois elas garantem a atual pobreza rural.Assim, os entraves e desafios apresentados aos camponeses vão além desuas fronteiras estaduais e nacionais e da defesa corporativa da terra,pois o problema central no campo é a disputa de modelos que coloca,de um lado, a reforma agrária e o ser camponês, e do outro, a agrone-gócio.

A POLÍTICA AGRÁRIA E A CONCENTRAÇÃOFUNDIÁRIA EM MINAS GERAIS NO PRIMEIRO DECÊNIO DO SÉCULO XXI

Há um consenso na maioria dos estudiosos da questão agrária,não sem algumas nuances entre si, que a consolidação da reforma agrá-ria não depende somente do Governo Federal e da mobilização doscamponeses e da sociedade em geral. Os estados e municípios tambémsão atores importantes nesse processo de consolidação dos assentamen-tos que beneficia diretamente os camponeses e indiretamente a toda apopulação brasileira que disporia de produtos mais baratos e de melhorqualidade em sua mesa.

Desde a colonização brasileira, o Estado de Minas Gerais temcumprido o papel de exportador de matéria-prima para as metrópolesdo mundo. De suas minas saíram grande parte do ouro e do diamante

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que serviu para enfeitar os pescoços e os dedos da nobreza europeia,além de engordar seus cofres e garantir sua opulência.

Hoje, o cenário atual não é tão diferente, continuamos engor-dando outros cofres que não os de nossa população, e as desigualdadespermanecem marcantes. Fruto do processo do aprisionamento da terrapelo grande capital, em Minas há 415 mil famílias sem-terra, destas, emmais de 100 acampamentos, debaixo da lona preta, cerca de 12 mil fa-mílias estão acampadas à espera da reforma agrária. Na fazenda Ariadi-nopolis, localizada no município de Campo do Meio, no Sul de Minas,cerca de 400 famílias esperam pelo assentamento há mais de 14 anos.Os dados mais recentes da Superintendência do INCRA-MG apontamque o estado possui 13.595 famílias assentadas em mais de 290 projetosde assentamento com aproximados 604 mil hectares de terra. Nos últi-mos, a meta estabelecida pelo Governo Federal para a superintendênciado INCRA de Minas Gerais foi a de assentar 15.680 mil famílias, e des-tas, apenas 3.625 mil famílias foram assentadas, ou seja, 23% da metaforam cumpridas. Esses números consideram assentamentos novos cria-dos sem subterfúgios ou maquiagem dos números. E nenhuma famíliafoi assentada pelo governo do Estado, seja no período dos oito anos deAécio ou nos dois anos do atual governo Anastásia.

A EMATER, órgão que deveria prestar assistência técnica às famí-lias que vivem no campo, não tem cumprido com sua função; atende aosinteresses das grandes empresas do agronegócio através da propaganda evenda de seus “fertilizantes” e não acompanham sistematicamente aque-les que mais necessitam de apoio técnico. Isso faz com que muitas famíliasnunca recebessem, por parte do Estado, qualquer orientação técnica parao manejo de sua pequena parcela de terra. Claro que há as honrosas ex-ceções, mas no geral, os técnicos da EMATER, no cumprimento daorientação institucional, defendem e potencializam as atividades do agro-negócio em detrimento da pequena e da média agricultura.

As empresas (inclusive transnacionais) perceberam o filão do Es-tado, que ainda tem muito latifúndio e compram cada vez mais terrasou ganham como contrato de concessão uso por 20 ou 30 anos. São 1,5milhões de hectares plantados de eucalipto – a maior extensão do Brasil.A empresa Vale nasceu em Minas, e aqui segue explorando a mineração,deixando a devastação ambiental.

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E os fazendeiros rearticulam a violência, amparados pela impuni-dade de crimes com repercussão nacional, como a Chacina de Unaí (28de janeiro de 2004) e o massacre de Felizburgo, de 20 de novembro domesmo ano, que completam oito anos em 2013.

O MODELO DO AGRONEGÓCIO CONTRA AREFORMA AGRÁRIA E A PEQUENA AGRICULTURA

Atualmente, o latifúndio possui novos contornos; não obstante,com medo da desapropriação de seus imóveis improdutivos que nãocumprem a função social, conforme determina a Constituição Federal,se escondem na propaganda do agronegócio vinculadas na grande im-prensa.

Em Minas, a reorganização do capital, que prioriza o investimentoem grandes projetos, como a Copa, o PAC, a transposição do rio sãoFrancisco, a construção de dezenas de hidrelétricas, grandes usinas paraetanol, etc., tendo o Estado como principal investidor, vem promovendoa reprimarização da economia e a desindustrialização. O chamado agro-negócio surge com a imposição de uma política agrícola que pregava a“modernização” do campo na remota década de 1960 e 1970. O objetivofoi permitir que grandes empresas do capital internacional introduzis-sem insumos químicos e implementos agrícolas no mercado brasileiro,obtendo grandes lucros e nos tornando dependentes de um “pacote”tecnológico – a chamada “revolução verde”5. A Revolução Verde, emsua base tecnológica, era um conjunto de técnicas, que reunida, deviaser recomendada aos produtores rurais como mecanismo de aumentara sua produtividade agrícola; simplificadamente, eram sementes melho-radas (híbridas, para estabelecer a dependência dos agricultores emcomprar sementes em todas as safras), adubos químicos, mecanização eos venenos de maneira geral (herbicidas, fungicidas, inseticidas, nema-ticidas, etc). Nesse mesmo período, o Congresso norte-americano e oprograma do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA) resolvem

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5 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IBGE realiza o levantamento dedados a cada 10 anos, o último foi feito em 2006 e publicado em 2009.

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apoiar a criação do sistema EMATER e EMBRAPA para adequação edifusão da tecnologia da “revolução verde”.

Assim, especialmente na região do Triângulo Mineiro e Alto Pa-ranaíba, a Jica (Japan International Cooperation Agency), por meio doPrograma de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER), promoveuas atividades do complexo agroindustrial, ou seja, o ecossistema docerrado e a pequena agricultura deram lugar a extensas áreas de mono-cultivo do café, da cana-de-açúcar, da soja e dos maciços homogêneosdo eucalipto e pinos. Esse processo, além de elevar o preço da terra,gerou exclusão social, destruição do meio ambiente e concentração deterra e renda.

As extensas plantações de soja, café, cana, eucalipto e pinos con-taminam com agrotóxicos e secam as nascentes dos rios e o lençol freá-tico. Segundo os dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária(ANVISA), em 2009, o Brasil contava com 2.195 marcas de agrotóxicosregistradas; e neste mesmo ano, foram consumidos 789.974 litros deveneno; em 2010 atingimos a marca de um bilhão de litros, fazendocom que, nesse período, o Brasil se transformasse no maior consumidorde veneno do mundo, ultrapassando os Estados Unidos. Em Minas, pra-ticamente todas as áreas do agronegócio fazem o uso indiscriminada-mente de agrotóxicos, com o apoio do Estado e dos órgãos do governo.O agronegócio é também responsável pelo confinamento dos campo-neses (geraizeros, vazanteiros, barranqueiros) nos grotões das encostasdo Chapadão, como é o caso no Norte mineiro. A destruição é tamanhaque hoje não existe mais nenhuma faixa contínua de Cerrado no estado.As características geofísicas da região, com seus ecossistemas de Cerradoe Caatinga, seu clima semiárido e as precárias condições de vida damaior parte da sua população, assemelham-se às características predo-minantes no Semiárido brasileiro.

Os projetos governamentais implantados, nessa região, a partir dadécada de 1970, consolidaram um modelo de exploração calcado nosmonocultivos e nos grandes projetos de irrigação. Esse modelo de de-senvolvimento privilegiou o setor empresarial e as grandes fazendas,acentuando os desequilíbrios regionais e piorando as condições de vidada população. As políticas públicas voltadas ao desenvolvimento eco-nômico beneficiam esses setores, enquanto para a população mais em-

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pobrecida são criadas políticas compensatórias e assistencialistas quenão mudam o dramático quadro social da região.

No último censo agropecuário do IBGE,6 o Estado de Minas Ge-rais possuía 51,8 %, aproximadamente 1,5 milhões de hectares de áreaplantada de eucalipto, boa parte em terras devolutas cedidas pelo Estadoa empresas particulares com contratos de até 20 anos vencidos ou a ven-cer, especialmente no Norte de Minas ou em terras devolutas que foramregularizadas em nome das empresas, como é o caso dos municípios doVale do Aço. Isso faz com que Minas ficasse conhecida como as “minasde ouro” das empresas transnacionais.

DA LUTA PELA TERRA AO ENFRENTAMENTO COM O CAPITAL

Minas Gerais está sendo dominada pelas empresas de mineração,de celulose e pelas usinas de álcool. Na região do Triângulo, o que pre-domina são as grandes usinas de álcool para produzir etanol, para abas-tecer os carros dos europeus. O centro do Estado, o Leste e o Nordesteestão sendo dominados pela plantação de eucalipto. A Aracruz pretendenos próximos anos comprar na região Leste, em Governador Valadares,158 mil hectares de terras. A Veracel está comprando todo o Vale doJequitinhonha, e vão destinar mais de 100 mil hectares de terras para aplantação de eucalipto. A Cenibra – empresa com capital japonês queatua no Leste Estado – tem 400 mil hectares de terras com eucalipto.Se juntarmos somente essas três empresas, são 600 mil hectares de terrasdisponibilizadas para o eucalipto. Para compararmos, hoje temos 13,5mil famílias em 600 mil hectares de terras, depois de 25 anos de lutaspela terra, e apenas três empresas têm essa mesma quantidade, sem sa-crifício algum e em poucos anos. Assim, vimos uma concentração muitogrande das terras mineiras nas mãos de empresas, inclusive com capitalinternacional.

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6 O PNRA foi apresentado ao presidente Lula no dia 23 de novembro de 2003 pelaequipe de estudiosos da questão agrária e de reputação conhecida em defesa da reformaagrária, coordenados pelo professor Plínio. O governo não aceitou o plano, preferiudar continuidade na política de assentamentos de FHC e priorizar o agronegócio.

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Minas Gerais é o estado que mais tem eucalipto plantado da Fe-deração brasileira, e 82% da celulose que é produzida no Estado sãopara exportação, e 18% é para alimentar os fornos da Vale, para fazer oferro-gusa; e para exportar, as empresas usam os trens da Vale, para oPorto Tubarão, no Espírito Santo. Assim se consolida a parceria. As em-presas fornecem o carvão para a Vale, que oferece o transporte da celu-lose até o porto.

A Vale é a maior empresa em atuação no Estado de Minas Gerais.Nenhuma outra empresa tem o tamanho do capital e da receita da Vale.É uma das empresas que mais tem terra, seja para a plantação de euca-lipto, seja para a extração de minério. E também que mais se beneficiadas riquezas naturais do estado. Paga pouco royalties, cerca de 4% e sebeneficia da lei Kandir para a exportação, de 1996 (feita por FHC), queisenta do pagamento de ICMs todos os produtos brasileiros destinadosà exportação. Esse imposto, se fosse arrecadado, deveria ir para os esta-dos, passou a ser creditado como dívida do Governo Federal, mas queaté hoje não tem clareza de como proceder diante do fato consumado;e os governos estaduais utilizam ora para disputa política, quando con-vém, com o Governo Federal, ou para acertos políticos e apoios de cam-panhas estaduais.

A Vale, com o total apoio do Governo Estadual, deixa, por causada extração do minério, como problemas para os mineiros a poluiçãodas águas, a destruição do solo e as crateras. Por exemplo, a cidade deItabira, onde nasceu a Companhia Vale do Rio Doce, a 100 km de BeloHorizonte, é uma cidade de 100 mil habitantes e tem o mesmo nível depoluição da cidade de São Paulo, que tem mais 10 milhões de habitantese a maior frota de carros do Brasil. Isso está demonstrado em um estudoda Universidade de São Paulo (USP), que mostrou que a poluição dacidade é a responsável por graves problemas respiratórios dos seus ha-bitantes. A Vale é a empresa mais territorializada, estando presente em16 estados. A Syngenta, por exemplo, está em nove estados, a Aracruz,em cinco, a Veracel, em quatro. Outra questão importante, no que serefere à Vale, é que ela era uma empresa brasileira que foi “doada” porR$ 3, 3 bilhões pelos tucanos na era FHC e atualmente seu capital estáem US$ 140 bilhões.

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O governo de FHC não foi somente “bonsinho” com o capital es-trangeiro, porque nos seus dois mandatos promoveu o desmonte do Es-tado, ou a redução dos direitos sociais. Tudo o que tínhamosconquistado até 1988 sofreu ataques nessa gestão. Se Collor preparouo terreno, FHC o percorreu. Esse governo, após reprimir duramenteos petroleiros e o MST, passou a atuar na perspectiva de gerenciar osconflitos sociais, ou seja, operar o desmonte dos movimentos sociaispor dentro, o exemplo da Central Única dos Trabalhadores, é o maisemblemático, igualando-se à Força Sindical.

Na divisão internacional do trabalho feita pelo capital, o Brasil edemais países da América Latina têm a função de exportar para os paísesda Europa, Estados Unidos e China. E a Vale é a empresa que mais ex-porta atualmente no Brasil: 92% de tudo que a empresa tira do Brasilsão para exportação; por isso, em Minas, lutar contra a Vale é lutar pelasoberania nacional.

AS LUTAS DOS POVOS MINEIROS DO CAMPO

Dos mais de 100 povos indígenas que habitavam o território mi-neiro hoje estão resumidos a apenas oito povos com uma população es-timada de 12.500 pessoas. Pelo menos 92 povos indígenas foramexterminados. Desses oito povos, encontram-se em terras demarcadase reivindicam revisão de limites, que são os povos Xakriaba, Krenak,Maxacali e Xukuru-kariri. Outros povos, como Aranã e Kaxixó, aindanão possuem terras, e os povos Pankararu e Pataxó detêm a posse daterra, mas não possuem registro, segundo informações do Conselho dosPovos Indigenistas Missionários de Minas Gerais (CIMI).

No livro Nas terras do Rio Sem Dono, de Carlos Olavo Pereira, en-contramos um relato histórico e uma conceituação bastante aceita de pos-seiro, grileiro e jagunço. Como posseiro, o autor visualizava um homemcorajoso que trabalhava a terra para o sustento de sua família e seu tra-balho, apesar de todas as dificuldades, criou e desenvolveu a região Lestedo Estado. Já o grileiro era um indivíduo vindo depois do trabalho feitopara tomar e se apropriar das terras já agricultáveis das mãos dos possei-ros. O grileiro é o parasita do trabalho do posseiro, homem sem escrú-

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pulos que se utilizava da força simbólica e material dos políticos corruptose dos jagunços, considerados, pelo autor, como “sinistros profissionais deceifar vidas, (...) são filhos de um sistema fundado na grande propriedadeo latifúndio” (Pereira, 1988, p. 38-40). Os jagunços, por sua vez, erammercenários e assassinos das lutas e dos sonhos construídos com muitosuor pelos seus “iguais”, trabalhadores do campo.

A população negra também foi massacrada; o Centro de Documen-tação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), até o ano de 2006, tinha iden-tificado preliminarmente 346 comunidades Quilombolas, faltandoalgumas regiões, sabe-se hoje, através de levantamentos do INCRA quesão mais de 400 comunidades. Até o ano 2010, o estado de Minas possuía,frente a essa realidade, a incrível marca de apenas uma área coletiva titu-lada, área denominada Porto Coris, no município de Leme do Prado,com 25 famílias, datada do ano de 1997. A comunidade Brejo dos Criou-los, localizada entre os municípios Varzelândia e São João da Ponte, noNorte de Minas, luta há l2 anos na defesa de seu território coletivo de17.302 hectares, e teve o decreto presidencial assinado pela presidenteDilma em 2011. No INCRA, existem ainda 50 processos de titulação co-letiva de comunidades quilombolas aguardando deferimento, e a maisavançada, como exposto acima, é a do “brejo dos crioulos”.

Com a construção indiscriminada de usinas hidrelétricas, o cer-camento dos rios e o enchimento das represas, mais de 200 mil famíliasserão desalojadas. Somente no governo de Aécio Neves (2003-2010)foram expulsas de suas terras e locais de moraria mais de 40 mil famíliasatingidas pelas barragens, que se tornam sem-terra pela política do pró-prio governo do estado de Minas, e estão entrando na estatística doINCRA/MG como assentados da Reforma Agrária. Destas, a CEMIGreassentou somente 50%; portanto, faltam ser assentados milhares deoutras famílias atingidas por dezenas de barragens. Isso fez com que au-mentasse a demanda por terra, em vista da construção das hidrelétricascom grandes barragens, como a de Irapé, onde 864 famílias ficaram semterra. O Movimento dos Atingidos por Barragem já denunciou que,nesse ritmo, serão expulsos mais gente do campo do que assentar famí-lias sem-terra, por exemplo, com o programa de Reforma Agrária. Asusinas constrangem as famílias a receberem míseros recursos de inde-nização para abandonarem as áreas e inchar as periferias das cidades.

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Para seguirmos com o exemplo de Irapé, as famílias foram reas-sentadas pela CEMIG (concessionária da Usina), em situação precária.No reassentamento faltam infraestrutura, escola e posto de saúde; eparte das terras é pouco fértil; foram três anos sem poder plantar; cen-tenas de crianças perderam escola; e como se não bastasse, e o que émais patético, é que a energia gerada por essas usinas é, em sua maioria,a preço subsidiado para empresas em detrimento da maioria da popu-lação que paga a energia mais cara do Brasil.

A pergunta frente a essa realidade é simples, falta terra para a rea-lização da reforma agrária? Não. De forma alguma, apenas para ilustrar,podemos verificar que cerca de 18 milhões de hectares de terra no Estadosão hoje denominadas terras presumivelmente devolutas, ou seja, terrassem registro, segundo estudo do professor Ariovaldo Umbelino da USP,que tem como referência o cadastro de Terras do INCRA. Obviamente,essas terras necessitam serem discriminadas, a fim de separar o que é pú-blico do que é privado, e por conseguinte, faz-se necessário percorrertoda a tramitação judicial para serem arrecadadas pelo Estado.

O Governo do Estado, através do Instituto de Terras (ITER), nãotomou as devidas medidas para arrecadar os presumíveis 18 milhões dehectares de terras devolutas existentes em Minas, que continuam nasmãos de empresas eucaliptadoras, mineradoras e latifundiários, que cau-sam depredação ambiental e concentração de riqueza.

A VIOLÊNCIA COMO REGRA

Os índices de violência no campo, registrados pela Comissão Pas-toral da Terra (CPT), demonstram que nos últimos 10 anos (2003 a2012) foram assassinatos 14 trabalhadores em conflitos pela terra emMinas Gerais.

Foi no período de 2003 a hodierno que ocorreu a chacina de Unai,o massacre de Felizburgo e o assassinato de lideranças sem-terra noTriangulo Mineiro, para citar apenas alguns dos mais marcantes. A per-gunta, inevitável, é: o que os governos que se sucederam têm feito paragarantir a justiça, para punir os réus, alguns confessos, e evitar que novasvidas sejam ceifadas violentamente pelo latifúndio e agronegócio? A res-

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posta, após alguns pronunciamentos das autoridades (presidente, gover-nador, ministros e secretários de segurança), dizendo que esse crime nãoficará impune, de uma ou outra visita em lócus, infelizmente é a mesmade sempre e óbvia: nada. Isso porque, em Minas, há uma hegemonia po-lítica conservadora que detém grande parte do poder do Estado, seja noExecutivo, no Legislativo ou no Judiciário, incluindo o controle da Ci-dade Administrativa, de prefeituras, cartórios, e delegacias.

Poderíamos citar e encher páginas com relatos dos crimes da im-punidade no Estado, mas nos limitaremos a dois casos emblemáticos,por terem repercussão nacional e internacional, a chacina de Unai e omassacre de Felisburgo.

No primeiro caso, no dia 28 de janeiro de 2004, quatro funcioná-rios do Ministério do Trabalho e Emprego foram brutalmente assassi-nados em uma emboscada no Norte de Minas, no município de Unai,quando realizavam uma fiscalização de denúncia de trabalho análogo aescravo. Foram assassinados os fiscais Erastóstenes de Almeida, NelsonJose da Silva, João Batista e o motorista Ailton Pereira de Oliveira. APolícia Federal, seis meses depois, afirmou ter desvendado o crime eindiciou os envolvidos, entre eles os irmãos Norberto e Antério Mânica,grandes latifundiários da região, que chegaram a ser presos, mas hoje,lamentavelmente, respondem ao processo em liberdade.

Após as denúncias e prisões dos envolvidos, como se nada pesassecontra, Antério foi eleito em 2004 prefeito de Unai pelo PSDB, e ree-leito em 2008, e como não bastasse, em 2010, o então governador AécioNeves o condecorou com a medalha do Legislativo mineiro, como queo respaldando por sua prática de assassinato e trabalho escravo.

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho,todos os recursos dos réus foram julgados e negados; por isso não haviarazão para a juíza ter protelado o julgamento, que estava previsto parajaneiro de 2013. Com isso, é mais um crime, chacina, que vão ficandoimpune no Estado governado pelos tucanos. Aliás, essa tem sido aregra nos governos do PSDB; e para citar apenas um caso, basta lem-brar-nos o que foi o governo de Yeda Crusios (2006-2010), no RioGrande do Sul, que após o assassinato pela polícia do Estado, do sem-terra Elton Brum, foi denunciado na Comissão Internacional dosDireitos Humanos.

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O segundo caso, e um dos mais dramáticos, foi o massacre de Fe-lisburgo, na fazenda Nova Alegria, no município de Felisburgo-MG,onde cinco trabalhadores foram assassinados e 20 pessoas foram feridas,inclusive uma criança de 12 anos de idade.

O massacre ocorreu no dia 20 de novembro de 2004, quando pis-toleiros armados atacaram o acampamento Terra Prometida; foram as-sassinados os trabalhadores rurais Iraguiar Ferreira da Silva (23 anos),Joaquim José dos Santos (49 anos), Miguel José dos Santos (56 anos),Juvenal da Silva (65 anos) e Francisco Nascimento Rocha (72 anos).

Cerca de 100 famílias haviam ocupado a Fazenda Nova Alegria,com cerca de 2.400 hectares, em 1º de maio de 2002. Apesar de estudosdo Instituto de Terras de Minas Gerais indicarem que a área é devoluta,o suposto “proprietário” Adriano Chafik decidiu fazer ilegalmente odespejo das famílias, juntamente com seus jagunços. Além dos ataquesa tiros, os pistoleiros atearam fogo em todas as barracas e pertences dasfamílias, destruindo as sementes guardadas para o plantio, a escola doacampamento, a biblioteca e a secretaria. Entidades locais responsabi-lizaram o Poder Executivo e Judiciário, pois os conflitos de terra sãoconsequência da morosidade na realização da reforma agrária.

A fazenda Nova Alegria, onde ocorreu o massacre, possui 1.702 hec-tares, sendo uma parte delas terras devolutas, ou seja, terras do Estadoque poderiam ser destinadas imediatamente para fins de reforma agrária.

No Estado de Minas Gerais há milhões de hectares de terras de-volutas, griladas, que poderiam suprir a necessidade de milhares de fa-mílias sem-terra. Ao invés de resgatar essas terras e destiná-las à reformaagrária e ao assentamento das famílias, de acordo com o artigo 184/185da Constituição Federal, os governos deixam assassinar trabalhadoresrurais. Em que pese a lei ser federal, é possível aos governos estaduaisrealizarem assentamentos; podemos citar, por exemplo, os governos deOlívio Dutra (1999-2002) e de Tarso Genro (2010-2012), no RioGrande do Sul, que em seus respectivos governos desapropriaram lati-fúndios e destinaram para fins de reforma agrária.

Após oito anos do massacre, as famílias ainda continuam acampa-das em precárias condições de vida, apesar de o ex-presidente Luís Iná-cio Lula da Silva ter decretado a área para fins de reforma agrária emoutubro de 2009, por crime ambiental (e não por conflito social, ou im-

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produtividade, que seria o mais correto e legítimo motivo para a desa-propriação); o fazendeiro e assassino confesso Adriano Chafik entroucom ação cautelar impedindo o INCRA de Minas Gerais de legitimaras famílias, e suspendeu o decreto presidencial. As famílias não foramindenizadas pela agressão física e psíquica da qual foram submetidas. Eo fazendeiro mandante do crime ainda continua impune e sem data pre-vista para o julgamento, pois o julgamento continua sendo adiado e semdata prevista para acontecer.

Denunciamos os governos Federal e Estadual pela morosidadeque vêm tratando as pessoas sobreviventes do massacre, pois teriamtodas as condições para a implementação de políticas públicas capazesde solucionar os problemas sociais que afetam a vida dos trabalhadoresrurais e urbanos deste país e construir de fato um BRASIL, PAÍS DETODOS! É esse o clamor e a exigência do Fórum Mineiro de Luta edo Comitê em Defesa de Felizburgo. Assim, a sociedade mineira exige:a) A desapropriação imediata da fazenda Nova Alegria!; B) O assenta-mento imediato das famílias acampadas!; C) A condenação do mandantedo massacre, Adriano Chafik; e d) A indenização total das famílias.

Infelizmente, temos percebido um aumento da violência e umarearticulação das milícias armadas no campo, principalmente nos últi-mos anos, apesar dos discursos contrários dos governos. A impunidadehistórica com que esses crimes são tratados estimula novas ações maisviolentas da parte dos latifundiários. Pela não realização da ReformaAgrária, os fazendeiros estão se dando ao luxo de rearticular as milícias,já que também não há nenhuma iniciativa do Estado para coibir esteafronte ao Estado democrático de direito. Percebemos isso muito cla-ramente em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, em Valadares, Sul deMinas e Jequitinhonha, que já foi palco de massacre.

O PAPEL DOS GOVERNOS E DO ESTADO NA (NÃO)REALIZAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA

Na atual fase de desenvolvimento do capitalismo, em especial naúltima década, podemos afirmar que, não só o capital não precisa da re-forma agrária (transformar a estrutura fundiária do país), como ele é

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antagônico a ela. O paradigma tecnológico desse atual estágio do capi-talismo no campo precisa necessariamente da terra concentrada e doapoio financeiro e político dos governos do Estado.

O modelo agrícola tem hoje, sem dúvida, sua base no pacote verdeda Revolução Industrial, acrescido de outros fatores tecnológicos de úl-tima geração. Assim, as sementes são produzidas para serem cultivadasem grande escala e em monocultura, da mesma forma que os herbicidas,os fungicidas, os inseticidas, os adubos químicos e as máquinas agrícolas.A grande indústria desses produtos, na verdade as maiores transnacio-nais ligadas à agropecuária, existem devido ao monopólio da produçãoe da venda desses produtos. Qualquer outro modelo agrícola que se di-ferencie dessa lógica, que pense em escala menor, que trabalhe a diver-sidade de culturas, que utilize adubação orgânica e inseticidas naturais,etc., não serve ao capitalismo, porque a terra concentrada garante a re-produção desse sistema. O campo está saturado de produtos químicos,graças ao agronegócio, e o mais grave é que os governos continuam in-vestindo indiscriminadamente nesse modelo, e a sociedade raramentese coloca na preocupação com esse modelo.

Sob essa estrutura fundiária o capital consegue realizar a superex-ploração do trabalho, acumulação primitiva do capital e extração darenda da terra.

É evidente a ofensiva dos governos e do Estado brasileiro contraa Reforma Agrária e, em beneficio do agronegócio, pois foi no períodode 2003-2010 que se consolidou o agronegócio como modelo domi-nante no meio rural, que liberou os transgênicos, que manteve a medidaprovisória do governo FHC que impede as ocupações, que manteve osíndices de produtividade (que datam de 1975), que favorecem os lati-fundiários e o agronegócio. Foi nesse governo que não aprovou o PlanoNacional de Reforma Agrária,7 coordenado pelo professor Plínio deArruda Sampaio,8 mas que em contrapartida aprovou a CPMI contra oMST.

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7 Presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) e diretor do jornalCorreio da Cidadania.

8 Itamar Franco faleceu em 2011.

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Desde 2003, Minas Gerais vem sendo “desgovernado” pelos tuca-nos com seu “choque de gestão”. Primeiro enfrentamos oito anos deAécio Neves, período de 2002 a 2010, quando este se elegeu senador.Aécio não poderia, para seus fins eleitoreiros, deixar de fazer seu sucessor(que era seu vice) o atual governador Antonio Anastásia com a famigeradapolítica de choque de gestão e nenhuma medida concreta para fazer avan-çar a reforma agrária no Estado e consolidar os assentamentos.

A situação dos assentamentos é uma tragédia do ponto de vista dainfraestrutura. Nos últimos dez anos, foram construídas não mais que190 casas nos assentamentos; e 60% dos assentamentos não têm energiaelétrica, nem estradas para escoar a produção; 80% não têm sistema deágua encanada e nem água boa para beber. Quase 20% não têm energiaelétrica, e isso faz com que os assentamentos feitos nos últimos dez anos,ao contrário da expectativa das famílias e dos movimentos que fazem aluta pela terra, não garantiram boas condições para as famílias. Estamoschegando ao ponto de famílias desistirem dos assentamentos, já criadoslegalmente, por falta de condições objetivas. Os órgãos ambientais es-taduais, em especial o IEF, só funcionam em favor dos grandes latifun-diários e das grandes empresas, em detrimento das demandas dossem-terra e dos pequenos agricultores ou atingidos por barragens.

A burocracia e a falta de vontade política imperam, e constante-mente ouvimos o governo falar e prometer que vai liberar os recursospara a agricultura familiar, construir casas, garantir políticas públicasde infraestrutura, etc., mas ninguém está acessando esses recursos, poisa burocracia impera.

OS GOVERNOS DO PSDB EM MINAS E A POLÍTICAAGRÁRIA

Em Minas, de 1994-1998, Eduardo Azeredo, do PSDB, seguiu àrisca as prioridades e a cartilha do Governo Federal, ou seja, privatiza-ções, desmantelamento das políticas sociais, ataque aos direitos dos tra-balhadores, etc., que somente teve uma interrupção com o governoItamar Franco, de 1999-2002. Itamar Franco era o vice de Collor, e em-bora no pouco tempo que ficou como presidente (1992-1994), foi o pri-

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meiro presidente a receber o MST para uma negociação de pauta, le-gitimando a organização. Itamar, que havia rompido com o PSDB eFHC, em 1995, em 2002, apoia Aécio para o governo de Minas e seelege, juntamente com este, em 2010, para o Senado Federal.

No ano de 2000, o então governador Itamar criou o ITER (Ins-tituto de Terras do Estado de Minas Gerais), e como presidente nomeouo geógrafo e amigo do MST, Marcelo Resende. Em que pese seu ecle-tismo, e talvez justamente por isso, Itamar9 foi o único governador mi-neiro que construiu alguma política concreta com os sem-terra, cito:Centro de Formação Francisca Veras, em Governador Valadares; inter-mediação nos conflitos agrários, evitando alguns despejos; além de in-fraestrutura, como carro para o Movimento desenvolver a assistênciatécnica nos assentamento.

Os governos de Aécio e Anastásia, ao contrário, nunca tiveram umapolítica para os movimentos sociais e a reforma agrária. Desde 2003,quando realizamos uma audiência com o jovem governador Aécio, o aler-tamos para a possibilidade de ocorrer um massacro no Estado, em decor-rência das ameaças que vínhamos sofrendo em Felizburgo, e o governonada fez; então, podemos dizer que o governo do Estado tem uma cor-responsabilidade no massacre, porque não tomou as medidas, quando asfamílias fizeram denúncias das ameaças que vinham sofrendo.

No campo, não há nenhuma política do governo do Estado quevise melhorar as condições de vida da população que sobrevive nos in-terior, pelo contrário, o que há é os despejos violentos, a truculência dolatifúndio e do agronegócio,

O único programa vinculado ao de reforma agrária foi o de regu-larização fundiária, que não resolve do ponto de vista estrutural a ques-tão da reforma agrária, mas está regularizou alguns títulos depropriedade de pequenos posseiros, porém não podemos dizer que exis-tiu uma política de reforma agrária.

A antiga Secretaria de Reforma Agrária foi extinta e no lugar ficoua Secretaria de Regularização Fundiária, que em nada se parece com a

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9 Todas as denúncias que levaram a exoneração do secretario, já foram julgadas edadas como infundadas ou não procedentes. Hoje não há nada que pese legalmentecontra o ex secretario Manoel Costa.

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já precária de outrora quando tinha à frente como secretário o ex-de-putado Manoel Costa. O ex-secretário, por ser solidário e por convicçãopolítica, destoando do restante do governo, mantinha uma relação derespeito e diálogo com o Movimento. O governador Anastásia, na suacovardia, expressando o governo fraco que é, a partir de denúncias in-fundadas de alguns promotores do Ministério Público do norte do Es-tado, acabou com o único programa, que atingia os pobres do campo eque era coordenado pelo então secretário Manoel Costa10 – o Programade Regularização Fundiária.

Mesmo depois de reunião com o MST, em final de 2010, quando,sob a coordenação do então secretário Manoel Costa, reunimos 14 se-cretarias do Estado, até o presente momento nada na prática se conso-lidou em beneficio das famílias sem-terra e camponesas.

Nenhuma família foi assentada por vontade política do GovernoEstadual; todas tiveram que lutar para conquistar sua terra, e muitas,como já foi exposto, pagou um preço alto, com a própria vida. NesteEstado somente os ricos (banqueiros, empresários, latifundiários, mi-neradas, etc) recebem milhões de reais, milhares de hectares de terrassem custo algum.

Recentemente, 7 de janeiro de 2013, foi sancionada pelo gover-nador Anastásia a lei (20607/2013) de autoria do deputado Estadual Ro-gério Correia, que isenta das taxas cartoriais os agricultores familiaresatendidos pelas parcas políticas públicas federais, estaduais e municipais.A lei beneficiara em especial os beneficiários do crédito fundiário, queagora disporão de um recurso a mais para investir na infraestrutura eprodução de alimentos, que é um pequeno passo, mas importante paraos pobres do campo.

Neste momento é importante destacar que, mesmo com a falta depolítica e de prioridade para a pequena e a média propriedade, as famí-lias assentadas têm conseguido garantir ou resolver cinco graves pro-blemas que afetam a maioria dos mineiros, cito: 1) Trabalho, todas asfamílias nos assentamentos têm trabalho o ano todo; 2) Educação, ne-

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10 Todas as denúncias que levaram a exoneração do secretario, já foram julgadas edadas como infundadas ou não procedentes. Hoje não há nada que pese legalmentecontra o ex secretario Manoel Costa.

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nhuma criança está fora da escola em nossos assentamentos; 3) Alimen-tação, todos os assentados se alimentam no mínimo três vezes por dia ecom produtos agroecológicos; 4) Moradia, todas têm, ainda que simples,onde morar; e 5) Segurança, não há assaltos, assassinatos ou outros cri-mes graves em nossas áreas de assentamento. Isso demonstra que a re-forma agrária é viável e contribui para a solução dos graves problemasda nossa sociedade, em que pese a morosidade e a parcialidade do PoderPúblico no trato das questões sociais.

O MST desenvolveu e acumulou ao longo de sua história uma ex-tensa proposta de realização da reforma agrária, a qual tem como eixoscentrais de ação as seguintes características: democratização da terra;mudanças tecnológicas; comercialização; organização da estrutura deprodução; agroindustrialização dos assentamentos; organização sociale infraestrutura social básica, titulação das áreas de reforma agrária; po-lítica agrícola; educação; saúde, cultura, esporte e lazer; gênero, direitoshumanos, programa ambiental; programa de desenvolvimento do se-miárido; programa especial para a região Amazônica; Previdência Sociale legislação trabalhista no meio rural.

O papel do Estado na realização dessa reforma agrária fica explí-cito no Programa de Reforma Agrária defendido pelo MST, que sen-tencia: “A implementação dessas mudanças implica necessariamente emque o Estado, com tudo o que representa de poder (Executivo, Legis-lativo, Judiciário, segurança e poder econômico), seja o instrumentofundamental de implementação das propostas” (Stedile, 2005, p. 210).

Se observarmos as propostas da reforma agrária durante esse pri-meiro decênio do século XXI, podemos dizer que ela foi apresentada edefendida por diversos setores (Igreja, movimentos populares, partidos deesquerda, parlamentares e alguns governos) com dois objetivos centrais:1) desenvolver o capitalismo nacional, a partir da produção de alimentose matéria-prima para o mercado interno; e 2) diminuir as desigualdadesno campo, melhorando a qualidade de vida da população rural.

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QUAIS SÃO AS VANTAGENS DA REFORMA AGRÁRIAPARA A SOCIEDADE EM GERAL?

Como não é o objetivo deste texto, apenas elencaremos algumasdas principais conquistas que uma verdadeira reforma agrária poderiatrazer para o conjunto da população. A) Geração de Emprego: enquantoum latifundiário com 1.000 hectares gera apenas três ou quatro empre-gos diretos, um assentamento com a mesma área gera mais de 150 milempregos diretos, um aumento de mais de 5 mil por cento; B) Produçãode Alimentos: está provado que os latifundiários e os empresário doagronegócio não produzem alimentos; a agricultura familiar e a reformaagrária são os grandes responsáveis por abastecer o mercado interno ecolocar na mesa dos brasileiros os alimentos, a pequena e a média pro-priedade, se invertidas as prioridades dos governos, iram encher o mer-cado local e regional de alimentos baratos e de qualidade; C) Odesenvolvimento local: o mercado local irá vender mais adubos, semen-tes, ferramentas, materiais de construção, roupas, implementos agríco-las, eletrodomésticos, etc. com a democratização do latifúndio; e d)Combate à violência; os meios urbanos não suportam mais tanta gentesem trabalho e sem perspectiva de vida. Isso é a causa de tanta violência.Só a reforma agrária será capaz de gerar, de forma barata e rápida, novosempregos no Brasil.

Usando os dados do último Censo Agropecuário, realizado em2006 e publicado em 2009, podemos fazer um retrato, uma fotografiade como está a vida e a produção no campo brasileiro e mineiro, e tam-bém possibilitar fazer algumas comparações importantes sobre as dife-renças entres os grandes e pequenos agricultores, entre o agronegócioa reforma agrária e a agricultura camponesa. Os dados possibilita-nosfazer uma projeção de como poderia ser o Brasil se fosse feita a reformaagrária, tomando como base somente os estabelecimentos com mais de1.000 hectares, que somam apenas 46.911 estabelecimentos e ocupamuma área de 146.553.218 hectares, isto é, mais de 146 milhões de hec-tares com uma média de 3.125 hectares por propriedade.

Vejamos como ficaria se fosse distribuída essa terra que está nasmãos de apenas 47 mil grandes proprietários em lotes com tamanhomédio de 50 hectares por família; seriam criados 2 milhões e 920 mil

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novos estabelecimentos agrícolas, ou seja, quase 3 milhões de novas fa-mílias camponeses disporia de terra para morar e tirar o seus sustento.Contando que a agricultura camponesa ocupa 15 pessoas a cada 100hectares, esta reforma agrária criaria trabalho para 21 milhões de pes-soas, ao contrário de 2 milhões e 400 mil criados hoje através do agro-negócio.

Podemos ainda acrescentar que a luta pela terra e pela reformaagrária no Brasil é uma luta não só contra o latifúndio, a exploração e aconcentração da propriedade da terra, mas é também, como nos disseCarlos Olavo, em uma conversa em sua residência, “uma luta contra oatraso cultural do nosso país”. É só comparar e veremos que o latifúndioe o agronegócio são atrasados tanto socialmente como economica-mente.

Portanto, como se pode perceber, fazer a reforma agrária não éapenas dar um pedaço de terra, é democratizar o acesso à terra de modoa mexer na perversa estrutura fundiária brasileira, criando efetivas opor-tunidades de trabalho e renda para que os próprios trabalhadores pos-sam construir seus projetos de vida. Para isso são necessáriosinfraestrutura e créditos. É preciso política agrícola que priorize a agri-cultura familiar e a produção de alimentos para o consumo interno, oque não é e nunca foi prioridade nos governos do PSDB em Minas. EmMinas, diante da crise estrutural do capital, ao invés de investir na pe-quena agricultura, o governo tem utilizado o dinheiro público para so-correr os donos dos bancos e das grandes empresas mineradoras ereflorestadoras. Parece até que os banqueiros e os grandes empresáriossão pessoas miseráveis e que se não receberem esses bilhões dos gover-nos vão morrer de fome ou pedir esmolas nas ruas.

Os valores do crédito não estão no Censo Agropecuário, mas noPlano Safra de 2009/2010, e demonstram que foram destinados R$ 93bilhões para o agronegócio e R$ 15 bilhões para a agricultura campo-nesa. Em Minas, não se registra nenhum centavo da parte do governodo Estado para a reforma agrária e a agricultura camponesa. Isto mostraque os camponeses, mesmo sendo a ampla maioria, utilizam apenas 14%do crédito agrícola.

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O QUE SE PRETENDE PARA O FUTURO

Os movimentos sociais, e principalmente os sindicatos estão reto-mando, ainda que lentamente, as greves, passeatas, e atos públicos em de-vesa dos interesses da classe trabalhadora. Sem ser maniqueísta esta é aparte boa. A ruim é que as lutas são isoladas, fragmentadas e de cunhocorporativo, visando apenas melhorias para a categoria. Sabe-se que,mesmo avançando pontualmente, o que é importante, não se altera a cor-relação de força mais geral na luta entre o capital e o trabalho. E uma pos-sível vitoria assim em um curto período de tempo é fácil de retroceder.

No campo mineiro temos a Via Campesina como um espaço dearticulação e mobilização de movimentos sociais camponeses e entidadesde apoio à luta dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem no campo.É um espaço de articulação internacional, latino-americano, nacional eregional. Assume perfis diferenciados, conforme o espaço de atuação ea diversidade das realidades locais dos movimentos que a compõem.

Em Minas a Via Campesina congrega os seguintes movimentos:MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra); MPA (Movi-mento dos Pequenos Agricultores); MAB (Movimento dos Atingidospor Barragens); MMC (Movimento de Mulheres Camponesas); PJR(Pastoral da Juventude Rural); CPT (Comissão Pastoral da Terra); CA-RITAS; FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia); STRs (Sin-dicato dos Trabalhadores Rurais do Leste de MG); e CIMI (ConselhoIndigenista Missionário).

No contexto de construção da Via Campesina foram assumidasalgumas diretrizes orientadoras para a atuação nas diversas realidadescamponesas: respeito à biodiversidade do nosso planeta, que inclui osbens naturais, os ecossistemas, as culturas e os conhecimentos tradicio-nais dos seus povos; a democratização do acesso e uso da terra, na cons-trução de uma genuína reforma agrária; a soberania alimentar comodireito dos povos e países a definirem a sua própria política agrícola; odireito dos camponeses produzirem as suas próprias sementes com amelhor forma de preservar a biodiversidade; promoção efetiva de igual-dade de gênero, combatendo os preconceitos cultural e sexual; e a pro-moção da justiça e dos direitos humanos, em todos os contextos.

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No campo político partidário a Via Campesina atua mantendo suaindependência, não participando de blocos de alianças para a conduçãopolítica do Estado. Mantém-se fiel ao papel histórico do movimentosocial camponês de ser um instrumento de proposição de demandas im-prescindíveis para o combate à pobreza e à miséria que assolam ocampo, bem como de denúncias de todas as formas de injustiças e denegação de direitos sociais, econômicos, ambientais e culturais aospovos tradicionais. É importante destacar que a Via Campesina comoinstrumento de articulação protagoniza espaços de diálogo na esfera pú-blica, não se comprometendo efetivamente com programas de governo,mas apresentando demandas e pressionando práticas que promovam aconstrução de políticas públicas que possibilitem a inclusão social, o fimda violência, a partilha de riquezas e a preservação do espaço natural dereprodução das comunidades tradicionais.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Esse contexto histórico e social que discorremos influenciou osmovimentos sociais e a esquerda como um todo a buscarem novas for-mas de legitimar-se perante a sociedade, buscando novas formas de de-senvolver as lutas. O MST foi para as cidades articular-se com outrossetores da sociedade e se pautou por reivindicações que vão além da lutapela terra, e isso o mantém ativo na sociedade.

Constatamos que o povo pobre sempre lutou, em todas as épocashistóricas, seja no campo ou na cidade, com maior ou menor grau deradicalidade ou de organização. Assim, as classes subalternas no Brasillutaram no campo, por liberdade com os escravos, por terra com os la-vradores e por reforma agrária com trabalhadores rurais e camponeses.A cada etapa do desenvolvimento das forças produtivas e do modo deprodução de uma sociedade são criadas contradições nas quais os tra-balhadores em maior ou menor grau de organização se colocam emluta.

Como desafios, temos, de um lado, o desafio que se apresenta naestruturação produtiva dos assentamentos e reassentamentos das popu-lações atingidas pelos grandes projetos, com estratégias de segurança

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alimentar, e hídrica, prezando pela a autonomia dos agroecossistemasfrente a um mercado instável e sem garantias para o futuro.

Por outro lado, podemos apontar a recolocação da pauta da re-forma agrária na sociedade, pois é a sociedade que se beneficia com ela.Devemos contribuir para criar novas organizações autônomas e de luta.Fazer formação política e participar das lutas da classe trabalhadora. Enão menos importantes, embora possa parecer paradoxal, após as durascríticas feitas ao Estado e aos governos, devemos continuar cobrando,exigindo dos governos a consolidação das políticas sociais, reivindicandoas políticas públicas que são um direito dos trabalhadores.

Para terminar e citar mais uma vez o autor de Nas terras do RioSem Dono, Carlos Olavo de Cunha: “aqui chega ao fim o nosso teste-munho. Fica e continua o do povo. E a memória do povo é do tamanhodo mundo.”

REFERÊNCIAS

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DELGADO, Guilherme. Costa. A questão agrária e o agronegócio noBrasil. In: CARTER, Miguel (Org.) Combatendo a desigualdade so-cial. O MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: EditoraUNESP, 2010.

MORISSAWA, Mitsue. A história da luta pela terra e do MST. São Paulo.Expressão Popular, 2001.

NAZARENO Godeiro, Efraim Moura (Org.). Vale do Rio Doce. Nemtudo que reluz é ouro. Da privatização a luta pela reestatização.São Paulo. Sundermann, 2007.

NETTO, José Paulo. Transformações societárias e serviço social. Ser-viço social e sociedade. São Paulo: Cortez, 1996. (n. 50, ano XVII,abr. 1996.)

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PEREIRA, Carlos Olavo de Cunha. Nas terras do Rio Sem Dono. 2. ed.Rio de Janeiro: Editora CODECRI/PASQUIM, 1988.

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STEDILE, João Pedro. (Org.). A questão agrária no Brasil. Debate nadécada de 70: São Paulo. Expressão Popular, 2005b.

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José Tanajura Carvalho

OS TRIBUNAIS DE CONTAS, MAIS ALÉM DE HESITAÇÕES E

COMPLACÊNCIAS NO EXERCÍCIO DOCONTROLE EXTERNO DO ESTADO

INTRODUÇÃO

Os Tribunais de Contas têm como atribuição precípua o controleexterno do Estado, conforme disposição constitucional, e, de tal maneira,assumem a personalidade de instituição independente e livre de sujeiçãoaos poderes constituídos. O presente artigo, utilizando uma síntese do en-saio A economia-política dos Tribunais de Contas no exercício do controle externodo Estado,1 procura desvelar até onde vão as manifestações destas institui-ções no exercício do controle externo do Estado, com referencial nos Tri-bunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal de Contas do Estado deMinas Gerais (TCEMG). Procura, então, verificar se estas manifestaçõessão hesitantes e complacentes em razão do posicionamento idiossincráticode seus ministros ou conselheiros, avaliação formada a partir da idealiza-ção popular do mito da boa autoridade e/ou da burocracia como um malabsoluto (Reis, 1990, p. 167), ou se correspondem à cessão mesmo da suabase de legitimação, para se realizar como aparelho do Estado. A argu-mentação empírica do artigo se sustenta em acontecimentos envolvendoo TCEMG e o governo de Minas Gerais, no período de 2003 a 2012, em-bora as conclusões, como se verá, possam ser extrapoladas para o universodos TC. O artigo espera, assim, contribuir para se conhecer a perspectivana qual os TC se finalizam, ao discernir entre o rearranjo tópico de prá-ticas usuais daquela de abrangência estrutural, na agenda de um eventualdebate sobre estas instituições.

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1 José Tanajura Carvalho. A economia-política dos Tribunais de Contas no exercício do con-trole externo do Estado. No prelo.

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Na sua condução, o artigo toma os TC em “dispositivos especiaisquanto a suas institucionalização, estrutura, funcionamento e autonomiahierárquica (...)” (Pardini, 1997, p. 3; CRFB, Art. 72 a 74). Quer dizer,independentemente da esfera institucional (União, Estado e Município)e a despeito de variações celebradas em normas e instruções internas, osTC se apresentam em considerável homogeneidade que os tornam assen-tes à exploração com referências em exemplos e experiências específicas.

O presente artigo se desenvolve em quatro seções, inclusive estaIntrodução. Na segunda seção, discorre concisamente sobre a medidade desconcerto nos atributos dos TC, que resultam em manifestaçõesaquém da expectativa da sociedade. A terceira seção é dedicada a per-quirir o atributo político dos TC, ao destacar o posicionamento doTCEMG diante da resistência pelo governo mineiro, no período de2003 a 2012, ao cumprimento da Lei Complementar nº 29 (Emenda29). Ao final, o artigo traz a Conclusão no cotejamento das avaliaçõesapontadas, e em seguida relaciona a bibliografia consultada.

AS HESITAÇÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

A historicidade brasileira não registra contribuições relevantes dosTC, visto que o acatamento as suas manifestações é modesto no debatesobre o devenir do país e mesmo nas circunstâncias dos estados e mu-nicípios. As razões para essa constatação decorrem de diversos atributosdestas instituições, que as levam a divergir de sua distinção constitucio-nal. No âmbito institucional, há controvérsias2 que voltam de quandoem vez ao debate entre constitucionalistas, a partir da polarização entrea aceitação ou não da presença do contencioso administrativo nos funda-mentos constitucionais. Uma corrente se afirma na convicção de que,por não existir o contencioso administrativo na Constituição brasileira,os Tribunais de Contas não julgam, mas somente controlam, apreciam efiscalizam (Gaulazzi, 1992, p. 184). O julgamento caberá ao Legislativo(Câmara Federal, Assembleias e Câmaras Municipais), diante do qualo responsável pelos bens, valores e dinheiros públicos responderá poli-

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2 Ver especialmente: Fernandes, 1998; Ferraz, 1999; Pardini, 1997; Gualazzi, 1972.

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ticamente pelos seus atos. Contudo, não lhe elidindo a culpabilidadecivil e criminal pelo dano ao erário, mesmo em caso de aprovação dassuas contas nesta instância de poder (CRFB, Art. 70; Ferraz, 1999, p.155). Enfim, as afirmações contingenciam a ação dos Tribunais de Con-tas à incapacidade de os procedimentos precípuos do controle externogarantir temporalidade para o seu fim, com o julgamento e punição, sefor o caso, do responsável pelos bens, valores e dinheiros públicos.

Na afirmação de Speck (2000, p. 208), um dos motivos da supostaineficiência dos Tribunais de Contas é a imprecisão de sua natureza ju-rídica. Nessa linha de pensamento, Costa – então Conselheiro do Tri-bunal de Contas do Estado de Minas Gerais – chegou a propor atransformação das atribuições dos Tribunais de Contas em competênciados Tribunais de Justiça, e, hilário, justifica: “Tribunal é órgão de se-gunda instância e o nosso [referindo-se ao Tribunal de Contas em geral]é de instância única. Começa e acaba em si mesmo, e, isto, não faz coisajulgada, e, assim, seus feitos não transitam em julgado, não têm fim, eo que não tem fim não acaba nunca (...)” (Costa, 2000).

A outra corrente da polêmica é de os Tribunais de Contas terem,sim, a atribuição de julgamento: “... a situação jurídica de que desfrutao Tribunal de Contas da União – mesmo quando a propósito não sejaexpressa a nossa Constituição – coloca-o na posição de um órgão judi-cial, ainda que de natureza peculiar, sui generis” (Cotrim Neto, 1982).

A controvérsia, no entanto, não consegue avançar para uma solu-ção dos inibidores da atuação institucional dos Tribunais de Contas. Oconfinamento do debate na competência jurisdicional é um dos seusembaraços, visto que o debate, monolítico nas formulações do direito,não alcança a luta social e política originária na divisão do trabalho, afi-nal, processo dialético definidor da matriz do poder estatal, que se re-produz, então, na legitimação de interesses deformadores doefetivamente real. Nesse estirão, o Estado assume formas simuladas dedescaracterização dos propósitos constitucionais e sub-repticiamenteesconde, ou procura esconder, a sua realidade própria. A questão insti-tucional dos TC não é e não poderá permanecer, portanto, restrita à fa-culdade jurisdicional, a ser, pois, empreendimento para oentrelaçamento de muitos outros conhecimentos, e, sobretudo, no apro-fundamento do debate com a participação efetiva da sociedade.

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De maneira especial, há desacertos nas essencialidades dos TCque contribuem para suas manifestações se tornarem contingentes emconformidade com os estabelecimentos constitucionais. Um desses de-sacertos é o encaminhamento do Parecer Prévio, apreciação das contas pú-blicas pelo Tribunal Pleno – constituído pela totalidade dos ministros econselheiros dos respectivos TC – ao Poder Legislativo (respectiva-mente, nas esferas municipal, estadual e federal), que o aprova ou não.Não sendo difícil se concluir que, na maioria das vezes, a aprovação ficasubordinada a casuísmos políticos e privados e não a preceitos técnico-formais, porquanto encerra dois paradoxos. Primeiramente, a atribuiçãoconstante na CRFB dá ao Legislativo, função judicante, em clara so-breposição a atribuições do Poder Judiciário, e confronto direto comas clássicas doutrinas (poderes independentes e harmônicos) do Estado(Montesquieu, 1993, p. 90 e 530; CRFB, Art. 2º). Em segundo lugar, opreceito constitucional permite a possibilidade paradoxal de um parla-mentar (deputado ou vereador) participar ou influenciar, com maior ar-ticulação presencial junto aos seus pares do parlamento, no julgamentodas suas próprias contas, caso tiver exercido funções executivas. Essassituações, potencializadas com injunções e negociações de interessespolítico-partidários e privados, tornam possível o Legislativo aprovarou rejeitar a prestação de contas do Executivo contrariamente às reco-mendações dos TC.

Os Tribunais de Contas3 brasileiros também não acolhem a preo-cupação com o arcabouço organizacional e operacional capaz de pro-mover o controle externo do Estado voltado para razoável proveito dasociedade. Isto é, os TC, no exercício de sua atribuição precípua, o con-trole externo, não o fazem no encaminhamento das avaliações na tota-lidade (econômica, social e política) do Estado. Com ainformação-pública a ser daí extraída e processada com a objetividadee a linguagem cognitivas pelo indivíduo, enquanto parte da sociedade,

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3 Os Tribunais de Contas Estaduais tratam dos entes estaduais, enquanto os Tribunaisde Contas dos Municípios dedicam-se aos entes municipais. Os Tribunais de Contasde Municípios controlam as contas de um município específico, como é o caso deSão Paulo. Em Minas Gerais, o TCE realiza o controle externo, tanto em entidadesestaduais como municipais.

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que, desse modo, terá a percepção do ato público como pertencente asua própria vida (Rochet, 2002).

Entre os fatores de contingenciamentos dos TC destacam-seaqueles relacionados com a indicação de seus ministros e conselheiros,respectivamente pelo Presidente da República e pelos governadores dosestados. Porquanto, em trabalhos de Speck (2000) e de Carvalho (2001),a partir de pesquisas e metodologias diferentes, constata-se que os in-dicados para esses cargos antes de assumirem o cargo não possuíam ex-periências suficientemente relevantes para denotar notoriedade técnicaao exercício desses cargos se se ativessem aos princípios constitucionaiscomo critérios de indicação, tendo em vista que a maioria de cargos efunções que anteriormente ocuparam e exerceram não apresenta con-formidade com o controle externo.

Há ainda desacertos na compreensão de estabelecimentos consti-tucionais, principalmente quanto aos princípios de legitimidade e econo-micidade (CRFB, art. 70), recorrendo-se, muitas vezes, a entendimentossem fundamentação léxica e reflexão teórica, para contornar o supostovazio conceitual. Com o inconveniente de que, no rigor da formalidadeconstitucional, a valoração de ações dos entes jurisdicionados realizar-se-ia considerando isonomicamente princípios constitucionalmente es-tabelecidos agregados a outros de definição limitada na informalidadeempírico-conceitual.

Os constrangimentos provocados por diversos atributos dos TC,no cumprimento da missão constitucional, trazem-lhes desestima dianteda sociedade, quando, insistentes vezes, questiona a sua legitimidade. Umexemplo desses constrangimentos é a frustração do Tribunal de Contada União na execução da cobrança de multas imputadas aos entes juris-dicionados e efetivamente recebidas. No período de 1991 a 1999, o TCUrecolheu o correspondente a 1,52% do valor total de multas imputadas.Entre 2008 a 2012, o percentual recolhido ficou entorno de 5,5% dototal. Segundo Mazzon e Nogueira (2002), as multas imputadas pelosTC municipais e estaduais, em todo país, no exercício de 2001, chegarama um recolhimento real de apenas 4,81%. No TCEMG, o percentual derecolhimento de multas imputadas foi de 10,96%, em 2010, 57,39%, em2011, e, em 2012, chegou a 25,57%. Como se observa, houve melhoriano recebimento de multas imputadas, porém, a desproporção continua

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significativamente elevada, não representando alterações na estrutura deimputação e recebimento de multas. No caso do TCEMG, os percentuaissão um pouco maiores. Entretanto, vale observar que não há imputaçãode multas com relação às contas do governador4 no período de 2003 a 2010,recaindo todas, possivelmente, sobre os entes jurisdicionados municipais,com os quais o TCEMG, e de uma maneira geral também nos demaistribunais estaduais e municipais, tem sido incisivo em fazer cumprir a le-gislação pertinente à gestão das contas públicas (CRFB, LRF, Lei 4320 elegislação subsidiária; Ouvidoria no cumprimento à Lei de Acesso à In-formação do TCU e do TCEMG).

Com frequência, o posicionamento de hesitação e complacênciados TC se corrobora em atitudes frente a momentos críticos sobre osquais a sociedade aguardara posicionamentos esclarecedores e decisivos,e que, no entanto, o epílogo remonta em frustração de expectativa. Umfato recente, por exemplo, trouxe perplexidade a todos, quando o TCUsuspendeu a sua decisão anterior, a de considerar como regulares con-tratos comerciais arrolados como peça no processo, no Supremo Tri-bunal Federal, da Ação Penal nº 470, com a implicação tácita de a açãopenal se tornar sem o reconhecimento de efetivação do direito. Nãoobstante o cenário político do país, o recuo no posicionamento não seseguiu de explicações condizentes à importância estratégica do papeldestinado ao TCU naquele momento.

Outro exemplo é a questão relacionada à insistência do não cum-primento da Lei Complementar nº 29 (Emenda 29) pelo governo mi-neiro entre 2003 a 2012, e a respectiva atuação do TCEMG nesseaffaire, ao desobrigar, através da Instrução Normativa nº 11 de 2003,esses jurisdicionados de cumprirem tal lei complementar. Consequen-temente, o TCEMG aprovou as contas do governador, ainda que cons-tassem recomendações contrárias e explicitas nos Relatórios Técnicos,elaborados pelos servidores do Tribunal, com fundamentos na emendaconstitucional e nos entendimentos constantes na Resolução CNS322/03 do Conselho Nacional de Saúde. Recidivo, em 2012, oTCEMG firmou o Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) com o go-

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4 Assim denominada pelos TC, visto que quem presta contas é o ocupante docargo de governador, e não o governo.

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verno mineiro, que representa, na prática, posicionamento semelhante,ou seja, desobrigação de cumprimento da Emenda 29. Com a aparenterepercussão local, entretanto, a questão da saúde e de resto a produçãoe distribuição de bens públicos no país remete ao governo de FernandoHenrique Cardoso, com o seu significado neoliberal sustentado no Es-tado mínimo e na valorização do mercado. Assim revelada, a obstinaçãodos governantes de Minas Gerais em não cumprir a Emenda 29, no pe-ríodo de 2003 a 2012, permeia o viés ideológico, e se enraíza por todoo aparato estatal e segmentos empresarial e da elite burocrática mineira,inclusive pelo TCEMG, como se verá na próxima seção.

O TCEMG E A RESISTÊNCIA DO GOVERNO DEMINAS À EMENDA 29

A Emenda 29 de 13 de setembro de 2000, como se sabe, dispõesobre a vinculação de receitas às ações e serviços públicos de saúde –ASPS; no entanto, seus dispositivos não foram obedecidos pelosexecutivos em alguns casos, sob a alegação de faltar regulamentação àemenda constitucional. Contudo, a questão, ao ser examinada commaior acuidade, desvela que não se tratou de vazio formal. Na realidade,por trás dessa alegação, estão interesses do capital, que, aliados aooportunismo das pequenas políticas locais, buscaram transformar asaúde pública brasileira, sob o seu total domínio, em novo nicho demercado (sic). A estratégia se inicia na tentativa de transformar oconceito e o objeto de saúde pública, como havia sido adotado no paísapós a Constituição de 1988 e, principalmente com a criação eimplantação do Sistema Único de Saúde (SUS), fruto da luta socialbrasileira expressa na Assembleia Nacional Constituinte e mobilizaçõesposteriores. A saúde, que na acepção social e como direito do indivíduonunca teve historicamente o acolhimento nas prioridades dos poderesaté então constituídos, recebe outra dimensão na configuração do neo-liberalismo, porquanto deixa de ter o caráter de bem público para seconstituir em mercadoria a ser provida pelo mercado. Em outraspalavras, o projeto é ter a saúde pesada, vendida e comprada nas conve-niências da reprodução do capital.

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Decorre dessa estratégia que as conquistas sociais representadaspela vinculação de receitas às ASPS, dispostas na Emenda 29, deveriamser suprimidas do contexto das políticas públicas de saúde com destina-ção social, dando-lhes novo direcionamento. Isto porque, ao vincularpercentual das receitas públicas para os gastos e investimentos dasASPS, se cumprida integralmente na conformidade de seu texto e aliadaà concepção original do Sistema Único de Saúde, a Emenda 29 traria apossibilidade de solução para financiamento da saúde pública no Brasil,uma das questões cruciais postas à sociedade. O que seria notavelmenterealizado sob a perspectiva exclusivamente pública, gratuita e universal,isto é, sem a intromissão do setor privado, dominado por grupos/fundosfinanceiros nacionais e internacionais, cooperativas de profissionais desaúde com suas elites de diretores e assessores altamente remuneradas,e as sociedades empresariais de grandes hospitais.

O Governo FHC já havia experimentado a tentativa de privatizara saúde pública brasileira no contexto do Plano Diretor da Reforma doAparelho do Estado, com empenho e dedicação do então Ministro da Ad-ministração Federal e Reforma do Estado, economista Luiz CarlosBresser-Pereira. A reforma do Estado, proposta nesse governo, fez parteda ação governamental como componente da estratégia neoliberal,compreendida por três ações básicas: a) substituição ao que se chamoude administração pública burocrática e clientelista por uma administra-ção gerencial ou nova administração pública; b) modificação do sistemaprevidenciário, transformando-o em fundos de investimento (Bresser-Pereira, 1999, p. 38); c) privatização de empresas e serviços públicospassíveis de reverterem seus objetivos sociais para a busca do lucro (Ber-quó, 1999). O princípio básico da proposta sintetizava-se na adminis-tração gerencial, estabelecida nas relações de mercado, inclusivenaquelas atividades consideradas como bens e serviços públicos emgeral, notadamente a saúde e a educação. A instalação dessa política as-sumiu procedimentos açodados do governo, quando até mesmo aspec-tos formais não foram de todo resolvidos, como está claro no PlanoDiretor, Item 7 – “Estratégia de Transição”, no qual o então ministroBresser-Pereira defendeu, à época, a necessidade de se “... obter avançossignificativos, ainda que os constrangimentos legais não sejam total-mente removidos”. Segundo Costa Filho: “...o processo [referindo-se

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ao Plano Diretor] se afasta de qualquer padrão democrático na medidaem que se constrói sobre o informalismo e o lobby, de natureza intrin-secamente excludente” (Costa Filho, 1997, p. 188). A implantação doPlano Diretor, como se viu, apresentou-se excludente, autoritário e,exemplarmente, como uma atitude de afirmação do caráter intransitivodo Estado brasileiro quanto à acessibilidade da informação-pública.

Todavia, a reforma do aparelho estatal, empreendida porFHC/Bresser-Pereira, ficou inconclusa, diante de incoerências da policyadvocacy, com destaque: na perspectiva distorcida da realidade socioe-conômica e geopolítica do país, inconsistente aspecto operacional, e dasua rejeição tácita pelos segmentos populares da sociedade. Porém, ob-serva-se que a sua essência resistiu e se consolidou. As agências autô-nomas, por exemplo, foram fortalecidas pelos interesses de grandesgrupos econômicos e financeiros e da elite burocrática, e se mantiveraminsuladas no posicionamento de total independência da máquina estatale, como sói acontecer, da sociedade,5 bem como as proposições neoli-berais passaram a ser cultivadas por governos dos estados, com maiorempenho pelo governo de Minas Gerais, a partir de 2003.

O entendimento, assim, é de que a reforma do Estado FHC/Bresseravançou até onde foi possível momentânea e politicamente satisfatóriaao capital. Visto que, à época de promulgação da Emenda 29, os seg-mentos capitalistas ligados à saúde não puderam contar com o timingpolítico favorável à reversão em benéficos próprios das perspectivasde mobilização dos recursos públicos financeiros em montantescolossais que a nova emenda constitucional projetava. A impressãomesmo que se tem é de a Emenda 29 ter sido parte de estratégia de ocapital se apropriar dos recursos previstos, com o simulacro de setratar de proposta com alcance popular. No entanto, houve a necessidadepolítica de dar tempo ao tempo para se refazer do esforço despendido nodecurso de venda das empresas estatais a preços aviltantes. Fatos quenão deixaram de melindrar a opinião pública, mesmo tendo sido umprocesso realizado com a escamoteação de informações sobre oprocesso de desestatização e o deliberado cerceamento de participação

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5 A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é um exemplo, cuja atuaçãomerece ser avaliada criticamente em estudo específico.

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da sociedade civil. A alternativa prudencial parece ter sido a deaguardar momentos propícios para, então, voltar-se à privatização deatividades de notório interesse social e sujeitas à mobilização políticade segmentos populares, como, por exemplo, a saúde pública, previdênciasocial, grandes extensões do território nacional destinado à agriculturaem larga escala, e, no plano dos negócios, as vendas do Banco doBrasil, Caixa Econômica Federal e o que ainda havia de público naPetrobras. Todavia, a alteração do mando político no cenário nacional,em 2003, alterou substancialmente essas pretensões, embora nos diasatuais já se avizinhem proposições assemelhadas com roupagem emoutros matizes.

A partir de 2003, os setores privados voltaram à carga com o ob-jetivo de mercantilizar a saúde no Brasil, com apoio sustentado na par-ceria com o Banco Mundial, instituição que, segundo Rizzotto (2000),age nos “... interesses político/ideológicos e econômicos que tem per-meado determinados processos, aparentemente favoráveis à consolida-ção do SUS, mas que em realidade modificam substancialmente aconfiguração original deste Sistema”. Como parte da sua estratégia, essainstituição financeira internacional publicou, em 2008, o livro Desem-penho hospitalar no Brasil: em busca da excelência, de autoria dos doutoresGerard La Forgia e Bernard Conttolenc, representantes da InterhealthSoluções em Saúde e da Universidade de São Paulo. Em síntese, os au-tores procuram apontar a incapacidade de o sistema hospitalar brasileirose apresentar em níveis de eficiência exigidos para atender a demandacrescente, e, implícita e explicitamente, indicam como solução a priva-tização da saúde, portanto, com a exclusão dos princípios da equidade,universalidade e gratuidade do formato original do SUS, sustentado naCRFB, Art. 196, e Leis nº 8080/1990 e 8142/1990.

A eficiência do aparelho estatal, alinhada no discurso neoliberaldesses autores, é estabelecida na lógica recursos/custos/oferta/de-manda/lucro em saúde, e deverá se propagar, continuamente, na fun-damentação da aliança entre o Estado e o mercado da saúde. Não é difícilcompreender que o estratagema era permitir o processo de cessão pau-latina, pelo Estado, dos aparelhos de saúde, concomitante com o repassede recursos públicos a grandes grupos privados constituídos segundo asregras do terceiro setor, seguradoras e grandes empresas de hospitais.

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No tempo em que se enalteceriam os direitos individuais e não mais dasociedade, a partir da sedução com instrumentos de marketing político,como pedagogia-subliminar de controlar e transformar as necessidadesde saúde em demandas de serviço.

A proposta dessas políticas de saúde não se efetiva a partir dascausas de aumento das necessidades de saúde (promoção e proteção desaúde; prevenção, tratamento e reabilitação de doenças), mas nas formasde encontrar condições (infraestrutura hospitalar, tecnologias de últimageração, geralmente importadas, centralização de atendimentos emgrandes hospitais em cidades polos, com o objetivo de ganhos de escala,transportes de pacientes, etc.) para dar conta do aumento da demanda(sic). Em outras palavras, a qualidade da saúde dá lugar à quantidade deatendimento. A saúde deixa, então, de ser um bem público como direitosocial. Num contexto no qual as definições sobre saúde pública se dãosegundo planilhas de custo e, portanto, atentas ao alerta dos riscos fi-nanceiros, e sucedendo o seu sentido, por conseguinte, na busca domáximo lucro, expressão objetiva da gestão por resultados. O bem viverda sociedade brasileira passaria a ser gerido, então, não no enfrentamentoàs causas das necessidades de saúde vinculadas aos seus limites efragilidades, mas a partir de adequações aos recursos determinados pelaimagem-objetivo do lucro. A necessidade de saúde transforma-se, enfim,em demandas de saúde.

A proposição se completa na mensuração do resultado das açõesde saúde através de metodologias externas de controle de qualidade ouautorregulação. Uma prática ilusória, pois o atributo saúde implica umadimensão qualitativa e subjetiva que transcende qualquer método ex-terno. Ademais, o corporativismo na autorregulação é decisivo dianteda avidez do capital representado por grandes organizações privadas desaúde, as agências reguladoras e o próprio BIRD. A estratégia é, assim,desmontar a estrutura brasileira de saúde fazendo romper os ganhos so-ciais representados pelo SUS, com o sucateamento do aparelho estatalde saúde, a partir da restrição do investimento público, pelo menos atéquando o sistema permanecer nas mãos do Estado e a saúde como di-reito social estiver viva na consciência da sociedade civil, para, então,doar ou subordiná-lo à iniciativa privada, organizações do terceiro setor,cooperativas de saúde e seguradoras em geral.

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Entretanto, a Emenda 29 veio com extraordinária aceitação po-pular e sua repercussão assumiu uma dinâmica sobre a qual os defenso-res (políticos, técnicos e burocratas do governo e de cooperativas desaúde, agências internacionais e capitalistas) do neoliberalismo não con-tavam que ocorresse, levando-os, na ânsia de ampliação do poder polí-tico e econômico, a atitudes cruciais por cima do regulamentoconstitucional. No caso dos governos mineiros entre 2003 e 2012, onão cumprimento da Emenda 29 é notório e contou com o apoio daAssembleia Legislativa e a aceitação do TCEMG.

A Emenda 29, como se sabe, no seu Art. 7º, dá nova redação aoArt. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CRFB,ao disciplinar os percentuais de aplicações mínimas nas ASPS pelaUnião, Estados, Distrito Federal e Municípios. Para os estados, aemenda define o percentual mínimo de 12% da Receita Vinculável, combase de cálculo no produto da arrecadação dos impostos e dos recursostransferidos e deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respec-tivos municípios. O Conselho Nacional de Saúde, no uso de suas com-petências regimentais e atribuições conferidas formalmente (comfundamentos nas leis: Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990; Lei n°8.142, de 28 de dezembro de 1990; artigo 77, § 3º do Ato das Disposi-ções Constitucionais Transitórias - ADCT), e provocado por segmentosda sociedade, resolveu homologar a Resolução CNS Nº 322, 08 de maiode 2003, com considerações entre as quais se destacam:

a. Os dispositivos da Emenda Constitucional nº 29 são autoapli-cáveis;

b. Há necessidade de esclarecimento conceitual e operacional dotexto constitucional, de modo a lhe garantir eficácia e viabilizarsua perfeita aplicação pelos agentes públicos até a aprovação daLei Complementar a que se refere o § 3º do artigo 198 daConstituição Federal.

Com a finalidade de dirimir eventuais dúvidas na aplicação daemenda, o CNS apontou, no texto da resolução, as diretrizes cabíveisna aplicação da Emenda 29 (Quinta e Sexta Diretrizes), e, em confor-

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midade com o disposto na Lei 8.080/90, tornou explicitas (Sétima Di-retriz) as despesas que não são consideradas como ações e serviços pú-blicos de saúde.

As receitas do Estado de Minas Gerais para o exercício de 2009,segundo dados da Secretaria de Estado da Fazenda, apresentaram ovalor orçado no montante de R$ 23,156 bilhões, enquanto ao final doexercício a receita efetivada (valor realizado) correspondeu a R$ 21,809bilhões. As despesas com saúde foram orçadas em R$ 3,460 bilhões, e aaplicação chegou a R$ 3,367 bilhões. No entanto, as despesas orçadascom saúde, se atendidas as diretrizes da Resolução CNS 322/03, atin-giriam R$ 2,113 bilhões, e as realizadas se reduziriam a R$ 1,781 bilhão,com uma diferença em relação à previsão de R$ 331 milhões. A defasa-gem, entre o orçado pelo estado e a Resolução CNS 322/03, chegou aR$ 1,347 bilhão. No caso dos valores realizados (realmente aplicados),a diferença foi de R$ 1,585 bilhão. Isto se deve ao fato de o estado com-putar rubricas não definidas na Quinta e Sexta Diretrizes do CNS comopassíveis de consideração entre as despesas de ASPS. Assim, as dotaçõesorçadas, mas passíveis de serem glosadas segundo a Resolução CNS322/03, montaram R$ 1,348 bilhão, e as realizadas, R$ 1,600 bilhão.

As despesas consideradas pelo estado incluíam valores referentesà Polícia Militar, à saúde dos Servidores e dos Militares, orçadas no IP-SEMG e IPSM, despesas previdenciárias em passível exigível do IP-SEMG e do setor de saúde do Estado; e investimentos da COPASA.Somente nesta última, foram considerados, como gastos orçados e rea-lizados com a ASPS, R$ 825 milhões e R$ 1,017 bilhão, respectiva-mente. Ao computar despesas com previdência de servidores, em 2009,e investimentos da COPASA, além de não atender à Resolução CNS322/03, o governo do Estado acrescentou, às despesas com ações desaúde, as quais não correspondiam a ações presentes, incorporando umpassivo com natureza previdenciária, e outras que não eram propria-mente políticas sanitárias. É de se notar que na apreciação das contasde 2007 e 2008 o Relatório Técnico do TCEMG já havia glosado essasdespesas das contas estaduais, reduzindo o percentual oficial de aplica-ção, fato desconsiderado nos demonstrativos oficiais do Executivo(TCEMG: Relatório Técnico - 2007, 2008 e 2009). No caso das des-pesas com serviços de saúde destinados aos servidores civis e aos mili-

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tares, a inclusão de despesas contrariou o princípio de universalidade,uma das bases constitucionais do SUS, visto que, ao destinar recursospúblicos a sistemas de saúde restritos a clientelas fechadas, o Estado re-tira das ASPS o caráter redistributivo estabelecido na Constituição.

Os procedimentos de prestação de contas do governador, relaciona-dos com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA),configuram-se com igual ou maior gravidade. O Decreto 44.884, de 1ºde novembro de 1988, proíbe essa empresa de prestar serviços gratui-tamente, significando que, ao investir nas suas atividades, deverá cobrartarifas dos seus usuários. Assim, os valores investidos não poderiam tersido considerados como gastos da saúde, conforme a Sétima Diretrizda Resolução CNS 322/03, uma vez que seriam ressarcidos àquela em-presa pelos usuários de seus serviços. Nesse procedimento, o princípiode gratuidade dos serviços de saúde, inscrito na Constituição do Estadoe na legislação do SUS, fica afetado.

Em resumo, o governo do Estado orçou, para 2009, a aplicaçãode receitas vinculadas pelo Estado nas ASPS, no percentual de 14,94%,correspondendo a 2,94% acima do percentual mínimo definido pelaEmenda 29, e, nas respectivas contas do exercício, registrou 15,44% nocômputo dos valores realizados, portanto, 3,44% acima do mínimolegal. Entretanto, expurgados os valores em desconformidade à Reso-lução CNS 322/03, o percentual orçado cai para 9,13%, e o realizado,para 8,17%, com uma defasagem real de 2,87% e 3,83%, respectiva-mente. Em valores isto significa, respectivamente, R$ 665,515 milhõese R$ 835,252 milhões, somente para o exercício de 2009.

No Relatório Técnico do TCEMG sobre as contas do Estado de2008, os percentuais eram, naquele exercício, da ordem de 14,06%para os recursos vinculados em orçamento. No entanto, continua oRelatório Técnico, ao se excluírem as despesas com Polícia Militar,Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais(IPSEMG), Instituto de Previdência dos Servidores Militares (IPSM)e COPASA, o percentual de valores realizados se reduz para 6,66%.Para o exercício de 2010, com base na Lei Orçamentária, a estimativado percentual de aplicação da Receita Vinculada chega a 15,05%, en-tretanto, aplicadas as diretrizes da Resolução CNS 322/03, essepercentual cai para 9,30%. Em valores correntes, o resultado apontado

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na prestação de contas do governador é de R$ 730,236 milhões positivos,que, se aplicada à resolução do CNS, passariam para R$ 646,105 mil -hões negativos.

Com base nos dados dos Relatórios Técnicos do TCEMG, a nãoaplicação média anual do Estado, entre os anos de 2003 a 2008, podeser estimada em torno de R$ 700 milhões/ano. Isto representa, em ter-mos estimativos, que os recursos não aplicados na saúde do Estado noperíodo de 2003 a 2010 poderão chegar à casa de R$ 5,600 bilhões, oque se constitui em perda de capacidade de implantação de políticas pú-blicas dirigidas à melhoria na qualidade de vida no Estado.

De mais a mais, cabe observar que, mesmo os recursos realmenteaplicados pelo Estado, ainda se perdem na multiplicidade de programase projetos, gerenciados pela Secretaria de Estado da Saúde de MinasGerais (SES), que mais confundem a sociedade do que atendem as suasnecessidades em saúde, conforme se infere da publicação do compêndioO Choque de Gestão, na saúde em Minas Gerais, publicado por essa secre-taria em 2008.

Pelo exposto, observa-se que a atuação do governo de MinasGerais, no período de 2003 a 2012, teve como legado o ideal neoliberaldo governo FHC na precarização da estrutura de saúde do Estado,como estratégia de propiciar condições à afirmação de empresasprivadas e cooperativas profissionais na gestão efetiva da política desaúde estadual, com a consequente discriminação e exclusão desegmentos sociais ao acesso desse bem público. Entrementes, o governoutilizou-se das prestações de contas encaminhadas ao TCEMG, comregistros de uma contabilidade frívola, para propagar a ideia de seruma gestão pautada no princípio da eficiência, portanto, em atendimentoà Emenda Constitucional nº 19/1998, através de extensa campanha pu-blicitária na mídia estadual e nacional, com usos dos tropológicosDéficit Zero e Choque de Gestão.

Ao publicar a Instrução Normativa nº 11 de 2003, desobrigando ogoverno do Estado de cumprir a Emenda 29, o posicionamentoTCEMG contribuiu para preservar o desacerto formal e operacional dascontas públicas do estado, e, mais grave ainda, prejudicar toda a concep-ção de política pública na saúde estabelecida na Constituição de 1988(Art. 35, 70 e 196) e legislação auxiliar. A decisão do TCMG possibilitou

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a aprovação, subsequente, das contas do governador nos Pareceres Prévios,referentes a diversos exercícios, porquanto houvesse posicionamentoscontrários e explícitos nos Relatórios Técnicos daquela instituição.

Posteriormente, a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de2012, regulamentou a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, com amanutenção dos entendimentos gerais da Resolução CNS 322/03 doConselho Nacional de Saúde. Entrementes, o governo de Minas Gerais,com permissão formal da Assembleia Legislativa, firmou o Termo deAjustamento de Gestão (TAG) com o Tribunal de Contas do Estadoque, na prática, desobrigava-o, mais uma vez, de cumprir a disciplinaconstitucional, ou seja, de investir o mínimo constitucional de 12% dassuas receitas vinculadas na saúde6. No seu entendimento, o TCEMGdivulgou, à época, que o acordo estava regular e permitia ajustar ações,nos casos em que não houvesse má-fé (intenção dolosa), sem que fossenecessariamente com inflição de pena. Entretanto, o Tribunal de Jus-tiça, atendendo solicitação do Ministério Público Estadual, definiu, pos-teriormente, pela obrigatoriedade de o governo cumprir o preceitoconstitucional, inclusive estipulando multa pelo não cumprimento daEmenda 29.

O desfecho do conflito na lide do Tribunal de Justiça torna difícilse dimensionar a ressonância institucional que o episódio terá em rela-ção ao TCEMG, considerando tratar-se de um tribunal com jurisdiçãoprópria e privativa, inclusive contando com o Ministério Público espe-cial para lidar com causas restritas ao seu instituto.

No plano do atributo político, a manifestação do TCEMG, favo-rável à obstinação do governo do Estado de não cumprir a Emenda 29,revela a atitude contrária aos anseios da sociedade. Visto que a Emenda29, a Resolução CNS 322/03 do Conselho Nacional de Saúde, e a LeiComplementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, são claras ao estabe-lecer os critérios e objetivos de investimentos na saúde para atender aobem-estar de toda a sociedade, mas com atenção especial àqueles demais baixos salários. Todavia, na eventualidade de surgirem questiona-mentos postos pelo governo mineiro, a expectativa era de o juízo do

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6 O TAG desobriga também o governo do estado de Minas Gerais do investimentomínimo de 15% na Educação, percentual estabelecido na LRF.

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TCEMG ter sido formalizado no critério da razoabilidade estrita aobem da maioria, o que, como se viu, não aconteceu, pelo contrário,houve o enredamento entre dois atores cujo pressuposto constitucionalé a autonomia e competência diversa.

Os acontecimentos, de qualquer forma, evidenciam maior ceti-cismo da sociedade quanto ao desempenho dos TC no exercício do con-trole externo do Estado, visto que não se trata de um comportamentohesitante e complacente de temporalidade momentânea ou circunstan-cial, mas, costumeiro, revela-se no aparelhamento do Estado.

CONCLUSÕES

O artigo, ao propor avaliar os TC, faz duas considerações essen-ciais. Primeiramente, destaca a sua singularidade constitucional comolócus para o exercício do controle externo do Estado, que os distinguecomo dispositivos especiais no arcabouço estatal, por conseguinte, livre desujeição a qualquer poder constituído na sua atribuição precípua. A se-gunda consideração trata do desconcerto dos seus atributos, que termi-nam por contingenciar suas disposições constitucionais e os leva aodesestímulo junto à sociedade.

De maneira detalhada, o artigo avalia o atributo político dos TCa partir das manifestações do TCEMG em relação à resistência do go-verno de Minas Gerais em cumprir a Emenda 29, no período de 2003a 2012. Com este detalhamento é possível visualizar que, assim comoenfatizara o governo FHC, através do seu Ministro Bresser-Pereira, nopropósito de implantar o programa de modernização da máquina estatalfederal, mesmo contrariando as formalidades legais, o TAG representaa estratégia do governo de Minas em preservar seus objetivos neolibe-rais, utilizando-se de artifícios para afastar as restrições das normas ouse transparecer ajustado aos princípios constitucionais.

Nos termos exposto pelo artigo, conclui-se, primeiramente, quea atuação do governo de Minas Gerais, no período de 2003 a 2012, emrelação à saúde, foi contrária aos propósitos definidos na Emenda 29 eadversa à expectativa da sociedade. Todavia, atento a possíveis repro-duções desfavoráveis a sua atuação, tanto na política como na disciplina

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das normas, procurou manter-se nas aparências da formalização com asustentação do próprio Tribunal de Contas do Estado. Em segundolugar, pelo exposto no decurso do artigo, este comportamento vezeirodo TCEMG, mutatis mutandis também dos demais TC, extrapola aperspectivas de suas manifestações idiossincráticas em relação ao exer-cício do controle externo do Estado, a princípio vistas como atitudeshesitantes e complacentes, para se compor como seu aparelho ideolo-gicamente comprometido.

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Érica Anita Baptista

AÉCIO NEVES E OSENQUADRAMENTOS MIDIÁTICOSDE SUA PRESIDENCIABILIDADE

INTRODUÇÃO

O cenário político em 2010 foi marcado por disputas eleitorais,sobretudo pela Presidência do Brasil. O Partido dos Trabalhadores (PT)esteve à frente do governo por oito anos e seria uma oportunidade paraque a oposição, representada especialmente pelo Partido da Social De-mocracia Brasileira (PSDB), voltasse ao poder. O momento era impor-tante para a legenda, que tinha a difícil tarefa de indicar um candidatocapaz de disputar as eleições presidenciais com o candidato que seriaindicado pelo então presidente Lula. A importância do momento inau-gurou uma série de disputas internas no partido tucano, em busca da-quele que melhor representaria a legenda. A disputa polarizou-se entreo paulista José Serra e o mineiro Aécio Neves e se realizou tanto inter-namente, no âmbito do partido, quanto externamente, na mídia, am-biente em que as imagens dos atores políticos foram construídas,administradas e confrontadas em busca do melhor candidato.

As pesquisas de intenção de voto permearam todo o processo dedisputa, sendo contratadas tanto pelo partido quanto pela mídia, na ten-tativa de compreender as preferências dos eleitores. Consideram-se osprimeiros meses de 2010 como o auge das disputas internas do PSDB.Na mídia ou no interior da legenda, os candidatáveis procuraram com-provar suas competências administrativas e as habilidades que os capa-citariam a representar o partido. Aécio, por sua vez, recorreu à mídiapara construir, ou melhor, dar continuidade à construção de sua imagemcomo presidenciável.

A partir desse cenário, a proposta foi investigar se e como o jornalEstado de Minas (EM) construiu imagem de Aécio Neves como presi-

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denciável. Para tanto, alguns acontecimentos foram analisados, a partirdo que se pode chamar de modos operatórios da mídia, no jornal mi-neiro e também na Folha de S.Paulo (FSP), para fins metodológicos decomparação. Os acontecimentos selecionados foram: o instituto Data-Folha apontou queda de José Serra nas pesquisas de intenção de voto ecrescimento de Dilma Rousseff; centenário de Tancredo Neves; e inau-guração da Cidade Administrativa de Minas Gerais. Como recorte tem-poral considerou-se os dias entre 27 de fevereiro e 5 de março, quandohouve uma sobreposição dos acontecimentos mencionados.

Considera-se, ainda, um suposto alinhamento entre a imprensamineira e Aécio Neves, o que é um assunto em alguns trabalhos acadê-micos (Oliveira, Fernandes, 2008), bem como na mídia de modo geral.1

Importante mencionar que o presente trabalho é parte de umadissertação e, portanto, nesta oportunidade, serão apresentados algunsresultados da pesquisa.

O CAMPO MIDIÁTICO

A sociedade é formada por um conjunto de campos sociais, relati-vamente independentes, e o capital que gere o interior dos campos é osimbólico (Bourdieu, 1998). No âmbito desta pesquisa, faz-se necessáriocompreender a existência do campo midiático e do campo político, comsuas especificidades e diferenças, mas que dialogam e se relacionam.

Por sua relação íntima com a genealogia do espaço público, ocampo da mídia apresenta processos rituais de visibilidade disseminados“pelo conjunto do tecido social moderno”, abrangendo assim o con-junto da experiência do mundo (Rodrigues, 1990).

É necessário ressaltar a noção de centralidade da mídia nas socie-dades contemporâneas, por estar presente em diversas esferas da ativi-dade humana, em especial na vida política (Rodrigues, 1990). Tambémse destaca a relação entre o campo midiático e o político. Uma vez que

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1 Cita-se como exemplo o artigo “A imprensa nos trilhos”, do ombudsman da Folha deS.Paulo, de Marcelo Beraba, no qual há relevantes críticas sobre o posicionamentosubmisso da mídia em geral.

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são campos de naturezas distintas, é uma relação, por vezes, conflituosa.No entanto, um campo não se sobrepõe ao outro, eles interagem. Ocampo político seria a esfera da argumentação, da racionalidade, reve-lando seu caráter imprevisível, a partir das negociações políticas. Amídia traz a previsibilidade e a noção de planejamento, para garantir vi-sibilidade aos seus produtos culturais.

A respeito da centralidade da mídia, Lima (2006) comenta que elatem o poder de definir o que é público e, mais ainda, ela pode operarna constituição do “evento público”. Os partidos políticos, antes, par-ticipavam da construção da agenda pública e fiscalizavam o governo;são papéis que, hoje, a mídia também exerce.

Tendo em vista o estudo aqui proposto, também é válido destacara ideia de agenda-setting,2 que propõe a atuação da mídia enquanto cons-trutora de uma representação da realidade, na medida em que ela destacadeterminados assuntos. Alguns pesquisadores avançaram nessa discussão,e na tentativa de refinar os conceitos, recorreram à hipótese de “enqua-dramento”. Estes seriam um segundo nível de efeitos, e mais do que ana-lisar como a mídia afeta no “sobre o que” as pessoas pensam – primeironível de agendamento –, viu-se a importância em perceber “como” o pú-blico pensa acerca desses temas – segundo nível de enquadramento.

Para a presente investigação foram considerados os enquadramen-tos propostos por Mauro Porto (2001; 2004). O autor diferencia os doisprincipais enquadramentos midiáticos: noticiosos e interpretativos. Oprimeiro relaciona-se com seleção e a ênfase dada pelo jornalista na or-ganização das informações, além de se referir, também, aos padrões deapresentação dessas informações. Pode-se dizer, portanto, que seria oângulo ou a direção da notícia.

A esse enquadramento acrescenta-se quatro subtipos, relacionadosà cobertura de eleições: “temático”, que trata das propostas de campa-

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2 A hipótese do agenda-setting tratou, inicialmente, da capacidade da mídia em in-fluenciar o comportamento do indivíduo. McCombs e Shaw, em 1972, avançaramno sentido de entender a influência de agendamento da mídia. São muitas as críticasà hipótese da agenda-setting, porém destaca-se o posicionamento de Porto (2003),que critica a primeira versão desses estudos, quando se “desconsiderou como as di-versas formas de apresentação da informação afetam o processo de formação da opi-nião pública” (Porto, 2003, p. 5, grifos nossos).

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nha dos candidatos; “corrida de cavalos”, que dá conta do desempenhodos candidatos nas sondagens de intenção de voto; “centrado na perso-nalidade”, relacionado à preferência da mídia por atores individuais; e“episódico”, que diz respeito ao relato dos últimos acontecimentos semenfoques, como nos demais tipos de enquadramento.

Destaca-se, aqui, os enquadramentos “corrida de cavalos” e “cen-trado na personalidade”. O primeiro pelo fato de a indecisão do PSDBcom relação a qual seria seu candidato – Serra ou Aécio – ter-se pautadamuito pela divulgação, antecipada, das sondagens eleitorais. Nesse en-quadramento, os candidatos são apresentados como competidores entresi, de modo que as propostas políticas não são consideradas na disputa.O segundo enquadramento, “centrado na personalidade”, trata da pre-ferência dada pela mídia aos atores individuais e, também, “de focalizareventos a partir de dramas humanos, relegando considerações políticase institucionais” (Porto, 2001, p. 13). Os acontecimentos selecionadospara a análise foram centrados na imagem de Aécio Neves, além dacarga emotiva de alguns deles.

Quanto ao “enquadramento interpretativo”, ele possui certa inde-pendência quanto às ações dos jornalistas, na medida em que permiteavaliações particulares de temas ou eventos políticos por atores sociaisdiversos (Porto, 2004). A independência não é total, uma vez que os en-quadramentos interpretativos dos jornalistas ao produzirem a notíciatambém interferem. O autor ressalta que a fonte seria uma importantediferença entre os dois enquadramentos – noticioso e interpretativo. Oespaço dado à fonte ou às fontes, bem como a hierarquia delas (impor-tância/poder da fonte), interfere no enquadramento.

Importante também trazer à discussão acerca dos valores/notícia,que seriam componentes dos critérios de noticiabilidade. Wolf (2001)define a noticiabilidade como “o conjunto de elementos através dosquais o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acon-tecimentos, de entre os quais há que seleccionar (sic) as notícias” (Wolf,2001, p. 195).

Os valores/notícia derivam de considerações relativas: às caracte-rísticas substantivas das notícias, referentes à importância e interesse danotícia; à disponibilidade de material, ou seja, quanto à acessibilidade eao tratamento informações; ao tempo ou espaço disponível à notícia; à

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imagem do público para os jornalistas; e à concorrência, que desperta acorrida pela informação exclusiva (Wolf, 2001).

No âmbito desta pesquisa, é importante destacar que o contextoda análise é referente às prévias do PSDB; pode-se dizer que elas eramde interesse da mídia, uma vez que suas características cumprem os cri-térios de relevância jornalística, como proposto por Wolf (2001).

Na conceituação de Rodrigues (1993), os fatos são selecionadospelos jornalistas por possuírem um valor/notícia e tornam-se aconteci-mentos jornalísticos, ou meta-acontecimentos, que o autor chama de“acontecimentos segundos”. Assim, o fato torna-se notícia quanto maisfor imprevisível.

Fontcuberta (1993) aponta características do acontecimento,como a de ser aquilo que sucede no tempo e ser singular, ou improvável.Ressalta-se, ainda, o “não acontecimento” jornalístico, que seria a“construção, produção e difusão de notícias a partir de fatos não suce-didos ou que supõem explicitamente uma não informação ‘no sentidojornalístico’” (Fontcuberta, 1993, p. 26, tradução nossa). O não acon-tecimento quebra as bases do discurso jornalístico tradicional: realidade,veracidade e atualidade. Assim, informa-se sobre algo que não aconte-ceu ou que não está previsto. Salienta-se que o conceito de não aconte-cimento é importante para a compreensão do contexto da pesquisa aquiapresentada – as prévias do PSDB.

CAMPO POLÍTICO: AÉCIO NEVES E AS PRÉVIAS

Aécio Neves da Cunha3 se mudou com a família para o Rio de Ja-neiro, e aos 21 anos, retornou a Belo Horizonte, a convite de seu avô,Tancredo Neves, para trabalhar como seu assessor na campanha pelo

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3 Aécio Neves da Cunha nasceu em Belo Horizonte, em 10 de março de 1960. Gra-duou-se em Economia na PUC Minas. Aécio seguiu a carreira política e foi eleitodeputado federal constituinte pelo PMDB em 1986. Em 1989, Aécio filiou-se aoPSDB, seu atual partido. Em 1990 e 1994 foi reeleito deputado federal. Em 1998,Aécio foi o deputado federal do partido mais votado em todo o país. Em 2002, Aéciofoi eleito governador de Minas, em primeiro turno. Em 2006, foi reeleito em pri-meiro turno. Atualmente, é Senador.

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Governo de Minas. Desde então, Aécio iniciou sua carreira política. Aolongo de sua trajetória, nota-se que sua imagem pública política está empermanente processo de construção. Importante, nesse sentido, retomara eleição municipal de Belo Horizonte, em 2008, quando Aécio (PSDB)e o ex-prefeito da capital mineira, Fernando Pimentel (PT), apoiaramo então candidato e atual prefeito Márcio Lacerda (PSB) em umaaliança informal. O acordo foi amplamente noticiado na mídia local enacional, e ressalta-se que o grande beneficiado em termos de imagemfoi Aécio, que aproveitou a visibilidade da aliança para garantir a sua.

O final de 2009 e início de 2010 marcam o período das escolhas noPSDB sobre quem seria o candidato à Presidência pela legenda. Os nomesmais cotados, Aécio e Serra, aproveitaram as aparições na mídia para darvisibilidade à sua imagem pública política e ressaltarem suas qualidadesque os capacitariam a representarem o partido nas eleições de 2010.

Quanto à realização das prévias, vale citar o Estatuto do PSDB:

Art. 151 - Os Diretórios Nacional, Estaduais e Municipais poderãoaprovar, por proposta da respectiva Comissão Executiva, a realizaçãode eleições prévias para a escolha de candidatos a cargos eletivosmajoritários sempre que houver mais de um candidato disputandoa indicação do Partido (grifos nossos).

O trecho mencionado demonstra a não obrigatoriedade execuçãodas prévias, ou primárias no PSDB. E vale comentar que, para a de elei-ção de 2010, tomando os quatro principais candidatos, as primáriasocorreram apenas no PSOL, que escolheu Plínio de Arruda Sampaiocomo candidato.

Entretanto, vale lembrar que o PSDB deu sinais de que pretendiafazer as primárias quando consultou o Tribunal Superior Eleitoral(TSE), em janeiro de 2009, a respeito de qual seria a data que o órgãohavia estipulado para a realização dessa eleição intrapartidária. Em res-posta, o TSE informou que a data final era 30 de junho.

Aécio defendia a realização de prévias, como mostra a reportagemde Flávio Freire, intitulada “Aécio defende prévia no PSDB para2010”, veiculada no jornal O Globo em 24 de janeiro de 2009. Na opor-tunidade, Aécio rebateu as supostas declarações do ex-presidente

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Fernando Henrique Cardoso (FHC) defendendo a não realização deprévias e demonstrando preferência pela candidatura de Serra. Em 1ºde julho de 2009, o PSDB aprovou as prévias, mas não divulgou umadata para sua realização.

As pesquisas de intenção de voto para presidente começaram a serdivulgadas ainda em 2008, no mesmo período em que as especulaçõessobre quem seria o candidato do PSDB também começaram a pautaras discussões na mídia. O PSDB por vezes as utilizou para “testar” quemseria o melhor candidato. Champagne (1998) afirma que é ingênuoacreditar que a mídia produz os acontecimentos sozinha e de forma ma-nipuladora. Ele lembra que as sondagens de opinião participam dessa“construção de acontecimentos”.

Após meses de indecisão e de disputas informais, o PSDB optoupor lançar Serra como candidato à Presidência em 2010, sem a realiza-ção das primárias. Ressalta-se que todo o impasse sobre quem seria ocandidato do PSDB à Presidência em 2010 resgatou a disputa entreMinas Gerais, na figura de Aécio, e São Paulo, com Serra.

OS ENQUADRAMENTOS MIDIÁTICOS E A IMAGEMDE AÉCIO PRESIDENCIÁVEL

As edições do Estado de Minas4 e da Folha de S.Paulo foram anali-sadas entre os dias 27 de fevereiro a 5 de março de 2010. Vale ressaltarque o jornal mineiro foi escolhido por sua relevância no Estado deMinas Gerais e por seu suposto alinhamento com Aécio Neves. O jornalpaulista foi selecionado enquanto um dispositivo de comparação e suagrande circulação nacional5 foi um critério para sua seleção.

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4 O jornal Estado de Minas (EM)5 foi criado em 1928 e, de acordo com França (1998),sua história não é marcada por grandes acontecimentos ou crises. Vários jornais sur-giram no estado mineiro, porém, a maioria não permaneceu ativa; o EM destaca-sepor manter uma regularidade desde a sua formação.

5 Pesquisa do Instituto Verificador de Circulação (IVC), divulgada em janeiro de2013, o jornal Folha de S.Paulo é um dos mais vendidos no país, além de ser o diáriobrasileiro com maior alcance geográfico. Vale ressaltar que em Minas Gerais sãovendidos, diariamente, uma média de 23,2 mil exemplares do jornal paulista.

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27 de fevereiro: Tancredo Neves

Na edição do EM do dia 27 de fevereiro, o caderno Pensar é de-dicado exclusivamente a Tancredo Neves. Habitualmente, ele possuiseis páginas, porém nessa edição ele foi publicado com 12 páginas. Naoportunidade, o caderno especial destacou as qualidades que são atri-buídas à figura política de Tancredo Neves. É interessante notar que,no texto da capa, Tancredo é a figura que não se curvou ao poder, e namontagem da capa, ele se curva a Minas. Ele é uma das imagens às quaisa figura de Aécio é recorrentemente associada. O enquadramento ob-

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Figura 1 - “Estadista da liberdade”

Fonte: Jornal Estado de Minas, edição de 27 de fevereiro de 2010.

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servado é o “centrado na personalidade”, com ênfase na “habilidade po-lítica” de Tancredo.

No mesmo dia, as páginas 5 e 6, do caderno de política do EM,trataram da indefinição existente no PSDB sobre quem seria o candi-dato da legenda à Presidência da República. Destaca-se que o enqua-dramento das duas reportagens foi o “corrida de cavalos”, prevalecendoo enfoque: “Aécio melhor candidato”.

A Folha de S.Paulo divulgou a reportagem com o título “Serra vaia Belo Horizonte cortejar Aécio”, de Catia Seabra, que mostra como asfontes ouvidas/consultadas defendem a chapa Serra/Aécio. O título des-taca como Aécio foi pressionado pelo próprio Serra para aceitar ser vice:“Serra vai a Belo Horizonte cortejar Aécio.” Não foram encontradasreportagens com referências a Tancredo Neves na FSP.

28 de fevereiro: mineiridade

A edição do Estado de Minas, do dia 28 de fevereiro, o texto deBaptista Almeida, “Presente ou futuro, eis uma solução”, trata das fu-turas visitas de Serra a Belo Horizonte – por ocasião da inauguração daCidade Administrativa e pelo aniversário de Aécio Neves em 10 demarço – como a abertura da “temporada de caça ao vice”. Destaca-secomo enquadramento “corrida de cavalos”. A imagem que se observa,nesse caso, é a de que Aécio é diferente de Serra. O mineiro também éapresentado como um político mais conciliador e que consegue manterboas relações com outros políticos e partidos, mesmo os opositores.Percebe-se o chamado “mito da mineiridade”.

Arruda (1999) buscou entender a mineiridade fazendo conexõesentre mito e identidade. O mito fornece material para a construção dasidentidades culturais. Tendo como objeto de estudos as reflexões acercada identidade cultural dos mineiros e o processo de formação do mitoda mineiridade, a autora buscou localizar nas formas de agir, tanto localquanto nacional, dos mineiros, baseando-se em obras literárias e outrosrelatos como os de viajantes, dentre outros. O contexto foi a transiçãoda sociedade mineira, que passou do rural para o urbano, condicionandoa “tessitura do mito da mineiridade.” No caso de Aécio Neves, esse mitoda mineiridade foi associado à imagem herdada de seu avô; também

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percebe-se que é uma estratégia para evitar críticas a uma possível des-caracterização de sua mineiridade em função de sua estadia no Rio.

01 de março: pesquisa de intenção de voto

O jornal Folha de S.Paulo repercutiu a pesquisa do DataFolha –dois artigos, uma matéria e uma coluna – mostrando a “surpresa” dostucanos com a queda de José Serra e como isso serviria como mais uminstrumento para forçar Aécio a aceitar concorrer como vice.

O texto de Fernando de Barros e Silva, intitulado “Águas demarço”, apresenta sua opinião sobre o cenário político com base no re-sultado da pesquisa aponta que Dilma surpreendeu ao conseguir seaproximar de Serra.

Hoje, no entanto, o mais provável é que aceite enfrentar o desafioda disputa sem a certeza prévia de que contará com o mineiro emsua chapa. Não há dúvida de que Aécio agora será muito pressio-nado pelos tucanos. Mas quem precisa dizer a que veio antes que aságuas de março fechem o verão é o governador de São Paulo (Silva,2010c, grifos nossos).

A pesquisa também é comentada por Valdo Cruz, “Riscos da so-berba”, que trata da possibilidade de Michel Temer (PMDB) ser vicede Dilma. O nome de Aécio é citado como uma segunda opção e é vistocomo um candidato de peso frente ao PT.

Na coluna “Toda Mídia”, de Nelson de Sá, Serra aponta três fa-tores que justificam a importância do apoio de Aécio.

De José Serra, para Tales Faria, do IG: “Aécio Neves tem umpapel fundamental, nas eleições, por três razões igualmente im-portantes: é uma das grandes lideranças do país; faz um governomuito competente; Minas Gerais é estado-chave não só por ter osegundo colégio eleitoral, mas porque é um ponto de equilíbrio nafederação” (Sá, 2010, grifos nossos).

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Dos três fatores, importa-nos ressaltar o último, que mostraMinas Gerais como um estado “ponto de equilíbrio na federação”, oque justifica, ainda mais, a associação feita pelo jornal EM entre aimagem de Aécio Neves e de seu avô, que é conhecido como umpolítico conciliador (mineiridade) e por transferir essa qualidade aoEstado mineiro.

02 de março: jogo político e segundo clichê

A reportagem “Tucanos em busca de uma definição”, de PatríciaAranha, trata do lançamento do selo comemorativo do centenário denascimento de Tancredo Neves – “enquadramento centrado na perso-nalidade”, com ênfase na “habilidade política” de Aécio. É significativoobservar como o evento serviu apenas como pano de fundo para umadiscussão maior: às especulações sobre quem seria o candidato doPSDB. A reportagem trata da queda de Serra na pesquisa de intençãode voto e, também, da possibilidade de Aécio ser uma segunda opçãodo PSDB. Aécio afirmou não querer ser um “plano B” dos tucanos etambém não queria ser responsabilizado caso Serra perdesse a eleição.

Ao final da reportagem destaca-se em trecho bem ilustrativo, quemostra não apenas a tentativa do EM em sustentar a candidatura deAécio, mas, sobretudo, a presença da astúcia como parte do jogo políticopróprio aos mineiros:

Na intimidade, o governador mineiro começou a admitir a pos-sibilidade de compor a chapa puro sangue. Conhecedores do estilomineiro de fazer política acreditam que possa ser o sinal de que as decla-rações não passam de cortina de fumaça para encobrir a intenção de en-cabeçar a chapa. A presença do deputado federal Ciro Gomes(PSB-CE) na quinta-feira em Belo Horizonte seria mais um sinalde que Aécio poderá assumir a candidatura, tendo Ciro como can-didato a vice-presidente (Aranha, 2010b, p. 3, grifos nossos).

Salienta-se que essa página está sob o selo “Eleições” e é interes-sante notar que a reportagem principal trata da solenidade que lançou o

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selo comemorativo do centenário de nascimento de Tancredo Neves.Percebem-se os dois enquadramentos: “corrida de cavalos” – “Aécio me-lhor candidato”; e “centrado na personalidade” – “habilidade política”.

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Figura 2 - “Tucanos em busca de uma definição”

Fonte: Jornal Estado de Minas, edição de 02 de março de 2010.

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No mesmo dia, a reportagem “Convite a adversários causa mal-estar entre Serra e Aécio”, de Cátia Seabra e Valdo Cruz, na FSP, tratada cerimônia que seria realizada em Minas Gerais em homenagem aocentenário de Tancredo Neves. Para o evento, Aécio teria convidadodiversos políticos, entre eles Ciro Gomes e Dilma Rousseff. Segundo areportagem, Serra teria se “irritado” com a postura do tucano mineiro,uma vez que o paulista já é apresentado como o candidato do PSDB àPresidência. Nota-se, ainda, a imagem de “político conciliador” queAécio procura mostrar.

Cabe destacar, conforme compreendido por Pires (2002), que háo “tempo da política” e o “tempo da mídia”, na medida em que o tempomidiático é acelerado e menos dado à “costura de acordos”, mais de-moradas. “(...) há que se considerar que no jornalismo não se trabalhacom essa lógica da política. Intenções não são notícias” (Pires, 2002, p.107), o que explica as cobranças da mídia por definições de Aécio.

03 de março: “Minas a reboque, não!”

Champagne (1998) chama a atenção para a importância da capacomo lugar estratégico e, portanto, de disputa por aqueles que buscamvisibilidade. No dia 3 de março, o jornal EM publicou um editorial decapa, intitulado “Minas a reboque, não!”, defendendo a candidatura deAécio à Presidência e repudiando o convite feito a ele para ser vice nachapa com Serra. Nota-se, aí, a presença tanto do “enquadramentocorrida de cavalos” – “Aécio melhor candidato” – quanto do “enqua-dramento centrado na personalidade” – “político de alta linhagem deMinas”.

O EM se diz representante dos mineiros – importante resgatarseu slogan: “O grande jornal dos mineiros”; e isso fica evidente noeditorial. Ainda que seja um posicionamento do jornal em apoiar acandidatura de Aécio, o texto foi construído de forma a ser a opiniãodos mineiros. Sobre isso destacam-se as passagens: “(...) É com essesentimento que os mineiros repelem a arrogância de lideranças políticas(...) Também incomoda os mineiros (...) os mineiros estão, porém,seguros (...).”

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Aécio Neves é apresentado como um líder reconhecido nacional-mente e como o “mais bem avaliado entre os governadores da últimasafra de gestores públicos”, além de ser chamado, no editorial, de “po-lítico de alta linhagem de Minas”. Essas características, segundo o edi-torial, não permitiriam que Aécio aceitasse o papel de vice de José Serra.

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Figura 3 - “Minas a reboque, não!”

Fonte: Jornal Estado de Minas, edição de 03 de março de 2010.

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O editorial foi veiculado na capa das duas edições do dia. É im-portante dizer que, ao longo da pesquisa, foram identificadas mudançasda primeira para a segunda edição, o que no jornalismo é entendidocomo mudança de clichê. De acordo com Rabaça e Barbosa (1987, p.528), deve-se entender por segundo clichê a edição extraordinária deum jornal, impressa logo após a primeira, com modificações para inclu-são de informações importante sobre fatos ocorridos de última hora.Alguns jornais (como o caso do EM) imprimem, no cabeçalho das pá-ginas modificadas, a expressão “2º clichê” ou “2ª edição”. Importantedestacar que nos casos aqui observados, notou-se que não se tratava deinclusão de outra notícia ou alguma informação adicional; as mudançasacarretaram na produção de novos sentidos.

O artigo de Elio Gaspari, na FSP, intitulado “Serra joga parado,mas quer preferência”, critica a forma como Serra e o PSDB estavamlidando com a candidatura do paulista à Presidência. Serra não se apre-sentou enquanto candidato antecipadamente, como ocorreu comDilma, e, por outro lado, não impedia que outro tucano demonstrasseinteresse, como o caso de Aécio.

04 de março: Aécio � Serra

No dia 4 de março se comemora o nascimento de Tancredo Nevese, também, marcou a inauguração da Cidade Administrativa que, poriniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, foi batizada como nome de Tancredo Neves.

A editoria de política do Estado de Minas, que habitualmente temseis páginas, ocupou, nesse dia, 11 páginas. Os textos foram organizadossob três selos: Eleições, Tancredo Neves e Governo. Nessa oportunidade,os dois enquadramentos foram encontrados a partir da ênfase nas ideias:“Aécio melhor presidente”, “eficiência administrativa” e “habilidadepolítica”.

Destaca-se a página 2, do EM, o artigo de Baptista Almeida, “Asdiferenças dos candidatos”, que trata de duas importantes imagens: as-sociação de imagem de Aécio à de Tancredo Neves; e Aécio diferenteSerra.

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Ainda no EM, a segunda edição sofreu significativas alterações. Areportagem principal da página 4, que antes era sobre os preparativosda inauguração da Cidade Administrativa, na segunda edição é a reper-cussão do editorial. A reportagem “Festa para 6 mil convidados” foitransferida para a página 11. Vale mencionar, também, a mudança deselo que na primeira edição era “Governo” e na segunda, “Eleições”.Assim, a matéria de repercussão do editorial ganhou mais destaque na2ª edição e foi associada ao tema “Eleições”, confirmando que se tratavade uma questão eleitoral, ou seja, da candidatura de Aécio Neves.

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Figura 4 - Primeiro clichê: Página 4 do EM

Fonte: Jornal Estado de Minas, 1ª edição

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Aqui, se fará um salto para o dia 5 de março, apenas para mostraroutra repercussão sobre o editorial do EM, que foi divulgado na colunaPainel, de Renata Lo Prete, na FSP:

Primeira-irmã. É quase consenso no PSDB que Aécio Neves nãosoube de antemão do editorial do Estado de Minas desancando acandidatura presidencial de Serra e a hipótese de o mineiro aceitara vice. Nove entre dez tucanos, porém, completam o diagnósticocom uma ressalva: “Mas a Andréa Neves soube” (Lo Prete, 2010,grifos nossos).

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Figura 5 - Segundo clichê: Página 4 do EM

Fonte: Jornal Estado de Minas, 2ª edição de 04 de março de 2010.

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No mesmo dia, o jornal FSP procurou mostrar que não havia dú-vidas de que Serra seria candidato à Presidência e que Aécio não acei-taria ser vice, e, menos ainda, que pretendia se lançar como candidatono lugar de Serra.

05 de março: “Aécio presidente”

No dia seguinte à inauguração da Cidade Administrativa, o jornalmineiro apresentou como manchete de primeira página “O recado deMinas”. Destaca-se a página 3, da primeira edição, a reportagem deLucas Figueiredo (2010a): “O jeito mineiro de ser” (Figura 6). Maisuma vez, a segunda edição traz significativas alterações. A reportagem(Figura 7), também de Lucas Figueiredo (2010b), ganhou outro título,“A voz das Gerais”. O primeiro título sugere-nos uma alusão a Aécio eao seu “jeito mineiro de ser”. Ao passo que o segundo, mais incisivo,apresenta “a voz das gerais”: “Aécio presidente”.

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Figura 6 – Primeiro clichê: “O jeito mineiro de ser”

Fonte: Jornal Estado de Minas, 1ª edição de 5 de março de 2010.

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A FSP também noticiou a inauguração da Cidade Administrativa.Na capa da edição São Paulo e, também, na edição nacional, a chamadasobre o evento traz o seguinte título: “PSDB trata Serra como candi-dato, mas coro pede Aécio presidente”. Logo abaixo, uma chamada parao artigo de Fernando de Barros e Silva: “Governador de SP teve quepagar seu primeiro pedágio na visita a Minas.”

No caderno Opinião, o artigo de Fernando de Barros e Silva, “Ó,Minas Gerais”, relata dos gritos da plateia – “Aécio presidente!” – ecomo Serra ficou constrangido com a situação. Nota-se que o enqua-dramento aqui é “corrida de cavalos”: “Aécio melhor candidato.”

Por fim, o editorial da Folha de S.Paulo, “Serra ou não Serra”, cri-tica a cena política brasileira, em que o “nível” dos candidatos, em es-

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Figura 7 – Segundo clichê: “A voz das Gerais”

Fonte: Jornal Estado de Minas, 2ª edição de 5 de março de 2010.

6 O jornal Folha de S.Paulo veicula, diariamente, duas edições: uma nacional e outralocal, esta direcionada a São Paulo.

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pecial do PSDB, é posto em xeque: “Qualquer que seja o desfecho desseaborrecido drama de bastidores, a cada dia se reduz a estatura dos per-sonagens que o compõem.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como ponto de partida o processo de escolhade quem seria o candidato do PSDB à Presidência da República em2010. A questão inicial foi verificar se e como o jornal Estado de Minasconstruiu a imagem pública política de Aécio Neves como presidenciá-vel em 2010.

A partir da análise de determinados acontecimentos, verificou-seque o jornal mineiro trabalhou na construção da imagem pública polí-tica de Aécio Neves como presidenciável em 2010. Identificou-se queessa construção foi feita, principalmente, a partir dos enquadramentos“interpretativo” e “noticioso” (Porto, 2001; 2004). Sobre o enquadra-mento noticioso, destaca-se a presença recorrente dos enquadramentos“corrida de cavalos”, e “centrado na personalidade”.

A partir dos enquadramentos foi possível identificar imagens àsquais Aécio foi associado e que traduzem a intencionalidade de inter-pretação dos enquadramentos:

a) eficiência administrativa, a partir da Cidade Administrativa eretomando a figura de Juscelino Kubitscheck;

b) Aécio � Serra, sendo Aécio melhor candidato;

c) habilidade política, quando associado a Tancredo Neves e à mi-neiridade.

Explicita-se, também, que o EM construiu a imagem de Aécio comopresidenciável recorrendo ao discurso da mineiridade. Ele é tido comoum político conciliador, que busca a união nacional, que tem habilidadede diálogo e que propõe ações inovadoras, por exemplo. A figura em-blemática de Tancredo Neves, como personificação do mito da minei-ridade, foi recorrente no período analisado.

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Também é válido destacar que as mudanças de clichê ou ediçãoforam responsáveis, no período analisado, por mudanças de sentido noEstado de Minas. As mudanças de clichê permitiram ao jornal aperfeiçoarseu discurso político em favor de Aécio.

Questionou-se, logo de início, o possível alinhamento entre o jor-nal EM e Aécio Neves, como já apontado em diversos trabalhos acadê-micos. Ao menos, no caso aqui analisado, isso foi confirmado a partirdas estratégias utilizadas pelo jornal mineiro em prol da construção deuma imagem positiva de Aécio.

Do ponto de vista metodológico, destaca-se importância da aná-lise comparativa dois jornais, na medida em que ela revela as estratégiasenunciativas a partir do contraste.

Notou-se que o jornal Estado de Minas posicionou-se enquanto“porta-voz” dos mineiros e como ator político. O jornal falava em nomede Minas e, mais ainda, em muitas oportunidades, os textos pareceramser direcionados ao PSDB, evidenciando, também, seu posicionamentoenquanto ator político; principalmente quando se observa que ele deixade apenas cumprir sua função primeira de noticiar e acaba influenciandono jogo político.

Ressalta-se que o campo político tem seus limites e, aqui, ficouclaro que um deles é a visibilidade. Dessa forma, Aécio criou suas pró-prias estratégias. Ou seja, os acontecimentos, como as homenagens aocentenário de Tancredo Neves e a inauguração da Cidade Administra-tiva, foram arquitetados muito antes do período analisado, de modo queconfluíssem nas páginas dos jornais (aproveitando-se, ainda, de seu ali-nhamento com o EM) no mesmo período, conferindo ganhos em ter-mos de visibilidade.

O PSDB, por sua vez, também tem suas estratégias, especialmentequando usou a mídia como “balão de ensaio” para “testar” seus pré-can-didatos e realizar, nesse espaço, as prévias sem envolver diretamente,ou comprometer o partido. Os testes foram realizados na medida emque os próprios pré-candidatos se envolveram em uma disputa pela im-posição da imagem e a mídia repercutiu essa disputa. Salienta-se, por-tanto, que as prévias foram midiáticas, ou seja, não ocorreram, de fato,no interior do PSDB – não acontecimento (Fontcuberta, 1993).

A investigação comprovou, portanto, o entrelaçamento entre os

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campos político e midiático. Ainda que sejam campos distintos, per-cebe-se sua clara aproximação, especialmente quando o jornal se tornaator político, e os acontecimentos mostraram-se criados pelo campopolítico para ganharem visibilidade na mídia.

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Fabrício Maciel

O QUE SIGNIFICA A NOVA CLASSE MÉDIA?

O RETORNO DA CLASSE NO DEBATE BRASILEIRO

Um dos principais debates no Brasil e no mundo contemporâneo,seja na esfera pública, na grande mídia ou na academia, é sobre a ascen-são dos “emergentes”, ou seja, de uma “nova classe média” nas socie-dades contemporâneas. Mangabeira Unger (2008) foi um dos primeirosa ressaltar sua importância teórica e política no Brasil. Definida por elecomo “segunda classe média”, “vinda de baixo”, morena, originada da“ralé”, esta nova classe seria o principal motor do desenvolvimento dassociedades emergentes, tanto como novos agentes produtores quantocomo novo e crescente público-alvo de consumo.

O advento desta nova classe pode ser visto tanto na mídia quantoem literatura especializada, em países como Indonésia, Turquia e, prin-cipalmente, China, Índia e Brasil, estes três últimos já considerados namídia mundial como uma espécie de “calcanhar de Aquiles” na domi-nação histórica do Atlântico Norte. Duas definições dominantes, pelomenos no Brasil, sobre a nova classe, são os conceitos de “classe C” ede “nova classe média”. O primeiro domina pesquisas empíricas que de-finem os emergentes principalmente pelo critério da renda, mas tam-bém pelo critério do consumo. Pesquisas como as realizadas pela FGVou pelo Ipea comprovam essa afirmação. Basta ver os últimos livros or-ganizados por Marcio Pochmann (2012), do Ipea, de um lado, e porMarcelo Néri (2012) da FGV, de outro.

O conceito de nova classe média procura ir além da função darenda e do consumo. Procura considerar também o estilo de vida e ogosto dos emergentes, vistos principalmente em seu consumo, compor-tamento político e atitude no espaço público. Uma das principais pes-quisas nesta direção foi organizada pelos cientistas políticos BolivarLamounier e Amaury Souza, cujo resultado é o livro A classe média bra-sileira: ambições, valores e projetos de sociedade (2009). A pesquisa dos au-

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tores, por se pautar mais a partir de um continuum, segundo Castel(2011), entre a “nova” e a “velha” classe média, analisando a primeirado ponto de vista da última, acabou sendo preconceituosa e não perce-bendo a especificidade da nova classe (Souza, 2010). Segundo Castel(2011), qualquer comparação deveria ser muito mais pela diferença doque pela semelhança, considerando que todo fenômeno social possuisua especificidade histórica, estrutural e conjuntural.

Em contrapartida, a pesquisa sobre a suposta nova classe média,organizada logo em seguida por Jessé Souza, apontou para outra dire-ção. A partir da ideia de que o Brasil presencia hoje a ascensão impre-visível e contingente de uma nova classe de “batalhadores”, termo esteoriginado no senso comum brasileiro, Souza e o grupo de pesquisa porele coordenado, o CEPEDES (Centro de pesquisa sobre desigual-dade/UFJF), procurou enfrentar, com referências teóricas e políticasalternativas, bem como um método de pesquisa alternativo, os conceitosdominantes sobre o novo fenômeno. Resumirei aqui as dificuldades dosdois conceitos dominantes a partir deles mesmos.

1 – Por que é complicado falar em Classe C? A pesquisa nacionalsobre a suposta nova classe media, cujo resultado é o livro Os batalha-dores brasileiros: nova classe media ou nova classe trabalhadora? (Souza,2010), mostrou que a renda é um dos critérios menos importantes nadefinição de uma classe social, e isto porque não recupera sua gênese esua dinâmica. A principal referência teórica, para tanto, foi a articulaçãodo conceito de habitus, de Pierre Bourdieu (2007), ao de disposições,de seu crítico Bernard Lahire (2006). O conceito de habitus procura te-matizar as possibilidades de ação, incorporadas pelos indivíduos desdea infância e situadas em sua educação formal e informal, escolar e fami-liar. O conceito de disposições aperfeiçoa o anterior, exatamente porcriticá-lo. Em Bourdieu, habitus muitas vezes parece sugerir mais umaestática do que uma dinâmica social e individual, ainda que ele o definacomo um “conjunto de disposições incorporadas” (Bourdieu, 2007).

2 – Por que é complicado falar em nova classe “média”? Esseponto é ainda mais importante do que o primeiro. O principal critérioreferente à classe média tradicional, para definir a nova classe também

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como média, é a capacidade de consumo. Isso cai “como uma luva” emum discurso político conservador, originado do Atlântico Norte, queconsidera países desenvolvidos apenas aqueles que possuem uma ro-busta classe média (Souza, 2010). Ao pesquisar com método de obser-vação participante e entrevistas de profundidade a realidade cotidianadesses perfis, público-alvo tanto do Estado quanto do mercado, pude-mos ver que sua dinâmica e condição histórica inédita exigia outros re-ferenciais políticos e teóricos.

Dado fundamental: os batalhadores trabalham em média 14 horaspor dia, geralmente são autônomos sem vínculo formal que, por esforçopróprio, sobrevivem na “zona de vulnerabilidade” das sociedades con-temporâneas. Sem qualificação formal, ou com muito pouca, apresen-tam estilo de vida simples e sobrevivem através de um saber popular,alternativo ao “Conhecimento” com C maiúsculo, conferido e reconhe-cido pela chancela oficial dos certificados e diplomas do sistema escolare universitário reconhecido por Estado e mercado. Por esses motivos,percebemos uma diferença fundamental: os novos perfis são uma novaclasse trabalhadora, ao mesmo tempo entendida como efeito e comoatores dos novos critérios de reprodução social de uma sociedade declasses modificada.

A diferença empírica entre a nova classe trabalhadora e a classemédia tradicional nos permite entender melhor os conceitos dominan-tes para a compreensão da grande transição histórica de nosso tempo,que Castel chegou a considerar como a “segunda grande transforma-ção” do capitalismo. Esta segunda transformação é ainda mais profundae complexa do que a primeira, analisada pelo clássico trabalho de KarlPolanyi, quando percebeu o domínio do mercado autorregulado comomarco definidor do início das ditas sociedades industriais (Polanyi apudCastel, 2011). A novidade é que, na prática, durante todo o século XX,sendo este interpretado como sociedade industrial ou salarial, o mer-cado nunca foi de fato autorregulado, mas teve sempre os Estados na-cionais como seus agentes. Agora, de acordo com Castel (2011), Beck(2007), Souza (2010) e outros, o mercado autorregulado de fato existequase sem restrições.

Para Castel e Beck, seu efeito é a “institucionalização da preca-riedade e do individualismo” (Castel, 2011; Beck, 1997; 2007). Para

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Souza (2010), com a pesquisa dos batalhadores, isto significa a domi-nação do capital financeiro, pensando em seus efeitos no Brasil. UlrichBeck considera tais efeitos oriundos do processo de globalização, noqual as forças e os agentes financeiros transnacionais sucumbem os Es-tados e radicalizam desigualdades de toda espécie (Beck, 2007). Todosos europeus aqui analisados concordam que a gênese da precariedade éo fim do Estado de bem-estar. No Brasil, Souza (2003) mostrou que aprecariedade é nossa velha marca estrutural, produto da sociedade dotrabalho mundial.

A diferença entre os batalhadores e a classe média nos permiteanalisar, como eu dizia, com exemplos empíricos, os conceitos domi-nantes da nova sociedade do trabalho e, aqui, precisamos “precisar”, ouseja, evitar pequenas confusões teóricas que poderiam gerar grandesproblemas políticos, contribuindo assim para uma nova articulaçãoentre os conceitos de classe e trabalho na realidade atual. Por exemplo:

Flexibilidade. Conceito pensado por Richard Sennett (2006) nosEUA, e por Ulrich Beck (1986; 1997), dentre outros, olhando para adecadência relativa de frações de classe média. Flexibilidade também éuma das palavras-chave da ideologia empresarial dominante. Significafornecer todo o tempo pessoal em adaptação às exigências da carreira.Isso pode se referir a realidades de classe média tanto no centro quantona periferia. Para o batalhador, flexibilidade significa outra coisa. Sig-nifica improviso, adaptabilidade, mas em condições realmente insegu-ras, na zona de vulnerabilidade. Como imperativo moral e ideologia, aflexibilidade afeta a todos. Como realidade empírica de trabalho, a di-ferença é grande. Flexibilidade para a ralé é sinônimo de fazer qualquercoisa, quando não se tem qualificação formal alguma.

Para a classe média, flexibilidade é sinônimo de adaptação dotempo e disposição para mudar de cidade. Para o batalhador, flexibili-dade é sinônimo de muito trabalho e de mudar de negócio, quando ascoisas vão mal. Para a ralé, flexibilidade é sinônimo de flutuação entredesemprego e pequenos “bicos”, como dizemos no senso comum bra-sileiro. Para a classe média, flexibilidade não é sinônimo de informali-dade ou precariedade. A terceirização que afeta a classe média muitasvezes significa abrir uma firma, formal, com CNPJ, de prestação de ser-

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viços ou de consultoria, para os mais qualificados. Para os batalhadorese a ralé, que podemos aqui chamar de classes populares, flexibilidade équase sempre sinônimo de informalidade e de precariedade, este últimoprincipalmente para ralé.

Informalidade. Realidade predominante entre as classes popula-res. Esta análise não se refere apenas à periferia. Nos EUA é maior doque no “lado A” da Europa, ou seja, em seus países mais ricos, e talvezno mesmo nível da Europa “lado B”, cabe lembrar. Para a classe média,pode existir informalidade, mas trata-se de uma experiência quase sem-pre ligada a uma rede de capital social que não significa precariedade.Para as classes populares, informalidade é quase sempre sinônimo deprecariedade, mas não necessariamente. Existe o trabalho formal pre-cário, por exemplo, como o telemarketing.1 Logo, a tradicional dicoto-mia formal-informal, predominante na sociologia do trabalho, não éprecisa para definir boas ou más condições de trabalho.2

Precariedade.O mais vago dos três conceitos. Gorz, Beck e Castelo utilizam o tempo todo. Obviamente, trata de condições ruins de tra-balho. Mas, já virou ideologia de classe média, transformando-se emfalso sinônimo de flexibilidade. Trabalho precário significa insegurançamaterial e moral, instabilidade, flutuação entre trabalhar e não trabalhar,ou seja, tanto no centro quanto na periferia, refere-se à condição socialdaqueles que flutuam dentro da zona de vulnerabilidade do mercado,seja formal ou informal. Trata-se da realidade das classes populares, quenão possuem patrimônio ou herança para sobreviverem em tempos dedesemprego ou de mau funcionamento de seus pequenos negócios.

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1 Ver capítulo de Ricardo Visser, A formalidade precária, no já citado livro dos bata-lhadores (2010), por exemplo.

2 Ver minha dissertação de mestrado “trabalho e reconhecimento na modernidadeperiférica”, na qual sugeri a dicotomia “socialmente qualificado-socialmente des-qualificado”, o que tematiza melhor boas ou más inserções no mercado de trabalho(UENF, 2007).

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Qualificação. Podemos pensar em dois tipos de qualificação: a for-mal e a informal. A primeira é aquela conferida por certificados e di-plomas reconhecidos institucionalmente pelo Estado. Ela épredominante na classe média e quase sinônimo de estabilidade social.Entretanto, ela é hoje perseguida também pelos batalhadores, cujos fi-lhos da maioria atualmente cursam alguma faculdade ou algum cursoprofissionalizante. A qualificação é palavra de ordem do dia da nova so-ciedade do trabalho, e sua presença constante na mídia oficial reforça ameia-verdade da teoria da sociedade do conhecimento. A qualificaçãoinformal é típica dos batalhadores: trata-se do saber popular, praticadonos pequenos comércios familiares da economia popular e familiar, ad-quirido geralmente com os pais, ou sozinho, muitas vezes como apren-diz que inicialmente adquire habilidades como pedreiro ou mecânico,sem remuneração.

Existe também a qualificação social, ou moral, praticada intersub-jetivamente a partir das posições sociais entre os formalmente qualifi-cados e desqualificados. Dentro de uma grande empresa, por exemplo,os mais qualificados formalmente podem lançar estigmas contra osmenos desqualificados. Isso é uma prática social e moral que pode de-sanimar aqueles com certificados menos valorizados e, além dessa hie-rarquia, muitas vezes sobrecarregá-los com trabalho na empresa eatrapalhar seu tempo e disposição física para adquirir qualificações maisaltas. Muitas vezes isto significa uma luta de classes ou frações de classesdentro das empresas.

A NOVA SOCIEDADE DE CLASSES

A ideia de que vivemos o fim das sociedades de classe é um dosprincipais paradigmas dominantes hoje nas Ciências Sociais. Ela é ooutro lado da moeda da teoria do fim da sociedade do trabalho. Na ver-dade, compõem um mesmo pensamento, originado do imaginário pós-Welfare europeu, que considerava sociedades do trabalho e sociedadesde classe como sinônimo de sociedade industrial. Com o advento dodomínio de conceitos como globalização, nova ordem mundial e novaordem multipolar, que no fundo querem dizer a mesma coisa, a impor-

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tância teórica e política dos conceitos de trabalho e de classe se tornaramresiduais e periféricos na ciência social do mundo inteiro. Apenas ummarxismo desatualizado, que teima em compreender o mundo contem-porâneo com a teoria do valor desatualizada de Marx, ainda aposta nacentralidade da classe e do trabalho, porém sem atualizar estes conceitosna nova realidade global, marcada pelo domínio da tecnologia e pelainformalização sem precedentes do capitalismo global.

Diante do atestado de óbito teórico e político da classe e do tra-balho, vindo principalmente da Europa, novas perspectivas se apresen-tam como candidatos a novos paradigmas dominantes. No caso dotrabalho, vimos que teorias como a da sociedade do conhecimento ouda informação se apresentam como substitutas, ainda que cheias de fa-lhas. No caso da classe, e aqui tratamos de literatura diferente, frag-mentada nos campos de poder da academia, como percebia Bourdieu(2007), também temos os assassinos explícitos e implícitos da ideia deuma sociedade de classes.

Mais uma vez, a obra de Ulrich Beck é pioneira, em vários aspec-tos, na tentativa de definição do novo mundo pós-bipolar, globalizado,pós-industrial. Seu clássico livro, Risikogesellschaft, data de 1986, e já lan-çara várias teses sobre o trabalho e a classe que depois, nos anos de 1990,ficaram conhecidas com autores como Imanuel Castells, Richard Sen-nett e muitos outros. André Gorz (2004) também é um dos profetas dofim da classe, porém indiretamente, pois a pedra de toque de toda suaobra é o advento do conhecimento como força produtiva maior do queo trabalho.

Curiosamente, Ulrich Beck não abandona a ideia de trabalho etenta resgatá-la, mas abandona a ideia de uma sociedade de classes. Umdos capítulos mais famosos de seu livro Sociedade de risco chama-se “Jen-seits von Klasse und Schicht” (“Para além de classe e status”), no qualele lança uma de suas teses mais famosas, substituindo o peso teórico epolítico da classe pelo individualismo, através de uma análise de comoas mudanças sociais do trabalho fragmentam a família. A tese é ambígua,o que explica seu forte poder de influência. A fragmentação do trabalhoe o advento crescente das mulheres no mercado fragmentam casamen-tos e geram o que Sennett mais tarde definiu como “corrosão do cará-ter” (Sennett, 2006).

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Tematizar o individualismo não é necessariamente ruim. Casteltambém relaciona um individualismo negativo com a fragmentação dascondições de trabalho. Porém, Ulrich Beck propõe o individualismocomo novo paradigma em substituição ao paradigma da classe (Beck,1986; 2008). Para ele, a desigualdade social da sociedade do risco, ouda segunda modernidade, como ele nomeia, se opera muito mais entreindivíduos do que entre classes, ideia que ele continua desenvolvendo eaperfeiçoando até hoje. A tese é ambígua, e por isso deve ser enfrentada.Por um lado, ela não nega a hierarquia social e sugere uma radicalizaçãoda meritocracia, com o que concorda Castel (2011).

Lado positivo da tese do individualismo: vivemos sim em ummundo de competição mais acirrada, sim, entre indivíduos, conforma-dos pelos novos critérios morais e normativos do trabalho. Trata-se aquide uma atualização do individualismo, tese esta já presente na obra deMax Weber, quando percebeu que o desencantamento do mundo sig-nifica o fim dos laços de comunidade e de solidariedade, tendo cada in-divíduo a própria responsabilidade sobre seu destino, o que no mundomoderno significa a obrigação moral e intersubjetiva de ser dono daprópria trajetória. Traduzindo para a linguagem de uma sociedade me-ritocrática: cada pessoa é responsável por sua própria carreira, sendo ofracasso imperdoável.

Jessé Souza (2003) recuperou em Florestan Fernandes que o in-dividualismo, nesse aspecto, é desde sempre a realidade da ralé, cujamarca principal é exatamente a da família desestruturada pelo desem-prego. De longe, então, Beck e Castel percebem a relação entre não fi-liação social e individualismo, que significa nesse sentido isolamento,autoindulgência, sofrimento pessoal e admissão da própria culpa pessoalpela derrota, quando é o caso na sociedade do trabalho e da classe.

Lado negativo da tese do individualismo: ela não pode ser trans-formada em substituta do paradigma da classe e do trabalho. Podemospensar no caso dos batalhadores: são trajetórias individuais que encon-tramos quando vemos a ascensão de milhões de brasileiros, em grandeparte oriundos da ralé, filiando-se ao mercado através de um saber po-pular e de uma economia popular, informais em sua maioria e não ne-cessariamente precários. Mas isso não significa o fim das classes sociais.Pelo contrário, quando os indivíduos batalhadores, por exemplo,

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mudam de condição social, eles se transformam em uma nova classe,pois apresentam trajetórias individuais semelhantes.

Castel não entra no debate da classe, apenas tem uma tese sobreo individualismo negativo e sobre as mudanças sociais do trabalho queo condicionam. É uma lacuna em seu lado historiador, preocupadoexaustivamente com a mudança da questão social desde a sociedade pré-salarial até a sociedade pós-salarial. Já Ulrich Beck é um inimigo decla-rado da classe. Um inimigo distinto, pois não a nega, apenas a admitecomo residual e categoria analítica descritiva, um conceito “zumbi”,diante da força maior do conceito de individualismo. Desde seu clássico“Risikogesellschaft” (1986) ele já dizia que o mundo hoje produz mais ris-cos do que necessidades. A produção de necessidades teria sido traçocentral da sociedade industrial.

Bourdieu é o principal autor para a recuperação de uma teoria declasses, para sua renovação a partir dos imperativos da nova sociedademundial do trabalho. Sua obra foi a principal influência dessa tarefa, noBrasil, realizada por Souza e seu grupo de pesquisa, o CEPEDES/UFJF.O conceito de habitus e a teoria dos capitais, de Bourdieu, são a pedrade toque nessa direção. Com a ideia de habitus Bourdieu identificou tra-ços comuns que assemelham as pessoas simbolicamente e as aproximamna prática, definindo padrões e barreiras de classe, em seu livro Distinção(2007). Com ele pesquisamos a ralé brasileira, em sua condição de es-tática social, totalmente não filiada ao mercado produtivo e não porta-dora da condição de consumidor, o outro lado da moeda do indivíduoconsiderado digno em uma sociedade meritocrática.

A teoria dos capitais de Bourdieu talvez nos ajude a enxergar aclasse muito mais no caso das classes médias e dominantes do que nocaso das classes populares, definidas mais pela ausência do que pelaposse de capitais. Para ele, as classes dominantes, os ricos, são portado-res principalmente do capital econômico, o que significa patrimônioacumulado por famílias e herança, bem como investimentos. As classesmédias possuem principalmente capital cultural, estabelecidas princi-palmente nas profissões liberais. Para Souza (2010), o capital familiarseria outra característica fundamental para os privilégios da classe médiatradicional.

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Três outras perspectivas teóricas contemporâneas também nosajudam a enxergar que existem classes sociais na nova sociedade mundialdo trabalho. Elas fazem parte do pensamento dominante no AtlânticoNorte que, direta ou indiretamente, não conseguem esconder a exis-tência de classes sociais na nova realidade mundial de radicalização einstitucionalização da precariedade, do individualismo e da meritocra-cia. Aqui, usaremos o pensamento dominante contra ele mesmo, comofez Jessé Souza (2000) com o “pensamento social brasileiro”.

1 – O advento de uma nova elite global.Vários autores influentesno Atlântico Norte já perceberam a existência de uma elite transnacio-nal, pequena, portadora da maioria das ações do capital financeiro in-ternacional, que se resumem a um número relativamente pequeno defamílias e empresas. Isso é uma classe social. Uma classe dominantetransnacional. Nos EUA, Peter Berger e Samuel Huntington (2004, emportuguês [2002] no original) organizaram uma pesquisa mundial degrande porte e financiamento, cujo resultado é o livro Muitas globaliza-ções. Diversidade cultural no mundo contemporâneo (2004). O próprio títulojá sugere o teor relativista do tema, que não percebe uma sociedademundial do trabalho, mas sim casos culturais da globalização. O pontoimportante é que, nesse livro, um dos traços gerais foi exatamente per-ceber a elite global.

2 – A teoria das redes transnacionais. Manuel Castells (2010) éconhecido por sua teoria da sociedade da informação e da sociedade deredes. Ele também percebe a elite global, e com um acréscimo impor-tante aqui: as redes transnacionais são redes impessoais que interligamos ricos e o estamento científico transnacional. Mas também podem serredes pessoais, ou seja, trata-se do capital pessoal dos ricos que é fun-damental para o compartilhamento de informações raras em tempo real,ou seja, por exemplo, onde investir e como agir na bolsa de valores.Trata-se de uma rede social internacional que mantém boa parte do di-nheiro do mundo circulando em suas próprias mãos, na lógica do re-investimento de capitais e da terceirização da mão de obra altamentequalificada, ou seja, das consultorias, como uma nova arma da velhaclasse média brasileira.

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3 – A teoria dos milieus sociais.De autoria principalmente de Mi-chael Vester (1993), influente bourdiesiano alemão. Partindo do es-quema vertical de classes de Bourdieu, que definiu em seu tempo, naFrança, as classes como dominantes, médias e populares, Vester procura,com a ideia de milieus (ambientes ou meios sociais), renovar uma teoriade classes diante das mudanças vividas na Alemanha dos anos de 1970e 1980. O autor identifica em espaços do “mundo da vida”, de identifi-cação a partir de gostos culturais como música, o que pode ser conside-rado frações de classe, e assim mostra que as classes sociais sãointernamente heterogêneas, não sendo apenas definidas pelo status eco-nômico e a posição em camadas sociais.

O que está em jogo nesse pensamento pós-welfare, explícito ouimplícito, é a tentativa de substituição da tradição da sociologia do tra-balho, que dominou a era definida como sociedade industrial: trata-seda tradição marxista, em Frankfurt e em muitos outros, mesmo na so-ciologia estatística das classes norte-americana. Aqui as peças do que-bra-cabeça começam a se encaixar. Faz todo sentido, se pensamos noespírito da época, ditado pela ciência social dominante do AtlânticoNorte, e no caso do trabalho principalmente pela academia francesa ealemã. André Gorz (2004) é a melhor tentativa de renovação da teoriado valor, mas infelizmente termina em uma ontologia do imaterial, emlugar da ontologia do capital, herança marxista que não pode ser per-dida. No Brasil, a sociologia do trabalho e da classe, como em seu maiorexemplo, Ricardo Antunes, se resume a adaptar as velhas teses de Marxà nova realidade, sobre a qual ironicamente aprendemos mais com osconservadores do que com os supostos donos da crítica.

REFERÊNCIAS

BECK, Ulrich. Risikogesellschaft. Auf dem Weg in eine andere Moderne.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986.

BECK, Ulrich. Was ist Globalisierung? Frankfurt am Main: Suhrkamp,1997.

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BECK, Ulrich. Schöne neue Arbeitswelt. Frankfurt am Main: Suhrkamp,2007.

BECK, Ulrich. Die Neuvermessung der Ungleichheit unter den Menschen.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2008.

BERGER, Peter; HUNTINGTON, Samuel. Muitas globalizações. Di-versidade cultural no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Re-cord, 2004.

BOURDIEU, Pierre. A distinção. Crítica social do julgamento. SãoPaulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007.

CASTEL, Robert. From manual workers to wage laborers: transformationof the social question.New Brunswick: New Jersey: Transaction Pu-blishers, 2003.

CASTELLS, Manuel. The rise of the network society. The information age:economy, society and culture. Oxford: Blackwell Publishers, 2010. v. 1.

CASTEL, Robert. Die Krise der Arbeit. Neue Unsicherheiten und die Zu-kunft des Individuums.Hamburg: Hamburger Edition HIS Verlags-ges mbH, 2011.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes.São Paulo: Ática, 1978.

GORZ, André. Misérias do presente, riqueza do possível. São Paulo: An-nablume, 2004.

LAHIRE, Bernard. Acultura dos indivíduos. Porto Alegre; Artmed, 2006.

NÉRI, Marcelo. A nova classe média. O lado brilhante da base da pirâ-mide. São Paulo: Saraiva, 2012.

OFFE, Claus. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1994.

POCHMANN, Marcio. Nova classe média? O trabalho na pirâmide so-cial brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012.

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SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro: Record,2006.

SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania. 2. ed. Belo Horizonte:Editora UFMG; Rio de janeiro; Iuperj, 2003.

SOUZA, Jessé. Os batalhadores brasileiros. Nova classe média ou novaclasse trabalhadora? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

UNGER, Roberto Mangabeira. O que a esquerda deve propor? Rio de Ja-neiro: Civilização Brasileira, 2008.

VESTER, Michael. Soziale Milieus in gesellschaftlichen Strukturwandel.Köln: Bund-Verlag GmbH, 1993.

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SOBRE OS AUTORES

GILSON REIS (ORG.) - Professor de Biologia, Pós-graduado em EconomiaBrasileira e Mercado de Trabalho pela UNICAMP, Dirigente da CTB-Nacional, Presidente do Sinpro Minas e Vereador de Belo Horizonte.

PEDRO OTONI (ORG.) - Mestre em Ciência Política pela UFMG, espe-cialista em Economia Política, diretor do Centro de Estudos Aplicados ao De-senvolvimento Brasileiro (Cedebras).

ADELSON FRANÇA JR. - Pedagogo, Especialista em Filosofia pela UFMGe professor na Prefeitura de Belo Horizonte.

CLARICE BARRETO LINHARES - Socióloga, Mestre em Ciência Políticapela UFMG e diretora do Sindicato dos Professores do Estado de MinasGerais (SinproMinas).

CLÁUDIO CONTIJO - Conselheiro efetivo e Presidente do ConselhoRegional de Economia de Minas Gerais, Doutor em Ciências Econômicaspela New School for Social Research dos Estados Unidos, Professor daFaculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Mestre em Economia pelaUNICAMP, Graduado em Ciências Econômicas na UFMG, Escritor earticulista de Economia.

ÉRICA ANITA BAPTISTA - Jornalista e Mestre em Comunicação Social pelaPUC Minas. Doutoranda em Ciência Política na UFMG. Pesquisadora dosgrupos “Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral”,sediado na UFMG, e “Discurso político midiatizado”, sediado na PUC-Minas.

FABRICIOMACIEL - Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federalde Juiz de Fora (UFJF), com sanduíche na PH Freiburg, Alemanha. Professoradjunto do Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Uni-versidade Cândido Mendes, Campos dos Goytacazes/RJ.

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Sobre os autores_Layout 1 9/18/13 7:36 PM Page 327

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GILBERTO ANTÔNIO REIS - Médico Sanitarista, Doutor em Ciência daInformação e professor da PUC-Minas.

JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES - Professor da UFMG, FDSM ePUC-Minas, Mestre e Doutor em Direito pela UFMG.

JOSÉ TANAJURA CARVALHO - Economista, ex-professor da UFMG, PUC-Minas, Fundação Dom Cabral, ex-Diretor de Informática do TCEMG.

MARIA EULÁLIA ALVARENGA – Economista, Coordenadora do NúcleoMineiro da Auditoria Cidadã da Dívida.

MARIA LUCIA FATTORELLI - Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadãda Dívida

RODRIGO ÁVILA - Economista da Auditoria Cidadã da Dívida.

RONALD ROCHA - Sociólogo e sócio do Instituto 25 de Março de SérgioMiranda – Isem.

VANDERLEI MARTINI - natural do Rio Grande do Sul e militante doMST/MG desde 1999. Graduando em Serviço Social pela ESS/UFRJ.

VIRGÍLIO DE MATTOS - Professor universitário sindicalizado. Graduado,especialista em Ciências Penais e Mestre em Direito pela UFMG. Doutor emDireito pela Università Degli Studi di Lecce (IT). Autor de Crime e psiquiatria– uma saída, dentre outros. Da Comissão de Fomento à Participação eControle Social na Execução Penal do Ministério da Justiça. Advogadocriminalista.

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Sobre os autores_Layout 1 9/18/13 7:36 PM Page 328

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O livro Desvendando Minas – descaminhos do projeto neoliberal, organizado pelos professores Gilson Reis e Pedro Otoni, promete instigar a reflexão sobre os limites do bloco dominante mineiro, em especial seu principal representante no momento, o senador Aécio Neves. No entanto, os artigos que compõe a obra vão além e promovem uma investigação ampla sobre os diferentes aspectos da condição estrutu-ral e conjuntural de Minas Gerais. A abordagem permite revelar os verdadeiros contornos do projeto em andamento no Estado, vendido como “moderno” e “eficiente”, mas que objetivamente repro-duz o mesmo padrão histórico regional, pautado pela condição periférica e primá-rio-exportadora.

Os artigos que compõem a coletânea fazem uma leitura crítica de cada ação dos governos do PSDB e demonstram, com farta quantidade de dados, os estragos causados por suas gestões – e de seus fiéis aliados – ao importante estado de Minas Gerais. Entre outros mitos desmascarados está o do “choque de gestão”, praticado pelos governadores tucanos no Governo Estadual. O autor Ronald Rocha comprova esta orientação, tão badalada pela impren-sa nacional, que serve apenas aos interes-ses do empresariado e agravou as desigual-dades sociais no estado. No mesmo rumo, o autor Cláudio Gontijo aponta que o “choque de gestão” enriqueceu ainda mais os rentistas e travou o desenvolvimento da economia.

Em outros terrenos, o desastre neoliberal também é esmiuçado. Na obra há estudos sobre a regressão da política agrária, sobre o “estado de choque” da saúde em Minas Gerais, sobre os descaminhos na política de educação, entre outros. O livro apresen-ta um rico apanhado do modo tucano de governar, o que o torna uma obra indispen-sável para o debate de ideias na sociedade brasileira, com vista a promover a reflexão e superação deste campo político definiti-vamente identificado com os interesses do mercado. Ele ajuda a desmistificar a trajetória do PSDB Mineiro e desmascara a mídia conservadora, que tanto fez e faz para blindar o seu cambaleante projeto político.

Altamiro BorgesPresidente nacional do Barão de Itararé

ORGANIZADORES:

Gilson Reis e Pedro Otoni

COLABORADORES: Adelson França Jr, Clarice Barreto Linhares, Cláudio Contijo,Érica Anita Baptista, Fabricio Maciel, Gilberto Antônio Reis, José Luiz Quadros de Magalhães,

José Tanajura Carvalho, Maria Eulália Alvarenga, Maria Lucia Fattorelli, Rodrigo Ávila,Ronald Rocha, Vanderlei Martini e Virgílio de Mattos

REALIZAÇÃO:

Cedebras

Fundação Mauricio Grabóis

ISEM - Instituto 25 de Março de Sérgio Miranda

Sinpro Minas - Sindicato dos Professoresdo Estado de Minas Gerais

Gilson Reis (Org.)Professor de Biologia, Pós-graduado em Economia Brasileira e Mercado de Trabalho pela UNICAMP, Dirigente da CTB-Nacional, Presidente do Sinpro Minas e Vereador de Belo Horizonte.

Pedro Otoni (Org.)Mestre em Ciência Política pela UFMG, especialista em Economia Política, diretor do Centro de Estudos Aplicados ao Desenvolvimento Brasileiro (Cedebras).

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