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ISBN978-85-472-1556-9

LopesJunior,AuryFundamentosdoprocessopenal:introduçãocrítica/AuryLopesJr.–3.ed.–SãoPaulo:

Saraiva,2017.1.Processopenal2.Processopenal-BrasilI.Título.16-1332CDU343.1

Índicesparacatálogosistemático:

1.Processopenal:Direitopenal343.1

PresidenteEduardoMufarej

Vice-presidenteClaudioLensing

DiretoraeditorialFláviaAlvesBravin

Conselhoeditorial

PresidenteCarlosRagazzo

GerentedeaquisiçãoRobertaDensa

ConsultoracadêmicoMuriloAngeli

GerentedeconcursosRobertoNavarro

GerenteeditorialThaísdeCamargoRodrigues

EdiçãoEvelineGonçalvesDenardi|VerônicaPivisanReis

ProduçãoeditorialAnaCristinaGarcia(coord.)|LucianaCordeiroShirakawaClarissaBoraschiMaria(coord.)|KelliPriscilaPinto|MaríliaCordeiro|MônicaLandi|

TatianadosSantosRomão|TiagoDelaRosa

Diagramaçãoerevisão(LivroFísico)Know-HowEditorial

ComunicaçãoeMKTElaineCristinadaSilva

CapaCasadeIdeias/DanielRampazzo

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Livrodigital(E-pub)

Produçãodoe-pubGuilhermeHenriqueMartinsSalvador

ServiçoseditoriaisSuraneVellenich

Datadefechamentodaedição:1-11-2016

Dúvidas?

Acessewww.editorasaraiva.com.br/direito

NenhumapartedestapublicaçãopoderáserreproduzidaporqualquermeioouformasemapréviaautorizaçãodaEditoraSaraiva.

AviolaçãodosdireitosautoraisécrimeestabelecidonaLein.9.610/98epunidopeloartigo184doCódigoPenal.

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Sumário

AuryLopesJr.

Prefácio(originaldaobraIntroduçãocríticaaoprocessopenal)

Prefácio

Notadoautor–3ªedição

TextoemhomenagemaEduardoCoutureeJamesGoldschmidt

Capítulo1-Ofundamentodaexistênciadoprocessopenal:instrumentalidadeconstitucional

1.1.ConstituindooprocessopenaldesdeaConstituição.Acrisedateoriadasfontes.AConstituiçãocomoaberturadoprocessopenal

1.2.Superandoomaniqueísmoentre“interessepúblico”versus“interesseindividual”.Inadequadainvocaçãodoprincípiodaproporcionalidade

1.3.Ainfluênciadosmovimentosrepressivistas.Tolerânciazeroparaquê(quem)?Desvelandoahipocrisiadodiscurso

1.4.Direitoedromologia:quandooprocessopenalsepõeacorrer,atropelandoasgarantias

1.5.Princípiodanecessidadedoprocessopenalemrelaçãoàpena

1.6.Instrumentalidadeconstitucionaldoprocessopenal

1.7.Anecessáriarecusaàteoriageraldoprocesso.Respeitandoascategoriasprópriasdoprocessopenal.QuandoCinderelaterásuasprópriasroupas?

1.8.Inserindooprocessopenalnaepistemologiadaincertezaedorisco:lutandoporumsistemadegarantiasmínimas

1.8.1.Riscoexógeno

1.8.2.Epistemologiadaincerteza

1.8.3.Riscoendógeno:processocomoguerraoujogo?

1.8.4.Assumindoosriscoselutandoporumsistemadegarantiasmínimas

Capítulo2-Teoriasdaaçãoedascondiçõesdaação.Anecessidadedeconstruçãodeumateoriadaacusação

2.1.Paraintroduziroassunto...

2.2.Açãoprocessualpenal–iusutprocedatur–desdeaconcepçãodepretensãoacusatória.Porquenãoexiste“trancamentodaaçãopenal”?

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2.3.Naturezajurídicadaaçãoprocessualpenal.Caráterpúblico,autônomoeabstrato(ouconcreto)?

2.4.Condiçõesdaaçãoprocessualpenal(enãocivil!)

2.4.1.Quandosepodefalaremcondiçõesdaação?

2.4.2.Condiçõesdaaçãopenal:equívocosdavisãotradicional-civilista

2.4.3.Condiçõesdaaçãopenalsegundoascategoriasprópriasdoprocessopenal

2.4.3.1.Práticadefatoaparentementecriminoso–fumuscommissidelicti

2.4.3.2.Punibilidadeconcreta

2.4.3.3.Legitimidadedeparte

2.4.3.4.Justacausa

2.4.3.4.1.Justacausa:existênciadeindíciosrazoáveisdeautoriaematerialidade

2.4.3.4.2.Justacausa:controleprocessualdocaráterfragmentáriodaintervençãopenal

2.4.4.Outrascondiçõesdaaçãoprocessualpenal

2.5.Aproposta:teoriadaacusação.ReflexosnaSantaTrindade“acusação-jurisdição-processo”

2.5.1.Anecessidade:inadequaçõesdecorrentesdoconceitotradicionalde“ação”.Oconceitode“acusação”

2.5.2.Requisitosdeadmissibilidadedaacusação

2.5.3.Reflexosnosconceitosdejurisdiçãoeprocesso

Capítulo3-Jurisdiçãopenal.Aposiçãodojuizcomofundantedosistemaprocessual

3.1.Sistemaacusatório

3.2.Sistemainquisitório

3.3.Oreducionismoilusório(einsuficiente)doconceitode“sistemamisto”:agestãodaprovaeospoderesinstrutóriosdojuiz

3.3.1.Afaláciadosistemabifásico

3.3.2.Ainsuficiênciadaseparação(inicial)dasatividadesdeacusarejulgar

3.3.3.Identificaçãodonúcleofundante:agestãodaprova

3.3.4.Oproblemadospoderesinstrutórios:juízes-inquisidoreseosquadrosmentaisparanoicos

3.4.Críticaaosistemade“justiçanegociada”eofalaciosoargumentodequesetratadeimposiçãodosistemaacusatório.Refletindosobrea"delaçãopremiada"

Capítulo4-Teoriasacercadanaturezajurídicadoprocesso(penal)

4.1.Introdução:asváriasteorias

4.2.Processocomorelaçãojurídica:acontribuiçãodeBülow

4.3.Processocomosituaçãojurídica(ouasuperaçãodeBülowporJamesGoldschmidt)

4.3.1.QuandoCalamandreideixadeserocríticoerendehomenagensaunmaestrodiliberalismo

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processuale.Oriscodeveserassumido:alutapelasregrasdojogo

4.3.2.Paracompreendera“obradoautor”éfundamentalconhecero“autordaobra”:JamesGoldschmidt

4.4.Processocomoprocedimentoemcontraditório:ocontributodeElioFazzalari

Capítulo5-(Re)construçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal:apretensãoacusatória(paraalémdoconceitocarneluttianodepretensão)

5.1.Introdução(ouaimprescindívelpré-compreensão)

5.1.1.Superandooreducionismodacríticaemtornodanoçãocarneluttianade“pretensão”.PensandoparaalémdeCarnelutti

5.1.2.Teoriassobreoobjetodoprocesso(penal)

5.2.Estruturadapretensãoprocessual(acusatória)

5.2.1.Elementosubjetivo

5.2.2.Elementoobjetivo

5.2.3.Declaraçãopetitória

5.3.Conteúdodapretensãojurídicanoprocessopenal:punitivaouacusatória?Desvelandomaisumainadequaçãodateoriageraldoprocesso

5.4.Consequênciaspráticasdessaconstrução(ouporqueojuiznãopode(ria)condenarquandooMinistérioPúblicopediraabsolvição...)

Referências

Sobreoautor

Textodeorelha(capa)

Textode4ªcapa

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AURYLOPESJR.

DoutoremDireitoProcessualPenalpelaUniversidadComplutensedeMadrid.ProfessorTitulardeDireitoProcessualPenaldaPUCRS.ProfessornoProgramadePós-Graduação–Doutorado,Mestradoe

Especialização–emCiênciasCriminaisdaPUCRS.CoordenadordoCursodeEspecializaçãoemCiênciasPenaisdaPUCRS.Vice-PresidentedaFederasuledaAssociaçãoComercialdePortoAlegre.Pareceristae

Conferencista.AdvogadoCriminalista.www.aurylopes.com.brwww.facebook.com/aurylopesjr

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ParaMaíra,retribuocomtuasprópriaspalavras,poisinsuperáveis...

“Euteprometoadoçuraeagraçadomeuamor,mastambémnãodeixo

passarofrionabarrigaeocalordapaixão.Apaixãoquevivemoseque

foimeudelírio:umaforça,umaordem,umavontadequefoialémde

qualquerrazão.Teprometoumapaixãosemrepouso,febril,fascinante,a

nossacara.Umrespeitofácilcalçadonaimensaadmiraçãoquesintopor

ti.Naalegria,terásomeusorrisofrouxoe,natristeza,minhaslágrimas

complacentesehonestas.Nasaúdeenadoença,meuempenhoparaque

sejamossaudáveisdecorpoe,nãomenos,sãosdeespírito.Todososdias,

prometoqueterásaminhadedicaçãoeentregaparaesseamorquetivea

rarasortedeencontrar.”

ParaThaisa,CarmellaeGuilhermina,quemefizeramcompreendero

querealmentesignificaamorincondicional.

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Prefácio

(originaldaobraIntroduçãocríticaaoprocessopenal)

Nãodesçasosdegrausdosonho

Paranãodespertarosmonstros.

Nãosubasaossótãos–onde

Osdeuses,portrásdassuasmáscaras,

Ocultamopróprioenigma.

Nãodesças,nãosubas,fica.

Omistérioestáénatuavida!

Eéumsonholoucoestenossomundo...

(MarioQuintana,“Osdegraus”.Antologiapoética,p.93)

Umadas coisasmais interessantespara entenderospernósticos éverMario

Quintanaantesdemorrer(infelizmentejáfazdezanos),dizerqueseumaiorsonho

era escrever um poema bom. Anjo travesso, Malaquias fez – e faz – estrada,

construindo, no jeito gaúcho de ser, coisas maravilhosas, ousadas, marotas,

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sérias,pedindopassagementreaspalavras (queas ama tantoquantoele a elas

ama)paranãodeixarimuneacanalhadaqueseentregaaTânatos,pensandoque

podeencontrarEros.Quenada!Aísóseproduzsofrimento,emboranãosedeva

desconsiderar ahipótesedeque tambémsegoza, semembargode sepagarum

preçoparatanto;ecaro,muitocaro.

Eis o retrato da malta que assola a todos, brincando com as imagens;

vilipendiando os sentidos como jaguaras incorrigíveis; falsos brilhantes,

zirconitas.Opaísestárepletodeles,emtodososcampos.

NoDireito,asituaçãoé,quiçá,aindapior.Faz-seumabismoentreodiscurso

e a realidade. Nunca se esteve tão perto, pelas características, do medievo:

pensamentoúnico;dificuldadesde locomoçãopara agrandemaioria (não seria

issoopedágioselvagemimpostoaopaís?);generalizaçãodaignorância,pormais

paradoxalquepossaparecer,porque4/5dapopulaçãoseriamdescartáveis;um

mundopovoadoporimagensmidiáticas,nãorarosobrenaturais,parasemanteras

pessoasemcrença;umespaçoondepolis,civitas,jácontamuitopouco;citoyen,

comoMaximilienRobespierreexigiaserchamadopelofilho,hoje,semembargo

de estar perto do palavrão, é quase tão só inflação fonética de discurso

eleitoreiro.

Ograve,porém,sãoosmercadoresdasimagens;homensdaordem;edaleise

lhes interessa; maniqueístas interesseiros porque, pensando-se do bem (são

sempre os donos da verdade, que imaginam existir embora, cada vez mais,

mostre-secomomiragem),elegemomalnodiferente (emgeralosexcluídos)e

pensam, no estilo nazista, em coisas como um direito penal do inimigo.

Personalidadesdébeisvendemaalmaaodiabo(ouaumdeusqualquercomoo

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mercado) para operar em um mundo de ilusão, de aparência, e seduzir os

incautos. Parecem pavões, com belas plumas multicoloridas, mas com os pés

cheiosdecraca.Opioréque,detantoemtanto,metemnoimbrogliogentecoma

cabeçahistoricamentenolugar:

Nel1947FrancescoCarneluttideplorache,inossequioalpregiudizio

pessimistico sulla pena, ogni “penetrazione nel segreto” sia incon-

gruamenteaffidata“allalibertàdelsuotitolare”,sebbenelapubblica

igiene prevalga sull’interesse a nascondere le piaghe: analoghi i due

segreti, fisicoepsichico; ildirittoalsecondo“appartieneauna fase

del pensiero nella quale la pena era ancora concepita come unmale

anzichéunbeneperchilasubisce”;perciòlepolemichesullatortura

trascendono dannosamente “il giusto limite”; “dev’essere respinta

perchénonoffrealcunagaranziadiveritàdellarispostadeltorturato,

nonperchélocostringeapalesareumsegreto”;sequalcheespediente

garantisse l’esito veridico, “senza cagionare notevoli danni al corpo

dell’inquisito, non vi sarebbe alcuna ragione perché non fosse

adottato” (LPP, II, 168). Quattro anni dopo suscita scandalo la

confessione estorta in un famoso caso: il pubblico ministero invoca

l’opinione carneluttiana a sostegno della prassi poliziesca (Corriere

della Sera, 12 gennaio 1952); in Francia “Esprit” dedica una notta,

sotto il titolo La torture modérée, a “ce digne compatriote de

Beccaria” 1.

Naestruturapendularnaqualsevive,odifícilésuportar,notempo,oespaço

de descida e subida do pêndulo, porque nada é feito sem vilipêndio da

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democracia. Isso, como é sintomático, produz, nos atingidos – tem gente que

pensa, nessas ocasiões, para atingir os outros, acima do bem e domal – uma

reação que se não pode considerar desproporcional, embora, não raro, tenda a

vilipendiar também ela a democracia. Tudo, enfim, é resultado da falta de

respeitopeladiferença.Nãofoipordiversomotivo(entretantosoutrosdemenor

importância,aoqueparece) terachamada“OperaçãoMãosLimpas”,na Itália,

sidoodesastreque foi, salvo, in terraebrasilis, àqueles pouco esclarecidos e

movidos pelo “ouvir dizer”. Afinal, ninguém discorda que Silvio Berlusconi é

resultadodamaluquicedesepermitiruma,digamos,torturemodérée,como,por

certo, ironizou o “Esprit” referindo-se aos “dignos compatriotas de Beccaria”.

Emmatéria capital à democracia, como se sabe,não se transige, em nome de

nada, de tudo, ou de um deus qualquer; cláusulas pétreas, dizem os

constitucionalistas; e nunca estiveram brincando, pelo menos se não fizessem

parte da canalhada também. Agora, para quem acompanha mais de perto as

vicissitudespeninsulares,Berlusconidáotroco,vilipendiandodamesmamaneira

umademocraciaquesóDeussabecomoresiste2.Ademais,emmatériadogênero

ecomosedissealhures,depoisdedaroprimeirotiro–eisabarbárie–,ninguém

maissabeporqueestáatirando.Quemdissoduvidardeveperguntaràsfamílias

deLivatino,Chinnici,FalconeouBorsellini.Emdefinitivo,oBrasilnãomerece

passarporisso,razãoporqueháderesistiraodesvario,sejaeledequeladofor,

e,paratanto,háqueresistir,comesforçoeobrascomoapresente.

AuryLopesJr.,desdeopontodevistadaresistênciaàbarbárienoDPP,éo

Malaquias do direito processual penal. UmMario Quintana que rompe com a

mesmice – e a canalhice – aí instalada, passada como um raio dos ledores do

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código,emgeralleguleios,aosvampirosprofetase/ousalvadoresdapátria.Sem

desmitificar essa gente, todavia, não se vai adiante no jogo democrático; no

crescimento do grau de civilidade. Essa turba tem feito poesia (do DPP) com

esquadroe régua;parasermedidaenãoparaservivida.Sónãosepodeéser

(muito) condescendente com ela. E o Aury não o é. Está aí o sentido do

substantivo “crítica” no título. Só isso já seria suficiente para justificar a

grandezadeumlivrocomoopresente,nominado,comosefosseporMalaquias,

comomeraIntrodução.

Aury, embora muito jovem, tem um longa estrada, toda construída com um

discurso coerente, do seu Sistemas de investigação preliminar no processo

penal 3 ao excelente “(Des)velando o risco e o tempo no processo penal” 4.

DoutoremDireitoProcessualPenalpelaUniversidadComplutensedeMadrid,

ondefoiconduzidopelasmãossegurasdorespeitadoPedroAragonesesAlonso5;

comeleaprofundouosestudosem/nosGoldschmidt,quecontinuamdistantesde

terem uma proposta inaceitável e fornecedora de fundamentos aos “juristas

ligados ao credo nacional-socialista”6. Tudo ao contrário; nunca foi tão

importanteestudarosGoldschmidt,mormenteagoraemquenãosequeraceitar

viverdeaparências.

Noentanto,AuryfazpartedocorpodocentedeumdosmelhoresProgramasde

Pós-graduação do Brasil, ou seja, do multidisciplinar da PUCRS, onde

despontam,comele,RuthGauer(comsuasmãosdeferroecoraçãodemãe),Salo

deCarvalhoetantosoutrosquenãocabenominarnestebreveespaço.

AleituradesteIntroduçãocríticaéumprazerenorme,principalmentequando

estamostãoacostumadosà“manualística”tacanhaecomcheirodebolor.Noeixo

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decincograndesprincípios(quedãoazoaoscincocapítulos),Aurynavegapelo

nulla poena, nulla culpa sine iudicio, porque há de ser entendido como o

primeiro princípio lógico do sistema (talvez fosse o caso de dizer que é o

princípionúmerodoisdoconjuntoprocessual);pelagestãodaprovacomonúcleo

do sistema processual e, a partir dela, a separação das atividades de acusar e

julgar (só osmuito alienados não percebem que o princípio inquisitivo rege o

nosso sistema processual e, mais importante, a fase processual da persecução;

pelapresunçãode inocência,semoquenãoacabaoabusobárbarodasprisões

cautelares; pelonullaprobatio sinedefensione, algo vital para compreender o

verdadeiro sentido do processo; por fim, trata da motivação das decisões e

derruba ummito atrás do outro para se aproximar da realidade: “o resgate da

subjetividadenoatodejulgar:quandoojuizsepõeapensaresentir”.

OprezadoprofessordoutoradvogadoAuryLopesJr.brindaopaíscomuma

obra que, dando fundamentos da instrumentalidade garantista, evoca osbons

tempos,nosquaisseacreditava,comfé,nademocracia.Elavemcomo“Eraum

lugar”,do inominávelMarioQuintana, comadiferençadequenãoaceita fazer

partedemuseualgum,anãoserodaresistênciademocrática:

EraumlugaremqueDeusaindaacreditavanagente...

Verdade

queseiaàmissaquasesóparanamorar

mastãoinocentemente

quenãopassavadeumjeito,umtantodiferente,

derezar

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enquanto,dopúlpito,opadreclamavapossesso

contrapecadosenormes.

MeusDeus,atéoDiaboenvergonhava-se.

Afinaldecontas,nãoseestavaemnenhumaBabilônia...

Era,tãosó,umacidadepequena,

comseuspequenosvíciosesuaspequenasvirtudes:

umverdadeirodescansoparaamilíciadosAnjos

comsuasespadasdefogo

–umamor!

Agora,

aquelaantigacidadezinhaestádormindoparasempre

emsuaredomaazul,emumdosmuseusdoCéu7.

Prof.Dr.JacintoNelsondeMirandaCoutinho

CoordenadoreleitodoProgramadePós-graduaçãoemDireitodaUFPR.

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Prefácio

Afinalesdelosaños90,impartíenlaFacultaddeDerechodelaUniversidad

ComplutenseunCursodeDoctoradosobreuntipodeproceso,el“Procedimiento

abreviadoparadeterminadosdelitos”que,reguladoporlaLO7/1998,de28de

diciembre, trataba de que los delitos menores fueran resueltos en un “plazo

razonable”, sin pérdida de las garantías del “debido proceso”. Entre los

asistentesalcursoseencontrabaunjovenjuristabrasileño:AuryLopesJr.

El método que seguíamos para analizar las peculiaridades dogmáticas y el

régimen jurídico del proceso objeto de nuestro estudio consistía en repartir tal

investigaciónenponenciasacargode losdoctorandosquecomponíanelgrupo.

Una vez expuesta la ponencia, ésta era objeto de discusión en la clase. En sus

intervenciones Aury, haciendo honor a su condición de joven, de jurista y de

brasileño, ponía de relieve en el coloquio: su viveza idealista (propia de su

juventud); su gran formación como estudioso del Derecho (que tenía

sobradamente acreditada al aprobar la oposición para la docencia en 1993 e

implantarenlaUniversidaddeRíoGrandeunServiciodeDefensagratuita);ysu

interés por comprender con exactitud cualquier cuestión que se expusiera en el

coloquio que él estimara que podía ser interesante para la Justicia penal de su

país. A tal efecto, siempre con gran respeto, no dudaba en formular preguntas

sobre el sistema español y en proporcionar datos sobre la realidad jurídica

brasileña,detalmodoque,apenassindarnoscuenta,aquelCursoseconvirtióen

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unanálisiscomparativodelossistemasjurídico-penalesdeEspañayBrasil.Ello

nosenriquecióatodos.

TerminadoelCursomepidióquedirigierasuTesis,aloqueaccedíconpleno

agrado.AcordamosquelaTesistuvieraporelobjetoelestudiodelosSistemas

de instrucciónpreliminar en losDerechos español ybrasileño. (Conespecial

referenciaalasituacióndelsujetopasivodelprocesopenal).Comoserecoge

en la Nota preliminar del trabajo “el orden de los vocablos expresa el

predominiodelobjeto(sistemasdeinstrucción)sobreelsujeto(pasivo),demodo

que la investigaciónsevaacentrarenanalizarundeterminadomomentoo fase

delprocesopenal,tomandoenconsideración,especialmente,lasituaciónjurídica

de uno de los intervinientes”. La importancia del estudio de la instrucción

preliminarradicaenque,salvoloscasosdeflagrancia,comonosdiceelautor,

“el proceso penal sin previa instrucción es un proceso irracional, una figura

inconcebible.Elprocesopenalnopuede,ynodebe,prescindirdelainstrucción

preliminar, porque no se debe de juzgar de inmediato. Primeramente hay que

preparar,investigary,lomásimportante,reunirloselementosdeconvicciónpara

justificar la acusación. Es una equivocación que primero se acuse, después se

investiguey,al final, se juzgue.Elcostosocialyeconómicodelproceso,y los

diversostrastornosquecausaalsujetopasivohacennecesarioqueloprimerosea

investigar,parasabersihayqueacusarono”.

Así centrado el tema, mi labor como director consistió, principalmente, en

darle a conocer los métodos complementarios que debían seguirse en la

investigación, según las enseñanzas que yo había recibido de mis mejores

maestros: Werner Goldschmidt (en su concepción tridimensional del mundo

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jurídico)yJaimeGuasp(consusistemalógicoformal).

El estudio fue dividido en tres partes: una dedicada a la Introducción

(fundamentode laexistenciadelprocesopenal;sistemashistóricos: inquisitivo,

acusatorio ymixto; y el objeto del proceso penal); otra, sobre losSistemas de

instrucciónpreliminar(enrazónalossujetos:sistemajudicial,fiscalypolicial;

delobjeto:instrucciónplenariaysumaria;ydelosactos:publicidadysecretode

lasactuaciones),ponderandosusventajaseinconvenientes;yunaterceraquese

ocupa del Sujeto pasivo en la instrucción. Terminado el trabajo, la tesis fue

calificada,poreltribunalqueleconfirióelgradodeDoctor,conlamáximanota:

Sobresalientecumlaude.

El resultado constituye, a mi juicio, el mejor estudio de la instrucción

preliminarllevadoacaboenEspaña,loquefueposible,justoesreconocerlo,por

laexistenciademonografíastansugerentescomoladelMagistradoMiguelPastor

López, sobre El proceso de persecución, o investigaciones tan fundamentales

comolosComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminaldelProfesorEmilio

Gómez Orbaneja, o las brillantes exposiciones generales contenidas en los

diversos “Manuales” que los Profesores utilizan, preferentemente, para la

formación universitaria, así como los diversos trabajos que se recogen en la

bibliografíaquefiguraalfinaldelestudio.

Los juristas españoles no tienen la suerte de poder conocer tal trabajo en

castellano, pero sí pueden utilizar el texto publicado enRío de Janeiro, por la

EditoraLumenJurisen2001,conel títuloSistemasde investigaçãopreliminar

noprocessopenal,queesunasíntesisdelatesisdoctoral,quevaparalacuarta

edición.

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Aury Lopes Jr ha publicado también, con la misma Editora, su Introdução

críticaaoprocessopenal (Fundamentosda instrumentalidadegarantista). En

esta obra el autor se formula una pregunta que todo jurista debe hacerse

constantemente: Un proceso (o un Derecho), ¿para qué sociedad? ¿Cuál es el

papel de un jurista en ese escenario? El autormuestra su escepticismo ante la

legislación y la jurisprudencia de su país y, por ello, busca ser prospectivo,

librándosedelpesodelatradición.Unapostura“herética”enlamedidaenque

estámásvolcadoenlacreatividadyelfuturoqueenlareproduccióndelpasado.

El estudio crítico contempla los fundamentos de la instrumentalidad garantista

comoun“deberser”ynocomoun“ser”,unsistemaidealopuestoaunsistema

real.Calificado por el Prof.Dr. JacintoNelson deMirandaCoutinho, como el

Malaquías del Derecho Procesal Penal, Aury ha escrito un libro para hacer

pensar.Ello lo lleva a cabo con tal riquezadeperspectivas que, al leerlo, nos

parece estar examinando un diamante tan ricamente tallado que, al contemplar

cadafaceta,nospresentaunaluzdistinta,perosiemprebrillante.Noesextrañoel

éxitoquehaalcanzadoestaobra,quetambiénllegaalacuartaedición.

El currículo de Aury completa el conocimiento de su obra: Profesor del

Programa de Posgrado (Mestrado) en Ciencias Criminales de la Pontificia

UniversidadeCatólica-PUCRS;CoordinadordelCursodePosgradoenCiencias

PenalesdelaPUCRS;InvestigadordelCNPqenDerechoProcesalPenal(elmás

importante centro de investigación científica de Brasil);Miembro del Consejo

Directivo para Iberoamérica de la Revista de Derecho Procesal, y un largo

etcétera.

Paracerrarestanota,ynocomoreproche,sinocomoaugurio,piensoqueun

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autorque,acertadamenteentiende,conCarnelutti,quelasimetríaylaarmoníason

elementos indispensables de un trabajo científico, tiene que completar su obra

ocupándosedeltercerelementodelatrilogíadelossujetosdelprocesopenal.Si

yahaanalizadoloqueconciernealórganojurisdiccionalyalsujetopasivo,todos

los que le admiramos en su tarea jurídica, y le queremos como persona,

esperamos un estudio suyo sobre el otro protagonista del proceso penal: la

víctimadeldelito.

Prof.Dr.PedroAragonesesAlonso

ProfesorEméritodeDerechoProcesal

UniversidadComplutensedeMadrid(España)

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Notadoautor–3ªedição

Écommuitoprazerque tragoao leitoresta3ª edição, revisadaeatualizada,

agradecendo a confiança dosmeus leitores. Este é um livro de “fundamentos”,

portanto não sofre com as oscilações de humor da jurisprudência ou do

legislador. Possui uma estabilidade decorrente da própria imutabilidade do seu

objeto.Maséclaroqueaproveiteipararevisarecorrigiralgunserrosquesempre

permanecem.

Trata-sedeumaobrade caráter introdutório equevem–comodito antes–

complementare sercomplementadapelomeumanualDireito processual penal,

tendocomopropostaoaprofundamentodoestudodosFundamentosdoprocesso

penal,desdeaperspectivada“santatrindade”:ação,jurisdiçãoeprocesso.

Para analisar os fundamentos do processo penal, partimos de três pilares

básicos:respeitoàscategoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal(e,portanto,

recusa à teoria geral do processo); filtragem constitucional e de

convencionalidade (imprescindibilidade de leitura conforme a Constituição e a

Convenção Americana de Direitos Humanos); e interdisciplinaridade

(consciênciadainsuficiênciadomonólogojurídicoemumasociedadecomplexa).

Iniciamospelofundamentodaexistênciadoprocessopenalepeladefiniçãoda

“instrumentalidade constitucional”, sem, contudo, cair no tradicional e “mero”

instrumentalismo.Parte-sedo“princípiodanecessidade”parademonstrarqueo

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processo é um caminho necessário para chegar-se a pena ou não pena, sendo

regido, neste caminhar, pelas “regras do jogo”, como fatores legitimante e

limitadoresdopoder.

Depois, noCapítulo II, analiso as teorias da ação e das condições da ação,

abordando todas as teoriaspara concluir coma ambiçãode construçãodeuma

“teoria da acusação”. Chamo a atenção para a necessidade de atentar para as

condições de admissibilidade da acusação, próprias do processo penal,

abandonando o civilismo (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do

pedido)erroneamenteimportadoe“adaptado”.

O Capítulo III enfrenta a “jurisdição”, deslocando-a para a função de

“garantia”, não apenas com o tradicional civilismo de “poder-dever” dizer o

direito.Mas, indo alémda análise tradicional e básica (que fazemos emnossa

obraDireitoprocessualpenal)dejurisdiçãoecompetência,focamosna“posição

do juiz no processo penal como fundante do sistema processual”. Significa

analisarossistemasprocessuaispenaisinquisitório,acusatórioe(oinsuficiente)

mistoapartirdaposiçãodojuiz(e,claro,vinculandoàgestãodaprova),e,tudo

isso, sempre de olho no Princípio Supremo do Processo: a imparcialidade do

julgador.Nãomaispodemosestudarjurisdiçãosenãonaperspectivadaexigência

sistêmica,etudoissoaserviçodaimparcialidade.

Finalizocomoestudodo“processo”esuanaturezajurídica,últimoelemento

dasantatrindade(ação,jurisdiçãoeprocesso),retomandoBülowparasuperá-lo

com James Goldschmidt e aperfeiçoar com Fazzalari. Não se trata de simples

análise histórica, senão que precisamos falar sobre a natureza jurídica do

processo, não só porque ainda predomina a superadíssima concepção de

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“processocomorelaçãojurídica”(Bülow),queconduzaumavisãoautoritáriado

processo e do lugar ocupado pelo juiz, mas também porque precisamos

compreender a real dinâmica da complexa fenomenologia do processo para,

desvelando sua realidade, fortalecer o núcleo de direitos fundamentais.

Compreender a dinâmica realista da concepção de Goldschmidt, do processo

como situação jurídica, é assumir o risco e a incerteza, para então lutar pela

efetividadedasregrasdojogo,entreelasagarantiadocontraditório,cujavisão

de Fazzalari é fundamental (sua teoria se situa em uma continuidade do

pensamentodeGoldschmidt).Por fim,abordamosacomplexidadedoobjetodo

processopenal,demonstrandooerrodepensarem“pretensãopunitiva”.

Enfim, pensamos que o resgate dos “fundamentos do processo penal” é da

maior importância para a compreensão dessa complexa fenomenologia,

oportunizando também a correção de alguns erros e impropriedades que vão,

depois,cobrarumpreçomuitoaltodoprocessopenal.

Como de costume, deixo três canais abertos de comunicação com meus

leitores,agradecendodesdelogotodasascríticasesugestões:

https://www.facebook.com/aurylopesjr

www.aurylopes.com.br

[email protected]

Esperoquegostemedesfrutemdaleitura!

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AuryLopesJr.

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TextoemhomenagemaEduardoCoutureeJamesGoldschmidt

Em homenagem a Eduardo Couture e James Goldschmidt, cujas lições de

humanidadeealtruísmodeveriamservirdeinspiraçãoparaaconstruçãodeuma

sociedademaisjustaetolerante:

[...]

Enelmesdeoctubrede1939recibíunacartadelProfesorGoldschmidt,que

fue Decano de la Facultad de Derecho de Berlín, escrita desde Cardiff, en

Inglaterra.Yacomenzada laguerra,enellamedecía lo siguiente:“conozcosus

librosytengoreferenciasdeUd.EstoyenInglaterraymipermisoderesidencia

venceel31dediciembrede1939.AAlemanianopuedovolverporserjudío;a

Francia tampoco porque soy alemán; a España menos aún. Debo salir de

Inglaterraynotengovisaconsularparairaningunapartedelmundo”.

Aunhombreilustre,porqueenelcampodelpensamientoprocesal,laramadel

derechoenqueyotrabajo,lafiguradeGoldschmidteraalgoasícomounadelas

cumbres de nuestro tiempo, a un hombre de esta insólita jerarquía, en cierto

instantede suvidayde lavidade lahumanidad,comounaacusaciónparaesa

humanidad le faltaba en el inmenso planeta, un pedazo de tierra para posar su

plantafatigada.LefaltabaaGoldschmidtelmínimodederechoatenerunsitioen

este mundo donde soñar ymorir. En ese instante de su vida a él le faltaba el

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derechoaestarenunlugardelespacio.Nopodíaquedardondeestabaynotenía

otro lado donde poder ir. Pocas semanas después Goldschmidt llegaba a

Montevideo.

Yo nunca olvidaré aquel viaje hecho ya en pleno reinado devastador de los

submarinos. Vino en un barco inglés, el Highland Princess, en un viaje de

pesadilladondeacadainstanteunsubmarinopodíatraerlamuerte,conchaleco

salvavidassiemprepuesto,viajandoaoscuras.Angustiadolovillegarunatarde

deotoñollenadeluz,serenidadycalmaaMontevideo.

Recuerdodeeseinstanteunaanécdotaconmovedora.MedijoGoldschmidtque

élnodeseabaunapartamentojuntoalmar.Preferíaalgúnlugarcercadelcampo.

Cuando vio elmar desde Pocitos adonde le habíamos llevado, no quiso saber

nadadeél.Merespondióentonces:“Yoyaséadóndeconduce”.

Eranunhombreyunacivilizaciónqueserepelían,seodiabanrecíprocamente.

El venía a ver en el mar el símbolo del odio; a un Continente que lo había

expulsadodesuseno.

Recuerdotambiénqueesamismatarde,pocosminutosdespuésde llegar,me

dijolosiguiente:

“Ud.tendrálabondaddeacompañarmealaPolicía”.

“¿YquétieneUd.quehacerconlaPolicía?”,lecontesté.

“Tengoque inscribirmecomo llegadoalpaís;darcuentaa laPolicíadeque

vivoaquí”,fuesuréplica.

“PeroUd.notieneobligacióndehacerlo”,ledije.

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“¿DemaneraquelaPolicíanosabequeyoestoyaquí,nisabedóndeyovivo?”

Selellenaronlosojosdelágrimasydijo:

“Estoeslalibertad”.

[...]

Pocosdíasmás tardepreparabasu terceraclase.Erancomo lasnuevede la

mañana.Goldschmidttuvolasensacióndeunaligeramolestia,quisoreponersey

dejó de escribir. Se acercó a su esposa, recitó unos poemas de Schiller para

distraer lamente, volvió a sumesa de trabajo y como fulminado por un rayo,

quedómuertosobresuspapeles.

Así murió el más eminente de los Profesores de Derecho Procesal Civil

alemán,enunacasadepensióndeMontevideo.Caídosobresuspapelesescritos

en español, que luego recogimos, retirando de sobre ellos su cabeza que

empezabaaenfriarse,paratransmitiralmundoelmensajedequienhabíasufrido

comopocosymuriódedolor,depurodolordevivir.Noolvidarénuncaqueen

esospapeles,queestánpublicadoshoyconeltítulode“Losproblemasgenerales

del derecho”, se dice que el derecho, en último término, en su definitiva

revelación, es la más alta y especificada manifestación de la moral sobre la

tierra. Un sabio que, mediante oscuros instrumentos de derecho había sido

perseguido por sus enemigos, concluía su vida escribiendo páginas que tenían

másdemuertequedevida,enunactodeesperanzaenelpropioderechoquelo

habíacondenado.

[...]

Silahumanidaddenuestrotiemponosecuradeesemalqueazotóalaespecie

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a lo largo de los siglos, es porque la humanidad no tiene redención. Si no

comprendemos que los hombres son todos iguales, que la sustancia humana es

siempre lamisma,seacualseaelcolordesupiely lasangrequecorreensus

venas;sinoentendemosquenopuedenidebehaberdistinciónalgunaentre los

hombres,todoelsacrificiosufridopareceríaserenvano.Nuestraenseñanzadebe

ser,hoycomoayer,quenohayhombresinferioresosuperioresyquefrenteala

comunidad, loshombresno tienenmássuperioridadque ladesus talentosode

susvirtudes,comodicelaConstitución.

[...]

JamesGoldschmidtmuriódedolor,porquesumundosehabíaolvidadodetan

sencillasverdades.Murióporlacrueldaddeunaculturaquenosoloseolvidóde

lalibertad,sinotambiéndelamisericordiaqueesunadelasmásfinasysutiles

formasdelalibertad.

TrechosdaPalestradeCoutureintitulada“Lalibertaddelaculturaylaleyde

latolerancia”,proferidanadécadade1940ereproduzidanoperiódicouruguaio

TribunadelAbogado,junho/julhode2000.

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Capítulo1

Ofundamentodaexistênciadoprocessopenal:instrumentalidadeconstitucional

1.1.ConstituindooprocessopenaldesdeaConstituição.Acrisedateoriadasfontes.AConstituiçãocomoaberturadoprocessopenal

Aprimeiraquestãoaserenfrentadaporquemsedispõeapensaroprocesso

penal contemporâneo é exatamente (re)discutir qual é o fundamento da sua

existência, por que existe e por que precisamos dele. A pergunta poderia ser

sintetizadanoseguintequestionamento:umProcessopenal,paraquê(quem)?

Buscararespostaaessaperguntanosconduzàdefiniçãodalógicadosistema,

que vai orientar a interpretação e a aplicação das normas processuais penais.

Noutra dimensão, significa definir qual é o nosso paradigma de leitura do

processopenal,buscaropontofundantedodiscurso.Nossaopçãoépelaleitura

constitucional e, dessa perspectiva, visualizamos o processo penal como

instrumentodeefetivaçãodasgarantiasconstitucionais.

J.Goldschmidt1,aseutempo2,questionou:

Porquesupõeaimposiçãodapenaaexistênciadeumprocesso?Seoius

puniendi corresponde aoEstado, que temo poder soberano sobre seus

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súditos,queacusaetambémjulgapormeiodedistintosórgãos,pergunta-

se:porquenecessitaqueproveseudireitoemumprocesso?

Arespostapassa,necessariamente,porumaleituraconstitucionaldoprocesso

penal.Se,antigamente,ograndeconflitoeraentreodireitopositivoeodireito

natural, atualmente, com a recepção dos direitos naturais pelas modernas

constituições democráticas, o desafio é outro: dar eficácia a esses direitos

fundamentais.

Como aponta J. Goldschmidt3, os princípios de política processual de uma

naçãonãosãooutracoisasenãoosegmentodasuapolíticaestatalemgeral;eo

processopenaldeumanaçãonãoéum termômetrodoselementosautoritários

ou democráticos da sua Constituição. A uma Constituição autoritária vai

corresponder um processo penal autoritário, utilitarista. Contudo, a uma

Constituiçãodemocrática,comoanossa,necessariamentedevecorresponderum

processo penal democrático, visto como instrumento a serviço da máxima

eficáciadosistemadegarantiasconstitucionaisdoindivíduo.

Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente

constituir (logo, consciência de que ela constitui a ação), é que se pode

compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal

democráticosedápormeiodasua instrumentalidadeconstitucional. Significa

dizerqueoprocessopenalcontemporâneosomenteselegitimaàmedidaquese

democratizarefordevidamenteconstituídoapartirdaConstituição.

Cremos que o constitucionalismo, exsurgente do Estado Democrático de

Direito, pelo seu perfil compromissário, dirigente e vinculativo, constitui a

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açãodoEstado 4!

Com a precisão conceitual que lhe caracteriza, Juarez Tavares5 ensina que

nessaquestãoentreliberdadeindividualepoderdeintervençãodoEstadonãose

pode esquecer de que a “garantia e o exercício da liberdade individual não

necessitamdequalquerlegitimação,emfacedesuaevidência”.

Parece, essa, uma afirmação simples, despida de maior dimensão. Todo o

oposto.Aperigosaviragemdiscursivaquenosestá sendo (im)postaatualmente

pelosmovimentos repressivistas e as ideologias decorrentes faz comque, cada

vez mais, a “liberdade” seja “provisória” (até o CPP consagra a liberdade

provisória...) e a prisão cautelar (ou mesmo definitiva) uma regra. Ou, ainda,

aprofundam-seadiscussãoeosquestionamentossobrealegitimidadedaprópria

liberdade individual, principalmentenoâmbitoprocessualpenal, subvertendoa

lógicadosistemajurídico-constitucional.

Essaperigosainversãodesinaisexigeumchoqueàluzdalegitimaçãoapriori

daliberdadeindividual,eadiscussãodevevoltaracentrar-senopontocorreto,

muitobemcircunscritoporTavares6:“oquenecessitadelegitimaçãoéopoder

depunirdoEstado,eestalegitimaçãonãopoderesultardequeaoEstadoselhe

reserveodireitodeintervenção”.

Destaque-se:oquenecessitaserlegitimadoejustificadoéopoderdepunir,é

a intervenção estatal e não a liberdade individual.Mais, essa legitimação não

poderia resultar de uma autoatribuição do Estado (uma autolegitimação, que

conduzaaumasituaçãoautopoiética,portanto).Masessajáseriaoutradiscussão

emtornodapróprialegitimidadedapena,queextravasaoslimitesdestetrabalho.

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A liberdade individual, por decorrer necessariamente dodireito à vida e da

própria dignidade da pessoa humana, está amplamente consagrada no texto

constitucional e tratados internacionais, sendo mesmo um pressuposto para o

EstadoDemocráticodeDireitoemquevivemos.

Essaéumapremissabásicaquenorteiatodaaobra:questionaralegitimidade

do poder de intervenção, por conceber a liberdade como valor primevo do

processopenal.

Nemmesmooconceitodebemjurídicopodecontinuarsendotratadocomose

estivesseimuneaosvaloresdoEstadoDemocrático.ComoadverteTavares7,“a

questão da criminalização de condutas não pode ser confundida com as

finalidadespolíticasdesegurançapública,porqueseinserecomoumacondição

do Estado Democrático, baseado no respeito dos direitos fundamentais e na

proteção da pessoa humana”. E segue o autor apontando que, em um Estado

Democrático,

o bem jurídico deve constituir um limite ao exercício da política de

segurança pública, reforçado pela atuação do judiciário, como órgão

fiscalizador e controlador e não como agência seletiva de agentes

merecedoresdepena,emfacedarespectivaatuaçãodoLegislativooudo

Executivo8.

Atualmente, existe uma inegável crise da teoria das fontes, em que uma lei

ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição, não sendo raro

aquelesquenegamaConstituiçãocomofonte,recusandosuaeficáciaimediatae

executividade.Essarecusaéquedevesercombatida.

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A luta é pela superação do preconceito em relação à eficácia da

Constituição no processo penal. Mais do que isso, é necessário fazer-se um

controlejudicialdaconvencionalidadedasleispenaiseprocessuaispenais,na

medidaemqueaConvençãoAmericanadeDireitosHumanos(CADH)gozade

caráter supralegal, ou seja, está abaixo daConstituição,mas acima das leis

ordinárias (como o CP e o CPP). Portanto, é uma dupla conformidade que

devemguardarasleisordinárias:comaConstituiçãoecomaCADH.Esseéo

desafio.

Oprocessonãopodemaisservistocomoumsimplesinstrumentoaserviçodo

poder punitivo (direito penal), senão que desempenha o papel de limitador do

poderegarantidordo indivíduoaelesubmetido.Háquesecompreenderqueo

respeitoàsgarantiasfundamentaisnãoseconfundecomimpunidade,ejamais

se defendeu isso. O processo penal é um caminho necessário para chegar-se,

legitimamente,àpena.Daíporquesomenteseadmitesuaexistênciaquandoao

longo desse caminho forem rigorosamente observadas as regras e garantias

constitucionalmenteasseguradas(asregrasdodevidoprocessolegal).

Assim,existeumanecessáriasimultaneidadeecoexistênciaentrerepressãoao

delito e respeito às garantias constitucionais, sendo essa a difícil missão do

processo penal, como se verá ao longo da obra. No processo penal, a

ConstituiçãoeaCADHaindarepresentamumaabertura,umalgoaserbuscado

como ideal. É avanço em termos de fortalecimento da dignidade da pessoa

humana, de abertura democrática rumo ao fortalecimento do indivíduo. Nesse

sentido, nossa preocupação com a instrumentalidade constitucional e o caráter

“constituidor”daCartaedaCADH.

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GeraldoPrado9destacaaimportânciadaConstituiçãonaperspectivadefixar

“com clareza as regras do jogo político e de circulação do poder e assinala,

indelevelmente,opactoqueéarepresentaçãodasoberaniapopular,eportantode

cadaumdoscidadãos”.ÉaConstituiçãoumlocus,prossegueGeraldo,deonde

sãovislumbradososdireitosfundamentais,estabelecendoum“nexoindissolúvel

entre garantia dos direitos fundamentais, divisão dos poderes e democracia, de

sorteainfluirnaformulaçãodaslinhasgeraisdapolíticacriminaldedeterminado

Estado”. Finalizando, lembra o autor que o espaço comum democrático é

construídopelaafirmaçãodorespeitoàdignidadehumanaepelaprimaziado

Direitocomoinstrumentodaspolíticassociais,inclusiveapolíticacriminal.

Partimos da mesma premissa de Prado10: a Constituição da República

escolheuaestruturademocráticasobreaqualháqueexistiresedesenvolvero

processo penal, forçado que está – pois modelo pré-constituição de 1988 – a

adaptar-seeconformar-seaesseparadigma.

Então,nãobastaqualquerprocesso,ouameralegalidade,senãoquesomente

umprocessopenalqueestejaconformeasregrasconstitucionaisdojogo(devido

processo) na dimensão formal, mas, principalmente, substancial, resiste à

filtragemconstitucionalimposta.

Feito isso, é imprescindível marcar esse referencial de leitura: o processo

penaldeve ser lidoà luzdaConstituiçãoedaCADHenãoaocontrário.Os

dispositivos do Código de Processo Penal é que devem ser objeto de uma

releituramais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual

Carta,semqueosdireitosfundamentaisnelainsculpidossejaminterpretadosde

formarestritivaparaseencaixarnoslimitesautoritáriosdoCódigodeProcesso

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Penalde1941.

1.2.Superandoomaniqueísmoentre“interessepúblico”versus“interesseindividual”.Inadequadainvocaçãodoprincípiodaproporcionalidade

Argumento recorrente em matéria penal é o de que os direitos individuais

devem ceder (e, portanto, ser sacrificados) frente à “supremacia” do interesse

público.Éumamanipulaçãodiscursivaquefazummaniqueísmogrosseiro(senão

interesseiro)paralegitimarepretenderjustificaroabusodepoder.Inicialmente,

há que se compreender que tal reducionismo (público – privado) está

completamente superado pela complexidade das relações sociais, que não

comportammaisessadualidadecartesiana.Ademais,emmatériapenal,todosos

interesses em jogo – principalmente os do réu – superam muito a esfera do

“privado”, situando-se na dimensão de direitos e garantias fundamentais

(portanto, “público”, se preferirem). Na verdade, são verdadeiros direitos de

todosedecadaumdenós,emrelaçãoao(ab)usodepoderestatal.

Jáem1882,ManuelAlonsoMartínezafirmavanaExposicióndeMotivosde

la Ley de Enjuiciamiento Criminal que “sagrada es sin duda la causa de la

sociedad,peronolosonmenoslosderechosindividuales”.

W.Goldschmidt11explicaqueosdireitosfundamentais,comotais,dirigem-se

contraoEstado,epertencem,porconseguinte, à seçãoque tratadoamparo do

indivíduo contra o Estado. O processo penal constitui um ramo do direito

público,e,comotal,implicaautolimitaçãodoEstado,umasoberaniamitigada.

Ademais, existe aindao fundamentohistórico-políticopara sustentar a dupla

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função do moderno processo penal, que foi bem abordado por Bettiol 12. A

proteçãodoindivíduotambémresultadeumaimposiçãodoEstadoDemocrático,

pois a democracia trouxe a exigência de que o homem tenha uma dimensão

jurídicaqueoEstadoouacoletividadenãopodesacrificaradnutum.OEstado

deDireito,mesmoemsuaorigem, já representavaumarelevantesuperaçãodas

estruturas do Estado de Polícia, que negava ao cidadão toda garantia de

liberdade,e issosurgiunaEuropadepoisdeumaépocadearbitrariedadesque

antecedeuaDeclaraçãodosDireitosdoHomem,de1789.

A democracia, enquanto sistema político-cultural que valoriza o indivíduo

frenteaoEstado,manifesta-seemtodasasesferasdarelaçãoEstado-indivíduo.

Inegavelmente, leva a uma democratização do processo penal, refletindo essa

valorizaçãodoindivíduonofortalecimentodosujeitopassivodoprocessopenal.

Pode-se afirmar, com toda ênfase, que o princípio que primeiro impera no

processopenaléodaproteçãodosinocentes(débil),ouseja,oprocessopenal

como direito protetor dos inocentes (e todos a ele submetidos o são, pois só

perdemessestatusapósasentençacondenatóriatransitaremjulgado),poisesse

éodeverqueemergedapresunçãoconstitucionaldeinocênciaprevistanoart.5º,

LVII,daConstituição.

Oobjetoprimordialda tutelanoprocessopenaléa liberdadeprocessualdo

imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetivo sujeito no

processo.Osignificadodademocraciaéarevalorizaçãodohomem,

en toda la complicada red de las instituciones procesales que solo

tienen un significado si se entienden por su naturaleza y por su

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finalidadpolíticayjurídicadegarantíadeaquelsupremovalorqueno

puedenuncavenirsacrificadoporrazonesdeutilidad:elhombre13.

Não sepodeesquecer, comoexplicaSarlet14, dequeadignidadedapessoa

humanaéum

valor-guia não apenas dos direitos fundamentais,mas de toda a ordem

jurídica(constitucionaleinfraconstitucional),razãopelaqualparamuitos

se justificaplenamentesuacaracterizaçãocomoprincípioconstitucional

demaiorhierarquiaaxiológica-valorativa.

Inclusive, na hipótese de conflito entre princípios e direitos

constitucionalmenteassegurados,destacaSarlet15, “oprincípiodadignidadeda

pessoa humana acaba por justificar (e até mesmo exigir) a imposição de

restrições a outros bens constitucionalmente protegidos”. Isso porque, como

explicaoautor,existeumainegávelprimaziadadignidadedapessoahumanano

âmbitodaarquiteturaconstitucional.

Algumas lições, por sua relevância, merecem ser repetidas nesta obra. É

melhor pecar pela repetição do que correr o risco de perdê-la por uma leitura

pontualquenossosleitoreseventualmentefaçam.Assim,nuncaéexcessorepetir

umaliçãomagistraldeJuarezTavares16,quenosensinaquenessaquestãoentre

liberdadeindividualepoderdeintervençãodoEstadonãosepodeesquecerque

a “garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer

legitimação,emfacedesuaevidência”.

Destaque-se:oquenecessitaserlegitimadoejustificadoéopoderdepunir,é

a intervenção estatal e não a liberdade individual.A liberdade individual, por

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decorrer necessariamente do direito à vida e da própria dignidade da pessoa

humana, está amplamente consagrada no texto constitucional e tratados

internacionais, sendo mesmo um pressuposto para o Estado Democrático de

Direitoemquevivemos.

Não há que se pactuar mais com amanipulação discursiva feita por alguns

autores (e julgadores), que acabam por transformar a “liberdade” em

“provisória” (até oCPP consagra a liberdade provisória...), como se ela fosse

precária,e,entretanto,aprisãocautelar(oumesmodefinitiva),umaregra.

Essaperigosainversãodesinaisexigeumchoqueàluzdalegitimaçãoapriori

daliberdadeindividualeadiscussãodevevoltaracentrar-senopontocorreto,

muitobemcircunscritoporTavares17:“oquenecessitadelegitimaçãoéopoder

depunirdoEstado”.

Essaéumapremissabásicaquenorteiatodaaobra:questionaralegitimidade

do poder de intervenção, por conceber a liberdade como valor primevo do

processopenal.

Entendemosquesociedade–basedodiscursodeprevalênciado“público”–

deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência, e não mais

comoumentesuperiordequedependemoshomensqueointegram.Inadmissível

umaconcepçãoantropomórfica,naquala sociedadeéconcebidacomoumente

gigantesco,ondeoshomens sãomerascélulas,que lhedevemcegaobediência.

Nossa atual Constituição e, antes dela, a Declaração Universal dos Direitos

Humanos consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não

toleramtalsubmissãodohomemaoentesuperior,essavisãoantropomórficaque

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correspondeaumsistemapenalautoritário18.

Namesmalinha,Bobbio19explicaque,atualmente,impõe-seumaposturamais

liberal na relaçãoEstado-indivíduo, demodo que primeiro vemo indivíduo e,

depois, o Estado, que não é um fim em si mesmo. O Estado só se justifica

enquanto meio que tem como fim a tutela do homem e dos seus direitos

fundamentais,porquebuscaobemcomum,quenadamaisédoqueobenefíciode

todosedecadaumdosindivíduos.

Porisso,Ferrajolifaladaleydelmásdébil 20.Nomomentodocrime,avítima

éohipossuficientee,porisso,recebeatutelapenal.Contudo,noprocessopenal,

opera-seuma importantemodificação:omais fracopassa a sero acusado,que

frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do

processo e, posteriormente, da pena. O sujeito passivo do processo, aponta

Guarnieri 21, passa a ser o protagonista, porque ele é o eixo em torno do qual

giramtodososatosdoprocesso.

AmiltonB.deCarvalho22,questionandoparaquê(m)servealei,apontaquea

“aleiéolimiteaopoderdesmesurado–leia-se,limiteàdominação.Então,alei

–eticamenteconsiderada–éproteçãoaodébil.Sempreesempre,éaleidomais

fraco:aquelequesofreadominação”.

Nessademocratizaçãodoprocessopenal,osujeitopassivodeixadeservisto

como um mero objeto, passando a ocupar uma posição de destaque enquanto

parte,23 com verdadeiros direitos e deveres24. É uma relevante mudança

decorrentedaconstitucionalizaçãoedemocratizaçãodoprocessopenal.

Muito preocupante, por fim, é quando esse discurso da “prevalência do

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interessepúblico”vematreladoaoPrincípiodaProporcionalidade,fazendouma

viragemdiscursivaparaaplicá-loondenãotemlegítimocabimento.Nessetema,

élúcidaaanálisedoMinistroErosGrau,cujacitação,aindaquelonga,deveser

objetodereflexão.Dizo ilustreMinistrodoSupremoTribunalFederalnovoto

proferidonoHC95.009-4/SP(p.44ess.):

Tenho criticado aqui – e o fiz ainda recentemente (ADPF 144) – a

“banalização dos ‘princípios’ (entre aspas) da proporcionalidade e da

razoabilidade,emespecialdoprimeiro,concebidocomoum‘princípio’

superior,aplicávela todoequalquercasoconcreto,oqueconfeririaao

Poder Judiciário a faculdade de ‘corrigir’ o legislador, invadindo a

competência deste. O fato, no entanto, é que proporcionalidade e

razoabilidadenemaomenossãoprincípios–porquenãoreproduzemas

suas características – porém postulados normativos, regras de

interpretação/aplicaçãododireito”.Nocasodequeoracogitamosesse

falsoprincípioestariasendovertidonamáximasegundoaqual“não

há direitos absolutos.” E, tal como tem sido em nosso tempo

pronunciada, dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e

qualquergarantiaconstitucional.Deveras,acadadireitoquesealega

o juiz responderá que esse direito existe, sim, mas não é absoluto,

porquanto não se aplica ao caso. E assim se dá o esvaziamento do

quanto construímos ao longo dos séculos para fazer, de súditos,

cidadãos.Diantedoinquisidornãotemosqualquerdireito.Oumelhor,

temos sim, vários, mas como nenhum deles é absoluto, nenhum é

reconhecívelnaoportunidadeemquedeveriaacudir-nos.

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Primeiroessagazua,emseguidadespencandosobretodos,apretextoda

“necessária atividade persecutória do Estado”, a “supremacia do

interesse público sobre o individual”. Essa premissa que se pretende

prevaleça noDireitoAdministrativo – não obstantemesmo lá sujeita a

debate, aqui impertinente – não tem lugar em material penal e

processualpenal.EstaCorteensina(HC80.263, relatorMinistro Ilmar

Galvão) que a interpretação sistemática da Constituição “leva à

conclusãodequeaLeiMaiorimpõeaprevalênciadodireitoàliberdade

emdetrimentododireitodeacusar”.Essaéaproporcionalidadequese

impõe em sede processual penal: em caso de conflito de preceitos,

prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua

supressão. A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie (grifos

nossos).

Em suma: nesse contexto político-processual, estão superadas as

consideraçõesdoestilo“asupremaciadointeressepúblicosobreoprivado”.As

regras do devido processo penal são verdadeiras garantias democráticas (e,

obviamente, constitucionais), muito além dessa dimensão reducionista de

público/privado. Trata-se de direitos fundamentais – obviamente de natureza

pública,sequisermosutilizaressacategoria–limitadoresdaintervençãoestatal.

1.3.Ainfluênciadosmovimentosrepressivistas.Tolerânciazeroparaquê(quem)?Desvelandoahipocrisiadodiscurso

Osistemapenal (material e processual) nãopode ser objetodeuma análise

estritamentejurídica,sobpenadeserminimalista,ingênuaaté.Oprocessopenal

nãoestáemumcompartimentoestanque,imuneaosmovimentossociais,políticos

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e econômicos. A violência é um fato complexo25, que decorre de fatores

biopsicossociais.Logo,oprocesso,enquantoinstrumento,exigeumaabordagem

interdisciplinar, a partir do caleidoscópio, isto é, devemos visualizá-lo desde

váriospontoserecorrendoadiferentescamposdosaber 26.

Daí a importância de enfrentar o tema, abordando, entre outros, a ideologia

repressivista da “lei e ordem”, na medida em que é manifestação do

neoliberalismo para, após, desconstruir o utilitarismo processual por meio do

paradigmaconstitucional.

Avisãodeordemnosconduz,explicaBauman27,adepureza,adeestaremas

coisasnoslugares“justos”e“convenientes”.Éumasituaçãoemquecadacoisa

seachaemseujustolugareemnenhumoutro.Oopostodapureza(oimundo,o

sujo) edaordemsãoas coisas forado seudevido lugar.Emgeral, não sãoas

características intrínsecas das coisas que as transformam em “sujas”, senão o

estar fora do lugar, da ordem. Exemplifica o autor com um par de sapatos,

magnificamentelustradosebrilhantes,quesetornamsujosquandocolocadosna

mesaderefeições.Ou,ainda,umaomelete,umaobradearteculináriaquedá

águanabocaquandonopratodojantar,torna-seumamanchanojentaquando

derramadasobreotravesseiro 28.

O exemplo é interessante e bastante ilustrativo, principalmente em um país

como o nosso, em que vira notícia no Jornal Nacional o fato de um grupo de

moradores da comunidade ter “descido o morro” e “invadido” um shopping

centernoRio de Janeiro.Ou seja, enquanto estiverem no seu devido lugar, as

coisas estão em ordem. Mas, ao descerem o morro e invadirem o espaço da

burguesia,estápostaa(nojenta)omeletenotravesseiro.Estáfeitaadesordem,a

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quebradaorganizaçãodoambiente.

ExplicaBaumanque“ordem”

significaummeioregulareestávelparaosnossosatos;ummundoemque

asprobabilidadesdosacontecimentosnãoestejamdistribuídasaoacaso,

mas arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos

acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis,

algunsvirtualmenteimpossíveis 29.

Ora,talimpériodaordem”sópodeserfrutodoautismojurídicoedeumaboa

dose de má-fé. A falácia do discurso salta aos olhos, pois tal ordem, numa

sociedadederiscocomoanossaecomumaltíssimoníveldecomplexidade,só

podedecorrer do completo afastamentododireitoda realidade e/ouda imensa

má-fé por parte de quem o prega. Não sem razão foi o argumento largamente

utilizadoporprogramaspolíticostotalitários,comoonazismo(purezaderaça)ou

mesmoocomunismo(purezadeclasse).

Mas“cadaesquemadepurezagerasuaprópriasujeiraecadaordemgeraseus

própriosestranhos” 30.Issoserefletemuitobemnatolerânciazeroparaooutroe

tolerância dez para nós e os nossos. E o critério da pureza é a aptidão de

participardojogoconsumista.Osdeixadosdeforasãoosconsumidoresfalhose,

como tais, incapazes de ser “indivíduos livres”, pois o senso de liberdade é

definidoapartirdopoderdeescolhadoconsumidor.

Eis os impuros, os objetos fora do lugar 31. O discurso da lei e da ordem

conduz a que aqueles que não possuem capacidade para estar no jogo sejam

detidoseneutralizados,preferencialmentecomomenorcustopossível.Nalógica

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daeficiência,venceoEstadoPenitência,poisémaisbaratoexcluireencarcerar

doque restabelecer o status de consumidor, pormeio de políticas públicas de

inserçãosocial.

Trata-se de uma consequência (penal) do afastamento do Estado do setor

social,ondeummenosEstado-providêncianecessitadeumEstado(mais)penal

paraconteradecorrentemarginalizaçãosocial.ÉoqueWacquant32sintetizaem

supressão do Estado econômico, enfraquecimento do Estado Social,

fortalecimentoeglorificaçãodoEstadopenal.

Nesse cenário, o Manhattan Institute (organismo criado para aplicar os

princípios da economia demercado aos problemas sociais) inicia sua cruzada

contra o Estado-providência de Ronald Reagan investindo em CharlesMurray

(definidoporWacquant33 comoumpolitólogo ocioso de reputaçãomedíocre),

para produzir a nova bíblia do projeto da nova direita americana: Losing

Ground:AmericanSocialPolicy,1950-1980.Na intensa agenda de divulgação

desse livro, milhares de dólares foram gastos em palestras, conferências,

entrevistas,mídiaetc.destinadosademonstrarquea

excessiva generosidade das políticas de ajuda aos mais pobres seria

responsável pela escalada da pobreza nos Estados Unidos: ela

recompensa a inatividade e induz à degenerescênciamoral das classes

populares, sobretudo essas uniões ilegítimas que são a causa última de

todos os males das sociedades modernas – entre os quais a violência

urbana34.

Num desses eventos, estava o promotor Rudolph Giuliani, que acabara de

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perder as eleições para o democrata negro David Dinkins. Ironicamente,

empunhandoabandeiradozerotolerance,Giulianivenceaseleiçõesde1993e

transformaNovaYorknavitrinamundialdessapolíticarepressivista.

AindadasmãosdoManhattanInstitute, surgeabrokenwindows theory, ou

mais uma invencionice americana vendida aos incautos como panaceia no

mercado da segurança pública mundial, como definem Jacinto Coutinho e

EdwardCarvalho35,formuladaem1982porJamesQ.WilsoneGeorgeKelling.

Sustentam, em síntese, que todo e qualquer desvio de comportamento deve ser

rigorosamente perseguido e punido, pois quem joga uma pedra e quebra uma

vidraçahoje,amanhãvoltaparacometercrimesmaisgraves.

Obviamentequetal“vidência”jamaisfoicomprovadaempiricamente.

Das mãos de William Bratton (chefe de polícia de Giuliani e ex-chefe de

segurança do metrô de Nova York) surge uma reengenharia de “gestão por

objetivo”,visandoàmáximaeficiênciaapartirderígidoscritériosquantitativos

de avaliação. Como define Wacquant, ele “transforma os comissariados em

centros de lucro, o lucro em questão sendo a redução estatística do crime

registrado.Ecria todososcritériosdeavaliaçãodosserviçosemfunçãodessa

única medida. Em suma, dirige a administração policial como um industrial o

faria com uma firma cujos acionistas julgassem ter um mau desempenho”36.

Obviamente que as detenções arbitrárias e todos os tipos de autoritarismo

policialsãopraticadoscontraosclientespreferenciaisdosistema,comaplena

conivência e até estímulo por parte da administração (incluindo o caso Abner

Luima) 37.

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Saltaaosolhosqueomodelodetolerânciazeroécruel,desumanoetotalmente

aético. Os socialmente etiquetados sempre foram os clientes preferenciais da

políciae,comoavaldosgovernantes,nuncasematou,prendeuetorturoutantos

negros,pobreselatinos.Amáquinaestatalrepressoraéeficientíssimaquandose

tratadeprender e arrebentarhipossuficientes.NospaísesdaAméricaLatina, a

situaçãoéaindamaisgrave.

Há que se ter sempre presentes as lições de Cirino dos Santos38, quando

desvelaqueo

direito penal deve ser estudado do ponto de vista de seus objetivos

declaradosoumanifestosedeseusobjetivosreaisoulatentes,nosquais

semanifestamasdimensõesdeilusãoederealidadedosfenômenosda

vidasocialnassociedadescontemporâneas.

Um rápido exemplo dos abusos do zero tolerance encontramos em

Wacquant39.Explicaoautorquedepoisdeumasériedeabusosa “Unidadede

Luta contra os Crimes de Rua” de Nova York passou a ser objeto de intensa

crítica.Trata-sedeuma

tropa de choque de 380 homens (quase todos brancos), que constitui a

ponta de lança da política de tolerância zero, é objeto de diversos

inquéritos administrativos e dois processos por parte dos procuradores

federais sob suspeita de proceder a prisões pelo aspecto (racial

profiling) e de zombar sistematicamente dos direitos constitucionais de

seus alvos. Segundo a National Urban League, em dois anos essa

brigada,querondaemcarroscomunseoperaàpaisana,deteveerevistou

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na rua 45.000 pessoas sob a mera suspeita baseada no vestuário,

aparência,comportamentoe–acimadequalqueroutroindício–acorda

pele. Mais de 37.000 dessas detenções se revelaram gratuitas e as

acusaçõessobremetadedas8.000 restantes foramconsideradasnulase

inválidaspelostribunais,deixandoumresíduodeapenas4.000detenções

justificadas:umaemonze.Uma investigação levadaacabopelo jornal

NewYorkDailyNewssugerequepertode80%dosjovenshomensnegros

elatinosdacidadeforamdetidoserevistadospelomenosumavezpelas

forças da ordem. [...] A tolerância zero apresenta portanto duas

fisionomias diametralmente opostas, segundo se é o alvo (negro) ou o

beneficiário(branco),istoé,deacordocomoladoondeseencontraessa

barreira de casta que a ascensão doEstado penal americano tem como

efeito–oufunção–restabelecereradicalizar 40.

Sãodadosestarrecedoresquesóreforçamnossapreocupaçãoporumamatriz

democráticaqueorienteoprocessopenaleodireitopenal.

O movimento da lei e ordem (law and order) é a mais clara manifestação

penaldomodeloneoliberal,dosmovimentosdeextremadireita.É“velhamegera

DireitaPenal”,naexpressãodeKaram41.Pregaasupremaciaestatalelegalem

francodetrimentodo indivíduoede seusdireitos fundamentais.OBrasil já foi

contaminadoporessemodelorepressivistahádécadas,quandoafamigeradaLei

dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), seguida de outras na mesma linha,

marcouaentradadosistemapenalbrasileironaeradaescuridão,naideologiado

repressivismosaneador.Aideiadequearepressãototalvaisanaroproblemaé

totalmente ideológica e mistificadora. Sacrificam-se direitos fundamentais em

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nomedaincompetênciaestatalemresolverosproblemasquerealmentegerama

violência.

Nãoénecessáriomaioresforçoparaverqueexemploclarodofracassonosdá

oprópriomodelobrasileiro.Bastaquestionar:comoadventodaLeidosCrimes

Hediondos (e posteriores), houve a diminuição da prática dos delitos ali

enumerados (latrocínio, extorsão mediante sequestro, estupro, tráfico de

entorpecentes etc.)? A política de aumentar penas e endurecer o regime de

cumprimentodiminuiuastaxasdecriminalidadeurbana?Obviamentequenão.A

função de prevenção geral desempenhada pela norma penal é mínima ou

inexistente. Tanto é assim que a cada dia ocorrem mais delitos de latrocínio,

extorsãomediante sequestro (agora na sua versão “relâmpago”) e o tráfico de

entorpecentes cresce de forma alarmante, apenas para dar alguns poucos

exemplos.

Como aponta Vera Batista42, nos Estados Unidos, o marketing de que a

reduçãodacriminalidadeurbanaemNovaYorkfoiconsequênciadapolíticade

tolerância zero é severamente criticada. É pura propaganda enganosa. Não é

prendendo e mandando para a prisão mendigos, pichadores e quebradores de

vidraças que amacrocriminalidade vai ser contida. As taxas de criminalidade

realmentecaíramemNovaYork,mastambémdecresceramemtodopaís,porque

não é frutodamágicapolítica nova-iorquina,mas simdeumcomplexo avanço

social e econômico daquele país. É fato notório que os Estados Unidos têm

vividonas últimasdécadasuma eufórica evolução econômica, comaumentoda

qualidadedevidaesubstancialdecréscimodosíndicesdedesemprego(emque

peseissoestarmudandonovamente).Nissoestáarespostaparaadiminuiçãoda

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criminalidade: crescimento econômico, sucesso no combate ao desemprego e

políticaeducacionaleficiente.

Ésempreimportantedestacarqueacriminalidadeéfenômenocomplexo,que

decorre de um feixe de elementos (fatores biopsicossociais), emque o sistema

penaldesempenhaumpapelbastantesecundárionasuaprevenção.Ademais,na

expressãodeBitencourt43,a“falênciadapenadeprisão”éinegável.Nãoserve

como elemento de prevenção, não reeduca e tampouco ressocializa. Como

respostaaocrime,aprisãoéuminstrumentoineficienteequeserveapenaspara

estigmatizar e rotularo condenado,que, ao sair da cadeia, encontra-se emuma

situação muito pior do que quando entrou. Dessarte, o direito penal deve ser

mínimoeapenadeprisãoreservadaparaoscrimesrealmentegraves44.Oque

devesermáximoéoEstadoSocial(algoquenuncativemos).

ComoZaffaroni 45,entendemosquetododiscursusreestáemcrise.Apenade

prisãonãoressocializa,nãoreeduca,nãoreinseresocialmente.Dodiscurso“re”

somenteseefetivamareincidênciaearejeiçãosocial.Éumdiscursoaomesmo

temporealefalso.Éfalsooconteúdo,masodiscursoéreal,eleexisteeproduz

efeitos(legitimantesdopoderdepunir).

Só por acidente a pena ressocializa, porque, como defineGarcía-Pablos de

Molina46,

la pena estigmatiza, no rehabilita. No limpia, mancha. ¿Cómo puede

apelarse a su función resocializadora cuando consta empíricamente

todo lo contrario? ¿Cómo se explica el impacto rehabilitador del

castigoy la reinserción socialdelpenado si, en la estimación social,

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suelesermáselmerohechodehabercumplidolapenaquelapropia

comisióndeldelito,loqueimplicaungravedeméritoalosojosdelos

conciudadanos.

O lawandorderé pura propaganda enganosa, que nos farámergulhar numa

situação ainda mais caótica. É mais fácil seguir no caminho do direito penal

simbólico,comleisabsurdas,penasdesproporcionadasepresídiossuperlotados,

do que realmente combater a criminalidade. Legislar é fácil e a diarreia

legislativabrasileiraéprovainequívocadisso.

Omovimentode leieordem significauma tristeopçãopelagestãopenalda

pobreza.

Na síntese de Zaffaroni 47, o aumento de penas abstratas oferecidas pela

hipocrisia dos políticos, que não sabem o que propor, não têm espaço para

propor,nãosabemounãoqueremmodificararealidade.Comonãotêmespaço

paramodificararealidade,fazemoqueémaisbarato:leispenais!

Difícil é reconhecer o fracasso da política econômica, a ausência de

programas sociais efetivoseodescasocomaeducação.Aoque tudo indica,o

futuro será pior, pois os meninos de rua que proliferam em qualquer cidade

brasileiraingressamemmassanasfaculdadesdocrime,chamadasFASE(antigas

Febem).Após-graduaçãoéquaseautomática,bastacompletar18anoseescolher

algum dos superlotados presídios brasileiros, verdadeiros mestrados

profissionalizantesdocrime.

Asituaçãoatualmentesevêagravadapelamanipulaçãodiscursivaemtornoda

sociologia do risco, revitalizando a (falsa) crença de que o direito penal pode

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restabelecera(ilusãode)segurança.

NacorretadefiniçãodeCarvalho48,

a pretensão e a soberba gerada pela crença romântica de que o direito

penal pode salvaguardar a humanidade de sua destruição impedem o

angustiante e doloroso, porém altamente saudável, processo de

reconhecimentodoslimites.

Dessarte, quanto maior for o narcisismo penal, maior deve ser nossa

preocupaçãocomoinstrumento-processo.Seodireitopenalfalhaemvirtudeda

panpenalização,cumpreaoprocessopenalopapelde filtro,evitandoo(ab)uso

dopoderdeperseguirepenar.Oprocessopassaaserofreioaodesmedidouso

do poder. É a última instância de garantia frente à violação dos Princípios da

IntervençãoMínimaedaFragmentariedade49dodireitopenal.

Contudo,emquepeseacríticaquefazemosàseletividadedosistemapenaleà

faláciadodiscursolegitimadordapena,nãosomosabolicionistas.Pensamosque

punir é necessário e civilizatório. O problema está em “quem punir”, “o que

punir” e, principalmente, “como punir”. Na perspectiva do processo penal,

interessa-nos mais especificamente o “como punir”, isto é, o processo como

caminhonecessárioparachegaràpena(ouànãopena)eaeficáciadoconjunto

deregrasdelegitimação,asregrasdodevidoprocessopenal.

1.4.Direitoedromologia:quandooprocessopenalsepõeacorrer,atropelandoasgarantias

Vivemos numa sociedade acelerada. A dinâmica contemporânea é

impressionantee–comoorisco50–tambémestáregendotodanossavida.Não

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sónossoempregoétemporário,poisseacabaramosempregosvitalícios,como

também cada vez é mais comum os empregos em jornada parcial. Da mesma

formanossas“aceleradas”relaçõesafetivas,comaconsagraçãodoficaredono

future.

Quedizerentãodavelocidadedainformação?Agorapassadaemtemporeal,

via internet, sepultando o espaço temporal entre o fato e a notícia. O fato,

ocorridonooutro ladodomundo,pode serpresenciadovirtualmente em tempo

real. A aceleração do tempo nos leva próximo ao instantâneo, com profundas

consequênciasnaquestãotempo/velocidade.Tambémencurtaoumesmoelimina

distâncias.Porisso,Virilio51–teóricodaDromologia(dogregodromos=velo-

cidade)–afirmaque“avelocidadeéaalavancadomundomoderno”.

Omundo, apontaVirilio52, tornou-se o da presença virtual, da telepresença.

Nãosótelecomunicação,mastambémteleação(trabalhoecompraadistância)e

atéemtelessensação(sentiretocaradistância).Essahipermobilidadevirtualnos

leva à inércia, além de contrair espaços e intervalos temporais. Até mesmo a

guerra nas sociedades contemporâneas são confrontos breves, instantâneos e

virtuais, como se fossem wargames de computador, em que toda carga de

expectativaestálançadanopresente.

Soboenfoqueeconômico,o“cassinoplanetário”é formadopelasbolsasde

valores que funcionam 24 horas por dia, em tempo real, com uma imensa

velocidadedecirculaçãodecapitalespeculativo,gerandoumaeconomiavirtual,

transnacionaleimprevisível–libertadopresenteedoconcreto.Issofulminacom

oelosocial,poisaquelesqueinvestemnaeconomiarealnãotêmcomoantecipar

aação,desencorajandoinvestimentos,destruindoempresaseempregos53.

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Nessa lógica de mercado, para conseguir lucros, é preciso acelerar a

circulação dos recursos, abreviando o tempo de cada operação. Como

consequência, a contratação de mão de obra também navega nesse ritmo: ao

menor sinal de diminuição das encomendas, dispensa-se a mão de obra. É a

hiperaceleraçãolevandooriscoaoextremo.

Ost54falanoscontratosdeempregotemporáriosapontandoparauma

heterogeneização do tempo social, manifestada em ritmos sempre mais

diversificados. Tempo conjugal e tempo parental dissociam-se55, ao

passoqueaorganizaçãofordistadotrabalhodálugaraumaflexibilidade

dasprestações,mas tambémaumanovaprecariedadedosempregos.A

duraçãoprometeicadosCódigoseapromessadasinstituiçõesdãoentão

lugar a um tempo em migalhas que tem de ser reconquistado a cada

instante.Direitodevisitanegociado,estágioconseguidocomdificuldade,

emprego interino, tudo se passa como se reaparecesse o antiquíssimo

imperativoimpostoaospobres:viverodiaadia.

Sob outro enfoque, a aceleração obtida a partir do referencial luz é

impressionante e afeta diretamente nossa percepção de tempo. Como aponta

Virilio56, a tecnologia do final dos anos 1980 permitiu que os satélites

transmitissem a imagem à velocidade da luz e isso representou um avanço da

mídiatelevisivacomrelevantemudançadeparadigma.

Aimagempassaa tervisibilidade instantâneacomonovoreferencial luz. O

fascínioda imagemconduzaque“oquenãoévisívelenão temimagemnãoé

televisável,portanto,nãoexistemidiaticamente”.

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O choque emocional provocado pelas imagens da TV – sobretudo as de

aflição, de sofrimento e morte – não tem comparação com o sentimento que

qualqueroutromeiopossaprovocar.Suplantaassima fotografiaeos relatos,a

pontodeque,quandonãoháimagens,cria-se.A“reconstituição”dasimagensnão

captadaspassa a ser fundamental paravender a emoçãonão apreendidano seu

devidotempo.Exemplostípicossãoosprogramaspoliciaissensacionalistasque

proliferam nas televisões brasileiras, fazendo, inclusive, reconstituições ainda

mais dramáticas dos crimes ocorridos para “captura psíquica” dos

telespectadores.

Mas a velocidade da notícia e a própria dinâmica de uma sociedade

espantosamente acelerada são completamente diferentes da velocidade do

processo, ou seja, existe um tempo do direito que está completamente

desvinculado do tempo da sociedade. E o direito jamais será capaz de dar

soluçõesàvelocidadedaluz.

Estabelece-seumgrandeparadoxo:asociedadeacostumadacomavelocidade

da virtualidade não quer esperar pelo processo, daí a paixão pelas prisões

cautelares e a visibilidade de uma imediata punição.Assimqueremomercado

(que não pode esperar, pois tempo é dinheiro) e a sociedade (que não quer

esperar,poisestáacostumadaaoinstantâneo).

Isso,aomesmotempoemquedesligadopassado,mataodevir,expandindoo

presente. Desse presenteísmo/imediatismo brota o Estado de Urgência, uma

consequência natural da incerteza epistemológica, da indeterminação

democrática, do desmoronamento do Estado social e da correlativa subida da

sociedadederisco,daaceleraçãoedotempoefêmerodamoda.Aurgênciasurge

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comoformadecorreratrásdotempoperdido.

ComoexplicaOst, isso significaquepassamosdos“relógiosàsnuvens”,no

sentidodequenãoestamosmaisvivendoummodelomecânico(relógio),lineare

previsíveldeumalegislaçãopiramidal,senãoomodelodas“nuvens”,interativo,

recursivo e incerto de uma regulação em rede. O direito em rede é flexível e

evolutivo. Um conjunto indefinido de dados em busca de um equilíbrio pelo

menosprovisório.Éanormatividadeflexibilizada,própriadeumdireito“mole,

vago,noestadogasoso” 57.

A urgência – ou Estado correndo atrás – deixa de ser uma categoria

extraordinária para generalizar-se, com uma tendência de alimentar-se de si

mesmo,comosedealgumaformaumadassuasintervençõespedisseaseguinte.

Ao não tratar do problema com a devida maturação e profundidade, não há

resultadosduráveis.

As intervenções de urgência parecem sempre chegar ao mesmo tempo

demasiadocedoedemasiadotarde:demasiadocedoporqueotratamento

aplicado é sempre superficial; demasiado tarde porque, sem uma

inversãodelógica,omalnãoparoudesepropagar 58.

Os planos urgentes e milagrosos para “conter” a violência urbana são

exemplos típicos disso: ao mesmo tempo demasiadamente cedo (tratamento

superficial)edemasiadamentetarde(diantedagravidadejáassumida).

Nesse cenário, juízes são pressionados para decidirem “rápido” e as

comissões de reforma, para criarem procedimentos mais “acelerados”59,

esquecendo-sedequeotempododireitosempreseráoutro,porumaquestãode

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garantia. A aceleração deve ocorrer, mas em outras esferas. Não podemos

sacrificar anecessáriamaturação, reflexãoe tranquilidadedoatode julgar, tão

importantenaesferapenal.Tampoucoacelerarapontodeatropelarosdireitose

as garantias do acusado. Em última análise, o processo nasce para demorar

(racionalmente, é claro), como garantia contra julgamentos imediatos,

precipitadosenocalordaemoção.

Dizerqueoprocessoédinâmico significa reconhecer seumovimento.Logo,

como todo movimento, está inscrito no tempo de maneira irreversível, sem

possibilidadedevoltaratrás60.Oque já foi feitonãopodevoltaraacontecer,

atéporqueotempoéirreversível,aomenosporora.Seoprocesso,comoavida,

é movimento, o equilíbrio necessário só pode ser dinâmico e, como tal,

extremamente difícil e eivado de riscos. É o que Raux61 define como o

“equilíbriodeciclistafundadosobreomovimento”.

Oprocessopenal tambéméaceleradoemrespostaaodesejodeuma reação

imediata.Surgemosprocedimentossumárioseatésumariíssimos(comoprevisto

naLein.9.099/95);proliferamoscasosdeguiltypleanosEstadosUnidos,de

pattegiamento na Itália ou transação penal no Brasil, até porque as chamadas

zonasdeconsensosãoíconesdeeficiência(utilitarista)eceleridade(leiam-se:

atropelodedireitosegarantiasindividuais).

Retornandoàsituaçãodociclista,odifíciléencontraroequilíbrio,pois,seé

verdadequeumprocessoquesearrastaassemelha-seaumanegaçãodajustiça,

não se deverá esquecer, inversamente, que o prazo razoável em que a justiça

deve ser feita entende-se igualmente como recusa de um processo demasiado

expedito62. O processo tem o seu tempo, pois deve dar oportunidade para as

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partesmostraremeusaremsuasarmas,devetertempoparaoportunizaradúvida,

fomentar o debate e a prudência de quem julga. Nesse terreno, parece-nos

evidente que a aceleração deve vir mediante inserção de tecnologia na

administração da justiça e, jamais, com a mera aceleração procedimental,

atropelandodireitosegarantiasindividuais.

Infelizmente, na atualidade, assistimos a umvelhodireito tentando correr no

ritmo da moderna urgência. Para tanto, em vez de modernizar-se com a

tecnologia, prefere os planosmilagrosos e o terror da legislação simbólica.A

inflaçãolegislativabrasileiraemmatériapenaléexemplotípicodessefenômeno.

Nessecomplexocontexto,odireitoédiretamenteatingido,namedidaemqueé

chamadoa(re)instituiroelosocialegarantirasegurançajurídica.Multiplicam-

se os direitos subjetivos e implementam-se uma série de novos instrumentos

jurídicos.O sistema penal é utilizado como sedante pormeio do simbólico da

panpenalização,doutilitarismoprocessualedoendurecimentogeraldosistema.

Éailusãoderesgatarumpoucodasegurançaperdidapormeiododireitopenal,

oerrodepretenderobrigarofuturosobreaformadeameaça.

Nãoseedificaumaordemsocialapenascombasenarepressão.

AcompanhandoasíntesedeOst,oendurecimentodanormapenaléreflexoda

urgência,quedescuidadopassadoefracassanapretensãodeobrigarofuturo.Os

programas urgentes, contudo, permitem resultados rápidos, visíveis e

midiaticamente rentáveis,mas comcertezanão se institui nadadurável emuma

sociedadeapartir,unicamente,daameaçaderepressão.

Mas as condições para que se atue com a necessária reflexão e maturação

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desaparecem, uma vez que os discursos da segurança e do urgente (imediato)

invadiramoimagináriosocial.

Quando o direito se põe a correr no ritmo da urgência, opera-se uma

importantemudançadeparadigma,emque“o transitório tornou-seohabitual,a

urgênciatornou-sepermanente”63.Otransitórioeraantesvistocomoumeloentre

dois períodos de estabilidade normativa, um articulador entre duas sequências

históricas. Hoje isso tudo mudou, a duração desapareceu, tornando inúteis os

rearranjos do direito transitório. Todo o direito se pôs em movimento e o

transitórioéoestadonormal,comodireitoemconstantetrânsito,impondo-sea

urgência como tempo normal. Ao generalizar a exceção, o sistema entra em

colapso. Antes, a urgência era admitida no direito com extrema reserva e era

sempre situacional, revogando-se tão logo cessasse o estado de urgência.Hoje

elaestáemtodolugaresurgeindependentementedequalquercrise.

Issotambémsemanifestanoprocessolegislativo.

Aurgênciaimplicanãosóaceleração,mastambéminversão,poispermite“ao

imperium (aforça)precedera jurisdictio (oenunciadodaregra), imunizandoo

facto consumado relativamente a um requestionamento jurídico ulterior”64. É o

que ocorre, v.g., com o chamado “contraditório diferido”, em que primeiro se

decide (poder), para depois submeter ao contraditório (ilusório) de onde

deve(ria)brotarosaber.

Outroexemploseriaabanalizaçãodasmedidasinliminelitis,especialmente

comaantecipaçãodetuteladoCPC,etambémdasprisõescautelaresnoprocesso

penal,emqueaprisãopreventiva–típicamedidadeurgência–foigeneralizada,

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comoumefeitosedantedaopiniãopública.

A prisão cautelar transformou-se em pena antecipada, com uma função de

imediataretribuição/prevenção.A“urgência”tambémautoriza(?)aadministração

a tomar medidas excepcionais, restringindo direitos fundamentais, diante da

ameaçaà“ordempública”,vistacomoumperigosempreurgente.

Leva,igualmente,asimplificarosprocedimentos,abreviarprazosecontornar

asformas,gerandoumgravíssimoproblema,pois,noprocessopenal,aformaé

garantia, enquanto limite ao poder punitivo estatal. São inúmeros os

inconvenientesdatiraniadaurgência.

Asmedidasdeurgênciadeveriamlimitar-seaumcaráter“conservatório”ou

“depreservação”atéqueregressasseànormalidade,quandoentãoseriatomadaa

decisão de fundo. Contudo, isso hoje foi abandonado e as medidas

verdadeiramente “cautelares” e “provisionais” (ou situacionais e temporárias)

estãosendosubstituídasporantecipatóriasdatutela(dando-seoquedeveriaser

concedido amanhã, sob o manto da artificial reversão dos efeitos, como se o

direitopudesseavançareretroagircomotempo)comanaturaldefinitividadedos

efeitos.

Na esfera penal, considerando-se que estamos lidando com a liberdade e a

dignidadedealguém,osefeitosdessasalquimiasjurídicasemtornodotemposão

devastadores. A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo,

pois, agora, primeiro prende-se para depois pensar. Antecipa-se um grave e

dolorosoefeitodoprocesso(quesomentepoderiadecorrerdeumasentença,após

decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente), que jamais poderá ser

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revertido, não só porque o tempo não volta,mas também porque não voltam a

dignidadeeaintimidadeviolentadasnocárcere.

Inequivocamente,aurgênciaéumgraveatentadocontraaliberdadeindividual,

levando a uma erosão da ordem constitucional e ao rompimento de uma regra

básica: o processo nasceu para retardar, para demorar (dentro do razoável, é

claro),paraquetodospossamexpressarseuspontosdevistaedemonstrarsuas

versões e, principalmente, para que o calor do acontecimento e das paixões

arrefeça, permitindo uma racional cognição. Em última análise, para que

possamos racionalizar o acontecimento e aproximar o julgamento a um critério

mínimodejustiça.

Oataquedaurgênciaéduplo,pois,aomesmotempoemqueimpedeaplena

juridicidade(ejurisdicionalidade),elaimpedearealizaçãodequalquerreforma

séria, de modo que, “não contente em destruir a ordem jurídica, a urgência

impedeasuareconstrução”65.

Surgeumnovo 66risco:oriscoendógenoaosistemajurídicoemdecorrência

da aceleração e da (banalização) da urgência. Essa é uma nova insegurança

jurídica que deve ser combatida, pois perfeitamente contornável.Não há como

abolircompletamentealegislaçãodeurgência,mastampoucosepodeadmitira

generalizaçãodesmedidadatécnica.

Entendemos que a esse novo risco deve-se opor uma (renovada) segurança

jurídica, enquanto instrumentodeproteçãodo indivíduo.Trata-se de recorrer a

uma clara definição das regras do jogo para evitar uso desmedido do poder,

enquanto redutor do arbítrio, impondo ao Estado o dever de obediência. No

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processo penal, é o que convencionamos chamar de instrumentalidade

constitucional, ou seja, o processo enquanto instrumento a serviço damáxima

eficáciadosdireitosedasgarantiasdodébilaelesubmetido.Afinal,oEstadoé

umareservaéticaedelegalidade,jamaispodendodescumprirasregrasdojogo

democráticodeespaçosdepoder.

Interessante é o exemplo trazido por Ost67, de que o Tribunal de Justiça

Europeu decidiu pela “obrigação de não impor aos indivíduos uma mudança

normativa demasiado brutal: por essa razão, a regra nova deve ao menos

comportarmedidastransitóriasembenefíciodedestinatáriosquepossamalegar

umaexpectativalegítima”.Seriaumaespéciede“direitoamedidastransitórias”.

Importantelimiteamudançasradicaisdeatitudeéanecessidadedejustificação

objetivaerazoável(motivação).

Pormeiodeproteçõesecontrapesos,ajurisprudênciadevetentarassegurarao

direitoumpapelgarantidoreemancipador.Assim,deveserrepensadooconceito

desegurançajurídica,enquantofreioàditadura(estatal)daurgência.

A noção de “segurança” no processo (e no direito) deve ser repensada,

partindo-sedapremissadequeelaestánaformadoinstrumentojurídicoeque,

no processo penal, adquire contornos de limitação ao poder punitivo estatal e

emancipador do débil submetido ao processo. O processo, enquanto ritual de

reconstruçãodofatohistórico,éúnicamaneiradeobterumaversãoaproximada

do que ocorreu. Nunca será o fato, mas apenas uma aproximação ritualizada

deste.

É fundamental definir as regras desse jogo, mas sem esquecer que mais

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importante do que a definição está em (des)velar o conteúdo axiológico das

regras.Aserviçodoqueoudequemelasestão?Voltamossempreàpergunta:Um

processopenalparaquê(quem)?

Nessalinha,evidencia-seocenárioderiscoeaceleraçãoqueconduzatirania

da urgência no processo penal. Essa nova carga ideológica do processo exige

especialatençãodiantedabanalizaçãodaexcepcionalidade.Ocontrasteentrea

dinâmicasocialeaprocessualexigeumagradativamudançaapartirdeumaséria

reflexão,obviamente incompatívelcomoepidérmicoesimbólico tratamentode

urgência.

O processo nasceu para retardar a decisão, namedida em que exige tempo

paraqueojogoouaguerrasedesenvolvamsegundoasregrasestabelecidaspelo

próprio espaço democrático68. Logo, jamais alcançará a hiperaceleração, o

imediatismocaracterísticodavirtualidade.

Ademais, o juiz interpõe-se no processo numa dimensão espacial, mas

principalmente temporal, situando-se entre o passado-crime e o futuro-pena,

incumbindo-se a ele (e ao processo) a importante missão de romper com o

binômio ação-reação69. O processo nasceu para dilatar o tempo da reação,

nasceupararetardar.

Contudo, alguma melhora na dinâmica não só é possível, como também

necessária. Obviamente que não pela mera aceleração procedimental (e

consequentesupressãodegarantiasfundamentais),massimpormeiodainserção

de um pouco da ampla tecnologia à disposição, especialmente na fase pré-

processual. Também devemos considerar o referencial “luz”, a visibilidade.

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Nesse (des)velar, a luz é fundamental, ainda que indireta, como ensina Paul

Virillo.Talquestãonosleva–também–arepensarapublicidadeeavisibilidade

dos atos. A transparência do processo, mas sem cair no bizarro espetáculo

televisivo.Esseéumpontodedificílimoequilíbrio.

Noque tange à duração razoável doprocesso, entendemosque a aceleração

deve produzir-se não a partir da visão utilitarista, da ilusão de uma justiça

imediata, destinada à imediata satisfação dos desejos de vingança.O processo

devedurarumprazorazoávelparaanecessáriamaturaçãoecognição,massem

excessos, pois o grande prejudicado é o réu, aquele submetido ao ritual

degradante e à angústia prolongadada situaçãodependência.Oprocessodeve

ser mais célere para evitar o sofrimento desnecessário de quem a ele está

submetido. É uma inversão na ótica da aceleração: acelerar para abreviar o

sofrimentodoréu.

Também chegou o momento de aprofundar o estudo de um novo direito: o

direito de ser julgado num processo sem dilações indevidas. Trata-se de

decorrêncianaturaldeumasériedeoutrosdireitosfundamentais,comoorespeito

àdignidadedapessoahumanaeàprópriagarantiadajurisdição.Namedidaem

queajurisdiçãoéumpoder,mastambémumdireito,pode-sefalaremverdadeira

mora jurisdicionalquandooEstadoabusardo temponecessárioparaprestara

tutela.

Entendemos adequado falar-se em uma nova pena processual, decorrente

desseatraso,naqualotempodesempenhaumafunçãopunitivanoprocesso.Éa

demora excessiva que pune pelo sofrimento decorrente da angústia prolongada,

do desgaste psicológico (o processo como gerador de depressão exógena), do

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empobrecimentodo réu,enfim,por todaestigmatizaçãosociale jurídicagerada

pelosimplesfatodeestarsendoprocessado.

Oprocessoéumacerimôniadegradantee,como tal,ocaráterestigmatizante

estádiretamenterelacionadocomaduraçãodesseritualpunitivo.

Assumidoocaráterpunitivodotempo,nãorestaoutracoisaaojuizque(além

da elementar detração em caso de prisão cautelar) compensar a demora

reduzindoapenaaplicada,pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo.

Para tanto, formalmente,poderá lançarmãodaatenuantegenéricadoart.66do

CódigoPenal.

O próprio tempo do cárcere deve ser pensado a partir da distinção

objetivo/subjetivo, partindo-se do clássico exemplo de Einstein70, a fim de

explicararelatividade:“quandoumhomemsesentaaoladodeumamoçabonita,

durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas umminuto. Deixe-o

sentar-sesobreumfogãoquenteduranteumminutosomente–eesseminutolhe

parecerá mais comprido que uma hora. – Isso é relatividade”. O tempo na

prisão 71deveserrepensado,poisestámumificadopelainstituiçãoegeragrave

defasagemenquantotempodeinvolução.

Em suma, uma infinidade de novas questões que envolvem o binômio

tempo/direitoestápostaeexigeprofundareflexão.

1.5.Princípiodanecessidadedoprocessopenalemrelaçãoàpena

AtitularidadeexclusivaporpartedoEstadodopoderdepunir (oupenar,se

considerarmos a pena como essência do poder punitivo) surge nomomento em

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queésuprimidaavingançaprivadaesãoimplantadososcritériosdejustiça.O

Estado, como ente jurídico e político, avoca para si o direito (e o dever) de

protegeracomunidadeetambémopróprioréu,comomeiodecumprirsuafunção

de procurar o bem comum, que se veria afetado pela transgressão da ordem

jurídico-penal,porcausadeumacondutadelitiva72.

À medida que o Estado se fortalece, consciente dos perigos que encerra a

autodefesa, assume o monopólio da justiça, ocorrendo não só a revisão da

naturezacontratualdoprocesso,senãoaproibiçãoexpressaparaosparticulares

de tomar a justiça por suas próprias mãos. Frente à violação de um bem

juridicamente protegido, não cabe outra atividade73 que não a invocação da

devida tutela jurisdicional. Impõe-se a necessária utilização da estrutura

preestabelecidapeloEstado–oprocessopenal–emque,medianteaatuaçãode

um terceiro imparcial, cujadesignaçãonão corresponde àvontadedaspartes e

resultadaimposiçãodaestruturainstitucional,seráapuradaaexistênciadodelito

esancionadooautor.Oprocesso,comoinstituiçãoestatal,éaúnicaestruturaque

se reconhece como legítima para a imposição da pena. Não há uma atividade

propriamente substitutiva, pois a pena pública nunca pertenceu aos particulares

paraquehouvessea“substituição”.Por isso,éumaavocaçãoparaoEstadodo

poderdepunir,afastandoasformasdevingançaprivada.

Isso porque o direito penal é despido de coerção direta e, ao contrário do

direito privado, não tem atuação nem realidade concreta fora do processo

correspondente.

Nodireitoprivado,asnormaspossuemumaeficáciadireta,imediata,poisos

particulares detêm o poder de praticar atos jurídicos e negócios jurídicos, de

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modoqueaincidênciadasnormasdedireitomaterial–sejamcivis,comerciais

etc.–édireta.Aspartesmateriais,emsuavidadiária,aplicamodireitoprivado

semqualquerintervençãodosórgãosjurisdicionais,que,emregra,sãochamados

apenas para solucionar eventuais conflitos surgidos pelo incumprimento do

acordado. Em resumo, não existe o monopólio dos tribunais na aplicação do

direito privado e “ni siquiera puede decirse que estatísticamente sean sus

aplicadoresmásimportantes”74.

Noentanto,totalmentedistintoéotratamentododireitopenal,pois,aindaque

ostipospenaistenhamumafunçãodeprevençãogeraletambémdeproteção(não

sódebensjurídicos,mastambémdoparticularemrelaçãoaosatosabusivosdo

Estado), sua verdadeira essência está na pena e essa não pode prescindir do

processo penal. Existe um monopólio da aplicação por parte dos órgãos

jurisdicionaiseissorepresentaumenormeavançodahumanidade.

Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um

injustoculpável,mastambémqueexistapreviamenteodevidoprocessopenal.A

penanãosóéefeitojurídicododelito75,senãoqueéumefeitodoprocesso;mas

oprocessonãoéefeitododelito,senãodanecessidadedeimporapenaaodelito

pormeiodoprocesso.

A pena depende da existência do delito e da existência efetiva e total do

processo penal, posto que, se o processo termina antes de desenvolver-se

completamente (arquivamento, suspensão condicional etc.) ou se não se

desenvolvedeformaválida(nulidade),nãopodeserimpostaumapena.

Existeuma íntimae imprescindível relaçãoentredelito,penaeprocesso,de

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modoquesãocomplementares.Nãoexistedelitosempena,nempenasemdelito

e processo, nem processo penal senão para determinar o delito e impor uma

pena.

Assim,ficaestabelecidoocaráterinstrumentaldoprocessopenalcomrelação

aodireitopenaleàpena,poisoprocessopenaléocaminhonecessárioparaa

pena.

ÉoqueGómezOrbaneja76denominaprincipiode lanecesidaddelproceso

penal,amparadonoart.1ºdaLECrim77,poisnãoexistedelitosempena,nem

penasemdelitoeprocesso,nemprocessopenalsenãoparadeterminarodelito

eatuarapena.Oprincípioapontadopeloautorresultadaefetivaaplicaçãono

campo penal do adágio latino nulla poena et nulla culpa sine iudicio,

expressando omonopólio da jurisdição penal por parte do Estado e também a

instrumentalidadedoprocessopenal.

Sãotrês78osmonopóliosestatais:

a)exclusividadedodireitopenal;

b)exclusividadepelostribunais;e

c)exclusividadeprocessual.

Comoexplicamos,atualmente,apenaéestatal(pública),nosentidodequeo

Estadosubstituiuavingançaprivadae,comisso,estabeleceuqueapenaéuma

reação doEstado contra a vontade individual. Estão proibidas a autotutela e a

“justiça pelas própriasmãos”. A pena deve estar prevista em um tipo penal e

cumpre aoEstado definir os tipos penais e suas consequentes penas, ficando o

tema completamente fora da disposição dos particulares (vedada, assim, a

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“justiçanegociada”) 79.

Rogério Lauria Tucci 80 aponta para a imposição de uma autolimitação do

interesse punitivo do Estado-administração, que somente poderá realizar o

direitopenalmedianteaaçãojudiciáriadosjuízesetribunais.

Entendemos que a exclusividade dos tribunais em matéria penal deve ser

analisadaemconjuntocomaexclusividadeprocessual,pois,aomesmotempoem

queoEstadoprevêquesóostribunaispodemdeclararodelitoeimporapena,

tambémprevêaimprescindibilidadedequeessapenavenhapormeiododevido

processo penal. Ou seja, cumpre aos juízes e tribunais declararem o delito e

determinarapenaproporcionalaplicável,eessaoperaçãodevenecessariamente

percorrer o leito do processo penal válido com todas as garantias

constitucionalmenteestabelecidasparaoacusado.

AosdemaisPoderesdoEstado–LegislativoeExecutivo–estávedadaessa

atividade.Nãoobstante, comodestacaMonteroAroca81, absurdamente“[...] se

constata día a día que las leyes van permitiendo a los órganos administrativos

imponer sanciones pecuniarias de tal magnitud, muchas veces, que ni siquiera

pueden ser impuestas por los tribunales como penas”. Da mesma forma, na

execução penal, constata-se uma excessiva e perigosa administrativização, em

que faltas graves – apuradas em procedimentos administrativos inquisitivos –

geramgravíssimasconsequências82.

Por fim,destacamosqueoprocessopenalconstituiuma instância formal de

controle do crime83, e, para a Criminologia, é uma reação formal ao delito e

também pode ser considerado um instrumento de seleção, principalmente nos

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sistemas jurídicos que adotam princípios como o da oportunidade, plea

bargaining eoutrosmecanismosdeconsenso.Ademais,damesma formaqueo

direitopenaléexcludente(tantoquantoasociedade),oprocessoeseuconteúdo

aflitivosóagravamaexclusão,eisquesetratadeinegávelcerimôniadegradante

quepossuiseus“clientespreferenciais”.

1.6.Instrumentalidadeconstitucionaldoprocessopenal

Estabelecidoomonopóliodajustiçaestataledoprocesso,trataremosagorada

instrumentalidade. Desde logo, não devem existir pudores em afirmar que o

processo é um instrumento (o problema é definir o conteúdo dessa

instrumentalidade,ouaserviçodeque(m)elaestá)equeessaéarazãobásicade

suaexistência.Ademais,odireitopenalcareceriaporcompletodeeficáciasema

pena,eapenasemprocessoéinconcebível,umverdadeiroretrocesso,demodo

quearelaçãoeinteraçãoentredireitoeprocessoépatente.

A strumentalità84 do processo penal reside no fato de que a norma penal

apresenta,quandocomparadacomoutrasnormasjurídicas,acaracterísticadeque

o preceito tem por conteúdo um determinado comportamento proibido ou

imperativo e a sanção tem por destinatário aquele poder do Estado, que é

chamado a aplicar a pena. Não é possível a aplicação da reprovação sem o

prévioprocesso,nemmesmonocasodeconsentimentodoacusado,poiselenão

pode se submeter voluntariamente à pena, senão por meio de um ato judicial

(nulla poena sine iudicio). Essa particularidade do processo penal demonstra

queseucaráterinstrumentalémaisdestacadoqueodoprocessocivil.

Éfundamentalcompreenderqueainstrumentalidadedoprocessonãosignifica

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que ele seja um instrumento a serviço de uma única finalidade, qual seja, a

satisfaçãodeumapretensão(acusatória).

Ao lado dela está a função constitucional do processo, como instrumento a

serviçodarealizaçãodoprojetodemocrático,comomuitobemadverteGeraldo

Prado85.Nesseviés,insere-seafinalidadeconstitucional-garantidoradamáxima

eficácia dos direitos e garantias fundamentais, em especial da liberdade

individual. Ademais, a Constituição constitui, logo, necessariamente, orienta a

instrumentalidadedoprocessopenal.

Otermo“instrumentalidade”,quesempreremeteuaalgumasliçõesparciaisde

Dinamarco86, deve ser revisitado.Claro que nunca pactuamos com qualquer

visão“eficientista”oudequeoprocessopudesseserusadocomoinstrumento

políticodesegurançapúblicaoudefesasocial.

Resultaimprescindívelvisualizaroprocessodesdeseuexterior,paraconstatar

queosistemanãotemvaloremsimesmo,senãopelosobjetivosqueéchamadoa

cumprir(projetodemocrático-constitucional).Semembargo,devemostercuidado

na definição do alcance de suas metas, pois o processo penal não pode ser

transformado em instrumento de “segurança pública”. Nesse contexto, por

exemplo, insere-se a crítica ao uso abusivo das medidas cautelares pessoais,

especialmenteaprisãopreventivapara“garantiadaordempública”.Trata-sede

buscar um fim alheio ao processo e, portanto, estranho à natureza cautelar da

medida. Trataremos novamente desse tema quando analisarmos a presunção de

inocênciaeasprisõescautelares.

Nessesentido,importanteéaanálisedeMoraisdaRosa87quandosublinhao

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perigo de – a transmitir-semecanicamente para o processo penal as lições de

Dinamarco – pautar a instrumentalidade pela conjuntura social e política,

demandando um “aspecto ético do processo, sua conotação deontológica”

(expressãodeDinamarco).

Explica Morais da Rosa que “esse chamado exige que o juiz tenha os

predicados de um homem do seu tempo, imbuído em reduzir as desigualdades

sociais”88, baseando-se nas modificações do Estado Liberal rumo ao Estado

Social,mas

vinculada a uma posição especial do juiz no contexto democrático,

dando-lhe poderes sobre-humanos, na linha de realização dos escopos

processuais, comforte influênciadasuperada filosofia da consciência,

deslizando no Imaginário e facilitando o surgimento de Juízes

JusticeirosdaSociedade.

Econcluioautorafirmandoquea

pretensãodeDinamarcodequeojuizdeveaspiraraosanseiossociaisou

mesmo ao espírito das leis, tendo em vista uma vinculação axiológica,

moralizante do jurídico, com o objetivo de realizar o sentimento de

justiçadoseutempo,nãomaispodeseracolhidademocraticamente89.

Nenhumadúvidatemosdoenormeacertoevalordessaslições,edequeesse

perigo denunciado porMorais da Rosa é concreto e encontra em movimentos

repressivos, como lei e ordem, tolerância zero e direito penal do inimigo, um

terrenofértilparasuasnefastasconstruções.

Ainda mais danosas são as viragens linguísticas, os giros discursivos,

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pregadosporlobos,queempeledecordeiro(ealgunsaindadizemfalaremnome

daConstituição...)seduzememantêmemcrençaumamultidãodeingênuos,cuja

frágil base teórica faz com que sejam presas fáceis, iludidos pelo discurso

pseudoerudito desses ilusionistas. Cuidado leitor, mais perigosos do que os

inimigosassumidos(e,poressaassunção,atémereceriamalgumrespeito)sãoos

que, falando em nome da Constituição, operam num mundo de ilusão, de

aparência, para seduzir os incautos. Como diz Jacinto Coutinho90, “parecem

pavões,combelasplumasmulticoloridas,mascomospéscheiosdecraca”.

Em suma, nossa noção de instrumentalidade tem por conteúdo a máxima

eficácia dos direitos e garantias fundamentais da Constituição, pautando-se

pelo valor dignidade da pessoa humana submetida à violência do ritual

judiciário.

Voltando ao binômio direito penal-processual, a independência conceitual e

metodológica do direito processual em relação ao direito material foi uma

conquista fundamental. Direito e processo constituem dois planos

verdadeiramente distintos no sistema jurídico, mas estão relacionados pela

unidade de objetivos sociais e políticos, o que conduz a uma relatividade do

binômiodireito-processo(substance-procedure).

Respeitando sua separação institucional e a autonomia de seu tratamento

científico, o processo penal está a serviço do direito penal, ou, para sermais

exato, da aplicação dessa parcela do direito objetivo91. Por esse motivo, não

podedescuidardofielcumprimentodosobjetivostraçadosporaquele,entreos

quaisestáodeproteçãodoindivíduo.

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A autonomia extrema do processo com relação ao direito material foi

importantenoseumomento,e,semela,osprocessualistasnãohaveriampodido

chegartãolongenaconstruçãodosistemaprocessual.Masissojácumpriucoma

sua função. A acentuada visão autônoma está em vias de extinção e a

instrumentalidadeestáservindopararelativizarobinômiodireito-processo,para

aliberaçãodevelhosconceitosesuperaroslimitesqueimpedemoprocessode

alcançaroutrosobjetivos,alémdolimitadocampoprocessual.

A ciência do processo já chegou a um ponto de evolução que lhe permite

deixar para trás todos osmedos e preocupações de ser absorvida pelo direito

material,assumindosuafunçãoinstrumentalsemqualquermenosprezo.Odireito

penal não pode prescindir do processo, pois a pena sem processo perde sua

aplicabilidade.

Com isso, concluímos que a instrumentalidade do processo penal é o

fundamento de sua existência, mas com uma especial característica: é um

instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais. É uma especial

conotaçãodocaráterinstrumentalequesósemanifestanoprocessopenal,pois

se trata de instrumentalidade relacionada ao direito penal e à pena, mas,

principalmente, um instrumento a serviço da máxima eficácia das garantias

constitucionais. Está legitimado enquanto instrumento a serviço do projeto

constitucional.

Trata-se de limitação do poder e tutela do débil a ele submetido (réu, por

evidente), cuja debilidade é estrutural (e estruturante do seu lugar). Essa

debilidade sempre existirá e não tem absolutamente nenhuma relação com as

condiçõeseconômicasousociopolíticasdoimputado,senãoquedecorredolugar

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em que ele é chamado a ocupar nas relações de poder estabelecidas no ritual

judiciário (pois é ele o sujeitopassivo, ou seja, aquele sobre quem recaemos

diferentes constrangimentos e limitações impostos pelopoder estatal).Essa é a

instrumentalidadeconstitucionalqueanossojuízofundasuaexistência.

1.7.Anecessáriarecusaàteoriageraldoprocesso.Respeitandoascategoriasprópriasdoprocessopenal.QuandoCinderelaterásuasprópriasroupas?

Era uma vez três irmãs, que tinham em comum, pelo menos, um dos

progenitores: chamavam-se a Ciência doDireito Penal, a Ciência do Processo

PenaleaCiênciadoProcessoCivil.Eocorreuqueasegunda,emcomparação

comasdemais,queerambelaseprósperas,teveumainfânciaeumaadolescência

desleixada,abandonada.Durantemuito tempo,dividiucomaprimeiraomesmo

quarto.Aterceira,belaesedutora,ganhouomundoedespertoutodasasatenções.

Assim começa Carnelutti, que com sua genialidade escreveu em 1946 um

breve, mas brilhante, artigo (infelizmente pouco lido no Brasil), intitulado

“Cenerentola” 92(aCinderela,daconhecidafábulainfantil).

O processo penal segue sendo a irmã preterida, que sempre teve de se

contentarcomassobrasdasoutrasduas.Durantemuitotempo,foivistocomoum

meroapêndicedodireitopenal.Evoluiumpoucorumoàautonomia,éverdade,

mas continua sendo preterido. Basta ver que não se tem notícia, na história

acadêmica, de que o processo penal tivesse sido ministrado ao longo de dois

anos,comocostumeiramenteoéodireitopenal.Secompararmoscomoprocesso

civilentão,adistânciaéaindamaior.

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Mas,emrelaçãoaodireitopenal,aautonomiaobtidaésuficiente,atéporque,

comodefineCarnelutti, delitoepena sãocomocarae coroadamesmamoeda.

Comoosãodireitopenaleprocessualpenal.Recorde-seoquefalamossobreo

princípiodanecessidade.

O problemamaior está na relação com o processo civil.O processo penal,

como a Cinderela, sempre foi preterido, tendo de se contentar em utilizar as

roupas velhas de sua irmã. Mais do que vestimentas usadas, eram vestes

produzidasparasuairmã(nãoparaela).Airmãfavoritaaqui,corporificadapelo

processocivil,temumasuperioridadecientíficaedogmáticainegável.

TinharazãoBettiol,comoreconheceCarnelutti 93,dequeassistimosinertesa

umpancivilismo.E issonascenaacademia, comas famigeradasdisciplinasde

“Teoria Geral do Processo”, tradicionalmente ministradas por processualistas

civisquepoucosabemepoucofalamdoprocessopenale,quandoofazem,écom

umolharediscursocompletamenteviciado.

Nessalinha,noBrasil,entreospioneiroscríticosestáTucci,queprincipiao

desvelamentodofracassodaTeoriaGeraldoProcessoapartirdadesconstrução

do conceito de lide (e sua consequente irrelevância) para o processo penal,

passando pela demonstração da necessidade de se conceber o conceito de

jurisdiçãopenal(paraalémdascategoriasdejurisdiçãovoluntáriaelitigiosa)e

oprópriorepensaraação(açãojudiciáriaeaçãodaparte).

Apontaoautor,aindacriticandoaTeoriaGeraldoProcesso,que

esse, aliás, foi umdos (poucos, raros) aspectos negativosdagrandiosa

obradeJoséFredericoMarques,aotransplantar(sem,ou,àsvezes,com

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modestos,avaros,retoques)institutosdeprocessocivilparaoprocesso

penal,numanítidaadaptaçãodosElementosdedireitoprocessualpenal

às Instituições de direito processual civil [...] incorporando-se numa

prolixaeconfusaconcepção,quepoderiaserdenominadateoriacivildo

processopenal[...] 94.

ComoadverteCoutinho95,outroantigocríticodaTeoriaUnitária,“teoriageral

do processo é engodo; teoria geral é a do processo civil e, a partir dela, as

demais”.Ou seja, pensam tudo desde o lugar do processo civil, comumolhar

viciado, que conduz a um engessamento do processo penal nas estruturas do

processocivil.

Todoumerrodepensar,quepodemsertransmitidaseaplicadasnoprocesso

penal as categorias do processo civil, como se fossem as roupas da irmãmais

velha,cujasmangassedobram,paracabernairmãpreterida.Éavelhafaltade

respeito, a que se referia Goldschmidt, às categorias jurídicas próprias do

processopenal.

Contudo, há chegado omomento (e se vãomais de 60 anos do trabalho de

Carnelutti)dedesvelaradiversidadefenomenológica(emetodológica)dasduas

irmãsprocessuais96ecompreenderqueoprocessopenalpossuisuascategorias

jurídicaspróprias,suadiversidadeinerente,equenãomaissecontentaemusar

asvestesdairmã.

Como explica Carnelutti, o processo civil é, nove de cada dez vezes, um

processo de sujeitos que “têm”, e, quando um dos dois não tem, aspira muito

“ter”.Éoprocessodo“meu”edo“teu”,oqueestáemjogoéapropriedade,é

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umarelaçãocoisificada,diriaSimmel 97(muitoantesemuitoalémdosjuristas).

O processo civil é o cenário da riqueza (de quempossui), ao passo que no

processopenal,cadavezmais,éoprocessodequemnãotem,doexcluído.Isso

contribuiparaoestigmadagataborralheira,masnãojustifica.

Noprocessopenal,em(radical)câmbio,doqueestamostratando?Nãoédo

ter,mas sim da liberdade.No lugar da coisa, pensa-se na liberdade, de quem,

tendo, está na iminência de perder, ou que já não tendo pode recuperá-la ou

perdê-la ainda mais. Trata-se de voltar para casa ou ser encarcerado. Como

adverteCarnelutti,écomaliberdadeoqueverdadeiramentesejoganoprocesso

penal.“Aljuezpenalselepide,comoaljuezcivil,algoquenosfaltaydelocual

no podemos prescindir; y es mucho más grave el defecto de libertad que el

defectodepropiedad”98.

Significadizerqueaojuizpenalnãosepede,comoaojuizcivil,algoquenos

falta,otal“bemdavida”comosereferemoscivilistas.Éaprópriavidaqueestá

em jogo.ParaCarnelutti, tanto ao juiz penal comoao juiz civil, competedar a

cadaumo seu.A (imensa)diferençaestáemquenopenal édispordopróprio

“ser”,aopassoquenociviléo“ter”.

Não se pode esquecer, ainda, como adverte certeiramente JuarezCirino dos

Santos99,deque

o processo penal não se constitui processo de partes livres e iguais –

comooprocessocivil,porexemplo,dominadopelaliberdadedepartes,

em situação de igualdade processual –, mas uma relação de poder

instituídapeloEstadocomafinalidadededescobriraverdadedefatos

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criminososepunirosautoresconsideradosculpados.

Sãoaausênciadeliberdadeearelaçãodepoderinstituída(emcontrastecom

aliberdadeea igualdade)oselementosfundantesdeumadiferençainsuperável

entreoprocessocivileopenal.

Emrelaçãoaodireitopenal,aautonomiaobtidaésuficiente,atéporque,como

defineCarnelutti,delitoepenasãocomocaraecoroadamesmamoeda.Comoo

sãodireitopenal e processual penal, unidospelo “princípiodanecessidade”–

nullapoenasineiudicio–tãobemdefinidoporGomezOrbaneja.Odireitocivil

se realiza todo dia sem processo civil (negócios jurídicos etc.), pois é

autoexecutável,temrealidadeconcreta.Odireitocivilsóchamaoprocessocivil

quando houver uma lide, carneluttianamente pensada como um conflito de

interesses qualificado por uma pretensão resistida. Já no campo penal tudo é

diferente.Odireitopenalnãoéautoexecutávelenãotemrealidadeconcretafora

doprocesso.Écastrado.Sealguémforvítimadeumcrime,apenanãocaidireta

eimediatamentenacabeçadoagressor.Odireitopenalnãotemeficáciaimediata

eprecisa,necessariamente,doprocessopenalparaseefetivar,poisoprocessoé

umcaminhonecessárioeinafastávelparachegarnapena.

Porisso,oprincípiodanecessidadedemarcaumadiferençainsuperávelentre

penalecivil,jácobrandosuadiferençanascondiçõesdaação,comoveremos.

Vejamos alguns rápidos exemplos (teria muito mais...) da (dis)torção

conceitual e absurdos processuais realizados em nome da Teoria Geral do

Processo:

a)Noprocessopenal,formaégarantiaelimitedepoder,poisaquiseexerce

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o poder de punir em detrimento da liberdade. É um poder limitado e

condicionado,queprecisaselegitimarpelorespeitoàsregrasdojogo.Logo,

não sedeve importar a tal “instrumentalidadedas formas”e“informalismo

processual”,poisaquiofenômenoécompletamentediferente.

b) Precisamos abandonar as teorias da ação, pois tudo o que se escreveu

desdeapolêmicaWindscheid–Muther,passandopelasteoriasdaaçãocomo

direitoabstrato(Plosz),comodireitoconcreto(Wach)oudireitopotestativo

(Chiovenda) não pode ser aplicado ao processo penal sem muito ajuste,

muita costura, quaseuma roupanova.Comoafirmarque ação é umdireito

público,abstratoeautônomo?Seforassim,umapessoapodeprocessaroutra

diretamente, semnadadeprovas,de forma totalmenteautônomaeabstrata?

Noprocessocivil,sim.Noprocessopenal,nempensar,poiséprecisodesde

logodemonstrarummínimodeconcretude,deindíciosrazoáveisdeautoriae

materialidade.Eojuízodemérito,aindaquesuperficialmente,éfeitodesde

logo.Portanto,osconceitosdeautonomiaeabstraçãotêmdeserrepensados,

senãocompletamente redesenhados.Maisdoque isso,precisamoselaborar

uma“teoriadaacusação”,adequadaàrealidadedoprocessopenal.

c) Dizer que as condições da ação no processo penal são interesse e

possibilidadejurídicadopedidoéumerro,repetidosemmaiorreflexãopor

grande parte da doutrina. Como falar em “interesse” se aqui a regra é a

necessidade?Discutir“interessedeagir”eoutroscivilismosédesconhecero

que é processo penal. Pior é tentar salvar o “interesse” por meio do

entulhamentoconceitual,atribuindoumconteúdoaessacategoriaqueelanão

comporta. Esse é o erro mais comum: para tentar salvar uma inadequada

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categoria do processo civil, vão metendo definições que extrapolam os

limites semânticos e de sentidos possíveis. Para salvar uma categoria

inadequada não fazem outra coisa que matá-la, mas mantendo o mesmo

“nome”, para fazer jus a “teoria geral”. E a tal “possibilidade jurídica do

pedido”?Oqueéisso?Outracategoriainadequada,atéporque,noprocesso

penal, o pedido é sempre o mesmo... Mas e o que fazer para salvar um

conceito erroneamente transplantado? Entulho-o de coisas que não lhe

pertencem.Falam em suporte probatóriomínimo, em indícios razoáveis de

autoriaematerialidadeetc.,ouseja,deoutrascoisasquenadatêmavercom

possibilidade jurídica do pedido. Enfim, temos de levar as condições da

ação a sério, para evitar essa enxurrada de acusações infundadas que

presenciamos, servindo apenas para estigmatizar e punir ilegitimamente.

Juízesqueoperamnalógicacivilistanãofazemaimprescindível“filtragem”

para evitar acusações infundadas. A Teoria Geral do Processo (TGP)

estimula o acusar infundado (afinal, é direito “autônomo e abstrato”) e o

recebimento burocrático, deixando a análise do “mérito” para o final,

quando, no processo penal, ab initio precisamos demonstrar o fumus

commissi delicti (abstrato, mas conexo instrumentalmente ao caso penal,

diriaJacintoCoutinho).

d)Lidepenal?Outroconceitoimprestávelequenãofazqualquersentidoaqui.

Inclusive, é um erro falar em “pretensão punitiva”, na medida em que o

Ministério Público não atua no processo penal como “credor” (cível) que

pedeaadjudicaçãodeumdireitopróprio.AoMPnãocompeteopoderde

punir,mas de promover a punição. Por isso, no processo penal não existe

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lide,atéporquenãoexiste“exigênciapunitiva”quepossasersatisfeitafora

do processo (de novo o princípio da necessidade). O MP exerce uma

“pretensãoacusatória”eojuizopodecondicionadodepunir.Sobreoobjeto

doprocesso,trataremosadiante.

e)Eoconceitode jurisdição?Temoutradimensãonoprocessopenal, para

alémdopoder-dever,éumagarantiafundamental,é limitedepoder,éfator

de legitimação, sendo que o papel do juiz no processo penal é distinto

daqueleexercidonoprocessocivil.Porisso,agarantiadojuiznaturalémais

sensível aqui, até porque o juiz é o guardião da eficácia do sistema de

garantiasdaconstituiçãoeque láestápara limitarpoderegarantirodébil

submetidoaoprocesso.Dessarte,graveproblemaexistenamatrizdaTGPe

suas noções de competência relativa e absoluta, desconsiderando que no

processopenalnãoháespaçoparaa(in)competênciarelativa.Éporissoque

estão manipulando a competência no processo penal, esquecendo que o

direito de ser julgado pelo “meu juiz”, competente em razão de matéria,

pessoa e (principalmente) lugar, é fundamental. A dimensão do julgamento

penal é completamente diferente do julgamento civil, pois não podemos

esquecerqueo“casopenal”éumalesãoaumbemjurídicotuteladoemum

determinadolugar.Oualguémvaidizerqueofatodeumjúrisernacidade

“A”ounacidade“B”éirrelevante?Óbvioquenão.MasoquesabeaTGP

decrimeejúri?

f)Juiznaturaleimparcial.Aestruturaacusatóriaouinquisitóriadoprocesso

penal(comoveremosadiante)éumdostemasmaisrelevantesediretamente

ligado ao princípio supremodo processo: a imparcialidade do julgador.A

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posição do juiz é fundante no processo penal, desde sua perspectiva

sistêmica (e, como tal, complexa) para garantia da imparcialidade. Como

ensinam os mais de 30 anos de jurisprudência do Tribunal Europeu de

DireitosHumanos,juizquevaiatrásdaprovaestácontaminadoenãopode

julgar. Trata-se de uma preocupação específica do processo penal e

desconhecidapeloprocessocivilepelaTGP.

g)Juiz natural e imparcial II.Aprovada alegação incumbe a quemalega?

Claro que não! No Processo Penal não existe “distribuição de carga

probatória”, senão “atribuição” integral ao acusador, pois operamos desde

algoqueoscivilistasnãoconhecemetampoucocompreendem:presunçãode

inocência.

h) Juiz natural e imparcial III. Julgar em dúvida razoável é um dilema,

especialmente quando os adeptos da TGP resolvem “distribuir” cargas

probatóriase,emdúvida,resolvem“iratrásdaprova”.Pronto,estácriadoo

problema.OativismojudicialmataoProcessoPenal.Juizator,quevaiatrás

da prova, desequilibra a balança, mata o contraditório e fulmina a

imparcialidade. Sim, aqui a situação é bem complexa...Então o que fazer?

Compreenderquenoprocessopenalmuitagentequeimounafogueira(aTGP

nãoconheceEymericheoDirectorumInquisitorum)parachegarmosno in

dubioproreo.Semcompreenderessecomplexo“caldocultural”eosvalores

em jogo, especialmenteo indubiopro reo, como regra de julgamento, e a

presunção de inocência, como regra de tratamento, é impossível analisar a

questão.

i) Fumus boni iuris e periculum in mora? É impactante ver um juiz

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(de)formado pela TGP decretar uma prisão preventiva porque presentes o

fumusboniiuriseopericuluminmora.Ora,quandoalguémécautelarmente

presoéporquepraticouumfatoaparentementecriminoso.Desdequandoisso

é “fumaça de bomdireito”?Crime é bomdireito?Reparemno absurdo da

transmissão de categorias! E qual é o fundamento da prisão? Perigo da

demora?Oréuvai“perecer”?Claroquenão...Masnãofaltaráalguémpara–

incorrendoemgravereducionismo–dizerqueéapenas“palavra”.Maisum

erro.Paranós,nodireitopenaleprocessualpenal,palavraélimite,palavra

élegalidade,aspalavras“dizemcoisas”etrabalhamosdelupaemcimado

quedizapalavraedoqueointérpretedizqueapalavradiz.Logo,nuncase

digaqueé“apenas”palavra,poisapalavraétudo.

j) Poder geral de cautela? De vez em quando, algum juiz “cria” medidas

restritivasdedireitosfundamentaisinvocandooCPC(!!)eo“podergeralde

cautela” (ilustre desconhecido para o CPP). Mais um absurdo de quem

desconhece que o sistema penal se funda no princípio da legalidade, na

reserva de lei certa, taxativa e estrita. Não se admite criar “punição” por

analogia!Sim,maséissoquefazemosqueoperamnalógicadaTGP.

k) Vou decretar a revelia do réu! Não raras vezes ouvimos isso em uma

audiência.Gostaríamosdeperguntar:vaiinverteracargadaprovatambém,

Excelência? Elementar que não. A categoria “revelia” é absolutamente

inadequadaeinexistentenoprocessopenal,sendofiguratípicadoprocesso

civil, carregada de sentido negativo, impondo ainda a “presunção de

veracidade” sobre os fatos não contestados e outras consequências

inadequadas ao processo penal. A inatividade processual (incluindo a

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omissão e a ausência) não encontra qualquer tipo de reprovação jurídica.

Não conduz a nenhuma presunção, exceto a de inocência, que continua

inabalável. O não agir probatório do réu não conduz a nenhum tipo de

puniçãoprocessualoupresunçãodeculpa.Nãoexisteumdeverdeagirpara

oimputadoparaqueselhepossapunirpelaomissão100.

l) Esse recurso especial/extraordinário não tem efeito suspensivo! Até

recentemente,porculpadaTGP,aspessoaseram“automaticamente”presas

aoingressarcomessesrecursos,porqueaLein.8.038(civilista...)dizque

tais recursosnão têmefeito suspensivo.Masdesdequandoprenderalguém

oudeixarem liberdadeestá situadonadimensãodeefeito recursal?Desde

nunca! É um absurdo gerado pela cultura da TGP, que desconhece a

presunçãodeinocência!

m)Nulidaderelativa.EssaéafaturamaisaltaqueaTGPcobradoprocesso

penal:acabaramcomateoriadasnulidadespelaimportaçãodopomposopas

nullitésansgrief.Tãopomposoquantoinadequadoedanoso.Iniciemospor

um princípio básico – desconhecido pela TGP, por elementar: forma é

garantia.O ritual judiciárioestáconstituído,essencialmente,pordiscursos

e,nosistemaacusatório,formaégarantia,poisprocessopenaléexercíciode

poder e todo poder tende a ser autoritário. Violou a forma? Como regra,

violouumagarantiadocidadão.Eotal“prejuízo”?Éumacláusulagenérica,

deconteúdovago, imprecisoe indeterminado,quevaiencontrar referencial

naquiloquequiserojuiz(autoritarismo-decisionismo-espaçosimprópriosde

discricionariedade, conforme Lenio Streck). Como dito, no processo penal

existeexercíciocondicionadoelimitadodepoder,sobpenadeautoritarismo.

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Eesselimitevemdadopela“forma”.Portanto,flexibilizaraformaéabrira

porta para que os agentes estatais exerçam o poder sem limite, em franco

detrimento dos espaços de liberdade.É rasgar o princípio da legalidade e

todaateoriadatipicidadedosatosprocessuais.ÉrasgaraConstituição.Por

culpa da TGP, está chancelado o vale-tudo processual. O decisionismo se

legitimanaTGP.Eu-tribunalanulooqueeuquiser,quandoeuquiser.Eviva

ateoriageraldoprocesso!

Portanto,emrápidaspinceladasestádemonstrada(edesenhada)anecessidade

de se recusar aTeoriaGeral do Processo e assimilar o necessário respeito às

categoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal.

Voltandoaoiníciocarneluttiano,Cinderelaéumaboairmãenãoaspirauma

superioridade em relação às outras, senão, unicamente, uma afirmação de

paridade.O processo civil, ao contrário do que sempre se fez, não serve para

compreenderoqueéoprocessopenal:serveparacompreenderoquenãoé.Daí

porque,comtodoorespeito,bastadeTeoriaGeraldoProcesso.

1.8.Inserindooprocessopenalnaepistemologiadaincertezaedorisco:lutandoporumsistemadegarantiasmínimas

Comojáapontamos,vivemosemumasociedadecomplexa,emqueoriscoestá

em todos os lugares, em todas as atividades e atinge a todos de forma

indiscriminada. Concomitantemente, é uma sociedade regida pela velocidade e

dominadapelalógicadotempocurto.Todaessaaceleraçãopotencializaorisco.

Alheio a tudo isso, o direito opera com construções técnicas artificiais,

recorrendo a mitos como “segurança jurídica” 101, “verdade real”,

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“reversibilidade demedidas” etc. Em outrosmomentos, parece correr atrás do

tempo perdido, numa desesperada tentativa de acompanhar o “tempo da

sociedade”. Surgem então alquimias do estilo “antecipação de tutela”,

“aceleraçãoprocedimental”etc.

Oconflitoentreadinâmicasocialeajurídicaéinevitável,evidenciandouma

vezmaisafalênciadomonólogocientíficodiantedacomplexidadeimpostapela

sociedadecontemporânea.Nossaabordageméintrodutória,umconviteàreflexão

peloviés interdisciplinar, com todososperigosque encerrauma incursãopara

alémdeumsabercompartimentado.Semesquecerque,emmeioatudoisso,está

alguém sendo punido pelo processo e, se condenado, sofrendo uma pena,

concreta,efetivaedolorosa.

1.8.1.Riscoexógeno

Nãohácomoiniciarumaabordagemsobreriscosemfalarnarisksocietyde

Beck 102.Obviamentequeaanáliseperpassaessavisão,queserveapenascomo

ponto inicial. A doutrina de Beck desempenha uma importante missão na

superaçãodacompreensãodequeosofrimentoeamisériaeramapenasparao

outro,poishaviamparedesefronteirasreaisesimbólicasparanosescondermos.

Isso desapareceu com Chernobil. Acabaram-se as zonas protegidas da

modernidade,“hallegadoelfinaldelosotros” 103.Ograndedesafiopassaaser

viver com essa descoberta do perigo. Caiu o manto de proteção, deixando

descobertoessedesoladorcenário.

A sociologia do risco é firmada e definida pela emergência dos perigos

ecológicos, caracteristicamente novos e problemáticos. Mas a dimensão desse

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risco transcende a esfera ecológica e também afeta o processo, pois alcança a

sociedadecomoumtodo,eoprocessopenalnãoficaimuneaosriscos.

ComoapontaBeck,associedadeshumanassemprecorreramriscos,maseram

riscos e azares conhecidos, cuja ocorrência podia ser prevista e sua

probabilidade,calculada.Osriscosdassociedadesindustriaiseramimportantes

numadimensãolocalefrequentementedevastadoresnaesferapessoal,masseus

efeitos eram limitados em termos espaciais, pois não ameaçavam sociedades

inteiras104.Atualmente,asnovasameaçasultrapassamlimitesespaciaisesociais

e também excedem limites temporais, pois são irreversíveis e seus efeitos

(toxinas) no corpo humano e no ecossistema vão se acumulando. Os perigos

ecológicosdeumacidentenuclearemgrandeescala,pelaliberaçãodequímicos

ou pela alteração e manipulação da composição genética da flora e fauna

(transgênicos), colocam em risco o próprio planeta. Existe um risco real de

autodestruição.

Outro problema é que nos riscos ecológicos modernos, segundo Beck105, o

pontodeimpactopodenãoestarobviamenteligadoaoseupontodeorigemesua

transmissãoemovimentospodemsermuitasvezesinvisíveiseinsondáveisparaa

percepçãoquotidiana.Éumgravíssimoproblemaquedificultaouimpossibilitaa

identificação do nexo causal, como ocorreu, v.g., com as contaminações pelo

Antraz.

Se, na sociedade pré-industrial, o risco revestia a forma natural (tremores,

secas,enchentesetc.),nãodependendodavontadedohomeme,sendopor isso,

inevitável,o risconasociedade industrialclássicapassouadependerdeações

dos indivíduos ou de forças sociais (ex.: perigo no trabalho em razão da

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utilizaçãodemáquinasevenenos;noâmbitosocial,operigododesempregoeda

penúria, ocasionado pelas incertezas da dinâmica econômica etc.). Nesse

momento,nasceailusãodoEstadoSegurança.

Em que pese o fato de certos perigos e azares constantemente ameaçarem

determinados grupos, tais riscos eram conhecidos, cuja ocorrência poderia ser

prevista e cuja probabilidade poderia ser (ou será?) calculada.Mas os riscos

contemporâneos são qualitativa e quantitativamente distintos, pois assumem

consequências transgeracionais (pois sobrevivem aos seus causadores) e

marcados pelo que Beck chama de glocalidade (globais e locais ao mesmo

tempo).

Ademais,épatenteadesconstruçãodosparâmetrosculturaistradicionaiseas

estruturas institucionais da sociedade industrial (classe, consciência de classe,

estrutura familiar e demarcação de funções por sexo). Não há estratificação

econômicarígida,funçõesdemarcadasporsexoenúcleofamiliar.Todoooposto.

OmitodoEstadoSegurançacaiporterraquandoseverificaafragilidadede

seuspostulados.Beck106justificaoestadodeinsegurançasustentandoque

a dimensão dos riscos que enfrentamos é tal, e os meios pelos quais

tentamos lutar contra eles, a nível político e institucional, são tão

deploráveis, que a fina capa de tranquilidade e normalidade é

constantementequebradapelarealidadebemduradeperigoseameaças

inevitáveis.

Porconseguinte,asatuaisformasdedegradaçãodoambienteatingematodos

indistintamente,ouseja,nãoháqueseconsiderarqualquertipodebarreirasocial

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ou geográfica como meio de proteção contra tais perigos. Os gases poluentes

emitidospelosautomóveisquecirculamnasgrandescidadesatingemdamesma

forma ricos e pobres, causando-lhes osmesmosproblemas respiratórios, assim

comoofatodemorarnaperiferiadeumagrandecidadeouemumbairronobre

nãoprotegeninguémdeumacatástrofe.

Oriscotambémestánotrabalhoemanifesta-sepelodesempregoestruturalem

largaescalaealongoprazo.Nãohámaisestruturadetrabalhoporsexo;háuma

quedadotrabalhoportempointegraleoaumentodasjornadasparciais;operou-

se um rompimento da estrutura tradicional do emprego regular (vitalício);

flexibilidade geral das relações. Tudo isso gera uma grande insegurança

econômicaquesevaialastraremtodofeixederelaçõesdosindivíduos.

Tambémnaesferadasrelaçõesafetivasenaprópriaestruturafamiliar,orisco

estámaispresentedoquenunca.Nonúcleofamiliar,nãohámaisadistinçãoentre

trabalho doméstico (não remunerado e educação dos filhos) e trabalho

assalariado(privativodohomem).Estáconsagradaadecadênciadopatriarcado.

Intensificou-se a individualização com o rompimento das funções tradicionais

(homememulher)edasforçasideológicasqueajudavama“prender”aspessoas.

A insegurança multiplicou-se em relação ao núcleo familiar com o divórcio,

paternidadeoumaternidadeunilateraletambémimplicaumanovadinâmicadas

relaçõesinterpessoais,emqueocasar-sepassaaumsegundoplano,valorizando-

se mais a realização profissional e o individualismo (logo, relacionamentos

afetivossuperficiais).

A dinâmica do tempo curto e a ditadura do instantâneo potencializam esse

riscodasrelaçõesafetivas,poisnãoexistemmaisoslongosnamoros,seguidosde

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noivadoecasamentoparatodaavida.Aspessoas“ficam”,oquesignificaamais

completa falta de compromisso com o passado e de comprometimento com o

futuro.Éopresenteísmoemgraumáximo.

Que dizer do “futuro”? É totalmente contingente, pois – explicaOst107 – se

opera uma ruptura com a experiência vulgar do tempo – enquanto simples

reconduçãodopassado–poistudosetornapossível.Ofuturoéverdadeiramente

contingente, indeterminado; o instante é verdadeiramente instantâneo, suspenso,

sem sequência previsível ou prescrita. Projetos e promessas (impulso

prometeico)perdemtodapertinência.Éaincertezaelevadaaoquadrado.

Maisradical,Comte-Sponville108chamadenadificação.Maisdoqueisso,éa

nadificação do nada, pois o passado não existe, uma vez que já não é, nem o

futuro,jáqueaindanãoé.Eopresentesedividenumpassadoenumfuturoque

não existem. Logo, é o nada, pois, entre dois nada: o tempo seria essa

nadificaçãoperpétuadetudo.

Sob outro aspecto, indo além nessa análise, é importante considerar que

vivemos numa sociedade em busca de valores (parafraseando a obra109 de

PrigogineeMorin).

Nessabuscadevalores,devemosconsiderarqueestamosnumasociedadepós-

moralista110, que, liberta da ética de sacrifícios, é dominada pela felicidade,

pelos desejos, pelo ego e pelos direitos subjetivos, sem qualquer ideal de

abnegação. E mais, tais benefícios devem ser obtidos a curto prazo, pois

igualmente inseridos na lógica da aceleração, na qual qualquer demora é vista

comoumsofrimentoinsuportável.

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São fatores que conduzem a um individualismo sem regras, sem limites,

desestruturado e sem futuro. Esta é apenas (mais) uma das faces das nossas

sociedades, que não sepultou a moral, senão que a deseja nomesmo nível de

complexidade (uma moral à la carte diria Lipovetsky111, pois sentimental,

intermitente,epidérmica,umaúltimaformadoconsumo interativodemassa,eis

que fortemente influenciada pelo discurso midiático). Até mesmo em torno da

moralreinaamaisabsolutaincerteza,poisevidenteoestadodeguerraentre“os

váriostiposdemoral”.

Outra face importante das nossas sociedades contemporâneas é o

infantilismo112, externado pelodesejoepeloconsumismo, fazendo despertar a

criançaqueexisteemcadaumdenós.Aliadoaodesejoinfantildetudopossuir,

nãosabemoslidarcomotempoearecusa.Umavezmaisestamos inseridosna

urgência (da satisfação do desejo), na qual qualquer demora é um retardo

dolorosoeinsuportável,nãoqueremosenãoprecisamosesperar,poislançamos

mãodocrédito,provocandoumverdadeirocurto-circuitonotempo,comodefine

Bruckner 113.Ocréditopermitefazerdesaparecer,comoqueporpassedemágica,

o intervalo entre desejo e satisfação, inserindo-nos numa perspectiva

(imediatista)tipicamenteinfantil,dacriançaquenãoconhecearenúncia.

Como se não bastasse isso, os jovens de 1968 (do históricomaio de 1968)

cresceram, tornando-se, eles próprios, pais. E, quando isso ocorreu, não

ensinaramoutracoisaaosseusfilhosdoquearecusaaqualquerautoridade.É

umageraçãodominadapelaideologiaderenunciaràrenúncia.Isso,obviamente,

acarretagravesproblemas,namedidaemqueoconflitocomodireito(limitee

imposição de renúncia) é inevitável e doloroso. Isso gera, ao mesmo tempo,

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violênciaeinsegurança.

Desnecessárioseguir,poisorisco,aincertezaeainsegurançaestãoemtudo.

Nemsequerosexovirtual, tidocomoseguro,ficouimuneaorisco.Osvírusda

internet, cada vez mais sorrateiros e destrutivos, acabaram com qualquer

esperançade“segurança”.

Vivemos inseridos na mais completa epistemologia da incerteza. Como

consequênciadessecenárioderiscototal,buscamosnodireitopenalasegurança

perdida. Queremos segurança em relação a algo que sempre existiu e sempre

existirá:violênciaeinsegurança.

Aqui devemos fazer uma pausa e destacar que muito se tem manipulado o

discursoparautilizaressesnovosriscoscomolegitimantedaintervençãopenal.

Nãoéessanossaposição.

Estamos de acordo com Carvalho114, de que o direito penal (e também o

processopenal),“aoassumiraresponsabilidadedefornecerrespostasàsnovas

demandas (aos novos riscos), redimensiona, vez mais, sua estrutura” num

“narcisismoinfantil”115.Surgedo“delíriodegrandeza(messianismo)decorrente

da autoatribuição do papel de proteção dos valoresmais caros à humanidade,

chegandoaassumirresponsabilidadepelofuturodacivilização(tutelapenaldas

gerações futuras); estabelece uma relação consigomesma que a transforma em

objetoamoroso”.

Esse cenário conduzàonipotênciaque incapacitaodireitopenal aperceber

seuspróprioslimites,inviabilizandoumarelaçãomaduracomosoutroscampos

dosaber(interdisciplinaridade).Aonãodialogar,odireitopenalnãopercebea

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falência do monólogo científico, o que conduz ao agravamento da crise e do

próprioautismojurídico.

Nossaabordagemsitua-senessadimensão: reconhecero riscopara legitimar

umsistemadegarantiasmínimas.Éfazerumrecortegarantidorenãopenalizador

nasociedadedorisco.

Paraconcluir,recordemosaliçãodeGauer 116deque

violênciaéumelementoestrutural,intrínsecoaofatosocialenãooresto

anacrônico de uma ordembárbara emvias de extinção.Esse fenômeno

aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer

civilizaçãoougrupohumano:bastaatentarparaaquestãodaviolênciano

mundoatual, tantonasgrandescidadescomotambémnosrecantosmais

isolados.

1.8.2.Epistemologiadaincerteza

Aliadoatudoisso,aepistemologiadaincertezaearelatividadesepultamas

“verdades reais”117 e os “juízos de certeza ou segurança” (categorias que o

direitoprocessualtantoutiliza),potencializandoainsegurança.

Com Einstein e a relatividade, sepultou-se de vez qualquer resquício dos

juízosdecertezaouverdadesabsolutas:

a mesma paisagem podia ser uma coisa para o pedestre, outra coisa

totalmentediversaparaomotorista,eaindaoutracoisadiferenteparao

aviador.Averdadeabsolutasomentepoderiaserdeterminadapelasoma

detodasobservaçõesrelativas118.

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Hawking119explicaqueEinsteinderrubouosparadigmasdaépoca:orepouso

absoluto,conformeasexperiênciascomoéter,eo tempoabsolutoouuniversal

que todos relógios mediriam. Tudo era relativo120, não havendo, portanto, um

padrãoaserseguido.

Partindo da premissa de que todo saber é datado, Einstein distingue uma

teoria verdadeira de uma falsa a partir do seuprazode validade:maior tempo

paraaprimeira,talcomodécadasouanos;jáparaadesmistificaçãodasegunda,

bastamapenasdiasouinstantes121.

Nesse ínterim,“somenteháumaverdadecientíficaatéqueoutravenhaa ser

descobertaparacontradizeraanterior”122.Casocontrário,avidaseresumiriaem

reproduziroconhecimentocientíficodosantepassados,assimcomonãohaveria

motivoparaaciênciabuscarnovasfronteiras.

Em síntese, a ciência estrutura-se a partir do princípio da incerteza. E por

causadele

nãohaveráapenasumahistóriadouniversocontendovidainteligente.Ao

contrário: as histórias no tempo imaginário serão toda uma família de

esferas ligeiramente deformadas, cada uma correspondendo a uma

histórianotemporealnaqualouniversoinflaporumlongotempo,mas

não indefinidamente. Podemos então perguntar qual dessas histórias

possíveiséamaisprovável 123.

Essa incerteza também está intimamente relacionada com a noção de futuro

contingente,emqueseoperaumarupturacomaexperiênciavulgardotempo–

enquantosimplesreconduçãodopassado–,poistudosetornapossível.Ofuturo

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é verdadeiramente contingente, indeterminado, o instante é verdadeiramente

instantâneo, suspenso, sem sequência previsível ou prescrita124. Projetos e

promessas(impulsoprometeico)perdemtodapertinência.Éaincertezaelevada

aoquadrado.

Como aponta Ost125, “toda ciência começa por uma recusa [...] o espírito

científico mede-se pela sua capacidade de requestionar as certezas do sentido

comum – tudo aquilo que Bachelard designava pelo nome de obstáculo

epistemológico”, pois “uma teoria nunca pode ser provada positivamente, nem

definitivamente: lá pelo facto de termos contado milhares de cisnes brancos,

comopoderíamosteracertezadenãoexistirpelomenosumquefossepreto?”A

ciênciaestásempreemsuspenso.

Nessaperspectivadeincerteza,aordemé,pois,excepcional:éocaosqueé

regra.

Aprópriademocraciaéuma“políticadeindeterminação”,poistornaopoder

infigurável.Aocontráriodototalitarismo,explicaOst126,nademocracianinguém

temodireitonaturaldedeteropoder.Ninguémpodeaspirarexercê-lodeforma

durável.Nenhumaforçaoupartidopoderáapropriar-sedopoder,senãopormeio

do abuso. Enquanto o totalitarismo erradica o conflito e reduz toda espécie de

oposição,ademocraciaestábaseadanopluralismodeopiniõesenasuaoposição

conflitual(éumavisãodecaoscomoregra).Ademocracianãoeliminaoconflito,

apenas tenta garantir um desfecho negociável (por meio de procedimentos

aceitos).Nuncaháumaconclusão,masapenasumadecisãoquegeraumacordo

apenasparcial,umaverdadeaproximada.

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Inserida na epistemologia da incerteza, a democracia está centrada num

conflito interminável, pois ela é essencialmente transgressiva e desprovida de

baseestável.Recordemosque,etimologicamente,políticonãoserefereapenasa

polis,mastambémapolemos,istoé,àguerra,deformaqueoespaçopolíticonão

éapenasaquelereconciliadoeharmônico,daordemconsensual,mastambémdo

conflito.Aarteconsisteemtransformaroantagonismopotencialmentedestruidor

emagonismodemocrático127.

1.8.3.Riscoendógeno:processocomoguerraoujogo?

Masoriscoeaincertezanãoestãoapenasforaouemtornodoprocesso.São

inerentesaopróprioprocesso,sejaeleciviloupenal.

Anoçãodeprocessocomorelaçãojurídica,estruturadanaobradeBülow 128,

foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da

chamada relação de direitos e deveres estabelecidos entre as partes e entre as

parteseojuiz.Oerrofoiodecrerquenoprocessopenalhouvesseumaefetiva

relaçãojurídica,comumautênticoprocessodepartes.

A teoria do processo como uma relação jurídica (a seguir analisada no

Capítulo“Teoriasacercadanaturezajurídicadoprocesso(penal)”)éummarco

relevanteparaoestudodoconceitodepartes,principalmenteporquerepresentou

umaevoluçãodeconteúdodemocrático-liberaldoprocessoemummomentoem

queoprocessopenaleravistocomoumasimplesintervençãoestatalcomfinsde

“desinfecçãosocial”ou“defesasocial”129.Comcerteza,foimuitosedutoraatese

dequenoprocessohaveriaumsujeitoqueexercitasseneledireitossubjetivose,

principalmente, que poderia exigir do juiz que efetivamente prestasse a tutela

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jurisdicionalsolicitadasobaformaderesistência(defesa).Apaixonante,ainda,a

ideiadeque existiriauma relação jurídica, obrigatória, do juiz com relação às

partes,queteriamodireitodelograrpormeiodoatofinalumverdadeiroclima

delegalidadeerestabelecimentoda“pazsocial”.

Tal relação deveria instaurar-se entre as partes (MP e réu) e o juiz, dando

origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais. Ademais, a

existência de partes constitui uma exigência lógica da instituição, da própria

estruturadialéticadoprocesso, pois, dogmaticamente, oprocessonãopode ser

concebidosemaexistênciadepartescontrapostas,aomenosinpotentia130.

MasatesedeBülowgeroudiversascríticase,semdúvida,amaisapropriada

veio de JamesGoldschmidt e sua teoria do processo como situação jurídica,

tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage, publicada em Berlim em

1925 e posteriormente difundida em diversos outros trabalhos do autor.

Goldschmidt ataca, primeiramente, os pressupostos da relação jurídica, em

seguida,negaaexistênciadedireitoseobrigaçõesprocessuais,ouseja,opróprio

conteúdodarelaçãoe,porfim,reputadefinitivamentecomoestáticaoumetafísica

a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos.Nesse sentido, os

pressupostos processuais não representam pressupostos do processo, deixando,

porsuavez,decondicionaronascimentodarelaçãojurídicaprocessualparaser

concebidoscomopressupostosdadecisãosobreomérito.Interessa-nos,pois,a

críticapeloviésdainérciaedafalsanoçãodesegurançaquetrazínsitaateoria

do processo enquanto relação jurídica. Foi Goldschmidt quem evidenciou o

caráterdinâmicodoprocessoaotransformaracertezaprópriadodireitomaterial

naincertezacaracterísticadaatividadeprocessual.Nasíntesedoautor,durantea

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paz,a relaçãodeumEstadocomseus territóriosdesúditoséestática,constitui

umimpériointangível.

Semembargo,ensinaGoldschmidt,

quandoaguerraestoura,tudoseencontranapontadaespada;osdireitos

mais intangíveis se convertem em expectativas, possibilidades e

obrigações, e tododireitopode seaniquilar comoconsequênciadenão

ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação; como,

pelocontrário,aguerrapodeproporcionaraovencedorodesfrutedeum

direitoquenãolhecorresponde 131.

Ficamos apenas nessa introdução, pois a Teoria de JamesGoldschmidt será

analisadacomprofundidadenopróximocapítulo,quandotrataremosda“natureza

jurídicadoprocessopenal”.

EssarápidaexposiçãodopensamentodeGoldschmidtserveparamostrarque

oprocesso–assimcomoaguerra–estáenvoltoporumanuvemdeincerteza.A

expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença

desfavorávelestásemprependentedoaproveitamentodaschancesedaliberação

de cargas. Em nenhum momento, tem-se a certeza de que a sentença será

procedente.Aacusaçãoeadefesapodemserverdadeirasounão;umatestemunha

pode ou não dizer a verdade, assim como a decisão pode ser acertada ou não

(justaouinjusta),oqueevidenciasobremaneiraorisconoprocesso.

Omundodoprocessoéomundodainstabilidade,demodoquenãoháquese

falaremjuízosdesegurança,certezaeestabilidadequandoseestátratandocomo

mundodarealidade,oqualpossuiriscosquelhessãoinerentes.

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Éevidentequenãoexistecerteza(segurança),nemmesmoapósotrânsitoem

julgado,poisacoisajulgadaéumaconstruçãotécnicadodireito,quenemsempre

encontra abrigo na realidade, algo assim como a matemática, na visão de

Einstein132. É necessário destacar que o direitomaterial é ummundo de entes

irreais,vezqueconstruídoàsemelhançadamatemáticapura,enquantoomundo

do processo, como anteriormente mencionado, identifica-se com o mundo das

realidades(concretização),peloqualháumenfrentamentodaordemjudicialcom

aordemlegal.

Por derradeiro, tanto no jogo (Calamandrei) como na guerra (Goldschmidt),

importamaestratégiaeobommanuseiodasarmasdisponíveis.Mas, acimade

tudo,sãoatividadesdealtorisco,envoltosnanuvemdeincerteza.Nãohácomo

prever com segurança quem sairá vitorioso.Assim, deve ser visto o processo,

umasituaçãojurídicadinâmicainseridanalógicadoriscoedogiuoco.Reinaa

incerteza até o final.A consciência dessa realidade processual é fundamental

paradefinirmosumsistemadegarantiasmínimasetambémdemarcaromelhor

possível o espaço decisório. Importante compreender que a assunção da

incertezaedainsegurançadizrespeitoàdinâmicadoprocessoenãosignifica,

emhipótesealguma,queestejamosavalizandoo“decisionismo” 133.

1.8.4.Assumindoosriscoselutandoporumsistemadegarantiasmínimas

Emquepeseoriscoinerenteaojogoouàguerra,emqualquerdosdoiscasosé

necessáriodefinirumsistema(aindaquemínimo)deregras(limites).

Diantedessecenárioderiscototalemqueoprocessopenalseinsere,maisdo

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que nunca devemos lutar por um sistema de garantiasmínimas. Não é querer

resgatarailusãodesegurança,massimassumirosriscosedefinirumapautade

garantias formais das quais nãopodemos abrirmão. É partir da premissa de

que a garantia está na forma do instrumento jurídico e que, no processo penal,

adquirecontornosdelimitaçãoaopoderpunitivoestataleemancipadordodébil

submetidoaoprocesso.

Nessa linha, pensamos que se deve maximizar a eficácia das garantias do

devidoprocessopenal 134:

a) jurisdicionalidade: especialmente no que tange ao juiz natural e à

imparcialidade;

b)princípio acusatório (ou dispositivo): fundando o sistema acusatório em

conformidadecomaConstituição;

c) presunção de inocência: enquanto pré-ocupação de espaços mentais (do

julgador) e, portanto, no viés de “dever de tratamento” e “regra de

julgamento”;

d)ampladefesae contraditório: aindaquedistintas, sãoduasgarantiasque

mantêm íntima relação e interação, necessitando ser maximizadas no

processopenal;

e)motivação das decisões: especialmente no viés de legitimação do poder

jurisdicionalexercidoeinstrumentodecontrolecontrao“decisionismo”eo

arbítrio.

Nãosetratademeroapegoincondicionalàforma,senãodeconsiderá-lauma

garantiadocidadãoefatorlegitimantedapenaaofinalaplicada.

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Mas–éimportantedestacar–nãobastaapenasdefinirasregrasdojogo.Não

é qualquer regra que nos serve, pois, como sintetiza Jacinto Coutinho135,

devemos ir para além delas (regras do jogo), definindo contra quem se está

jogandoequaloconteúdoéticoeaxiológicodoprópriojogo.

Nossaanálisesitua-senessedesvelardoconteúdoéticoeaxiológicodojogoe

desuasregras,indomuitoalémdomero(paleo)positivismo.EstamoscomBueno

deCarvalho136aodefenderapositividadecombativa, segundo a qual devemos

lutarpelamáximaeficáciadosdireitosedasgarantiasfundamentais,fazendocom

quetenhamvidareal.Comodefineoautor:

Éoreconhecimentodequeodireitopositivado,pormuitasvezes,resume

conquistasdemocráticas(emboraoutrastantasvezesnãosejaaplicado).

E,emtalacontecendo,háqueseofazerviger 137.

Tampouco podemos confundir garantias com impunidade, como insistem

alguns defensores do terrorismo penal, subvertendo o eixo do discurso. As

garantias processuais defendidas aqui não são geradoras de impunidade, senão

legitimantes do próprio poder punitivo, que, fora desses limites, é abusivo e

perigoso.

Adiscussão,comomuito,podesituar-senocampodarelaçãoônus-bônus.Que

preço estamos dispostos a pagar por uma “segurança” que, como apontado,

sempreserámaissimbólicaesedantedoqueefetivaeque,obviamente,sempre

terá uma grande margem de falha (ausência de controle)? De que parcela da

esfera de liberdade individual estamos dispostos a abrir mão em nome do

controleestatal?

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É aceitável que – em situações extremas e observadas as garantias legais –

tenhamosdenossujeitaraumainterceptaçãotelefônicajudicialmenteautorizada,

porexemplo.Contudo,seráqueestamosdispostosapermitirqueessasconversas

sejamreproduzidaseexploradaspelosmeiosdecomunicação?

Em definitivo, é importante compreender que repressão e garantias

processuaisnãoseexcluem,senãoquecoexistem.Radicalismosàparte,devemos

incluirnessatemáticaanoçãodesimultaneidade,emqueosistemapenal tenha

poderpersecutório-punitivoe, aomesmo tempo, esteja limitadoporumaesfera

degarantiasprocessuais(eindividuais).

Considerando que risco, violência e insegurança sempre existirão, é sempre

melhorriscocomgarantiasprocessuaisdoqueriscocomautoritarismo.

Emúltimaanálise,pensamosdesdeumaperspectivadereduçãodedanos,em

que os princípios constitucionais não significam “proteção total” (até porque a

falta,ensinaLacan,éconstitutivaesempreláestará),sobpenadeincidirmosna

errôneacrençanasegurança(esermosvítimasdenossaprópriacrítica).Trata-se,

assim, de reduzir os espaços autoritários e diminuir o dano decorrente do

exercício (abusivo ou não) do poder. Uma verdadeira política processual de

reduçãodedanos,pois,repita-se,odano,comoafalta,sempreláestará.

Ademais, é preferível um sistema que falhe em alguns casos por falta de

controle (ou de limitação da esfera de liberdade individual) do que umEstado

policialescoeprepotente,poisafalhaexistirásempre.Oproblemaéque,nesse

últimocaso,oriscodeinocentespagarempeloerroéinfinitamentemaioreesteé

umcustoquenãopodemostolerarsemresistir.

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Capítulo2

Teoriasdaaçãoedascondiçõesdaação.Anecessidadedeconstruçãodeumateoriada

acusação

2.1.Paraintroduziroassunto...

Inicialmente, como advertem Emilio Gómez Orbaneja e Vicente Herce

Quemada138,éimportantedestacarqueoconceitodeaçãopenaléprivativodo

processopenalacusatório.Issosignifica“nosoloquelaacciónesunacosayotra

diferente el derecho de penar, sino que la acción es un concepto puramente

formal”.

Mastambémsedevesublinharqueapolêmicaemtornodoconceitodeação

foidesviadaparaumcaráterextraprocessual,buscandoexplicarofundamentodo

qualemanaopoder,afastando-sedoinstrumentopropriamentedito.Assim,hoje,

podemosclaramentecompreenderqueessedesvioconduziuaquefossemgastas

milharesemilharesdefolhasparadiscutirumaquestãoperiférica,principalmente

paraoprocessopenal,regidopeloprincípiodanecessidadeecomumasituação

jurídicacomplexa,completamentediversadaquelaproduzidanoprocessocivil.

Ésempreimportanteevitarlongascitaçõesliterais,paranãocansaroleitore

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truncar a exposição. Mas a lição de Alcalá-Zamora139 exige um tratamento

diferenciado,dadasuaimportância:

Possivelmenteaverdadeiraíndoledaaçãohouvessesidodilucidada,já

há bastantes anos, se os processualistas tivessem se preocupado um

poucomenos com o direito romano, para ocupar-se um poucomais da

realidadeprocessual.Porquê?Simplesmenteporqueaaçãonãoémais

uma figura pertencente a arqueologia jurídica, para cujo conhecimento

deva-seremontarasistemaspretéritos,nemtampoucoumainstituiçãoque

atualmente surja em raríssimas ocasiões, senão que é um fenômeno

diário,queseofereceemtodosospaísescomummínimodeorganização

dejustiça,nãoemmilhares,massimemmilhõesdeprocessosdosmais

variadosgêneroseespécies.Então,aonãofaltarmaterialvivo,porassim

dizer,paraaobservaçãodireta,deveriamosprocessualistasprestaruma

atençãomuitomaiordoqueaqueladedicada.Istoé,senãohouvessemse

involucradonoestudohistóricodoqueaaçãofoi,massimcomoestudo

doqueaaçãoé,ouemoutrostermos,seaprimeiraindagaçãohouvesse

sidoreservadaaromanistasehistoriadoresdodireitoesobreasegunda

tivessem consagrado suas energias os processualistas, provavelmente o

avançoteriasidomaisprofundoemaisfirmeemambasasdireções,não

sóporrazõesdeespecialização(aindaquesendoexcelentesromanistas

muitos dos processualistas que sobre a ação trabalharam), senão pelas

incertezasqueemtornodecertostextosdodireitoromanosuscitamsuas

lacunas ou a crítica interpolacionista e, sobretudo, porque, como antes

dissemosapropósitodasinterpretaçõesprivatistasacercadanaturezado

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processo, a marcha do processo romano clássico era distinta do tipo

normaldeprocessodenossosdias.Agravitaçãoromanistaemrelaçãoà

ação deve ser advertida, ademais, emoutros sentidos: por exemplo, na

persistência com que se segue falando de ação, em hipóteses onde o

termo correto a empregar seria o de pretensão, ou, ainda, na quase

incomovível fidelidade com que legisladores e práticos – e até alguns

docentes–, seguemestimandocomoclassificaçãoprocessualdas ações

aquela que as divide em pessoais, reais e mistas ou emmobiliárias e

imobiliárias(traduçãonossa).

Comacerto,Afrânio Jardim140 afirmaque, “modernamente, a teoria da ação

deixoudeseropolometodológicodaciênciadoprocesso,estandoosestudiosos

mais preocupados com o objeto do processo e a demanda, como categorias

centraisdetodoosistemaprocessual”.Destacaainda,naesteiradeTornaghi,que

tal perspectiva já vinha, de há muito, sendo utilizada pelos processualistas

alemães.

Para Guasp, tais teorias buscam explicar a essência jurídica do poder em

virtudedoqualaspartesengendramobjetivamenteumprocesso,odireitoque

justificaaatuaçãodessasparteseoporquêjurídicoquelevaumparticulara

colocaremmarcha,validamente,oórgãojurisdicional.

A multiplicidade de acepções do vocábulo “ação” também foi um fator

relevantenainfindáveldiscussãoexistenteemtornodoseuconceito.Chamandoa

atenção para tal fenômeno, Alcalá-Zamora141 aponta que, a rigor, no processo

penal,devemosfalarem“açãoprocessualpenal”,paranãoconfundircomaação

puníveloudelitiva,objetododireitopenalenãodoprocessopenal.

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Grave problema é o fato de que pouco se escreveu ou pensou sobre ação

processualpenal,ouseja,muitosautorespreferempassaràmargemdatemática,

limitando-seaexplicaraaçãopenalpública(condicionadaeincondicionada)ea

açãopenalprivadanasistemáticadoCPP.Outrosatéenfrentamoproblema,mas,

incidindo no erro da teoria geral do processo, explicam toda a evolução da

discussãoemtornodaação(pública,abstrata,concretaetc.)utilizandotodosos

conceitos e construções do processo civil, ou seja, a velha historinha da

Cinderela–LaCenerentola,deCarnelutti–easroupasvelhasdairmã...

Não se nega a importância das longas polêmicas travadas pelos

processualistascivis,masfaltaumaestruturaçãodeconceitosdesdeascategorias

jurídicas próprias do processo penal. Daí por que nossa tarefa, além de

complexa,éextremamenteperigosa,namedidaemque, saindoda tranquilidade

dolugar-comumjádesenhadopeloprocessocivil,dispomo-nosapensaraação

processual penal a partir das concepções de pretensão acusatória e processo

comosituaçãojurídica.Elementarqueacompreensãodessamatériapressupõea

pré-compreensãodoconceitodepretensãoacusatóriadesenvolvidoemcapítulo

anterior.Issoexplicaporquenãofaremosatradicionalevoluçãoapartirdaação

noprocessocivil.Opontonuclearedeterminantedadiversidadedeconcepçãojá

foiexpostoedefinidoquandoabordamosoconceitodepretensãoacusatóriaao

qualremetemosoleitor.

2.2.Açãoprocessualpenal–iusutprocedatur–desdeaconcepçãodepretensãoacusatória.Porquenãoexiste“trancamentodaaçãopenal”?

EstamosdeacordocomGuasp142quandoafirmaqueadeclaraçãopetitória,

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contidanoconceitodepretensãoacusatória,poderiareceberonometécnicode

ação, terminologia que devolveria a essa palavra o significado literal que lhe

corresponde.Exige-se, contudo, cuidado, para ter presente que essaconcepção

representa uma recusa à tradição secular que se esforçou em averiguar a

essênciadopoderjurídicoaqueditaaçãoestávinculadaenãoàsuaverdadeira

função.

Apretensãoacusatóriaéumadeclaraçãopetitória143ouafirmação144dequeo

autor tem direito a que se atue a prestação pedida. É, no processo penal,uma

declaraçãopetitória.

Nãoéumdireitosubjetivo,masumdireitopotestativo:opoderdeproceder

contraalguémdiantedaexistênciadefumuscommissidelicti.Aissocorresponde

oconceitodeação,quenãopodeserconfundidocomodeacusação(instrumento

formal).

Recordemosqueoobjetodoprocessopenaléumapretensãoacusatória(enão

punitiva), e sua função é a satisfação jurídica das pretensões ou resistências,

conforme explicaremos no último capítulo. Na estrutura da pretensão,

encontramos elementos subjetivos, objetivos e de atividade (declaração

petitória).

Como explicaremos, ao tratar do objeto, no processo penal o fenômeno é

diversodoprocessocivilenãoháquesefalarempretensãopunitiva.Oacusador

detémumdireitopotestativode acusar, quenasce comodelito e édirigido ao

tribunal.Deoutrolado,existeopoderdepunirdotribunal(correspondeaojuize

não ao acusador) que é condicionado ao exercício e admissão da pretensão

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acusatória.

Nessa linha, a declaração petitória corresponde ao que entendemos por

acusação.É importantedestacarque tal conceitovai ser empregadono sentido

literal, de instrumento portador de umamanifestação de vontade, por meio do

qual senarraum fato comaparênciadedelito e se solicita a atuaçãodoórgão

jurisdicional contra uma pessoa determinada. No sistema brasileiro,

corresponderáàdenúnciaouqueixa.

Medianteaacusaçãosecumpreajurisdição,serealizaefetivamenteodireito.

Ademais, principalmente no processo penal, a ação como invocação

corporificada na acusação, leva à estrita observância do princípionemo iudex

sineactore,coroláriodosistemaacusatório.

Sobreoconfusionismoqueimperaemtornodotema,Coutureesclarecequea

ambiguidade do vocábulo foi fator definitivo. Especificamente em sentido

processual – o que já exclui uma diversidade de outras –, o mesmo autor 145

apontaparatrêsacepções:

a)Comosinônimodedireito:éosentidoque temovocábuloquandosediz

queoautorécarecedordeaçãoouprosperaaexceptiosineactioneagit.

b) Como sinônimo de pretensão: este é o sentido mais usual do vocábulo,

principalmente na doutrina e na legislação que utilizam ainda expressões

comoaçãopessoalereal;açãocivileaçãopenaletc.Nessescasos,aaçãoé

apretensãodequesetemumdireitoválidoeemnomedoqualsepromovea

demanda respectiva. A excessiva valoração da ação também levou a que

algumadoutrinaaapontassecomooobjetodoprocesso.

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c)Comosinônimodefaculdadedeprovocaratutelajurisdicional.Fala-seno

poder jurídico que tem o indivíduo como tal e em nome do qual lhe é

possibilitadoacudiraostribunais.Éopoderjurídicodeinvocaçãodatutela

jurisdicional.Nessaconcepção–pornósutilizadaatéentão–,ofatodeser

essapretensão fundadaou infundadanãoafetaanaturezadopoder jurídico

deacionar.Éamerafaculdadedeinvocaratutelajurisdicionalpormeioda

acusaçãoformalizadanadenúnciaouqueixa–iusutprocedatur.

Assim, retomando o desvio histórico, pensamos que o conceito de ação

processual penal, na estrutura da pretensão acusatória, circunscreve-se a um

poder jurídico constitucional de invocação da tutela jurisdicional e que se

exterioriza pormeio de uma declaração petitória (acusação formalizada) de

que existe o direito potestativo146 de acusar e que procede a aplicação do

poderpunitivoestatal.

Porfim,recordemosaperguntafeitanotítulodessetópico:porquenãoexiste

“trancamentodaaçãopenal”?

Porque sendo a ação um poder político constitucional de invocação não há

quesefalaremtrancamentodaação,umerroquedecorredaconstanteconfusão

entre ação e pretensão. Inclusive há quem empregue o vocábulo “ação” como

sinônimodepretensão.Contudo,arigor,açãoéopoder jurídicodeacudiraos

tribunais para ver satisfeita uma pretensão. Logo, não há que se falar de

“trancamento”dopoderquejáfoiexercido.

Daíporqueaboatécnicaaconselhaaquesefaleemtrancamentodoprocesso

penal, pois é o curso dele (processo) que se quer fazer parar. Ou seja, o

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trancamento (do processo, não da ação) corresponde a uma forma de extinção

anormal,prematura,doprocesso.Ninguémjamaisfalouemextinçãoprematurada

ação...poisoqueimpedeoprosseguimentoéoprocessopenal.

Emsuma,podemosresumirdaseguinteformaaíntimarelaçãodosconceitos

deação,pretensãoeacusação(demanda),parafacilitaracompreensão:

1. Ação: direito potestativo (poder de acusar e submeter ao processo)

concedidopeloEstado(aoparticularouaumdeterminadoórgãodoEstado–

Ministério Público) de acudir aos tribunais para formular a pretensão

acusatória. É um direito (potestativo) constitucionalmente assegurado de

invocarepostularasatisfaçãodepretensões.Vedadaaautodefesa(estatalou

privada),odireitodeaçãoencontraabrigonanossaatualConstituição,em

queoart.5º,XXXV,asseguraque“aleinãoexcluirádaapreciaçãodoPoder

Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Mais específico, o art. 129, I, da

ConstituiçãoasseguraopoderexclusivodoMinistérioPúblicodeexercera

açãopenal (melhor, aacusaçãopública).Éumagarantiaconstitucionalque

asseguraoacessoaoPoderJudiciário.Alcalá-ZamoraeLevene147definem

como“elpoderjurídicodepromoverlaactuaciónjurisdiccionalafindeque

el juzgador pronuncie acerca de la punibilidad de hechos que el titular de

aquélla reputa constitutivos de delito...medio de provocar el ejercicio del

derechodepenar”.

2.Pretensão acusatória: é uma declaração petitória de que existe o direito

potestativo de acusar e que procede a aplicação do poder punitivo estatal.

Trata-se de umdireito potestativo, pormeio do qual se narra um fato com

aparênciadedelito(fumuscommissidelicti)esesolicitaaatuaçãodoórgão

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jurisdicional contra uma pessoa determinada. É composta de elementos

subjetivo, objetivo (fato) e de atividade (declaração petitória), como

explicamosemcapítulosanteriores.

3.Acusação (declaração petitória): é o ato típico e ordinário de iniciação

processual,queassumeaformadeumapetição,atravésdaqualapartefaz

uma declaração petitória, solicitando que se dê vida a um processo e que

comece sua tramitação148. No processo penal brasileiro, corresponde aos

instrumentos“denúncia” (noscrimesdeaçãopenalde iniciativapública) e

“queixa” (delitos de iniciativa privada). É, na verdade, o veículo que

transportaráapretensãosemdeixardeserumdosseuselementos.

2.3.Naturezajurídicadaaçãoprocessualpenal.Caráterpúblico,autônomoeabstrato(ouconcreto)?

Semesquecer-sedasressalvasanteriormentefeitas,apóssecularesdiscussões,

pensamosque foi fundamentalparaodesenvolvimentocientíficodoprocessoo

reconhecimentodaaçãoedasrelaçõesdedireitomaterialeprocessual.

Constituiummarconadiscussãoa famosapolêmica travadaentreos juristas

alemãesBernhardWindscheideTheodorMuther 149,ocorridanofinaldoséculo

XIX (entre 1856 e 1857 são as publicações e amplia-se o debate nas décadas

seguintes). Sublinhe-se que toda a discussão e construção teórica foi feita por

civilistasepensadaparaoprocessocivil.Atransmissãodessascategoriasparao

processopenalsefezaumaltocusto,quefoiodedesconsideraraespecificidade

doprocessopenal.Dequalquerforma,éimportanteresgataraevoluçãohistórica.

Em uma revisão sumária (literalmente, uma cognição sumária do tema), até

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entãovigorava anoçãodeactio dodireito romano e a fórmula deCelso (mas

tambémdeUlpiano),segundoaqualaçãoé(nadamaisque)odireitodepedirem

juízo aquilo que nos é devido. A actio era dirigida à parte contrária, em uma

perspectivaprivada,dedireitodirigidodiretamenteaoutroparticular,atéporque

aconcepçãoreinanteeradequeodireitoprocessualeraapenasodireitomaterial

em movimento. Era absoluta a vinculação entre a actio e o direito material,

inclusive, nem sequer se cogitavada separação entitativadodireito processual

em relação ao direito material. Nesse ponto, justiça deve ser feita a Bülow

(1868),cujateoriadarelaçãojurídicateveograndeméritodepretenderseparar

a relação jurídicadedireitomaterialda relação jurídicadedireitoprocessual,

sendo muito importante para a construção do conceito de ação e da própria

evoluçãocientíficadodireitoprocessual.

EraummomentodeprofundainfluênciadasteoriascivilistasdeSavigny,que

reforçavamavisão“privada”daactioromanaeaprimaziadodireitomaterial.

AtesedeWindscheidabalouaestruturadepensamentovigente,namedidaem

que“agitó lasaguasestancadas”150 e sedebruça sobreoconceitodeanspruch

(palavradedifíciltradução,dadaapolissemiadesentidos,masprocessualmente

concebidocomo“pretensão”),comoumdireitoautônomoediverso.Evidencioua

diferença entre a actio romana e o que modernamente se considerava acción

(klagerecht), distinção até então pouco levada a sério. Tal perspectiva já se

percebianosescritosdeDegenkolbePlószcomoumdireitopúblicosubjetivo,

independente do direito material. Também contribuiu, a continuação, o

pensamentodeAdolfWach,comsuaconcepçãode“açãocomodireitoconcreto”,

demonstrando ainda um enraizamento no direitomaterial,mas já concebendo a

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açãoprocessualcomoalgodistintododireitomateriale,principalmente,dirigido

emfacedoEstado(enãocontraoparticular).

ComoexplicaChiovenda151,Windscheidafirmaqueoquenascedalesãoaum

direito,comoodepropriedadeporexemplo,nãoéumdireitodeacionar,senão

um direito a restituição da coisa (no exemplo dado), e esta obrigação – como

outras – só configura um direito de acionar quando não seja satisfeita. É o

nascimentodaconcepçãodepretensão, lide,satisfaçãodepretensões,exercício

dapretensãoetc.Masessaconcepçãonãoéacabadaedeuorigemainfindáveis

discussões, o que se revela emumgrandevalor, por estabelecer a discussão e

permitiraevoluçãocientíficadosconceitos.

Mas e a polêmica? A obra de Windscheid abalou o pensamento alemão

vigorante, profundamente enraizado no direito romano Justiniano, inicialmente

por recomendar o abandono desta matriz em favor dos estudos atuais e as

dogmáticasmodernas,demonstrandoqueoconceitoromanodeactioeraestranho

aodireitomodernoenãocoincidiacomode“ação”,recomendandooabandono

de talconfusão terminológica.Fincapénoestudoda“pretensão”–anspruch –

comoequivalentemodernodoconceitode“ação”.

Desenvolvendo o conceito de pretensão, Windscheid equipara ao conceito

actio do direito romano, distinta da ação de direito processual que não se

confundiria com o direito subjetivo, permitindo assim que aflorasse o conceito

abstrato de ação. Mas o autor acaba por ceder a “uma espécie de variação

semântica” do conceito de actio, ora operando-a como sinônimo de pretensão

perseguívelemjuízo,oraentendendo-acomoumdireitoàprestaçãojurisdicional,

agravandoaconfusãoentreaaçãodedireitomaterialeaaçãoprocessual,como

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explicaRicardoJacobsenGloeckner 152.

O problema é que a actio, na visão pandectista alemã, equivale à ação de

direitomaterial e, portanto, ação para realização de direitos, acabando por, no

processo penal, contribuir para a equivocada concepção de Binding de que o

objeto do processo penal é uma “pretensão punitiva”. Isso porque, nessa linha

equivocada,haveriauma“exigênciapunitiva”quefundariaa“pretensãopunitiva”

como objeto do processo, esquecendo-se de que não existe no processo penal

uma“açãodedireitomaterial”.OerrodestaconcepçãonóstratamosnoCapítulo

IV,dedicadoaoestudodo“objetodoprocessopenal”,paraoqualremetemoso

leitor.

Apressou-se o jovem professorMuther (que tinha poucomais de 30 anos e

recentemente–noanoanterior–haviasidonomeadoProfessorExtraordináriona

UniversidadedeKönigsberg,ecomumaparcaproduçãocientífica,aocontrário

deWindscheid,noveanosmaiorecomsólidaprodução)arefutá-la,comalguma

dureza até, reafirmando a posição tradicional. Ao longo da polêmica travada

entre os dois autores, com direito a réplica e tréplica,muitos conceitos foram

sendoajustados,apontode,nofinal,ChiovendaafirmarqueMuthernãofezmais

doquecomplementaropensamentodeWindscheidpeloestudodoselementospor

elenegados.

Em linhas (bem) gerais, Muther insistia na concepção tradicional de que

acionar (actio)éumdireitoprivado(poisabaseéodireitomaterialprivado).

Pode-se,comoexplicaPugliese,considerarqueaparte“crítica”deMuthernão

logou impedir os pontos de vista de Windscheid; mas a parte “construtiva”,

entretanto, foi muito mais fértil. Sustentou Muther que a actio era um direito

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exercido frente ao juiz (e não contra o particular), um direito frente aoEstado

para a prestação da tutela jurídica. Neste ponto, obteve grande repercussão.

CompartilhoudestaposiçãoWindscheidemaisconcretamenteWach,queadotou

edesenvolveutaltesecomgrandepropriedadeetranscendência.Asconcepções

processuaisoupublicistasdaaçãoforamfavorecidaspelaabsorçãodoconteúdo

substancialdaactionanoçãodepretensãodeWindscheid,massemprebuscando

como fonte o escrito de Muther. Essa última concepção foi posteriormente

trabalhadaporDegenkolbePlószparaafirmarqueessedireitosubjetivopúblico

de acionar é independente da correspondência efetiva de um direito privado

(caráterabstrato) 153.

A“polêmica”éextremamentecomplexaeenvolveumalongadiscussãosobre

as “fórmulas”, a actio romana, a “litiscontestatio” e uma série de categorias

inerentes ao direito romano e que estavam sendo colocadas em dúvidas pelo

pensamento“moderno”encampadoporWindscheid.De tudo isso, interessa-nos

agoraumponto-chavedamudançadeconcepções:atéentão,aestruturaromânica

entendiaqueaactioeraumpoderfrenteaoadversárioenãoumdireitofrenteao

Estado,alémdeconterumavisãoestritamenteprivatista.Comapolêmicaháuma

mudançadecompreensão,vislumbrandoaaçãocomoumpoderexercido frente

aoEstadoecomcaráterpúblico.

Emsuma,comoafirmaPugliese154: a publicaçãodeWindscheid é a “ata de

nascimento”daproblemáticamodernaacercadaação.

Feitaessasumáriadigressãohistórica,vejamosocenárioatualnoprocesso

penal.

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Discussão hoje superada é o caráter público ou privado da ação processual

penal. Se no processo civil alguma razão existia, no processo penal, o caráter

público é evidente.Couture155 conceitua ação como “o poder jurídico que tem

todosujeitodedireitodeacudiraosórgãos jurisdicionaispara reclamar-lhesa

satisfaçãodeumapretensão”.Éumpoderjurídicoquecompeteaoindivíduo.É

umatributodesuapersonalidade.Esseéumconceitorigorosamenteprivadoque

nãopodeseraplicadoaoprocessopenaldeformaautomática,masquecolocaem

relevoaaçãocomopoderjurídicoe,comotal,perfeitamentecompatívelcomo

conceito de Goldschmidt de pretensão acusatória – ius ut procedatur –

anteriormenteexplicado.

ExplicaaindaCouturequeaaçãotem,aomesmotempo,naefetividadedesse

exercício, um interesse da comunidade, que lhe confere ocaráter público. Por

meiodapretensãoacusatória,oEstadopoderáatuaropoderdepenaremrelação

ao que cometeu um injusto típico, instrumentalizando o próprio direito penal

(direitopúblico).Alcalá-ZamoraeLevene156 explicamquequando se apontao

caráterpúblicodaaçãopenalsequerdizerqueelaserveparaarealizaçãodeum

direitopúblico,qualseja,odeprovocaraatuaçãodopoderpunitivodoEstado.

Osautores,advirta-se,perfilam-seentreaquelesque,comoGoldschmidt,negama

pretensão punitiva e atribuem ao acusador o poder de proceder contra alguém,

poderdiversodaqueledepunir,quecorrespondeaoEstado-juiz.

Portudoisso,arigor,constituiumaimpropriedadefalaremaçãopenalpública

e privada, eis que toda ação penal é pública, posto que é uma declaração

petitória, que provoca a atuação jurisdicional para instrumentalizar o direito

penalepermitiraatuaçãodafunçãopunitivaestatal.Seuconteúdoésemprede

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interessegeral.

O correto é classificar em acusação pública e acusação privada, ou, se

preferiremseguirclassificandoapartirdocrime,teremosaçãoprocessualpenal

deiniciativapúblicaeaçãoprocessualpenaldeiniciativaprivada.

Contudo,noBrasil,origortécnicofoideixadodeladoejáestáconsagradaa

terminologiadelitosdeaçãopenalpúblicaedelitosdeaçãopenalprivada.A

justificativa está na adoção do critério de legitimidade de agir: será pública

quandopromovidapeloMinistérioPúblico(porumadenúncia)eprivadaquando

couberàvítimaexercê-laatravésdequeixa.

Eocaráterdeabstraçãoouconcretude?

Defendendo o caráter autônomo e abstrato da ação, Degenkolb e depois

Plószforamosmarcosteóricosdosquaisseestruturaramoutrosestudos.Paraos

defensores dessa posição, a ação é autônoma e abstrata no sentido de que é

independentedodireitomaterial emdiscussão,demodoqueaaçãopoderá ser

exercidaeoprocessonasceresedesenvolver,aindaqueoautornãotenharazão.

Ouseja,mesmoqueasentençanegueopostulado,aaçãoterásidoexercida,

pois a existência dela não está vinculada a uma sentença favorável demérito.

Para essa corrente, a ação como direito abstrato tem sua existência prévia ao

nascimentodoprocesso.Éumdireitoqueexisteepodeserexercidoaindaquea

ação seja julgada improcedente. Têm ação aqueles que promovem a demanda

aindaquesemdireitoválidoatutelar.

ExplicaCouture157 – com deliberado exagero, como elemesmo esclarece –

queaaçãoéumdireitodosquetêmrazãoeaindadosquenãotêmrazão.Trata-

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sedeumdireitoinerenteàprópriapersonalidadedaspessoas.

Posteriormente,Wach,aperfeiçoandoaconcepçãodoprocessocomorelação

jurídica de Bülow, defende a tese de que a ação é um direito autônomo (até

porquearelaçãojurídicadedireitoprocessualindependedarelaçãojurídicade

direitomaterial),masconcreto,poissomentehaveráaçãoquandooautorobtiver

uma sentença favorável (daí por que é o direito a uma sentença favorável, na

acepçãodoautor).Emoposiçãoàabstração,ateoriadodireitoconcretosustenta

– em suma – que a ação somente compete aos que têm razão. Na síntese de

Couture158, a ação não é o direito; mas não há ação sem direito. Mas a

concepção de ação como direito concreto acabou não vingando, especialmente

porque era incapaz de justificar toda a situação criada e a jurisdição

movimentada,quandoasentençanãofossefavorável.Significariadizer,apontam

oscríticos,que,seasentençafosseimprocedente(absolutória),aaçãonãoteria

existidoeoprocessotampouco(comopoderiahaverprocessosemação?).Sendo

assim, como explicar toda a atividade desenvolvida até então? Inclusive com

manifestaçãoeexercíciodajurisdição?

Noprocesso penal, igualmente se afirma a autonomia da ação processual

penal,atéporque,comoexplicamosaoabordaroobjeto,odireitopotestativode

acusar não se confunde com o poder de punir (direito material). Ou seja, o

acusadornãoexercenenhumapretensão(material)punitiva,senãoumapretensão

processualacusatória.

Nãohácomoaceitar,integralmente,aaçãocomodireitoconcreto,namedida

em que o poder jurídico constitucional de proceder contra alguém (ius ut

procedatur)existiuefoirealizadoaindaqueasentençasejaabsolutória.Istoé,a

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pretensão acusatória pode ser exercida, originar um processo penal que se

desenvolvadeformaválidae,aofinal,oréuserabsolvidoporquesuacondutaé

atípica(oulícita).

Com isso, a pretensão acusatória foi realizada, ainda que o Estado-juiz não

tenhapodidoatuaropoderdepenar.Essecaráterficaaindamaisevidentequando

secompreendeoobjetodoprocessopenal,explicadoanteriormente,noqualse

vêquenãotemoacusadorumapretensãopunitiva,poisnãolhecompeteopoder

depunir,massimumapretensãoacusatória,queédiversadopoderpunitivoque

édoEstado,queoexercenoprocessocomojuiz.

Ainda, tendo em vista que adotamos como função do processo a satisfação

jurídicadepretensõese/ouresistências,nenhumadúvidaexistedequeoprocesso

tambémterácumpridosuafunçãoemcasodesentençaabsolutória.

No entanto, não se pode olvidar o princípio da necessidade, em que, se a

pretensão acusatória é autônoma, não o é o poder de punir, que só existe no

processoesomentepodeseefetivarquandoaacusaçãoforintegralmentelevadaa

caboeacolhida.Ouseja,opoderdojuizdepenarestácondicionadoaoexercício

integral da pretensão acusatória. Não é esse poder de punir autônomo, mas

totalmentecondicionado.

Mas também não satisfaz, no processo penal, a plena abstração da ação

penalacusatóriaemrelaçãoaofatocriminoso.Issoporque,comoexplicaGómez

Orbaneja159,

puedeafirmarsequeadiferenciadelprocesocivil,queseconstituyede

una vez y definitivamente, con unos límites objetivos y subjetivos

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inalterables,mediantelapresentacióndelademanda,elprocesopenal

se desenvuelve escalonadamente. El fundamento de la prosecusión, o

inversamente de su exclusión, puede depender tanto de razones

substantivascomoprocesales.

Está correto. No processo civil, o início e o desenvolvimento dependem

exclusivamentedecritériosformais,denaturezaprocessual.Oprocessocivilse

desenvolve por meio de decisões interlocutórias, de conteúdo puramente

processual (formal), sem entrar na questão de fundo, que deve ficar reservada

para a sentença. Por isso, em geral, até a sentença, o juiz cível somente terá

aplicadonormasprocessuais160.

Situação completamente diversa ocorre no processo penal, em que as

condiçõesdepunibilidadepodemconfundir-secomospressupostosprocessuais

e,principalmente,paraqueoprocessopenalpossa iniciaredesenvolver-se,é

imprescindívelquefiquedemonstradoofumuscommissidelicti.

Ouseja,noprocessopenal,desdeo início,é imprescindívelqueoacusador

público ou privado demonstre a justa causa, os elementos probatóriosmínimos

quedemonstrema fumaçadapráticadeumdelito,nãobastandocumprimentoe

critériosmeramenteformais.Nãohá,comonoprocessocivil,apossibilidadede

deixaraanálisedaquestãodefundo(mérito)paraasentença,poisdesdeoinício

ojuizfazjuízoprovisório,deverossimilhançasobreaexistênciadodelito.

Éimportantedestacarqueoprocessopenaladotaumsistemaescalonadoque

vai refletir o grau de sujeição do imputado e de diminuição do seu status

libertatis. O processo penal é um sistema escalonado e como tal, para cada

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degrau,énecessárioum juízodevalor.Essaescada é triangular,poispodeser

tanto progressiva como também regressiva de culpabilidade (no sentido de

responsabilidade penal). A situação do sujeito passivo passa de uma situação

maisoumenosdifusaàdefinitivacomasentençacondenatóriaoupodevoltara

serdifusaedarorigemaumaabsolvição.Inclusive,épossívelchegaraumjuízo

definitivodecaráternegativo,emquesereconhececomocertaanãoparticipação

doagentenodelito.

Portudoisso,defineMiguelPastorLópez161queasituaçãojurídicadosujeito

passivoécontingente,provisionaledeprogressiva(ouregressiva)determinação.

Com a sentença penal condenatória, inicia-se uma nova etapa, a execução da

pena. A absolvição não cria uma situação nova, senão que restabelece com

plenitudeoestadodeinocente.Osujeitopassivonãoperdeostatusdeinocente

no curso do processo, mas sem dúvida que ele vai se debilitando. Se com a

condenação definitiva o estado de inocência acaba, com a absolvição é

restabelecidocomsuamáximaplenitude.

Concordamos comGómez Orbaneja162 quando define a ação penal como o

direitomeramenteformaldeacusar(aquiestáasementeda“teoriadaacusação”),

na qual não se faz valer uma exigência punitiva, senão que se criam os

pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à

averiguação do delito e de seu autor.O acusador não exerce o poder de punir

(nissoresideaautonomiaque tambémconstituiumrecortedeabstração),senão

queafirmandoseunascimentoepostulaaefetivaçãodopoderdepunirqueédo

Estado-juiz,queexercerápelaprimeiraveznasentença.

Pensamos que no processo penal o conceito mais adequado está no

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entrelugarou,melhor,noentreconceito.

Osconceitostradicionaisde“abstração”,deumlado,ededireitoconcreto,de

outro, não satisfazem a necessidade do processo penal. Há que se buscar o

entreconceito, entre o abstrato e o concreto. É algo a ser construído à luz da

especificidadedoprocessopenal 163.

Nessa linha,Coutinho164 – inspiradoemLiebman–desenvolveaconcepção

dedireito“conexo instrumentalmenteaocasopenal”.Advertequeofatodeser

umdireito abstratonão significaque seja ilimitadoe incondicionado.Deve ser

dosado e condicionado, somente podendo exercê-lo aquele que preencher

determinadas condições. Está vinculado a um caso concreto, determinado e

exatamenteindividuado.Assim,aabstraçãoéadmitida(poisnãohácomonegar

que a ação existe e foi devidamente exercida ainda que a sentença seja

absolutória),bemcomoaautonomia(poisodireitopotestativo165deacusarnão

se confunde com poder [material] de punir), mas ambas são atenuadas –

aproximando-sedoconceitodedireitoconcreto–namedidaemqueseexigeque

aaçãoprocessualpenaldemonstreumaconexãoinstrumentalemrelaçãoaocaso

penal (visto aqui como elemento objetivo da pretensão acusatória, conforme

conceitosdesenvolvidosanteriormente,quandodoestudodoobjetodoprocesso).

TambémdessaconcepçãoseaproximaTucci 166,aodefiniraaçãoprocessual

penal como um direito subjetivo de índole processual, instrumentalmente

conexo a uma situação concreta.Aconexão instrumental é uma exigência do

princípiodanecessidade,emqueodelitosomentepodeserapuradonocursodo

processo,poisodireitopenalnão temrealidadeconcretanempodercoercitivo

forado instrumentoprocesso.Tambémsevincula ànoçãode instrumentalidade

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constitucionalanteriormentedesenvolvida,poisoprocessoéuminstrumentopara

apuraçãodofato,masestritamentecondicionadopelaobservânciadosistemade

garantiasconstitucionais.

Naaçãoprocessualpenal,ocaráterabstratocoexistecomavinculaçãoauma

causa, que é o fato aparentemente delituoso. Logo, uma causa concreta. Existe

assim uma limitação e vinculação a uma causa concreta que deve ser

demonstrada,aindaqueemgraudeverossimilhança,ouseja,defumuscommissi

delicti.

Portanto, nesta linha de pensamento (que é amais próxima da realidade do

processopenal,sublinhe-se),aaçãoprocessualpenaléumdireitopotestativo

deacusar,público,autônomo,abstrato,masconexoinstrumentalmenteaocaso

penal.

2.4.Condiçõesdaaçãoprocessualpenal(enãocivil!)

2.4.1.Quandosepodefalaremcondiçõesdaação?

Segundo o pensamento majoritário, as condições da ação não integram o

méritodacausa,massãocondiçõesparaqueexistaumamanifestaçãosobreele.

Assim, questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva (negativa de

autoria), não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevem-se às

situações previstas no art. 395, II, do CPP, impedindo a manifestação sobre o

casopenal(mérito)emjulgamento.Tambémencontramosaausênciadecondições

da ação nas causas de absolvição sumária, no art. 397, demonstrando o quão

próximoestãodomérito,ouseja,docasopenal(elementoobjetivodapretensão

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acusatória).

Antes de entrar nessas questões, é importante fazer um questionamento-

advertência: é correto falar em condições da ação processual penal? Existem

condiçõesqueefetivamentecondicionemoexercíciodaaçãoprocessual?

Ora,secomoafirmadoanteriormenteaaçãoéumpoderpolíticoconstitucional

de invocar a tutela jurisdicional e encontra sua base no art. 5º, XXXV, da

Constituição, como se pode falar em condições nas quais a Constituição não

condiciona?

Parachegar-seàresposta,énecessáriocompreenderqueodireitodeaçãoé

um“direitodedoistempos”167.

No primeiro momento, estamos na dimensão constitucional do poder de

invocar a tutela estatal. Esse poder – ius ut procedatur – é completamente

incondicionado. Ou seja, não existem condições para que a parte o exerça e

tampouco possibilidades de impedir seu exercício. Não há como proibir ou

impediralguémdeajuizarumaqueixa-crimeoudeoMinistérioPúblicooferecer

uma denúncia168. Essa é a dimensão constitucional, abstrata e incondicionada

dessedireito.

OmestrecomplutenseJaimeGuasp169,comentandoopensamentodeCarnelutti

na obra Lezioni sul processo penale, afirma que ação é um direito público

subjetivoque“expulsaenrealidadelconceptodeaccióndelcampodelderecho

procesalparaencajarloenelcampodelderechopúblico”,ouseja,comopoder

político-constitucionaldeinvocação.

Masexisteosegundomomento,denaturezanãomaisconstitucional,massim

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processual penal. É no plano processual que se pode efetivar ou não a tutela

postulada,obterounãoa resposta jurisdicionalalmejada,movimentarounãoa

máquinaestatal.NasíntesedeJardim170,ascondiçõesdaaçãonãosãocondições

paraaexistênciadodireitodeagir,massimparaoseuregularexercício.

Considerando o custo que encerra o processo e o fato de não haver

possibilidadede–aqualquermomento–serextintosemjulgamentodemérito,a

análise das condições da ação como requisitos a serem preenchidos para o

nascimentodoprocessoeobtençãodatutelapedidaéfundamental.

Feitaessaadvertência,sublinhe-se,ainda,quenãohádúvidadequeojuizfará

umasumáriaincursãopeloméritodacausa,e,aindaqueteoricamentesejaclaraa

separação entitativa entre a esfera regida pelo direito material e a situação

processual,éevidentequenoplanoontológicodoprocessoexisteumaprofunda

interação entre elas. Como aponta Tourinho Filho171, “queiram ou não, as

condições da ação servem de cordão umbilical entre a causa petendi e o

exercício do direito de ação. Como poderá o juiz apreciar a legitimatio ad

causamsenãoemfacedacausapetendi?”Vejamosagoraascondiçõesdaação

noprocessopenal.

2.4.2.Condiçõesdaaçãopenal:equívocosdavisãotradicional-civilista

Segundo o pensamento majoritário, as condições da ação não integram o

méritodacausa,massãocondiçõesparaqueexistaumamanifestaçãosobreele.

Assim, questões como ilegitimidade de parte ativa ou passiva (negativa de

autoria), não ser o fato criminoso ou estar ele prescrito circunscrevem-se às

situações previstas no art. 395, II, do CPP, impedindo a manifestação sobre o

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casopenal(mérito)emjulgamento.Tambémencontramosaausênciadecondições

da ação nas causas de absolvição sumária, no art. 397, demonstrando o quão

próximoestãodomérito,ouseja,docasopenal(elementoobjetivodapretensão

acusatória).

Quantoàscondiçõesdaação,adoutrinacostumadividi-lasem:legitimidade,

interesseepossibilidadejurídicadopedido.Oproblemaestáemque,natentativa

de adequar ao processo penal, é feita uma verdadeira ginástica de conceitos,

estendendo-os para além de seus limites semânticos. O resultado é uma

desnaturação completa, que violenta amatriz conceitual, sem dar uma resposta

adequadaaoprocessopenal.Vejamosporque:

a)Legitimidade:esseéumconceitoquepodeseraproveitado,poissetratade

exigir uma vinculação subjetiva, pertinência subjetiva, para o exercício da

ação processual penal.Apenas, como explicaremos na continuação, não há

quesefalarem“substituiçãoprocessual”nocasodeaçãopenaldeiniciativa

privadaetampoucoédeboatécnica(emquepeseaconsagraçãolegislativa

edogmática) adivisãoemaçãopenalpública eprivada.Comovisto, toda

ação é pública, por essência. Não existe ação processual penal (ou

processual civil) privada. Trata-se de um direito público. O problema

costumasercontornadopelainserção“deiniciativa”públicaouprivada.

b) Interesse: para ser aplicado no processo penal, o interesse precisa ser

completamentedesnaturadonasuamatrizconceitual.Lánoprocessocivil,é

visto como “utilidade e necessidade” do provimento. Trata-se de interesse

processual de obtenção do que se pleiteia para satisfação do interesse

material. É a tradicional concepção de Liebman, do binômio utilidade e

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necessidadedoprovimento.Noprocessopenal,algunsautoresidentificamo

interessedeagircomajustacausa,demodoque,nãohavendoummínimode

provas suficientes para lastrear a acusação, deveria ela ser rejeitada (art.

395,III).

Crítica: Pensamos que se trata de categoria do processo civil que resulta

inaplicávelaoprocessopenal.Issoporqueoprocessopenalvemmarcadopelo

princípio da necessidade, algo que o processo civil não exige e, portanto,

desconhece.Seo interesse, civilisticamentepensado, corresponde à tradicional

noçãodeutilidadeenecessidadedoprovimento,nãohánenhumapossibilidade

decorrespondêncianoprocessopenal.

O princípio da necessidade impõe, para chegar-se à pena, o processo como

caminho necessário e imprescindível, até porque o direito penal somente se

realizanoprocessopenal.Apenanãosóéefeitojurídicododelito172,senãoque

é um efeito do processo; mas o processo não é efeito do delito, senão da

necessidade de impor a pena ao delito por meio do processo. Então ele é

inerenteàaçãoprocessualpenal,nãocabendoadiscussãoemtornodointeresse.

Para o Ministério Público, tanto nos crimes de ação penal de sua iniciativa

(pública) comonos crimes de iniciativa privada, o interesse é inerente a quem

tiverlegitimidadeparaproporaação,poisnãoháoutraformadeobtereefetivar

apunição.

Então,oquefazadoutrinaprocessualpenalparaaproveitaressacondiçãoda

açãoprocessualcivil?Entulhamentoconceitual.Aintençãoéboa,eissonãose

coloca em dúvida, mas o resultado final se afasta muito do conceito primevo.

Pegam um conceito e o entulham de definições que extrapolam emmuito seus

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limites,culminandoporgerarumconceitodiverso,mascomomesmonome(que

nãomaislheserve,porevidente).Nessalinha,costumamtratarcomo“interesse”

questõesquedizemrespeitoà“punibilidadeconcreta”,talcomoainexistênciade

prescrição,oumesmode“justacausa”,comooprincípiodainsignificância.

c) Possibilidade jurídica do pedido: quanto à possibilidade jurídica do

pedido, cumpre, inicialmente, destacar que o próprio Liebman, na terceira

edição do Manuale di diritto processuale civile, aglutina possibilidade

jurídica do pedido com o interesse de agir, reconhecendo a fragilidade da

separação.Comoconceberqueumpedidoéjuridicamenteimpossíveldeser

exercidoe,aomesmotempo,provenientedeumapartelegítimaequetenha

um interesse juridicamente tutelável? Ou, ainda, como poderá uma parte

legítima ter um interesse juridicamente tutelável, mas que não possa ser

postulado?Sãoquestõesquesópodemserrespondidasdeformapositivapor

meio de mirabolantes exemplos que jamais extrapolam o campo teórico

oníricodealguns.Assim,frágilacategorização,mesmonoprocessocivile,

principalmente,noprocessopenal.

Superada essa advertência inicial, o pedido da ação, no processo penal de

conhecimento, será sempre de condenação, exigindo um tratamento

completamente diverso daquele dado pelo processo civil, pois não possui a

mesma complexidade. Logo, não satisfaz o conceito civilista de que o pedido

deve estar autorizado pelo ordenamento, até porque, no processo penal, não se

pede usucapião do Pão de Açúcar... (típico exemplo dosmanuais de processo

civil).

Adoutrinaqueadotaessaestruturacivilistacostumadizerqueparaopedido

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(de condenação, obviamente) ser juridicamente possível a conduta deve ser

aparentementecriminosa(oqueacabaseconfundindocomacausadeabsolvição

sumária do art. 397, III, do CPP); não pode estar extinta a punibilidade (nova

confusão,agoracomoincisoIVdoart.397)ouaindahaverummínimodeprovas

paraampararaimputação(oque,naverdade,éajustacausa).

Crítica:Naverdade,oqueseverificaéumaindevidaexpansãodosconceitos

do processo civil para (ilusoriamente) atender à especificidade do processo

penal.

Emsuma,oquesepercebeclaramenteéa inadequaçãodessascategoriasdo

processo civil, cabendo-nos, então, encontrar dentrodopróprioprocessopenal

suascondiçõesdaação,comosefaránacontinuação.

2.4.3.Condiçõesdaaçãopenalsegundoascategoriasprópriasdoprocessopenal

Agora, diante da necessidade de respeitarem-se as categorias jurídicas

próprias do processo penal, devemos buscar as condições da ação dentro do

próprioprocessopenal,apartirdaanálisedascausasderejeiçãodaacusação.

Assim,dorevogadoart.43edoatualart.395,sustentamosquesãocondiçõesda

açãopenal 173:

práticadefatoaparentementecriminoso–fumuscommissidelicti;

punibilidadeconcreta;

legitimidadedeparte;

justacausa.

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Vejamos agora, sucintamente, cada uma das condições da ação processual

penal.

2.4.3.1.Práticadefatoaparentementecriminoso–fumuscommissidelicti

Tradicionalmente, entendeu-se que “evidentemente não constituir crime”

significava, apenas, atipicidade manifesta. Contudo, este não é um critério

adequado.

Inicialmente,deve-seconsiderarqueo inciso IIIdoart.397doCPPfalaem

“crime”.Aindaquesepossadiscutirsecrimeéfatotípico,ilícitoeculpávelou

uminjustotípico,ninguémnuncadefendeuqueoconceitodecrimeseresumiaà

tipicidade. Logo, atendendo ao referencial semântico da expressão contida no

CPP, deve-se trabalhar com o conceito de crime e depois de evidentemente.

Quanto ao conceito de crime, nenhuma dúvida temos de que a acusação deve

demonstraratipicidadeaparentedaconduta.

Paraalémdisso,dasduasuma:ouseaceitaoconceitodetipodeinjusto,na

esteira de Cirino dos Santos, em que se exige que, além dos fundamentos

positivosdatipicidade,tambémdevehaveraausênciadecausasdejustificação

(excludentes de ilicitude); ou se trabalha com os conceitos de tipicidade e

ilicitudedesmembrados.

Emqualquercaso, sehouverelementosprobatóriosdequeoacusadoagiu–

manifestamente – ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, deve a

denúnciaouqueixaserrejeitadacombasenoart.395,II(poisfaltaumacondição

da ação). A problemática situa-se na demonstração manifesta da causa de

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exclusão da ilicitude. É uma questão de convencimento do juiz.Mas, uma vez

superada essa exigência probatória, se convencido de que o acusado agiu ao

abrigodeumacausadeexclusãodailicitude,deveojuizrejeitaraacusação.

Casoesseconvencimentosomentesejapossívelapósarespostadoacusado,a

decisãopassaráaserdeabsolviçãosumária,nostermosdoart.397.

Superadaessaquestão(tipicidadeeilicitude),surgeoquestionamento:ese

o acusado agiu –manifestamente – ao abrigo de uma causa de exclusão da

culpabilidade,podeojuizrejeitaraacusação?

Pensamosquesim.

Assim,havendoprovadacausadeexclusãodaculpabilidade(comooerrode

proibição, por exemplo), pré-constituída na investigação preliminar, está o juiz

autorizadoarejeitaraacusação.

Oquenosimportaagoraéque,umavezdemonstradaacausadeexclusãoe

convencido o juiz, está ele plenamente autorizado a rejeitar a denúncia ou

queixa. Ou ainda atender ao pedido de arquivamento feito pelo Ministério

Público.

Adenúnciadeveráserrejeitada,nostermosdoart.395,II,doCPP,complena

produçãodosefeitosdacoisajulgada(formalematerial).

Emsuma,aquestãodeveseranalisadadaseguinteforma:

a)seacausadeexclusãodailicitudeouculpabilidadeestiverdemonstradano

momentoemqueéoferecidaadenúnciaouqueixa,poderáojuizrejeitá-la,

com base no art. 395, II (falta uma condição da ação penal, qual seja, a

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práticadeumfatoaparentementecriminoso);

b) se o convencimento do juiz (sobre a existência da causa e exclusão da

ilicitude ou da culpabilidade) somente for atingido após a resposta do

acusado,játendosidoadenúnciaouqueixarecebidaportanto,adecisãoserá

deabsolviçãosumária(art.397).

2.4.3.2.Punibilidadeconcreta

Exigiaoantigo(e já revogado)art.43, II,doCPPquenãose tenhaoperado

umacausadeextinçãodapunibilidade,cujoscasosestãoprevistosnoart.107do

Código Penal e em leis especiais, para que a ação processual penal possa ser

admitida. Agora, essa condição da ação também figura como causa de

“absolviçãosumária”,previstanoart.397,IV,doCPP.Masissonãosignificaque

tenha deixado de ser uma condição da ação processual penal ou que somente

possaserreconhecidapelaviadaabsolviçãosumária.Nadadisso.Deveo juiz

rejeitaradenúnciaouqueixaquandohouverprovadaextinçãodapunibilidade.A

decisão de absolvição sumária fica reservada aos casos em que essa prova

somente é produzida apóso recebimentodadenúncia (ou seja, após a resposta

escritadoacusado).

Quando presente a causa de extinção da punibilidade, como prescrição,

decadênciaerenúncia(noscasosdeaçãopenaldeiniciativaprivadaoupública

condicionadaàrepresentação),adenúnciaouqueixadeveráserrejeitadaouoréu

absolvidosumariamente,conformeomomentoemquesejareconhecida.

2.4.3.3.Legitimidadedeparte

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Dessa forma, nos processos que tenham por objeto a apuração de delitos

perseguíveis pormeio de denúncia (ou de ação penal de iniciativa pública), o

polo ativodeverá serocupadopeloMinistérioPúblico, eisque, nos termosdo

art.129,I,daConstituição,éoparquetotitulardessaaçãopenal.

Nasaçõespenaisde iniciativaprivada,caberáàvítimaouseu representante

legal (arts. 30 e 31 do CPP) assumir o polo ativo da situação processual. A

doutrina brasileira, na sua maioria, entende que nessa situação ocorre uma

substituição processual, verdadeira legitimação extraordinária, nos termos do

art.6ºdoCPC,namedidaemqueoquerelantepostulariaemnomepróprioum

direitoalheio(iuspuniendidoEstado).Éumerrobastantecomumdaquelesque,

sematentarparaascategoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal,aindapensam

pelasdistorcidaslentesdateoriageraldoprocesso.CompreendidoqueoEstado

exerceopoderdepunirnoprocessopenalnãocomoacusador,mascomo juiz,

tanto o Ministério Público como o querelante exercitam um poder que lhes é

próprio (ius ut procedatur, pretensão acusatória), ou seja, o poder de acusar.

Logo,nãocorrespondeopoderdepuniraoacusador,sejaelepúblicoouprivado,

namedida em que ele detém amera pretensão acusatória. Assim, em hipótese

algumaexistesubstituiçãoprocessualnoprocessopenal.

Alegitimidadedeveserassimconsiderada:

a) Legitimidade ativa: está relacionada com a titularidade da ação penal,

desdeopontodevistasubjetivo,demodoqueseráoMinistérioPúblico,nos

delitosperseguíveismediantedenúncia, edoofendidoou seu representante

legal,nosdelitosperseguíveispormeiodequeixa.Éocupadapelotitularda

pretensão acusatória. Especificamente no processo penal, a legitimidade

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decorre da sistemática legal adotada pelo legislador brasileiro e não

propriamentedointeresse.Porimperativolegal,nosdelitosdeaçãopenalde

iniciativapública,oMinistérioPúblicoserásemprelegitimadoparaagir.Já

nosdelitosdeaçãopenalde iniciativaprivada, somenteoofendidoouseu

representante legal poderá exercer a pretensão acusatória por meio da

queixa-crime.

b)Legitimidadepassiva: decorredaautoriado injusto típico.O réu,pessoa

contraaqualéexercidaapretensãoacusatória,deveterintegradoasituação

jurídicadedireitomaterial que se estabeleceucomodelito (autor-vítima).

Emoutraspalavras,alegitimaçãopassivaestárelacionadacomaautoriado

delito. Também não se podem desconsiderar os limites impostos pela

culpabilidade penal, especialmente no que se refere à inimputabilidade

decorrentedamenoridade,emqueomenorde18anos(edenadainteressa

eventual emancipação civil) é ilegítimo para figurar no polo passivo do

processopenal.

A imputaçãodeve serdirigidacontraquempraticouo injusto típico.Não se

deveesquecerdequenessemomentonãopodeserfeitoumjuízodecerteza,mas

simdemeraprobabilidade,verossimilhançadaautoria.Ailegitimidadeativaou

passivalevaàrejeiçãodadenúnciaouqueixanostermosdoart.395,II,doCPP,

ou,ainda,permiteotrancamentodoprocessopormeiodehabeascorpus,eisque

setratadeprocessomanifestamentenulo(art.648,IV)porilegitimidadedeparte

(art.564,II).

A ilegitimidade da parte permite que seja promovida nova ação, eis que tal

decisão faz apenas coisa julgada formal. Corrigida a falha, a ação pode ser

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novamenteintentada.Éoqueacontece,v.g.,quandooofendidoajuízaaqueixaem

delitodeaçãopenalpública.ArejeiçãodaqueixanãoimpedequeoMinistério

Públicoofereçaadenúncia.

2.4.3.4.Justacausa

Previstanoart.395,III,doCPP,ajustacausaéumaimportantecondiçãoda

açãoprocessualpenal.Emprofundoestudosobreotema,MariaTherezaRocha

AssisMoura174 adverte sobrea indefiniçãoquepairaem tornodoconceito,na

medida em que “causa possui significado vago e ambíguo, enquanto que justo

constitui um valor”. E prossegue175 lecionando que a justa causa exerce uma

funçãomediadoraentrearealidadesocialearealidadejurídica,avizinhando-se

dos “conceitos-válvula”, ou seja, de parâmetros variáveis que consistem em

adequarconcretamenteadisciplinajurídicaàsmúltiplasexigênciasqueemergem

da trama do tecido social. Mais do que isso, figura como um “antídoto, de

proteçãocontraoabusodeDireito”176.

Evidenciaassim,aautora,quea justacausaéumverdadeiropontodeapoio

(topos)paratodaaestruturadaaçãoprocessualpenal,umainegávelcondiçãoda

ação penal, que, para além disso, constitui um limite ao (ab)uso do ius ut

procedatur,aodireitodeação.Considerandoainstrumentalidadeconstitucional

doprocessopenal,conformeexplicamosanteriormente,oconceitodejustacausa

acabaporconstituirumacondiçãodegarantiacontraousoabusivodopoderde

acusar.

Ajustacausaidentifica-secomaexistênciadeumacausajurídicaefáticaque

legitimeejustifiqueaacusação(eaprópriaintervençãopenal).Estárelacionada,

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assim, com dois fatores: existência de indícios razoáveis de autoria e

materialidade de um lado e, de outro, com o controle processual do caráter

fragmentáriodaintervençãopenal.

2.4.3.4.1.Justacausa:existênciadeindíciosrazoáveisdeautoriaematerialidade

Deve a acusação ser portadora de elementos – geralmente extraídos da

investigação preliminar (inquérito policial) – probatórios que justifiquem a

admissãoda acusaçãoeo custoque representaoprocessopenal em termosde

estigmatizaçãoepenasprocessuais.Casooselementosprobatóriosdoinquérito

sejam insuficientes para justificar a abertura do processo penal, deve o juiz

rejeitaraacusação.

Não há que se confundir esse requisito com a primeira condição da ação

(fumuscommissidelicti).Lá,exigimosfumaçadapráticadocrime,nosentidode

demonstração de que a conduta praticada é aparentemente típica, ilícita e

culpável.Aqui,aanálisedeverecairsobreaexistênciadeelementosprobatórios

deautoriaematerialidade.Talponderaçãodeverárecairnaanálisedocasopenal

àluzdosconcretoselementosprobatóriosapresentados.

Aacusaçãonãopode,diantedainegávelexistênciadepenasprocessuais,ser

levianaedespidadeumsuporteprobatóriosuficientepara,àluzdoprincípioda

proporcionalidade,justificaroimensoconstrangimentoquerepresentaaassunção

dacondiçãode réu.Éo“lastroprobatóriomínimo”,aquealudeAfrânioSilva

Jardim177, exigidoaindapelosarts.12,39,§5º,46,§1º, e648, I (acontrário

senso),doCódigodeProcessoPenal.

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2.4.3.4.2.Justacausa:controleprocessualdocaráterfragmentáriodaintervençãopenal

ComobemsintetizaCezarRobertoBitencourt178, “o caráter fragmentário do

direitopenalsignificaqueodireitopenalnãodevesancionar todasascondutas

lesivas a bens jurídicos,mas tão somente aquelas condutasmais graves emais

perigosas praticadas contra bens mais relevantes”. É, ainda, um corolário do

princípio da intervenção mínima e da reserva legal, como aponta o autor. A

filtragemoucontroleprocessualdocaráterfragmentárioencontrasuajustificativa

enecessidadenainegávelbanalizaçãododireitopenal.

Quandosefalaemjustacausa,estásetratandodeexigirumacausadenatureza

penal que possa justificar o imenso custo do processo e as diversas penas

processuaisqueelecontém. Inclusive, sedevidamenteconsiderado,oprincípio

daproporcionalidadevistocomoproibiçãodeexcessode intervençãopodeser

considerado a base constitucional da justa causa.Deve existir, nomomento em

que o juiz decide se recebe ou rejeita a denúncia ou queixa, uma clara

proporcionalidade entre os elementos que justificam a intervenção penal e

processual,deumlado,eocustodoprocessopenal,deoutro.

Nessa dimensão, situamos as questões relativas à “insignificância” ou

“bagatela”. Considerando que toda “categorização” implica reducionismo e

frágeis fronteiras à complexidade, não negamos que a insignificância possa ser

analisada na primeira condição (fumaça de crime), na medida em que incide

diretamentenatipicidade.

Contudo,paraalémdasinfindáveisdiscussõesteóricasnocampodadoutrina

penal, nenhum impedimento existe de que o juiz analise isso, à luz da

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proporcionalidade, da ponderação dos bens em jogo, ou, ainda, da própria

estrutura do bem jurídico e da missão do direito penal. E, quando fizer isso,

estaráatuandonajustacausaparaaaçãoprocessualpenal.

2.4.4.Outrascondiçõesdaaçãoprocessualpenal

Para além das enumeradas e explicadas anteriormente, existem outras

condições,que igualmentecondicionamaproposituradaaçãoprocessualpenal.

Algunsautoreschamamdecondiçõesespecíficas,emcontrastecomascondições

genéricas, anteriormente apontadas. Mais usual ainda é a classificação de

“condiçõesdeprocedibilidade”,especificamenteemrelaçãoàrepresentaçãoeà

requisição do Ministro da Justiça nos crimes de ação penal pública

condicionada.

Contudo, razão assiste a Tucci quando esclarece que tais classificações não

possuem sentido de ser, na medida em que tanto a representação como a

requisiçãodoMinistrodaJustiçanadamaissãodoque“outrascondiçõesparao

exercíciododireitoàjurisdiçãopenal”179.

Mas, para além da representação e da requisição do Ministro da Justiça,

existem outras condições da ação exigidas pela lei penal ou processual penal,

como,porexemplo(enumeraçãonãotaxativa):

a) poderes especiais emenção ao fato criminoso na procuração que outorga

poderesparaajuizarqueixa-crime,nostermosdoart.44doCPP;

b)aentradanoagentenoterritórionacional,noscasosdeextraterritorialidade

daleipenal,paraatenderàexigênciacontidanoart.7ºdoCódigoPenal;

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c)otrânsitoemjulgadodasentençaanulatóriadocasamentonocrimedoart.

236,parágrafoúnico,doCP;

d) prévia autorização daCâmara dosDeputados nos crimes praticados pelo

Presidente ouVice-Presidente daRepública, bemcomopelosMinistros de

Estado,nostermosdoart.51,I,daConstituição.

Emqualquerdessescasos,adenúnciaouqueixadeveráserrejeitadacombase

no art. 395, II, do CPP. Caso não tenha sido percebida a falta de uma das

condições da ação e o processo tenha sido instaurado, deve ser trancado (o

processo)pormeiodehabeascorpus, ou extintopelo juiz (decisãomeramente

terminativa). Quanto aos efeitos da decisão, não haverá julgamento de mérito,

podendo a ação ser novamente proposta, desde que satisfeita a condição,

enquantonãoseoperaradecadência(nocasodarepresentaçãooudeprocuração

compoderesespeciaisparaaqueixa)ouaprescrição.

2.5.Aproposta:teoriadaacusação.ReflexosnaSantaTrindade“acusação-jurisdição-processo”

2.5.1.Anecessidade:inadequaçõesdecorrentesdoconceitotradicionalde“ação”.Oconceitode“acusação”

Não é precisomaior esforço para perceber que toda a discussão acerca da

“ação”eseusdemaiscaracteresfoifeitadesdeaperspectiva,ascategoriaseas

especificidadesdoprocessocivil.

Essa construção teórica foi transplantada, com muito sacrifício conceitual,

paraoprocessopenal,esbarrando,otempotodo,noslimitesdesuainadequação.

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Basta,porexemplo,verificarqueaconcepçãodeaçãopenalpúblicaeação

penalprivadaéumerro,pois todaaçãoépública,por isso, temosde falar em

açãopenal de “iniciativa” pública ou “iniciativa” privada, para tentar salvar o

transplanterejeitado.

Outro obstáculo epistemológico são as concepções de ação como direito

concretoeaçãocomodireitoabstrato,namedidaemque–noprocessopenal–

nãonosservenemumanemoutraconcepção.

Issofezcomque,paratentarsalvaracategoria“ação”,fossecriadaa“teoria

eclética”,poisnãorarasvezes,quandoodireitonãodácontadacomplexidade

fenomenológica de algo, recorre a vagueza conceitual de teorias “ecléticas”,

“mistas” e coisas do gênero. É, para superar esse arremedo conceitual, que

proporemosaseguiraconstruçãodeuma“teoriadaacusação”,quepossasuperar

essastransmissõesinadequadas.

As condições da ação do processo civil (legitimidade, interesse e

possibilidade jurídica do pedido) seguem sendo repetidas de forma

absolutamente inadequada no processo penal e ainda esbarram em outro

problema: o escalonamentodoprocessopenal.Ao contrário doprocesso civil,

em que o autor somente tem de demonstrar “condições” formais para que a

demandasejarecebida,noprocessopenalasituaçãoécompletamentedistinta.

Noprocessocivil,todasasquestõesdeméritoficamreservadasparaanálise

nasentença(comoregra,éclaro).Jánoprocessopenal,desdeoinício,paraque

a acusação seja recebida, deve o acusador demonstrar a fumaça domérito, ou

seja, a viabilidade em sede de verossimilhança (fumus commissi delicti). Isso

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porqueoprocessopenaltemumelevadocusto,estigmatizae,principalmente,jáé

uma pena em si mesmo. Na lendária frase de Carnelutti, a maior miséria do

processopenaléquepunimosparasabersedevemospunir.

É uma distinção tão relevante que faz com que não se possam importar as

condições da ação, nem sequer “adaptando-as”, pois o problema é outro, é na

base epistemológica do instituto. O processo penal tem um escalonamento

progressivo ou regressivo de culpabilidade, de modo que a acusação somente

pode ser admitida se houver fumaça da prática de um crime (logo indícios

razoáveis do própriomérito) e, se essa fumaça desaparecer com os elementos

trazidospeladefesa,deveojuizabsolversumariamenteoréu,semprecisarhaver

odesenvolvimentocompletodoprocedimento.Ouseja,épossívelumadecisão

sobre o mérito – absolvição sumária – antes da sentença final. Tudo isso é

completamente contrário à base conceitual desde sempre pensada para as

condiçõesdaaçãopeloprocessocivil.

Por tudo isso, nossa proposta parte da assunção das categorias jurídicas

próprias do processo penal e da necessidade de superação da inadequada

estrutura teórica existente. Pensamos ser necessário construir uma teoria da

acusação, que liberta dos dogmas e polêmicas (processuais civis) do passado,

contribua para a elaboração de uma teoria de base e que melhor atenda às

necessidadesespecíficasdoprocessopenal.

Concordamos comGómez Orbaneja180 quando define a ação penal como o

direitomeramenteformaldeacusar(aquiestáasementeda“teoriadaacusação”),

na qual não se faz valer uma exigência punitiva, senão que se criam os

pressupostos necessários para que o órgão jurisdicional possa proceder à

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averiguação do delito e de seu autor.O acusador não exerce o poder de punir

(nissoresideaautonomiaque tambémconstituiumrecortedeabstração),senão

queafirmandoseunascimentoepostulaaefetivaçãodopoderdepunirqueédo

Estado-juiz,queexercerápelaprimeiraveznasentença.

Precisamos sepultar a equivocada concepção de que haveria uma exigência

punitiva (ação de direito material) a ser exercida no processo penal sob a

roupagemde“pretensãopunitiva”.Comoexplicamosanteriormentenoestudodo

“objetodoprocessopenal”,odireitopenalédespidodepodercoercitivodireto,

necessitandosempredoprocessopenalparaserealizareefetivar(Princípioda

Necessidade=nullapoenasineiudicio).Noprocessopenal,oacusadorexerce

umpoderprópriodeacusar(iusutprocedatur=pretensãoacusatória),eojuiz

exerceaofinal(preenchidososrequisitosparatanto)outropoder,qualseja,o

poderdepunir(oudepenar).

O poder de punir é do juiz e não do acusador. AoMinistério Público não

compete o poder de punir, mas a pena de promover a punição (Carnelutti). O

acusadornoprocessopenalnãoestánaposiçãode“credor”dodireitocivil, a

exigiraadjudicaçãodeumdireitopróprio.Nãoédissoquesetratae,portanto,

erroprimevodaconcepçãode“pretensãopunitiva”tradicionalmenteutilizada.

Oacusadorexerceumdireitoprópriodeacusar,quenãoseconfundecomo

poder condicionado de punir, do juiz. Uma vez exercido o poder de acusar e

demonstrada a existência de um caso penal no devido processo penal

(especialmente na dimensão de decisão construída pelo procedimento em

contraditório [Fazzalari]), criam-se as condições de possibilidade para o

exercíciodopoder(condicionado,portanto)depunir,queédojuiz.

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A acusação – vista como instrumento portador do direito potestativo de

proceder contra alguém – gera uma obrigação do órgão jurisdicional de

manifestar-se(atéporconsequênciadoprincípiodanecessidade).Semdúvida,há

uma situação de sujeição do acusado à situação jurídico-processual

estabelecida, na concepção dinâmica de Goldschmidt. Por meio da acusação

invoca-seaatuaçãoda jurisdição,dando inícioaoprocesso(situação jurídica),

queculminarácomadecisão.

O simples exercício da acusação – ius ut procedatur – coloca o sujeito

passivonumanovaposição jurídica,adesubmetidoaumprocessopenal.Com

isso,estarásujeitoàincidênciadasnormaseinstitutosprocessuaispenais,como

prisãopreventiva,liberdadeprovisóriacomfiança,deverdecomparecimentoaos

atos do processo etc. Adotamos, assim, a posição de Giovanni Leone181, em

relação ao binômio direito subjetivo/potestativo. Para o autor, a posiçãomista

decorredanecessidadedeadotarumnovocaminhoquerepresenteaconfluência

dasconcepçõesdistintas–masnãoopostas–deaçãocomodireitosubjetivoe

açãocomodireitopotestativo.

Emdefinitivo,onascimentodoprocessopenalestabeleceumanovasituazione

giuridicasubjettivaqueacarretaerefleteummaiorgraudediminuiçãodostatus

libertatisdosujeitopassivo.Aacusaçãoéaomesmotempoumdireitosubjetivo

– em relação ao Estado-Jurisdição – e um direito potestativo em relação ao

imputado182.

No primeiro caso, corresponde à obrigação da prestação da tutela

jurisdicionaledeemitirumadecisão;nosegundo,háumasujeiçãodoimputado

àsconsequênciasprocessuaisproduzidaspelaação.

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Aqui, destaque-se, para evitar críticas fundadas na incompreensão dessa

construção, que não existe sujeição do imputado em relação ao acusador (sob

penadevoltarmosàequivocadaconcepçãodeexigênciapunitiva),massimem

relaçãoàsituaçãojurídicaprocessualnascidadaadmissãodaacusação.Nãose

sujeita o réu ao acusador, mas ao processo e ao conjunto de atos nele

desenvolvido.

Concebidaaacusaçãocomopoderdeproceder(iusutprocedatur),portadora

docasopenal(fumuscommissidelicti),pelaqualseinvocaaatuaçãodopoder

jurisdicional, não necessitamos mais utilizar o conceito de “pretensão

acusatória”.Umavezabandonados–porinadequados–osconceitostradicionais

de ação, o também tradicional conceito de pretensão perde sentido,

principalmenteoerradoconceitodepretensãopunitiva.

Sustentamos a concepção de pretensão acusatória, usando como referencial

teóricoasconstruçõesdeGuasp,GómezOrbanejaeGoldschmidt,demonstrando

inicialmenteoerrodepensar-seaexistênciade“pretensãoacusatória”namedida

emqueoacusadornãoétitulardenenhumaexigênciapunitiva,tampoucoexistea

possibilidade de realização dela fora do processo penal (princípio da

necessidade) e, principalmente, por representar uma transmissão mecânica de

categoriasdoprocessocivil.Oacusador,sejapúblicoouprivado,nãoédetentor

de uma pretensão “punitiva”, na medida em que não são detentores de uma

exigência punitiva e tampouco do poder de punir. O poder de punir é de

atribuição do juiz. Ao acusador compete apenas um poder de acusar, logo,

pretensãoacusatória.

Contudo, pensamos que se pode prescindir do conceito de “pretensão

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acusatória”nomomentoemqueserompercomavisãotradicional.Épreciso

assumir, ainda que seja um conceito muito mais acertado que o de “pretensão

punitiva”, que tal construção é – na sua essência – fruto das construções

civilistas. Não deixa de ser uma “roupa da irmã mais velha”, na fábula

carneluttiana. Rompendo-se com a visão tradicional de ação, esvazia-se a

concepçãodepretensão.

Assim, trabalhamoscomaacusaçãocomo“poderdeprocedercontraalguém

em juízo”, ius ut procedatur, o instrumento capaz de provocar a manifestação

jurisdicional,quedeveserportadordo“casopenal”.Feitaessaressalva,umavez

admitidaaacusaçãoeiniciadooprocesso,o“objeto”passaaseraimputação,o

casopenaltrazido,obrigandoaumareformulaçãodenossaconcepção.

Essaacusação,portanto,seráoinstrumentoportadordoiusutprocedatur,isto

é,dopoderdeacusarenoprocessopenalbrasileiroseconcretizaránadenúncia

ou queixa, conforme o delito seja de acusação pública ou privada (quanto à

iniciativa).

Liberto das categorias e polêmicas seculares, podemos considerar que a

acusação será pública quando levada a cabo pelo órgão oficial do Estado,

MinistérioPúblico.Poderáseraindaumaacusaçãopúblicacondicionada,quando

a lei impuser a necessidade de uma prévia autorização da vítima para que o

Estadopossaprocedercontraalguém(representação).

Já a acusação será privada nos delitos emque a lei outorga ao particular o

poder de acusar, concretizando essa acusação na queixa-crime. Superadas as

concepções públicas e privadas do passado, pode-se trabalhar a partir da

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legitimidade ativa para definição. Considerando que tanto a iniciativa pública

como a privada estão previstas na Constituição, podemos perfeitamente

conceituar como um poder constitucional, de iniciativa pública ou privada, de

acusaralguémfrenteaoórgãojurisdicional.É,portanto,nestemomento,umpoder

deagirincondicionado.

Deve ser completamente abandonadoo civilismode pensar ser o querelante

um“substitutoprocessual”, figuradoprocessocivil, trazidaà forçaporalguma

doutrinaparaoprocessopenal.Nãoexiste substituiçãoprocessualnoprocesso

penal, namedida emque o particular exerce umpoder próprio (de acusar) em

nomepróprio.Afigurado“substituto”foiumanecessidadedecorrentedaerrônea

concepção de “pretensão punitiva”, de modo que um erro levou a outro para

justificarapremissainicial(errada).Oparticularnãoexerceopoderdepunire,

porisso,nãoexerceemnomepróprioumdireitoalheio...Eleétitulardopoder

de acusar, da mesma forma que o Ministério Público, havendo uma única

diferença, que é a legitimidade para exercê-lo, fruto de opção de política

processual.Nadaalémdisso.

2.5.2.Requisitosdeadmissibilidadedaacusação

Uma vez recebida a acusação, caberá ao juiz a análise dos requisitos de

admissibilidadedaacusação.Nãohásentidoemseguirutilizandoacategoria

das“condiçõesdaação”,comopesohistóricoquetem,namedidaemquehoje

elasconstituem,naverdade,requisitosdeadmissibilidadedaacusação(denúncia

ouqueixa).

As condições da ação sempre foram definidas como condições para o

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exercício do direito de ação, seu regular exercício. Mas atualmente, mesmo a

açãoévistacomoumpoderpolítico-constitucionaldeinvocação,absolutamente

“incondicionado”nasuaessência,surgindoanecessidadedesepensaremação

como direito “de dois tempos”, como anteriormente explicado, para salvar o

conceito.

Considerando que o poder de invocação da tutela jurisdicional é

essencialmente “incondicionado” e que eventual controle se dará no segundo

estágio,quandoojuizdecideseadmiteounãoaacusação(ouaaçãonocível).

Por isso, tampouco é de todo correto seguir operando com a categoria

“condições”dealgoqueconstituiumpoderincondicionado...

Por isso, pensamos que na reestruturação teórica do instituto, mais um

inconvenienteasersolucionadoéesse:abandonodacategoria“condições”para

situarnadimensãode“requisitosdeadmissibilidade”,poisédissoquesetrata.

Umavezexercidaaacusaçãopúblicaouprivada,verificaráojuizseaadmiteou

não, analisandoos requisitos já conhecidos de fumaça da prática de umcrime,

punibilidade concreta, justa causa e legitimidade ativa/passiva. Preenchidos,

poderáojuizreceberaacusação.

Portanto,essessãoos“requisitosdeadmissibilidadedaacusação”:

a)Legitimidade ativa e passiva: em que se verificará, à luz da tipicidade

aparente,queméoacusadoratribuídoporlei,sepúblicoouprivado.Quanto

ao polo passivo, trata-se de análise sumária da figura do acusado, não

admitindoaacusaçãoquesedirijacontraalguémquemanifestamentenãoéo

autor/partícipedofatoaparentementecriminoso,ousejainimputável.

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b)Práticade fatoaparentementecriminoso:éoconhecido fumuscommissi

delicti, cabendo ao acusador demonstrar a tipicidade aparente

(verossimilhançaacusatória),mastambémaaparênciadeilicitude.Havendo

elementosprobatóriosdequeoimputadoagiu,manifestamente,aoabrigode

uma causa de exclusão da ilicitude, deve a acusação ser rejeitada (não

admitida).

c)Punibilidade concreta: superada a visão civilista de que isso seria uma

discussão acerca do “interesse”, a exigência de demonstração da

punibilidadeconcretatambémpodeserpensadacomoumelementonegativo,

ou seja, não pode ter ocorrido uma causa de extinção da punibilidade

(prescrição, decadência etc.), prevista no art. 107 do CP ou em leis

especiais.

d) Justa causa: pensada como um limite contra o uso abusivo do poder de

acusar,éaexigênciadequesedemonstrejurídicaefaticamenteuma“causa

penal”que justifiqueaacusação.Pensamos, comoexplicadoanteriormente,

queajustacausadizrespeitoàexistênciadeindíciosrazoáveisdeautoriae

materialidadedeumladoe,deoutro,comocontroleprocessualdocaráter

fragmentáriodaintervençãopenal.

Para evitar repetições, remetemos o leitor para a explicação feita, quando

tratamosdas“condiçõesdaação”.

Essessãoverdadeirosrequisitosparaqueumaacusação–públicaouprivada

– seja admitida, dando início ao processo. Não preenchidos, deverá o juiz

“rejeitaraacusação”.

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2.5.3.Reflexosnosconceitosdejurisdiçãoeprocesso

Definidaaacusaçãocomoosubstitutivoconceitualadequadoparaaquiloque

tradicionalmente se denominou “ação processual penal”, vejamos agora as

demaiscategoriasdejurisdiçãoeprocesso.

A jurisdição tradicionalmente vista como “poder-dever dizer o direito”

precisaserrepensadaàluzdasespecificidadesdoprocessopenal.Semdúvidaé

umpoder,opoderdepunir,maséumpodercondicionadoe,principalmente, é

umaatividadeprotetivadedireitosfundamentais.

Portanto,algumasdistorçõesprecisamsercorrigidas,como,porexemplo:

a)Regrasdacompetência: considerandoquea jurisdiçãonoprocessopenal

tem uma função diferente daquela realizada no processo civil, o direito

fundamentalaojuiznatural,comumacompetênciapreviamenteestabelecida

por lei,adquireumarelevânciamuitomaior.Aindaqueacompetênciaseja

vistacomolimiteaopoder,étambémumagarantiafundamentalquenãopode

ser manipulada. No processo penal, podemos seguir trabalhando com a

competênciaemrazãodamatéria,pessoaelugar,desdequenãoseimporte

inadequadamenteaideiadequeacompetênciaemrazãodolugarérelativa.

Issoéumcivilismoinadequado.OCPPnuncadisse–enempoderia,àluzda

Constituição – que a competência em razão do lugar era relativa e que

somente poderia ser arguida pela parte interessada (passiva) no primeiro

momento que falasse no processo sob pena de preclusão. Isso não está

recepcionadopeloprocessopenaleconstituimaisumerrodenãopercebera

dimensãodajurisdiçãonoprocessopenal.

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b)Regras da competência II: compreendido o tópico anterior, não há como

admitirqueacompetênciapossasermodificadaapartirdeuma“resolução”

ouqualqueroutroato legislativo inferiora“lei”.Éocaso típicodasvaras

especializadas instituídas no âmbito da justiça federal, a partir de

“resoluções”dosrespectivosTRFs,violandoagarantiadareservadeleie

tambémdojuiznatural.

c)Imparcialidade:quandosesuperaavisãodejurisdiçãocomomeropoder-

dever,paraencará-lacomogarantiado indíviduosubmetidoaoprocesso,a

imparcialidade adquire novos contornos e maior relevância. Deve-se

maximizar a preocupação em evitar os pré-juízos, que geram um imenso

prejuízo.Somenteaadoçãodeumsistemaefetivamenteacusatório,quenão

apenasrespeiteoneprocedatiudexexofficio(durantetodooprocedimento,

nãoapenasnoinício!),mas,principalmente,quemantenhaojuizafastadoda

iniciativa/gestão da prova, é capaz de criar as condições de possibilidade

paraaimparcialidade.Aexigênciadaimparcialidadedeveserpensadapara

além da questão subjetiva (dos pré-julgamentos) mas também objetiva e

estética. Objetivamente se deve mirar para a estrutura processual, não

permitindoqueo juiz “desça”para a arenadaspartes,praticandoatosque

não lhe competem.Na dimensão da “estética” de imparcialidade, como já

denominouoTribunalEuropeudeDireitosHumanos (TEDH),é importante

queojurisdicionadotenhaessapercepçãodaseparaçãodefunçõesepapéis,

comumacusadoreumjulgadorcomlugaresefalasbemdemarcadas.Éessa

estética quedá a necessária confiança ao jurisdicionadode quehaverá um

julgamentojusto.

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d) ImparcialidadeII: para além dos pré-julgamentos anteriormente tratados,

precisamosentenderanecessidadedeconceberaprevençãocomocausade

exclusão da competência. Como já decidiu inúmeras vezes o TEDH, juiz

prevento é juiz contaminado, que não pode julgar. Grave erro do sistema

brasileiro é manter a prevenção como causa de fixação da competência,

quandodeveriasertodoooposto.Játratamosdessaquestãodiversasvezes,

sendo desnecessário repetir.Mas é crucial que exista um juiz na fase pré-

processual,encarregadodedecidirsobreasmedidasqueexijamautorização

judicial e também de receber a denúncia, e outro juiz na fase processual.

Algo muito próximo do “juiz das garantias” desenhado no PLS n. 156

(ProjetodeReformadoCPP).

e)PodeojuizcondenarquandooMPpedeabsolvição?Evidentequenão.O

poder depunir titularizadopelo juiz é umpoder condicionado aoprévio e

integralexercíciodopoderdeacusar.Logo,seoacusadordesistirdeacusar,

pedindo a absolvição do imputado, não se criam as condições de

possibilidadeesuficiênciaparaojuizcondenar.Éaacusaçãonãoapenaso

starterdoprocesso,mastambémomotorqueomovimenta,nãopodendoo

juiz, de ofício, condenar. Ademais, também viola a estrutura acusatória, a

imparcialidade ao princípio da correlação, exatamente porque o espaço

decisório vem demarcado pela acusação. Condenar sem pedido – ou seja,

semacusação–éabsolutamenteinaceitável.

f)Princípioda correlação: importante compreender que o espaço decisório

vemdemarcadopelaacusação,queincluinãoapenasumfatoaparentemente

criminoso,mastambémsuatipificaçãolegal.Estácompletamentesuperadaa

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reducionistavisãodonarramihifactumdabotibiius,poisaacusaçãodeve

conter a descrição fática e a imputação jurídica (fato processual = fato

natural+fatopenal),havendoadefesanessadupladimensão(fatoedireito).

Portanto, deve-se levar muito mais a sério a mutatio libelli e,

principalmente,extinguir(oureduzirasituaçõesextremasdeevidenteerro)a

emendatio libelli.O que se tem visto noBrasil é o uso indiscriminado (e

errado)doart.383emsituaçõesqueocorretoeraseguiroprocedimentodo

art. 384 com aditamento e contraditório (como v.g. na desclassificação de

crimedolosoparaculposo,consumadoparatentadoetc.) 183.Deve-seatentar

para os requisitos da acusação e sua função definidora dos limites

decisórios, respeitando assim o princípio da correlação, que também se

vinculaàestruturaacusatóriaeàgarantiadaimparcialidade.

g)Revisãoda teoriadanulidades:considerandoqueopapeldo juizéode

garantidor do sistema de garantias constitucionais, é preciso partir da

premissadeque“formaégarantiaelimitedepoder”eincumbeaojuizzelar

pela observância da forma enquanto regras do devido processo. Como já

explicado em outra oportunidade184, precisamos revisar a inadequada

importação das categorias do processo civil, especialmente o famigerado

“prejuízo”,nuncademonstrável,poisdependedodecisionismoilegítimodo

julgador (eis que se trata de uma categoria aberta, que vai encontrar

referencialsemânticonaquiloquequiserojulgador).Ajurisdição,enquanto

garantiafundamental,devezelarpelacontençãodailegalidade.

Enfim,diversassãoasconsequênciasnareestruturaçãodeumateoriageraldo

processopenalquevãoexigir,dajurisdição,aassunçãodeumlugardiferenciado

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doatual.

Quanto ao processo, e sua natureza jurídica, o caminho vem dado por

GoldschmidtecomplementadoporFazzalari,ambosanteriormenteestudados,de

modoqueoprocessopenaliniciadopelaacusaçãofrenteaojuizpenaldeveráse

desenvolverdentrodacomplexadinâmicaderiscos,chances,cargadoacusador,

liberaçãodecargasetc.,narealidade,bemexpostapelateoriadoprocessocomo

situaçãojurídica.

Mas é imprescindível o fortalecimento ao contraditório, bem desenhado por

Fazzalari,paraquesepensena jurisdiçãocomogarantidoradocontraditório,

em que o juiz não é o “contraditor”, mas o responsável pela eficácia do

contraditório.Oprocessodeveservistocomoumprocedimentoemcontraditório,

comtodososatosmirandooprovimentofinalque,emúltimaanálise,éconstruído

emcontraditório.

A perspectiva deGoldschmidt, ao desvelar a dinâmica e o risco, coloca de

relevo a falácia de segurança do modelo de Bülow, sublinhando como

decorrência a importância da máxima eficácia das regras do jogo (devido

processo) como instrumentos redutores de danos (de uma sentença injusta). É

desvelaroriscoparafortalecerosistemadegarantias,sem–porelementar–

pactuarcomodecisionismo.

Compreender que no processo penal não há “distribuição de cargas

probatórias”, senão exclusivamente a “atribuição” da carga ao acusador é

fundamental para eficácia da presunção de inocência (regra de tratamento e de

julgamento)ecorretotratamentodaquestãoprobatóriaedoatodecisório.

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AperspectivadeFazzalarinãoconstituium“novo”, senãoumacontinuidade

do pensamento goldschmidtiano, fortalecendo a dinâmica e a importância do

contraditório.Ademais, o autor italiano leciona commuita propriedade que os

atos do procedimento estão geneticamente ligados, demodo que a validade do

posterior depende e pressupõe a validade do anterior. Isso é muito relevante

quandose tratadeprovas ilícitasoumesmodasnulidadesprocessuais,poishá

umaperigosatendênciaatualmentedeveroprocedimentocomoumaaglutinação

de atos “estanques”, independentes, de forma completamente equivocada e

utilitarista.

Enfim, nesta breve introdução sobre os Fundamentos do Processo Penal,

pretendemos demonstrar que a construção de uma Teoria (Geral) do Processo

Penal inicia pelo abandono de categorias inadequadas (do processo civil) e a

correta redefinição de outras cruciais, tais como as de acusação-jurisdição-

processo,livrando-sedopesodatradiçãoedasamarrasdopassadopara,liberto,

efetivamente se construir um processo penal constitucional e democrático. É a

propostaparareflexão.

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Capítulo3

Jurisdiçãopenal.Aposiçãodojuizcomofundantedosistemaprocessual

Quandosepensaajurisdiçãopenal,normalmenteconceituadacomoo"poder-

deverdedizerodireitonocasoconcreto"(jurisdictio),éprecisoatentarparao

fatodequeajurisdiçãoocupaumaposiçãoefunçãodistintadaquelaconcebida

peloprocessocivil.Aqui,jurisdiçãoégarantiae,semnegarotradicionalpoder-

dever,aeleéprecisoacrescentarumafunçãoaindamaisrelevante:garantidor.O

juizéogarantidordaeficáciadosistemadegarantiasdaConstituição.

Nãosemrazão,oprimeiroprincípio/garantiaqueestudamosnoprocessopenal

éexatamentea“garantiada jurisdicionalidade”,ou seja,de ser julgadoporum

juiz imparcial, devidamente investido, com competência previamente

estabelecidaporlei(juiznatural)queteráamissãodezelarpelamáximaeficácia

dosistemadegarantiasdaConstituição.

Diantedaacusação,vistacomoexercíciodepoder,incumbeaojuizopapelde

guardiãodaeficáciadosistemadegarantias,logo,comolimitadorecontrolador

dessepoderexercidopeloMinistérioPúblicoouoparticular.Ajurisdiçãoaqui,

neste primeiro momento, tem de realizar a filtragem para evitar acusações

infundadasouexcessivas.Éumpapelde limitadorecontroladorda legalidade

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da acusação que está sendo exercida. Nesta dimensão, potencializa-se a

importânciada“filtragemjurisdicional”,pormeiodaexigênciadepreenchimento

dosrequisitosdeadmissibilidadedaacusaçãoanteriormentetratados.

Tampoucosepodefalarem“atividadesubstitutiva”,comocostumeiramenteé

adjetivadaajurisdição,namedidaemquenãoexiste–noprocessopenal–uma

efetiva substituição. O juiz não substitui as partes na atividade tendente à

resolução do litígio. E não existe isso, não só porque não existe lide, mas

principalmenteporqueapenaépública.Quandosefalaqueajurisdiçãosubstitui

a “vingança privada”, olvida-se de que o processo penal nasce com a pena

pública e que as demais formas de agir privado que a antecederam não eram

“penas”,masformasdevingançaprivada.Porisso,ojuiznãosubstituininguém.

Oprocessosurgecomapenaexatamenteporsereleocaminhonecessáriopara

chegaraela–nullapoenasineiudicio.

Pretendemos,nestebreveensaio,demonstraraindaqueaposiçãodo juizno

processopenaléfundantedosistemaprocessual.Significacompreenderqueo

processo penal – enquanto um sistema de reparto de justiça por um terceiro

imparcial (jáqueaImparcialidadeéoPrincípioSupremodoProcesso[Werner

Goldschmidt]) – está estruturado a partir da posição ocupada pelo juiz. Nesta

estrutura dialética (actum trium personarum, Bulgaro), a posição do juiz é

crucialparao(des)equilíbriodetodoosistemadeadministraçãodajustiça(edo

processo,porelementar).Sea imparcialidadeéoPrincípioSupremo,deveser

compreendido que somente um processo penal acusatório, quemantenha o juiz

afastadodainiciativaegestãodaprova,criaascondiçõesdepossibilidadepara

termosumjuiz imparcial. Impossívela imparcialidadedo juizemumaestrutura

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inquisitória.

Nestecontexto,propomospensara Jurisdiçãoapartirdaposiçãodo juizno

sistemaprocessual, tendocomopanode fundoparaessacompreensãooestudo

dos Sistemas Processuais Penais Inquisitório, Acusatório e o desvelamento da

insuficiênciaconceitualdochamado"sistemamisto".

Iniciemosporumaconstataçãobásica:nahistóriadodireitosealternaramas

maisdurasopressõescomasmaisamplasliberdades.Énaturalque,nasépocas

emqueoEstadoviu-seseriamenteameaçadopelacriminalidade,odireitopenal

tenha estabelecido penas severas e o processo tivesse de ser também

inflexível 185.Paratanto,aposiçãoeopapeldojuiznoprocessopenalconstituem

o busílis da questão. Os sistemas processuais inquisitório e acusatório são

reflexosdarespostadoprocessopenalfrenteàsexigênciasdodireitopenaledo

Estado da época.Atualmente, o lawandorder émais uma ilusão de reduzir a

ameaçadacriminalidadeendurecendoodireitopenaleoprocesso.

NaliçãodeJ.Goldschmidt186,

losprincipiosde lapolíticaprocesaldeunanaciónno sonotracosa

quesegmentosdesupolíticaestatalengeneral.Sepuededecirquela

estructuradelprocesopenaldeunanaciónnoessinoeltermómetrode

loselementoscorporativosoautoritariosdesuConstitución.Partiendo

deestaexperiencia,lacienciaprocesalhadesarrolladounnúmerode

principios opuestos constitutivos del proceso. [...] El predominio de

uno u otro de estos principios opuestos en el derecho vigente, no es

tampocomásqueuntránsitodelderechopasadoalderechodelfuturo.

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Nessalinha,Maier 187explicaquenodireitopenal“ainfluênciadaideologia

vigenteouimpostapeloefetivoexercíciodopodersepercebemaisàflordapele

que nos demais ramos jurídicos”. E esse fenômeno é ainda mais notório no

processopenal,namedidaemqueéele,enãoodireitopenal,quetocanohomem

real, de carne e osso. Como afirmamos anteriormente, o direito penal não tem

realidade concreta fora do processo penal, sendo as regras do processo que

realizam diretamente o poder penal do Estado. Por isso, conclui Maier, é no

direito processual penal que as manipulações do poder político são mais

frequentes e destacadas, até pela natureza da tensão existente (poder de penar

versusdireitodeliberdade).

No processo, o endurecimentomanifesta-se no utilitarismo judicial, em atos

dominadospelosegredo, formaescrita,aumentodaspenasprocessuais (prisões

cautelares, crimes inafiançáveis etc.), algumas absurdas inversões da carga

probatóriae,principalmente,maispoderesparaosjuízes“investigarem”.

Pode-se constatar que predomina o sistema acusatório nos países que

respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base

democrática.Emsentidooposto,osistemainquisitóriopredominahistoricamente

empaísesdemaiorrepressão,caracterizadospeloautoritarismooutotalitarismo,

emquesefortaleceahegemoniaestatalemdetrimentodosdireitosindividuais.

Cronologicamente, em linhas gerais188, o sistema acusatório predominou até

meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo

modeloinquisitórioqueprevaleceucomplenitudeatéofinaldoséculoXVIII(em

algunspaíses,atépartedoséculoXIX),momentoemqueosmovimentossociaise

políticos levaram a uma nova mudança de rumos. A doutrina nacional,

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majoritariamente, aponta que o sistema brasileiro contemporâneo é misto

(predominaoinquisitórionafasepré-processualeoacusatório,naprocessual).

Ora, afirmar que o “sistema é misto” é absolutamente insuficiente, é um

reducionismo ilusório, até porque não existem mais sistemas puros (são tipos

históricos),todossãomistos.Aquestãoé,apartirdoreconhecimentodequenão

existemmaissistemaspuros,identificaroprincípioinformadordecadasistema,

paraentãoclassificá-locomoinquisitórioouacusatório,poisessaclassificação

feitaapartirdoseunúcleoédeextremarelevância.

Antes de analisar a situação do processo penal brasileiro contemporâneo,

vejamos–sumariamente–algumasdascaracterísticasdossistemasacusatórioe

inquisitório.

3.1.Sistemaacusatório

Aorigemdosistemaacusatórioremontaaodireitogrego,oqualsedesenvolve

referendadopelaparticipaçãodiretadopovonoexercíciodaacusaçãoecomo

julgador.Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves (qualquer

pessoa podia acusar) e acusação privada para os delitos menos graves, em

harmoniacomosprincípiosdodireitocivil.

Nodireito romanodaAltaRepública189 surgemasduas formasdoprocesso

penal:cognitioeaccusatio.AcognitioeraencomendadaaosórgãosdoEstado–

magistrados. Outorgava os maiores poderes ao magistrado, podendo este

esclarecerosfatosnaformaqueentendessemelhor.Erapossívelumrecursode

anulação(provocatio)aopovo,semprequeocondenadofossecidadãoevarão.

Nesse caso, omagistradodeveria apresentar aopovoos elementosnecessários

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para a nova decisão. Nos últimos séculos da República, esse procedimento

começouaserconsideradoinsuficiente,escassodegarantias,especialmentepara

asmulhereseparaosquenãoeramcidadãos(poisnãopodiamutilizarorecurso

de anulação) e acabou sendo uma poderosa arma política nas mãos dos

magistrados.

Naaccusatio, a acusação (polo ativo) era assumida, de quando em quando,

espontaneamenteporumcidadãodopovo.SurgiunoúltimoséculodaRepública

emarcouumaprofunda inovaçãonodireito processual romano.Tratando-sede

delictapublica,apersecuçãoeoexercíciodaaçãopenaleramencomendadosa

umórgãodistinto do juiz, não pertencente aoEstado, senão a um representante

voluntáriodacoletividade(accusator).Essemétodotambémproporcionavaaos

cidadãos com ambições políticas uma oportunidade de aperfeiçoar a arte de

declamarempúblico,podendoexibirparaoseleitoressuaaptidãoparaoscargos

públicos.

Comonotascaracterísticas,destacamos:

a) a atuação dos juízes era passiva, no sentido de que eles se mantinham

afastadosdainiciativaegestãodaprova,atividadesacargodaspartes;

b)asatividadesdeacusarejulgarestãoencarregadasapessoasdistintas;

c) a adoção do princípio ne procedat iudex ex officio, não se admitindo a

denúnciaanônimanemprocessosemacusadorlegítimoeidôneo;

d) estava apenado o delito de denunciação caluniosa, como forma de punir

acusações falsasenãosepodiaprocedercontra réuausente (atéporqueas

penassãocorporais);

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e)aacusaçãoeraporescritoeindicavaasprovas;

f)haviacontraditórioedireitodedefesa;

g)oprocedimentoeraoral;

h) os julgamentos eram públicos, com os magistrados votando ao final sem

deliberar 190.

Mas,naépocadoImpério,osistemaacusatóriofoisemostrandoinsuficiente

paraasnovasnecessidadesderepressãodosdelitos,ademaisdepossibilitarcom

frequênciaosinconvenientesdeumapersecuçãoinspiradaporânimoseintenções

de vingança. Por meio dos oficiais públicos que exerciam a função de

investigação (os denominados curiosi, nunciatores, stationarii etc.), eram

transmitidosaosjuízesosresultadosobtidos.

A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes

invadissemcadavezmaisasatribuiçõesdosacusadoresprivados,originandoa

reunião,emummesmoórgãodoEstado,dasfunçõesdeacusarejulgar.

Apartirdaí,osjuízescomeçaramaprocederdeofício,semacusaçãoformal,

realizando elesmesmos a investigação e posteriormente dando a sentença. Isso

caracterizavaoprocedimentoextraordinário,que,ademais, introduziua tortura

noprocessopenalromano.

Esenoiníciopredominavaapublicidadedosatosprocessuais,issofoisendo

gradativamentesubstituídopelosprocessosàportafechada.Assentenças,quena

época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do tribunal, no Império

assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência. Nesse momento,

surgemasprimeirascaracterísticasdoqueviriaaserconsideradoumsistema:o

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inquisitório.Tambémoprocessopenalcanônico(antesmarcadopeloacusatório)

contribuiu definitivamente para delinear o modelo inquisitório, mostrando na

InquisiçãoEspanholasuafacemaisduraecruel.

Finalmente,noséculoXVIII,aRevoluçãoFrancesaesuasnovasideologiase

postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços

maiscruéisdosistemainquisitório.

Naatualidade,aformaacusatóriacaracteriza-sepela:

a)claradistinçãoentreasatividadesdeacusarejulgar;

b)ainiciativaprobatóriadeveserdaspartes(decorrêncialógicadadistinção

entreasatividades);

c)mantém-seojuizcomoumterceiroimparcial,alheioalabordeinvestigação

e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação comode

descargo;

d)tratamentoigualitáriodaspartes(igualdadedeoportunidadesnoprocesso);

e)procedimentoéemregraoral(oupredominantemente);

f)plenapublicidadedetodooprocedimento(oudesuamaiorparte);

g)contraditórioepossibilidadederesistência(defesa);

h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre

convencimentomotivadodoórgãojurisdicional;

i) instituição, atendendoa critériosde segurança jurídica (e social)da coisa

julgada;

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j)possibilidadedeimpugnarasdecisõeseoduplograudejurisdição.

Éimportantedestacarqueaprincipalcríticaquesefez(esefazatéhoje)ao

modelo acusatório é exatamente com relação à inércia do juiz (imposição da

imparcialidade), pois este deve resignar-se com as consequências de uma

atividade incompleta das partes, tendo de decidir com base em um material

defeituosoquelhefoiproporcionado.Essesemprefoiofundamentohistóricoque

conduziuàatribuiçãodepoderes instrutóriosao juize revelou-se (pormeioda

inquisição)umgravíssimoerro.

Omaisinteressanteéquenãoaprendemoscomoserros,nemmesmocomos

mais graves, como foi a inquisição. Basta constatar que o atual CPP atribui

poderesinstrutóriosparaojuiz,amaioriadostribunaisedoutrinadoresdefende

essa “postura ativa” por parte do juiz (muitas vezes invocando a tal “verdade

real”,esquecendoaorigemdessemitoenãopercebendooabsurdodoconceito),

proliferamprojetosde lei criando juízes inquisidorese “juizadosde instrução”

etc.

Não podemos reincidir em erros históricos dessa forma, pois, como diria

Tocqueville,umavezqueopassadojánãoiluminaofuturo,oespíritocaminha

nastrevas.

O sistema acusatório é um imperativo domoderno processo penal, frente à

atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a

tranquilidade psicológica do juiz que sentenciará, garantindo o trato digno e

respeitoso com o acusado, que deixa de ser ummero objetopara assumir sua

posiçãodeautênticapartepassivadoprocessopenal.

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Também conduz a umamaior tranquilidade social, pois se evitam eventuais

abusos da prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz

“apaixonado” pelo resultado de seu labor investigador e que, ao sentenciar,

olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como

condenadodesdeoiníciodainvestigação.

Em decorrência dos postulados do sistema, em proporção inversa à

inatividade do juiz no processo está a atividade das partes. Frente à imposta

inérciadojulgador,produz-seumsignificativoaumentodaresponsabilidadedas

partes, já que têm o dever de investigar e proporcionar as provas necessárias

parademonstraros fatos. Issoexigeumamaior responsabilidadeegrau técnico

dosprofissionaisdoDireitoqueatuamnoprocessopenal.

TambémimpõemaoEstadoaobrigaçãodecriaremanterumaestruturacapaz

deproporcionaromesmograude representaçãoprocessualàspessoasquenão

têm condições de suportar os elevados honorários de um bom profissional.

Somenteassimsepoderáfalardeprocessoacusatóriocomumníveldeeficácia

quepossibiliteaobtençãodajustiça.

Diante do inconveniente de ter de suportar uma atividade incompleta das

partes(preçoaserpagopelosistemaacusatório),oquesedevefazeréfortalecer

aestruturadialéticaenãodestruí-la,comaatribuiçãodepoderesinstrutóriosao

juiz.OEstado já possui um serviço público de acusação (Ministério Público),

devendoagoraocupar-sedecriaremanterumserviçopúblicodedefesa,tãobem

estruturadocomooéoMinistérioPúblico.ÉumdevercorrelatodoEstadopara

assegurarummínimodeparidadedearmasedialeticidade.

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Trata-sede(re)pensaraquestão,apartirdeDussel 191,danecessidadedecriar

umterrenofértilparaqueoréutenha“condiçõesdefala”epossarealmenteter

“fala”.Ouseja,adotarumaéticalibertatórianoprocessopenalenãovoltaràera

daescuridão,comumjuiz-inquisidor.

Emúltimaanálise,éaseparaçãodefunções(e,pordecorrência,agestãoda

provanamãodaspartesenãodo juiz)quecria ascondiçõesdepossibilidade

para que a imparcialidade se efetive. Somente no processo acusatório-

democrático,emqueojuizsemantémafastadodaesferadeatividadedaspartes,

é que podemos ter a figura do juiz imparcial, fundante da própria estrutura

processual.

Nãopodemosesquecer,ainda,aimportânciadocontraditórioparaoprocesso

penal e que somente uma estrutura acusatória o proporciona. Como sintetiza

CunhaMartins192,noprocessoinquisitórioháum“desamor”pelocontraditório,

somentepossívelnosistemaacusatório.

3.2.Sistemainquisitório

Osistemainquisitório,nasuapureza,éummodelohistórico193.Atéoséculo

XII, predominava o sistema acusatório, não existindo processos sem acusador

legítimoeidôneo.

Aacusaçãoeraapresentadaporescrito,indicandoasprovasqueseutilizariam

parademonstraraveracidadedosfatos.Estavaapenadoodelitodecalúnia,como

forma de punir as acusações falsas. Não se podia atuar contra um acusado

ausente.

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AstransformaçõesocorremaolongodoséculoXIIatéoXIV,quandoosistema

acusatóriovaisendo,paulatinamente,substituídopeloinquisitório.

Essasubstituiçãofoifruto,basicamente,dosdefeitosdainatividadedaspartes,

levandoàconclusãodequeapersecuçãocriminalnãopoderia serdeixadanas

mãosdosparticulares,poisissocomprometiaseriamenteaeficáciadocombateà

delinquência. Era uma função que deveria assumir o Estado e que deveria ser

exercida conforme os limites da legalidade. Também representou uma ruptura

definitivaentreoprocessocivilepenal 194.

Amudançaemdireçãoaosistema inquisitóriocomeçoucomapossibilidade

de, juntoaoacusatório, existirumprocesso judicialdeofícioparaoscasosde

flagrantedelito.Ospoderesdomagistradoforamposteriormenteinvadindocada

vezmaisaesferadeatribuiçõesreservadasaoacusadorprivado,atéoextremo

de se reunir no mesmo órgão do Estado as funções que hoje competem ao

MinistérioPúblicoeaojuiz.

As vantagens desse novo sistema, adotado inicialmente pela Igreja,

impuseram-sedetalmodoquefoisendoincorporadoportodososlegisladoresda

época,nãosóparaosdelitosemflagrante,masparatodaclassededelito195.

Osistemainquisitóriomudaafisionomiadoprocessodeformaradical.Oque

eraumduelolealefrancoentreacusadoreacusado,comigualdadedepoderese

oportunidades,setransformaemumadisputadesigualentreojuiz-inquisidoreo

acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a

atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador.

Confundem-seasatividadesdojuizeacusador,eoacusadoperdeacondiçãode

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sujeitoprocessualeseconverteemmeroobjetodainvestigação.

Frenteaumfatotípico,ojulgadoratuadeofício,semnecessidadedeprévia

invocação, e recolhe (também de ofício) o material que vai constituir seu

convencimento.Oprocessadoéamelhorfontedeconhecimentoe,comosefosse

uma testemunha, é chamadoadeclarar averdade sobpenadecoação.O juiz é

livre para intervir, recolher e selecionar o material necessário para julgar, de

modoquenãoexistemmaisdefeitospelainatividadedaspartesetampoucoexiste

umavinculaçãolegaldojuiz196.

O juiz atua como parte, investiga, dirige, acusa e julga. Com relação ao

procedimento,sóiserescrito,secretoenãocontraditório.

Édaessênciadosistemainquisitórioum“desamor”totalpelocontraditório.

Originariamente,comrelaçãoàprova,imperavaosistemalegaldevaloração

(achamadatarifaprobatória).Asentençanãoproduziacoisajulgada,eoestado

deprisãodoacusadonotranscursodoprocessoeraumaregrageral 197.

O processo inquisitório se dividia em duas fases198: inquisição geral e

inquisiçãoespecial.

A primeira fase (geral) estava destinada à comprovação da autoria e da

materialidade,e tinhaumcaráterde investigaçãopreliminarepreparatóriacom

relação à segunda (especial), que se ocupava do processamento (condenação e

castigo).

NotranscursodoséculoXIIIfoiinstituídooTribunaldaInquisiçãoouSanto

Ofício, para reprimir aheresia e tudoque fossecontrárioouquepudessecriar

dúvidas acerca dos Mandamentos da Igreja Católica. Inicialmente, eram

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recrutadososfiéismaisíntegrosparaque,sobjuramento,secomprometessema

comunicarasdesordensemanifestaçõescontráriasaosditameseclesiásticosque

tivessemconhecimento.Posteriormente,foramestabelecidasascomissõesmistas,

encarregadasdeinvestigareseguiroprocedimento.

NadefiniçãodeJacintoCoutinho199:“trata-se,semdúvida,domaiorengenho

jurídicoqueomundoconheceu;econhece.Semembargodesuafonte,aIgreja,é

diabóliconasuaestrutura(oquedemonstraestarela,porvezese ironicamente,

povoadapor agentesdo inferno!), persistindopormaisde700anos.Não seria

assimemvão:veiocomumafinalidadeespecíficae,porqueserve–econtinuará

servindo,senãoacordarmos–,mantém-sehígido”.

Para compreender a inquisição, é necessário situá-la num espaço-tempo,

considerando o comportamento da Igreja. Trata-se de um sistema fundado na

intolerância,derivadada“verdadeabsoluta”deque“ahumanidadefoicriadana

graçadeDeus”.ExplicaLeonardoBoff200queahumanidade–comAdãoeEva–

perdeu os dons sobrenaturais (graça) emutilou os dons naturais (obscureceu a

inteligênciaeenfraqueceuavontade).Àmedidaqueahumanidadeseafastaenão

consegue mais ler a “vontade de Deus”, surgem as escrituras sagradas, que

contêm um alfabeto sobrenatural que permite ter acesso às verdades divinas.

Contudo,nasceumnovoproblema:olivropodeserlidodediferentesmaneiras.

Surgem então os Bispos e o Papa, máximos intérpretes e representantes da

vontadedeDeus.Masissonãoésuficiente,poiselessãohumanosepodemerrar.

Era necessário resolver essa questão, e Deus então se apiedou da fragilidade

humanaeconcedeuaseusrepresentantesumprivilégioúnico:ainfalibilidade.

Nessemomento,reforça-seomitodasegurança,oriundodaverdadeabsoluta,

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quenãoéconstruída,senãodadapelosconcílios,encíclicaseoutrosinstrumentos

nascidos sob a assistência divina. Recordemos que a intolerância vai fundar a

inquisição. A verdade absoluta é sempre intolerante, sob pena de perder seu

caráter “absoluto”. A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e,

nessaestrutura,aheresiaeraomaiorperigo,poisatacavaonúcleofundantedo

sistema.Foradelenãohaviasalvação.Issoautorizao“combateaqualquercusto”

da heresia e do herege, legitimando até mesmo a tortura e a crueldade nela

empregada. A maior crueldade não era a tortura em si, mas o afastamento do

caminhoparaaeternidade201.

Como explica Boff202, “qualquer experiência ou dado que conflita com as

verdadesreveladassópodesignificarumequívocoouumerro”,umobstáculoou

desvionocaminhodaeternidade.

O crime não é problema nesse trilhar para a eternidade, pois para o

arrependidosempreháoperdãodivino.Oproblemaestánaheresia,naoposição

aodogma,poisissosimfechaocaminhoparaaeternidade;esseéomaiorperigo

detodos.Comotal,exigeomáximorigornarepressão.

OManualdosinquisidores,escritopelocatalãoNicolauEymerichem1376,

posteriormente revistoeampliadoporFranciscode laPeñaem1578,deve ser

lido nesse contexto, pois somente assim podemos compreender sua perfeição

lógica. Boff203 explica que igual raciocínio deve ser empregado para a

compreensãodatorturaerepressãodosregimesmilitareslatino-americanos,pois

perfeitamente encaixados na ideologia da segurança nacional, assimilada na

plenitudepelostorturadoresemandantes;ou,ainda,nalimpezagenéticalevadaa

cabopelonazifascismo.

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Oherege, explicaBoff204, nãoapenas se recusaa aceitarodiscursooficial,

senão que cria novos discursos a partir de novas visões; por isso, está mais

voltadoparaacriatividadeeofuturodoqueparaareproduçãoeopassado.É

oqueBoffdefinecomocongelamentodahistória.

O“buscaraverdade”significadinâmica,movimento.Omovimentodebuscar

a verdade evidencia a inércia de quem presume havê-la encontrado. Como

admitirquealguémbusqueenquantoficoinerte?Entãoestouemerroe,portanto,

correndo o risco de afastar-me da salvação? Isso conduz aos processos de

exclusão.ExplicaBoffquenosprimeirosséculosodivergenteeraexcomungado,

umaquestãointraeclesial.Semembargo,quandooCristianismoassumeostatus

de religião oficial do Império, a questão vira política e a divergência afeta a

coesão e a união política. Nesse contexto, a punição sai da esfera eclesial e

legitimaumaseverarepressão,poisseinserenamesmalinhadasideologiasde

segurança nacional (o metafísico interesse público, legitimador das maiores

barbáries) 205.

Oprimeiropasso foioabandonodoprincípioneprocedat iudex exofficio,

inclusiveparapermitiradenúnciaanônima,poisonomedoacusadoreramantido

em segredo. Surgiram em determinados lugares, especialmente nas igrejas,

gavetasoucaixas206,destinadasa receberasdenúnciasanônimasdeheresia.O

quesebuscavaeraexclusivamentepuniropecadoeaheresia,emumaconcepção

unilateral do processo. O actus trium personarum já não se sustenta e, como

destaca Jacinto Coutinho207, “ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar,

transformando-se o imputado emmeroobjeto de verificação, razãopela qual a

noçãodepartenãotemnenhumsentido”.

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ComaInquisição,sãoabolidasaacusaçãoeapublicidade.Ojuiz-inquisidor

atua de ofício e em segredo, assentando por escrito as declarações das

testemunhas (cujos nomes são mantidos em sigilo, para que o réu não os

descubra).

ODirectoriumInquisitorum (Manual dos inquisidores), do catalãoNicolau

Eymerich, relata o modelo inquisitório do direito canônico, que influenciou

definitivamente o processo penal: o processo poderia começar mediante uma

acusaçãoinformal,denúncia(deumparticular)oupormeiodainvestigaçãogeral

ou especial levada a cabo pelo inquisidor.Era suficiente um rumor para que a

investigaçãotivesselugarecomelaseusparticularesmétodosdeaveriguação.A

prisãoeraumaregraporqueassimoinquisidortinhaàsuadisposiçãooacusado

para torturá-lo208 até obter a confissão. Bastavam dois testemunhos para

comprovarorumoreoriginaroprocessoesustentaraposteriorcondenação.As

divergências entre duaspessoas levavamao rumor e autorizava a investigação.

Umaúnicatestemunhajáautorizavaatortura.

Aestruturadoprocesso inquisitório foihabilmenteconstruídaapartirdeum

conjunto de instrumentos e conceitos (falaciosos, é claro), especialmente o de

“verdade realouabsoluta”.Nabuscadessa tal “verdade real”, transforma-sea

prisão cautelar em regra geral, pois o inquisidor precisa dispor do corpo do

herege.Depossedele,parabuscaraverdade real,pode lançarmãoda tortura,

quesefor“bem”utilizadaconduziráàconfissão.Umavezobtidaaconfissão,o

inquisidor não necessita demais nada, pois a confissão é a rainha das provas

(sistemadehierarquiadeprovas).Semdúvida,tudoseencaixaparabemservir

aosistema.

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Aconfissãoeraaprovamáxima,suficienteparaacondenaçãoe,nosistemade

provatarifada,nenhumaprovavaliamaisqueaconfissão.OinquisidorEymerich

faladatotalinutilidadedadefesa,pois,seoacusadoconfirmavaaacusação,não

havianecessidadedeadvogado.Ademais, a funçãodoadvogadoera fazer com

queoacusadoconfessasselogoesearrependessedoerro,paraqueapenafosse

imediatamenteaplicadaeiniciadaaexecução.

Tendoemvistaaimportânciadaconfissão,ointerrogatórioeravistocomoum

atoessencial,queexigiaumatécnicaespecial.Existiamcincotiposprogressivos

detortura,eosuspeitotinhao“direito”aquesomentesepraticasseumtipopor

dia.Seem15diasoacusadonãoconfessasse,eraconsiderado“suficientemente”

torturado e era liberado. Sem embargo, os métodos utilizados eram eficazes e

quiçá alguns poucos tenham conseguido resistir aos 15 dias. O pior é que em

algunscasosapenaerademenorgravidadequeastorturassofridas.

A inexistência da coisa julgada era característica do sistema inquisitório.

Eymerich alertava que o bom inquisidor deveria ter muita cautela para não

declarar na sentença de absolvição que o acusado era inocente, mas apenas

esclarecerquenadafoilegitimamenteprovadocontraele.Dessaforma,mantinha-

seoabsolvidoaoalcancedaInquisiçãoeocasopoderiaserreabertomaistarde

pelotribunal,parapuniroacusadosemoentravedotrânsitoemjulgado.

OsistemainquisitóriopredominouatéfinaisdoséculoXVIII, iníciodoXIX,

momentoemqueaRevoluçãoFrancesa209, osnovospostuladosdevalorização

do homem e os movimentos filosóficos que surgiram com ela repercutiam no

processo penal, removendo paulatinamente as notas características do modelo

inquisitivo. Coincide com a adoção dos Júris Populares, e se inicia a lenta

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transiçãoparaosistemamisto,queseestendeatéosdiasdehoje.

ComoexplicaHeinzGoessel 210,oantigoprocessoinquisitóriodeveservisto

como uma “expressão lógica da teoria do Estado de sua época”211, como

manifestação do absolutismo que concentrava o poder estatal de maneira

indivisívelnasmãosdosoberano,quemlegibusabsolutusnãoestavasubmetido

arestrições legais.Nosistemainquisitório,os indivíduossãoreduzidosamero

objetodopodersoberano.NãoexistedúvidadequeaideiadoEstadodeDireito

influideformaimediataediretanoprocessopenal.Porisso,pode-seafirmarque

quando se inicia o Estado de Direito é quando principia a organização do

procedimentopenal 212.

Emdefinitivo,osistemainquisitóriofoidesacreditado–principalmente–por

incidir em um erro psicológico 213: crer que umamesma pessoa possa exercer

funçõestãoantagônicascomoinvestigar,acusar,defenderejulgar.

3.3.Oreducionismoilusório(einsuficiente)doconceitode“sistemamisto”:agestãodaprovaeospoderesinstrutóriosdojuiz

Com o fracasso da inquisição e a gradual adoção do modelo acusatório, o

Estado seguiamantendo a titularidade absoluta do poder de penar e não podia

abandonaremmãosdeparticularesessepodereafunçãodepersecução.Logo,

era imprescindível dividir o processo em fases e encomendar as atividades de

acusar e julgar a órgãos e pessoas distintas. Nesse novo modelo, a acusação

continuacomomonopólioestatal,masrealizadapormeiodeumterceirodistinto

dojuiz.

Aqui nasce o Ministério Público. Por isso, existe um nexo entre sistema

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inquisitivo e Ministério Público, como aponta Carnelutti 214, pois essa

necessidade de dividir a atividade estatal exige, naturalmente, duas partes.

Quandonãoexistem,devemserfabricadas,eoMinistérioPúblicoéumaparte

fabricada.Surgedanecessidadedosistemaacusatórioegaranteaimparcialidade

dojuiz.Eisaquioutroerrohistórico:apretendidaimparcialidade215doMP.

É lugar-comum na doutrina processual penal a classificação de “sistema

misto”,comaafirmaçãodequeossistemaspurosseriammodeloshistóricossem

correspondência comos atuais.Ademais, adivisãodoprocessopenal emduas

fases (pré-processual e processual propriamente dita) possibilitaria o

predomínio, emgeral, da forma inquisitivana fasepreparatória e acusatóriana

faseprocessual,desenhandoassimocaráter“misto”.

Outros preferem afirmar que o processo penal brasileiro é “acusatório

formal”, incorrendonomesmoerrodosdefensoresdosistemamisto.Binder 216,

corretamente, afirma que “o acusatório formal é o novo nome do sistema

inquisitivoquechegaaténossosdias”.

Nós preferimos fugir da maquiagem conceitual, para afirmar que o modelo

brasileiroé(neo)inquisitório,paranãoinduzirninguémaerro.

Historicamente, o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema

mistofoiofrancês,noCoded’InstructionCriminallede1808,poisfoipioneiro

nacisãodasfasesdeinvestigaçãoejuízo.Posteriormente,difundiu-seportodoo

mundoe,naatualidade,éomaisutilizado.

Nessalinha,ocritériodefinidordeumsistemaououtroseriaa“separaçãodas

funçõesdeacusarejulgar”,presenteapenasnomodeloacusatório.

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Para Sendra217, o simples fato de estar o processo dividido em duas fases

(pré-processualeprocessualemsentidopróprioouestrito)equeseencomende

cadaumaaumjuizdistinto(juizqueinstruinãojulga)bastariaparaafirmarqueo

processoestáregidopelosistemaacusatório.Nomesmosentido,ArmentaDeu218

entendequeemdeterminadosentidobastariaafirmarqueoprocessoacusatóriose

caracterizapelofatodeser imprescindívelumaacusaçãolevadaacaboporum

órgãoouagentedistintodojulgador(neprocedatiudexexofficio).

Aclassificaçãodesistemamistopecaporinsuficiênciaemdoisaspectos:

Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos, sem

correspondênciacomosatuais,aclassificaçãode“sistemamisto”nãoenfrentao

pontonevrálgicodaquestão:aidentificaçãodonúcleofundante.

Aseparação(inicial)dasatividadesdeacusarejulgarnãoéonúcleofundante

dossistemase,porsisó,éinsuficienteparasuacaracterização.

Nãosepodedesconsideraracomplexafenomenologiadoprocesso,demodo

que a separação das funções impõe, como decorrência lógica, que a

gestão/iniciativaprobatóriasejaatribuídaàspartes(enãoaojuiz,porelementar,

poisissoromperiacomaseparaçãodefunções).Maisdoqueisso,somentecom

essa separação de papéis, mantém-se o juiz afastado da arena das partes e,

portanto,éaclaradelimitaçãodasesferasdeatuaçãoquecriaascondiçõesde

possibilidadeparatermosumjuizimparcial.

Portanto, é reducionismo pensar que basta ter uma acusação (separação

inicial das funções) para constituir-se um processo acusatório. É necessário

quesemantenhaaseparaçãoparaqueaestruturanãoserompae,portanto,é

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decorrência lógica e inafastável, que a iniciativa probatória esteja (sempre)

nasmãosdaspartes.Somenteissopermiteaimparcialidadedojuiz.

E,por fim,ninguémnega a imprescindibilidadedocontraditório, aindamais

emdemocracia,eelesomenteépossívelnumaestruturaacusatórianaqualojuiz

mantenha-seemalheamentoe,comodecorrência,possaasseguraraigualdadede

tratamento e oportunidade às partes. Retomamos a lição de CunhaMartins: no

processo inquisitório há um “desamor” pelo contraditório; já o modelo

acusatórioconstituiumadeclaraçãodeamorpelocontraditório.

3.3.1.Afaláciadosistemabifásico

Sobrea faláciado sistemabifásicodoCódigoNapoleônicode1808, coma

fase pré-processual inquisitória e a fase processual (supostamente) acusatória,

ensinaJacintoCoutinho219:

é isso que Jean-Jacques-Régis de Cambacérés faz passar no Código

napoleônico,de17-11-1808.SegundoHélie(Traité,I,178,§539),é‘la

loiprocédurecriminellelamoinsimperfaite’dumond.Enfim,monstro

de duas cabeças; acabando por valer mais a prova secreta que a do

contraditório, numa verdadeira fraude. Afinal, o que poderia restar de

segurança é o livre convencimento, ou seja, retórica e contra-ataques;

basta imunizar a decisão com um belo discurso. Em suma: serviu a

Napoleãoumtirano;serveaqualquersenhor;nãoserveàdemocracia.

É necessário ler com muita atenção para compreender o alcance desse

fenômeno, pois ele reflete exatamente o que temos no sistema brasileiro. O

monstro de duas cabeças (inquérito policial totalmente inquisitório e fase

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processual com “ares” de acusatório [outro engodo, ensinará Jacinto na

continuação])éanossarealidadediária,nosforosetribunaisdoPaísinteiro.

Nomesmosentido,Ferrajoli 220 diz que oCódigoNapoleônico de 1808 deu

vida a um “monstruo, nacido de la unión del proceso acusatorio con el

inquisitivo,quefueelllamadoprocesomixto”.

Afraude resideno fatodequeaprovaécolhidana inquisiçãodo inquérito,

sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao final, basta o belo

discursodojulgadorparaimunizaradecisão.Essediscursovemmascaradocom

asmais variadas fórmulas, do estilo: a prova do inquérito é corroborada pela

provajudicializada;cotejandoaprovapolicialcomajudicializada;eassimtodo

um exercício imunizatório (ou,melhor, uma fraude de etiquetas) para justificar

uma condenação, que, na verdade, está calcada nos elementos colhidos no

segredodainquisição.Oprocessoacabaporconverter-seemumamerarepetição

ouencenaçãodaprimeirafase.

Ademais,mesmoquenãofaçamençãoexpressaaalgumelementodoinquérito,

quemgarantequeadecisãonãofoitomadacombasenele?Aeleição(culpadoou

inocente) é o ponto nevrálgico do ato decisório e pode ser feita combase nos

elementosdoinquéritopolicialedisfarçadacomumbomdiscurso.

Ora,oualguémimaginaqueNapoleãoaceitariao talsistemabifásicosenão

tivessecertezadequeeraapenasum“mudarparacontinuartudoigual”?

Como“bom”tirano, jamaisconcordariacomumamudançadessanaturezase

não tivesse certeza de que continuaria com o controle total, por meio da fase

inquisitória,detodooprocesso.

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Enquantonãotivermosumprocessoverdadeiramenteacusatório,doinícioao

fim, ou, ao menos, adotarmos o paliativo da exclusão221 física dos autos do

inquérito policial de dentro do processo, as pessoas continuarão sendo

condenadas com base na “prova” inquisitorial, disfarçada no discurso do

“cotejando”, “corrobora”... e outras fórmulas que mascaram a realidade: a

condenação está calcada nos atos de investigação, naquilo feito na pura

inquisição.

Isso porque, como concluiu JacintoCoutinho222: “il sistema inquisitorio non

può convivere con il sistema accusatorio, non solo perché la ‘contaminatio’ è

irragionevole sul piano logico, ma anche perché la pratica sconsiglia una

commistione del genere”. Ou seja, uma mistura de tal natureza (inquisitório e

acusatório)éirracional,eapráticadesaconselhatalmescla.

Cumpre,porfim,refletirsobreaúltimafrasedeJacinto:[setalsistema]serviu

a Napoleão, um tirano; serve a qualquer senhor; [obviamente] não serve à

democracia.

Ebasta.

3.3.2.Ainsuficiênciadaseparação(inicial)dasatividadesdeacusarejulgar

Apontadapeladoutrinacomofatorcrucialnadistinçãodossistemas,adivisão

entre as funções de investigar-acusar-julgar é uma importante característica do

sistemaacusatório,masnãoéaúnicaetampoucopode,porsisó,serumcritério

determinante, quando não vier aliada a outras (como iniciativa probatória,

publicidade,contraditório,oralidade,igualdadedeoportunidadesetc.).

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Dadaasuacomplexidade,comoconjuntodeatosconcatenados,oprocessoé

formadoportodaumacadeiadecircunstânciasqueseinter-relacionameinfluem

noresultadofinal.Bastaanalisarosistemainquisitório,paraverqueaoladoda

acumulação de funções (investigar, acusar e julgar) existe toda uma gama de

princípiosquejuntoscompõemedãoconteúdoaotodo.Especialatençãomerece

ocontraditório,poisexisteumaacertada tendênciadeconsiderá-lo fundamental

paraaprópriaexistênciadoprocessoenquantoestruturadialética.

Comrelaçãoàseparaçãodasatividadesdeacusarejulgar,trata-serealmente

deumanotaimportantenaformaçãodosistema.Contudo,nãobastatermosuma

separaçãoinicial,comoMinistérioPúblicoformulandoaacusaçãoe,depois,ao

longodoprocedimento,permitir queo juiz assumaumpapel ativonabuscada

prova oumesmo na prática de atos tipicamente da parte acusadora, como, por

exemplo, permitir que o juiz de ofício converta a prisão em flagrante em

preventiva (art. 310), pois isso equivale a “prisão decretada de ofício”; ou

mesmodecreteaprisãopreventivadeofícionocursodoprocesso(oproblema

nãoestánafase,mas,sim,noatuardeofício!),umabuscaeapreensão(art.242),

osequestro(art.127);ouçatestemunhasalémdasindicadas(art.209);procedaao

reinterrogatório do réu a qualquer tempo (art. 196); determine diligências de

ofícioduranteafaseprocessualeatémesmonocursodainvestigaçãopreliminar

(art.156,IeII);reconheçaagravantesaindaquenãotenhamsidoalegados(art.

385);condeneaindaqueoMinistérioPúblicotenhapostuladoaabsolvição(art.

385),altereaclassificaçãojurídicadofato(art.383)etc.

Fica evidente a insuficiência de uma separação inicial de atividades se,

depois,ojuizassumeumpapelclaramenteinquisitorial.Ojuizdevemanteruma

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posição de alheamento, afastamento da arena das partes, ao longo de todo o

processo.

Daí por que é reducionista algumadoutrinaque focada exclusivamenteno

aspecto histórico da separação de funções (ne procedat iudex ex officio) aí

ancora, passando a criticar aqueles que propõem a superação de tais

reducionismos e posturas mitológicas. Pensamos que, se originariamente o

sistema acusatório teve por núcleo a separação de funções, o nível atual de

desenvolvimento e complexidade do processo penal não admite mais tais

simplificações.

Não há mais espaço, compreendida a complexidade do processo penal,

voltamosarepetir,paraquealguémseescondaatrásdecategoriasestéreisede

arqueologia histórica, desconectando institutos dentro do processo,

compartimentalizando-os. A concepção de sistema acusatório está íntima e

indissoluvelmente relacionada, na atualidade, à eficácia do contraditório e,

principalmente, da imparcialidade (princípio supremo do processo penal,

recordemos).

Portanto, pensar sistema acusatório desconectado do princípio da

imparcialidadeedocontraditórioéincorreremgravereducionismo.

É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se

rompa e, portanto, é decorrência lógica e inafastável, que a iniciativa

probatória esteja (sempre) nas mãos das partes. Somente isso permite a

imparcialidadedojuiz.

Aseparaçãodefunçõesdosistemaacusatórioestáaserviçodoquê?Porque

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existe? Por que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos em diversas

oportunidades temdecididoqueo juizque atua como investigadorna fasepré-

processualnãopodeseromesmoque,noprocesso,julgue?

Todas essas questões giram em torno do binômio sistema acusatório e

imparcialidade,porqueaimparcialidadeégarantidapelomodeloacusatórioe

sacrificadanosistemainquisitório,demodoquesomentehaverácondiçõesde

possibilidadedaimparcialidadequandoexistir,alémdaseparaçãoinicialdas

funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz da atividade

investigatória/instrutória.

Éissoqueprecisasercompreendidoporaquelesquepensamsersuficientea

separação entre acusação-julgador para constituição do sistema acusatório no

modeloconstitucionalcontemporâneo.Éumerrosepararemconceitosestanques

aimensacomplexidadedoprocessopenal,fechandoosolhosparaofatodequea

posiçãodojuizdefineoníveldeeficáciadocontraditórioe,principalmente,da

imparcialidade.

Como explica J. Goldschmidt223, no modelo acusatório, o juiz se limita a

decidir, deixando a interposição de solicitações e o recolhimento do material

àquelesquepersegueminteressesopostos,istoé,àspartes.Oprocedimentopenal

seconvertedessemodoemum litígio, eoexamedoprocessadonão temoutro

significadoqueodeoutorgaraudiência.Partedoenfoquedequeamelhorforma

deaveriguaraverdadeerealizar-seajustiçaédeixarainvocaçãojurisdicionale

a coleta do material probatório àqueles que perseguem interesses opostos e

sustemopiniõesdivergentes.Deve-sedescarregaro juizdeatividades inerentes

às partes, para assegurar sua imparcialidade. Com isso, também se manifesta

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respeitopelaintegridadedoprocessadocomocidadão.

Para além disso, recordemos que o processo tem por finalidade (além do

explicado noCapítulo 1) buscar a reconstituição de um fato histórico (o crime

sempreépassado,logo,fatohistórico),demodoquea“gestãodaprova,naforma

pela qual ela é realizada, identifica o princípio unificador”224, como

explicaremosadiante.

3.3.3.Identificaçãodonúcleofundante:agestãodaprova

Aindaque todosos sistemas sejammistos,não existe umprincípio fundante

misto.Omistodeveservistocomoalgoque,aindaquemesclado,naessênciaé

inquisitórioouacusatório,apartirdoprincípioqueinformaonúcleo.

Então,noqueserefereaossistemas,opontonevrálgicoéa identificaçãode

seunúcleo, ou seja, do princípio informador, pois é ele quem vai definir se o

sistema é inquisitório ou acusatório, e não os elementos acessórios (oralidade,

publicidade,separaçãodeatividadesetc.).

Como afirmamos anteriormente, o processo tem por finalidade (além do

explicado noCapítulo 1) buscar a reconstituição de um fato histórico (o crime

sempreépassado,logo,fatohistórico),demodoqueagestãodaprovaéerigida

àespinhadorsaldoprocessopenal,estruturandoefundandoosistemaapartirde

doisprincípiosinformadores,conformeensinaJacintoCoutinho:

a)Princípiodispositivo225:fundaosistemaacusatório;agestãodaprovaestá

nasmãosdaspartes(juiz-espectador).

b)Princípioinquisitivo:agestãodaprovaestánasmãosdojulgador(juiz-ator

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[inquisidor]);porisso,elefundaumsistemainquisitório.

Daí estar complena razão JacintoCoutinho226 quandoexplicaquenãohá–

nempodehaver–umprincípiomisto,oque,porevidente,desconfiguraodito

sistema.Paraoautor,ossistemas,assimcomoosparadigmaseos tipos ideais,

nãopodemsermistos;elessãoinformadosporumprincípiounificador.Logo,na

essência,osistemaésemprepuro.Eexplica,nacontinuação,queo fatodeser

misto significa ser, na essência, inquisitório ou acusatório, recebendo a

referida adjetivaçãopor conta dos elementos (todos secundários), que de um

sistemasãoemprestadosaooutro.

J. Goldschmidt227, ao tratar dos princípios fundamentais do procedimento,

explicaque“elprincipiocontrarioaldispositivoloformaeldelainvestigación,

que domina el procedimiento penal, y que recibe también los nombres de

principio inquisitivo, de instrucción, ou principio del conocimiento de oficio

(principiodelaverdadmaterial)”.

Compreenda-se:osistemainquisitórioéfundadopeloprincípioinquisitivo,ou

seja, de instrução e conhecimento de ofício pelo juiz na busca da verdade

material.

Étudooquenãosequernoatualníveldeevoluçãocivilizatóriadoprocesso

penal.

Issonãosignificaque,aoladodessenúcleoinquisitivo(derivadodoprincípio

inquisitivo,emqueagestãodaprovaestánasmãosdojuiz),nãopossamorbitar

características que geralmente circundam o núcleo dispositivo, que informa o

sistema acusatório. Em outras palavras, o fato de um determinado processo

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consagrar a separação (inicial) de atividades, oralidade, publicidade, coisa

julgada,livreconvencimentomotivadoetc.,nãolheisentadeserinquisitório.Éo

caso do sistema brasileiro, de núcleo inquisitório, ainda que com alguns

“acessórios”quenormalmenteajudamavestirosistemaacusatório(masquepor

sisósnãootransformamemacusatório).

A seleção dos elementos teoricamente essenciais para cada sistema, explica

Ferrajoli 228,estáinevitavelmentecondicionadaporjuízosdevalor,porcontado

nexo que, sem dúvida, cumpre estabelecer entre sistema acusatório e modelo

garantistae,noentanto,entresistema inquisitório,modeloautoritárioeeficácia

repressiva.

Nessecontexto,dispositivosqueatribuamaojuizpoderesinstrutórios,comoo

famigeradoart.156,IeII,doCPP,externamaadoçãodoprincípioinquisitivo,

que fundaumsistema inquisitório, pois representamumaquebrada igualdade,

docontraditório,daprópriaestruturadialéticadoprocesso.Comodecorrência,

fulminamaprincipalgarantiadajurisdição,queéaimparcialidadedojulgador.

Estádesenhadoumprocessoinquisitório.

Aposiçãodojuizéopontonevrálgicodaquestão,namedidaemque

ao sistema acusatório lhe corresponde um juiz-espectador, dedicado,

sobretudo, à objetiva e imparcial valoraçãodos fatos e, por isso,mais

sábioque experto; o rito inquisitório exige, semembargo, um juiz-ator,

representantedo interessepunitivoe,por isso,umenxerido229, versado

noprocedimentoedotadodecapacidadedeinvestigação230.

O tema também está intimamente relacionado com a questão da verdade no

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processo penal. No sistema inquisitório, nasce a (inalcançável e mitológica)

verdade real, em que o imputado nada mais é do que um mero objeto de

investigação,“detentordaverdadedeumcrime”231,e,portanto,submetidoaum

inquisidor que está autorizado a extraí-la a qualquer custo. Recordemos que a

intolerânciavaifundarainquisição.Averdadeabsolutaésempreintolerante,sob

penadeperderseucaráter“absoluto”.

A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e, nessa estrutura, a

heresiaeraomaiorperigo,poisatacavaonúcleofundantedosistema.Foradele

nãohaviasalvação. Issoautorizao“combateaqualquercusto”daheresiaedo

herege,legitimandoatémesmoatorturaeacrueldadenelaempregadas.Amaior

crueldade não era a tortura em si, mas o afastamento do caminho para a

eternidade232.

A matéria raramente é objeto de análise por nossos tribunais, e, mais raro

ainda,éserdevidamentetratada.

Sem embargo, merece transcrição a acertada decisão abaixo, que bem

demonstraaimportânciadaquestão233:

CORREIÇÃOPARCIAL.

–Oórgãoacusador–partequeéepoderesque tem–nãopodeexigir

que o Judiciário requisite diligências, quando o próprio Ministério

Públicopodefazê-lo.

–Omitodequeoprocessopenalmiraa“verdadereal”estásuperado.A

buscaéoutra: julgamentojustoaoacusado(liçõesdeAdautoSuannese

LugiFerrajoli).

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– O papel do juiz criminal é de equidistância: a aproximação entre

acusadorejulgadoréprópriadomedievalinquisitório.

–Correiçãoparcialimprocedente.

Dessarte, fica fácil perceber que o processo penal brasileiro tem uma clara

matriz inquisitória,eque issodeve ser severamente combatido,namedidaem

quenãoresisteànecessáriafiltragemconstitucional.

Ouseja,aestruturadoCódigodeProcessoPenalde1941deveseradequada

e, portanto, deve ser conformada à nova ordem constitucional vigente, cujos

alicerces demarcam a adoção do sistema acusatório. É uma imposição de

conformidadedasleisprocessuaispenaisàConstituição,e,portanto,aosistema

acusatório,comotãobemdefiniuGeraldoPrado234.

Sempre se reconheceuo caráter inquisitório da investigaçãopreliminar e da

execuçãopenal, encobrindooproblemada inquisiçãona faseprocessual.Mas,

compreendidos os sistemas e os princípios que os estruturam, a conclusão só

pode ser uma, como claramente aponta Jacinto Coutinho235: “O sistema

processual-penal brasileiro é, na sua essência, inquisitório, porque regido pelo

princípioinquisitivo,jáqueagestãodaprovaestá,primordialmente,nasmãosdo

juiz”.

Nos tribunais superiores, a questão já começa a ser vista comoutros olhos.

Nessalinha,destacamosadecisãoproferidapeloSTJnoRHC23.945/RJ:

MAGISTRADO.PARCIALIDADE.

Na espécie, ainda na fase de investigação preliminar, antes que fosse

oferecida a denúncia, o juiz, por entender que a causa era complexa,

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iniciou a realização do interrogatório de alguns réus. O referido

procedimento não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, o

quetornamnulosnãoapenasosatosdecisórios,mastodooprocesso.O

juiz não pode realizar as funções do órgão acusatório ou de Polícia

Judiciária, fazendoagestãodaprova, pois seria retornarao sistema

inquisitivo.Assim,aTurma,pormaioria,deuprovimentoaorecursopara

declararanulidadedetodooprocesso,nãoapenasdosatosdecisórios,

bemcomodosatospraticadospelojuizduranteafasedasinvestigações

preliminares, determinando que os interrogatórios por ele realizados

nesse período sejam desentranhados dos autos, de forma que não

influenciemaopiniodelictidoórgãoacusatórionaproposituradanova

denúncia236.

Compreendida a questão e respeitada a opção “acusatória” feita pela

Constituição,sãosubstancialmenteinconstitucionaistodososartigosdoCPPque

atribuampoderesinstrutóriose/ouinvestigatóriosaojuiz.

3.3.4.Oproblemadospoderesinstrutórios:juízes-inquisidoreseosquadrosmentaisparanoicos

Compreendida a necessidade de buscar o núcleo fundante de um sistema a

partirdagestãodaprova,restaverificaraproblemática(einquisitiva)atribuição

depoderesinstrutórios/investigatóriosaojuiz.

Atribuir poderes instrutórios a um juiz – em qualquer fase237 – é um grave

erro,queacarretaadestruiçãocompletadoprocessopenaldemocrático.Ensina

Cordero238 que tal atribuição (de poderes instrutórios) conduz ao primato

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dell’ipotesisuifatti,geradordequadrimentaliparanoidi.Issosignificaquese

operaumprimado(prevalência)dashipótesessobreosfatos,porqueojuizque

vaiatrásdaprovaprimeirodecide(definiçãodahipótese)edepoisvaiatrásdos

fatos (prova) que justificam a decisão (que na verdade já foi tomada). O juiz,

nessecenário,passaafazerquadrosmentaisparanoicos.

Namesmalinha,JacintoCoutinho239afirmaque

abre-seaojuizapossibilidadededecidirantese,depois,sairembusca

domaterial probatório suficientepara confirmar a suaversão, isto é, o

sistema legitimaapossibilidadeda crençano imaginário, aoqual toma

comoverdadeiro.

Éevidentequeorecolhimentodaprovaporpartedojuizantecipaaformação

do juízo. Como explica Geraldo Prado240, “a ação voltada à introdução do

material probatório é precedida da consideração psicológica pertinente aos

rumos que o citado material, se efetivamente incorporado ao feito, possa

determinar”.Ojuiz,aoteriniciativaprobatória,estáciente(prognósticomaisou

menos seguro) de que consequências essa prova trará para a definição do fato

discutido,pois“quemprocurasabeaocertooquepretendeencontrareisso,em

termosdeprocessopenal condenatório, representauma inclinaçãoou tendência

perigosamentecomprometedoradaimparcialidadedojulgador”241.Maisdoque

uma “inclinação ou tendência perigosamente comprometedora”, trata-se de

sepultardefinitivamenteaimparcialidadedojulgador.Nessamatéria,nãoexiste

investigadorimparcial,sejaelejuizoupromotor.

Omodeloacusatório(constitucional)traznasuaessênciaanecessidadedeum

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amplo debate sobre a hipótese acusatória. Para tanto, Ferrajoli 242 define as

seguintesgarantiassecundárias:publicidade,oralidade,legalidadedoprocessoe

motivaçãodadecisãojudicial.Taisgarantiassãocondiçõesnecessáriasparaque

odebatetranscorracomtransparênciaeigualdadedeoportunidades,ouseja,no

ambientequeseesperadaestruturadialéticadoprocesso.

Semprequeseatribuempoderesinstrutóriosaojuiz243,destrói-seaestrutura

dialéticadoprocesso,ocontraditório,funda-seumsistemainquisitórioesepulta-

se de vez qualquer esperança de imparcialidade (enquanto terzietà =

alheamento). É um imenso prejuízo gerado pelos diversos “pré-juízos” que o

julgadorfaz.

Nãosódiversosmodeloscontemporâneosdemonstram isso (bastaestudaras

reformas da Alemanha em 1974, Itália e Portugal em 1987/88 e também as

mudançaslevadasacabonaEspanhapelaLO7/88,feitaàspressasparaadequar-

se àSentençadoTribunalConstitucional n. 145/88),mas tambémahistória do

direito processual, especialmente o erro iniciadono sistema acusatório romano

de atribuir poderes instrutórios ao juiz, que acabou levando ao sistema

inquisitório.

Comoexplicamosanteriormente,a imparcialidadedo juiz ficaevidentemente

comprometida quando estamos diante de um juiz-instrutor ou quando lhe

atribuímos poderes de gestão/iniciativa probatória. É um contraste que se

estabeleceentreaposição totalmenteativaeatuantedo instrutor,coma inércia

quecaracterizaojulgador.Umésinônimodeatividade,eooutro,deinércia.

EssaquestãofoimuitobemtratadapeloMin.ErosGrau,noHC95.009-4/SP,

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p.36ess.244.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, há muito tempo e em diversas

oportunidades, tem apontado a violação da garantia do juiz imparcial em

situações assim, destacando, ainda, uma especial preocupação coma aparência

de imparcialidade, a estética de imparcialidade, queo julgador deve transmitir

paraossubmetidosàAdministraçãodaJustiça,pois,aindaquenãoseproduzao

pré-juízo, é difícil evitar a impressão de que o juiz (instrutor) não julga com

plenoalheamento. Issoafetanegativamenteaconfiançaqueos tribunaisdeuma

sociedade democrática devem inspirar nos jurisdicionados, especialmente na

esferapenal.

Masrealmenteainteriorizaçãodospostuladosconstitucionaisésemprelentae

não raras vezes nunca se efetiva. Ainda é possível encontrarmos prisões

preventivasdecretadasdeofíciopelo(mesmo)juizquedepoisirájulgaracausa.

Nessalinha,decidiuoTJRS245:

HABEASCORPUS.RECEPTAÇÃO.SentençaCondenatóriaRecorrível.

OrdemPública.PrisãodeOfício.

[...]

3. Além de a segregação cautelar ter ferido frontalmente o sistema

acusatório, pois a decretação foi de ofício, prática rejeitada pela

Constituiçãode1988, foi totalmente desnecessária, tendo emvista que

os pronunciamentos no âmbito da Casa Legislativa, onde o paciente é

vereador, criticando instituições, não ameaçam a ordem do Estado de

Direito,cujaartificialreasontranscendeaoslimitesdaurbelocalizada.

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[...]

LIMINARCONFIRMADA.ORDEMCONCEDIDA(grifosnossos).

Nocorpodovotodorelator,Des.NereuGiacomolli,encontramosimportante

lição,nosentidodeque,

[...] mesmo diante da ausência de requerimento, o julgador a quo

decretouasegregaçãocautelardeofício.ApósoadventodaConstituição

de 1988, a qual adotou o sistema acusatório, caracterizado,

essencialmente, pela distinção entre as atividades de acusar e julgar;

imparcialidade do juiz; contraditório e ampla defesa, motivação das

decisões judiciais, livre convencimento motivado, entre tantas outras,

totalmente descabida qualquer decretação ex officio. A acusação, nos

termosdoart.129daConstituição,estátotalmenteacargodoMinistério

Público,constituindo-seemilegalidadeadecretaçãodeprisãodeofício.

Como sintetiza a Exposição de Motivos do Código-Modelo para Ibero-

América,enuncaédemais recordar,“obominquisidormataobomjuiz,ouao

contrário,obomjuizdesterraoinquisidor”.

Por fim,perguntaquepodesurgir é:que instrumentoprocessualpenalpode

ser utilizado quando nos deparamos com um juiz inquisidor na condução do

processo?

Elementarquecadasituaçãoapresentarásuaspeculiaridadesecomplexidades.

Emlinhasgerais,pensamosque,seoprocessoestáemdesenvolvimento,poderá

ser arguida a “exceção de suspeição”, demonstrando, a partir da análise do

discursoouatospraticados,quehouveumaquebradagarantiadaimparcialidade

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(recorde-se sempre que ela é o princípio supremo do processo). Quando

tratarmosdaexceçãodesuspeição,aseutempo,voltaremosaotema.Contudo,já

existindo uma sentença condenatória, a situação fica mais difícil, mas em tese

deveserarguidaaviolaçãodaimparcialidadeeconsequentenulidadedosatos,

empreliminardeapelação.

3.4.Críticaaosistemade“justiçanegociada”eofalaciosoargumentodequesetratadeimposiçãodosistemaacusatório.Refletindosobrea"delaçãopremiada"

A Lei n. 9.099/95246 inseriu o processo penal brasileiro na perspectiva da

justiça negociada e dos espaços de consenso. Para alémdo velado fundamento

utilitarista, o modelo vem envolto por uma fina camada argumentativa de que

seria uma imposição ou decorrência lógica e necessária da adoção do sistema

processualacusatório.Éumargumentofalacioso,comoveremosagora.

A garantia da jurisdição careceria de sentido se fosse possível sua

fungibilidade.Ainderrogabilidadeégarantiaquedecorreeasseguraaeficáciada

garantiadajurisdição,nosentidodeinfungibilidadeeindeclinabilidadedojuízo,

assegurando a todoso livre acesso aoprocesso e aopoder jurisdicional.Nessa

linha, osmodelos de justiça negociada (e consensuada) representam importante

violaçãoàgarantiadainderrogabilidadedojuízo.Alógicadapleanegotiation

conduzaumafastamentodoEstado-juizdas relações sociais,nãoatuandomais

comointerventornecessário,masapenasassistindodecamaroteaoconflito.

Com o advento da Lei n. 9.099/95, cujo campo de incidência foi

substancialmente ampliado pela Lei n. 10.259/2001, foi introduzida247 uma

variação no modelo de reparto até então adotado no nosso processo penal: a

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justiça negociada. Para grande parte da doutrina brasileira, uma inovação

revolucionária (ou perigoso retrocesso?). Contudo, com o passar dos anos, a

criatura virou-se contra o criador ou, melhor, mostrou sua verdadeira cara:

utilitarismoprocessualeabuscadamáximaeficiência(utilitarista).

NossacríticanãoselimitaaoaspectonormativodaLein.9.099,senãoquevai

à base epistemológica que a informa, constando que o problema será

potencializadocomoaumentodaschamadaszonasdeconsenso,comojáocorreu

comaLein.10.259/2001.

Opensamentoquenosorientaéprospectivo,olhamosparaofuturo.Asituação

atualjáépreocupante,maspretendemosdemonstrar–pormeiodacrítica–quea

ampliação do campo de atuação da justiça consensuada será desastrosa para o

processopenal.Devemosrecordar,ainda,ocontextosocialeeconômiconoqual

ela se insere (e foi gerada), até porque o sistema penal não está num

compartimentoestanque,imuneaosmovimentossociais,políticoseeconômicos,

conforme explicamos nos capítulos anteriores, onde tratamos da ideologia

repressivistada“leieordem”edaeficiência(antigarantista).

Ea“delaçãopremiada”?

A“barganhaea justiçacriminalnegocial”, comomanifestaçõesdosespaços

de consenso no processo penal, vêm (pre)ocupando cada vez mais não só os

estudiosos, mas também os atores judiciários. A tendência de expansão é

evidente, resta saber que rumo será tomado, se seguirá o viés de influência do

modelo norte-americano da plea bargaining; o italiano do patteggiamento; o

prático-forensealemão(cujaimplantaçãoevidenciouoconflitodolawinaction

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como law in books); ampliaremos o tímido (mas crescente)modelo brasileiro

introduzido pelaLei n. 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional) até

chegarnaLein.12.850/2013eacolaboraçãopremiada.Querumotomar?Quais

os limites? Que vantagens e inconvenientes isso representa? São questões

importantesaseremponderadas.

A expansão dos espaços de consenso decorre de fatores utilitaristas e

eficientistas, sem falar na evidente incompatibilidade com o Princípio da

Necessidade(nullapoenasineiudicio),maséumarealidadequeseimpõediante

da insuficiênciaestruturaldoPoderJudiciário (sustentamosdefensoresdoviés

expansionista).Masaaceleraçãoprocedimentalpodeser levadaaoextremode

termosumapenasemprocessoesemjuiz?Sim,poisagarantiadojuizpodeficar

reduzidaaopapeldemero“homologador”doacordo,muitasvezesfeitoàsportas

do tribunal (nos Estados Unidos, acordos assim superam 90% dos meios de

resoluçãodecasospenais).

Anegotiationvioladesdelogoopressupostofundamentaldajurisdição,pois

a violência repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e

tampouco se submete aos limites da legalidade, senão que está nas mãos do

Ministério Público e submetida à sua discricionariedade. Isso significa uma

inequívoca incursão do Ministério Público em uma área que deveria ser

dominadapelo tribunal,queerroneamente limita-seahomologaro resultadodo

acordoentreoacusadoeopromotor.Nãosemrazão,afirma-sequeopromotoré

ojuizàsportasdotribunal.

Opactonoprocessopenalpodeseconstituiremumperversointercâmbio,que

transforma a acusação em um instrumento de pressão, capaz de gerar

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autoacusações falsas, testemunhos caluniosos por conveniência, obstrucionismo

ou prevaricações sobre a defesa, desigualdade de tratamento e insegurança. O

furornegociadordaacusaçãopodelevaràperversãoburocrática,emqueaparte

passiva não disposta ao “acordo” vê o processo penal transformar-se em uma

complexaeburocráticaguerra.

Tudoémaisdifícilparaquemnãoestádispostoao“negócio”.

Oacusadorpúblico,dispostoaconstrangereobteropactoaqualquerpreço,

utilizará a acusação formal como um instrumento de pressão, solicitando altas

penasepleiteandooreconhecimentodefigurasmaisgravesdodelito,aindaque

semomenorfundamento.Atalpontopodechegaradegeneraçãodosistemaque,

de forma clara e inequívoca, o saber e a razão são substituídos pelo poder

atribuídoaoMinistérioPúblico.Oprocesso,aofinal,étransformadoemumluxo

reservadoaquemestiverdispostoaenfrentarseuscustoseriscos(Ferrajoli).A

superioridadedoacusadorpúblico,acrescidadopoderdetransigir,fazcomque

aspressõespsicológicaseascoaçõessejamumapráticanormal,paracompeliro

acusadoaaceitaroacordoetambéma“segurança”domalmenordeadmitiruma

culpa,aindaqueinexistente.Osacusadosqueserecusamaaceitaradelaçãoou

negociação são considerados incômodos e nocivos, e sobre eles pesará todo o

rigor do direito penal “tradicional,” em que qualquer pena acima de 4 anos

impedeasubstituiçãoe,acimade8anos,impõeoregimefechado.Opanoramaé

aindamaisassustadorquando,aoladodaacusação,estáumjuizpoucodispostoa

levaroprocessoatéofinal,quiçámais interessadoqueoprópriopromotorem

que aquilo acabe o mais rápido e com o menor trabalho possível. Quando as

pautas estão cheias e o sistema passa a valorarmais o juiz pela sua produção

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quantitativadoquepelaqualidadedesuasdecisões,oprocessoassumesuaface

mais nefasta e cruel. É a lógica do tempo curto atropelando as garantias

fundamentaisemnomedemaioreficiência.

NoBrasil,atendênciadeexpansãoéevidenteeapreocupação,crescente.Dos

limitestímidosdatransaçãopenalesuspensãocondicionaldoprocesso,caímos

nooutro extremo:o amorfismoda colaboração (leia-se: delação)premiada e a

Lein.12.850/2013.

Em julho de 2015 foi, noticiada uma sentença penal condenatória na

denominada “Operação Lava Jato” em que alguém – beneficiado pela delação

premiada (ou seja, pena negociada) – é condenado a 15 anos e 10 meses em

regimede“reclusãodoméstica”ou“prisãodomiciliar”.Depoisvemumregime

“semiabertodiferenciado”(??)eumaprogressãoparaoregimeabertoapósdois

anos...tudoissosoboolharatônitodoCódigoPenal,quenãosereconhecenessa

“execuçãopenalàlacarte”.

Masissoéoutrodireitopenal?Comcerteza.Eoutroprocessopenaltambém.

Masoqueéesse“outro”?Aserviçodequê(m)eleestá?Quaisseuslimitesde

incidência?Pormaisqueseadmitaqueoacordosobreapenasejaumatendência

mundialeinafastável,(mais)umaquestãoquepreocupamuitoé:ondeestãoessas

regraselimitesnalei?Ondeestáoprincípiodalegalidade?Reservadelei?Será

quenãoestamosindonosentidodanegociação,masabrindomãoderegraslegais

claras,paracairnoerrododecisionismoenaampliaçãodosespaçosindevidos

da discricionariedade judicial? Ou ainda, na ampliação dos espaços

discricionáriosimprópriosdoMinistérioPúblico?Ficopreocupado,nãoapenas

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comabanalizaçãodadelaçãopremiada,mascomaausênciadelimitesclarose

precisos acerca da negociação. É evidente que a Lei n. 12.850/2013 não tem

suficiênciaregradoraeestamoslongedeumadefiniçãoclaraeprecisaacercados

limitesnegociais.

A delação premiada, enquanto forma de consenso sobre a pena, precisa ser

objeto de uma problematização muito mais complexa (para além da simples

recusa,poiselaestáaí),comoporexemplo:

a) Quais os limites quantitativos e qualitativos acerca da pena? Como fixar

umapenade15anosemregimedeprisãodomiciliar?Easpenasacessórias?

Qualocritérioparafixaçãodosvalores(milionários)aseremrestituídos(ou

penapecuniária)?

b)Atéquemomentopodeserefetivada?Apenasnafasepré-processual?Após

adenúnciamasantesdainstrução?Aqualquermomento(entãonãohaveráa

aceleraçãoprocedimentalcaracterística)?

c) Que consequências procedimentais ela gera em termos de aceleração e

limitaçãodacognição?

d) Uma vez feita, mas por qualquer motivo não efetivada ou descumprida,

comovamos lidar comaconfissão já realizada?Eopré-julgamento, como

fica?Ojuizque tevecontatocomaconfissão/delaçãodeveserafastadoou

continuaremoscomailusãodequenãoháquebradaimparcialidade,deque

ojuizpodedarumrewindedeletaroqueouviu,viueleu?

e) Nos casos penais de competência do tribunal do júri, como se dará o

julgamento?Haverájúrieosjuradospoderãonãohomologaradelação?Ea

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íntimaconvicção,comofica?Haveráquesitaçãosobreadelação?Oucoma

negociaçãousurparemosacompetênciadojúri?

f)Havendoassistentedaacusação,poderáseoporanegociaçãosobreapena?

Qual o espaço da vítima no ritual negocial? Ela poderá estabelecer

“condições” ou será ignorada (como ocorre na transação penal oferecida

peloMinistérioPúbliconasaçõespenaisdeiniciativaprivada)?

g)Existeum“direito”doimputadoaoacordooueleéumpoderdiscricionário

doMinistérioPúblico?

h)Qual o nível e dimensãode controle jurisdicional feito?Qual o papel do

juiznoespaçonegocialsemqueeledeixedeser“juiz”(ouseja,imparcial)?

Muitas são as perguntas não respondidas pelo sistema jurídico brasileiro,

chegando-seaumaelasticidadeabsurda(edecisionismoigualmenteabsurdo)de

fixarumapenade15anosdereclusãoasercumpridaemregimederecolhimento

domiciliar,absolutamenteforadetudooquemtemosnoCódigoPenalbrasileiro.

Mas,antesdepensarmosque“legislar”éasoluçãoparatudoisso,façomais

um questionamento: já foi elaborado um sério e profundo “estudo de impacto

carcerário” da expansão do espaço negocial? A expansão da possibilidade de

concretização antecipada do poder de punir, por meio do reconhecimento

consentidodaculpabilidade,nãorepresentaráumaumentosignificativodanossa

já inchada população carcerária? Como o sistema carcerário sucateado e

medieval que temos irá lidar com isso? Pois é, parece que mais uma vez

legislaremosprimeiro,paraveroquevaiocorrerdepois.

Dessarte,estamosentrando–semmuitorumoouprumo–emterrenominado

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(em grande parte), desconhecido e muito perigoso para o processo penal

democráticoeconstitucional.

A premissa neoliberal de Estado mínimo também se reflete no campo

processual, na medida em que a intervenção jurisdicional também deve ser

mínima(najustiçanegociada,oEstadoseafastadoconflito),tantonofatortempo

(duraçãodoprocesso)comotambémnaausênciadeumcomprometimentomaior

porpartedojulgador,quepassaadesempenharumpapelmeramenteburocrático.

Éinegávelquevivemosnumasociedaderegidapelavelocidade,masissonãonos

obrigaatoleraroatropelodedireitosegarantiasfundamentaiscaracterísticodos

juizadosespeciais.

A tendência generalizada de implantar no processo penal amplas “zonas de

consenso”tambémestásustentada,emsíntese,portrêsargumentosbásicos:

a)estarconformeosprincípiosdomodeloacusatório;

b)resultardaadoçãodeum“processopenaldepartes”;

c)proporcionarceleridadenaadministraçãodejustiça.

A tese de que as formas de acordo são um resultado lógico do “modelo

acusatório”edo“processodepartes”é totalmente ideológicaemistificadora,

como qualificou Ferrajoli 248, para quem esse sistema é fruto de uma confusão

entreomodelo teóricoacusatório–queconsisteunicamentenaseparaçãoentre

juizeacusação,naigualdadeentreacusaçãoedefesa,naoralidadeepublicidade

do juízo – e as características concretas do sistema acusatório americano,

algumasdasquais,comoadiscricionariedadedaaçãopenaleoacordo,nãotêm

relaçãoalgumacomomodeloteórico.

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Omodeloacusatórioexige–principalmente–queojuizsemantenhaalheioao

trabalho de investigação e passivo no recolhimento das provas, tanto de

imputação como de descargo. A gestão/iniciativa probatória, no modelo

acusatório, está nas mãos das partes; esse é o princípio fundante do sistema.

Ademais, há a radical separação entre as funções de acusar/julgar; o processo

deveser(predominantemente)oral,público,comumprocedimentocontraditório

e de trato igualitário das partes (e nãomeros sujeitos). Com relação à prova,

vigoraosistemadolivreconvencimentomotivadoeasentençaproduzaeficácia

decoisajulgada.Aliberdadedapartepassivaéaregra,sendoaprisãocautelar

uma exceção. Assim é o sistema acusatório, não derivando dele a justiça

negociada.

A verdade consensuada, que brota da negotiation, é ilegítima. Ferrajoli 249

lembraquenenhumamaioriapodefazerverdadeirooqueéfalso,oufalsooqueé

verdadeiro,nem,portanto,legitimarcomseuconsensoumacondenaçãoinfundada

porhaversidodecididasemprovas.

Com isso, surge o equívoco de querer aplicar o sistema negocial, como se

estivéssemostratandodeumramododireitoprivado.Existem,inclusive,osque

defendem uma “privatização” do processo penal partindo do princípio

dispositivo do processo civil, esquecendo que o processo penal constitui um

sistema com suas categorias jurídicas próprias e de que tal analogia, além de

nociva,éinadequada.ExplicaCarnelutti 250queexisteumadiferençainsuperável

entre o direito civil e o direito penal: “en penal, con la ley no se juega”. No

direitocivil,aspartestêmasmãoslivres;nopenal,devemtê-lasatadas.

O primeiro pilar da função protetora do direito penal e processual é o

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monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva. A justiça negociada

viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental, pois a violência

repressiva da pena não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco se

submeteaoslimitesdalegalidade,senãoqueestánasmãosdoMinistérioPúblico

evinculadaàsuadiscricionariedade.

É a mais completa desvirtuação do juízo contraditório, essencial para a

própriaexistênciadeprocesso,eseencaixamelhorcomaspráticaspersuasórias

permitidas pelo segredo e nas relações desiguais do sistema inquisitivo. É

transformar o processo penal em uma “negociata”, no seu sentido mais

depreciativo.

Nosistemanorte-americano,muitasnegociaçõessãorealizadasnosgabinetes

do Ministério Público sem publicidade, prevalecendo o poder do mais forte,

acentuandoaposiçãodesuperioridadedoParquet.ExplicamFigueiredoDiase

CostaAndrade251queapleabargainingnosEstadosUnidoséresponsávelpela

soluçãode80%a95%detodososdelitos.

Ademais,ascifrascitadascolocamemevidênciaqueemoitoounovedecada

dezcasosnãoexistenenhumcontraditório.

No mesmo sentido, o Juiz Federal dos Estados Unidos, Rubén Castillo252,

afirmaquedetodososprocessoscriminaisiniciadosmaisde90%nuncachegam

ajuízo,poisadefesaacordacomoMP.

Oquecaracterizaoprincípiodocontraditórioéexatamenteoconfrontoclaro,

públicoeantagônicoentreaspartesemigualdadedecondições.Essaimportante

conquista da evolução do Estado de Direito resulta ser a primeira vítima da

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justiçanegociada,quecomeçaporsacrificarocontraditórioeacabapormatara

igualdadedearmas.Que igualdadepodeexistirna relaçãodocidadãosuspeito

frenteàprepotênciadaacusação,que,aodispordopoderdenegociar,humilhae

impõesuascondiçõeseestipulaopreçodonegócio?

Em última análise, o sistema de justiça negociada funda-se sobre a base da

categoria “autonomia de vontade”. Uma base excessivamente porosa, para não

dizerfalaciosa.ComoapontaPrado253,

os desníveis socioeconômicos ainda vivos na sociedade brasileira

interditam a pretensão de garantir ao sujeito, principalmente ao sujeito

investigado/imputado, condições de exercer plenamente suas

potencialidades e, pois, posicionar-se conscientemente diante da

proposta de transação, compreendendo seu largo alcance como

instrumentodepolíticacriminal.

Noquedizrespeitoàtransaçãopenal,Prado254fazlongoecriteriosotrabalho

de crítica, demonstrando todos os inconvenientes do instituto e desvelando a

faláciadodiscursofavorávelàtransaçãopenal.Bastariareconheceragravíssima

e insuperável violação do princípio da necessidade, fundante e legitimante do

processo penal contemporâneo, para compreender que a transação penal é

absolutamente ilegítima, pois constitui a aplicação de uma pena sem prévio

processo. Põe-se por terra a garantia básica do nulla poena sine iudicio. A

transação penal não dispõe, explica o autor, de um verdadeiro procedimento

jurisdicionalconformeanoçãodedevidoprocessolegal.

Tampouco entendemos que o sistema negocial colabore para aumentar a

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credibilidade da justiça, pois ninguém gosta de negociar sua inocência. Não

existe nadamais repugnante que, ante frustrados protestos de inocência, ter de

decidirentrereconhecerumaculpainexistente,emtrocadeumapenamenor,ou

correroriscodesubmeter-seaumprocessoqueserádesdelogodesigual.

Éumpoderosoestímulonegativosaberqueterádeenfrentarumpromotorcuja

imparcialidadeimpostaporleifoienterradajuntocomafrustradanegociação,e

queacusarádeformadesmedida,inclusiveobstaculizandoaprópriadefesa.Uma

vezmaistemrazãoGuarnieri,quandoafirmaqueacreditarnaimparcialidade255

doMinistérioPúblicoéincidirnoerrode“confiarallobolamejordefensadel

cordero”.

Noplanododireitomaterial,asbasesdosistemacaempor terra.Onexode

casualidade entre delito, pena e proporcionalidadedapunição é sacrificado.A

penanãodependerámaisdagravidadedodelito,masdahabilidadenegociadora

dadefesaedadiscricionariedadedaacusação.Ainda,conformeseviunoBrasil,

contribui para a banalização do sistema penal, com todos os graves

inconvenientesdodireitopenalmáximo.Emsíntese, tudodependerádoespírito

aventureirodoacusadoedeseupoderdebarganha.

O excessivo poder – sem controle – doMinistério Público e seu maior ou

menor interesse no acordo fazem com que princípios como os da igualdade,

certeza e legalidade penal não passem de ideais historicamente conquistados e

sepultados pela degeneração do atual sistema. Tampouco sobrevivem nessas

condiçõesapresunçãodeinocênciaeoônusprobatóriodaacusação.Oprocesso

penal passa a não ser mais o caminho necessário para a pena, e, com isso, o

status de inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e,

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principalmente,semqueparaissoaacusaçãotenhadeprovarseualegado.

Asuperioridadedopromotor,acrescidadopoderdetransigir,fazcomqueas

pressõespsicológicas e as coações sejamumapráticanormal, para compelir o

acusadoaaceitaroacordoetambéma“segurança”domalmenordeadmitiruma

culpa,aindaqueinexistente.Osacusadosqueserecusamaaceitaratransação

penaloua suspensãocondicionaldoprocesso sãoconsiderados incômodose

nocivos,esobreelespesarãoacusaçõesmaisgraves.

Não podemos nos esquecer de que o mesmo juiz que preside a fase

conciliatória (com a vítima) será o que, frustradas a conciliação e a negociata

(com o MP), julgará o processo. Logo, está claramente contaminado e será

imenso o prejuízo causado pelo “pré-juízo”. Não há como controlar a imagem

negativaqueseformaráno(in)conscientedojulgador,pelafrustraçãodoacordo

pela recusa do réu. Dependendo do caso, o argumentado e admitido na fase

negocial acabará fulminando– initio litis – no (in)consciente do juiz a própria

presunçãodeinocência.

Criticandoosistemanodireitoespanhol–críticasperfeitamenteaplicáveisao

nossocaso–,VictorFairenGuillen256assinalaqueo

paradoxomaiorestánofatodequeumEstado,quenomomentosegueum

regimepolíticoque intervémemquase todasasesferasdeatividadedo

cidadão,funcioneemsentidocontrário,abandonandoocampodoDireito

Públicoembenefíciodointeresseparticular–nãosevenhadizeragora,

ao cabo de mais de vinte anos de experiência do plea bargain nos

Estados Unidos, que o Ministério Público, ao pactuar, está sempre

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convencidodosmotivoscívicos,públicos,admiráveis,doacusado[...].

Tambémentendemosqueaparticipaçãodavítimanoprocessopenalnãodeve

ser potencializada257 para evitar uma molesta contaminação pela sua “carga

vingativa”. Seria um retrocesso à autotutela e autocomposição, questões já

superadaspelosprocessualistas.Nãosepodeesquecerdequeaparticipaçãoda

vítima no processo penal, em geral, e do assistente da acusação em especial

decorredeumapretensãocontingente: ressarcimentoe/ou reparaçãodosdanos.

Isso acarreta uma perigosa contaminação de interesses privados em uma seara

regida por outra lógica e princípios. Desvirtua por completo todo o sistema

jurídico-processual penal, pois pretende a satisfação de uma pretensão

completamentealheiaasuafunção,estruturaefinalidade.

GómezOrbaneja258apontaparaoinconvenientedaprivatizacióndelproceso

penal, completamente incompatível com sua verdadeira finalidade e o caráter

estatal da pena. Não resta dúvida de que as vítimas, em muitos casos

(especialmentepormeiodaassistência),utilizamoprocessopenalcomoumavia

maiscômoda,econômicaeeficienteparaalcançarasatisfaçãopecuniária.Ora,

paraissoexisteoprocessocivil...

Parafinalizar,possivelmenteaúnicavantagem(paraosutilitaristas)dajustiça

negociada seja a celeridade com que são realizados os acordos e, com isso,

finalizados os processos (ou nem sequer iniciados). Sob o ponto de vista do

utilitarismojudicial,existeumaconsideráveleconomiadetempoedinheiro.Ou

seja,éummodeloantigarantista.

Tambémo argumento de que a estigmatização do acusado émenor não é de

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todoverdadeiro.Emmodeloscomoonosso,arotulaçãoseproduzemmassa,na

medidaemquesebanalizaosistemapenalaoressuscitarevivificartodoumrol

decrimesdebagatelaedecompletairrelevânciasocial.Há,ainda,oscasos(não

raros)emqueuminocenteadmiteaculpa(inexistente)paranão“correrorisco”

doprocesso.

Emsíntese,ajustiçanegociadanãofazpartedomodeloacusatórioetampouco

podeserconsideradacomoumaexigênciadoprocessopenaldepartes.Resulta

ser uma perigosa medida alternativa ao processo, sepultando as diversas

garantiasobtidasaolongodeséculosdeinjustiças.

Ademais,estáintimamenterelacionadaaoafastamentodoEstadoimpostopelo

modeloneoliberaletambémcomomovimentodaleieordem,eisqueressuscitou

noimagináriocoletivoumroldecondutasquenãodeveriammaisserobjetode

tutelapenal(nocasodosdelitosdemenorpotencialofensivo).Contribui,assim,

paraapanpenalização.

Por derradeiro, ainda que o campo de negociação previsto pela Lei n.

9.099/95 (e,noâmbito federal, pelaLein.10.259/2001) seja restrito, a crítica

justifica-se na medida em que os problemas já existem e podem ser

potencializados em caso de ampliação da chamada “zona de consenso”. Como

explicamosnoinício,otrabalhoéprospectivoeestápreocupadocomosfuturos

problemas.

Se seguirmos nesse rumo, ampliando o espaço da justiça negociada,

fulminaremos com a mais importante de todas as garantias: o direito a um

processopenaljusto.

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Capítulo4

Teoriasacercadanaturezajurídicadoprocesso(penal)

4.1.Introdução:asváriasteorias

Questãomuitorelevanteécompreenderanaturezajurídicadoprocessopenal,

oqueelerepresentaeconstitui.Trata-sedeabordaradeterminaçãodosvínculos

queunemossujeitos(juiz,acusadoreréu),bemcomoanaturezajurídicadetais

vínculosedaestruturacomoumtodo.

Analisando a história do processo, Pedro Aragoneses Alonso259 divide as

diferentesteoriasemtrêsgrandesgrupos,asaber:

1.Teoriasqueutilizamcategoriasdeoutrosramosdodireito

1.1.Teoriasdedireitoprivado

1.1.1.Processocomocontrato

1.1.2.Processocomoquasecontrato

1.1.3.Processocomoacordo

1.2.Teoriasdedireitopúblico

1.2.1.Processocomorelaçãojurídica(Bülow)

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1.2.2.Processocomoserviçopúblico(JèzeeDuguit)

1.2.3.Processocomoinstituição(Guasp)

2.Teoriasqueutilizamcategoriasjurídicaspróprias

2.1.Processocomoestadodeligação(Kisch)

2.2.Processocomosituaçãojurídica(Goldschmidt)

3.Teoriasmistas260

3.1.Teoriadavontadevinculatóriaautárquicadalei(Podetti)

3.2.Processocomorelaçãoquesedesenvolveemsituações(Alsina)

3.3.Processocomoentidadejurídicacomplexa(Foschini)

Asteoriasdedireitoprivado(contrato,quasecontratoeacordo)foramsendo

completamenteabandonadasatéofinaldoséculoXIX,quandooprocesso(civile

penal) deixa de ser considerado um mero apêndice do direito privado para

adquirirsuaautonomia.Naesferapenal,influênciadecisivaparaoabandonodas

teorias privadas foi o fato de a pena passar ao estágio depena pública, como

explicadoanteriormente,exigindoqueaAdministraçãodaJustiçafosseexercida

pelo Estado, pois ele passou a deter o poder de punir com o abandono e a

proibiçãodavingançaprivada.

Dentre as teorias de direito público, foi a noção de processo como relação

jurídicadeOskarvonBülowaqueteve(etem)maioraceitação,atéosdiasde

hoje.Asdemais,processocomoserviçopúblico(JèzeeDuguit)eprocessocomo

instituição (Guasp), tiveram pouca aceitação e apenas contribuíram para

enriquecer a discussão e a evolução do processo,mas não foramadotadas.Da

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mesmaformaosestudosdeKisch,Podetti,AlsinaeFoschini.

Foi,semdúvidaalguma,JamesGoldschmidtomaioreúnicoopositoràaltura

da tesedeBülow,comsua teoriadoprocessocomosituação jurídica.Maisdo

que estruturar uma nova leitura da complexa fenomenologia do processo,

Goldschmidt mostra os graves equívocos e a insustentabilidade da noção de

processocomorelaçãojurídica.

Assim,considerandooslimitesdopresentetrabalho,centrar-nos-emosnessas

duasteorias.

4.2.Processocomorelaçãojurídica:acontribuiçãodeBülow

AobradeBülowLateoríadelasexcepcionesdilatóriasylospresupuestos

procesales,publicadaem1868261,foiummarcodefinitivoparaoprocesso,pois

estabeleceu o rompimento do direito material com o direito processual e a

consequenteindependênciadasrelaçõesjurídicasqueseestabelecemnessasduas

dimensões.Éodefinitivosepultamentodasexplicaçõesprivativistasemtornodo

processo.

Ateoriadoprocessocomoumarelaçãojurídicaéomarcomaisrelevantepara

oestudodoconceitodepartes,principalmenteporquerepresentouumaevolução

deconteúdodemocrático-liberaldoprocesso,emummomentoemqueoprocesso

penal eravistocomoumasimples intervençãoestatal comfinsde“desinfecção

social”ou“defesasocial”262.

Como aponta Chiovenda, “la sencillísima pero fundamental idea notada por

Hegel,afirmadaporBethmann-HollwegydesenvueltaprincipalmenteporBülow

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ymástardeporKohleryporotrosmuchos,inclusoenItalia: 263elprocesocivil

contieneunarelación jurídica”264, criouumnovomarconadoutrinaprocessual

civiletambémnoprocessopenal.

Na realidade, não se pode afirmar que Bülow criou a teoria da relação

jurídica, pois, como aponta Alonso265, o tema já havia sido aludido por

Bethmann-Hollweganteriormente.Ademais, existemantecedenteshistóricosnos

juristas italianosmedievais,comoBúlgaro266,que,aoafirmarque judicium est

actus triumpersonarum, judicis, actoris, rei, contemplava no processo as três

partes:ojuizquejulgue,oautorquedemandeeoréuquesedefenda.Contudo,

foi ele quem racionalizou a teoria e, principalmente, a desenvolveu

sistematicamentefrenteaoprocesso.

Apartirdaí,não sóoprocesso sedesenvolvecomo instituição, senãoquea

“ação” (processual) passa a adquirir uma nova dimensão, que conduz a

importantes estudos e evolução científica e dogmática de conceitos. Couture

apontaque,paraaciênciadoprocesso,aseparaçãoentredireitoeaçãoconstituiu

umfenômenoanálogoaoquerepresentouparaafísicaadivisãodoátomo.

ParaBülow, o processo é uma relação jurídica, de natureza pública, que se

estabeleceentreaspartes(MPeréu)eojuiz,dandoorigemaumareciprocidade

dedireitoseobrigaçõesprocessuais.Suanaturezapúblicadecorredofatodeo

vínculo se dar entre as partes e o órgão público da Administração de Justiça,

numaatividadeessencialmentepública.Nessesentido,oprocessoéumarelação

jurídica de direito público, autônoma e independente da relação jurídica de

direitomaterial.

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No processo penal, representou um avanço no tratamento do imputado, que

deixadeservistocomoummeroobjetodoprocesso,parasertratadocomoum

verdadeirosujeito,comdireitossubjetivosprópriose,principalmente,quepode

exigir que o juiz efetivamente preste a tutela jurisdicional solicitada (como

garantidordaeficáciadosistemadegarantiasprevistonaConstituição).

Segundo Bülow 267, o processo é um conjunto de direitos e obrigações

recíprocos,istoé,umarelaçãojurídica.Talrelaçãoépública,poisosdireitose

asobrigaçõesprocessuaissedãoentreosfuncionáriosdoEstadoeoscidadãos,

desdeomomentoemquesetratanoprocessodafunçãodosagentespúblicos.É,

ainda,umarelaçãocontínua,poisavançagradualmenteesedesenvolvepassoa

passo,numasequênciadeatoslogicamenteconcatenados.

Desenvolve-se,ainda,demodoprogressivo,entreotribunaleaspartes.Para

isso,énecessário saberentrequepessoaspodeseestabelecer, aqueobjeto se

refere,queatooufatoénecessárioparaseunascimentoequemécapazouestá

facultadopararealizartalato.ParaBülow,oselementosconstitutivosdarelação

jurídico-processual são: pessoas, matéria, atos e momento em que se

desenvolvem.

Assim chegamos a outra preciosa contribuição do autor para a ciência do

processo: a teoria dos pressupostos processuais268, que surge basicamente da

distinção entre a relação jurídica de direito material e a relação jurídico-

processualeprocuradefinirquaissãoospressupostosdevalidadeeexistência

doprocesso.

Combasenospressupostosprocessuais,foipossívelcompreenderaexistência

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do processo e, entre outras coisas, desenvolver uma teoria sobre as nulidades

processuaiscomfundamentomaisadequado.

Essarelaçãojurídico-processualétriangular,comoexplicaWach269(seguindo

aBülow),edadasuanaturezacomplexaseestabeleceentreasparteseentreas

parteseojuiz,dandoorigemaumareciprocidadededireitoseobrigações.Negar

issoéomesmoquevoltaràideiadeumEstadototalitário,emquenãoexisteo

binômiopoder-deverjurisdicional.Oprocessoéumaviademãodupla,emque

as partes têm direito à tutela jurisdicional, e o juiz, o dever de conduzir o

processoatéalcançarasentença.

Quandoverificamosqueexisteumarelaçãodedireitosedeveres recíprocos

entre acusador e acusado (como ocorre em relação aos direitos fundamentais),

não sepodenegarqueexistaumaverdadeira relação jurídica (complexa) entre

eles.Graficamente,ateoriapodeserrepresentadadaseguinteforma:

PartindodosfundamentosapontadosporBülow,aperfeiçoadosporWach270e

posteriormente por Chiovenda, pode-se afirmar que o processo penal é uma

relaçãojurídicapública,autônomaecomplexa,poisexistem,entreastrêspartes,

verdadeiros direitos e obrigações recíprocos. Somente assim estaremos

admitindo que o acusado não é ummero objeto do processo, tampouco que o

processoéumsimplesinstrumentoparaaaplicaçãodojuspuniendiestatal.

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O acusado é parte integrante do processo, em igualdade de armas com a

acusação (seja ela estatal ou não), e, como tal, possuidor de um conjunto de

direitossubjetivosdotadosdeeficáciaemrelaçãoaojuizeàacusação.

MesmoentreosseguidoresdeBülow,nãoexisteacordoentrequemestabelece

a relação processual. Para alguns, estabelece-se entre as partes e o juiz

(Hellwig); paraoutros, somente entre aspartes (Kohler); e, finalmente, existem

aqueles que concebem a relação como triangular (Wach). Na Itália, a base da

teoria da relação jurídica foi adotada, entre outros, por Carnelutti 271,

Chiovenda272,BettioleRocco.

A teoria do processo como relação jurídica recebeu críticas, tanto na sua

aplicaçãoparaoprocessocivilcomotambémparaoprocessopenal,mas,emque

pesesuainsuficiênciaeinadequação,acabousendoadotadapelamaiorparteda

doutrinaprocessualista.

Acríticamaiscontundenteeprofundaveio,semdúvida,deGoldschmidt,por

suatesedequeoprocessoéumasituaçãojurídica,comoseveránacontinuação.

4.3.Processocomosituaçãojurídica(ouasuperaçãodeBülowporJamesGoldschmidt)

Anoçãodeprocessocomorelaçãojurídica,estruturadanaobradeBülow 273,

foi fundante de equivocadas noções de segurança e igualdade que brotaram da

chamada relação de direitos e deveres estabelecida entre as partes e entre as

parteseojuiz.Oerrofoiodecrerquenoprocessopenalhouvesseumaefetiva

relaçãojurídica,comumautênticoprocessodepartes.

Comcerteza,foimuitosedutoraatesedequenoprocessohaveriaumsujeito

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queexercitavaneledireitos subjetivose,principalmente,quepoderia exigirdo

juiz que efetivamente prestasse a tutela jurisdicional solicitada sob a forma de

resistência (defesa). Apaixonante, ainda, a ideia de que existiria uma relação

jurídica,obrigatória,dojuizcomrelaçãoàspartes,queteriamodireitodelograr

pormeiodoatofinalumverdadeiroclimadelegalidadeerestabelecimentoda

“pazsocial”.

Foi James Goldschmidt e sua Teoria do processo como situação jurídica,

tratada na sua célebre obra Prozess als Rechtslage, publicada em Berlim em

1925eposteriormentedifundidaemdiversosoutrostrabalhosdoautor 274,quem

melhorevidenciouasfalhasdaconstruçãodeBülow,mas,principalmente,quem

formulouamelhorteoriaparaexplicarejustificaracomplexafenomenologiado

processo.

Parao autor, o processo é visto comoumconjuntode situaçõesprocessuais

pelasquaisaspartesatravessam,caminham,emdireçãoaumasentençadefinitiva

favorável.Negaeleaexistênciadedireitoseobrigaçõesprocessuaiseconsidera

queospressupostosprocessuaisdeBülowsão,naverdade,pressupostosdeuma

sentençadefundo.

Goldschmidt ataca, primeiramente, os pressupostos da relação jurídica, em

seguidanegaaexistênciadedireitoseobrigaçõesprocessuais,ouseja,opróprio

conteúdo da relação, e, por fim, reputa definitivamente como estática ou

metafísica a doutrina vigente nos sistemas processuais contemporâneos. Nesse

sentido,ospressupostosprocessuaisnãorepresentampressupostosdoprocesso,

deixando, por sua vez, de condicionar o nascimento da relação jurídico-

processualparaserconcebidoscomopressupostosdadecisãosobreomérito.

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Interessa-nos,pois,acríticapeloviésdainérciaedafalsanoçãodesegurança

quetrazínsitaateoriadoprocessoenquantorelaçãojurídica.

Foi Goldschmidt quem evidenciou o caráter dinâmico do processo, ao

transformar a certeza própria do direitomaterial na incerteza característica da

atividadeprocessual.Nasíntesedoautor,duranteapaz,arelaçãodeumEstado

comseusterritóriosdesúditoséestática,constituiumimpériointangível.

Semembargo,ensinaGoldschmidt,

quandoaguerraestoura,tudoseencontranapontadaespada;osdireitos

mais intangíveis se convertem em expectativas, possibilidades e

obrigações, e tododireitopode seaniquilar comoconsequênciadenão

ter aproveitado uma ocasião ou descuidado de uma obrigação; como,

pelocontrário,aguerrapodeproporcionaraovencedorodesfrutedeum

direitoquenãolhecorresponde 275.

Essadinâmicadoestadodeguerraéamelhorexplicaçãoparaofenômenodo

processo,quedeixadeladoaestáticaeasegurança(controle)darelaçãojurídica

para inserir-senamaiscompletaepistemologiada incerteza.Oprocessoéuma

complexa situação jurídica, na qual a sucessão de atos vai gerando situações

jurídicas,dasquaisbrotamaschances, que,bemaproveitadas,permitemquea

parte se liberte de cargas (probatórias) e caminhe em direção favorável. Não

aproveitandoaschances,nãoháaliberaçãodecargas,surgindoaperspectivade

umasentençadesfavorável.

Oprocesso,enquantosituação–emmovimento–,dáorigemaexpectativas,

perspectivas,chances,cargaseliberaçãodecargas.Doaproveitamentoounão

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dessaschances,surgemônusoubônus.

As expectativas de uma sentença favorável dependerão normalmente da

práticacomêxitodeumatoprocessualanteriorrealizadopelaparteinteressada

(liberaçãodecargas).Comoexplicaoautor 276,

se entiende por derechos procesales las expectativas, posibilidades y

liberaciones de una carga procesal. Existen paralelamente a los

derechosmateriales,esdecir,alosderechosfacultativos,potestativosy

permisivos [...].Las llamadasexpectativas sonesperanzasdeobtener

futurasventajasprocesales,sinnecesidaddeactoalgunopropio,yse

presentanraravezeneldesenvolvimientonormaldelproceso;pueden

servir de ejemplo de ellas la del demandado de que se desestime la

demanda que padezca de defectos procesales o no esté debidamente

fundada[...].

Aspossibilidadessurgemdeumachance,sãoconsideradas“lasituaciónque

permite obtener una ventaja procesal por la ejecución de un acto procesal”277.

Como esclarece Alonso278, a expectativa de uma vantagem processual e, em

últimaanálise,deumasentençafavorávelàdispensadeumacargaprocessual,ea

possibilidade de chegar a tal situação pela realização de um ato processual

constituemosdireitosemsentidoprocessualdapalavra.Naverdade,nãoseriam

direitos propriamente ditos, senão situações que poderiam denominar-se com a

palavrafrancesachances279.Diantedeumachance, a parte pode liberar-se de

uma carga processual e caminhar em direção a uma sentença favorável

(expectativa), ou não se liberar, e, com isso, aumentar a possibilidade de uma

sentençadesfavorável(perspectiva).

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Assim,semprequeaspartesestiverememsituaçãodeobter,pormeiodeum

ato,umavantagemprocessual e, emúltimaanálise,umasentença favorável têm

uma possibilidade ou chance processual. O produzir uma prova, refutar uma

alegação, juntar um documento no devido momento são típicos casos de

aproveitamentodechances.

Tampouco incumbem às partes obrigações, mas sim cargas processuais,

entendidascomoa realizaçãodeatoscoma finalidadedeprevenirumprejuízo

processual e, consequentemente, uma sentença desfavorável. Tais atos se

traduzem,essencialmente,naprovadesuasafirmações.

É importante recordar que, no processo penal, a carga da prova está

inteiramentenasmãosdo acusador, não sóporque a primeira afirmação é feita

porelenapeçaacusatória(denúnciaouqueixa),mas tambémporqueoréuestá

protegidopelapresunçãodeinocência.

Infelizmente, é comum nos deparamos com sentenças e acórdãos que fazem

uma absurda distribuição de cargas no processo penal, tratando a questão da

mesma forma que no processo civil. Não raras são as sentenças condenatórias

fundamentadasna“faltadeprovasda tesedefensiva”,comoseoréu tivessede

provarsuaversãodenegativadeautoriaoudapresençadeumaexcludente.

Éumerro.Nãoexisteuma“distribuição”, senãoqueacargaprobatóriaestá

inteiramentenasmãosdoMinistérioPúblico.

Oquepodemosconceber, indoalémdanoção inicialde situação jurídica, é

umaassunçãoderiscos.Significadizerqueàluzdaepistemologiadaincerteza

que marca a atividade processual e o fato de a sentença ser um ato de

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convencimento(comoexplicaremosaseu tempo),anãoproduçãodeelementos

de convicção para o julgamento favorável ao seu interesse faz com que o réu

acabepotencializandooriscodeumasentençadesfavorável.Nãoháumacarga

para a defesa,mas sim um risco. Logo, coexistem as noções de carga para o

acusadoreriscoparaadefesa.

Cargaéumconceitovinculadoànoçãodeunilateralidade,logo,nãopassível

dedistribuição,massimdeatribuição.Noprocessopenal,aatribuiçãodacarga

probatória está nas mãos do acusador, não havendo carga para a defesa e

tampouco possibilidade de o juiz auxiliar o MP a liberar-se dela (recusa ao

ativismojudicial).

Adefesaassumeriscospelaperdadeumachanceprobatória.Assim,quando

facultado ao réu fazer prova de determinado fato por ele alegado e não há o

aproveitamentodessa chance, assume a defesao risco inerente à perdadeuma

chance,logo,assunçãodoriscodeumasentençadesfavorável.Exemplotípicoé

oexercíciododireitodesilêncio,calcadononemotenetursedetegere.Nãogera

umprejuízoprocessual,poisnãoexisteumacarga.Contudo,potencializaorisco

deumasentençacondenatória.Issoéinegável.

Não há uma carga para a defesa exatamente porque não se lhe atribui um

prejuízoimediatoetampoucopossuiumdeverdeliberação.Aquestãodesloca-se

para a dimensão da assunção do risco pela perda de uma chance de obter a

capturapsíquicado juiz.Oréuquecalaassumeoriscodecorrentedaperdada

chancedeobteroconvencimentodojuizdaveracidadedesuatese.

Mas,voltandoàconcepçãogoldschmidtiana,aobrigaçãoprocessual(carga)é

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tidacomoumimperativodoprópriointeressedaparte,diantedaqualnãoháum

direitodoadversáriooudoEstado.Por issoéquenãose tratadeumdever.O

adversário não deseja outra coisa senão que a parte se desincumba de sua

obrigaçãodefundamentar,provaretc.Comefeito,háumarelaçãoestreitaentreas

obrigações processuais e as possibilidades (direitos processuais da mesma

parte),umavezque“cadapossibilidadeimpõeàparteaobrigaçãodeaproveitar

apossibilidadecomoobjetivodeprevenirsuaperda”280.

Aliberaçãodeumacargaprocessualpodedecorrertantodeumagirpositivo

(praticandoumatoquelheépossibilitado)comotambémdeumnãoatuar,sempre

queseencontreemumasituação“quelepermiteabstenersederealizaralgúnacto

procesalsintemordequelesobrevengaelperjuicioquesueleserinherenteatal

conducta” 281.

Já a perspectiva de uma sentença desfavorável dependerá sempre da não

realizaçãodeumatoprocessualemquealeiimponhaumprejuízo(pelainércia).

Ajustificativaencontra-senoprincípiodispositivo.Anãoliberaçãodeumacarga

(acusação) leva à perspectiva de um prejuízo processual, sobretudo de uma

sentença desfavorável, e depende sempre que o acusador não tenha se

desincumbidodesuacargaprocessual 282.

NasíntesedeAlonso283,

alserexpectativasoperspectivasdeun fallo judicial futuro,basadas

en las normas legales, representanmás bien situaciones jurídicas, lo

quequieredecir estadodeunapersonadesdeel puntode vistade la

sentenciajudicial,queseesperaconarregloalasnormasjurídicas.

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Assim, o processo deve ser entendido como o conjunto dessas situações

processuais e concebido “como um complexo de promessas e ameaças, cuja

realizaçãodependedaverificaçãoouomissãodeumatodaparte”284.

Outracategoriamuitoimportantenaestruturateóricadoautoréadederecho

justicialmaterial.Nessavisão,odireitopenaléumderechojusticialmaterial,

postoqueoEstadoadjudicouoexercíciodoseupoderdepuniràJustiça.Mas,

principalmente,asnormasqueintegramoderechojusticial sãomedidasparao

juízo do juiz, regras de julgamento e condução do processo, gerando para as

partesocaráterdepromessasoudeameaçasdedeterminadacondutadojuiz.Os

conceitosdepromessasoudeameaçasdevemservistosnumalógicade“ônus”e

“bônus”, logo, promessas de benefícios (sentença favorável etc.) diante de

determinada atuação ou, ainda, ameaças de prejuízos processuais pela não

liberaçãodeumacarga,porexemplo.

EssarápidaexposiçãodopensamentodeGoldschmidtserveparamostrarque

oprocesso–assimcomoaguerra–estáenvoltoporumanuvemdeincerteza.A

expectativa de uma sentença favorável ou a perspectiva de uma sentença

desfavorávelestásemprependentedoaproveitamentodaschanceseliberaçãoda

carga.Emnenhummomentotem-seacertezadequeasentençaseráprocedente.A

acusaçãoeadefesapodemserverdadeirasounão;umatestemunhapodeounão

dizeraverdade,assimcomoadecisãopodeseracertadaounão(justaouinjusta),

oqueevidenciasobremaneiraorisconoprocesso.

Omundodoprocessoéomundodainstabilidade,demodoquenãoháquese

falaremjuízosdesegurança,certezaeestabilidadequandoseestátratandocomo

mundodarealidade,oqualpossuiriscosquelhesãoinerentes.

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Éevidentequenãoexistecerteza(segurança),nemmesmoapósotrânsitoem

julgado,poisacoisajulgadaéumaconstruçãotécnicadodireito,quenemsempre

encontra abrigo na realidade, algo assim como a matemática, na visão de

Einstein285. É necessário destacar que o direitomaterial é ummundo de entes

irreais,umavezqueéconstruídoà semelhançadamatemáticapura,enquantoo

mundodoprocesso,comoanteriormentemencionado,identifica-secomomundo

dasrealidades(concretização),peloqualháumenfrentamentodaordemjudicial

comaordemlegal.

A dinâmica do processo transforma a certeza própria do direitomaterial na

incerteza característica da atividade processual. Para Goldschmidt286, “a

incertezaéconsubstancialàsrelaçõesprocessuais,postoqueasentençajudicial

nunca se pode prever com segurança”. A incerteza processual justifica-se na

medida emque coexiste em iguais condições apossibilidadedeo juizproferir

umasentençajustaouinjusta.

Não se pode supor o direito como existente (enfoque material), mas sim

comprovarseodireitoexisteounãonofimdoprocesso.Justamentepor issoé

queseafirmaqueoprocessoéincerto,inseguro.

Avisãodoprocessocomoguerraevidenciaarealidadedequevence(alcança

a sentença favorável) aqueleque lutarmelhor,quemelhor souber aproveitar as

chancesparalibertar-sedecargasprocessuaisoudiminuirosriscos.Entretanto,

nãohácomoprever comsegurançaadecisãodo juiz.Eesse éopontocrucial

aondequeríamoschegar:demonstrarqueaincertezaécaracterísticadoprocesso,

considerandoqueoseuâmbitodeatuaçãoéarealidade.

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4.3.1.QuandoCalamandreideixadeserocríticoerendehomenagensaunmaestrodiliberalismoprocessuale.Oriscodeveserassumido:alutapelasregrasdojogo

É importante destacar que Goldschmidt sofreu duras e injustas críticas, até

porquemuitosnãocompreenderamoalcancedesuaobra.Partedosataquesdeve

ser atribuída ao momento político vivido e à ilusão de “direitos” que Bülow

acenava, contrastando com a dura realidade espelhada por Goldschmidt, que

chegouaserrotuladodeteóricodonazismo.Umaimensainjustiça,repetidaaté

nossos dias por pessoas que conhecem pouco a obra do autor e desconhecem

completamenteoautordaobra(comoveremosàcontinuação).

Inclusive, é interessante como a história demonstrou que as três principais

críticas (estamos sintetizando, é claro) 287 feitas a essa concepção acabaram se

transformandoemdemonstraçõesdeacertoedagenialidadedoautor.

Vejamosascríticas,principalmentedeCalamandrei:

a)Adequeateoriadasituaçãojurídicaestavaestruturadaemcategoriasde

carátersociológico (expectativas,perspectivas, chancesetc.).Goldschmidt

refutou, apontando que o direito civil sempre trabalhou com o conceito de

expectativa de direito, conhecido e reconhecido hámuito tempo. E seguiu

mostrando que tais concepções eram “pouco sociológicas”. Há que se

compreender à luz da racionalidade da época. Hoje, a discussão estaria

noutra dimensão, semmedo de assumir o caráter sociológico e demonstrar

suaabsolutanecessidade.E,assim,acríticaserevelouinfundada,namedida

em que, atualmente, a complexidade que marca as sociedades

contemporâneasevidenciouafalênciadomonólogocientífico,especialmente

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o jurídico.Ou seja, a complexidade social exige umolhar interdisciplinar,

quetranscendaascategoriasfechadas–comoastradicionalmenteconcebidas

no direito – para colocar os diferentes campos do saber para dialogar em

igualdade de condições e, assim, construir uma nova linguagem. Isto é,

Goldschmidt já percebia a insuficiência do monólogo jurídico e a

necessidade de uma abertura, dialogando com a sociologia para com ela

construirumanova linguagemquedessecontadacomplexa fenomenologia

doprocesso.Logo,umgrandeacerto,que,porseralémdoseutempo,nãofoi

compreendido.Hoje,atualíssimo.

b) A segunda crítica foi a de que ele estava “rompendo com a unidade

processual”.Calamandreiafirmouqueessaconcepçãonãoera“conveniente,

nemcientífica,nemdidaticamente”,equeavisãodoautorfaziacomqueo

processo parecesse não mais uma unidade (relação jurídica), mas uma

sucessão de situações distintas. Goldschmidt respondeu, afirmando que a

unidadedoprocesso“égarantidaporseuobjeto”equenarelaçãojurídicaa

unidade maior é só em aparência. É o objeto (a pretensão processual

acusatória, que explicaremos na continuação) que mantém a unidade, pois

tudo a ele converge. Toda a atividade processual recai sobre um objeto

comum, fazendo comque, para nós, a unidade sejamantida por imantação.

Maisdoqueisso,recorremosnovamenteaoconceitodecomplexidadepara

demonstrarqueatal“unidadeprocessual”remontaumpensamentocartesiano

quenãocompreendeaaberturaeumadosedesuperaçãodobinômioaberto-

fechado.Logo,novoacertopelasuperaçãodosistemasimpleseunitário.

c)Porfim,foicriticadoporterumaconcepção“anormaloupatológica”do

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processo. Ora, esse foi, sem dúvida, omaior acerto do autor (ao lado da

dinâmica da situação jurídica).Ele, já em1925, incorporou no processo a

epistemologia da incerteza, influenciado, quem sabe 288, pelos estudos de

Einsteinemtornodarelatividade(1905e1916)edaquântica.Infelizmente

aindaestáporserescritoumtrabalhoqueinvestigueainfluênciaeinsteiniana

nosgrandesjuristasdaépoca...MasGoldschmidtestavacerto,tãocertoque

Calamandrei retifica sua posição – e críticas – para assumir a noção de

processo como jogo. O que o jurista alemão estava desvelando é que a

incertezaéconstitutivadoprocessoenuncasepodeprevercomsegurançaa

sentençajudicial.Alguémduvidadisso?Elementarquenão.Comoassumiu,

anosmaistarde,Calamandrei,paraobter-sejustiçanãobastaterrazão,senão

que é necessário fazê-la valer no processo, utilizando todas as armas,

manobrasetécnicas(obviamentelícitaseéticas)paraisso.

Assim, no plano jurídico-processual, Calamandrei foi um opositor à altura.

Inclusive, as três críticas anteriormente analisadas foram pontos focados no

sugestivo artigo “El proceso como situación jurídica”, de onde outros tantos

aderiram.

Contudo,apósascríticasiniciais,todasrefutadas,Calamandreiperfilou-seao

lado de Goldschmidt no célebre trabalho “Il processo come giuoco”289.

Posteriormente, escreveu “Un maestro di liberalismo processuale”290 em sua

homenagem. Podem até dizer que não se tratava de uma plena concordância, é

verdade, mas sim de uma radical mudança: de crítico visceral a pequenas

divergências periféricas, com as homenagens pelo reconhecimento do acerto

substancial.

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Nasuavisãodoprocessocomoum jogo,Calamandreiexplicaqueaspartes

devem, em primeiro lugar, conhecer as regras do jogo. Logo, devem observar

como funcionam na prática, eis que a atividade processual trabalha com a

realidade. Além disso, é preciso “experimentar como se entendem e como as

respeitamoshomensquedevemobservá-las,contraqueresistênciascorremrisco

de se enfrentar, e com que reações ou com que tentativas de ilusão têm que

contar”291.Entretanto, para seobter justiça, nãobasta tão somente ter razão.O

triunfo do processo depende, outrossim, de “sabê-la expor, encontrar quem a

entenda,eaqueiradar,e,porúltimo,umdevedorquepossapagar”292.

Nesse jogo, o sujeito processual ou o “ator”, como denomina o próprio

Calamandrei,movimenta-seafimdeobterumasentençaqueacolhaseudireito,

muitoemboraoresultado(procedência)nãodependaunicamentedesuademanda,

considerando que nesse contexto insere-se a figura do juiz. Assim, o

reconhecimentododireitodo“ator”dependenecessariamentedabuscaconstante

da convicção do julgador, fazendo-o entender a demanda. Ou nas palavras de

Calamandrei 293:

O êxito depende, por conseguinte, da interferência destas psicologias

individuais e da força de convicção com que as razões feitas pelo

demandante consigam fazer suscitar ressonâncias e simpatias na

consciênciadojulgador.

Contudo,oárbitro(juiz)nãoélivreparadarrazãoaquemlhedêvontade,pois

seencontraatreladoàpequenahistória retratadapelaprovacontidanos autos.

Logo, está obrigado a dar razão àquele quemelhor consiga, pela utilização de

meios técnicos apropriados, convencê-lo. Por conseguinte, as habilidades

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técnicas são cruciais para fazer valer o direito, considerando sempre o risco

inerente à atividade processual: “Afortunada coincidência é a que se verifica

quando entre dois litigantes o mais justo seja também o mais habilidoso”.

Entretanto,quandonãohátalcoincidência,“oprocesso,deinstrumentodejustiça,

criado para dar razão aomais justo, passe a ser um instrumento de habilidade

técnica,criadoparadarvitóriaaomaisastuto”294.

A sentença – na visão de Calamandrei – deriva da soma de esforços

contrastantes,ouseja,dasaçõesedasomissões,dasastúciasoudosdescuidos,

dos movimentos acertados e das equivocações, considerando que o processo,

nesseínterim,“vemasernadamaisqueumjogonoqualháquevencer”295.

Elementarqueafirmaçõesassim,lidasapressadamenteedeformasuperficial,

podem causar algum choque. Mas, destaque-se, não estamos “criando” nada e

tampoucosetratadequestõesnovas.

Sepudéssemossintetizar(advertindosobreoriscoeodanodasíntese)osdois

pontos mais importantes do pensamento de Goldschmidt para o processo,

destacaríamos:

1. O conceito aplicado de fluidez, movimento, dinâmica no processo, que

incorporaaconcepçãodesituaçõesjurídicascomplexas.Essaalternânciade

movimentos, inerenteaoprocesso,éumgenialcontrasteeevoluçãoquando

comparadocomainérciadarelaçãojurídica.Foielequemmelhorpercebeu

eexplicou,pormeiodasua teoria,aessênciadoprocedere que imprimea

marcadoprocessojudicial.

2.Oabandonodaequivocadae (perigosamente) sedutora ideiade segurança

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jurídicaquebrotadaconstruçãodoprocessocomorelaçãojurídicaestática,

comdireitosedeveres“claramenteestabelecidos”entreasparteseojuiz.É

um erro, pois o processo se move num mundo de incerteza. Mais, é uma

noçãode segurança construída erroneamente apartir da concepção estática

do processo. Não que se negue a necessidade de “segurança”, mas ela

somente é possível quando corretamente percebido e compreendido o

próprio risco.Segurançasedesenhaapartirdo riscoe,principalmente,do

risco que brota da própria incerteza do movimento e da dinâmica do

processo.Ésegurançanaincertezaenomovimento.Logo,oquenossobraé

lutarpelaforma,ouseja,umconceitodesegurançaqueseestabeleçaapartir

do respeito às regras do jogo. Essa é a segurança que se deve postular e

construir.Detalheimportante:obviamentenãofoiGoldschmidtquem“criou”

a insegurança e a incerteza 296,mas sim quem as desvelou. Elas lá sempre

estiveram 297, pois são inerentes ao processo e à justiça. Houve sim um

encobrimentona teoriadeBülowda incertezaapartirde todoumcontexto

históricoprocessualesocial.Eraumavisãomuitosedutora,principalmente

naquelemomentohistórico.Masa razãoestácomGoldschmidt:oprocesso

se move no mundo de incerteza, onde as chances devem ser aproveitadas

paraqueaspartespossamseliberardas“cargasprobatórias”ecaminharem

direçãoaumasentença favorável.Aúnica segurançaquesepostulaéada

estrita observância das regras do jogo – a forma como garantia – e,mais,

anterioraela,noconteúdoaxiológicodaprópriaregra.

O maior mérito do autor, infelizmente ainda a ser reconhecido, foi ter

evidenciadoofracassodaunidadeepistemológicadodireito(processual),com

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ainserçãodecategoriassociológicas(expectativas,perspectivas,chances);a

epistemologia da incerteza (e a imprevisibilidade do processo); a noção de

fluidez,dinâmicaemovimento;eterdenunciadoofracassodateoriageraldo

processo (o erro da transmissão mecânica de categorias). Por fim, ao

incorporar o risco (muito antes de Beck, Giddens e todos os sociólogos do

risco!), evidencia a falácia da noção tradicional de “segurança jurídica”

fomentadapelainérciadarelaçãojurídicadeBülow.

É interessante como a tradição resiste ao novo, principalmente quando é

desorganizadorda ilusória tranquilidadedostatusquo.Secompararmoscoma

receptividade (até nossos dias) da concepção de Bülow, veremos que foi

quantitativamente bem superior do que a aceitação da revolucionária tese de

Goldschmidt.Possivelmente,entreoutrosfatores,porquefoipoucocompreendida

suacomplexanoçãodeprocesso.

Contudo,comomuitobemdefineJoséVicenteGimenoSendra298,acríticaque

realizou Goldschmidt à relação jurídica processual foi tão sólida que seus

defensoresatuaisforamobrigadosaadotarumadessastrêsposições:

1. Pretender defender a conciliação da teoria da relação jurídica com a da

situaçãojurídica 299.

2. Estender o conceito de relação jurídica a limites inimagináveis e

insustentáveis, como são as tentativas de dar-lhe dinamicidade, fluidez e

complexidade.

3. Esvaziar o conteúdo da relação jurídica, substituindo os “direitos e

obrigaçõesprocessuais”pelascategoriasgoldschmidtianasdepossibilidades

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e cargas (e, às vezes, até de expectativas, chancesprocessuais etc.), o que

significaesvaziarcompletamenteonúcleofundantedatesedeBülow.

Em todos os casos, deve-se termuita atenção, pois estamos diante de um

autoreposiçõesteóricasque,paratentarsalvararelaçãojurídica,nãofazem

maisquematá-la.Tudoparamanteratradiçãoepseudossegurançadeconceitos,

ou,ainda,porforçadaleidomenoresforço.

É chegada (ou já passada...) a hora de compreender e assumir a incerteza

característica do processo.A balança oscila, tanto pende igualmente para um

ladocomoparaoutro.Estálançadaasorte.Se,retomandoEinstein,atéDeusjoga

dados com o universo, seriamuita arrogância (senão alienação) pensar que no

processo seria diferente... Seria como dizer: a concepção de universo, em

constante mutação, incorpora como elemento fundamental o princípio da

incerteza,masissosóseaplicaaouniverso,nãoaodireitoprocessual...

Sabe-sequeEinsteinfalhou300 aonãoconsideraroprincípioda incertezana

Teoria da Relatividade Geral, pois o universo pode ser imaginado como um

gigantescocassino301,comdadossendolançadoseroletasgirandoportodosos

ladoseemtodososmomentos.Odetalhefundamentaléqueosdonosdecassinos

nãoabremasportasparaperderdinheiro,pois eles sabemque,quando se lida

com um grande número de apostas, a média dos ganhos e perdas atinge um

resultado que pode ser previsto. E eles se certificam de que a média das

vantagensestejaafavordeles,obviamente.

O crucial é que, se amédia de um grande número demovimentos pode ser

prevista,oresultadodequalquerapostaindividualnão!Esseéoponto.

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Logo,noprocesso,asituaçãoéigual.Namédia,pode-seafirmarqueajustiça

eoacertodosresultadosestãopresentes.Ouseja,comoexistemmuitosmilhares

de lançamentos de dados diariamente (distribuição, tramitação e julgamento),

pode-sepreverqueamédiaserádeacertodasdecisões(senãoajustiça,comoos

donos de cassino, não teria funcionado por tantos séculos!), mas o resultado

concreto de um determinado processo (aposta individual na roleta) é

completamente incerto e imprevisível. Essa é uma equação que precisa ser

compreendida,principalmentepelosingênuosapostadores...

Somente a partir da compreensão dessas categorias podemos construir um

sistemadegarantias(semnegarorisco)paraoréunoprocessopenal,deixando

deladoasilusõesdesegurançae,principalmente,abandonandoaingênuacrença

na“bondadedosbons”302. Essa crença infantil de que o processo e o juiz são

capazes de revelar a verdade, e que a justiça (para quem?) será efetivamente

feita, impede a percepção do que está realmente por detrás daquele ritual (il

giuoco!). Mas o mais grave: impede que se duvide da bondade (do juiz, do

promotoredopróprioritual)equesequestioneapróprialegitimidadedopoder.

Tanto no jogo comona guerra, importam a estratégia e o bommanuseio das

armasdisponíveis.Mas,acimadetudo,sãoatividadesdealtorisco,envoltasna

nuvem de incerteza. Não há como prever com segurança quem sairá vitorioso.

Assim deve ser visto o processo, uma situação jurídica dinâmica inserida na

lógicadoriscoedogiuoco.Reinaamaisabsoluta incertezaatéo final.A luta

passa a ser pelo respeito às regras do devido processo e, obviamente, antes

disso,porregrasquerealmenteestejamconformeosvaloresconstitucionais.

Aassunçãodesses fatoresé fundamentalparacompreendera importânciado

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estritocumprimentodasregrasdojogo,ouseja,dasregrasdodueprocessoflaw.

Trata-sedelutarporumsistemadegarantiasmínimas.Nãoéquererresgatar

ailusãodesegurança,massimassumirosriscosedefinirumapautamínimade

garantias formais das quais não podemos abrirmão. Trata-se de reconstruir a

noçãodesegurança(garantia)apartirdaassunçãodorisco,ouseja,perceberque

agarantiasomenteseconstituiapartirdaassunçãodafaltade.

Épartirdapremissadequeagarantiaestánaformadoinstrumentojurídicoe

que,noprocessopenal,adquirecontornosdelimitaçãoaopoderpunitivoestatal

e emancipador do débil submetido ao processo. Não se trata de mero apego

incondicional à forma, senão de considerá-la uma garantia do cidadão e fator

legitimantedapenaaofinalaplicada.

Mas–éimportantedestacar–nãobastaapenasdefinirasregrasdojogo.Não

é qualquer regra que nos serve, pois, como sintetiza Jacinto Coutinho303,

devemos ir para além delas (regras do jogo), definindo contra quem se está

jogandoequaloconteúdoéticoeaxiológicodoprópriojogo.

Nossaanálisesitua-senessedesvelardoconteúdoéticoeaxiológicodojogoe

desuasregras,indomuitoalémdomero(paleo)positivismo.

Em definitivo, é importante compreender que repressão e garantias

processuaisnãoseexcluem,senãoquecoexistem.Radicalismosàparte,devemos

incluirnessatemáticaanoçãodesimultaneidade,emqueosistemapenal tenha

poderpersecutório-punitivoe, aomesmo tempo, esteja limitadoporumaesfera

degarantiasprocessuais (e individuais).Mesmasimultaneidadenecessáriapara

pensar-seagarantiaprocessualsemnegarorisco.Coexistênciaesimultaneidade

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de conceitos são imperativos da complexidade que nos conduzem, inclusive, a

trabalharnoentrelugar,noentreconceito.

Considerando que risco, violência e insegurança sempre existirão, é sempre

melhorriscocomgarantiasprocessuaisdoqueriscocomautoritarismo.

A segurança jurídica só pode ser concebida a partir da assunção da

insegurança,doriscoedaimprevisibilidade.Nãoseconstróiumconceitoque

dêconta–aindaqueminimamente,poisaplenitudeéideal–semaconsciência

dasua“falta”,poisa“falta”éconstitutiva.Logo,segurançajurídicaseconstróia

partirdaassunçãodainsegurança,dodesvelamentodoriscoedaincerteza(sem

deixardeladoasubjetividade,queosrecepcionaeporeleséconstituído).

Emúltimaanálise,pensamosdesdeumaperspectivadereduçãodedanos,na

qualosprincípiosconstitucionaisnão significam“proteção total” (atéporquea

falta,ensinaLacan,éconstitutivaesempreláestará),sobpenadeincidirmosna

errônea crençana tradicional segurança.Trata-se, assim, de reduzir os espaços

autoritáriosediminuirodanodecorrentedoexercício(abusivoounão)dopoder.

Umaverdadeirapolíticaprocessualdereduçãodedanos,pois,repita-se,odano,

comoafalta,sempreláestará.

Para que isso seja possível, é preciso abandonar a ilusão de segurança da

teoria do processo como relação jurídica para assumi-lo na sua complexa e

dinâmicasituaçãojurídica,desvelandosuasincertezaseperigos.

4.3.2.Paracompreendera“obradoautor”éfundamentalconhecero“autordaobra”:JamesGoldschmidt

ComoexplicaAlflendaSilva304,Goldschmidt,comoafirmadoporEberhard

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Schmidt,teve“oméritoimperecíveldetersubmetidoo‘pensamentoprocessual’

a uma ‘crítica’ e de ter desenvolvido rigorosamente a heterogeneidade

fundamentaldomododecontemplarmaterialeprocessualmenteodireito”305.Em

virtudede sua perspicácia invulgar e originalidadede suas ideias, chegou-se a

afirmarqueGoldschmidt tinhaa“raracapacidadedeadentrarnamaisprofunda

das profundezas”306. Em um artigo escrito em memória aos dez anos de seu

falecimento, em 1950, Ernst Heinitz qualificou-o “como professor de grande

vitalidade e temperamento, como homem de humor e, em certo sentido,

representante típico dos cientistas do estilo antigo”307. Considerado pelos

nazistas, primeiramente, como um “embaixador e divulgador da cultura

alemã”308,apósaascensãodopartidoaopoder,noentanto,restouporsetornar

mais uma vítima do nacional-socialismo. O presente trecho apresenta uma

homenageminmemoriamaestegrandejurista.

Oriundo de família judaica, James Paul Goldschmidt nasceu em 17 de

dezembrode1874,nacidadedeBerlim,Alemanha.Seupai,RobertGoldschmidt,

erabanqueiroeseuirmão,HansWalterGoldschmidt,foiprofessordaFaculdade

deDireitodaUniversidadedeKöln.Comseisanosdeidade,JamesGoldschmidt

ingressou na escola francesa (Französisches Gymnasium) em Berlim309. A

frequência à escola francesa, que encerrou em 1892 com a realização do

vestibular,capacitou-oaredigir,emperíodoposteriordesuavida,umapartede

seus trabalhos em francês, italiano e espanhol, posto que ali lhe haviam sido

proporcionadosconhecimentosemtaisidiomas.Ejustamenteemrazãodisso,ele

permaneceu um período de sua vida estreitamente vinculado com a cultura

francesa.

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Naviradade1892para1893,GoldschmidtcomeçouseusestudosdeDireito

naRuprecht-KarlUniversidadedeHeidelbergeumanomais tardesetransferiu

para aFriedrich-WilhelmUniversidadedeBerlim.Nas cátedrasdeRudolfvon

GneistedeJosefKohler,Goldschmidtaprendeudireitopenal,processopenale

processocivil(matériasestasque,maistarde,elemesmotambémlecionou).Na

cátedra de Hugo Preuß, o redator da Constituição do Império de Weimar,

Goldschmidtestudoudireitodoestado.Em1895,concluiuseusestudoserealizou

o primeiro exame estadual em direito (ersten juristichen Staatsexamen) e em

dezembrodaquelemesmoanoapresentousuatesedoutoralintituladaAteoriada

tentativa perfeita e imperfeita (Lehre vom unbeendigten und beendigten

Versuch).

Até a realização do seu segundo exame estadual em direito (zweiten

juristichenStaatsexamen),noanode1900,Goldschmidtatuoucomoestagiário

doServiçoJudiciárioprussianoe,apósisso,trabalhoucomoassessornoServiço

Judiciário e preparou sua tese de habilitação, concluída em junho de 1901.

Naquelemesmoano,eleapresentoua tesedehabilitaçãoàcátedra,emBerlim,

intitulada A teoria do direito penal administrativo (Die Lehre vom

Verwaltungsstrafrecht),aqualfoidesenvolvidasoborientaçãodeJosefKohlere

FranzvonLiszt310.Apósahabilitação,Goldschmidt–alémdesuaatividadede

assessor–começouaproferir,naqualidadededocenteprivado,suasprimeiras

palestras na Universidade de Berlim, além de desenvolver muitas atividades

científicaseelaborardiversostrabalhoscientíficos311.

Em 1906, Goldschmidt casou-se com Margarete Lange, de cujo casamento

nasceramquatrofilhos:Werner(1910-1987),Robert(1907-1965),Victor(1914-

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1981)eAda(1919-?).WernereRobert,assimcomoopai,foramprofessoresde

direito,sendoqueoprimeiroatuouemdiferentesuniversidadesdeBuenosAires

eosegundoatuoueminúmerasuniversidadesnaAméricaLatina,particularmente

emCórdoba (Argentina) e naVenezuela.O filhomais novo,Victor, estudou na

França, onde, como professor, lecionou Filosofia e História em diversas

universidades.SobreodestinodafilhaAda,nãosetemconhecimento.

Apósseteanosdeatividadecomodocenteprivado,em23deagostode1908,

Goldschmidt tornou-se oficialmente professor extraordinário e, em 1919,

professorordinárionaFaculdadedeDireitonaUniversidadedeBerlim312.

Na Primeira Guerra Mundial, Goldschmidt foi Presidente do Senado no

Tribunal Imperial de Arbitragem para questões econômicas

(Reichsschiedsgericht für Wirtschaftsfragen). Este Tribunal era mantido para

disputas havidas no setor econômico, assim como, por exemplo, para questões

relacionadasaocontroledocomércioexterioreabastecimentodeenergia.

Em1919,Goldschmidt recebeuumaCátedradeDireitoPenalno Institutode

Criminologia da Universidade de Berlim, o qual ele dirigiu com seu colega

EduardKohlrausch.Nomesmo ano, foi chamadopara atuar como colaborador,

juntoaoMinistériodaJustiçadoImpério,nareformaprocessualpenal 313, tendo

recebidooencargodeelaboraroProjetodeumnovoCódigodeProcessoPenal.

Antes mesmo da Primeira Guerra Mundial, ele apresentou o, até hoje

considerado,maismodernoProjetodeCódigodeProcessoPenal(Entwurfeiner

Strafprozessordnung). Em seu Projeto, Goldschmidt previu a consequente

efetivação do processo acusatório por meio da eliminação dos resquícios do

processoinquisitório.Alémdisso,oprojetopreviuapossibilidadederecursosa

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todasasinstânciaspenaiseaparticipaçãogeraldeleigosnaprimeirainstância,

noâmbitodoTribunaldoJúri(tendoemvista,aqui,seuvastoconhecimentodo

modeloprocessual francês).Goldschmidtprocurouvincularàprisãopreventiva

pressupostosmuitoespecíficosparaasuadecretação.Esteprojeto,queconsistiu

naprimeiratentativadereformapenalàépoca,foiapresentadopeloMinistroda

JustiçadoImpérioalemão,EugenSchiffer,noanode1919,aoSenadoImperial,e

ficou conhecido como o “Projeto Goldschmidt/Schiffer” (Entwurf

Goldschmidt/Schiffer).À época, oProjeto encontrou forte oposiçãonoSenado

Imperiale,consequentemente,nãofoiaprovado.Contudo,em1922,oMinistroda

Justiça do Império, Gustav Radbruch, apresentou o “Projeto de Lei para

ReorganizaçãodosTribunaisPenais” (Entwurf einesGesetzes zurNeuordnung

derStrafgerichte),oqualinspirou-sesubstancialmentenoprojetoelaboradopor

Goldschmidt,demonstrando,assim,oporquêdoprojetodeGoldschmidttersido

caracterizado como a “última tentativa de criação integral de um direito

processualpenalliberal-democrático”314.

Nos anos de 1920 a 1921, Goldschmidt, na qualidade deDecano, dirigiu a

FaculdadedeDireitodeBerlime,noanode1927,tornou-semembrodoServiço

OficialdeExameCientífico(WissenschaftlichenPrüfungsamtes).

Alémdesuavastaatividadecientífica,Goldschmidtministravaaté12horasde

palestrassemanais,queeramsempreminuciosamenteelaboradas.Seusalunoso

descreviam como um professor com antiga disciplina prussiana e um forte

sentimento de dever, porém sempre procurava ministrar suas aulas com bom

humor.

Apósaascensãodonacional-socialismoaopoder,Goldschmidtfoioprimeiro

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professordaFaculdadedeDireitodeBerlimimpedidodeprosseguirnaatividade

deensino.PormeiodeDecretodoMinistrodaCultura,de29deabrilde1933,

elefoioúnicomembrodaFaculdadedeDireito,juntoaoutros19daFaculdade

deMedicina e Filosofia, a ter imediatamente suspensas as suas atividades no

cargo. No mesmo dia, Goldschmidt requereu junto ao Ministério da Justiça a

revogaçãodamedida,aqual,noentanto, foinegada, soboargumentodequeo

MinistériodaJustiçahaviadeterminadoquenãoarianosnãopoderiamlecionar

nascátedrasdedireitopenalededireitodoestado315.

Nosemestredeinverno,naviradade1933para1934,Goldschmidt,emrazão

do “Decreto de restabelecimento funcional” publicado em1933, foi transferido

paraoutraEscoladeEnsinoSuperior,oque,noentanto,somentenosemestrede

verãode1934foipossível,comasuatransferênciaàEscoladeEnsinoSuperior

de Frankfurt am Main. Em razão de sentimentos hostis do pessoal docente –

principalmente do Decano –, ele se afastou do setor de ensino, embora já

estivessedispostoafazê-lo.Medianterequerimento,Goldschmidt,nosemestrede

inverno de 1934 para 1935, foi transferido novamente a Berlim e ao mesmo

temposeexoneroude suasobrigaçõesoficiais.Nessemeio tempo,eleproferiu

inúmeras palestras na Espanha e publicou diversos trabalhos em espanhol,

italianoefrancês.E,apartirdaí,passouaseorientarcadavezmaispor temas

filosóficos.Umanomaistarde,Goldschmidt,deacordocomaLeideCidadania

Imperialde1935,seaposentoue,aomesmotempo,lhefoiretiradapelopróprio

ReitordaUniversidadeapermissãoparalecionar.Comoencaminhamentodesua

aposentadoria,osseusvencimentosforamreduzidosem65%.Comisso,anteas

dificuldades e a perseguição nazista, que se intensificava naquele período,

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escreveuaNicetoAlcaláZamorayCastillo,queoacolheunaEspanha,nacidade

deMadrid,noperíodoemquealiesteve.

Nos anos de 1933 a 1936, Goldschmidt empreendeu inúmeras viagens de

estudoparaaEspanha316,paraproferirpalestrasnasUniversidadesComplutense

de Madrid, Valencia e Zaragoza. Nesse período, a família Goldschmidt

estabeleceuumapróximarelaçãoaoutrograndeprocessualistaespanhol,Pedro

AragonesesAlonso(ProfessorEméritodaUniversidadComplutensedeMadrid),

que lhes acolheu com muita lealdade. A amizade entre Alonso e Werner

Goldschmidtrendeuo“Prólogoalaprimeraedición”daestupendaobraProceso

yderechoprocesal(Introducción) 317.Tambémnesseperíodoforamministradas

porJamesGoldschmidtasfamosasConferenciasenlaUniversidadComplutense

de Madrid (mais especificamente entre 1934 e 1935) que culminaram com a

publicaçãodoclássicoProblemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal(daío

agradecimento a FranciscoBeceña, que lhe cedeu a cátedra deEnjuiciamiento

Criminal).

Contudo,aguerracivilde1936,desencadeadanaEspanha,colocouumfimem

suasatividadesnaquelepaís,atéporquetambémforamperseguidospelaFalange

Espanhola.Comoasituação,paraosjudeus,tornou-secadavezmaisinsegurana

Europa,emfacedoaumentoprogressivodemedidasdeperseguição,nofinalde

1938, Goldschmidt e sua esposa, com o filho mais velho, Robert, decidiram

abandonar definitivamente aAlemanha e viajarampara a Inglaterra. Logo após

isso, eacredita-seque justamentepela saídadaAlemanha,opagamentode sua

aposentadoriafoisuspenso.

Encurralado,poisseuvistodepermanêncianaInglaterraestavaporchegara

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termo,vencendoem31dedezembrode1939,sempossibilidadederenovação,e

em virtude de não poder retornar àAlemanha, por ser judeu, e não poder ir à

França,porseralemão,muitomenosderetornaràEspanha,emoutubrode1939,

GoldschmidtentraemcontatocomEduardoCouture,queoauxiliaaviajarparao

Uruguai.VindonobarcoinglêsHighlandPrincess,emumaárduaviagem,emque

acada instanteumsubmarinopoderia lhe trazeramorte,poucas semanasapós,

GoldschmidtdesembarcouemMontevidéu318.

Já no Uruguai, passou a ministrar aulas junto à Faculdade de Direito de

Montevidéu.Entretanto,enquantopreparavasuaterceiraaulaaserministradana

Faculdade, no dia 28 de junho de 1940, às nove horas damanhã,Goldschmidt

sentiu um ligeiro mal-estar, parou de escrever e foi repousar. Aconchegou-se

juntoàsuaesposa,recitoualgunspoemasdeSchillerparadistrairamente,voltou

àsuamesaecomoquefulminadoporumraiocaiumortosobreseuspapéis319.

Goldschmidt produziu importantes contribuições científicas para o direito

penal, bem como para o direito processual civil e penal. Em sua tese de

habilitaçãoO direito penal administrativo, ele discutia a respeito das assim

chamadas violações (Übertretungen320), que ainda eram reguladas juntamente a

crimes e delitos no Código Penal do Império. Goldschmidtmanifestou-se pela

delimitaçãoentreasviolaçõeseosfatospuníveispropriamenteepelaconversão

dodireitodasviolaçõesemdireitoadministrativo321.Alémdisso,Goldschmidt

elaboroupropostasdereformanodireitopenaleprocessualpenal.Noâmbitodo

direitoprocessualpenal,eleutilizouaaplicaçãodeelementosdoprocessopenal

inglês.EleentendiaqueoMinistérioPúblicodeveriaassumiropapeldeparteno

processo e que, de acordo com a sua concepção, se deveriam eliminar os

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resquícios, ainda presentes, do antigo processo de inquisição do âmbito do

processo penal alemão. Contudo, maior significado obteve Goldschmidt

justamente como processualista. Sua monografia publicada no ano de 1925,

intituladaOprocessocomosituação jurídica (DerProzeßalsRechtslage), foi

enaltecidaporRudolfBrunscomo“oúltimograndeempreendimentoconstrutivo

daciênciajurídico-processualalemã”322.

Nessaobraédesenhadaamaiscomplexaecompletateoriaacercadanatureza

jurídicadoprocesso,vistonãomaiscomouma“relaçãojurídica”(Bülow),mas

simcomoumacomplexaedinâmica“situaçãojurídica”.

Após conhecer o espaço-tempo em que o autor se situou, em momento tão

sensíveldahistóriadahumanidade,sãomaisbemcompreendidassuascategorias

processuais e toda sua teoria, especialmente apreocupação comadinâmicada

guerra,daincerteza,enfim,comada“realidadedoprocessopenal”.Enfim,uma

liçãodevidaeumavisãoúnicaebastanteprecisadoqueéoprocessopenalaté

nossosdiasatuais.

4.4.Processocomoprocedimentoemcontraditório:ocontributodeElioFazzalari

Estruturada pelo italiano Elio Fazzalari (1924-2010), a teoria do processo

comoprocedimentoemcontraditóriopodeserconsideradaumacontinuidadedos

estudosdeJamesGoldschmidt(processocomosituaçãojurídica),aindaqueisso

não seja assumido pelo autor (nem pela maioria dos seus seguidores), mas é

notória a influência do professor alemão. Basta atentar para as categorias de

“posiçõessubjetivas”,“direitoseobrigaçõesprobatórias”,quesedesenvolvem

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em uma dinâmica, por meio do conjunto de “situações jurídicas” nascidas do

procedere,equegeramumaposiçãodevantagem(proeminência)emrelaçãoao

objeto do processo etc., para verificar que as categorias de situação jurídica,

chances, aproveitamento de chances, liberação de cargas processuais,

expectativaseperspectivasdeGoldschmidtforaminternalizadosconceitualmente

porFazzalari,quetambéméumcríticodateoriadeBülow,cujateoriarotulade

“vecchio e inadatto cliché pandettistico del rapporto giuridico processuale”323,

ouseja,umvelhoeinadequadoclichêpandetístico.

Aperspectivatradicionaldarelaçãojurídicatrazumasériedeproblemas,tão

bem denunciados por Goldschmidt e após por Fazzalari; entre eles, está o de

conceberoprocessocomoumconjuntodeatospreordenados,desenvolvidossob

apresidênciadeumjuiz,atéasentença.Oprocedimentoouritoficareduzidoao

mero conceito de “caminho”, de concatenação (burocrática) de atos, sob uma

perspectiva meramente formal. O senso comum teórico pouca atenção deu ao

conteúdoe,menosainda,àaxiologiadesse“procedere”.Nãosemrazão,explodiu

a teoriadasnulidades,poisaodespirosatosprocedimentaisdeseurealvalor,

alcance e significado acabou “relativizando” tudo em nome da

“instrumentalidade324 das formas”. A forma reduzida a mero instrumento para

atingir a sentença. Esse isolamento (formal) retirou o valor da tipicidade

processual, da forma enquanto garantia, limite de poder, que tanto nos

preocupamos em resgatar ao trabalhar a teoria das invalidades (nulidades)

processuais.

O processo, visto como procedimento em contraditório, supera essa visão

formalista-burocráticadoprocedimento,atéentãoreinante.Resgataaimportância

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doestrito respeito às regrasdo jogo, especialmentedo contraditório, elegido a

princípiosupremo.Oprocedimentoselegitimapormeiodocontraditórioedeixa

deserumameraconcatenaçãodeatos,formalmenteestruturados,paratomaruma

novadimensão.

OnúcleofundantedopensamentodeFazzalariestánaênfasequeeleatribuiao

contraditório, com importante papel na democratização do processo penal, na

medidaemquedeslocaonúcleoimantador,nãomaisajurisdição,masoefetivo

contraditórioentreaspartes.Asentença–provimentofinal–deveserconstruída

emcontraditórioeporelelegitimada.Nãomaisconcebidacomo(simples)atode

poderedever,adecisãodevebrotardocontraditórioreal,daefetivaeigualitária

participação das partes no processo. Isso fortalece a situação das partes,

especialmentedosujeitopassivonocasodoprocessopenal.

Ocontraditório,naconcepçãodoautor,deveservistoemduasdimensões:no

primeiro momento, é o direito à informação (conhecimento); no segundo, é a

efetiva e igualitária participação das partes. É a igualdade de armas, de

oportunidades. Existem outros tipos de procedimento, como o legislativo, o

tributário e o administrativo, que nem sempre são realizados em contraditório.

Masprocessosóexisteemcontraditórioentreosinteressados,ouseja,aspartes

noprocessojurisdicional.

Éumateoriaquecriacondiçõesdepossibilidadeparaumamaioreficáciados

direitosegarantias fundamentaisnoprocessopenal, alinhadacomabuscapela

democratizaçãodoprocessopenalnamedidaemquemaximizaaimportânciadas

partes, especialmentedo indivíduo-réu, eonecessário tratamento igualitário.O

contraditório, visto como a imposição de igualdade de tratamento e de

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oportunidades, bem como de efetiva participação em todos os atos do

procedimento, conduz a um processo penal mais democrático e constitucional.

Nesse ponto, o pensamento do autor é de grande valia para a evolução do

processopenalrumoàplenaeficáciadosistemaacusatório.

A concepção de Fazzalari é publicística e reforça a unidade do processo.

Vislumbramosumgrandevalornaconcepçãodequeo“procedimento”etodosos

atos queo integram,unidospelo contraditório constante, se desenvolve sempre

mirando o provimento final.Como explicaAroldoPlinioGonçalves (excelente

professor mineiro, foi um dos pioneiros no estudo de Fazzalari no Brasil), a

atividadepreparatóriadoprovimentoéoprocedimentoque,normalmente,chega

aseutermofinalcomaediçãodoatoporelepreparado,porisso,essemesmoato

de caráter imperativo geralmente é a conclusão do procedimento, o seu ato

final 325.

Para Fazzalari 326, os atos do procedimento são pressupostos para o

provimento final (sentença), ao qual são chamados a participar os interessados

(as partes), em contraditório. A essência do processo está nisto: é um

procedimento do qual, além do autor do ato final (juiz), participam, em

contraditório entre si, os “interessados”, ou seja, as partes, que são os

destinatáriosdosefeitosdasentença.

O professor italiano ainda faz um interessante deslocamento de conceitos,

invertendoarelaçãoprocesso-procedimento,aoafirmarque“dasoggiungereche

la enucleazione del ‘processo’ dal genere ‘procedimento’ consente di

comprendere e valutare appieno quel principio costituzionale mortificato nello

schema del mero procedimento”327. Ou seja, sustenta a superação do mero

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procedimentalismo para identificar o processo como espécie do gênero

procedimento, o que permite valorar plenamente o princípio constitucional do

contraditório.

É o contraditório efetivo que legitima o processo e o provimento final,

operando-se um deslocamento muito importante em relação ao mero

procedimentalismoou instrumentalismotradicional,bemcomoumaevoluçãoda

maiorsignificânciaemrelaçãoàestruturapiramidaldeBülow,centradanafigura

dojuiz.

Outra contribuição digna de nota feita por Fazzalari está na revaloração da

jurisdiçãonaestruturaprocessual.Ojuiz328,queapesardesujeitoprocessualnão

é parte, não assume uma função de “contraditor”, mas de garantidor do

“contraditório”. É responsável pela regularidade na produção dos significantes

probatóriosenãodaprova(recusaaojuiz-ator,aoativismojudicial).

Adoção desta postura representa uma recusa à supremacia do poder na

concepção de jurisdição. No senso comum teórico, é disseminada a visão de

jurisdiçãocomopoder-dever,conduzindoàdeisificaçãodopoderjurisdicionale

ao ativismo judicial. Na superada visão inquisitória, o juiz deveria ter pleno

protagonismo no processo, podendo prender de ofício oumesmo ter iniciativa

probatória, tudo em nome da (mitológica) verdade real. Infelizmente essa é a

realidadeeamatrizdoatualCódigodeProcessoPenalbrasileiro,reforçandoa

importânciadaaberturaconstitucionalqueproporcionaavisãodeFazzalari.

O juiznãoémaisvistocomoo responsávelpela“limpeza social”,que tudo

podeeem tornodoqual tudoorbita.Ogiro sedánamedidaemqueFazzalari

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coloca como núcleo imantador (e conceitual) o contraditório, que reforça

automaticamente a posição das partes. Sendo o processo um procedimento em

contraditório,oprotagonismonãoéjudicial,masdaspartesinteressadas.Aojuiz

se lhe reserva um papel de garantidor da eficácia do contraditório e não de

contraditor, como juiz-ator, como juiz inquisidor. É uma mudança total de

paradigmas.

ComoexplicaGonçalves329,

há processo sempre onde houver o procedimento realizando-se em

contraditórioentreosinteressados,eaessênciadesteestána“simétrica

paridade”daparticipação,nosatosquepreparamoprovimento,daqueles

quenelesãointeressadosporque,comoseusdestinatários,sofrerãoseus

efeitos.

O contraditório, núcleo da concepção fazzalariana, exterioriza-se em dois

momentos:informazioneereazione.Àspartessãoassegurados,emigualdadede

tratamento, o direito à informação, a saber o que está acontecendo e se

desenvolvendo no processo. Com o conhecimento (a acessabilidade) dos atos,

documentos,provas,enfim, tudooqueingressareseproduzirnoprocedimento,

criam-seascondiçõesdeexercíciodasposiçõesjurídicas(asmesmassituações

jurídicasquegeramexpectativasouperspectivasnopensamentodeGoldschmidt)

emfacedasnormasprocessuais.

A reazione não é uma obrigação processual (ou carga no léxico

goldschmidtiano), mas uma faculdade, uma oportunidade de movimento

processual em seu benefício. É a igualdade de armas, de reação, de atuação

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processual. Brota da igualdade de tratamento, que gera igualdade de

oportunidadesprobatórias.

Inclusive, apenas para demonstrar a relevância dessa concepção do

contraditório em Fazzalari, é que afirmamos a existência de contraditório no

inquérito policial, restrito ao primeiro momento, qual seja, da informazione.

Inviáveloplenocontraditórioporrestriçõesnadimensãodareazione,mas isso

nãoimpedequeseafirmequenainvestigaçãopreliminarexistecontraditóriono

seuprimeiromomento.

EntreasváriascontribuiçõesquepodemosextrairdopensamentodeFazzalari,

para a construção de um processo penal democrático, está a relevância que o

autor confere ao vínculo que une os diferentes atos desenvolvidos ao longo do

procedimento.Comoexplicaoautor,cadanormaqueconcorreparaconstituira

sequência que estrutura o procedimento descreve uma certa conduta e qualifica

como “direito” ou como “obrigação”. A estrutura do procedimento é dada por

umasériedenormas,queo regulamatéoprovimento final (sentença),masque

exigem, como pressuposto de aplicação, o cumprimento de uma atividade

reguladaporumaoutranormadasérie(atoantecedente).Oprocedimentoéuma

sequênciadeatos,queestáprevistaevaloradapelasnormas.

Maséimportantecompreenderqueoprocedimentonãoéumaatividadequese

esgota,serealiza,emumúnicoato,senãoqueexigetodaumasériedeatosede

normasqueosdisciplinam,conexamentevinculadas,quedefinemasequênciado

seudesenvolvimento.

E aqui está um ponto crucial para estruturar um sistema (democrático e

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constitucional)denulidadesprocessuaiserepensaroprincípiodacontaminação:

cadaumdosatosestáligadoaooutro,comoconsequênciadoatoqueoprecedee

pressupostodaquelequeosucede.

Os atos processuaismiramoprovimento final e estão inter-relacionados, de

modoqueavalidadedosubsequentedependedavalidadedoantecedente.Eda

validadedetodoselesdependeasentença.

Logo,aindaqueoefeitojurídicodecorradoprovimentofinal,queéresultado

doprocedimento,esseprovimento final somente seráconsideradoválidose for

precedidodeumasequênciadeatosválidos(“vuoldirepiuttostochetaleattonon

è da considerarsi valido e che l’efficacia per avventura svolta può essere

paralizzata”,seequando“adessononsisaipervenutiattraversolasequenzadi

attideterminatidallalegge”330).

Concluindo,entendemosqueopensamentodeFazzalariédamaiorrelevância

paraaconstruçãodeumprocessopenaldemocrático,namedidaemquereforçaa

necessidadedeestritorespeitoàsregrasdojogoefortaleceaspartes,relegando

a jurisdição a um segundoplano.Contudo, sozinho, nãodá conta de explicar a

complexa fenomenologiadoprocessopenal, poisFazzalari é umprocessualista

civiledesdeesselugarestruturasuateoria,comambiçãode(também)darconta

dacomplexidadedoprocessopenal.Esseéomaiorequívocodaconstrução.É

umgrandeautor,masnãoconseguiusuperaragenialidadedeJamesGoldschmidt,

incorrendoaindanograveerroda teoriageraldoprocesso.Omelhorcaminho,

pensamos,écompreenderofenômenodoprocessopenaldesdeumaperspectiva

de situação jurídica, desde Goldschmidt, conscientes da epistemologia da

incerteza, da complexa dinâmica procedimental, das categorias de chances,

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expectativas e perspectivas. Assumir os riscos e caminhar no sentido do

fortalecimento das regras do jogo. Neste ponto, entra Fazzalari, como um

contributo à tese de Goldschmidt, inserindo a noção de procedimento em

contraditório, enfatizandoa importânciadocontraditórioplenoatéaconstrução

(em contraditório) do provimento final, reforçando a importância dos atos

procedimentais (forma e vínculo entre os atos), para a (re)construçãoda teoria

dasnulidades.Significadizerquea tesedeFazzalari, sozinha,nãodácontado

objeto processo penal, mas tem muito a contribuir para sua democratização e

evolução.Épossívelconciliarosconceitosdeprocessocomosituaçãojurídicae

processocomoprocedimentoemcontraditório,comosdevidosajustes,chegando

aonívelnecessáriodeeficáciaconstitucionaldasregrasdojogo.

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Capítulo5

(Re)construçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal:apretensãoacusatória(paraalémdoconceitocarneluttianodepretensão)

5.1.Introdução(ouaimprescindívelpré-compreensão)

PartindodeGuasp331entendemosqueobjetodoprocessoéamatériasobrea

qualrecaiocomplexodeelementosqueintegramoprocessoenãoseconfunde

comacausaouprincípio,nemcomoseufim.Porisso,nãoéobjetodoprocesso

ofundamentoaquedevesuaexistência(instrumentalidadeconstitucional)nema

função ou fim a que, ainda que de forma imediata, está chamado a realizar (a

satisfaçãojurídicadapretensãoouresistência).Tambémnãoseconfundecomsua

naturezajurídica–situaçãoprocessual.

Comojáexplicamosanteriormente,oprocessopenalé regidopeloprincípio

da necessidade, ou seja, é um caminho necessário para chegar a uma pena.

Irrelevante,senãoinadequada,adiscussãoemtornodaexistênciadeumalide

noprocessopenal,atéporqueelaéinexistente.Issoporquenãopodehaveruma

pena sem sentença, pela simples e voluntária submissão do réu.O conceito de

lide deve ser afastado do processo penal, pois o poder de penar somente se

realizanoprocessopenal,porexigênciadoprincípiodanecessidade.

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Inclusive, nosso legislador constituinte não acolheu a ideia de lide penal 332,

tantoquenoart.5º,LV,daConstituição,constaque“aoslitigantes”(litigantes=

lide = processo civil) e aos “acusados em geral” (acusados = pretensão

acusatória=processopenal) sãoasseguradosocontraditórioeaampladefesa.

Do contrário, não faria tal distinção entre litigantes e acusados (em geral,

destaque-se,paradesdelogoavisarquetambémincidenafasepré-processual).

Adiscussãoemtornodoobjeto(conteúdoparaalguns)doprocessonosparece

fundamental, na medida em que desvela um grave erro histórico derivado da

concepçãodeKarlBinding(aideiadepretensãopunitiva),equecontinuasendo

repetida sem uma séria reflexão. O principal erro, que será abordado na

continuação,estáemtransportarascategoriasdoprocessocivilparaoprocesso

penal, colocandooMinistérioPúblicocomoverdadeiro“credor”deumapena,

comosefosseumcredordoprocessocivilpostulandoseu“bemjurídico”.Mas

essa questão, para ser compreendida, precisa de uma abordagem mais ampla,

comosefaráadiante.

5.1.1.Superandooreducionismodacríticaemtornodanoçãocarneluttianade“pretensão”.PensandoparaalémdeCarnelutti

Oproblema da construção deBinding (e seguidamajoritariamente até hoje)

iniciapelaidentificaçãocomoconceitocarneluttiano(diantedaanalogiacomo

processocivil),agravandoacriseaodefinirseuconteúdocomo“punitivo”,oque

significoucolocaroMinistérioPúblicocomocredordeumapena(umgraveerro,

comoseexplicaráadiante).

A crítica em relação ao conteúdo “punitivo” será feita adiante. Agora,

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precisamos esclarecer que o conceito de pretensão pode perfeitamente ser

utilizado, desde que no sentido desenhado por Guasp, Goldschmidt ou Gómez

Orbaneja,nuncanaacepçãocivilista333deCarnelutti.Aessapretensão,deve-se

perquiriroconteúdoàluzdaespecificidadedoprocessopenal.

Então, uma advertência é fundamental, principalmente para os críticos334

(antigos ou novos) de nossa posição: o conceito de pretensão não se reduz à

construção carneluttiana335. Ou seja, existe vida (inteligente) para além do

conceito deCarnelutti, que é apenas um ponto de partida, não de chegada ou

conclusão.Comodito,estamostrabalhandocomadoutrinapósealémCarnelutti

de Guasp, Goldschmidt e Gómez Orbaneja. Ademais, quando falamos de

“pretensão acusatória”, estamos aludindo à concepção de Goldschmidt, que

dando umgiro no conceito depretensão o concebe apenas comoumapotestas

agendi.

Não se trata de uma pretensão que nasce de um conflito de interesses,mas,

sim, do direito potestativo de acusar (Estado-acusação) decorrente do ataque a

um bem jurídico e cujo exercício é imprescindível para que se permita a

efetivação do poder de penar (Estado-juiz), tudo isso em decorrência do

princípiodanecessidadeinerenteàfaltaderealidadeconcretadodireitopenal.

Trata-sedeconstruirumaestruturajurídico-processual–pretensãoprocessual-

acusatória – que tenha condições de abarcar a complexidade que envolve o

“como”atuaopoderpunitivodoEstadopormeiodesseinstrumento(ecaminho

necessário),queéoprocessopenal.

Esseéopontonevrálgicodoporquênãonosserveo“casopenal”ouamera

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“açãopenal”comoconteúdo:porsuainsuficiência.

Ademais, o crime nos conduz ao conflito social e é de lá que se extrai a

pretensão, com a roupagem “jurídica” que o processo penal lhe dá. É uma –

inafastável, diante do princípio da necessidade – juridicização (e

institucionalização)doconflito.

Não é a pena, o conteúdo ou o objeto do processo penal, senão sua

consequência.Daíporqueoprocessopenaldesenvolve-seemtornodaacusação

(pensada na sua complexidade, como verdadeira pretensão acusatória). Se

acolhida, abre-se a possibilidade de o juiz exercer o poder de punir. Se não

acolhida,impede-seapunição.

Nãoéo“casopenal”oconteúdodoprocesso,poisele,sozinho,nãoécapaz

de fazernasceroudesenvolveroprocesso.O“casopenal”é fundamental,pois

elemento objetivo e estruturante da acusação, mas que precisa de uma efetiva

invocação–declaraçãopetitória–paraqueoprocessonasçae sedesenvolva.

Logo,eleéconteúdo,masdapretensãoacusatória.

Jaime Guasp, em rara, mas preciosa incursão no direito processual penal,

instadoque foi a fazer uma resenha336 da obraLezioni sul processo penale (4

volumes, 1946 a 1949) de Carnelutti, retoma a discussão sobre a pretensão

processual 337 para explicar que o objeto do processo penal é a matéria que

suporta a atividade dos diversos sujeitos processuais, sendo, portanto, uma

pretensão processual penal ou pretensão penal. É expressa “la necesidad de la

existencia de una pretensión para que el proceso exista. Sin pretensión, podrá

haberconflictosdelaíndolequesequieraocuestiónpenalcomodiceCarnelutti,

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pero no hay proceso penal en modo alguno”338. Sublinhamos que a “cuestión

penal”aqueserefereCarneluttinadamaisédoqueo“casopenal”.

Daí por que, na esteira deGuasp, estamos convencidos da insuficiência do

“casopenal”comoobjetodoprocesso,pois,seguindoomestrecomplutense,há

que sedarumpassoamaisnaconstrução lógicadoconceito, afirmandoqueo

processo penal recai não em uma matéria qualquer, senão precisamente sobre

essa pretensão que alguém formula frente ao órgão jurisdicional para submeter

outrapessoaaoprocessoeàpena.

Mas, sublinhe-se, não somos contrários aos que definemo caso penal como

objeto do processo, senão que pensamos ser ele insuficiente para, por si só,

justificar a complexa fenomenologia do processo. Claro que a discussão aqui

remontaaumanovadimensãodecontinenteeconteúdo,ondenãoháumaefetiva

oposição.Ocontinente,queencerraoconteúdo(casopenal),émaisamploeéa

elequenosreferimos.

Ou seja, a pretensão acusatória é conteúdo em relação ao processo

(continente), mas, noutra dimensão, passa a ser continente do caso penal (seu

conteúdo,poisvistocomoelementoobjetivodapretensão).Assim,pensamosque

nossa posição pode coexistir com aquela defendida por Jacinto Coutinho no

capolavoroA lide e o conteúdo do processo penal, desde que compreendidas

essasdistintasdimensõesderecorte.

O Estado possui um poder condicionado de punir que somente pode ser

exercido após a submissão ao processo penal. Então,no primeiromomento, o

queoacusadorexerceéumpoderdeprocedercontraalguém,submeteralguém

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aoprocessopenal.Éopoderdesubmeteralguémaumjuízocognitivo.

Não há lide ou conflito de interesses339, até porque a liberdade do réu não

constitui um direito subjetivo, mas um direito fundamental, o que também

transcende a noção de direito público subjetivo. Mais, não há conflito de

interesses, porque a lesão ao bem jurídico não gera um direito subjetivo que

possaserexercido(exigênciapunitiva),poisnãoexistepuniçãoforadoprocesso

penal (novamenteoprincípiodanecessidade).Oque, sim,nasceé apretensão

acusatória,opoderdeprocedercontraalguém,desubmeteraojuízocognitivo.

Alheiaatodaessacomplexidade,partedadoutrinabrasileirasegueadotando

conceitosinadequadosepassandoàmargemdaproblemática.Nessalinha,entre

outros,Mirabete340eCapez341nãosódefendemaexistênciadelidepenal,como

também a existência de uma pretensão punitiva, e, para ambas, invocam –

expressamente Mirabete e, sem citar, mas usando os conceitos, Capez –

inadequadamenteosconceitoscivilistasdeCarnelutti(desconhecendotambémas

alteraçõesqueopróprioCarneluttifezaolongodesuavastaprodução).Porfim,

Mirabetemetenoimbrógliogentequelánuncadeveriaestar,comoéocasoda

citação inadequadadeJacintoCoutinho,que,alémdesercontrárioàexistência

deumapretensão,negacompletamenteanoçãodelidepenal.

Voltando ao foco, é importante que se compreenda que não existe uma

exigência punitiva que possa ser realizada fora do processo penal, logo, não

existe o conflito de interesses. Não existe um direito para adjudicar (como no

cível) fora do processo penal que possa produzir a lide pelo conflito de

interesses. Existe, sim, no processo, uma tensão entre acusação e defesa

(resistência),nãoumalideoumenosaindaumacontrovérsia.

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Daíporque,comtodoacerto,Goldschmidtdescoladoconceitodelide,para

afirmarqueopoderjudicialdecondenaroculpadoéumdireitopotestativo,no

sentidodequenecessitadeumasentençacondenatóriaparaquesepossaaplicar

apena.

E mais, é um poder condicionado à existência de uma acusação. Essa

construção é inexorável, se realmente se quer efetivar o projeto acusatório da

Constituição. Significa dizer: aqui está um elemento fundante do sistema

acusatório.

No processo, tudo gira em torno do binômio acusação-defesa, logo, toda a

cogniçãodesenvolvida recai sobreapretensãoacusatóriaeoselementosquea

integram.

Claroqueaquinosaproximamosdoconceitodeaçãocomodireitoconcreto.

Mas é uma aproximação, não identificação. Isso porque, no processo penal, é

fundamentalademonstraçãodajustacausa,dofumuscommissidelicti,paraquea

acusaçãosejarecebida.Nãopodemoslidarcomaabstraçãomáximadoprocesso

civil,nemcomaplenanoçãodedireitoconcreto(Chiovenda).Tratamosdissoao

analisarascondiçõesdaaçãoprocessualpenal.

Háqueseatentarparaasnecessidadesprópriasdoprocessopenal.Novamente

reforçamosacrençanoacertodoconceitodepretensãoacusatória,queincluino

seu elemento objetivo e subjetivo a fumaça do crime e da autoria, ambos

necessários para que a acusação seja recebida. É uma verdadeira “carga”

processual no léxico Goldschmidtiano, conforme explicamos ao tratar do

processocomosituaçãojurídica.

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AcertadaaafirmaçãodeCoutinho,deque“setratadeumdireitoinstrumental,

masconexoàsuacausa,queéconcreta”342.

Mais,háqueseconsiderarqueofenômenodoprocessopenal–novamente–é

diversodoprocessocivil,agora,noquetangeaoseu“escalonamento”.

ExplicaGómezOrbaneja343,

puedeafirmarsequeadiferenciadelprocesocivil,queseconstituyede

una vez y definitivamente, con unos límites objetivos y subjetivos

inalterables,mediantelapresentacióndelademanda,elprocesopenal

se desenvuelve escalonadamente. El fundamento de la persecución, o

inversamente de su exclusión, puede depender tanto de razones

substantivascomoprocesales.

Conforme explicamos em outromomento344, o processo penal é um sistema

escalonadoe,como tal,paracadadegrau,énecessárioumjuízodevalor.Essa

escada é triangular, pois pode ser progressiva como também regressiva. A

situação do sujeito passivo passa de uma situação mais ou menos difusa à

definitivacomasentençacondenatóriaoupodevoltaraserdifusaedarorigema

umaabsolvição.Inclusive,épossívelchegar-seaumjuízodefinitivodecaráter

negativo,emquesereconhececomocertaanãoparticipaçãodoagentenodelito.

Portudoisso,definePastorLópez345queasituaçãojurídicadosujeitopassivo

écontingente,provisionaledeprogressiva(ouregressiva)determinação.Disso

tudo se compreende então que o fenômeno do processo penal é completamente

diversodoprocessocivil,pois,ab initio,deveoacusadordemonstraro fumus

commissidelictiparaqueoprocessoinicie,situaçãocompletamentediversado

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processocivil.

Feitasessasadvertênciasintrodutórias,queesperamossejamsuficientespara

superaçãodeeventuaisresistênciasdecorrentesde“pré-conceitos”,muitasvezes

reducionistas,sigamosoestudo.

5.1.2.Teoriassobreoobjetodoprocesso(penal)

Buscando explicar o verdadeiro objeto do processo (na verdade,

historicamente,nãohouveumapreocupaçãoespecíficacomoprocessopenal,eis

uminconveniente),debate-seadoutrinaemteoriasquepodemsersistematizadas

emtrêsgruposfundamentais346:

•Teoriassociológicas(conflitodeinteresses,devontadesedeopiniões);

•Teoriasjurídicas(subjetivaeobjetiva);

•Teoriadasatisfaçãojurídicadaspretensõeseresistências.

É essa última a quemelhor explica o verdadeiro objeto do processo penal,

pois resulta da fusão das duas teorias anteriores. Corresponde a Guasp347 o

acerto de fazer da pretensão o conceito fundamental da ideia do processo, de

modoqueoobjetodoprocessopenaléumapretensãoprocessualeasuafunção

éasatisfaçãojurídicadaspretensões.

Apontaojuristaespanholqueseconsiderarmosqueoobjetonãoéoprincípio

oucausadequeparteoprocesso,nemofim,maisoumenosimediatoquetendea

obter, mas sim a matéria sobre a qual recai o complexo de elementos que o

integram,parece evidenteque– tendo emvista queoprocesso sedefine como

uma instituição jurídica destinada à satisfação de uma pretensão – é esta

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pretensãomesma,quecadaumdossujeitosprocessuais,desdeseupeculiarponto

devista,tratadesatisfazer,oquedeterminaoverdadeiroobjetoprocessual 348.

ComoesclareceAlonso349,apretensãoentendidacomocondutadeumsujeito

juridicamente atuadapara a obtençãodeum reparto, que se afirma como justo,

sobre a base de critérios normativos preestabelecidos, constitui sem dúvida o

objetosobreoqualgiraaatividadeprocessual.Comoatese,emqualquertipode

controvérsia,éoobjetodadiscussão,enãooéadiscussãoemsimesma.

Para explicar a essência do processo, não há como considerarmais que um

elementoobjetivobásicoenecessário:aacusaçãoquesedirigecontraalguéme

queseexercediantedeumjuiz.Emtornodessaacusaçãogiramtodasecadauma

dasvicissitudesprocessuais.Oiníciodainvestigação,dopróprioprocessoeseu

desenvolvimento e, sobretudo, da decisão têm uma exclusiva referência a ela.

Comoessaacusaçãonãoéjuridicamenteoutracoisaqueapretensãoprocessual

acusatória,quefiguranoconceitodoprocessomesmo,nãohácomoextrairoutra

conclusão.

Paradefiniroobjetodoprocesso,deve-seencontrarumaduplabase350:deum

lado, a base sociológica, que proporcione o dado (conflito) social ao qual o

processo está devidamente vinculado; e, de outro lado, uma base jurídica, que

recolhendoomaterial sociológicoesclareçao tratamentopeculiarqueodireito

lheproporciona.

A pretensão jurídica é reflexo ou uma substituição da pretensão social, que

nasceexatamentedodelito,vistocomoumconflito,problemaoufatosocial,pois

acondutatípicaeilícitarepresentaumataqueadeterminadosbensjurídicosque

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o Direito entendeu necessário tutelar. O delito ataca um sentimento básico da

comunidadeegeraumareaçãosocial.Por isso,podemosafirmarque,noplano

fático, a ilicitudematerial antecede cronologicamente à própria tipicidade, que

nasce a partir do desvalor social de determinada conduta. Em outras palavras,

primeiroumacondutaéreprovadasocialmentee,apartirdessejuízodedesvalor

(social),surgeanecessidadedecoibirtaisatospormeiodeumanorma,istoé,da

pressãoounecessidadesocialadvémaatividadelegislativaquecriaotipopenal.

Nãoháqueseperderdevista,nunca,ovalor“bemjurídico”.

Explica Guasp que o direito se aproxima da sociologia sempre da mesma

maneira:toma-lheosproblemascujasoluçãopostulaàcomunidadeeestabelece

umesquemade instituiçõesartificiais emquebuscamsubstituir as estruturas e

funçõespuramentesociaisdofenômenoerealizaumtrabalhodealquimia,para

criarnovasfórmulas,massedespreocupadepoisdomaterialsocial.Nasíntese

doautor,odireito,parasalvarasociologia,não temmaisremédioquematá-

la351.

Aconclusãofinaléqueapretensãojurídicaéumprodutoqueodireitoretira

dapretensãosocial.Odelitoéumfenômenosocial,exteriorizadopeloataqueaos

sentimentos e valores básicos da comunidade e que gera uma reação social.O

direitoretiraaquestãodoâmbitosocialemqueaparececravadaecria,nolugar

dafigurasociológicaquesuscitaoproblema,umaformajurídicaespecíficaque

pretende refletir aquela. Mas, como vimos anteriormente (no fundamento da

existência do processo penal), o direito penal não é autoexecutável e, por este

motivo,necessitadeuminstrumentopararealizar-se.Por isso,oprocessodeve

buscarasatisfaçãojurídicadapretensão.

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O único reparo ou,melhor, complemento que nos parece necessário fazer à

tese de Guasp é considerar também como função do processo a satisfação de

resistências352.Atensãoouchoqueentreapretensãoacusatóriaearesistênciado

acusado,noprocesso,quenãoseconfundecomlide,éoquedeveserresolvido

pelojuiznasentença,eaelecorresponde,seacolherapretensãoacusatóriado

autor–considerandosuficientementeprovadaaocorrênciadodelito–aplicara

pena“quelhepertence”,poisopoderdepenarédoEstado-juiz,nãodoacusador.

Ou ainda acolher a resistência do acusado, absolvendo-o. A resistência vem

materializada no exercício do direito de defesa, com todos os instrumentos

processuaisquelheofereceoordenamentojurídico.

Especificamentenoprocessopenal,asatisfaçãodaresistênciaresultaemum

imperativo do contexto político-constitucional e dos postulados de garantia do

indivíduo que apontamos anteriormente. Por isso, é inegável que em pé de

igualdadecomapretensãoseencontraaresistênciaoferecidapeladefesa,ea

função do processo penal estará igualmente satisfeita com a condenação ou a

absolvição.

Como sintetiza Gimeno Sendra353, a função do processo penal não pode

limitar-seaaplicaropoderdepenar,pelasimplesrazãodequetambémestá

destinado a declarar o direito à liberdade do cidadão inocente. O processo

penalconstituiuminstrumentoneutro 354dajurisdição,cuja finalidadeconsiste

tantoematuaropoderdepenareafunçãopunitiva,comotambémemdeclararde

formaordinária(pelasentença),ourestabelecer,pontualmente,aliberdade.

Aexistênciadeumfundamentojurídico(injustopenal)qualificadejurídicaa

pretensãoarticulada.Semembargo,averacidadedoalegadonãoéumaconditio

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sinequanon(sobpenadeincorrermosnoerrodaaçãocomodireitoconcreto),

poisseconsideramexistentesapretensãoacusatóriaeopróprioprocessopenal,

ainda que absolvido o réu. Isso não significa que a acusação possa ser

manifestamenteinfundadaousemumacausaqueajustifique,masapenasquenão

seadotaoconceitodeaçãocomodireitoconcreto.

Deve-se exigir no processo penal, para admissão da acusação, um fumus

commissidelictiamparadoporumsuporteprobatóriosuficiente,levandooórgão

jurisdicional a uma provisória e sumária incursão na prova da existência do

delito e da autoria. Isso decorre do escalonamento característico do processo

penalaquenosreferimosnoiníciodestetópico.Comoisso,chamamosaatenção

para a importânciadadecisãoque recebe, rejeita ounão recebe adenúnciaou

queixa, pois, como verdadeiro juízo de pré-admissibilidade da acusação, deve

estaramparadoporumadecisãofundamentada.

Concluindo, o objeto do processo penal é uma pretensão processual 355

acusatória, e a sua função imediata é a satisfação jurídica de pretensões e de

resistências.

5.2.Estruturadapretensãoprocessual(acusatória)

Apretensãoprocessualéumadeclaraçãopetitória356ouafirmação357dequeo

autor tem direito a que se atue a prestação pedida. É, no processo penal,uma

declaraçãopetitóriadequeexisteodireitopotestativodeacusarequeprocede

a aplicação do poder punitivo estatal. Por isso, é uma pretensão acusatória,

conforme explicaremos mais detidamente na continuação. Não é um direito

subjetivo,mas uma consequência jurídica de um estado de fato (lesão ao bem

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jurídico)ouumestadode fatocomconsequências jurídicas.Mais,éumdireito

potestativo o poder de proceder contra alguém diante da existência de fumus

commissidelicti.

Aexistênciada justacausaé fundamental.Nessesentido,anova redaçãodo

art. 395doCPPdeterminaqueadenúnciaouqueixa será rejeitadaquandonão

houver justa causa ou faltar condição para o exercício da ação penal (fumus

commissidelicti).Ademais,seofatonarradoevidentementenãoconstituircrime,

determinaoart.397(novaredação)queo juizdeveráabsolversumariamenteo

acusado.

Emdefinitivo,aocontráriodoqueacontecenoprocessocivil,nopenal,ojuiz

deveverificarseaacusaçãotemverossimilitudeeindicaumsuporteprobatório

mínimo para admiti-la. Trata-se de um juízo de probabilidade que reveste uma

importânciafundamental,poisoprocessopenal,emsimesmo,jáéumapena.

É inegável que o processo penal significa um etiquetamento com clara

estigmatização social e,por isso,o juízodepré-admissibilidadedaacusaçãoé

tão importante. Infelizmente, no processo penal brasileiro não existe uma clara

fase intermediária e contraditória. De forma precária, em vez de realizar uma

audiência,optouolegisladorbrasileiroporumarespostaescrita(consultem-seo

art. 396, cuja sistemática se aplica aos procedimentos comum ordinário e

sumário; bem como o disposto na Lei n. 9.099/95 e também na Lei n.

11.343/2006).

Por fim,cumpredestacar,nadoutrinabrasileira,oestudo levadoacabopor

Badaró358,cujaposição–emquepesenãoserabsolutamentecoincidente–não

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contémumadivergêncianuclear,senãoperiféricaemrelaçãoànossa.Explicao

autor,apósestudarasdiferentesnuancesda“lide”eda“pretensão”,queoobjeto

do processo penal é uma “pretensão processual penal”. Inclusive, também

enfrentaaquestãodoconteúdodapretensãoparaafastaranoçãode“pretensão

punitiva”.

Isso porque, explica Badaró, a manifestação da pretensão punitiva é uma

consequênciadoconcretodireitodepunirdoEstado,masqueaexigênciadeque

oautorsesubmetaàpenasomentepodeserfeitapeloprocesso(ouseja,sempre

nasceinsatisfeita).Seriaapretensãopunitivaumapretensãomaterial,anteriore

extraprocessual.Contudo,noprocesso,“oqueexisteéumapretensãoprocessual

que possui, como parte de seu fundamento, os elementos que compunham a

pretensãomaterial” (punitiva).Mas se trata deummesmo fenômeno (pretensão

material e processual), apenas visto em momentos diferentes. A pretensão

processualéaquelaveiculadaemjuízopormeiodaação,daacusação.

Comisso,verifica-sequeexistemuitomaiscoincidênciadoquedivergência,

circunscrevendo-se essas, as divergências, a algumas categorias muito

específicasequedecorremdadiferençahistóricaentreescolasprocessuais.

Paracompreendermelhorotema,éimportanteanalisar,aindaquebrevemente,

ostrêselementos359quecompõemapretensão(processual):subjetivo,objetivoe

modificadordarealidade(oudeatividade).

5.2.1.Elementosubjetivo

O elemento subjetivo se refere aos entes que figuram como titulares: o

pretendente e aquele contra quem se pretende fazer valer essa pretensão. No

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processo penal, quem formula a pretensão, titular ativo, pode ser o próprio

Estado-acusador, representado institucionalmente pelo Ministério Público ou o

acusador privado (delitos de ação penal privada).No polo passivo da relação

jurídicaestáoacusado,apessoacontraqueméformuladaapretensão.Aesses

sujeitosacrescentaoordenamentoumterceirosupraordenado,aquemseconfere

afunçãodereceberaspretensõeseprocederasuasatisfação.Esseterceiroéo

órgãojurisdicional(Estado-juiz).

No processo penal, o elemento subjetivo determinante é exclusivamente a

pessoadoacusado,poisnãovigeadoutrinadetriplaidentidadedacoisajulgada

civil. Dessa forma, nem o pedido (que será sempre de condenação) nem a

identidadedaparteacusadoraéessencialparaaeficáciadapretensão.Mas,sim,

é fundamental a clara individualização e determinação do sujeito passivo, uma

tarefaqueserátantomaisclaraquantomaiseficazforainvestigaçãopreliminar.

Nãoexisteprocessopenal semsujeitopassivo,massimpodeexistir semasua

presençafísica(situaçãodeausência,previstanoart.367doCPP).

5.2.2.Elementoobjetivo

O elemento objetivo da pretensão no processo penal é o fato aparentemente

punível,aquelacondutaquerevesteumaverossimilitudedetipicidade,ilicitudee

culpabilidade.Emsuma,éofumuscommissidelicti.

Desdelogo,éimportanteesclarecerqueofatoaparentementepunívelnãoéo

objeto do processo, mas um elemento integrante da pretensão. É preciso

esclarecer porque uma respeitável e numerosa doutrina, contagiada pela

importânciado elementoobjetivo, consideraqueoobjetodoprocesso éo fato

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punível 360, esquecendo-se de que isso, por si só, não tem aptidão para fazer

nasceroprocesso.Nãobastaaexistênciadeumfatodelituoso,éimprescindível

o exercício de umapretensão acusatória pormeio da declaração petitória.Daí

porquenãopodeserocasopenaloobjetodoprocesso,poissemaacusação

formalizadanãoseconstituiosuportejurídicoparaqueoprocessonasçaese

desenvolva.Oobjetodoprocessoéaacusaçãocomoumtodo(logo,apretensão

acusatória),daqualocasopenaléelementointegrante(comoelementoobjetivo).

ParaGuaspeosseguidoresdessacorrente,ofatoquecompõeapretensãoéo

natural – factae nudae – visto como a soma de acontecimentos concretos,

históricos, despidos da qualificação jurídica.O que importa é a identidade do

fato histórico, individualizado em sua unidade natural e não jurídico-penal 361.

Nessa linha, segue o sistema brasileiro o princípio jura novit curia amparado

pelaregradonarramihifactumdabotibijus–aoacusadorcabenarrarofato,

paraqueojuizdigaodireitoaplicável.

Contudo,nesseponto,divergimos.Pensamosqueadicotomiaentrefatonatural

e qualificação jurídica é, em termos processuais, ingênua e perigosa. É

ingenuidade, senão até reducionismo interesseiro, afirmar que o réu se defende

dosfatosnaturais,masque,noentanto–eaquiresideoproblema–,ojuizpoderá

daraofatoadefiniçãojurídicaquelhepareçamaisadequada,comoprevênosso

mofadoart.383doCPP.MesmotendosidoalteradopelaLein.11.719/2008,a

lógica(superada)continuaamesma:aingênua(?)crençadequeoréusedefende

dosfatos,podendoojuizdaraelesadefiniçãojurídicaquequiser,semnenhum

prejuízo-paraadefesa...Ora, issoéumavisãobastantemíopedacomplexidade

queenvolveadefesaeaprópriafenomenologiadoprocessopenal.

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É elementar que o réu se defende do fato e, ao mesmo tempo, incumbe ao

defensor,também,debruçar-seemlimitessemânticosdotipo,possíveiscausasde

exclusãodatipicidade,ilicitude,culpabilidade,eemtodaimensacomplexidade

queenvolveateoriadoinjustopenal.Éóbvioqueadefesatrabalha–commaior

oumenor intensidade, dependendo do delito – nos limites da imputação penal,

considerando-a tipificaçãocomoapedraangularondedesenvolverá suas teses.

Daíporqueaquinosserveoconceitodecasopenal,namedidaemqueenglobao

injustopenal.

O problema da visão ingênua do elemento objetivo cobra seu preço no

momentoemquelidacomacorrelaçãoentreacusaçãoesentença,comoestudo

daemendatioedamutatiolibelli,queserãoobjetodeanáliseposterior.

Essecasopenalfuncionarácomodelimitadordaimputação,nãocomocimento

emqueseembasa,mascomomurosqueadelimitam362.

Éimportantedestacarqueaconstataçãodequeoobjetodoprocessopenalé

umapretensão processual (acusatória), e que o seu elemento objetivo é o caso

penal,nãosignificaqueaspartessejaminteiramente“donas”desuaaportaçãoao

processo, de maneira tal que estejam autorizadas a efetuar uma introdução

fragmentárianoprocesso.

No processo penal, diferentemente do civil, vigora o princípio de

indisponibilidadeedeindivisibilidadedaaçãopenalpública,demodoqueoMP

está obrigado (arts. 24 e 42) a oferecer a denúncia quando o fato narrado na

notícia-crime revista uma verossimilitude mínima de tipicidade, ilicitude e

culpabilidade.

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Adenúncia ou queixa deverá descrever o fato criminoso com todas as suas

circunstâncias(art.41).Issosignificanãosóaobrigaçãodeacusarportodosos

fatosquerevistamaparênciadedelito,senãotambémaobrigaçãodetrazerpara

dentrodoprocessotodasascircunstânciasfáticasquetenhaconhecimentoeque

possamapresentaralgumarelevânciaparaainstruçãoeojulgamento.

Interpretamos o art. 41 a partir de uma visão constitucional e por isso

entendemosqueeletambémestabeleceumaobrigaçãoporpartedoMPdeincluir

nadenúnciaosfatosecircunstânciasquebeneficiemoacusado.Istoé,nãosóos

elementosdecargo,mastambémdedescargo;nãosóparainculpar,mastambém

paraexculpar.

CorroboraesseentendimentoaconstruçãodoMinistérioPúblicocomoórgão

públicoguiadopelalegalidadeeosentidodejustiça(semqueissocorrespondaa

uma equivocada visão do Ministério Público como “parte imparcial”, o que

constituiumerrohistóricoeumaviolênciasemântica).

Ademais, existindo concurso de pessoas, deverá o MP velar pela

indivisibilidade da ação penal (privada e commais razão na pública, art. 48)

acusandoatodosaquelessujeitossobreosquaisexistamindíciossuficientesde

responsabilidadepenal.Oseventualmentenãodenunciados,masquetenhamsido

objeto de imputação na notícia-crime ou resultem suspeitos na investigação

policial,deverãoserexcluídospelaviadopedidodearquivamento(art.28).

Nos delitos de ação penal de iniciativa privada, o sistema é distinto e está

regidopelaoportunidadeeconveniênciadotitular,quepoderáacusar,renunciaro

exercício do direito de queixa (art. 49), perdoar (art. 51) ou ainda desistir da

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açãopenal(art.60),conformeomomentoprocessualeascircunstânciasemque

seproduzoato.Semembargo,a titularidadedapretensãopenalacusatórianão

significa um puro poder de vingança e, por isso, também está submetida ao

princípio de indivisibilidade, cabendo ao Ministério Público velar pela sua

eficácia.Anossojuízo,oart.48deveserinterpretadodeformaqueaomissãona

queixa de um dos agentes signifique a renúncia tácita em relação a ele, e que

deverá ser estendida a todos (arts. 49 e 57). Caberá ao MP velar pela

indivisibilidadedaaçãopenalprivadamanifestando-senosentidodaextinçãoda

punibilidadeatodos.

Emsíntese,noprocessopenal,opedidocontidonaaçãopenalserásemprede

condenaçãopelapráticadeuminjustopenal,quedeveráserdescritoeimputado

aumoualgunsagentes,definidoseindividualizados.Nãoseexigequeaacusação

expressamentesoliciteaimposiçãodeumadeterminadapenaouqueproponhaum

determinado regime de cumprimento.O julgador decide com base no seu livre

convencimentomotivadoeserásuafunçãoexclusivaindividualizareaplicaruma

penaproporcionalaofatonarrado.

5.2.3.Declaraçãopetitória

O terceiro elemento da pretensão processual é o ato capaz de causar a

modificaçãodarealidadequeapretensãolevaconsigo.Éoconteúdopetitório,a

declaraçãodevontadequepedearealizaçãodapretensão.

EstamosdeacordocomGuasp363quandoafirmaquetalatopoderiarecebero

nometécnicodeação, terminologiaquedevolveriaaessapalavraosignificado

literal que lhe corresponde; mas isso poderia induzir a confusões, por ir de

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encontroaumatradiçãosecularqueseesforçouemaveriguaraessênciadopoder

jurídicoaqueditaaçãoestávinculadaenãoasuaverdadeirafunção.Semdúvida

que a polêmica em torno do conceito de ação foi desviada para um caráter

extraprocessual, buscando explicar o fundamento do qual emana o poder,

afastando-sedoinstrumentopropriamentedito.

Feitoesseesclarecimento,empregamosotermo“ação”nosentidoliteral,de

instrumento portador de uma manifestação de vontade, por meio do qual se

narra um fato com aparência de delito e se solicita a atuação do órgão

jurisdicionalcontraumapessoadeterminada.

Éaaçãocomo“poderjurídicodeacudirantelosórganosjurisdiccionales” 364.

Em alguns sistemas, como, por exemplo, o espanhol, ainda que dividido em

duas fases (investigação preliminar e juízo oral) 365, existe certo confusionismo

sobre o momento exato que se exerce a ação penal, porque a investigação

preliminarestáacargodeumjuizqueinvestigadeofíciooumedianteinvocação.

A divisão entre as duas fases é tênue, ainda que felizmente marcada pela

separação das tarefas de investigar/julgar. O fato de o juiz instrutor atuar de

ofícioedecretaro“processamento”doimputado,muitoantesdedarvistaaoMP

para formalmente exercer a ação penal, é um dos fatores que contribui para a

confusão.Ademais,oparticular(vítimaouqualquerpessoapelosistemadeação

popular) pode exercer uma notícia-crime qualificada (querella) e, com isso,

habilitar-sedesdeoiníciodainvestigaçãoparaexerceraacusação.

Felizmente, no direito brasileiro, a divisão entre as duas fases é clara e

inequívoca. O processo penal só começa pelo exercício e a admissão de uma

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açãopenal,públicaouprivadaconformeocaso.

No processo penal, o conteúdo do pedido é sempre igual.A atuação que se

pedeseráespecificamenteacondenaçãodoacusadopelofatonarradoeconforme

a pena estabelecida no respectivo tipo penal abstrato. Por isso, o pedido não

constituiumelementoessencialdapretensão366,poisnoprocessopenalnãovige

plenamenteoprincípiodispositivo,masodaindisponibilidadedapretensãoque,

junto à indivisibilidade do fato aparentemente punível, erige-se em notas

definidorasdapretensão.

A declaração367 petitória contida na ação penal solicitará que o órgão

jurisdicional 368:

• declare a existência do fato narrado, afirmando sua tipicidade, ilicitude e

culpabilidade;

• declare a responsabilidade penal do acusado pelos fatos narrados e

provados;

•condeneoacusadopelapráticadofatotípicoeimponhaarespectivapenaou

medidadesegurançaaplicável;

•determineaexecuçãodapenaoumedidadesegurançaimposta.

5.3.Conteúdodapretensãojurídicanoprocessopenal:punitivaouacusatória?Desvelandomaisumainadequaçãodateoriageraldoprocesso

Delimitado que o objeto do processo penal é a pretensão acusatória, ainda

restafazerumanovaanálise,quebusque,dentrodela,asuaessência(ouseja,o

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conteúdodopróprioobjeto):punitivaouacusatória.

A determinação do conteúdo da pretensão jurídica gravita em torno da

existênciadopoderdepuniredafunçãopunitivadoEstado369.Essepodernasce

comaocorrênciadodelitoeéexercidocontraoautordo injustopenal,depois

que sua responsabilidade penal foi reconhecida no processo, pois, como

apontamosanteriormente,oprocessopenaléocaminhonecessárioparaapena.

Paraaconstruçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal,ateoriadominanteé

a de Binding, que parte do conceito de uma exigência punitiva (pretensão

punitiva)queoEstadodevefazervalerpormeiodoprocessopenal.Dessaforma,

o processo é uma exigência para que oEstado efetive seu direito subjetivo de

punir,comoumaconstruçãotécnicaartificial.Ademaisdetitulardeumdireitode

punir, o Estado aparece no processo como titular da jurisdição emuitas vezes

tambémcomotitulardaaçãopenal(pormeiodoMinistérioPúblico).

Segundo Binding, o Estado é titular de um triplo direito: direito punitivo,

direitodeaçãopenaledireitoaopronunciamentodasentençapenal 370.Dessa

forma, a tese do autor é a de que o juiz penal encontra-se frente ao Estado,

titulardodireitopunitivo,namesmaposiçãoqueojuizcivil frenteaocredor

titular de uma pretensão de direito privado. O grande mérito da teoria de

Bindingfoiodeisolaroconceitodeaçãopenal,comouminstitutoindependente

dodireitodepunir.Porisso,éconsideradoofundadordaTeoriadaAçãoPenal

comoDireitoAbstrato.

Apesardavaliosíssimacontribuição,ateoriadeBindingestáimperfeita,como

muito bem demonstrou Goldschmidt371, para quem a construção anteriormente

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explicada representa uma transmissão mecânica das categorias do processo

civilaopenal,poisoEstadoestáconcebidode forma igualao indivíduoque

compareceanteoTribunalparapedirproteção.

Istoé,paraBinding,oEstadocomparecenoprocessopenalpormeiodoMP

damesmaformaqueoparticularnoprocessocivil,comoseaexigênciapunitiva

fosse exercida no processo penal de igual modo que no processo civil atua o

titulardeumdireitoprivado.Aquiestáonúcleodoerro:pensaroacusadorcomo

credor.Nodireitocivil,existea“exigênciajurídica”,poisexisteapossibilidade

de efetivação do direito civil fora do processo civil (ao contrário do direito

penal, que só possui realidade concreta por meio do processo penal) e a

pretensãosónascequandoháaresistência,alide.Logo,oautornoprocessocivil

(verdadeirocredornarelaçãodedireitomaterial)pedeaojuizaadjudicaçãode

umdireitopróprio,quediantedaresistênciaelenãopodeobter.Essaexigência

jurídicaexisteantesdoprocessocivilenascedarelaçãodosujeitocomobemda

vida.

Issonãoexistenoprocessopenal.Nãohá tal“exigência jurídica”quepossa

serefetivadaforadoprocessopenal.Odireitopenalnãotemrealidadeconcreta

fora do processo penal. Logo, não preexiste nenhuma exigência punitiva que

possaserrealizadaforadoprocesso.

EoMinistérioPúblico(ouquerelante)nãopedeaadjudicaçãodeumdireito

próprio,porqueessedireito(potestativo)depunirnãolhecorresponde,estánas

mãosdojuiz.OEstadorealizaseupoderdepunirnãocomoparte,mascomojuiz.

NãoexisterelaçãojurídicaentreoEstado-acusadoreoimputado,simplesmente

porque não existe uma exigência punitiva nas mãos do acusador e que

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eventualmentepudesse ser efetivada foradoprocessopenal (oque existe éum

poder de penar e dentro do processo).Aqui está o erro de pensar a pretensão

punitivacomoobjetodoprocessopenal,comoseaquiofenômenofosseigualao

doprocessocivil.

Essaconcepçãoédatadae,portanto,nãosemostramaisadequadaaonívelde

evolução do processo penal contemporâneo, em que se operou (ou ao menos

deveria ter havido) uma radical separação do processo civil, para assumir e

exigiraestritaobservânciadesuascategorias jurídicaspróprias.Eisaquimais

um erro que se pode atribuir à equivocadíssima noção de teoria geral do

processo.

ComoexplicaGoldschmidt372,noprocessopenal,apretensãoacusatória (do

Ministério Público ou acusador privado) é a afirmação do nascimento de um

direitojudicialdepenareasolicitaçãodequeexerçaessedireito.

E,posteriormente,explicaoautorque

a pena se impõemediante um processo porque é umamanifestação da

justiça,eporqueoprocessoéocaminhodamesma;ajurisdiçãopenaléa

antítesedajurisdiçãocivil,porqueambasrepresentamosdoisramosda

justiça estabelecidos por Aristóteles: justiça distributiva (jurisdição

penal)ecorretiva(jurisdiçãocivil) 373.

Comoapenaéumamanifestaçãodajustiça,correspondeopoderdepenarao

próprioTribunal, istoé:odireitodepenar (essênciadopunir)coincidecomo

poder judicial de condenar o culpável e executar a pena. A concepção da

exigência punitiva (Binding) desconhece que o Estado, titular do direito de

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penar,realizaseupodernoprocessonãocomoparte,mascomojuiz.

Opoderdecondenaroculpadoéumdireitopotestativo,anterioraoprocesso,

porquenascedodelito,conformealeipenal.Porisso,oconteúdodapretensão

jurídicanoprocessopenaléacusatório,enãopunitivo.

Opoder punitivo não é outra coisa que o poder concreto da justiça penal –

personificado no juiz – de condenar o culpado e executar a pena.O titular da

pretensãoacusatória(acusador)exigequeajustiçapenalexerçaopoderpunitivo

enãoqueseatribuaaelemesmoouaumterceiro,comoocorrenoprocessocivil.

Não existe pedido de adjudicação alguma por parte do acusador, pois não lhe

correspondeopoderdepenar.Porisso,oacusadordetémopoderdeacusar,não

depenar.Logo,jamaispoderiaserumapretensãopunitiva.

Por isso,Goldschmidt considera que o direito penal é umderecho justicial

material, posto que o Estado adjudicou o exercício do seu poder de punir à

Justiça. Existe, dessa forma uma relação jurídica entre a justiça estatal e o

indivíduo.O direito processual penal também é umderecho justicial (formal),

poisexistenoprocessoumarelaçãojurídicaentreotribunaleaspartes.

PartindodateoriapropostaporGoldschmidt,ficaassimrepresentada:

Estado/Tribunal(titulardajurisdiçãopenaledopoderdepenar)

(Acusação=direito

potestativodeacusar)

(poderde

penar-condenar/executar)

(derechojusticialmaterial) 374

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Titulardapretensão

acusatória

(Estadoouparticular)

Acusado

O poder jurisdicional de condenar o culpado é um direito potestativo no

sentido de que necessita de uma sentença condenatória para constituir uma

situaçãonova(decondenado)quepermiteaplicarapenaaoréu.

Depois de a sentença penal condenatória transitar em julgado, criam-se as

condiçõesparaoexercíciodopoderdepunir.Ademaisdejulgaredeterminara

pena,tambémcorrespondeaopoderjurisdicionalafunçãodeexecutar 375apena.

Nãodevemosesquecer a liçãodeGoldschmidtdequeo símboloda justiça

nãoésóabalança,mas tambémaespadaquependesobreacabeçado réue

estánasmãosdojuiz.Éojuizquemdetémopodercondicionadodepunir.

Nessa linha de raciocínio, o objeto do processo penal é uma pretensão

acusatória,poisaaçãopenaldeveservistacomoum“direitoaoprocesso”376–

iusutprocedatur–distintodopodernascidododelitodeimporapenamediante

asentençacondenatóriaetorná-laefetivamedianteaexecução.

O direito do particular ou do Estado-acusador (por meio do Ministério

Público) éum“direito aoprocesso”, completamentedistintodopoderdepunir

que corresponde exclusivamente ao Estado-juiz. Dessa forma, continua-se

entendendo que a ação é um direito abstrato que existe ainda que não exista o

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poderdepenar.

Aaçãopenalévistacomoumpoder jurídicode iniciativaprocessual,como

instrumento de invocação, que gera o poder-dever do órgão jurisdicional de

comprovar a situação do fato que lhe é submetido à análise, para declarar a

existênciaounãodeumdelito.Afirmandoaexistênciadodelito,poderáexercer

opoderdepenar.Semembargo,éimportanteesclarecerqueoobjetodoprocesso

penaléumapretensãoacusatóriaenãoaaçãopenal.Naestruturadapretensão

anteriormente explicada, pode-se comprovar que a ação penal corresponde à

“declaraçãopetitória”.Ouseja,éummeropoderpolíticodeinvocaçãodatutela

jurisdicionalquecorrespondeaumadeclaraçãopetitória.

Trata-se de mero poder político constitucional de invocação da tutela

jurisdicionalpormeiodaacusaçãoformalizadanadenúnciaouqueixa.Umavez

exercidoeiniciadooprocesso,nãohámaisquesefalaremação.Claroqueisso

podecausar alguma resistência, poisvivemosnumPaís emque são impetrados

habeas corpus para trancamento de “ação penal”. Ora, é um erro processual

inequívoco.

Nãose“tranca”açãopenal.Exerce-seopoderdeacusare,umavezexercido

einiciadooprocesso,nãohámaiscomotrancara“ação”,poiselajáseesgotou

nesse exercício.O que se tranca é o “processo”. O tal “trancamento” nada

maisédoqueumaformadeextinçãoanormaldoprocesso,nãodaação,por

óbvio.

Em outra dimensão, como ao acusador corresponde um mero direito

potestativo de acusar, não lhe cabe pedir uma pena em concreto e tampouco

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negociá-lacomoacusado,poisapenaéumamanifestaçãodafunçãopunitivaque

éumaexclusividadedoEstado-tribunal.Então,asformasdepleanegotiationnão

sãoconsequênciasdeumacorretaconcepçãodoobjetodoprocessopenal.

Evidencia-seaquioerrodepensarqueoobjetodoprocessopenaléo ius

puniendi:nãoincumbeaoMinistérioPúblicopunir,poisnãolhepertenceesse

poder (ou mesmo direito). O poder de punir é do juiz, condicionado ao

exercíciointegraleprocedentedaacusação.Sãoelementosdistintosoacusare

opunir.

Emdefinitivo,apenaestáforadopoderdaspartes.ComodisseCarnelutti 377,

ao acusador não lhe compete a potestas de castigar, mas só de promover o

castigo.

Destaque-se que o principal erro de Binding – e condutor de toda uma

equivocadanoçãodeteoriageraldoprocesso–éodecolocaroacusadorna

mesma situação do credor do processo civil, como se o Ministério Público

detivesseopoderpunitivo.Erradoassimafirmar-sequeoobjetodoprocessoé

oiuspuniendi.

Emsíntese:noprocessopenalexistemduascategoriasdistintas:deumlado,o

acusadorexerceo iusutprocedatur, o direito potestativode acusar (pretensão

acusatória) contra alguém,desdequepresentesos requisitos legais; e, deoutro

lado,estáopoderdojuizdepunir.Contudo,opoderdepunirédojuiz(lembre-

se:osímbolodajustiçaéabalança,mastambéméaespada,queestánasmãos

do juiz e pende sobre a cabeça do réu), e esse poder está condicionado (pelo

princípiodanecessidade)aoexercíciointegraleprocedentedaacusação.Aojuiz

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somente se abre a possibilidade de exercer o poder punitivo quando exercido

comintegralidadeeprocedênciaoiusutprocedatur.

Concluindo, o objeto do processo penal é uma pretensão acusatória, vista

comoafaculdadedesolicitaratutelajurisdicional,afirmandoaexistênciadeum

delito,paraveraofinalconcretizadoopoderpunitivoestatalpelojuizpormeio

de uma pena oumedida de segurança.O titular da pretensão acusatória será o

Ministério Público ou o particular. Ao acusador (público ou privado)

correspondeapenasopoderde invocação (acusação),poisoEstadoéo titular

soberano do poder de punir, que será exercido no processo penal pormeio do

juiz,enãodoMinistérioPúblico(emuitomenosdoacusadorprivado).

5.4.Consequênciaspráticasdessaconstrução(ouporqueojuiznãopode(ria)condenarquandooMinistérioPúblicopediraabsolvição...)

As consequências práticas dessa discussão são inúmeras, a começar pela

superação da noção de teoria geral do processo e o respeito às categorias

própriasdoprocessopenaledesuacomplexafenomenologia.Masvamosalém.

Dessaforma,nosdelitosdeaçãopenaldeiniciativapública,oEstadorealiza

dois direitos distintos (acusar e punir) por meio de dois órgãos diferentes

(MinistérioPúblico e Julgador).EssaduplicidadedoEstado (comoacusador e

julgador)éumaimposiçãodosistemaacusatório(separaçãodastarefasdeacusar

e julgar) e não encontra nenhum obstáculo nos princípios de direito público e

tampouconalógica.ÉamesmaduplicidadequepermiteaoEstadoaceitarasleis

emanadasdesimesmo,executá-lasejulgarasuacorretaaplicação.

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Nessa linha de raciocínio, na ação penal de iniciativa pública, Ministério

Público é o titular da pretensão acusatória. Por questão de política criminal, o

modelo brasileiro adota o princípio da legalidade e indisponibilidade (agora

mitigadosnoscrimesdemenorpotencialofensivo)enãooportunidade.Poresse

motivo,oMPnãopossuiplenadisposiçãosobreapretensãoacusatória,quando

naverdadedeveriater.Éinerenteàtitularidadedeumdireitooseuplenopoder

de disposição. Não há argumento – que não uma pura opção política – que

justifique tais limitações impostas pela legalidade e indisponibilidade da ação

penaldeiniciativa-pública.

Semembargodetaislimitações,entendemosqueseoMPpediraabsolvição

(jáquenãopodedesistirdaação)aelaestávinculadoojuiz.

O poder punitivo estatal está condicionado à invocação feita peloMP pelo

exercíciodapretensãoacusatória.Logo,opedidodeabsolviçãoequivaleaonão

exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de

procedercontraalguém.

Comoconsequência,nãopodeojuizcondenar,sobpenadeexerceropoder

punitivo sem a necessária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo

inquisitivo.

ComodisseCarnelutti 378,aoacusadornãolhecompeteapotestasdecastigar,

massódepromoverocastigo.

Ademais, tambémviola o princípio da correlação, namedida emque o juiz

está decidindo sem pedido, ou, pelo menos, completamente fora do pedido,

ferindodemorteoprincípiodacorrelaçãoquenorteiaoespaçodecisório379.

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Emoutradimensão,nosdelitosdeaçãopenaldeiniciativaprivada,osenso

comum teórico “manualístico” segue repetindo que “institui-se a ação penal

privada,umadashipótesesdesubstituiçãoprocessual,emqueavítimadefende

interessealheio(direitodepunir)emnomepróprio”380.

Trata-sedeumerroimperdoáveldequempartiudeumapremissaequivocada.

Nos delitos de ação penal de iniciativa privada, o particular é titular de uma

pretensãoacusatóriaeexerceoseudireitodeação,semqueexistadelegaçãode

poderousubstituiçãoprocessual.Emoutraspalavras,atuaemdireitopróprio(o

deacusar)damesma formaqueo fazoMinistérioPúbliconosdelitosdeação

penaldeiniciativapública.

Ao ser regida pelos princípios da oportunidade/conveniência e

disponibilidade, se o querelante deixar de exercer sua pretensão acusatória,

deveráojuizextinguirofeitosemjulgamentodoméritoou,pelasistemáticado

CPP,declararaextinçãodapunibilidadepelaperempção(art.60doCPP).Como

sevê,asistemáticadoCPPestáemplenaharmonia–noquetangeàaçãopenal

privada–comaposiçãoaquidefendida.

Igualmente perigosa é a inadequada utilização dos institutos da emendatio

libelli,previstosnoart.383doCPP,poiséumafaláciaaconstruçãodeque“o

réusedefendedosfatos”,decorrentedo“narra-meofatoquetedireiodireito”.

Nãoéverdade.Sobreacomplexidadedessetema,remetemosoleitorparanossa

obraDireitoprocessualpenal,ondetratamoscommaiorprofundidade.

Ojuiz,aomudaraclassificação jurídicadodelito,dandoaelea tipificação

que lhepareçamais adequada,principalmentequando isso signifiqueumapena

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mais grave, comete uma violenta afronta ao sistema acusatório e ao direito de

defesa. Ademais, preocupante desvio do conteúdo da pretensão acusatória,

podendorepresentarumaerrôneaposturadeassumirosrumosdaacusação.

Concluindo,senoprocessociviloconteúdodapretensãoéaalegaçãodeum

direitopróprioeopedidodeadjudicaçãodeste,noprocessopenal,éaafirmação

do nascimento de umdireito judicial de penar e a solicitação de que oEstado

exerça esse direito (potestas). O acusador tem exclusivamente um direito de

acusar,afirmandoaexistênciadeumdelitoe,emdecorrênciadisso,pedeaojuiz

(Estado-tribunal) que exercite o seu poder de condenar o culpado e executar a

pena.OEstadorealizaseupoderdepenarnoprocessopenalnãocomoparte,mas

como juiz, e esse poder punitivo está condicionado ao prévio exercício da

pretensão acusatória.Apretensão social que nasceu como delito é elevada ao

status de pretensão jurídica de acusar, para possibilitar o nascimento do

processo.

NessemomentotambémnasceparaEstadoopoderdepunir,masseuexercício

está condicionadoà existênciaprévia e total doprocessopenal.Seo acusador

deixardeexercerapretensãoacusatória–desistindooupedindoaabsolvição–,

caiporterraapossibilidadedeoEstado-juizatuaropoderpunitivoeaextinção

dofeito(absolvição)éimperativa.

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Sobreoautor

Aury Lopes Jr. é Doutor em Direito Processual Penal pela Universidad

Complutense de Madrid. Professor Titular de Direito Processual Penal da

PUCRS. Professor no Programa de Pós-Graduação – Doutorado, Mestrado e

Especialização – em Ciências Criminais da PUCRS. Vice-Presidente da

FEDERASUL e da Associação Comercial de Porto Alegre. Parecerista e

conferencista.Advogadocriminalista.

Site:www.aurylopes.com.br

E-mail:[email protected]

Facebook:AuryLopesJr.

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Textodeorelha(capa)

É com imenso prazer que trago ao leitor a presente obra Fundamentos do

ProcessoPenal – IntroduçãoCrítica, que constitui o resgate das ideias básicas

que sustentei em um “livrinho”muito especial, intitulado IntroduçãoCrítica ao

ProcessoPenal, publicado comgrande sucesso entre 2004- 2010, e também se

apresenta agora como um necessário complemento para meu manual Direito

ProcessualPenal,publicadopelaEditoraSaraiva.

Aobra situa-se no campoda crítica, logo, um espaço a ser preenchido, que

parte, entre outras, da premissa de que todo saber é datado. Toda doutrina ou

teoriatemprazodevalidade,comoensinaEinstein.Namesmalinha,Ostaponta

que“todaciênciacomeçaporumarecusa(...)oespíritocientíficomede-sepela

sua capacidade de requestionar as certezas do sentido comum, tudo aquilo que

Bachelarddesignavapelonomede“obstáculoepistemológico”.

Para analisar os fundamentos do processo penal partimos de três pilares

básicos:respeitoàscategoriasjurídicasprópriasdoprocessopenal(e,portanto,

recusa à teoria geral do processo); filtragem constitucional e de

convencionalidade (imprescindibilidade de leitura conforme a Constituição e a

Convenção Americana de Direitos Humanos); e interdisciplinaridade

(consciênciadainsuficiênciadomonólogojurídicoemumasociedadecomplexa).

Ficaria satisfeito se esse trabalho constituísse uma recusa, mas também um

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instrumentodeóciocriativo,umaleituraagradáveleestimulante,capazdegerar

umasalutarinquietaçãonoleitore,assim,aguçarsuarecusa-criatividade.

Oautor

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Textode4ªcapa

Olivropropõeumarevisãodosfundamentosdoprocessopenalaoverticalizar

o estudo do fundamento da sua existência, fazendo uma releitura crítica da

conhecida“santatrindade”ação-jurisdição-processo.Paraisso,analisaasteorias

da ação (rectius acusação) e respectivas condições de sua admissibilidade,

demonstrandoainadequaçãodasdiversasteoriasdaação,poispensadasparao

processo civil e inadequadasparaoprocessopenal, propondoa construçãode

uma teoria da acusação; problematiza sobre o “lugar” da jurisdição penal,

mostrandoaimportânciadadiscussãoemtornodossistemasprocessuaispenais

(inquisitório, acusatório e misto (?)) para além da reducionista visão da mera

separaçãoinicialdasfunções;revisitaasteoriasqueexplicamanaturezajurídica

do processo (um tema da maior relevância para concepção democrática ou

autoritária de um processo penal), expondo as posições de Bülow,

desconstruindo-aaseguircomateoriadeGoldschmidt,atéchegarnocontributo

deFazzalari;efinalizacomareconstruçãodogmáticadoobjetoprocessopenal,

ondeoautordemonstraainadequaçãodotermo“pretensãopunitiva”edemonstra

suapropostade“pretensãoacusatória”.

Tudo isso a partir de uma perspectiva constitucional e convencional,

enriquecida pela análise interdisciplinar (consciência da falência domonólogo

científico).Enfim,umaobrasobre“fundamentos”,masquesesituanocampoda

críticaedarecusa,buscandorequestionarascertezasdosentidocomum.

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1.CORDERO,Franco.Ritiesapienzadeldiritto,p.410.

2.Sobreotema,v.osexcelentesensaiosdeCORDERO,Franco.Lestraneregoledelsignor,264p.;edomesmoautor,Nereluned’Italia:segnalidaunannodifficile,224p.

3.2.ed.,374p.

4.In:GAUER,RuthM.Chittó(org.).Aqualidadedotempo:paraalémdasaparênciashistóricas,p.139ess.

5.Ésóverdele,dentreoutros,oProcesoyderechoprocesal,834p.

6.BETTIOL,Giuseppe.Instituiçõesdedireitoeprocessopenal,p.273.

7.Quintana,Mario.Antologiapoética,p.80.

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1.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.7.

2.Logo, considerandoque todo saberédatado, interessa-nosmais a pergunta do que a resposta dadapeloautornaquelemomento.

3.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.67.

4.STRECK,LenioLuiz.Jurisdiçãoconstitucionalehermenêutica,p.19.

5.TAVARES,Juarez.Teoriadoinjustopenal,p.162.

6.Idem.

7.TAVARES,Juarez.Teoriadoinjustopenal,p.200.

8.Idem.

9.PRADO,Geraldo.Sistemaacusatório,p.16.

10.Ibidem,p.44.

11.Lacienciadelajusticia–Dikelogía,p.201.

12.BETTIOL,Guiseppe.Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.54ess.

13.Ibidem,p.174.

14.SARLET,IngoWolfgang.DignidadedapessoahumanaedireitosfundamentaisnaConstituiçãoFederalde1988,2.ed.,p.74.

15.Ibidem,p.115.

16.TAVARES,Juarez.Teoriadoinjustopenal,3.ed.,p.162.

17.Idem.

18.ZAFFARONI,EugenioRaúl;PIERANGELI,JoséHenrique.Manualdedireitopenalbrasileiro,p.96.

19.NoprólogodaobradeFERRAJOLI,Derechoyrazón–teoríadelgarantismopenal,p.18.

20.FERRAJOLI,Luigi.Derechosygarantías–Laleydelmásdébil.

21.Laspartesenelprocesopenal,p.272.

22. “Lei, para que(m)?” Escritos de direito e processo penal em homenagem ao Professor PauloCláudioTovo,p.56ess.

23.Écomplexaaproblemáticadoutrináriaacercadaexistênciadepartesnoprocessopenal.Nãosendoomomento oportuno para enfrentá-la, limitamo-nos a esclarecer que quando falamos em partes estamos

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aludindoaumprocessopenaldepartes,quetrataosujeitopassivonãomaiscomoummeroobjeto.

24.Oucargas,expectativaseperspectivas,seadotarmosateoriadoprocessocomosituaçãojurídica,deJamesGoldschmidt.

25.ExplicaRuthChittóGauer(“Algunsaspectosdafenomenologiadaviolência”.AFenomenologiadaviolência,p.13ess.)queaviolênciaéumelementoestrutural, intrínsecoaofatosocialenãoorestoanacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção. Esse fenômeno aparece em todas associedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano: basta atentar para aquestão da violência no mundo atual, tanto nas grandes cidades como também nos recantos maisisolados.

26.Sóojuristaconscientedainsuficiênciadomonólogojurídicoestáaptoacompreenderacomplexidadecaracterísticadasociedadecontemporânea.Paratanto,deveterhumildadecientíficasuficienteparasocorrer-sedeleiturasdesociologia,antropologia,história,psiquiatriaetc.,semfalarnolastrofilosófico.Nãoháespaçoparaoprofissionalalienado,porqueelealiénada.

27.BAUMAN,Zygmunt.Omal-estardapós-modernidade,p.14.

28.Idem.

29.Ibidem,p.15.

30.Ibidem,p.23.

31.Ibidem,p.24.

32.WACQUANT,Loic.Asprisõesdamiséria,p.18.

33.Ibidem,p.22.

34.Idem.

35. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Edward Rocha de. “Teoria das janelasquebradas:eseapedravemdedentro?”RevistadeEstudosCriminais,PortoAlegre,p.23ess.

36.WACQUANT,Loïc.Asprisõesdamiséria,p.22ess.

37.ImigrantehaitianoquefoivítimadetodotipodetorturasexualapósserdetidoilegalmenteeconduzidoaumpostopolicialdeManhattan.

38. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral, p. 7 e ss. Para compreensão dacomplexidadequeenvolveessatemática,imprescindívelaleituradaobraAcriminologiaradical,domesmoautor,recentementereeditadapelaEditoraLumenJuris.

39.WACQUANT,Loic.Asprisõesdamiséria,p.34-35.

40.Ibidem,p.37.

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41.KARAM,MariaLúcia.“Aesquerdapunitiva:EntrevistacomMariaLúciaKaram”,p.11ess.Outromovimentopunitivomuitobemanalisadopelaautoraéa“esquerdapunitiva”.SegundoKaram,talmovimentoiniciou-se com a fantasia de querer usar o sistema penal contra as classes dominantes. Com a perda doreferencial socialista, a esquerda ficou semperspectivade futuro.Nãohámais socialismo,nem revoluções,fazendocomqueaesquerdasetornasse“eleitoreira”.Issosignificaajustarodiscursoà“opiniãopública”ou,melhor, “opinião publicada”, perfilando-se ao lado do discurso punitivo do law and order no “combate àviolência”. Em outras palavras, a esquerda punitiva passou a defender a máxima intervenção penal,corroborandoàsideiasdosmovimentosdeextremadireitadaleiedaordem.Assumiuodiscursodarepressãoao crime organizado, com o consequente utilitarismo processual (supressão de garantias processuais) ebanalização do direito penal (maximização), sem perceber que tal endurecimento contamina todo o sistemapenaleculminaporatingirosprópriosexcluídos,quesão“clientespreferenciais”dosistema.Bastarecordarque 90% dos réus procuram a defensoria pública, porque não têm condições de pagar um advogado. Issoreflete,semdúvida,umaprofundacrisedeparadigmas.

42. BATISTA, Vera Malaguti de Souza. “Intolerância dez, ou a propaganda é a alma do negócio”.Discursossediciosos.

43.Veja-seaobradeBitencourt,CesarRoberto.Falênciadapenadeprisão.

44. Por ora, parece-nos que o abolicionismo é utópico, principalmente nos pobres países da AméricaLatina.

45.ZAFFARONI,EugenioRaúl.“Desafiosdodireitopenalnaeradaglobalização”.RevistaConsulex,p.27ess.

46.Criminología,p.288.

47.ZAFFARONI,EugenioRaúl.“Desafiosdodireitopenalnaeradaglobalização”,p.27ess.

48. CARVALHO, Salo de. “A Ferida Narcísica do Direito Penal (primeiras observações sobre as(dis)funções do controle penal na sociedade contemporânea)”. A qualidade do tempo: para além dasaparênciashistóricas,p.207.

49. Como explica Cezar Bitencourt (Manual de direito penal, v. 1, p. 11-12), o “princípio daintervençãomínima, tambémconhecidocomoultimaratio,orientae limitaopoder incriminadordoEstado,preconizandoqueacriminalizaçãodeumacondutasóselegitimaseconstituirmeionecessárioparaaproteçãode determinado bem jurídico”, cujos outros meios de controle social revelaram-se insuficientes. Afragmentariedadeédecorrênciadaintervençãomínimaedareservalegal,significandoqueodireitopenal“nãodeve sancionar condutas lesivas dos bens jurídicos,mas tão somente aquelas condutasmais graves emaisperigosas praticadas contra bens mais relevantes”. Sem embargo, na atualidade, o discurso fácil dorepressivismo saneador fez com que o direito penal simbólico – de máxima intervenção – sepultasse taisprincípios, reforçando a necessidade de termos um processo penal ainda mais preocupado em resgatar a

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eficáciadosistemadegarantiasdoindivíduo.

50. Estamos nos referindo ao risco exógeno (sociologia do risco) e endógeno (inerente ao processo,enquantosituaçãojurídicadinâmicaeimprevisível).Ambosserãotratadosnacontinuação.

51.Sobreotema:VIRILIO,Paul.Ainérciapolar.

52.Avelocidadedalibertação,p.10.

53.OST,François.Otempododireito,p.353.

54.Ibidem,p.377.

55. No que se refere ao casamento, Ost (ob. cit., p. 390) aponta para um tempo conjugal maispermanente,quesobreviveaotempodocasamento.Ocasalparentalsobreviveaocasalconjugalnamedidaem que – apesar de o elo conjugal ter deixado de existir – a filiação simbólica em relação à criançapermanece. A responsabilidade educativa dos dois cônjuges sobrevive ao tempo do casamento, sendoincondicionalepermanente.Épossíveldivorciar-sedocônjuge,masnãodosfilhos.

56.Avelocidadedalibertação,p.26.

57.OST,François.Otempododireito,p.323.

58.Ibidem,p.356.

59.Quenãopodeserconfundidocomtécnicasdesumarização(horizontalevertical)dacognição.Sobreotemaveja-senossaobraDireitoprocessualpenalesuaconformidadeconstitucional.

60.RAUX,Jean-François.“Prefácio:elogiodafilosofiaparaconstruirummundomelhor”.A sociedadeembuscadevalores,p.13.

61.Idem.

62.OST,François.Otempododireito,p.359.

63.Idem.

64.Ibidem,p.362.

65.OST,François.Otempododireito,p.366.

66.Aoladodoriscoexógeno,inerenteanossasociedadederisco.

67.Otempododireito,p.371.

68.Democraciaaquiéconsideradaemumadimensãosubstancial,enquantosistemapolíticoeculturalquevaloriza,fortalece,oindivíduoentretodofeixederelaçõesqueelemantémcomosdemaisecomoEstado.

69.MESSUTI,Ana.Otempocomopena,p.103.

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70.EINSTEIN,Vidaepensamentos,p.100.

71. Sobre o tema, consulte-se o trabalho deGiuseppeMosconi, “Tiempo social y tiempode cárcel”. In:BEIRAS,IñakiRivera;DOBON,Juan(orgs.).Secuestrosinstitucionalesyderechoshumanos:lacárcelyelmanicomiocomolaberintosdeobedienciasfingidas.

72.ALONSO,PedroAragoneses.Institucionesdederechoprocesalpenal,p.7.

73. Salvo aquelas protegidas pelas causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade juridicamentereconhecidaspelodireitopenal.

74.AROCA,JuanMontero.Principiosdelprocesopenal–unaexplicaciónbasadaen larazón, p.15.

75.ComoexplicaORBANEJA,EmilioGómez.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,t.I,p.27ess.

76.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,t.I,p.27.

77.Normaprocessualpenalespanhola–LeydeEnjuiciamientoCriminal.

78.SeguindoAROCA,JuanMontero,Principiosdelprocesopenal,p.16ess.

79.Apesardisso,cumpredestacarqueomonopólioestataldeperseguirepunirestásendoquestionadoacadadiacommaisforça,comoimplementodeprincípios,comooportunidadeeconveniênciadaaçãopenal,aumento do número de delitos de ação penal privada ou pública condicionada, e com as possibilidades detransaçãopenal(pleabargaining).A justiçanegociadaconfiguraumaperigosaeequivocadaalternativaaoprocessopenal.

80.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.25.

81.Principiosdelprocesopenal,p.19.

82. Sobre o tema, consultem os diversos trabalhos constantes na obra Crítica à execução penal –doutrina,jurisprudênciaeprojetoslegislativos,organizadaporSalodeCarvalhoepublicadapelaEditoraLumenJuris.

83.ConformeexplicamFigueiredoDiaseCostaAndradenaobraCriminologia–Ohomemdelinquenteeasociedadecriminógena.p.365ess.

84.ComoexplicaLEONE,Giovanni.Elementididirittoeprocedurapenale,p.189.

85.ImprescindívelaleituradeGeraldoPrado,naexcepcionalobraSistemaacusatório.

86.DINAMARCO,CândidoRangel.Ainstrumentalidadedoprocesso.

87.ROSA,AlexandreMoraisda.Direitoinfracional:garantismo,psicanáliseemovimentoantiterror,p.135ess.

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88.Idem.

89.Idem.

90. No Prefácio da nossa obra Introdução crítica ao processo penal – fundamentos dainstrumentalidadeconstitucional.

91.SANTOS,AndrésOliva.NaobracoletivaDerechoprocesalpenal,p.6.

92.OriginariamentepublicadonaRivistadiDirittoProcessuale,v.1,parte1,p.73-78.Emespanhol,foipublicadocomotítulo“LaCenicienta”,naobraCuestionessobreelprocesopenal,p.15-21.

93.Carneluttiteveumaproduçãocientíficabastanteampla,prolixaaté,escrevendododireitocomercialaodireito penal, passando pelo processo civil e pelo processo penal. Natural que cometesse, como de fatocometeu, diversos tropeços nessa longuíssima caminhada dogmática. Também caiu diversas vezes emcontradição.Emcasosassim,éprecisoconhecertambémoautordasobras,paranãofazerequivocadosjuízosapriori.Fazemosessaadvertênciaporque,emquepesenofinaldavidaterfeitoverdadeirasdeclaraçõesdeamoraodireitopenaleaoprocessopenal,lutandoporsuaevoluçãoevalorização,tambémfoieleumdefensordaequivocadateoriaunitária(teoriageraldoprocesso),pensandoseroconceitodelidealgounificador.Logo,LaCenicientadevesercompreendidanessecontexto(enessesconflitoscientíficosqueelemesmovivia).

94.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.54.

95.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.Alideeoconteúdodoprocessopenal,p.119.

96.Nomesmosentido,AndrésOlivaSantos,naobracoletivaDerechoprocesalpenal,p.51.

97.AquiestamosfazendoalusãoaocomplexopensamentodeSimmel,quando,jáem1896,escreveusobre“Odinheironaculturamoderna”,demonstrandooprocessodecoisificaçãodahumanidade.Importante,ainda,aleituradeRuthGauer(Oreinodaestupidezeoreinodarazão,p.146ess.),quando,abordandoSimmel,explicaquea“mortedohomem”foidiagnosticadaquandooautoranalisouopapeldodinheironasociedadeeaseparaçãoentreasculturassubjetivaeobjetiva.Essacoisificaçãodoserhumanolevouaodomíniodacoisasobreohomem.ComoexplicaGauer,odinheiroéoDeusmoderno,onipotenteeonipresente,umaunidadeereferência,queuneatodos.“Suabuscaéasuafalta,produzoritmonervosoeoestressedavidamoderna.Quenovotipodevidaodinheiroconstitui?”.

98.CARNELUTTI,Francesco.LaCenicienta.Cuestionessobreelprocesopenal,p.19.

99.Direitopenal–ParteGeral,p.655.

100.Sobreessaeasdemaisquestõesmencionadasnestetópico,sugerimosaleituradenossaobraDireitoprocessualpenal,publicadapelaeditoraSaraiva,ondeessestemassãotratadoscommaisprofundidade.

101.Acríticadirige-seàvisãotradicional,paleopositivistaearraigadanodogmadacompletudelógicadosistema. Da mesma forma, a crítica está dirigida à ilusão de controle que emerge do conceito. Como

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explicaremosnofinal,atalsegurançajurídicadeveser(re)pensadanoatualcontexto(deinsegurançaexógenae endógena) enquanto instrumento limitador do poder punitivo estatal e emancipador do débil submetido aoprocessopenal.

102.TrabalhamosaquicomosconceitosdeBeckcontidosnaobraLasociedaddelriesgo;etambémdeGoldblatt,“Asociologiaderisco–UlrichBeck”.Teoriasocialeambiente.

103.BECK,Ulrich.Lasociedaddelriesgo,p.11.

104.InvocandoBeck,Goldblatt(“Asociologiaderisco–UlrichBeck”,p.232)citaoexemplodapoluiçãocausada por uma siderurgia ou fundição, no século XIX ou meados do século XX: o lixo produzido tinhaconsequências relevantesemnível localparaaspessoasque trabalhavamláeparaacomunidade local,quebebiaaáguaerespiravaoarcontaminado.Contudo,essaameaça(mesmoconsiderandotodasassiderurgiasdomundo)nãoalcançavapopulaçõesinteiras,nemoplanetanoseutodo.

105.GOLDBLATT,“Asociologiaderisco–UlrichBeck”,p.233.

106.GOLDBLATT,David.“Asociologiaderisco–UlrichBeck”,p.240.

107.Otempododireito,p.324.

108.COMTE-SPONVILLE,André.Oser-tempo,p.18.

109. MORIN, Edgar; PRIGOGINE, Ilya et al. “A sociedade em busca de valores”. Para fugir àalternativaentreocepticismoeodogmatismo.

110. Gilles Lipovetsky (“A era do após-dever”, p. 30-31) explica que existem três fases essenciais nahistóriadamoralocidental.Aprimeiraémarcadapelomomentoteológicodamoral,emqueelaerainseparáveldosmandamentosdeDeusedaBíblia.Asegundafase,queinicianofinaldoséculoXVII,élaico-moralista,emquesebuscafundarasbasesdeumamoralindependentedosdogmasreligiososedaautoridadedaigreja.Éumamoralpensadaapartirdaracionalidade,emqueohomempodealcançarumavidamoralsemaajudadeDeusedosdogmasteológicos.Porfim,aterceirafaseéa“pós-moralista”econtinuacomoprocessodesecularizaçãopostoemmarchanosséculosXVIIeXVIII.Éumasociedadequeestimulamaisosdesejos,afelicidadeeosdireitossubjetivos,semaculturadaéticadesacrifícios.

111.LIPOVETSKY,Gilles.“Aeradoapós-dever”,p.35.

112.BRUCKNER,Pascal.“Filhosevítimas:otempodainocência”,p.55.

113.Ibidem,p.56.

114. CARVALHO, Salo de. “A ferida narcísica do direito penal (primeiras observações sobre as(dis)funçõesdocontrolepenalnasociedadecontemporânea)”,p.189.

115.Ibidem,p.206.

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116.“Algunsaspectosdafenomenologiadaviolência”,p.13ess.

117. Sobre o mito da verdade real e sua desconstrução, remetemos o leitor para nossa obraDireitoprocessualpenal,publicadapelaEditoraSaraiva.

118.EINSTEIN.Vidaepensamentos,p.16-18.

119.HAWKING,Stephen.Ouniversonumacascadenoz,p.11.

120. Contudo, ensina Hawking (ob. cit., p. 79), “a relatividade geral falhou ao tentar descrever osmomentosiniciaisdouniversoporquenãoincorporavaoprincípiodaincerteza,oelementoaleatóriodateoriaquânticaaqueEinsteintinhaseoposto,comoopretextodequeDeusnãojogadados”(recordemosdacélebrefrasedeEinstein: “Deusnão jogadadoscomoUniverso”).Mas,aoque tudo indica,prossegueHawking,éque Deus seja um grande jogador, onde o Universo não passa de um imenso cassino, com dados sendolançadoseroletasgirandoatodomomento.Existeumgranderiscode“perderdinheiro”acadalançamentodedados,masexisteumaprevisibilidade(probabilidade),senãoosproprietáriosdeCassinosnãoseriamtãoricos!Omesmoocorrecomograndeuniversoquetemoshoje,emqueexisteumnúmeroenormedelançamentodedados,emqueamédiaderesultadospodeserprevista.Éaquiqueasleisclássicasdafísicafuncionam:paraosgrandessistemas.Semembargo,quandoouniversoéminúsculo,comooerapróximoàépocadobig-bang,“onúmerode lançamentosdedadosépequeno,eoprincípioda incertezaémuito importante”.Aquiestáafalha da relatividade, ao não incorporar esse elemento aleatório da incerteza. Hoje, a incerteza está tãoarraigadanasdiferentesdimensõesdavida(economia,sociologia,antropologiaetc.)queadiscussãosuperaafaseda“probabilidade”,paraatingironívelda“possibilidade”,ouaindadas“propensões”,comodefiniuKarlPopper(aolongodaobraUmmundodepropensões),paraquem“atendênciaparaqueasmédiasestatísticassemantenham, se as condições semantiverem estáveis, é uma das característicasmais notáveis do nossouniverso. Sustento que isso só pode ser explicado pela teoria da propensão que sãomais do que meraspossibilidades, são mesmo tendências ou propensões para se tornarem realidade; ou propensões para serealizaremasimesmas,asquaisestãoinerentesatodasaspossibilidadesemváriosgrausequesãoalgocomoumaforçaquemantémasestatísticasestáveis”(ob.cit.,p.24).Apropensão,entendemos,poderiaserdefinidacomouma“possibilidadequalificada”, conduzindoassimaoabandonodacategoria “probabilidade”diantedoprincípiodaincerteza.

121.VIRILIO,Paul.Ainérciapolar,p.19.

122.THUMS,Gilberto.Sistemasprocessuaispenais:tempo,dromologia,tecnologiaegarantismo,p.21.

123.HAWKING,Stephen.Ouniversonumacascadenoz,p.94.

124.OST,François.Otempododireito,p.324.

125.Ibidem,p.327.

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126.Ibidem,p.332.

127.OST,François.Otempododireito,p.335.

128. Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatorias y los presupuestos procesalespublicada(originalemalemão)em1868.

129.BETTIOL,Guiseppe.Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.243.

130.GUASP,Jaime.“Administracióndejusticiayderechosdelapersonalidad”,p.180ess.

131.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.49.

132. Ensina Einstein (ob. cit., p. 66-68) que “o princípio criador reside namatemática; a sua certeza éabsoluta,enquantosetratadematemática,abstrata,masdiminuinarazãodiretadesuaconcretização[...]astesesmatemáticasnãosãocertasquandorelacionadascomarealidadee,enquantocertas,nãoserelacionamcomarealidade”.

133.Sobreosperigosdo“decisionismo”eo“solipsismo”,recomendamosaleituradeLenioStreck,entreoutros,naobraOqueéisto–decidoconformeaminhaconsciência?

134. Aqui apenas vamos indicar a base principiológica. Sugerimos a leitura da nossa obra Direitoprocessualpenal,publicadapelaeditoraSaraiva,emqueaprofundamosaanáliseeproblematizaçãodetodosecadaumdeles.

135.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”.Críticaàteoriageraldodireitoprocessualpenal,p.47.

136.BUENODECARVALHO,Amilton.Teoriaepráticadodireitoalternativo,p.56-57.Consulte-se,também,aexcelenteobradeDiegoJ.DuquelskyGomez,Entrealeieodireito.

137.Idem.

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138.ORBANEJA,EmilioGómez;QUEMADA,VicenteHerce.Derechoprocesalpenal,p.86.

139.ALCALÁ-ZAMORAYCASTILLO,Niceto.Estudiosdeteoríageneralehistoriadelproceso–1945/1972,p.324-325.

140.Direitoprocessualpenal,p.88ess.

141.ComoexplicaNICETOALCALÁ-ZAMORAYCASTILLO,naobraEstudiosdeteoríageneralehistoriadelproceso–1945/1972,p.325-326.

142.“Lapretensiónprocesal”,p.588.

143.Ibidem,p.604.

144.ROSENBERG,Leo.Tratadodederechoprocesalcivil,p.27ess.

145.COUTURE,EduardoJ.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.60ess.

146.Seráexplicadoalcancedessadefiniçãoadiante.

147.ALCALÁ-ZAMORAYCASTILLO,Niceto;LEVENE,Ricardo.Derechoprocessalpenal,p.62e63.Adverteoautor,comacerto,queaaçãopenalnãosedirige“contra”osujeitopassivo,senão“ao”tribunalparaque,comodetentordopoderdepunir,oexerçaumavezacolhidaapretensãoacusatória.

148.GUASP,Jaime.Derechoprocesalcivil,p.281.

149. O que segue é uma análise da obra Polémica sobre la actio, que reúne os vários trabalhos deWindscheid e Muther que constituíram e deram corpo à famosa “Polêmica”. Importante ainda é a leituraatentada“introducción”feitaporGiovanniPugliese,queutilizamosamplamente,equebemsintetizaodebate.

150.ExpressãodePugliesenaintroduçãoàPolémicasobrelaactio,p.XII.

151.CHIOVENDA,Giuseppe.Laacciónenelsistemadelosderechos,p.5ess.

152.“Inaplicabilidadedoconceitodeaçãoaoprocessopenal”,p.47-61.

153.CHIOVENDA,Laacciónenelsistemadelosderechos,p.14.

154.Introducción...,p.XIII.

155.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.57ess.

156.Derechoprocesalpenal,p.67.

157.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.64.

158.Idem.

159.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.37.

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160.LÓPEZ,MiguelPastor.Elprocesodepersecución,p.149.

161.Elprocesodepersecución,cit.,p.90.

162.NaobracomVicenteHerceQuemada,Derechoprocesalpenal,p.89.

163.Partindodeumapreocupaçãodiversadanossa,masigualmenteatentoàscategoriasjurídicasprópriasdo processo penal, Rogério Lauria Tucci (Teoria do direito processual penal, p. 74-76) propõe umaconciliaçãoentreasteoriasdaaçãocomodireitoabstratoeemsensoconcreto,partindoparaadistinçãoentreação judiciáriaeaçãodaparte,sendoaprimeiraatinenteaosatospraticadospelosórgãos jurisdicionais,easegunda“conferidaaossujeitosparciaisdarelaçãojurídicacujadefiniçãoeconcretizaçãolhessãosolicitadas,e que naquela naturalmente se subsumem”. Importante, ainda, na estrutura teórica do autor, a seguintedistinção: “o direito subjetivo material em referência é o direito à jurisdição, correntemente denominadodireitodeação;eo(direito)processualconsubstancia-senaação,propriamentedita,quesecaracterizapelaefetivaçãodoexercíciododireitoàjurisdição”.Assim,paraTucci(Teoriadodireitoprocessualpenal,p.80),açãoé“umdireitoabstrato(emlinhaeprincípio,atéporque,comela,seconcretiza),autônomo,público,genéricoesubjetivo,qualseja,odireitoàjurisdição”.Quantoaobinômioconcreto/abstrato–núcleodenossadiscussãoaqui–,Tuccipropõeaseguinteconstrução:“éabstratoporqueindependentedeserfundada,ounão,apostulaçãodotitulardodireitomaterial(aoqualé,porém,conectado).Econcreto,namedidaemqueganhaefetividade com o aforamento da ação”. Nesse ponto (especialmente no que se refere ao “conectado aodireitomaterial”)pensamoshaverumacoincidênciaentrenossaposiçãoeaconstruçãodeTucci.

164.Alideeoconteúdodoprocessopenal,p.145ess.

165.Sublinhe-sequeadotamospartedoconceitode JacintoCoutinho,quedivergedenossaposiçãoemoutrosaspectosreferentesaoobjetodoprocessopenal(ouobjeto,comoclassificamalgunsautores).

166.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.84.Pensamosqueascondiçõesdaaçãodevemserrepensadas–efetivamente–àluzdoprocessopenal,poiséfrágilaconstruçãodeque,porexemplo,aatipicidadeoualicitudedacondutanãoenvolveriaumaincursãonomérito.Ademais,destaque-seque–napráticadiáriadostribunaisbrasileiros–,umavezrecebidaadenúnciaouqueixa,alega-sequenãosepodemaisfalaremrejeição,demodoqueosjuízes,aindaquemanifestaailegitimidadepassiva(nãosendooréuoautordofato),culminamporproferirumasentençaabsolutóriacombasenoart.386,IVouV.Pensamosquenadaimpedeojuizde,umavezrecebidaadenúncia,decretaranulidadedessadecisãoerejeitar,ouseja,nãoexistepreclusãoparao juizeelepode,aqualquer tempo,reconhecerumanulidadeabsolutaerefazeroato.

167.AexpressãoédeJacintoNelsondeMirandaCoutinho.

168. No que tange à ação de iniciativa pública, o poder político constitucional nasce do art. 129, I, daConstituiçãoe,considerandoaobrigatoriedade–paraoMP–daaçãopenalnessescrimes,estamosdiantedeumpoder-dever.Dequalquerforma,feitaessaressalva,éperfeitamenteaplicávelateoriado“direitodedois

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tempos”exposta,poisnoprimeiromomentoestamosnadimensãoconstitucionale,nosegundo,naprocessualpenal,ondeentãopodemosfalaremcondiçõesdaação.

169.NaRevistadeDerechoProcesal,Madrid,1949.TambémpublicadonaobraJaimeGuaspDelgado– Pensamiento y Figura, da coleção “Maestros Complutenses de Derecho", organizada por PedroAragonesesAlonso.

170.JARDIM,AfrânioSilva.Direitoprocessualpenal,p.95.

171.TOURINHOFILHO,FernandodaCosta.Processopenal,p.494.

172.ComoexplicaORBANEJA,EmilioGómez.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.27ess.

173.Osautoresquetrabalhamcoma(civilistaeinadequada)categoriadepossibilidadejurídicadopedidocostumamempregarexemploscomoessesparademonstrarsituaçõesemqueopedidodecondenaçãoseria“juridicamenteimpossível”.Naverdade,aquestãositua-seemoutraesfera,qualseja,naexigênciadequeofatosejaaparentementecriminoso.

174.ASSISMOURA,MariaTherezaRocha.Justacausaparaaaçãopenal,p.99.

175.Ibidem,p.119.

176.Ibidem,p.173.

177.Direitoprocessualpenal,p.99.

178.Tratadodedireitopenal,p.19.

179.TUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.97.

180.NaobracomVicenteHerceQuemada,Derechoprocesalpenal,p.89.

181.NaobraTratadodederechoprocesalpenal,p.130ess.

182.Advirta-sequepartedadoutrinaconcebecomodireitopúblicosubjetivoenãopotestativo.

183.Sobreesseedemaistemas,consulte-senossaobraDireitoprocessualpenal.

184.ConformenossoDireitoprocessualpenal.

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185.BELING,Ernst.Derechoprocesalpenal,p.21.

186.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.67.

187.MAIER,JulioB.J.Derechoprocesalpenal–fundamentos,p.260.

188. Nosso objeto de estudo está circunscrito à estrutura dos sistemas, buscando definir suas notasprocessuais características. Por esse motivo, o aspecto histórico (ainda que extremamente relevante) serátratadocombastantesuperficialidade.Recomendamos,paraaprofundaroestudo,aleitura(entreoutras)dasseguintes obras: Julio Maier,Derecho procesal penal: fundamentos (especialmente o Capítulo II, § 5º);VicenzoManzini,Derecho procesal penal, t. I; AlfredoVélezMariconde,Derecho procesal penal, t. I;Ernst Beling, Derecho procesal penal; Franco Cordero, Procedimiento penal (ou a obra Guida allaprocedura penale); José Henrique Pierangelli, Processo penal: evolução histórica e fontes legislativas; eGeraldoPrado,Sistemaacusatório:aconformidadeconstitucionaldasleisprocessuaispenais.

189.SENDRA,VicenteGimeno.Fundamentosdelderechoprocesal,p.190.

190.ALONSO,PedroAragoneses.Institucionesdederechoprocesalpenal,p.39ess.

191. DUSSEL, Enrique, especialmente na obra Filosofia da libertação. Crítica à ideologia daexclusão.

192.MARTINS,RuiCunha.Opontocegododireito.Thebrazilianlessons.

193. É importante destacar que o sistema inquisitório permanece em sua mais radical constituição nodireito canônico, com todo vigor em pleno século XXI. Como questiona o teólogo Hans Küng (“PreguntassobrelaInquisición”,publicadonojornalespanholElPaísem16-2-1998),dequeserveabrir-seosarquivosdaInquisiçãodosséculosXVIaXIXsemantêm-sefechadoseinacessíveisosarquivosdaInquisiçãodoséculoXX,quejánãoculminacomaqueimafísicasenãopsíquicaemoral?Paracontinuarexercendo-adiariamenteemescalaglobalnoséculoXXI?Opróprioautorrelataquelevamaisde40anostentandoconseguiroqueemumasociedadedemocráticaseconcedesemomenoresforçoaqualqueracusado:direitoàvistadosautos.Nomesmo sentido, outro exemplo vivo dessa “queima psíquica emoral” nos dá Leonardo Boff, que relata noPrefácio que faz à tradução brasileira doManual dos inquisidores (p. 24 e ss.) que “ainda perduram oprocesso de delação, a negação ao acesso às atas dos processos, a inexistência de um advogado e aimpossibilidade de apelação. A mesma instância acusa, julga e pune. Isso é uma perversidade jurídica emqualquer Estado deDireito, pagão, ateu ou cristão. Não há a salvaguarda suficiente do direito de defesa”.Punidopelamoderna Inquisiçãocom–entreoutraspenas–a imposiçãodeum“silêncioobsequioso”,Boffrelata como se leva a cabo a “morte psicológica” do condenado: “Pressiona os acusados até o limite dasuportabilidadepsicológica.Sãodesmoralizados,faz-seperderaconfiançaemsuapessoaepalavra;porissoproíbe-se que sejam convidados para conferências, assessorias e retiros espirituais;muitos são transferidospara outros países, são forçados a tomar anos sabáticos eufemisticamente, quer dizer, devem deixar ascátedras;pressionam-seaseditorasanãopublicarseusescritoseproíbem-seaslivrariasreligiosasdeexpore

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de vender seus escritos”. Em definitivo, quando se afirma que omodelo inquisitório pleno não existemais,

deve-seressalvar:excetonodireitocanônicoemquepermaneceemseuestadopuro.

194.Cf.MONTEROAROCA,naobracoletivaDerechojurisdiccional,v.III,p.15.

195.FENECH,Miguel.Derechoprocesalpenal,p.83.

196.GOLDSCHMIDT,James.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.67ess.

197.Cf.ALONSO,PedroAragoneses.Institucionesdederechoprocesalpenal,cit.,p.42.

198.MANZINI,Vicenzo.Tratadodederechoprocesalpenal,p.52ess.

199.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”,p.18.

200. BOFF, Leonardo. “Prefácio. Inquisição: um espírito que continua a existir”. DirectoriumInquisitorum–Manualdosinquisidores,p.9ess.

201.BOFF,Leonardo.“Prefácio.Inquisição:umespíritoquecontinuaaexistir”,p.9ess.

202.Ibidem,p.10.

203.Ibidem,p.11.

204.Ibidem,p.12.

205. A lógica da inquisição era irretocável, e com certeza serviu de inspiração para muitos ditadores.ApontaBoff(ob.cit.,p.20)quequem“pensasse”afé jáerasuspeitodeheresiaesujeitoàrepressão,poispensarsignificadiscutire,porconsequência,questionar.Pergunta,comacertooautor:nãopensavamassimosagentesdarepressãomilitaremregimedesegurançanacional:quemdiscutirpublicamentepolíticaéjásuspeitodesubversãoe, logo,desequestro,de torturaedecárcere?Mudemossinais,masnãoalógicadeumsistema totalitárioepor isso repressivode todaequalquerdiferença.A intolerância e odiscurso do interesse público também vão conduzir ao conhecido e atual “tolerância zero”, legitimando asmaioresbarbáriesemrelaçãoaosdireitosegarantiasfundamentaissobamesmalógica.

206. As chamadas “bocas de leão” ou “bocas da verdade” que até hoje podem ser encontradas nasantigasigrejasespanholas.

207.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”,cit.,p.23.

208.ComoexplicaManzini(ob.cit.,p.8),foioprocedimentoextraordinárioqueintroduziuatorturaentreosinstitutosprocessuaisromanos.Porlongotempo,atorturafoiestranhaaoprocessopenalromano,enquantoestava em uso por todas as partes, inclusive naGrécia. Posteriormente, foi transformada em um poderosoinstrumentonasmãosdosinquisidores.

209.Na realidade, alguns câmbios iniciaram antesmesmodaRevoluçãoFrancesa, impelidos pelo climareformistaeos ideaisquepredominavamnaépoca,equeposteriormente foramtomandoforçaatéculminar

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comaefetivalutaarmada.

210.GOESSEL,KarlHeinz.Eldefensorenelprocesopenal,p.15ess.

211.Convémrecordarqueainquisiçãoéfrutodesuaépoca,marcadapelaintolerância,crueldadeepelaprópria ignorância que dominava. Não deve ser lida (ou julgada) a partir dos parâmetros atuais, poisimpregnadadetodaumahistoricidadequenãopodeserafastada.

212. Segundo Rissel, na tese doutoralDie Verfassungsrechtliche Stellung des Rechtsanwalts, p. 48,apudGOESSEL,KarlHeinz.Ob.cit.,p.17.

213.GOLDSCHMIDT,James.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.29.

214.“MettereilPublicoMinisterioalsuoPosto”,p.18ess.Tambémemespanhol:“PonerensupuestoalMinisterioPúblico”,p.209ess.

215. Sãomúltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processopenal.Ocríticomais incansável foi, semdúvida,omestreCarnelutti,queemdiversasoportunidadespôsemrelevoaimpossibilidadede“lacuadraturadelcírculo:¿Noescomoreduciruncírculoauncuadrado,construirunaparteimparcial?Elministeriopúblicoesunjuezquesehaceparte.Poreso,envezdeserunapartequesube,esunjuezquebaja”.Emoutrapassagem,Carnelutti(Leccionessobreelprocesopenal,p.99)explicaquenãosepodeocultarque,seopromotorexerceverdadeiramenteafunçãodeacusador,quererqueelesejaum órgão imparcial não representa no processomais que uma inútil e hastamolesta duplicidad. Para J.Goldschmidt(Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.29),oproblemadeexigirimparcialidadede uma parte acusadora significa cair “en el mismo error psicológico que ha desacreditado al procesoinquisitivo”,qualseja,odecrerqueumamesmapessoapossaexercitarfunçõestãoantagônicascomoacusaredefender.Nãoháqueconfundirimparcialidadecomestritaobservânciadalegalidadeedaobjetividade.

216.BINDER,AlbertoM.Descumprimentodasformasprocessuais,p.51.

217. SENDRA,VicenteGimeno; CATENA,VictorMoreno; DOMINGUEZ,Valentín Cortes.Derechoprocesal penal, p. 83. Mas, em sua obra anterior Fundamentos del derecho procesal, p. 189, Sendraconsiderainsuficienteessaafirmação,queimputaaumgrupodeautoresalemães(SchmidteRoxin).

218.“Principioacusatorio:realidadyutilización”.RDP,p.272.

219.Correspondência eletrônica particular demaio/2003, cujos ensinamentos de JacintoCoutinho forampornósutilizadosnaPalestraReformasPenais:JuizadodeInstruçãoCriminal,proferidanodia30demaiode2003,noAuditórioExternodoSuperiorTribunaldeJustiça,emBrasília.

220.FERRAJOLI,Luigi.Derechoyrazón–teoríadelgarantismopenal,p.566.

221.Explicamos isso no livro Investigação preliminar no processo penal a partir do sistema italiano.Contudo, recorda-nos Jacinto Coutinho o antigo Código de Processo Penal doDistrito Federal (Decreto n.16.751,de31dedezembrode1924),art.243:“Osautosdeinquiriçãoapensosaosdeinvestigação,nostermos

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dosarts. 241e242, servirão, apenas,deesclarecimentoaoMinistérioPúblico,não se juntarãoaoprocesso,quer em original, quer por certidão, e serão entregues, após a denúncia, pelo representante do MinistérioPúblicoaocartóriodojuízo,eminvólucrolacradoerubricado,afimdeseremarquivadosàsuadisposição”.

222.Conclusãon.3desuaTeseDoutoral,conformecorrespondênciaeletrônicademaio/2003.

223.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,cit.,p.69ess.

224. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”.SeparatadoInstitutoTransdisciplinardeEstudosCriminais,p.28.

225. Sempre recordando que o processo penal tem suas categorias jurídicas próprias, para evitarperigosasemuitasvezeserrôneasanalogiascomoprocessocivil,queforamesãofeitasatéhoje.Comumajustificadapreocupação,J.Goldschmidt

(Problemas jurídicosypolíticosdelprocesopenal, p. 28 e ss.) destacaque a construçãodomodeloacusatórionoprocessopenaldeveserdistintadaquelaaplicávelaoprocessocivil(umaconcepçãodistintadoprincípiodispositivo),poisasituaçãojurídicadaparteativaécompletamentediferentequeadoautor(processocivil).OMinistérioPúbliconãofazvalernoprocessopenalumdireitopróprioepedeasuaadjudicação(comooautornoprocessocivil),senãoqueafirmaonascimentodeumdireitojudicialdepenareexigeoexercíciodessedireito,queaomesmotemporepresentaumdeverparaoEstado(titulardodireitodepenarequerealizaseudireitonoprocessonãocomoparte,mascomojuiz).Paracompreenderessepensamento,éimprescindívelpartirdapremissadequeoobjetodoprocessopenaléumapretensãoacusatória(iusutprocedatur).Atítulodeilustração,umamáinterpretaçãodoquesejaomodeloacusatório,eumaerradaanalogiacomoprocessocivil,levaalgunssistemas(comooespanhol)apermitirqueaacusaçãopeçaumadeterminadaquantidadedepena–“x”anos–emaiserradoaindaépensarqueessepedidovinculeo juiz.Outroerroquediariamentevemsendocometidoéafirmarqueachamada“justiçanegociada”(pleanegotiation)éumamanifestaçãodomodelo acusatório, quando, na verdade, se trata de uma degeneração completa do processo penal e umadistorcida visão do que seja umprocesso de partes, o sistema acusatório oumesmoo verdadeiro objeto doprocesso penal. Para compreensão, leia-se, na continuação, nossa abordagem sobre “(Re)construçãodogmáticadoobjetodoprocessopenal”.

226. Emdiversos trabalhos,mas especialmente no artigo: “Introdução aos princípios gerais do processopenalbrasileiro”.

227.Derechoprocesalcivil,p.82.

228.Derechoyrazón,p.563.

229.Toda tradução encerra imensos perigos, por isso, para evitar equívocos, destacamos que a palavraempregada pelo autor foi “leguleyo”, que em espanhol possui um sentido despectivo, de “persona que seocupadecuestioneslegalessintenerelconocimientoolaespecializaciónsuficientes”(deacordocomClave–Diccionariodeusodelespañolactual).OtextooriginaldeLuigiFerrajoli,naobraDerechoyrazón,p.575,

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é: “al sistema acusatorio le corresponde un juez espectador dedicado sobre todo a la objetiva e imparcialvaloracióndeloshechosy,porello,mássabioqueexperto,elritoinquisitivoexigesinembargounjuezactor,representantedel interespunitivoy,porello, leguleyo,versadoenelprocedimientoydotadodecapacidaddeinvestigación”.

230.FERRAJOLI,Luigi.Derechoyrazón,p.575.

231. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”,cit.,p.28.

232.BOFF,Leonardo.Ob.cit.,p.9ess.

233.5ªCâmaraCriminaldoTJRS,CorreiçãoParcial70002028041,Rel.Des.AmiltonBuenodeCarvalho,20-12-2000.Namesmalinha,destacamosaacertadadecisãoda5ªCâmaraCriminaldoTJRS,cujoacórdãoédalavradoDes.AramisNassif,proferidanaCorreiçãoParcial70014869697,julgadaem1ºdejunhode2006:

“CORREIÇÃOPARCIAL.DECISÃOEXOFFICIO. BAIXADOSAUTOSÀDP PARAEFEITOSDERECONHECIMENTODORÉU.VIOLAÇÃODOSISTEMAACUSATÓRIO.

O Juiz não pode, pena de ferir o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal de 1988,determinar diligências policiais, especialmente reconhecimento do acusado pelas vítimas. No sistemaacusatório o réu é tratado como sujeito de direitos, devendo ter, portanto, suas garantias individuais(constitucionais) respeitadas. A regra é clara e comum: O Estado acusador, através do agente ministerial,manifesta a pretensão ao agente imparcial, que é oEstado-juiz. Essa imparcialidade que se apresentamaisnítida agora, com a definição constitucional dos papéis processuais, é a plataforma na construção de umaciência processual penal democrática, vedando a iniciativa ex officio na produção da prova. Correiçãoacolhida”.

234.PRADO,Geraldo,naexcelenteobraSistemaacusatório.Aconformidadeconstitucionaldasleisprocessuaispenais.

235. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”,p.29.

236.RHC23.945/RJ,Rel.Min. JaneSilva (Desembargadora convocada doTJ/MG), j. 5-2-2009, grifosnossos.

237.Acríticaservetantoparaaatribuiçãodepoderesinstrutóriosnafaseprocessual(comoocorrenoart.156) como também quando ela é feita na fase pré-processual, admitindo que o juiz pratique atos deinvestigação.Commaisrazão,somoscompletamentecontráriosaoschamadosJuizadosdeInstrução(sistemade Juiz-Instrutor), conforme exaustivamente explicado na obra Sistemas de investigação preliminar noprocessopenal,ecujastentativasdeinserçãonoBrasilnoscausamprofundapreocupação.

238.CORDERO,Franco.Guidaallaprocedurapenale,p.51.

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239. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. “Introdução aos princípios gerais do processo penalbrasileiro”,p.37.

240.PRADO,Geraldo.Sistemaacusatório,p.158.

241.Idem.

242.Derechoyrazón,p.606.

243. Sobre o tema, veja-se nosso artigo: “Juízes inquisidores?E paranoicos.Uma crítica à prevenção apartirdajurisprudênciadoTribunalEuropeudeDireitosHumanos”.BoletimdoIBCCrim,p.11-12.

244.“[...]nosEstadosdedireitohá,àdisposiçãodoscidadãos,umPoderJudiciárioindependente,comafunção de arbitrar esses conflitos, declarando ao indivíduo quais constrangimentos o ordenamento jurídico oobriga a suportar, quais os que se não lhe pode impor. Isso tem sido no entanto ignorado nos dias quecorrem,desortequealgunsjuízesseenvolvemdiretaepessoalmentecomosagentesdaAdministração,participando do planejamento de investigações policiais que resultam em ações penais de cujaapreciaçãoejulgamentoelesmesmosserãoincumbidos,superpondoossistemasinquisitórioemisto,aumtemposórecusandoosistemaacusatório.

[...] Basta tanto para desmontar as estruturas do Estado de direito, disso decorrendo a supressão dajurisdição.OacusadojáentãonãoseveráfaceaumJuizindependenteeimparcial.Terádiantedesiumaparteacusadora,uminquisidoradizer-lhealgocomo‘jáoinvestiguei,colhitodasasprovas,jámeconvencidesuaculpa,nãolhedoucréditoalgum,masestouasuadisposiçãoparaquemeprovequeestouerrado!’Eissosemsequerpermitirqueoacusadoarrisqueasorteemordálias...

[...] Perdoem-me por falar em ‘interesses das partes’ e em ‘conflito’ no processo penal, mas desejovigorosamente afirmar que a independência do juiz criminal impõe sua cabal desvinculação da atividadeinvestigatóriaedocombateativoaocrime,nateoriaenaprática.Contra‘bandidos’oEstadoeseusagentesatuamcomosebandidosfossem,àmargemdalei,fazendomossadaConstituição.Etudocomaparticipaçãodojuiz,anteacrençageneralizadadequequalquerviolênciaé legítimasepraticadaemdecorrênciadeumaordemjudicial.Juízesquesepretendemversadosnateoriaepráticadocombateaocrime,juízesquearrogamasiaresponsabilidadeporoperaçõespoliciaistransformamaConstituiçãoemumpunhadodepalavrasbonitasrabiscadasemumpedaçodepapelsemutilidadeprática,comodizFerrajoli.Ouempapelpintadocomtinta;umacoisaemqueestáindistintaadistinçãoentrenadaecoisanenhuma,qualnosversosdeFernandoPessoa”(grifosnossos).

245.HC70016461592,SétimaCâmaraCriminal,Rel.NereuGiacomolli,publicadoem31-8-2006.

246.ParaoestudodoJuizadoEspecialCriminal,composiçãodosdanoscivis,transaçãopenalesuspensãocondicionaldoprocesso,remetemosoleitorparanossaobraDireitoprocessualpenal,publicadapelaEditoraSaraiva.

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247.Cuidado,estamosdizendoqueéa“introdução”dalógicadapleanegotiationenãoquesetratadeverdadeirapleabargainingdosistemanorte-americano,poisestaémaisampla,permitindoqueacusadoreacusadofaçamacordosobreosfatos,suaqualificaçãojurídicaeasconsequênciaspenais.Mas,semdúvida,aintrodução da lógica negocial é um importante passo nessa direção e nisso reside a crítica prospectiva quefizemos.

248.FERRAJOLI,Luigi.Derechoyrazón–teoríadelgarantismopenal,p.747.

249.Derechosygarantías–laleydelmásdébil,p.27.

250.“Laequidadeneljuiciopenal(paralareformadelacortedeasises)”.Cuestionessobreelprocesopenal,p.292.

251.Criminologia–ohomemdelinquenteeasociedadecriminógena,p.484ess.

252.Napalestra“GarantiasenelsenodelProcesoPenalUSA”,proferidanocursoInvestigar, acusar,juzgar,tambémpublicadanaRevistaOtrosí,p.30ess.

253.PRADO,Geraldo.Elementosparaumaanálisecríticadatransaçãopenal,p.224.

254.Idem.

255. Sãomúltiplas as críticas à artificial construção jurídica da imparcialidade do promotor no processopenal. O crítico mais incansável foi, sem dúvida, o mestre Carnelutti (“Poner en su puesto al MinisterioPublico”.Cuestionessobreelprocesopenal,p.211ess.),queemdiversasoportunidadespôsemrelevoaimpossibilidade “de la cuadratura del círculo: ¿No es como reducir un círculo a un cuadrado, construir unaparteimparcial?Elministeriopúblicoesunjuezquesehaceparte.Poreso,envezdeserunapartequesube,esunjuezquebaja”.Emoutrapassagem(Leccionessobreelprocesopenal,p.99),Carneluttiexplicaquenãosepodeocultarque,seopromotorexerceverdadeiramenteafunçãodeacusador,quererqueelesejaumórgão imparcial não representa no processo mais que uma inútil e hasta molesta duplicidad. ParaGoldschmidt(Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.29),oproblemadeexigirimparcialidadede uma parte acusadora significa cair “en el mismo error psicológico que ha desacreditado al procesoinquisitivo”,qualseja,odecrerqueumamesmapessoapossaexercitarfunçõestãoantagônicascomoacusar,julgaredefender.

256.NoprólogodaobraLareformaprocesalpenal–1988-1992,p.XXXV.

257.Somoscontrários,inclusive,àfiguradoassistentedaacusação,pelosmesmosmotivos.

258.GÓMEZORBANEJA,Emilio.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.231.

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259.ALONSO,PedroAragoneses.Procesoyderechoprocesal,p.199ess.

260.Asteoriasmistaspretendemcompatibilizareconciliar,principalmente,asteoriasdarelaçãodeBülowedasituaçãojurídicadeGoldschmidt.

261.Posteriormente,Bülowvoltou ao tema, perfeccionando sua teoria frente às críticas que sucederamsua primeira exposição,masmanteve a linha básica. SegundoChiovenda (La acción en el sistema de losderechos,p.41),emmaiode1903,naobraKlageundUrteil,BülowvoltaaotemapararechaçarascríticasdeWachsobreaaçãoe,entreoutrospontos,aceitaa teoriadaaçãocomodireitopotestativodefendidaporChiovenda.

262.BETTIOL,Guiseppe.Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.243.

263.Semembargo,comodestacaAlcalá-ZamorayCastillo(Proceso,autocomposiciónyautodefensa,p.118-119),“laconcepcióndelprocesocomorelaciónjurídicaesgenuinamentealemana:alemanessonHegelque la vislumbra, Bethmann-Hollweg que la sustenta y Oskar Bülow que en 1868 publica en Giessen sucélebremonografía”.Ademais, segue o autor, foram os alemães quem a adaptaram aos distintos ramos doprocesso e também quem mais duramente a combateram, chegando a propor sua substituição (por J.Goldschmidt). Nada menos que 35 anos depois do livro de Bülow e 18 depois do Handbuch de Wach,Chiovenda lê em Bolonha sua lição inaugural sobre L’azione. Tal esclarecimento está justificado frente aalguns equívocos doutrinários, como o cometido por Enrique Jimenez Asenjo (“Derecho procesal penal”.RevistadeDerechoPrivado,p.68)que,depoisdeanalisarasposiçõesdeHellwig,KohlereJ.Goldschmidt,afirma que “[...] finalmente, Chiovenda, con la opinión dominante, (estima) una relación trilateral entredemandante, demandado y el tribunal [...]”, esquecendo-se por completo da doutrina alemã que já a haviaconcebidocomanterioridade.

264.CHIOVENDA.Principiosdederechoprocesalcivil,t.I,p.123.

265.Procesoyderechoprocesal,p.206.

266. Tratando dos antecedentes históricos nos juristas medievais italianos, Niceto Alcalá-Zamora eAragonesesAlonsoafirmamqueBúlgaroeradeSassoferrato,liçãoqueconfiamoseacolhemos.Contudo,nãosedesconhecehaverautoresqueafirmamqueBúlgaroeradeBolonha.Ficaaadvertência.

267.Lateoríadelasexcepcionesprocesalesylospresupuestosprocesales,p.2ss.

268. Sem rechaçar sua importância, mas tampouco concordando com a teoria, Manzini entende como“conceptonebulosoydeexpresiónexóticaladepresupuestosprocesales”(MANZINI,Vincenzo.Tratadodederechoprocesalpenal,p.117).Talconceito(dospressupostosprocessuais)tambémfoiduramenteatacadoporGoldschmidt.

269.NoseuManualdederechoprocesalcivil,t.1.

270.Semembargo,noprocessopenal,Wachnega a existênciadepartes, por consideraro acusadoum

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meio de prova e não sujeito da relação jurídico-processual. Infelizmente, algumas vezes ocorre que um

excelenteprocessualistacivil,quandoincursionapeloprocessopenal,nãoofazcomsimilarbrilho.AnegaçãodeWachéuminegávelreflexodoverbototalitárionoprocessopenal.

271.Paraquemoprocesso“nopuedeserunarelaciónjurídicasinoquegeneraunared,pornodecirunamarañaderelacionesjurídicas”e,porisso,deveserconcebidocomoumcomplejoderelaciones jurídicas(Institucionesdederechopenalyprocesalpenal,p.243ess.).

272.AocontráriodeCarnelutti,vislumbraumaúnicarelaçãojurídica,mascomplexa.

273. Desenvolvida na obra La teoría de las excepciones dilatórias y los presupuestos procesalespublicada(originalemalemão)em1868.

274. Para compreensão da temática, consultamos as seguintes obras de James Goldschmidt:Derechoprocesal civil; Principios generales del proceso; Derecho justicial material; Problemas jurídicos ypolíticosdelprocesopenalearecentetraduçãobrasileiraPrincípiosgeraisdoprocessocivil.Destaque-se,ainda,amagistralanálisefeitaporPedroAragonesesAlonsonaobraProcesoyderechoprocesal,p.235ess.,especialmentenoqueserefereàcríticafeitaporPieroCalamandreieàrespostadeGoldschmidt,quelevouoprocessualistaitalianoa,nosúltimosanosdevida,retificarsuaposiçãoeadmitiroacertodateoriadoprocessocomosituaçãojurídica.

275.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.49.

276.GOLDSCHMIDT,James.Derechoprocesalcivil,p.194ess.

277.Derechoprocesalcivil,p.195.

278.Procesoyderechoprocesal,p.241.

279. 1.Maneira favorável ou desfavorável segundo a qual um acontecimento se produz (álea, acaso);potênciaquepresideosucessoouinsucesso,dentrodeumacircunstância(fortuna,sorte).2.Possibilidadedeseproduzirporacaso (eventualidade,probabilidade).3.Acaso feliz, sorte favorável (felicidade, fortuna).NadefiniçãododicionárioLePetitRobert,p.383(traduçãonossa).

280.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.66.

281.Idem.

282.Ibidem,p.68.

283.Procesoyderechoprocesal,cit.,p.241.

284.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.57.

285.EnsinaEinstein(Vidaepensamento,p.66-68)que“oprincípiocriadorresidenamatemática;asuacerteza é absoluta, enquanto se trata de matemática, abstrata, mas diminui na razão direta de sua

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concretização [...] as teses matemáticas não são certas quando relacionadas com a realidade e, enquantocertas,nãoserelacionamcomarealidade”.

286.Princípiosgeraisdoprocessocivil,p.50.

287.Baseamo-nosnasistematizaçãodeAlonso,Procesoyderechoprocesal,p.243ess.

288.Atéporque,comohomemdeciênciaqueera,nãoestariaàmargemda revoluçãocientíficaqueseproduzianaquelaépoca,comosestudosdeEinsteinsobrearelatividadeeoquanta,etambémdeHeisenberg(incerteza),MaxPlanck,Mach,Kepler,Maxwell,Borneoutros.

289. Rivista di Diritto Processuale, p. 23 e ss. Também publicado nos Scritti in onere del prof.FrancescoCarnelutti.

290.Rivista di Diritto Processuale, p. 1 e ss. Também publicado no número especial daRevista deDerechoProcesal,emmemóriadeJamesGoldschmidt.

291.Ibidem,p.221.

292.CALAMANDREI,Piero.Direitoprocessualcivil,p.223.

293.Ibidem,p.223.

294.Ibidem,p.224.

295.Idem.

296. Recordemos que a relatividade geral falhou ao tentar descrever osmomentos iniciais do universo,porquenãoincorporavaoprincípiodaincerteza,oelementoaleatóriodateoriaquânticaaqueEinsteintinhase oposto a pretexto de que “Deus não joga dados com o universo”. Entretanto, como explica StephenHawking (O universo numa casca de noz, p. 79), tudo indica que Deus é um grande jogador! Nessadiscussão, enorme relevância temo físico alemãoWernerHeisenbergque formulouo famosoprincípio daincerteza,apartirdaobservaçãodahipótesequânticadeMaxPlanck.Emapertadíssimasíntese,apartirdeHawking (ob. cit., p. 42), significadizer quePlanck, em1900, afirmouque a luz semprevemempequenospacotes,queeledenominou“quanta”.Essahipótesequânticaexplicavaclaramenteasobservaçõesdataxaderadiaçãodecorposquentes,masaplenacompreensãodaextensãodesuasimplicaçõessomentefoipossívelporvoltade1920,quandoHeisenbergdemonstraque,quantomaissetentamediraposiçãodeumapartícula,menosexatamenteseconseguemedirasuavelocidadeevice-versa.Eaquioquenosinteressa:mostrouqueaincertezanaposiçãodeumapartícula,multiplicadapelaincertezadeseumomento,devesersempremaiordo que a constante de Planck, uma quantidade aproximadamente relacionada ao teor de energia de umquantumdeluz.Assim,reinaaincertezaemdetrimentodequalquervisãodeterminista.Tudoissoconstituíaoauge da discussão científica mundial neste período de 1900-1930 (sem negar o antes e o depois, é claro),contemporâneaentãocomoaugedaproduçãointelectualdeJamesGoldschmidt,quepublicaseucapolavoroProzessalsRechtslage,emBerlim,em1925.

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297. Pensamos que é importante atentar para o símbolo da justiça do caso concreto, que é a Dikè(Dikelogía:lacienciadelajusticia–intitulaWernerGoldschmidt).Elacarregaaespadaquependesobreacabeçadoréuecorrespondeaodireitopotestativodepenare,naoutramão,estáabalança.Àprimeiravista(e tambémúltimaparamuitos), a balança simboliza o equilíbrio, a ponderação e até a supremacia da razão(dentro de uma racionalidade moderna [superada, portanto]). Mas, para muito além disso, ela simboliza a“incerteza”característicadaadministraçãodajustiçanocasoconcreto.Correspondeàincertezacaracterísticadoprocesso.Elaoscila,tantopendeigualmenteparaumladocomoparaoutro.Estálançadaasorte.

298.SENDRA,JoséVicenteGimeno.Fundamentosdelderechoprocesal,p.170.

299.Entreesses,deve-sedestacaraqualificadaposiçãodeWernerGoldschmidt(noPrólogodaprimeiraedição da obraProceso y derecho procesal, deAragonesesAlonso, p. 35) de que tais teorias (relação esituação)nãopodemserconsideradasinconciliáveis,senãocomocomplementárias.Nessalinha,defendeque“mientraslateoríadelasituacióndestacaloqueocurreenelDerechocuandoésteoperaenelplanodinámicodel proceso, la teoría institucional, señala Aragoneses Alonso, se mueve en el mundo abstracto de losconceptos.Porello,estasdosposicionesnosóloseofrecencomoincompatibles,sinocomocomplementarias,de lamisma formaquepuedenconcebirse comocomplementarias la teoríade la relación”.Somente comaintegraçãodessesconceitoséquepodemos(oupoderíamos)compreendercomonasceoprocessoequaléofundamento metafísico da sua existência (teoria da instituição), o objeto real do processo, tal como sedesenvolvenavidaesuacontínuarelação(teoriadasituaçãojurídica),e,finalmente,qualéaforçaqueuneosdiversossujeitosqueneleoperam(teoriadarelaçãojurídica).

300.Poisnaorigemdouniverso(big-bang),quandoeleeraminúsculo,onúmerodelançamentosdedadoserapequenoeoprincípiodaincertezaproporcionalmentemaior.

301.ComoexplicaHAWKING,ob.cit.,p.80.

302. Ou, melhor, “quem nos protege da bondade dos bons?”, no célebre questionamento de AgostinhoRamalhoMarquesNeto,apartirdeFreud.

303.COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda.“Opapeldonovojuiznoprocessopenal”,p.47.

304.O presente trecho é uma reprodução literal de parte do artigo intitulado “Breves apontamentos inmemoriam a James Goldschmidt e a incompreendida concepção de processo como situação jurídica", quepublicamosemcoautoriacomPabloAlflendaSilva,apartirdosdebatesrealizadosnoCursodeDoutoradoemCiências Criminais da PUCRS, na disciplina “Epistemologia do Direito Processual Penal Contemporâneo”.Esse fragmento citado merece crédito integral a Pablo Alflen, a quem parabenizo pela excelência da“arqueologia”processualrealizada.

305. SCHMIDT, Eberhard. Lehrkommentar zur Strafprozessordnung und zumGerichtsverfassungsgesetz,p.48.

306.SCHMIDT,Eberhard.“JamesGoldschmidtzumGedächtnis”,p.447.

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307. Compare FISCHER, Wolfram. Exodus von Wissenschaften aus Berlin: Fragestellungen,Ergebnisse,Desiderate,p.131.

308.ConformereferidoporSCHÖNKE,Adolf.“ZumzehntenTodestagvonJamesGoldschmidt“,p.275-276.

309.OFranzösischesGymnasiumfoifundadoem1689,nacidadedeBerlime,àépoca,sobretudoantesdaPrimeiraGuerraMundial,quasemetadedosseusalunoseradeorigemjudaica.

310.ConformeSCHUBERT,Werner;REGGE,Jürgen;RIEß,Peter;SCHMIDT,Werner.Queallen zurReformdesStraf-undStrafprozeßrechts,p.XIV.

311.Assim,porexemplo,ostrabalhosintituladosDasVerwaltungsstrafrechtimVerhältniszurmodernenStaats- und Rechtslehre (1903), Die Deliktsobligationen des Verwaltungsrechts (1904) e MateriellesJustizrecht(1905).

312. Conforme GRUNER, Wolf; ALY, Götz; GRUNER, Wolf.Die Verfolgung und Ermordung dereuropäischenJudendurchdasnationalsozialistischeDeutschland1933-1945,p.200.

313.WINIGER,ArtSalomon.“Goldschmidt,James”,p.457.

314.ConformeHUECK,Ingo.DerStaatsgerichtshofzumSchutzederRepublik ,p.44.

315. Conforme LÖSCH, Anna-Maria von.Der nackte Geist: die Juristische Fakultät der BerlinerUniversitätimUmbruchvon1933,p.179-180,oDecretoerailegalinclusivedeacordocomodireitonazista.O governo havia criado fundamentos jurídicos para demitir funcionários de “descendência não ariana” epoliticamente suspeitos, para encaminhá-los à aposentadoria ou a outro cargo. O encaminhamento deGoldschmidt à aposentadoria, em razão de sua origem judaica, foi descartado.De fato, ele era “100% nãoariano” e, como dispunha a legislação imperial, esta hipótese (de aposentadoria) valia para funcionários dedescendência não ariana, porém, de acordo com o § 3º, al. 2, do BBG, desde que o funcionário tivesseingressadono cargo a partir de 1º de agosto de 1914, ou combatidono fronte naPrimeiraGuerraMundial.Como Goldschmidt havia se tornado funcionário público em 1908, ele não podia obter a aposentadoria emrazãodasuaorigemjudaica.Alémdisso,nãohaviamotivopolíticoparasuademissão,poiselenãopertenciaapartido algum. Goldschmidt não tinha tido, portanto, nenhuma razão para ter ameaçada sua posiçãoprofissional.

316.ConformeGRUNER,Wolf;ALY,Götz;GRUNER,Wolf,(nota9),p.200.

317.ConformeALONSO,PedroAragoneses.Procesoyderechoprocesal.

318.AssimCOUTURE,Eduardo.“Lalibertaddelaculturaylaleydelatolerancia”,p.5.

319.COUTURE,Eduardo.Ob.cit.,p.5.

320. Hoje chamadas violações à ordem e que são reguladas por legislação específica, a

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Ordnungswidrigkeitengesetz(OWiG).

321.Assim,ointeressantíssimotrabalhointituladoConceitoetarefadeumdireitopenaladministrativo,no qual Goldschmidt preconizava ser o Direito Penal Administrativo uma disciplina nova e absolutamenteautônoma,queteriaporobjetoregularo“injustopolicial”(polizeilichenUnrechts) enquantocomportamentocausador de “perigo abstrato para bens jurídicos” ou “mera desobediência”, compare GOLDSCHMIDT,James.BegriffundAufgabeeinesVerwaltungsstrafrechts,inDeutscheJuristen-Zeitung,1902,Nr.09,p.213es.

322.BRUNS,Rudolf. “JamesGoldschmidt (17.12.1874-18.6.1940)”.EinGedenkblatt. inZeitschrift fürZivilprozeß,Nr.88(1975),p.127.

323.FAZZALARI,Elio.Istituzionididirittoprocessuale,p.75.

324.Apenasparaesclarecer,nãosepodeconfundirateoriacivilistadainstrumentalidadedasformascomnosso conceito de “instrumentalidade constitucional”. São coisas absolutamente distintas. Nunca fomosadeptosdatradicionalteoriada“instrumentalidade”,todoooposto.Nossaposiçãoéabsolutamenteantagônica,porque estabelece um conteúdo axiológico ao conceito de instrumentalidade, vinculando-o ao sistema degarantiasdaConstituição.Porisso,concebemosoprocessopenalcomouminstrumentoaserviçodamáximaeficácia dos direitos e garantias fundamentais e a forma, como limite de poder. É uma leitura crítica econstitucionalizadadoprocessoedoprocedimento,comênfasenorespeitoaodevidoprocessolegal(ouseja,oestritorespeitoàs“regrasdojogo”,semdescuidardoconteúdoéticodessasregras).

325.GONÇALVES,AroldoPlinio.Técnicaprocessualeteoriadoprocesso,p.103.

326.FAZZALARI,Elio.Ob.cit.,p.8.

327.Ibidem,p.14ess.

328.ConformeexplicamAlexandreMoraisdaRosaeSylvioLourençonaobraParaumprocessopenaldemocrático–críticaàmetástasedosistemadecontrolesocial.RiodeJaneiro:LumenJuris,2008.p.77ess.

329.GONÇALVES,AroldoPlinio.Ob.cit.,p.115.

330.FAZZALARI.Ob.cit.,p.78e79.

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331.GUASP,Jaime.“Lapretensiónprocesal”.Estudiosjurídicos,p.593ess.

332.ComobemadverteTUCCI,RogérioLauria.Teoriadodireitoprocessualpenal,p.176.

333.Assim,concordamoscomaafirmaçãodeTucci(Teoriadodireitoprocessualpenal,p.35),quandoapontaque é “de todo inadequada e (porquenãodizer?) inaceitável, delineia-se a transposiçãodo conceitocivilísticodepretensãoparaoprocessopenal”.Partimosdessamesmapremissaparapensareconstruirumconceitodepretensão(comGuasp,GoldschmidteGómezOrbaneja)paraoprocessopenal,damesmaformaqueseconstruiuoconceitodeaçãoprocessualpenal,jurisdiçãopenaletc.

334.Nenhumacensuraemrelaçãoàcrítica,poiselaésemprebem-vinda,desdequebemamparada,oquenão costuma ocorrer nessa matéria, até pela sua grande complexidade teórica. Em outra dimensão, composiçõesemsentidodiversodaqueleaquipensadopornós, commaioroumenor intensidadededivergência,mas com muito substrato teórico, recomendamos a leitura de dois excelentes trabalhos: Coutinho, JacintoNelsondeMiranda.Alideeoconteúdodoprocessopenal;eBadaró,GustavoHenrique.Correlaçãoentreacusação e sentença. Em relação a Badaró, pensamos que a divergência existe, mas não é nuclear, namedidaemqueoautoradmitea“pretensãoprocessual”–comoobjetodoprocessopenal,comoabordaremosnacontinuação.JáemrelaçãoàposiçãodeJacintoCoutinho(quesustentasero“casopenal”oconteúdodoprocesso), é preciso compreender que pensamos ser o “caso penal” insuficiente para, por si só, justificar acomplexa fenomenologiadoprocesso.Masnãohá incompatibilidade, senãoqueadiscussão remontaaumanova dimensão, de continente e conteúdo, como explicaremos nas próximas páginas.Assim, pensamos quenossa posição pode coexistir com aquela defendida pelo autor, desde que compreendidas essas distintasdimensõesderecorte.

335.ComoexplicaCarneluttiemdiversasobras(aquiutilizamosDerechoprocesalcivilypenal,p.40),“aquí se encara, en primer lugar, el concepto de pretensión: también ésta es una palabra que los juristasempleandesdehacelargotiempo,aunqueesmásrecientesuprecisióncomoexigenciadelasubordinacióndelinterésajenoalinteréspropio”.Aesseconceito,imprescindívelagregar-seoutroconceitoestruturanteemuitomarcantenavidadeCarnelutti,ode“lide”.Trata-sedeumconceitoquesofreudiferentesmodificaçõesnas sucessivas respostas que ele dava aos seus críticos, e que foi muito bem tratado por Badaró na obraCorrelação entre acusação e sentença, p. 62 e ss. Interessa-nos, aqui, apontar a noção de lide como oconflito de interesses qualificado pela pretensão resistida. Como explica Badaró, os conceitos de interesse,“pretensão” e “resistência” foram sendo trabalhados ao longo das obras do autor. O que importa é aimprestabilidade do conceito de “lide” para o processo penal e esse foi o germe do ataque ao conceito de“pretensão”.

336.NaRevistadederechoprocesal,Madrid,1949.TambémpublicadonaobraJaimeGuaspDelgado– Pensamiento y Figura, da coleção “Maestros Complutenses de Derecho”, organizada por PedroAragonesesAlonso,publicadaemMadrid,2000.

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337. Imprescindível a leitura, portanto, do trabalho “Lapretensiónprocesal”, publicado (entre outros) naobraEstudiosjurídicos,organizadaporPedroAragonesesAlonso.

338.GUASP,ob.cit.

339.OpróprioCarneluttiacabapordesenharoconceitode“controvérsia”paraoprocessopenal,pois,nasuavisão,haveriaumconflitodeopiniõesemtornodeummesmofatodelituoso,mascomungandoaspartesdeummesmointeresse.Ointeressecomum,compartilhado,portanto,pelaacusaçãoedefesa,brotariadavisãodapenacomoremédiodaalma(Platão),acuraparaadoença.Nessalinha,defendequenoprocessopenalajurisdiçãoévoluntária.Avisãodoautor é completamente equivocada,nesseponto,bastandopordesvelar ailusãoplatônicadequeapena“cura”.Alémdametafísicaconcepçãode“curadaalma”,apenaeosistemacarcerárioestãomuitolongederepresentaralgumremédio...Porfim,sustentaCarneluttiqueajurisdiçãonoprocessopenal seriavoluntária,oquenãoconcordamos (conformeseveránaexposição,mas tambémpelaprópriaincidênciadoprincípiodanecessidade).

340.MIRABETE,JulioFabbrini.Processopenal,p.28.

341.CAPEZ,Fernando.Cursodeprocessopenal,p.2.

342.Alideeoconteúdodoprocessopenal,p.145.

343.GÓMESORBANEJA,Emilio.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,t.I,p.37.

344.NanossaobraDireitoprocessualpenal.

345.Elprocesodepersecución,p.90.

346.SeguindoasistemáticadeALONSO,PedroAragoneses.Procesoyderechoprocesal,p.158ess.

347. Sem embargo, a tese não é inédita, pois, como reconhece o próprio autor, a doutrina alemã deRosenbergea italianadeCarnelutti jáhaviamdadomostrasdoconceitodepretensão,masnãocomplenosfrutos. Pode-se afirmar que a base jurídica da teoria foi dada por Rosenberg, e o aspecto sociológico doconflitofoidadoporCarnelutti,noseuestudosobrealide.ComoexplicaGuasp(Pretensiónprocesal,p.587,notade rodapén.44),seuconceitopodeserconcebidocomoumafusãodas ideiasbásicasdeRosenbergeCarnelutti,“tomandodelprimeroelestrictocarácterprocesal,nomaterial,delareclamación,ydelsegundosudesvinculación de la idea del derecho (que tampoco es contradicho por aquél)”.Mas é preciso continuar adesenvolveresseconceito,pois,comoexplicamosnoinício,elesuperaetranscendeanoçãocarneluttiana.

348.GUASP,Jaime.Derechoprocesalcivil,p.201ess.

349.Procesoyderechoprocesal,p.184.

350.Nacontinuação,analisaremososfundamentosexpostosporJaimeGuaspnotrabalhoLapretensiónprocesal.

351.Porvezes,as instituiçõesartificiaisqueutilizamodireitopenaleoprocessopenalacabamporcriar

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um problema (do ponto de vista sociológico) de igual ou até maior gravidade que o próprio delito. Nessesentido, está o problema da pena de prisão (um sistema falido); da reinserção social do presidiário; aestigmatizaçãosocialejurídicaquecausaapenaeopróprioprocessopenal;aschamadaspenasprocessuaisetc.

352.FAIRENGUILLEN,Victor.“Elprocesocomofuncióndesatisfacciónjurídica”.RevistadeDerechoProcesalIberoamericano,p.17-95.

353. GIMENO SENDRA, Vicente; MORENO CATENA, Victor; DOMINGUEZ, Valentin Córtes.Derechoprocesalpenal,p.26.

354.Nãoconfundircomjuizneutro,algoquenãoexiste.Instrumentoneutrodejurisdiçãosignificaqueaatividadeserealizaplenamentetantocomasentençacondenatóriacomotambémabsolutória.Éaequivalênciaaxiológicaentrecondenareabsolver.

355.É,anossojuízo,aopiniãodominantenamelhordoutrina.Vejam-se,entreoutros:Guasp,AragonesesAlonso,GómezOrbaneja,Fenech,FairenGuillen,AscencioMellado,JamesGoldschmidt,AfranioSilvaJardimeManzini,nasobrascitadas.Contráriosanossaposição,entreoutros:Beling(fatodavida),OlivaSantos(fatocriminoso),GomezColomer(direitodeação),AlmagroNoseteeTomePaule(themadecidendi).

356.GUASP,Jaime.“Lapretensiónprocesal”,p.604.

357.ROSENBERG,Leo.Tratadodederechoprocesalcivil,p.27ess.

358.BADARÓ,GustavoHenrique.Correlaçãoentreacusaçãoesentença,p.76ess.

359.SeguindoaGUASP,Jaime.“Lapretensiónprocesal”,p.600ess.

360.EugenioFlorían(Elementosdederechoprocesalpenal,p.49)entendequeoobjetofundamentaldoprocessopenaléumadeterminadarelaçãodedireitopenalquesurgedeumfatoqueseconsideracomodelito.Nessa linha, Beling (Derecho procesal penal, p. 79) assinala que o assunto da vida constitui o objeto doprocesso.ÉimportantedestacarqueJoséFredericoMarques(Elementosdedireitoprocessualpenal,p.68),ao falarna“finalidadeeobjetivodoprocessopenal” (poisnão trataclaramentedoobjeto), citaBelinge lheimputa uma frase: “Donde dizerErnstBeling que o objeto do processo é a tutela da lei penal”.RealmenteBelingdizisso,masemoutrocontexto,aocomentar“lafuncióngeneralpolítico-jurídicadelderechoprocesalpenal”eparadefinira função institucionaldoprocessopenal.Sobreoobjeto,dedicaumcapítuloespecífico,ondedesdeo iníciodefinecomo“elasuntode lavida (causa, res),en tornodelcualgiraelproceso,ycuyaresolución (mediante decisión sobre el fondo) constituye la tarea propia del proceso (los merita causae omaterialia causae, en la terminología de la ciencia pandectista)”. Ademais de tirar uma frase do contexto,FredericoMarquesincidenograveerrodeidentificarfinalidadecomobjeto.

361.ORBANEJA,EmilioGómez.ComentariosalaLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.51ess.

362.A expressão é deGuasp, na obraLapretensiónprocesal, com a importante distinção de que ele

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defendeofatonatural.

363.“Lapretensiónprocesal”,p.588.

364.COUTURE,EduardoJ.Fundamentosdelderechoprocesalcivil,p.61.

365.Otermo“juiciooral”éempregadonosentidodefaseprocessualemsentidoestrito.Nãoéadotadootermo“fase judicial” (comonoBrasil)porquenaEspanhaa investigaçãopreliminarestáacargodeum juizinstrutor,logo,temnaturezajudicial(aindaquenãojurisdicional).

366.SENDRA,VicenteGimenoetal.Derechoprocesalpenal,cit.,p.216.

367.SeguindoaClassificaçãoQuináriadePontesdeMiranda,caberecordarqueasentença,ademaisdedeclaratória,constitutivaecondenatória,tambémserámandamentaleexecutiva.

368.GOLDSCHMIDT,James.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.7ess.

369. O que segue, veja-se GOLDSCHMIDT, Problemas jurídicos y políticos del proceso penal; etambémDerechojusticialmaterial,p.54ess.

370.ComoexplicaGoldschmidt (Derecho justicialmaterial, p. 52 e ss.) ao analisar a obradeBinding(HandbuchdesStrafrechts,p.189ess.).

371.AolongodamagistralobraProblemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal.

372.Problemasjurídicosypolíticosdelprocesopenal,p.58.

373. Isso porque, como explica Alonso (Instituciones de derecho procesal penal, p. 3), paraGoldschmidt, a retribuição é o regulador fundamental da vida social. Daí por que se necessita da justiçadistributivapara regularossentimentosdeprazeredor, significadizer,o“estar”doshomensconformeseusméritosdiantedodireito,istoé,dajustiçapenal.

374.Poissetratadodireitomaterialdepenar,quesomentepodeserrealizadopeloprocesso,apósoplenoexercíciodaacusação,comasentençacondenatória.

375. Como toda teoria, por óbvio que não é perfeita e acabada, daí por que muitas acomodações eatualizaçõesforamfeitaspornós.Entreas revisõesdeconceitos,háquesepensaraexecuçãodapenaemGoldschmidtcomoutrosolhos,poisnaconcepçãodoautoropoderdeexecutarapenatambémestariaacargodojuiz.Issoconduziriaaumprocessodeexecuçãopenaldecunhoinquisitório,comoqualnãoconcordamos.Daíporquepensamosquenaexecuçãodeve-seconstruirumaestruturadialética, comoMinistérioPúblicoinvocandoojuizparaoinícioenosdiferentesincidentes.Umverdadeiroprocesso(deexecução).

376.Esse tema foimuitobem tratadoporGómezOrbaneja (Comentariosa laLeydeEnjuiciamientoCriminal,p.187ess.)emcuja liçãonosbaseamosnacontinuação.Tambémé importanteesclarecerqueaidentificação da concepção de Gómez Orbaneja com a de Goldschmidt foi expressamente admitida peloprimeiro (na obra com Herce Quemada, Derecho procesal penal, p. 90), quando explica que “aunque

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hayamos llegado a él por caminosdistintos, este concepto coincide en esencia con el deGoldschmidt (v. suobra, en castellano y sobre el proceso penal español,Problemas jurídicos y políticos del proceso penal,Barcelona, 1935).Goldschmidt se basa en su concepciónpersonal del derechopenal comoderecho justicialmaterial,acercadelacualnadavamosadeciraquí.Peroauncuandoseprescinda–einclusosedisienta–detal teoría, nos parece que el concepto de acción exposto es el que mejor se compagina con la verdaderanaturalezadelprocesocriminal”.

377.Derechoprocesalcivilypenal,p.301.

378.Derechoprocesalcivilypenal,p.301.

379.Sobreotema,remetemosoleitorparanossaobraDireitoprocessualpenal.

380.MIRABETE,JulioFabbrini.Processopenal,p.117.