Livro do Padre Severino

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Padre Severino da pessoa ao instituto Raul Japiassú Câmara e Aderaldo Pereira dos Santos Rio de Janeiro 2013 1 a Edição

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Padre Severinoda pessoa ao instituto

Raul Japiassú Câmara e Aderaldo Pereira dos Santos

Rio de Janeiro2013

1a Edição

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Colaboradores

Assessoria de Sistematização Institucional

Diretor Geral Novo DEGASE

Secretaria de Educação

Governador do Estado do Rio de Janeiro

Capa

Diagramação

Revisão

Fernando Diaz PicamilhoGabriela Costa

Fernando Diaz PicamilhoGabriela Costa

Thiago Pinheiro

Adrianno ReisAntônio Neto

Soraya Sampaio Vergilio

Alexandre Azevedo de Jesus

Wilson Risolia Rodrigues

Sérgio Cabral

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Apresentação

O CEDOM, Centro de Documentação e Memória do Novo DEGASE, traz a público a presente obra como o início da Série História e Memória, cujo objetivo consiste em tratar de assuntos relacionados à história das instituições que fazem parte do Departamento e suas respectivas memórias socioeducativas. Neste primeiro número, trataremos do Instituto Padre Severino, atual Centro de Socioeducação Dom Bosco.

O livro está dividido em duas partes. Na primeira, foram abordados alguns aspectos da história de José Severino da Silva, conhecido como padre Severino, cujo nome foi dado ao Instituto como forma de homenagem. A segunda parte foi dedicada a trabalhar momentos da história do Instituto Padre Severino, no período em que este esteve vinculado ao Serviço de Assistência a Menores (SAM).

Ambas as partes são resultados de pesquisa que teve como base revistas, periódicos e jornais disponibilizados pela Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Em relação à pesquisa sobre o próprio padre Severino, também houve consulta a documentos existentes no Arquivo da Cúria, na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. Cópias de alguns documentos e jornais pesquisados foram incluídas nos anexos dos textos. Os autores também se apoiaram em textos e livros sobre a história do atendimento à infância pobre no Brasil.

O trabalho não seria concluído a contento sem a contribuição de várias pessoas. Sendo assim, agradecemos à Direção Geral do Novo DEGASE e a toda a equipe da Assessoria de Sistematização pelo apoio e incentivo ao projeto. Agradecemos também aos estagiários de História Antonio Bispo e Adriano Guedes pelo empenho e dedicação às demandas da pesquisa.

Esperamos que esta série contribua, não só para conhecermos um pouco mais sobre a história e memória da socioeducação, mas também que seja um incentivo para novas pesquisas, sobretudo, re-alizadas por pesquisadores que sejam servidores do próprio Novo DEGASE.

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Por fim, gostaríamos de dizer que este trabalho é dedicado a todos os meninos e meninas que um dia foram internos, mas que conseguiram superar os obstáculos da vida e seguiram em frente; e a todos os profissionais que ajudaram nesta superação.

Aderaldo Pereira dos Santos e Raul Japiassu, professores de História do Novo DEGASE.

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A “vassoura do Rio”

Um pouco da história de José Severino da Silva, o Padre Severino (18.05.1867 – 08.12.1943)

Por Aderaldo Pereira dos Santos1

Resumo: O texto apresenta o resultado da pesquisa realizada no Arquivo da Cúria na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico, Sociedade de Geografia e Hemeroteca da Biblioteca Nacional, a respeito da história do Monsenhor José Severino da Silva, conhecido como padre Severino. Além de traçar alguns aspectos da história de vida, objetivou-se contextualizar as ações e ideias do referido religioso referentes à infância pobre da época. Autores e estudiosos da história das políticas públicas para a infância no Brasil serviram de apoio para a fundamentação do texto.

Palavras-chave: padre Severino – infância – infância desvalida – criança abandonada – filantropia – políticas públicas.

O meu asilo não terá limites na sua capacidade de recolher os pobres. Todos que se apresentarem serão recebidos. Mas não lhes darei tempo de se apresentarem, irei procurá-los, apanhá-los onde a miséria e o abandono os atirarem. Quero ser a vassoura do Rio.

(Jornal O Século, 05.02.1915) Padre Severino

1 Mestre em Educação (Universidade do Estado do RJ - UERJ), Especialista em História da África e do Negro no Brasil (Universidade Cândido Mendes - UCAM), Especialista em História do Século XX (Universidade Cândido Mendes - UCAM), Graduado em História (Universidade Federal Fluminense – UFF), Professor de História do DEGASE e da FAETEC (Fundação Estadual de Apoio à Escola Técnica).

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Foto do padre Severino mais novo - Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional/Revista Fon Fon 1909 - edição 0050.

O Instituto Padre Severino (IPS) foi fundado em 1955 na época em que existia o Serviço de Assistência a Menores, o conhecido SAM. Muito já se ouviu falar sobre este Instituto, sobretudo, a partir de notícias veiculadas pela imprensa. No entanto, pouco se falou a respeito da pessoa cujo nome foi dado ao Instituto como forma de homenagem. Afinal, quem foi o padre Severino?

No dia 06 de fevereiro de 1955, o jornal Diário de Notícias publicou uma matéria informando, entre outras coisas, sobre as obras de construção do Instituto Padre Severino. Com o título “Cuidemos das crianças do Brasil: Doze mil crianças no SAM”, a matéria tratou da visita feita por equipe do jornal ao prédio em construção e também fez referências sobre o funcionamento das atividades das novas instituições do Serviço de Assistência a Menores. Um dos aspectos curiosos da notícia foi o momento em que os jornalistas perguntaram sobre o significado do nome do futuro instituto. “Quem foi o padre Severino?”; ninguém soube responder. Tomando por base pesquisa realizada em revistas, jornais e periódicos disponibilizados na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, pesquisa no Arquivo da Cúria na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro, Instituto Histórico e Geográfico e Sociedade de Geografia, este texto tem como objetivo contribuir na recuperação da história de vida de José Severino da Silva, o padre Severino.

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O Serviço de Assistência a Menores (SAM) surgiu no ano de 1941, com o Decreto Federal n° 3.799 de 05 de novembro do referido ano. Seu Regimento, no entanto, só foi publicado três anos depois, através do Decreto Federal 16.575 de 11 de setembro de 1944. Os referidos decretos não mencionam o Instituto Padre Severino. A referência ao padre Severino aparece, inicialmente, como sendo o nome de um Ambulatório que fora inaugurado no ano de 1948 (segundo notícia divulgada pela Gazeta de Notícias de 05.11.1948), no Hospital Central em Quintino (que pertencia ao SAM). Como nome do Instituto (IPS) só aparece, pela primeira vez, no Decreto Federal 29.857 de 06 de agosto 1951, que modificou o Regimento do SAM, o referido decreto informou a existência da instituição como órgão do SAM, mas esta não existia concretamente. A construção do Instituto só ocorreria quatro anos depois da sua previsão. Sendo assim, o nome “Padre Severino” dado ao projeto do Instituto que fora incorporado ao SAM serviu como forma de homenagear o referido padre. No entanto, a pergunta que surgira na matéria do Diário de Notícias persiste: quem foi o padre Severino?

O Jornal do Brasil publicou um artigo no dia 13 de fevereiro de 1955, portanto, uma semana depois da matéria do Diário de Notícias, com o título “Quem foi o Padre Severino”. Este artigo teve como objetivo responder a indagação contida no Diário de Notícias a respeito do referido padre. O autor, Maurício Joppert da Silva, escrevera com propriedade, pois se tratava de membro da família. Sobrinho do padre Severino, Maurício Joppert da Silva, que fora Ministro dos Transportes do governo do Presidente José Linhares (de 01 de novembro de 1945 a 31 de janeiro de 1946), traçou no texto o percurso deste importante personagem cuja história de vida era, até então, muito pouco conhecida pela opinião pública da época.

Maurício Joppert informou que o padre Severino, ou monsenhor José Severino da Silva, nascera em 18 de março de 1867 no Rio de Janeiro2 e falecera na Cidade de Campos em 08 de 2 Há uma controvérsia quanto à data de nascimento do padre Severino. Enquanto o artigo do sobrinho informou que ele nascera em 18 de março de 1867, no Arquivo da Cúria, na Catedral do Rio de Janeiro, encontramos documento sobre o

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dezembro de 1943. Filho de João Severino da Silva e Carlota Vieira da Silva, o padre teve uma vida repleta de aventura e dinamismo. Estudou no Colégio Pedro II e depois do falecimento do pai foi com a mãe para Portugal no ano de 1885. Na terra lusitana, padre Severino iniciou sua carreira eclesiástica ordenando-se no Seminário Patriarca de Lisboa. De acordo com Joppert, padre Severino também lecionou no Colégio de Santa Maria, na cidade do Porto, e depois entrou para a Ordem Francesa do Saint Esprit3. Em 1896, padre Severino foi como missionário para a África. Ele viveu no continente africano dezessete anos. Atuou no Congo e em Angola. Chegou até a participar de excursão para tomar posse das regiões do Donguena e Hinza (próximas ao Rio Cunêne) para Portugal, a convite do governador civil de Angola, Dr. Ramada Curto. Segundo Maurício Joppert, a experiência do padre Severino na África foi vasta:

Na África catequizou como sacerdote missionário, ensinou para que a inteligência ajudasse a purificar a alma dos nativos, tratou dos males do corpo como médico curandeiro – graças a um velho Chernoviz4 que conservou muitos anos – foi dentista, farmacêutico, juiz de paz, construtor, músico, agricultor, tudo em suma, que o homem civilizado, quando isolado da civilização, é obrigado a improvisar (...). Presenciou calamidades dantescas, provocadas pelas secas e na sua vasta coleção de fotografias mostrava como morriam homens e animais, reduzidos a esqueletos cobertos de peles e apenas com um ligeiro sopro de vida.

(Jornal do Brasil, 13.02.1955, p.5)

batismo do padre que apresenta a data de nascimento dele como sendo 18 de maio de 1867. Consideramos no título do texto a data informada no batismo, por tratar-se de documento oficial da Igreja. (Ver cópia nos anexos). 3 Algumas cartas encontradas no Arquivo da Cúria relacionadas ao padre Severino confirmam esta informação. São cartas escritas em francês com papel timbra-do da própria Congregação da Ordem do Espírito Santo. É uma Congregação Católica que se formou a partir da união de duas congregações, uma criada pelo padre Claudio Poullart dês Places em Paris no ano de 1703, e a outra fundada pelo padre Francisco Libermann em 1841; no ano de 1848, as duas congregações se fundiram e formaram a Congregação do Espírito Santo. Desde sua fundação até os dias atuais, seus missioná-rios atuam em vários países fazendo evangelização e ajudando populações pobres.4 Referência ao manual de medicina popular de autoria do doutor polonês Pedro Luiz Napoleão Chernoviz (1812-1881) usados no Brasil imperial.

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Mas não parou por aí. Estudou e observou os povos africanos com que conviveu. Escreveu em revistas francesas e portuguesas a respeito dos costumes destes povos, e objetivando compreender a língua deles chegou a elaborar uma gramática referente ao idioma olynunecka.

Joppert informou também que entre 1913 e 1914 o padre Severino viajara por vários países: Cabo Verde, São Tomé, Príncipe, Madeira, Portugal, Espanha, França, Bélgica, Holanda, Inglaterra e Itália. Voltou ao Brasil para morar na casa do pai de Maurício Joppert, senhor João Severino da Silva, localizada à Rua Barão de Mesquita no bairro do Andaraí. Ficou popular no bairro como “tio Juca”, apelido de família.

De acordo com o sobrinho, o padre recusou assumir altos postos da Igreja para se dedicar “à missão de educador que foi sempre o sentido social e religioso de sua atividade”.

Assim que retornou ao Brasil, ele se dedicou a fazer conferências em instituições científicas e religiosas a respeito dos costumes africanos. Utilizava o recurso da fotografia para ilustrar suas palestras, pois registrara inúmeras fotos sobre o assunto. Tudo indica ser um rico material fotográfico que não sabemos se foi preservado5 .

A missão de educador, segundo Joppert, se consolidou no campo da defesa aos órfãos e abandonados6 . Dirigiu a Escola dos Menores Abandonados de Pinheiros, Orfanato de São Bento em Guaratiba e o Asilo de São Luiz em São Cristóvão. Foi para Campos em 1924 e se tornou popular na cidade. Criou o Orfanato de São José, A Caixa Escolar e o Abrigo dos Pobres. O artigo de Maurício Joppert informou também a respeito de atividades

5 A professora Soraya Sampaio, responsável pela Assessoria de Sistematização do DEGASE, encontrou na Revista Fon Fon notícias sobre o padre Severino. Em duas delas aparecem oito dessas fotografias, duas na Revista de 1909 e seis na de 1913 (ver cópias nos anexos).6 Paulo Nogueira Filho, no livro Sangue, Corrupção e Vergonha, em que faz duras críticas ao Serviço de Assistência a Menores (SAM), escreve breve referência sobre o papel missionário e educador do Padre Severino (pág.137).

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que os internos realizavam no referido Orfanato. Eles estudavam o curso primário e parte do secundário, aprendiam música, inclusive com a formação de uma banda que se apresentava em festas e solenidades públicas e praticavam a agricultura. Quando saiam do Orfanato, padre Severino buscava, com os amigos, conseguir empregos para eles. Ainda sobre o Orfanato, Joppert informou que a instituição se mantinha através de doações e venda de produtos feitos pelos próprios internos.

O padre Severino faleceu em 08 de dezembro de 1943, em Campos, no Hospital da Beneficência Portuguesa, devido a um acidente. Houve grandes homenagens para ele na Cidade que, de acordo com seu sobrinho, transformou o enterro dele “numa consagração da grande obra que realizara na terra”. Em Campos, foi erguido um busto em sua homenagem. Alguns anos antes de sua morte, ele fora elevado à condição de monsenhor. Maurício Joppert concluiu seu artigo destacando a trajetória intelectual do padre Severino:

Viveu como um sábio, estudando e observando para fazer o bem e acolheram-no como um dos seus, a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, o Ateneu Comercial do Porto e o Instituto Histórico de São Paulo.

(Jornal do Brasil, 13.02.1955, p. 5)

O detalhamento e amplitude das ações do padre, revelados pelo artigo de Joppert, instigou e impulsionou a pesquisa por mais informações. Teria a imprensa noticiado algo sobre as atividades do padre Severino no período em que ele vivera no Rio de Janeiro e em Campos? Tratando-se de religioso, haveria documentos sobre o padre no Arquivo da Cúria? Haveria registros da passagem do padre na Sociedade de Geografia e no Instituto Histórico e Geográfico? O resultado da investigação foi surpreendente.

Considerando os já citados, foram encontradas na Hemeroteca da Biblioteca Nacional, no período entre 07 de agosto de 1913 e 13 de fevereiro de 1955, cinquenta notícias publicadas que fazem referência à pessoa do padre Severino. Diversos foram

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os jornais, periódicos e revistas que noticiaram sobre o padre: O Paiz, A Época, O Século, Gazeta de Notícias, O Imparcial, Revista da Semana, Correio da Manhã, A Noite, Diário de Notícias, Jornal do Brasil e Revista Fon Fon.

As referências ao padre Severino são de diversos tipos: visitas do padre a autoridades do governo, conferências que ele ministrara, missas realizadas por ele, notícias sobre instituições de proteção às crianças e jovens abandonados que ele criara, atividades de assistência aos abandonados e jovens pobres, participação de Banda de Música criada pelo padre e formada por jovens abandonados, em atividades festivas particulares e oficiais, atividades que ele realizara na África e outras mais. No arquivo da Cúria, encontramos importantes fontes históricas, como cartas, certidões, documentos em francês e latim. O Instituto Histórico Geográfico, por sua vez, tem registro da passagem do padre realizando palestra sobre suas experiências no continente africano. A análise desse material revelou que o referido padre era pessoa muito ativa.

Depois de estar fora do país desde o final do século XIX, o padre retornou ao Brasil no início do século XX. Em sete de agosto de mil novecentos e treze, o jornal O Paiz noticia visita do padre Severino ao ministro da Agricultura e ao diretor do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais.

Foto do prédio da missão dirigida pelo padre Severino na África - Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional/Revista Fon Fon 1909 -

edição 0050.

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No conteúdo da matéria, consta a informação de que o padre teria sido missionário na África durante vinte e cinco anos. Segundo o artigo de Maurício Joppert, o padre fora missionário por dezessete anos no continente africano, portanto, há um conflito de informação. A visita dele aos referidos ministro e diretor revela que ele tinha certo trânsito por esferas administrativas do poder. Outras notícias confirmam esta intimidade do padre com algumas figuras do alto escalão do governo. O jornal O Século também informou sobre a referida visita.

A respeito da missão que o padre fizera na África 7, a Revista Fon Fon de 1909 publicou uma matéria muito interessante. Além de conter a foto do padre, há também a foto do prédio em que se localizava a missão dirigida por ele e a foto do Internato que ele criara na região africana. O conteúdo do texto trata, dentre outras coisas, do trabalho missionário que era realizado. Começa destacando a curiosidade daquilo que as fotografias informavam, ou seja, certos hábitos de povos africanos e a descoberta de se saber da existência, “no longínquo sertão africano, de um missionário

7 O padre também participara da elaboração de um mapa do distrito de Huilla, parte ocidental do sul de Angola. (Ver TV Ciência – Cartoteca - II CT- Centro de Documentação e Informação, publicado pela Comissão de Cartografia, em Dezembro de 1906/http://www.tvciencia.pt/tvccat/pagcat/tvccat01.asp?pag=03&campo=AR-QCAT&txt=IICT-Centro%20de%20Documentação%20e%20Informação).

Foto do Internato criado pelo padre Severino na África - Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional/Revista Fon Fon 1909 - edição 0050.

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brasileiro, diretor da missão de Santo Antonio dos Gambos, Padre José Severino da Silva8” . Em seguida, trata do objetivo da missão: “Essa missão, ao serviço da Congregação do Espírito Santo tem por fim a catequese dos gentios africanos”. Depois dá a informação sobre a experiência de internato para crianças pobres que o padre Severino realizara em terras africanas:

Nos internatos masculinos e femininos, aprendem a falar português, ler, escrever, contar e vários ofícios tais como: alfaiate, carpinteiro, pedreiro e ferreiro. No segundo, aprendem a falar português, ler, coser, lavar, engomar roupa e cozinhar.

(Revista Fon Fon, Edição 0050, 1909).

O trecho acima deixa evidente que uma das missões do padre Severino na África foi atuar em prol da infância pobre africana. Ao retornar ao Brasil, ele procurou exercer aqui essa mesma experiência, além de palestrar sobre o que conhecera da cultura africana.

Nesse sentido, o Jornal A Época de 19.08.1913 noticiou sobre uma conferência que o padre Severino realizara na Sociedade de Geografia. Segundo o jornal, o eclesiástico falou a respeito da geografia africana, discorreu sobre raça, língua, fauna, flora, climatologia e fez descrições do costume da população de Gambos. De acordo com a matéria, a palestra do padre foi enriquecida com “magníficas projeções luminosas” de fotografias que ele fizera na África. Como foi dito anteriormente, foram cerca de cem fotos que, infelizmente, ainda não conseguimos encontrar e nem sabemos se de fato foram conservadas. Este mesmo tipo de conferência o padre também realizara em Recife, capital do Estado de Pernambuco, de acordo com o jornal Gazeta de Notícias de 14.06.1914, que informou, também, que o mesmo fora muito aplaudido. O jornal A Noite de 13 de fevereiro de 1914 informou sobre a palestra que o padre realizara em Petrópolis com o mesmo tema.

8 Considerando que algumas palavras escritas na época diferem da forma que vigora na atualidade, para facilitar a compreensão do texto, optou-se em transcrever os trechos de periódicos, jornais e revistas citados utilizando a forma atual das palavras.

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As ações do padre Severino em prol da infância abandonada no Rio de Janeiro começaram a ser noticiadas nos jornais a partir de 1915. Sendo assim, o jornal O Século de 05.02.1915 divulgou uma matéria ampla que, além de apresentar biografia do padre Severino, com informações que corroboram as palavras de Maurício Joppert em artigo citado no início do texto, trata de um projeto que o padre Severino tinha de criar um “asylo” para “menores” na cidade do Rio de Janeiro. O conteúdo do artigo evidencia, também, aspectos da visão que autoridades e opinião pública tinham, à época, a respeito da infância pobre. Além disso, como é um dos poucos artigos de jornal que apresenta entrevista com o próprio padre, possibilitou que entendêssemos um pouco do que o mesmo pensava a respeito das ações que empreendia. Desta feita, optamos a seguir por analisar mais detidamente o referido artigo.

Começando pelo título da notícia percebe-se certa exaltação à iniciativa do padre: “Asilo para menores abandonados, uma obra inadiável e grandiosa – os esforços de um missionário brasileiro – pratiquemos a caridade”. Analisando este título observa-se a articulação de três aspectos. Por um lado, passar a ideia de que a criação de um asilo para infância abandonada se constituía numa necessidade imperiosa, sobretudo, porque, como

Foto do padre Severino - Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional/Revista Fon Fon edição 008 – 1915.

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veremos adiante, era um problema social que afetava seriamente a cidade. Além disso, enfatizar a ação do padre como um esforço de missionário, até porque tinha ele vasta experiência neste sentido adquirida no tempo em que estivera na África. Por fim, indicar o caminho para conseguir os recursos necessários para o empreendimento, ou seja, através da caridade. E o padre foi uma pessoa ativa na busca de recursos de particulares para seus projetos, de acordo com o que informou os jornais pesquisados.

O artigo começa deixando bem evidente para os leitores, por um lado, a concordância do governo da época em relação à proposta de se criar um asilo para a infância abandonada; por outro, felicita a iniciativa do padre neste sentido e também confirma a informação que fora dada pelo sobrinho a respeito da Congregação a que o padre pertencia:

Há dias vem tomando vulto a feliz ideia da criação de um asilo para menores abandonados e, segundo se depreende de algumas notícias da nossa imprensa, essa caritativa inspiração tem sido bem aceita pelas rodas governamentais. § Essa feliz iniciativa foi gerada no espírito caridoso e bom de um missionário patrício, o reverendo José Severino da Silva, da Congregação do Espírito Santo.

(O Século, 05.02.1915)

Em seguida, o conteúdo do artigo se dedica a exaltar a experiência do religioso em seu esforço missionário, mais uma vez corroborando informações dadas por Maurício Joopert, o sobrinho do padre:

O padre Severino, nascido em 1867 cursou o Colégio Pedro II nesta capital e em 1885 partiu para Portugal. Onde recebeu ordens no Seminário Patriarcal de Santarém.§ Partiu depois para a África onde julgou o seu trabalho de catequese, por mais árduo, mais útil, e ali durante longos dezessete anos, afrontando os perigos e incômodos da vida nos sertões inóspitos de Angola, evangelizou tribos selvagens, chamando os negros à religião do Amor e do Bem, pregando-lhes a doutrina de Cristo.§ Inútil se torna desenhar, embora em traços largos, a vida de abnegação e sacrifício a que voluntariamente se impôs esse pastor de almas.§Pois foi o padre José Severino da Silva que, após

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longa ausência da pátria, aqui chegando viu que o seu espírito bom, que o seu caridoso coração tinha um trabalho a fazer, e um trabalho tão humanitário, tão santo como o que tivera durante mais de cinco lustres nas terras africanas.

(O Século, 05.02.1915)

Além de enfatizar as qualidades do padre como catequista católico corajoso ao enfrentar situações adversas na África, a passagem acima prepara o caminho para a outra missão que o padre exerceria, desta vez no Brasil, mais especificamente, na cidade do Rio de Janeiro do início do século XX, como fica evidenciado no trecho a seguir:

O bom padre observara, com o coração compungido, que nesta cidade remodelada e cheia de progresso viviam centenas de crianças abandonadas aos próprios instintos, criando-se na escola do vício, livres entre exemplos perigosos, sem abrigo certo, ignorantes, caminhando para o mal. Nasceu-lhe então esta ideia bendita: recolher os pequenos abandonados, encaminhando-os para o bem, ensinar-lhes uma profissão e alimentar-lhes tanto o corpo como a alma.

(O Século, 05.02.1915)

O artigo prosseguiu informando, inclusive, sobre a ida do Cardeal do Rio de Janeiro a Paris para realizar consulta à autoridade da Congregação à qual pertencia o padre, possivelmente para se certificar se as iniciativas do padre Severino tinham o aval da mesma:

E o caridoso missionário não mais descansou: tendo se cientificado de suas intenções caridosas, a sua eminência, o Cardeal Arcebispo, partiu para Paris a fim de consultar com o superior geral da Congregação, o abade Savoy.

(O Século, 05.02.1915)

A respeito da informação acima é importante dizer que a pesquisa realizada no Arquivo da Cúria na Catedral do Rio de Janeiro confirma a troca de informações entre o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro e o Abade Savoy da Congregação Espírito Santo acerca das intenções do padre de atuar em prol

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da “Santa Infância”. O padre solicitou as autoridades religiosas autorização para empreender seus projetos de dar assistência à infância abandonada.

Voltando ao artigo do jornal O Século, chegamos ao trecho da entrevista que nos revela um pouco do pensamento e do plano do padre Severino para conseguir criar no Rio de Janeiro um asilo para a infância abandonada:

É o próprio missionário quem, em uma entrevista, disse com que conta para execução desta grandiosa obra de filantropia: ‘Conto com a boa vontade popular, e para vencer conto com duas armas poderosas: a relevância da obra em si e a minha vontade pertinaz. ’E acrescentou: ‘Não penso sobrecarregar o governo ou a Prefeitura; viverei do auxílio que todos me derem para essa fundação que chamo nacional.

(O Século, 05.02.1915)

Em outro trecho, ele complementa seu raciocínio:

– O meu asilo não terá limites na sua capacidade de recolher os pobres. Todos que se apresentarem serão recebidos. Mas não lhes darei tempo de se apresentarem, irei procurá-los, apanhá-los onde a miséria e o abandono os atirarem. Quero ser a vassoura do Rio’, disse o sacerdote.

(O Século, 05.02.1915)

Ao final do artigo, o Jornal não só exalta a iniciativa do padre, como conclama a opinião pública a apoiá-lo:

Tornemos bem conhecido este plano gigantesco, secundemos os esforços do missionário Severino, auxiliemos tão nobre e bela missão, regeneremos o menino pobre e abandonado e teremos resolvido um problema importantíssimo, que se liga intimamente à prosperidade do edifício social.

(O Século, 05.02.1915)

Os trechos destacados da entrevista do padre e os conteúdos apresentados no artigo expressam, por um lado, o contexto da cidade do Rio de Janeiro na chamada Belle Époque; por outro, o momento histórico das políticas para a infância pobre.

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Na primeira fase da República, a cidade do Rio de Janeiro passou por momentos de grande transformação e agitação social. A Reforma Pereira Passos (1903-1906), as Revoltas da Vacina (1904) e da Chibata (1910), entre outros acontecimentos importantes, são exemplos de uma época marcada pelo impacto da passagem do regime escravista para o republicano. Como capital e principal centro político, econômico e cultural do país a cidade foi cenário de mudanças que repercutiram em âmbito nacional.

Um dos aspectos a ser destacados diz respeito ao crescimento demográfico que a cidade sofrera no período em questão e às consequências sociais e econômicas advindas deste crescimento populacional.

A abolição da escravatura, por um lado, e o incentivo governamental à imigração europeia, por outro, desencadearam processos que afetaram diretamente uma cidade despreparada estruturalmente para atender as demandas de uma população cada vez mais crescente. As ofertas de trabalho e as condições de moradia não deram conta dos anseios da população e, como consequência houve o crescimento dos quantitativos de subempregados e desempregados, assim como da população de rua. Em face do pensamento e propaganda racistas da época, esta situação afetava, especialmente, a população negra da cidade que tinha mais dificuldades de conseguir trabalho.

Se somarmos a este quadro o fato de o poder público tratar a “questão social” mais como um “caso de polícia” do que como um problema político, percebe-se o grau de dificuldades que existia na época e, sobretudo, os problemas enfrentados pela população pobre que vivia na cidade do Rio de Janeiro.

No livro Os Indesejáveis, de Lená Medeiros de Menezes, há uma passagem em que a autora sintetiza, de modo bastante esclarecedor, o processo histórico em questão e algumas das políticas propostas para dar conta dos problemas que surgiram no seu bojo:

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A virada republicana tinha ocorrido num momento de tomada das ruas por uma população que, concentrada em habitações coletivas, sem conforto e mal ventiladas, ou à margem do mercado formal de trabalho, transformava as vias públicas numa morada complementar. Nesta dimensão, a chegada da civilização proposta a partir do início do século representou a imposição da vigilância e da disciplina, marcando a definição do espaço público como um espaço político, e da vida privada como um dos maiores valores dos novos tempos. Este processo foi caracterizado de forma bastante ampla na valorização do lar como local de repouso e abrigo, resguardado do olhar vigilante do Estado; na consagração da prisão celular como forma privilegiada de punição; na tolerância à prostituição em lugares reservados e, finalmente, no recolhimento dos menores abandonados, mendigos, inválidos e loucos nos hospitais e asilos da cidade.

(MENEZES, 1996, p.37)

É nesse contexto que o problema do “menor abandonado” cada vez mais se acentuava como um problema grave da cidade. E a sinalização do problema já vinha de algum tempo. José Murilo de Carvalho, por exemplo, cita a fala de Evaristo de Moraes em 1892, quando este observou que havia na capital “gente desocupada em grande quantidade, sendo notável o número de menores abandonados” (CARVALHO, 1987, p.18).

Em 1915, na época em que o padre Severino queria criar um asilo para a infância abandonada, o quadro era mais grave ainda. E os caminhos que ele percorreu para conseguir seu objetivo expressavam o momento histórico das políticas de atendimento à infância pobre, que tinha na filantropia assistencialista sua principal marca.

O projeto da filantropia tinha o apreço das elites da época, pois além de possibilitar exercer controle social, objetivava manter a ordem e equacionar conflitos. Era um projeto que visava incutir, através da disciplina e educação para o trabalho, valores de respeito à família, às normas e à ordem como fundamentos para se obter o progresso. Sendo assim, como escreveu Maria Luiza Marcílio, “a filantropia tinha por escopo preparar o homem higiênico (capaz de viver bem nas grandes cidades, em boa

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forma e com boa saúde), formar o bom trabalhador, estruturar o cidadão normatizado e disciplinado” (MARCÍLIO, 2006, p.207).

Nesse sentido, a autora de História Social da Criança Abandonada, resumiu da seguinte forma o projeto filantrópico para a infância pobre:

Tendo como objetivos educar, formar, proteger e corrigir menores abandonados, o projeto buscou modalidades institucionais diferenciadas: colônias agrícolas e escolas de artes e ofícios, institutos correcionais, reformatórios, orfanatos, asilos, etc.§ A filantropia visava preparar a criança pobre e a abandonada para o mundo do trabalho. § Para a filantropia, o Estado deveria participar da assistência e da proteção à infância abandonada e transgressora; mas a ação maior deveria ser do particular.

(MARCÍLIO, 2006, p.208).

Portanto, como ficou evidenciado no artigo do jornal O Século, a iniciativa do padre Severino de criar um asilo para “menores abandonados” contava com o apoio de particulares, ele mesmo pensou em não “sobrecarregar o governo nem a Prefeitura” com o empreendimento, o que o colocava no campo da filantropia assistencialista.

A fase filantrópica e assistencialista correspondeu ao primeiro momento do atendimento à infância brasileira. Ela durou, sobretudo, do período colonial até os anos vinte da República Velha. O segundo momento, que começou nos anos vinte e se estendeu até os anos de 1979 e 1980, teve como característica marcante o surgimento de vasto aparato institucional e jurídico, cujo propósito consistiu na tutela da infância no Brasil. A partir das décadas de 1980 e 1990, inaugurou-se o terceiro e atual momento, que se caracterizou pela atuação de movimentos sociais e da sociedade civil em defesa de um melhor atendimento à infância. O marco deste momento tem sua expressão mais definida na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabeleceu o paradigma de compreender a criança e o adolescente como sujeitos de direitos (BAZÍLIO, 1998).

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Com relação à primeira fase, em que a criança foi vista como sujeito passível de caridade, como já vimos, predominou a prática de internar crianças pobres para evitar que estas se tornassem “futuros marginais”. Tal prática se fundamentou na compreensão de que o estado de pobreza propiciava a vivência de uma moralidade considerada anormal e perigosa para a sociedade. A opção de internar crianças pobres que tinham uma vida considerada “perigosa” em instituições filantrópicas e assistencialistas foi pautada, portanto, por uma grande preocupação de proteger a sociedade das “classes perigosas”.

Na segunda fase, o Estado brasileiro criou leis e instituições voltadas para a tutela da infância. É neste período que surgem os Códigos de Menores, um em 1927 e outro em 1979. São criados, também, o SAM (Serviço de Assistência ao Menor) em 1941 e a FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor) em 1964, além das várias FEBEMs (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) que se espalharam pelo país. Todo esse aparato jurídico e institucional, no entanto, foi posto em prática orientado pela visão preconceituosa de associar pobreza à produção da delinquência. Tais instituições ficaram mais conhecidas como espaços de violação dos direitos humanos fundamentais do que propriamente como lugar de recuperação de crianças e adolescentes.

Assim, o que predominou na política estatal de atendimento ao chamado “menor” foi, mais uma vez, a prática da internação como meio de proteger a sociedade daquelas crianças e adolescentes que eram vistos como delinquentes em potencial, pelo fato de pertencerem às classes sociais de baixa renda.

A tão almejada mudança de paradigma só viria na década de 1990 com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), após a participação da sociedade civil, dos movimentos sociais e de organizações não-governamentais em defesa de uma lei que atribuísse à criança e ao adolescente a condição de cidadão com direitos reconhecidos juridicamente.

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É notório o caráter preconceituoso das legislações anteriores ao ECA que tratavam da infância e juventude pobre. Sobre o Código de Menores de 1979, Edson Passeti (1991) escreveu, por exemplo, que o referido Código “chegava a levantar suspeitas de antemão sobre jovens pobres, maltrapilhos, negros ou migrantes que vagavam pelas cidades, tidos como ‘menores’ e vivendo em ‘situação irregular’” (PASSETI, 1991, p.370).

O termo “menor” ao qual se referiu Passeti é uma definição que foi elabora desde a década de 1920 e que sempre teve uma carga grande de preconceito9.

Analisando a “concepção de menor” que prevaleceu no discurso jurídico anterior ao ECA, Irma Rizzini (1993) demonstrou em quais bases tal termo foi concebido. Ela investigou as influências teóricas exercidas pela psiquiatria, psicologia, medicina e pedagogia na constituição desse conceito. Segundo a autora, “ao se analisar a influência das ciências na prática jurídica de assistência ao menor, verificou-se que a utilização pelo Juízo de Menores ocorreu sob duas formas principais: a técnica e a doutrinária” (RIZZINI, 1993, p.85).

Em termos técnicos, essa influência foi exercida através dos diagnósticos emitidos pelos especialistas para justificar as causas do comportamento desviante do “menor”. Em termos doutrinários, a influência se deu na recorrência ao discurso científico para fundamentar as reformas jurídicas. Em ambos os casos, o discurso científico, muitas vezes, serviu para legitimar uma concepção preconceituosa a respeito do menor:

Menor não é apenas aquele indivíduo que tem idade inferior a 18 ou 21 anos, conforme mandava a legislação em diferentes épocas. Menor é aquele que, proveniente de família desorganizada, onde imperam

9 Maria Luiza Marcílio (História Social da Criança Abandonada) informou que antes do termo “menor” se consolidar como uma expressão para definir os membros da infância pobre, vários termos foram utilizados; segundo ela, “de ‘santa infância’, ‘expostos’, ‘órfãos’, ‘infância desvalida’, ‘infância abandonada’, ‘petizes’, ‘peraltas’, ‘menores viciosos’, ‘infância em perigo moral’, ‘pobrezinhos sacrificados’, ‘vadios’, ‘capoeiras’, passou-se a uma categoria dominante – menor”. (p. 195).

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os maus costumes, a prostituição, a vadiagem, a frouxidão moral e mais uma infinidade de características negativas, tem a sua conduta marcada pela amoralidade e pela falta de decoro, sua linguagem é de baixo calão, sua aparência é descuidada, tem muitas doenças e pouca instrução, trabalha nas ruas para sobreviver e anda em bandos com companhias suspeitas.

(RIZZINI, 1993, p.96).

De acordo com o que noticiou o jornal O Século, em artigo citado anteriormente, o próprio padre Severino, como homem do seu tempo, reproduzira esse preconceito quando se auto definiu como “a vassoura do Rio”. Vassoura é objeto usado para realizar limpeza, ou seja, limpar a sujeira de um determinado lugar. Ao associar este objeto ao seu projeto de tirar as crianças e adolescentes pobres e abandonados das ruas para o “seu asilo”, padre Severino se colocou no campo de uma ideologia higienista muito em voga na época.

Independentemente disso, as ações empreendidas pelo padre Severino em prol da infância pobre e abandonada o caracterizam como um grande defensor dessa causa. Nesse sentido, como já foi dito antes, alguns jornais e revistas registraram a saga desse religioso abnegado, que até o fim da vida buscou criar instituições voltadas para o atendimento da infância “desvalida”.

No ano de 1915, além do artigo do jornal O Século, os jornais A Época, O Imparcial, O Paiz, A Manhã e a Revista Fon Fon também noticiaram a respeito das atividades do padre Severino.

As iniciativas do padre Severino para criar um Asilo para infância abandonada também foram divulgadas em outros jornais. O jornal A Época de 27 de abril de 1915, por exemplo, noticia a respeito das ações do padre para criar, segundo a matéria, “o Asilo Nacional para agasalhar as crianças atiradas às agruras das ruas”. Para tanto, o jornal informou que o padre buscou por intermédio do senhor Aurelino Leal, chefe de polícia do Distrito Federal, conseguir com o Ministro do Interior e da Fazenda, senhor

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Sabino Barroso, um terreno no bairro do Andaraí, onde pudesse ser construído o asilo. Além disso, a matéria do jornal apresenta uma das estratégias do padre para conseguir seu intento, ou seja, realizar palestras a respeito do projeto, possivelmente não só para demonstrar a relevância do mesmo, como também obter apoio e auxílio financeiro: “Certamente o Sr. Sabino Barroso não deixará de deferir a patriótica pretensão do magnânimo padre Severino, que dentro de poucos dias, na Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, iniciará uma série de conferências em favor da fundação do aludido asilo”, informou o jornal.

Ao se analisar a notícia que o jornal A Manhã publicou em 04 de julho de 1915, a respeito da conferência que o padre Severino fizera no Círculo Católico, temos a oportunidade de conhecer mais um pouco alguns dos fundamentos que o mesmo tinha em relação ao seu projeto de criar asilo para a infância pobre, assim como constatar a sua estratégia para conseguir seus objetivos.

A começar pelo título da conferência, “a Regeneração da infância abandonada”, fica claro o quanto o padre era um divulgador da proposta filantrópica que, como vimos anteriormente, fundava-se na ideia de regenerar pelo tripé: trabalho, disciplina e educação. O conteúdo da notícia esclareceu melhor os pontos de vista em que o padre acreditava.

De acordo com o jornal, ele iniciou sua palestra “dizendo que a regeneração da infância é um importante problema, de cuja resolução dependem a solução dos males e o engrandecimento da pátria”. É nítida a preocupação do padre em situar o problema ao qual se propunha enfrentar como sendo de grande envergadura, ou seja, de repercussão nacional, cuja solução beneficiaria o desenvolvimento da própria nação, e talvez por isso o asilo que se dispunha criar fora denominado por ele de “Asilo Nacional”.

O próximo argumento foi tratar das causas principais do problema: “Dois cancros minam a infância desamparada: a mendicidade e a criminalidade”. Em seguida, esclareceu as consequências que elas causam à infância pobre. A primeira

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(mendicidade) “é uma torpe exploração que abate grandemente o moral da criança, preparando-lhe um futuro tristíssimo”. Já a segunda (criminalidade) “é a escola do vício, onde o pequeno, por falta de educação moral, se prepara para ser mais tarde um fator pernicioso na sociedade”.

Como um homem do seu tempo, o padre Severino comungava da ideia, muito presente na época (que existe ainda na atualidade), de entender a experiência da pobreza como algo que contribuía para a vivência de uma moralidade negativa que levaria a criança ao crime. Criminalidade vista como uma “escola” que prepararia a criança para ser um adulto “pernicioso” ao convívio social. O “remédio eficaz para esses dois males” viria a seguir, ou seja, “a fundação do Asilo Nacional, onde o menino receba uma educação simples, mas sã, onde aprenda uma arte profissional, onde se exercite na educação militar e no ensino prático da agricultura”.

Ao terminar a palestra o padre conclamou o apoio de vários setores da sociedade para realizar seu empreendimento: “Para a fundação e manutenção do Asilo apela para a imprensa, a quem tece os mais rasgados elogios, às autoridades, aos mestres profissionais, aos negociantes, aos industriais, enfim, a todos os brasileiros – do mais abastardo ao mais humilde”, informou o jornal. A conclusão do artigo exaltou a “eloquência” do padre na defesa da sua “ideia filantrópica”, e informou que o mesmo fora muito aplaudido.

A conferência do padre Severino sobre a “Regeneração da Infância Abandonada” também foi noticiada no jornal O Paiz de 11 de maio de 1915 e no jornal O Imparcial de 07 de maio do mesmo ano. O jornal O Imparcial, inclusive, só no ano de 1915, divulgou quatro notícias a respeito do padre Severino. Além da notícia sobre a conferência, O Imparcial noticiou duas matérias sobre um albergue noturno criado pelo padre Severino no Cais do Porto para pequenos jornaleiros, garotos pobres que distribuíam jornais pela cidade e que dormiam nas ruas e praças; no mesmo

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ano, o jornal também divulgou notícia sobre missa realizada pelo padre no Patronato de Menores, no qual era capelão.

Entre os anos de 1913 a 1924, período em que o padre Severino vivera na cidade do Rio de Janeiro depois que retornara da África, houve notícias sobre esse religioso, em sua peregrinação voltada para a defesa da infância pobre.

Além das matérias citadas anteriormente, houve a notícia sobre uma festa realizada na Associação Brasileira de Imprensa, noticiada pelo jornal O Paiz de 09 de setembro de 1916, informando sobre a comemoração do 108° aniversário de fundação da imprensa jornalística no Brasil, fato este ocorrido em 10 de setembro de 1808 com a criação do jornal Gazeta do Rio de Janeiro. O padre Severino esteve na festividade e aproveitou a ocasião para conseguir apoio para distribuir “sessenta ternos de roupa” aos pequenos jornaleiros que viviam maltrapilhos pela cidade. A Revista da Semana também publicou matéria referente à mesma notícia.

Em 05 de outubro de 1916, o jornal A Época divulgou notícia exaltando a administração do padre Severino na Escola de Menores10 Abandonados ligada ao Patronato de Menores . O 10 O Patronato de Menores foi uma associação criada por juristas brasileiros na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1906. Tinha como principais objetivos, entre outras coisas, prevenir a infância pobre da “escola perniciosa das ruas”, fiscalizar asilos e institutos públicos e privados, combater a promiscuidade nas escolas e instituições de

Notícia sobre Escola de Menores dirigida pelo padre Severino - Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional/A Época - edição 01365 - 06.04.1916.

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conteúdo da matéria buscava fazer uma defesa desta Escola e do Patronato (mantidos, sobretudo, por particulares), e ao mesmo tempo fazer críticas a Escola Premunitória Quinze de Novembro (mantida pelo governo). Isto porque, de acordo com a notícia, durante as comemorações do Dia da Criança, (comemorado em 02 de outubro na época) crianças dos dois estabelecimentos se apresentaram; porém, algumas pessoas se confundiram com a situação pensando que as mesmas fossem de um único estabelecimento, e foram feitas críticas às condições físicas e as aparências das crianças no evento. O evento foi um desfile, e como as crianças da Escola XV de Novembro desfilaram logo depois das crianças da Escola de Menores Abandonados, o público achou que era uma coisa só. A matéria é ampla, mas como a ênfase das palavras utilizadas impressiona, convém analisar alguns trechos.

Já pelo título da notícia fica evidente o ponto de vista que foi desenvolvido no conteúdo da matéria: “Um lamentável equívoco – O Patronato de Menores nada tem de comum com a Escola de Menores 15 de Novembro11”. Os argumentos utilizados buscam, por um lado, esclarecer os motivos do “lamentável equívoco”; por outro, pontuar as diferenças entre as duas instituições, exaltando, também, o papel positivo da atuação do padre Severino.

assistência à infância pobre, evitando a convivência entre os sexos nestes espaços e dar proteção à infância abandonada. A Escola dos Menores Abandonados era uma escola que pertencia ao Patronato. (JUNIOR, Moysés Kuhlmann – Instituições Pré-Escolares Assistencialistas no Brasil. São Paulo: UNESP/Caderno de Pesquisa, p.23, 1991).11 A Escola XV de Novembro, criada em 03.12.1899, passou por diversos mo-mentos em sua longa história que se estendeu até 1997. Em 1903, quando recebeu a denominação de Escola Correcional XV de Novembro (Lei 4.780/1903), seu primeiro Regimento estabelecia, em seu artigo primeiro, que a Escola “tem por fim dar educa-ção physica, profissional e moral aos menores abandonados e recolhidos ao estabeleci-mento por ordem das autoridades competentes”. Este enfoque correcional e de ensino de ofício para crianças e jovens pobres em situação de vulnerabilidade, presentes no seu primeiro regimento, de certa forma, manteve-se no decorrer dos diversos momen-tos por que passou a Escola.

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Logo no início é dada ênfase à positividade do trabalho realizado pelo Patronato de Menores e à administração do padre Severino, na Escola de Menores Abandonados:

A passeata infantil do dia 2 do corrente, data consagrada a festa da criança, teve a grande vantagem de mostrar a sociedade carioca, por um dos seus prismas, a obra excepcional do Patronato de Menores. Todos que assistiram ao desfilar das crianças que constituem o batalhão da Escola de Menores Abandonados, dirigida pelo operoso e incansável padre Severino da Silva, constataram, com admiração e entusiasmo, o garbo dos minúsculos soldados, que se apresentaram limpos, corados, bem dispostos e amestrados.

(Jornal A Época de 05.10.1916)

Os adjetivos utilizados para qualificar tanto as crianças, quanto a instituição e o padre Severino, não deixam dúvidas em relação à defesa das mesmas. O Patronato visto como “excepcional”, ou seja, que realiza trabalho especial e diferenciado; o padre um “operoso e incansável” educador; as crianças de aparência saudáveis e disciplinadas como indicava a educação militar da época; tudo isso identificado a partir de um desfile. Com exceção dos adjetivos atribuídos ao padre Severino, pois sua história indica, realmente, tratar-se de pessoa abnegada, as demais qualificações parecem ser um tanto quanto exageradas, já que há controversas em relação ao caráter excepcional de instituições desse tipo, sobretudo, em relação à época em que existiram. Há uma vasta literatura sobre o tema que questiona o sentido de excepcionalidade atribuído pelo jornal12 .

Depois da exaltação veio à negação, e a Escola XV de Novembro foi fortemente criticada, como um exemplo de instituição que prestava um grande desserviço à infância pobre e abandonada da época:

(...) Mas houve uma escola que apresentou ao público um espetáculo

12 Autores como Irene Rizzini, Irma Rizzini, Luiz Bazílio, Maria Luiza Marcílio, Edson Passeti, Tânia Müller e outros são alguns dos estudiosos do tema que questio-nam o sentido de excepcionalidade de instituições do tipo internato e asilar.

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completamente diverso. Os soldados desse batalhão, que são alunos desta escola, eram meninos franzinos, pálidos, esquálidos, doentes, enfim. Notava-se na fisionomia de todos eles o cansaço. Compreendia-se que esses pequenos estavam fazendo esforços maiores do que os que lhes permitiam as suas depauperadas forças. Tinha-se a impressão de que essas crianças haviam saído de cavernas onde o ar não penetra, tal a palidez que ostentavam. Houve mesmo, na Avenida, um movimento de revolta ante aquela exibição, que seria grotesca, senão fosse macabra. Fazia pena ver crianças tão maltratadas. § Esse batalhão era o da Escola Premunitória Quinze de Novembro, que é mantida pelo governo e nada, absolutamente nada tem de comum com a Escola e o Patronato de Menores.

(Jornal A Época de 05.10.1916).

As palavras utilizadas falam por si. A crítica à Escola XV é contundente, de modo a passar para o leitor a ideia de que se tratava de algo que não deveria nem existir. Mesmo que as cenas descritas expressassem uma realidade que de fato tenha ocorrido, e que do modo como foi escrito causaria, sem dúvida, uma repulsa a quem o tenha assistido, a considerar o restante dos argumentos presentes no artigo, percebe-se que o “pano de fundo” da questão era a defesa de que as instituições de assistência à infância pobre e abandonada deveriam ficar a cargo de particulares e não do governo, como fica evidente no seguinte trecho:

Ao governo ficará o exemplo de quanto é conveniente entregar a direção de suas escolas e asilos a instituições dirigidas por pessoas que tenham a verdadeira compreensão dos seus deveres e pratiquem a caridade por seus impulsos íntimos e interessados.

(Jornal A Época de 05.10.1916)

Mas a análise do artigo não para por aí. Depois de esclarecer ao leitor que era uma injustiça equiparar a Escola dos Menores Abandonados com a Escola XV de Novembro, e que essa impressão se deu no desfile porque as crianças de ambas as escolas desfilaram uma logo depois da outra, e que foi em função disso que acontecera a já referida confusão, os argumentos se voltaram de novo para defender e exaltar o Patronato de

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Menores e a Escola de Menores Abandonados. Em relação à Escola há uma passagem interessante que descreve o tipo de educação ministrada e o papel que o padre Severino exercia nesta educação:

Os que visitaram a Escola de Menores, depois da administração do distinto e competente educador que é o padre Severino, trouxeram, com certeza, do casarão da rua Francisco Eugênio, a mais duradoura e agradável impressão.§ Essa escola é dividida em duas partes: numa são educadas as meninas e na outra os meninos. § A parte das meninas está confiada a educadoras, e sobre ela jamais se formulou acusação alguma. A parte dos meninos está a cargo de alguns lentes escolhidos pela diretoria do Patronato. § Ali são aceitos e recolhidos pequenos vindos de lugares escusos. Embora infantis, essas almas já vem contaminadas dos micróbios dissolventes da maldade e do vício. E o padre Severino faz a obra evangélica de curar esses doentinhos, ainda amoldáveis e, como tais, passíveis de modificação. § Reunião de elementos heterogêneos, agrupamento de meninos que viveram os seus primeiros dias sem amparo, sem educação e sem moral, a Escola transforma-os, e vai se tornando um viveiro de almas purificadas, verdadeiras esperanças da Pátria.§ Mas nem só da alma cuida a Escola. O físico das crianças também merece os cuidados do Patronato. Ali se faz ginástica sueca e dinamarquesa, foot-ball, exercícios militares e todos os demais recomendados pela ciência: as artes liberais são praticadas em oficinas adrede preparadas no próprio edifício. § A educação é ministrada carinhosamente, e o padre Severino deixa de ser o mestre, para se tornar o protetor de todas aquelas crianças.

(Jornal A Época de 05.10.1916).

O trecho é longo, mas necessário para se ter ideia sobre o tipo de educação que se praticava na época, os fundamentos ideológicos que a norteavam e a visão preconceituosa que se tinha em relação ao público atendido. Mesmo que na prática as coisas não ocorressem do modo exato como o que está escrito, o projeto pretendido e divulgado seguia o caminho do que foi descrito acima. E como estamos vendo, o nosso padre foi um agente que cumpria diversas funções neste processo.

Em relação à comparação das duas instituições é importante destacar alguns outros aspectos que o artigo do jornal não mencionou.

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Em primeiro lugar, as escolas eram semelhantes no que tange a proposta de educação a ser ministrada. Da mesma forma, ambas tinham os mesmos objetivos, ou seja, retirar as crianças pobres e abandonadas do ambiente considerado pernicioso e interná-las para impor-lhes uma nova moralidade13 , que se fundamentava na ideia de regenerar a partir de uma educação disciplinadora que adotasse o trabalho como elemento central. Entretanto, no que diz respeito ao tempo de permanência na escola, há quem sinalize para uma diferenciação importante:

Embora compartilhasse de um modelo escolar bastante próximo ao da Escola Premunitória, no sentido de distribuir os internos por séries, correspondentes a disciplinas que exigissem acúmulo diferenciado de conhecimento, e de associar ao ensino dessas disciplinas o trabalho em várias oficinas, a Escola de Menores Abandonados é retratada por mais de uma vez em relatórios de Chefes de Polícia como valendo-se de uma organização em alguma medida provisória ou improvisada. (...) § Embora os totais de alunos por ano se mantivessem relativamente próximos aos da Escola Premunitória, o volume de entradas e saídas era muito superior, o que denuncia que a instituição era tomada, em boa medida, como local de passagem ou de reclusão bastante provisória. A seção feminina era dedicada a detenções temporárias de meninas suspeitas de prostituição.

(BENÁCCHIO, ANO, 2003, p.12)

Outra notícia interessante foi publicada pelo jornal Gazeta de Notícias, de 02 de fevereiro de 1917, que demonstra um pouco o quanto o padre Severino era conhecido na cidade. A matéria informou sobre um menino de quatro anos de idade que foi encontrado pela polícia vagando pelo cais e que trazia à mão um bilhete que continha o nome “padre Severino” e o endereço do Asilo de Menores.Em 1918, foram encontradas mais seis notícias sobre o padre, e uma em 1922. Depois de 1924, ele fora viver na cidade de Campos, mesmo assim suas ações eram noticiadas nos

13 Irene Rizzini aponta, no livro O Século Perdido, os principais fundamentos desta moralidade, que se pautou na proposta de “uma reforma civilizadora”. As duas escolas e outras instituições do período buscaram pôr em prática ideias advindas do campo da justiça, medicina e educação.

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jornais desta cidade e no Rio de Janeiro. Segundo os jornais, suas ações não se restringiram ao Estado do Rio de Janeiro, foram divulgadas, também, atividades do padre em São Paulo, Paraná, Bahia e Pernambuco.

Nosso padre era um amante da música, tinha uma banda formada por meninos internos que se apresentava em solenidades públicas diversas, algumas muito interessantes. Uma dessas ocorreu no ano de 1918, quando a Alemanha reconheceu a derrota na Primeira Guerra Mundial e assinou o armistício. O jornal O Paiz, de 13 de novembro do referido ano publicou notícia de uma solenidade de festejo pelo fim da guerra ocorrida na Casa de Preservação do Patronato de Menores do Rio de Janeiro. A banda de meninos internos, sob a regência do padre Severino, se apresentou para o público tocando os hinos dos países aliados. Eis o conteúdo da notícia:

Às 5 horas da manhã a alvorada foi feita e hasteada a bandeira nacional. Às 9:30 horas reuniram-se no vasto salão do teatro infantil da escola, deslumbrantemente engalanado, a administração, o professorado, os menores e empregados do estabelecimento. O palco achava-se ornamentado com as bandeiras das nações aliadas. A solenidade obedeceu ao seguinte programa: o hino nacional brasileiro, cantado por todos menores e acompanhado pela banda de música, discurso patriótico pelo padre Severino; hinos inglês, americano, canadense,

Padre Severino e sua banda na inauguração do Cristo Redentor - Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional/ A Noite de 10.10.31 - edição 07140.

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francês, italiano e português. Terminou a festividade pela marselhesa, cantada em francês por todos os alunos da escola. Estrepitosos vivas foram levantados às nações aliadas.

(Jornal O Paiz de 13.11.18, pág. 6).

A outra apresentação interessante da banda de música do padre Severino foi divulgada pelo jornal A Noite de 10 de outubro de 1931. A notícia informou sobre a inauguração do Cristo Redentor ao público, que contou com a participação da banda do referido padre, vinda de Campos. O interessante desta notícia é também o fato de ela trazer a foto do padre regendo sua banda . O título da matéria era “Deixai vir a mim as criancinhas – E os alunos do Orfanato São José vieram louvar o Redentor”; abaixo da foto estava escrito: “A banda14 do Orfanato, executando sob a regência do padre Severino”. Eis o que dizia a matéria:

Cristo Redentor, no cume do Corcovado, abre seus braços paternais a todos que se dirigem, conduzidos pela fé. A cidade transborda de forasteiros em romaria. Dentre eles vão se destacar, no culto que é doçura e conforto para tantas almas, os meninos do Orfanato São José. Vieram de Campos acompanhados pelo Rev. padre José Severino da Silva, uma figura patriarcal que infunde respeito e inspira simpatia. A caravana é de vinte pequenos, todos eles músicos, e está hospedada, com todo o carinho, no palacete do coronel Carlos Jooper. Aquele ministro de Deus, sacerdote que é bem a adoração dos órfãos que educa e encaminha na moral religiosa, lembrou, talvez, as palavras imorredouras de Cristo: - ‘Deixai vir a mim os pequeninos’. E eles vieram para louvar, em harmoniosos acordes em que a fé palpita, a glória e a misericórdia do Redentor. (...) os pequenos e habilíssimos músicos executaram, sob a regência do padre José Severino da Silva, trechos suavemente emocionais do belo repertório que selecionaram para elevar ao Céu, no Corcovado, em frases sonoras, as homenagens de seus pequeninos corações ao Filho de Deus feito Homem.”

(Jornal A Noite de 10.10.1931).

14 Das matérias de jornais encontradas na Hemeroteca da Biblioteca Nacional que faziam alguma referência ao padre Severino, apenas três trouxe a foto do dele. As do jornal A Noite de 13.02.1914 e 10.10.1931, e a do jornal A Época de 19.08.1913. A Revista Fon Fon também divulgou a foto do padre nas edições 0050 (1909), 0037 (1913) e 008 (1915).

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A permanência do padre Severino na cidade de Campos, lugar em que passou a viver a partir de 1924, até o momento de sua morte em 1943, fez dele uma pessoa muito popular e querida na cidade, segundo o jornal A Noite. Foram encontradas seis notícias deste jornal que tratavam das ações do padre nessa cidade. Numa delas, a que noticiou o aniversário de onze anos do Orfanato São José (edição de 28.06.1933), criado pelo padre Severino em Campos, o jornal cita estatística da Instituição, informando que passaram pelo Orfanato cerca de “250 menores”, dos quais 112 deixaram a casa com trabalho garantido, segundo o periódico. O mesmo informa que o padre fora bastante homenageado pelos campistas durante a cerimônia de aniversário.

Mesmo após sua morte, o padre Severino foi notícia, o jornal A Noite noticiou (edições de 16.04.1944 e 04.06.1945) a respeito da construção e inauguração de um busto colocado na Praça Rosário, em Campos, para homenageá-lo.

Retomando a pergunta colocada no início, quem foi o padre Severino? Esperamos que após a leitura deste texto cada um possa tirar sua conclusão a respeito de quem foi esse padre. De uma coisa não há dúvida. Foi um religioso abnegado que trabalhou a seu modo e com afinco, em prol da infância pobre e abandonada.

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Os primeiros anos do IPS38

Os primeiros anos do Instituto Padre Severino

Do SAM ao Surgimento da FUNABEM (1950 – 1963)

Raul Japiassu Câmara1

Resumo: Este artigo propõe resgatar a história do Instituto Padre Severino (I.P.S), de sua fundação, em outubro de 1955, inserido na estrutura nacional do S.A.M (Serviço de Assistência ao Menor) a FUNABEM (Fundação do Bem-Estar do Menor) em dezembro de 1964. Enfatizando as conjunturas social, econômica e política da época amplamente documentadas pela imprensa da época.

Palavras-chave: Padre Severino (IPS), História, Serviço de Assistência ao Menor (S.A.M.).

A descabida noção de pena houve de se substituir a medida educativa-disciplinar, mais elevada e mais humana, por que a lei deve pensar em educar e regenerar, antes que em reprimir e punir.

Mello Mattos, em Código de Menores dos Estados Unidos do Brasil.

1 Professor I de História do Novo-DEGASE (Departamento Geral de Ações Sócioeducativas), lotado na Escola Socioeducativa, na Assessoria de Sistematização Institucional, inserido no projeto do Centro de Documentação e Memória – CEDOM.E-mail: [email protected]

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O IPS surge “no papel”

Foram consultadas, por meio da “Hemeroteca Digital Brasileira” inserida no site da Biblioteca Nacional, as seguintes fontes para essa década: Correio da Manhã, Diário de Noticias, Diário da Noite, Diário Carioca, Última Hora, Revista da Semana, A Noite e A Manhã. Nesse primeiro contato com tais fontes, centramos a pesquisa no Instituto Padre Severino, porém seria impossível apenas mencioná-lo separadamente: já nessa época coexistia uma série de “casas correcionais”, públicas e privadas, guardando cada uma suas próprias características, de acordo com a sua função estabelecida em lei. Todas estavam sob a administração de um órgão centralizador nacional: o SAM (o Serviço de Assistência a Menores).

Outra importante fonte consultada foi o livro Sangue, Corrupção e Vergonha – S.A.M., escrito pelo ex-diretor desse Serviço: Dr. Paulo Nogueira Filho. O mesmo tomou posse em 24 de setembro de 19542 , exonerando-se em 22 de novembro de 1955, por estar “politicamente incompatibilizado” (NOGUEIRA FILHO, 1956, p. 343). A obra foi publicada em 1956; nela, há bastantes críticas ao SAM, como se pode verificar no próprio subtítulo do livro: sangue da mocidade, lama da corrupção e vergonha da incúria recaem sôbre (sic) a sociedade brasileira, enquanto perdura a tragédia dos menores abandonados.

A obra acima destina um capítulo ao nascente Instituto Padre Severino; capítulo esse denominado “Luzeiro da Esperança”. À frente, descreveremo-no com maiores detalhes.

A década de 1950 inicia-se com uma importante modificação organizacional na estrutura administrativa do SAM: alteram-se alguns artigos do Decreto 16.575, de 11 de setembro de 1944, por outro Decreto de nº Dec. 29.857, de 06 de agosto de 1951.

2 Através do Decreto de 23 de setembro de 1954, o Presidente da República exonera Guilherme Romano, do cargo de Diretor do SAM, e nomeia Paulo Nogueira Filho, para exercer o cargo (DOU de 23.09.1954, Seção 1, p.6).

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Assim, podemos destacar dois fatos importantes, como descreve o jornal A Manhã, em 03 de agosto de 1951, mesmo antes de a lei ser publicada no Diário Oficial de 03 de agosto de 1951, em sua 1ª página, com a manchete: “MODIFICADO O REGIMENTO DO SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA A MENORES”, continuando na página 2 do 3º Caderno, na Seção de Ensino do respectivo jornal:

Ficam reconhecidos quatro novos estabelecimentos: O Instituto Governador Macedo Soares (I.G.M.S.), sediado na Ilha do Carvalho, Instituto Saul de Gusmão (I.S.G.), antigo Pavilhão Anchieta e a Escola Feminina de Artes e Ofícios (E.F.A.O.). Pela nova redação “destinam-se, respectivamente, a menores dos sexos masculino e feminino, infratores das leis penais”. Para A Manhã tais instituições serviram aos “meninos e meninas transviados”, como eram denominados na época. Segundo o Correio da Manhã, de 19 de agosto de 1951, o Instituto Padre Severino (IPS), fundado através de ato jurídico, destinava-se aos “menores abandonados” e previa a reunião de “creches, casa, lar e jardins de infância”.

O próprio SAM passa a ser constituído por dois órgãos: 1.1 – um central, com oito seções de trabalho: registro e

distribuição, orientação e coordenação, diagnóstico e tratamento médico, pesquisas patológico-sociais, colocação e ajustamento, alojamento provisório e administração.

1.2 – e outro denominado de Executores, estando incluídos: Instituto Profissional Quinze de Novembro, Escola de Agricultura Artur Bernardes, Escola Venceslau Braz, Escola João Luiz Alves, Instituto Padre Severino e Hospital Central, com regimentos internos “baixados em portaria pelo diretor do Órgão Central”.

É interessante notar que tais modificações administrativas foram resultados de “minucioso relatório da situação daquele Serviço, apontando as falhas e expondo a maneira de corrigi-las”, segundo menciona a mesma publicação – documento elaborado pelo então Diretor do SAM (Padre João Peduen, assim publicado nessa edição), apresentado ao Ministro da Justiça (Negrão de Lima) e ao Presidente da República (Café Filho). Já no início dessa década, esse serviço era tratado de forma crítica, inclusive pelos

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próprios dirigentes da instituição, dando-lhe uma nova solução administrativa, a fim de melhor gerenciamento das instituições.

Outros jornais também noticiaram tais modificações: o Diário Carioca, em sua página 9, traz uma pequena nota com título: “O SAM FOI REFORMADO”, com as mesmas informações; o Diário de Notícias, também de 03 de agosto de 1951, menciona: “Modificado o regimento do Serviço de Assistência a menores”, com o subtítulo em letras garrafais: “DECRETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DESTINADO A SANAR IRREGULARIDADES QUE TÊM ACARRETADO DIFICULDADES À DIREÇÃO DAQUELE ÓRGÃO”.

O primeiro parágrafo dessa matéria traz: “O presidente da República assinou decreto modificando o regimento do Serviço de Assistência a menores a fim de evitar certas irregularidades que vem trazendo sérisa (sic) dificuldades à direção daquele órgão”.

Vê-se, por meio desses relatos, que o fato foi bastante noticiado na mídia da época. Ou seja, demonstra-se, com isso, uma iniciativa de organizar o SAM, por intermédio de sua reestruturação, trazendo certas expectativas a suas futuras casas e estando o Instituto Padre Severino dentre as mesmas.

Outras duas matérias de A Manhã e do Correio da Manhã, de 27 de março de 1952 (p. 10) e 17 de abril de 1952 (“seção de ensino”, p. 6), também demonstram a preocupação com o atendimento aos menores.

A Manhã traz a seguinte manchete: “NOVAS INSTALAÇÕES NO S.A.M. Fala à imprensa o padre Pedron, dirigente daquela instituição – melhoramentos introduzidos que refletem a política social do governo”. Nessa matéria, o diretor comenta as melhorias de sua administração, tais como alojamentos provisórios construídos nas dependências do SAM; que, “(...) durante sua permanência nesses locais, os candidatos se submetem a exames médicos, testes de nível mental e de escolaridade, depois do que (sic) serão encaminhados aos estabelecimentos adequados a um

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processo eficiente de recuperação”; também recebe a “Escola João Luís Alves que estava entregue à administração particular”; e obtém o reconhecimento dos quatro estabelecimentos que haviam sido propostos anteriormente na reformulação administrativa descrita acima; dentre eles o Instituto Padre Severino.

Já o Correio da Manhã faz uma matéria de maior abrangência social, com a manchete “O PROBLEMA DA ASSISTÊNCIA AO MENOR. Como falou à imprensa o diretor do S.A.M”. Estando na “Primeira Semana do Menor Abandonado”, instituído pelo Juizado de Menores, Padre Pedron convoca a imprensa para dar suas impressões sobre o assunto, além de abrir seus educandários para visita.

No subtítulo “A QUESTÃO DAS FAVELAS E AS CAUSAS DO ABANDONO DO MENOR”, o próprio jornal já coloca esse espaço “onde avulta o número de menores desajustados (...)” A fala do diretor é elucidativa para a época, pois tentava explicar o motivo desse abandono ao dizer que deseja “apurar as verdadeiras causas do desajustamento do menor”, enumerando-as: “a) os filhos de mães solteiras; b) as madrastas; c) os filhos adotivos; d) a falta de repressão na rua; e) o desequilíbrio da família; e f) as desavenças entre os pais”. Continua seu discurso, mencionando que não é “a falta de pão o fator predominante no seu desajustamento social”. Para o diretor, seria a “irresponsabilidade dos pais” que explicaria essa grande quantidade de menores abandonados na época; porém, o que chama atenção é esse jornal publicar essas impressões do diretor com esse subtítulo.

Sobre o SAM, continua o diretor: “tem por objetivo fundamental o aparelhar-se para prestar assistência apenas aos delinqüentes (sic) e anormais”. Por isso, qualifica os estabelecimentos do SAM como “rêde (sic) escolar”, dos quais destaca o recém-criado Instituto Padre Severino, mesmo que ainda, como se menciona o dito popular, “somente no papel”.

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O IPS como vanguarda

Verifica-se esse ideal no Diário de Notícias, de 06 de fevereiro de 1955, uma grande matéria publicada na primeira página em um domingo. A manchete foi

CUIDEMOS DAS CRIANÇAS DO BRASIL – DOZE MIL CRIANÇAS NO SAM; Há cem mil menores abandonados no Brasil, dizem os entendidos – (...) Construção do Instituto Padre Severino e da Granja Escola, na Ilha do Governador – Quatro oficinas e ateliês de música e pintura – Futuramente, a Bolsa de Trabalho, para interessar as firmas industriais.

A matéria é resultado da visitação de jornalistas às instalações do SAM, especificamente ao lançamento da “pedra fundamental” do Instituto Padre Severino. Transcrevo uma passagem da mesma, comentando o passado recente do tratamento dos menores:

Todos estão ainda lembrados do que era um grande casarão da rua Francisco Eugenio, 228, em São Cristóvão: ali, várias sensacionais fotografias e reportagens forma feitas e escritas, demonstrando a desumanidade com que eram tratados os menores abandonados que caiam sob as garras do SAM. Ali funcionavam algumas seções do Serviço de Assistência a menores, uma delegacia de policia onde ocorriam cenas dantescas, e um chamado ‘Albergue de menores’, verdadeiro antro de prostituição e crime. Tudo isso desapareceu: estão ainda em pé, mas serão derrubadas, por estes dias, as paredes que alojavam a célebre e trágica delegacia para onde eram levados, não só os menores abandonados, como os chamados transviados, ou sejam, aqules (sic) que cometeram uma ação anti-social.

Verifica-se, no trecho acima, uma demonstração de um passado nefasto para a preparação de um futuro esperançoso, no qual haverá mais respeito a esses denominados “menores”. Relata-se a construção do Instituto Padre Severino como sendo um novo espaço físico e moral, aglutinador de um novo tempo de melhor tratamento dessa população. A matéria continua

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na página dois, utilizando a mesma manchete no subtítulo “Cuidemos das crianças do Brasil”, único jornal que menciona todo o projeto vanguardista, na época, para esse Instituto. Pela importância, transcrevo em sua integralidade:

– Quem foi o padre Severino? Perguntamos – Ninguém soube informar; esse nome aparece na lei que criou o SAM como o nome de uma dependência que jamais existiu. Sê-lo-á (sic) agora. O Instituto Padre Severino destina-se à recuperação dos menores considerados ‘dificílimos’ (como nós, o Dr. Vasco Vaz não acredita na existência de menores com êsse (sic) rótulo).A construção dêsse (sic) Instituto foi iniciada pelo Dr. Guilherme Romano e destinava-se a um depósito de menores desvalidos. O atual diretor do SAM, de acôrdo (sic) com o Dr. Vasco Vaz, deu-lhe outra finalidade, outro destino muito mais importante.(...) No primeiro pavilhão do Instituto serão instaladas as oficinas, inicialmente em número de quatro: de mecânica, de radiotécnica e eletrotécnica elementares e de bombeiros hidráulicos, além da de encadernação e arte gráfica. Paralelamente às oficinas estão os ateliers de pintura e música, que serão adotadas como ocupação terapêutica. Entre um e outro pavilhão há espaço para um campo de jardinagem, além do campo de esportes (educação física, jogos e competições). Num salão funcionará o clube com projeções cinematográficas e em outros as classes escolares que possivelmente, irão do 1º ao 5º anos elementares.- Essa é uma cartada que estou jogando, diz-nos o Dr. Vasco Vaz. Se fracassar, deixarei de ser psicólogo e irei vender tijolos.Em outro pavilhão funcionarão os gabinetes de psicometria com pessoal especializado, gabinetes para exame da personalidade, exame de nível mental, psicomoticidade (ou habilidades manuais, rapidez, precisão de movimentos, percepção de forma). Ao lado, o gabinete de psicoterapia com os trabalhos de assistência social.”Esperamos que esses trabalhos sejam concluídos e que sejam realizados esses planos que realmente beneficiariam o menor dando ao SAM o direito de ser, de modo claro e positivo, um Serviço de Assistência ao Menor.

(Diário de Notícias, de 06 de fevereiro de 1955).

O Instituto Padre Severino carregaria essa responsabilidade social para a época, projeto arrojado com finalidade de reintegração social, com várias oficinas ligadas ao mundo do

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trabalho e escolaridade, além de vários exames psiquiátricos, bastante em voga pela cientificidade da década de 50. Ou seja, o IPS seria a implantação de um novo modelo exemplar para o SAM, vide a aposta do seu futuro primeiro diretor, declarando que “venderia tijolos” ao jornal, caso seu projeto não vingasse.

Panorama econômico e controle social

Dentro desse aspecto vanguardista, necessita-se descrever a situação do Brasil e, em especial, de sua capital federal, o Rio de Janeiro, apresentando-se nas décadas de 40-50 com um crescimento industrial significativo para a cidade: “O número de estabelecimentos industriais cresceu 30% (de 4.169 para 5.693); o pessoal ocupado em 40% (de 115.020 para 160.105). E das 5.143 empresas industriais existentes no Distrito Federal em 1950, apenas 62 eram anteriores a 1900, e só 509 anteriores a 1930”. (ABREU, 2008, p.96).

Houve concentração populacional em certas áreas por meio da lógica urbano-industrial, principalmente em áreas suburbanas, assim como a ocupação dos morros da cidade, as denominadas “favelas”, acompanhando as instalações fabris da época e a especulação imobiliária, valorizando certos bairros mais próximos ao centro político administrativo da cidade e empurrando a população pobre aos bairros da Leopoldina e ao longo da linha férrea da Central do Brasil. “O crescimento populacional das favelas do Rio de Janeiro foi também bastante marcante nesse período: se em 1950 elas abrangiam um total de 169.305 habitantes, em 1960 serviam de local de residência a 335.063 pessoas, ou seja, registraram um crescimento de 98%”. (ABREU, 2008, p.96).

O processo de industrialização da década de 50, ao mesmo tempo em que criou uma sensação de modernidade, já que o Brasil passava do estágio rural ao urbano – assim como havia

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ocorrido com as nações capitalistas do hemisfério norte –, criou feridas para essa época: a exclusão da população dos benefícios desse processo, relegando-os a baixos salários, exploração desenfreada do capital, a fim de se obter lucros com esse nascente e ávido capital industrial. Ou seja, acelerou a pobreza, relegando-a a espaços predeterminados, também vistos como “problema” nessa época para rede assistencialista, desejando o controle, a vigilância e a subordinação dessas populações. Daí a nossa forma de ver a expansão no tempo dessa política do SAM – com sua rede tentacular, visa a estes objetivos: a “criminalização da pobreza” e seu controle assistencial.

Foucault lembra que a velha mecânica do poder de soberania tornou-se inoperante diante da explosão demográfica e da industrialização. A primeira acomodação teria sido em cima do corpo individual, a vigilância e o treinamento, na escola, no hospital na caserna, na oficina – e a segunda acomodação, sobre os fenômenos globais de população.

(PELBART, 2009, p.10).

Acreditamos estar o SAM e suas casas inseridos nesses dois movimentos de poder, tanto no “docilizar e disciplinar”, para os “deliquentes”, quanto na “regulação da população”, para os “abandonados e desvalidos”, no exercício do poder.

O IPS nasce em época de reestruturação

A Senhora Maria Esolina Pinheiro, precursora do Serviço Social no Brasil, exerceu a chefia desse setor no SAM. A partir de 1955, participou de uma reestruturação relevante. Por meio da Portaria do Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Dr. Prado Kelly (no Diário Oficial da União de 14 de maio, pág.6) trouxe o seguinte texto:

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Considerando a necessidade de um novo e mais enérgico movimento em favor dos menores desvalidos; Considerando que a atual organização do S.A.M. já não atende às exigências técnicas e administrativas necessárias ao cumprimento de sua missão; Considerando que o seu Regimento e bem assim o dos órgãos que lhe estão subordinados carecem de modificações que propiciem funcionamento mais eficiente, em conformidade com as modernas técnicas recuperacionais, resolve:Art. 1 Designar uma Comissão incumbida de elaborar a reestruturação do Serviço de Assistência a menores...Art. 3.° Os serviços prestados pelos membros da Comissão ora instituída serão gratuitos, e considerados de natureza relevante.Art. 4. ° A Comissão será integrada nela senhora Esolina Pinheiro...

Resgato essa memória, pois a mesma citada acima foi autora de uma obra clássica em 1939, intitulada Serviço social, infância e juventude desvalidas. As ideias constantes nesse livro ilustram a doutrina hegemônica no SAM, quando o Instituto Padre Severino estava sendo projetado; já a autora, além de funcionária desse órgão, estava incumbida de reestruturá-lo.

Vejamos o pensamento da referida autora acerca do “problema da delinquência infantil e juvenil”, citando outro autor de sua estima: “As sociedades só teem (sic) os criminosos que merecem porque o ambiente social é o caldo de cultura da criminalidade, e o micróbio-delinquente é elemento sem valor, enquanto não encontrou o meio propicio para desenvolver-se” (LACASSAGNE, apud PINHEIRO, 1985, p.102).

A autora acredita que esse “meio propício” é o familiar e também o ambiente social, em que vive o “menor”. Daí vêm suas afirmativas de que a “causa da delinquência infantil é o abandono, moral e material”, em que “a rua constitui a escola do crime”. Vejamos um trecho do seu livro: “A pocilga sem higiene, sem ar, sem luz, onde se vive, em promiscuidade, predispõem (sic) as crianças aos hábitos maus, atirando-as à rua, que é o seu paraíso e sua perdição”. (PINHEIRO, 1985, 104). Identifica a rua e certas habitações populares, vistas como promíscuas pela autora, criminalizando a população pobre, responsabilizando-os pelo abandono e, consequentemente, pela “delinquência”.

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Nessa mentalidade, o Instituto Padre Severino nasce, com a missão de ser mais uma instituição do SAM, preocupando-se em acolher os “abandonados” ou “curar os delinquentes”, ainda sem função estabelecida claramente.

A quem servirá o Instituto Padre Severino?

O Correio da Manhã, em 23 de março de 1955, publica em sua primeira página a manchete: “ASSISTÊNCIA A MENORES DESAMPARADOS”, com o subtítulo “50 milhões de cruzeiros serão aplicados em todo país, no prosseguimento da campanha”; campanha essa que tinha como objetivo o “amparo e assistência a menores abandonados e transviados”, com verbas previstas para obras no Instituto Padre Severino.

Seis dias após, o Jornal do Brasil, de 29 de março de 1955, traz a manchete: “VAI SER PROMOVIDA A RECUPERAÇÃO DOS MENORES TRANSVIADOS”, apresentando o SAM, que mesmo com “reduzidas dotações anuais (...) é uma organização que presta enormes serviços ao País”. No discurso do seu diretor, Sr. Paulo Nogueira Filho, acerca das verbas destinadas às novas instituições, dentre elas o futuro Instituto Padre Severino, a “quantia aparentemente grande, mas de pouca significação, tem diante do contingente populacional do País e do número sempre crescente dos menores desviados pelos desajustes economicos (sic)”. Na sequência, continua a mencionar que o projeto “para os meninos transviados disporá o SAM de quatro instituições modelares: o ‘Instituto Padre Severino’, que está sendo organizado de acordo com os preceitos das ciências psico-sociais (sic) (...)” .

O mesmo Jornal do Brasil, de 03 de abril de 1955, em artigo escrito por Adalzira Bittencourt, intitulado “MENORES TRANSVIADOS”, comenta a matéria que os “transviados, (sic) serão reeducados pelo SAM, a fim de que possam um dia voltar à sociedade como elementos úteis e recuperados”. Ratifica no texto o termo “modelar” para tais institutos. Conclui mencionando:

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(...) tanto o Governo quanto os particulares não podem desinteressar-se do problema, visto ele ser de importância capital para a nacionalidade, cujos destinos dependem das novas gerações, não podendo estas, portanto, serem desfalcadas de tantos milhares de elementos, tal é a soma de menores que se perdem ao abandono, transformando-se em detritos sociais.

A recuperação desses “menores trasviados” é de suma importância, sendo apresentada como questão de “nacionalidade”, vindo a implicar o desenvolvimento do país e a ideologia da época, sendo o mesmo reeducado para ser inserido socialmente –leia-se: o trabalhador urbano com Carteira de Trabalho assinada ou “detrito social” (sic), mais um aspecto relevante para visão social da época.

O Jornal do Brasil, de 11 de agosto de 1955, publica na seção “Na Polícia e nas ruas” uma carta do diretor do SAM, datada de 09 de agosto, a fim de esclarecer o tratamento oferecido aos internos do Instituto Macedo Soares. Diante desse fato, o diretor acena uma possível resolução para esse difícil abrigo, afirmando que toma “as providencias (sic) compatíveis mobilizando os recursos aconselháveis pela ciência”, que a próxima instalação a ser inaugurada, o Instituto Psicoterápico Padre Severino, como denominou, servirá para abrigar os “dificílimos” e outro pavilhão anexo para os “irrecuperáveis”, maiores de 18 anos, acreditando, em suas palavras, “que se terá atacado o problema a fundo, como nunca se fez entre nós”.

Três características chamam atenção nessa carta: o então esperado IPS, projetado para abrigar “menores de pouca periculosidade”, aparece com outro objetivo, faltando, assim, ao próprio diretor do SAM definir com clareza esse objetivo final; segunda questão: a utilização da “ciência” para justificar atos de ação político-social; e, por último; diz-se que, ao efetuar tal ação, terá atacado o “problema ao fundo, como nunca se fez entre nós”, ou seja, se apenas esses atos de caráter indefinido atacaram esse problema com tanta profundidade, então acredita-se que esse realmente nunca foi visto com seriedade.

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Grandes expectativas para o Instituto Psicoterápico Padre Severino

Passados quase seis meses, em 10 de setembro de 1955, o jornal A Noite publica uma matéria em sua primeira página com fotos de internos, oriunda de uma nova visita dos repórteres ao Instituto Macêdo Soares, na Ilha do Carvalho, estabelecimento do SAM “onde estão recolhidos os menores transviados”. O novo diretor do SAM, Dr. Paulo Nogueira Filho, menciona a respeito do mesmo aos repórteres: “(...) era um monstruoso depósito de moços que lá vegetavam na mais degradante ociosidade. Somente agora depois de dois meses, foi possível à atual administração iniciar os métodos de humanização do estabelecimento, conforme nos foi dado observar”.

Esse mesmo jornal teve a seguinte manchete: “MAIOR ASSISTÊNCIA PARA OS INTERNADOS DO SAM”. O diretor enfatiza essa “maior assistência” a um órgão recém-criado, o “Setor de Integração”, que, na fala do diretor, tem a função de “(...) imprimir novos rumos à ingente tarefa da normatização da vida social dos menores assistidos pelo SAM”. Continua sua fala: “orientar os menores, já na sua fase escolar, preparando-os para a comunidade através, municipalmente, da especialização funcional dos estabelecimentos e da freqüência (sic) a cursos externos”, cabendo, também, a esse novo setor, segundo o redator da matéria, “elaborar os testes psicológicos”, onde “todos os transviados passam pelo teste, de modo que a administração possa conhecer a situação de cada um. O grau de aproveitamento é satisfatório. Lá um ou outro apresenta falhas anormais de fácil correção” .

A matéria exemplifica com o caso de um dos internos, com o subtítulo “Um que rouba galinhas”. Descrevo abaixo todo o texto:

Enquanto se processava a visita às diversas dependências do Instituto Macedo Soares, o repórter de A NOITE ouviu impressões de alguns

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internos. Todos falaram bem da administração. Apenas não se conformam com o trabalho a que são submetidos. Contudo sentem-se satisfeitos, embora considerem uma vida por demais presa. Palestramos com um dos menores, o de nome Belarmino de Souza. Explicou que ali estava pelo simples fato de roubar galinhas nos apartamentos. Veio de Campos, e, aqui no rio, dedicou-se a essa atividade desonesta. Pilhado em flagrante, pela Polícia, foi encaminhado ao Juiz de Menores, que o mandou para a Ilha do Carvalho. Lá está ele sem qualquer esperança de recuperação para a vida social. Belarmino, com ares de cinismo, declarou que continuará a sua vida de ladrão de galinhas, caso volte à liberdade. Casos idênticos existem naquela dependência do SAM, mas a administração procura por todos os meios levá-los ao bom caminho, de modo a integrá-los no convívio da sociedade.

Na parte final dessa reportagem e da visita dos repórteres, com o subtítulo “Maior rêde (sic) de estabelecimentos”, o diretor anuncia as providências vindouras, aumentando a assistência ao menor, funcionando com os parâmetros descritos acima: administração, integração, escolaridade e testes psicológicos. Menciona: “(...) Outras dependências para os menores, com capacidade para mil internos, fazem parte também, (sic) da nova rêde (sic) assistencial do SAM. Trata-se do Instituto Padre Severino, Instituto Psicoterápico, Escola Agro-Pecuária, Abrigo Infantil e outros já projetados (...)”.

Nessa mesma orientação renovadora do SAM, passados apenas quatro dias, em 14 de setembro de 1955, três jornais enviaram repórteres em visitação ao nascente IPS. A Noite, com a manchete na página 5: “NOVO MÉTODO DE ENSINO NO SAM: ESCOLA-PRÊMIO”,traz uma matéria específica para o Instituto Padre Severino utilizando-se desse mesmo subtítulo, a qual transcrevo em sua integralidade:

O Instituto Padre Severino, também situado na Ilha do Governador, é outro estabelecimento que vai integrar a rêde (sic) assistencial do SAM. Sua inauguração está programada para o próximo mês, logo estejam concluídas suas instalações técnicas.O Instituto Padre Severino será destinado a (sic) recuperação dos menores transviados, estando aparelhado devidamente para poder

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proporcionar aos assistidos os mais adequados processos de tratamento à base do diagnóstico de personalidade, da orientação profissional e escolar, da psicoterapia, de laboterapia e da ludoterapia, havendo concomitantemente, em funcionamento um serviço de colocação profissional e ajustamento do menor a família e ao ambiente de trabalho. Os jornalistas, que visitaram o novo órgão do SAM, tiveram oportunidade de conhecer as diversas dependências que estão sendo aparelhadas para o funcionamento imediato.

Vejamos a entrevista do Ministro da Justiça da época, Dr. Prado Kelly, ao lado do futuro diretor do Instituto Padre Severino, Dr. Vasco Vaz, no almoço servido à imprensa, que é esclarecedora:

(...) o governo se regosija (sic) com a oportunidade oferecida aos jornalistas para esclarecimento da opinião pública sobre os métodos de ensino atualmente adotados no SAM. Manifestou esperança de que os erros do passado não se prolonguem, com a nova organização projetada nos serviço. Declarou, por fim, que o governo está interessado no mais rápido andamento da reforma dos métodos de assistências a menores, cujo projeto, está sendo relatado na Comissão de Justiça, da Câmara Federal. Com essa reforma, poderá o governo iniciar a fase de recuperação e justiça social, de que tanto carece o Serviço de Assistência a menores. (A Noite, 14 de setembro de 1955).

O Diário de Notícias, de 14 de setembro de 1955, traz a manchete: “VAI TER NOVA ORIENTAÇÃO A ASSISÊNCIA AO MENOR – REFORMAS QUE SERÃO EM BREVE REALIZADAS”. Descreve a matéria da visita ao IPS:

(...) A construção desse Instituto foi iniciada pelo de. Guilherme Romano e destinava-se a um depósito de menores desvalidos. O atual diretor do SAM, de acordo com o dr. Vasco Vaz, deu-lhe outra finalidade, muito mais importante: o Instituto Padre Severino destina-se à recuperação dos menores considerados dificílimos.

Nos pavilhões prontos para receber oficinas diversas, dormitórios, etc., encontram-se também as salas onde funcionarão

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os gabinetes de psicometria, para exame da personalidade, para exame do nível mental, psicomoticidade, e os trabalhos da assistência social (...).

O Diário Carioca, com repórter possivelmente nessa visitação, publica um pequeno texto com o subtítulo “Inst. Padre Severino”. Verifiquemos a importância dessa instituição:

O ponto final da excursão foi o Instituto Padre Severino, estabelecimento exemplar, construído em acordo com a moderna técnica de psicologia de recuperação de menores delinqüentes (sic) considerados perigosos, estando a (sic) direção do estabelecimento entregue ao médico psiquiátra (sic) Vasco Vaz que é ali assistido por uma equipe de especialistas”.

Nesse ambiente de própria autocrítica institucional é que o Instituto Padre Severino surge, institucionalmente, como mais um estabelecimento do SAM, porém para exercer uma missão ressocializadora para época. Não era mais um “galpão”; seriam colocados em prática novos “métodos de humanização” e tratamento tecnocientífico confiável: maior individualização psicológica e psiquiátrica e acompanhamento do serviço social, ênfase na atividade escolar e profissional no interior dessa casa. Ou seja, esse Instituto nasce com o rótulo das novas orientações científicas, utilizando-se de novos métodos, para ser o “cartão de visita” do SAM, de acordo com as citações nos mais variados jornais.

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O Instituto Padre Severino como vanguarda

Um mês depois dessa matéria, em 15 de outubro de 1955, o jornal A Noite dispõe novamente do espaço de sua primeira página e coloca a manchete: “ORIENTAÇÃO PSICOLÓGICA E PSIQUIÁTRICA, NO S.A.M”. O mesmo diretor organiza “Conselhos de Orientação de Psicologia e psiquiatria e de Integração Social”, ordenando suas devidas competências:

para os efeitos funcionais e administrativos, os psicologistas, psiquiatras e assistentes sociais em serviço permanente nos postos de triagem e educandários, ficarão administrativamente subordinados aos dirigentes dos estabelecimentos, sendo, porém, o exercício de suas atividades técnicas pautado pela orientação do respectivo setor profissional.

Nota-se uma relativa autonomia tecnocientífica desse órgão em relação à análise clínica dos internos do SAM. Vê-se o peso cientificista da influência desses profissionais no diagnóstico da saúde mental do assistido; ou seja, são exames que na época mostravam-se modernos e que determinavam a índole moral do jovem, dando-lhe o tratamento necessário, individualizado, a fim de reintegrá-lo na comunidade, como foi mencionado em trecho acima. Logo, ao possuir tal setor em seus domínios, o SAM mostrava-se ligado às práticas médicas progressistas.

A construção do IPS; Diário de Notícias de 06 de fevereiro de 1955, em Biblioteca Nacional; Hemeroteca Digital: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.

aspx?bib=093718_03&pesq=Padre%20Severino&pasta=ano%20195; Edição 09896.

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O próximo subtítulo que o jornal coloca nessa mesma edição é “Instituto de Psiquiatria e Psicologia”. Transcrevo em sua integralidade:

Dentro de breves dias, deve ser inaugurado o Instituto Padre Severino, situado na Ilha do governador, de psiquiatria e psicologia – o único do gênero no país. Desta forma o SAM se aparelha para um melhor entrosamento de suas atividades, que resultarão em ação mais eficiente e objetiva em prol dos menores que assiste, graças a ação inteligente e operosa do atual dirigente daquele orfanato federal.

Seguindo o mesmo raciocínio, verifica-se que não somente o Instituto Padre Severino era aguardado, bem como era referência nacional para testes psiquiátricos e psicológicos, métodos para determinação e possível “cura” do infrator e da avaliação de sua periculosidade. Nesse sentido, o então Instituto seria na época avant guarde do SAM.

O Diário de Notícias de 09 de dezembro de 1955, em sua primeira página, traz um artigo assinado pela repórter Eneida, intitulado “Padre Severino”, comentando a visita que fizera a essa casa. Tece elogios à nascente instituição e ao seu primeiro diretor, Dr. Vasco Vaz, qualificando-o como “ilustre psicólogo”. Menciona, em seu artigo:

Há dois meses que Padre Severino se inaugurou sem espalhafatos, num sereno e paciente trabalho de Vasco Vaz e sua equipe. Começo a remexer e vou vendo exames: os chamados psico-diagnósticos miocinéticos do professor Mira y Lopes, do qual o diretor do Padre Severino é discípulo fiel; testes de personalidade com as pirâmides de côr, entrevistas psiquiátricas, testes de inteligência, um mundo de coisas e lá vêm as histórias dos menores intitulados delinquentes: pai alcoólatra, mãe doméstica ou lavadeira, mãe pobre com seis filhos, pai mendigo, e mais miséria, mais dor, mais desgraça.

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Continua o seu parecer:

(...) Meninos que nunca fizeram nada na vida, estão construindo bancos, mesas, cadeiras (...) o Instituto Padre Severino destina-se à recuperação de menores considerados ‘dificílimos’. Quatro professoras estão ali alfabetizando, em turmas, de acordo com os conhecimentos (...) No refeitório, em mesas de quatro lugares, jovens de várias idades comem com garfo e faca, uma bandeija (sic) para cada um, enquanto um aparelho de rádio toca músicas.

Conclui o artigo: “(...) É nessa obra que repousa toda a recuperação de menores abandonados ou ‘delinqüentes’. Digo isso com (sic): quem sabe se anjos não se encarregarão de repetir essa afirmativa, noite e dia, nos ouvidos dos governantes? Por favor, deixem Vasco Vaz realizar”.

Foi um período de paz institucional para o Instituto Padre Severino. Não tardaria para virem as mais variadas e inesperadas críticas, inclusive do entusiasmado e otimista diretor do SAM contemporâneo a sua inauguração.

Sombras sob o “luzeiro de esperança”

Retomamos nesse momento o livro do Dr. Paulo Nogueira Filho mencionado no início deste trabalho. Publicado em 1956, destina um capítulo ao Instituto Padre Severino, denominado “Luzeiros de esperança”. Com menos de um ano dessa casa funcionando, tece severas críticas à lógica de seu funcionamento. Comentaremos, a seguir, suas críticas.

Como mencionamos acima, o IPS surge como um dos órgãos executores do SAM apenas em 1951 (vide anexo I). Porém, até 1954, ano da posse do diretor-geral desse Serviço, Dr. Paulo Nogueira Filho, ainda não havia saído dessa previsão legal. Seu antecessor, Dr. Guilherme Romano, havia também criado um Instituto de Psicologia e Psiquiatria, que até aquela presente

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data inexistia, de fato. Em seu livro, Sangue, corrupção e vergonha – SAM, Nogueira Filho comenta veementemente: “Nunca entendi, nem o leitor entenderá e nem ninguém que conhece a matéria pode compreender como seja possível a existência de um Serviço para cuidar de menores transviados e abandonados, na segunda metade do século XX, sem que possua um setor psicoterápico”. (NOGUEIRA FILHO, p.139).

Foi dessa forma que os dois Institutos encontraram-se: o previsto desde 1951, o Padre Severino, com o Psicoterápico, criado por portaria em 1954. Nasce, assim, a nova instituição: o Instituto Psicoterápico Padre Severino, que serviria de modelo a todas os outros do SAM, pois iria se servir das consequências esperadas nas metodologias de tratamento da piscossociologia, bem como da psiquiatria. Por isso, já nasce vanguardista e produzindo expectativas para a sociedade em geral. Colocar-se-iam em prática novos métodos, práticas, rotinas, concepções de segurança e ordem, que causariam impacto interno no SAM; fato sobre o qual utilizaremos o livro do citado Diretor-Geral para descrever.

Dr. Vasco Vaz foi médico psiquiatra e discípulo do professor Mira y Lopez, cientista conceituado nessa área, criador de testes que avaliam as “características estruturais e racionais de personalidade”3 ; primeiro diretor e organizador do Instituto psicoterápico Padre Severino, daí o título apropriado “Luzeiros de Esperança” ao se falar desse reformatório contido no já bastante criticado SAM.

Porém, no decorrer dos meses, segundo relatou Dr. Paulo Nogueira Filho, Dr. Vasco Vaz radicalizou seus métodos de tratamento em um ortodoxismo perigoso. Vejamos exemplos

Carlinhos foi o primeiro jovem internado no Instituto. Depois de muitas fugas por que passou, foi entregue ao Dr. Vasco Vaz. Já havia sido classificado pelo diretor-geral do SAM como “dificílimo”. O mesmo relata a rotina deste jovem:

3 Vide: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emilio_Mira_y_L%C3%B3pez; também seu livro: Psicologia Evolutiva da Criança e do Adolescente (1946);

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Passava livremente pela Ilha, jogava cartas com os inspetores e tendo se apossado de uma bicicleta, visitara, certa tarde, a (sic) pessoas de São Cristóvão [na delegacia de menores onde ficara preso].

(...) Trouxera da rua um cão vira-lata, e, com tabuinhas encontradas no pátio, construíra um arremêdo de canil. O administrador do Instituto, ao mandar limpar o terreno, teve de remover aquela barraquinha. Foi quanto bastou para que Dr. Vasco se desesperasse: era o instinto construtivo que, despertado, se via frustrado pelo funcionário destruidor (...) (NOGUEIRA FILHO, 1956, p.150).

Assim se deu várias vezes: tratamento psicoterápico esbarrando-se com a rotina disciplinar da unidade e das funções sociais pelo qual o SAM era responsável, “além do trato do menor, incumbia à defesa da sociedade”. Ou seja, não poderia o Instituto Psicoterápico Padre Severino ficar à margem do regulamento geral, impensável como exceção às regras, fornecendo uma relativa liberdade aos seus assistidos e dispondo-os de objetos que em outros institutos seriam impensáveis.

Para o tratamento dos mesmos, Dr. Vasco Vaz idealizou uma oficina de carpintaria; não via o mesmo nenhum problema em “dar aos piores transviados do SAM, para dêles (sic) se servirem no pátio, serrotes, martelos, facas, facões, etc. não estariam êles (sic) no Instituto Padre Severino?”.

Tudo seria possível, a fim de se alcançar a “cura” desses jovens “dificílimos”. Isso fez com que o Instituto Padre Severino ficasse no imaginário samista como o “Paraíso Terrenal do Transviado” (NOGUEIRA FILHO, 1956, p.144): mesas para jogo de baralho, visto como “material recreativo”; a solicitação do Dr. Vasco de uma televisão, eletrodoméstico que poucos possuíam nesse período histórico; a livre manipulação de ferramentas; e o poder de circular livremente pela Ilha do Governador e arredores, a fim de não ficarem restritos totalmente da liberdade. Tudo isso foi feito a título de “fatores terapêuticos”.

Acreditamos que essas contradições entre o ortodoxismo do Dr. Vasco Vaz e a manutenção de uma coerente organização

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de um instituto que deveria seguir e obedecer minimamente à segurança de uma casa samista. Deram por encerrada a denominação “Psicoterápico” do nome da instituição. Segundo as críticas: ultrapassou os limites do razoável no sentido do entendimento comum dos homens.

Porém, não foi só de críticas viveu esse capítulo. Dr. Paulo Nogueira Filho encerra-o com um prognóstico para o futuro, que podemos estender ao próprio Instituto dos dias atuais: “De qualquer forma, para a assistência a menores transviados, os benefícios da instalação de Instituto Psicoterápico são de tamanha monta que dificilmente se regrediria ao tempo que ele iluminou. Sua luz aí está e não creio que alguém possa extingui-la”. (NOGUEIRA FILHO, 1956, p.150).

Críticas ao SAM e “adotar é barato”

Paralelamente a esse processo entusiástico da inauguração do IPS, a Câmara dos Deputados (por meio da Resolução nº 53, na sessão de 21 de março de 1956) “constitui uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar irregularidades ocorridas no Serviço de Assistência a Menores, subordinado ao Ministério da Justiça”, investigando:

a)maus tratos e violências físicas e morais contra os menores;b)falta de um verdadeiro sistema educativo capaz de recuperá-los, o que tem valido ao SAM a pecha de “escola de criminalidade”;c)acusações graves à vida pregressa daqueles que são encarregados da guarda e disciplina dos menores do SAM;d)desconhecimento público dos laços de subordinação administrativa do SAM ao Ministério da Justiça, o que tem possibilitado o desvio de verbas daquele Serviço para outras entidades subordinadas àquela Secretaria de Estado.

Tal fato só produzirá consequências nos anos 60.

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Essa esperança vanguardista também não tardou a receber sérias críticas nos jornais. O então Instituto Padre Severino começa a aparecer nos jornais, na publicação desta matéria que transcrevo abaixo em diante, como mais uma casa do SAM que não estava de acordo com seus preceitos básicos educacionais, que nada possuía de diferente das demais. Vejamos a matéria do mesmo Correio da Manhã, de 27 de maio de 1957, na página 5 do primeiro caderno, uma edição de domingo com o título “IRREGULARIDADES ADMINISTRATIVAS NO SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA A MENORES. Diversas escolas do SAM obrigam os menores desamparados a serviço forçado – Ameaças e espancamentos – Funcionários embriagados provocam desordem – Tentativas de fuga”.

Essa matéria foi fruto da denúncia do funcionário Sr. Antônio Venâncio, “chefe de turno de menores nos serviços braçais”, na Ilha do Carvalho, onde trabalhava desde 1951. O mesmo relata que:

(...) as escolas João Luiz Alves, 15 de Novembro, Instituto Padre Severino, Hospital Central do SAM, Escola da Ilha do Carvalho e o Órgão Central, são as piores instituições do Serviço de Assistência a menores, por culpa exclusiva dos administradores que, irresponsavelmente e sem nenhuma capacidade, exercem suas funções.

Antiga portaria do IPS; Jornal Última Hora, 20 de novebro de 1958, em Biblioteca Nacional;

Hemeroteca Digital: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Padre%20

Severino&pasta=ano%20195. Edição 02573.

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A maior parte da denúncia refere-se à Escola da Ilha do Carvalho, na qual o mesmo exerce suas funções, mas também afetam ao IPS, na mesma matéria com o subtítulo “AMEAÇAS”. Transcrevo em sua integralidade:

Ainda há pouco, o menor José Jardim, do Instituto Padre Severino, revoltado com uma surra que levara foi ameaçado por guardas daquele Instituto, se denunciasse a violência de que a foi vítima. Idêntico fato ocorreu com o menor Mário Bandeira, o qual foi severamente castigado. Ali, a alimentação é de péssima qualidade, sendo que a comida é feita na escola Granja e depois enviada para o Padre Severino. Em todas essas escolas, os alunos são obrigados ao trabalho forçado havendo entre eles grande descontentamento.

Conclui a matéria: “(...) Essas foram as declarações do antigo funcionário do SAM, fatos esses que devem ser devidamente apurados pelas autoridades competentes”.

Um mês após as denúncias, o diretor do SAM fez sua defesa. No Jornal do Brasil de 28 de junho de 1957, trouxe a manchete na página 12, seção de “Educação e Ensino”: “DIRETOR DO SAM DEFENDE ESSA INSTITUIÇÃO CONTRA ACUSAÇOES – Dos 6 mil assistidos somente 300 são delinqüentes (sic) que são tratados sem violência”. Define o Instituto Padre Severino como: “(...) casa aberta, como qualquer escola, para transviados primários, sem periculosidade”. As denúncias não eram endereçadas ao IPS, que ainda aparecia como exemplar na recuperação dos menores da época, pelos seus padrões psicopedagógicos, ainda muito elogiados no universo da realidade que as demais casas do SAM apresentavam. Nesse sentido, o IPS aparecia como moderna instituição para esse serviço.

Alguns dias depois, o Diário Carioca, de 02 de julho de 1957, na sua primeira página, reforça as críticas ao SAM, com o título “Sevícia e crime: regime de vida dos internos do SAM”. A matéria é assinada pelo jornalista Nilson Lemos Lage4 , iniciando 4 Atuou no mercado de jornalismo de 1956 a 1990, tendo passado por veículos

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sua carreira de jornalista, que ainda passaria até 1990 por vários jornais cariocas.

As denúncias feitas pelo repórter têm endereço certo: a Ilha do Carvalho. Porém, o mesmo não perde a oportunidade de generalizar para a administração do SAM, classificando-a como uma “autêntica fábrica de desajustados e de dinheiro fácil”. Denunciando alguns dirigentes de escolas, enumerando os que respondem por delitos e seus cargos na dita instituição. Chega ao Instituto Padre Severino, quando denuncia o Sr. Newson Gitirana por “estravio (sic) de material sob a sua guarda”, mencionando-o como “chefe” daquele Instituto.

Nessa mesma edição, próximo à matéria descrita acima, consta uma manchete que resume a visão da época a esse “menor” que se encontra nas instituições regidas pelo SAM. A manchete menciona “CASAIS NÃO ADOTAM POR FALTA DE PROPAGANDA: CURADOR”. Diz o mesmo que

[a] lei reduziu de 50 para 30 anos, o limite mínimo de idade para a adoção de crianças. O Sr. Eudoro Magalhães, Curador de Menores do Distrito Federal, “informando que promoverá uma campanha de propaganda através da imprensa, radio e televisão, com o objetivo de interessar os casais jovens na adoção de crianças desamparadas”. Continua o mesmo demonstrando as vantagens deste ato: “que existem, atualmente, entre as famílias cariocas, servindo como domésticas, seis mil menores retirados das escolas do Serviço de Assistência aos Menores.

Continua a matéria na página 12 do jornal: “(...) O Curador de menores não desconhece a pouca humanidade de sistema, mas afirma que é a única maneira de descongestionar as escolas do SAM”. O próprio subtítulo dessa matéria é curioso: “Adotar é barato”.

como Diário Carioca, Jornal do Brasil, Revista Manchete, O Globo e Última Hora. É autor de inúmeras obras, como os livros Ideologia e Técnica da notícia, Estrutura da Notícia e Linguagem Jornalística. (http://www.semanadejornalismo.ufc.br/2011/? page_id=12).

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Cita-se essa passagem a título de ilustração acerca do projeto de inserção social dessa camada da população – ou a estrutura “desumana” das escolas do SAM, ou a adoção para serem empregados de uma “família” que o adotou a baixo custo. O próprio Curador de Menores defende e propaga as ideias pelos meios de comunicação da época.

O IPS no centro das atenções

O foco da imprensa começa a ser as denúncias constantes de maus-tratos, fugas, rebeliões, principalmente após um crime de grande repercussão na época: o assassinato da jovem Aída Cúri5 , definido como divisor de águas nessa década de 50, pois havia um menor de idade envolvido, de classe alta, branco e com escolaridade, situação nunca vivenciada por qualquer instituição. Suas idas e vindas do SAM expuseram ao máximo as realidades dessas, inclusive do Instituto Padre Severino, local onde permaneceu por mais tempo.

Atraiu-se a imprensa: da data do crime, 14 de julho de 1958, ao final desse ano, foram nove matérias de quatro diferentes órgãos da imprensa, mencionando o Instituto Padre Severino e sempre trazendo alguma crítica.5 Caso Aída Cúri refere-se à morte de Aída Jacob Cúri, de 18 anos, ocorrido em dia 14 de julho de 1958 no bairro de Copacabana, Rio de Janeiro. Aída foi levada à força por Ronaldo Castro e Cássio Murilo ao topo do Edifício Rio Nobre, na Avenida Atlântica, onde os dois rapazes foram ajudados pelo porteiro Antônio Sousa, a abusar sexualmente da jovem. De acordo com a perícia ela foi submetida a pelo menos trinta minutos de tortura e luta intensa contra os três agressores, até vir a desmaiar. Para encobrir o crime os agressores atiraram a jovem do terraço no décimo segundo andar do prédio tentando simular um suicídio. Aída faleceu em função da queda. Houve três julgamentos. Ao final Ronaldo Castro foi inocentado da acusação de homicídio, e sendo condenado apenas por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro. Sua pena foi de oito anos e nove meses. O porteiro, Antônio Sousa, também inocentado da acusação de homicídio, mas condenado pelas outras desapareceu. Nada mais se soube dele. Já Cássio Murilo, menor de idade na época do crime, foi condenado pelo homicí-dio de Aída e encaminhado ao Sistema de Assistência ao Menor (SAM), de onde saiu direto para prestar o serviço militar“. (Caso Aída Cúri – Wikipédia; visualizado em 17/01/2013);

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O crime ganhou muita repercussão, além de expor a rotina do IPS, em cada matéria desses órgãos de imprensa. Nota-se uma ironia na tentativa de recuperar esse infrator naquela instituição pela opinião popular desejosa de uma lógica de punição efetiva, pela gravidade do “ato antissocial” cometido, pela posição social do adolescente e possível tratamento privilegiado em comparação aos outros internos desfavorecidos economicamente. Foi demasiadamente explorado pela imprensa da época, o que exemplificaremos com as matérias a seguir.

O Correio da Manhã, de 29 de agosto de 1958, página 4, apresenta a manchete: “NÃO INTERFERIU NA TRANSFERÊNCIA DE CÁSSIO MURILO PARA O PRESÍDIO – O diretor do SAM em entrevista coletiva à imprensa declarou ter cumprido ordens do Juizado de Menores – Resultado dos testes a que foi submetido o menor”.

O diretor do SAM, Sr. Raul Matos Silva, explicou a transferência de Cássio Murilo para o Presídio, onde afirma não haver sua interferência, agindo sob as ordens do Juizado de Menores, mencionando o resultado dos exames a que foi submetido no SAM. Relata o jornal:

(...) Resultados que positivaram não se tratar de um menor de alta periculosidade, razão porque, de acordo com os nossos critérios de classificação deveria ser transferido para o ‘Instituto Governador Macedo Soares’, na Ilha do Carvalho, destinado como disse, aos menores de periculosidade média. (...) Se os testes revelassem que a periculosidade fosse mínima, seria ele destinado ao ‘Instituto Padre Severino’ (Ilha do Governador), que também é uma casa aberta.

Menciona que a conduta desse sempre foi satisfatória no SAM e que “de acordo com sua classificação (média periculosidade) seria encaminhado à Ilha do Carvalho”.

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Dado o determinismo psiquiátrico da época, enumeramos os testes a que o mesmo foi submetido, na “Divisão de Psicologia e Orientação (...): Psicodiagnóstico Miocinético; Psicodiagnóstico de Rorsehach; Thede Kohs, Escala de Binet Termanzes Pregressivas de Raven; Cubos de Kohs, Escala de Binet Ter Man (adaptada); eletroencefalográfico”.

No Correio da Manhã, de 22 de outubro de 1958, a primeira página é apresentada com a manchete: “Cássio transferido para estabelecimento modêlo (sic) – Deixou o Presídio gozando inexplicàvelmente (sic) de regalias especiais – Estranha decisão para um elemento julgado de ‘alta periculosidade’ – O Instituto onde foi recolhido fica nos fundos do Aeroporto Internacional do Galeão”.

O texto inicia da seguinte forma:

Estranha e misteriosamente Cássio Murilo Ferreira da Silva, indiciado matador da jovem Aída Cúri, foi transferido do Presídio e levado, sob a capa da proteção que persiste para o Instituto Padre Severino. A transferência tem tanto de misteriosa como de ilegal, de vez que o estabelecimento, criado como padrão dentro do SAM, só deveria abrigar menores de comportamento exemplar e sem periculosidade. Cássio, segundo determinação do juiz Rocha Lagoa, foi removido da escola Anchieta para o Presídio, por se ‘tratar de um elemento de alta periculosidade’.

O que mais se estranha, no entanto, é que o Instituto Padre Severino fica localizado nos fundos do Aeroporto Internacional do Galeão. Como se recorda, em uma de suas entrevistas a um vespertino, Cássio Murilo afirmara que “muito em breve estarei em Paris para contemplar meus estudos e estudar engenharia”. Mais à frente, o jornal afirma categoricamente: “(...) Estariam facilitando a fuga para o estrangeiro”.

A reportagem do jornal foi até o Instituto Padre Severino verificar a situação de Cássio Murilo. Transcrevo na íntegra esse contato:

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Ao chegarmos à porta do Instituto Padre Severino, (...) fomos atendidos por um dos inspetores. O diretor, sr. Nelson Gitirana, estava ausente. Conversávamos com o inspetor, quando surgiu Cássio. Vinha num uniforme impecável, cabelo penteado e o seu indefectível topete. Aproximou-se e pediu:- Inspetor quer me dar a chave? Acabo de tomar banho e quero ir lá dentro.- Espere um pouco que eu já vou lá.- Não, mas é que a minha mãe vem aí hoje.Eram 16.30 horas. A ordem em vigor no Instituto é que nenhum menor vá ao banho antes das 17 horas. As visitas, também, só são permitidas aos domingos. Cássio, no entanto, não está sujeito a essa disciplina. E acresce mais, a visita de sua mãe já estava em horário além do expediente.

“O INSTITUTO”O Instituto Padre Severino é a melhor dependência do SAM, sendo considerado como modêlo (sic) (...). Tem capacidade para 80 internos. Até o dia 16, quando Cássio foi transferido, já havia 26 excedentes.Cêrca (sic) de um quilômetro além do Instituto, fica localizada outra dependência do SAM (Escola João Luiz Alves) onde os menores do Instituto Padre Severino vão diariamente aprender uma profissão. Ao retornarem, cêrca (sic) das 16 horas, têm um ligeiro descanso, até às 17 horas, quando então é ordenado ao banho. A ordem é rigorosa: nenhum menor pode tomar banho antes das 17 horas e receber visitas fora do domingo. “INSPETOR DE DISCIPLINA”Ao percorrermos as dependências do Instituto Padre Severino, fomos dar num pátio onde se encontravam seis menores de castigo. Encostados na parede, de braços levantados, cumpriam determinações de um dos inspetores, por mal (sic) comportamento na aula. Verificamos que dois dêles (sic) se afastaram do grupo, relaxando a ordem. Foi quando o inspetor que nos acompanhava chamou-lhes a atenção:-Eu não deixei vocês de castigo? Por que saíram?Um dos menores desobedientes, respondeu:-Foi o Cássio que mandou inspetor!...Cássio, que a esta altura também nos acompanhava em direção ao dormitório, retrucou:-Eu não mandei coisa nenhuma.-Mandou sim inspetor – respondeu um dos garotos.Era a comprovação que Cássio tem alguma ascendência sôbre (sic) os menores.

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A matéria continua na página 7:

“ESTARIAM FACILITANDO UMA FUGA?”(...) a reportagem do Correio da Manhã traz ao leitor os dados para uma dedução:A transferência de Cássio foi feita à revelia do Curador do 2º Ofício, sr. José Vicente Ferreira, que foi contrário ao ato por achar que o Instituto Padre Severino é um estabelecimento destinado a menores de bom comportamento e boa formação moral. Para ali são enviados meninos de 11 a 16 anos e, somente em caráter excepcional, saem dêsse (sic) limite. Que caráter teria ocorrido para Cássio?Isso procuramos saber do juiz Rocha Lagoa e do próprio Curador. Ambos, no entanto, não foram encontrados nem em suas residências nem no Juizado de Menores.E para finalizar: Na época em que Cássio Murilo foi recolhido ao Pavilhão Anchieta, o diretor do SAM, sr. Raul Matos Silva, declarou à imprensa que ‘ante os testes psicológicos no serviço de Triagem do SAM. Cássio foi classificado como elemento de alta periculosidade (sic), só podendo permanecer em recinto fechado, e rigorosamente vigiado. Em vista só poderia permanecer no SAM, em estabelecimento próprio para elementos dessa sua classificação. No caso, o próprio Pavilhão Anchieta’.E agora, onde ficamos?

No dia seguinte, 23 de outubro de 1958, o mesmo jornal traz explicações acerca das denúncias feitas. Na página 7, traz a seguinte manchete: “JUIZ DE MENORES DIZ QUE CÁSSIO TEM BOM COMPORTAMENTO”. A respeito das regalias, menciona “não lhe dizer respeito (...) o SAM é uma instituição subordinada diretamente ao Ministério da Justiça e que, como tal, cabe ao ministro corrigir o que de errado estiver ali ocorrendo”. Sobre as visitas, menciona que, no IPS, “as visitas de parentes dos menores internos não têm dias certos. Todavia – acrescentou – se essas visitas estão ocorrendo em horário fora do expediente, é uma irregularidade a corrigir”.

Nesse mesmo dia, o jornal Última Hora traz na 1ª página: “CÁCIO MURILO, NO S.A.M., NÃO PENSA EM FUGIR: ‘QUERO SER TORNEIRO’”, uma declaração desse ao Juiz

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de Menores em visita ao IPS. A matéria continua na página 8, mencionando o cotidiano vivenciado pelo mesmo, com o subtítulo “No Instituto”: “Uma vez no ‘Padre Severino’, Cácio Murilo parece ter recobrado (sic) a alegria antes desaparecida. Sente-se agora feliz, convivendo com rapazes de sua idade. Pratica futebol, aprende o ofício de torneiro-mecânico”

O diretor Nelson Gitirana menciona ao jornal:

- ‘Aqui – diz-nos o diretor – estabelecemos o regime de liberdade vigiada, o que garante aos nossos alunos saírem para a oficina sozinhos, andar livremente por todo o estabelecimento, etc. Não queremos dizer, com isso, que chegaríamos ao ponto de deixá-los visitar um parente distante ou se entregar a um passeio de barco ou coisa semelhante. Para tal, mantemos nossos inspetores disciplinares, embora os melhores que aqui possuímos – sem querer desprezar os demais – são os próprios alunos, que vigiam seus companheiros, dão-lhes conselhos, etc.’

A reportagem enfatiza que chegou de surpresa e menciona que o mesmo:

Come e dorme como seus demais companheiros, usa macacão e trabalha na oficina (...). Acabara êle (sic) de prestar sua colaboração ao Instituto, cumprindo a tarefa que lhe havia sido confiada, e se entretinha, no momento de descanso, no campo de futebol, no campo de futebol, disputando uma ‘pelada’ com seus demais companheiros.

Percebe-se, por meio da imprensa e do acompanhamento desse personagem, uma revelação sobre o cotidiano do IPS.

O Correio da Manhã, de 25 de outubro de 1958, questiona a transferência de Cássio Murilo para o Instituto Padre Severino, mencionando com o subtítulo “DESCABÍVEL PROTEÇÃO”:

Procurando justificar a presença de Cássio no Instituto Padre Severino, apontado como a melhor dependência do SAM, o Sr. Raul de Matos Dias, diretor da instituição, em palestra com nossa reportagem, esclareceu que fora ali internado devido ao seu grau intelectual, visto

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que possui instrução de nível ginasial e que o órgão que dirige dispõe de ginásios. Em vista disso, o melhor meio seria encaminha-lo para onde pudesse ter ocupação correlata, ou melhor, uma terapêutica ocupacional de acordo com seu intelecto e, isto somente poderia ocorrer naquele instituto, devido suas modernas oficinas.

O jornal questiona, pois, se tivesse sido levado em conta seu grau de periculosidade, como era a regra legal em vigor, classificado como “média”, ironizando-se que “decresceu” e lembrando que, à época do crime, esse foi classificado como de “alta periculosidade”: “Teria que ser encaminhado à Ilha do Carvalho e não ao Instituto Padre Severino, onde estão internados apenas crianças de fácil recuperação, isto é, classificadas no Tipo ‘A’, sem qualquer periculosidade”.

Mais uma vez, nas entrelinhas, por meio do rastro deixado pela comoção popular desse crime, em que um menor de idade encontrava-se como réu, vê-se a descrição do IPS, sendo classificado como instituição exemplar, abrigando menores com baixa ou nenhuma periculosidade, rotina de oficinas de trabalho e recreação e relativa liberdade aos internos. Leitura essa realizada por meio de jornais da época que seguiam Cássio Murilo, vigiando-o e trazendo à tona informações das instituições por onde o mesmo passava. Nesse caso, o IPS aparece descrito em vários momentos. Caso ele não tivesse em nenhum momento passado por esse instituto, provavelmente teríamos vários hiatos relativos ao seu funcionamento.

Em 20 de novembro de 1958, os jornais Última Hora e Diário Carioca noticiam uma fuga de Cássio Murilo em suas primeiras páginas, com as respectivas manchetes: “CÁCIO MURILO FUGIU PARA DAR UM MERGULHO NA PRAIA” e “Cássio Murilo fugiu para o banho de mar”. Em ambos, os jornais destacam o privilégio recebido pelo mesmo; o Diário Carioca enfatiza alguma característica do IPS nessa matéria, com o subtítulo “Passeava Livremente”:

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Para o Instituto Padre Severino são encaminhados os menores que tenham um grau mínimo de periculosidade. Cássio naquele estabelecimento era tido como de comportamento exemplar, e por isso gozava de certas regalias, podendo caminhar livremente entre a Escola Padre Severino e as demais, também do SAM (...).

No dia seguinte, esse mesmo jornal, com matéria intitulada “A verdade do Sr. Gitirana”, acusa-o de “protecionismo ao menor”, denominando o adolescente de “o privilegiado do Instituto Padre Severino, o único menor que frequenta ostensivamente o gabinete do diretor para telefonar e bater papo, além de receber visitas”.

O IPS “nem tanto ao Céu nem tanto a Terra”

O Jornal do Brasil de domingo, dia 22 de março de 1959, traz a manchete, em sua página 6: “SAM tem lado bom e lado mau: o mau é em Lins”. Menciona o jornal que a “linhagem boa” começa no “Instituto Martagão Gesteira, onde o Serviço tem cem vagas para crianças até cinco anos, e termina nos Institutos Profissionais”. Apresenta a “linhagem má”, nos termos da mesma publicação, o “Instituto Coração de Maria”, em Lins de Vasconcelos, onde, segundo a matéria, “oitenta por cento das internas sofrem de doenças variadas, trinta por cento estão grávidas, embora internadas há mais de um ano, e cem por cento têm furunculose”. Nesse meio termo, o jornal apresenta o subtítulo “PADRE SEVERINO”:

A pupileira fica na Ilha do Governador. Perto, (sic) na Praia do Fundão, funciona o Instituto Padre Severino, para meninos de 14 a 18 anos, delinquentes (sic).O menor interno tem alguma liberdade. Os portões ficam abertos e o número de fugas nunca foi grande.Vão para o IPS rapazes que cometem delitos pequenos, como roubar frutas na feira, tirar coisas de pessoas que dormem nas praças, andar

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com canivete, brigar ou roubar a bicicleta do geleiro para dar uma volta (sic).Além de aulas (nível primário), o Instituto mantém cursos de mecânico, marceneiro, soldador, eletricista, bombeiro e estofador.Os aprendizes fazem carteiras, mesas e consertam material elétrico de todas as casas do SAM.

Nessa mesma página traz a foto, reproduzida acima, de um aprendiz em uma aula prática de mecânica, com a seguinte legenda: “No Instituto Padre Severino há cursos para soldador, eletricista e marceneiro. As portas estão sempre abertas, mas quase ninguém foge”.

Mesmo não qualificado, pelo jornal, como de “linhagem boa”, implicitamente tece elogios ao Instituto, enfatizando a qualificação educacional e profissional, não havendo fuga, mesmo funcionando com os portões abertos. Inaugurado há poucos anos, o IPS, segundo a matéria integralmente descrita, cumpre com a missão que lhe foi destinada na época, sendo

Oficina no IPS; Jornal do Brasil de 22 de março de 1959, em Biblioteca Nacional; Hemeroteca Digital: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.

aspx?bib=030015_07&pesq=Padre%20Severino&pasta=ano%20195; Edição 00067.

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enfatizado em outra matéria o lado negativo do tratamento dado aos denominados “menores” da época, que testemunhou o repórter dessa mesma edição, em visita à Delegacia de Menores, onde o mesmo, para entrar, necessitou de ordem do Ministro da Justiça e “uma ida ao Gabinete do Chefe de Polícia, General Amauri Kruel, que permitiu o ingresso do repórter, mas não do fotógrafo”.

O próprio Delegado de Menores, Sr. Gérson Fraga, menciona ao jornal que as camas, colchões e lençóis “haviam sido postos ali para a reportagem ver (...) que os menores presos dormem no chão, não têm talheres para comer a comida jogada em gamelas por debaixo da porta e ‘precisam ser tratados com energia porque são rebeldes e culpados de atos antissociais’”. Justifica sua atitude: “se houvesse colchões nos cubículos os presos ateariam fogo” e, quanto à questão dos talheres, o mesmo diz que “podem servir de arma”, segundo suas palavras “quebradas e afinadas cuidadosamente atritadas no chão de pedra”.

Em segundo relato do Jornal do Brasil, dessa mesma edição, com o subtítulo “O PREPARO”, aproveitando que a autorização do Ministro e do Chefe de Polícia durou dez horas para o repórter entrar nas instalações da respectiva Delegacia de Menores, o próprio Delegado confessa que nesse tempo seus funcionários arrumaram as camas rapidamente, confessando que “aquela era a primeira vez que as camas entravam ali”.

As reportagens do Jornal do Brasil acerca do tratamento dado aos menores são de autoria dos repórteres Ana Arruda e Sílvia Donato.

Vê-se que, a título de comparação, o Instituto Padre Severino não foi mencionado dentre as irregularidades existentes, que, em plena Delegacia de Menores, onde o próprio Delegado mostrou-se sincero em seu relato, confessando a rápida organização do local, a fim de se adequar às normas, em nenhum momento o IPS foi mencionado nesses termos.

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Também se exemplifica a visão que a sociedade da época possuía em relação ao “menor” interno do SAM. O chefe do Serviço de Assistência Social desse Serviço, Sr. Arnóbio Cabral, disse ao Jornal do Brasil “que ninguém adotava seus meninos por serem feios, magros, com ar de doença e inspirar medo a toda gente” (sic).

Tal característica era representada pelo adolescente do SAM, gerando um “medo social” na época, que acabava por também contaminar os seus espaços de detenção. Os espaços não deveriam ser adequados para servirem de abrigo a pessoas adjetivadas dessa maneira.

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Os menores de qualquer sexo poderão ser entregues a instituições particulares de patronato, quando forem realmente abandonados. Se forem pervertidos ou delinquentes, poderão ser recolhidos a asylos, cujo regimen se preste a regeneral-os.Joaquim Candido Azevedo Marques

IPS no foco das atenções

Os jornais da época foram atraídos pela internação de Cássio Murilo no Instituto Padre Severino. O crime que vitimou a jovem Aída Cúri ainda aguardava julgamento. A população, ávida por notícias, desejava receber qualquer informação dos envolvidos no mesmo, em especial, do adolescente da alta sociedade, branco, residente em Copacabana, com padrasto general do Exército Brasileiro, ou seja, totalmente diverso do cotidiano daquela casa de correção, que, para a mentalidade da época, era grande novidade. Por isso, a sociedade carioca de então se interessava pelo desenrolar deste caso.

Os jornais buscavam investigar o dia-a-dia desse jovem. Com isso, acabavam por nos dar pistas a fim de continuar esta história institucional. Talvez, se esta fatalidade cruel não ocorresse, haveria profunda lacuna nesse início da década de 60. Porém, pudemos constatar, por meio do viés emocional causado pelo famoso crime, quanto a sociedade, motivada pela emoção da hediondez, buscava punição severa a todos os participantes igualmente, ironizando o tratamento oferecido a Cássio, por ser menor, na época, mas que, para imprensa e sociedade carioca, não merecia nenhuma proteção, mesmo que advinda da lei.

A título de exemplo logo após o crime, que se deu em 14 de julho de 1958, o menor envolvido, com 16 anos na época, foi encaminhado a um presídio. Vide abaixo um resumo do caso feito pelo jornal Última Hora de 23 de outubro de 1958:

O Instituto Padre Severino nos últimos anos do SAM

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Cácio Murilo foi internado, dias após a consumação do episódio que o envolveu, no Presídio Central do Distrito Federal, na Rua Frei Caneca. O seu grau de comportamento, no entanto era bom – conforme atestam as investigações procedidas naquele sentido – o que acabou sendo compreendido pelas autoridades superiores, que decidiram, então, na sua transferência para um órgão do SAM – no caso o Instituto Padre Severino.

Continua a matéria, especificando claramente o porquê dessa transferência:

Não fosse essa circunstância e o diretor da entidade jamais o teria premiado com a sua ida para local mais adequado ao seu caso (...) em situações idênticas, vários outros menores de sua idade foram levados para o estabelecimento da Ilha do Governador como reconhecimento ao bom comportamento que demonstraram, quando internados em outras dependências de maior rigidez disciplinar.

Foi a regra de uma “suposta periculosidade” que regeu o caso. Quando o mesmo foi acolhido pela lei e internado em uma instituição própria à sua idade, foi interpretado como “prêmio de bom comportamento”, visto que o IPS era considerado uma instituição-modelo, como veremos logo abaixo.

Porém, foi o princípio da “periculosidade” que regeu o caso, cabendo ao réu mostrar-se de outra forma, a fim de ser protegido pelo SAM – como menciona a sigla “Serviço de Assistência ao Menor” –, ficando sob a guarda de sua melhor casa, o Instituto Padre Severino.

Vejamos outra publicação, pouco anterior à citada acima, no Correio da Manhã de 22 de outubro de 1958, com a seguinte manchete “Cássio transferido para estabelecimento modêlo”. É interessante como apresenta o novo local que terá a guarda desse adolescente:

(...) foi transferido do Presídio e levado, sob a capa da proteção que persiste, para o Instituto Padre Severino. A transferência tem tanto de

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misteriosa como de ilegal, de vez que o estabelecimento, criado como padrão dentro do SAM, só deveria abrigar menores de comportamento exemplar e sem periculosidade.

Resgatar o passado do IPS, no final da década de 50 e início da 60, significa verificar sua coadjuvante atuação frente ao noticiário principal: o crime que vitimou Aída Cúri e a privação da liberdade de um dos participantes deste infeliz episódio, um adolescente de 16 anos, e sua internação em unidades do SAM. Busca-se, assim, nas entrelinhas deste caso a visão de uma parte da sociedade acerca do IPS retratado pelos jornais da década de 60.

Em paralelo a este crime, também temos sérias críticas ao SAM realizadas pelos jornais. Em 13 de janeiro de 1960, o Jornal do Brasil, em seu editorial, com o título “SOCORRO AO MENOR” (em negrito no original), menciona que o Desembargador Bulhões de Carvalho, vice-presidente do Tribunal de Justiça, designou um juiz a fim de “corrigir as falhas e irregularidades no SAM”. Continua o jornal: “(...) terá, sem dúvida, tarefa árdua a par de complexa, uma vez que se trata de corrigir hábitos e práticas arraigadas num sistema falsamente educativo, mas, na verdade, de agravamento da situação social e psicológica individual do menor”.

Já o Correio da Manhã de 15 de janeiro de 1960 traz uma pequena matéria a respeito de Cássio Murilo, com o título “SEMPRE INCONTROLÁVEL”; diz a matéria:“(...) Cácio, que havia sido transferido para o Presídio, onde criou vários casos, foi novamente, mandado para o SAM. Desta feita, para o Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. Ali repetiu suas façanhas, culminando com uma fuga, que, em carta dirigida à sua mãe, havia prometido realizar (...)”.

A partir daí, houve várias fugas, sempre noticiadas em destaque pelos jornais, dada a importante participação desse adolescente neste famoso e trágico episódio, além de sua condição social, em desacordo com a mentalidade da sociedade, quando intitulava de “delinquente” um menor de idade.

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Isso que acabou por resultar em um intenso processo de desmoralização, dada a visibilidade do IPS neste caso. Suas fugas eram ironizadas. Várias matérias eram veiculadas relatando as condições das mesmas e os possíveis locais nos quais poderia a polícia encontrá-lo. Podemos citar, a título de exemplo, o mesmo jornal, Correio da Manhã, de 12 de fevereiro de 1960, que traz, em um texto, uma entrevista com o Juiz de Menores, Dr. Rocha Lagoa, que menciona:

(...) – E, ao que sei, ele já tem até fan clube...(...) – também aqui no Instituto Padre Severino, as mocinhas atiravam bilhetinhos para ele pelo muro... É um sinal dos tempos.

Pode-se notar a fama que alcançou esse adolescente e de quanta exposição o IPS teve nos jornais da época por conta de sua estadia nessa instituição.

Dois dias após essa matéria, o Jornal do Brasil, de 14 de fevereiro de 1960, traz nova crítica de Bulhões de Carvalho, com título “Desembargador propõe a transferência do SAM para o Ministério da Educação”, considerando essa instituição como: “um foco de corrupção em eterno desrespeito à lei e aos provimentos do Conselho de Justiça, uma vez que não preenche sua função regenerativa e nem mesmo educativa (...)”.

Exemplifica o caso de Cácio Murilo, que foi transferido para um colégio em Santa Catarina, “porque os estabelecimentos do SAM sômente possuem regime escolar tipo reformatório”. Ou seja, realiza uma crítica ao IPS, onde o mesmo estava sob guarda. Porém, a mesma aparece de forma implícita, não o denominando, e faz parecer que todas as demais críticas também lhe são endereçadas.

Em 17 de fevereiro de 1960, veio acrítica a essa transferência. Em editorial, mais uma vez o Jornal do Brasil, com o título “ARISTOCRACIA PENAL” atinge o SAM como um todo pela própria discriminação desse ato. Lê-se um trecho desta matéria:

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Teoricamente, a segregação ou a separação do menor em reformatório pressupõe periculosidade ou descaminho grave. E, no caso, a indicação seria o Serviço de Assistência aos Menores (S.A.M.). Parece, no entanto, que as nossas autoridades judiciárias descobriram que o S.A.M. é o fim, quando poderia ser o comêço de um processo recuperador dos mais respeitáveis. Aqui é que entra a discriminação a favor do menor Cácio Murilo – que não irá para o S.A.M. mas para outro colégio ou lugar de recuperação, em meio a rapazes de sua idade – (...) para afronta maior dos que, não tendo proteção ou não podendo optar tem que submeter-se ao regime do S.A.M., que sabemos de gravíssimos defeitos (...).

O Diário Carioca de 04 de março de 1960 traz uma pequena matéria com o título “Cácio no SAM: vai estudar”. Diz o texto:

“(...) por ter Cácio Murilo sido reprovado nos exames que prestara em um colégio de Belo Horizonte, ficaria internado agora no Instituto Padre Severino, dependência do SAM, localizado na Ilha do Governador, local em que o menor já estêve recolhido anteriormente. Ali, aguardará vaga em outro estabelecimento do SAM, que tenha curso secundário.Admitiu o Sr. Rocha Lagoa, que os estudos de Cácio Murilo não devem ser interrompidos (o menor está atualmente cursando o científico) e que, por esse motivo, reconhece que “em tese”, deverá ser providenciada uma vaga num dos estabelecimentos de ensino secundário, que tenha convênio com o SAM, para o internamento do menor, já que nem o Instituto Padre Severino, nem qualquer outra dependência de internamento de menores do SAM, no Rio, possui cursos secundários”.

Obteve a possibilidade de estudar em um colégio interno em Santa Catarina; foi reprovado e retornou ao IPS. Porém, essa instituição não havia o antigo “científico”, atual segundo grau, como em nenhum abrigo do SAM. Mesmo nos anos 60, somente o antigo curso “primário” era ministrado. No entanto, como esse jovem estava internado no IPS, era este o alvo das críticas, pois o impossibilitava de concluir seus estudos, além de ridicularizar suas fugas constantes e, mesmo às vezes considerando-o a melhor instituição do SAM, quando criticado não se fazia menção a essa qualidade, igualando-o a qualquer outra casa desse Serviço.

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Com o passar dos meses, mais uma matéria, que sairia ironizando o IPS, sempre o atingindo, sendo cada vez mais desacreditado socialmente: as idas e vindas desse adolescente, seus anseios e promessas não cumpridas, acabava por cada vez mais macular o IPS.

Vejamos o que adveio posteriormente.Passados quatro meses desse anseio pela conclusão do

ensino secundário, traz em manchete, na parte inferior da primeira página do jornal Correio da Manhã de 02 de julho de 1960: “Duas vezes em uma semana Cácio Murilo fugiu do SAM”. Menciona a matéria:

Cácio Murilo voltou a fugir do SAM. Apesar de uma suposta vigilância de três inspetores de alunos do Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador, (...) o jovem delinquente desapareceu cerca das 19 horas de anteontem. No último dia 27, Cácio já havia se evadido daquela dependência do Serviço de Assistência a Menores. Voltou pela madrugada acompanhado do padrasto. Como motivo da fuga alegou saudades de sua mãe. Anteontem voltou a fugir, levando um rádio portátil. Até o momento não foi localizado. (...)

Continua o jornal a respeito da opinião do adolescente:“(...) disse que não tinha queixas daquele estabelecimento do Serviço de Assistência a Menores. Apenas estaria entristecido por não poder continuar estudando, visto que o SAM não dispõe de ensino médio ou superior (...).”

Vários jornais noticiaram essa fuga em suas edições de 02 de julho de 1960: o Diário Carioca, em manchete de primeira página, coloca: “Fugiu na 4ª feira – Três lugares como destino de Cácio”, deduzindo que poderia encontrar-se no Paraguai, dada a proximidade do IPS ao Galeão, em Copacabana ou escondido em uma fazenda. Porém, o que vale citar é a justificativa da fuga pelo advogado da família neste mesmo vespertino: “O advogado da família de Cácio Murilo justifica plenamente sua fuga alegando maus tratos e o ‘péssimo ambiente que ele estava confinado’”.

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Em nenhum momento, esses maus tratos foram colocados pelo próprio adolescente; porém, utilizados como justificativa pela família.

O Jornal do Brasil desta mesma data, 02 de julho de 1960, traz na manchete “Cácio Murilo fugiu do internato”, com o subtítulo “PRIVILEGIADO”, afirmando que o mesmo “– já brigou com todos os colegas – ocupa um quarto especial no Instituto Padre Severino, cercado de todas as comodidades”.

Outro fato, que não havia sido noticiado anteriormente, surge após esta fuga.

Por último podemos citar o jornal Última Hora, que noticiou: “Disse ainda o diretor do Instituto Padre Severino que, segundo um popular residente nas proximidades do estabelecimento, Cácio, por volta das 20 horas de anteontem foi visto quando embarcava num ônibus com destino a cidade (...)”.

Saiu às 20 horas e pegou um ônibus tranquilamente. Um aspecto interessante que essa mesma edição de Última Hora traz, para melhor compreendermos o comportamento dessa unidade, é a informação contida no subtítulo “Queria Ser Acordado Cedo”. O adolescente em questão solicitou a um inspetor, como era a denominação na época “que o acordasse cedo no dia seguinte, pois teria de submeter-se a exame psicológico no departamento médico do SAM, conforme fazia periodicamente, para ser aquilatado o grau da sua recuperação moral (...)”. Chama atenção a importância da ciência psicológica, a fim de determinar o grau de periculosidade do indivíduo, além de avaliar a eficácia de sua recuperação.

Faz-se um resumo interessante das condições do IPS e sua exposição à sociedade por meio de como essas fugas eram excessivamente exploradas pela mídia da época, resultando em uma crítica velada à instituição, que coloca sempre o adolescente em uma situação ou de portador de regalias ou que, quando bem deseja, esvai-se seja por sentir saudades da mãe seja simplesmente

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por estar com vontade de tomar um banho de mar, pelo excesso de calor; porém, dessa vez generalizando este comportamento a outros. Como relatou anteriormente o jornal Última Hora de 20 de novembro de 1958, logo na chegada desse adolescente ao IPS: “Cácio Murilo fugiu para dar um mergulho na praia”; conta-nos a matéria com subtítulo: “Fuga é Fato Rotineiro”, acabando de nos relatar, com certa ironia, o diretor do IPS, Sr. Nelson Gitirana:

O que Cácio Murilo fêz, já se tornou um caso rotineiro no Instituto Padre Severino. Devido a liberdade que concedemos aos nossos alunos, eles às vezes abusam e vão a praia de São Bento tomar banho de mar. Depois se arrependem e vêm se apresentar a mim, confessando o ato. Coloco-os de castigo em seus dormitórios, porém, logo após, deixo-os em liberdade. Todos são bons elementos e merecem a confiança que neles deposito.

Constrói-se no imaginário popular, desde então, a ideia de desordem, desobediências constantes, desorganização institucional, ou seja, toda forma de crítica excessivamente explorada no caso. Inaugura-se, por assim dizer, uma vigilância exagerada a essa instituição pela presença desse adolescente midiático, detentor de fã clube, resultando em uma desmoralização constante.

No dia seguinte, 03 de julho de 1960, Correio da Manhã e Jornal do Brasil anunciam, respectivamente: “Foragido do SAM Cácio Murilo continua em local ignorado” e “Cácio Murilo já está sendo caçado”. Em ambas as matérias, acusam a instituição de privilegiá-lo em detrimento aos demais. Veja como o primeiro jornal relata esse fato:

Apenas o sr. Nelson Gitirana, diretor do Instituto Padre Severino, onde Cácio estava internado, mostra-se realmente preocupado com a evasão do delinquente. Funcionário humilde, tem sido obrigado a conceder regalias ao filho da sra. Cacilda Ferreira da Silva. O rapaz, entretanto, só lhe tem causado aborrecimentos (...). Valendo-se do prestígio que diz ter sua família, humilha e faz ameaças aos que contrariam suas vontades. Para o sr. Nelson Gitirana, seria um alívio se Cácio, que já completou 18 anos, fosse enviado para outro local.

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Já o segundo, economizando palavras, noticia: “Os investigadores (...) encarregados da caça ao delinqüente privilegiado (no Instituto Padre Severino ocupa dependências especiais) (...)”.

O privilégio que possuía na instituição era também divulgado em outros jornais da época. Porém, o interessante foi uma profunda crítica surgida na esteira da investigação da fuga desse adolescente de classe alta contido em uma instituição que se cria “não ser para ele”. Vejamos o Jornal do Brasil de 09 de julho de 1960, com a seguinte manchete: “Cácio deixou bilhetes para justificar fuga e afirmar que não faz mal a ninguém”. Traz o texto em negrito no original: “A mãe de Cácio Murilo, que o visitou poucos minutos antes de sua fuga, considera o SAM um lugar indigno de seu filho e afirma que naquele estabelecimento o futuro de Cácio estava ameaçado”, defendendo o advogado que o mesmo seja “recuperado numa escola particular”.

Um dos bilhetes foi feito em papel timbrado do Ministério da Justiça, conforme afirma a matéria, e endereçado ao diretor do IPS. Dizia o seguinte: “(...) não podia mais continuar naquele estabelecimento, pois receava tornar-se ‘um criminoso ou ser morto por algum companheiro’”.

Nessa, discussão o SAM defende-se com matéria publicada no Correio da Manhã de 15 de julho de 1960, com a manchete: “SAM nega responsabilidade sobre fuga de Cácio Murilo” e com o subtítulo: “PROTEÇÃO VEM DE FORA”. Transcrevemos abaixo:

“Tôda a administração do SAM não desconhece que o Instituto Padre Severino, local onde estão meninos que praticaram pequenos delitos, como furto de frutas ou de alimentos, não é o estabelecimento apropriado para acolher um delinqüente com o grau de periculosidade de Cácio Murilo. Entretanto (...) o Juizado de Menores o mandou para lá. Cumprindo sua função, o SAM não pôde recusar. E ali o delinqüente permaneceu por determinação do Juizado de menores, até o dia da fuga”.

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A falta de profissionais adequados aparece nessas entrelinhas. Um dos funcionários responsáveis pela guarda dos adolescentes, segundo a mesma matéria, “é ex-aluno, que moureja no SAM desde menino e que tem o Instituto Padre Severino como residência”.

Esse diálogo é interessante: se, por um lado, a família desse adolescente menciona que o IPS não era para ele, o SAM, por outro lado, defende-se utilizando os mesmos argumentos.

Porém, essas críticas, que já vinham recebendo endosso social, chegam ao IPS. O próprio IPS, recém-inaugurado como uma “escola de vanguarda” no cumprimento dessas medidas para a época, iguala-se às demais; crítica que ganha a mídia da época. Não era o local adequado para um adolescente de classe alta cumprir sua “pena”, para o vocabulário da época. Deveria ir para um colégio interno particular, como solicita sua mãe a D. Helder Câmara, noticiado pelo mesmo Jornal do Brasil de 16 de julho de 1960:“(...) a mãe do principal acusado da morte de Aída Cúri obteve uma entrevista com D. Helder Câmara, durante a qual pediu que intercedesse junto às autoridades para que o criminoso volte a estudar livremente em escola particular (...).”

Fotos comprometedoras: todas as escolas do SAM atingidas

Em paralelo a todo esse embate, o Jornal do Brasil publica uma série de reportagens com fotos, todas feitas pelo mesmo autor, Faria de Azevêdo. A primeira, publicada em 11 de julho de 1960, em um domingo, com a seguinte manchete: “Crianças vivem de amôres e de ócio na intimidade do SAM”, foi muito repercutida na época, como veremos. As fotos são dramáticas, mostram menores abandonados em “estado de abandono”; a redundância é proposital, a fim de demonstrar o descaso com que o assunto “menor” é tratado pelo SAM. Todas as instituições serão atingidas e tratadas de forma igualitária nas matérias, podendo até se fazer a diferenciação de que algumas são “menos piores” que outras.

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A série de reportagem é anunciada na primeira página do jornal. Foi realizada de forma minuciosa: o repórter-fotógrafo permanece “durante quatro dias, num total de 26 horas, escondido atrás de um barraco improvisado com caixotes e papelão”, segundo essa mesma edição do Jornal do Brasil de 11 de julho de 1960. Durante cinco ou seis horas por dia, como descreveu. O título na primeira página é “SAM À VISTA” (dessa mesma forma, em itálico e negrito). Diz a chamada para as matérias:

Dêste observatório – construído com paciência e folhas de papelão – o repórter e fotógrafo Faria de Azevedo, do Jornal do Brasil, observou impressentidamente através da teleobjetiva da sua máquina a vida íntima do SAM, durante vários dias. O resultado foram os flagrantes e as observações que podem ser lidas na 10ª página, mostrando a vida de ócio de moços e moças, nos estreitos limites de áreas de cimento, onde só brota o vício.

Na citada página 10, veem-se várias fotos de meninos a esmo, parecendo estarem perdidos em um pátio, ou amontoados, sempre demonstrando desordem e descrédito que algum trabalho sério poderia estar sendo realizado. Utiliza-se do título “baralho é a diversão”, conforme se pode verificar abaixo:

No canto direito da página consta uma, “Nota da Redação”, que é interessante reproduzirmos:

(Meninos ociosos em escola do SAM. Jornal do Brasil de 11/07/1960. Em Biblioteca Nacional; Hemeroteca Digital: http://memoria.bn.br/DocReader/

docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=SAM; Edição 00161).

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O repórter e fotógrafo (...), a cuja iniciativa se deveu a presente reportagem -documento sobre o vazio da vida das crianças, rapazes e moças internos no SAM, colheu, além das fotos estampadas nesta página, dezenas de outras que, pelo realismo com que fixou cenas de vício, não podem ser publicadas.As fotos conseguidas através da teleobjetiva encontram-se na Redação do JORNAL DO BRASIL à disposição das autoridades ou educadores que desejarem conhecer a intimidade do SAM, nas horas mornas do ócio e do aprendizado da perdição.

Mesmo sabendo-se na época que o SAM da matéria era a Escola 15 de Novembro, no bairro do Quintino Bocaiúva, não a denomina especificamente no texto. Ou seja, ao ler SAM, pode-se mentalmente generalizar às outras instituições desse órgão, inclusive o IPS e a Escola João Luís Alves. A crítica generaliza-se. Utilizando-se do subtítulo “OS MAIORES”, descreve o cotidiano dos mesmos:

(...) As idades dos internos variam de 10 a 15 anos e sente-se na indolência dos seus movimentos a falta do que fazer(...). De manhã à tarde, permanecem deitados no cimento, rolando, fumando ou lendo velhas revistas. Há também uma espécie de jogo de baralho com cartas improvisadas com pedaços de papel, e que suscita atritos, havendo por vêzes, sôcos, empurrões, pontapés. Há sempre um grupo de 13 ou 15 rapazes vagando pelo pátio. Raramente jogam futebol. Preferem o morno repouso, esticados no pavimento, mãos sob a nuca, sonhando acordados, uns ao lado dos outros. Quase sempre trocam confidências, rindo muito, gesticulando pouco. O que mais impressiona o observador é a total ausência de aproveitamento desses rapazes, quase homens feitos, entregues ao ócio e ao total abandono.”

As consequências das denúncias começam a aparecer. No mesmo Jornal do Brasil de 26 e 27 de julho de 1960 mencionam, respectivamente, “Pedido inquérito sobre ‘fatos graves’ que JB denunciou” e “Desembargador pediu ao JB fotos proibidas da reportagem sobre o SAM”. No primeiro, consta uma série de providências a serem tomadas, apresentadas como subtítulos “Reivindicações”, “Transferência” (“para que todos os serviços relativos a menores transviados sejam urgentemente transferidos para o Estado”), “Comissariados”, “Analfabetismo” e “Outros”.

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Especificamente para o IPS tem-se a seguinte proposta:

“Seja solicitado ao Ministério da Justiça que instale imediatamente curso médio no Instituto Padre Severino e dê regime educativo e técnico adequado a todos os estabelecimentos destinados a recolher menores infratores da lei penal, com pessoal apto ao exercício dessas funções”.

No dia seguinte, o próprio governador entra em contato com os problemas: “O Sr. Bulhões de Carvalho, ao mostrar a reportagem ao Governador Sette Câmara, pediu-lhe, ontem, uma série de providencias para resolver o problema da infância abandonada”.

Verifica-se nesta mesma data, 27 de julho, uma matéria do Diário da Noite intitulada “Fuga”, com o seguinte texto: “Quatro garotos (recolhidos pelo SAM porque seus pais não têm recursos) fugiram ontem à noite, do Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. Mas, após uma caminhada de vários quilômetros (...) os quatro foram encontrados”.

Vê-se, nessa citação, que o IPS não era apenas para os infratores e que as denúncias do Jornal do Brasil poderiam também englobá-lo.

Daí em diante, uma série de críticas são publicadas no Jornal do Brasil, como podemos citá-las em ordem cronológica, todas do ano de 1960, em: 21 e 23 de agosto, 18, 20, 25 e 28 de setembro. Cria-se um clima de mentalidade de desordem generalizada.

A título de explicação citamos as matérias acima, para situarmos o IPS nas discussões que passavam nessa época, já que o mesmo estava sob a gestão do SAM, recebendo as mesmas críticas tais quais as outras instituições, mesmo que não mencionado explicitamente, pela própria função a que se destinava: a guarda de menores infratores e abandonados; acabava por ser também atingido. Porém, a crítica a partir de então ocorre de forma explícita ao SAM. Somente raras vezes cita-se a instituição ou escola em questão. Ou seja, poucas vezes o IPS é alvo de críticas que se generalizam nessa década. Porém, fazendo parte do SAM, também acaba sendo responsabilizado.

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Vejamos alguns exemplos a seguir de como esse Serviço de Assistência ao Menor é visto nessas matérias e como se introduz na mentalidade popular.

Em 21 de agosto de 1960, sob o título “Môças delinqüentes deixam o SAM à noite para namorar”, diz o texto: “A presente reportagem de Faria de Azevedo é a segunda de uma série sobre o abandono, a tristeza da vida e a falsa assistência prestada pelo SAM aos menores que a vida atira aos seus patronatos e reformatórios”.

Dois dias depois, 23 de agosto de 1960, a crítica é dirigida a Ilha do Carvalho, local do SAM de meninos infratores, com a manchete: “Cem meninos da Ilha do Carvalho vivem sob teto que vai desabar”. Veem-se no texto da matéria mais críticas ao SAM:

Isolados pelo mar, numa vasta ilha quase deserta, dominada por uma paisagem de abandono, cerca de 100 rapazes, revoltados e sem rumo, sem orientação e destino, perambulam por entre arvoredo, segregados pelo SAM com o objetivo remoto de reintegrá-los no caminho da vida social (...).

Conclui a matéria, generalizando essa situação. Lê-se:

Em todos os estabelecimentos correcionais criados pelo SAM há sempre um número duas e três vezes maior que a capacidade de acomodações prevista. Geralmente, os excedentes dormem no chão ou se agregam com outros na mesma cama. Não há mais lugares (...). Para cada um menor relativamente recuperado (quando demora pouco) pelo SAM entram 80 futuros delinqüentes para a escola mais trágica do nosso País. . (Jornal do Brasil, 23 de agosto de 1960).

Na própria campanha para governar o Estado da Guanabara, o candidato da UDN (União Democrática Nacional), Flexa Ribeiro, em entrevista em 18 de setembro de 1960, dá seu parecer acerca do SAM: “(...) em lugar de ampliarmos o SAM, que nada mais é que um presídio de crianças, devemos incentivar a escola, evitando assim que as crianças se transformem em delinquentes”.

Dois dias após, em 20 de setembro de 1960, ocorre um pronunciamento do SAM sobre as matérias publicadas pelo Jornal

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do Brasil. O mesmo publica: “Procurador recebe processo sobre irregularidade no SAM denunciadas pelo JB”. O diretor do SAM na época, Dr. Válter Toledo Pizza, confirma a autenticidade das fotos que ilustram a denuncia, porém menciona a título de “Esclarecimentos”, publicado pelo jornal: “Algumas das cenas reproduzidas nas fotografias não devem ser interpretadas como atitudes de lascívia, mas, antes, como manifestações de falta de compostura pouco estranhável, dado o baixo nível educacional dos menores”.

Em 25 de setembro de 1960, o mesmo Jornal do Brasil traz uma matéria sobre um abrigo em Jacarepaguá, elogiando-o. Refere-se ao Instituto São Luís, com 250 meninos. Diz o texto: “(...) vivem num prédio grande limpo, embora em condições modestas, recebendo educação de alto nível pelo esforço pessoal de dirigentes e professôres”.

Porém, não perdendo a oportunidade da crítica, nos créditos das fotos repete-se a frase “no SAM há milhares de meninos que...”, sendo completado por:

“têm medo de olhar para o seu futuro”;“para quem Brasil é um nome vago”;“não sabem amar o sol e a terra”;“nada têm a fazer, dia após dia”.

(Desfile dos “menores do SAM”, com o subtítulo: “MENINO E PÁTRIA”. Jornal do Brasil de 25/09/1960. Em Biblioteca Nacional; Hemeroteca Digital:

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=030015_08&pasta=ano%20196&pesq=SAM; Edição00226).

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Em 28 de setembro de 1960, o Desembargador Bulhões de Carvalho escreve ao Jornal do Brasil. a fim de solicitar ajuda na “organização dum (sic) poderoso Juizado de Menores e dum (sic) eficiente serviço social que permita beneficiar de maneira real e devidamente a criança desvalida e transviada”.

Acaba por parabenizar o Jornal pelas “reportagens fotográficas”, como cita, “sobre as terríveis condições dos institutos do SAM para os transviados”. O Desembargador continua a sua possível solução ao problema dos “institutos destinados a transviados”:

Sejam imediatamente remodelados por técnicos do Ministério da Educação e transferidos para a Escola João Luis Alves ou outro Instituto que possua boas instalações e completo serviço de ensino técnico-profissional, com admissão, mediante concurso de pessoal com habilitação especial para cuidar dos transviados.

Como mencionamos acima, pelo fato de o IPS não ser citado ao mesmo tempo em que o SAM está sendo profundamente abalado, o IPS enquadra-se no pior, pois em nenhum momento foi feito qualquer ressalva, como foi pensado no caso da Escola João Luís Alves pelo próprio Desembargador.

Em 12 de outubro de 1960, data em que tradicionalmente se comemora o “Dia das Crianças”, o Jornal do Brasil publica uma matéria assinada pelo Dr. Leopoldo Ferreira, médico do Hospital dos Servidores do Estado, intitulada “Como salvar a infância abandonada”. Traz um relato extenso, interessante para a época acerca do problema do menor tanto o “desvalido” quanto os “transviados”, ambos de responsabilidade do SAM.

Relata o mesmo que a gênese do problema é a “favela”. Daí ao SAM seria uma passagem natural para o mesmo. Vejamos extratos de seu texto:

(...) atinge o clímax da mais completa falta de assistência social, em última análise, do respeito à saúde alheia. O ambiente das favelas é,

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positivamente, de uma sordidez inaudita. Falta de asseio, ausência de higiene, total esquecimento físico e moral, são os fatores que predominam na expressão angustiosa denominada... favela!” Por incrível que pareça, o Estado da Guanabara possui um numero incontável de favelas. Vivem, pecaminosamente, ao nosso lado, posto que todos nós somos culpados pelo sofrimento de milhares de crianças que fingem viver nesses lugares doentios. Crianças que amanhã, ingressarão na escola do crime. Que terão oportunidade desoladora de obter, como complemento de uma infância abandonada, não um cantinho ao sol, mas um lugar no SAM, o qual, até o presente momento, não ocupa, no âmbito social, a situação que deveria ocupar como marco inicial para a reabilitação do menor desamparado, entregue ao vício e à desonra”.

Três dias após essa publicação, 15 de novembro de 1960, o SAM se defende solicitando “que parem as internações: tôdas as escolas estão lotadas”, dizia a manchete. Seu Diretor, Sr. Válter Toledo Piza, enviou um pedido ao Juiz de Menores, Sr. Rocha Lagoa, informando que “todos os estabelecimentos do serviço estão lotados e pedindo que suspendam as internações de menores até seis anos e de mais de 14 anos”.

O Jornal do Brasil publicou a carta na integra. Vejamos algumas partes da mesma: “(...) a Escola João Luís Alves, tendo em vista o aumento do custo de vida, não dispõe mais de recurso orçamentários para atender aos seus gastos, nem mesmo com alimentação (...)”.

Mais uma vez, mesmo não citando explicitamente o Instituto Padre Severino, concluímos que a sua situação não era diferente desta, pela proximidade de ambas e também por ser uma escola do SAM, o qual explicita uma crise desmedida.

Dessa forma, enraíza-se na mentalidade popular o nome SAM com algo nefasto, odioso, pior dos lugares possíveis. Não se explicita uma ou outra escola, mesmo que algumas sejam individualmente deveras criticadas; mas o alvo das críticas é o SAM como um todo e não suas escolas de forma separada. Ou seja, mesmo as não nomeadas de forma explícita acabam por ser também mal vistas, por pertencerem a essa rede de proteção ao menor. Todas são atingidas em função da instituição-mãe.

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Vejamos o exemplo em uma matéria do “Caderno B”, de função cultural, do Jornal do Brasil de 08 de dezembro de 1960. Por meio de uma sinopse de um filme francês de Marcel Carné, “Terrain Vague” (“Terreno Baldio”, em português), o crítico menciona:

O bando de Daniele é uma família unida de rapazes e môças que se reúnem numa casa abandonada e que, aos domingos, dão pequenos golpes para matar o tédio de viver. Mas um dia aparece lá um rapaz mais velho, egresso de uma espécie de SAM francês e resolve encaminhar os meninos aos roubos de verdade. Daniele perde a liderança e sai do bando, o qual aliás se dissolve antes de tornar-se uma gang.

Também, tempo mais tarde, no mesmo caderno cultural em 24 e 25 de agosto de 1961, utiliza-se uma visão do SAM a partir da mentalidade da época, em assuntos totalmente diversos: a primeira, em um concurso de Miss Universo com legenda referente à foto da candidata inglesa, campeonato de beleza feminina bastante em moda nessa década, e a segunda matéria, trazendo um e outro apresentando obras de uma pintora em uma determinada exposição. São elas, respectivamente:

O SAM TEM SUA BELEZAO nome SAM – tantas vezes ligado no Brasil ao que a juventude tem de pior e mais doloroso – figurou entre os muitos que, no Concurso Anual Miss Beleza Internacional, defenderam em Long Beach o que a juventude tem de melhor e mais belo: a candidata da Inglaterra – que aparece na foto acima, tomada em Paris – chama-se Michèle Sam. (Jornal do Brasil, 24 de agosto de 1961).

A exposição de desenhos da artista Gilda Reis Neto menciona que o tema de sua preferência que são “as crianças, em todas as suas atividades, e também as crianças pobres, miseráveis e desamparadas do SAM” (Jornal do Brasil, 25 de agosto de 1961).

Também, no mesmo “Caderno B”, de 21 de novembro de 1961, temos em uma crônica com o título “Iara e o destino”, por José Carlos Oliveira, uma pergunta sobre qual o destino ficcional dessa personagem. O autor responde: “Irá para o SAM. Passará

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muito tempo em promiscuidade com delinqüentes incorrigíveis. Aprenderá hábitos atrozes. Fumará maconha. Fugirá. Roubará. Manejará a navalha.”

Vê-se como se enraizou em todos os temas, inclusive culturais, uma ideia do SAM. Algumas escolas eram criticadas, mas em um todo a crítica era encaminhada para o órgão central, quase poupando certos institutos ou colocando-o no mesmo invólucro, igualando-os como um todo.

“Era melhor que todos fugissem”

Voltando ao histórico do IPS, assistimos ao julgamento do habeas-corpus de Cássio Murilo, pelo STF6 , o qual pleiteava sua liberdade, visto o seu desejo de não cumprir medida restritiva de liberdade nesse Instituto, dado pelas suas fugas, também analisadas pelos Ministros. O redator do mesmo foi o Exmo. Ministro Nelson Hungria, cujo voto foi transcrito em editorial do Jornal do Brasil de 27 de janeiro de 1961, com o título “SAM Sinistro”. Vejamos parte do mesmo:

No processo de julgamento do habeas-corpus que o Supremo Tribunal Federal levou a efeito para liberar o menor Cácio Murilo de ser internado no SAM (Serviço de Assistência aos Menores), há uma passagem substancial a ser registrada, e que representa atitude corajosa do Pretório Excelso contra uma instituição que, na verdade, está nos subúrbios da desintegração material e moral.O SAM foi declarado no acórdão da concessão do pedido um órgão falido, e cuja tutela não mais pode ser invocada para recuperar o delinquente menor e penalmente irresponsável. O Ministro Nélson Hungria chegou mesmo a referir-se ao SAM como uma “escola de horrores” no que foi secundado, embora com outras expressões não

6 Habeas-Corpus nº 38.193; Brasília, 25/01/1961. “Ementa: pedido em favor de menor sujeito a medidas correcionais, para não ser internado no SAM, que não possui curso ginasial, nem condições apropriadas. Direito do menor à educação e instrução. Obrigatoriedade de internação do menor em estabelecimento adequado, de acordo com o Juiz de Menores, sob a fiscalização e subintendência deste”.

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menos violentas, pelos seus colegas de julgamento.(...) O Supremo Tribunal Federal, portanto, oficializou, por assim dizer, um conceito que era mais ou menos de unanimidade entre os que conhecem direta e indiretamente, o Serviço de Assistência aos Menores, onde o primarismo psicológico dá as mãos, como uma ciranda sinistra, à inépcia para os desajustes da adolescência. É a feira livre da irresponsabilidade, explorada por improvisadores de uma política que não existe nem mesmo nas ordens banais de serviço.A finalidade do internamento do menor é a sua recuperação, retirado de um meio em que as motivações do crime prevaleceram eventualmente. Tudo isto é hoje de alta especialização, e que não pode mais ser tomado como apenas uma burocracia do esmagamento do já abalado arsenal psíquico do menor. São questões complexas que só se resolvem ou se encaminham com atenção, orientação e exemplar amparo institucional.Exatamente o contrario do SAM, a voz do Supremo Tribunal Federal foi a voz do bom senso, que, mais uma vez, mostrou que o rei estava nu.Ou se reforma a política de assistência ao menor, ou se fecha o SAM.

Em nenhuma parte do voto ou da matéria mencionou-se em que casa estava o impetrante do habeas. Ou seja, pelo simples fato de o mesmo estar sob a responsabilidade do SAM, é merecedor da liberdade. Porém, sabemos que esse esteve por algum tempo internado no IPS.

Ou seria pela sua condição de classe alta? O SAM, dessa forma, não “seria para ele”? Qualquer instituição em que o mesmo estivesse não iria resultar em reintegrá-lo na sociedade de forma adequada.

A decisão do STF, através do voto do Ministro Nelson Hungria, repercutiu nas unidades de internação, que passaram a ser vistas com bastante rigor e muita atenção pelas autoridades em geral, bem como pela imprensa, a começar pelo pedido do Desembargador Bulhão de Carvalho de intervenção do Estado no SAM, trazendo o jornal Correio da Manhã, de 01 de fevereiro de 1961, o seguinte texto em sua página 10:

(...) o Estado da Guanabara tem necessidade imperiosa de internar os menores transviados, como tais presos à disposição do Juízo de Menores, a conseqüência é que o estado deve providenciar imediatamente a

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criação de estabelecimentos adequados a essa internação.

Continua comentando a transferência de menores da Escola João Luis Alves e cita o Habeas Corpus do STF a favor de Cássio Murilo:

(...) O S.A.M. abusivamente retirou dali os menores transviados, transferindo-os para o imprestável prédio do Instituto Padre Severino.O que é insuportável e já agora contrário a decisão do Supremo Tribunal Federal é que esses menores transviados continuem a ser internados em institutos como, por exemplo, do Pavilhão Anchieta, ou Instituto Coração de Maria, ou outros análogos, que nada mais são do que terríveis focos de desumanidade e perversão e jamais de ensino e reeducação”.

A exatamente um mês dessa publicação, o Deputado Estadual Jorge Valadão, da UDN (União Democrática Nacional), mesmo partido do governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, percorre de madrugada várias instituições de internação do denominado “menor transviado”, criticando severamente todas e poupando apenas a Escola João Luís Alves, sobre a qual tece elogios pela organização e ensino profissionalizante.

O jornal Última Hora de 01 de março de 1961 publica acerca dessa visita sobre o IPS, com o subtítulo já explicativo “IMUNDÍCIE GERAL”.

(...) no Instituto Padre Severino foi lamentável o quadro presenciado. Os menores, neste ultimo internato, além de maltrapilhos, habitam instalações imundas, sendo mais triste ainda a situação da cozinha do Internato (...) alegou a falta de pessoal para ajudá-lo na administração de quase cem meninos delinqüentes (...). As fugas são constantes, como também os espancamentos sofridos pelos meninos que apresentam equimoses pelo corpo (...).

Após essas pesadas críticas, uma sindicância foi estabelecida. Após sete meses de trabalho, em relatório final com oito mil páginas, chega-se à seguinte conclusão, também retomando fragmentos do habeas corpus. Publica o Jornal do Brasil de 31 de outubro de 1961:

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- aconselhando a dissolução do SAM – considerado irrecuperável e altamente nocivo para os 18 mil menores que abriga.- Com o propósito de comprovar suas acusações, o Sr. Pedro Vieira (presidente desta sindicância), entre outros documentos, pareceres de diversos Juízes do Supremo Tribunal Federal, entre eles o do Ministro Nélson Hungria que, a respeito da fuga de Cássio Murilo de um pavilhão do SAM, sustentou, em documento oficial, que o criminoso “fêz muito bem em fugir” porque a seu ver, ‘todos os internados do SAM deveriam fazer o mesmo’.-A grande incidência de criminosos e viciados entre os funcionários do SAM transformou a entidade, de acordo com a Comissão de Sindicância, numa verdadeira escola de crime (...).

Não houve nenhuma instituição citada especificamente pelo jornal.

O Desembargador Bulhões de Carvalho, com a sindicância em mãos, solicita a reestruturação do SAM, apelando ao Ministro da Justiça (Alfredo Nasser) nos seguintes termos:“(...) aprove a sindicância feita na repartição durante o Govêrno anterior, mandando punir os culpados e afastar os funcionários ineptos e espancadores de menores. Todos os estudos já estão feitos. A hora, agora, é de decisão e não de palavras”.

A respeito do mau uso das verbas do SAM, o desembargador coloca ao Ministro que “mostrará, também, indomável coragem moral, contrariando interesses particulares de tôda ordem, que parasitam as verbas do SAM e que só deixam as sobras para ainda mais perverter os menores transviados e ainda mais viciar os abandonados”.

O SAM encontra-se no final. As críticas avolumam-se e cada vez mais ferozes, vindas de todos os lados e enraizando-se na mentalidade cotidiana uma ideia de “campo de concentração”., sendo este mesmo o título do editorial do Jornal do Brasil de 12 de novembro de 1961:“O SAM, sabe-se o Brasil inteiro, é uma fábrica de anormais, de neuróticos, de criminosos em potencial. Não há exagero nisso, é uma constatação banal, pelos efeitos de sua ação primária e negativa.”

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Mais uma vez não se especifica a instituição. O SAM é o alvo.Entramos no ano de 1962, e o mesmo deputado, Jorge

Valadão, autor das visitas de madrugada às instituições do SAM, foi impedido de novamente realizá-las pelo próprio Presidente da República, alegando tratar-se de uma instituição federal, e o mesmo é representante do Poder Legislativo estadual.

Também forma-se a gênese de uma nova instituição para abrigar os menores. Dado o extremo desgaste da instituição que prestava tal serviço, vinha, como se notou, sendo criticada demasiadamente, até mesmo pelo próprio judiciário, sendo relembrado tanto o julgamento do habeas corpus quanto as conclusões da sindicância, pelo Jornal do Brasil de 12 de agosto de 1962, com a manchete: “JÁ ESTRUTURADO O INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA AOS MENORES”. Menciona-se:

(Visita do Deputado Estadual Jorge Valadão ao Instituto Padre Severino. Jornal Última Hora de 01/03/1961. Em Biblioteca Nacional; Hemeroteca Digital:

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=386030&pesq=Padre%20Severino&pasta=ano%20195; Edição03278).

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Em seu voto, o Ministro Nélson Hungria fez o seguinte esboço do SAM, cuja finalidade, segundo a Comissão de Sindicância, era mais de formar criminosos (...):- Sabe-se o que é o SAM: uma escola para o crime, uma fábrica de monstros morais. Superlotado e sob regime da mais hedionda promiscuidade, a sua finalidade prática tem sido a de instruir para o vício, para a reação pelo crime, para tôdas infâmias e misérias. Todos os famosos delinquentes precoces trazem a marca que o SAM lhes imprimiu (...). O que lá se aprende é fazer do crime profissão e meio de vida. Não apenas o SAM, senão também os 17 pseudo-reformatórios que êle superintende, falharam redondamente nos seus objetivos. Deveriam ser arrasados, desde o teto até os alicerces, para que se começasse tudo de novo, nos moldes inteiramente diversos. Para os menores que uma vez delinqüiram só há uma salvação ou possibilidade de recuperação: não serem recolhidos ao SAM ou dele escaparem pela fuga.”

A mais pesada das críticas foi a exaltação da fuga e da destruição total de todos os “reformatórios”, incluindo o IPS. Não há exceção pelo jornal. Começa realmente a se estruturar um novo instituto para os menores.

O “Problema do Menor”

Em 24 de março de 1963, novamente o Jornal do Brasil faz um grande resumo da situação da criança abandonada, desvalida e transviada, como eram comumente chamados.

(...) Três categorias de menores são assistidas pelo SAM: transviados, abandonados e desvalidos. Pela terminologia do Código de Menores, transviados são os menores que já foram processados; abandonados, os que não têm pais ou responsáveis; e desvalidos, os que têm pais ou responsáveis em situação de miserabilidade.

Havia 292 infratores sob a guarda do SAM, acreditando os pesquisadores da época que um número um pouco menor vive à solta no Estado. Segundo o jornal:

“(...) abrangendo elementos de diferentes graus de periculosidade, vive à solta na Guanabara, os quais, por impossibilidade de escolherem

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outro caminho, acabam, inexoravelmente, voltando à vida criminosa, da qual surgiram, há pouco, impressionantes resultados, fruto da marginalização social dos menores.”

Estão nas seguintes instituições, de acordo com a classificação da periculosidade:

INSTITUIÇÃOCARACTERÍSTICA

DO ATENDIDO NÚMERO

Centro Agropecuário de Bangu (anexo à Penitenciária),

antigos ocupantes do Pavilhão Anchieta

Menores de alta peri-culosidade 63

Instituto Governador Macedo Soares (na Ilha do Carvalho)

Menores perigosos 90

Instituto Padre Severino (na Ilha do Governa-

dor)Não perigosos 108

Instituto Coração de Maria Sexo feminino 31

TOTAL 292

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Distribuição Institucional do Menor Infrator em 1963

Em relação aos números de “abandonados” e “desvalidos”, há os seguintes números abaixo:

Rede oficial

Centro Agro-Pecuário de Bangu (anexo à penitenciária) antigos ocupantes do Pavilhão AnchietaInstituto Governador Macedo Soares (na Ilha do Carvalho)Instituto Padre Severino (na Ilha do Governador)Instituto Coração de Maria

ESTABELECIMENTOS NÚMERO IDADEInstituto Profissional Quinze de Novembro

850 De 12 a 18 anos;

Escola Agrícola Arthur Bernardes (Viçosa – MG)

150 De 13 a 18 anos;

Escola Vencesláu Brás (Caxambu – MG)

300 De 7 a 12 anos;

Escola JoãoLuís Alves (na Ilha do Governador

– RJ)250 De 15 a 18 anos;

Escola Granja –RJ 120 De 12 a 15 anos;Casas Lar–RJ 160 De 6 a 13 anos;

Escola Feminina de Artes e Ofícios–RJ

80 De 12 a 18 anos;

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Educandário Nossa Se-nhora do Carmo–RJ

60 De 7 a 12 anos;

Triagem–RJ 297(aguardando vaga de

acordo com sua categoria)Total

ESTABELECIMENTOS NÚMERO IDADE(vários) 4.485 De 7 a 12 anos;(vários) 1.440 De 13 a 18 anos;Total

Distribuição Institucional do Menor Abandonado e Desvalido em 1963

2267

5925

Instituto Profissional Quinze de NovembroEscola Agrícola Arthur Bernardes (Viçosa)Escola Vencesláu Brás (Caxambu)Escola João Luis Alves (na Ilha do Governador - RJ)Escola GranjaCasas LarEscola Feminina de Artes e OfíciosEducandário Nossa Senhora do CarmoTriagem

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Somando os da rede oficial com os da particular, tem-se o número de 8075 menores “abandonados” e “desvalidos”, com idade de 0 a 18 anos, contra apenas 292, denominados “transviados”. Ou seja, podemos concluir que o SAM tinha por missão, quase que exclusivamente, a guarda dos primeiros, sendo este objeto de 97%, contra 3% do segundo, conforme demonstra o gráfico abaixo:

Podemos afirmar que o centro nevrálgico do SAM são esses menores “abandonados” e “desvalidos”, chegando à quase totalidade dos assistidos. São esses que, para a mentalidade da época, quase certamente irão povoar as instituições apresentadas na primeira tabela.

Vejamos o artigo, nessa mesma edição do Jornal do Brasil, do Desembargador Bulhões de Carvalho intitulado “A Justiça e o menor delinqüente”: “A imensa proliferação de centenas de milhares de crianças abandonadas, entretanto, afinal veio a produzir um resultado fácil de ser previsto: corromperam-se muitos desses menores, constituindo bandos de delinqüentes, que se tornaram um perigo à segurança geral”.

Abandonados/ DesvaliadosTransviados

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A necessidade é cuidar destes e não dos já “processados”. O próprio Diretor do SAM, Dr. Eduardo Bartlet James, defende-se pelas imensas críticas advindas. O jornal intitula: “Para o diretor do SAM, uma sociedade displicente e corrompida é a culpada”: “considera que, diante do número relativamente pequeno de transviados da Guanabara (não excede a 500), é mais importante evitar que milhares de crianças abandonadas e desvalidas possam transformar-se em transviados, do que dispensar esforços na recuperação destes”.

Deve-se, então, concentrar esforços na formação do “abandonado” e do “desvalido”, pois o “transviado” já teria poucas chances de reinserção social plena.

Segundo essa mesma matéria, o Diretor aponta sete itens como as causas “principais para o transviamento de menores”, em que afirma saírem 80% desses:

1 – A ausência absoluta de policiamento nas favelas (jogos proibidos, maconha, bebidas alcoólicas, etc. têm trânsito livre entre os menores);2 – A promiscuidade das favelas (dentro de um pequeno quarto vivem às vezes de 10 a 12 pessoas; os pais têm relações sexuais diante dos filhos, fazendo com que estes percam a noção de pudor);3 – A falta de aprendizado profissional (que obriga o menor favelado à ociosidade prolongada);

Os outros fatores elencados dizem respeito à falta de articulação entre o curso primário e o secundário, ao Serviço Militar e às Leis Trabalhistas que impedem aos jovens de 16 a 18 anos conseguirem trabalho e, por último, os filmes e espetáculos “perniciosos” a uma “juventude mal orientada”.

O problema no momento é o “abandono”. Não se pensa, assim, em uma política de reinserção social desse jovem infrator, que por definição linear evolui da “favela”, locus do “desvalido”, resultando no “abandono” e, consequentemente, na delinquência, como se instalasse um “ele naturalístico” na vida desse agente histórico. Acreditava-se, assim, que a possível solução seria um

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novo SAM, porém que resolvesse o “problema do menor”, ou seja, o “abandono” e o “desvalimento”, acabando por resolver uma das três categorias assistidas pelo SAM: o “transviado”.

IPS como “casa de duendes”

Voltemos ao IPS, depois de uma grande digressão, a fim de situar o leitor nas mentalidades da época estudada, compreendendo, assim, os termos utilizados e problemas referentes ao adolescente. O editorial do Jornal do Brasil, de 27 de março de 1963, retoma o tema bastante debatido na época com o título “O velho problema dos menores”. O texto de início clama para uma “campanha na defesa da educação do menor contra a criminalidade”, objetivando a conjugação de esforços “no amparo da infância desvalida que ingressa na atividade criminosa desde os primeiros anos, tornando-se delinqüentes cruéis ainda em plena adolescência”.

Faz, assim, um histórico:

A Assistência dos Menores, que é hoje o malsinado SAM, teve a sua melhor fase na direção do Padre Severino. Aos poucos foi decaindo, até se transformar numa casa de duendes (sic). Nada adiantava o clamor da imprensa contra o regime de internação; os menores continuaram sempre contraindo mais vícios na reclusão do que em liberdade. E não há dúvida de que os grandes celerados, os mais audazes salteadores da Cidade, germinaram na instituição.

Verificando o sentido de “casa de duendes”, utilizado pelo JB, verificamos o seguinte: “espírito sobrenatural, gênio fantástico, que se acreditava fazer travessuras pelas casas, durante a noite”7 . Ou seja, o Instituto Padre Severino encontrava-se, nessa visão, como uma casa de “travessos”, “meninos levados”, uma espécie de “jardim da infância”, onde os “piores” incentivam, formavam 7 Verificado o significado no Dicionário Aurélio, disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/Duende.html; Acessado em 20 jul 2013.

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e influenciavam de forma decisiva os outros. Ou seja, inexistiam quaisquer critérios para internação na instituição.

O IPS era lembrado de forma nostálgica, como sendo a melhor casa do SAM. Porém, com o passar dos anos foi decaindo juntamente com esse mesmo Serviço. A crise se deu no SAM. Principalmente nos abrigos destinados aos “abandonados” e “desvalidos”, como verificamos acima, este era o problema principal a ser controlado: os “delinquentes” eram consequência destes; dessa forma, o IPS foi relegado ao segundo plano, mas, mesmo assim, contaminado pelas críticas ao SAM, que se avolumaram ao longo dos anos. Com isso, também passou a ser desacreditado, mais por estar inserido nesse Serviço, do que efetivamente causou como política assistencialista aos menores assistidos, comparado a outras escolas samistas.

Só havia uma solução para esse problema que já vinha sendo discutida ao longo desses mesmos anos e fruto de comissões parlamentares de inquérito: a inauguração de uma nova instituição que cuidasse efetivamente do “problema do menor”. Ou seja, decreta-se a falência do SAM. Noticia o Jornal do Brasil de 24 de agosto de 1963, através de uma pequena nota: “Hoje às dez horas a comissão que estudou a reforma do SAM entrega ao Ministro da Justiça o projeto que cria a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor”.

Para a seleção dos funcionários dessa nova instituição, destaca o mesmo jornal em 10 de setembro de 1963, a fim de não ocorrer os fatos desagradáveis do SAM:“O pessoal do SAM será, em sua maioria, localizado em outras repartições, aproveitando-se somente os mais capazes para a nova política assistencial ao menor”.

Em 1º de dezembro de 1964, através da Lei nº 4.513 de 1º de dezembro de 1964, “autoriza o Poder Executivo a criar a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, a ela incorporado o patrimônio e as atribuições do Serviço de Assistência a Menores, e dá outras providências”. Nasce a FUNABEM com a missão de não mais contribuir para o círculo vicioso que se instalara nessa

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lógica infeliz do que se denominava menor. Como resumiu o Jornal do Brasil de 20 de novembro de 1963:

A dura escola da rua também tem jardim-de-infância. E como todo jardim-de-infância é dominado pela ternura, mesmo com o banco rústico e sujo. É desse jardim que se passa ao curso primário, das feiras livres, vai-se depois ao ginasial no SAM e, mais tarde, à universidade das penitenciárias.

Nessa missão, continua vivo o Instituto Padre Severino. Como citamos acima, nas palavras de Paulo Nogueira Filho, ex-Diretor Geral do SAM na época da inauguração do IPS, “dificilmente se regrediria ao tempo que ele iluminou. Sua luz aí está e não creio que alguém possa extingui-la”.

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A Manhã de: 03/08/1951; 27/03/1952;A Noite de: 10/09/1955; 14/09/1955; 15/10/1955;Diário Carioca de: 03/08/1951; 02/07/1957; 20/11/1958;

04/03/1960; 02/07/1960;Diário da Noite de: 27/07/1960;Diário de Notícias de: 03/08/1951; 06/02/1955; 09/12/1955;Correio da Manhã de: 19/08/1951; 17/04/1952; 23/03/1955;

27/05/1957; 29/08/1958; 22/10/1958; 23/10/1958; 25/10/1958; 15/01/1960; 12/02/1960; 02/07/1960; 03/07/1960; 15/07/1960; 01/02/1961;

Jornal do Brasil de: 29/03/1955; 03/04/1955; 11/08/1955; 28/06/1957; 22/03/1959; 13/01/1960; 14/02/1960; 17/02/1960; 02/07/1960; 03/07/1960; 09/07/1960; 16/07/1960; 10/07/1960; 11/07/1960; 26/07/1960; 27/07/1960; 21/08/1960; 23/08/1960; 18/09/1960; 20/09/1960; 25/09/1960; 28/09/1960; 12/10/1960; 15/11/1960; 08/12/1960; 21/11/1961; 24/08/1961; 25/08/1961; 27/01/1961; 31/10/1961; 12/11/1961; 12/08/1962; 24/03/63; 27/03/1963;

Última Hora de: 20/11/1958; 23/10/1958; 02/07/1960; 25/09/1961;

B) Livros:NOGUEIRA FILHO, Paulo. Sangue, Corrupção e Vergonha –

S. A. M. São Paulo: Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunais” Ltda., 1956.

C) Legislação em vigor entre 1941 – 1964:c.1) Código de menores dos Estados Unidos do Brasil,

Decreto nº 17.943-A, de 12 de Outubro de 1927 (“consolida as leis de assistência e proteção a menores”). Comentado pela Dra. Beatriz Sofia Mineiro. Prefácio de Mello Mattos; Rio de Janeiro, Imprensa nacional, 1929;

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c.2) Decreto nº 24.797, de 14 de Julho de 1934 - Cria o sello penitenciario e dá outras providencias;

c.3) Decreto nº 3.799, de 5 de Novembro de 1941, “transforma o Instituto Sete de Setembro, em Serviço de Assistência a Menores”;

c.4) Decreto nº16.575, de 11 de Setembro de 1944 – Aprova o Regimento do Serviço de Assistência a Menores do Ministério da Justiça e Negócios Interiores;

c.5) Decreto-lei nº6.865, de 11 de Setembro de 1944 – Redefina a competência do Serviço de Assistência a Menores, cria e transforma funções gratificadas e dá outras providências;

c.6) Decreto-Lei nº 8.005, de 27 de Setembro de 1945 - Altera a redação do art. 1º do Decreto-Lei n. 7199, de 28 de dezembro de 1944;

c.7) Decreto nº29.857, de 6 de Agosto de 1951 – Modifica os arts. 2º, 13 e 15 do Regimento do Serviço de Assistência a Menores do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, aprovado pelo Decreto nº 16.575, de 11 de setembro de 1944;

c.8) Decreto nº40.385, de 20 de Novembro de 1956 – Modifica os artigos 2º e 3º, 13 e 15 do Regimento do Serviço de Assistência a Menores do Magistério da Justiça e Negócios Interiores, aprovado pelo Decreto n° 16.575, de 11 de setembro de 1944 e alterado pelo de n° 29.857, de 6 de agosto de 1951;

c.9) Decreto nº42.510, de 26 de Outubro de 1957 – Aprova o regimento do Serviço de Assistência a Menores ;

c.10) Decreto nº47.038 de 16 de Outubro de 1959 – Aprova o Regulamento do Ensino Industrial;

c.11) Resolução da Câmara dos Deputados nº 53, de 1956 – “Constitui uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar irregularidades ocorridas no Serviço de Assistência a Menores, subordinado ao Ministério da Justiça”. Investigando:

c.12) Lei n º 4.513, de 1º de dezembro de 1964, “Autoriza o Poder Executivo a criar a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor,

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a ela incorporado o patrimônio e as atribuições do Serviço de Assistência a Menores, e dá outras providências”

D) Diário oficial da união:De: 23/09/1954 e 14.05/1955. Em: http://jus.com.br/

busca?q=DOU&qs=allE) Peça jurídica:Habeas-Corpus nº 38.193; Brasília, 25/01/1961.

Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=55978. Acessado em 20 mai 2013).

BAZÍLIO, L. C., NORONHA, P. e SÁ EARP, M. L. Infância Tutelada e Educação: história, política e legislação. Rio de Janeiro: Ravil, 1998.

BENÁCCHIO, Rosilda. Meninos vadios: reeducação e maioridade penal aos nove anos de idade – Rio de Janeiro, 1900 – 1910. RJ: UERJ/UFF, 2003.(www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/rosildabenacchio.rtf.acesso02.07.2013)

CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

CONGREGAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO – (http://www.espiritanosbrasil.org.acesso 29.05.2013)

BRASIL:- Decreto - Lei 4.780/1903. Aprova o regulamento para a

Escola Correccional “Quinze de Novembro”. (httpciespi.org.brmediadecreto_4780_02_mar_1903.pdf.acesso23.03.2012)

- Decreto n° 3.799, de 05 de novembro de 1941. Transforma o Instituto Sete de Setembro, em Serviço de Assistência a Menores e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, DF, 11 nov. 1941. Seção 1, p. 21338.

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- Decreto n° 16.575 de 11 de setembro de 1944. Aprova o Regimento do Serviço de Assistência a Menores do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Diário Oficial, Brasília, DF, 13 de set. 1944. Seção 1, p. 15884.

- Decreto Federal 29.857 de 06 de agosto de 1951. Modifica os arts. 2º, 13 e 15 do Regimento do Serviço de Assistência a Menores do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, aprovado pelo Decreto nº 16.575, de 11 de setembro de 1944. Diário Oficial, Brasília, DF, 08 de agosto de 1951. Seção 1. p. 11724.

FILHO, Paulo Nogueira. Sangue, Corrupção e Vergonha – Sangue da mocidade, lama da corrupção e vergonha da incúria recaem sobre a mocidade brasileira, enquanto perdura a tragédia dos menores abandonados. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 1956.

HEMEROTECA DA BIBLIOTECA NACIONAL:- A Época de: 19.08.1913, 11.04.1914, 22.10.1914, 27.04.1915,

06.04.1916, 10.05.1916, 05.10.1916 e 12.02.1918. - A Manhã de: 04.07.1915.- A Noite de: 13.02.1914, 15.07.1920, 03.07.1922, 23.02.1923,

29.03.1926, 10.10.1931, 30.03.1932, 23.07.1932, 28.06.1933, 21.08.1933, 08.09.1933, 16.04.1944, 04.06.1945.

- Correio da Manhã de: 12.11.1913, 12.09.1915, 19.11.1917, 04.05.1918, 14.12.1943 e 22.12.1943.

- Diário de Notícias de: 06.02.1955.- Gazeta de Notícias de: 14.06.1914, 26.01.1916, 29.01.1916,

25.02.1916, 09.09.1916, 19.11.1916, 25.02.1917 e 07.07.1917.- Jornal do Brasil de: 13.02.1955.- O Imparcial de: 07.05.1915, 07.12.1915, 10.12.1915,

28.12.1915, 13.05.1918 e 13.11.1918.- O Paiz de: 07.08.1913, 11.05.1915, 26.05.1915, 09.09.1916,

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19.11.1916, 21.05.1918, 02.06.1918, 31.07.1918 e 13.11.1918.- O Pharol de: 11.09.1916.- O Século de: 12.08.1913, 29.09.1913 e 05.02.1915.- Revista da Semana – 1916.- Revista Fon Fon de: 1909 - edição 0050; 1913 – edição 0037;

1915 - edições 008 e 019; 1916 - edição 004; 1919 - edição 0012. JUNIOR, Moysés Kuhlmann – Instituições Pré-

Escolares Assistencialistas no Brasil. São Paulo: UNESP/Caderno de Pesquisa, p.23, 1991. (httpwww.fcc.org.brpesquisapublicacoescparquivos969.pdf.acesso02.07.2013)

MARCÍLIO, Maria Luiza. História Social da Criança Abandonada. São Paulo: Editora Hucitec – 2ª edição, 2006.

MENEZES, Lená Medeiros de. Os Indesejáveis: desclassificados da modernidade. Protesto, crime e expulsão na Capital Federal (1890-1930). Rio de Janeiro: EdUERJ, 1996.

PASSETI, Edson. “O menor no Brasil republicano”. In: DEL PRIORE, Mary. História da criança no Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, 1991.

RIZZINI, Irene. O Século Perdido: Raízes Históricas das Políticas Públicas para a Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2011.

RIZZINI, Irma. “O elogio do científico: a construção do ‘menor’ na prática jurídica”. In: RIZZINI, Irene. A criança no Brasil hoje: desafio para o terceiro milênio. Rio de Janeiro: Ed. Universitária Santa Úrsula, 1993.

SANTOS, Aderaldo Pereira dos. O Movimento Negro e a Juventude

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112

em Conflito com a Lei. Rio de Janeiro: UERJ, 2007. (Dissertação de Mestrado).

TV Ciência – Cartoteca - II CT - Centro de Documentação e Informação, Comissão de Cartografia, em Dezembro de 1906 (ht tp ://www.tvciencia .pt/tvccat/pagcat/tvccat01 .asp?pag=03&campo=ARQCAT&txt=IICT-Centro%20de%20Documentação%20e%20Informação.acesso09.07.2013)

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CÓPIAS DA HEMEROTECA DA BIBLIOTECA NACIONAL COM FOTOS REFERENTES AO PADRE SEVERINO.

ANEXOS

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MAPA FEITO PELO PADRE – TV CIÊNCIA

Mapa de região de Angola que o padre Severino ajudou a fazer em 1906.

ANEXO II

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CÓPIAS DE ALGUNS DOCUMENTOS SOBRE O PADRE SEVERINO QUE SE ENCONTRAM NO ARQUIVO DA CÚRIA.

ANEXOS III

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ANEXO IV

Evolução histórica dos órgãos executores do SAMEm 1941 – Ficam incorporados ao SAM pelo Decreto-Lei. 3.799

(cria o SAM), de 5 de Novembro de 1941:Instituto Profissional Quinze de Novembro. Atual Escola

Quinze de Novembro;Escola João Luiz Alves;Patronato Agrícola Artur Bernardes;Patronato Agrícola Venceslau Braz;

Em 1944 – são órgãos Executores do SAM pelo Dec. 16.575, de 11 de Setembro:

Instituto Profissional Quinze de Novembro (I.P.Q.N.)Patronato Agrícola Artur Bernardes (P.A.A.B.)Patronato Agrícola Venceslau Braz (P.A.V.B.)Escola João Luiz Alves (E.J.L.A.)Pavilhão Anchieta (P.A)Hospital CentraI (H.C.).

Em 1951 – são órgãos Executores do SAM pelo Dec. 29.857, de 06 de Agosto:

Instituto Profissional Quinze de Novembro (I.P.Q.N.).Escola Agrícola Artur Bernardes (E.A.A.B.).Escola Venceslau Braz (E.V.B.).Escola João Luiz Alves (E.J.L.A).Instituto Governador Macedo Soares (I.G.M.S.).Instituto Saul de Gusmão (I.S.G.).Escola Feminina de Artes e Ofícios (E.F.A.O).

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Instituto Padre Severino (I.P.S.).Hospital Central (H.C.).

Em 1956 – são órgãos Executores do SAM pelo Dec. 40.385, de 20 de Novembro:

Instituto Profissional Quinze de Novembro (I.P.Q.N.)Escola Agrícola Artur Bernardes (E.A.A.B.)Escola Wenceslau Braz (E.W.B)Escola Granja (E.G.)Casas Lar (C.L.)Escola Feminina de Artes e Ofícios (E.F.A.O.)Pavilhão Anchieta (P.A.)Instituto Governador Macedo Soares (I.G.M.S.)Escola João Luiz Alves (E.J.L.A.)Instituto Padre Severino (I.P.S.)Instituto Coração de Maria (I.C.M.)Hospital Central (H.C.)

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