Livro Doze anos Duzia de Historias

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Doze Anos Dúzias de Histórias. Elizete Aparecida da Rocha Fabre, Jeison Giovani Heiler, organizadores.

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Sistema socioeducativo

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Doze AnosDúzias de Histórias.

Elizete Aparecida da Rocha Fabre,

Jeison Giovani Heiler,

organizadores.

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Doze Anos Dúzias de Histórias. Elizete Aparecida da Rocha Fabre, Jeison Giovani Heiler, organizadores. Jaraguá do Sul, SC. Prefeitura Municipal. Secretaria de Assistência Social da Criança e do Adolescente. Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS II, 2011, 146 p.

1. Adolescentes em conflito com lei; 2. Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. 3. Sistema socioeducativo. 4. Relatos de Vida. 5. História Serviço. 6. Banco de dados.

Capa: Grafite - Denis Paulo Barbi | Juliano de Souza

Fotografia: Tanui Tavares Filho

Projeto Gráfico e Diagramação: Squeeze Comunicação

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Dedicatória

Aos jovens e adolescentes de hoje, de ontem, e de sempre.

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Epígrafe

“A experiência potencializadora da juventude, mesmo em con-dições miseráveis, é sempre mais saudável que qualquer medida oriunda de um ato de injustiça”

Texto do Curta Metragem I.N.I.C.I.A.I.S. produzido por adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no CREAS II do município de Jaraguá do Sul, SC

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Agradecimentos

Nossos agradecimentos especiais aos adolescentes, pelas lições de vida compartilhadas;

Aos pais, mães e familiares dos adolescentes atendidos pelo serviço de medidas socioeducativas, pela paciência, compreensão, abertura às nossas intervenções e visitas, nem sempre desejadas, e pelo envolvimento, em todas as vezes que foi possível;

À todas as pessoas que laboraram pela causa dos adolescentese que por aqui passaram;

A todos os profissionais da Promotoria e Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Jaraguá do Sul, que cumprem o seu papel e esclarecem nossas dúvidas;

A todas as equipes de Conselho Tutelar que se fizeram parceiras no trabalho com os adolescentes;

Às entidades conveniadas, que disponibilizaram espaços para que os adolescentes cumprissem sua medida de prestação de serviços à comunidade, com responsabilidade e acolhimento;

Aos inúmeros profissionais da rede de atendimento, que se dispõem, em conjunto, a enfrentar os desafios. Colegas da Educação, da Saúde e especialmente da Secretaria de Assistência Social, da Criança e do Adolescente, trabalhadores guerreiros, no objetivo que amenizar os conflitos da sociedade e do indivíduo.

Aos profissionais de Medidas Socioeducativas dos municípios vizinhos, que sempre se dispuseram a trocar experiências e trabalhar pela melhoria do atendimento aos jovens, esteja onde estiverem.

Por fim, cabe agradecer a Deus, muitas vezes único significado de inspiração e esperança onde as luzes humanas não conseguem mais chegar.

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Quem vai chorar pelo garoto

Quem vai chorar pelo garoto

que sente medo da vida

Quem vai chorar pelo garoto

que talvez sem querer acabou com uma vida

Quem vai chorar pelo garoto

que sente falta de amor de sua família

Quem vai chorar pelo garoto

que nunca chorou por ninguém

Quem vai chorar pelo garoto

que um dia magoou alguém

Quem vai chorar pelo garoto

que um dia amou alguém

Quem vai chorar pelo garoto

que hoje sabe o que é o amor

Quem vai chorar pelo garoto

Eu vou chorar pelo garoto

- D.R. -

Adolescente atendido no programa de medidas socioeducativas em meio aberto do município de Jaraguá do Sul no ano de 2010

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Prefácio

Honra e satisfação. Estes foram os sentimentos que me tomaram ao receber o convite para escrever o prefácio desta obra.

Atuei como Promotor de Justiça da Infância e Juventude de Jaraguá do Sul de 1997 até 2006. Já se vão 5 anos, portanto, desde que deixei de atuar nesta área, o que aconteceu em razão da instalação de mais uma Promotoria de Justiça na Comarca, que passou a ter esta atribuição. O decurso de tal período explica o primeiro sentimento: ser lembrado pelo trabalho realizado anos atrás, ser mencionado na história do Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Jaraguá do Sul e ser convidado para escrever o prefácio da presente obra, mesmo depois de ter sido sucedido por alguns colegas competentes e dedicados, deixa-me extremamente honrado.

Relembrando aqueles tempos e retornando a 1997, recordo que estávamos apenas aprendendo a engatinhar no que diz respeito à criação e funcionamento do sistema de atendimento à criança e ao adolescente. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente estivesse completando 7 anos, as mudanças trazidas pela nova lei estavam apenas começando a despontar. Vínhamos de um longo período em que crianças e adolescente eram submetidos ao Código de Menores e havia muitos paradigmas a ser quebrados. Como mudanças culturais são sempre lentas, nos idos de 1997 tudo o que dizia respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente ainda era novidade e não tínhamos em quem nos apoiar, pois éramos pioneiros nesta transformação. Em Jaraguá do Sul possuíamos apenas o Conselho Tutelar, recém instalado, mas contávamos com a vontade de mudar, de trabalhar, de fazer acontecer. Esta vontade era comungada pelo Ministério Público, pelo Serviço de Assistência Social do Poder Judiciário e pelo Poder Executivo Municipal, em

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especial pela chefia e equipe técnica da Secretaria da Família e Assistência Social (incluído aqui o Conselho Tutelar), além de voluntários envolvidos com a causa.

Foi um período de árduo trabalho, de férteis trocas de experiências e idéias, e de muito crescimento.

É realmente fantástico olhar para estes anos de história e verificar que as sementes plantadas lá atrás, em meio a um turbilhão de mudanças, regadas a muito trabalho e dedicação, germinaram, cresceram com as dificuldades e frutificaram. Isto explica o segundo sentimento: observar a importância do trabalho realizado pelo Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Jaraguá do Sul ao longo destes 12 anos e concluir que tivemos (todos os que, de alguma forma acreditaram na idéia e trabalharam, direta ou indiretamente, para implementá-la e para aperfeiçoá-la) participação no sucesso do projeto, gera uma enorme satisfação e sensação de dever cumprido.

As estatísticas apresentadas na presente obra demonstram que os objetivos do serviço estão sendo plenamente atingidos. A competência e dedicação das pessoas que já atuaram e que ainda atuam no programa estão demonstradas na preocupação não só com o cumprimento da medida socioeducativa em si, mas, principalmente, na inclusão social do adolescente, bem como de sua família. O acerto da metodologia de trabalho está demonstrado nos números: apenas 13,2% dos adolescente abandonam o cumprimento da medida socioeducativa e menos de 20% dos adolescentes reincidem na prática de atos infracionais. Resta, portanto, congratular-me com os atuais e ex-integrantes do serviço, pelos 12 anos de relevantes serviços prestados à sociedade de Jaraguá do Sul. Boa leitura a todos.

Alexandre Schmitt dos Santos

Promotor de Justiça da Comarca de Jaraguá do Sul, SC

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Apresentação

Este livro é fruto de uma construção coletiva dos profissionais que atuam no Programa de Medidas Socioeducativas em meio Aberto, de Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida no Município de Jaraguá do Sul. Sua produção foi idealizada no ano de 2010 e por mais de um ano os profissionais do serviço se debruçaram sobre esta tarefa, com o desafio de conciliar essa nova atividade à rotina ordinária de trabalhos com os adolescentes. Como produção coletiva que é, foi construído à muitas mãos. O labor aqui empreendido se fez necessário a partir de algumas demandas não atendidas, como a carência de material orientativo1 aos serviços de medidas socioeducativas, ausência de informações empíricas (dados) satisfatórios sobre o adolescente inserido no sistema socioeducativo, e as regulares investidas contra o art. 228 da CF que trata da maioridade penal atualmente fixada em 18 anos2. Este trabalho, neste sentido, tem pelo menos dois objetivos muito claros: contribuir para o aperfeiçoamento do sistema socioeducativo garantista inaugurado com o ECA (1990) e regulado pelo SINASE (2006) e constituir espaço para a versão dos adolescentes no que diz respeito a este mesmo sistema socioeducativo e das representações que deles faz a sociedade, muitas vezes eivada de preconceito e desinformação. Com vistas a este escopo, o livro traz algumas intervenções exitosas construídas com os adolescentes, e que, tanto podem constituir material orientativo como fornecer dados para discussão de novas práticas ou intervenções. Do mesmo modo a articulação de um banco de dados tornou possível identificar o perfil dos adolescentes que frequentaram o serviço nos últimos doze anos. Dados que permitem saber, por exemplo, que

1 Sempre cônscios de nossos próprios limites e defasagens. Nesse sentido, este material serve de registro das ações e práticas levadas a cabo pelo serviço, o que o torna também alvo de críticas e sugestões de aprimoramento, o que de qualquer modo serve aos objetivos de oxigenar o debate sobre o sistema socioeducativo.

2 Campos (2007), identificou pelos menos 21 PEC – Propostas de Emenda à Constituição - com propostas de redução da maioridade penal para 16 e até 14 anos de idade, as justificativas variam e em muitos casos representam visões preconceituosas, desinformadas e destorcidas do adolescente a quem se imputa o ato infracional.

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as infrações mais cometidas são furto, porte entorpecente e brigas (60%), que 43,5% dos adolescentes trabalhavam no momento da infração, que 62,8% provêm de famílias cujo principal mantenedor é assalariado, autônomo ou aposentado (faixas inferiores de renda) e que a maioria absoluta, apesar de estar inserida na escola, encontra-se em situação de déficit escolar. Informações que tomadas em conjunto revelam um sério quadro de vulnerabilidade destes adolescentes e desconstroem a comum representação dos adolescentes em conflito com a lei feita pela sociedade. Nos relatos de vida construídos pelos adolescentes abre-se a possibilidade de diálogo direto com os jovens. Relatos cheios de sentimento de injustiça, mágoa e revolta mas também de gratidão e alegria. Dialogar diretamente com o adolescente proporciona a possibilidade única de apropriação de suas histórias e do complexo significado que podem assumir no sistema socioeducativo. O livro resume assim, doze anos, dúzia de histórias e centenas de conflitos que emaranham os jovens, as famílias, a sociedade e toda a rede de atendimento socioeducativo.

Elizete Aparecida da Rocha Fabre

Jeison Giovani Heiler

Organizadores

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SUMÁRIO

PREFÁCIO

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 15

1. HISTÓRICO DO SERVIÇO EM JARAGUÁ DO SUL .......................................... 17

1.1. Implantação ........................................................................................................... 17

1.2. Consolidando o Trabalho ................................................................................... 18

1.3. Formação da Equipe Mínima ............................................................................. 19

1.4. O adolescente e a lei .......................................................................................... 22

1.5. Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – PSC e LA .............................. 24

1.5.1 Prestação de Serviços à Comunidades – PSC ...................................... 24

1.5.2. Liberdade Assistida – LA ........................................................................... 25

2. MODELOS E PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO ..................................................... 27

2.1. Oficina de Educação Ambiental ........................................................................ 27

2.2. Projeto Encorajar: ................................................................................................ 30

2.3. Oficina de Grafite ................................................................................................ 31

2.4. Projeto Fazendo Cena – Produção Curta Metragem I.N.I.C.I.A.I.S. ........ 32

2.5. Oficina de Preparação para o Mercado de Trabalho ................................... 36

3. PERFIL DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI – RELATÓRIO BANCO DE DADOS – 12 ANOS DO PROGRAMA DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO ........................................................................................................... 39

3.1 Metodologia ........................................................................................................... 39

3.2 Dados individuais e socioeconômicos ............................................................. 40

3.2.1 Sexo dos adolescentes ............................................................................... 40

3.2.2 Idade dos adolescentes ............................................................................. 41

3.2.3. Situação de emprego ................................................................................. 42

3.2.4 Profissão do principal mantenedor familiar .......................................... 43

3.2.5. Renda familiar do adolescente ................................................................. 44

3.2.6. Domicílio dos adolescentes ..................................................................... 45

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3.3. Dados composição familiar .............................................................................. 46

3.3.1 Composição familiar– Com quem o adolescente mora? ................... 46

3.3.2. Estado Civil Pais .......................................................................................... 46

3.4. Dados escolarização dos adolescentes ........................................................... 47

3.4.1. Situação escolar ......................................................................................... 47

3.4.2. Grau de Instrução ..................................................................................... 48

3.4.3. Escolaridade ................................................................................................. 49

3.4.4. Escolaridade segundo idade do adolescente em conflito com a lei 50

3.4.5. Adolescentes em escolas públicas ........................................................... 51

3.4.6. Escolaridade Principal Mantenedor Familiar ......................................... 51

3.5. Dados comportamentais .................................................................................... 52

3.5.1. Uso de substâncias psicoativas ................................................................ 52

3.5.2. Uso de substâncias psicoativas por sexo .............................................. 53

3.5.3. Ato Infracional ............................................................................................. 54

3.6. Dados descritivos da medida aplicada ao adolescente ................................ 55

3.6.1. Assistência jurídica técnica por advogado ou defensor dativo ......... 56

3.6.2. Tipos de medidas aplicadas aos adolescentes ..................................... 56

3.6.3. Cumprimento das medidas ...................................................................... 57

3.6.4. Duração efetiva da medida socioeducativa ........................................... 58

3.6.5. Evolução de atendimentos no tempo .................................................... 58

3.6.6. Local do Cumprimento da Medida Socioeducativa ............................ 59

3.6.7. Reincidência em Medida Socioeducativa ............................................... 60

3.6.8. Passagem por outros serviços da rede de proteção .......................... 60

3.7. Explicando a reincidência ................................................................................... 61

3.7.1. Reincidência por ano ................................................................................. 61

3.7.2. Reincidência segundo sexo ....................................................................... 61

3.7.3. Reincidência segundo idade ...................................................................... 62

3.7.4. Reincidência em Medida Socioeducativa segundo uso psicoativos 63

3.7.5. Reincidência em Medida Socioeducativa segundo escolaridade ...... 63

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3.8. Explicando o uso de psicoativos ....................................................................... 64

3.8.1. Incidência do uso de psicoativos por ano ............................................. 64

3.8.2. Uso psicoativos segundo idade do adolescente .................................. 65

3.8.3. Uso psicoativos segundo pessoas com quem mora o adolescente 66

3.8.4. Uso psicoativos segundo estado civil pais do adolescente ............... 66

3.8.5. Uso psicoativos segundo situação escolar ........................................... 67

3.8.6. Uso psicoativos segundo situação de emprego ................................... 68

Consolidando as Análises .................................................................................... 69

4 - RELATOS DE VIDA DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI ... 77

Um grande aprendizado............................................................................................. 79

Vivendo e aprendendo ............................................................................................... 80

Minha vida no papel ................................................................................................... 81

Minha história de vida ................................................................................................ 82

Minha história............................................................................................................... 83

A Confusão! ................................................................................................................. 84

O retorno da Vida ....................................................................................................... 85

Um ato de erro .............................................................................................. 87

Historia da minha vida .............................................................................................. 88

A Vida em vinte minutos ............................................................................................ 89

Uma lição de vida ....................................................................................................... 91

Mudar ............................................................................................................................. 92

Escolha o seu caminho ............................................................................................... 93

O reinício ...................................................................................................................... 97

Superação ...................................................................................................................... 98

Minha História ............................................................................................................. 99

Minha Vida ................................................................................................................... 100

Agora eu pago! ........................................................................................................... 101

A história de um garoto .......................................................................................... 102

Acontecimentos ........................................................................................................ 103

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- Sem título - .............................................................................................................. 104

A história de um rapaz ............................................................................................. 105

História de Marcos ................................................................................................... 106

Minha história.............................................................................................................107

J. ..................................................................................................................................... 108

Agora sou um cara .................................................................................................... 110

5. PALAVRAS FINAIS...................................................................................................... 111

5.1.Casos Marcantes ................................................................................................. 111

Caso 1 - A História de L. ......................................................................................... 112

Caso 2 - ...................................................................................................................... 114

Caso 3 - .................................................................................................................... 115

5.1. Depoimentos dos trabalhadores e orientadores ...................................... 116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 123

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INTRODUÇÃO

A esperança não é para amanhã. A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança porque esta palavra significa sobretudo espera. E a esperança é já. (Clarice Lispector, 1994, p. 505)

Doze anos, dúzias de histórias, nasceu da atividade de escrita de histórias de vidas realizadas na ”oficina de leitura e escrita” orientados pela pedagoga do Centro de Referência Especializado de Assistência Social.

O livro inicia com a história do Serviço mostra a trajetória do trabalho realizado desde a sua implantação até o momento presente, relatando sobre as atividades, os profissionais envolvidos, as dificuldades e os objetivos atingidos.

O segundo capítulo apresenta modelos e práticas de intervenção desenvolvidos no serviço, que tanto poderão orientar profissionais que estão iniciando seu percurso nesta prática, como para servir de instrumental para a discussão da efetividade das medidas aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei.

O terceiro capítulo apresenta o relatório sintetizando os resultados do banco de dados que busca analisar o perfil do adolescente que cumpre medida socioeducativa em meio aberto no município de Jaraguá do Sul, reunindo dados a) relativos a aspectos individuais da pessoa do adolescente e aspectos socioeconômicos; b) dados relativos à sua composição familiar; c) dados referentes à escolarização do adolescente; d) dados comportamentais, e e) dados relativos às medidas socioeducativas aplicadas e cruzamentos de dados com vistas a investigar possíveis

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associações entre reincidência e o uso de substâncias psicoativas com outras estas variáveis explicativas.

O quarto capítulo traz os relatos de vida dos adolescentes em conflito com a lei. Trata-se de relatos de jovens cheios de vida, adolescentes com muitos sonhos e planos, porém, muitas vezes marcados por negligências, maus-tratos, falta de oportunidades, preconceito, perdas, ganhos, que, apesar de terem vivenciado experiências tão duras, conseguem descobrir seus valores, em busca da superação.

Oportunizar que os adolescentes expressem suas histórias é um grande passo para refletir sobre suas vidas, seu cotidiano, suas escolhas, sobre o ato infracional, suas dificuldades e, principalmente a respeito de seus projetos para o futuro.

O quinto capítulo discorre sobre alguns casos marcantes e intervenções realizadas pela equipe técnica do serviço e traz a impressão dos profissionais e entidades envolvidos com a causa do adolescente em conflito com a lei durante esses doze anos

É uma oportunidade de dialogar com os inúmeros leitores interessados pela causa. Nossa esperança enquanto educadores é de sensibilizar e alertar a sociedade sobre o preconceito que ainda vigora em relação a estes adolescentes e fortalecer a vontade de todos na busca de melhores condições de vida para essa juventude.

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1. HISTÓRICO DO SERVIÇO EM JARAGUÁ DO SUL

1.1. Implantação

O Serviço iniciou em fevereiro de 1999 em decorrência da solicitação do Ministério Público e do Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Jaraguá do Sul, por conta da crescente demanda de adolescentes autores de ato infracional que até então eram atendidos pela assistente social forense.

Na época, a equipe era composta por uma assistente social e uma pedagoga (trabalhando somente dezesseis horas semanais) e o Serviço funcionava na Casa da Serenidade. Essas profissionais eram responsáveis pela acolhida, pelo atendimento ao adolescente e família, encaminhamento e acompanhamento dos mesmos às escolas e às entidades conveniadas onde eles cumpriam a medida socioeducativa.

Os adolescentes que por aqui passavam cometiam atos infracionais variados: desde furto de uma barra de chocolate cumprindo por exemplo a medida socioeducativa de Prestação de serviços à comunidade de um mês, até latrocínio, cuja medida geralmente era de internação em Centros de Internamento Provisórios e Centros Educacionais Regionais. Realizava-se visitas a esses locais pois, após o cumprimento nessas instituições os adolescentes retornavam ao programa com uma medida de liberdade assistida sendo acompanhados pela assistente social e pela pedagoga.

Junto com a crescente demanda de adolescentes, apareceu a dificuldade de encontrar entidades conveniadas para encaminhá-los. Procurou-se algumas instituições (hospitais, Ajadefi/ Associação Jaraguaense de Deficientes Físicos, escolas municipais e estaduais, igrejas e programas sociais) a fim de informar sobre o objetivo do trabalho, sensibilizando-os para o acolhimento do adolescente e, em contrapartida, se oferecia o apoio técnico à instituição conveniada.

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Somos filhos da ditadura e o preconceito com os adolescentes em conflito com a lei também estava presente na equipe profissional e teve de ser trabalhado. Como o trabalho era novo e o desafio era grande, a equipe buscou aperfeiçoamento, participando de vários cursos, visitou programas de outros municípios, adquiriu literaturas da área e contava com o apoio efetivo e sistemático da assistente social forense Denise de Cássia Kühl e do promotor da Vara da Infância e Juventude Dr. Alexandre Schmitt dos Santos.

O tempo foi passando, a demanda de trabalho aumentando e com isso, houve o ingresso de uma psicóloga por oito horas semanais de trabalho, que com muita propriedade, orientou, dando suporte psicológico à equipe, aos adolescentes e famílias.

Na oportunidade, também foram criadas oficinas de trabalho como mais uma opção de cumprimento das medidas e, principalmente com o objetivo de trazer o adolescente mais próximo do programa a fim de refletir sobre o ato infracional e sua responsabilização.

A primeira oficina criada foi a “Oficina de Educação Ambiental” fundamentada pela pedagogia freiriana e as ideias de Leonardo Boff, Clodoaldo Cardoso entre outros autores holísticos. Nela o objetivo principal é despertar o cuidado consigo mesmo, ou seja, trabalhar a sua ecologia interna (autoestima, valores pessoais, cuidado com o corpo) e também a ecologia externa que diz respeito às escolhas no seu cotidiano (vida escolar, amizades, relacionamento familiar, construção do projeto de vida) bem como o respeitar e cuidar de todos os demais seres vivos do planeta .

A riqueza do trabalho realizado até hoje está na construção mútua de uma proposta pedagógica singular, pois a equipe não tem modelos prontos, a aprendizagem acontece com a necessidade e o envolvimento do grupo.

1.2. Consolidando o Trabalho

E assim os profissionais envolviam-se e conheciam ainda mais a realidade das famílias. Em 2002, verificou-se um número significativo de mães iletradas e que manifestaram o desejo de retornar aos estudos, porém, sentiam-se desencorajadas. No mesmo ano foi criado e executado o “Projeto Encorajar” coordenado pela pedagoga do Serviço e tinha como objetivo principal: incentivar as mães dos adolescentes à retomada dos estudos. Eram realizados encontros semanais e a metodologia aplicada era fundamentada pelo método freiriano.

Algumas alunas foram alfabetizadas neste projeto e também ingressaram no ensino fundamental em escola de ensino supletivo.

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Vale ressaltar algumas lembranças significativas desta época, como a história da dona Ana que refletia sobre o grande valor da alfabetização na sua vida : “Depois que aprendi a ler não preciso pedir aos outros para lerem os preços das mercadorias no supermercado, as placas dos ônibus...agora eu enxergo o mundo de outra maneira!”

Outra reflexão feita pela mesma mulher, foi a respeito da sua assinatura nos processos do filho, que no primeiro foi com a sua digital e o segundo, foi a escrita legível do seu nome completo.

1.3. Formação da Equipe Mínima

Anos depois a equipe novamente se modifica, houve a troca de assistente social e de psicóloga, e também a vinda da terapeuta ocupacional.

Os profissionais foram se capacitando e aperfeiçoando. Pode-se dizer que a equipe foi desenvolvendo um verdadeiro trabalho interdisciplinar que se traduziu na busca por especialização acadêmica. Cursos na área do adolescente em conflito com a lei, encontros com profissionais atuantes em medidas socioeducativas de municípios vizinhos, visita a serviços de outras cidades para conhecer a forma de trabalho dos mesmos e aproximação de teorias e teóricos que se debruçam sobre essa área.

Verificamos que o resultado do trabalho seria eficaz se observássemos o que preconiza o SINASE (Sistema nacional de Atendimento Socioeducativo) e o Estatuto da Criança e do Adolescente: entendimento do jovem como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento e o caráter socioeducativo das medidas de responsabilização, ou seja, a importância do aspecto pedagógico da medida.

Por isso, foram criadas outras oficinas de trabalho, através das quais o adolescente teria a oportunidade de refletir um tema de relevância para a sua vida e voltado aos interesses da sua idade.

Foram criadas as Oficinas de Preparação para o Mercado de Trabalho, Grafite e Cinema e também o Grupo de Mães que visa integrar a família ao serviço de Medidas socioeducativas, além de proporcionar um espaço de troca de experiências, aprendizado de técnicas artísticas e lazer.

Todas as oficinas buscam na arte (plástica, dramática etc) um meio de expressão de ideias, sentimentos e organização interna dos adolescentes em conflito com a lei, na construção da sua identidade. Há a preocupação sempre voltada ao desenvolvimento do potencial tanto do adolescente atendido quanto de sua família como um todo. Neste sentido, é oferecido ao jovem atendimento psicológico individual e familiar acompanhando outros profissionais nas oficinas, em visitas domiciliares, escolares ou institucionais.

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Cada pessoa é vista a partir de suas potencialidades, de sua capacidade de superação e busca de um projeto de vida saudável, de identificação das habilidades pessoais e das oportunidades que a sociedade oferece. Busca-se refletir com o jovem atendido o seu papel como sujeito de sua história e como agente de transformação social. Uma reflexão que vai muito além da situação de infração, no sentido de tentar identificar em si mesmo, na sua dinâmica familiar, comunitária e social, instrumentos para superar o conflito com a lei e criar alternativas que possibilitem a construção de um projeto de vida que lhe traga satisfação pessoal e realização enquanto cidadão consciente de seus direitos e deveres sociais.

As medidas socioeducativas em meio aberto visam a reflexão do adolescente. Ao dar início ao cumprimento da sua medida, este adolescente receberá atendimentos grupais e individuais, o que lhe fará perceber que ele está sendo responsabilizado por sua infração e não penalizado. Isto favorecerá a sua possibilidade de transitar na sociedade e o repensar de suas atitudes.

No decorrer do primeiro contato do adolescente com o serviço, a este solicita-se, já na entrevista inicial que construa com os pais ou responsável, o plano individual de atendimento (PIA), onde o profissional terá contato com a dinâmica de vida do adolescente, seu hábito familiar, elos sociais, bem como conhece-se as aspirações e interesses. Esta dará subsídios quanto as potencialidades, capacidades e limitações do adolescente, aspectos estes que serão amplamente discutidos e trabalhados no decorrer do cumprimento da medida.

Este é o grande desafio da equipe junto aos adolescentes atendidos pelo serviço, ser a interlocutora destes sujeitos, mediar entre as instituições os projetos e os novos conhecimentos, novas linguagens, novas perspectivas, novas culturas práticas para constituírem a construir seus respectivos projetos de vida.

Ao longo dos anos de vivência com adolescentes autores de ato infracional, no desafio profissional de lutar por seus direitos e, ao mesmo tempo, alcançar-lhes a cidadania, a recuperação dos vínculos familiares e a construção de novos projetos de vida, tivemos resultados e também dificuldades.

Ajudá-los a viver e co-priorizar e apoiar serviços socioeducativos em meio aberto, nos moldes das medidas de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida, de maneira comprometida, por seus agentes, fortalecerá o entendimento que a sociedade brasileira não precisa da redução da idade penal, nem do aumento do tempo de internação de adolescente. Viver consigo mesmo e com uma sociedade excludente, discriminadora e primitiva, que os rotula por termos como “violentos”, “rebeldes”, “desajustados”- acolhê-los e recuperar sua autoestima é uma luta de longo alcance e de perseverança.

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“Sentir-se parte deste mundo”, desta sociedade é o desejo deste meninos e meninas. Para muitos, a infância foi difícil e de intensas privações. Dezenas de relatos da história destes adolescentes, traduzem uma vida de violência, necessidades materiais, afetivas e negligências. Muitos não conheceram seus pais e tiveram que enfrentar a vida desde pequenos, tomando conta de si e dos irmãos menores.

Não conheceram carinho, nem respeito e agora são considerados culpados diante da lei, por atos decorrentes do fato de não lhes terem sido concedidos as condições mínimas de sobrevivência.

Acreditar nestes jovens, compreender as múltiplas razões de suas atitudes, resgatar o potencial humano e a dignidade que lhes sobrou, estabelecendo relações de afeto e de verdade, é o caminho possível para a inclusão e de direitos.

Acredita-se que, investir em projetos socioeducativos em meio aberto com uma política pedagógica que respeite as condições próprias da adolescência, que lhes mostre formas justas e adequadas de reparação e recuperação de seus erros, efetiva-se a partir de políticas de inserção na família, na escola e na comunidade.

Além de profissionais, os trabalhadores desta equipe também são orientadores de referência e nossa presença junto aos jovens, demanda uma pedagogia do coração, uma capacidade de refletir de modo construtivo na vida do adolescente, estabelecendo uma relação de confiança, solidariedade, compromisso e respeito por seu processo: “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.”

Ao oportunizar a construção de outros projetos de vida e superação de dificuldades e problemas vivenciados no cotidiano, tanto os adolescentes quanto suas famílias, passam a ser sujeitos protagonistas de suas escolhas e podem crescer em dignidade como seres humanos e cidadãos.

Através de orientações, acompanhamentos, visitas, abordagens e encaminhamentos, passa-se a compreender onde o delito se inscreve na trajetória de vida do adolescente e encontra-se meios para ajudá-lo a reconstruir seus caminhos.

No processo de intervenção socioeducativa, o adolescente é oportunizado a adotar novas formas de relacionamento, favorecendo seu desenvolvimento, sua capacidade de discernir, de agir, de enfrentar as situações de conflito com autonomia e responsabilidade.

Trabalhar com jovens em conflito com a lei, constitui duplo desafio, pois trata-se de vidas que se encontram em conflito consigo mesmos e com o mundo, com sua identidade em construção, fragilizados e vulneráveis nesta sociedade que propaga os valores do consumismo, o hedonismo e omissa quanto aos deveres com os seus jovens e adolescentes.

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Ninguém nasce infrator. Adolescentes são portadores de vida nova e mudanças. Os meninos e meninas de hoje, precisam de espaços de inclusão, políticas públicas de qualidade, respeito e bons exemplos dos pais, educadores, da comunidade e sociedade em geral.

É preciso disseminar ações positivas envolvendo os jovens, valorizar e oportunizar espaços que os tornem protagonistas, criar oportunidades de qualificação e profissionalização de seu interesse, favorecendo seu autoconhecimento e descobrindo seu valor e potencial.

Defendemos a ideia de que, priorizar e apoiar serviços socioeducativos em meio aberto, nos moldes das medidas de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida, de maneira comprometida, por seus agentes, fortalecerá o entendimento que a sociedade brasileira não precisa da redução da idade penal, nem do aumento do tempo de internação de adolescente.

1.4. O adolescente e a lei

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069/90 contrapõe-se historicamente a um passado de controle e de exclusão social. O ECA afirma o valor intrínseco da criança e do adolescente como ser humano, a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento, o valor prospectivo da infância e adolescência como portadoras de continuidade do seu povo e o reconhecimento da sua situação de vulnerabilidade

o que torna as crianças e adolescentes merecedores de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado; devendo este atuar mediante políticas públicas e sociais na defesa e promoção dos seus direitos. (SINASE, 2006, p. 15)

São priorizados porque são respeitados na condição peculiar da criança e do adolescente como “pessoas em desenvolvimento” (art. 6º da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente). Esta noção de pessoas em desenvolvimento, faz com que surjam opiniões divergentes, especialmente no tocante ao atendimento dispensado aos adolescentes em conflito com a lei. A diversidade de opiniões vem culminando, inclusive, com a proposta de redução da idade penal de 18 para 16 anos.

Há os que consideram as medidas previstas pelo Estatuto uma verdadeira possibilidade de construção de uma vida social diferente para os adolescentes

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que cometem ato infracional e há os que não acreditam em mudanças para estes jovens, restando como única saída a redução da idade penal para a contenção da violência nos dias de hoje.

Muitas vezes, os adeptos desta proposta desconhecem as implicações legais que o Estatuto prevê no caso de um adolescente cometer um ato infracional, e concluem, erroneamente, que os adolescentes não são responsabilizados pelos seus atos.

A Lei nº 8.069/90 – ECA, instituiu dois grupos de Medidas Socioeducativas - MSE: a) não privativas de liberdade (Advertência, Obrigação de reparar o dano, Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida) a serem cumpridas em meio aberto e b) privativas de liberdade (Semiliberdade e Internação) geralmente cumpridas em regime semiaberto ou fechado.

A natureza jurídica da medida socioeducativa tem dividido opiniões. De um lado há os que sustentam que a MSE é despida de carater sancionatório e, por assim dizer, punitivo. De outro, os que afirmam que as MSE comportam aspectos de natureza coercitiva, vez que são punitivas aos infratores e comportam:

aspectos educativos no sentido da proteção integral e de disponibilizar o acesso à formação e informação, sendo quem em cada medida esses elementos apresentam graduação, de acordo com a gravidade do delito cometido e/ou sua reiteração. (MAIOR NETO, 1992, p. 340)

É inegável, contudo, que o ECA inaugurou uma nova perspectiva, de empoderamento com uma clara opção de inclusão social do adolescente e que se coaduna com a doutrina da proteção integral (SINASE, 2006, p. 15), em antítese ao velho paradigma da situação irregular (Código de Menores – Lei nº 6.697/79). Inobstante, constata-se o caráter impositivo (coercitivo), sancionatório e retributivo das medidas socioeducativas.

É impositivo, porque a medida é aplicada independentemente da vontade do infrator; é sancionatório, porque, com a ação ou omissão, o infrator quebra a regra da convivência social; é retributivo, por ser uma resposta ao ato infracional praticado. (LIBERATI , 2003, p. 127)

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Todavia, embora agregada à natureza aflitiva, a medida socioeducativa, como o próprio nome sugere “é executada com finalidade pedagógico-educativa, para inibir a reincidência, como prevenção especial e garantir a efetivação da justiça” (LIBERATI, 2006, p. 370).

O debate em torno da natureza das Medidas Socioeducativas, sem dúvidas é bastante acirrado, porque inserido num campo de tensão, cujas consequências podem afirmar ou não políticas públicas protetivas do Estado ao público adolescente.

Para amadurecimento do debate e sua progressão com vistas à melhor resposta social possível, faz-se necessário acumular elementos fáticos que possam enriquecer a discussão. É justamente nesta perspectiva que este trabalho espera inserir-se apresentando um banco de dados que possa apontar alguns caminhos no que diz respeito às práticas infracionais e seu constrangimento por parte do Estado por intermédio do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo3.

Vale destacar que, segundo dados do ILANUD (Instituto Latino- Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente) no ano de 2000, menos de 10% dos delitos praticados em todo país foram cometidos por adolescentes, dos quais, apenas 8% foram contra a vida.

1.5. Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – PSC e LA

1.5.1 Prestação de Serviços à Comunidades – PSC

A medida de Prestação de Serviços à Comunidade consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários. As tarefas serão atribuídas segundo as aptidões dos adolescentes, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada de trabalho. Não admite-se a execução da medida como prestação de trabalho forçado e de maneira vexatória. (ECA, art.117, 112, § 2º)

Estabelece o SINASE que a medida de Prestação de Serviços à Comunidade deve ser considerada como prestação de serviços de relevância comunitária pelo adolescente, buscando “uma ação pedagógica que privilegie a descoberta de novas potencialidades direcionando construtivamente seu futuro”. (SINASE, 2006, p. 43)

3 O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA - editou através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos SEDH, o SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Sócioeducativo, convertido no Projeto de Lei 1.627/2007, documento que regula a exedcução das MSE.

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Oficina de Inclusão Digital com adolescentes em cumprimento de medida de Prestação de

Serviços à Comunidade – PSC (2008)

1.5.2. Liberdade Assistida – LA

O Estatuto da Criança e do Adolescente não fixou o conceito de Liberdade Assistida, Todavia, pode-se afirmar que é uma medida “de caráter socioeducativo em que o adolescente encontra-se limitado em alguns de seus direitos devido às condições impostas para que sejam atingidos os objetivos pedagógicos” (Figueiredo, 1998, p. 37)

O cumprimento em meio aberto da medida socioeducativa de liberdade assistida tem como objetivo

estabelecer um processo de acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente. Sua intervenção e ação socioeducativa devem estar estruturadas com ênfase na vida social do adolescente (família, escola, trabalho, profissionalização e comunidade) possibilitando, assim, o estabelecimento de relações positivas que é a base de sustentação do processo de inclusão social (…) o programa deve ser o catalisador da integração e inclusão social desse adolescente (SINASE, 2006, p. 44)

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2. MODELOS E PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO

Neste capitulo apresentamos alguns modelos de práticas de intervenção que julgamos exitosos no contexto socioeducativo. Estas atividades foram desenvolvidas tendo por horizonte o que dispõe o SINASE nos parâmetros da gestão pedagógica no atendimento socioeducativo

O adolescente deve ser alvo de um conjunto de ações socioeducativas que contribua na sua formação, de modo que venha a ser um cidadão autônomo e solidário, capaz de se relacionar melhor consigo mesmo, com os outros e com tudo que integra a sua circunstância e sem reincidir na prática de atos infracionais. Ele deve desenvolver a capacidade de tomar decisões fundamentadas, com critérios para avaliar situações relacionadas ao interesse próprio e ao bem-comum, aprendendo com a experiência acumulada individual e social, potencializando sua competência pessoal, relacional, cognitiva e produtiva (SINASE, p. 46)

Nesse sentido o serviço articulou diferentes oficinas socioeducativas ao longo da sua história dentre as quais destacamos a que seguem, e que tanto poderão orientar profissionais que estão iniciando seu percurso nesta prática, como para servir de instrumental para a discussão da efetividade das medidas aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei.

2.1. Oficina de Educação Ambiental

A primeira oficina criada foi a “Oficina de Educação Ambiental” fundamentada pela pedagogia freiriana e as ideias de Leonardo Boff, Clodoaldo Cardoso entre outros autores holísticos.

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Nela o objetivo principal é despertar o cuidado consigo mesmo trabalhando a sua ecologia interna (autoestima, valores pessoais, cuidado com o corpo) e também a ecologia externa que diz respeito às escolhas no seu cotidiano (vida escolar, amizades, relacionamento familiar, construção do projeto de vida...) bem como respeitar e cuidar de todos os demais seres vivos do nosso planeta. Clodoaldo Cardoso resume o que se pretende abordar, quando diz que:

Todos os valores apresentados podem ser sintetizados em apenas um: a PAZ. Na abordagem holística paz é sinônimo de ecologia profunda que abrange a paz consigo mesmo (ecologia pessoal); a paz com os outros (ecologia social) e a paz com a natureza (ecologia natural). Estas três dimensões da ecologia estão intrinsecamente ligadas, sem que uma possa efetivar-se sem as outras (…). (1995, p.72)

Adolescente participando da Oficina de Educação Ambiental Construção do jardim (2010)

A oficina, ainda está em funcionamento, e é dividida em três momentos: Momento de Sensibilização que consiste no desenvolvimento de práticas como meditação, técnicas de respiração e relaxamento; Momento de Informação que visa o estudo de temas relacionados ao cotidiano dos adolescentes (autoestima, valores pessoais, cuidado com o corpo, vida escolar, amizades, relacionamento familiar, construção do projeto de vida...) sempre elaborados com o grupo de adolescentes.

E o Momento de Transformação que são atividades laborativas de horta e jardinagem e aula de artesanato transformando o “material reciclado em arte, a semente em alimento e as emoções em boas ações.” O trabalho na oficina,

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muitas vezes culmina em uma bela obra de arte construída pelos adolescentes, externando a sua visão de mundo, refletindo as suas experiências, apontando novos caminhos, como uma releitura da própria vida.

A riqueza do trabalho realizado até hoje está na construção mútua de uma proposta pedagógica singular, pois a equipe não tem modelos prontos, a aprendizagem acontece com a necessidade e o envolvimento do grupo.

Adolescente participando da Oficina de Educação Ambiental Plantio de mudas frutíferas para

recuperação da Mata Ciliar (2008)

Justificativa: O SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) estabelece que a medida socioeducativa deve enfocar o caráter pedagógico. Além disso, a atividade proposta constitui-se como forma de canalizar as energias dos adolescentes de forma saudável.

Avaliação: Será feita pela equipe coordenadora da oficina, para verificação do alcance dos objetivos, juntamente com os adolescentes participantes.

Desligamento: Acontecerá ao fim do período de acompanhamento da Medida Socioeducativa determinada judicialmente.

Recursos Humanos: Pedagoga, Orientador Social, Terapeuta Ocupacional e Psicóloga.

Recursos Materiais: Adubo orgânico, sementes e mudas de plantas, ferramentas de jardinagem, livros, revistas, jornais, tintas diversas, pinceis, folhas de papeis, canetas, lápis, borrachas, colas, tecidos, linhas, tesouras, botões, manta acrílica...

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Metas do projeto: Atender todos os adolescentes em cumprimento de medida de PSC do CREAS II. Cultivar diferentes tipos de plantas. Despertar interesse e cuidado com o meio ambiente e consigo mesmo.

2.2. Projeto Encorajar :

Objetivo Geral: Incentivar as mães dos adolescentes à retomada dos estudos.

Objetivos Específicos: Desenvolver atividades de leitura e escrita; Realizar debates em classe de temas cotidianos do grupo; Vivenciar o cotidiano das alunas: pesquisando preços em estabelecimentos comerciais, passeando pelas ruas lendo placas e anúncios em geral; Praticar técnicas de respiração, meditação e relaxamento;

Justificativa: Fomentar o letramento às mães a fim de promover a inclusão social e melhores condições de vida;

Operacionalização/Metodologia: A oficina realizar-se-á através de encontros semanais com a duração de duas horas e, baseado no método de Paulo freire, a metodologia consistirá em: a) Observar e levantar o universo vocabular do grupo; b) Discutir sobre o cotidiano das mães (suas vivências, dificuldades); c) Selecionar palavras que fazem parte da realidade com o grupo (que servirão de palavras geradoras). Para ratificar a importância das palavras geradoras, Brandão (1985, p.29) justifica que: “Procurando palavras geradoras o trabalho de descobri-las é, ele mesmo, um momento gerador, um momento de trabalho comum de que as outras etapas do método serão outras situações comuns de uma descoberta aprofundada.” Podem gerar novas discussões e aprendizagens da palavra escrita, lida e falada com profundo significado para o grupo. Mediante o esgotamento do debate da palavra escolhida chega o momento seguinte: d) Decompor as palavras geradoras em sílabas para o estudo das famílias silábicas. Paulo Freire (1980, p. 112) explica que essas palavras “São aquelas que, decompostas em seus elementos silábicos, propiciam, pela combinação dêsses elementos silábicos, a criação de novas palavras.”

Prazo Execução: anual (fev/2002 a dez/2002)

Recursos Humanos: Pedagoga.

Recursos Materiais: livros, revistas, jornais, tintas diversas, pinceis, folhas de papeis, canetas, lápis, borrachas, colas, cadernos, tesouras, quadro de giz, DVD, aparelho de som, TV;

Metas da Oficina: Desenvolver atividades de leitura e escrita; Realizar debates em classe de temas cotidianos do grupo; Vivenciar o cotidiano das alunas: pesquisando preços em estabelecimentos comerciais, passeando pelas ruas lendo placas e anúncios em geral; Praticar técnicas de respiração, meditação e relaxamento;

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2.3. Oficina de Grafite

Objetivo Geral: Usar a técnica de grafitagem como forma de expressão artística de temas trabalhados com os jovens como solidariedade, direitos e deveres, projeto de vida, etc.

Objetivos Específicos: Estimular os jovens à expressão artística; Possibilitar meios de representação de idéias através de imagens; Refletir o grafite como arte e não como vandalismo (a pixação é condenada) e, como tal, deve ser realizado em locais apropriados.

Justificativa: O jovem de hoje precisa encontrar um canal de expressão de sua subjetividade, deixando sua marca no mundo de forma responsável e saudável, sendo a grafitagem uma forma de arte que surgiu no meio jovem e que manifesta sua capacidade criadora, constituindo-se de um meio para reflexão de diversas temáticas relevantes para desenvolvimento dos adolescentes

Operacionalização/Metodologia: Encontros mensais com orientação de técnicas de grafitagem por artista da área, voluntário, com acompanhamento da pedagoga e psicóloga do Programa de MSE.

Avaliação: Será feita pela equipe coordenadora da oficina, para verificação do alcance dos objetivos, juntamente com os adolescentes participantes.

Desligamento: Acontecerá ao fim do período de acompanhamento da MSE determinada judicialmente e poderá sofrer alteração em casos esporádicos. a partir da avaliação da equipe coordenadora.

Recursos Humanos: Instrutor técnico – área artística – voluntário, pedagoga, psicóloga.

Grafite produzido com adolescentes do serviço em Oficina integrante da Conferência Municipal

da Criança e do Adolescente em 2009.

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Recursos Materiais: Chapas de madeira para realização das obras, tinta spray, tinta fundo, pinceis, papel para esboço.

Metas do projeto: Oferecer alternativa de trabalho pedagógico, de expressão subjetiva e artística a todos os adolescentes que cumprem PSC na Casa da Serenidade e que estejam em acompanhamento pós egresso, até novembro de 2008, como projeto piloto a ser implantado definitivamente em 2009.

2.4. Projeto Fazendo Cena – Produção Curta Metragem I.N.I.C.I.A.I.S.

Porque?

Este projeto nasceu da necessidade de realizar uma discussão diferenciada com os adolescentes a respeito da sua realidade, como fruto, principalmente, conforme entendemos, na linha sociológica de Francisco de Oliveira, de uma conformação social, histórica, política, que ultrapassa em muito as raias das possibilidades do próprio indivíduo.

Matéria jornalistica publicada no Jornal AN (30/07/2010) sobre a Oficina de Cinema – por ocasião

do lançamento do Curta Metragem

O principal objetivo sempre foi o de proporcionar nesse público de adolescentes em conflito com lei a ampliação de horizontes, com o desenvolvendo do seu senso crítico, propiciando condições para o desvelamento ôntico do sujeito mesmo, com a compreensão de que as condições sociais, econômicas, psicológicas que demandam uma situação de vulnerabilidade social, podem ser, em muitas circunstâncias, fruto muito mais de fatores geopolíticos, históricos e

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macroeconômicos do que decorrentes de condições idiossincráticas, ou seja, identificadas tão somente às condições individuais de cada pessoa.

Queríamos com este projeto fornecer subsídios ao indivíduo para desenvolvimento do seu espírito crítico, como agente capaz de desencadear os processos necessários para o rompimento do ciclo de reprodução intergeracional do processo de exclusão social (PNAS/04) através da tomada de consciência do papel do indivíduo na história e principalmente na capacidade coletiva de promover mudanças.

Dia de Gravação na Oficina de Cinema. Adolescente (de costas) recebe orientações

sobre o plano de filmagem (2010)

Contudo, no mundo da vida, não há espaço para mágica. Na realidade daqueles jovens, que participaram do Projeto Fazendo Cena no mais das vezes, também não havia espaço para magia. A realidade quase sempre era muito dura. E muitos deles ainda precisam lidar com todo o tipo de preconceito. Basta dizer que 61% destes jovens são filhos de operários, filhos de pessoas em mais de 40% dos casos com o ensino fundamental incompleto.

Como Fazer?

O projeto em sua concepção original foi dividido em 5 atapas:

Na primeira os adolescentes foram colocados em contato com filmes e curta metragens de cunho crítico, quase sempre relacionados ao questionamento de questões sociais. Foram exibidos aos jovens, por exemplo, os filmes Laranja Mecânica (Kubrick, 1971) Desafinados (Walter Lima Jr, 2008), Meow (Marcos Magalhães, 1981), Ilha das Flores (Jorge Furtado, 1989) entre outros.

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Na segunda etapa os adolescentes receberam noções básicas da linguagem do cinema, e sobre todo o processo envolvido em uma produção audiovisual.

Na terceira etapa os adolescentes desenvolveram junto com os profissionais ministrantes o roteiro do curta metragem. Nesta etapa os adolescentes foram estimulados a pensar sobre o seu cotidiano, relatando-o, e decupando-o em imagens, na linguagem cinematográfica. A partir dos fragmentos dos cotidianos, foram estimulados a pensar em um argumento para o curta-metragem. Somente depois iniciou-se o processo de redação do roteiro que teve pelo menos 8 versões diferentes.

Na quarta etapa os adolescentes forma colocados a pensar no processo de produção do filme. Com a catalogação em cartazes de cada item necessário para a realização das filmagens (das locações à prataria que apareceria no café da manhã da “família rica”.

Na etapa final os adolescentes enfim se depararam com o momento mais emocionante do cinema, que sem sombra de dúvidas ocorre quando as luzes se acendem, os microfones são ligados e as câmeras apontadas para a ação que se desenrola: a filmagem das cenas seguindo planejamento realizado a partir das locações.

Quem?

Foram co-partícipes da Oficina Fazendo Cena adolescentes em conflito com a Lei de 12 a 18 anos de idade. Nem todos os adolescentes tiveram a oportunidade de acompanhar todas as etapas da oficina. Alguns participaram somente das primeiras etapas, ao passo que outros tomaram parte somente nas etapas finais. Fechando as contas, o curta metragem I.N.I.C.I.A.I.S. é uma composição ruto da criação e pensar de 33 adolescentes.

Quanto tempo?

Desde a primeira etapa do projeto até o seu lançamento a Oficina Fazendo Cena teve uma duração de 9 meses.

O que fazer?

Cheias de sentido são as palavras do educador social Nelson de Faria Campos – Curica – proferidas no lançamento do curta-metragem:

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“Nela tivemos a chance de exercitar uma educação muito mais amparada na construção de sentidos e significados intersubjetivamente partilhados, do que de domesticação e imposição arbitraria de limites sob a batuta de uma autoridade anônima, e em prol de um objetivo e de uma moral alheia.

Acreditamos que a educação precisa ser fundamentalmente a ação de uma sensibilidade criadora ao invés de treinamento para alguma espécie de guerra, que na maioria das vezes não é a do educando e nem ao menos faz sentido.

É até bem provável que a insensibilidade seja uma estratégia de sobrevivência, que no processo civilizatório, a evolução revelou à raça humana. O que percebo mesmo é que como efeito colateral ela nos torna capazes de sentir um tipo particular de dor, que a poesia pode devidamente exprimir e amenizar, e que o artista Walter Franco a expressou com essas palavras:

“É uma dor canalha que nos dilacera.

É um grito que se espalha, também pudera.

Não tarda nem falha, apenas te espera,

Num campo de batalha.

É um grito que se espalha.

É uma dor canalha.”

Esse filme é uma humilde tentativa de ouvir a dor que entorpece e impreguina nossa humanidade de uma selvageria cada dia mais explícita e repulsiva.

Quem ouve Caetano Veloso perguntar: “Existirmos. A que será que se destina?”.

Pode responder em coro conosco: Que pelo menos não seja para nos tornarmos eternamente insensíveis, cínicos e canalhas frente aos dramas da existência”.

Daqui pra diante...

Findada a composição do curta metragem restaram-nos o produto estático estampado na tela de projeção, os jovens co-partícipes deste projeto e a nossa própria experiência revisitada.

Quanto aos jovens cabe-nos observá-los até onde o permitam e alcançarem nossas vistas, cuidando para que possam tomar posse do borão onde vai se escrevendo o roteiro de suas vidas.

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A metáfora com o cinema não é despropositada: A eles, e a nós, cabe tomar posse sobre o as linhas onde se escreve o roteiro. Há que se ter disciplina e cuidado ao executar o planejamento de cada detalhe da produção, mobilizando os elementos materiais necessários, coletivamente sempre que possível. E cabe, sobretudo, requisitar para si a cadeira de diretor, com a liberdade e a responsabilidade que inevitavelmente daí decorrem.

2.5. Oficina de Preparação para o Mercado de Trabalho

Objetivo Geral: Oportunizar aos adolescentes subsídios que favoreça, uma busca mais tranquila e segura em relação a inclusão junto ao mercado de trabalho.

Objetivos Específicos: Proporcionar atividades de reflexão quanto a sua auto-valorização para que introjete o prazer, o desejo de obter um ideal em suas vidas, seja ele em âmbito pessoal e/ou profissional;

• Elaborar dinâmicas objetivando a sensibilização quanto a sua importância no seu entorno social com pressuposto de intervir na autoestima dos participantes;

• Oportunizar aos adolescentes a descobrirem e/ou repensarem seus potenciais;

• Auxiliar aos adolescentes no trabalho de organização e cuidado do dia-a-dia chegando mesmo a apresentar a função de sua estruturação, e concomitantemente favorecer uma instrumentalização técnica dos indivíduos, capacitando-os para a vida, configurando-se como redes de sustentação para a construção da autonomia, cidadania e da independência, promovendo a convivência e a contextualização do sujeito na cultura e na sociedade;

• Valorizar momentos de atenção grupal com o objetivo de potencializar a comunicação, a socialização, e troca de informações e a participação dos indivíduos no mundo;

• Discutir temas inerentes aos mercado de trabalho, globalização, desemprego, trabalho informal, direitos e deveres do trabalhador, ética entre outros;

• Preencher curriculum vitae e conhecer sua finalidade;

• Preencher fichas de proposta de trabalho;

• Dar noções de como proceder em uma entrevista de trabalho;

• Conscientizar para a importância de possuir documentos pessoais e a finalidade destes;

• Visitar empresas de recrutamento e seleção;

• Visitar empresas locais e instituição de ensino profissionalizante e superior;

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• Estudar o capítulo V do ECA que diz respeito a profissionalização e proteção no trabalho;

• Procurar inserir os adolescentes em cursos profissionalizantes e outros que posteriormente facilitem a inserção junto ao mercado de trabalho;

• Auxiliar os adolescentes na elaboração da concepção/escolha e desemprenho profissional;

• Propor um trabalho que procure auxiliar o adolescente no momento de sua escolha profissional, considerando seu auto-conhecimento, os critérios de escolha profissional, influência sobre a escolha profissional e projetos pessoais e profissionais;

• Propiciar palestras com profissionais que sejam de interesse dos participantes.

Justificativa: O mundo do trabalho cada vez mostra-se mais exigente, seletivo, impondo aos que estão inseridos nestes e aos que desejam adentrá-lo, preparação, qualificação e um constante aprimoramento.

Nosso município é considerado um dos principais polos industriais do estado, disponta como uma das principais economias no âmbito estadual. A diversificação dos produtos aqui fabricados é absorvida pelo mercado interno e uma boa parte destes são exportados para o mundo todo. A consequencia disto, é quem está envolvido na produção desses bens, tem que ser qualificado.

Os adolescentes trazem em suas histórias de vida o desejo/sonho de ter oportunidade para serem inseridos no mercado de trabalho. Uns o querem com o intuito de começarem a receber uma renda, teu autonomia financeira, dar conta de suas necessidades, se realizarem profissionalmente. Outros colocam a necessidade da sua auto-manutenção, bem como de auxiliar seua familiares.

Observando esses anseios, considerando os desafios da fase da vida em que se encontram e por ser indivíduos em desenvolvimento não se darem conta dos obstáculos que enfrentarão na busca do primeiro emprego, é objetivo dessa oficina dar subsídios que auxiliem uma busca mais tranquila e segura nessa tragetória que precisarão percorrer, espera-se que se concretize de uma forma digna, saudável e justo onde o adolescente possa desempenhar sua plena cidadania e se insira no mercado de trabalho, recebendo respeito por sua condição peculiar de ser humano em desenvolvimento, conforme prevê o capítulo V do ECA.

Do mesmo modo, os jovens, em sua maioria, apresentam déficit na formação cultural e profissional, além de socialmente serem oriundos de famílias de baixa renda. A inserção no mercado de trabalho e a geração de renda são geradores de autonomia financeira e diminuição dos fatores de risco e exclusão social.

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Operacionalização/Metodologia: A oficina de Preparação para o Mercado de Trabalho, acontecerá em encontros semanais, nos períodos matutinos e vespertinos. Através de dinâmicas de grupos, palestras, realização de currículos, formar parcerias com empresas da comunidade, encaminhamento e acessoria técnica aos adolescente e empresa conveniada.

Metas do projeto: Inserir 30% dos adolescentes em cumprimento de MSE em situação de desemprego no mercado de trabalho

Oferecer subsídios à sua carreira profissional mediante cursos profissionalizantes em parceria com entidades conveniadas.

Avaliação: Será feita pela equipe coordenadora da oficina, para verificação do alcance dos objetivos, juntamente com os adolescentes participantes. - Parecer escrito dos participantes. E verificação das metas estabelecidas pelo projeto, através do banco de dados desenvolvido pelo Programa.

Recursos Humanos: Terapeuta Ocupacional, Psicóloga, Pedagoga, Assistente Social.

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3. PERFIL DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI – RELATÓRIO BANCO DE DADOS – 12 ANOS DO PROGRAMA DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO4

Jeison Giovani Heiler5

3.1 Metodologia

Entre os parâmetros socioeducativos estabelecidos pelo SINASE (p. 64 e 93) está o de consolidar mensalmente os dados referentes a entradas e saídas dos adolescentes, perfil do adolescente (idade, gênero, raça/etnia, procedência, situação com o sistema de justiça, tipificação de ato infracional, renda familiar, escolarização antes e durante o cumprimento da medida, atividades profissionalizantes antes e depois do cumprimento da medida, uso indevido de drogas e registro da reincidência).

Este relatório tenta dar conta deste objetivo. Aqui sistematizam-se as informações obtidas a partir de projeto de pesquisa que construiu banco de dados relativos aos 12 anos do programa de medidas socioeducativas em meio aberto entre (1999 a 2011) reunindo 1.053 casos. A análise estatística aqui desenvolvida compreenderá duas etapas: a) análise descritiva de cada uma das variáveis relativas aos adolescentes

4 As informações foram colhidas dos seguintes documentos: relatórios, fichas de entrevista, boletins de ocorrência, despachos e sentenças judiciais, PIA – Plano Individual de Acompanhamento, correspondências, ofícios e outros documentos envolvendo os adolescentes. São devidos especiais agradecimentos aos bolsistas que se dedicaram à coleta e transferência destes dados ao longo de três anos: Juliana Helena Pereira, Alexandre Wolf, Marcelo Dalagnol, Hanna Luiza Krause, Sabrina Gabrieli Bening Souza e Regina Kammer

5 Membro do serviço de medidas socioeducativas em meio aberto e coordenador da Oficina de Cinema. Bacharel em Direito, especialista em Direito Previdenciário, Mestre em Sociologia Política – UFSC. Professor Universitário do Centro Universitário Católica de Santa Catarina e Fameg/Uniasselvi.

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(aspectos individuais da pessoa do adolescente e aspectos socioeconômicos; composição familiar; escolarização do adolescente; aspectos comportamentais, dados relativos às medidas socioeducativas aplicadas), e; b) cruzamento entre variáveis procurando possíveis associações entre variáveis. Objetiva-se nestes cruzamentos de variáveis informações explicativas da reincidência no ato infracional e do uso de substâncias psicoativas. O procedimento para a análise de cruzamento de variáveis é chamado teste estatístico de hipóteses.6 Neste relatório serão utilizados, especificamente, os Coeficientes de Associação de Contingência, e V de Cramer (BARBETA, 2001).

O teste foi efetuado para todas as variáveis listadas na análise descritiva, e sempre que existirem indícios de associação entre duas variáveis, os resultados serão exibidos, omitindo-se cruzamentos que restarem sem significância estatistica7 (Sign < 0,05). Para mensurar a magnitude das associações encontradas adotou-se Davis (1976) para quem a associação compreendida entre 0 a 0,09 é considerada associação desprezível; de 0,10 a 0,29 associação baixa; de 0,30 a 0,49 associação moderada; de 0,50 a 0,69 associação substancial e de 0,70 ou mais: associação forte.

De acordo com Davis ainda o grau (ou probabilidade) de significância deverá ser sempre inferior a 0,05 para oferecer segurança estatística que possibilite fazer afirmações para a população a partir dos resultados da amostra. Para facilitar a leitura dos dados algumas variáveis foram agregadas em categorias.

A apresentação dos dados relativos aos adolescentes em conflito com a lei será desenvolvida de forma sistematizada em 4 blocos: a) reunindo dados relativos a aspectos individuais da pessoa do adolescente e aspectos socioeconômicos; b)dados relativos à sua composição familiar; c) dados referentes à escolarização do adolescente; d) dados comportamentais, e e)dados relativos às medidas socioeducativas aplicadas.

3.2 Dados individuais e socioeconômicos

3.2.1 Sexo dos adolescentes

Sabe-se que adolescentes do sexo masculino são maioria quando se trata da prática do ato infracional. Mas qual é a participação das adolescentes do sexo feminino neste universo. Dentre os adolescentes atendidos nos 12 anos do programa

6 Teste de hipótese de independência: Procedimento ou regra de decisão que possibilita a decisão pela ausência ou presença de associação entre duas variáveis com base na informação contida na amostra

7 Denominado valor de probabilidade (varia entre zero e 1, inclusive). Há indícios de associação válida entre variáveis quando o valor-p é menor do que 0,05, uma vez que arbitramos nível de confiança de 95%. É a probabilidade de rejeitar a hipótese de não haver associação quando esta realmente existe

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Doze Anos Dúzias de Histórias

de medidas socioeducativas o número de adolescentes do sexo feminino é de 7,7% contra 92,3% do público masculino. Dado que guarda similariedade com a população prisional do estado de Santa Catarina , cujo universo feminino é de 7,57%8.

Tabela 1 – Adolescentes em medida socioeducativa segundo sexo

Sexo Número Casos Percentual

Masculino 972 92,3

Feminino 81 7,7

Total 1053 100,0

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.2.2 Idade dos adolescentes

Conforme observa-se na tabela 2 A maior parte dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa (48,6%) concentra-se na faixa etária dos 16 a 17 anos.

Tabela 2 – Adolescente em medida socioeducativa segundo faixa etária

Idade Número de casos Percentual

12 a 13 anos 72 7,3

14 a 15 anos 250 25,4

16 a 17 anos 478 48,6

18 a 21 anos 183 18,6

Total 983 100,0

Não Informado 70

Total 1053

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

Procedendo-se o cruzamento da variável idade e sexo dos adolescentes obtêm-se uma informação interessante: enquanto metade (49,9%) dos adolescentes do sexo masculino concentram-se na faixa etária dos 16 a 17 anos, entre as adolescentes

8 Dados segundo Sistema Nacional de Informação Penitenciária - INFOPEN, disponível em http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624 D28407509CPTBRNN.htm acesso em 28/06/2011.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

do sexo feminino concentração idêntica (50%) se dá na faixa dos 14 a 15 anos de idade.

Tabela 3 – Adolescentes em medida socioeducativa por sexo segundo faixa etária

Sexo Idade Agregada Total

12 a 13 anos

14 a 15 anos

16 a 17 anos

18 a 21 anos

Masculino 7,2% 23,5% 49,9% 19,3% 911

Feminino 8,3% 50,00% 31,9% 9,7% 72

Total 7,3% 25,4% 48,6% 18,6% 100,0%

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

O gráfico 1 ilustra essa distribuição etária por sexo. Vê-se que o pico de casos entre os adolescentes do sexo masculino se dá aos 17 anos. Já entre as adolescentes do sexo feminino a maior parte dos casos se dá aos 15 anos.

Gráfico 1 – Adolescentes em medida socioeducativa segundo idade e sexo

SEXO

IDA

DE ID

AD

E

MASCULINO FEMININO

Ni

21

20

19

18

17

16

15

14

13

12

7

250 200 150 200 50 250200150200500

Ni

21

20

19

18

17

16

15

14

13

12

7

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.2.3. Situação de emprego

Quando se pensa na situação de emprego do adolescente em conflito com a lei, a hipótese recorrente no senso comum é aquela amparada no velho ditado “A cabeça vazia é a oficina do diabo” querendo dizer com isso que se o adolescente estiver ocupado trabalhando não poderá se envolver em situações de infração. Os

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dados desmentem em parte essa crença do senso comum. Observou-se entre os adolescentes em medida socioeducativa que em 43,5% dos casos os adolescentes trabalhavam no momento da infração. Ao passo que 56,4% não trabalhavam. Há entretanto nesse dado um grande número de casos em que essa informação não foi noticiada (24,6%.)

Tabela 4 – Adolescente em medida socioeducativa segundo situação de emprego

Trabalhava no momento da

infraçãoNúmero de Casos Percentual Percentual Válido

Trabalhava 346 32,9 43,5

Não Trabalhava 448 42,5 56,4

Não Informado 259 24,6

Total 1053 100,0 100,00%

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.2.4 Profissão do principal mantenedor familiar

A profissão do principal mantenedor familiar é um dado que também fornece pistas sobre as características socioeconômicas do grupo familiar. No gráfico 2 pode-se observar que em 24,5% dos casos o mantenedor era empregado industrial, em 11,7% empregado do comercio, e em 5% dos casos aposentado. Adolescentes cujos mantenedores eram profissionais liberais ou empresários representam minoria absoluta, não passando, mesmo que somados, de 3% dos casos.

Grafico 2 – Adolescente em medida socioeducativa segundo profissão principal

mantenedor familiar.

Empregado Industrial

Autônomo

Empregado Comércio

Aposentado

Funcionário Público

Empregado Doméstico

Desempregado

Outros

Do Lar

Empresário

Empregado Construção Civil

Profissional Liberal

Percentual

,0 5,0 10,0 15,0 20,0 25,0 30,0

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

No gráfico 3 a profissão do principal mantenedor foi agrupada por faixa de renda para apanhar melhor essa distribuição e as diferenças nas faixas de renda familiar. Vê-se assim que 62,8% dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa provêm de grupos familiares nos quais o principal mantenedor é empregado assalariado, autônomo ou aposentado. Em 7% dos casos o grupo familiar não detinha renda própria. Em 4,7% dos casos o mantenedor era funcionário público e apenas 2,8% se constituíam de profissionais liberais e empresários, presumivelmente numa faixa de renda mais destacada.

Gráfico 3 – Adolescentes em medida socioeducativa segundo profissão principal

mantenedor familiar por faixa de renda

0 10 20 30 40 50 60 70

Empregado assalariado, autônomo, aposentado

Não detêm renda

Funcionário público

Outros

Profissional Liberal e Empresários

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.2.5. Renda familiar do adolescente

Observando-se diretamente a renda familiar informada pelos adolescentes observa-se que este dado referenda as conclusões extraídas do gráfico 3. De acordo com a renda familiar informada 5,7% das famílias sobrevivem com ½ salário mínimo, 9,2% têm renda de no máximo 1 salário mínimo, quase 20% detêm renda de até 2 salários mínimo, e quase 40% detêm renda de até 3 salários mínimos. Somados os dados, 75,7% dos adolescentes provêm de famílias cuja renda não ultrapassa os 3 salários mínimo. Percentual próximo do numero de famílias cujo mantenedor é assalariado. Importa observar que estes dados refletem adolescentes

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Doze Anos Dúzias de Histórias

em cumprimento de medida a partir de 2009 quando esta informação passou a ser colhida.

Gráfico 4 - Adolescentes em medida socioeducativa segundo renda familiar

até 1/2 SMaté 1/4 SMRenda Zero 1 a 2 SM 3 a 4 SM 5 a 6 SM

até 1 SM 2 a 3 SM 4 a 5 SM acima 10 SM

4035302520151050

Percentual

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 2009 – 2011.

3.2.6. Domicílio dos adolescentes

Observando-se a variável que diz respeito às condições de residência dos adolescentes (Gráfico 5) têm-se que 40% dos adolescentes em conflito com a lei residem em imóveis alugados, contra 51% residindo em casa própria. Este dado tomado de forma isolada pode dizer muito pouco, mas comparativamente, segundo dados obtidos pelo IBGE9 no PNAD/2009 na região Sul do Brasil, no universo de domicílios pesquisados 70,8% constituíam-se de residências próprias, 5% de imóveis financiados, e 15% de imóveis alugados. Portanto o resultado obtido para a amostra que considera os adolescentes em medida socioeducativa reafirma que as condições econômicas destes jovens podem contribuir para a prática infracional.

Gráfico 5 - Adolescentes em medida socioeducativa segundo condições residência

Próprio Alugada Cedida Financiada Pensão Outro

100

50

0

Percentual

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 2009 – 2011.

9 Disponível para consulta em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ trabalhoerendimento/pnad2009/tabelas_pdf/sintese_ind_6_1.pdfAcesso em 28/06/2011.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.3. Dados composição familiar

3.3.1 Composição familiar– Com quem o adolescente mora?

Outra hipótese comum para explicar a “delinquência juvenil” normalmente mobilizada pelo senso comum é a da desestrutura familiar. Hipótese que pode ser respondida pela análise das pessoas com quem os adolescentes moram e pela análise do estado civil dos pais.

Verifica-se que a maior parte dos adolescentes em medida socioeducativa residia com ambos os pais (53,8%), 24,1% conviviam com apenas a mãe, 5% com apenas o pai e 6,1% residiam com parentes. Comparativamente o “Relatório de Pesquisa do Perfil do Adolescente Infrator” (2011) realizado pelo MP do DF informa que apenas 33% daqueles adolescentes residiam na companhia de ambos os pais.

Tabela 5 – Adolescente em medida socioeducativa segundo situação de moradia

Com quem o adolescente mora Número de casos Percentual

Ambos os pais 501 47,6

Só com a mãe 224 21,3

Só com o pai 47 4,5

Parentes 57 5,4

Cônjuge/Companheiro 4 ,4

Sozinho/Amigos 5 ,5Programas Públicos/Abrigo 5 ,5

Rua 2 ,2

Não Informados 208 19,6

Total 1053 100,0

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.3.2. Estado Civil Pais

No que concerne ao estado civil dos pais (Tabela 6), no caso dos adolescentes observados nesta pesquisa, constata-se que em quase 57% dos casos os adolescentes conviviam com pais casados ou conviventes em regime de união estável. Ao passo que em 31,1% dos casos os adolescentes conviviam com pais separados ou divorciados.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Tabela 6 - Adolescente em medida socioeducativa segundo estado civil dos pais

Estado Civil Pais Número Casos Percentual Percentual Válido

Casados 422 40,1 53,2Separados Judicialmente/Divorciados

241 23,4 31,1

Viúvo 80 7,6 10Regime União Estável 30 2,8 3,7

Falecidos 6 ,6 0,7

Solteiro(a) 8 ,8 1

Não Informado 260 24,6

Total 1053 100,0 100,00%Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.4. Dados escolarização dos adolescentes

3.4.1. Situação escolar

Um dos fatores normalmente atrelado à prática infracional é o abandono escolar por parte dos adolescentes. Com base no banco de dados pode-se afirmar que apenas 46,3% dos adolescentes em medida socioeducativa estavam inseridos na escola no momento da infração, ou seja menos da metade. De outro lado pode-se afirmar com segurança que apenas 22% estavam em situação de abandono escolar. Isto se deve há um grande número de casos em que esta informação não foi colhida, que traz algum prejuízo à análise.

Tomados apenas os casos informados (descontando-se os casos não informados) o percentual passa a ser de 67,6 % dos adolescentes estudando contra 32,3% fora da escola, ou seja, a situação se inverte e a maioria absoluta dos jovens passa a estar inserida na escola.

Comparativamente o relatório de pesquisa do Ministério Público Federal do DF e Territórios aponta que entre aqueles adolescentes em medida socioeducativa10 a escolarização (matrícula) é de 73,2%. O que pode sugerir que em alguma medida a simples manutenção dos jovens nos bancos escolares não é suficiente para prevenção da prática infracional.

10 O Relatório não informa a que tipo de medida socioeducativa se refere, se em meio aberto como neste caso ou se envolve também medidas de internação, e semi-liberdade.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Gráfico 6 – Adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas segundo

situação escolar

46,3

31,5

22,1

EstudandoFora da EscolaNão Informado

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.4.2. Grau de Instrução

Verifica-se na tabela 7, que 56% dos adolescentes que cumpriram a medida socioeducativa, não completaram o ensino fundamental. Este é um dado que pode referendar a reflexão a respeito da importância da permanência do adolescente na escola, como um espaço de promoção do jovem e consequentemente constrangimento dos fatores que levam à ocorrência do ato infracional. Nesse sentido “a frequência à escola reduziu a severidade do ato infracional, o uso de armas e o emprego de drogas, muito pode ser feito para enfrentar os desafios de acolher tais adolescentes no sistema educacional” (GALLO & WILLIAMS, 2008, p.41).

Comparativamente, outros estudos (KAUFFMAN, 2001, p.52) comprovam que “um nível baixo de escolaridade atua como um fator de risco e, inversamente, um nível alto atua como fator de proteção”. Confirmando-se então, que, quanto menor o nível de escolaridade, maior é a vulnerabilidade do adolescente.

Tabela 7 – Adolescentes em medida socioeducativa segundo grau de instrução

Grau de Instrução Número de Casos Percentual Percentual Válido

Analfabeto 2 ,2 0,2Fundamental Incompleto 445 42,3 56

Fundamental Completo 48 4,6 6

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Grau de Instrução Número de Casos Percentual Percentual VálidoEnsino Médio Incompleto 274 26,0 34,5

Ensino Médio Completo 21 2,0 2,6

Superior Incompleto 3 ,3 0,3

Superior Completo 1 ,1 0,1

Não Informado 259 24,6

Total 1053 100,0

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.4.3. Escolaridade

A tabela 8 fornece um maior detalhamento da situação escolar do adolescente em conflito com a lei. Viu-se na tabela 7 que 56% dos adolescentes em conflito com lei não haviam completado o ensino fundamental. Cabe a partir deste dado formular algumas questões na tentativa de explicá-lo. a) qual era a série em que encontravam-se estes jovens, nas mais iniciais ou nas finais? b) estes jovens estavam na idade escolar compatível ou havia um déficit escolar?

Respondendo à primeira questão mais da metade destes adolescentes com ensino fundamental incompleto estavam nas séries finais (7º e 8ª) série do ensino fundamental. Além disso dentre estes jovens com o ensino fundamental incompleto apenas 6,6% estavam nas séries iniciais (1º a 4º série).

Tabela 8 - Adolescentes em cumprimento de medida socioeducativas segundo escolaridade

Escolaridade Número Casos Percentual Percentual Válido

1ª E.F. 3 0,3 0,4

2ª E.F. 1 ,1 0,1

3ª E.F. 2 ,2 0,2

4ª E.F. 23 2,2 3,1

5ª E.F. 79 7,5 10,9

6ª E.F. 93 8,8 12,8

7ª E.F. 106 10,1 14,6

8ª E.F. 129 12,3 17,8

9ª E.F. 4 ,4 0,5

1ª E.M. 143 13,6 19,8

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Escolaridade Número Casos Percentual Percentual Válido

2ª E.M. 77 7,3 10,6

3ª E.M 51 4,8 7

1° ANO 3 ,3 0,4

2° ANO 5 ,5 0,6

3° ANO 3 ,3 0,4

Não Informado 330 18,5

Total 1053 100,00% 100,00%

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.4.4. Escolaridade segundo idade do adolescente em conflito com a lei

Com auxílio da tabela 8.1 pode-se responder à segunda questão. Considerando que segundo o fluxo normal de ensino o adolescente conclui o ensino fundamental aos 14 ou 15 anos, há efetivamente um déficit escolar entre os adolescentes em conflito com a lei. Observados os adolescentes na faixa etária dos 16 a 17 anos constata-se que 40,6% não haviam concluído o ensino fundamental na idade padrão. Quando considerada a faixa etária dos 18 a 21 anos o percentual de adolescentes com ensino fundamental inconcluso é ainda maior: 45,6%. Ao passo que o percentual destes jovens que possuem o ensino médio completo (padrão para a idade) é de apenas 6,3%.

Tabela 8.1 Escolaridade segundo idade dos adolescentes em cumprimento medidas

EscolaridadeIdade Agregada

Total12 a 13 anos

14 a 15 anos

16 a 17 anos

18 a 21 anos

Analfabeto ,0% ,5% ,2% ,0% 2Fundamental Incompleto 89,8% 64,7% 40,6% 45,6% 438Fundamental Completo 1,7% 3,2% 5,7% 10,0% 48Ensino Médio Incompleto 1,7% 25,2% 43,9% 20,6% 274Ensino Médio Completo ,0% ,5% 2,4% 6,3% 21Superior Incompleto ,0% ,0% ,2% 1,3% 3Não Informado 6,8% 6,0% 6,9% 16,3% 72Total 59 218 421 160 858

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.4.5. Adolescentes em escolas públicas

Os adolescentes em medida socioeducativa oriundos de escolas particulares constituem absoluta minoria: 7,4% dos casos. Dado que também revela o estrato social dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas do serviço e que reforça a hipótese de que aspectos sociais e ambientais podem contribuir para a prática infracional dos adolescentes em conflito com a lei.

A relação é simples: adolescentes cujas famílias detêm melhores condições de renda e situação financeira estão normalmente matriculados em escolas e colégios particulares. Observando-se que apenas uma mínima parcela dos adolescentes em medida socioeducativas provinha de escolas particulares, pode-se concluir que se tratam de adolescentes, em sua maioria, cujas famílias não detêm renda suficiente para custear este tipo de escola.

Gráfico 8 - Adolescentes em cumprimento de medida socioeducativas segundo tipo escola

Pública Particular

Percentual

100908070605040302010

0

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.4.6. Escolaridade Principal Mantenedor Familiar

Entre os dados que podem fornecer pistas sobre as características socioeconômicas do grupo familiar e que pode refletir-se na própria escolarização do adolescente está aquele que considera o grau de escolaridade do principal mantenedor familiar. Verificou-se entre os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas que em 32,7% dos casos o principal mantenedor familiar não possuía mais do que o ensino fundamental incompleto, 11,2% possuíam o ensino fundamental completo, 3,4 possuíam o ensino médio incompleto e 9,5% o ensino médio completo.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Somados os dados, em 44% dos casos os adolescentes são oriundos de famílias cujo principal mantenedor familiar não possui mais que o ensino fundamental. O percentual de adolescentes cujo principal mantenedor possuía ensino superior não passa de 2,5% dos casos. As diferenças são grandes. E não são maiores porque há ainda um grande número de casos em que esta informação não foi coletada, correspondente a 32,2%, 1/3 do total de casos.

Gráfico 9 - Adolescentes em cumprimento de medida socioeducativas segundo

escolaridade Principal Mantenedor Familiar

Pós-graduação Completa

Superior Incompleto

Superior Completo

Analfabeto

Ensino Médio Incompleto

Ensino Médio Completo

Fundamental Completo

Fundamental Incompleto

Percentual

,0 5,0 10,015,020,025,030,035,0

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.5. Dados comportamentais

3.5.1. Uso de substâncias psicoativas

Um dos fatores normalmente usado nas tentativas de explicar a prática infracional é o uso de psicoativos. A hipótese, portanto, é de que a maioria dos adolescentes atendidos fizessem uso de alguma substância psicoativa. Contudo, no caso do programa de medidas observado nesta pesquisa, esta hipótese não se confirmou. De fato, 51,7% dos adolescentes informaram nunca terem feito uso de substâncias psicoativas. O percentual de adolescentes que informaram o uso, porém, não é nada desprezível, chegando a 37,1%. Cabe ressaltar a decisão metodológica de agregar o uso de álcool com outras drogas, substâncias que podem diferir quanto à licitude, mas não quanto aos seus efeitos no indivíduo.11

11 O álcool provoca dependência psicológica após algum tempo de uso, de 2 a 5 anos. (GIKOVATE, 1992, p. 50)

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Tabela 9 – Adolescentes em medida socioeducativa segundo uso psicoativos

Uso Psicoativos Número Casos Percentual Percentual Válido

Nunca Fez Uso 406 38,5 51,7

Cigarro 84 7,9 10,7Alcool e outras Drogas 294 27,9 37,1

NI 269 25,5

Total 1053 100,00% 100,00%Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.5.2. Uso de substâncias psicoativas por sexo

O gráfico 10 traz o comparativo do uso de substâncias psicoativas entre adolescentes por sexo. Vê-se claramente que a incidência é maior entre os jovens do sexo masculino. O percentual de adolescentes do sexo feminino que declarou nunca ter feito uso de quaisquer substância psicoativa chega a 60% dos casos.

Gráfico 10 - Adolescentes em medida por sexo segundo uso de substâncias psicoativas

Perc

entu

al

Uso Psicoativos

Nunca Fez uso Cigarro Alcool e OutrasDrogas

NI

Masculino

Sexo

Feminino

60,0%

50,0%

40,0%

30,0%

20,0%

10,0%

0,0%

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.5.3. Ato Infracional

Observando-se as principais práticas infracionais (Tabela 10) vê-se que de longe os mais recorrentes são furto 36,7% e porte de entorpecentes 17,6% seguidas de brigas e/ou agressão 7,3%. Juntas estas três infrações correspondem a mais de 60% das infrações cometidas pelos adolescentes. Importa notar que as infrações praticadas com violência ou grave ameaça, mesmo agregadas12, não passam de 6,4% e dizem respeito, na maioria das vezes, à adolescentes oriundos de progressão de medida de internação.

Tabela 10 – Adolescentes em medida socioeducativa segundo ato infracional

Infração Número de casos Percentual

Homicídio e tentativa de Homicídio 10 1,0

Crimes Sexuais 31 3,0Crimes com violência ou grave ameaça 66 6,4

Porte de entorpecente 183 17,6

Furto 381 36,7

Crimes contra a fé publica 6 ,6

Crimes de trânsito 71 6,8

Estelionato 18 1,7

Furto de veiculo 3 ,3

Boca de urna 2 ,2

Roubo 18 1,7

Receptação 12 1,2

Outros contra o patrimônio 11 1,1

Tráfico de drogas 15 1,4

Ameaça 10 1,0

Briga/Agressão 76 7,3

Não Informada 140 12,1

Total 1053 100

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

12 As seguintes infrações estão agrupadas para formar esta categoria infracional: Assalto a Residencia, Furto com arrombamento, Porte arma de fogo, Assalto mão armada, Ameaça com arma de fogo, Assalto mão armada residencia, Lesão Corporal, Tentativa Roubo, porte de arma e entorpecente, assalto Furto + Porte de Arma, Arrombamento com Furto.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

No gráfico 11, apresentado abaixo, pode-se ver as infrações segundo o sexo dos adolescentes. Digna de nota a similaridade do uso de substâncias psicoativas declarado pelas adolescentes do sexo feminino (quase 60% disseram que nunca fizeram uso) com o dado da prática de infração por porte de entorpecente, vê-se que entre as adolescentes esta prática infracional é bastante reduzida em relação aos adolescentes do sexo masculino. Por outro lado, a incidência das infrações equiparadas aos crimes de furto, briga/agressão, estelionato, ameaça, e crimes contra a fé publica é maior entre as adolescentes do sexo feminino.

Gráfico 11 - Adolescentes em medida por sexo segundo ato infracional agrupado

Masculino Feminino

FurtoPorte de entorpecente

Crime de trânsitoBriga/Agressão

Crimes com violência ou grave agressãoCrimes Sexuais

RouboEstelionato

Tráfico de drogasReceptação

Homicidio e tentativa de HomicidioOutros contra o patrimônio

AmeaçaCrimes contra a fé pública

Furto de veículoBoca de urna

0,00% 50,00%

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.6. Dados descritivos da medida aplicada ao adolescente

Esta seção aborda dados relacionados à medida socioeducativa aplicada ao adolescente a partir do que dispõe o art. 112, I, II, III, IV e VII do ECA. Ressalte-se que neste caso o banco de dados traduza tão somente medidas socioeducativas em meio aberto.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

De início cabe inquirir se as garantias processuais dos adolescentes têm sido observadas. Os dados13 revelam que nem sempre: em apenas 2,5% dos casos os processos de apuração do ato infracional foram acompanhados de defesa técnica por defensor dativo ou advogado conforme determinam os comandos do art. 110, 111, III e art. 141, § 1° do ECA.

3.6.1. Assistência jurídica técnica por advogado ou defensor dativo

Tabela 11 - Adolescente em medida socioeducativa segundo acesso a assistência jurídica

técnica por advogado ou defensor dativo

Assistência Número de casos PercentualSem assistência jurídica 878 83,5

Com assistência jurídica 26 2,5

Não Informado 149 14,1

Total 1053 100

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.6.2. Tipos de medidas aplicadas aos adolescentes

Os dados da tabela 12 respondem à questão acerca de quais medidas socioeducativas, dentre as medidas em meio aberto previstas no ECA, são aplicadas aos adolescentes de forma mais recorrente. Observa-se que em quase 80% dos casos a medida aplicado foi a Prestação de Serviços à Comunidade (na maior parte das vezes medidas de 2 a 3 meses de duração). Como são dados obtidos a partir do programa de medidas socioeducativas não há incidência da medida de advertência, já que nestes casos o adolescente não chega a ser encaminhado ao serviço.

13 Dados foram extraídos do sitio do Tribunal de Justiça na internet www.tj.sc.jus.br a partir do número dos processos dos adolescentes. O número de casos não informado refere-se aos processos em que não foi identificado o número processual.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Tabela 12 – Medidas socioeducativas aplicadas

Medida Socioeducativa Medida Socioeducativa Percentual Percentual

acumulado

Prestação de Serviços à Comunidade

Prestação de Serviços à

Comunidade79,5 79,5

Liberdade Assistida Liberdade Assistida 8,3 87,8

Medidas Protetivas Medidas Protetivas 5,1 92,9

PSC+ LA PSC+ LA 3,1 96,0

Não Informado Não Informado 4,0 100,0

Total Total

Fonte: Banco de dados do Programa de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011

3.6.3. Cumprimento das medidas

No que diz respeito ao cumprimento da medida socioeducativa vê-se (Tabela 13) que na ampla maioria do casos, 74,8%, os adolescentes cumpriram regularmente a medida socioeducativa aplicada pelo juizado da infância e juventude. A taxa de abandono de medida socioeducativa é de 13,2%.

Tabela 13 – Situação do cumprimento das medidas socioeducativas

Cumprimento Medida Numero de Casos Percentual Percentual

Válido Cumpriu Regularmente 733 69,6 74,8

Abandonou Medida 139 13,2 4,2

Não Localizado/Não Compareceu 37 3,5 3,7

Mudou-se 45 4,3 4,6

Progressão de Medida 7 ,7 0,7

Regressão de Medida 1 ,1 0,1

Falecido 3 ,3 0,3

Em cumprimento 11 1,0 1,1

21 anos 3 ,3 0,3

Não Informado 74 7

Total 1053 100,0 100Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.6.4. Duração efetiva da medida socioeducativa

A tabela 14 informa acerca da efetiva duração da medida socioeducativa. Em 44% dos casos a duração da medida socioeducativa ultrapassou o prazo fixado pela justiça. Dato que pode ser explicado: a) por abandonos e faltas com necessidade de resgate ocorridos no ínterim da medida; b) períodos de férias, recesso do serviço de medidas; e c) adolescentes que ingressam no mercado do trabalho e tem o cumprimento da medida reprogramado. Contudo, esse dado merece atenção. Além dessas hipóteses explicativas, há que se manter vigilância para identificar que fatores podem estar causando este alargamento do prazo de cumprimento de uma parcela considerável das medidas socioeducativas. Fato que somente endossa a importância da construção de instrumentais como este banco de dados para a eficiente condução dos trabalhos.

Tabela 14 – Adolescentes em medida segundo duração efetivo da medida

Cumprimento efetivo da medida Número de Casos Percentual Percentual

VálidoDe acordo com aplicado 288 27,4 30,4

Duração aquém do aplicado 80 7,6 8,4

Duração além do aplicado 415 39,4 43,9

Abandono 128 12,2 13,5

Não localizado 34 3,2 3,6

Não informado 108 10,3

Total 1053 100,0 100

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul, SC

– 1999 – 2011

3.6.5. Evolução de atendimentos no tempo

A evolução de casos não necessariamente traduz o aumento ou diminuição da prática infracional por adolescentes no tempo, já que diz respeito tão somente aos adolescentes efetivamente atendidos. Demanda que depende do encaminhamento do judiciário.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Gráfico 12 - Evolução do número de adolescentes atendidos ao longo do tempo

150

100

50

0

Casos/Ano

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011

3.6.6. Local do Cumprimento da Medida Socioeducativa

A maioria dos adolescentes atendidos (51,5%) cumpriu a medida socioeducativa em instituições conveniadas ao serviço (ONG’s, Biblioteca Pública, Creches, Escolas e Associações Comunitárias). Este dado é reflexo, em parte, ao dado de que boa parte dos adolescentes trabalhava no momento da infração, tendo que executar a medida nos finais de semana e em horários alternativos. Mas também ao fato de que a medida deve ser adequada às condições do adolescente, fazendo com que em muitas vezes fosse mais apropriado o cumprimento nestas instituições.

Tabela 15 – Local cumprimento medida socioeducativa

Local Cumprimento Número de casos Percentual Percentual

VálidoServiço de MSE - CREAS II 436 44,2 48,4

Entidade Conveniada 464 47,0 51,5

Não Informado 153 8,8

Total 1053Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.6.7. Reincidência em Medida Socioeducativa

Um dos principais indicadores do fluxo de atendimento socioeducativo e que constituiu parâmetro da efetividade das intervenções do serviço é o índice de reincidência (SINASE, p. 93).

O gráfico 13 ilustra o percentual de adolescentes reincidentes em medida socioeducativas, que não ultrapassa os 20% dos casos atendidos.

Gráfico 13 - Reincidência em Medida Socioeducativa

ReincidênciaNão houveReincidência

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011

3.6.8. Passagem por outros serviços da rede de proteção

De acordo com o gráfico 14 têm-se que 37% dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa tiveram prévia passagem por outros serviços da rede de atendimento e proteção à criança e ao adolescente.

Gráfico 14 - Adolescentes em medida com passagem em outros serviços da rede de

proteção

70605040302010

0

Sim

Pass

agem

Red

e Pr

oteç

ão

Não

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul, SC

– 1999 – 2011

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.7. Explicando a reincidência

Nesta seção procedemos o cruzamento de variáveis buscando explicar a reincidência em medidas socioeducativas a partir de características individuais, sócio-econômicas, de escolarização e comportamentais dos adolescentes. Para otimizar a leitura dos dados apresentamos apenas os cruzamentos que apresentaram taxa de significância estatística (Sign > 0,05).

3.7.1. Reincidência por ano

Nesse sentido, é significativo como indicador de controle da eficiência do serviço (SINASE, p. 78) neste aspecto é a variação da reincidência no tempo. Pode-se perceber com ajuda do gráfico 16 uma redução na incidência de adolescentes reincidentes na prática infracional no tempo, que passou de 50% no ano de 2005 e encontra-se na casa dos 7% no ano de 2010. Vale Lembrar que a média de reincidência ao longo de todo o período de atendimento 1999-2011 fica na casa dos 20%.

Gráfico 16 – Percentual reincidência por ano

Percentual Reincidência

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

8070605040302010

0

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul, SC

– 1999 – 2010

3.7.2. Reincidência segundo sexo

Verifica-se que há relação entre a reincidência no ato infracional e o sexo dos adolescentes. Já vimos acima que as adolescentes do sexo feminino constituem minoria entre os jovens em conflito com a lei, mas será que no quesito reincidência esta tendência é mantida? Os dados revelam que sim: Com auxílio da tabela 16 perece-se que os adolescentes do sexo masculino são reincidentes em 21,5% dos

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Doze Anos Dúzias de Histórias

casos, valor que cai quase pela metade quando consideradas as adolescentes do sexo feminino.

Tabela 16 – Reincidência em medida socioeducativa segundo sexo do adolescente

ReincidênciaSexo

Total Masculino Feminino

Sim 21,5% 13,4% 20,8%

Não houve 78,5% 86,6% 79,2%

Total 713 67 780Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

A associação obtida na tabela 16 entre reincidência em medida socioeducativa segundo o sexo do adolescente, contudo, não possui significância estatística (Sign = 0,122), o que significa dizer que há 12% de chances de que este resultado esteja se dando ao acaso, o que nos leva a descartar essa associação.

3.7.3. Reincidência segundo idade

Pode-se supor também que exista uma variação da reincidência conforme a idade do adolescente. Afinal com qual idade é mais previsível que o adolescente reincida na prática infracional? A tabela 17 fornece algumas pistas neste sentido, indicando uma tendência de diminuição na reincidência conforme avança a idade dos adolescentes.

Tabela 17 – Reincidência em medida socioeducativa segundo idade do adolescente

ReincidênciaIdade Agregada

Total12 a 13 anos 14 a 15 anos 16 a 17 anos 18 a 21 anos

Sim 37,5% 27,4% 18,7% 10,9% 21,0%

Não houve 62,5% 72,6% 81,3% 89,1% 79,0%

Total 56 190 363 128 737

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

A associação resultante do cruzamento obtido entre a reincidência em medida socioeducativa segundo idade do adolescente é estatisticamente significativa, e pode ser aceita como válida, porém é fraca (0,176, V de Cramer).

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.7.4. Reincidência em Medida Socioeducativa segundo uso psicoativos

É razoável supor que entre os adolescentes que façam uso de algum tipo de substância psicoativa, seja álcool ou outras drogas, o índice de reincidência seja maior. Os dados confirmam esta hipótese: entre adolescentes que admitiram o usos de álcool ou outras drogas a taxa de reincidência é de 28%, ao passo que entre os adolescentes que afirmaram nunca ter feito uso de psicoativas a taxa de reincidência é de 17,3%.

Tabela 18 – Reincidência em medida socioeducativa segundo uso substâncias psicoativas

Reincidência

Uso Psicoativos

TotalNunca Fez Uso Cigarro

Alcool e Outras Drogas

Não Informado

Sim 17,3% 21,7% 27,9% 19,3% 20,7%

Não houve 82,7% 78,3% 72,1% 80,7% 79,3%

Total 364 69 190 150 773

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

A associação resultante do cruzamento obtido entre a reincidência em medida socioeducativa segundo uso substâncias psicoativas é estatisticamente significativa (Sign. 0,03), mas fraca (0, 106, V de Cramer).

3.7.5. Reincidência em Medida Socioeducativa segundo escolaridade

Pressupõe-se que adolescentes menos escolarizados estejam mais suscetíveis à prática infracional, hipótese que se confirmou quando analisamos a escolarização do adolescente. Consequentemente é de se esperar que a taxa de reincidência obedeça também a esta tendência. Efetivamente, com ajuda da tabela 19 pode-se perceber que não só a concentração de adolescentes com o ensino fundamental incompleto é maior, como a taxa de reincidência mostra-se acentuada entre os adolescentes com ensino fundamental completo e incompleto. A reincidência reduz-se conforme aumenta o grau de escolaridade do adolescente. A associação entre a reincidência em medida socioeducativa e o grau de instrução dos adolescentes é estatisticamente significativa (Sign= 0,00), mas fraca (0.202 - Coef. Contingência).

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Tabela 19 - Reincidência em medida socioeducativa segundo grau de instrução

Grau de InstruçãoReincidência

TotalSim Não Houve

Analfabeto ,0% 100,0% 2Fundamental Incompleto 26,7% 73,3% 382

Fundamental Completo 30,2% 69,8% 43

Ensino Médio Incompleto 10,60% 89,4% 254

Ensino Médio Completo 4,8% 95,2% 21

Superior Incompleto ,0% 100,0% 3

Superior Completo ,0% 100,0% 1

Total 159 616 775

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.8. Explicando o uso de psicoativos

Neste ponto, a variável a ser explicada é o uso de substâncias psicoativas. Aqui procura-se explicar o uso destas substâncias pelos adolescentes em medidas socioeducativas a partir de características individuais, socioeconômicas, familiares, de escolarização e comportamentais dos adolescentes. Nesse sentido todas as variáveis relacionadas a estes dados passam a ser explicativas do uso de psicoativos, buscando-se possíveis associações entre o usos destas substâncias e estas variáveis. Como fizemos na seção anterior, para otimizar a leitura dos dados apresentamos apenas os cruzamentos que apresentaram taxa de significância estatística (Sign > 0,05).

3.8.1. Incidência do uso de psicoativos por ano

Inicialmente cabe observar a incidência do usos destes psicoativos nos adolescente em conflito com a lei. Em seção anterior observou-se que o percentual de adolescentes que informaram o uso de psicoativos chega a 37,1%. Observando-se o gráfico 17 nota-se uma diminuição no percentual de jovens que declararam usar ou já ter feito uso de álcool e outras drogas a partir do ano ano de 2006. Observa-se também uma tendência crescente no percentual de adolescentes que declararam nunca ter feito uso de quaisquer espécie de substâncias psicoativas.

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Gráfico 17 – Incidência de uso de cigarros, álcool e outras drogas segundo ano da

infração

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00%

Nunca Fez Uso

Alcool e Outras Drogas

Cigarro

Não Informado

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.8.2. Uso psicoativos segundo idade do adolescente

Há diferenças relevantes na idade dos adolescentes segundo o uso de substâncias psicoativas? Com qual idade o adolescente está mais suscetível ao uso de psicoativos? Com auxílio do gráfico 18 abaixo percebe-se que o percentual de adolescentes em conflito com a lei que admitiram o uso de substâncias psicoativas cresce com o avançar da idade chegando a 43% entre os adolescentes na faixa etária dos 18 a 21 anos. Identificando uma maior vulnerabilidade para o contato e uso destas substâncias nesta faixa etária. Contudo, esta associação embora seja significativa estatisticamente (Sign. 0,02), é ainda bastante fraca (0,141 – Coef. Contingência).

Gráfico 18 - Uso psicoativos segundo idade do adolescente

12 a 13 anos 14 a 15 anos 16 a 17 anos 18 a 21 anos

504540353025201510

50

Alcool e Outras Drogas

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

Page 66: Livro Doze anos Duzia de Historias

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.8.3. Uso psicoativos segundo pessoas com quem mora o adolescente

Já dissemos que umas questão relevante para a explicação do uso de substâncias psicoativas é a composição familiar do adolescente. Pressupõe-se normalmente que a desestrutura familiar é fator decisivo para o envolvimento do jovem com ilícitos e com uso de psicoativos. Contudo, os dados aqui acumulados desmentem em parte esta pressuposição. Nota-se, com auxílio da tabela 20, que apesar de existir uma variação importante no que tange a associação entre uso de psicoativos e situação familiar do adolescente em conflito com a lei essa variação não possui um sentido unívoco (vê-se por exemplo uma baixa incidência entre adolescentes que residem apenas com o pai, e não há diferença expressiva entre o percentual de adolescentes que residem com ambos os pais ou somente com a mãe). A associação é estatisticamente significativa (Sign. 0,000), mas é ainda baixa (V Cramer – 0,294).

Tabela 20 – Uso Psicoativos segundo pessoas com quem mora o adolescente

Composição Familiar

Uso Psicoativos

TotalNunca Fez Uso Cigarro

Alcool e Outras Drogas

Ambos os pais 59,4 8 32,5 492

Só com a mãe 49,7 14,1 36,1 223

Só com o pai 61,5 12,8 25,6 47

Parentes 38,3 19,1 42,5 56

Cônjuge/Companheiro 100 0 0 4

Sozinho/Amigos 50 25 25 4Serviços Públicos/Abrigo 0 50 50 4

Rua 0 50 50 2

Total 394 78 242 916

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul, SC

– 1999 – 2011.

3.8.4. Uso psicoativos segundo estado civil pais do adolescente

Se os dados mais acima (Tabela 20) não confirmavam a hipótese de que falta de estrutura familiar é decisivo no envolvimento infracional e com psicoativos, os dados relativos ao estado civil dos pais dos adolescentes em conflito com lei trazem alguma luz a este respeito. Dentre os adolescentes cujos pais eram

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separados ou divorciados o percentual de envolvimento com psicoativos destaca-se, atingindo 43%, bastante acima do percentual entre adolescentes cujos pais estavam casados, 27,7%. A associação é estatisticamente significativa (Sign. 0,00), mas apenas fraca (V Cramer – 0, 180).

Tabela 21 – Uso psicoativos segundo estado civil pais do adolescente

Estado Civil Pais

Uso Psicoativos

TotalNunca Fez Uso Cigarro

Alcool e Outras Drogas

Casados 63,6 8,6 27,7 349Separados/Divorciados 46,5 10,4 43 196

Viúvo 47,7 17,9 34,3 67

Regime União Estável 55,5 25,9 18,5 27

Falecidos 100 0 0 4

Solteiro(a) 37,5 25 37,5 8

Total 370 72 215 657

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

3.8.5. Uso psicoativos segundo situação escolar

A evasão escolar é um dado normalmente associado ao uso de psicoativos. Dado que se confirma também no casos dos adolescentes em conflito com a lei: em 39,3% dos casos em que estes jovens estavam fora da escola registrou-se envolvimento com psicoativos. Contra 28,5% de incidência entre adolescentes que estavam em regular situação escolar. A associação neste caso é significativamente estatística (Sign: 0,00) e passa a ser moderada (Coef. Contingência: 0,304).

Tabela 22 – Uso psicoativos segundo situação escolar

Situação Escolar

Uso Psicoativos

TotalNunca Fez Uso Cigarro

Alcool e Outras Drogas

Estudando 62,3 9,4 28,5 484

Fora da Escola 44,4 16,1 39,3 277

Total 338 70 193 601

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul,

SC – 1999 – 2011.

Page 68: Livro Doze anos Duzia de Historias

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Doze Anos Dúzias de Histórias

3.8.6. Uso psicoativos segundo situação de emprego

O uso de psicoativos é também mais recorrente entre os adolescentes em conflito com a lei que não trabalhavam no momento da infração. Dentre estes jovens a incidência no uso de alcool e outras drogas é de 38%, consideravelmente acima do incidência do uso de psicoativos entre os jovens que laboravam no momento da infração (26%). Aqui a associação é significativa estatisticamente (Sign: 0,00) e moderada (0,320 – V de Cramer).

Tabela 23 – Uso psicoativos segundo situação emprego

Situação Emprego

Uso Psicoativos

TotalNunca Fez Uso Cigarro

Alcool e Outras Drogas

Trabalhava 58,6 15,4 26 292

Não Trabalhava 54 7,7 38,2 374

Total 373 74 219 666

Fonte: Banco de dados do serviço de Medidas Socioeducativas do Município de Jaraguá do Sul, SC

– 1999 – 2011.

Page 69: Livro Doze anos Duzia de Historias

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Doze Anos Dúzias de Histórias

Consolidando as Análises

O adolescente em conflito com a lei carrega um estigma ambivalente. De um lado a sociedade de forma geral parece querer prolongar indefinidamente sua adolescência, fenômeno identificável com as práticas consumistas e de fuga das responsabilidades da vida adulta14. De outro, sem a menor cerimônia, elege a figura do adolescente como responsável pelo aumento dos índices de violência e sentimento de insegurança pública “(...) que resulta fixar uma imagem pública do delinquente com componentes de classe social, étnicos, etários, de gênero e estéticos” (ZAFFARONI et al., 2003, p. 46).

No contexto das políticas públicas e do sistema socioeducativo esta visão estigmatizante acarreta em danos não somente ao adolescente:

Aqueles que entendem que punir é sinônimo de educar não hesitam em, rapidamente, atribuir ao adolescente, autor do ato infracional, a principal responsabilidade de toda a violência social instalada no cotidiano social (…) atribuir a um determinado segmento populacional a responsabilidade pela violência, cria no imaginário social a ideia de isenção da responsabilidade coletiva na busca de alternativas para uma situação já insustentável. (AGUINSKY & CAPITÂO, 2008, p. 261)

Fenômeno social que está de acordo com o que diz Baratta (2004, p. 210) “Las clases subalternas son, en verdad, las seleccionadas negativamente por los mecanismos de criminalización”. O escoadouro deste estigma deságua nas propostas de redução da idade penal, possibilidade de internação compulsória, imposição de “toque de recolher” limitando a permanência do adolescente nas vias públicas em determinados horários e uma série de outras medidas que, na verdade, beiram à criminalização do ser15 jovem.

Percebe-se, no mesmo passo, a algumas vezes identificável segregação ocorrida nas representações do adolescente em conflito com a lei. Assim, o bom jovem, o adolescente, é este de que fala o ECA na perspectiva garantista. Aquele outro, o adolescente em conflito com a lei, é o menor delinquente, infrator, bandido em formação cujo júbilo deve ser abortado a qualquer custo. Ou, para utilizar-se da dicotomia antropológica bom selvagem X mau selvagem, este, é o jovem civilizado, educado e obediente. Aquele outro, é o mau selvagem, agressor, incorrigível e que

14 Tendência explorada com maestria pelas campanhas publicitárias, senão, delas resultado mesmo.

15 O ser jovem é aqui abordado no seu sentido ontológico. Na verdade, nesse sentido, é que nos parece apresentar-se esta ambivalência.

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precisa passar pelo processo civilizatório (socioeducativo?) mesmo que contra a sua vontade.

Teria-se assim uma estigmatização ambivalente e uma avaliação dicotômica do adolescente. Esta avaliação pode ser captada, não sem alguma dificuldade, naquilo que Lévi-Strauss (1995, p. 34) vai denominar modelos inconscientes da sociedade16. Identificável nas manchetes e páginas policiais de jornais e periódicos impressos ou eletrônicos com alguma frequência depara-se com a seguinte formulação jornalística: “Menor Mata/Esfaqueia/Rouba Adolescente17.

Este quadro piora quando percebe-se que até mesmo entre os profissionais responsáveis pelo processo socioeducativo, muitas vezes, é manifesta a representação recriminadora do adolescente em conflito com a lei:

Observa-se que, para esses sujeitos, a família capaz de ajudar os adolescentes seria justamente o modelo de família ideal, leia-se, família nuclear, que constitui a base da sociedade. Na medida em que esses adolescentes não se encaixam nesse modelo ideal de adolescência, as práticas dos ADSs são no sentido de minimizar os problemas trazidos por eles. Tais práticas baseiam-se em princípios corretivos e punitivos, como pôr de castigo nas celas e proibi-los de exercer as atividades educativas, que deveriam ser asseguradas, uma vez que fazem parte do cumprimento da pena em regime de internação. Isso nos leva a crer que antigas concepções, anteriores ao ECA, ainda perduram. A representação social dos ADSs relativas aos adolescentes parece ancorar-se nas idéias de correção e punição que pautavam a doutrina da situação iregular. Esta antiga concepção não faz parte apenas da representação dos agentes sociais, mas também, e, sobretudo, da instituição, que contrata funcionários de firmas de segurança para

16 O estruturalismo antropológico desenvolvido por Lévi-Strauss considera, na análise dos diferentes modelos de sociedades, elementos conscientes e inconscientes. Estes últimos, de dificílima assimilação, seriam responsáveis por toda representação social desprovida de fundamentos conhecidos ou conscientes. (ASSIS & KUMPEL, 2011, p. 210) Si existe un sistema consciente, éste solamente puede ser el resultado de una especie de “media dialéctica” entre una multiplicidad de sistemas inconscientes, cada uno de los cuales concierne a un aspecto o un nivel de la realidad social. (LÉVI-STRAUSS, 1995, p. 34)

17 Em rápida pesquisa: “Menor enfurecido mata adolescente com 13 facadas em praça pública” disponível em http://www.contilnet.com.br/ Conteudo.aspx?ConteudoID=11549. Acesso em 12/09/2011. “Menor mata adolescente com 2 facadas” Disponível em portaldaclube.globo.com/noticia.php?hash...id=10525. Acesso em 12/09/2011. “CN - Menor de 11 anos mata adolescente de 15 em Matinha” Disponível em http://www.1cn.com.br/ApresentaSite.asp?o=100&t=848. Acesso em 12/09/2011.

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serem os responsáveis pela guarda e proteção desses jovens. (ESPÍNDULA & SANTOS, 2004, p. 366).

Uma das formas de discutir com estas representações recriminadoras é a acumulação de dados fáticos que possam constituir argumento a favor de uma visão multidisciplinar e mais abrangente do adolescente em conflito com a lei. Por esta razão, entre os parâmetros socioeducativos estabelecidos pelo SINASE (p. 64 e 93) está o de consolidar mensalmente os dados referentes a entradas e saídas dos adolescentes, perfil do adolescente (idade, gênero, raça/etnia, procedência, situação com o sistema de justiça, tipificação de ato infracional, renda familiar, escolarização antes e durante o cumprimento da medida, atividades profissionalizantes antes e depois do cumprimento da medida, uso indevido de drogas e registro da reincidência). Esta acumulação de dados fáticos reveste-se de importância tanto para o planejamento, monitoramento e avaliação e condução dos trabalhos, como pela contribuição que pode fornecer para quebra de estigmas, preconceitos e falsas crenças no que concerne ao adolescente em conflito com a lei. Contudo, é muito fácil se perder no emaranhado de dados. Com vistas a facilitar a leitura geral cabe sistematizar aqui algumas considerações de ordem geral.

Em primeiro lugar é necessário adotar cautela na tomada de conclusões. Os dados apresentados no cruzamento de variáveis embora estatisticamente significativos18 apresentaram coeficientes de associação na maior parte das vezes bastante baixos, o que faz com que a aceitação das associações entre os dados deva ser tomada com reservas, evitando-se generalizações e determinismos. Além disso não há que se esquecer que a amostra embora extensa (1053 casos – 12 anos de serviço) comporta a realidade de apenas 1 município – Jaraguá do Sul, o que é muito pouco no cenário de diversidade do País. Contudo, são dados que sempre podem trazer alguma luz ao tema.

Neste sentido cumpre iniciar apresentando-se os resultados para: 1) a análise descritiva de cada uma das variáveis relativas aos adolescentes (aspectos individuais da pessoa do adolescente e aspectos socioeconômicos; composição familiar; escolarização do adolescente; aspectos comportamentais, dados relativos às medidas socioeducativas aplicadas), e; 2) cruzamento entre variáveis no qual investigou-se possíveis associações entre variáveis buscando explicação para a reincidência e uso de substâncias psicoativas.

18 Traduzindo em miúdos: isto quer dizer que para todos os dados apresentados em cruzamentos, a fim de obter possíveis associações, as chances de que os resultados estejam se dando ao acaso são sempre inferiores a 5%. O que torna estes dados aceitáveis.

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1 – Análise Descritiva

a) Aspectos individuais da pessoa do adolescente e aspectos socioeconômicos

No que tange aos aspectos individuais dos adolescentes concluiu-se que constituem uma maioria de adolescentes do sexo masculino com uma participação de adolescentes do sexo feminino de 7,7%, dado similar à distribuição carcerária no estado de SC. Os adolescentes em medida situavam-se em 48,6% dos casos na faixa etária dos 16 a 17 anos. Dado que causou surpresa foi a constatação de que 43,5% da população de adolescentes atendidos trabalhava no momento da infração. Procurando traçar um perfil socioeconômico das famílias dos adolescentes trabalhou-se com a variável profissão do principal mantenedor familiar. Constatou-se que 62,8% dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa provêm de grupos familiares nos quais o principal mantenedor é empregado assalariado, autônomo ou aposentado. Em 7% dos casos o grupo familiar não detinha renda própria. Em 4,7% dos casos o mantenedor era funcionário público e apenas 2,8% se constituíam de profissionais liberais e empresários, presumivelmente numa faixa de renda mais destacada. Quando se considera somente a renda familiar declarada observou-se que 75,7% dos adolescentes provêm de famílias cuja renda não ultrapassa os 3 salários mínimos. Por fim, observando-se a variável que diz respeito às condições de residência dos adolescentes têm-se que 40% dos adolescentes em conflito com a lei residem em imóveis alugados, contra 51% residindo em casa própria, comparativamente, segundo dados obtidos pelo IBGE no PNAD/2009 na região Sul do Brasil, no universo de domicílios pesquisados 70,8% constituíam-se de residências próprias, 5% de imóveis financiados, e 15% de imóveis alugados. Portanto, os resultados obtidos para a amostra que considera os adolescentes em medida socioeducativa reafirma que a maioria dos adolescentes em conflito com a lei provêm de famílias de condições econômicas bastante desfavoráveis.

b) Composição familiar

No que concerne à composição familiar verificou-se que a maior parte dos adolescentes em medida socioeducativa residia com ambos os pais (53,8%), 24,1% conviviam com apenas a mãe, 5% com apenas o pai e 6,1% residiam com parentes. Observou-se ainda que em quase 57% dos casos os adolescentes conviviam com pais casados ou conviventes em regime de união estável. Ao passo que em 31,1% dos casos os adolescentes conviviam com pais separados ou divorciados

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c) Escolarização do adolescente

Voltando-se para a taxa de escolarização do adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas constatou-se que 67,6 % dos adolescentes estavam estudando no momento da infração contra 32,3% fora da escola, ou seja, a maioria dos jovens estava inserida na escola no momento da infração. Comparativamente o relatório de pesquisa do Ministério Público Federal do DF e Territórios aponta que entre aqueles adolescentes em medida socioeducativa19 a escolarização (matrícula) é de 73,2%. O que pode sugerir que em alguma medida a simples manutenção dos jovens nos bancos escolares não é suficiente para prevenção da prática infracional.

Por outro lado, no que tange ao grau de escolaridade verificou-se que 56% dos adolescentes que cumpriram a medida socioeducativa, não completaram o ensino fundamental. Um dado que, pode ser indicativo de que embora o adolescente esteja inserido na escola, não está havendo um completo envolvimento no processo de aprendizagem. Esta conclusão pode ser referendada pelos dados que mostram um déficit escolar do adolescente em conflito com a lei: i) considerando que segundo o fluxo normal de ensino o adolescente conclui o ensino fundamental aos 14 ou 15 anos, ii) Observados os adolescentes na faixa etária dos 16 a 17 anos constata-se que 40,6% não haviam concluído o ensino fundamental na idade padrão, iii) Quando considerada a faixa etária dos 18 a 21 anos o percentual de adolescentes com ensino fundamental inconcluso é ainda maior: 45,6%, e iv) O percentual destes jovens que possuem o ensino médio completo (padrão para a idade) é de apenas 6,3%.

Por intermédio de alguns dados escolares foi possível apreender também aspectos socioeconômicos dos adolescentes em conflito com a lei, identificando-se que os adolescentes em medida socioeducativa oriundos de escolas particulares constituem absoluta minoria: 7,4% dos casos e que por outro lado em 32,7% dos casos o principal mantenedor familiar não possuíam mais do que o ensino fundamental incompleto, 11,2% possuíam o ensino fundamental completo, 3,4 possuíam o ensino médio incompleto e 9,5% o ensino médio completo. Somados os dados, em 44% dos casos os adolescentes são oriundos de famílias cujo principal mantenedor familiar não possui mais que o ensino fundamental. O percentual de adolescentes cujo principal mantenedor possuía ensino superior não passa de 2,5% dos casos

19 O Relatório não informa a que tipo de medida socioeducativa se refere, se em meio aberto como neste caso ou se envolve também medidas de internação, e semi-liberdade.

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d) aspectos comportamentais,

Um dos fatores normalmente usado nas tentativas de explicar a prática infracional é o uso de psicoativos. A hipótese, portanto, é de que a maioria dos adolescentes atendidos fizessem uso de alguma substância psicoativa. Contudo, neste caso, esta hipótese não se confirmou, 51,7% dos adolescentes informaram nunca terem feito uso de substâncias psicoativas. O percentual de adolescentes que informaram o uso, porém, não é nada desprezível, chegando a 37,1%. Cabe ressaltar, mais uma vez, a decisão metodológica de agregar o uso de álcool com outras drogas, substâncias que podem diferir quanto à licitude, mas não quanto aos seus efeitos no indivíduo. A incidência é maior entre os jovens do sexo masculino. O percentual de adolescentes do sexo feminino que declarou nunca ter feito uso de quaisquer substância psicoativa chega a 60% dos casos.

Observando-se as principais práticas infracionais (Tabela 10) vê-se que de longe os mais recorrentes são furto 36,7% e porte de entorpecentes 17,6% seguidas de brigas e/ou agressão 7,3%. Juntas estas três infrações correspondem a mais de 60% das infrações cometidas pelos adolescentes. Importa notar que as infrações praticadas com violência ou grave ameaça, mesmo agregadas20, não passam de 6,4%. Digna de nota a similaridade do uso de substâncias psicoativas declarado pelas adolescentes do sexo feminino (quase 60% disseram que nunca fizeram uso) com o dado da prática de infração por porte de entorpecente, vê-se que entre as adolescentes esta prática infracional é bastante reduzida em relação aos adolescentes do sexo masculino.

Por outro lado, a incidência das infrações equiparadas aos crimes de furto, briga/agressão, estelionato, ameaça, e crimes contra a fé publica é maior entre as adolescentes do sexo feminino.

e) dados relativos às medidas socioeducativas aplicadas

O principal de medida socioeducativa aplicada pelo juizado da infância e juventude, dentre aquelas previstas no art. 112 do ECA, quase 80% dos casos, foi a medida de Prestação de Serviços à Comunidade (na maior parte das vezes medidas de 2 a 3 meses de duração). Na ampla maioria do casos, 74,8%, os adolescentes cumpriram regularmente a medida socioeducativa aplicada e a taxa de abandono de medida socioeducativa foi de 13,2%. Em 44% dos casos a duração da medida socioeducativa ultrapassou o prazo fixado pela justiça. Dado que pode ser explicado: a) por abandonos e faltas com necessidade de resgate ocorridos no ínterim da medida; b) 20 As seguintes infrações estão agrupadas para formar esta categoria infracional: Assalto a

Residencia, Furto com arrombamento, Porte arma de fogo, Assalto mão armada, Ameaça com arma de fogo, Assalto mão armada residencia, Lesão Corporal, Tentativa Roubo, porte de arma e entorpecente, assalto Furto + Porte de Arma, Arrombamento com Furto.

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períodos de férias, recesso do serviço de medidas; e c) adolescentes que ingressam no mercado do trabalho e tem o cumprimento da medida reprogramado. Contudo, esse dado merece atenção. Além dessas hipóteses explicativas, há que se manter vigilância para identificar que fatores podem estar causando este alargamento do prazo de cumprimento de uma parcela considerável das medidas socioeducativas. Fato que somente endossa a importância da construção de instrumentais como este banco de dados para a eficiente condução dos trabalhos. A maioria dos adolescentes atendidos (51,5%) cumpriu a medida socioeducativa em instituições conveniadas ao serviço. Este dado é reflexo, em parte, ao fato de que boa parte dos adolescentes trabalhava no momento da infração, tendo que executar a medida nos finais de semana e em horários alternativos. Mas também ao fato de que a medida deve ser adequada às condições do adolescente, fazendo com que em muitas vezes fosse mais apropriado o cumprimento nestas instituições. Um dos principais indicadores do fluxo de atendimento socioeducativo e que constituiu parâmetro da efetividade das intervenções do serviço é o índice de reincidência (SINASE, p. 93), nesse sentido, constatou-se que o percentual de adolescentes reincidentes em medida socioeducativas, que não ultrapassa os 20% dos casos atendidos índice que vem sendo reduzido nos últimos anos e esta na casa dos 7% no último ano da série de dados. Identificou-se que 37% dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa tiveram prévia passagem por outros serviços da rede de atendimento e proteção à criança e ao adolescente.

Dado que merece todo o destaque é o de que em apenas 2,5% dos casos os processos de apuração do ato infracional foram acompanhados de defesa técnica por defensor dativo ou advogado em descumprimento ao que determina de forma expressa o ECA nos arts. 110, 111, III e art. 141, § 1°.

2 – Teste estatístico

No teste estatístico de hipóteses tratou-se de investigar possíveis associações entre as variáveis na tentativa de explicar a reincidência no ato infracional e o uso de psicoativos. Poucos cruzamentos, contudo, restaram com coeficientes expressivos de associação21. Os quais reproduzimos abaixo:

21 Lembrando que para mensurar a magnitude das associações encontradas adotou-se Davis (1976) para quem a associação compreendida entre 0 a 0,09 é considerada associação desprezível; de 0,10 a 0,29 associação baixa; de 0,30 a 0,49 associação moderada; de 0,50 a 0,69 associação substancial e de 0,70 ou mais: associação forte.

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Composição Familiar

Uma das questões normalmente apontada como relevante para a explicação do uso de substâncias psicoativas é a composição familiar do adolescente. Pressupõe-se normalmente que a desestrutura familiar é fator decisivo para o envolvimento do jovem com ilícitos e com uso de psicoativos. Contudo, os dados aqui acumulados desmentem em parte esta pressuposição. Notou-se, (Tabela 20) que apesar de existir uma variação importante no que tange a associação entre uso de psicoativos e situação familiar do adolescente em conflito com a lei essa variação não possui um sentido unívoco (vê-se por exemplo uma baixa incidência entre adolescentes que residem apenas com o pai, e não há diferença expressiva entre o percentual de adolescentes que residem com ambos os pais ou somente com a mãe). A associação é estatisticamente significativa (Sign. 0,000), mas é ainda baixa (V Cramer – 0,294). Mas se, por um lado os dados que revelam com quem mora o adolescente não confirmavam a hipótese de que falta de estrutura familiar é decisivo no envolvimento infracional e com psicoativos, os dados relativos ao estado civil dos pais dos adolescentes em conflito com lei trazem alguma luz a este respeito. Dentre os adolescentes cujos pais eram separados ou divorciados o percentual de envolvimento com psicoativos destaca-se, atingindo 43%, bastante acima do percentual entre adolescentes cujos pais estavam casados, 27,7%. A associação é estatisticamente significativa (Sign. 0,00), mas apenas fraca (V Cramer – 0, 180).

Evasão escolar

A evasão escolar é um dado normalmente associado ao uso de psicoativos. Dado que se confirma no casos dos adolescentes em conflito com a lei: em 39,3% dos casos em que estes jovens estavam fora da escola registrou-se envolvimento com psicoativos. Contra 28,5% de incidência entre adolescentes que estavam em regular situação escolar. A associação neste caso é significativamente estatística (Sign: 0,00) e passa a ser moderada (Coef. Contingência: 0,304).

Situação de trabalho

O uso de psicoativos é também mais recorrente entre os adolescentes em conflito com a lei que não trabalhavam no momento da infração. Dentre estes jovens a incidência no uso de álcool e outras drogas é de 38%, consideravelmente acima da incidência do uso de psicoativos entre os jovens que laboravam no momento da infração (26%). Aqui a associação é significativa estatisticamente (Sign: 0,00) e moderada (0,320 – V de Cramer).

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4 - RELATOS DE VIDA DOS ADOLESCENTES EM CON-FLITO COM A LEI

Histórias de vidas, vida na história de quem descobre que o mundo lhe reserva muitas possibilidades. Viver, mudar, aprender, recomeçar. São escritas de adolescentes que buscam o seu lugar que por algum momento lhes foi negado. São palavras de sede, de vontade, que por vezes, esquecidas, se fazem presentes, descortinando o que estava abafado pelo preconceito e o medo.

É uma das oficinas coordenada pela pedagoga do programa e que resultou na elaboração das histórias de vida contidas neste trabalho. Teve como objetivo geral, oportunizar aos adolescentes a escrita da sua história de vida a fim de refletir sobre o seu cotidiano, proporcionando o autoconhecimento e a elaboração do seu projeto de vida. Também estimular o adolescente a escrever e refletir sobre a sua própria vida, reestruturar a escrita da história, observando as regras gramaticais, estética, estrutura textual e socializar as histórias aos demais profissionais da equipe, aos familiares dos adolescentes e, com a publicação, também à comunidade.

No desenvolvimento da oficina solicita-se que o adolescente escreva livremente, ou seja, ele pode abordar sobre qualquer aspecto da sua vida (escolar, familiar, sobre o ato infracional). Com isso o texto flui e muitas vezes os remete para algo que ainda o incomoda. Então, educador e adolescente refletem e propõem um novo caminho, novas possibilidades de vida. Através de um novo parágrafo, delineiam projetos de vida que poderão tomar forma no cotidiano do escritor.

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Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)

As ações socioeducativas devem exercer uma influência sobre a vida do adolescente, contribuindo para a construção de sua identidade, de modo a favorecer a elaboração de um projeto de vida, o seu pertencimento social e o respeito às diversidades (cultural, étnico-racial, de gênero e orientação sexual) possibilitando que assuma um papel inclusivo na dinâmica social e comunitária. (2006, p.52)

Trata-se da presença efetiva da pedagogia no trabalho educativo com os jovens. Ao escrever a sua história, o adolescente reflete e repensa sobre si, suas vivências, suas escolhas. É uma possibilidade de se fazer presente, de revisitar a sua vida proporcionando o seu autoconhecimento. Aos poucos, construímos com ele o seu projeto de vida numa relação de acolhimento, em que cada um tem importância para o outro e numa relação de cumplicidade. Para reforçar o que chamamos de cumplicidade na aprendizagem: Clodoaldo Cardoso explica que:

Nem o educador e nem o educando são, isoladamente, o centro energético que impulsiona o processo de aprendizagem. Este centro está no encontro entre eles, como numa dança em que os passos marcados acabam por fluírem livremente, tornando quase imperceptível quem conduz e quem é conduzido. (1995, p. 64)

Através da escuta, da fala e da escrita da sua história o adolescente percebe que também pode ser ouvido e que a sua história tem valor e lugar no mundo. É também o espaço de reflexão sobre a falta de oportunidades e de políticas públicas que atendam às necessidades dos adolescentes22.

22 Ressaltamos que todas as escritas dos adolescentes foram cuidadosamente analisadas e autorizadas por eles e seus responsáveis.

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Um grande aprendizado

No ano passado, eu e mais três colegas estávamos na frente de um centro comercial. Eles, como sempre, começaram a fumar. Havia ali uma comerciante que pediu pra eles se retirarem. Não sei direito o que aconteceu, se um deles não escutou e ficou por lá... nisso veio um homem e chutou um dos meus amigos. Ao ver essa cena, eu e outro colega tentamos segurar o agressor o que acabou gerando uma grande confusão e acabamos sendo levados para a delegacia.

Fomos julgados por agressão, nossos pais foram chamados e fui convocado para comparecer a uma audiência no Fórum. Nessa audiência eu recebi uma Medida Socioeducativa de Prestação de Serviços à Comunidade e é por isso que eu estou aqui!

Eu achei justo, pois cometi um erro e durante o cumprimento desse serviço, tive tempo para refletir sobre o meu ato. Aprendi com isso e sei que não vou mais cometer o mesmo erro.

Agora penso em me afastar dessas confusões, não me envolver mais em brigas, voltar a estudar, arrumar um trabalho, me formar e ajudar meus pais no que eles precisarem.

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Vivendo e aprendendo

Minha história de vida começou no dia em que nasci. Logo que nasci, fui adotado pelos meus pais com quem convivo até hoje. Cresci, aprendi e terminei meus deveres de adolescente, que foi com o término do ensino médio. Terminei meus estudos e pretendo aprimorá-los fazendo uma faculdade, de preferência na área de informática.

No meu dia a dia, acordo às 9 horas e vou trabalhar ajudando meus pais no trabalho deles. Com eles aprendi muito e cresci. Posso afirmar que 80% do que sou hoje é resultado do que aprendi com eles. Tive e talvez tenho muitas amizades hoje, mas amizade de pai e mãe é completamente diferente e muito essencial. Já me decepcionei muito com amizades e hoje, pra mim, a palavra “amigo” é muito forte pra ser oferecida a alguém.

Pretendo ser alguém na vida, talvez ter uma família, futuramente, poder superar todos os altos e baixos de cabeça erguida e ter orgulho de ser quem sou e ter o que tenho. Vou lutar e conquistar! Nada vem de graça. Tudo que vem fácil, vai fácil.

Hoje estou aqui, prestando serviço comunitário e escrevendo essa “história”. Estou aqui por um ato infracional, mas vou superar isso tudo e sair com a cabeça erguida.

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Minha vida no papel

Chega um dia em que todos nós pensamos “porquê” que todo mundo erra. Eu penso que todos erramos porque é da natureza do ser humano e devemos aprender com tal erro para que nunca mais sejam repetidos.

Meu nome é Rafael, sei que errei e é por isso que estou aqui. Mas, se eu fosse ver todas as minhas atitudes antes de chegar a essa instituição, eu estaria vivenciando uma catástrofe de emoções, pois, se uma pessoa comete um erro e se sente mal com isso, ela deve procurar uma solução para que isso não seja mais cometido e para que isto não a perturbe mais.

Eu estudo no ensino médio, gosto de ler, de jogar bola, de escrever poemas e de sair. Cometi um ato infracional há um ano, mas já estou cumprindo a medida no tempo total de 6 meses e estou gostando muito de estar aqui. Digo a todos que passaram ou ainda passarão por isso que agarrem todas as chances, pois só assim se sentirão melhores e redimidos.

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Minha história de vida

Tenho 16 anos, nasci aqui em Jaraguá do Sul, estudo na sexta série, já trabalhei de eletricista de som de carro e sempre morei com os meus pais.

No ano de 2010 eu e o meu melhor amigo fomos no mercado e, chegando na hora de ir embora, o meu amigo disse que ele iria pegar a sua bike que a mãe dele havia deixado ali. Pegamos a bike e fomos embora. Só que eu não sabia que essa bike era roubada.

Chegando perto da nossa casa, o segurança do mercado pegou a gente e chamou a polícia.

Hoje, estou pagando serviço comunitário e a minha vida melhorou muito porque eu consegui pensar sobre o que aconteceu.

Pro meu futuro eu quero trabalhar numa empresa, quero comprar uma casa e ajudar a minha família.

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Minha história

Tenho 14 anos estudo no nono ano do ensino fundamental e também faço um curso de informática.

Moro com minha a família. Meu pai bebe muito e fica brigando conosco. Minha mãe é muito legal ela sempre nos protege do meu pai quando ele briga com a gente. Eu e meu irmão somos muito parceiros às vezes brigamos, mas é normal. Adoro sair com as minhas amigas e amigos e também gosto muito de jogar futsal.

Estou aqui por uma besteira, não soube me controlar na hora certa e por isso estou pagando pelo meu erro. Não queria estar aqui e fazer minha mãe decepcionar-se comigo. Nunca pensei em estar aqui, mas estou! Agora vou cumprir e acabar com isso. Até que aqui não é tão ruim como pensei. Estar aqui não vai ser ruim e sim um aprendizado. Poderia contar como foi que eu vim parar aqui, mas gostaria de não comentar, quero agora guardar só para mim.

Nas horas vagas adoro ler livros, escudar um bom e velho rock’n rol e mexer no computador.

Quando eu cumprir a medida, continuarei a estudar e a fazer novas amizades. No ano que vem vou trabalhar com a minha mãe e ainda estudar.

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A Confusão!

Era um sábado de tarde e eu e meus amigos combinamos de irmos para um show .

Fomos de ônibus, paramos perto de um posto de gasolina, compramos uma caixinha de cerveja e começamos a beber. Deu uma base de quarenta minutos para a gente entrar. Entramos e o show nem tinha começado.

Quando os cantores começaram a cantar, dois amigos meus ficavam se empurrando (de brincadeira) e os seguranças nos levaram para fora. Começamos a discutir com os seguranças, eles vieram “pra cima de nós” e nós nos defendemos.

A Polícia foi chamada e fomos parar na delegacia. Hoje estou pagando medida socioeducativa por um mês.

Tenho muitos planos pro futuro: estudar, trabalhar e formar uma família.

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O retorno da Vida

Desde que nasci sempre morei com a minha vó e sempre dei muito trabalho.

Um dia, eu estava no quintal de casa tentando quebrar uma pedra, quando uma faísca entrou no meu olho.

O tempo foi passando, o meu olho começou a vazar e eu fui parar no hospital. Fiquei dois meses fazendo tratamento em Florianópolis e mesmo assim não recuperei a visão.

Inconformada com a situação, minha vó procurou recursos por todos os lados: nos postos de saúde, no SUS, nos hospitais da cidade e continuei cego do olho direito.

Cresci, fui para a escola e a confusão começou: os colegas riam de mim por causa do meu olho e isso me revoltava. Mas eu não deixava barato, cada um que mexia comigo, eu dava um soco daqueles!

Muitas vezes fui chamado na diretoria e no Conselho Tutelar! Fui expulso de umas seis escolas, frequentei alguns programas da prefeitura e, na adolescência, a Casa da Serenidade.

Aos treze anos minha mãe resolveu morar comigo e meus três irmãos em outro bairro, comecei a estudar na escola de lá e, como já era esperado, os colegas começaram a tirar sarro do meu olho.

A confusão aconteceu no dia em que os colegas me avisaram que um garoto ia me agredir com um canivete lá na escola. Então, eu também levei o meu, escondido na meia. A orientadora tinha sido avisada e falou para me segurarem porque eu estava armado. Com medo e raiva, saquei o canivete e apontei para os colegas. Nisso, ela me segurou e, sem querer, eu a arranhei com a arma. Então eu fugi pro

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mato e logo depois voltei pra escola. Chegando lá, a polícia estava me esperando, me levaram para a delegacia e depois parei no Fórum.

Nesse dia eu apanhei muito dos policiais e da minha mãe. Depois desse fato fui morar com o meu pai em outra cidade e trabalhar com o meu tio. Mas a saudade da vó apertava... então eu fugi e vim morar com ela.

Mas a coisa ficou pior: comecei a roubar e a usar drogas, fiquei totalmente sem medo, maldoso, só fazendo coisas erradas, cavando o próprio buraco! Abandonei os estudos, o serviço comunitário, fui preso no CIP de Joinville e no SER São Lucas em Florianópolis. Lá eu fiquei por seis meses.

Quando voltei, comecei a trabalhar mas recaí nas drogas. Hoje estou iniciando a medida de Liberdade Assistida, vou retomar os estudos e começarei num novo emprego.

No futuro, quero fazer um curso de mecânica, trabalhar e ajudar a minha vó.

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Um ato de erro

Era de manhã, eu estava em casa e pedi dinheiro pra minha mãe para ir até a lan house. Minha mãe estava trabalhando quando eu decidi jogar bola no campinho perto de casa.

Estávamos jogando futebol, quando chegou um dos meus amigos (que agora não é mais) e me convidou para tomar banho no rio perto de casa. Estávamos no rio, quando chegou outro que me convidou para ir num depósito de carros velhos e batidos.

Chegando lá, pegamos umas baterias de carros, uma senhora nos viu e ligou para a polícia. Quando eu e o colega saímos com as baterias, a polícia chegou, ele fugiu e eu fiquei. Eles me levaram para a delegacia, me algemaram e eu fiquei lá das 5 horas da tarde até as 10h da noite, quando a minha mãe veio me buscar.

Na verdade o que nós queríamos mesmo era usar o dinheiro das baterias para jogarmos na lan house.

O que eu penso hoje, é que tudo o que eu fiz no passado foi muito ruim, agora o que eu quero são só coisas boas: trabalhar, estudar e principalmente não “me meter mais em fria”.

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Historia da minha vida

Tenho 16 anos e nasci em Jaraguá do Sul. Quando pequeno sempre fui bem tratado pelos parentes, bem educado pelos meus pais e, na escola, sempre fui bem e tive vários amigos.

Sempre jogava bola e ia para campeonatos, queria crescer e ser um jogador de futebol. Aí eu cresci, comecei a ter outra rotina e fui me afastando do futebol e dos amigos também.

A parte ruim da minha história começa quando eu conheci novos amigos em um bairro onde eu fui morar.

Um dia eu fui numa festa e comecei a me envolver com drogas, conheci bastante amigos que usavam e comecei a me envolver mais e mais. Até que um dia a polícia pegou a gente cometendo um ato infracional e fomos presos.

Depois desse dia eu nunca mais quis saber de usar drogas porque eu vi que aquilo só me prejudicava. Agora eu estudo e quero me formar em educação física pra futuramente ser um professor ou um jogador de futebol.

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A Vida em vinte minutos

Depois do meu nascimento, morei um certo tempo com a minha mãe e o meu pai numa chácara, ou melhor dizendo, num porto na beirada do rio Paraná com o Iguaçu na fronteira do Brasil com a Argentina e com o Paraguai.

Bom, retomando o assunto, eu morei nesse lugar até os dois anos de idade, depois mudei para um bairro fechado, onde só tinha pessoas religiosas. Meus pais se separaram, fui morar com os meus avós até completar 10 anos e, em seguida, fui morar com o meu pai, minha madrasta, meus dois irmãos e dois enteados do meu pai. Fiquei por durante dois anos. Então os dois brigaram e fui morar em outra cidade com a minha mãe. Nesse dia, minha irmã ficou doente, meu padrasto bateu o carro e ficaram internados no hospital durante dois dias. Naquela época o meu padrasto foi para o presídio e continua lá até hoje.

Quando cheguei lá, comecei a estudar num colégio da zona norte onde conquistei boas amizades, mas, infelizmente, mudei de bairro e de escola. Lá eu fiz muitas amizades com os professores e alunos que não durou muito tempo porque eu fiquei desmotivado, comecei a faltar às aulas e ia para outros colégios fazer algazarras.

Um dia, durante uma festa junina no colégio, eu cometi um ato infracional: quebrei as barraquinhas, as janelas da sala dos professores e o diretor chamou a polícia. Os policiais me bateram, fui preso e logo fui liberado. Antes do final do ano, eu abandonei a escola, o Conselho Tutelar tentou me encaminhar para outro colégio, mas eu não fui. No outro ano eu voltei a estudar, briguei com um rapaz, fui expulso, quinze dias depois eu retornei e briguei com os professores chegando a arrancar uma porta da escola.

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Um tempo depois eu me envolvi com o tráfico de drogas, mas acabei sendo preso (eu e meu primo) por 157 (assalto à mão armada). Lá dentro da prisão eu peguei duas medidas disciplinares: fiquei uma semana sem colchão numa sela separada. Fiquei lá por 42 dias. Encontrei um amigo e juntos furtamos um carro, fomos presos e recebi uma Liberdade Assistida de seis meses.

Vim embora para Jaraguá do Sul, estou cumprindo a Liberdade Assistida e me matriculei na escola. Meus planos são de retornar para minha cidade com a minha mãe.

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Uma lição de vida

Tenho 16 anos, nasci em Fraiburgo, mas morei lá por pouco tempo. Mudei para outra cidade onde morei por 9 anos com a minha família e estou aqui em Jaraguá do Sul há 4 anos.

Quando vim pra Jaraguá, comecei a estudar numa escola que ficava perto da minha casa. Até que eu gostava de ir pra escola só que não prestava a atenção em quase nada, ficava conversando e brincando durante a aula, eu gostava mesmo era da aula de educação física porque eu jogava futebol.

A coisa que eu mais gosto de fazer é jogar futebol. Já joguei Futsal, fiz aulas de Capoeira e de Boxe, mas tive que parar de fazer tudo isso porque machuquei meu joelho em uma aula de capoeira.

Depois que eu parei de praticar esportes, comecei a trabalhar em uma lavação, mas não fiquei muito tempo porque a lavação fechou e agora eu fico o dia inteiro em casa ajudando minha mãe e cuidando da minha irmã e do meu sobrinho.

De vez em quando eu saio com os meus amigos e, num fim de semana desses, comprei uma bicicleta de um homem (fiquei com ela por uns 3 meses) até que um certo dia, tocam a campainha lá de casa e, quando minha mãe atendeu a porta era a polícia querendo falar comigo. Fiquei muito nervoso e a polícia falou que a bicicleta que eu tinha comprado era roubada.

Tive que ir para delegacia prestar depoimento junto com meu pai e depois fui numa audiência com o promotor que me deu 1 mês de serviço comunitário e agora aqui estou eu prestando serviço. Eu me arrependo muito de ter comprado algo sem nota fiscal.

Daqui pra frente, penso em retomar os estudos, começar a trabalhar e guardar dinheiro pra comprar um carro.

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Mudar

Minha história é assim: lá em casa nós moramos em 5 pessoas: eu, meus dois irmãos, meu pai e a minha mãe.

Eu não trabalho e por enquanto não estou estudando.

Meu pai trabalha e não falta nem um dia ao trabalho. Ele chega a noite e toma a cerveja dele, mas eu não me incomodo porque ele nunca deixou faltar nada pra nós. Todos os meses ele faz compras e ainda “dá um dinheiro” pra investir na casa que ele está terminando.

Minha mãe estava trabalhando numa firma, mas ela pediu a conta para cuidar de mim e de meus irmãos. Agora ela só fica em casa.

Meu irmãozinho caçula está estudando, está aprendendo a ler e a escrever. Ele nem incomoda, só brinca. Meu irmão mais velho trabalha, mas não estuda. Ele ajuda em casa e se dá muito bem com os meus pais.

Eu queria mudar para os meus pais não ficarem “no meu pé”, começar a trabalhar e voltar a estudar. E quando eu for adulto, quero ser mecânico de carro e de motos.

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Escolha o seu caminho23

Meu nome é Denis Paulo Barbi, nasci em 1981, dia 29 de junho, na cidade de Jaraguá do Sul, Santa Catarina. Aos seis anos meus pais se separaram e tive que viver com minha mãe e meu padrasto em Guaramirim. Ele me maltratava muito e, com oito tive que viver com meu pai e minha madrasta em Curitiba, pois eles se mudaram pra lá.

Acredito que minha história possa ser um exemplo de mudança de vida e também um grande testemunho de que o mundo das drogas não tem futuro. Comecei a me envolver muito cedo, aos nove anos já cheirava cola e infelizmente não parou por aí.

Com doze anos comecei a fumar cigarros e consequentemente a roubar. Perto da minha casa, em Curitiba, tinha uma banca de jornal que vendia cigarros e, eu e meu irmão pedíamos para o dono procurar uma revista que nos interessava e enquanto isso, roubávamos os cigarros. Acho que ele nunca percebeu, pois fizemos isso várias vezes! Você deve estar pensando que roubar cigarros não é nada de grave, mas depois de alguns anos, comecei a roubar bicicletas, bujão de gás, capacete de moto, dinheiro do meu avô e da minha mãe e não era pouca coisa. Depois que me tornei um viciado em drogas notei que tinha perdido a vergonha, não tinha nenhum medo de ser pego fazendo o errado.

Já com quatorze anos comecei a beber, meu pai sempre fumou e bebeu e, acredito que isso serviu como influência. É claro que ninguém me obrigou a fazer o que eu fiz, mas acredito que a criança vai ser o espelho de quem estiver perto dela.

Com quinze anos estava morando novamente em Jaraguá do Sul e depois de tantas experiências conheci um pessoal que me apresentou a maconha. Tive muito

23 O autor que é egresso do serviço, fez questão de ter seu nome divulgado.

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medo de me envolver, mas aconteceu tão rápido que, quando percebi, já estava fumando todos os dias. O cigarro eu fumava só pra estar na moda e porque os meus colegas fumavam. Já a bebida e a maconha era pra me soltar, mas na realidade mesmo, percebi que fazia tudo aquilo por revolta, vingança de alguém que até hoje não consegui definir quem é: meu pai, minha mãe, meu padrasto ou minha madrasta, sei lá.

Com dezesseis anos já foi ficando tudo mais complicado, era cobrado pela minha mãe porque não trabalhava pra ajudar em casa, saía todos os dias para ir pra escola mas nem entrava no colégio. Ficava na rua até meia-noite bebendo e fumando maconha. Não me lembro de quando minha mãe descobriu que eu estava envolvido com drogas, mas sei que ela notava quando chegava chapado em casa.

Nos finais de semana, sempre me encontrava na praça com os meus colegas para ir à danceteria da cidade. Chegava em casa quatro horas da madrugada, bêbado, chapado e muitas vezes tinha que pular a janela do meu quarto, pois meu padrasto fechava a porta pra eu não entrar, mas eu sempre dava um jeito.

Conheci a cocaína quando eu tinha dezessete anos e foi aí que os roubos realmente começaram acontecer. Tinha que manter o vício, fazer a cabeça todos os dias, se não tinha nada pra usar, usava o que conseguia.

Como eu vivia mais na rua do que em casa, estava sujeito a tudo: aos 21 anos já estava com cinco processos no fórum, por brigas, porte de entorpecentes e numa dessas fui pego pela polícia com alguns baseados e autuado no artigo dezesseis como usuário de drogas, sendo encaminhado para a Casa da Serenidade pelo promotor de justiça no dia 20 de maio de 1999. Ainda era menor de idade e tive que cumprir medida socioeducativa, ou seja, fazer algumas horas de serviço comunitário. As coordenadoras Maria Edite e Elizete tiveram algum trabalho comigo. lembro-me que era meio revoltado mas querendo ou não, tive que cumprir com o meu dever.

Houve um dia em que não apareci (não me recordo o porquê) depois de um tempo, quando voltei para continuar minha medida, meu processo já tinha parado nas mãos do promotor de justiça e, novamente tive que conversar com ele, e, de presente ganhei mais algumas horas de medida socioeducativa. Foram alguns meses descascando batatas em um colégio em Nereu Ramos.

Aos dezoito anos me sentia o rei da área, achei uma maneira fácil de conseguir dinheiro, vendendo drogas, vendi muita maconha na cidade, consegui entrar num colégio particular e concluir meus estudos da sétima série ao término do segundo grau (acho que foi a única coisa boa que fiz com o dinheiro do tráfico!). Foi aí que conheci o tal do crack, (o maldito crack!). Nesse tempo já morava sozinho

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pagando aluguel com o dinheiro do tráfico, até tentei trabalhar mas não gostava muito de ser mandado por ninguém, graças a DEUS não me afundei no crack.

Uma coisa interessante aconteceu: numa noite daquelas, lá estava eu sentado em um ponto de ônibus, sozinho fumando um baseado, quando vi, do outro lado da rua um camarada de terno preto caminhando em minha direção. Então, apaguei o baseado pensando que era algum policial à paisana, mas quando se aproximou, percebi que era um crente dessas igrejas barulhentas, sentou ao meu lado, me olhou nos olhos e disse:

– Você não percebe o que está fazendo com a sua vida? DEUS tem um plano pra você e você está destruindo esse plano! Mas ele vai mudar tudo isso!

Naquele momento comecei a rir de tão chapado que estava, mas, no fundo, sabia que o cara estava falando sério e, antes de sair falou pra eu não me esquecer de pensar no que ele tinha me dito e saiu como se tivesse cumprido sua missão.

Confesso que depois de muito tempo fui entender o que realmente significou aquilo. Logo depois o plano de DEUS na minha vida começou a se concretizar.

Aos vinte anos, às seis horas da tarde, fumei minha última pedra de crack, peguei um baseado e saí. Já na esquina, encontrei um colega e fomos fumar aquele baseado. Ali mesmo, fumando, senti uma sensação estranha que até hoje não entendi o que aconteceu. Me senti muito mal, parecia que ia morrer naquele momento, me bateu um desespero tão grande! Acredite, tive tanto medo! Pedi que meu colega chamasse uma ambulância, ele saiu e, nesse meio tempo falei com DEUS e pedi que se ele me livrasse daquela situação, eu iria largar essa vida de drogas e procuraria uma igreja. Joguei minha carteira de cigarros longe e decidi parar. Claro que não foi tão fácil assim, passei por muitos exames, minha pressão arterial estava muito alta e tive que tomar medicamentos. Passei por psicanalista, psicólogo, psiquiatra, clínico geral, cardiologista... fiz todos os tipos de exames que estava ao meu alcance e, até hoje, ninguém sabe dizer o que realmente aconteceu comigo. Mas eu sei: hoje eu acredito que existe um DEUS VIVO que resolveu pôr as suas mãos sobre a minha vida e transformá-la em uma nova história, provando que o impossível (o caso perdido daquele menino que brincava de carrinho e cheirava cola) ELE poderia mudar.

E aquele cara de terno preto, foi na verdade um anjo que DEUS enviou pra me avisar que, no meio daquela loucura ELE iria fazer uma nova criatura, na bíblia sagrada em Mateus 9-12 diz: Os sãos não precisam de médico e sim os doentes. Hoje eu sei que a droga é uma doença e JESUS me curou completamente. Isso aconteceu no dia 16 de dezembro de 2002 e no dia 08 de janeiro de 2003, me internei em uma clínica de recuperação chamada Jovens Livres, na cidade de Blumenau, onde fiquei por três meses e meio.

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Resumindo essa história, hoje estou com 30 anos, casado, meu filho acabou de nascer, dia 27 de fevereiro de 2011, tenho uma vida nova, minha casa, meu carro, minhas coisas e realizei um sonho que era ter um grupo de hip hop e fazer graffiti. Tudo que conquistei, pode ter certeza, que nem o crime, nem as drogas, nem o dinheiro do tráfico me daria. Mas JESUS, a quem sou grato eternamente e pessoas como minha família, minha esposa Daniela, Maria Edite e a Elizete a quem devo muito respeito e consideração, hoje eu tenho coisas boas para compartilhar com todos que me cercam.

Em 2009 voltei à casa da serenidade para ensinar graffiti voluntariamente para os adolescentes que estavam cumprindo medida socioeducativa e, com muito orgulho, poder servir de exemplo. Em 2009 fizemos um projeto e apresentamos à prefeitura, então comecei a trabalhar remuneradamente com os adolescentes. Agradeço ao Jeison, a Carmem e a todos que fazem parte dessa família hoje conhecida como CREAS II. Muito obrigado pelo convite para fazer parte deste livro e que DEUS abençoe a cada um de vocês!

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O reinício

A minha vida há tempos atrás foi um fracasso. Toda vez que eu tentava mudar o meu jeito de ser, sempre dava errado: perdi três empregos, me perdi nas drogas (foi difícil sair, mas graças a Deus, tudo mudou e passou!).

Hoje eu penso em voltar a estudar, trabalhar e ajudar a minha família. Estou prestando serviço comunitário e vejo que é para o meu bem porque se não fosse isso, eu estaria perdido, seria um viciado ou um bêbado jogado na rua, por aí.

O meu ato infracional foi “agressão física”: eu estava no ponto de ônibus e um amigo meu contou que tinha acabado de levar um soco de um rapaz. Então fomos atrás do “cara” tirar satisfação e acabei dando um soco nele. Saí correndo de lá, mas no outro dia compareci à polícia.

Hoje penso que por causa de uma briga quase joguei a minha vida fora, quase parei na cadeia, mas graças a Deus, estou pagando o que devo e, daqui pra frente, tudo vai dar certo.

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Superação

Chegamos em Jaraguá do Sul em 13 de janeiro de 2004, depois de várias tentativas de viver com nosso pai, pois ele é alcoólatra e batia em minha mãe.

Então saímos com o pensamento de não sofrer mais e minha mãe estava exausta de tantas tentativas fracassadas de um casamento de 12 anos.

Quando viemos, éramos muito pequenos: eu com 11 anos e minhas irmãs uma com 6 e outra com somente 2 aninhos. Que bom que tenho uma mãe com pensamentos sempre positivos e determinada, pois tudo que ela quer ela consegue! Depois de 2 anos e 8 meses vivendo em uma casa de aluguel conseguimos conquistar a nossa casa própria em setembro de 2006.

Com 14 anos comecei a trabalhar, auxiliava em uma panificadora e todo dinheiro que ganhava ajudava em casa. Além de padeiro, fui auxiliar de eletricista, encanador e agora com carteira assinada, sou atendente de uma loja de materiais para construção.

Já passei por várias situações na minha vida, mas uma me fez aprender que não há impunidade somente se não existir infração. Em 2010, com 17 anos, fiz algo que por meu raciocínio no momento não seria nada de mais: atrasado para o serviço, peguei a moto de minha mãe sem ela saber. Voltando para casa, começou a chover, a rua estava esburacada, eu me perdi e caí da moto. Populares de lá chamaram a polícia, me machuquei bastante, tive de me afastar do serviço por alguns meses. Passamos bastante dificuldades em casa. Após alguns meses da minha melhora, veio a decisão do juiz para que eu fizesse 32 horas de trabalho comunitário .

Meus dias como ajudante na escola foram os melhores possíveis, pois eu já conhecia vários professores efetivos de lá.

AGORA ESTOU AQUI PARA DIZER QUANTO MAIS RUIM FOR SUA HISTORIA DE VIDA NÃO DESISTA! MUITAS VEZES FAÇA POR MERECER, APENAS SÃO PROVAÇÕES SOMENTE PARA TE MOSTRAR COMO VOCÊ É BOM.

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Minha História

Tenho 16 anos e trabalho em uma malharia. Gosto muito do que faço no meu trabalho e valorizo as amizades que tenho lá. Vivo com a minha mãe, meu padrasto e meus dois irmãos.

Minha mãe e meu padrasto às vezes discutem, mas nada de mais além da discussão.

Penso muito em meu futuro, mas também deixo rolar porque creio em Deus e tenho fé que um dia serei bem mais feliz do que agora.

Quando estou em casa, gosto de tocar violão e de cantar pois é um dom que tenho e agradeço a Deus por ele.

Tenho vontade de estudar, mas o cansaço do trabalho não me permite.

Mas, falando sobre o meu delito, estou ciente de que estava correndo perigo ao dirigir sem habilitação e o mais grave é que fiz uma ultrapassagem que me causou um acidente. Graças a Deus não aconteceu nada grave comigo e nem com o meu carona.

O bom é que não sou apegado aos bens materiais e eu mesmo chamei a polícia. Só não me conformo que o motorista do carro não deu sinal para entrar na esquina e eu ainda ter que pagar o conserto da moto e do carro dele. É por isso que estou aqui prestando serviço comunitário.

O que penso agora é em estudar, trabalhar e ajudar a minha família que tanto me apoia. E se for possível quero ser jogador de futebol ou tocar numa banda de música.

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Minha Vida

Tenho 15 anos, não trabalho, moro com minha mãe, meu padrasto e meus três irmãos dos quais tenho muito orgulho.

Minha família é igual às outras, “rola” um mal entendido de vez em quando, mas sempre no bom sentido, coisa de família... Gosto muito de tocar violão nos tempos livres e nunca deixo de ajudar minha mãe nos afazeres da casa.

Aos sábados eu faço aula de dança de rua e aos domingos faço curso de alemão.

Nas segundas-feiras, frequento um curso de rotinas administrativas, nas terças-feiras vou à Casa de Serenidade cumprir medida socioeducativa pelo erro que cometi. Na quarta-feira faço curso informática e no resto da semana, dedico-me aos estudos e aos afazeres da minha casa.

A coisa mais importante depois da família é o meu “futuro” que pretendo fazer uma faculdade de biologia marinha, pois quero ser biólogo e quando eu for mais velho, me aperfeiçoar no ramo da biologia.

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Agora eu pago!

Tenho 14 anos, moro em Jaraguá do Sul, tenho uma família que se importa comigo, chamam a minha atenção quando faço alguma coisa errada e agora estou “pagando” porque a cabeça não pensou e o corpo pagou.

Tudo começou quando a professora entrou na sala e eu joguei uma pedra na cabeça dela. Ela foi até a delegacia e registrou um “BO” (Boletim de Ocorrência). E, depois de dois meses fui chamado na delegacia e atendido pelo delegado que me deu umas broncas e marcou uma audiência no Fórum para eu comparecer acompanhado de meu pai ou de minha mãe.

Lá no Fórum fui atendido pelo Promotor da Justiça que determinou que eu deveria cumprir serviço comunitário no total de 84 horas.

Hoje estou pagando serviço comunitário na casa da serenidade onde aprendo muitas coisas: cuidar do jardim, preparar a terra para plantar, escrever histórias e fazer alongamento.

Mudarei o meu comportamento na escola porque quero ser eletricista e ajudar minha família.

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A história de um garoto

Tenho 16 anos, estudo, trabalho e infelizmente me envolvi com drogas.

Tive envolvido com drogas por influência de amigos e por causa das drogas parei de ir para escola, me prejudicando no trabalho.

Moro com minha vó porque meu pai e minha mãe são separados e eles não dão muita bola pra mim. Preocupo-me muito, porque a minha vó tem muitos problemas de saúde e tem dificuldades para me criar.

Uma vez a polícia me pegou usando droga, toda minha família ficou sabendo e todos ficaram muito tristes comigo. Foi aí que eu parei de usar.

Hoje estou cumprindo medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade e quero ser muito feliz.

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Acontecimentos

Tenho 17 anos, não estou estudando, mas trabalho desde os 15. Nasci em Jaraguá do Sul e moro com o meu pai, minha irmã, meu cunhado e meus dois sobrinhos.

Eu e o meu irmão estamos terminando de construir a nossa casa e eu gosto muito do que eu faço. Meu pai é pedreiro e nós trabalhamos com ele.

Parei de estudar há uns três anos porque aconteceram muitas encrencas comigo: todo mundo ria de mim, faziam brincadeiras bobas, “sem noção” e eu ficava triste.

Eu estava na escola e, como sempre, briguei com uns garotos durante a aula de educação física. O professor tentou me segurar, eu fugi, pulei o muro da escola e nunca mais voltei a estudar.

Hoje estou cumprindo uma medida socioeducativa porque quebrei um orelhão e me arrependo disso, porque fiquei dois dias na delegacia.

Fui encaminhado pela pedagoga daqui da Serenidade para fazer a minha matrícula no supletivo, mas ainda não fiz.

Para o meu futuro, continuarei trabalhando com construção civil e terminar os estudos junto com o meu tio e meu primo.

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- Sem título -

Sempre fui ou tentei ser um filho exemplar, sempre tive minha família presente, quase sempre tinha o que eu queria, sempre tive amigos, ou seja, eu tinha tudo pra dar certo. Mas infelizmente não foi o suficiente pra mim.

Aos 17 anos cometi um erro gravíssimo em minha vida, acabei tirando a vida de uma pessoa e depois que cometi esse ato, eu já não tinha mais razão pra viver vendo tanto sofrimento em mim, em meus familiares e, principalmente nos familiares dessa pessoa.

De imediato, fui detido e levado à Fundação Casa, em São Paulo e, mais uma vez não via mais motivo pra viver, pensando até em tirar a minha própria vida. Mas, graças a Deus, ao meu pai, à minha mãe e meus familiares, que consegui levantar a cabeça pra superar o que eu estava passando.

Fiquei dois anos e onze meses internado e, foi nesse período que minha vida foi se transformando, pois, comecei a enxergar a vida com outros olhos. Comecei a dar valor ao que realmente importa, coisas simples como falar “eu te amo” aos meus pais (que antes para mim era pura besteira e que naquele momento me fazia muita falta) ou um simples almoço com a família, que eu não gostava e desprezava. Aprendi novas visões: sobre a família, os amigos, responsabilidades, o futuro, enfim, sobre a vida.

Infelizmente eu tive que aprender tudo isso depois de cometer um grande erro que me arrependi e vou me arrepender para o resto da minha vida. Mas, foi com esse erro que a minha vida e as vidas dos meus familiares mudaram, porque depois de tudo o que passamos tivemos força de vontade para recomeçar e passamos a aproveitar melhor as oportunidades. Por isso sou uma pessoa totalmente diferente, sou um homem com planos, metas, objetivos e muita vontade de vencer!

Lembra quando falei que eu tinha tudo para dar certo? Pois é, hoje eu tenho tudo e já estou dando certo!

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A história de um rapaz

Tenho 14 anos, moro aqui em Jaraguá com o meu pai e a minha mãe mora no Paraná com meu irmão de 10 anos.

Estou vindo na Casa da Serenidade porque eu e um colega fomos ao mercado, mas eu não sabia que ele ia roubar. Ele pegou duas barras de chocolate, o gerente viu e pediu para devolver. Aí o homem chamou a polícia, nos levou para a delegacia no camburão e chamou nossos pais para conversar com o delegado. De lá fomos para o Fórum e o promotor falou para nós pagarmos serviço comunitário.

Para o meu futuro, quero terminar os estudos e fazer o curso de manutenção de “micros” para abrir uma “lan house” com o meu amigo.

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História de Marcos

Meu Nome é Marcos e moro com meu pai, minha mãe mora com o marido dela em outra cidade.

O ato que eu cometi foi um assalto ao mercado. Eu não estava sozinho, tinha mais outros “amigos”, a gente estava na pista de skate quando tivemos a ideia (não tão boa assim) de cometer um delito que, querendo ou não, mudou a vida de todos.

E lá estávamos nós bem a fim de cometer o delito: combinamos, recombinamos e fomos até lá. Após o assalto, a gente “tava se achando!” (coisa de idiota), mas, quando fomos “desfrutar” dos produtos do roubo, tivemos uma infeliz surpresa: A POLICIA!

Na delegacia, a pior parte foi chamar os pais e, no dia do julgamento (digamos assim) eu estava muito receoso, pois encheram minha cabeça de besterias e aí veio a notícia: recebi dois meses de serviço comunitário (ou serviço à comunidade).

Minha conclusão: Foi bom ter esta experiência porque eu amadureci e “caí em mim”, tenho a consciência da besteira que eu fiz. Por isso eu digo bem claro: CRIME NÃO LEVA A NADA!

O meu projeto de vida é o seguinte: me profissionalizar no ramo da música, quem sabe uma faculdade, mais além, formar uma família, caso eu achar a pessoa certa (assim espero!). Por fim, ter um emprego bom e fazer minhas tatuagens, principalmente em homenagem aos meus pais por tudo o que fizeram por mim.

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Minha história

Meu passado não foi muito alegre, meus pais se separaram muito cedo e, com dois aninhos, meu pai foi embora e fiquei morando com a minha mãe.

Desde os seis anos eu já ajudava a minha mãe na limpeza de casa, cuidava dos meus irmãos, fazia almoço e estudava.

Aos catorze anos, dois dias antes do meu aniversário eu perdi dois parentes: um avô e um tio.

Morei uns tempos com o meu pai, só que eu não me entendia muito bem com a minha madrasta e resolvi morar com a minha avó. Depois de um ano morando com a minha avó, veio a notícia de que meu irmão tinha morrido. E, sete meses depois, desanimado por ter perdido o campeonato de futebol, mal cheguei em casa e recebi a notícia de que a minha mãe havia morrido. Para mim foi como se o mundo tivesse acabado.

Depois de seis meses, fui morar com a minha outra avó, onde comecei a sair a noite, a fazer o que não devia e andar com más companhias. Eu não ligava o que a minha família falava e acabei sendo pego pela polícia por causa de um crime que meu amigo (que não quero revelar o nome) cometeu. E hoje em dia, estou pagando por tudo que fiz.

Agora, não saio mais a noite, nem ando com más companhias. Resumindo: fiz uma mudança radical na minha vida.

Hoje, estou estudando, meu objetivo é terminar o ensino médio, fazer faculdade de arquitetura e vários outros cursos.

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J.

Meu nome é J. e sou “ de maior”, e ainda sou muito cobrado pelos atos que fiz quando era ‘ de menor”. Vou contar fatos que aconteceram comigo, que me marcaram e mudaram a minha vida. No ano de 2006 em diante, aprontei muito e tive alguns BOs e também fui expulso de quatro escolas e, por causa desses fatos fui me afastando de meus amigos e família. E foi aí que eu conheci uma galera e pensava que eles eram grandes amigos, pois era aquela galerinha que todos respeitavam e eu me sentia seguro com eles, porque pensava que assim ninguém mexeria comigo. Eu deixava de passar a noite e final de semana com minha família para ficar com essa galera.

Cada vez que nós saíamos pra rua, aprontávamos alguma coisa, e muitos vizinhos que gostavam de mim foram perdendo a confiança e pior, minha família também.

Eu moro numa casa cedida e bem velha, cada dia que passa, aparece um buraco diferente por causa dos cupins, tem madeiras de cores diferentes e as janelas são tampadas com papelão. Nós moramos em 6 dentro de 2 quartos, e só meu padrasto trabalhava e sustentava a casa sozinho. Mas em 2006 até 2010 fui só aprontando e conhecendo as drogas, bebidas, cigarro e prostituição e aí eu virei. Em 2011 tudo isso acabou, pois fui acusado de um furto na minha vida. Um furto que eu não tinha nada a ver, mas como minha fama não era boa, acabei levando a culpa sozinho e tive que sair de Jaraguá do Sul, escondido, pois queriam me matar. Fui para Rio Negrinho (SC), fiquei um mês lá, na casa do meu pai, mas não deu muito certo, ele tem outra família lá e foi um mês complicado, pois meu pai não entendia meu lado e sempre me xingava e nós acabávamos brigando.

Um dia fui dormir na minha vó e depois de dois dias fui levado para uma clínica de recuperação lá em Blumenau (SC). Também lá fiquei um mês, meu primeiro

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dia lá foi difícil, pois não conhecia ninguém. Mas depois troquei umas ideias com a “piazada” e já fui fazendo amizade. Eu repartia um quarto com mais três adolescentes. Uma semana depois, fui conhecendo as histórias de cada um dali e vi que eles optaram em mudar de vida e tava dando tudo certo. Foi ali que saquei que também podia mudar a minha. Fui conhecendo algo melhor que me despertou. Uma vontade tão grande de mudar, que não parava de ler, pois alguém de lá me deu um livro. No começo nem dei bola, mas quando comecei a ler, tudo começou a mudar. Ela se chamava “Bíblia”, eu já a conhecia, não dava bola e nem gostava que alguém chegasse e falasse sobre ela. Mas hoje é diferente, hoje eu tenho vontade de falar para os outros. Vinte dias depois saí da clínica, fui para casa e mudei minha vida. Hoje vou à igreja, trabalho registrado e não ando mais com a galera, pois a metade tá presa e a outra morreu, só uns dois amigos mudaram e tão bem. Hoje tenho minhas coisas no meu nome, tenho uma vida normal e todos me respeitam, mas de outra forma.

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Agora sou um cara

Meu nome é L.H.A.C, tenho 17 anos, trabalho e moro com meus pais. Há um ano cometi um ato infracional, uma coisa que eu nunca pensei em fazer, mas como eu tinha “bons amigos” acabei fazendo a maior burrada da minha vida, pensei duas vezes mas acabei dizendo sim e aí o bicho pegou.

Depois de algum tempo comecei a frequentar o CREAS II – Medidas Socioeducativas em meio aberto, prestação de serviços. Foi bom, eu pensava que era muito diferente, mas eu fiz um filme, ajudei na produção e estive na cena. Isso foi demais, é uma experiência que eu acho que nunca vou ter de novo. Mas teve outras coisas legais enquanto frequentava o CREAS, eu até ajudei em uma horta, uma coisa que eu nunca me interessei, mas foi bacana, menos o cheiro do esterco de galinha, mas faz parte.

Quando acabei, acho que mudou alguma coisa em mim, agora penso mais que duas vezes antes de fazer alguma coisa, acho que posso dizer que agora sou um cara certo com os pés firmes no chão.

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5. PALAVRAS FINAIS

5.1.Casos Marcantes

O trabalho com o adolescente é árduo, ele vive transformações e mudanças em sua vida que fazem parte do processo de constituição de sua identidade. Uma identidade diferenciada da dos pais, rumo à autonomia e independência.

Neste processo o adolescente costuma transferir seu foco que antes era voltado à família e seus valores, para o grupo de amigos e a sociedade em geral, para posteriormente, reuni-los e produzir o seu próprio conjunto de regras e valores.

Muitas vezes o adolescente se sente indeciso, perdido diante de tantas escolhas decisivas desta fase. Da mesma forma os pais se sentem inseguros quanto a como lidar com os filhos nesta época da vida.

No trabalho com o adolescente, quanto mais os pais forem abertos a conversar sobre suas dúvidas e inseguranças, maior a possibilidade de resolução dos problemas e amenizar os conflitos.

Neste aspecto tivermos muitas experiências positivas. Outras nem tanto. O fundamental é que cada história, cada novo caso, represente também um aprendizado para a compreensão da realidade, muitas vezes traumática, destes jovens. E que somente a partir destas realidades, plurais e absolutamente complexas, possa se pensar em algum tipo de intervenção potencializadora e emancipatória.

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Caso 1 - A História de L.

Quando o conheci, era um garoto magro, tímido, a pele amarelada e com manchas que, posteriormente, verificou-se ser uma micose recorrente ao longo dos anos.

Tinha na época, aproximadamente 12 anos e, apesar das dificuldades e provações que passava em família, tinha sempre um sorriso disponível e a voz meiga, percebia-se uma grande sensibilidade e uma demanda enorme por afeto, atenção e cuidado. Parecia estar sempre esperando um abraço.

Essa demanda era principalmente por amor materno, que nunca recebeu, e da ausência da figura de um pai, que não conheceu.

Já criança, foi deixado pela mãe com a avó materna no Paraná, num contexto familiar de precariedade econômica. Em poucos anos, foi entregue para a tia, em Joinville, onde viveu parte da infância, num bairro violento e esquecido pelo estado. A casa que vivia era tomada pela água e lodo toda vez que chovia demais. As fotos mostradas pela tia, demonstram que ali, L. Viveu ritos importantes da infância: passou a primeira comunhão, entrou na escola, brincou com primos, e também conheceu a rua.

Apesar do carinho da tia, a família lutava para sobreviver com os poucos recursos que dispunha. Com pouca escolaridade e sem formação profissional, nem sempre os adultos tinham trabalho e renda. Nesse ambiente, é acessível o abuso de bebidas e drogas, o vício e a prostituição. Viver era uma batalha diária.

Era um lugar onde as histórias das pessoas se repetiam: migrantes, numa cidade que crescia em ritmo frenético, em que os mais pobres são empurrados para as margens. O poder público não os alcança e aí ficam esquecidos, criam seus filhos, que recriam histórias semelhantes.

Brigas domésticas, alcoolismo, deficiência nutricional, baixa autoestima, desmotivação pela escola e o consequente abandono, permeava a rotina desta família.

Muitas vezes, precocemente, os garotos e garotas nesse contexto, começam cedo a buscar alternativas de vida, pois a emergência da fome bate na porta todo o dia e o “futuro distante” que a escola projeta, não atende a necessidade da vida cotidiana.

Furtar se tornou quase uma compulsão na vida de L. A maior parte das infrações cometidas por ele se referiam a furtos. Depois, com o uso abusivo de drogas – bebida, cigarro, maconha, crack – furtava para consumi-las, passando a traficar para manter o vício.

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No início da adolescência, voltou a morar com a mãe em Jaraguá do Sul, foram muitas idas e vindas. Uma relação de intenso conflito, pois a mãe já convivia com novo companheiro e tinha filhos com este. L. passou então a conviver com a rejeição e com o grave alcoolismo do padrasto. Além da situação de extrema pobreza que a mãe vivia, o dia a dia, era marcado por agressões físicas, separações temporárias e com a polícia intervindo nas brigas do casal.

A mãe também passou a fazer uso da bebida e, nestes períodos de crise fazia programas de prostituição em bares do município e região, negligenciando o cuidado com os filhos menores. Os programas de proteção à infância, através do Conselho Tutelar, passaram a acompanhar as crianças e orientar os pais, que permanecem sob atendimento até hoje.

Naquela altura, L., já adolescente, havia concluído que a vida era dureza, que o modelo de lar que buscava não existia e que a rua, a ponte, os amigos e a droga eram muito mais acolhedores e tranquilos que o inferno de sua casa.

A rua passou a ser a sua casa. Amanhecia e dormia nela. Passava períodos internados no centro de internamento provisório e, ao sair, como a situação em casa era a mesma – indiferença da mãe e rejeição do padrasto – voltava rotina de antes. As vezes vinha tomar um café no programa e depois, sumia novamente.

Acho que a palavra esperança nunca foi compreendida por L. A droga passou a ser o seu Deus e ainda que tentássemos oferecer alternativas, orientação, apoio, o nosso sentimento sempre foi de impotência e desolação pela crueldade da sua história. Nunca poderíamos suprir e substituir a figura da mãe e do pai nem o afeto e a segurança de um lar.

Assim L. findou a adolescência e iniciou a vida adulta. Entrando e saindo do CIP, de clínicas de tratamento para dependência química e do presídio.

Muitas vezes correu risco de morte, tendo sobrevivido, com sequelas graves, de um tiro desferido contra ele, em uma briga nunca esclarecida. Desta história, ficou com uma deficiência no braço e mão direita, que possivelmente será permanente, pois não fez a tempo a terapia necessária à recuperação.

Hoje, com 21 anos, L. cumpre pena na Penitenciária de São Pedro de Alcântara há mais de 2 anos. Sua mãe nunca o visitou, nem outro familiar. Sabemos, pela Assistente Social do presídio, que depende da ajuda dos outros presos, solidários, para usufruir de algum benefício como cobertores, roupas, material de higiene e cigarro.

A história de L. não é uma história de superação, nem de esperança. É a história de perdas, de um menino que teve a infância e a adolescência roubada, por desamor, por despreparo destes pais, pela falta de apoio do Estado sobre estas famílias, pela

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ineficácia de politicas da infância e adolescência – incluindo a escola, a assistência social, a habitação, a saúde e a assistência judiciária.

Assumimos a culpa por não termos dado respostas efetivas, para este menino, que o fizesse assumir outras escolhas, no lugar da droga.

Para nós fica a história de um garoto pelo qual devemos chorar e também e compromisso de trabalhar para essa história não se repetir com outros meninos e meninas.

Caso 2 -

Ele era um garoto de treze anos. Morava com a mãe, o padrasto e uma irmã mais nova. Veio ao serviço por furto de objetos em uma loja. A mãe referia uma série de dificuldades: faltava muito às aulas, saia de casa e não avisava onde estava, seus amigos eram conhecidos por terem se evadido da escola com suspeita de usarem drogas. Tinha dificuldades de relacionamento com o padrasto e também com a mãe pois não cumpria as regras da família e mentia sobre suas atividades e paradeiros. A pedagoga e assistente social, em contato com a escola, verificaram que ele estava com muitas faltas, não realizava as atividades em sala de aula muito menos as tarefas extra classe. A diretora da escola chegou a buscá-lo na rua, por várias vezes, para que retornasse aos estudos. Tanto a equipe escolar quanto a mãe já não sabiam o que fazer para ajudar o adolescente pois ele mesmo estava violando seu direito à escolaridade e à convivência saudável com a família e a comunidade.

Pelo fato de a mãe estar aberta às orientações, concordou em receber atendimento periódico com a psicóloga do serviço. Ficou acordado que, no dia em que adolescente viesse cumprir a medida socioeducativa, a mãe também viria para o acompanhamento. Por vezes a mãe era atendida individualmente, por vezes junto com o filho ou com o padrasto. A família toda se empenhou na busca por soluções. Foi oportunizado que a família olhasse as suas dificuldades e reorganizasse sua rotinas e seu código de valores e assim, de forma aberta e clara para todos, o adolescente refletiu e ressignificou o seu papel na família e na sociedade.

Os resultados foram bastante positivos e ratificaram a importância do trabalho em equipe e da abertura da família às intervenções dos profissionais.

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Caso 3 -

Outro caso é de um adolescente filho de mãe alcoolista, que delegou a responsabilidade de mãe para a avó materna e posteriormente, passou a residir na casa da madrinha.

Desde menino mostrou-se tranquilo, mesmo diante de tantas vivencias de abandono e negligências. No entanto, na adolescência envolveu-se com outros adolescentes da comunidade onde morava e, pressionado pelo grupo e na ânsia de ser aceito, iniciou-se no uso de drogas. Assim que a madrinha percebeu as mudanças no comportamento e encontrou entorpecente nos seus pertences, buscou ajuda com profissionais do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS).

Mesmo diante das providências tomadas, o adolescente acabou cometendo um ato infracional que culminou com a vinda do mesmo ao serviço.

Sempre mostrou-se aberto às mudanças participando das atividades propostas e demonstrando motivação para romper com as escolhas que até então haviam sido feitas. A primeira atitude tomada por ele, foi a elaboração do seu currículo, na perspectiva da construção do seu projeto de vida. Conquistou o seu primeiro emprego e com muita responsabilidade, conquistou a confiança de seus superiores e colegas, recebeu uma promoção de grande responsabilidade, na qual ao final de cada expediente era responsável pela prestação de contas do dia e pelo fechamento do estabelecimento.

Quando algum profissional do serviço comparecia ao seu local de trabalho ( por razões particulares) o jovem fazia questão de atendê-lo com muita satisfação.

Esse depoimento vem com o intuito de reforçar a importância de acreditar nas habilidades, potencialidades e apostar no desejo de mudança do adolescente, que apesar das dificuldades, da baixa autoestima, pode efetivar seus sonhos e sendo sujeito de sua própria história.

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5.1. Depoimentos dos trabalhadores e orientadores

A concretização do Programa de Medidas Socioeducativas foi resposta a um desejo muito maior que a mera precarização do trabalho, até então realizado pelo Serviço Social do Fórum de Justiça, diante do número de jovens em conflito com a lei e de profissionais disponíveis. Acima de tudo, buscou-se levar a efeito uma política pública que não ficasse exclusivamente no cumprimento da medida judicial, mas que sua intervenção se voltasse para além dos parâmetros institucionais, que alcançasse o adolescente enquanto Sujeito, seu contexto familiar e comunitário e sua reestruturação subjetiva.

Este não foi apenas nosso objetivo, mas o vimos ser buscado pela equipe de profissionais que assumiu o Programa. Reunimos inúmeras vezes, no início, para discutir, trocar e lutarmos juntos por este objetivo. Acompanhamos então a procura cotidiana para romper com a padronização de atendimento, alcançar o adolescente em sua individualidade, com seus recursos familiares e sociais, possibilitando-lhe, no cumprimento da medida socioeducativa, o desenvolvimento de uma nova perspectiva e uma resposta mais consciente diante da experiência e, quiçá, em muitos casos, com condições preventivas de novos conflitos com a lei.

Neste propósito vão-se 12 anos de trabalho desta equipe, mas que são apenas os primeiros passos de uma proposta voltada, antes de tudo, para os adolescentes que, por sua vez, também iniciam seus passos em um novo projeto, na busca de sua singularidade e de seu próprio caminho. E isto é muito maior que Programas e Medidas.

Denise de Cássia Kühl - Assistente Social Forense

Como um órgão público que tem por objetivo promover o desenvolvimento cultural da população através do acesso à leitura e informação, a Biblioteca Pública Municipal de Jaraguá do Sul considera-se, de certa forma, co-responsável, no que tange à formação, desenvolvimento e inserção das crianças, adolescentes e jovens na sociedade. Receber os adolescentes do Programa de Medidas Socioeducativas consta para nós, como uma atividade permanente e deveras importante. Salientamos que a equipe de trabalho responsável pelo programa dedica-se totalmente com responsabilidade e grande demonstração de carinho e apreço pelos adolescentes.

Recebemos na biblioteca até o presente ano, um número significativo de adolescentes para prestação de medida socioeducativa. Destes adolescentes, podemos destacar que todos cumpriram as medidas corretamente. Os trabalhos realizados foram efetuados com dedicação e muita preocupação em não errar.

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Cada um dos meninos e meninas, procurou dar o melhor de si, dentro do ritmo e limitações individuais. Os funcionários da Biblioteca, cientes da responsabilidade competente, receberam os adolescentes de forma cordial e sem qualquer discriminação, havendo formação de laços de amizade. “Quando uma pessoa é tocada em sua centelha divina e percebe a grande possibilidade que é a vida, seus olhos brilham, seus hábitos e atitudes mudam e sua vida se transforma.” Temos total certeza de que, contribuímos com algo relevante na vida dessas pessoas, pois acreditamos neste trabalho.

Diane Katia Konnel - Biblioteca Pública

Ao auxiliarem no trabalho de limpeza do prédio, muitos nem têm noção de como fazê-lo. Então a minha orientação parte daí: como varrer, tirar o pó dos móveis, passar pano úmido no chão...

Ensinar uma pessoa não é fácil, mas me sinto valorizada e realizada com isso. Pois passar o que você sabe para uma pessoa é muito gratificante. Fico emocionada ao saber que uma coisa que para mim é tão simples pode ser tão útil na vida de um adolescente!

Janete Solaine Satig-Servente

Quase não converso com os adolescentes, mas vejo que é na hora do lanche que eles se abrem, sentem-se mais acolhidos, mais próximos da gente. Sei que para muitos, essa é a primeira refeição do dia.

Sinto-me responsável com o que faço, pois procuro fazer o lanche que eles mais gostam!

O que me orgulha é ver o adolescente sorrindo, elogiando e agradecendo pelo alimento.

Maria de Lourdes-Merendeira

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Nós enquanto escola, queremos manifestar o nosso apoio ao Programa de medidas socioeducativas em meio aberto, que visa oportunizar aos adolescentes, cumprirem a prestação de serviços à comunidade.

A Escola Municipal de Ensino Fundamental “Professor Francisco Solamom” já recebeu dois adolescentes até o momento. Procurando também contribuir, oferecendo a eles oportunidade de executarem pequenas tarefas educativas na própria escola: biblioteca, secretaria, jardim e horta escolar.

Salientamos que se trata de um programa sério, que oportuniza aos adolescentes o repensar sobre seus erros cometidos e possibilitando possíveis mudanças de postura.

A nossa escola se sente grata e apta para acolher adolescentes que queiram e necessitem repensar sua postura de vida, pois como instituição de ensino, sempre acreditamos na ousadia humana.

Anézio Beltrame-orientador pedagógico - Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor Francisco Solamon

Há poucos dias li de um autor desconhecido: “Seja a mudança que você espera do mundo!”. Enquanto profissional da área de ciências humanas, ao ler tal idéia não pude deixar de lembrar das dezenas de colegas profissionais que há anos vêm lutando por mudanças.

Mudanças na sociedade, na política, nas instituições onde trabalham, nas atitudes das famílias e indivíduos que acompanham, em suas próprias comunidades e famílias. Lembrei-me, em especial, da “equipe da Casa da Serenidade”, a qual aceitou o desafio de provocar mudanças numa parcela da população que a sociedade insiste em esquecer. Nós, entretanto, não queremos esquecer.

Queremos lembrar e celebrar a grande oportunidade de atuar e conviver com jovens que tiveram suas vidas marcadas, assim como marcaram a vida de outras pessoas, ao cometerem infrações. Sim, oportunidade de, considerando o que influenciou ou motivou esses adolescentes a cometerem atos infracionais, contribuir para que eles reflitam sobre seus atos, respondam por eles e os superem.

Oportunidade de nos perguntarmos como agiríamos ou reagiríamos estando na situação sócio-econômica e familiar desses jovens. Oportunidade de questionar as forças e os poderes que estão postos. Oportunidade de aprender e de ensinar. Oportunidade de querer e de fazer mudança. Oportunidade de ser a mudança. Reconhecendo o quão ínfima tem sido minha participação nesse processo de reconstrução de valores e práticas que é o cumprimento de medida sócio-

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educativa, é com grande admiração e gratidão que uso a oportunidade que aqui me foi concedida para louvar o trabalho e o empenho da equipe do Programa de Medidas Sócioeducativas de Jaraguá do Sul.

Louvo também o compromisso assumido por adolescentes e suas famílias acompanhados por tal equipe, os quais, todos juntos, tem sido a mudança que esperamos do mundo. Suas histórias, relatadas nesse livro, iniciativa tão perspicaz, certamente nos servem de estímulo para que siga em frente a busca por inclusão, por participação democrática, por exercício de esperança, de amor, de justiça e de cidadania.

Grasiela Seemann Port – Assistente Social - Analista em Serviço Social do Ministério Público de Santa Catarina - Comarca de Jaraguá do Sul

Quando convidado para desenvolver um trabalho com horta e jardinagem junto aos adolescentes que cumprem medida socioeducativa no CREAS II -“Casa da Serenidade”, não tinha ideia da oportunidade de aprendizado e da grandeza deste trabalho.

Foi a minha primeira atividade em parceria com os profissionais da área social e que gerou boas expectativas.

Ouvindo a equipe do CREAS II, pude absorver as ideias e expectativas que contribuíram na construção de um local de trabalho ainda melhor, em conjunto com os jovens do programa.

Começamos os trabalhos com muito diálogo, orientação, sendo amigo, conselheiro... e mostrando que tudo é um processo de transformação, dando aos adolescentes a oportunidade de transformar um espaço sem muita vida, em um ambiente agradável e belo. Porém, todo começo requer sacrifícios: a preparação da área, a limpeza, a recuperação do solo, a drenagem, o plantio, cada pingo de suor derramado neste trabalho, demandou cumplicidade, compartilhando os bons e maus momentos da vida de cada adolescente. Pequenos gestos como: “Bom dia!” “Boa tarde”, “Como vai?” “Já tomou o seu café?”, que para nós é comum, para aqueles adolescentes significava muito.

Os jovens precisam de atenção, uma boa conversa pode mudar o rumo de uma decisão equivocada. A reflexão dos seus atos é fundamental para uma mudança comportamental.

Tudo isso só foi possível devido ao suporte de uma equipe técnica multidisciplinar, maravilhosa, competente e comprometida com os resultados. Provando que necessitamos de profissionais capacitados para lidar com os adolescentes em

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conflito com a lei, que possam agregar, fazer a diferença na sua vida, embora a escolha seja sempre deles.

Nunca vi uma equipe tão comprometida com o ser humano como os colegas do CREAS II – “Casa da Serenidade”.

“Aprendi mais do que ensinei e o pouco que ensinei, foi porque aprendi com os adolescentes e colegas de trabalho”.

Marcelindo Carlos Gruner – Técnico Agrícola

O trabalho desenvolvido na Oficina de Educação Ambiental é feito com muito empenho, os adolescentes interessam-se pelas atividades e gostam de ver as coisas acontecerem. Orgulham-se ao ver o crescimento das plantas, ao colher as verduras e hortaliças.

Este trabalho, ajuda na organização individual do adolescente, pois tudo o que é aprendido aqui é levado para os seus lares, para o seu cotidiano.

É importante ressaltar que o trabalho em grupo faz com que o jovem respeite a si mesmo e aos outros.

Loimar De Oliveira - Orientador Ambiental

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Quando cheguei para trabalhar na “Casa da Serenidade”, não fazia ideia do que “era feito naquele lugar”, para mim tudo era muito novo... mas, tive muita sorte, pois encontrei uma equipe espetacular, que me ajudou muito a entender o objetivo do trabalho realizado naquele programa.

Juntos vivemos histórias marcantes em nossas vidas. Uma delas, foi em meados de agosto de 2009, quando atendi um jovem (que havia cumprido medida socioeducativa)acompanhado de seu pai. Ao chegar, perguntaram pela assistente social, pedagoga e psicóloga (até pensei que fosse mais um adolescente encaminhado pela promotoria) mas, na verdade eles tinham vindo agradecer a ajuda recebida pela equipe. Estavam ali para contar que o jovem estava no caminho certo, trabalhando e fazendo faculdade.

Muita emoção e orgulho para toda a equipe, mais uma vitória! Só aí entendi o que era o programa e como era importante o trabalho desenvolvido. Deus abençoe a todos que de uma forma ou de outra contribuíram para a existência desse programa.

Jucelei Roncen- Coordenadora do CREAS II em 2009

“Já que se há de escrever, que, pelo menos, não se esmaguem – com palavras – as entrelinhas.” (Clarice Lispector)

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