LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

118
Professor João Rogério Sanson Finanças Públicas Finanças Públicas

Transcript of LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Page 1: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

ProfessorJoão Rogério Sanson

Finanças PúblicasFinanças Públicas

Page 2: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Copyright © 2009. Todos os direitos desta edição reservados ao Sistema Universidade Aberta do Brasil. Nenhuma parte deste material

poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito,

do autores.

Page 3: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Luiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DA EDUCAÇÃO

Fernando Haddad

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Carlos Eduardo Bielschowsky

DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Hélio Chaves Filho

SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

Celso Costa

COMISSÃO EDITORIAL DO PROJETO PILOTO UAB/MEC

Marina Isabel Mateus de Almeida (UFPR)

Teresa Cristina Janes Carneiro (UFES)

DESIGNER INSTRUCIONAL

Denise Aparecida Bunn

Fabiana Mendes de Carvalho

Fábio Alexandre Silva Bezerra

Patrícia Regina da Costa

PROJETO GRÁFICO

Annye Cristiny Tessaro

Mariana Lorenzetti

DIAGRAMAÇÃO

Annye Cristiny Tessaro

Victor Emmanuel Carlson

REVISÃO DE PORTUGUÊS

Fábio Alexandre Silva Bezerra

ORGANIZAÇÃO DE CONTEÚDO

João Rogério Sanson

Page 4: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD
Page 5: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Sumário

Apresentação.........................................................................07

UNIDADE 1 – O Estado na economia capitalista

Introdução....................................................................................................11

A hegemonia à la Gramsci.................................................................12

A concorrência entre partidos políticos................................................16

Resumo......................................................................................25

Atividades de aprendizagem.........................................................................26

UNIDADE 2 – O tamanho do setor público

A fronteira entre os setores público e privado.................................................31

Atividades econômicas estatais...........................................................40

O Estado produtor...............................................................................44

Carga tributária............................................................................47

Explicações sobre o tamanho do setor público....................................50

Resumo...................................................................................53

Atividades de aprendizagem.........................................................................54

UNIDADE 3 – Orçamento Público

Planejamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .59

O Orçamento Público.................................................................62

Princípios orçamentários..................................................................65

O processo orçamentário...................................................................66

Resumo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71

Atividades de aprendizagem.........................................................................71

Page 6: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

UNIDADE 4 – Despesas pública e seu financiamento

Despesas....................................................................................75

Receitas.......................................................................77

Incidência legal versus incidência econômica..........................80

Incidência econômica: algumas qualificações..........................86

Impostos, gastos públicos e renda real.....................................88

Resumo............................................................................93

Atividades de aprendizagem.............................................................93

UNIDADE 5 – Déficit público e dívida pública

Déficit público e déficit privado...................................................97

Tipos de déficit. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99

O Sistema Financeiro Nacional...........................................102

Déficit público e nível de atividade econômica.....................103

A evolução e a sustentabilidade da dívida pública..................105

Estabilização e crescimento econômico................................109

Resumo........................................................................................111

Atividades de aprendizagem.......................................................113

Referências.....................................................................................114

Minicurrículo.....................................................................................118

Page 7: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Apresentação

Prezado estudante!

O setor público é a parte da economia associada à prestação de

serviços públicos pelo Estado aos cidadãos de um país. Como muitos

participantes deste curso são funcionários públicos, incluindo funcioná-

rios de empresas estatais, suas respectivas organizações prestam servi-

ços públicos em nome do Estado brasileiro. Portanto, nesses casos, você

é parte do Estado. Mas, como cidadão, você vê o Estado de outro ângu-

lo. Um exemplo bem simples disso é quando você encontra um policial

na rua. Esse policial é a personificação mais próxima do Estado.

Na verdade, o Estado é um grande aparato social, ou instituição,

organizado segundo princípios burocráticos para prestação de servi-

ços à população. Princípios burocráticos incluem uma estrutura de

cargos cujo exercício e ocupação têm regras nem sempre claramente

definidas, mas pelo menos têm tradições e regras implícitas quanto a

seu funcionamento. Não é exagero dizer que essa forma de trabalho

em grupo foi uma das invenções fundamentais na evolução humana.

Vale, ainda, ressaltar que princípios burocráticos não são exclusivos

da máquina estatal. Qualquer organização*, empresarial ou não, é

também estruturada dessa forma. Tal invenção, de fato, é uma busca

por melhor qualidade de serviços também de estruturas burocráticas

privadas. Do mesmo modo, você pode verificar que seu treinamento

como administrador profissional busca tornar mais eficiente a estrutu-

ra burocrática da organização da qual você faz ou fará parte.

Se muitas vezes a burocracia pública é criticada, isso é feito mais

por deficiências na qualidade dos serviços públicos do que pela forma

como o setor público é organizado. A busca pela melhor organização

e eficácia de empresas privadas* é também estruturada dessa forma

e é, de fato, um elemento essencial na busca por melhor qualidade de

seus serviços.

Na disciplina de Finanças Públicas, a pergunta básica é como

funciona o processo de decisões do setor público e como isso envolve

GLOSSÁRIO*Organização –conjunto de relaçõesde ordem estrutural(direção, planeja-mento, operação econtrole) que man-tém uma empresaem funcionamento.Consiste num siste-ma por meio doqual os desempe-nhos pessoais sãooperacionalizados ecoordenados. Fon-te: Sandroni (1999).

*Empresa privada –organização perten-cente a indivíduos ougrupos, que produze/ou comercializabens ou serviçoscom o objetivo delucro. Fonte:Sandroni (1999).

Page 8: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

toda a sociedade. Por isso, fazemos uma breve incursão em temas de

ciência política. O orçamento público, de fato, reflete todos os gran-

des interesses dos vários grupos que compõem a sociedade e a interação

entre eles ocorre via o processo político. No restante do texto, em es-

sência, as perguntas são sobre a definição das fontes de receita pública e

suas consequências microeconômicas, os tipos de despesas e as

consequências macroeconômicas do déficit e da dívida do setor público.

Começamos, na Unidade 1, com explicações sobre o que é e

como funciona o Estado. Na Unidade 2, vamos estudar conceitos úteis

na definição dos tipos de bens e serviços típicos do setor público, es-

tabelecendo, assim, uma espécie de fronteira com o setor privado. Na

Unidade 3, vamos caracterizar o orçamento público, incluindo sua

tramitação. Na Unidade 4, verificaremos como as despesas públicas

são financiadas e como os impostos afetam a renda das pessoas. Por

fim, na Unidade 5, discutiremos como o déficit público e, por

consequência, a dívida pública estão ligados à estabilidade de preços

e ao nível de atividades da economia.

Gostaríamos de lembrar a importância dos conceitos estudados

nas disciplinas de Ciência Política, Sociologia, Introdução à Econo-

mia, Administração Financeira e Orçamentária e Economia (Micro e

Macro). Esses conceitos serão fundamentais para os estudos desta disci-

plina. Portanto, se você ainda tem alguma dúvida ou já esqueceu o que

estudou, siga as orientações ao longo deste texto e reveja esse material.

Desejamos a você muito sucesso nesta disciplina!

Professor João Rogério Sanson

Page 9: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

O Estado naeconomia capitalista

O Estado naeconomia capitalista

UNIDADE

1

Page 10: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

10

Curso de Graduação em Administração a Distância

Objetivo

Nesta Unidade, apresentamos duas explicações básicas sobre o que é um

Estado e como ele funciona. Ao final da Unidade, você saberá:

distinguir entre hegemonia e ideologia; verificar como um grupo

dominante numa sociedade enfrenta uma crise hegemônica via uma

revolução passiva; identificar como os partidos políticos concorrem

entre si pelo voto via plataformas políticas; e verificar como a

concorrência entre os partidos e grupos tende a diminuir vantagens

excessivas do exercício do poder.

Page 11: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

11

Releia Borba (2007, p.

65-66). A Unidade 7

de Mendes et al.

(2007) situa o pensa-

mento marxista na

história das ideias

econômicas.

Introdução

Caro estudante, seja bem-vindo!

Convido-o a adentrar comigo nesse universo amplo, po-rém, desafiador e instigante, que é a discussão sobre asFinanças Públicas. A partir desta seção da Unidade 1, vocêverá explicações sobre como funciona politicamente o Es-tado e como os vários interesses de diferentes grupos soci-ais se refletem no orçamento público. A partir da leiturado material, podemos juntos construir e socializar olhares,articulando teoria e prática.

Não esqueça que dúvidas e indagações são sempre perti-nentes, pois são condutoras do processo de aprendizadoque estamos dispondo coletivamente nesta disciplina emforma similar ao que você já fez nas disciplinas anteriores.Sugerimos, ainda, que você pesquise em outras fontes deconhecimento, adicionalmente às indicações que estão pos-tas no Saiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba maisSaiba mais e nos LinksLinksLinksLinksLinks!

Bons estudos!

Os economistas e outros cientistas sociais têm várias formas de

explicar o funcionamento do Estado. É claro que a abordagem

marxista vem logo à mente como uma explicação bastante conhecida.

Em termos elementares, para essa teoria, o Estado é um aparato políti-

co de uma classe social para fins de dominação das demais, seja pela

violência, seja pela ideologia*. A abordagem marxista que veremos,

das várias que existem, é a de Antonio Gramsci, um intelectual e mili-

tante comunista italiano que desenvolveu sua teoria como prisioneiro

durante o período do regime fascista* italiano. Para Gramsci, a ideo-

logia era mais uma visão de mundo específica a um grupo ou fração

social, e não apenas a visão de mundo da classe capitalista, vista como

classe dominante. Designaremos essa abordagem como teoria

gramsciana.

GLOSSÁRIO*Ideologia – conjun-to de ideias e crençasculturais, políticas oureligiosas. Tem a fun-ção de servir comouma espécie de liga-mento social entre aspessoas. Fonte:Lacombe (2004).

*Fascismo – regimepolítico totalitário quese caracteriza por do-mínio de um partidoúnico, hipertrofia doaparelho policial,exaltação nacionalis-ta, pregação doantiliberalismo, doanticomunismo e de-fesa da ação do Es-tado como principaldirigente da econo-mia nacional. Surgena Itália e é depoisadaptado em outrospaíses, como Alema-nha, Espanha e Por-tugal. Fonte:Sandroni (1999).

Page 12: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

12

Curso de Graduação em Administração a Distância

Para uma ampla lista

de exemplos de ideo-

logia, releia a Unidade

2 de Borba (2007) e as

p. 107-115 de Mendes

et al. (2007).

Uma outra teoria de Estado parte da ideia da concorrência entre

grupos políticos que buscam o poder. É inspirada na teoria econômica

da formação de preços em mercados. Segundo a teoria da concor-

rência partidária, o político é membro de um partido, e o partido é

como uma empresa que oferece serviços de representação dos cida-

dãos nas decisões sobre os serviços fornecidos sem cobrança direta,

sendo as despesas cobertas pelos impostos pagos por esses mesmos

cidadãos. Os partidos concorrem entre si por esse serviço de represen-

tação política do mesmo modo que as empresas concorrem na venda

de seus produtos.

A hegemonia à la Gramsci

O ponto de vista de Gramsci, no contexto histórico em que ele

escreveu, era o da busca da revolução proletária na Itália. Aqui, nosso

ponto de vista é o de explicar o funcionamento do Estado.

Para Gramsci, a sociedade civil é representada pelo “complexo

das relações ideológicas e culturais, a vida espiritual e intelectual, e a

expressão política dessas relações” (CARNOY, 1986, p. 93). É uma

das partes da superestrutura institucional da sociedade. Note que,

para Marx e Engels, a sociedade civil é parte da estrutura – onde se dá

a acumulação de capital – e o Estado é parte da superestrutura. A soci-

edade política, ou Estado, detém o monopólio do uso da força e é

também parte da superestrutura. O controle social ocorre principal-

mente pela hegemonia, mas também pela força.

Quando um grupo, ou fração de classe, usa elementos dasociedade civil para conquistar e manter sua dominânciasobre a sociedade civil ocorre a hegemonia desse grupo. Umdos instrumentos fundamentais para isso é a ideologia. Asuperestrutura ideológica é a visão de mundo embutida nasuperestrutura institucional que convence as pessoas a aceita-rem a moral, os costumes e as regras sociais até por consenso.

Page 13: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

13

Uma das consequências da teoria gramsciana é que a superes-

trutura ideológica pode ter supremacia sobre a estrutura econômica.

Gramsci, apesar de aparentemente inverter um argumento essencial de

muitos marxistas, – o de que a estrutura determina tudo o que ocorre

na superestrutura –, apenas diminui a importância das relações de pro-

dução na determinação da superestrutura.

A fidelidade de Gramsci às ideias marxistas fica clara no argu-

mento de que a classe dominante ao nível da produção é dominante ao

nível intelectual, pois tem os meios materiais para controlar o modo de

produção mental. Assim, o grupo dominante tentará influenciar o modo

como a educação é conduzida para que sua visão de mundo seja ab-

sorvida por toda a sociedade. Governos populistas* como os de Perón,

na Argentina, e de Getúlio Vargas, no Brasil, cuidaram especialmente

da questão ideológica via o controle quase total dos meios de comuni-

cação e dos currículos escolares. São exemplos de governos conside-

rados bastante independentes da classe capitalista. O conceito

gramsciano de domínio intelectual ajuda também a entender a experi-

ência soviética, em que o Estado, com seu monopólio estatal dos mei-

os de produção, que era da essência daquela experiência social, mo-

nopolizava totalmente a produção mental depois de ter eliminado a

classe capitalista.

Um ponto em que destaca a análise de Gramsci é que o Estado é

moldado como parte da dominação hegemônica. Isso expande a ideia

marxista de que os capitalistas controlam o Estado em função de suas

necessidades. O grupo hegemônico influencia a criação de leis e, por-

tanto, a própria evolução da forma do Estado. Contudo, só dominar o

Estado não garante a hegemonia, como você verá mais adiante.

A forma como a hegemonia é obtida depende crucialmente do

intelectual orgânico*. Compreende religiosos, professores, jornalis-

tas, líderes profissionais e sindicais, líderes estudantis e comunitários,

além dos intelectuais usuais, como filósofos, literatos e artistas. Os

intelectuais orgânicos são produzidos principalmente dentro da classe

hegemônica. No entanto, podem ser também recrutados entre as clas-

ses dominadas, passando a ser aceitos como membros da classe

hegemônica. Isso, numa linguagem sociológica, é chamado de ascen-

são social.

GLOSSÁRIO*Populismo – movi-mento ou forma deatuação política ca-racterístico da Áfri-ca, Ásia e AméricaLatina, em que seenfatiza a relaçãodireta entre a cúpulado Estado e as mas-sas populares, medi-ada pelo desempe-nho político de umlíder carismático.Apresenta em geraluma ideologiadifusa, sem espíritode classe manifesto.Na América Latina,Getúlio Vargas (1883-1954) instala um go-verno populista noBrasil em 1930, se-guido, mais tarde,por Juan DomingoPerón (1895-1974),na Argentina. Fon-te: Sandroni (1999).

*Intelectual orgâni-co – é todo tipo depessoa que atue nadivulgação de umaideologia. Fonte:Sandroni (1999).

Page 14: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

14

Curso de Graduação em Administração a Distância

Embora as políticas públicas sejam enviesadas em favor do gru-

po dominante, elas precisam ter benefícios para a sociedade como um

todo. Na verdade, o grupo hegemônico buscará sempre caracterizar

essas políticas como de interesse da sociedade como um todo. Isso

garante a legitimidade* dessas políticas. Assim, uma política que bus-

que gerar maiores ganhos para a classe capitalista pode aparecer como

uma atividade geradora de emprego e renda para a sociedade como

um todo.

Em países periféricos, há aliança de interesses entre o grupo

dominante nacional e os interesses do capital internacional de modo

que as políticas públicas sejam do interesse de ambos. Contudo, o grupo

hegemônico local faz alianças de seu próprio interesse. Seus objetivos

políticos e econômicos estão à frente nessas políticas. Os membros

desse grupo não são apenas “bonecos” comandados por grupos

hegemônicos do exterior. Ao mesmo tempo, é preciso lembrar que os

grupos dominados dos países centrais veem como de seu interesse as

vantagens obtidas pelo capital internacional nos países periféricos*.

Esse tipo de argumento gramsciano caracteriza a teoria da depen-

dência de Cardoso e Faletto (1970).

Como vimos acima, tomar o aparato estatal, por exemplo, via

um golpe de Estado, não garante a hegemonia. Do mesmo modo, um

elemento essencial da visão gramsciana é que uma crise econômica

não equivale a uma crise hegemônica. É por isso que previsões de

que uma depressão econômica viabilizaria a revolução socialista não

se realizaram na maioria dos casos. Uma crise hegemônica, na verda-

de, pode decorrer de erros de avaliação sobre as estratégias que enfra-

quecem a liderança ou a legitimidade do grupo hegemônico.

A crise hegemônica, no entanto, pode ser estimulada através da

competição ideológica. O que Gramsci chama de guerra de posição

é parte desse processo de competição ideológica. Em vez de um ata-

que frontal ao Estado, como em algumas revoluções, ele achava que

na Europa ocidental seria preciso um trabalho meticuloso de conquis-

ta das mentes. Em analogia com o que ocorreu nos campos de batalha

durante a I Guerra Mundial, essa conquista seria feita pelos intelectu-

ais orgânicos em pequenos ataques locais, ao mesmo tempo em que

GLOSSÁRIO*Legitimidade – ca-ráter, estado ou qua-lidade do que é le-gítimo, ou seja, queé conforme ao direi-to positivo, que estáfundado e ampara-do em lei; legal.Fonte: Houaiss(2001).

*Periferia – conjun-to das economiasnacionais subdesen-volvidas que estãointegradas aos gran-des centros do capi-talismo moderno.Por extensão, paísperiférico é o queestá nesse conjunto.Nos últimos anos,surgiu uma nova ca-tegoria, a dos paísesemergentes, que in-clui o Brasil. Sãopaíses periféricosque atingiram umnível de renda mé-dia acima dos paísesmais pobres e sãograndes economias.Os quatro membrosmais importantessão conhecidos pelasigla BRIC: Brasil,Rússia, Índia e Chi-na. Fonte: Sandroni(1999).

Page 15: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

15

buscassem a proteção das regras sociais existentes naquele momento, como

na guerra de trincheiras. O papel do intelectual orgânico agora é propagar

uma ideologia concorrente àquela da fração de classe dominante.

Já a revolução passiva é uma estratégia do grupo dominante

para continuar hegemônico. Um exemplo interessante e contemporâ-

neo foram as mudanças institucionais, com a liberação gradual para a

formação de empresas privadas, feitas pelo Partido Comunista Chi-

nês, para assim permanecer no comando da sociedade chinesa.

Porém, quando a revolução passiva deixa de funcionar, o grupo

dominante pode tentar o uso da força para permanecer no poder. Na

disputa pela hegemonia, esse seria o momento para a guerra de mo-

vimento, na forma como ocorreram várias revoluções, com o ataque

aberto das forças revolucionárias. Nesse sentido, Gramsci era consis-

tente com a visão marxista tradicional.

Do ponto de vista de explicação do processo político, fica claro

que a análise gramsciana implica que uma superestrutura ideológica

dominante pode ser deslocada por outra. No fundo, a visão gramsciana

inclui um processo competitivo entre frações de classe na busca da

hegemonia sobre a sociedade civil. Há uma alternância de poder entre

esses grupos num horizonte temporal de, pelo menos, várias décadas.

Os intelectuais orgânicos são instrumentos essenciais nesse processo.

Saiba mais... A teoria marxista de Estado tem muitas variantes e uma ampla

literatura que cobre desde a interpretação do que Marx realmentequis dizer em seus escritos esparsos sobre isso, passando pela visãoortodoxa dos soviéticos e indo até desenvolvimentos posteriores deseus seguidores europeus e americanos. Um texto didático que cobreas diversas teorias marxistas de Estado é:CARNOY, Martin. Estado e teoria política. Campinas: Papirus,1986.

Um texto que permite um aprofundamento das ideias políticasgramscianas é:SIMIONATTO, Ivete. Gramsci. 3. ed. Florianópolis: Editora da

UFSC; São Paulo: Cortez, 2004.

Page 16: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

16

Curso de Graduação em Administração a Distância

A concorrência entre partidos políticos

Uma visão alternativa do processo po-

lítico é a da concorrência entre partidos polí-

ticos, desenvolvida a partir do trabalho dos

economistas Joseph A. Schumpeter, que es-

creveu um capítulo de seu livro Capitalismo,

socialismo e democracia, de 1942, com as

linhas gerais da teoria, e Anthony Downs, que

escreveu uma tese doutoral sobre o tema e a

publicou em 1957 com o título Uma teoria

econômica da democracia, tornando-se um

livro fundamental sobre o assunto. Ambos vi-

ram o processo político pelas lentes da teoria

econômica, inspirados no processo

concorrencial dos mercados de bens e serviços.

Segundo essa teoria da democracia, a

sociedade é composta por indivíduos, e esses podem ser classificados

em três tipos básicos: cidadãos, políticos e burocratas. Assim,

os cidadãos financiam os serviços fornecidos pelo setor pú-blico e têm preferências definidas em relação à estrutura dosgastos públicos;

os políticos, agindo em nome dos cidadãos, tomam as deci-sões sobre os serviços públicos; e

os burocratas são os que executam as decisões dos políticos.

Cidadãos

Os cidadãos têm várias formas de manifestarem suas preferên-

cias. O sonho dos políticos é conseguir que os cidadãos deem apoio

incondicional ao governo, algumas vezes cegamente, como buscam

os governos autoritários e líderes carismáticos eventuais em democra-

cias, mas outras vezes um apoio consciente. Essa lealdade do cidadão

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950) –

economista austríaco que chegou a Ministro das

Finanças de seu país. Lecionou nas universida-

des de Bonn e de Harvard. Em seus estudos so-

bre a formação dos ciclos econômicos enfatiza

as inovações tecnológicas introduzidas por em-

preendedores. Fonte: Sandroni (1999).

*Anthony Downs – é economista e estudioso

das áreas de política pública e administração

pública. A premissa de Downs é a de que políti-

cos e eleitores agem racionalmente. As motiva-

ções dos políticos são desejos pessoais, tais como

renda, prestígio e poder, obtidos via os cargos

que ocupam. Fonte: <www.anthonydowns.com/

bio.htm>. Acesso em 6 abr. 2009.

Page 17: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

17

ao governo pode, desse modo, ter muitos graus. Com um pouco de

boa vontade, é possível também ver alguma semelhança com os con-

ceitos gramscianos de ideologia e de hegemonia. Veja a famosa frase

do presidente americano John F. Kennedy: “Não pergunte o que seu

país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu

país”. Uma versão empresarial é: “Vista a camisa da empresa”. Você

pode pensar em diferentes interpretações para essas frases, mas uma

delas é a do apoio incondicional.

Numa democracia, os cidadãos são expostos às plataformas po-

líticas dos partidos políticos durante as campanhas eleitorais. As plata-

formas e o perfil ideológico dos partidos políticos facilitam a escolha

dos eleitores e reduzem os custos de busca de informação sobre as

várias decisões que precisam ser tomadas pelo setor público. Por exem-

plo, em vez de cada eleitor buscar informações sobre para quem o

governo deve transferir renda nos programas sociais ou onde cons-

truir estradas em regiões distantes da sua, ele apenas presta atenção

nas proposições incluídas nas plataformas, conforme expressas pelos

candidatos aos cargos públicos, e nas realizações efetivas dos partidos

quando estão no poder. Mesmo aí, os custos de informação são altos e

o eleitor tende a esquecer o que ocorreu no passado, lembrando ape-

nas os fatos recentes.

A manifestação dessas preferências pode ocorrer de diferentes

formas. A mais frequente delas é pelo voto, mas é possível ter uma

participação mais direta via manifestações públicas ou engajamento

num partido, dedicando parte do tempo livre para isso, ou seja, a pes-

soa participa com o próprio trabalho. Outra participação mais direta é

a doação de recursos, financeiros ou materiais, a candidatos e parti-

dos. O lobby*, que pode ser direto, com trabalho próprio, ou via a

contratação de pessoas especializadas nessa atividade, é um tipo de

participação em busca de interesses específicos, tanto pessoais como

institucionais, em favor de empresas privadas, de corporações profis-

sionais ou de grupos religiosos. Em todos esses casos, os cidadãos

aceitam a sociedade como ela é com suas instituições. Quando as pes-

soas não aceitam as regras de funcionamento da sociedade, elas têm

GLOSSÁRIO*Lobby – atividadeque visa influenciaratividades e deci-sões das autoridadespúblicas dos Pode-res Executivo,Legislativo ou Judi-ciário, mediante ar-gumentos, persua-são ou coação, demodo que as deci-sões favoreçam osinteresses de deter-minado grupo eco-nômico ou organi-zação. Fonte:Lacombe (2004).

Page 18: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

18

Curso de Graduação em Administração a Distância

duas opções: a revolta ou a emigração. A emigração desse tipo é mais

adequadamente descrita como exílio voluntário.

Políticos

Os políticos são vistos, na teoria da concorrência entre partidos,

como profissionais que oferecem serviços de decisão sobre serviços

públicos, tendo como motivação a maximização de sua própria renda

real. Mas a renda real é vista de uma forma diferente da usual, que

considera o poder de compra dos rendimentos que a pessoa recebe.

Esse termo é usado para os políticos talvez por falta de um mais ade-

quado. Um componente dessa renda real é a remuneração que os car-

gos políticos podem proporcionar. Muitas vezes um nível educacional

formal relativamente baixo pode ser compensado pela habilidade de

atrair votos, gerando para o profissional uma renda monetária muito

acima do que conseguiria em empregos regulares. O mesmo argumen-

to pode ser feito em relação a habilidades para a atividade empresari-

al, que podem ser exercidas independentemente da educação formal,

embora a combinação da educação com a habilidade empresarial seja

bastante útil.

Para políticos que desenvolvem atividades econômicas parale-

las, pessoalmente ou com ajuda de familiares e amigos próximos, muitas

vezes o exercício da política dá acesso a informações sobre a máquina

pública e sobre novas leis ainda em fase de negociação fora do

Legislativo, que revertem em vantagens comerciais para o grupo, nem

sempre consideradas moralmente inaceitáveis ou proibidas por lei.

Além disso, há outros componentes nessa renda real, aos quais

os economistas costumam associar equivalentes monetários mais como

uma simplificação da análise. O exercício de cargos políticos também

gera satisfação pelo fato de a pessoa estar em posição de comando,

algo que qualquer pessoa em cargos administrativos também pode sen-

tir. No entanto, esses cargos têm seu lado negativo, pois envolvem a

solução de muitos conflitos entre pessoas e a obrigação de emitir or-

dens que envolvem, muitas vezes, consequências desagradáveis para

outras pessoas. Mas as disputas pelos cargos mostram que o resultado

líquido deve ser positivo na maioria dos casos, mesmo que essas dis-

Page 19: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

19

putas não ocorram apenas pela satisfação envolvida. Há ainda o as-

pecto psicológico de os políticos serem, em muitos cargos, o centro

das atenções e até de respeito e consideração. Na vida privada, muitas

das festas e ritos de passagem são formas de as pessoas serem o centro

das atenções por algumas horas. No caso de muitos políticos, os ga-

nhos psicológicos pessoais do exercício do poder chegam a ser imen-

sos. Além disso, tal atenção é acompanhada de benefícios que só pes-

soas muito ricas podem ter.

Um político, no entanto, não pode se lançar como candidato com

uma plataforma em que declare tal busca de renda real. De fato, há

uma cultura entranhada nas religiões e nos valores herdados de épo-

cas em que os políticos não eram remunerados e, na verdade, nem

eram escolhidos popularmente. Predomina a ideia de que a represen-

tação pública é feita pela busca desinteressada do bem comum. É a

ideia do político idealista, que salvaria a sociedade dos males de cau-

sas diversas e da incompetência dos políticos do momento. Note que

isso é diferente de existirem políticos guiados, por princípios éticos

rígidos e por valores partidários. Por conta disso, os políticos procu-

ram disfarçar ao máximo os interesses próprios ou dos grupos de inte-

resse que os apoiam, normalmente com recursos financeiros para cus-

tear campanhas eleitorais. Mesmo em regimes políticos não-democrá-

ticos, há a necessidade de os ditadores passarem a imagem do desinte-

resse pessoal. Essa necessidade de buscar o bem comum faz com que

os interesses específicos, pessoais ou de grupos, sejam disfarçadamente

apresentados como benefícios à sociedade como um todo. Nesse sen-

tido, essa teoria tem isso em comum com a ideia da legitimidade vista

anteriormente na teoria gramsciana.

Os políticos tendem a ser generalistas, por conta do grande nú-

mero de questões discutidas nos órgãos legislativos. Exatamente esse

fato de terem que entender de tudo é que lhes dá uma imagem de que

não entendem de nada, em comparação com todos os tipos de especi-

alistas presentes na sociedade, principalmente aqueles com educação

formal. Esse generalismo é que permite, muitas vezes, que um médico

que tenha exercido vários cargos de representação política possa se

tornar um competente Ministro da Fazenda, cargo que muitas pessoas

Page 20: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

20

Curso de Graduação em Administração a Distância

talvez imaginassem que apenas economistas estivessem aptos a exer-

cer. Por outro lado, o fato de se informarem e entenderem de muitas

questões, além de procurarem ser assessorados por especialistas em

temas mais complexos, faz com que os políticos diminuam os custos

de busca de informação para os eleitores. Em vez de gastar muito tem-

po para se informar sobre todos os temas que são de interesse coletivo,

o cidadão apenas escolhe seus representantes em função de suas posi-

ções sobre as questões que o próprio eleitor considera importante. Os

detalhes na hora das decisões ficam por conta desses representantes.

Partidos

Os políticos se agrupam em partidos, que equivalem a empre-

sas privadas do ponto de vista de venda de serviços, embora as regras

de pertencimento possam ser menos rígidas nos partidos políticos. Uma

plataforma política de um partido reflete sua ideologia e resulta em

pacotes de políticas governamentais. Por sua vez, a ideologia partidá-

ria equivale às marcas das empresas privadas. A composição comple-

xa das plataformas equivale à venda casada em que a empresa

condiciona a venda de um produto à compra de outro. Um exemplo

seria o eleitor que deseja um viaduto no seu bairro e, ao votar num

candidato que o promete, pode ter que ajudar no pagamento de servi-

ços de um novo posto de saúde em outra parte da cidade. Esse exem-

plo ilustra o outro lado da moeda: junto com as promessas de benefíci-

os via gastos públicos, há a conta de impostos. Os eleitores têm cons-

ciência disso, embora saibam que o efeito individual é pequeno, pelo

menos quando se trata de acréscimos de impostos em cima de uma

conta já grande.

Uma vez no poder, o partido e os respectivos políticos têm o

monopólio da representação durante o mandato. Isso significa que

podem agir de forma independente dos interesses do eleitor. Esse mo-

nopólio só será contestado ao final do mandato e ele pode ter duração

fixa, em democracias como a brasileira, ou variável, como no regime

parlamentarista. O equivalente ao término de um mandato em regimes

autoritários é a derrubada do grupo que está no poder por um grupo

rival. Nesses casos, dependendo da legitimidade desse exercício de

Page 21: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

21

Você pode comparar a

presente discussão sobre

burocracia com a

apresentação vista na

disciplina de Sociologia.

poder, o mandato pode ter longa duração até que seja contestado. Como

nos casos de duopólio* ou oligopólio*, a concorrência desses grupos

pode envolver conflitos. Entre as empresas ocorrem guerras de pre-

ços. Entre os grupos rivais que buscam o poder autoritário, monopolista,

em geral, há conflitos armados.

As vantagens do poder, monetárias ou não, são distribuídas, em

geral, via coordenação dos partidos. Daí a usual distribuição dos car-

gos de confiança em base política. Contudo, num ambiente de concor-

rência política bem azeitada, essas vantagens tendem a diminuir, pois

o exagero em seu uso pode ser utilizado pelos partidos de oposição

como elementos de suas plataformas, na forma de críticas aos partidos

da situação. Ao mesmo tempo, é exatamente esse processo competiti-

vo que permite um melhor ajuste das ações político-partidárias às pre-

ferências dos eleitores. Quanto melhor for esse ajuste, mais próximo

do atendimento do bem-comum estará o processo político, agora defi-

nido de baixo para cima.

A ideia de a competição entre empresas reduzir os lucros muito

altos é essencial em teoria econômica de mercados com alto grau de

competição. Assim como as empresas não gostam de competição, os

partidos políticos também criticam o grande número de partidos. Daí a

criação de leis que restringem esse número. No Brasil, houve o estí-

mulo ao surgimento de muitos partidos por conta de regras para o uso

do tempo obrigatório na televisão e do acesso a fundos públicos para

esses partidos. Por um lado, isso é saudável, pois aumenta a competi-

ção política, mas, por outro, torna ineficiente o debate na televisão e

até o funcionamento do Poder Legislativo.

Burocratas

Os burocratas, normalmente chamados de funcionários públi-

cos, tocam a máquina governamental. Burocracia é uma estrutura de

funções, em geral hierarquizadas, com rotinas pré-determinadas de

serviços em que as pessoas são substituíveis. Como invenção, prece-

deu a técnica de peças intercambiáveis da indústria, tendo aparecido

na Antiguidade. É também a forma como as empresas são organiza-

das, sendo os burocratas privados chamados de empregados ou funci-

GLOSSÁRIO*Duopólio – situa-ção de mercado ca-racterizada pelaexistência de apenasdois vendedores dedeterminada merca-doria ou serviço.Fonte: Sandroni(1999).

*Oligopólio – tipode estrutura de mer-cado, nas economi-as capitalistas, emque poucas empre-sas detêm o contro-le da maior parcelado mercado. Fonte:Sandroni (1999).

Page 22: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

22

Curso de Graduação em Administração a Distância

onários. Técnicas administrativas de motivação levam a designações

alternativas para esses burocratas, como a de colaborador, tendo caído

de moda a de recursos humanos.

Talvez por críticas a casos de ineficiência administrativa no se-

tor público e pelo poder discricionário que os burocratas possuem so-

bre os cidadãos em Estados autoritários, há uma imagem negativa as-

sociada ao termo burocrata, surgida ao longo do Século XX. Nós

mantemos o termo burocrata aqui por ter um sentido neutro na teoria

econômica que agora discutimos. Por exemplo, nesse sentido, profes-

sores universitários, são também burocratas. Podem sentir orgulho de

saber que as estruturas burocráticas foram invenções que viabilizaram

o crescente grau de complexidade das sociedades e civilizações desde

a Antiguidade. Em nossa época, ocorre apenas o aperfeiçoamento des-

sas estruturas organizacionais. O próprio curso que você faz neste

momento é parte do treinamento de pessoas que poderão substituir

outras.

Em termos de objetivos pessoais, o burocrata maximiza sua ren-

da real, que é composta pela remuneração em termos monetários, pe-

las condições de trabalho e, eventualmente, pelo exercício do poder,

quando em cargos de direção. Certos cargos públicos dão um bom

conhecimento da máquina governamental, e isso possibilita o exercí-

cio de funções em empresas privadas. Essa possibilidade de salários

maiores posteriormente é também parte da renda real ao longo da car-

reira desses funcionários, algumas vezes com salários abaixo do mer-

cado para funções equivalentes. Mas para evitar vantagens considera-

das indevidas a essas organizações, a passagem do funcionário público

ao setor privado é frequentemente cercada de restrições, como é o caso

de períodos de quarentena administrativa para altos funcionários do Ban-

co Central.

Como vimos, o poder de burocratas em cargos de direção de-

pende, em essência, do tamanho do birô*, definido pelo tamanho de

suas dotações orçamentárias anuais, dos ativos imobilizados que dis-

põe e do número de funcionários que controla. Esses cargos são nor-

malmente preenchidos por critérios políticos, exatamente pelas

consequências políticas que têm. Mas o número desses cargos varia

GLOSSÁRIO*Birô ou Bureau –lugar onde se reali-za um trabalho inte-lectual; escritório;gabinete. Fonte:Houaiss (2001).

Page 23: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

23

de país a país e, aparentemente, depende

do grau de maturidade dos regimes demo-

cráticos. A própria concorrência política e

a frequente alternância de partidos no po-

der motiva a diminuição do número des-

ses cargos no longo prazo, como forma de

diminuir as vantagens eleitorais do parti-

do de situação.

Um tipo especial de burocrata é o

tecnoburocrata. É um funcionário especi-

alizado que, em geral, dirige importantes

birôs. Comumente, tecnoburacratas são

identificados com os economistas e enge-

nheiros brasileiros que tiveram grande

importância entre os anos 1950 e 1970.

Ajudaram a criar o sistema financeiro bra-

sileiro e as grandes empresas estatais, além

de todo o sistema de planejamento gover-

namental. Entre os exemplos mais conhe-

cidos estão Roberto Campos, Celso Fur-

tado e Ignácio Rangel.

Poderes e níveis de governo

Portanto, a questão fundamental que

essa visão do processo político, baseada

na concorrência entre partidos políticos, procura responder é como os

interesses dos cidadãos são em última análise atendidos. Nas demo-

cracias, os políticos precisam concorrer entre si para conseguir que os

cidadãos digam sim a suas plataformas e ideologias. A ligação entre

os políticos e os burocratas tende a ser de forma hierárquica dentro de

cada poder. Mas a divisão em poderes – Legislativo, Executivo e Judi-

ciário – é uma forma de dividir trabalho na burocracia governamental

e, ao mesmo tempo, de diminuir a concentração do poder político. A

divisão em níveis de governo também pode ser vista como uma

desconcentração de poder e de busca de maior competição entre os

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) –

diplomata; assumiu a Presidência do Banco Na-

cional do Desenvolvimento Econômico (BNDE)

de 1958-1959; foi embaixador brasileiro nos

EUA de 1961-1964; Ministro de Planejamento

de 1964-1967. Fonte: <www.cpdoc.fgv.br/

dhbb/Verbetes_HTM/1023_1.asp>. Acesso

em: 6 abr. 2009.

*Celso Furtado (1920 - 2004) – economista

brasileiro, primeiro superintendente e idealizador

da Superintendência do Desenvolvimento do

Nordeste (Sudene) e Ministro do Planejamento

no governo de João Goulart (1961-1964). Foi

também um dos diretores do BNDE (1953). Em

1957, publicou Formação Econômica do Brasil,seu livro mais conhecido. Fonte: Sandroni

(1999).

*Ignácio de Moura Rangel (1914-1994) –

formado em direito, mas reconhecido como eco-

nomista, ingressou no serviço público federal em

1952, na assessoria do presidente Getúlio

Vargas, e integrou o Conselho Nacional do Pe-

tróleo, aposentando-se em 1975 pelo Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico. Fon-

te: Sandroni (1999).

Page 24: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

24

Curso de Graduação em Administração a Distância

políticos. Os grupos de interesse também concorrem entre si tanto em

democracias como em regimes autoritários.

Nos regimes autoritários, a concorrência pode passar por longos

períodos de estabilidade, enquanto o monopólio é mantido, mas a con-

testação do poder por novos concorrentes pode gerar instabilidade até

que novo grupo consiga se legitimar. Mas isso, como nos mercados,

também é competição. Assim, a resposta de como os interesses dos

cidadãos são atendidos, embora com desvios eventuais, é pela compe-

tição política, de forma parecida com o que ocorre entre empresas.

Saiba mais... O texto original de Schumpeter inicialmente critica a visão

clássica de ciência política em que se pressupõe que os políticosbuscam o bem comum. Traduzida popularmente, é aquela visão deque é necessário um líder eticamente puro e carismático para resol-ver todos os problemas da sociedade. Você pode conferir como opróprio autor discutiu isso principalmente nos Capítulos 21 e 22 de:SCHUMPETER, Josef A. Capitalismo, socialismo e democracia.Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

Você encontra uma exposição didática da visão schumpeterianada concorrência entre partidos, com ênfase nos tipos de agenteseconômicos – cidadãos, políticos, burocratas e tecnoburocratas –no Capítulo 4 de:FILELLINI, Alfredo. Economia do setor público. São Paulo:Atlas, 1989.

Para uma exposição breve sobre o papel da competição políticano combate à corrupção, veja:SANSON, João R. O fiscal do fiscal e o combate à corrupção.Atualidade Econômica, ano 20, n. 53, p. 7-11, ago./dez. 2008.Disponível em: <www.cse.ufsc.br/gecon/boletim.htm>. Acesso em:

30 out. 2008.

Page 25: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

25

RESUMO

Nesta Unidade, você estudou duas teorias de Estado.

A teoria gramsciana enfatiza a hegemonia de frações de clas-

ses sociais, mantida por uma visão de mundo, a ideologia, acei-

ta pelas classes dominadas. Esse domínio está sujeito a contes-

tações por parte de outras frações de classe que apresentam ide-

ologias alternativas, divulgadas por seus intelectuais orgânicos.

No longo prazo, com a eventual crise da classe hegemônica,

ocorre uma alternância de poder. Por sua vez, a teoria da con-

corrência entre partidos explica o funcionamento do Estado

a partir de comportamentos individuais. Num ambiente de alta

concorrência entre os políticos, organizados em partidos políti-

cos, as preferências dos eleitores são atendidas via decisões dos

políticos e das ações de funcionários públicos, como parte da

estrutura burocrática estatal. Há, porém, fatores que restringem

a velocidade de ajuste a mudanças nessas preferências, como o

poder que os políticos têm de agirem independentemente dos

interesses de seus eleitores quando se preocupam apenas com o

curto prazo de um mandato, como o fato de os eleitores terem

memória curta em relação aos atos dos políticos e como o fato

de grupos de políticos conseguirem poder de monopólio ou algo

bastante próximo disso, o que é típico de governos autoritários.

Em comparação com a teoria gramsciana, a teoria da con-

corrência entre partidos preocupa-se mais com a explicação da

dinâmica das democracias e, mais recentemente, com a

alternância de poder pela força, como no caso de golpes de es-

tado e ditaduras mais duradouras. Em contraste, a teoria

gramsciana preocupa-se com a permanência no comando su-

premo de uma sociedade por grupos específicos, olhando para

Page 26: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

26

Curso de Graduação em Administração a Distância

várias décadas à frente. Mas as duas teorias têm em comum as

ideias da possível alternância no poder e de como o atendimen-

to das necessidades públicas e da legitimidade dos governantes

é mais efetivo com essa alternância.

Atividades de aprendizagem

Confira se você teve bom entendimento do que tratamosnesta Unidade respondendo às questões conforme os con-ceitos estudados. Para respondê-las, você deve revisar ostextos correspondentes ao assunto até ter compreendidoo que perguntamos. Você pode reler os textos quantasvezes forem necessárias para ter certeza de que entendeuo assunto. Quanto à extensão da resposta, o ideal é queseja breve, mais ou menos entre cinco e dez linhas detexto, escrita com suas próprias palavras. Você conseguiráuma redação própria mais facilmente se tiver atingido oobjetivo proposto na Unidade. Caso não se lembre, releiatambém o objetivo.

Então, bom trabalho!

Se precisar de auxílio, não deixe de fazer contato com seututor pelo Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem. Eleestá à sua disposição para auxiliá-lo.

1. Qual é o papel da ideologia na hegemonia de um grupo sobre asociedade civil?

2. Caracterize o conceito de hegemonia, relacionando-o à crisehegemônica e à revolução passiva.

3. Novas ideologias são usadas como instrumento de contestaçãoao grupo hegemônico. Como os conceitos de intelectual orgânico ede guerra de posição se encaixam nesse processo?

Page 27: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

27

4. (Falso ou verdadeiro? Justifique.) Na teoria política inspirada naconcorrência entre empresas,

a) os cidadãos escolhem combinações de bens e serviços pú-blicos por meio de plataformas de partidos políticos;

b) os burocratas são generalistas que tomam as decisões sobreas múltiplas questões que aparecem nas plataformas políti-cas; e

c) plataformas políticas são um meio de reduzir custos de in-formação na hora de escolher entre diferentes combinaçõesde bens e serviços públicos.

Page 28: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD
Page 29: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

O tamanho do setor públicoO tamanho do setor público

UNIDADE

2

Page 30: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

30

Curso de Graduação em Administração a Distância

Objetivo

Nesta Unidade, você estudará a divisão de tarefas entre o setor público

e o setor privado. Ao final dela, você deverá ser capaz de: distinguir

entre diferentes tipos de bens, classificados de acordo com a forma

como são consumidos; identificar porque é muito caro cobrar por alguns

tipos de benefícios ou conseguir indenização por sacrifícios sofridos; e

analisar o tamanho do Estado em termos de quanto da renda total é

apropriado via tributos.

Page 31: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

31

A fronteira entre os setorespúblico e privado

Caro estudante!

A questão do tamanho do setor público envolve umaclassificação dos tipos de bens. Nesta seção, você verá,inicialmente, como classificar os bens e como isso ajuda aentender o conceito de externalidade. Nas seções seguin-tes, nossa preocupação é com os tipos de atividades dosetor público. O Estado pode produzir bens e serviçosdiretamente e pode fazer parcerias com o setor privado.Além da atividade produtiva direta, que mais o Estado faz?Na verdade, regulamenta atividades privadas, estabiliza onível de atividade e, consequentemente, o emprego e, maisimportante, redistribui renda. Nas seções finais destaUnidade, nossa preocupação será com o tamanho relativodo setor público. O Estado moderno depende muitopouco de atividades produtivas próprias como fonte derenda, pois, em geral, essas atividades requerem novosinvestimentos públicos, sendo assim uma fonte adicionalde despesas públicas. Na verdade, para suas várias ativida-des, o Estado tributa os cidadãos, como você já estudou naUnidade anterior. Assim, é possível perguntar qual é essenível de tributação em comparação com o produto do país.

Bons estudos!

Tudo era setor público em algumas sociedades bastante anti-

gas, como no Império Inca, e também nos experimentos socialis-

tas do Século XX. As decisões eram totalmente centralizadas e

tomadas por um corpo de funcionários públicos, tornando a socie-

dade uma grande fazenda, como no Império Inca, ou uma grande

fábrica, como no experimento soviético. Historicamente, ocorreu

a gradual descentralização* das decisões de produção e de distri-

Veja a indicação de

leitura sobre a socieda-

de inca no Saiba mais

desta seção.

GLOSSÁRIO*Descentralização –processo de descen-tralizar. Descen-tralização significaque a maioria dasdecisões relativas aotrabalho que estásendo executado étomada pelos que oexecutam, ou comsua participação.Fonte: Lacombe(2004).

Page 32: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

32

Curso de Graduação em Administração a Distância

buição de bens com a ajuda de mercados institucionalizados desde

milhares de anos atrás.

Mas como podemos explicar essa descentralização?

Por que nem toda a produção de bens e serviços éprivatizável?

Como explicar os casos em que o setor público apenas regu-lamenta a produção privada?

Você verá, inicialmente, a grande diferença, do ponto de vis-

ta econômico, entre degustar um delicioso prato de peixe, por

exemplo, ou de camarões e ostras de Florianópolis, e um bom jogo

de futebol, num dia inspirado da seleção brasileira, visto pelo si-

nal da TV aberta. Pela caracterização de diferentes tipos de bens e

serviços, você entenderá porque há uma divisão de trabalho entre

o setor público e o setor privado. Em seguida, terá um rápido in-

ventário dos tipos de atividades estatais e, ao final, de como se

mede e explica a evolução do tamanho do setor público.

Para essa discussão, classificamos bens e serviços com base

em duas características: a rivalidade no consumo e a exclusão de

consumo. A característica da rivalidade tem um sentido físico, de

ocupação de espaço. Um bem ou serviço consumido por uma pes-

soa é rival no sentido de que apenas ela pode fazer isso, pois no

momento em que o consumo ocorre não há possibilidade de outra

pessoa fazê-lo ao mesmo tempo. Exemplos de bens ou serviços

com rivalidade: um delicioso prato de carne de sol, uma cerveja

bem gelada, uma porção de água fresca ou um bom atendimento

médico. Várias pessoas, às vezes, consomem juntas um prato de

camarões, acompanhado de cerveja, mas as porções servidas a cada

pessoa são consumidas apenas por elas. Veja, em contraste, alguns

exemplos de serviços não-rivais: defesa nacional ou sinais da TV

aberta. No caso de não-rivalidade, muitas pessoas se beneficiam

simultaneamente do serviço. Essa classificação de bens e serviços

segundo a rivalidade no consumo só admite duas opções: rival e

não-rival.

Page 33: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

33

Bens ou serviços não-rivais têm uma dimensão espacial, que pode

torná-los locais. Um primeiro exemplo é a iluminação pública, em que

o alcance do serviço tem uma área limitada pela potência das lâmpa-

das. É apenas naquele perímetro que várias pessoas podem se benefi-

ciar do serviço simultaneamente. Isso vale também para a proteção

contra certas doenças via obras de saneamento.

A característica da exclusão de consumo ocorre quando é

possível impedir que alguém possa consumir um determinado bem

ou serviço. Contudo, essa exclusão pode ser difícil e cara, crian-

do, assim, diferentes graus de exclusão possíveis. Do ponto de

vista dos custos, há muitas formas de exclusão. Uma forma

institucional, que envolve convenções sociais, é a do reconheci-

mento de direitos de propriedade. A propriedade pode ser privada

ou coletiva. A propriedade coletiva envolve exclusão de quem não

pertence àquele grupo social. Aliás, isso está implícito na defesa

de territórios, pelas forças armadas.

Já a propriedade privada envolve a exclusão de consumo

dentro da própria sociedade. Assim, se você possui um livro e as

demais pessoas reconhecem sua propriedade sobre ele, você pode

impedir outras pessoas de o lerem. É por isso que você diz a seu

amigo que poderá lhe emprestar o livro quando você não o estiver

necessitando. Você também pode emprestar algum tipo de alimen-

to com a expectativa de que terá de volta algo equivalente mais

tarde. Se a devolução ocorrer, isso implica o reconhecimento de

seu direito de propriedade sobre o alimento emprestado. Contudo,

quando se trata de amigos, é mais realístico considerar isso como

doação. Ele até reconhece seu direito de propriedade, mas a clás-

sica resposta do “devo, não nego, mas pago quando puder” pode

tornar inútil esse direito.

Os diferentes graus de exclusão dependem da tecnologia uti-

lizada e dos correspondentes custos. Por exemplo, excluir as pes-

soas de assistirem a um jogo de futebol envolve os altos custos de

construção de um estádio. O conforto dado às pessoas, que nem

sempre é a contento, vem acompanhado da exclusão dos não-

pagantes. Não incluímos aqui as entradas conseguidas gratuita-

Page 34: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

34

Curso de Graduação em Administração a Distância

Na verdade, o que

viabiliza uma empresa

de TV aberta é o

serviço de propaganda

para outras empresas.

Quem assiste TV

nessa forma recebe um

pacote de diversões e

propaganda.

mente, que refletem outros fatores de conveniência dos clubes e

donos de estádios. São exemplos de exclusão de baixo custo: co-

midas de restaurantes, alimentos vendidos em feiras, remédios ou

serviços médicos. Como exemplos de exclusão cara, podemos ci-

tar: peixes num grande lago, espaço de estacionamento em áreas

centrais de cidades ou espaço para os veículos rodarem numa es-

trada. Os sinais da TV aberta são um exemplo em que se desiste

da exclusão, embora TV a cabo e por satélite sejam exemplos de

exclusão possível para um serviço não-rival, apesar dos altos cus-

tos. Se alguém contratar os serviços de uma empresa privada para

obras de saneamento na área de sua residência terá muitas dificul-

dades em excluir os vizinhos desses benefícios. Logo, a classifi-

cação dos bens pela possibilidade da exclusão de consumo envol-

ve um número muito grande de tipos de bens possíveis.

Combinando as duas formas de classificação de bens e ser-

viços, ou seja, segundo a rivalidade ou a exclusão, podemos defi-

nir vários tipos de bens. Num extremo da dupla classificação, se o

bem é não-rival no consumo e se a exclusão é muito cara, então

ele é chamado de bem público. Note que nessa definição não di-

zemos que o bem tem que ser produzido pelo setor público para

ser caracterizado como bem público. Por exemplo, em regiões de

fronteira, onde os serviços de segurança pública ainda não chega-

ram ou são ineficazes, as pessoas podem formar uma brigada de

voluntários ou até de vigias particulares para se protegerem de la-

drões de gado. Todos os agricultores e criadores de gado da área

são protegidos simultaneamente. Isso também ocorre quando as

pessoas pagam pelo serviço de vigias numa determinada rua. Em

algumas regiões do Brasil, as pessoas fazem trabalho comunitário

para a limpeza de riachos e de valetas de escoamento de água e

esgoto, com benefício simultâneo para toda a localidade. A princi-

pal consequência para os que não colaboram é, às vezes, serem

alvo de um tratamento frio e do desprezo dado aos indivíduos que

tiram proveito excessivo de seus pares.

No outro extremo, se o bem envolve rivalidade e a exclusão é

de baixo custo, então ele é um bem privado. Esse é o caso, por exem-

Page 35: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

35

plo, da carne de sol e da cerveja. A linguagem da mídia tende a definir

bens privados como aqueles com provisão de mercado e bens públi-

cos como aqueles de provisão pública. Em geral, isso reflete um estu-

do apressado desses conceitos, mas é possível que a influência da mídia

seja maior do que a da academia no longo prazo.

Um caso intermediário ocorre quando o bem é rival, mas a

exclusão é cara. Esse é o caso dos bens de uso comum. Um exem-

plo bastante relevante para nossa época é a camada de ozônio e a

atmosfera como um todo. Quando alguém emite gases que destro-

em uma parte da camada de ozônio, consome aquela parte da mes-

ma. Como é difícil definir quem é o dono da camada, quem chegar

primeiro é o dono e a consome ao se livrar de gases poluentes.

Isso é ilustrado mais diretamente por áreas de pesca. Como é difí-

cil definir a propriedade dos oceanos, especialmente as áreas de

mares internacionais, os donos dos grandes peixes ameaçados de

extinção são os que primeiro os capturarem. Contudo, se esses

pescadores não os pescarem, outros podem pescá-los e o sacrifí-

cio de não pescá-los terá sido em vão. O sacrifício é individual,

mas o benefício de deixar os peixes atingirem a idade apropriada

para não os ameaçar de extinção é dividida com todos os pescado-

res. Logo, o sacrifício de deixar para pescar mais tarde é muito

maior do que o beneficio de fazê-lo depois. Porém, há situações

em que a exclusão é viável, seja por acerto comunitário ou inter-

nacionalmente, como nos acordos para a preservação de várias es-

pécies de baleias, seja por regulação estatal, dentro de países ou

mares cercados por poucos países. No caso da pesca, é possível

haver a exclusão quando se definem direitos de propriedade sobre

pequenas lagoas, como no caso do sistema do “pesque e pague”,

mas, então, a pesca deixa de funcionar em regime de recursos de

uso comum para se tornar um bem privado.

Podemos sistematizar essa classificação de bens com ajuda

do Quadro 1. Para a combinação de rivalidade com baixos custos

de exclusão, temos o caso dos bens privados puros. O outro caso

extremo é de bens públicos puros, normalmente mencionados na

literatura de finanças públicas apenas como bens públicos. A vari-

Page 36: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

36

Curso de Graduação em Administração a Distância

Como explicar a

distribuição gratuita de

remédios pelo setor

público? Arrisque uma

resposta e aguarde até

o próximo parágrafo,

onde chegaremos ao

conceito de

externalidade.

abilidade dos custos de exclusão gera casos mistos, conforme ob-

servamos no Quadro 1 a seguir. Fica fácil também localizar os bens

de uso comum.

Baixo

Níveis intermediários

Alto

Não

Público privatizável

Misto

Público puro

Sim

Privado puro

Misto

Uso comum

Rivalidade

Custo de

exclusão

Quadro 1: Tipos de bens, segundo o custo de exclusão e a rivalidadeFonte: adaptado de Jones (2000, p. 68)

Na explicação da fronteira entre os setores público e privado,

podemos concluir que os Estados poderiam liberar para a atividade

privada aqueles bens em que a exclusão é barata, independente de o

bem ser rival ou não no consumo. Por exemplo, a produção e até a

provisão de remédios são, em geral, atividades do setor privado, dada

a facilidade da exclusão. Já a provisão de serviços de segurança públi-

ca, cuja exclusão é difícil, normalmente fica nas mãos do setor públi-

co, embora a produção possa ocorrer via setor privado. Isso também

ocorre com a infraestrutura de transporte. Por exemplo, o Estado pode

prover esse tipo de infraestrutura, mas a produção é privada, com pa-

gamento pelo Estado, que, na verdade, apenas repassa os tributos.

O entendimento de por que a produção de bens e serviços clara-

mente privados, assim como a de bens rivais de exclusão barata, é

muitas vezes mantida publicamente necessita de mais um conceito

importante, o de externalidades. No caso de bens privados puros, o

preço pago pelos compradores reflete os benefícios proporcionados a

eles por esses bens, enquanto que o mesmo preço, do ponto de vista

dos vendedores, reflete os custos de produção. Mas há casos em que

benefícios ou custos estão envolvidos sem que as instituições permi-

tam a cobrança de tais benefícios ou o ressarcimento de custos. Não

há, portanto, um mercado para tais benefícios ou custos. É uma falha

institucional que impede o acerto entre as partes do negócio sobre o

Page 37: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

37

que é a mercadoria ou de como cobrar adequadamente por ela. Do

ponto de vista institucional, podemos dizer também que é uma falha

do mercado, pois há benefícios ou sacrifícios envolvidos na transação

que não são objetos de pagamento.

Se há custos desconsiderados ou externos a uma transação de

mercado, dizemos que ocorrem externalidades negativas. A produ-

ção será superior à que seria obtida se todos os custos fossem conside-

rados. Um exemplo importante é o de agroindústrias avícolas que po-

luem um rio. Isso afeta o uso do mesmo como fonte de água potável

ou de lazer para a população rio abaixo. Os compradores de frango

nos supermercados pagam um preço inferior ao que pagariam se os

custos de evitar a poluição fossem considerados e, assim, compram mais

do que seria o nível de produção compatível com uma poluição menor.

Um exemplo na área de saúde é o dos cuidados necessários para

diminuir a população de mosquitos transmissores de doenças, como é

o caso da dengue. Muitas pessoas desfrutam do conforto de não traba-

lhar o suficiente para evitar focos da dengue em suas propriedades,

mesmo tendo conhecimento dos mecanismos de propagação da doen-

ça. Calculam que isso não fará muita diferença quanto à probabilidade

de elas mesmas adquirirem a doença. Se muita gente fizer isso, o re-

sultado será a proliferação do vetor da doença.

Outro exemplo da área da saúde é o do consumo de drogas,

incluindo aí o fumo e o álcool, além de narcóticos ilegais. Em princí-

pio, drogas são bens privados. No entanto, seus efeitos psicológicos

ocasionam comportamentos inadequados socialmente, muitas vezes

resultando em violência contra terceiros, como no caso de acidentes

de trânsito, ou em doenças altamente custosas para os usuários e para

pessoas expostas indiretamente a seus efeitos, como é o caso dos

derivados do tabaco. Numa sociedade com acesso universal à saúde,

isso resulta em sobrecarga nas despesas do sistema. A solução para

essas externalidades negativas tem sido a proibição pura e simples

ou a restrição a seu consumo, o que ignora as preferências desses

usuários. Uma solução frequente, que respeita as preferências de

usuários, é a tributação bastante alta das drogas lícitas de forma a

compensar a sociedade por esses custos. Mas nos casos de viciados,

Page 38: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

38

Curso de Graduação em Administração a Distância

A seguridade social

brasileira está descrita

no Art.194 da Consti-

tuição Federal de

1988.

cuja elasticidade-preço da demanda é extremamente baixa, de modo

a levar a pequena queda de quantidade demandada por conta de gran-

des variações de preços, a tributação tem o efeito indesejado de pio-

rar a situação de pessoas de baixa renda. O efeito indireto é também

um aumento de despesas públicas de saúde.

Como parte da seguridade social no Brasil, que inclui o acesso

universal à saúde, a assistência social e a previdência social, você já

pensou que tipo de externalidade envolve a Previdência Social? A pre-

vidência social envolve um tipo de externalidade diferente. Quando se

é jovem, há incerteza quanto ao nível de renda que se terá na velhice.

O ideal é que todos fizessem um seguro de garantia de renda para essa

fase da vida, independente do que cada um conseguisse durante os

anos de trabalho. O seguro seria apenas uma garantia de que não se

passará necessidades. Contudo, na juventude, os anos da velhice ain-

da estão muito longe e tais rendimentos valem muito pouco no presen-

te. A tendência é que um grande número de pessoas deixe para fazer

tal tipo de seguro muito mais tarde. É por isso que os planos de previ-

dência privada cobram mensalidades bastante baixas de quem entra

nesses planos ainda jovem. Como poucos fazem isso quando jovens,

as mensalidades tendem a ficar muito altas para que a empresa de se-

guros possa cobrir os altos custos de vender o seguro apenas para pes-

soas mais velhas. Isso leva a mensalidades mais altas também para os

jovens que entram cedo no sistema, afastando-os mais ainda.

Essa é uma explicação para o fato de que a estatização desse

tipo de seguro começou cedo na Europa, ao longo do Século XIX.

Junto com a estatização veio a obrigatoriedade de se adquirir o servi-

ço. No setor público, o Estado cobra uma fração dos salários de todos

os que trabalham formalmente, que, no Brasil, são aqueles com regis-

tro na carteira de trabalho, para cobrir as despesas daqueles que já

estão aposentados ou de seus dependentes, na forma de pensões. Sem

o sistema de previdência pública, haveria um número talvez muito alto

de pessoas em situação de necessidade na velhice por conta dessa

externalidade negativa associada à baixa entrada espontânea de jo-

vens trabalhadores no sistema de seguro previdenciário.

Mas há casos em que ocorrem externalidades positivas, por

conta de benefícios que são desconsiderados numa dada transação.

Releia o conceito de

elasticidade-preço em

Carvalho Jr. (2008, p.

30-35).

Page 39: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

39

Esse fenômeno de o

resultado depender do

número de pessoas

que aderem a esse

comportamento é

chamado também de

externalidade em rede,

e tem ajudado a enten-

der a adoção de novas

tecnologias no setor

privado.

Por exemplo, uma empresa privada investe em pesquisa e desenvolvi-

mento de novos produtos (P&D), mas pode ter os resultados copiados

por outras empresas que se beneficiarão sem ter todos os custos. Isso

vale também para a autoria de trabalhos intelectuais. Como as empre-

sas que efetivamente gastam em P&D só contabilizam seus próprios

benefícios, investirão menos em P&D do que se pudessem cobrar por

todos os benefícios gerados para a sociedade.

Outro exemplo é o de um indivíduo que tem hábitos de limpeza

e ordem ao redor da sua residência, embelezando-a com jardins, mas

evitando os criadouros de insetos transmissores de doenças, gerando

desse modo benefícios para os vizinhos. Como ele tem custos ao fazer

isso, só levará em consideração os próprios benefícios, que têm talvez

mais a ver com a própria satisfação de viver num ambiente bem orga-

nizado do que com o combate a epidemias. O resultado é um menor

investimento nesse tipo de atividade do que seria o nível ótimo para a

sociedade. Mas se vários vizinhos tiverem preferências parecidas, pode

ocorrer um efeito em rede, em que quanto mais pessoas fizerem o

mesmo, maiores serão os benefícios para o grupo em termos puramen-

te estéticos. Nesse caso, haveria um efeito adicional de combate à pro-

liferação dos mosquitos.

Esses benefícios ou sacrifícios extras podem envolver os dife-

rentes tipos de bens, segundo a rivalidade e a exclusão. Em geral, os

casos de não-rivalidade e de altos custos de exclusão são mantidos nas

mãos do Estado. Contudo, se os custos de exclusão forem relativa-

mente baixos, a externalidade pode ser solucionada via contratos mer-

cantis. Por exemplo, um produtor de mel de abelha beneficiará

plantadores de frutas das redondezas. Normalmente, esse serviço não

é remunerado e o produtor de mel só leva em conta seus próprios be-

nefícios. Dependendo dos tamanhos dessas atividades, pode ser viá-

vel a alguém se especializar no serviço de polinização, deslocando as

colmeias de acordo com a remuneração recebida de produtos que se

beneficiem de uma polinização mais intensiva.

Há casos em que mesmo se tratando de bens privados, o gover-

no mantém a produção pública dos mesmos. Um exemplo importante

disso foi a produção de aço pelo Brasil via uma empresa estatal, a Cia.

Siderúrgica Nacional. Sua criação durante a Era Vargas para produzir

Page 40: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

40

Curso de Graduação em Administração a Distância

Você pode repassar

Mendes et al. (2007,

p. 107-118) agora

focando na teoria da

regulação. Note que a

presente discussão de

corte neoclássico seria

considerada pela teoria

da regulação como

apenas um subitem.

e comercializar um bem privado puro, na verdade envolvia

externalidades ligadas à defesa nacional, segundo a avaliação políti-

co-militar durante um período de grandes guerras mundiais. Em de-

corrência disso, o governo federal considerou essencial, à época, que

o controle total da produção fosse público.

Portanto, a fronteira entre os setores público e privado é explicá-

vel, em boa medida, pela existência de bens com possível rivalidade,

diferentes graus de exclusividade e externalidades associadas a bens

que, normalmente, ficariam nas mãos do setor privado. Nesses casos,

dizemos que há falhas nas instituições de mercado, que mantêm ou

levam à produção estatal.

Saiba mais... A sociedade inca tinha uma economia totalmente centralizada, a

ponto de nem ter dinheiro como meio de troca, embora fosse sofisti-cada produtora de objetos de ouro e prata. A produção de bens eraadministrada coletivamente nas próprias vilas e com trocas de benstambém coordenadas coletivamente entre elas. O governo centralcuidava principalmente da coordenação político-religiosa, do contro-le militar do império, da tributação e da infraestrutura de transporte.Sobre esse tema, sugiro a leitura do Capítulo 4 de:FREITAS, Luiz C. T. Tahuantinsuyo: o Estado Imperial Inca.Luzcom Multimakers, 1997. Disponível em: <www.luzcom.com.br/inca/livro/html/>. Acesso em: 23 out. 2008.

Atividades econômicas estatais

Há uma área cinzenta na fronteira entre os setores público e pri-

vado. Além das próprias empresas estatais, em que há a divisão do

capital com o setor privado, mas sob controle estatal, há a regulamen-

tação de atividades sob concessão pública e a criação recente das

parcerias público-privadas. Essas parcerias são um arranjo em que

Page 41: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

41

Para saber mais sobre

o Conselho Adminis-

trativo de Defesa

Econômica (CADE),

acesse:

<www.cade.gov.br>.

Para saber mais sobre

o Secretaria de Direito

Econômico (SDE),

acesse:

<www.mj.gov.br/

sde>.

o Estado dá concessões para empresas privadas explorarem certas ati-

vidades, como, por exemplo, a manutenção ou a construção de estra-

das ou hospitais sob supervisão estatal. Se houver cobrança de tarifas

de usuários, quando isso é possível e decidido politicamente, o setor

público pode, eventualmente, cobrir insuficiência de receita. Essa par-

ceria é uma forma de dar ao governo uma maior capacidade de provi-

são de serviços públicos. Alguns serviços públicos, mesmo quando

produzidos pelo setor privado, estão sujeitos a regulamentação espe-

cial, em comparação com as atividades usuais de produção de bens

privados puros. Uma das razões para isso é que a tecnologia de produ-

ção e a natureza do bem ou serviço implicam grande poder de merca-

do para as empresas produtoras. Esse é o caso da produção e distribui-

ção de energia elétrica, do transporte público, dos serviços portuários,

etc. O excesso de poder de mercado, quando não contestável por po-

tenciais concorrentes, leva a preços relativamente altos e produção

relativamente baixa.

A regulamentação de atividades sob concessão pública pode ser

feita de várias maneiras. Uma é pela garantia da concorrência entre as

empresas privadas. Para isso foram criados no Brasil vários órgãos de

defesa da concorrência, como o Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE). Para

alguns setores, foram criadas as agências reguladoras setoriais. Exem-

plos são a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional

de Energia Elétrica (ANEEL). Para que atinjam o objetivo de prote-

ção contra pressões das próprias empresas reguladas e de motivações

político-governamentais, essas agências, em geral, têm uma razoável

autonomia de decisão, e seus diretores têm mandatos que não coinci-

dem com os mandatos políticos.

Outra maneira de regular as utilidades públicas é pelo controle

dos preços do setor, na verdade pela definição de reajustes. A ideia é

considerar as variações de custos de produção, o que inclui os bens e

serviços, entre os quais o de mão de obra, utilizados na produção do

serviço. O ideal seria definir preços tais que cobrissem os custos de-

correntes de aumentos de produção, a partir do nível de produção em

que a empresa opera; isso é chamado de cobrança pelo custo margi-

Page 42: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

42

Curso de Graduação em Administração a Distância

nal. Mas essa forma de cobrança não garante que os custos totais se-

jam cobertos, pois não cobre os custos que a empresa tem, indepen-

dentemente de produzir, podendo, assim, gerar prejuízos. Para evitar

isso, uma forma alternativa é dividir o custo total pelo número de uni-

dades produzidas e definir o preço por esse custo médio. O problema

com essa regulação é que as empresas têm incentivos para relaxar na

eficiência técnica. Outra forma ainda é definir preços tendo uma mar-

gem de lucro sobre o capital que seja aceitável para o setor.

Como você pode ver, há muitas alternativas para a regulaçãode preços em áreas de utilidades públicas em que o Estadoqueira estimular uma maior produção a bons preços para apopulação.

Além da provisão e até da própria produção de bens e serviços,

o Estado também promove redistribuição de renda, cuida da estabi-

lidade de preços e combate grandes flutuações do nível de emprego.

Na realidade, em qualquer ação estatal com cobrança de tributos para

a provisão de serviços públicos é quase impossível ter um alinhamen-

to exato entre o que é cobrado de uma pessoa e o que ela recebe de

benefícios, considerado o pacote completo de benefícios públicos. Mas

o que chama mais atenção do ponto de vista político é a redistribuição

de renda na forma monetária. A redistribuição de renda pode ser tanto

um bem privado, quando as pessoas doam dinheiro diretamente a pes-

soas, especialmente a pessoas de baixo rendimento, quanto um bem

não-rival, quando o governo, com um mandato fundado em platafor-

ma redistributivista*, altera a própria distribuição de renda, entendi-

da em sentido estatístico, diminuindo a porcentagem de pessoas nas

faixas de renda mais baixas à custa da diminuição da renda de pessoas

em faixas mais altas.

Uma forma de redistribuição de renda no Brasil é a inclusão de

pessoas idosas de baixa renda no sistema previdenciário mesmo que

elas nunca tenham contribuído para o sistema. Para que uma pessoa

possa se aposentar no Brasil, ela precisa ter contribuído por um certo

GLOSSÁRIO* P l a t a f o r m aredistributivista oupolítica redistri-butiva – busca asse-gurar o atendimen-to às necessidadesbásicas da maioriados cidadãos de umEstado. Ela se fun-damenta noparadigma adotadopor Robin Hood:“tirar do rico paradar ao pobre”. Fon-te: Sanches (1997).

Page 43: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

43

número mínimo de anos ao sistema. São essas pessoas que geram a

receita que cobre as despesas com os aposentados e pensionistas. Quan-

do mais beneficiados são incluídos no sistema já como aposentados,

sem contribuição prévia, ocorre um aumento das despesas, que deve-

rão ser cobertas por aumentos das cobranças dos trabalhadores da ati-

va ou por outras fontes tributárias. Esse tipo de inclusão previdenciária

é, na verdade, parte dos programas de redistribuição de renda do país.

Por fim, a busca da estabilidade de preços e do combate ao

desemprego é também uma atividade essencial de governo. Num sis-

tema federal, composto por três níveis de governo, apenas a União

cuida da moeda do país, enquanto os estados e municípios se adaptam

às decisões de nível superior. Como todos os cidadãos são afetados

simultaneamente pela estabilidade da economia, temos aí um caso de

não-rivalidade. Como a exclusão desses benefícios é quase impossí-

vel, temos, na verdade, um bem público puro. O monopólio da União

sobre o controle da moeda evita a multiplicidade de moedas, algo que

a União Europeia eliminou ao adotar uma moeda única, o Euro, para

o comércio entre os países-membros.

Alterações na oferta de moeda do país podem ter implicações

sobre a evolução média dos preços. Por exemplo, quando as empre-

sas produzem em seus limites técnicos de produção e quando o nível

de produção está tão alto que começa a faltar trabalhadores

especializados, há aumentos de preços generalizados, caracterizan-

do um processo inflacionário. Numa situação dessas, uma redução

da oferta de moeda tem como primeiro efeito o aumento de juros,

pois diminui a disponibilidade de recursos para crédito. Juros maio-

res, por sua vez, diminuem o consumo e o investimento, reduzindo,

então, as pressões inflacionárias.

Para que você possa ter melhor compreensão do assunto,nossos próximos passos serão, inicialmente, definir umamedida do tamanho relativo do setor público e depois ex-plicar sua crescente participação na economia ao longo demuitas décadas. Para isso, veremos o conceito de cargatributária e, em seguida, algumas explicações fundamenta-

Page 44: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

44

Curso de Graduação em Administração a Distância

das na dinâmica da economia que leva à crescente deman-da de serviços públicos.

O Estado produtor

Para a sociedade escolher entre produzir ou não um bem qual-

quer pelo setor público, há dois elementos a considerar. Primeiro,

a teoria dos bens públicos, com base nas características de rivali-

dade e exclusão, é uma explicação pelo lado da demanda e não da

produção ou oferta. É pela demanda que mencionamos a possível

não-rivalidade de certos bens ou serviços e o alto custo de exclu-

são de outros. Juntando tais características em um único bem é

que temos os bens públicos. Isso significa que a decisão sobre pro-

duzir ou não tais bens pelo setor público é explicável por outras

características.

Em geral, como já vimos, isso tem a ver com externalidades.

Há, portanto, uma diferença essencial entre produção e provi-

são. Por exemplo, os serviços de saúde que tenham efeitos gene-

ralizados, como no caso de combate a endemias, poderiam ser pa-

gos pelo Estado, mas sua produção seria feita por empresas priva-

das. A venda direta do serviço seria inviável pela dificuldade de

exclusão de beneficiários que se recusassem a pagar pelo mesmo.

Por exemplo, o trabalho de combate ao mosquito da dengue pode-

ria ser feito por empresas especializadas, com a contratação via

licitação pública. Nesse caso, a produção seria privada e a provi-

são seria pública. Essa produção poderia ser via empresas priva-

das tanto com fins lucrativos como sem fins lucrativos. Agora, se

o governo usa um corpo de funcionários públicos, adquire e admi-

nistra os bens de capital necessários para esse serviço, então ele

próprio produz e provê o serviço. As duas soluções seriam equi-

valentes na viabilização do serviço, na suposição de custos efeti-

vos similares.

Page 45: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

45

Na verdade, essa escolha de manter a produção no setor pú-

blico tem mais a ver com decisões de administração pública. De-

pende da eventual diferença de custos na produção de um dado

bem no setor público versus o setor privado. Da discussão de anos

recentes sobre a transição das economias socialistas para econo-

mias de mercado ficou claro que um elemento essencial para a efi-

ciência relativa entre empresas públicas e privadas é o grau de

concorrência que elas enfrentam. Por exemplo, a Petrobrás enfrenta

concorrência em suas operações internacionais, enquanto o Ban-

co do Brasil enfrenta um razoável grau de concorrência de outros

bancos no próprio país, embora a criação de novos bancos tenha

restrições legais, o que enfraquece um pouco esse efeito. Já uma

empresa privada que tenha alto poder de mercado, isto é, que en-

frente pouca concorrência, terá incentivos para se tornar ineficiente

e oferecer produtos mais caros e de pior qualidade. Colocado de

uma forma simples, o comprador fica sem a opção de pegar o tele-

fone e consultar outra empresa quanto a preço e qualidade de um

dado produto. Essa pouca concorrência envolve muitas vezes o

loteamento do mercado por pouquíssimas empresas, cada uma atu-

ando como única vendedora em sua área de operação.

Alguns de vocês devem lembrar dos automóveis-carroças pro-

duzidos no Brasil anos atrás, por conta da pouca concorrência no

setor automobilístico brasileiro. O mercado brasileiro de automó-

veis era dominado por poucas empresas internacionais, que ope-

ravam sob a proteção de concorrência externa, o que mudou signi-

ficativamente a partir dos anos de 1990. É por conta da possível

ineficiência do setor público, principalmente sua lentidão em se

ajustar a mudanças na estrutura de demandas de serviços públicos

e à tecnologia de sua produção, que também existem falhas de go-

verno (STIGLITZ; WALSH, 2003, Cap. 16).

Ainda nos anos de 1990, o Brasil embarcou em forte progra-

ma de privatização de empresas estatais, até do setor financeiro

estadual em muitos casos. Isso, de fato, decorreu de o país ter falta

de recursos para melhorar suas contas públicas num período em

que o processo político gradualmente incorporou a visão de que

Page 46: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

46

Curso de Graduação em Administração a Distância

seria preciso diminuir o déficit público como parte do esforço de

combate à inflação. Mas houve também um pouco de influência

internacional, especialmente da experiência bem sucedida na In-

glaterra de privatizações em larga escala nos anos de 1980. Essa

experiência foi seguida por políticas desse tipo em países socialis-

tas como a China e depois nos países do antigo bloco soviético, o

que levou a novas concepções para o setor público, após várias

experiências de sucesso em outros países.

Contudo, no caso brasileiro as necessidades de manutenção

das grandes obras de infraestrutura já existentes requerem grandes

volumes de recursos públicos que o governo brasileiro não tem no

momento. A carga tributária, como vimos anteriormente, tem cres-

cido significativamente, restringindo essa opção. Como saída para

isso, o Estado brasileiro abriu um espaço maior para a participa-

ção do setor privado nessa área. Na verdade, as empresas de eco-

nomia mista são um exemplo antigo de tal parceria, em que acio-

nistas privados dividem o comando da empresa, com o Estado no

papel de sociocontrolador.

As parcerias público-privadas são uma forma alternativa

para essa participação do capital privado na área de infraestrutura.

Nesse arranjo, o controle da atividade fica nas mãos do setor pri-

vado, mas o Estado participa na definição dos preços de venda

dos serviços, garantindo preços sociais via subsídios ou garantia

de retorno ao capital. A construção da infraestrutura também en-

volve várias possibilidades. Uma é o Estado repassar ao setor pri-

vado uma rodovia, por exemplo, já existente para que este faça

sua manutenção em troca de pagamento de pedágios pelos usuári-

os. Outra opção é o setor privado construir a estrada e ganhar o

direito de cobrar pedágio por um período longo o suficiente para

recuperar o investimento e obter lucros. Após esse período, a es-

trada passa para o Estado.

Na área da saúde, a presença do Estado via o acesso univer-

sal aos serviços de saúde, como determinado constitucionalmente

a partir de 1988, tem consequências inesperadas. Como o atendi-

mento médico é um bem privado, há a possibilidade de esse servi-

Você verá uma discus-

são sobre déficit mais

adiante.

Page 47: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

47

ço ser prestado por empresas privadas. Contudo, a alta incerteza

envolvida na demanda por esse serviço, torna-o um objeto de pro-

teção por seguro, do mesmo modo que a proteção contra acidentes

de automóveis ou de incêndio de um imóvel. A opção de ter o

acesso ao atendimento público gratuito, contudo, induz muitas

pessoas, mesmo com condições financeiras para tal, a não fazerem

seguro privado na área da saúde. Isso cria um excesso de demanda

pelos serviços públicos, sem contar que a gratuidade tende a levar

à utilização ao máximo, restrita apenas pelos inconvenientes de

filas e de queda de qualidade do serviço pelo congestionamento

do sistema. Ao mesmo tempo, o país fez a opção política de usar o

sistema de atendimento médico público como instrumento adicio-

nal de correção da distribuição de renda. Mas as parcerias públi-

co-privadas poderiam ser utilizadas para carrear mais investimen-

tos e melhorar a eficiência do sistema, com subsídios que facilitas-

sem o acesso de pessoas mais pobres ao serviço de assistência mé-

dica. Mesmo assim, preciso mais criatividade para que o problema

do excesso de demanda seja resolvido de modo alternativo ao das

longas filas. Do ponto de vista econômico, as longas filas repre-

sentam um alto custo em termos de tempo de trabalho ou de lazer

perdido pelas pessoas.

Carga tributária

Uma forma de medir o tamanho do Estado na economia é dada

pela carga tributária, que é dada pela relação entre a arrecadação

tributária e o Produto Interno Bruto (PIB).

Essa carga ignora a transferência de renda do setor privado para

o setor público, decorrente da alta emissão monetária, que pode ser

significante em anos de alta inflação, com imposto inflacionário*

chegando a vários pontos percentuais do PIB. No período de 1990 a

1994, o governo brasileiro arrecadou 3,3% do PIB nessa forma

GLOSSÁRIO*Imposto inflacio-nário – incide sobreo dinheiro em circu-lação e é calculadopelo custo de opor-tunidade de pessoasreterem esse dinhei-ro, menos a despe-sa de produzi-lo.Fonte: elaboradopelo autor.

Page 48: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

48

Curso de Graduação em Administração a Distância

(GIAMBIAGI; ALÉM, 2001, p. 31). Na atualidade, com a relativa-

mente baixa taxa de inflação, o imposto inflacionário representa uma

fatia insignificante do total arrecadado e, por isso, omitimos essa fonte

de receita.

A carga tributária tem variado bastante ao longo do tempo.

Rezende (2001, p. 26) apresenta uma longa série de dados sobre a

carga tributária brasileira, de 1947 a 1994, com base em dados levan-

tados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo IBGE. Os dados anuais

são comparáveis entre si e são ilustrados aqui pelo gráfico apresenta-

do na Figura 1. A carga tributária era de apenas 15% em 1947. Sobe

levemente para cerca de 20% no período da construção de Brasília.

Sobe para novo patamar, ao redor de 25% do PIB, no período de sane-

amento das contas públicas dos anos de 1960. Com os vários planos

de estabilização econômica que visavam ao controle da alta inflação

brasileira, novo patamar é atingido no início dos anos de 1990, agora

em torno de 30%. Embora o gráfico não apresente esse período, a

partir do Plano Real, a carga tributária gira ao redor de 33%, com

tendência de alta. Nesses mais de 50 anos, a carga tributária subiu

sistematicamente, mais que dobrando sua participação no PIB. Se-

gundo a Secretaria da Receita Federal, a carga tributária brasileira atin-

giu 35% do PIB em 2007, conforme Brasil (2008). Isso significa que

ela cresceu muito mais rápido que o próprio PIB.

Figura 1: Brasil – Carga tributária – 1947-1994.Fonte: dados da FGV e do IBGE, conforme Rezende (2001, Tabela

1.2, p. 26).

Page 49: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

49

No federalismo fiscal brasileiro, a carga tributária é dividida em

três níveis de governo. Ainda com base no documento da Secretaria

da Receita Federal (BRASIL, 2008, p. 18), a participação maior na

arrecadação em 2006 foi do governo federal, com 69,4%, seguido pelos

governos estaduais, com 26,3%, e pelos governos municipais, com

4,3%. Embora os governos estaduais e municipais tenham participa-

ção menor, no sistema federal brasileiro há forte redistribuição de re-

cursos. Isso é feito basicamente via o Fundo de Participação dos Esta-

dos e o Fundo de Participação dos Municípios. Além disso, o princi-

pal imposto estadual, o ICMS pertence também aos municípios, em-

bora arrecadado pelos estados. Por exemplo, o IBGE calculou, para

2005, que a participação dos governos estaduais na receita disponível

pouco muda, com mais 2 pontos percentuais, enquanto os governos

municipais passam de 6% da arrecadação para 21% da receita dispo-

nível. O governo federal é o maior redistribuidor, caindo sua partici-

pação de 67% para 50%. Isso reflete as mudanças decorrentes da Cons-

tituição Federal de 1988, que descentralizou para os governos locais

algumas atribuições, como é o caso de atendimentos de saúde.

Outra forma de medir o tamanho do setor público é pelas despe-

sas públicas. A principal diferença em relação à carga tributária é a

possibilidade de o resultado orçamentário não ser nulo. Por exemplo,

o governo pode gastar menos do que arrecada. Nesse caso, tem um

superávit. A situação usual, inclusive no Brasil, é a de gastar mais do

que arrecada e, por isso, o governo apresenta déficit em suas contas.

Esses déficits são cobertos normalmente via empréstimos, o que pos-

sibilita um nível de despesa superior à receita. No período da alta in-

flação brasileira dos anos 1990, o déficit chegou a 19% do PIB

(REZENDE, 2001, p. 26). Isso dá uma ideia melhor do quanto das

despesas totais da economia é comandado pelo Estado.

Saiba mais... A estimativa da carga tributária varia de acordo com a instituição

que a calcula, por conta de pequenas diferenças na definição do que éreceita tributária. São itens como multas, juros, contribuições de

Page 50: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

50

Curso de Graduação em Administração a Distância

melhoria, etc., que podem levar a diferenças em torno de dois pontospercentuais do PIB na carga tributária. Para uma comparação demetodologias, veja:IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Carga Tribu-tária do 1° Semestre de 2008. Estudos do IBPT. Disponível em:

<www.ibpt.com.br>. Acesso em: 23 out. 2008.

Explicações sobre otamanho do setor público

Você viu que o setor público brasileiro cresceu relativamen-

te ao setor privado nas últimas décadas. Há duas explicações usu-

ais para isso. Uma delas parte das demandas que o desenvolvi-

mento econômico impõe sobre o setor público. A outra explicação

considera que o processo político tem características intrínsecas

que levam ao aumento da participação do setor público.

Adolph Wagner, que estudou o caso alemão do Século XIX,

enfatiza as pressões crescentes sobre o Estado para que promova

o progresso social. Ele constatou as mudanças nas fontes de recei-

ta pública, que haviam passado de receitas de atividades produti-

vas para tributação. Com a industrialização crescente em muitos

países, ocorreu um maior grau de urbanização e crescimento

populacional. Essa explicação, aprofundada posteriormente, é, às

vezes, denominada de Lei de Wagner*. Quando a renda média de

um país cresce, a demanda de serviços públicos cresce mais rápi-

do ainda. Com a maior renda, vem junto à demanda de serviços

mais sof i s t icados e complexos em função do progresso

tecnológico. Por exemplo, quando o

país é rico o suficiente, pode fornecer

melhores serviços de saúde a uma fa-

tia maior da população, em vez de ape-

nas combater epidemias e fornecer ser-

GLOSSÁRIO*Lei de Wagner –hipótese de que àmedida que o nívelde renda per capitase eleva em paísesque se desenvolvemindustrialmente e seurbanizam cresce aimportância relativado setor público.Fonte: elaboradopelo autor.

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Adolph Wagner (1835-1917) – Economista

alemão, professor das universidades de Viena,

Hamburgo, Dorpat, Freiburg e Berlim. Fonte:

Sandroni (1999).

Page 51: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

51

viços básicos. Contudo, não adianta a um país ter uma alta carga

tributária se o produto por pessoa, gerado no país, for muito bai-

xo. Aquilo que poderá comprar será de qualidade média inferior

ao que um país mais rico pode comprar a partir de uma carga tri-

butária menor.

Com o maior nível de atividade econômica, crescem também

as demandas de função regulatória, que afetam os custos de reali-

zar cada transação econômica. Mas a regulamentação de ativida-

des econômicas é uma faca de dois gumes, pois tanto facilita as

negociações entre as pessoas e empresas, minimizando conflitos,

como dificulta e aumenta custos quando é detalhada demais. É o

processo legislativo, essência do processo político, que pode atin-

gir um nível mais adequado dessa atividade regulatória para cada

época. As demandas de atividades de segurança também crescem

com a população e a industrialização. Do mesmo modo, crescem

as demandas de diferentes tipos de infraestrutura de apoio à ativi-

dade econômica.

Por fim, talvez mais importantes, estão os gastos de educa-

ção, saúde e redistribuição de renda. Essas atividades decorrem tam-

bém de novos valores que a sociedade pode usufruir à medida que

enriquece, como o de que é inaceitável que pessoas vivam em extre-

ma penúria numa sociedade em que a maioria da população tem razo-

ável padrão de vida.

A outra explicação do crescente tamanho do setor público, de-

senvolvida nos anos de 1960 por Alan Peacock e Jack Wiseman, é que

a crescente demanda por gastos públicos tem restrições políticas e eco-

nômicas. As pessoas querem os benefícios dos gastos públicos, mas

resistem ao correspondente aumento da carga tributária. Os políticos

sabem disso, mas também gostariam de taxar mais para distribuir mais

benesses*, pois essa distribuição é essencial na obtenção de votos de

boa parte do eleitorado. É como a fábula da galinha dos ovos de ouro,

em que os contribuintes são a galinha e os políticos seus donos. Numa

democracia competitiva, esse comportamento seria eliminado no lon-

go prazo se a estrutura dos gastos públicos ficasse muito desalinhada

das preferências dos eleitores. Mesmo na teoria gramsciana, a preocu-

GLOSSÁRIO*Benesse – vanta-gem ou lucro quenão deriva de esfor-ço ou trabalho;aquilo que se doa.Fonte: Houaiss(2001).

Page 52: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

52

Curso de Graduação em Administração a Distância

pação com a legitimidade do grupo domi-

nante teria um efeito parecido de atender

às demandas de serviços públicos da popu-

lação como um todo, apesar de uma estrutu-

ra enviesada em favor do grupo dominante.

Mas em situações excepcionais, a

população tolera aumentos da carga tri-

butária. Na Europa, essas situações ex-

cepcionais que levaram a significativos

aumentos da carga tributária teriam sido

as grandes guerras e a depressão econô-

mica dos anos de 1930. No Brasil, essas situações excepcionais fo-

ram o plano desenvolvimentista do Governo Juscelino Kubitschek,

o período de saneamento das finanças públicas do governo militar,

buscando controlar a inflação em meados dos anos de 1960, e,

novamente, o combate à inflação pelos governos civis, a partir do

final dos anos 1980. Essas situações excepcionais viabilizaram o

atendimento das pressões de demanda já latentes por conta de uma

industrialização fortemente conduzida pelo Estado e pela consequente

aceleração da urbanização a partir dos anos de 1950.

Isso significa que, no limite, cada país atingirá uma economia total-

mente estatizada? Alguns países, principalmente os países nórdicos, mas

sem considerar os países socialistas de economia totalmente estatizada,

atingiram participações superiores a 50%, mas estabilizaram esse indica-

dor. Recentemente cresceu um movimento a favor de maior participação

do Estado na economia em vários países latino-americanos, especialmen-

te como produtor de bens e serviços, por influência do movimento

bolivariano da Venezuela. A Argentina, ainda sob influência do peronismo,

também voltou a aumentar o papel do Estado-produtor. É possível que

depois de certo nível de renda média do país, a carga tributária flutue em

função da percepção dos políticos de que a galinha deseja um descanso e,

portanto, quer diminuir o número de ovos. Depois de um período de des-

canso, a galinha, então, volta a produzir mais ovos. De qualquer modo, a

analogia precisa ser completada com a informação de que boa parte dos

ovos reverte em vantagens para as próprias galinhas.

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Juscelino Kubitschek (1902 - 1976) – médi-

co, militar e político brasileiro. Conhecido como

JK, foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961.

Com estilo de governo inovador na política brasi-

leira, JK construiu em torno de si uma aura de

simpatia e confiança entre os brasileiros. Foi o

responsável pela construção da nova capital fede-

ral, Brasília. Fonte: <www.memorialjk.com.br>

Acesso em: 20 out. 2008.

Page 53: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

53

Os gastos públicos complementam os investimentos privados e,

em geral, aumentam sua produtividade. Com gastos excessivos, po-

dem ocorrer efeitos negativos sobre a produtividade média da econo-

mia. Como mostram estudos recentes, a reversão da crescente carga

tributária efetivamente começa a ocorrer em alguns países mais ricos.

Países em desenvolvimento talvez demorem a atingir esse estágio, mas

os contribuintes brasileiros, principalmente os de classe média, come-

çam a se manifestar contra a relativamente alta carga tributária brasi-

leira, quando comparada à carga de países com renda média equiva-

lente, apesar de a própria classe média, contraditoriamente, pressionar

por mais serviços públicos.

Saiba mais... Você encontra mais detalhes sobre a Lei de Wagner e a explica-

ção de Peacock e Wiseman em textos populares de finanças públi-cas. No texto de Flávio Riani, leia o Capítulo 4, e no texto deFernando Rezende, leia o Capítulo 1. Veja:REZENDE, Fernando. Finanças públicas. 2. ed. São Paulo: Atlas,2001.RIANI, Flávio. Economia do setor público. 3. ed. São Paulo:

Atlas, 1997.

RESUMO

Nesta Unidade, você viu explicações sobre a divisão de

tarefas entre o setor público e o setor privado. Bens públicos

puros, com rivalidade no consumo e altos custos de exclusão,

são aqueles que têm a provisão pública. O oposto ocorre com

os bens privados puros. Os bens de uso comum, às vezes, são

administrados publicamente. Além da variedade dos custos de

exclusão, que tornam indefinida a fronteira entre esses setores,

Page 54: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

54

Curso de Graduação em Administração a Distância

há casos em que certos benefícios ou custos ocorrem conjunta-

mente. É o caso das externalidades. Isso explica casos em que

bens privados puros são produzidos pelo setor público por con-

ta de envolverem conjuntamente, por exemplo, um bem públi-

co. É o que se costuma descrever como bens estratégicos.

Pelo lado institucional, o Estado tem o papel de regular

muitas atividades econômicas. As parcerias público-privadas são

uma mistura de regulação de algumas atividades e de subsídios

e garantias que viabilizam investimentos privados na produção

de bens privados associados à infraestrutura produtiva de uma

sociedade. As demais atividades públicas mencionadas foram a

redistribuição de renda e a estabilização de preços e de empre-

go. Na parte final da Unidade, você viu que a participação do

setor público no Brasil tem sido crescente desde os anos de 1950.

Viu, então, explicações baseadas tanto na demanda de serviços

públicos, ligadas à industrialização e à urbanização, como na

descontinuidade do processo político, em que situações fora do

comum tornam aceitáveis uma maior carga tributária.

Atividades de aprendizagem

Veja agora se você teve bom entendimento do que trata-mos nesta Unidade respondendo às questões conforme oque foi estudado. Para respondê-las, você pode rever ostextos correspondentes ao assunto. Você pode reler ostextos quantas vezes forem necessárias para ter certeza deque entendeu o que foi abordado. A sua resposta deveser elaborada com suas próprias palavras. Para tanto, vocêdeve reler o objetivo e ver se aprendeu a distinguir osdiferentes tipos de bens, se entendeu o porquê de cobrarpor alguns tipos de benefícios e indenização por sacrifícios

Page 55: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

55

sofridos e, ainda, se é capaz de medir o tamanho do Esta-do em termos do quanto da renda total é apropriado viatributos, pois são esses os objetivos que você deve com-preender.

Se precisar de auxílio, não deixe de fazer contato com seututor pelo Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem. Eleestá à sua disposição para auxiliá-lo.

Bom trabalho!

1. Defina, exemplifique e contraste os conceitos de bem pú-blico puro e de bem privado puro.

2. Rodovias são um tipo de infraestrutura de transporte, cujaconstrução e manutenção, às vezes, são feitas pelo Estadoe, às vezes, pelo setor privado. Classifique os serviços derodovias com base nos conceitos de rivalidade, exclusivi-dade e de externalidade, e, a partir dessa classificação, ten-te explicar essa variedade de arranjos institucionais para aprovisão desse serviço.

3. Contraste as explicações de Wagner e de Peacock-Wisemansobre a crescente participação do setor público na economia.

4. Vá ao sítio da Secretaria da Receita Federal <tiyurl.com/cdh3nz> ou do IBPT <www.ibpt.com.br> e verifique osúltimos dados sobre a carga tributária no Brasil. Como estáa tendência? Converse com seus colegas e/ou com o tutorsobre isso no Fórum de discussão (Não é preciso entregaresse material ao tutor).

Page 56: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD
Page 57: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Orçamento PúblicoOrçamento Público

UNIDADE

3

Page 58: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

58

Curso de Graduação em Administração a Distância

Objetivo

Nesta Unidade, você tomará conhecimento do sistema brasileiro de

planejamento público. Como conhecimento a ser adquirido no estudo

desse tema, você deverá ser capaz de: distinguir entre os vários tipos de

orçamento que constituem o sistema brasileiro de planejamento público;

distinguir quais são as atividades periódicas que constituem a feitura do

orçamento público e que caracterizam o ciclo orçamentário; e localizar as

informações sobre os projetos constantes dos orçamentos que estão sendo

executados.

Page 59: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

59

Planejamento

Prezado estudante!

Agora que você viu que o tamanho do setor público tendea ser crescente e que a própria explicação desse cresci-mento passa pela mudança da estrutura de demanda deserviços públicos pela população, é hora de ver como aprevisão e o financiamento dessas despesas são feitos.A peça principal desse processo é o orçamento público.Na verdade, você verá que o setor público brasileiro tra-balha com vários orçamentos. Para tanto, nesta Unidade,você tomará conhecimento do papel dos vários tipos deorçamento no sistema brasileiro de planejamento público.A feitura do orçamento passa por uma sequência de ativi-dades que constituem um processo repetido periodicamen-te. Esta Unidade será seguida por outra, complementar,em que as despesas serão contrastadas com as receitas.

Bons estudos!

Na discussão do orçamento público, fácil é decidir sobre as des-

pesas, pois é uma questão de decidir quem serão os beneficiados; difí-

cil é decidir quem irá pagar a conta. O orçamento público pode ser

visto como uma “vaquinha” entre amigos para gastos a serem feitos

em benefício deles mesmos. Algumas vezes, os amigos decidem o

quanto vão gastar e depois a forma do rateio. Outras vezes, fazem

uma coleta de dinheiro e depois verificam o que vai ser possível com-

prar. Com a repetição do processo nos períodos seguintes, poderiam

fazer um ajustamento da receita e da despesa para chegarem à posição

preferida por todos. O que um governo faz é mais próximo de inicial-

mente estimar o quanto vai conseguir de dinheiro para depois definir

os gastos, porém com a possibilidade de incrementar essa receita atra-

vés de empréstimos ou de fabricação de dinheiro caso haja erros na

Page 60: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

60

Curso de Graduação em Administração a Distância

previsão da receita. Além de ter receitas tributárias e de atividades

produtivas, o governo pode também tomar dinheiro emprestado.

O orçamento público é uma das partes essenciais do planeja-

mento econômico do governo brasileiro. O planejamento econômico,

no entanto, tem uma preocupação bem mais ampla em relação ao futu-

ro do país. Nos anos posteriores à II Guerra Mundial, em parte devido

ao sucesso de então da antiga União Soviética e talvez como forma de

fazer frente à sua expansão, espalhou-se no resto do mundo um forte

gosto pelo planejamento econômico. Buscavam-se caminhos alterna-

tivos de desenvolvimento econômico que pudessem, então, guiar os in-

vestimentos de infraestrutura e de formação de recursos humanos por

parte do Estado como meio de acelerar o desenvolvimento econômico.

O Brasil, contudo, foi precoce na questão do planejamento. Para

o período de 1939 a 1988, foram elaborados, pelo menos, treze planos

no país. Durante o Governo Vargas, foram apresentados dois planos,

um em 1939 e outro em 1943, que enfatizavam gastos de infraestrutura

do setor público com vistas a promover o desenvolvimento econômico.

Um dos planos mais importantes, em termos do que foi realiza-

do, foi o Plano de Metas, elaborado pelo governo de Juscelino

Kubischeck no período de 1956 a 1960. Buscava uma taxa elevada de

crescimento econômico, algo que conseguiu e que destacou esse go-

verno na história brasileira. Buscava também uma redução gradativa

da pressão inflacionária. Na verdade, o alto padrão de gastos do setor

público em prazo curto, sem a devida capacidade tributária e de fi-

nanciamento via empréstimos, agravou a inflação, sendo um dos fatores

para a instabilidade política que se instalou no país nos anos seguintes.

No período da ditadura militar, o Programa de Ação Econômica

do Governo (PAEG) foi apenas um plano de estabilização econômica,

servindo de base para o saneamento das finanças públicas e a diminui-

ção da taxa de inflação entre 1964 e 1967. Nos anos seguintes, os

planos definiam investimentos para a duração de cada governo. Mes-

mo assim, o Programa Estratégico de Desenvolvimento, que progra-

mava atividades governamentais no triênio 1968-1970, acabou

condicionando as atividades até 1971. De 1972 a 1974, vigorou o I

Page 61: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

61

Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, também

conhecido como o I PND. Foi seguido pelo II PND, de 1975 a 1979,

e pelo III PND, de 1980 a 1985. Os PNDs foram os primeiros planos

elaborados conforme a determinação do Decreto-lei n.° 200/67, o qual

estabelece que o final do plano deveria coincidir com o primeiro ano

do mandato presidencial seguinte. Esse procedimento foi mantido na

Constituição de 1988. Durante o período do alto crescimento econô-

mico desde o pós-guerra, consolidou-se o processo de substituição de

importação de bens de consumo. A ambição com os PNDs era levar

essa substituição para bens de capital e de nível tecnológico mais alto,

como os bens ligados à informática.

Os planos conhecidos como os PNDs foram, ao final, altamente

prejudicados pela crise de balanço de pagamentos após os choques do

petróleo da década de 1970. Nos anos que se seguiram, os planos

voltaram a ser basicamente planos de estabilização econômica, nova-

mente com vistas a combater a inflação crescente, como havia aconte-

cido em meados da década de 1960. Depois de vários planos de esta-

bilização fracassados e de várias mudanças institucionais que diminu-

íram as pressões incrementadoras do déficit público, o Plano Real con-

seguiu estabilizar os preços no Brasil.

A partir da onda de liberalização e globalização dos mercados,

especialmente após o desmantelamento da União Soviética, que agora

se vê também como o término do antigo império russo, já nos anos

1990, diminuiu bastante o interesse por um planejamento econômico

mais ambicioso. No caso brasileiro, a crise econômica vivida desde os

anos 1980 tornou inviável a preocupação com o longo prazo, dada a

magnitude dos problemas de curto prazo. Após o sucesso no combate

à inflação, o governo federal voltou a pensar no planejamento econô-

mico e até criou um ministério adicional para pensar sobre o futuro do

país. Agora, além do Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges-

tão, criado em meados dos anos 1960, o Brasil tem também a Secreta-

ria de Assuntos Estratégicos, subordinada à Presidência da República

e sucessora de órgãos similares de menor hierarquia, ambos com a

função de pensar sobre o longo prazo.

Page 62: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

62

Curso de Graduação em Administração a Distância

O Tesouro Nacional

coloca à disposição

pública esses balanços

e os dados parciais

sobre a execução do

orçamento corrente.

Você pode visitar os

sítios da Secretaria do

Tesouro Nacional,

<tinyurl.com/cbh5xh,

e do Portal da Trans-

parência, tinyurl.com/

c38okr>. Acesso em: 6

abr. 2009.

A legislação básica

sobre o sistema de

planejamento orça-

mentário é a própria

Constituição Federal

de 1988, nos art. 165 a

169. Para um texto

especializado no tema,

veja Giacomoni

(2007).

Saiba mais... Você encontra detalhes sobre os vários planos econômicos

brasileiros, desde um ponto de vista da elaboração dos orçamentos,nas p. 245-249 de: GIACOMONI, James. Orçamento público. 14.

ed. São Paulo: Atlas, 2007.

O Orçamento Público

O planejamento orçamentário preocupa-se mais com as ações

do governo durante o mandato de um dado Chefe do Poder Executi-

vo. O orçamento público é uma previsão das receitas e despesas do

Estado para um dado ano fiscal. Apesar de ser uma previsão, tem tam-

bém o caráter autorizador de despesas, embora permita

contingenciamentos ao longo do ano em função das receitas efetiva-

mente obtidas e das políticas de estabilidade dos preços e do combate

ao desemprego. Um exemplo comum em anos recentes é a necessida-

de de diminuir o déficit público como parte do esforço de manter a

inflação sob controle, o que discutiremos mais adiante. Dadas essas

modificações ao longo do ano e uma vez executado o orçamento, se-

rão elaborados os balanços da execução orçamentária. Para você veri-

ficar o que o governo de fato conseguiu fazer ao longo de um dado

ano, será preciso examinar, em vez do orçamento público, os balanços

das contas públicas, publicados no ano seguinte e enviados ao

Legislativo e ao Tribunal de Contas respectivo, dependendo do nível

de governo.

Em atividades empresariais, tanto privadas como do setor públi-

co, há também a preocupação com o orçamento, embora sem o caráter

autorizativo. Tem mais um caráter de atingir metas. Há diferentes ho-

rizontes temporais para o planejamento de uma organização, incluin-

do também a parte orçamentária. Assim, o planejamento estratégico,

para cinco ou mais anos, com um caráter mais qualitativo, procura

definir para onde se quer ir, as prováveis mudanças do ambiente em

Page 63: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

63

Lunkes (2007) serve

de base para nossa

discussão. Contudo,

você já estudou o

conceito de orçamento

empresarial em deta-

lhes a partir da Unida-

de 5 de Costa et al.

(2008).

que a empresa opera e que estratégias devem ser seguidas para atingir

as metas.

O planejamento tático olha para um horizonte entre três e cinco

anos, com objetivos quantitativos mensuráveis, e estabelece objetivos,

em geral, na forma de relações financeiras. Esses objetivos servirão de

guia para os planos operacionais alternativos, esses então servindo de

guia efetivo para as operações da empresa. O orçamento empresarial

é, assim, um dos instrumentos para a execução desse sistema de pla-

nejamento. É uma previsão de resultados e despesas que deve envol-

ver todas as áreas da empresa. Esse tipo de planejamento, que

condiciona o orçamento, na verdade, vale para qualquer tipo de orga-

nização. Contudo, o setor público tem legislação mais restritiva quan-

to ao uso de recursos, que são extraídos de forma coercitiva da popu-

lação. Isso também condiciona a forma como o planejamento orça-

mentário público é preparado, a ponto de a legislação básica sobre o

orçamento constar da própria constituição do Brasil.

O planejamento orçamentário é constituído do Plano Plurianual

(PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orça-

mentária Anual (LOA).

O Plano Plurianual envolve a visão de longo prazo, especial-

mente das despesas de capital, ou seja, o governo tem que olhar al-

guns anos à frente e explicitar os tipos de investimento que pretende

fazer. Os demais componentes do planejamento do orçamento têm que

obedecer as linhas gerais do Plano Plurianual.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias tem enfoque parecido, mas

cobre apenas o ano seguinte. Dá as linhas principais para o orçamen-

to, incluindo metas e prioridades, e cobre cada componente da Lei

Orçamentária Anual. Por fim, essa lei compreende:

o orçamento fiscal para os poderes Executivo, Legislativo eJudiciário, incluindo seus fundos, órgãos da administraçãodireta e indireta, inclusive fundações; também recursos cana-lizados para empresas públicas e sociedades de economiamista, que não sejam investimentos; e ainda operações decrédito;

Page 64: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

64

Curso de Graduação em Administração a Distância

o orçamento de investimentos das empresas estatais, quan-do bancados pelo Tesouro Nacional; e

o orçamento da seguridade social com as previsões de ar-recadação dos setores privado e público e de pagamento debenefícios.

O orçamento fiscal, em cada nível de governo, prevê a arrecada-

ção dos principais tributos para o ano seguinte e classifica as despesas

em vários tipos. No caso do orçamento de investimento das empresas

estatais, a preocupação é acompanhar o volume de investimentos aci-

ma dos recursos que as próprias empresas conseguem gerar.

Saiba mais... Para conhecer a versão oficial da evolução histórica do orça-

mento e da forma como ele é elaborado no Brasil, acesse o portal daSecretaria de Orçamento Federal,<www.portalsof.planejamento.gov.br>, órgão vinculado ao Ministé-rio do Planejamento, Orçamento e Gestão, e clique em “SistemaOrçamentário”.

Sugerimos que você veja Saneamento Básico, o Filme (2007).Dirigido por Jorge Furtado. Sinopse: Marina (Fernanda Torres) eseu namorado (Wagner Moura) descobrem que não há verba parauma importante obra de saneamento do bairro; só para um vídeo.Além de curtir o bom filme, você deve notar como os personagensenfrentam as dificuldades da rigidez de autorizações orçamentárias.Funcionários públicos e políticos conhecem bem esse tipo de restri-ção no exercício de cargos do executivo e as consequências legais

de não a respeitar. Veja trailer em: <www.youtube.com/

watch?v=yCI8CRUIcf4>. Acesso em: 6 abr. 2009.

Page 65: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

65

Tenha em mente seus

estudos anteriores de

macroeconomia com

base em Mendes et al.

(2007, p. 120-121) e a

Unidade 7 de Carva-

lho Jr. (2008). Vere-

mos essa questão mais

adiante, na Unidade 5.

Princípios orçamentários

Uma forma de definir os procedimentos orçamentários do setor

público é via princípios consagrados entre os tratadistas do assunto,

em especial aqueles oriundos da área do Direito. Giacomoni (2007),

numa discussão bastante completa sobre esse tema, lista 12 princípios:

unidade;

universalidade;

orçamento bruto;

anualidade;

não-afetação das receitas;

discriminação;

exclusividade;

equilíbrio;

clareza;

publicidade;

exatidão; e

programação.

Em geral, esses princípios refletem práticas consagradas de Con-

tabilidade Pública, como é o caso de que cada unidade governamental

deve ter apenas um orçamento (unidade), de que esse orçamento deve

cobrir todas as receitas e despesas (universalidade) e de que não deve

haver deduções de receitas de alguma despesa, colocando-se apenas

resultados líquidos (orçamento bruto). Outros princípios refletem o

processo político e visam um controle mais efetivo da sociedade sobre

seus representantes. Por exemplo, a lei do orçamento não pode incluir

itens estranhos à previsão de receitas e despesas para o período fiscal

seguinte. Pelo princípio do equilíbrio, o governo não poderia ter déficits

em seu orçamento. Portanto, esse é um princípio inócuo e inadequado

do ponto de vista da estabilização da economia.

Page 66: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

66

Curso de Graduação em Administração a Distância

O orçamento pode ser visto como um ponto de encontro dos

diferentes tipos de interesses de uma sociedade. É via o orçamento

que se define quem irá pagar as despesas públicas e quem irá se bene-

ficiar das mesmas. Você viu na Unidade 1 que o processo político é,

na verdade, um mecanismo de decisão da sociedade sobre o que o

Governo pode fazer. O orçamento é um instrumento para isso e reflete

a influência relativa de todos esses interesses presentes no Congresso

Nacional, nas Assembleias e nas Câmaras Municipais. Os poderes

Executivo e Judiciário têm também influência nesse processo, na me-

dida em que conseguem influenciar a execução desses orçamentos.

É por isso que, ao se olhar para o histórico das despesas públicas, é

mais importante estudar os balanços anuais do que o próprio orçamen-

to. O orçamento reflete as intenções enquanto que o balanço mostra o

que efetivamente o Governo implementou. O balanço reflete a pala-

vra final do processo político.

O processo orçamentário

Como você viu anteriormente, há vários componentes noplanejamento orçamentário. Esses componentes, que in-cluem o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e oOrçamento Anual, têm suas próprias peculiaridades, umasequência de elaboração e um calendário próprio.

O Plano Plurianual olha mais à frente no tempo e condiciona os

demais orçamentos. Segundo o art.165 da Constituição Federal de 1988,

ele estabelece

de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da

administração pública federal para as despesas de capital e

outras delas decorrentes e para as relativas aos programas deduração continuada.

Page 67: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

67

Giacomoni (2007, p. 216) menciona que a regionalização do

Plano Plurianual ainda era feita, à época da publicação de seu livro,

sem maiores detalhamentos, incluindo apenas as cinco grandes regi-

ões do país. As despesas de capital consideradas são aquelas que ul-

trapassam um exercício financeiro, basicamente as subcategorias de

Investimentos, Inversões Financeiras e Transferências de Capital. Como

muitos investimentos envolvem altos custos de manutenção e de gas-

tos complementares em outros insumos necessários para o uso dos

itens de capital, são incluídas no Plano Plurianual também essas des-

pesas. Os programas de duração continuada são os mais difíceis de

definir. Nos orçamentos da União, a prática tem sido a consideração

apenas de ações de prestação continuada de serviços à comunidade.

Mesmo assim, a expressão “programas de duração continuada” e as

correspondentes despesas raramente aparecem nos Planos Plurianuais.

Quanto aos prazos de encaminhamento e de vigência dos Pla-

nos Plurianuais, a determinação legal vigente é que o plano seja enca-

minhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional até 31 de agos-

to, que deve devolvê-lo para sanção até 15 de dezembro. A vigência

será a mesma da duração do mandato do Chefe do Poder Executivo,

iniciando no início do segundo ano desse mandato. Cobre, portanto, o

primeiro ano do mandato presidencial seguinte. É essa duração que dá

aos Planos Plurianuais uma visão de prazo mais longo do que os de-

mais orçamentos.

O outro componente importante do planejamento orçamentário

é a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Segundo a Constituição Federal

de 1988, também no art. 165, a Lei de Diretrizes Orçamentárias

[...] compreenderá as metas e prioridades da administração

pública federal, incluindo as despesas de capital para o exer-cício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei

orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação

tributária e estabelecerá a política de aplicação das agênciasfinanceiras oficiais de fomento.

Em outros artigos da Constituição, algumas atribuições são defi-

nidas para a Lei de Diretrizes Orçamentárias, como é o caso das remu-

nerações no âmbito do Poder Legislativo, dos limites para os orça-

Page 68: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

68

Curso de Graduação em Administração a Distância

Para saber mais sobre

a Lei nº 4.320, de 17

de março de 1964,

acesse: <http://

www.planalto.gov.br/

ccivil_03/Leis/

L4320.htm>. Acesso

em: 6 abr. 2009.

mentos do Poder Judiciário e do Ministério Público, assim como ques-

tões de remuneração e criação de cargos da administração direta e in-

direta. Uma série de restrições associadas aos orçamentos também foi

atribuída à Lei de Diretrizes Orçamentárias pela Lei Complementar nº

101/2000, mais conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal. Os

itens mais conhecidos têm a ver com o equilíbrio fiscal, as metas fiscais,

uma contabilização que facilita o controle de custos e a avaliação de re-

sultados e limites ao endividamento (GIACOMONI, 2007, p. 219-220).

O prazo para o encaminhamento do projeto da Lei de Diretrizes

Orçamentárias ao Poder Legislativo vai até o dia 15 de abril de cada

ano. Para fins de aprovação final pelo Poder Executivo, a devolução

deve ser feita até 30 de junho. Os prazos para os governos estaduais e

municipais dependem de legislação própria.

Finalmente, a Lei Orçamentária Anual é o documento que a

maioria das pessoas entende como o orçamento público. Igualmente

definido pela Constituição, pelo Plano Plurianual e pela Lei de Dire-

trizes Orçamentárias, é também governado pela Lei 4.320/64.

Seus três principais componentes, como você viu anteriormen-

te, são os orçamentos fiscal, da seguridade social e dos investimentos

das empresas estatais. Obedecidas as grandes linhas do Plano Plurianual

e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, o Poder Executivo, via o Minis-

tério de Planejamento, ouve também as gerências de programas, uni-

dades orçamentárias e outros órgãos para montar, então, o projeto de

orçamento para o ano seguinte (GIACOMONI, 2007, p. 240-243). Esse

orçamento é de fato uma autorização para gastos, como já mencionado.

Em relação aos prazos, os poderes Legislativo e Judiciário ela-

boram seu orçamento seguindo a Lei das Diretrizes Orçamentárias e,

com base na prática de anos recentes, devem encaminhar suas propos-

tas até 15 de agosto. O Poder Executivo tem até o dia 31 de agosto

para encaminhar ao Poder Legislativo o projeto da Lei Orçamentária

Anual do ano seguinte.

A fase final do processo orçamentário é a prestação de contas.

São elaborados balanços e compilados vários tipos de indicadores,

seguindo determinações da Lei nº 4.320/64 e da Lei de Responsabili-

dade Fiscal. Há dois tipos de controle: o interno e o externo. Pelo

Page 69: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

69

Você já estudou a

ligação entre o déficit

público e o nível geral

de preços nas Unida-

des 6 e 7 de Carvalho

Jr. (2008). Voltaremos

a esse tema na Unida-

de 5 da presente

disciplina.

controle interno, os gestores elaboram relatórios de gestão periódicos

sobre o cumprimento de limitações sobre gastos com pessoal, dívidas,

operações de crédito e concessão de garantias. Na elaboração desses

relatórios, o gestor é responsabilizado pelo cumprimento da Lei de

Responsabilidade Fiscal. O controle externo é exercido pelo Poder

Legislativo, em geral auxiliado por tribunais de contas. Para isso, o

Poder Executivo encaminha todo ano ao Poder Legislativo um balan-

ço geral das contas públicas. Esse balanço é que dá uma ideia mais

precisa do que ocorreu em termos de despesas e receitas públicas num

dado ano. O orçamento, por sua vez, reflete as intenções estabelecidas

no ano anterior, embora haja a possibilidade de ajustes no documento

ao longo do ano. Entretanto, tais ajustes envolvem mudanças na Lei

Orçamentária Anual, o que, por sua vez, envolve aprovação do Poder

Legislativo.

Uma limitação importante do controle orçamentário é seu cará-

ter essencialmente legalista. Com exceção das determinações da Lei

de Responsabilidade Fiscal, que refletem a longa luta brasileira contra

a inflação e visam essencialmente enquadrar os governos estaduais e

municipais nas necessidades nacionais de estabilização de preços, não

há uma avaliação formal do tipo análise de custos e benefícios dos

programas já executados.

Na prática, o que ocorre é uma avaliação implícita no processo

político. Os partidos de oposição e os grupos de interesse beneficia-

dos por tais programas podem defender uma melhor qualidade dos

respectivos serviços. No entanto, não terão a motivação de uma em-

presa em busca de lucros num ambiente sujeito a competição de outras

empresas e que, por isso, tentará baixar custos e melhorar a eficiência

de seu processo produtivo, sem contar a importância da inovação.

O setor público pode usar licitações ao comprar seus insumos,

mas tem dificuldades de garantir a eficiência na administração interna

desses recursos, pois as pressões gerenciais, que dependem de pres-

sões políticas dos cidadãos, são mais fracas. Historicamente, as admi-

nistrações públicas tornam-se mais eficientes em situações de ameaça

externa ao país, que equivalem à concorrência entre empresas.

Page 70: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

70

Curso de Graduação em Administração a Distância

A elaboração do orçamento é condicionada pela visão de futuro

que a sociedade expressa modernamente em termos de seu planeja-

mento de longo prazo. No prazo médio, essa visão é expressa pelo

Plano Plurianual, descendo depois para a Lei de Diretrizes Orçamen-

tárias e finalmente para a Lei Orçamentária Anual. Na elaboração do

orçamento, são consideradas ainda as necessidades manifestadas pe-

los vários órgãos. O ciclo orçamentário, ilustrado pela Figura 2, co-

meça com a elaboração do orçamento a partir das consultas aos vários

órgãos que compõem o setor público, de acordo com os vários orça-

mentos, e sua compatibilização com a Lei de Diretrizes Orçamentári-

as. O passo seguinte é sua discussão e aprovação pelo Poder Legislativo.

A execução ocorre em cada poder, sob controle do Poder Executivo

para fins de liberação de verbas. O último passo é a elaboração dos

balanços e relatórios, que serão submetidos ao Poder Legislativo. Des-

ses controles saem informações e avaliações que influenciarão a pro-

posta orçamentária seguinte.

Figura 2: Ciclo orçamentárioFonte: elaborado pelo autor

Page 71: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

71

RESUMO

O orçamento público é comparável a um orçamento de

uma família ou de uma empresa qualquer. A grande diferença é

que o orçamento público tem o papel de autorizar despesas. O

sistema de planejamento público brasileiro inclui o Orçamento

Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamen-

tária Anual. A Lei Orçamentária Anual, que chamamos de or-

çamento público, tem três componentes: o orçamento fiscal, o

orçamento de investimentos das empresas estatais e o orçamen-

to da seguridade social. Esses orçamentos passam, durante sua

execução e ao final de seu processo, por controles e avaliações.

Atividades de aprendizagem

Agora chegou o momento de você colocar em prática tudoo que aprendeu nesta Unidade. Você deve rever os obje-tivos propostos nesta Unidade para responder às ques-tões. Veja se conseguiu entender e se é capaz de distin-guir: os vários tipos de orçamento que constituem o siste-ma brasileiro de planejamento público; as atividades peri-ódicas que constituem a feitura do orçamento público; ese é capaz de localizar as informações sobre os projetosdos orçamentos que estão sendo executados.

Bons estudos! E não se esqueça que estamos aqui paraauxiliá-lo no que for necessário.

Caso precise, entre em contato com seu tutor pelo Ambi-ente Virtual de Ensino-Aprendizagem.

1. Procure o texto consolidado da atual Constituição do Brasil nosítio do Senado e faça um breve resumo, com suas próprias pala-vras, do texto dos artigos que tratam do orçamento. (Limite: 10 li-nhas.)

Page 72: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

72

Curso de Graduação em Administração a Distância

2. Caracterize o Plano Plurianual e o contraste com o planejamentode longo prazo. (Limite: 10 linhas.)

3. Caracterize as Diretrizes Orçamentárias e as relacione com o Pla-no Plurianual. (Limite: 10 linhas.)

4. Caracterize a Lei Orçamentária Anual e seus principais compo-nentes. (Limite: 10 linhas.)

5. Como é feita a avaliação da execução dos orçamentos no setorpúblico? Contraste essa avaliação com a forma como é feita no se-tor privado.

6. Busque o Plano Plurianual vigente e verifique como é feita aregionalização das despesas tanto para a União como para o estadoem que você reside.

7. Você pode verificar que tipos de dados estão disponíveis naInternet em seu estado. Veja em <https://www.portalsof.planejamento.gov.br/>, os links para os estados. Se os dados estive-rem disponíveis, repita o exercício anterior. (Não é necessário en-tregar esse exercício ao tutor. Procure discutir o tema com seuscolegas interessados nessa questão).

Page 73: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

73

Despesa pública eseu financiamentoDespesa pública eseu financiamento

UNIDADE

4

Page 74: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

74

Curso de Graduação em Administração a Distância

Objetivo

Nesta Unidade, você verá como as despesas e as receitas aparecem no

orçamento público e quais são suas consequências sobre a renda dos

agentes econômicos. Ao final da Unidade, você deverá ser capaz de:

classificar as despesas e receitas orçamentárias, segundo vários critérios;

identificar a diferença entre a incidência legal dos impostos e sua

incidência do ponto de vista econômico; verificar que o padrão de vida

das pessoas é também afetado pelos gastos públicos; e buscar dados

sobre projetos específicos, incluídos no orçamento público federal, para

qualquer região, estado ou localidade do país.

Page 75: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

75

Despesas

Prezado estudante!

As despesas públicas podem ser classificadas de váriosmodos. Por exemplo, para que tipo de finalidade? Em quefunções, especificamente o governo gasta? O que se querdizer quando os gastos são classificados em correntes e decapital?

Para gastar, o governo precisa ter fontes de renda. Quaissão essas fontes, além dos tributos? Você já viu que ogoverno gasta em nome dos cidadãos, que também são oscontribuintes. Como muito dos tributos incidem sobre asvendas de bens e serviços, quais as consequências sobreos preços e quantidades a partir de uma situação de equilí-brio entre oferta e demanda de mercado? Como fica arenda das pessoas que compram ou vendem esses bens?Será que o efeito dos preços ocorre de acordo com o queé calculado contabilmente e como muitas vezes se supõena legislação tributária? Na verdade, a incidência de im-postos nem sempre é o que parece e nem como é discuti-da na mídia.

Reafirmamos que continuamos à sua disposição para o es-clarecimento de dúvidas.

Bons estudos!

As despesas públicas são classificáveis segundo vários critérios,

dos quais veremos dois: a classificação pela finalidade e pela nature-

za, todos previstos na legislação orçamentária. O principal documento

legal que disciplina a Contabilidade Pública é a Lei Federal nº 4.320/

64 e suas modificações e normas complementares. Segundo essa lei,

as despesas são classificadas também segundo a instituição executora

e segundo os programas. Essas classificações facilitam a busca de

alocações de verbas para determinada finalidade e de interesse regio-

Page 76: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

76

Curso de Graduação em Administração a Distância

É possível explorar as

estatísticas sobre essas

funções e subfunções

no sítio da Secretaria

do Tesouro Nacional

<tinyurl.com/ckabkl>

Acesso em: 6 abr.

2009, especialmente

em Série Histórica de

Receitas e Despesas.

nal. Assim, uma verba para a construção de uma ponte em determina-

da cidade pode ser buscada no Ministério dos Transportes.

Uma forma de classificar os gastos públicos é pela sua finalida-

de, de forma a retratar as áreas de ação governamental. Esses gastos

são agrupados no orçamento por funções e subfunções. Dentro dessas

subfunções, aparecem, ainda, programas e projetos específicos. Por

exemplo, a função Saúde inclui, entre outras, as subfunções:

Atenção Básica;

Assistência Hospitalar e Ambulatorial;

Suporte Profilático e Terapêutico;

Vigilância Sanitária;

Vigilância Epidemiológica; e

Alimentação e Nutrição.

A classificação pela natureza do gasto põe em destaque se o

gasto é apenas para manter o governo em funcionamento ou para

redistribuição de renda, que é o caso das Despesas Correntes*, ou se

ocorrem investimentos que alteram o estoque de capital da sociedade,

as Despesas de Capital. As despesas correntes incluem categorias eco-

nômicas como Pessoal e Encargos Sociais e Juros e Encargos da Dívi-

da, além de itens como custeio e transferências. As despesas de capital

incluem Investimentos, Inversões Financeiras, Amortização da Dívida

e Reserva de Contingência.

Essa estrutura de gastos varia com o tempo e reflete o próprio

estágio de desenvolvimento econômico do país. Países mais pobres

gastam mais em despesas correntes, pois o setor público tem uma base

menor para aplicar tributos, sobrando menos recursos para gastos de

capital. O setor público brasileiro, por conta dos ajustamentos fiscais

com vistas a controlar o processo inflacionário das últimas décadas,

ficou com margem estreita para os gastos de capital. Daí a venda de

várias empresas estatais e o recurso às parcerias público-privadas para

aumentar a capacidade de investimento em infraestrutura no país, sob

coordenação estatal, especialmente no período entre 1994 e 2002

(GIAMBIAGI; ALÉM, 2001, Cap.13 e 15).

GLOSSÁRIO*Despesas Corren-tes – são relativas àsdespesas de custeiodas organizações eaos custos de manu-tenção, tais como:vencimentos e en-cargos com pessoal,juros da dívida,compra das matéri-as-primas e bens deconsumo, serviçosde terceiros e manu-tenção de equipa-mentos, entre ou-tros. Fonte: Sanches(1997).

Page 77: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

77

Por conta do sistema federal brasileiro, os ajustes fiscais do go-

verno federal não vinham sendo seguidos pelos governos estaduais e

municipais quando do início das tentativas de controlar a alta inflação

a partir dos anos de 1980. Várias tentativas foram feitas para alinhar

os governos estaduais e municipais nesse esforço. Uma tentativa inici-

al foi a Lei Rita Camata*, que focava gastos de pessoal. Isso culmi-

nou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe normas sobre

os três níveis de governo, tanto sobre os limites de gastos de pessoal

quanto sobre o endividamento. Outros gastos, como os subsídios da-

dos a atividades específicas, agora também têm que ser orçados.

Receitas

A receita orçamentária também é subdividida, segundo a natu-

reza, em:

Receitas Correntes, que incluem a arrecadação de tributos,receitas de atividades produtivas e, no caso de governos es-taduais e municipais, transferências correntes; e

Receitas de Capital, que incluem empréstimos e vendas debens.

Os tributos assumem várias formas. Uma forma básica são os

vários impostos que, como o nome já diz, são o lado compulsório da

“vaquinha” mencionada anteriormente. De fato, quando esse rateio é

feito pelo Estado, este se vale de seu direito exclusivo ao uso da força

também para cobrar impostos. Outra forma de tributos são as taxas, em

geral refletindo algum tipo de serviço público cujo benefício é atribuí-

vel ao contribuinte. Muitas vezes elas são cobradas pelo simples fato de

os serviços estarem à disposição das pessoas, que são obrigadas a pagar

mesmo que não os usem. Outra forma de tributo é a contribuição de

melhoria, cobrada em função de benefícios recebidos por obras públi-

cas. Um exemplo de tal melhoria é a valorização de um imóvel particu-

lar por conta do asfaltamento de uma rua com recursos públicos.

GLOSSÁRIO*Lei Rita Camata –A Lei Complemen-tar nº 82/95, conhe-cida como Lei RitaCamata, limitava osgastos de pessoal dogoverno. Posterior-mente, a Lei Com-plementar nº 101/2000, denominadaLei de Responsabi-lidade Fiscal, incor-porou essa limita-ção como uma desuas disposições.Fonte: elaboradopelo autor.

Page 78: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

78

Curso de Graduação em Administração a Distância

Rezende (2001, p.

157) apresenta uma

conveniente classifica-

ção dos tributos

brasileiros segundo a

base e o tipo de contri-

buinte, embora já

precise de atualização,

dada a alta frequência

de mudanças do

sistema tributário.

Uma categoria especial de receita do governo são as contribui-

ções sociais e econômicas, em geral criadas para algum fim especial,

e não consideradas como receita tributária. Nem sempre o objetivo da

contribuição social é mantido, mesmo que a cobrança continue. Exem-

plos de contribuições: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

(CSLL) e as contribuições para a previdência social, tanto dos empre-

gados como dos empregadores; e a Contribuição Provisória sobre a

Movimentação Financeira (CPMF), revogada ao final de 2007, criada

com a intenção de financiar gastos de saúde.

Os tributos são cobrados com referência a diferentes bases tri-

butárias, sobre as quais eles são calculados. Uma base importante é o

valor da propriedade de alguma coisa. Exemplos disso são: a propri-

edade de imóveis, de terras e de automóveis. Você certamente conhe-

ce o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a

Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Outra base é o valor das vendas de ativos reais, tal como a

venda de imóveis. O principal exemplo é o Imposto sobre a Transmis-

são de Bens Imóveis (ITBI), cobrado pelos governos municipais.

Um terceiro tipo importante de base para impostos é a venda de

mercadorias, tanto de bens como de serviços. Os mais conhecidos

são o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) e o Imposto

sobre Produtos Industrializados (IPI), cujas porcentagens aparecem

em alguns tipos de notas fiscais.

Uma quarta base é dada pelos fluxos de renda, tais como salá-

rios, lucros e alugueis.

Você certamente presta atenção nos descontos que apare-cem em seu contracheque, como a Contribuição para Pre-vidência Social (CPS) e o Imposto de Renda – Pessoa Física(IRPF), que também incide sobre alugueis e algumas ou-tras formas de rendimento. As empresas pagam, sobre oslucros, o Imposto de Renda – Pessoa Jurídica (IRPJ).

Por fim, as transações financeiras são taxadas em vários casos,

às vezes envolvendo vendas de algum serviço, outras vezes envolven-

do saída de recursos de contas correntes bancárias. Ao pagar seu se-

Page 79: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

79

guro de veículo, você paga o Imposto sobre Operações Financeiras

(IOF), assim como quando usa seu cheque especial. A extinta CPMF,

que ainda pode voltar num futuro próximo, talvez com outro nome,

incidia sobre débitos de conta corrente bancária e, portanto, era tam-

bém um tributo sobre um tipo específico de transação financeira.

Essa diferenciação das bases tributárias esclarece o impacto mais

direto que os tributos têm na renda das pessoas. Assim, se você com-

pra um aparelho eletrônico numa loja tem embutido na nota fiscal,

cujo próprio nome tem a ver com tributação, o valor de vários impos-

tos. Quem recolhe o imposto associado a essa venda é o lojista. Mas

você talvez suspeite que é você quem paga esse imposto.

Os principais tributos do sistema tributário brasileiro, em termos

de arrecadação, conforme a Tabela 1, são os seguintes: ICMS, Impos-

to de Renda, Contribuição para a Previdência Social, COFINS, FGTS,

CPMF e IPI. Esses tributos representaram, em 2006, quase 80% de

toda arrecadação tributária do país ou, mais exatamente, 27% do PIB,

que é como medimos a carga tributária. O ICMS é arrecadado pelos

governos estaduais. Embora não destacados no Quadro 2, os princi-

pais tributos diretamente recolhidos pelos municípios são o Imposto

Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), com 1,9%, e o IPTU,

com 1,25% do total de tributos arrecadados.

Tributo

Imposto s/Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)

Imposto de Renda

Contribuição para a Previdência Social

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS)

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

Contribuição Provisória s/ Movimentações Financeiras (CPMF)

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)

Subtotal

Demais tributos

Total

%

22,6

17,2

15,5

11,4

4,6

4,0

3,6

78,9

21,1

100,0

Fonte: <www.receita.fazenda.gov.br/historico/EstTributarios/Estatisticas/default.htm> Acesso em: 6 abr. 2009.

Tabela 1: Brasil: principais tributos – 2006

Page 80: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

80

Curso de Graduação em Administração a Distância

A compra e a venda

são simultâneas, e a

definição de cada uma

depende do lado da

transação, se o do

comprador ou o do

vendedor.

Você vai notar, contudo, que, nesse total arrecadado, temos a

Contribuição para a Previdência Social e o FGTS, que representaram

juntos 20,1% do total arrecadado. Esses recursos têm destino pré-de-

terminado para benefício dos trabalhadores. A parte referente à previ-

dência é usada para o pagamento dos atuais aposentados e pensionis-

tas do INSS. Já o FGTS pode ser visto como uma poupança forçada

para a aposentadoria, mas pode ser retirado antes em casos especiais,

como para a compra de casa própria. Essa poupança compulsória do

trabalhador é utilizada como fonte de financiamento sob direção pú-

blica. Tem sido usada, por exemplo, para financiar obras públicas.

Incidência legal versus incidência econômica

Você viu anteriormente que numa transação de compra ou a venda

de um aparelho eletrônico há a cobrança de impostos. O mais explíci-

to é o ICMS, que aparece em destaque na nota fiscal de venda ao

consumidor. Nessa transação fica a dúvida se o pagamento é feito por

quem recolhe o imposto ao fisco, no caso a loja, ou se a loja repassa o

imposto ao consumidor via o preço da mercadoria. Do mesmo modo,

um profissional liberal, com rendimento alto o suficiente para pagar

imposto de renda, é quem recolhe diretamente o imposto ao fisco. Você

pode se perguntar se esse profissional repassa esse imposto, cobrando

dos clientes um preço mais alto. Quem sabe, nesses casos, cada lado

repasse apenas uma parte do imposto? São essas perguntas que busca-

mos responder ao discutirmos a incidência econômica dos impostos.

Em contraste, quando verificamos na legislação quem recolhe o im-

posto ao fisco, discutimos a incidência legal.

Um exemplo antigo de ajustamento dos agentes econômicos a

um imposto é o que ocorreu com um imposto sobre janelas (window

tax), cobrado na Inglaterra a partir de 1696. Esse imposto tinha prece-

dentes em impostos da Roma antiga, chamados de ostiarium e

columnarium, que existiam provavelmente desde a época de Júlio

César e eram cobrados sobre o número de portas e de colunas das

Page 81: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

81

Veja o histórico do

window tax em

< http://

en.wikipedia.org/wiki/

Window_tax>. Acesso

em: 6 abr. 2009.

casas. O objetivo do fisco inglês era estimar o valor das casas e o grau

de riqueza de seus moradores numa época em que gastar em janelas

era um luxo e o imposto de renda ainda não existia. Contudo, o resul-

tado foi uma gradual diminuição no número de janelas das novas ca-

sas, sendo que muitas pessoas mandaram fechar janelas existentes.

O imposto das janelas mostra que as pessoas ajustam a base do

imposto. Um assalariado vê claramente o que está sendo descontado

de seu contracheque na forma de contribuição à previdência, na ver-

dade um seguro compulsório de aposentadoria, e na forma de descon-

to de imposto de renda. Do mesmo modo, o dono de uma firma vê

claramente as contas de imposto que precisa pagar periodicamente,

como, por exemplo, os tributos sobre a folha de pagamento. Porém, o

responsável pela empresa considera esse imposto apenas como mais

um item em seus custos e, se os compradores não diminuírem total-

mente suas compras do produto, vai tentar repassá-lo. Do mesmo modo,

os assalariados podem, através de seu sindicato e até por meio de gre-

ves, repassar para frente, nem que seja apenas uma parte, o imposto

que incide sobre seus salários, mas os empregadores podem contratar

menos gente, ao mesmo tempo usando mais máquinas para substituir

essa mão de obra mais cara. Além disso, no mundo globalizado, po-

dem abrir novas fábricas em outros países.

Assim, não basta você verificar sobre quem incide legalmente

um imposto para saber quem realmente paga a conta pública. Você

precisa ter uma ideia sobre os repasses que um agente econômico pode

fazer, tanto aumentando os preços das mercadorias que vende como

diminuindo o preço líquido do imposto das mercadorias que compra.

O estudo da incidência econômica, em contraste com a incidên-

cia legal, leva em consideração os ajustes de preços decorrentes da

presença de impostos. Para saber se o imposto de renda incide sobre

seu rendimento, você tem que perguntar se seu salário seria o mesmo

na ausência de imposto. Lembre ainda que os preços são determina-

dos pela interação entre compradores e vendedores em cada mercado

de trabalho. Em mercados de alta competição, que são os mais co-

muns para as diferentes ocupações, haveria diminuição de preço para

Page 82: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

82

Curso de Graduação em Administração a Distância

os compradores caso o imposto fosse retirado, provavelmente uma

diminuição menor do que o valor do imposto.

Os gráficos de oferta e demanda que você estudou nas discipli-

nas de Economia (Introdução) e Economia (Micro e Macro) podem

ser úteis como meio para ilustrar a incidência econômica de um im-

posto. O preço de qualquer mercadoria taxada tem uma interpretação

dupla. Há, por um lado, o preço líquido do imposto, que é o preço

relevante para o vendedor. Você pode se referir a ele como preço de

vendedor. É esse o preço considerado nas decisões de produção do

bem ou serviço à venda. Há, por outro lado, o preço bruto, aquele

pago pelo comprador. Nesse caso, esse preço de comprador é o preço

relevante para as decisões de compra, tanto por firmas como por con-

sumidores. Entre os dois preços está o imposto. Portanto, o preço bru-

to da mercadoria, ou preço de comprador, é forçosamente igual ao

preço líquido, ou preço de vendedor, mais o próprio imposto.

Se você supuser um imposto fixo em reais por unidade do pro-

duto, assim não variando com o preço, o preço bruto (pB) será igual ao

preço líquido (pL) mais o imposto por unidade do bem ou serviço:

pB = p

L + t

Nessa forma, adicionamos o imposto ao preço de vendedor para

se chegar ao preço de comprador. Essa identidade contábil é sempre

verdadeira.

Contudo, há nessa identidade contábil um paradoxo. Pelo lado

do comprador, parece que ele efetivamente pagará o imposto, pois esse

é somado ao preço efetivamente recebido pelo vendedor, pL. Do outro

lado da transação, o vendedor pode sempre achar que o imposto está

reduzindo o preço de comprador, pB, exatamente pelo valor do impos-

to, deixando-lhe um preço de comprador, pL, muito baixo. Para resol-

ver esse paradoxo, você deve perguntar:

O que ocorre ao preço de mercado existente antes da intro-dução do imposto? É a esse preço que tanto o compradorcomo o vendedor efetivamente fazem suas comparações.

Page 83: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

83

A análise gráfica será feita para o caso em que a incidência legal

ocorre sobre o comprador. Do preço de comprador, o vendedor sub-

trai o imposto para chegar a seu preço. Assim,

pL = p

B – t

Num gráfico de oferta e demanda, essa equação equivale a um

deslocamento para baixo da curva de demanda. Veja a Figura 3, em

que a curva de demanda D é deslocada para baixo, sendo a curva com

o preço de vendedor representada por D’. Do ponto de vista dos ven-

dedores, o preço relevante é o preço que os compradores estão dispos-

tos a pagar, porém já descontado o imposto. Esse é o preço que será

comparado aos custos de produção, os quais definem o preço mínimo

pedido pelos vendedores.

Sugerimos que você releia as páginas 52 a 58 de Mendeset al. (2007) e o texto correspondente às Figuras 3, 7 e 8de Carvalho Jr. (2008). Note que nesses textos não hou-ve a consideração de impostos como algo que pudessealterar a curva de demanda, pois o efeito ocorre direta-mente sobre como os agentes econômicos veem os pre-ços. Na presente análise, a curva de demanda deslocada éapenas um instrumento de análise que representa a curvade demanda efetivamente considerada pelos vendedores.

A introdução de um imposto altera a posição de equilíbrio num

mercado competitivo. Veja, na Figura 3, que a posição inicial, em que

a quantidade demandada é igual à quantidade ofertada, ocorre para a

quantidade q* ao preço p*. Com o imposto, essa mercadoria fica mais

cara e os compradores compram menos, agora a quantidade qt. Os

compradores pagam pb por unidade e esse preço é agora maior do que

antes, portanto eles compram menos. No caso representado pela Figu-

ra 3, o preço de vendedor continua o mesmo que antes, pois pB = p*,

enquanto que o preço de comprador aumenta pelo valor do imposto.

Nesse caso, o empresário que reclamasse da carga de impostos sobre a

Page 84: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

84

Curso de Graduação em Administração a Distância

Releia o texto referen-

te às Figuras 5 e 6 de

Carvalho Jr. (2008),

que trata da oferta de

um dado mercado.

Note que a oferta

horizontal de longo

prazo é um dos casos

possíveis, porém não

apresentado nesse

texto.

Figura 3: Incidência de um imposto sob oferta perfeitamente elásticaFonte: elaborado pelo autor

folha de pagamento estaria com razão, pois seria o comprador dos

serviços de trabalhadores. Já se fossem consumidores de aparelhos de

som teriam razão em reclamar dos impostos, mas não os lojistas.

Há, contudo, uma suposição implícita na Figura 3, crucial para

o resultado obtido em termos de incidência econômica. Nesse merca-

do, a elasticidade-preço de oferta é altíssima. Qualquer pequena vari-

ação no preço de venda leva a um aumento muito grande na quantida-

de ofertada. Seria uma situação de um grande número de pequenos

produtores de um bem ou serviço, cujo custo marginal e custo médio

no equilíbrio de longo prazo são similares. É, portanto, uma oferta de

longo prazo horizontal.

Nesse caso, uma explicação intuitiva seria que essa alta sensibi-

lidade da oferta a variações de preços é que levaria à transferência

para frente do imposto. O resultado decorre do simultâneo comporta-

mento de um grupo de agentes. Do ponto de vista de cada vendedor, o

imposto é subtraído do preço de comprador para se chegar ao preço de

vendedor. O comprador apenas vê seu respectivo preço, já com o im-

posto incluído.

Page 85: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

85

Note que se a incidên-

cia legal fosse sobre os

vendedores, ocorreria

um deslocamento da

curva de oferta para

cima, devido a um

aumento de custos. No

entanto, para um

imposto de igual

magnitude, os efeitos

sobre os preços e

quantidades seriam os

mesmos independente-

mente do lado da

transação sobre o qual

o imposto incidisse

legalmente.

Um caso mais geral ocorre quando ambas, a oferta e a demanda,

têm elasticidades-preço em valores intermediários, conforme a

Figura 4. Veja que tanto pB é maior do que p* como este, por sua vez,

é maior do que pL. A redução de quantidade comprada para q

t reflete o

aumento de preço de comprador. Do ponto de vista dos vendedores, a

quantidade vendida, que é a mesma quantidade qt,, diminui por conta

do menor preço de vendedor. Nesse caso, parte do imposto é transferida

para frente e parte para trás. Essa transferência para trás, na realidade,

é feita via os preços envolvidos nas compras feitas nos mercados de

trabalho e de matérias-primas. Incide também sobre o resultado do

capital empregado nas empresas vendedoras. Assim, o imposto incide

sobre os dois lados das transações.

Assim, para falar em incidência econômica, você precisater uma ideia do que ocorre com os preços das mercadori-as após a introdução de um imposto. Porém, para estimaressas alterações, será preciso ter uma ideia, a partir deestudos empíricos, de como são as curvas de oferta e de-manda nos mercados sob análise. Isso, em geral, é feitopela estimativa de elasticidades-preço e elasticidades-ren-da, com a ajuda de procedimentos econométricos.

Figura 4: Incidência econômica de um imposto sob elasticidades-preçoFonte: elaborado pelo autor

Page 86: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

86

Curso de Graduação em Administração a Distância

Incidência econômica: algumas qualificações

Nessa discussão de incidência de impostos, há um aspecto a ser

melhor qualificado. Você considerou as empresas como se fossem agen-

tes econômicos que compram e vendem bens e serviços, quase como

indivíduos. Na verdade, uma empresa é um conjunto de pessoas orga-

nizadas numa estrutura burocrática, como vimos anteriormente na dis-

cussão sobre o Estado.

Usualmente, os próprios empresários acham que o imposto incide

apenas sobre o rendimento de seu próprio capital. Mas a renda do

capital é apenas o lucro obtido nessa atividade empresarial. Há traba-

lhadores assalariados de vários níveis e há fornecedores de bens e ser-

viços necessários à produção dos bens ou serviços vendidos pela em-

presa. Nesses casos, há transações de compra e venda entre eles e a

empresa. Portanto, a empresa não passa de uma intermediária entre os

compradores dos bens produzidos ali e os fornecedores dessa empre-

sa, incluindo os donos do capital financeiro aplicado nela. Os tributos,

na verdade, incidem tanto sobre os clientes como sobre os fornecedo-

res e trabalhadores, afetando a renda praticamente de todos. Com base

nesse argumento, não há incidência de impostos sobre a empresa pro-

priamente dita, embora muitas vezes tributos sejam cobrados delas para

compensar serviços públicos fornecidos para atender suas necessida-

des específicas. Mas, nesse caso, há uma contrapartida em termos de

serviços públicos e o imposto teria a natureza de uma taxa ou de uma

contribuição de melhoria.

Quem compra ou vende para o setor público também está sujei-

to aos impostos. Assim como as empresas, o setor público também

envolve um grande conjunto de pessoas organizadas em estruturas

burocráticas. Os impostos nas transações com o setor público, como é

o caso do imposto de renda e da contribuição à previdência social,

envolvem, na verdade, os vendedores para o setor público de um lado

e os contribuintes do outro.

Outro aspecto pouco enfatizado na discussão anterior sobre in-

cidência econômica é o horizonte de tempo implícito na análise. Por

Page 87: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

87

Mais à frente, neste

curso, você terá a

disciplina de Teoria

dos Jogos, com a

apresentação de várias

situações de decisões

estratégicas por parte

dos agentes econômi-

cos. Os modelos que

lhe serão apresentados

permitirão entender

melhor como ocorre a

interação entre empre-

sas em ambiente de

oligopólio.

exemplo, num primeiro momento, os vendedores podem simplesmen-

te alterar seus preços pelo valor total de um novo imposto cuja inci-

dência legal ocorra sobre eles. Porém, na medida em que se efetivem

os ajustamentos de mercado, eles descobrirão que os seus preços po-

dem não se manter devido à concorrência. Isso também ocorre quan-

do o governo reduz impostos para beneficiar os compradores e os efei-

tos não aparecem imediatamente. Nessa situação, os vendedores con-

tinuam, num primeiro momento, a cobrar os mesmos preços que an-

tes, embora a concorrência tenda a neutralizar isso no longo prazo.

Implícito nos movimentos ao longo das curvas de oferta, como as das

Figuras 3 e 4, estão ainda os ajustamentos de entrada e saída de firmas

no mercado, que é uma das formas em que se manifesta a concorrência.

É só assim, num período de tempo mais longo, que todos os ajustamen-

tos serão completados em mercados com alto grau de concorrência.

Outro aspecto, ainda, é que uma fatia importante da economia

funciona em mercados com baixo grau de concorrência. Para um mer-

cado não-competitivo, há muito pouco que possa ser previsto pela te-

oria da incidência de impostos. Não há modelos gerais e os estudos

empíricos são incapazes de definir quais são os modelos mais adequa-

dos. Por exemplo, para mercados com poder de monopólio, é possível

apresentar desde modelos com transferência mínima do imposto até

casos com transferência superior a 100%, ou seja, o preço aumenta

mais do que o atribuível ao imposto. Nos modelos de oligopólio, há

ainda mais possibilidades, dependendo do tipo de modelo. A não in-

clusão do imposto nos custos, por exemplo, poderia ser uma boa es-

tratégia de curto prazo se as firmas individualmente temessem que um

ajuste de preços por conta do imposto levasse ao rompimento de um

acordo tácito entre elas. Uma mudança de posição permitiria ganhos

para quem furasse o acordo, mas poderia terminar numa guerra de

preços. Por outro lado, deslocamentos prévios de demanda poderiam não

ter resultado em aumentos de preços por conta justamente do medo da

guerra de preços. Assim, um pequeno aumento de impostos já poderia ser

um sinal para que as empresas reajustassem preços, incluindo tanto o au-

mento represado como o repasse de impostos. Um estudo empírico mos-

traria um aumento de preços maior do que o valor do imposto.

Page 88: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

88

Curso de Graduação em Administração a Distância

Por fim, há um aspecto que diz respeito aos agentes econômi-

cos, tanto aqueles cuja renda é predominante do trabalho, os assalari-

ados, quanto aqueles cuja renda decorre de diferentes formas de direi-

tos de propriedade, como juros e alugueis, além da classe média que

possui fontes misturadas de rendas. Você pode considerar, de um lado,

os consumidores, que é como esses agentes aparecem ao comprar coi-

sas para seu consumo, e, de outro, os produtores, que é quando eles

aparecem como vendedores. O trabalhador é tratado em separado, mas

é também um vendedor de serviços.

Lembre-se de que os produtores e trabalhadores também são con-

sumidores. Assim, o mesmo raciocínio pode ser feito para eles. Do

lado da produção, a incidência afeta os donos de diferentes tipos de

propriedades de bens de capital, utilizáveis no processo produtivo pela

diminuição da sua própria renda real. A redução do preço de vendedor

tem sempre implícita uma redução de remuneração de algum desses

bens, dos salários e de preços de matérias-primas.

Impostos, gastos públicos e renda real

Discutimos incidência até aqui de um ponto de vista indi-vidual. Mas, do ponto de vista da sociedade como umtodo, qual é a consequência dos ajustes de preços e dequantidades compradas e vendidas, por conta da incidên-cia econômica dos impostos?

Quando falamos em incidência, você deve perguntar o que acon-

tece com “poder de compra” do consumidor, que os economistas cha-

mam de renda real, considerando que os preços de comprador podem

subir por causa dos impostos. Com uma mesma renda monetária, um

aumento de preços brutos leva a menores quantidades dos bens usual-

mente comprados. Esse menor poder de compra é que libera os bens e

serviços que serão apropriados pelo setor público. Numa medição de

mudanças de renda real, queremos saber como variam as quantidades

Page 89: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

89

A Lei nº 10.336/2001

instituiu a CIDE-

Combustíveis, ou seja,

a Contribuição de

Intervenção no Domí-

nio Econômico inci-

dente sobre a importa-

ção e a

comercialização de

diferentes formas de

combustíveis. Veja em:

<www.receita.fazenda.gov.br>.

Acesso em: 6 abr.

2009.

em média, pois as alterações de preços de diferentes mercadorias po-

dem levar a aumentos de quantidades para alguns bens e diminuição

para outros.

Discutir incidência econômica significa, então, a comparação dos

atuais preços recebidos pelos vendedores e pagos pelos compradores

com o preço que reapareceria se o imposto fosse retirado. Em seguida,

medimos como a renda real das pessoas muda. Esse cálculo não é fácil

de fazer, mas é uma área importante da pesquisa econômica e há mui-

tas tentativas de se estimar isso. Os resultados obtidos até agora não

têm sido muito conclusivos, mas impostos sobre a propriedade e a

renda tendem a penalizar mais fortemente os mais ricos, enquanto que

os impostos sobre vendas de bens e serviços penalizam os mais po-

bres. Impostos sobre a propriedade, como o IPTU e o IPVA, acabam

associados mais fortemente a quem tem propriedades de maior valor.

Já impostos como o ICMS estão associados mais a, por exemplo, gas-

tos básicos de alimentação e vestuário, que, juntamente com outros

gastos básicos, representam uma fatia maior do orçamento das pesso-

as de renda mais baixa.

Um estudo recente de Gaiger-Silveira (2008), sobre incidência

econômica, avalia a incidência da tributação direta e indireta no Bra-

sil. Os impostos diretos são os impostos sobre todas as formas de ren-

da, as contribuições previdenciárias e os impostos sobre o patrimônio,

tanto sobre imóveis como sobre veículos. Os impostos indiretos são o

ICMS, o IPI, o PIS, a Cofins e a CIDE. No caso desses impostos

indiretos, o autor supõe que todos os impostos são transferidos para

frente, como na Figura 3. Já para os impostos diretos, a suposição é

que incidem integralmente sobre os vendedores.

O estudo mostra, conforme a Tabela 2, como iria variar a renda

real das pessoas em cada faixa de renda, caso os impostos fossem re-

tirados. É claro que isso não seria possível, pois a economia viraria

um caos sem o governo. É apenas um exercício de imaginação para se

ter uma ideia da incidência. Fica claro que os impostos indiretos pena-

lizam mais pesadamente as classes de renda mais baixas, enquanto

que os impostos diretos fazem o contrário. Por exemplo, no grupo de

10% das pessoas com os rendimentos mais baixos, a retirada da tribu-

Page 90: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

90

Curso de Graduação em Administração a Distância

tação indireta daria um ganho de 29,1% e de apenas 3,7% por conta

da retirada dos impostos diretos, com um efeito total de 32,8%. Veja

agora para os 10% mais ricos como o ganho seria de 22,7%. Se você

colocar os impostos de volta, veja como o conjunto dos impostos é

mais pesado para os mais pobres. Portanto, os impostos indiretos fa-

zem com que o sistema tributário penalize mais as classes de renda

mais baixas. Esse resultado é descrito como o de um sistema tributá-

rio regressivo.

Contudo, além do imposto, é preciso levar em consideração a

forma como o mesmo é gasto pelo governo. Boa parte dos impostos é

gasta em bens e serviços recebidos sem pagamentos diretos pela cole-

tividade. Dependendo de como isso é feito, pode haver uma diferença

entre os benefícios de serviços públicos que cada pessoa recebe e aquilo

que ela paga. Logo, um cálculo mais rigoroso de incidência, a chama-

da incidência fiscal ou orçamentária, deveria levar isso em considera-

ção, embora seja extremamente difícil de fazer. Os exemplos mais

óbvios são a construção e a manutenção das vias públicas, os serviços

de justiça e policiamento, a educação gratuita, a saúde pública, etc.

Décimo de renda

10º

Tributação indireta

29,1%

24,2%

20,7%

19,4%

18,3%

17,6%

16,4%

16,4%

14,6%

10,7%

Tributação direta

3,7%

2,8%

4,1%

4,5%

4,9%

5,7%

6,9%

7,7%

8,8%

12%

Tributação total

32,8%

27%

24,8%

23,9%

23,2%

23,3%

23,3%

24,1%

23,4%

22,7%

Tabela 2: Brasil – Incidência econômica segundo tributos diretos e indiretos

Fonte: elaborado por IPEA, a partir de Gaiger-Silveira (2008). Disponí-vel em: <br.pfinance.yahoo.com/081021/22/gjtv1g.html>. Acesso em:

6 abr. 2009.

Page 91: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

91

Mais informações

sobre esse programa

no sítio do Ministério

do Desenvolvimento

Social

<tinyurl.com>cg77co>.

Acesso em: 31 abr.

2009.

Direta ou indiretamente, os contribuintes são beneficiados por tais

gastos, sendo que o benefício indireto ocorre quando os benefícios do

serviço público acabam incorporados, em geral via redução de custos,

aos produtos gerados pelas empresas privadas.

Além disso, uma parte importante dos gastos públicos são as

transferências de renda diretamente para as pessoas, algumas na forma

de assistência social, cujo principal exemplo é o Bolsa-Família. Outro

exemplo é a aposentadoria rural, em que milhões de pessoas têm sido

beneficiadas com aposentadorias sem terem feito os recolhimentos

previdenciários correspondentes, pelo menos no nível que é comum

nas áreas urbanas. É um programa que envolve déficits na previdên-

cia, mas que têm ajudado a tirar a maioria dessas pessoas da pobreza e

até da indigência.

Assim, se você considerar não só a incidência econômica dos

tributos, mas também a incidência dos gastos públicos, terá uma me-

lhor representação dos efeitos do setor público sobre a renda real das

pessoas.

Um elemento adicional é a isenção de impostos ou o subsídio a

certos bens ou serviços, que podem ser interpretados como impostos

negativos. Por exemplo, se o governo dá dinheiro para atividades cul-

turais, diminuindo os preços desses espetáculos, isso equivale a deslo-

car a curva de demanda para cima nas Figuras 3 e 4, aumentando a

quantidade de equilíbrio. Do mesmo modo, o crédito subsidiado, via

bancos públicos, oferecido tanto a empresas públicas como a empre-

sas privadas, com base em recursos públicos, é uma forma tanto de

gerar maiores dividendos políticos e lucros privados como de benefi-

ciar os trabalhadores que conseguirão os novos empregos gerados pelo

crescimento da atividade econômica. A discussão do correspondente

aumento de renda real, nesses casos, pode ser feita com o mesmo apa-

rato teórico usado para a incidência econômica de impostos.

Geiger-Silveira (2008) também estudou o impacto de gastos

assistenciais, incluindo programas como previdência rural, o Bolsa-

Família e alguns programas similares. Ele conclui que pelo menos es-

ses itens dos gastos públicos são insuficientes para alterar o grau de

regressividade da incidência tributária. Para uma análise mais comple-

Page 92: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

92

Curso de Graduação em Administração a Distância

ta, ele deveria considerar também o restante das despesas públicas,

mas isso não foi considerado, dados os objetivos mais limitados desse

estudo e também as grandes dificuldades de fazer isso.

Um aspecto ainda a ser considerado quanto à incidência de im-

postos e gastos públicos é o impacto que os impostos têm sobre a

destinação de recursos para fins produtivos. Na Figura 4, por exem-

plo, você viu que a presença do imposto faz com que se produza e

consuma uma menor quantidade daquela mercadoria. Impostos que

incidem sobre a renda do trabalho podem afetar até o quanto as pesso-

as investem na própria formação. Essa formação, que é um tipo de

capital – o capital humano –, ajuda no desenvolvimento econômico, e

menor investimento nele traz claros prejuízos à sociedade. Por fim,

tributos sobre a remuneração do capital afetam a escolha entre consu-

mo e poupança, que, por sua vez, afeta o nível de investimento em

capital no longo prazo. O principal problema, nesses casos, é que os

preços pagos pelos compradores deixam de refletir os custos de pro-

dução e de sacrifício pessoal envolvidos na produção dos bens e servi-

ços transacionados no mercado. Em “economês”, dizemos que isso

gera ineficiência econômica, ou que a renda total do país poderia ser

maior e que as pessoas poderiam consumir mais, mesmo levando em

consideração os bens e serviços públicos que o governo põe à dispo-

sição das pessoas com os recursos tributários. Embora isso seja difícil

de calcular, é um ponto importante a ser levado em consideração nos

cálculos de incidência econômica ou fiscal.

Dadas todas essas dificuldades em estudos de incidênciaeconômica e fiscal, na verdade, é via o processo políticoque os sacrifícios e os benefícios da atividade pública serãoperiodicamente redistribuídos. Você pode voltar às Uni-dades anteriores e verificar que isso ocorre anualmente nadiscussão do orçamento e, com menos frequência, nas re-formas tributárias.

Page 93: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

93

RESUMO

Nesta Unidade, você viu que tanto as despesas como as

receitas são classificáveis segundo a finalidade ou segundo a

natureza. As receitas incluem os vários tributos, entre os quais

estão os impostos. A incidência legal dos impostos mostra quem

recolhe os mesmos ao fisco. Mas a incidência econômica seria

o cálculo de como a renda de cada pessoa é afetada pelos im-

postos. Isso ocorre pelos efeitos sobre os preços que cada pes-

soa paga pelo que compra e pelo que vende. A consideração

também dos benefícios que as pessoas recebem via os gastos

públicos e a comparação disso aos sacrifícios decorrentes dos

impostos leva à ideia de uma incidência fiscal. É por essa inci-

dência fiscal que você teria uma melhor ideia de como o setor

público afeta seu padrão de vida. Como tal medição é pratica-

mente impossível de ser feita com um mínimo de precisão, cabe

ao processo político definir a incidência fiscal, embora estudos

parciais possam tornar o debate menos vago.

Atividades de aprendizagem

Chegou o momento de você verificar o que aprendeu nes-ta Unidade. A partir do que foi estudado aqui, você teráque responder às questões a seguir. Caso não tenha en-tendido algum item, por favor, releia o texto até obtertotal compreensão. Para responder às questões é precisoter certeza se conseguiu atingir os objetivos propostos.

Você está apto a classificar as despesas e receitas orçamen-tárias segundo vários critérios? Sabe a diferença entre aincidência legal dos impostos e a do ponto de vista? Sabeque o padrão de vida das pessoas é afetado pelos gastospúblicos? Se tiver dúvidas quanto a isso, não hesite emreler o texto.

Page 94: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

94

Curso de Graduação em Administração a Distância

Bem, vamos ao trabalho e não se esqueça de entrar emcontato com o seu tutor, pelo Ambiente Virtual de Ensi-no-Aprendizagem, caso necessite sanar alguma dúvida.

1. Vá ao sítio <www.portaldatransparencia.gov.br> e consulte, em“Gastos Diretos do Governo”, o ano de 2008 e “Favorecidos” “En-tes Governamentais”. Você verá acima de 300 páginas de favoreci-dos. Na linha inferior da página, em “Pesquisar”, digite o nome domunicípio de seu interesse. O resultado será uma lista de favoreci-dos que incluem o nome de seu município. Clique no item que maislhe interessar e você terá uma lista de “elementos de despesa”. Sele-cione os três elementos mais importantes e caracterize as funçõesdessas despesas.

2. No mesmo sítio da atividade anterior, clique em “Transferênciade Recursos”. Em seguida, selecione um Exercício e seu Estado nomapa. Selecione, então, seu município. Verifique quais são as cincoações governamentais mais importantes em termos de verba orça-da. Caracterize as funções que tiveram essa maior prioridade. Veri-fique também deve verificar qual foi a participação dessas ações nototal destinado ao município. Você pode usar suas conexões locaispara investigar se as ações previstas no orçamento estão sendo real-mente efetivadas.

3. Contraste incidência legal, incidência econômica e incidência fis-cal na discussão do impacto do orçamento público sobre a rendadas pessoas.

4. Refaça a Figura 3 para um caso em que a curva de oferta é verti-cal, ou seja, em que a elasticidade-preço da oferta é zero. Nessecaso, grandes variações no preço do bem não causariam nenhumavariação na quantidade ofertada. Introduza um imposto que deslo-que a demanda para baixo e mostre sobre qual lado da transaçãoincide esse imposto. Se a curva de oferta for apenas bem inclinada,sem chegar à vertical, o exercício também funciona, pois ainda setem um caso de baixa elasticidade-preço da oferta.

Page 95: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

95

Déficit público edívida pública

Déficit público edívida pública

UNIDADE

5

Page 96: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

96

Curso de Graduação em Administração a Distância

Objetivo

Nesta última Unidade, você aprenderá como o setor público fecha suas

contas quando a arrecadação tributária é inferior às despesas. Esperamos

que ao final da Unidade, você seja capaz de: diferenciar as formas como

o setor privado e o setor público cobrem seus déficits; descrever os

diferentes tipos de déficit público; e relacionar o déficit primário com a

capacidade de pagamento da dívida por parte do setor público.

Page 97: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

97

Déficit público e déficit privado

Caro estudante!

Até agora, você viu de onde sai o dinheiro do setor públi-co e, pelo menos em linhas gerais, de que forma ele égasto. Agora você verá como o governo fecha suas contas,caso a receita seja insuficiente. Esse déficit público é com-parável a finanças pessoais? Quais são os instrumentos adi-cionais que o setor público tem para resolver situações dedéficit? Como isso se traduz no tamanho da dívida públi-ca? Até que ponto é possível aumentar o endividamentopúblico sem que o mercado financeiro deixe de financiarespontaneamente o governo?

Uma diferença fundamental, que você já teve oportunida-de de estudar nas disciplinas introdutórias, é a teoriakeynesiana de que as variações no déficit público podemajudar o Governo tanto a diminuir o nível de desempregocomo a ajudar no combate à inflação. Faz alguma diferençase essa variação no déficit for feita via gastos correntes ouvia gastos de capitais?

Bons estudos, e não esqueça: estamos à sua disposição!

Em finanças pessoais, ter déficit é ficar no vermelho, é aumentar

a dívida pessoal. Logo, se a despesa for maior do que a receita num

dado período, isso significa um aumento de dívida. Contudo, se a pes-

soa tiver um bom patrimônio que possa ser vendido ou oferecido como

garantia para empréstimos, pode ainda pedir dinheiro emprestado de

terceiros e cobrir seu déficit. A facilidade com que tal garantia possa

ser transformada em dinheiro – em linguagem financeira, grau de

liquidez – é um item que define a taxa de juros que será cobrada pelo

emprestador. Por exemplo, uma pessoa que ofereça seu carro em ga-

rantia de um empréstimo pode conseguir juros menores do que no

cheque especial. Se uma pessoa subtrair suas dívidas do valor de seu

Page 98: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

98

Curso de Graduação em Administração a Distância

patrimônio, tem seu patrimônio líquido. É claro que se a pessoa tiver

créditos a receber mais do que dívidas a pagar, maior ainda é seu

patrimônio líquido. É o patrimônio líquido que serve de garantia em

empréstimos maiores, principalmente para empresas. Para quem não

tem bens como esse, o importante são as previsões de receita futuras

da pessoa, dadas por salários para a grande maioria das pessoas. Um

funcionário público estatutário que já tenha passado o estágio probatório,

provavelmente conseguirá juros mais baixos em seus empréstimos ban-

cários do que pessoas sem essa estabilidade de emprego.

O Setor Público tem diferenças cruciais em relação às finanças

pessoais, ou mesmo em relação ao setor privado. Em primeiro lugar, o

Setor Público não tem um verdadeiro balanço patrimonial, embora te-

nha um balanço de ativos, que inclui edificações e máquinas. O que

fica fora são bens de capital público, como estradas, pontes, etc. Esse

balanço inclui também o que o governo deve e tem de haver em ter-

mos financeiros. Quando o governo empresta dinheiro do exterior é

como uma pessoa qualquer que toma emprestado de outra, direta ou

indiretamente via bancos. O país terá que gerar receita futura em mo-

eda estrangeira com suas vendas no exterior, acima das importações

de mercadorias, para pagar os empréstimos. Pode também atrair in-

vestidores que criem ou expandam empresas no país, trazendo com

isso moeda estrangeira. Na verdade, basta ter receita futura em moeda

estrangeira suficiente para pagar os juros dessa dívida. Essa capacida-

de futura de pagamentos mais a história de calotes do país é que con-

tam nas avaliações que um país tem no mercado financeiro internacio-

nal. O Brasil recentemente recebeu uma boa nota de uma empresa

especializada em avaliar as dívidas de países. Esta o qualificou como

investment grade, o que significa uma boa imagem, por exemplo, en-

tre grandes fundos de pensão, que agora podem investir em títulos de

dívida brasileiros. Equivale a você ter uma boa avaliação no Serviço

de Proteção ao Crédito (SPC).

Contudo, a dívida interna funciona de forma bastante diferente.

É uma dívida em que alguns membros do grupo devem para outros

membros do mesmo grupo. No caso de um país, é possível que ele

tenha uma grande dívida interna, mas deva muito pouco ao exterior.

Page 99: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

99

Débitos financeiros de filhos para os pais, ou vice-versa, seriam o equi-

valente em finanças pessoais.

Significa que a dívida pode crescer à vontade? Veremos quehá consequências indesejadas da expansão da dívida para ní-veis muitos altos. As razões para isso são similares ao queocorre nas finanças privadas, mas os caminhos são diferentes.

Há várias situações em que a expansão da dívida é desejável.

Um exemplo de finanças pessoais é quando a pessoa tem rendas futu-

ras estáveis a receber, em geral, crescentes, mesmo descontada a infla-

ção, mas não tem dinheiro suficiente para adquirir um bem durável

muito caro para compra à vista. Se for poupar primeiro para depois

comprar, pode até ganhar uma boa remuneração sobre essa poupança,

mas vai ter que esperar demais até receber os benefícios pessoais da-

quele bem. Se isso vale para alguns anos, você pode imaginar os sa-

crifícios equivalentes para uma demora de muitas décadas. Por exem-

plo, um sistema de metrô para uma cidade demandaria sacrifícios de

várias gerações até que todo o dinheiro fosse poupado. Se um emprés-

timo de longa duração for feito, a quitação do empréstimo poderá co-

incidir com a vida útil do metrô até que grandes reformas sejam neces-

sárias. Assim, o sacrifício dos pagamentos em cada período mais ou

menos coincide com o benefício recebido pela população. Portanto, a

dívida é desejável nesses casos.

Tipos de déficit

Agora que você viu o que é déficit público e quando évantajoso fazê-lo, expandindo a dívida pública, é o mo-mento de discutir como medi-lo. Mas chegar a uma medi-da precisa de déficits e de dívidas de três níveis de governo,como no Brasil, envolvendo milhares de órgãos e governosmunicipais, é uma tarefa bastante difícil, mas é feito.

Page 100: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

100

Curso de Graduação em Administração a Distância

Medir o déficit público é atribuição do Banco Central do Brasil,

da Secretaria do Tesouro Nacional e do IBGE. O Banco Central, usan-

do dados de balanços financeiros, consegue uma estimativa mais rápi-

da, baseada nas mudanças da dívida pública, que é uma primeira apro-

ximação. Essas estimativas são chamadas de Necessidades de Finan-

ciamento do Setor Público (NFSP). Os outros órgãos usam informa-

ções mais precisas, mas obtêm resultados com uma boa defasagem de

tempo. Mas quem quiser estudar mais cuidadosamente o assunto, deve

usar os cálculos dos diferentes órgãos.

O conceito básico de déficit público é o NSFP no conceito no-

minal, mais citado como déficit nominal. Durante o período de alta

inflação dos anos 1980 e 1990, foi bastante relevante também um con-

ceito que desconta o efeito da inflação, na época conhecido como dé-

ficit operacional. Agora, o Banco Central o menciona como NSFP

ajustado para juros reais e juros sobre a dívida externa.

A variação do déficit público não é apenas um efeito de os dife-

rentes governos terem diferentes graus de rigor com as contas públi-

cas. Por exemplo, governos que executam planos grandiosos de de-

senvolvimento econômico tendem a gastar muito e a criarem grandes

déficits. Contudo, a economia de um país funciona em ciclos, com

fases de expansão, em que ocorre forte crescimento do PIB, e de

recessão, com fases de baixa. Tais variações do PIB implicam uma

variação nas bases tributárias. Assim, numa recessão, a receita pública

cai junto com o PIB enquanto que quase todo o total de despesas tem

pouca flexibilidade para cair. Se a recessão ou a diminuição de cresci-

mento for prolongada, como ocorreu com o Brasil nos anos 1980,

então haverá ajustamentos, pelo menos, no crescimento das despesas.

Os economistas chamam esse déficit de déficit cíclico. Descontando

esse tipo de déficit, podemos então calcular aquilo que é causado pro-

positalmente em função de plataformas políticas, em geral buscando

estabilizar a taxa de crescimento do PIB e a taxa de emprego. Esse é o

déficit estrutural. Tal déficit é que tem implicações mais sérias sobre

a evolução da economia no longo prazo, como veremos a seguir.

Page 101: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

101

Ainda por conta dessa preocupação com as flutuações nocrescimento do PIB, vamos discutir agora as fontes de fi-nanciamento do déficit público.

Vimos a pouco que uma das formas básicas é tomar emprestado

tanto dentro como fora do país. Contudo, em contraste com as finan-

ças pessoais, o governo federal tem ainda a opção de imprimir dinhei-

ro. Na verdade, isso é feito de forma indireta via títulos da dívida pú-

blica, que incluem títulos emitidos pelo Tesouro Nacional e pelo Ban-

co Central. Cada uma dessas formas tem consequências diferentes sobre

as contas públicas. A dívida externa, como você viu anteriormente,

depende da capacidade do país em gerar dinheiro estrangeiro em vo-

lume suficiente para pagar, pelo menos, os juros dessa dívida. Sobre a

dívida interna, os investidores em títulos do governo também se per-

guntam se o governo terá receitas suficientes em reais para pagar os

juros. Se essas perspectivas estiverem boas, será relativamente fácil

fazer novos empréstimos para manter a dívida numa dada proporção

do PIB à medida que dívidas antigas vençam. Contudo, se houver

desconfiança quanto à capacidade de pagamento dessa dívida públi-

ca, os juros cobrados pelos investidores tendem a subir para que con-

cordem com os refinanciamentos, especialmente se o país não conse-

gue nem pagar os juros. Nesse caso, novos financiamentos são neces-

sários para cobrir os juros. Quem já se perdeu em cheque especial

sabe que essa é uma situação difícil de sair. É por isso que o país, para

melhorar sua imagem junto aos financiadores, tanto internos como

externos, precisa provar que tem condições de pagar, pelo menos, uma

parte dos juros da dívida pública. É preciso, portanto, que a receita

seja superior às despesas não-financeiras. Essa diferença entre a recei-

ta e as despesas não-financeiras é chamada de superávit primário.

Page 102: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

102

Curso de Graduação em Administração a Distância

Para saber mais, vá ao

sítio do Banco Central:

<www.bcb.gov.br> e

clique em Sistema

Financeiro Nacional.

Se você quiser uma

exposição mais deta-

lhada e técnica, leia

Simonsen e Cysne

(2007, Capítulo 1).

O Sistema Financeiro Nacional

O financiamento do setor público, com gastos além do arrecada-

do, é feito via o mercado financeiro. Como você viu na seção anterior,

o governo pode tanto tomar empréstimos como emitir dinheiro para se

financiar. Ao mesmo tempo, a própria infraestrutura institucional do

mercado financeiro é definida pelo processo político e fiscalizada pelo

governo. Isso, claro, dá uma grande influência e poder ao governo ao

definir os termos de seu próprio financiamento. Ao conjunto de insti-

tuições que viabilizam as transações financeiras, chamamos de siste-

ma financeiro.

Presentemente, o Sistema Financeiro Nacional é constituído dos

seguintes componentes principais:

Conselho Monetário Nacional;

Banco Central do Brasil;

Banco do Brasil S.A.;

Caixa Econômica Federal (CEF);

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES);

demais instituições financeiras públicas, que incluem outrosbancos de desenvolvimento regionais e instituições financei-ras estaduais; e

instituições financeiras privadas, o que inclui os bancos co-merciais que captam depósitos à vista, assim como institui-ções de crédito não bancárias.

Os órgãos máximos do sistema financeiro são o Conselho Mo-

netário Nacional e o Banco Central, que regulam e administram o sis-

tema. Parte importante do crédito brasileiro está nas mãos do Estado,

especialmente o crédito de longo prazo, voltado para o financiamento

de investimentos. O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal

operam comercialmente com financiamentos de curto prazo, mas tam-

bém com financiamentos de longo prazo, especialmente para médias e

Page 103: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

103

Tenha em mente o

texto que trata das

Figuras 31 e 32 de

Carvalho Jr. (2008).

pequenas empresas, e com crédito imobiliário. Os financiamentos de

longo prazo para investimentos ficam por conta principalmente do

BNDES e de bancos regionais de desenvolvimento a partir de recur-

sos orçamentários e de empréstimos externos. Dois bancos desse tipo,

bastante conhecidos, são o Banco Regional de Desenvolvimento do

Extremo Sul (BRDE) e o Banco do Nordeste do Brasil.

Déficit público e nível de atividade econômica

Quando o governo toma dinheiro emprestado do sistema finan-

ceiro, pode tanto vender títulos diretamente no mercado como vendê-

los ao Banco Central. Em anos recentes, a Secretaria do Tesouro Na-

cional (STN) tem vendido títulos até a pessoas físicas, como no siste-

ma do Tesouro Direto. Quando a Secretaria do Tesouro Nacional toma

emprestado do Banco Central, recebe dinheiro novo, que será injeta-

do na economia quando o governo gastá-lo. Contudo, o Banco Cen-

tral pode revender esses títulos do Tesouro ou títulos do próprio Ban-

co Central no mercado financeiro, neutralizando, assim, a injeção an-

terior de dinheiro. Como a base monetária é influenciada também por

outras transações do Banco Central com o setor privado e com o exte-

rior, nem sempre esses empréstimos ao Tesouro se convertem em ex-

pansão monetária.

Você sabe que um aumento da oferta de moeda aumenta a dispo-

nibilidade de dinheiro e, com isso, induz uma queda na taxa de juros.

Essa menor taxa de juros estimula a atividade econômica, pois mais

projetos de investimento ficam rentáveis. Ao mesmo tempo, isso esti-

mula o consumo, pois torna o crédito mais barato para quem compra à

prestação e diminui a rentabilidade das aplicações financeiras, tornan-

do vantajoso para mais pessoas a retirada de dinheiro dessas aplica-

ções para compra de bens duráveis e imóveis à vista. Esse estímulo do

aumento da oferta monetária aparece como um aumento da demanda

agregada. Isso pode elevar o nível de preços da economia, causando,

assim, inflação.

Page 104: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

104

Curso de Graduação em Administração a Distância

Considere aqui a

análise da Figura 39

de Carvalho Jr.

(2008).

Lembre-se do texto

relativo às Figuras 34

e 36 de Carvalho Jr.

(2008).

Você também estudou como um aumento nos gastos públicos

estimula a demanda agregada. Na verdade, esse estímulo ocorre tanto

pelo aumento dos gastos como pela diminuição da carga tributária, ou

seja, pela alteração no déficit. Nesse caso, o efeito do gastos públicos

é direto, reforçado, ainda, pelos efeitos indiretos que decorrem de as

pessoas que recebem os pagamentos do governo também gastarem.

Além disso, o financiamento do déficit público com base em emissão

de dinheiro tem um duplo efeito sobre a demanda agregada e, portan-

to, sobre a inflação. Em situações em que a economia já está num

ritmo muito forte, em que as empresas já atingiram altos níveis de uso

de sua capacidade de produção, então a tendência é de aumento gene-

ralizado de preços. O financiamento de déficits, predominantemente

por via monetária ocorre em ambientes de alta inflação, como o Brasil

viveu a partir do início dos anos de 1980 até 1994.

Mas há uma importante exceção a esse impacto sobre a inflação.

A economia pode estar em equilíbrio num nível de produto, que aqui

é sinônimo de PIB, muito abaixo do nível natural do produto, que é

aquele nível associado à taxa natural de desemprego. Num contexto

de alto desemprego e com grande sobra de capacidade de produção

nas empresas, os aumentos da demanda agregada causariam efeitos

mínimos sobre o nível de preços. Essa foi a situação observada na

Grande Depressão*, na década de 1930.

Foi justamente para explicar porque a crise econômica aconte-

ceu, e como várias economias puderam sair dessa situação, que o eco-

nomista inglês John Maynard Keynes escreveu sua obra prima, A teo-

ria geral do emprego, do juro e da moeda, publicando-a em 1936. Por

acreditar que a política monetária não seria eficaz numa situação de

taxas de juros extremamente baixas, ele advogava programas amplos

de gastos públicos até que o setor privado aumentasse o consumo e o

investimento.

Por sinal, o Brasil foi um dos poucos países que adotaram polí-

ticas de estímulo à demanda agregada, via gastos públicos, quase da

forma como Keynes receitaria alguns anos mais tarde. Por isso, o país

passou por consequências moderadas da crise econômica mundial.

Entre esses países, estavam também a Suécia e a Alemanha. Mas, como

GLOSSÁRIO*Grande Depressão– período da maiorcrise econômicamundial, entre osanos de 1929 e1933. Atingiu, emprimeiro lugar emais profundamen-te, a economia nor-te-americana, espa-lhando-se, em se-guida, para a Euro-pa e os países daÁfrica, Ásia e Amé-rica Latina. A criseiniciou-se no âmbi-to do sistema finan-ceiro na chamadaQuinta-Feira Negra(24/10/1929), que ahistória registracomo sendo o pri-meiro dia de pânicona Bolsa de NovaYork. Fonte:Sandroni (1999).

Page 105: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

105

Você pode ter uma

introdução ao comér-

cio internacional na

Unidade 8 de Carva-

lho Jr. (2008).

Essa crise havia

começado em meados

de 2007, sendo menci-

onada por Carvalho Jr.

(2008, p. 155) como

exemplo de como se

inicia uma queda da

demanda agregada.

no Brasil, as decisões desses países decorreram de injunções políticas

internas, via pressões de grupos de interesse e de estratégias governa-

mentais ainda sem a racionalização keynesiana.

Ao final de 2008, a crise do setor imobiliário americano gerou

uma crise financeira de magnitude comparável à da crise de 1929.

Essa comparação tem sido feita especialmente pela grave crise bancá-

ria que se espalhou dos EUA para a Europa. Entre 1929 e 1933, os

EUA perderam perto de 30% de seu PIB, voltando a crescer só a partir

de 1934. A taxa de desemprego chegou a 25% em 1933 e só diminuiu

para os níveis anteriores nos anos 1940. O grande problema foi que a

crise se espalhou quase pelo mundo inteiro, agravado pela adoção

generalizada de forte protecionismo comercial.

Oitenta anos depois, contudo, há melhor compreensão dessas

crises econômicas, graças a Keynes e aos estudos posteriores sobre

isso, para se evitar a repetição de uma nova crise tão colossal. Os go-

vernos das principais economias do mundo de hoje tentam agir

coordenadamente (início de 2009) para estimular a demanda agrega-

da, via variações do déficit público e da oferta monetária. Com isso,

buscam reverter expectativas pessimistas de consumidores e de em-

presas, cuja retomada de gastos é um elemento fundamental para re-

verter a desaceleração e queda da demanda agregada. Ao mesmo tem-

po, sabem que é preciso evitar o protecionismo no comércio internaci-

onal, que agravaria a queda já generalizada da demanda agregada.

A evolução e a sustentabilidadeda dívida pública

Um setor público muito endividado tem problemas ao refinanciar

essa dívida. Os investidores em títulos do governo preocupam-se com

as receitas públicas futuras que possam garantir o pagamento dos ju-

ros. Assim, não apenas olham em que nível está a dívida, mas também

procuram prever sua trajetória.

Page 106: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

106

Curso de Graduação em Administração a Distância

Como a receita pública segue os ciclos do PIB, um primeiro in-

dicador de capacidade de pagamento é a relação entre a dívida e o

PIB. Se a dívida cresce mais rápido que o PIB, esta razão aumenta.

Na Figura 5, temos a evolução da dívida pública brasileira nos últimos

anos como porcentagem do PIB. A dívida total vinha crescendo mais

rápido que o PIB até 2002, quando ficou em cerca de 60% do PIB.

Depois disso, flutuou ao redor de uma tendência de leve queda. Dos

dois componentes principais, a dívida externa caiu tanto que o país se

tornou credor internacional, embora em nível modesto e refletindo as

reservas em moeda internacional acumuladas em anos recentes. De-

pendendo de como a crise financeira de 2008 evolua, essas reservas

poderão diminuir bastante e o país poderá voltar ao status de devedor

internacional, em termos líquidos. Em compensação, a participação

da dívida interna continuava aumentando até 2005. Em dezembro de

2007, estava em 52% do PIB (<www.bcb.gov.br/pec/indeco/Port/ie4-

23.xls>. Acesso em: 6 abr. 2009.), mas a dívida líquida total conti-

nuou a cair, atingindo 43% do PIB na mesma data.

Figura 5: Evolução da dívida pública brasileiraFonte: Banco Central do Brasil (2007).

Obs.: DLSP = Dívida Líquida do Setor Público

Uma pergunta que os investidores fazem é se a dívida está num

nível alto demais ou não. Há países com coeficientes de dívida muito

mais altos do que o Brasil e, mesmo assim, não têm problemas.

O problema pode ocorrer quando a taxa de juros sobre essa dívida é

muito alta. Por exemplo, uma dívida pública de 50% do PIB combinada

com uma taxa anual de juros de 10% representa um peso orçamentário

de 5% do PIB. Um país com uma taxa de juros de apenas 1% gastaria

0,5% de juros em relação ao PIB. Dito de outra forma, quanto menor a

taxa de juros no país, maior é a dívida pública que o país suporta.

Page 107: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

107

Infelizmente, não é possível escolher a taxa de juros livremente.

Por exemplo, se a taxa de juros cair muito rápido, pode haver um estí-

mulo muito grande às compras a prazo para consumo e ao investimen-

to. Num contexto de capacidade de produção da economia utilizada

no limite, de modo que a produção não acompanhe esse aumento de

demanda, haverá pressões inflacionárias. Essa é uma das explicações

para que o Banco Central parasse de baixar os juros, via aumento da

oferta monetária, nos primeiros meses de 2008.

Outro exemplo é quando a queda de juros muito rápida altera a

relação entre os ganhos de investimento financeiro dentro do país versus

os retornos que se obtêm no exterior, podendo gerar uma debandada

de capitais, o que encarece as divisas estrangeiras. Quando os juros

aumentam lá fora, será preciso aumentar também aqui dentro, pelo

menos em parte. Por conta da crise financeira do final de 2008, muitos

países estão tendo que aumentar drasticamente suas taxas de juros jus-

tamente para evitar essas saídas de capital. Além disso, o Brasil vem

de um longo período de alta inflação em que as taxas de juros internas

eram muito altas, refletindo as incertezas quanto à capacidade do go-

verno em honrar a dívida pública. Essas incertezas eram reforçadas

pelas várias vezes em que o Brasil ficou sem condições de pagar a

dívida pública, principalmente a dívida internacional. Ao final dos anos

de 1950, houve um rompimento com o Fundo Monetário Internacio-

nal (FMI) por dificuldades de balanço de pagamentos, mas não houve

default*, termo conhecido popularmente como calote. Mas em 1987

houve calote da dívida externa brasileira e, em 1990, calote interno da

dívida pública, isso sem contar empréstimos compulsórios, com pro-

messa de devolução posterior, que depois sofreram calote. Esse histó-

rico seria um fator importante – entre os que levam a que o governo

brasileiro tenha que pagar taxas de juros das maiores do mundo –,

afetando indiretamente também os juros pagos pelos demais tomadores

de empréstimo no mercado financeiro. Esse maior juro reflete o prê-

mio de risco, também chamado de risco-país, que o país paga sobre a

taxa básica internacional. Basta que o risco-país suba para que haja

saída de capitais, eventualmente criando a necessidade de alterar a

taxa de juros interna.

GLOSSÁRIO*Default – termo deorigem francesa quesignifica a declara-ção de insolvênciado devedor decreta-da pelos credoresquando as dívidasnão são pagas nosprazos estabeleci-dos. A cláusula dedefault fez parte doscontratos assinadospelo governo brasi-leiro em seus em-préstimos ou avaiscom as instituiçõesfinanceiras interna-cionais. Fonte:Sandroni (1999).

Page 108: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

108

Curso de Graduação em Administração a Distância

Assim, os elementos que afetam a evolução da dívida em rela-

ção ao PIB são a taxa de juros, descontada a taxa de inflação, e a taxa

de crescimento do PIB. Se a taxa de juros, dada a taxa de inflação,

cresce mais do que o PIB, isso faz com que o serviço da dívida cresça

também mais rápido que o PIB. Se o serviço da dívida vai ganhar do

PIB depende, então, de como se comporta o déficit ou superávit das

contas públicas. Se houver um superávit primário positivo e que, por-

tanto, sobre dinheiro para pagar, pelo menos, parte dos juros, então é

possível que a dívida estabilize, ou até caia. Por exemplo, uma taxa de

juros de 8%, já descontada a inflação e abatido um crescimento anual

do PIB de 5%, aplicada sobre uma dívida de 50% do PIB, resulta

aproximadamente em (8% – 5%) (50%) ou 1,5% de acréscimo na ra-

zão dívida – PIB. Contudo, um superávit primário de 3% do PIB faria

essa razão cair 1,5%, pois essa economia cobriria os juros com folga.

Nesse exemplo, a dívida estaria totalmente sob controle e até haveria

possibilidade de o país aumentar um pouco seu endividamento.

Em linguagem financeira, diríamos que a dívida é sustentável.

Saiba mais... No Capítulo 11, Giambiagi e Além (2001) fazem um histórico

da evolução da dívida pública brasileira, comparando o tamanhodessa dívida com o de outros países e discutindo suasustentabilidade. O cálculo de nosso exemplo se baseia numa fórmu-la discutida por esses autores. Ela é bastante conhecida do mercadofinanceiro para prever a evolução da razão dívida-PIB, servindocomo uma das informações que influenciam o risco-país. Veja:GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas. 2.

ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

Page 109: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

109

Releia as páginas 118-

123 de Mendes et al.

(2007) e a Unidade 7

de Carvalho Jr.

(2008). Note que

Carvalho Jr. menciona

apenas as variações

dos gastos do governo

em vez de variações

do déficit, o que dá no

mesmo quando se

supõe como dado o

nível de tributação.

Estabilização e crescimento econômico

Evitar o desemprego generalizado ou a inflação é o que os eco-

nomistas chamam de política de estabilização econômica. O interes-

sante é que a forma como o Governo administra suas contas tem muito

a ver com isso.

Numa situação de desemprego generalizado, um aumento do

déficit público pode ser bom para a economia, pois esses gastos extras

aumentam a demanda de bens e serviços e, portanto, o emprego. Por

outro lado, se a economia estiver com pressões inflacionárias, a dimi-

nuição do déficit, ou a obtenção de superávit, é um dos instrumentos

para se conter a inflação. Alguns dos outros instrumentos envolvem o

controle da oferta de meios de pagamentos, da oferta de moeda estran-

geira e a administração de preços internos, como o salário mínimo e os

preços de algumas utilidades públicas. Por exemplo, alguns bens ou

serviços produzidos por empresas estatais, em princípio, têm seus pre-

ços determinados pela interação entre compradores e vendedores. Se

faltar uma mercadoria ou se seus custos de produção sobem, o preço

dela tende a subir. Contudo, como as empresas são controladas pelo

governo, a decisão sobre seus preços sofre influência política, que define

os momentos dos reajustes. Isso ainda acontece com os derivados do

petróleo no Brasil. Os remédios, apesar de produzidos quase totalmente

pelo setor privado, ainda têm seus preços controlados pelo governo.

No regime federativo, a política de estabilização é feita pelo go-

verno federal, por conta de ter o controle da moeda do país. Porém, os

objetivos nacionais nessa área precisam ser coordenados com os inte-

resses locais. Parte importante da dívida pública nos anos de 1990

surgiu dessa falta de coordenação, especialmente com os Estados. Os

governadores usavam os bancos estaduais para obter empréstimos e

para liberarem empréstimos em regiões específicas de seus estados,

nem sempre com critérios de viabilidade financeira. As empresas esta-

tais eram usadas para antecipações de receita orçamentária (ARO),

isto é, para o adiantamento do pagamento de impostos, que apareciam

como dívida no ano seguinte. Deixar de pagar os fundos de aposenta-

Page 110: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

110

Curso de Graduação em Administração a Distância

Para uma descrição do

FAT, das fontes de

recursos para esse

fundo e sobre seu uso,

veja BNDES (2008).

doria e atrasar pagamentos a fornecedores eram outras formas de au-

mentar a dívida local. O passo seguinte era repassar tais dívidas para o

Governo Federal, especialmente como moeda política em decisões im-

portantes no Congresso, muitas delas envolvendo a própria política de

estabilização. Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, esse problema

foi resolvido.

Um crescimento econômico sustentado difere de flutuações tem-

porárias do PIB e do nível de emprego em torno de uma situação de

pleno emprego, com eventuais pressões inflacionárias. O crescimento

sustentado ocorre quando os investimentos produtivos aumentam a

capacidade de produção das empresas de forma sustentada ano após

ano. Tais investimentos decorrem em grande parte das decisões das

empresas quanto a se arriscarem, ampliando sua capacidade produtiva

e conseguindo atrair financiamento do mercado financeiro, que pode

ser tanto de lucros não distribuídos aos acionistas como de investido-

res que compram novas ações delas. Além disso, essas empresas po-

dem tomar empréstimos de longo prazo no mercado financeiro. No

Brasil, esse financiamento é, em grande parte, feito via recursos públi-

cos. Esse é o caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, que

canaliza uma parte importante para o financiamento de empresas pú-

blicas e privadas por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social – BNDES e de outras instituições financeiras com

ele coligadas.

Quando o governo gasta mais do que arrecada e cobre esse défi-

cit com empréstimos internos, é preciso saber em que esse gasto adici-

onal é feito. Se for aplicado em investimentos, isso dará um acréscimo

ao investimento privado e ajudará no crescimento sustentado da eco-

nomia. Na verdade, os bens de capital privados dependem da

complementação por vários bens de capital construídos pelo governo.

Veja o caso das estradas, dos portos e aeroportos de propriedade esta-

tal, que indiretamente baixam os custos das empresas. Certos tipos de

investimento, como na produção e distribuição de energia elétrica, que

requerem grandes volumes de financiamento, envolvem não apenas

essa questão financeira, mas também um trabalho de planejamento de

longo prazo. Logo, se o déficit for usado para gastos correntes com

Page 111: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

111

natureza de consumo, isso significa que a dívida acumulada não só

terá que ter seus juros pagos pelas gerações futuras como estas terão

um ônus adicional de receberem menos capital do que poderiam ter,

com um padrão de vida afetado por isso. Por exemplo, as atuais gera-

ções ainda sofrem com a deterioração das estradas brasileiras, por conta

da falta de investimentos nas últimas décadas.

Nem todo gasto corrente, contudo, prejudica o crescimento eco-

nômico. Um Estado eficiente administrativamente pode oferecer bons

serviços à sociedade, os quais contribuem para o crescimento econô-

mico. Por exemplo, um Poder Judiciário eficiente é essencial para um

ambiente propício às atividades econômicas geradoras de emprego e

renda. Do mesmo modo, bons serviços públicos de saúde e de educa-

ção são essenciais, tanto para uma melhor qualidade de vida da popu-

lação, o que inclui uma menor exposição a doenças, especialmente as

epidemias, como para uma força de trabalho mais saudável e produti-

va, essencial numa fase de alto crescimento econômico.

RESUMO

Você viu, inicialmente, nesta Unidade, que o déficit pú-

blico é a diferença entre a despesa e a receita do setor público.

Contudo, sua variação é conjunta com a do PIB, de modo que

nas fases de crescimento forte da economia o déficit diminui,

pois a receita, que é aproximadamente proporcional ao PIB,

pode crescer mais rápido. Por isso, você viu a distinção entre

o déficit cíclico e o déficit estrutural. Déficits anuais têm im-

pacto sobre o tamanho da dívida pública. Em função disso,

você gostaria de saber se o governo tem dinheiro para, pelo

menos, pagar os juros da dívida pública? O superávit primário

mede essa sobra. Quanto maior for o superávit primário, mai-

or é a parte dos juros que o governo consegue pagar. Se esse

Page 112: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

112

Curso de Graduação em Administração a Distância

superávit for muito pequeno ou até negativo, a dívida pode

crescer de forma descontrolada e gerar uma crise fiscal. Ape-

sar disso, o governo pode aumentar o déficit público para au-

mentar o nível de atividade na economia a fim de controlar

situações de alto nível de desemprego. Mas, quando isso é

feito em situações de uso excessivo da capacidade produtiva

das empresas, ocorrem pressões inflacionárias.

Saiba mais...Nesta disciplina, você teve uma visão panorâmica de comoo Estado funciona, como ele afeta o seu dia-a-dia e seupadrão de vida. E nesta última Unidade, você viu que onível de emprego e a taxa de inflação são também influen-ciados pelo governo. Se você se interessar por estudar umpouco mais essas questões, além das atividades recomen-dadas ao longo da disciplina, recomendamos que busqueum livro de introdução à economia e o leia.

Um bom texto introdutório, com capítulos que tratam do setorpúblico, é:MANKIW, N. Gregory. Princípios de microeconomia. São Paulo:Thomson/Pioneira, 2005.

Recomendamos, ainda, os seguintes livros especializados, emboa medida acessíveis a você que estudou esta disciplina:GIACOMONI, James. Orçamento público. 14. ed. São Paulo:Atlas, 2007.GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas. 2.ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001.REZENDE, Fernando. Finanças públicas. 2. ed. São Paulo: Atlas,2001.

Com essas informações, você chegou ao fim do conteúdodesta disciplina. Parabéns!

Page 113: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

113

Atividades de aprendizagem

Você chegou ao final desta Unidade e deste material. Paracertificar-se de que entendeu toda a discussão, responda àsatividades propostas e encaminhe-as ao seu tutor através doAmbiente Virtual de Ensino-Aprendizagem. ImportanteImportanteImportanteImportanteImportante:não é aconselhável que você responda simplesmente comoestá no livro. O mais importante é a sua opinião crítica.

Você deve observar se atingiu os objetivos propostos nes-ta Unidade. Você é capaz de diferenciar as formas comoos setores público e privado cobrem seus déficits? Sabedescrever os diferentes tipos de déficit público? Conseguerelacionar o déficit primário com a capacidade de paga-mento da dívida por parte do setor público? Esses são osprincipais temas, desta Unidade, que você precisa ter totalcompreensão.

Bons estudos!

Caso precise de ajuda, não hesite em entrar em contatocom o seu tutor através do Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem.

1. Caracterize e enfatize a diferença entre os conceitos de déficit pú-blico nominal e déficit público primário. Contraste o déficit primáriocom o conceito, que discutimos no texto, de superávit primário.

2. Em que situações é adequado ter déficit público financiado porempréstimos que ampliam a dívida pública?

3. Visite o sítio <www.ipeadata.gov.br> e, na aba“Macroeconômico”, escolha “Sinopse macroeconômica”. Na tabe-la, procure os dados sobre Finanças Públicas. Se você clicar sobreos títulos de cada linha de dados, você terá acesso a gráficos mos-trando a trajetória de anos recentes da dívida pública, do superávitprimário (necessidades de financiamento – conceito primário) e dodéficit nominal (necessidades de financiamento – conceito nomi-nal), todos em relação ao PIB. Descreva as tendências de cada va-riável e avalie as perspectivas de o setor público brasileiro estarcom suas contas sob controle. (Limite: 10 linhas.)

Page 114: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

114

Curso de Graduação em Administração a Distância

REFERÊNCIAS

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de inflação, mar. 2007.Disponível em: <www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2007/03/ri200703b5p.pdf>. Acesso em: 8 mai. 2008.

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT. Disponível em:<www.bndes.gov.br/empresa/fundos/fat/default.asp>. Acesso em: 22mai. 2008.

BORBA, Julian. Ciência política. Florianópolis: Departamento deCiências da Administração. Curso de Graduação em Administração aDistância. Projeto Piloto Universidade Aberta do Brasil: UFSC/CSE/CAD, 2007.

BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Carga tributária no Brasil– 2007. Brasília, dez. 2008. Estudos Tributários, 20. Disponível em:<tinyurl.com/cdh3ng>. Acesso em: 26 fev. 2009.

CARDOSO, Fernando H.; FALETTO, Enzo. Dependência edesenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

CARNOY, Martin. Estado e teoria política. Campinas: Papirus,1986.

CARVALHO JR., Luiz C. Economia (micro e macro). Florianópolis:Departamento de Ciências da Administração. Curso de Graduaçãoem Administração a Distância. Projeto Piloto Universidade Aberta doBrasil: UFSC/CSE/CAD, 2008.

COSTA, Alexandre Marino; MORITZ, Gilberto de Oliveira; VITAL,Juliana Tatiane. Administração financeira e orçamentária.Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração. Curso deGraduação em Administração a Distância. Projeto PilotoUniversidade Aberta do Brasil: UFSC/CSE/CAD, 2008.

DOWNS, Anthony. Uma teoria econômica da democracia. SãoPaulo: Ed. USP, 1999.

FILELLINI, Alfredo. Economia do setor público. São Paulo: Atlas,1989.

Page 115: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

115

FREITAS, Luiz C. T. Tahuantinsuyo: o Estado imperial inca.Luzcom Multimakers, 1997. Disponível em: <www.luzcom.com.br/inca/livro/html/>. Acesso em: 23 out. 2008.

GAIGER-SILVEIRA, Fernando. Tributação, previdência eassistência sociais: impactos distributivos. 2008. Tese (Doutoradoem Economia Aplicada) - Universidade Estadual de Campinas,Campinas, 2008.

GIACOMONI, James. Orçamento público. 14. ed. São Paulo: Atlas,2007.

GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia. Finanças públicas. 2. ed.Rio de Janeiro: Campus, 2001.

KEYNES, John M. A teoria geral do emprego, do juro e damoeda. São Paulo: Atlas, 1982.

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa.Editora Objetiva. Versão 1.0. dez. 2001.

IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Cargatributária do 1° semestre de 2008. Estudos do IBPT. Disponível em:<www.ibpt.com.br>. Acesso em: 23 out. 2008.

JONES, Charles I. Introdução à teoria do crescimento econômico.Rio de Janeiro: Campus, 2000.

LACOMBE, Francisco J. M. Dicionário de administração. SãoPaulo: Saraiva, 2004.

LUNKES, Rogério J. Manual de orçamento. 2. ed. São Paulo: Atlas,2007.

MANKIW, N. Gregory. Princípios de microeconomia. São Paulo:Thomson/Pioneira, 2005.

MENDES, Carlos Magno; et al. Economia (introdução).Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração. Curso deGraduação em Administração a Distância. Projeto PilotoUniversidade Aberta do Brasil: UFSC/CSE/CAD, 2007.

REZENDE, Fernando. Finanças públicas. 2. ed. São Paulo: Atlas,2001.

Page 116: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

116

Curso de Graduação em Administração a Distância

RIANI, Flávio. Economia do setor público. 3. ed. São Paulo: Atlas,1997.

SANCHES, Osvaldo M. Dicionário de orçamento, planejamento eáreas afins. Brasília: Prisma, 1997.

SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. São Paulo:Best-Seller, 1999.

SANSON, João R. O fiscal do fiscal e o combate à corrupção.Atualidade Econômica, ano 20, n. 53, p. 7-11, ago. / dez. 2008.Disponível em: <www.cse.ufsc.br/gecon/boletim.htm>. Acesso em:30 out. 2008.

SCHUMPETER, Josef A. Capitalismo, socialismo e democracia.Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

SIMONSEN, Mário H.; CYSNE, Rubens P. Macroeconomia. 3. ed.São Paulo: Atlas, 2007.

SIMIONATTO, Ivete. Gramsci. 3. ed. Florianópolis: Editora daUFSC; São Paulo: Cortez, 2004.

STIGLITZ, Joseph; WALSH, Carl E. Introdução à microeconomia.Rio de Janeiro: Campus, 2003.

Page 117: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

Módulo 8

117

Page 118: LIVRO - ECONOMIA POLÍTICA - Finanças públicas - EAD

118

Curso de Graduação em Administração a Distância

João Rogério Sanson

Graduado em Economia pela Faculda-

de Católica de Administração e Economia -

FAE (1969), com mestrado em Desenvolvi-

mento Econômico (MA, 1973) e doutorado

em Economia (PhD, 1979), ambos pela Uni-

versidade Vanderbilt, EUA. Atualmente é pro-

fessor titular da Universidade Federal de Santa Catarina, depois de ter

ensinado na Universidade Federal de Pernambuco e na Universidade

Federal do Rio Grande do Sul. Ensinou Economia do Setor Público,

Estado e Economia, Microeconomia, Macroeconomia e Economia

Matemática. Como pesquisador, tem atuado principalmente nos temas

de mercado de trabalho, finanças públicas e microeconomia.

Currículo completo em: <http://lattes.cnpq.br/

6845817638745633>.