Livro Encontros e Caminhos Vol. 3

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  • Volume 3

    Formao de Educadoras(es) Ambientais e Coletivos

    Educadores

  • Ministrio do Meio AmbienteSecretaria de Articulao Institucional e Cidadania Ambiental

    Departamento de Educao Ambiental

    Encontros e Caminhos:Formao de Educadoras(es) Ambientais e

    Coletivos Educadores

    Volume 3

    Braslia 2014

  • Repblica Federativa do BrasilPresidenta: Dilma RousseffVice-Presidente: Michel Temer

    Ministrio do Meio AmbienteMinistra: Izabella TeixeiraSecretrio Executivo: Francisco Gaetani

    Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania AmbientalSecretria: Mariana MeirellesChefe de Gabinete: Antoniela de Vicente Borges

    Departamento de Educao AmbientalDiretor: Nilo Srgio de Melo DinizGerente de Projetos: Renata Rozendo Maranho (Jos L. Xavier - Substituto)

    Ministrio do Meio Ambiente, Departamento de Educao AmbientalEsplanada dos Ministrios Bloco B, sala 95370068-900 Braslia DFTel: 55 61 2028.1207 Fax: 55 61 2028.1757Centro de Informao e Documentao Ambiental CID Ambientale-mail: [email protected]

    Itaipu Binacional

    Diretor Geral BrasileiroJorge Miguel Samek

    Diretor de Coordenao e Meio AmbienteNelton Miguel Friedrich

    Superintendente de Meio AmbienteJair Kotz

    Gerente do Departamento de Proteo AmbientalSilvana Vitorassi

    Gerente da Diviso de Educao AmbientalLeila de Ftima Severgnini Alberton

    exclusiva sobre o contedo e as opinies emitidas, que no convergem necessariamente

    se por quaisquer danos ou perdas eventuais resultantes da distribuio desta obra, por quaisquer dos participes, isentando a ITAIPU e o MMA de qualquer responsabilidade. O propsito desta iniciativa incentivar o debate aberto e democrtico de ideias.

  • Formao de Educadoras(es) Ambientais e Coletivos

    Educadores

    Volume 3

    Repblica Federativa do BrasilPresidenta: Dilma RousseffVice-Presidente: Michel Temer

    Ministrio do Meio AmbienteMinistra: Izabella TeixeiraSecretrio Executivo: Francisco Gaetani

    Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania AmbientalSecretria: Mariana MeirellesChefe de Gabinete: Antoniela de Vicente Borges

    Departamento de Educao AmbientalDiretor: Nilo Srgio de Melo DinizGerente de Projetos: Renata Rozendo Maranho (Jos L. Xavier - Substituto)

    Ministrio do Meio Ambiente, Departamento de Educao AmbientalEsplanada dos Ministrios Bloco B, sala 95370068-900 Braslia DFTel: 55 61 2028.1207 Fax: 55 61 2028.1757Centro de Informao e Documentao Ambiental CID Ambientale-mail: [email protected]

    Itaipu Binacional

    Diretor Geral BrasileiroJorge Miguel Samek

    Diretor de Coordenao e Meio AmbienteNelton Miguel Friedrich

    Superintendente de Meio AmbienteJair Kotz

    Gerente do Departamento de Proteo AmbientalSilvana Vitorassi

    Gerente da Diviso de Educao AmbientalLeila de Ftima Severgnini Alberton

    exclusiva sobre o contedo e as opinies emitidas, que no convergem necessariamente

    se por quaisquer danos ou perdas eventuais resultantes da distribuio desta obra, por quaisquer dos participes, isentando a ITAIPU e o MMA de qualquer responsabilidade. O propsito desta iniciativa incentivar o debate aberto e democrtico de ideias.

  • Equipe Tcnica Nadja Janke Nilo Diniz Renata Maranho Silvana Vitorassi

    Colaboradores Leila de Fatima Severgnini Alberton Pawel Arkadiusz Wiechetek Rodrigo Launikas Cupelli

    Superviso Nilo Srgio de Melo Diniz (MMA) Silvana Vitorassi (Itaipu)

    Organizador Luiz Antonio Ferraro Junior

    Revisor Luiz Antonio Ferraro

    Impresso no Brasil Printed in Brazil

    Referencia para citao:

    FERRARO JUNIOR, L. A. (Org.).: Encontros e Caminhos: Formao de Educadoras(es) Ambientais e Coletivos Educadores Volume 3. Braslia: MMA/DEA, 2013. 452 p.

    Catalogao na Fonte

    Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    E56 FERRARO JUNIOR, L. A. (Org.). : Encontros e Caminhos: Formao de Educadoras(es) Ambientais e Coletivos Educadores Volume 3 Braslia: MMA/DEA, 2013.

    452 p.

    ISBN 978-85-7738-188-3

    1. Educao ambiental. 2. Planejamento. I. Ferraro Junior, Luiz Antonio. II. Ministrio do Meio Ambiente. III. Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania Ambiental. IV. Departamento de Educao Ambiental DEA/SAIC. V. Ttulo.

    CDU(2.ed.) 370.19

  • PREFCIO

    O modo de vida de nossa sociedade, em grande parte, est pautado por um padro de produo e consumo insustentveis, tendo em vista a degradao das relaes humanas, especialmente com os ambientes naturais e construdos.

    Uma nova postura individual e coletiva para a mudana nos modos de ser, viver, produzir e consumir vem surgindo nos ltimos anos. Acreditamos que ela precisa ser fortalecida e avanar.

    Nesse contexto, a Poltica Nacional de Educao Ambiental, estabelecida pela Lei 9.795/1999, assume uma funo estratgica, contribuindo diretamente para a transformao e formao de cidados e cidads, focados em colaborar para a construo de sociedades sustentveis.

    Com esse propsito, o Ministrio do Meio Ambiente por meio de seu Departamento de Educao Ambiental da Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania Ambiental uniu-se mais uma vez ITAIPU Binacional e a seu reconhecido Programa Cultivando gua Boa para apresentar aos educadores e educadoras esta publicao.

    Neste terceiro volume, o livro Encontros e Caminhos rene e apresenta reflexes conceituais e algumas iniciativas, nas diversas vertentes socioambientais, tendo sempre como fio condutor a Educao Ambiental, seus princpios, objetivos e diretrizes, consignados em lei.

    O encontro dos conceitos com as experincias vividas pelos educadores ambientais e por coletivos, redes e movimentos

  • educadores de diversas regies do Brasil desenham caminhos que podem e devem ser compartilhados.

    Ao celebrarmos esses encontros, com certeza, comeamos a trilhar e construir novos caminhos na transformao do nosso Pas.

    IZABELLA MNICA VIEIRA TEIXEIRA Ministra do Meio Ambiente

    JORGE MIGUEL SAMEK Diretor-Geral Brasileiro Itaipu Binacional

  • SUMRIO

    APRESEnTAO 13

    TExTO COlETIvO Encontros e caminhos por uma revoluo copernicana da educao ambiental 25

    AvAlIAO EDUCADORADaniel Brando e Rogrio Renato Silva 39

    COnFlITOS SOCIOAMBIEnTAIS Marco Malagodi 49

    COnSUMO SUSTEnTvElSamyra Crespo 65

    COnTROlE SOCIAl nO lICEnCIAMEnTO AMBIEnTAlGilberto Moraes de Mendona e Mnica Armond Serro 81

    ECOnOMIA SOlIDRIADaniel Tygel 91

    ECOEDUCAOLeonardo Boff 105

    ECOPOlTICARoberto P. Guimares 111

    ECOSSOCIAlISMOMichael Lwy e Joo Alfredo Telles Melo 121

  • EDUCAO POPUlARAline Cunha 131

    EDUCADOR AMBIEnTAl POPUlARMarcos Sorrentino 141

    EMPODERAMEnTO (vERSUS EMPODERAR-SE)Eda T. de O. Tassara, Helena Tassara e Hector Omar Ardans 155

    EnCOnTROSMauro Grn 166 GnEROMoema L. Viezzer 171

    GEOPOlTICALadislau Dowbor 185

    GESTO PARTICIPATIvANelton Friedrich 195

    GOvERnAnA HDRICAFranklin de Paula Jnior 207

    HEGEMOnIA E COnTRA-HEGEMOnIA E A PROBlEMTICA SOCIOAMBIEnTAlRoberto Leher 221

    InDICADORESCarlos Frederico B. Loureiro 233

  • MEDIAOFbio Abdala 245

    MEDIAO EDUCADORACarlos Rodrigues Brando 255

    PEDAGOGIA DO DESASSOSSEGO Fbio Alberti Cascino e Helio Hintze 273

    QUESTO InDGEnARicardo Burg 283

    SUBJETIvIDADEIsabel Cristina de Moura Carvalho 299

    TERRITRIOGlria Maria Vargas 305

    PlAnTAnDO RvORES, COlHEnDO EDUCAOSuely de Ftima Lemos Mendes, Maria Abadia C. Barberato, Alda Ilza de Lima, Llian Gomes da Silva Rocha, Henrique Rodrigues Marques e Maya Terra Figueiredo 315

    PROJETO TARUM vIDAJoanne Rgis da Costa e Jos Edison Carvalho Soares 323

    CAMInHOS DE vIDA nA MATAAna Roberta Gomes e Ana Cludia Fandi 335

  • EDUCAO PARA AlM DAS CERCAS DAS ESCOlAS RURAISLilian Silva Catenacci, Janailton Coutinho, Leandro Pinto Xavier e Sinevaldo Gonalves de Moura 343

    MAnEJO InTEGRADO DA SUB-BACIA HIDROGRFICA DO RIO DAS PEDRASAntnio Dumont Machado do Nascimento 357

    MUlHERES DE CORPO E AlGA CUlTIvO E BEnEFICIAMEnTO SUSTEnTvEl DE AlGAS MARInHASMaria Leinad Vasconcelos Carbogim e Antnio Jeovah de Andrade Meireles 369

    MARAvAIASocorro Damaseno, Eneida de Melo e Zhumar de Nazar 379

    CESCAR COlETIvO EDUCADOR DE SO CARlOS, ARARAQUARA, JABOTICABAl E REGIOHayde Torres de Oliveira, Isabel G. P. Dominguez e Silvia Aparecida Martins dos Santos 391

    COlETIvO EDUCADOR DA BACIA DO PARAn 3Valria Crivelaro Casale, Leila de Ftima S. Alberton e Cristiana Rocker 403

  • COEDUCASandro Tonso 415

    EDUCAO AMBIEnTAl nO lICEnCIAMEnTOMnica Armond Serro e Gilberto Moraes de Mendona 427

    PROGRAMA DE EDUCAO AMBIEnTAl DE ITAIPU Silvana Vitorassi 441

  • 13

    APRESEnTAO

    fundamental diminuir a distncia entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prtica.

    Paulo Freire

    O Ministrio do Meio Ambiente, no mbito do rgo Gestor da PNEA (MEC e MMA), e a Itaipu Binacional renem neste terceiro Encontros e Caminhos um grupo renomado de educadores e educadoras para, juntos, apresentarmos textos conceituais e relatos de experincias que possam contribuir para um novo momento de expanso da educao ambiental e de mudanas em nosso pas. Trata-se, por isso, de um exerccio coletivo e educador em cujos primeiros passos, ainda no final de 2012, no se imaginava a ecloso das manifestaes pblicas ocorridas em todo o Brasil, principalmente durante a Copa das Confederaes, ao longo do ms de junho de 2013.

    Pode-se dizer que ndios Terena, do Mato Grosso do Sul, e seus parentes Munduruku, do Par, prenunciaram este movimento, em maio, ocupando fazendas no Mato Grosso do Sul ou reivindicando contrapartidas ante impactos de usinas hidreltricas na Amaznia. Dias aps, jovens, e depois famlias, em diversas cidades do pas, passaram a clamar nas ruas contra o aumento de passagens de nibus e, ironicamente, por um padro Fifa na sade, na educao e em outras polticas pblicas, quase sempre hostilizando partidos e polticos, de forma geral. Longe de justificar possveis exageros, vale destacar que alguns mais exaltados chegaram a depredar e queimar nos centros urbanos, simbolicamente, alguns cones de controle e poder.

  • 14

    Esses atos pblicos, com violncia ou pacificamente, exigiram mudanas e, por isso, podem ser vistos tambm como encontros por novos caminhos para o nosso pas.

    Os textos e relatos deste terceiro Encontros e Caminhos, de certo modo, dialogam com este contexto, e no apenas porque ndios, jovens, diversidade, transformao e educao estejam em pauta, l e aqui. As iniciativas e conceitos desenvolvidos nas prximas pginas procuram articular ideias e aes tambm no caminho de um outro Brasil possvel. Ainda que avanos importantes sejam reconhecidos nestes primeiros anos do novo milnio, em termos de incluso social, democracia participativa que, alis, propiciaram a mobilizao dessa juventude bem como na poltica pblica de educao ambiental - desde a promulgao da Lei 9.795, de 1999, e depois da edio participativa do Programa Nacional de Educao AmbientalProNEA (2004/5) - muito mais a sociedade brasileira reivindica, justamente.

    Como se afirma no primeiro texto, fruto do debate entre autores e autoras desta publicao, em referncia a uma revoluo copernicana da educao ambiental, este Encontros e Caminhos se destina a pessoas e coletivos que trabalham pela transformao social. A educao ambiental se concretiza nos movimentos dos direitos humanos, dos sem-terra, dos recicladores catadores, da agricultura familiar, dos movimentos de mulheres, entre outros.

    Os demais textos e experincias que comentamos a seguir - confirmam, em diferentes pontos de vista, o amplo escopo em que se desenham os conceitos relacionados ao tema da educao ambiental popular, participativa, crtica e emancipadora.

    No texto sobre Avaliao Educadora, Daniel Brando e Rogrio Renato Silva enfatizam que a avaliao das atividades

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    socioambientais em nosso pas demanda rupturas, com uma lgica diferente de meros julgamentos externos, pelo cumprimento ou no das intenes dos projetos, programas e prticas. preciso valorizar processos participativos para a autonomia dos sujeitos.

    Malagodi, por sua vez, no texto sobre Conflitos Socioambientais, cita Marilena Chau (2003) para afirmar que impedir a expresso dos conflitos sociais seria destruir a democracia. Entre eles, o conflito socioambiental tambm um fenmeno que se relaciona com fatores de transformao ou de conservao de uma dada ordem social.

    Duas polticas pblicas so discutidas por autores com experincia em gesto. O padro de produo e consumo da sociedade abordado por Samyra Crespo, reconhecendo a Lei de Resduos Slidos e o Plano de Produo e Consumo Sustentveis do Ministrio do Meio Ambiente, apoiados pela Poltica Nacional de Educao Ambiental, como referncias fundamentais mudana de hbitos e atitudes no pas.

    Mnica Serro e Gilberto Mendona lidam com um possvel instrumento agregador dessa sustentabilidade, o licenciamento ambiental. Os autores destacam a desigualdade estrutural da sociedade e defendem que o conceito de controle social deve compreender o fortalecimento e no (n)o esvaziamento das instituies pblicas estatais. Isto , o controle social deve visar ao aprofundamento democrtico do Estado, concomitantemente ao estmulo organizao dos grupos sociais em situao de vulnerabilidade aos impactos.

    As convergncias e pontes entre a Economia Solidria e a Educao Ambiental so tema de Daniel Tygel, que recolhe elementos comuns aos dois temas - como o olhar atento forma como cada produto que consumimos produzido - e apresenta conceitos, propostas de atividades e mtodos de avaliao para educadoras/es

  • 16

    ambientais que desejem abordar a economia solidria em suas aes educativas.

    muito semelhante ao que prope o processo de Ecoeducao, tratado por Leonardo Boff. Ele abre o seu texto afirmando que a educao tradicional que repassa os saberes acumulados do passado, que se faz crtica e criativa para fazer avanar as pessoas e as sociedades hoje insuficiente. Boff apresenta um novo sentido de interdependncia, onde devemos fazer uma nova aliana global para cuidar da Terra e uns dos outros. O processo educativo deve desenvolver tambm um sentido espiritual da vida, muito alm de meramente produzir e consumir.

    Mas cuidar implica tambm reconhecer que o ambiente origem e destino de tudo que caracteriza e nos permite ser humanos. O conceito de Ecopoltica, descrito por Roberto Guimares, surge do reconhecimento de que a superao da crise civilizatria dos dias de hoje, provocada, entre outras coisas, por mudanas ambientais globais, depende de decises polticas que tero que ser tomadas. Sobre interdependncia, Guimares recorre concepo holstica para ressaltar a necessidade de se compreender as inter-relaes cada vez mais ntimas e exigentes entre humanos e a natureza, at porque a vida, em sua expresso natural e social, est sempre de algum modo conectada.

    Interdependncia e totalidade se encontram tambm nas reflexes de Michael Lwy e Joo Alfredo Telles Melo, quando iniciam o seu texto sobre o Ecossocialismo com uma rara expresso de precocidade sustentabilista de Karl Marx: mesmo uma sociedade inteira, uma nao, ou mesmo todas as sociedades existentes num dado momento em conjunto, no so donas da Terra. So simplesmente suas possuidoras, suas beneficirias, e tm que a legar, num estado melhorado, para as geraes seguintes, como bons pais de famlia.

  • 17

    A Educao Popular se inspira em contextos como este e, segundo a feminista e gremista Aline Cunha, se faz em dilogo com homens e mulheres que, em suas vivncias, conhecem e criam, contribuindo com sua cultura e vises de mundo. O compartilhamento emancipador de sujeitos sociais, agentes e pensantes se contrape expectativa unilateral, populista e salvacionista. Por isso, a autora afasta o para, no ensinar e aprender, para o com da educao popular. Na viso freiriana, o processo educativo demanda formao tcnica, cientfica e profissional, mas tambm sonho e utopia, o que implica participao e corresponsabilidade. Ou como dizia o baiano Raul, sonho que se sonha junto realidade.

    No caso do Educador Ambiental Popular, Marcos Sorrentino aproxima interdependncia e compartilhamento pessoa do educador, da educadora e de suas convices, que no se deve impor a outros. Cabe perseverar na disposio em estender ao grupo o que nos faz bem e nos ilumina, compreendendo e respeitando outras opes e necessidades. Primeiro, a motivao precisa que as posies sejam apresentadas individual e coletivamente. Depois, cabe exercitar-se cotidianamente a humildade, deixando fora a vaidade e a presumida ou desejada liderana, por si mesma. Isso no quer dizer indiferena, desnimo. Liderar decorrncia da disposio permanente em cooperar e auxiliar.

    Carlos Rodrigues Brando procura situar este debate no campo da Mediao Educadora. Gestos de enfrentamento e de crtica, mas igualmente gestos de afeto e de meditao profunda. Gestos de relao humana e de trabalho produtivo que, a uma s vez, criam em ns, e entre ns, os atos estendidos desde o mais amplo sentido unitrio e espiritual do nosso ser, at a prtica profissional e quotidiana dirigida a uma ao especializada em qualquer coisa. Fazer a ns mesmos cada vez mais humanos, envolve uma busca pessoal e universal da verdade, algo no ilusrio em torno de segredos que nos constituem,

  • 18

    bem como Vida, at a ordem incomensurvel do Cosmos. Mesmo que seja por meio da pesquisa e do estudo, o saber no est circunscrito atividade intelectual.

    Mas antes que se desperte uma crtica ao subjetivismo, Isabel Carvalho, em seu texto sobre Subjetividade, alerta quanto a qualidade de ser subjetivo que costuma, no senso comum, trazer algo de negativo, usada como sinnimo de vago, impreciso ou ento muito pessoal. Em oposio, instala-se o julgamento objetivo, com um sentido mais positivo. Ela chama a ateno para o que pode ser uma valorao ideolgica, que fecha os olhos para o fenmeno humano social e individual, cultural e natural, psquico e biolgico, objetivo e subjetivo. Isso nos parece essencial quando se navega no campo da educao.

    Partilhar poder, empoderar, educao emancipadora. Hector Ardans, Helena e Eda Tassara tratam de Empoderamento propondo tornar clara essa associao, o que pressuposto ao planejamento da educao orientada propositadamente para a emancipao. Empoderar-se significaria ser capaz de conduzir decises sob a tica do bem comum, assentada sobre processos reflexivos alimentando os espaos de locuo emancipatrios. Empoderar buscar autonomia e esclarecimento, o que compreende necessariamente uma anterioridade reflexiva, que os autores referenciam nos conceitos de self - si mesmo - e ao comunicativa.

    Diferentes olhares e caminhos que sugerem conectividades se fundamentam nos Encontros de Mauro Grn. Este autor resgata a filosofia do holands Baruch de Spinoza para discutir um conceito caro educao ambiental: a interconexo com a natureza. Somos hspedes da Me Terra, segundo quchuas e aymars, ou Tekoh, a casa-me dos tupis-guaranis, ou ainda Gaia. Consoante com esses encontros, assim

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    que Moema Viezzer comea tratando de Gnero, como tema transversal que no se restringe mais a especialistas, ativistas, disciplinas, currculos, programas. Aes afirmativas pela equidade de gnero compreendem tambm uma viso mais integrada do humano no ambiente. Trata-se de uma aprendizagem que, em ltima instncia, se resume em aprender a partilhar o poder, o saber, o prazer e o bem querer entre mulheres e homens convivendo em sociedade e com os demais seres da Natureza.

    Partilha do poder tema tambm de Ladislau Dowbor, ao definir Governana como o mapa do poder, um conceito que envolve governo, mas tambm os segmentos econmicos e sociais que participam das transformaes de um pas. Franklin de Paula Jnior coloca gua neste debate, focando na Governana Hdrica. Ele prope resignificar mais amplamente a gesto das guas, reconhecendo o ecolgico, econmico, social, poltico, cultural, religioso como valores fundamentais, bem como a expresso de diferentes lgicas, olhares e vozes e assegurando a participao dos diversos atores no processo de governana.

    Uma reflexo sobre a prtica dessa governana, inclusive hdrica, discutida por Nelton Friedrich (A mudana de fato), num contexto crtico em relao necessidade de senso tico e de urgncia para superar-se a insensatez do crescimento ilimitado, da produo infinita, da ganncia autodestrutiva, do consumismo insacivel e da desigualdade social e, assim, alcanarmos uma Terra sustentvel, saudvel, justa e equitativa.

    Em Hegemonia e Contra-Hegemonia, Roberto Leher recorre aos conceitos de ttica e estratgia, de origem militar, para falar dessa transformao historicamente necessria. Agrega ao debate a contribuio de Antnio Gramsci para incluir a importante funo de movimentos sociais antissistmicos, crticos ao neodesenvolvimentismo. Menciona a educao do campo, dos sem-terra, a agroecologia, as comunidades

  • 20

    quilombolas e as reservas extrativistas, alm de iniciativas culturais, como o hip-hop, que tm propiciado iniciativas auto-organizadas de educao.

    Mas... para aonde vamos, como e quando? Estar dada e pronta esta resposta? Ser viva e dinmica uma educao sem dilogo e controvrsia? Na Pedagogia do Desassossego, Fbio Cascino e Hlio Hintze propem que o intelectual no se acomode a uma zona de conforto. O dilogo pressuposto do processo educativo, e esse dilogo supe tambm provocao, dvidas, diferenas. Cabe /o intelectual e /o educador/a mergulhar na dvida e incerteza, fazer saber que o cho est a se mover, faz-lo mover...

    Nesse terreno, por vezes movedio, naturalmente abre-se espao para processos de Mediao, que Fbio Abdala procura desenvolver, inspirado tambm em sua experincia. Entre diferentes interesses, a cooperao recurso para identificar convergncias, equacionando controvrsias, mesmo que no as elimine; nem o caso. O olhar e o dilogo sobre a tenso e a dificuldade necessria capaz de gerar caminhos para a sustentabilidade.

    A mediao e o dilogo so peas essenciais para compreendermos a Questo Indgena, considerando a linha tnue que coloca os povos indgenas entre alteridade e como formadores da sociedade brasileira. Ricardo Burg nos aponta a complexidade de fatores que envolvem essa temtica, nos ajuda a desconstruir alguns esteretipos e a construir novas narrativas. O tema emerge como pea fundamental de uma sociedade pluritnica e multicultural que s pode surgir em um campo relacional, no fazer social que educativo, e busca sentidos de identidade e identificao para o desenvolvimento de processos pedaggicos e de educao ambiental.

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    Voltamos ao tema das conexes e interdependncias. Possivelmente, numa sociedade indgena, seja mais aproximado e visvel os trnsitos entre uma dimenso onrica e espiritual, a vida social e cultural, o ambiente natural e o territrio.

    No Territrio, Glria Maria Vargas abre o seu texto com uma citao de Roger Brunet: todo grupo humano, por mais primitivo que seja, vive em algum lugar e organiza seu hbitat. Apropria-se de um territrio ao qual lhe agrega valor, no sentido figurado e pleno do termo. Utiliza tanto os grandes e mnimos recursos, quanto as diferenas do territrio. , portanto, resultado de um processo social que se apropria e transforma o espao. o que coloca em trs dimenses (concreto) a sociedade. Muda a prtica social, muda o territrio. Isto indica que o territrio muda sempre, com uma sociedade que se constri e territorializa.

    Finalmente, no campo das reflexes, hora e lugar de se pensar Indicadores da educao ambiental. Esta contribuio de Carlos Frederico Loureiro, que compreende o processo educativo muito alm da apropriao e produo de conceitos, ainda que seja um momento importantssimo do fazer educacional. Ele aponta outros aspectos a se considerar na avaliao sobre o que acontece ou est ocorrendo no ato educativo. Os indicadores precisam verificar aspectos como: motivao, participao, adequao de linguagem ao pblico, qualidade das discusses, conhecimento adquirido, comportamentos, condutas e prticas originadas, capacidade de atuao organizada e coletiva na vida pblica, entre outros.

    Esse um grande desafio a ser enfrentado num campo muitas vezes considerado difuso, cheio de boas intenes, essencialmente qualitativo, onde parece haver um enorme hiato entre a sua grande capacidade temtica, mobilizadora, participativa e dialgica, por um lado, e

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    suas possibilidades de afirmao e reconhecimento fora do ninho ambientalista, por outro.

    por isso tambm que Encontros e Caminhos 3 agrega um conjunto de experincias fundamentais confirmao desse campo de conhecimento, habilidades e atitudes, direcionadas para a transformao.

    Os coletivos educadores esto bem representados pelas experincias to exitosas quanto desafiadoras do CESCAR (So Carlos/SP e regio), que idealizou e desenvolveu o Projeto Viabilizando a Utopia; do Coletivo da Bacia do Paran 3, que articula aes de educao ambiental formal e no formal em 29 municpios do territrio; do Coletivo Educador Ambiental de Campinas/SP, que trabalhou em todo o municpio; e do Maravaia, o Coletivo Educador Tem Jeito Sim, que rene educadores e educadoras de municpios situados s margens da Rodovia Transamaznica, no Estado do Par.

    O edital de Boas Prticas do Programa de Educao Ambiental e Agricultura Familiar PEAAF (2012), do DEA-MMA, tambm propiciou uma diversidade de iniciativas educativas em todo o pas. o caso do projeto Plantando rvores e Colhendo Educao, desenvolvido em comunidades do Distrito Federal, com Permacultura, Agricultura Orgnica e Sistemas Agroflorestais. O Projeto Tarum Vida trabalha com comunidades do Assentamento Tarum-Mirim, na zona rural de Manaus/AM. Caminhos de Vida na Mata uma experincia de formao de educadores ambientais do entorno da Reserva Biolgica de Una, no Sul da Bahia. O projeto Educao alm das Cercas das Escolas Rurais trabalha com agroecologia na Comunidade Gruta Bela, municpio de Bom Jesus, no Piau. O Manejo Integrado da Sub-bacia do Rio das Pedras se localiza no municpio de Glaucilndia, no norte de Minas Gerais, dentro da regio do polgono da seca, no bioma Cerrado. Finalmente, Mulheres de Corpo e Alga desenvolve-se no

  • 23

    municpio de Icapu, no Cear, sendo responsvel pela volta do banco de algas marinhas e, por conseguinte, da pesca, dos pescadores e de uma alternativa de gerao de renda naquela parte do litoral cearense. Outra experincia de enraizamento da educao ambiental na Bacia Hidrogrfica do Paran 3 foi desenvolvida, desde 2003, quando a ITAIPU Binacional passou a incorporar o desafio da sustentabilidade em seu cardpio de aes, com destaque para o Programa Cultivando gua Boa CAB, tendo a educao ambiental como centro da gesto do ambiente.

    Entre os relatos de experincias, foi importante situar tambm a Educao Ambiental no Licenciamento, com iniciativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA), especialmente a partir da Diretoria de Licenciamento (DILIC) e da Coordenao Geral de Petrleo e Gs (CGPEG).

    Esses Encontros e Caminhos continuam refletindo sobre conceitos e difundindo iniciativas. A prtica o critrio da verdade. Nosso objetivo cooperar e auxiliar com a militncia da educao ambiental na sociedade, no estado ou na academia, de forma a conectar e revitalizar a poltica ambiental cada vez mais afinada com um sentido da vida que movimento e mudana. Como disse Nelson Mandela, a educao a arma mais poderosa que voc pode usar para mudar o mundo.

    Jos Vicente de Freitas - CGEA/MEC

    Nilo Srgio de Melo Diniz - DEA/MMA

    (Representantes do rgo Gestor da PNEA)

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    TexTo ColeTivo

    Encontros e caminhos por uma revoluo copernicana da educao ambiental

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    TExTO COlETIvO1

    Encontros e caminhos por uma revoluo copernicana2 da educao ambiental3

    Luiz Antonio Ferraro Junior, Nadja Janke, Lucilei Bodaneze, Hlio Hintze, Renata Maranho, Isabel Dominguez, Roberto Guimares, Rodrigo Cupelli, Moema Viezzer, Silvana Vitorassi, Aline Cunha, Ana Roberta Gomes, Marco Antonio Sampaio Malagodi, Fbio Cascino, Marcos Sorrentino, Janailton Coutinho, Elisabeth Galego Arcas, Hildete Aparecida da Silva Sousa, Antonio Jeovah de Andrade Meireles, Jos Edison Carvalho Soares, Joo Alfredo Telles, Maria Leinad Carbogim, Leila de Ftima Severgnini Alberton, Michelle Caroline Ferronato, Mauri Jos Schneider, Ricardo Burg, Sandro Tonso e Valria Casale

    No se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo quando este lhe descreve as cidades visitadas em suas misses diplomticas, mas o imperador dos trtaros certamente continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e ateno do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores. Existe um momento na vida dos imperadores que se segue ao orgulho pela imensa amplitude dos territrios que conquistamos, melancolia e ao alvio de saber que em breve desistiremos de conhec-los e compreend-los, uma sensao de vazio que surge ao calar da noite (...) Somente nos relatrios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir, atravs das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho to fino ao ponto de evitar as mordidas dos cupins. (Italo Calvino, As Cidades Invisveis).

    Nossas histrias e as marcas perenes que elas podem deixar em ns mesmos e nos territrios no podem ficar invisveis. Precisamos aprender a reconhec-las, costur-las, marcar os caminhos percorridos, como forma de nos apoiar mutuamente em nossas trajetrias que so, ao mesmo tempo, individuais e coletivas.

    1 Por se tratar de um texto coletivo, fruto da sistematizao de uma oficina intensa, no se pode dizer que todas as ideias aqui expressas sejam igualmente compartilhadas por todos os seus autores que, muitas das vezes, durante a oficina e a elaborao do texto, democraticamente, concordaram plenamente em discordar!2 Para compreender a ideia de revoluo copernicana, sem com isso aderir ao pensamento de Kant, apresen-tamos um resumo do uso que o autor fez da mesma: Trata-se aqui de uma semelhana com a primeira ideia de Coprnico; no podendo prosseguir na explicao dos movimentos celestes enquanto admitia que toda a multido de estrelas se movia em torno do espectador, tentou se no daria melhor resultado fazer antes girar o espectador e deixar os astros imveis.3 Este texto coletivo resulta de debate realizado entre autores e representantes de experincias, acima lis-tados, durante a Oficina do livro Encontros e Caminhos vol. 3, realizada entre 18 e 19 de maro de 2013, no Ecomuseu de Itaipu/Foz do Iguau-PR. O material original de relatoria foi preparado por Lucilei Bodaneze Rossasi/IB, Luiz Ferraro e Nadja Janke.

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    Esta a busca da srie Encontros e Caminhos. Este livro se destina a pessoas e organizaes que atuam pela transformao social e que consideram a questo ambiental (socioambiental) como parte integrante deste desafio. Muitos dos textos que esto presentes neste livro, ainda que pensados de modo didtico e com vrios mecanismos facilitadores (sugesto de livros, filmes, questes prticas, relatos de experincias, etc.), encontraro eco e faro sentido para pessoas interessadas e engajadas na educao ambiental e outras militncias transformadoras. Militantes, educadores e educadoras socioambientais, educadores e educadoras populares, precisam estudar e praticar. Pois, no h textos, relatos ou exemplos que possam substituir experincias, vivncias e reflexes de cada pessoa e de cada coletivo educador, comunidade de aprendizagem, rede ou crculo de cultura.

    Tambm preciso ampliar o conjunto de pessoas, de movimentos, de ncleos de resistncia e proativos, de coletivos educadores. Entretanto, este livro talvez no faa sentido imediato para quem ainda no est participando ou antenado com estes processos. E aproveitamos para convidar voc a conhecer, se ainda no conhece, as outras duas edies da srie Encontros e Caminhos. A Poltica Nacional de Educao Ambiental (PNEA) e de Meio Ambiente (PNMA) precisam de mais educadores, para ter mais gente trabalhando com os demais, mais intermedirios mediadores, que so pblico referencial deste livro. Da mesma forma, temos que falar de EA para quem no da rea, para construirmos convergncias. Devemos encontrar os diversos territrios de resistncia, contribuir com a formao ambiental das suas lideranas, dialogar com outros grupos, no apenas os ambientalistas. preciso ecologizar a educao na vida cotidiana, onde todos so aprendizes na educao socioambiental. preciso romper fronteiras geogrficas e mentais, idearias (tericas), culturais, setoriais. O espao da educao ambiental, do qual ns somos parte, deve estar presente e ocupar um lugar central na vida cotidiana, no sistema escolar e na gesto ambiental.

    Conjuntura

    Quando uma editora apresenta um livro, ela normalmente avaliou o potencial mercado desta publicao. No caso da srie Encontros e Caminhos, o desafio um pouco distinto. Em primeiro lugar, este livro no ser vendido, mas entregue gratuitamente para companheiros, companheiras e simpatizantes da educao ambiental. Assim, para pensar a chegada deste livro, os autores e autoras no discutiram sobre o seu mercado, mas sobre o lugar da educao ambiental neste momento do pas.

    A primeira questo que se coloca a da descontinuidade das polticas, dos programas e projetos em educao ambiental, desde a promulgao da lei 9.795/1999, que, na atualidade, pode ser considerada, tambm, um reflexo do contexto macropoltico da questo ambiental. Para alguns de ns, educadoras

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    e educadores ambientais, essa descontinuidade no processo de construo da poltica ambiental, est espelhada na permanncia de desafios e fatores de degradao. A degradao da vida tem sido agravada por uma pasteurizao da rea. medida que o discurso ambiental se expande na sociedade, ganhando adeptos, cresce tambm entre setores mais conservadores da sociedade.

    A degradao envolve desde a base gentica da biodiversidade e agrodiversidade at culturas e etnias. Se nos anos 1960, as discusses ambientais eram consideradas romnticas, a partir da Rio-92 muitas delas foram absorvidas mas tambm tornadas light, palatveis, arrefecendo o enfrentamento aos impactos do modelo de desenvolvimento.

    Afortunadamente, a educao ambiental no foi amplamente cooptada por uma lgica de ajuste ao mercado. Existe uma tenso cada vez mais explcita entre alguns discursos e muitas prticas de sustentao da lgica capitalista dominante, por um lado, e algumas prticas e muitos discursos (!) em favor de sociedades sustentveis. A tenso historicamente necessria, sendo a base material da dialtica que continua presente. No se pode, portanto, generalizar, minimizando e enfraquecendo os discursos contra-hegemnicos. Prova disso este livro Encontros e Caminhos 3.

    As tenses e controvrsias na rea ambiental, a exemplo dos embates em torno do cdigo florestal e questes referentes ao marco legal do licenciamento, representam para alguns de ns, um retrocesso, o que tambm matria de controvrsia. De todo modo, concordamos que preciso encontrar as vozes e as foras sociais que olham o presente e as futuras geraes. O enfrentamento precisa ser mais bem organizado. Os movimentos esto pulverizados, mais reativos, pouco articulados e com baixa capacidade para pautar o governo. Se para Gramsci o partido seria um moderno prncipe, na atualidade no vemos um espao orgnico bem definido para produo de uma contraproposta (contra-hegemonia). Embora haja movimentos ocorrendo em todos os lugares e nas mais variadas dimenses, no Brasil e no mundo, o que acontece que, geralmente, eles se tornam invisveis ou so minimizados ou silenciados por urgncias ou o barulho da celebrao do capitalismo mercantil e seus valores individualistas. H, ainda, uma dificuldade no dilogo entre os que pensam diferente e uma carncia de espaos de produo coletiva. Faltam redes e centros articulados, reunies que juntem os movimentos. E se esse movimento j existe, se encontra latente ou no, urge encontr-lo no nosso cotidiano, para fortalec-lo, para torn-lo expresso, intenso e extenso!

    Na prtica isso acontece. Talvez para a academia no fique to claro, mas vale citar a lgica de Michael De Certeau na Inveno do Cotidiano: nunca tome o outro por idiota. Pode no ser no nvel estratgico, mas no nvel ttico o

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    que ocorre sempre a reapropriao dos espaos, dos discursos, dos usos. ingenuidade ou prepotncia pensar que o cidado apenas refm de uma lgica perversa. Ele co-cria, compe, participa, em um processo que pode ser denominado de bricolagem.

    importante visualizar formas para aprimorar as estratgias de expanso do ambientalismo crtico frente ao ambientalismo de perfil tecnicista hegemnico. de responsabilidade tambm da comunidade socioambientalista propor polticas, criticar e ir ao dilogo com os governos, onde e quando couber.

    As lideranas devem agora cobrar e colaborar com os governos para agir frente crise. Precisa-se de um ambientalismo revigorado, com menos discursos e mais prticas educativas pautadas pela educao popular, formal, no formal e informal, em comunidades de aprendizagem, escolas, por mltiplos ncleos, indivduos e coletivos educadores.

    Desafios e caminhos para revolucionar a EA

    A EA deve trabalhar e explicitar essa tenso (produtiva) entre uma EA crtica/antissistmica e uma EA funcional, pois ambas no possuem os mesmos princpios. preciso afirmar que EA muito mais do que racionalizar gua individualmente, seja fazendo xixi no banho ou escovando os dentes com torneira fechada. Para uma EA crtica, por exemplo, campanha focada em aes individuais ser apenas um pequeno movimento, o comeo de um longo percurso, nunca um fim em si. Toda a EA que se limita a ajustes pontuais, ainda que relevantes tambm, mas sem considerar contextos, no ser crtica e abrangente. A EA funcional cumpre o papel de ajuste ao sistema, sem question-lo ou impulsionar a necessria transformao. preciso se fazer um convite a essa linha da EA a se contextualizar, a buscar na ao individual um caminho de superao ao individualismo ilusrio e consumista. A questo ambiental est na sociedade, entre os desafios polticos de sua transformao. preciso trazer a ecologia poltica para a EA.

    Tambm necessrio explicitar a base conceitual que orienta a EA. Tal explicitao dialoga com a ideia da crtica, coerente em sua essncia com a prtica, valoriza a produo da EA em um contexto dialtico . Entretanto, para se explicitar e vivenciar positivamente a tenso necessria uma crtica com acolhimento e respeito s diferenas.

    O papel da EA crtica formar pessoas para trabalhar com polticas pblicas, com coletivos, com grupos, indivduos, atores sociais e comunidades. Assim, a EA pode ser pensada a partir das polticas, dos coletivos e dos movimentos sociais. O movimento de mulheres, por exemplo, traz elementos essenciais para

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    a educao popular ambiental ao desvendar a relao desigual entre as duas grandes esferas da vida humana: a produo de bens/servios e a reproduo da vida e sua manuteno e desenvolvimento. Para o MST, por exemplo, a agenda do popular a da resistncia e sua produo deve ser feita em parceria com movimentos, com a totalidade do tecido social, sem abrir mo de seus iderios. Devemos reconhecer a EA na agricultura familiar e nos movimentos sociais camponeses (luta histrica dos movimentos sociais) que no so apenas por terra, mas, tambm, por outras questes; o conhecimento dessas experincias, bem como dos novos movimentos e redes sociais, tambm pode ampliar nossa articulao e atuao.

    A partir do ambiente, podemos e precisamos trabalhar questes de direitos humanos, da justia ambiental, etc. Como fazer para territorializar a produo em EA, para incorporar dialeticamente conhecimentos cientficos aos processos das prticas do territrio.

    Os espaos da EA relacionam-se aos diferentes territrios de vida, ao que est acontecendo nesses lugares, aos limites e possibilidades. A EA precisa instrumentalizar a populao (grupos sociais, movimentos sociais, etc.) para suas questes (Programa de Acelerao do Crescimento, Defesa, cultura, movimentos sociais, luta indgena, etc.). A EA pode se voltar s questes ligadas ao direito que deveriam ser levadas em considerao para educar. Como garantir territrios e demonstrar que existem outras possibilidades de vida, de qualidade de vida? Os modos de vida tradicionais e os territrios relacionados a eles so muito mais que uma trincheira da justia social, so postos avanados em projetos de futuro, especialmente se associados com o que de melhor tem a oferecer a pesquisa cientfica e tecnolgica sensvel ao desafio da sustentabilidade.

    Com relao ao espao da escola, preciso que professores e professoras se fortaleam como aprendizes da sustentabilidade. E isto transcende de longe a rplica de livros e teorias. Leva a pensar em escolas sustentveis desde sua estrutura at o sistema escolar, envolvendo todos os atores sociais dentro da escola e em seu entorno, o que inclui a socializao de ideias, de material didtico contextualizado e de convivncia sociocultural, funo relevante do ambiente escolar, que no se restringe aos muros da escola.

    esta busca por fazer sentido para o territrio que nos sugere a ideia de uma verdadeira Revoluo copernicana da EA.

    A EA por si s no o Sol (por que se luta), no o objeto em torno do qual os outros giram, mas o contrrio. Cabe EA definir qual o seu Sol, em torno do que ela gira; e podem ser muitos sis. Assim, voltamos aos territrios e s lutas

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    das pessoas que neles vivem e produzem. por isso que a EA se concretiza nos movimentos dos direitos humanos, dos sem terra, dos recicladores catadores, da agricultura familiar, dos movimentos de mulheres, entre outros, incluindo as empresas que aderem aos pactos pela sustentabilidade.

    A EA tem o desafio de localizar e/ou fortalecer seus ncleos de resistncia (que se modificam constantemente) e criar estratgias para sua intensificao e extensificao, transformando ncleos menores em ncleos maiores.

    Deve haver resistncia a um modo de vida, de produo e de pensamento hegemnico e homogneo. A quebra desse processo de pasteurizao da EA pode estar nos ncleos de resistncia, que devem ser conectados como ncleos de continuidade no sentido de enriquecer e fortalecer as aes e incorporar novas redes e transcender as descontinuidades das polticas.

    A articulao entre espaos de lutas pode ser imaginada na ideia de uma Central das Bordas, um eixo que aproxima as lutas e as expresses que no esto no centro da sociedade, mas na sua periferia. A estratgia de resistncia precisa ser permanentemente aprimorada. Deve haver o reconhecimento de que o inimigo no quem est na mesma luta (embora em setores diferentes), mas reconhecer os ncleos de resistncia em cada grupo, criando estratgias de auto-reconhecimento. o que Boaventura chama de Ecologia de saberes e teoria da traduo. O desafio est em reconhecer, fortalecer, criar e articular ncleos de resistncia nos interstcios de todo o tecido social!

    Dimenso tica e antropocentrismo alargado

    Ao falarmos de uma EA que gira em torno de lutas, que se pauta pelos desafios dos grupos, coletivos e movimentos perguntamo-nos sobre caractersticas integradoras e caracterizadoras. preciso refletir se existem conceitos basilares de tica e, se existem, coloc-los como questes centrais. A podemos perguntar: eticamente, tais aes ambientais se justificam?

    Existem ou no elementos bsicos, cores primrias? Existe uma tica primria como sugere o Tao e, mais recentemente, C.S.Lewis? Pode-se comear perguntando se a natureza, independentemente das pessoas, tem direitos institudos ou o ambiente est a servio do ser humano. H direitos intrnsecos da natureza? Se no conseguirmos explicitar que falar de gente falar do ambiente, no conseguiremos nos situar dentro do que pretendemos como EA. Ser que conseguimos? Neste sentido, outro conceito a ser considerado a Espiritualidade, apesar de toda dificuldade que ela traz, quer seja por ignorncia ou preconceito, s vezes obrigando-nos ao silenciamento frente a sua complexidade e necessidade

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    de mais tempo para um aprofundamento. Mas, talvez at por isso mesmo, a Espiritualidade precisa e deve ser tratada considerando-se essa diversidade, para poder construir-se como um valor tico. Porque a heterogeneidade existe e a homogeneidade falta de clareza (ou instrumento ideolgico).

    Carlos Walter discute muito bem essa questo ao tratar do antropocentrismo alargado, como direitos da natureza, ou melhor, um humanismo no antropocntrico.

    No territrio da excluso h um aprofundamento da separao e uma diminuio da capacidade de incluir; quando exclumos no compreendemos as diferenas, porque no necessariamente as reconhecemos, ao passo que quando inclumos nos obrigamos a compreend-las.

    A EA num territrio envolve tanto os aspectos fsicos quanto o das populaes (humanas ou no). preciso conter a histria do territrio, em que todos compartilham um mesmo espao, e ressaltar a importncia da questo do direito da biodiversidade (metas de Aichi, Protocolo de Nagoya). Assim, necessrio um olhar mais amplo sobre o territrio, pensando que Tudo gente (como no filme Dersu Uzala). Essa reconexo explica em parte a necessidade do adjetivo ambiental junto educao, sempre inter, trans e multidisciplinar.

    Algumas tenses e riscos para pensar a EA

    Consumo e produo

    Durante o debate entre os autores deste livro, surgiu a questo quanto centralidade ou no do tema do Consumo. O risco de colocar este tema no centro o de despolitizar o debate e de reduzir a questo s escolhas individuais de cada consumidor. Entretanto, necessrio considerar o mercado quando se quer discutir justia, equidade e sustentabilidade.

    O consumo pode ser um tema interessante para comear uma discusso (com o vdeo A histria secreta da obsolescncia planejada, por exemplo) e tambm no se pode absolver o resto da problemtica (produo, propaganda, investimento). Todo o aparato est em crise, no s o consumo est em questionamento. Morin, em Terra Ptria, fala em policrise (crise de valores).

    inapropriado tratar da produo sem pensar em consumo e no consumo sem produo. A temtica do conflito tem suporte na questo do consumo, mas fundamental que os educadores se apercebam e instrumentalizem para alargar o problema e precaver-se contra os riscos de um debate que se reduza ao

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    consumo. Ao discutir-se o consumo ou a produo, estes riscos so minimizados se pensarmos a cadeia que vai da produo ao consumo, envolvendo todos os atores sociais, desde os individuais at as organizaes sociais-polticas, governamentais-polticas, empresariais e a mdia envolvida nesses processos.

    Isso no invalida o olhar sobre a produo e o consumo especificamente, considerando a sua dinmica num contexto de ascenso social e acesso ao mercado, seja pela oferta de emprego ou programas de transferncia de renda.

    Boas prticas ou prticas, simplesmente

    At mesmo por considerar que este livro incorporou o relato de experincias e por sabermos que o MMA reuniu uma publicao denominada Boas Prticas de EA na Agricultura Familiar, os autores e autoras debateram este conceito que a muitos incomoda. A ideia de selecionar e divulgar boas prticas contm um risco ideologizante e at mesmo antipedaggico. O poder que investe a palavra de uma imagem a imagem em que ela se constitui. Quem julga o que e o que no ? Se a organizao empoderada define o que bom e o que mal, o que resta para as pessoas?

    No caso dos critrios que nortearam a escolha das experincias apresentadas neste livro e que dialogam com os conceitos apresentados pela srie Encontros e Caminhos foram o seu potencial pedaggico (a experincia tem muito a ensinar, muito instigante); a sustentabilidade da experincia (ela se mantm, adquiriu fora, conexes e capacidade de se manter como movimento de um coletivo), o potencial transformador/impacto, a replicabilidade (ela seria relevante e poderia acontecer em outros lugares, mesmo que com adaptaes) e seu potencial orientador para polticas pblicas.

    Consideramos um avano desta edio, trazer experincias que vivenciam os conceitos apresentados, isso importante para a prtica do educador(a) ambiental. So histrias que escolhemos contar, simplesmente prticas.

    Denncia e anncio

    At mesmo para nadar contra a correnteza preciso estar dentro do rio!! O pessimismo da razo e o otimismo da vontade no podem caminhar separados. Na EA, alguns anunciadores de possibilidades, caminhos e experincias tm sido vistos criticamente pelos denunciadores da continuidade da degradao da vida. A denncia fundamental para clarear a disputa. Ela ajuda no desafio de enfrentar o deslocamento, a invisibilizao da degradao e de alguns grupos. Os anncios

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    so muitas vezes cooptados, deglutidos e perdem seu poder transformador, mas a crtica excessiva aos anncios pode levar a um foco exagerado nas denncias. preciso somar foras na denncia dos pressupostos, o que seria possibilitar a capacidade de construo de um conceito social histrico. A denncia deve estar sempre acompanhada de anncios.

    fundamental que analisemos cenrios, os riscos na projeo continuada do desenvolvimento clssico. No entanto, essa gesto deve ser feita sob o ponto de vista dos grupos atingidos e no do capital (desenvolvimento clssico), deve ser contextualizada a partir desses grupos (colonialidade, territorialidade, EA na dimenso avassaladora do capital frente EA na viso dos atingidos). A explicitao dos conflitos socioambientais e as contradies (como do Programa de Acelerao do Crescimento, do avano da energia elica e da indstria do turismo), podem impactar as polticas e a gesto. Uma novidade nesse sentido a Rede Brasileira de Justia Ambiental, que tem tratado das questes mais complexas, amplas, das lutas. Na ecologia popular, com a luta pelos movimentos populares, a aposta dever ser a Educao Ambiental pela Justia ambiental . A denncia deve ser feita e deve ser radical, entretanto, como centro da construo socioambiental parece no ser suficiente.

    O campo da Educao Ambiental no Brasil parte da Teoria Crtica, mas tambm do Multiculturalismo. A princpio, esse fato parece ser uma divergncia insupervel, mas o que nos confere a diversidade e dialogicidade necessria para atuarmos nessa confluncia de campos de saberes e prticas do socioambientalismo. No h como pensar e praticar a Educao Ambiental isenta de conflitos e tenses, pois essa a base poltica de sua proposta. Ao mesmo tempo, precisamos abarcar um horizonte utpico inclusivo e solidrio. Por isso, as denncias devem vir com os anncios, com as possibilidades.

    Individual e coletivo

    A necessidade de se enfrentar a solido na multido, a sociedade de cidados-consumidores individualizados, cujo poder poltico se reduz ao voto, leva-nos a uma tendncia de criticar o individualismo e valorizarmos o conceito de coletivo, mas h um risco nisso. Paulo Freire produziu dois textos importantes neste sentido, a Pedagogia da Autonomia e a Pedagogia da Esperana, nos quais ele antecipa reflexes sobre o que devem pensar os educadores, sob uma perspectiva progressista, e tambm sobre a questo do indivduo.

    A questo da individualidade, nessa perspectiva, no aleatria. O ambiente reflexo da sociedade; trata-se, portanto, de ecologizar a sociedade e no o ambiente; disso que trata a ecologia poltica. Nesse sentido, a mudana

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    individual necessria, mas no basta, no tem fora suficiente... Deve-se pensar em um contexto coletivizado e num processo coletivizador!

    Para que alguns desfrutem de um alto padro de vida, outros so obrigados ou submetidos a um padro muito inferior. Eis a lgica do Capital e do Mercado. preciso problematizar quais as relaes de poder que esto na base dessa lgica.

    A constituio do indivduo no se d pelo individualismo, mas pela pluralidade das perspectivas, pela impossibilidade da homogeneizao, que a prpria questo da EA crtica: a incorporao da dinmica de constituio do ser plural (na qual esto incorporados o eu, o outro, o mundo, a natureza), confrontando a conduo do conhecimento de algum por outro algum. O coletivo no deve significar a produo de falas coletivizadas e sim um espao de produo com falas divergentes. O coletivo no algo homogneo, mas plural. O educador deve trazer a divergncia para o interior do coletivo. Quem aquele que constri seu mundo autonomamente?

    Cabe-nos no reificar coletivos e dar ateno subjetividade. O desafio est na pluralidade. No uma tentativa de acomodao das diferenas, pois elas existem, e devem ser vividas radicalmente. O que preciso trabalhar na construo da radicalidade: somos todos diferentes, precisamos explicitar isso. Todas as diferenas no acomodveis devem ser explicitadas e problematizadas, para no recairmos na pura celebrao ps-moderna.

    Coletivizar no pode implicar na anulao da individualidade, mas compartilhar os sonhos, a esperana, os problemas, as trocas de energia considerar a dimenso do outro. avanar, retroceder, retroceder mais um pouco e perceber que este processo todo foi um avano! ter felicidade nas conquistas ter dificuldades por todos os lados pensar em desistir e perceber que isto j impossvel. Porque coletivizar tornar coletivo. Palavra que vira verbo, indicando movimento e qualidade da ao; que vira adjetivo, revelando um modo de ser e de estar no mundo; que pode ser um meio de transporte, e tambm um substantivo coletivo. Convidamos voc a virar coletivo e continuar conjugando este verbo!

    Indicadores de EA

    O que indica que estamos construindo uma EA para a sustentabilidade? A EA para a sustentabilidade? Quais os vestgios, os passos, as marcas, as conjecturas que a EA vem deixando pelas trilhas percorridas? Para ampliar o mtuo reconhecimento de campos de luta preciso explicitar as buscas. A definio de indicadores um processo rico e promissor para aprofundar o dilogo e as

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    conexes. Alm de identificar as teorias por trs das prticas ainda preciso poder medir, construir indicadores para isso. No campo educacional, a medio complexa porque difcil visualizar os resultados. O processo de construo dos indicadores um processo de educao em si.

    Alm da importncia pedaggica, os indicadores tm um papel poltico e estratgico. O que no dimensionamos no conseguimos transformar. No cincia exata, comunicao, contexto poltico. Elaborar critrios e parmetros arbitrrio por definio e tem um sentido poltico. Quem representa, qual a estrutura de poder, fala em nome de que? Definir o que e como se avalia a sociedade um poder imenso. Quem ganhou a sociedade foram os economistas e no apenas o neoliberalismo. A hegemonia de uma forma de medir o desenvolvimento da sociedade concorreu para o sucesso do neoliberalismo.

    Os nossos indicadores tm que nos empoderar e, acima de tudo, empoderar aqueles com quem queremos construir um pas diferente. Processos de avaliao e indicadores s tm sentido se forem construdos e no aplicados de fora para dentro. O objetivo de um indicador (deveria ser) definido pela sociedade, pelo grupo a partir da sua realidade e o processo de construo deve servir para que encontrem seus prprios caminhos de aprendizagem e aprimoramento, transcendendo no apenas como instrumento de controle/medio, mas tambm como promotor de reflexo, dilogo, apropriao do processo e dos resultados. No h realidade autoevidente, no entanto, preciso que os indicadores estejam pautados em objetivos para que se possa construir instrumentos de medio, sejam eles qualitativos ou quantitativos. Os indicadores so perceptveis tanto em dados da realidade como nas biografias, nas narrativas, na micro-histria e na anlise do discurso.

    A proposta abrir a discusso para os indicadores e no propor coisas fixas, ou seja, como os grupos ou comunidades podem construir seus indicadores? Qual a fundamentao para essa construo?

    O que indica que aconteceu algo? O que queremos que acontea? O que aconteceu? O que aconteceu significativo? algo que escapa s mordidas dos cupins e eroso do tempo? O desenvolvimento de indicadores objetiva a formao de um arsenal hermenutico que permita avaliar o quanto houve de deslocamento (em relao ao normal, ao estabelecido, ao status quo), de aderncia (em relao s pessoas envolvidas) e de possibilidade de permanncia (quanto s condies de sustentabilidade do deslocamento e da aderncia).

    Para deflagrar o debate e a construo de indicadores pode-se partir da discusso sobre a necessidade da substituio do PIB pelo IDH como indicadores de desenvolvimento econmico, social e ambiental. Alm destas medidas, tambm

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    se pode medir pelos conceitos de FIB-Felicidade Interna Bruta (iniciado no Buto) ou os indicadores do Bien Vivir dos povos andinos. H sempre algo que pode ser medido, mas precisamos falar sobre o que se busca. Assim, podemos construir indicadores para avaliar a realidade e os processos que desenvolvemos como educadores. preciso explicitar-se as buscas e identificar dimenses a serem medidas. So exemplos de dimenses de indicadores potencialmente interessantes: sustentabilidade territorial (quais so as dimenses que podem fundament-la?); padres de sociabilidade e padres de resoluo de conflitos.

    A dimenso da emancipao poderia ser indicada pelo deslocamento do discurso do tempo, do Kronos para o Kairs4; pela escapada da regra e dos comportamentos padronizados em direo a produes autnomas; pelas rupturas com a autoridade; pelos momentos de apropriao e reelaborao dos contedos. Para se indicar se o grupo envolvido est desenvolvendo autonomia e se empoderando importante avaliar-se a prpria autonomia frente ao educador(a); pode-se avaliar o quanto a comunidade passa a pautar a agenda, os profissionais e os prprios processos de busca.

    Fechando...

    difcil conter a ansiedade por assistir e participar de processos profundamente transformadores, entretanto as transformaes significativas hibridam os tempos, elas ocorrem e ecoam no tempo biolgico de cada um de ns, no tempo histrico da nossa sociedade e at no tempo da natureza, que outro, muito maior e incompreensvel. O tempo para alm de ns mesmos. preciso fundir o horizonte histrico com os nossos horizontes pessoais e coletivos. Nesta hibridao de tempos e caminhos da EA, precisamos distinguir e valorizar o que deve resistir aos cupins, o que resistir ao teste do tempo, aquilo que nos caro e que queremos, juntos, cultivar.

    4 Kronos se refere ao tempo do relgio, contabilizado, usado pra mensurar nossas tarefas e obrigaes cotidianas, enquanto Kairs o tempo atravessado pela subjetividade, o tempo da vida vivida, o tempo sentido, o tempo no qual o cronmetro no impera.

    Construo do Conhecimento

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    AvAliAo eduCAdorA

    Indicadores

    Construo do Conhecimento Mediao Educadora

    Daniel Braga BrandoRogrio Renato Silva

  • Daniel Braga Brando. Mestre em Educao pela PUC-SP onde estudou a relao entre avaliao de projetos sociais e a aprendizagem. Graduado em Agronomia pela ESALQ USP. Scio-fundador da Move: Avaliao e Estratgia em Desenvolvimento Social. Trabalhou na Fundao W.K.Kellogg como responsvel pela anlise de projetos de financiamento social para pases latino americanos. Foi consultor do Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social entre 1998 e 2010. Tem atuado como liderana para o desenvolvimento da avaliao no Brasil, com aes relacionadas criao da Rede Brasileira de Avaliao (2002), aulas e seminrios no tema, produo de artigos e liderana do Projeto Avaliao entre 2008 e 2010 com a produo de diversos espaos de debate sobre o tema e conduo de pesquisas no campo. Participa da American Evaluation Association, onde j apresentou diversos trabalhos. Contato: [email protected].

    Rogrio Renato Silva. Doutor em Sade Pblica pela USP. Scio-diretor da MOVE: Avaliao e Estratgia em Desenvolvimento Social. Estudou avaliao na Western Michigan University (EUA) e Facilitao de Processos de Desenvolvimento Social no CDRA (frica do Sul). No campo social desde 1996, foi cofundador e diretor executivo do Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social no trinio 2007/2010. Nos ltimos quinze anos, atuou como consultor, pesquisador e docente em desenvolvimento organizacional, sobretudo nos temas planejamento estratgico, avaliao de programas sociais e polticas pblicas e avaliao de negcios sociais, incluindo experincias governamentais. psicanalista com formao pelo Centro de Estudos de Psicanlise (SP). Contato: [email protected].

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    AvAlIAO EDUCADORA

    Daniel Brando e Rogrio Renato Silva

    nas rodas da Avaliao Educadora5

    O holands ao meu lado olhava a paisagem de mata derrubada. Tirava fotos sacolejadas pelo caminho de terra. Saamos de uma reunio com seringueiros e lideranas comunitrias em Rondnia. Encontro forte, muita fala, choros, gente morrendo de morte matada dentro de reservas extrativistas. O holands pediu gua (para beber). Estava impressionado. Ele era o representante do financiador do programa e participava pela primeira vez de uma reunio de base para discutir e repercutir os resultados de uma avaliao. Um encontro para validar, dar significado, criar a possibilidade de apropriao ou refutao das informaes levantadas. Um momento em que a comunidade criava a condio de validade da prpria avaliao. O holands, gente boa, vivia ali uma ruptura de modelo. Deixava a concepo hegemnica da avaliao externa, que penetra na vida dos indivduos para informar sujeitos dele distantes, que se encontram alm mar, alm muro, alm morro, alm rio, mas que so os que decidem o futuro dos projetos que impactam diretamente a vida daquele mesmo indivduo. Conversamos rapidamente sobre isso, mas ele precisava de silncio. Voltou a olhar a paisagem de rvores tombadas.

    A avaliao de prticas socioambientais no Brasil requer aprofundarmos rupturas. Vivemos ainda presos a um modelo avaliatrio orientado pela lgica dos julgamentos externos e pela verificao do cumprimento ou no das intenes dos projetos, programas e prticas6. O campo social foi marcado pela concepo de que a avaliao estaria apenas relacionada a conhecer em que medida os objetivos de um projeto foram alcanados, ideia amplamente difundida por aqui nas dcadas de 1970 e 1980, importada das terras do norte. Ainda que outros modelos procurassem valorizar a importncia dos processos participativos para a autonomia dos sujeitos, a herana daqueles tempos deixou nos atores sociais a imagem de uma avaliao orientada pela lgica dos marcos e dos objetivos.

    5 Uma primeira verso deste texto foi publicada no livro Desafios da Avaliao de Programas e Servios em Sade, organizado por Campos, R.O e Furtado, J.F. Editora Unicamp, 2011.6 Esse texto ir citar, sempre em alternncia, os termos programa, projeto e prtica. Entendemos que os cole-tivos educadores podem encontrar situaes caracterizadas por qualquer uma destas naturezas de interveno.

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    A histria no para por a. s avaliaes orientadas por objetivos (Worthen et al., 2004), somaram-se outras concepes utilitaristas. A entrada de novos atores na arena socioambiental, sobretudo os grandes financiadores corporativos, trouxe discursos e ferramentas pautadas por um furor de objetividade, eficcia, efetividade e eficincia. Foi esta onda avaliatria a responsvel pela consolidao de modelos externos, quantitativos, somativos e supostamente neutros.

    A avaliao, entretanto, resolveu guardar em si belezas e possibilidades bem maiores. A construo histrica desta disciplina7 permite dizer que seu conceito encerra um imperativo fundamental - o conceito avaliao ser sempre uma construo e ter tantos sentidos quantos lhe atriburem aqueles que o constroem (Smith, 2007; Silva e Brando, 2003) - e trs elementos essenciais que se manifestam com diferentes intensidades. A medio, relacionada ao ato objetivo e muitas vezes quantitativo de medir as coisas, as variaes e as mudanas. A descrio, que diz respeito ao ato de representar um objeto ou fenmeno, caracterizando-o em sua integralidade e multiplicidade e assim tendendo a operar pela via da linguagem qualitativa. O julgamento, elemento que d identidade avaliao, medida que explicita que os processos de avaliao podem determinar o mrito e a relevncia de um objeto ou fenmeno.

    Afirma-se, assim, que a avaliao a disciplina que se dedica a medir, a descrever e a julgar objetos e fenmenos. Neste caso em particular, medir, descrever e julgar intervenes de natureza socioambiental. Apesar das tenses irrefutveis provocadas por esta definio, ela nos parece suficientemente consistente para ser sustentada na prtica social e, ao mesmo tempo, confrontada com aquilo que gostaramos de apresentar como seu segundo imperativo fundamental, ainda que tantas vezes invisvel e mascarado. sobre ele que queremos argumentar.

    Quando nos lanamos a promover processos de desenvolvimento e, por sua vez, promover projetos polticos democrticos onde os sujeitos e as comunidades possam realizar seu potencial humano e social de forma ambientalmente sustentvel, o exerccio da avaliao contempornea pede que se produzam aprendizagens. No extremo desta ideia, o desejo que a palavra avaliao possa ser substituda pela palavra aprendizagem. Avaliar aprender; avaliar as prticas ambientais significa aprender sobre elas. Avaliar os coletivos educadores significa aprender sobre eles. A pessoa avaliadora torna-se a pessoa aprendedora.

    Antes de mais argumentos tico-tericos, consideremos um exemplo em que um coletivo educador se veja diante da possibilidade/necessidade de realizar uma avaliao, de transform-la em aprendizagem. Inicialmente o grupo se dedica a debater a seguinte pergunta: o que significa, para este coletivo, o conceito avaliao? Para explorar essa discusso, o grupo procura resgatar as experincias avaliatrias vividas por cada pessoa. Desde as escolares s avaliaes de projetos j experimentadas, busca-se compreender o sentido, o resultado das experincias, 7 Michael Scriven, um dos maiores tericos da avaliao, defende que esta prtica deve ser assumida como disciplina. Por isso esse termo ser aqui utilizado.

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    as marcas impressas em cada pessoa, as aprendizagens e os princpios que sustentaram essas experincias. Neste dilogo se define o que importante para o coletivo, que experincias no se quer repetir, o que se deseja realizar e, por fim, se pactuam propostas e caminhos que o coletivo deseja trilhar.

    Avaliao, aprendizagem e tica

    A relao entre avaliao e aprendizagem pode ser feita a partir de uma breve compreenso sobre o que significa aprender. Esta associao tem origem nos escritos do educador russo Vygotsky (Duarte, 2004), para quem aprender o ato de se apropriar da realidade humana, do mundo que homens e mulheres criaram. Apropriar , por sua vez, o ato por meio do qual o sujeito constri capacidade para compreender, manusear ou produzir o objeto ou fenmeno social ao qual se dedica. Nesse sentido, podemos considerar que ao se apropriar do mundo, homens e mulheres o enxergam de maneira crtica, ampliando sua conscincia sobre ele.

    Pode-se afirmar que a tentativa de melhor compreender a atuao dos coletivos educadores capaz de gerar uma situao de aprendizagem e que s se alcanar tal compreenso medida que cada sujeito educador tornar-se um participante crtico e consciente de sua prtica no mundo. Neste caso, ser consciente da prpria prtica est alm de saber bem o que se est fazendo, viso que poderia ser tanto definida como simplista quanto armadilhesca. A conscincia diz respeito a conhecer para alm do que j se sabe, ou seja, avanar na compreenso das motivaes que levam o sujeito a fazer o que faz, ou seja, a conhecer os porqus de sua ao. Ao mesmo tempo, significa observar profundamente a ao em si, suas limitaes e suas foras, bem como construir um olhar sobre as consequncias do que se faz. Percebe-se como se pode ir bem alm do simples cumprimento de objetivos? Significa questionar-se a respeito do que a prtica do educador produz no mundo, nas outras pessoas, na natureza e no prprio indivduo que a realiza. O desafio para um denso e srio processo de olhar crtico sobre sua ao no mundo est na possibilidade de observarmos a ns prprios ao invs de olharmos apenas para a responsabilidade do outro. Porque nos perguntamos: o que isso tem a ver comigo?

    Aprender torna-se o ato de construir conscincia crtica a respeito da realidade. aqui que as prticas de avaliao geram uma enorme oportunidade para que esta construo ocorra. Inserimos, assim, a avaliao como um elemento mediador entre o sujeito (ou os coletivos educadores) e a compreenso profunda e crtica de sua ao no mundo (projeto, programa ou prtica). Avaliar um ato de mediao dos processos de aprendizagem. Avaliar ato educativo.

    Levar a ideia de que o ato de aprender deve ser parte da concepo da avaliao contempornea exige ainda que mergulhemos em novos conceitos. Em certa medida, a ideia da avaliao para a aprendizagem pode ser classificada de pretensiosa e at mesmo fantasiosa. Estamos to habituados com um olhar

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    instrumental para a avaliao, que qualquer leitura tico-poltica do conceito pode ser considerada mais um devaneio que uma possibilidade. E o que voc pensa sobre isso? Quais so as suas compreenses e desejos? De que tipo de avaliao voc precisa? Indo alm, como podemos tratar a aprendizagem como um imperativo da avaliao, quando falamos em valorizar a singularidade das experincias e a natureza democrtica dos espaos coletivos?

    O que queremos sustentar aqui que a possibilidade de aprender contm o ato de conhecer criticamente o mundo, tomar p da situao em que um sujeito se encontra, bem como enxergar as foras que levam a esta situao. Ou seja, observar as causas e consequncias das aes e posies das coisas no mundo. Parece-nos que esse processo que traz ao indivduo a oportunidade de transformar a si mesmo e ao mundo. Assim, tem-se uma chance de desenvolvimento, de mover-se da situao em que se encontra e de avanar na infinita marcha por ser mais (Freire, 1970; 1996).

    Ao aprender, o sujeito tem a oportunidade de desenvolver a sua vida como ser humano. exatamente ao tocar o desenvolvimento da vida humana que mergulhamos no campo da tica (Dussel, 2002) e sustentamos de maneira ainda mais profunda a relao entre avaliao e aprendizagem. o desenvolvimento da vida humana a base material a partir da qual qualquer formulao de juzos deve se estruturar. Esse circuito argumentativo nos permite concluir que a aprendizagem contribui com o desenvolvimento da vida do sujeito. Nas palavras de Brando (2007), aprender um direito vida, um ato tico relacionado vida no Planeta Terra e, por isso, encontra lastro, encontra sustentao como um imperativo nos processos de avaliao de programas socioambientais8.

    As avaliaes participativas

    seguindo essa argumentao que afirmamos tambm que h um princpio poltico-metodolgico essencial na jornada da avaliao para aprendizagem: a participao. Como processo, a participao que parece criar possibilidades para que aqueles e aquelas que participam de intervenes socioambientais possam avaliar para aprender. Ainda que existam vrias outras abordagens avaliatrias (Worthen et al., 2004), tal como a j mencionada avaliao orientada por objetivos, elas guardaro srias limitaes frente s realidades com as quais os coletivos educadores se relacionam.

    As avaliaes participativas so aquelas nas quais o envolvimento dos participantes, interessados no objeto da avaliao, crucial para determinar valores, critrios, necessidade e dados da avaliao (Worthen et al., 2004). Ao enfileirar-se com as questes ticas apresentadas anteriormente, a participao ajuda a definir o contorno do projeto poltico democrtico que a avaliao vem apoiar.

    8 Apesar da breve discusso que realizamos aqui sobre o sentido tico da aprendizagem, esperamos que as referncias bibliogrficas recomendadas possam servir ao estudo daqueles que se interessarem pelo tema.

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    Do ponto de vista tcnico, a participao ganha novos contornos e demanda dos sujeitos novas competncias. Os processos socioambientais tm natureza extremamente complexa e sua apreenso s ser possvel por meio de mltiplos olhares e linguagens. Em outras palavras, a pluralidade de olhares que constri a pluralidade da realidade. Se o olhar estreito e restrito, o que se pode esperar das ideias e dos projetos? A participao importante para que os objetos ou fenmenos sejam conhecidos de forma compreensiva. Ser a participao, por sua potncia de construir em comunho, que ir agregar leitura a preciso que se demanda dos processos de avaliao.

    Retomando o exemplo dos coletivos educadores, ganha legitimidade e sentido o processo de avaliao no qual se depositam longas conversas e negociaes em torno das perguntas: quem participa? Quem avalia? Quem toma decises? Quem assume as consequncias? Como so inmeras as possibilidades, as lideranas comunitrias, os educadores e educadoras, a comunidade onde se atua, os parceiros e parceiras, os apoiadores e apoiadoras, o poder pblico, cabe aos coletivos educadores ponderar e fazer escolhas.

    Neste processo de escolha importante refletir sobre o fato de que as formas de participao podem variar. Um sujeito pode colaborar com comentrios e sugestes, ser apenas um informante, debater os resultados, contribuir com recomendaes ou tomar parte de todas as discusses e deliberaes em torno da avaliao. H um grau mximo de participao? H uma imagem ideal? No possvel saber. A realidade social nos desafia e dificulta sobremaneira a incluso de todos os sujeitos nas decises a serem tomadas. Portanto, necessrio enfrentar a questo: como cada ator participa?

    O cuidado a ser tomado est em no cair no desejo de incluir a todos e todas sem considerar a viabilidade dessa inteno, que varivel direta de muitos fatores: a diversidade de atores, a disperso geogrfica dos mesmos, o tempo de maturao da interveno socioambiental (recente, mediana, longa), os recursos fsico-financeiros, os espaos e as tecnologias de comunicao disponveis, entre tantos outros. Que participao essencial? Que princpios a orientam?

    Orientaes para a prtica: quem entra na roda da avaliao educadora?

    Os caminhos que um processo de avaliao pode tomar so muito diversos. O que escolhemos apresentar aqui um conjunto de perguntas instigadoras que podem servir de guia nesta viagem. Como afirmam Freire e Faundez (2002), a fora de trabalhar com perguntas est em sua natureza de instigao, na possibilidade de que elas coloquem em movimento os espaos e ideias onde so inseridas. Nas palavras de Kaplan (2002), as perguntas so como instrumentos mgicos, so varinhas de condo que destrancam os segredos das situaes sociais. Quanto maior a pergunta, mais ela revelar, e mais apurada tornar a nossa leitura.

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    A pergunta tem razes na curiosidade e elemento que pode criar e dinamizar espaos pedaggicos.

    Para dar liga s perguntas, mant-las em um movimento orgnico, procuramos trabalhar com a imagem da ciranda, da roda da avaliao educadora. A roda existir a partir dos sujeitos (dos diversos atores interessados) e por isso consequncia da participao e da presena desses sujeitos. No h roda terica, no h roda ideal. O que h aquilo que se produz com o encontro: ser possvel se lanar nesta experincia?

    A partir da presena dos sujeitos, a roda ganha consistncia ao agregar um extenso contedo tico-poltico. Na roda se depositam as experincias de avaliao dos sujeitos, suas expectativas em relao a seus projetos socioambientais, as posies que esto disputando, os parmetros que os ajudaro a olhar e julgar o objeto avaliado, seus desejos de investigao na forma de perguntas e suas linguagens e bagagens tcnicas. A roda uma arena poltica e essa a mo-de-obra a ser trabalhada na avaliao. A Figura 1, a seguir, procura representar esta ideia.

    O que signica avaliao para ns?

    Porque vamos fazer uma avaliao?

    Quem participa da avaliao?

    O que ser avaliado?

    Que perguntas avaliatrias vamos responder?

    O que queremos saber com essas perguntas?

    Que evidncias devemos buscar para respond-las?

    Precisamos agregar outras coisas alm de nossas opinies?

    Sujeitos 0

    Sujeitos 0

    Sujeitos 0

    Sujeitos 0

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    0 Sujeitos

    0 Sujeitos

    Figura 1. A Roda da avaliao educadora

    Uma das perguntas primordiais a serem trabalhadas na Roda diz respeito ao foco do processo, ou seja: O que ser avaliado? Que perguntas queremos responder com essa avaliao? Esse o passo para a busca daquilo que ser a centralidade do processo de avaliao educao dos interessados(as) no projeto. O esforo aqui est em buscar questes claras e estratgicas, que podem se revelar no conjunto de questes que o grupo ir propor. Ou seja, frente a enxurrada de perguntas, quais so essenciais, quais so complementares e, por fim, quais so as perguntas-chave? Com isso se chegar ao foco central. importante dizer que as perguntas de avaliao devem ser restritas, pois uma amplitude de focos trar grande complexidade ao trabalho a ser realizado.

    Para compor o cenrio que permita responder ao que se quer investigar, muitas vezes faz-se til a elaborao de certos recortes da realidade que permitam a

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    construo de conhecimento sobre essa realidade. Geralmente denominados indicadores (variveis ou critrios), a elaborao destes elementos tende a ser precioso para o grupo, uma oportunidade para alinhar conceitos que esto presentes no discurso, mas nem sempre tm o mesmo significado para todos da equipe (Silva e Brando, 2003).O debate sobre indicadores amplo e encontra uma de suas melhores ancoragens na sistematizao oferecida pelo Grupo de Trabalho (GT) em Indicadores articulado pela NOVIB. O GT sugere que indicadores so ao mesmo tempo instrumentos de mediao, na medida em que so utilizados para captar aspectos dos fenmenos e processos da realidade social cuja totalidade impossvel apreender; e resultantes de mltiplas determinaes, na medida em que estes atos de observao e anlise, por parte de um sujeito, esto determinados pelas formas de percepo do real deste sujeito (...). Linguagens rebuscadas parte, reside nessa passagem a concepo de que o indicador atua como prisma, como pista, como evidncias ou cdigos que nos permitem desvendar a realidade qual a avaliao se dedica, ao mesmo tempo em que so produzidos por um conjunto de sujeitos e por suas formas de compreender essa mesma realidade. Em sntese: para cada pergunta de avaliao deve ser formulada a questo: quais so as pistas ou evidncias que devem ser buscadas e, em seu conjunto, revelaro a resposta ao que investigamos? Assim se pode construir indicadores.

    Devemos tambm reforar a ideia de que indicadores so construes de cada coletivo educador. Cada grupo cria as referncias que mais lhe parecem adequadas sua realidade, necessidade, cultura e intenes. Indicadores so produzidos dentro dos coletivos e no fora, ou seja, no existem indicadores externos, apresentados ao grupo como aspectos que ele deva responder. Se o indicador vem de fora, o padro externo e, nesse sentido, muito mais uma ferramenta de controle do que de aprendizagem.

    Dado o passo desta construo de indicadores, avana-se e assim surgem novas questes para o processo, tais como: quais so as fontes de informao que precisamos? Como podemos levantar essas informaes? Como podemos compreend-las/analis-las? O que fazer com essas informaes? Estas questes apontam para o processo de levantar informaes sobre o que se quer avaliar, sobre as fontes de dados e os mtodos a serem utilizados. Nas prticas socioambientais, o caminho das conversas de grupo, acompanhadas de boa sistematizao, uma estratgia que guarda eficcia. Elas permitem, desde que bem mediadas, a oportunidade de se aprofundar leituras e compreenses da realidade ao criar espaos de interao entre sujeitos, muitos deles com poucas oportunidades de exposio de ideias, grupos que se conformam para alm daqueles de retrica familiar.

    Assim se avana na leitura do mundo e uma pergunta se apresenta: Qual a minha responsabilidade sobre isso? O que isso tem a ver comigo? Para mudar o mundo fundamental (e extremamente desafiador) reconhecermos que necessrio mudarmos a ns prprios. Apontar para o outro escapar de nossas trincheiras internas que criam nossos limites de desenvolvimento. preciso, na anlise do que a avaliao revela, reconhecer-se a prpria ao realizada e suas consequncias.

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    O exerccio difcil o suficiente para que seja trilhado em solido. Aprender, desenvolver-se, ser mais, ampliar o alcance da vida, exige a presena do outro.

    O holands viajava em silncio. Nem tanto pela diferena de lnguas e mais pelo desafio de compreender aquele universo que cortvamos. Ele carregava dvidas e certezas que seu encontro com aquela gente do projeto lhe provocara. Estava mexido pelas falas que pouco compreendera dos seringueiros. Era uma nova fala. O holands no estava sozinho em sua caminhada de aprendizagem.

    Referncias e sugestes

    BRANDO, D.B. Avaliao com intencionalidade de aprendizagem: contribuies tericas para o campo da avaliao de programas e projetos sociais. Dissertao de Mestrado, 2007. Educao: Currculo. PUC-SP.

    DUARTE, N. Vygotsky e o Aprender a Aprender: Crticas s Apropriaes Neoliberais e Ps-modernas da Teoria Vygotskyana. 3ed. Campinas: Autores Associados, 2004.

    DUSSEL, E. tica da Libertao. 2ed. So Paulo: Vozes, 2002.

    FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17 Ed. So Paulo: Paz e Terra, 1996.

    FREIRE, P. e FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da Pergunta. 5ed. So Paulo: Paz e Terra, 2002.

    KAPLAN, A. Artistas do Invisvel: o processo social e os profissionais de desenvolvimento. So Paulo: Instituto Fonte; 2002.

    MARINO, E. Manual de Avaliao. 2ed. So Paulo: Saraiva: Instituto Ayrton Senna, 2003.

    NOVIB. Indicadores, ONGs e Cidadania: contribuies sociopolticas e metodolgicas. Curitiba: ADITEPP, 2003.

    SCRIVEN, M. Evaluation Thesaurus. 4ed. Thousand Oaks, California: Sage, 1991.

    SILVA, R.R.; BRANDO, D.B. Os quatro elementos da avaliao. Olho Mgico, abr./jun., 2003, v. 10, n. 2, p. 59-66. [disponvel tambm na Internet em: http://www.fonte.org.br.]

    WORTHEN, B.R.; SANDERS, J.R.; FITZPATRICK, J.L. Avaliao de Programas Sociais. 1 Ed. So Paulo: Instituto Fonte Ed. Gente; 2004.

    Educao na Gesto Ambiental Pblica

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    ConfliTos soCioAmbienTAis

    Marco Antonio Sampaio Malagodi

    Justia Am

    biental

    Educao na Gesto Ambiental Pblica Proteo Socioambiental

    Controle So

    cial

    no Licencia

    mento

  • Marco Antonio Sampaio Malagodi. Nascido em Jundia (SP) em 1972, desde criana gosta de msica. Fez graduao em Agronomia (1994) e mestrado em Cincias Florestais pela USP/ESALQ (1999), em Piracicaba (SP), quando comeou a gostar de EA e de sociologia ambiental. Atuou no curso de especializao Formao de Educadores para Sociedades Sustentveis (2000 a 2001) e trabalhou em consultorias em projetos socioambientais envolvendo espaos coletivos de aprendizagem com adultos (2001 a 2005). Provocado pela EA, doutorou-se em Psicologia Social na USP (2009), realizando estudos sobre filosofia da educao. Atualmente professor adjunto do curso de Geografia na Universidade Federal Fluminense, em Campos dos Goytacazes (RJ), onde desenvolve em sua docncia abordagens socioambientais crticas. Integra tambm o Ncleo de Estudos Socioambientais (NESA) da UFF, pesquisando os temas conflitos e desastres ambientais.

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    COnFlITOS SOCIOAMBIEnTAIS

    Marco Antonio Sampaio Malagodi

    Proximidades e distncias entre os conflitos socioambientais e a EA

    Embora seja relativamente recente a consolidao do tema dos conflitos ambientais como objeto de estudo das cincias sociais, o fenmeno ao qual este termo faz referncia pode ser reconhecido hoje como um fato muito antigo na histria da humanidade. Assim tambm, a proximidade da EA com este tema no algo to novo, consideradas as suas razes. Diante de um assunto to instigante e extenso, espero que este texto, os materiais e links que listo ao final possam servir de inspirao e estmulo para que voc se engaje tambm nesta construo metodolgica e histrica no campo da educao ambiental. Considerando-se que a EA brasileira tem razes no movimento ecolgico, quando se buscava chamar a ateno para a finitude e a m distribuio no acesso aos recursos naturais e envolver os cidados em aes sociais ambientalmente apropriadas (CARVALHO, 2008), no difcil ver a tambm a origem da nova sensibilidade para os conflitos socioambientais.

    Com a redemocratizao brasileira nos anos 1980, a educao popular percebeu a importncia de sua participao no enfrentamento da questo ambiental (LAYRARGUES, 2000). No Frum Global de 1992, o Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global destacava a reivindicao por sociedades sustentveis (como crtica noo de desenvolvimento sustentvel), uma sustentabilidade equitativa, onde a EA deve estimular a formao de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relao de interdependncia e diversidade (CARVALHO, 2008, p.56). Em seu princpio nmero doze o Tratado recomenda que a EA deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem conflitos de maneira justa e humana. (CARVALHO, 2008, p.58). Desde ento, a prpria definio de ambiente ganhou destaque como um campo de disputas entre diferentes correntes de pensamento, o que tm demandado maior esclarecimento terminolgico e conceitual nos diversos discursos e debates no campo da educao ambiental, como vemos at hoje:

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    a EA deve auxiliar-nos em uma compreenso do ambiente como um conjunto de prticas sociais permeadas por contradies, problemas e conflitos que tecem a intrincada rede de relaes entre os modos de vida humanos e suas formas peculiares de interagir com os elementos fsicos-naturais de seu entorno, de signific-los e manej-los. Esses laos de convivncia entre os seres humanos e sua base natural de existncia estamos chamando de relaes sociedade-natureza, e a desarmonia que a se instaura de conflitos socioambientais. (CARVALHO, 2008)

    Ainda nos anos 1990 se fortaleceu a perspectiva da educao no processo de gesto ambiental (promovida pelo IBAMA), perodo em que comearam a surgir levantamentos sistemticos e anlises de conflitos socioambientais. Ampliava-se o debate sobre o carter pblico, polmico e no-neutro da gesto ambiental, definida por Quintas (2000) como processo de mediao de interesses e conflitos entre atores sociais, quando este mesmo autor recomendava aos educadores comprometer-se com aqueles segmentos da sociedade brasileira, que na disputa pelo controle dos bens ambientais do Pas, so sempre excludos dos processos decisrios e ficam com o maior nus.

    Nos anos 2000, cresceu o nmero de pesquisas, publicaes e stios eletrnicos dedicados a listar, discutir e mapear casos de conflitos socioambientais no Brasil e no mundo e, ao final da dcada, vemos ressurgir a polmica sobre a gesto ambiental envolvendo os licenciamentos de grandes empreendimentos. Neste contexto, Loureiro (2009) aponta para uma especificidade que a educao ambiental vem conquistando aos poucos: a novidade estaria na adoo de uma perspectiva com forte impacto nas polticas pblicas e nas relaes de poder entre os grupos sociais que se situam em territrios definidos por processos produtivos licenciados. Ainda assim, entre as dificuldades e desafios apontados para a educao ambiental est a escassa problematizao dos conflitos socioambientais (LIMA, 2011).

    Breves consideraes sobre o conceito de conflito social

    Assumindo como sinnimos os termos conflito socioambiental e conflito ambiental, e considerando que ambos fazem referncia a conflitos sociais, preciso tentar esclarecer o que um conflito social e como nossas escolhas tericas e ideolgicas influenciam o resultado de nossas anlises nesta temtica. Desde suas origens, as Cincias Sociais estudam o fenmeno dos conflitos sociais relacionando-o s pesquisas sobre fatores de mudana ou de conservao de certa ordem social. Herculano (2006) destaca duas principais abordagens sobre

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    os conflitos sociais nas Cincias Sociais, mas acrescenta em sua discusso uma primeira perspectiva antes destas, na qual os conflitos seriam irre