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UM HOMEM COMUM, UMA HISTRIA, UMA ILHA ESPIRITUAL

Theo Mendes

UM HOMEM COMUM, UMA HISTRIA, UMA ILHA ESPIRITUAL

SO PAULO - 2010

Mendes. Theo, Um Homem Comum, uma Histria, uma Ilha Espiritual / Theo Mendes, Resende - RJ So Paulo: Nelpa, 2010.

Contedo: 1. Espiritualismo 2. Alimentao Natural 3. Autobiografia 4. Medicina Natural 5. Ecologia

ndice para catlogo sistemtico: 1. Espiritualismo 2. Alimentao Natural 3. Autobiografia 4. Medicina Natural 5. Ecologia

Ilustrao: Alexandra Hardt Carlini Diagramao: Jefferson Vieira Ferreira Impresso e Acabamento: Editora Nelpa

NELPA - L. DOWER EDIES JURDICAS LTDA. R. Dr. Barros Cruz, 63 - V. Mariana 04118-130 So Paulo. Telefax: 11 5549 8254 E-mail: [email protected] http://www.nelpa.com.br

NDICEPREFCIO ................................................................................................. 7 INTRODUO ........................................................................................ 10 PRIMEIRA PARTE: UM HOMEM COMUM, UMA HISTRIA ........ 15 CAPTULO 1 - NASCIMENTO DE UM CARIOCA, FILHO DE GACHOS ...................................................................... 16 CAPTULO 2 - INFNCIA NA FAZENDA ........................................... 18 CAPTULO 3 - VOLTA PARA A CIDADE............................................ 20 CAPTULO 4 - VIDA DE RICO EM PORTO ALEGRE ........................ 22 CAPTULO 5 - VIDA DE ESTUDANTE POBRE .................................. 27 CAPTULO 6 - A CARREIRA MILITAR ............................................... 31 CAPTULO 7 - CADETE DO EXRCITO ............................................. 33 CAPTULO 8 - A FORMATURA, A VIDA MILITAR E O CASAMENTO ................................................................ 39 CAPTULO 9 - VOLTA AO RIO E VIDA DE ESTUDANTE............ 44 CAPTULO 10 - UM AMIGO, UM ANJO, UM LIVRO ......................... 46 CAPTULO 11 - VIDA DE ILUSES E DE COMANDANTE MILITAR ..................................................................... 48 CAPTULO 12 - CARREIRA DE PROFESSOR E A INSATISFAO INTERNA ....................................... 53 CAPTULO 13 - NOVO CASAMENTO, NOVA FASE DE APRENDIZADO .......................................................... 59 CAPTULO 14 - UMA HISTRIA COMUM INTERROMPIDA .......... 70 CAPTULO 15 - HISTRIAS DA PAULA E DA TATIANA ................ 74 A.HISTRIA DA PAULA ........................................... 74 B. HISTRIA DA TATIANA ...................................... 77

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SEGUNDA PARTE: A ILHA DO FUTURO E SUA HISTRIA .......... 82 CAPTULO 1 - A BUSCA DE UM ESPAO PARA VIVER ................. 83 CAPTULO 2 - A CASA SEMENTE ....................................................... 88 CAPTULO 3 - CONSTRUO DOS CHALS .................................... 93 CAPTULO 4 - SALA DE MEDITAO E A HISTRIA DE CAIO MIRANDA .......................................................... 97 CAPTULO 5 - CHAL DA TERRA E RECANTO DO SABOR ......... 102 CAPTULO 6 - ACIDENTES E GRANDE APRENDIZADO ............... 105 CAPTULO 7 - JAN VAL ELLAM E UM QUEBRA CABEA .......... 118 DETALHES DO PRIMEIRO ENCONTRO ................. 118 LIVROS DA TRILOGIA DE JAN VAL ELLAM ........ 121 A CHAVE DO APOCALIPSE ...................................... 122 PALESTRA EM CASA ESPRITA DE RESENDE......................................................................123 CONCEITO E LEI DA REENCARNAO ................. 126 DVIDA E ESCLARECIMENTO SOBRE O HOMEM ROGRIO ................... ................................. 128 PARENTESES SOBRE ALIMENTAO NATURAL .............................. ..................................... 129 SEMINRIO EM NATAL - RGN ................................. 130 OUTROS ENCONTROS ............................................... 132 VIAGEM DE CARRO AT NATAL ............................ 132 SEMINRIO EM UBATUBA E NOVA MISSO ....... 134 CAPTULO 8 - AMIGOS, HSPEDES E COLABORADORES DA ILHA ....................................................................... 141 CAPTULO 9 - EXPERINCIA MGICA COM OS PSSAROS....... 162 CAPTULO 10 - EPLOGO SEM UM FINAL ....................................... 169 ANEXO 1 - A CHAVE DO APOCALIPSE ........................................... 175 ANEXO 2 - UMA HISTRIA PARA REFLEXO .............................. 203 ANEXO 3- MSICAS PARA REFERNCIAS ..................................... 218 ANEXO 4 - REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................ 225

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PREFCIOPor: JAN VAL ELLAM Penso encontrar-me entre seres humanos que tm o privilgio de poder perceber a beleza e a generosidade da existncia em quase tudo o que nos cerca. Assim, apesar do aparente caos que nos envolve, a insistncia das cores do Belo e do Bem saltam diante dos meus olhos por entre as brumas do tempo atual das nossas vidas. Penso tambm ser um dos que sabem que a existncia sempre bela e generosa. A vida, porm, ser sempre o que dela fizermos com as nossas posturas ntimas e atitudes e, bela e generosa tambm ela ser se os nossos olhos e atitudes estiverem alinhados com os altos propsitos da existncia. H, contudo, um tipo de niilismo que nega os valores supremos da existncia, num primeiro momento de percepo de mundo, para depois, como disse o prprio Nietzsche, superar a negao e, mais tarde, construir o seu prprio modo de, no s ver a vida, mas, principalmente, de como vivenci-la, de como honr-la por meio da contribuio pessoal. Se nada vale a pena para o niilista passivo, num primeiro momento dessa percepo, h contudo, o que Nietzsche chama de niilismo ativo que representa, em ltima instncia, o aumento do poder do esprito sobre a impresso que as coisas do mundo aparentemente causam a quem sobre ele resolve refletir. Nietzsche diz que nesta etapa de niilismo o seu mximo de fora relativa, o (esprito) alcana como fora violenta de destruio: como niilista ativo. E classifica a si prprio como o primeiro niilista europeu perfeito, isto , o primeiro niilista europeu que j viveu em si o niilismo at o fim, j o deixou para trs de si e o superou. Aqui, o que importa vida passa a tudo valer para os que professam o cdigo filosfico daqueles que ousam construir num mundo onde quase todos destroem, como tambm para os que professam a f no Bem e no Belo, ideais supremos de existncia. Assim Theo e o seu livro, ambos autor e obra, uma homenagem bondade e beleza da vida. So dcadas de uma existncia comum - como insiste o autor em ressaltar - dedicada

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construo do ideal de Fraternidade e semeadura da reflexo sobre temas gerais da vida e este livro aparece como verso ltimo de um poema existencial ainda inacabado j que outros poemas havero de vir. O passar de cada uma das suas pginas transforma-se em exerccio de construo das etapas do cotidiano de um homem que se fez simples exatamente porque teve o mrito de perceber a grandeza e a complexidade da existncia a sua volta. E o seu livro nos mostra o seu modo de olhar a vida, com seu auto afirmado jeito comum de ser, fornecendo uma viso grandiosa dos seus mltiplos painis no campo da busca pessoal e do descortinar de novos horizontes. Caminhante de muitas estradas, bebedor de muitas fontes de sabedoria, Theo fez pousar finalmente a sua busca na seara espiritual com os olhos postos na amplitude maior da realidade plena que a tudo envolve sem perder de vista o carinho e ternura que cada ser humano merece, independente de sua origem ou preferncias. O que em alguns parece diminuir, por fora da subordinao aos aparentes limites impostos pelas fronteiras religiosas, a percepo espiritual em Theo o agigantou, na medida em que ele se fez menor para mais poder dar de si, exemplo maior da verdadeira mediunidade: aquela que d e nada pretende receber. O seu livro no para de encantar e de surpreender como jamais parou o seu autor de sempre se movimentar pelas estradas da vida, algumas poeirentas, outras cheias de disciplina e de hierarquia, mas por todas elas deixando a marca pouco comum dos que verdadeiramente buscam e dos que constroem, utilizando-se da engenharia complexa da retido de princpios e de propsitos, associada a sua eficcia no campo da arquitetura dos sonhos e das realizaes. E Theo sonhou e realizou, na verdade soube sonhar e foi mestre na realizao do que se props. E este livro, parte dos seus sonhos e das suas realizaes aparece como fotografia singular de um de seus sonhos mais belos que, em sendo executado plantou no solo da Serra da Mantiqueira um pedacinho do cu em plena Terra: a Ilha do Futuro. O sonho de ontem hoje rvore frondosa que j produziu muitos frutos belos e saborosos dos quais j se serviram todos os que

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tiveram o privilgio de serem abraados por Theo, por Sirpa e demais familiares, no aconchego do singelo paraso por eles construdo e edificado em plena Terra. A nossa sorte e aqui fao-me criana que na portaria da Ilha do Futuro no est So Pedro a nos cobrar a boa conduta para que l possamos adentrar. Equivocados que somos quase sempre nas lides terrenas, Theo o substitui na sua generosidade em acolher a todos os que ali chegam, dando-lhes guarida com o seu esprito livre e aberto que a todos abraa sem nenhum tipo de distino ou cobrana de qualquer naipe. Sinceramente, espero que quando chegar a nossa hora de deixarmos esta vida e quando para o cu nos dirigirmos pretendendo l entrar, que o amoroso So Pedro nos veja com os mesmos olhos com que este cicerone terreno to generosamente nos oferta com sua Ilha do Futuro e com seu corao sempre aberto aos que dele se acercam. Que este livro possa, portanto, servir de porta de entrada para muitos outros reinos de encantamento presentes nas suas pginas singelas, nas quais o carinho e a ternura de um homem por tudo o que o envolve saltam diante dos nossos olhos como se a nos convidar sempre a sermos caminhantes que jamais desistem de seus sonhos e de seus ideais.

Jan Val Ellam

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INTRODUO

INTRODUONo dia 7 de fevereiro de 2002, resolvi dar incio a uma empreitada que vinha adiando h muito tempo. Confesso que escrever um livro sempre foi um dos maiores desafios para a personalidade que assumi nesta vida. No que eu me sinta incapacitado para tal, mas sim, porque aps ler tantos livros maravilhosos, tinha uma sensao que pouco poderia acrescentar de novo literatura existente. Alguns dos livros que li, nos meses anteriores a esta empreitada, me deram uma ideia de estar em contato com informaes que j estavam armazenadas na minha mente fsica. Entre elas, histrias que eu contava nas partilhas que se realizavam na ILHA DO FUTURO. Eu j as tinha armazenado como se fossem de minha criao e propriedade. Estava me esquecendo de um dos princpios mais importantes da busca espiritual: NOSSO EGO, NOSSA MENTE ESPIRITUAL, NOSSOS PENSAMENTOS e NOSSO ESPRITO SE CONFUNDEM COM NOSSA ALMA, DENTRO DO NOSSO CREBRO FSICO. Acabamos achando que tudo vem da nossa cabea e com isso adquirimos o conceito de propriedade sobre nossas ideias. Ora, este conhecimento ou esta ideia, que parece inusitada est vindo minha mente neste exato momento em que escrevo estas linhas. Ento, a quem pertence esta ideia e todas estas coisas, acima citadas? Talvez a resposta mais prxima da verdade seja: TUDO ISTO PERTENCE AO INCONSCIENTE COLETIVO, AO UNO, A DEUS, AO TODO. Assim sendo, este livro que agora escrevo no me pertence, pois ele composto pelas ideias que estou tirando do inconsciente coletivo. Ora, se no me pertence, eu teria o direito de vend-lo? Talvez a resposta para esta pergunta esteja na atitude que todos os grandes Mestres tomaram, quando aqui nesta Terra viveram. Eles nada possuram. Nada cobraram. Doaram tudo, pois

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nada lhes pertencia. assim que vivem as sociedades mais evoludas dos outros planetas habitados. Um dia, ns chegaremos l. Mas os grandes Mestres no escrevem livros, s passam informaes. Como eu sou um homem comum e estou escrevendo este livro, a deciso de comercializar um livro, ficar para o futuro, apesar de estar inclinado a seguir a hiptese da doao e ser mais um a realizar esta atitude: fazer, entre os homens comuns, uma doao do seu trabalho. Dentro da ideia acima, este trabalho de escrever no meu! Lgico que acredito que neste momento outros seres podem vir a tomar esta mesma atitude. Realizar um trabalho literrio voluntrio. Portanto, eu seria apenas um dos. O problema seria a parte legal junto a uma editora que precisa de um autor e precisa cobrar os custos da edio. Mas isto tambm pode ser resolvido. No momento que vocs estiverem lendo estas linhas, vocs sabero qual atitude decidi tomar. Outra atitude a ser considerada e copiada a de Chico Xavier, que doou todo o dinheiro arrecadado com seus livros para entidades assistenciais. Juridicamente, mesmo um mdium, precisa registrar o livro em seu nome, apesar da obra escrita ter sido psicografada. Uma soluo disponibilizar o livro na Internet, o que seria ecologicamente correto, por economizar papel e indiretamente as florestas do planeta. Mas gostaria de imprimir uma quantidade mnima de exemplares para doar para os amigos que no gostam ou no tem como ler no computador. Mas vamos razo deste ttulo. Por que o ttulo: UM HOMEM COMUM, UMA HISTRIA, UMA ILHA ESPIRITUAL? Vamos por partes. UM HOMEM COMUM, porque eu nada tenho de especial em termos de valores espirituais. Nunca fiz uma projeo consciente fora do corpo, como muitos autores de livros espirituais afirmam que fazem. Nunca vi uma nave espacial ou um ser extraterrestre. Em minhas andanas por este mundo, nada de para normal me aconteceu. Meu mundo neste sentido bem restrito ao Brasil, pois

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INTRODUO

nesta vida nunca sa das fronteiras do pas em que nasci. No consigo ver a cor da aura de ningum, embora sinta intuitivamente quando a energia que envolve uma pessoa est harmonizada ou no. No vejo espritos desencarnados, nem ouo palavras dos espritos como fazem alguns mdiuns. Sinto apenas algumas sensaes. No psicografo mensagens de espritos desencarnados, como alguns escritores o fazem. Em outras palavras, nada de especial em termos espirituais ocorre comigo, pelo menos nesta vida. E o interessante que eu acredito em tudo isso, como se fizesse parte de um arquivo interno a que eu no tenho acesso fisicamente. E aqui, vo mais algumas coisas, que nesta vida no tive oportunidade de ter experincia: lembranas de vidas anteriores, apenas intuies, nenhum poder anormal ou algo semelhante. Apenas uma sensao ou intuio, que numa vida anterior, eu tive alguns poderes e de alguma maneira no soube us-los. Por que UMA HISTRIA? Uma histria porque pretendo contar aqui um pouco da minha vida comum: onde nasci, em que condies familiares e financeiras aconteceu minha formao escolar e religiosa, como encontrei meus companheiros de jornada e como resolvi entrar nesta busca espiritual. Talvez, quase uma autobiografia, mas com o intuito de mostrar aos leitores que possvel uma pessoa comum ser muito feliz, ter muita sade e atingir uma estabilidade profissional, moral e espiritual. Dentro desta histria, pretendo mostrar e descrever aquilo em que acredito e aplico no meu dia a dia. E, finalmente, o porqu de UMA ILHA ESPIRITUAL! Neste sentido, pretendo relatar como minha companheira, meus filhos e eu, encontramos este lugar sagrado, onde foi construda a ILHA DO FUTURO. Contarei aqui, os milagres que foram acontecendo dentro deste espao maravilhoso. Este relato se mistura com a histria da minha vida e da minha famlia. Trs meses se passaram desde que comecei esta introduo e muitas dvidas vieram minha mente, sobre a validade ou no de

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INTRODUO

continuar escrevendo. Numa das tentativas de escrever, o prprio computador que estava usando para digitar esta introduo apresentou um defeito. Seu HD manifestou problemas que me impediam, de abrir o Windows, para acessar o trecho j escrito. Como na ILHA DO FUTURO, onde escrevi estas linhas, no existia na poca energia eltrica comum, mas s a gerada por painis solares, no havia condies de ter ali um computador grande, mas sim um LAPTOP, cujo HD s existia, naqueles dias, em So Paulo. Com isso, levei muito tempo para ter acesso ao que j havia escrito e fiquei imaginando se tudo isso no era um sinal para desistir da ideia de escrever. Depois, mais adiante, outros fatos ocorridos fizeram com que os escritos do livro fossem interrompidos por vrios anos. Se h alguns meses atrs, antes deste momento de escrever estas linhas, eu tinha dvida de comercializar o livro que estou escrevendo, hoje ao redigi-las, tenho mais uma dvida. Ainda mais forte que a primeira: devo ou no continuar a escrever o prprio livro, j que como disse nada tenho de excepcional para relatar e, aps ter lido tantos livros maravilhosos, para que escrever? Se vocs esto lendo porque fui teimoso e fui adiante. Para continuar este relato simples, sem grandes fenmenos espirituais, o nico estmulo (vou repetir) o de poder passar um exemplo. Um exemplo, com alguns fatos interessantes que levaram a alguns conhecimentos espirituais profundos, conhecimentos ecolgicos para podermos preservar este querido planeta e conhecimentos sobre medicina natural que eu e minha esposa pudemos reunir e aplicar em nossas vidas, obtendo sade e considerada condio fsica e mental. Espero que isto e algumas histrias interessantes sirvam de atrativo para o texto do livro. Preciso vencer estas dvidas, procurando obter novamente inspirao para continuar, mesmo porque esta uma experincia nova, pelo menos nesta vida e como no tenho lembrana de nenhuma vida anterior... Portanto, encerro por aqui esta introduo, que devido s minhas incertezas comeou a ficar redundante. Vou, a partir deste momento, escrever a primeira parte daquilo que me propus a contar.

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INTRODUO

Esta primeira parte ser a histria de minha vida como um homem comum. Como esta parte uma histria relatada desde meu nascimento, embora de maneira resumida, ela pode ser um pouco cansativa para algumas pessoas, mas necessria para o entendimento dos fatos que me levaram ao meu momento de vida atual. Alguns fatos interessantes marcaram estes anos iniciais. Este perodo tambm o mais difcil de ser relatado, pois era muito ligado ao ego e vida mais material. Somente quando o relato chegar aos meus 30 anos (dcada de 1970) poderei comear a descrever sobre minha experincia espiritual mais aprofundada. At l, eu estava adormecido pela busca material e seguia uma religio que poucas chances me davam para refletir e perguntar: QUEM SOU E O QUE ESTOU FAZENDO AQUI? QUAL MINHA MISSO NESTA VIDA?, como procuro fazer hoje em dia.

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PRIMEIRA PARTE: UM HOMEM COMUM, UMA HISTRIA

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CAPTULO 1 NASCIMENTO DE UM CARIOCA, FILHO DE GACHOS

CAPTULO 1 - NASCIMENTO DE UM CARIOCA, FILHO DE GACHOSEu nasci em 13 de dezembro de 1941 na cidade do Rio de Janeiro, sendo filho nico. Meus pais eram gachos. Estava, portanto, quando escrevi estas primeiras linhas, com mais de 60 anos de idade. Por que CARIOCA, com pais gachos? Isto implica em um pequeno relato interessante. Meu pai, Ruy da Costa Mendes, nascido no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai, veio bem cedo, ainda na sua juventude, se dedicar ao jornalismo na cidade de Passo Fundo e se no me engano, no jornal de nome Nacional, daquela cidade. Conheceu minha me, Guilhermina Piana, filha de italianos. Nasceu numa colnia destes imigrantes, no interior do Rio Grande do Sul. Mulher bonita, embora analfabeta, encantou meu pai e se casaram rapidamente. Ela passou a usar como nome de casada Guilhermina Mendes, embora fosse conhecida entre os seus parentes e amigos como Selma, nome afetivo adotado desde sua infncia. Meu pai recebeu, logo depois do casamento, um convite para vir para o Rio, a fim de preparar com outros jornalistas e polticos o retorno de Getlio Vargas Presidncia da Repblica. Deslocaramse de mala e cuia para a linda e encantada, ento Capital Federal, cidade maravilhosa do Rio de Janeiro. Foi quando eu nasci. Quando eu estava com sete anos, meu pai, devido ao seu trabalho estafante e talvez a algumas noitadas, pois ele no podia ver mulher bonita, pegou a insidiosa doena da tuberculose. Foi um Deus nos acuda. Lembro-me at hoje que minha me me obrigava a levar para o bom colgio que eu estudava em Laranjeiras, uma garrafa de suco de cenoura, todos os dias, para tomar no recreio. Segundo ela, era para evitar que eu pegasse a doena do meu pai. At hoje tenho dificuldade de tomar este suco. Acho que fiquei traumatizado ou enjoado de tomar tanto suco de cenoura, que s vezes, acompanhado pela presena da braba professora do pr-primrio, era obrigado a ingerir.

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CAPTULO 1 NASCIMENTO DE UM CARIOCA, FILHO DE GACHOS

Os mdicos consultados aconselharam meu pai a mudar de vida e se afastar do Rio de Janeiro, pois na poca a tuberculose ainda causava muitos bitos e, ele precisava de muito repouso, longe da poltica e da vida atribulada da capital federal, bem como das noitadas de que minha me reclamava muito.

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CAPTULO 2 INFNCIA NA FAZENDA

CAPTULO 2 - INFNCIA NA FAZENDAMeu pai acabou por largar tudo no Rio e voltou com toda a famlia para o interior do Rio Grande do Sul, para morar, de favor, no sto de uma casa de madeira, numa fazenda de gado, no interior da cidade de Passo Fundo. Casa esta, onde morava minha tia, irm de minha me, com o marido e filhos, sendo ele, empregado da fazenda. Foi um contraste muito grande para minha cabea de criana. Sair de uma boa escola de uma cidade grande e, de uma hora para outra, se encontrar vivendo no teto de uma casa de fazenda, sem direito a nenhum tipo de escolaridade, sem recursos financeiros para escolher o que comer, uma vez que nossa alimentao vinha toda como doao por parte da famlia dos meus tios. Recordo que uma das minhas brincadeiras favoritas era pular no monte de casca de arroz feita pelo descascador da fazenda, passar pela cerca fugindo das vacas e, s vezes, entrar escondido no depsito do armazm da mesma fazenda, para pegar pedaos de torresmo e doces caseiros. Depois de alguns meses de melhora na sua sade, costumava ver meu pai montado no lombo de um cavalo, tocando a boiada para o curral. Minha pequena compreenso de criana no conseguia relacionar a carne que eu recebia na mesa durante as refeies com a necessidade de matar o gado, que era conduzido pelos pees para dentro de um corredor afunilado do curral. Eu assistia o momento em que o responsvel pela execuo, enfiava o faco na jugular do gado escolhido para aquele dia e o animal ficava esperneando e se esvaindo em sangue at cair desfalecido. Minha personalidade infantil ficava muito impressionada e martirizada por aquela cena. possvel que este seja, entre outros motivos, o porqu de hoje no conseguir mais comer carne de gado e galinha, optando pela alimentao ovo - lacto vegetariana, usando esporadicamente peixes e frutos do mar. Depois de passar algum tempo, meu pai, que tomava muito leite e tinha uma vida e alimentao relativamente saudvel, acabou

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CAPTULO 2 INFNCIA NA FAZENDA

por se curar da insidiosa doena. Como era uma pessoa muito inteligente e culta, acabou recebendo tarefas mais de acordo com sua bagagem cultural. Muito tempo depois fiquei sabendo que o leite, principalmente em demasia, deixa sequelas no organismo fsico. Para os homens, na prstata e para as mulheres, na mama, onde se pode at desenvolver um cncer, pois o organismo no sabe como eliminar a lactose armazenada. O tema morte comeava, j nesta poca, a intrigar minha conscincia, a ponto de at hoje, estar bem registrada na minha lembrana a cena de um capotamento de um velho nibus na estrada de terra que passava em frente fazenda, onde a curiosidade e a ansiedade, que sempre me acompanharam, me levariam correndo at junto do nibus capotado. Pude me deparar, chocado, com a viso do corpo do motorista que havia falecido no prprio local. como se o tempo tivesse parado e eu quisesse entender, naquele instante, para onde tinha ido a energia que animava aquele corpo, um pouco antes, dando-lhe o poder de dirigir aquela enorme e fabulosa mquina, que poucos minutos antes se deslocava em velocidade pela estrada, levantando uma cauda de poeira na serpenteada estrada de terra. E assim, tive o meu primeiro contato consciente com a morte fsica. Nesta poca, a inteligncia e a capacidade administrativa do meu pai chegaram ao conhecimento dos donos da fazenda. Como na frente da fazenda, junto estrada principal, j existia um armazm de secos e molhados que pertencia prpria fazenda e que vendia todos os produtos dela, os seus donos propuseram ao meu pai montar um armazm semelhante dentro da cidade de Passo Fundo, sob sua administrao, para poder ter mais perto do pblico da cidade os seus produtos. E assim foi feito.

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CAPTULO 3 VOLTA PARA A CIDADE

CAPTULO 3 - VOLTA PARA A CIDADEMeus pais foram morar numa casa que na frente era de alvenaria e onde ficava o armazm. Nos fundos, era de madeira, mas confortvel, onde ns passamos a viver e trabalhar. Esta casa ficava numa rua atrs de um grande colgio de freiras onde s podia estudar meninas. Mas, no sei como, meu pai conseguiu que eu fizesse o primeiro ano primrio neste colgio. Ali recomecei meus estudos e tive minha formao religiosa catlica, com as rigorosas freiras desta escola. Este fato me trouxe uma lembrana: mais tarde, j com mais de sessenta anos, um mdium amigo, de quem falarei mais tarde, mandou me dizer que em uma vida anterior, fui uma grande autoridade da igreja catlica, com atitudes complicadas. Esta vida passada teria sido na poca da Inquisio, h centenas de anos atrs. Talvez, se isso for verdade, explica-se o porqu de, s vezes, vir uma sensao de ter tido num passado distante, muito poder e de ter usado indevidamente este poder. Isto criou certo carma negativo, que impede que hoje, nesta vida, algum dom espiritual especial esteja me acompanhando. Mas, este assunto da espiritualidade fica para ser desenvolvido com mais detalhes mais adiante. Voltando minha infncia em Passo Fundo. Eu estudava pela manh e depois ficava o resto do dia, s vezes ajudando no armazm e s vezes brincando com pequenos caminhes de madeira que eu mesmo construa. Mas, o simples fato de ter, novamente, o direito de escolher a comida e poder voltar a estudar, fez com que eu aceitasse facilmente o rduo trabalho no armazm. Nos fins de semana, voltvamos para a fazenda, mas isto foi ficando cada vez mais espordico. Eu estaria na poca beirando os dez anos de idade e a Igreja Catlica respondia a maioria das minhas dvidas no aspecto espiritual. Meu pai no estava muito satisfeito com sua misso de administrador do armazm e logo seus contatos polticos voltaram a lhe trazer sonhos mais ambiciosos.

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CAPTULO 3 VOLTA PARA A CIDADE

Ele diariamente se afastava do armazm, deixando-me com a minha me. Conseguiu um outro ajudante, trabalhando nas vendas. Naquela poca era tudo na base do caderninho, ou seja, era fiado. Passou um ano e meu pai desistiu do armazm. Mudamos para outra casa, numa chcara, onde minha me cozinhava no fogo lenha e o vaso sanitrio no existia. Muito menos gua encanada. As necessidades eram feitas fora de casa, em cima de uma fossa. Eu tinha um medo enorme de cair dentro daquele buraco fundo, cheio de fezes, a ponto de noite ter pesadelos em cima desta hiptese. Transferiram meus estudos para um colgio pblico, pois parecia que meu pai, envolvido com seus sonhos polticos, j no deixava muito dinheiro em casa. Ele passou a fazer viagens para a fronteira, onde ao que parecia, fazia seus encontros polticos com os partidrios desejosos do retorno de Getlio Vargas, que nesta poca estava exilado no Uruguai. Como faltava dinheiro para minhas necessidades de criana, comecei a vender na cerca, frutas do grande quintal para os passantes. Minha me passou a providenciar a poda das rvores de erva mate para poder tambm, obter algum dinheiro para as primeiras necessidades da casa. As viagens de meu pai comearam a ficar mais longas. Lembro-me vagamente de que em alguns fins de semana, quando meu pai aparecia, fazamos passeios de charrete, puxada por um cavalo, por estradas de terra, para lugarejos vizinhos. Eu me sentia muito feliz em poder dirigir por alguns momentos, puxando as rdeas do cavalo. Na frente da nossa casa, que mais parecia uma chcara, do outro lado da rua, existia um grande terreno baldio, onde s vezes se instalava um circo. Embora fosse ainda um garoto, eu ajudava em trabalhos pequenos na montagem do picadeiro e da lona, para poder ter direito a alguns trocados e entrada gratuita para o espetculo. Meu sonho era ter uma bicicleta, que naquela poca era muito cara, mesmo para famlias de classe mdia, por isso sempre que podia, eu juntava alguns mil ris.

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CAPTULO 4 VIDA DE RICO EM PORTO ALEGRE

CAPTULO 4 - VIDA DE RICO EM PORTO ALEGREUm dia, quando eu menos esperava, meu pai voltou de uma de suas viagens com uma bicicleta importada, que tinha trazido do Uruguai e este foi um dos dias mais felizes da minha infncia. A partir da, nossa vida mudou, pelo menos por um tempo, financeira e afetivamente. O Getlio se elegeu novamente, no incio da dcada de cinquenta para Presidncia da Repblica e meu pai foi nomeado funcionrio do Governo, no Instituto de Aposentadoria e Penso dos Industririos (IAPI) em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Mudamos para Porto Alegre, onde moramos numa boa casa da vila do IAPI e tudo corria de vento em popa. Meu pai jogava futebol nos fins de semana e me levava junto. Minha me cuidava da casa e de mim. Ele foi subindo de cargo e acabou se tornando diretor geral do IAPI. Lembro que nesta poca tiraram uma foto onde eu estava com meu pai distribuindo gneros alimentcios e na mesma foto o Presidente do Brasil, Senhor Getlio Vargas, bem ao nosso lado. Seria isto importante para meu ego, mas de pouco valor para o esprito. Tanto que o destino fez com que esta foto fosse queimada num incndio da minha casa, dezenas de anos depois. Para ser mais preciso 50 anos depois. Tenho a intuio que o desaparecimento desta foto faz parte do carma negativo, que pede para que nenhuma fama me acompanhe nesta vida. Voltando ao passado. Meu pai comprou um terreno num bairro de ricos e mandou construir uma casa de classe mdia alta, em poucos meses. Eu parecia estar vivendo num sonho. Meu pai comprou um carro importado conversvel vermelho, modelo Mercury, da Ford. Eu adorava sair com ele, recebendo o vento no rosto e curtindo aqueles momentos felizes. Minha me trazia suas irms para passar os fins de semana na nossa nova e maravilhosa casa. De vez em quando, eu

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CAPTULO 4 VIDA DE RICO EM PORTO ALEGRE

assistia s brigas de cimes de minha me com meu pai, nas suas chegadas s altas horas. Mas, nada que um bom presente e o dinheiro sobrando no conseguissem resolver e apaziguar. Esta fase foi para mim interessante e diferente. Meus amigos eram filhos de pessoas ricas, que moravam em manses nas imediaes de nossa casa. At hoje me lembro de uma praa de nome Japo, que ficava bem prximo nossa nova casa e onde existia uma rvore de tamanho avantajado, tipo figueira, onde eu passava horas brincando e caminhando sobre seus longos e frondosos galhos, quase horizontais. Poucos anos atrs, em 1996, estive revendo esta rua onde morei. Fui visitar a rvore e fiquei surpreso em observar os detalhes que eu lembrava e pelo seu mesmo porte. Foi uma sensao estranha voltar ao mesmo lugar, depois de quase quarenta anos passados. Eu estava, naquela poca, com 13 anos de idade. Apesar das boas condies financeiras, eu gostava de ganhar uns trocados num clube de ingleses prximo nossa rua, onde eu ajudava nas quadras de tnis como boleiro. Um dia, meu pai descobriu e me deu a maior bronca, pois ele no admitia que seu filho estivesse trabalhando para os ricos ingleses. Ele dizia que sua situao de diretor no se coadunava com esta minha atitude. Talvez esta proibio fizesse com que j na aposentaria escolhesse o esporte da raquete como minha maior diverso e hobby. Veio ento o grande baque. O Presidente Getlio se suicidou em agosto de 1954. Em poucos dias meu pai perdeu o cargo de confiana. Toda a mordomia e a facilidade financeira do cargo que meu pai exercia se perderam em poucos meses e a partir da, dvidas e mais dvidas foram se acumulando. Meus pais tiveram que vender a nova casa por um preo abaixo de seu valor de custo e em seguida o carro. Compraram, ento, de um cunhado da minha me, que era construtor, um apartamento em suaves prestaes, para que no ficssemos novamente sem ter onde morar. Mas as dvidas criadas e os favores obtidos com os parentes de minha me foram demais para o orgulho j abalado de meu pai. Tudo isso, junto com a falta de dinheiro e algumas chegadas de madrugada, acabaram por terminar com o j

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CAPTULO 4 VIDA DE RICO EM PORTO ALEGRE

falido casamento de meus pais. Ele foi viver no Rio, enquanto eu e minha me ficamos morando no apartamento no bairro de Petrpolis em Porto Alegre. Como meu pai levou tempo para conseguir outro emprego, a falta de ajuda financeira levou minha me a trabalhar como manicure e cabeleireira dentro do nosso prprio apartamento. Com isso, pagou-se aos poucos, para o meu tio, o apartamento que ele havia vendido em pequenas prestaes. Assim, eu pude continuar meu estudo at o final do ginsio. Embora fosse um colgio pblico, era uma escola de renome na capital gacha: o famoso Jlio de Castilhos, ou Julinho. Minha av materna, conhecida como Nona por ter nascido na Itlia e ter vindo para o Brasil com seu marido tambm italiano, depois de ficar viva morava, revezando na casa de um dos seus doze filhos ou filhas. Nos anos em que ficou na nossa casa, gostava de fazer benzeduras nas pessoas com problemas de sade. Eu ficava curioso para saber como funcionava aquela energia, que aparentemente obtinha resultados, j que muitos parentes e amigos procuravam seu atendimento. Muitos anos depois, com meus estudos de Reiki e Fsica Quntica, obtive algumas respostas. Uma vez por ano, quando meu pai mandava um dinheiro, eu dava um pulo no Rio, aproveitando s vezes alguma carona. Em algumas oportunidades passava na casa de meu padrinho, irmo do meu pai, em So Paulo, capital. Meu pai continuava fazendo seus bicos nos meios polticos do Rio. Como o dinheiro era curto, ia quase sempre para o Rio de nibus, ou carona. E assim, minha vida foi seguindo at minha adolescncia entre trancos e barrancos, como se dizia l nos pampas. Uma coisa de que eu no gostava era voltar para casa e encontrar minha me com algum namorado novo. Como era filho nico, talvez fosse um sentimento de posse, que hoje eu entendo como algo negativo pelo lado espiritual. Engraado que isso no ocorria quando via meu pai na mesma situao. Seria um pouco de machismo? Nesta poca, conheci meus amigos da adolescncia e juventude, mais prximos e ouso citar alguns de seus nomes aqui: Jaques, Zaleuco, Jos Paulo, Jos Carlos e Oswaldinho. Destes, tive

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uma aproximao mais confidente e prolongada com o Jos Carlos Jaques que mais tarde, nos primeiros anos do meu segundo casamento, veio a falecer e acredito que se tornou um amigo espiritual. Eu e o Jaques costumvamos sair para procurar namoradas e programas da adolescncia. Reunamos-nos para ouvir msica mexicana da poca, confidenciar dvidas e em algumas oportunidades compartilhar um pequeno aperitivo nas noites de reflexo ou paquera. O tempo foi passando, at que um belo dia, no incio do ltimo ano do ginsio, minha me me chamou para dizer que eu no poderia continuar meus estudos. Ela no tinha mais condies de me manter no colgio, pois o meu pai no estava mandando a penso e o Instituto de Beleza, que ela mantinha na sala da frente, no era mais suficiente para nos sustentar. Fiquei chocado e confesso um pouco desesperado, dentro de meus dezesseis anos de idade. Primeiro, porque a maior parte dos meus amigos era constituda de filhos da classe mdia que estudavam em colgios particulares e no trabalhavam para sobreviver. Segundo, porque eu nunca tinha pensado antes em parar os estudos e principalmente em trabalhar. No imaginava nem aonde poderia comear uma profisso. Peguei uma carona at So Paulo e corri casa de meu padrinho, irmo de meu pai, para ver se ele poderia me ajudar de alguma maneira. Ele era conhecido na famlia como Antoninho e sua esposa pelo apelido de Preta. Tinham uma filha de nome Erid, que se casou com Roberto e foram meus amigos, frequentando minha casa at o falecimento da Erid. Atualmente, com exceo dos netos, e talvez do Roberto, de quem perdi o contato, quase todos esto na vida espiritual. Meu padrinho era febiano, ou seja, tinha participado da Segunda Guerra Mundial, na Itlia, pela Fora Expedicionria Brasileira. Estava aposentado como capito pelo Exrcito e tinha uma vida at que confortvel, com carro, casa, televiso (coisa rara na poca), etc. Ele foi para a guerra como sargento, mas sua atuao nos campos de batalha da Itlia lhe deu algumas promoes e ele pde se aposentar com algumas vantagens. Mas, para meu espanto,

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ele me disse que no poderia (ou no queria?) me ajudar financeiramente, mas me aconselhou que eu entrasse para o Exrcito. Naquela poca eu nem sabia o que era isso direito, e comecei a lhe fazer um monte de perguntas sobre aquela possibilidade. Ele me explicou que se eu fizesse concurso para a Escola Preparatria de Cadetes, poderia continuar a estudar, ganharia o fardamento, casa, comida e roupa lavada, e ainda teria uma pequena remunerao como praa especial. Fiquei sabendo que existia em Porto Alegre uma escola deste tipo. Voltei para casa, todo esperanoso de ter encontrado uma soluo vivel. Neste ponto, antes de iniciar o prximo captulo, preciso fazer uma reflexo filosfica e espiritual. Dizem os livros com contedo espiritual, que escolhemos antes de nascer nossos pais e, por tabela, nossos irmos e parentes. Isto seria para cumprir com eles uma misso ou um carma adquirido em vidas anteriores. Na minha infncia e juventude tinha grande dificuldade para entender o porqu de ter nascido como filho nico de pais bastante complicados. Tinham culturas distantes e com grandes altos e baixos na vida material e espiritual. Hoje, tenho comigo uma forte intuio que minha escolha dos pais foi feita para aprender com eles lies de humildade, perseverana e desafios. Estas lies fizeram com que, junto com meu livre arbtrio e fora de vontade, a minha vida chegasse ao patamar deste momento, em que escrevo estas linhas. Mas no foi fcil passar por estes momentos, para depois entender. Em outras palavras, eles foram mestres do meu aprendizado. Hoje, no plano espiritual onde os dois se encontram, acredito que eles tenham melhor compreenso disto do que eu. Mal ou bem, meu padrinho Antoninho participou deste aprendizado, quando me negou a ajuda material e, contribuiu para que eu atingisse a estabilidade financeira que alcancei mais tarde.

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CAPTULO 5 VIDA DE ESTUDANTE POBRE

CAPTULO 5 - VIDA DE ESTUDANTE POBREVoltando para Porto Alegre, comecei a complementar as informaes dadas pelo meu padrinho e fiquei sabendo que o concurso era muito procurado e difcil. Os candidatos eram cerca de quinze mil para as trs escolas do Brasil, com cerca de quinhentas vagas ao todo e a escolha da escola, Porto Alegre, So Paulo ou Fortaleza, era feita pela classificao no concurso, que exigia o ginsio completo. Minha me, que no sabia nem entendia de nada do que eu esta tentando me informar, continuava me pressionando para que eu parasse de estudar e comeasse a trabalhar. Eu fui enrolando e comecei a pedir para meus amigos mais abastados, suas revistinhas em quadrinhos usadas, mas que estivessem em bom estado. Passei a vend-las na entrada do cinema, nas matins de sbados, domingos e feriados. A surpresa de meus amigos, que frequentavam aquele mesmo cinema situado no fim da linha do bonde, no bairro de Petrpolis, em Porto Alegre, no me desencorajou, apesar de ficar com um pouco de vergonha. Isso tudo acontecia l pelo ano de 1958. Se a memria no me falha, o nome do cinema era Ritz e hoje no mais existe. Com o pouco dinheiro arrecadado, consegui, a duras penas, pagar um cursinho preparatrio noturno, com trs aulas por semana. Sobravam uns trocados para o bonde e para algumas sesses de cinema, mas nada para suprfluos, roupas, revistas novas e outras cositas ms, comuns para os adolescentes daquele tempo. Foi um ano muito duro, estudando muito, sobrando pouco tempo para namorar, jogar futebol ou passear. Era do colgio para casa (para os livros), dali para o cursinho noite, que ficava no centro da cidade, de l para casa (de novo para os livros). Dormia pouco, estudava muito. Eu tinha sido um aluno mdio durante o ginsio. Tinha estudado o suficiente para passar de

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ano e fiquei sabendo que alunos mdios no passavam naquele concurso. Estava preocupado, pois sabia que minha me no me daria nova oportunidade no ano seguinte. Alm disso, fiquei sabendo que minha idade estava no limite para prestar aquele concurso, por causa das paradas no estudo, na minha infncia. Era a derradeira chance para continuar estudando e no precisar trabalhar. Eu nem mesmo sabia o que significava a vida dentro do Exrcito. Nem mesmo me interessava naquele momento, pois pensava apenas nas vantagens de uma escola gratuita, sem ter que trabalhar para me sustentar. O concurso seria em janeiro do ano seguinte minha formatura do ginsio. Fiquei sabendo em maro do ano anterior, que os candidatos do Exrcito no podiam ter p chato, nem esporo no calcanhar, pois isto reprovaria o candidato no exame fsico, que seria realizado aps o resultado positivo das provas intelectuais. Fiquei apavorado com esta hiptese e por minha conta e risco procurei fazer uma cirurgia corretora do calcanhar, num hospital pblico de Porto Alegre. Minha me s ficou sabendo quando eu j estava internado, numa semana de folga e de poucas aulas no colgio e no cursinho, por causa dos feriados da Pscoa. Por azar, peguei uma infeco hospitalar e tive que perder aulas. Parece que a coisa era feia, pois meu pai veio de avio do Rio. Foi chamado com urgncia e ele, com seu gnio e mania de poltico importante, fez o maior fuzu no hospital, obrigando os mdicos a realizarem exames de laboratrio para descobrir qual bactria havia causado a infeco, pois havia risco de vida para mim. Passados alguns dias, depois de muitos antibiticos, tudo voltou ao normal. Meu pai voltou para o Rio e eu voltei para as aulas. Nesta poca, ele estava por conseguir uma vaga no INPS (hoje INSS) e prometia que as coisas iam melhorar financeiramente. Como no acreditava mais naquelas histrias de polticos, preferi intensificar meus estudos para recuperar o tempo perdido. Meu medo de no passar era tanto, que passei a sentar nas primeiras carteiras da sala de aula do cursinho e a fazer todas as perguntas possveis durante o intervalo das aulas de Matemtica, Portugus, Fsica, Qumica, Histria e Geografia, que eram as matrias a serem testadas no concurso em janeiro do ano seguinte. Eram tantas as perguntas que passei a ficar conhecido entre

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os colegas do cursinho e talvez para alguns dos professores, como um chato. Somente no ano seguinte eu ficaria sabendo que o dono do cursinho e alguns de seus professores eram militares e davam aula na escola do Exrcito, para onde eu estava procurando o meu ingresso. Lembro-me at hoje de um fato interessante. Uma das aulas do cursinho estava, talvez por engano, marcada para a vspera de Natal, dia 24 de dezembro de 1958 e caa num dia de semana em que normalmente havia aulas previstas. Como era eu que pagava com meu esforo a mensalidade, no quis saber; botei os livros de matemtica embaixo do brao e segui para o centro da cidade noite, para assistir aula que estava marcada. Lgico que numa data como aquela, eu fui o nico aluno que compareceu. J estava quase indo embora, quando vi o professor de Matemtica chegar de carro para ver se as portas estavam bem fechadas ou ento para dar uma olhada na papelada de administrao, j que ele era um dos donos do cursinho. Seu nome seria Muller, hoje j falecido. Espantado com minha presena, resolveu perguntar se eu no tinha melhor lugar para estar numa vspera de Natal. Respondendo com um pouco da histria da minha vida, acabei por conquistar a ateno do apressado professor, que desejava, por certo, voltar logo para o convvio natalino com seus familiares. Ele talvez, com um pouco de compaixo pela minha situao, resolveu me dar alguns conselhos de como estudar e se preparar melhor para um concurso daquele porte. Uma das coisas que ele me ensinou e que nunca mais esqueci, e que uso at hoje quando tenho que estudar algo, foi o seguinte: estudar com trs lpis de cor na mo, sublinhando com vermelho o mais importante, com lpis azul o que era um pouco menos importante, e finalmente, com lpis verde o menos importante ainda, deixando o suprfluo sem sublinhar. Na vspera das provas, bastaria segundo aquele professor, s estudar e recordar o que j havia sublinhado, com as trs cores. Na madrugada do dia da prova, deveria fazer a ltima recordao, dando preferncia para o vermelho e se sobrasse tempo, revisar as outras cores. E assim fiz.

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Nesta poca, minha busca religiosa era toda dentro da religio catlica, religio que era seguida pelos parentes de origem italiana da parte de minha me. Ia todo domingo missa e por algum motivo que no entendo bem, eu era um devoto aficionado, tendo chegado a ser coroinha de igreja, termo usado para designar o ajudante dos padres para as cerimnias religiosas. Comungava sempre que meus pecados eram confessados. Vi muita coisa por trs dos bastidores com que no concordava. Embora hoje eu entenda que a misso da Igreja Catlica foi importante para mim e ainda , para seus seguidores. Naquela oportunidade o que vi e no gostei e os fatos e regras observadas me levaram aos poucos, a me afastar da religio. Chegado o dia da primeira prova, que era de Matemtica, meu sistema nervoso estava flor da pele, mas como eu havia estudado at o limite das minhas foras, a minha confiana foi aumentando. Aquilo que voc deseja, se voc fizer a sua parte, o Universo se encarrega do resto. Estavam correndo os dias de janeiro de 1959 e meu futuro dependia do que eu estava realizando naqueles momentos. As provas foram se sucedendo e eu adquiria cada vez mais confiana no resultado de meus esforos e dedicao intensa. O resultado das provas intelectuais veio em quinze dias: aprovado em 145 lugar entre quase 15.000 candidatos. Faltava a prova de educao fsica e o exame de sade, com mais um desafio: eu estava no limite mnimo da altura para a minha idade, e meus dentes no estavam nas melhores condies, mas a o Universo fez o resto. Em 9 de maro de 1959 eu entrava pelo porto da EsPPA (Escola Preparatria de Porto Alegre), para cumprir em regime de internato, um perodo de trs anos de estudos e preparao para a carreira militar, valendo como estudo do Cientfico (hoje correspondente ao segundo grau ou ensino mdio). Mas isto outra histria.

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CAPTULO 6 A CARREIRA MILITAR

CAPTULO 6 - A CARREIRA MILITARMinha vida na carreira militar se iniciava naquele ano de 1959. Embora tenham sido trs anos puxados, tanto nos estudos quanto nas atividades de educao fsica, a alegria de continuar estudando compensava tudo. Alm disso, o ego de um jovem ficava elevado quando ele entrava fardado num bonde para passar um fim de semana com a me e meus amigos de infncia, e todos olhavam com respeito. A carreira militar entre os gachos era muito respeitada, naquele tempo. Apesar da minha baixa estatura (1,67 m), o meu entusiasmo, dedicao e boa condio fsica, me levaram a participar de todas as competies internas como atleta da Companhia a que eu pertencia. Assim, fui atleta de vlei como levantador, de basquete como armador e ainda de sobra, fazia parte do atletismo. Isto para mim era motivo de muito orgulho perante meus amigos de infncia. Acabei me tornando um bom aluno e minha dedicao me fez ser respeitado tambm pelos meus professores e instrutores da escola. Ao final dos trs anos de estudo na Escola Preparatria de Porto Alegre, eu estava em quarto lugar na classificao geral. Para isso, alm do meu esforo, a tcnica que aprendi no cursinho me ajudou. Em uma aula de um determinado professor civil, que era contratado para dar aulas dentro da Escola Militar, ele me fez uma pergunta em sala: se eu acreditava na reencarnao. Como bom catlico e como ajudante de missa que eu tinha sido antes de entrar para a carreira militar, respondi rapidamente que no. De alguma maneira aquela pergunta me marcou tanto, que at hoje eu lembro do nome do professor: Fialho. Este foi meu primeiro contato com um assunto que ultrapassava os limites de minha religio. O tempo foi passando. Ao final do terceiro ano, os alunos aprovados em todas as matrias, atividades militares, educao fsica e conceitos eram

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CAPTULO 6 A CARREIRA MILITAR

automaticamente matriculados na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), em Resende, RJ, para continuar os estudos para se tornarem um Oficial do Exrcito Brasileiro. Nas frias do terceiro ano, entre uma escola e outra, resolvi trabalhar para ganhar algum dinheiro, pensando em deixar minha me com uma televiso, que era a coqueluche do momento e tambm para levar algum dinheiro para o Rio. Eu estava namorando uma menina em Porto Alegre, e queria ter em mos alguns trocados para voltar de nibus nos feriados para rev-la. Nesta poca, o ramo imobilirio estava muito promissor e foi fcil conseguir um emprego provisrio, numa grande imobiliria da capital gacha. Tinha um salrio fixo mais comisses sobre a venda dos apartamentos novos, que estavam sendo lanados em toda a cidade. Como eu tinha uma boa apresentao, boa cultura escolar e usando meu terno de formatura do ginsio, comecei a vender tantos imveis que em poucos dias ganhei tanto dinheiro como nunca tinha visto em toda minha vida, at ali. A possibilidade de ficar rico em pouco tempo subiu minha cabea de um jovem de vinte anos. Estava pensando seriamente em largar a carreira militar, no seguindo para a AMAN, quando o psiclogo da empresa em que eu trabalhava me chamou. No me lembro o nome deste senhor bem maduro, s o nome da grande imobiliria: Habitat. Ele foi mais um anjo que cruzou em minha vida. Explicou que aquela fase de ouro das vendas era provisria e que muitas vezes j havia presenciado em outras oportunidades, vrios vendedores desesperados sem vender nada. O salrio fixo mal dava para pagar o transporte para o trabalho. Tambm me disse que aquela fase de vacas gordas era muito rara no ramo das vendas. Assim foi que ao final dos trs meses de frias, eu decidi seguir para a AMAN. Dito e feito, um ano depois, meus colegas de vendas estavam todos com complicaes financeiras e muitos haviam mudado de ramo, pois as vendas de imveis novos diminuram assustadoramente. Foi uma boa lio que aprendi e pude usar mais tarde em outra oportunidade, fato que contarei no seu devido momento.

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CAPTULO 7 CADETE DO EXRCITO

CAPTULO 7 - CADETE DO EXRCITOO perodo que passei na AMAN, em Resende, entre 1962 e 1964, foi uma fase muito interessante na minha vida, apesar de ser passada dentro de uma Academia Militar, com toda sua disciplina rigorosa, muito estudo e muita correria para atender aos rgidos horrios entre as aulas, educao fsica, formaturas dirias e limpeza dos alojamentos, das camas e dos uniformes. Poderiam ser considerados trs anos de sofrimento. Pelo menos assim pensava a maioria dos meus colegas. Mas no meu caso isso no ocorreu. Talvez por ela, a AMAN, parecer para mim um castelo, com muito conforto, comparada com todos os lugares que passei na minha infncia e boa parte da minha adolescncia. Tinha tudo que eu no havia usufrudo at ento: piscina olmpica e de saltos, quadras de esportes, campo de equitao, quartos e banheiros bem arrumados e confortveis, sala de jogos, salas de lazer com televiso, bibliotecas, cinema, refeitrios gigantescos. Estes refeitrios eram para cerca de mil e duzentos cadetes. At o prprio ttulo de CADETE, que eu ostentava com muito orgulho, era para mim, muito importante. O primeiro ano, que era o Curso Bsico, reunia os alunos das Escolas Preparatrias e Colgios Militares do Brasil inteiro. Eram jovens que representavam todos os estados do imenso Brasil, de todas as religies, de todas as raas e classes sociais. Havia representantes descendentes de todas as origens que compem o povo brasileiro: alemes, italianos, japoneses, israelitas, poloneses, apenas para lembrar algumas nacionalidades. Embora existisse a exigncia que tivessem nascido no Brasil, no importando de onde seus pais tivessem vindo. Esta mistura de raas e religies at hoje, a meu ver, a maior ddiva do nosso querido Brasil. Atravs de meus colegas da Escola Militar, comecei a desenvolver um GRANDE AMOR PELO MEU PAS e pelo Exrcito em particular, que estava me proporcionando todo aquele conforto e toda a oportunidade de conhecer as origens da minha querida ptria. Hoje eu vejo que no Exrcito, atravs da AMAN, se pratica o verdadeiro e bem feito socialismo, embora esta palavra, dentro da Instituio, fosse vista

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como um perjrio, ao ser pronunciada. Parece uma contradio que s a poltica consegue fazer. Todos os jovens que ali estavam, vieram das Escolas Preparatrias ou Colgios Militares e tiveram oportunidades iguais. Dependiam dos seus esforos e de sua vontade para ali estar. Vejam o meu prprio exemplo e minha origem humilde. Ao ler nos jornais sobre as guerras religiosas e sociais que ocorriam no mundo todo e vendo estes mesmos povos se respeitarem no Brasil, cheguei concluso que eu tinha nascido num pas maravilhoso e estudava numa escola exemplar, que congregava pacificamente todas estas origens de povos e religies diferentes. Durante o primeiro ano, levado por este meu entusiasmo, me tornei um bom aluno. Participei de todas as competies esportivas entre as armas, em quase todas as modalidades. Com isso, e tambm pela minha baixa estatura, no me especializei em nenhuma modalidade esportiva e apesar de ter uma das mdias mais altas em educao fsica, no fui convocado para ser atleta da AMAN em nenhuma modalidade. Foi minha primeira, mas pequena frustrao na carreira militar. Mas isso foi logo compensado pela minha tima classificao na turma ao final do primeiro ano. Como a AMAN fica situada em Resende, RJ, ficava fcil ir, uma vez por ms, passar um fim de semana na casa do meu pai, no Rio. Nesta poca, ele j estava casado novamente e tinha tido duas filhas, Tnia e Tatiana, com a segunda esposa, Ceinha. Para mim era um grande orgulho descer de nibus para o Rio, no inverno fardado de azulo, como era conhecida entre os cadetes, a bonita e majestosa farda de passeio da AMAN. Meu pai, tambm, ficava alegre e orgulhoso em receber o filho mais velho (dos dois casamentos), fardado em sua casa. Eu notava como ele enchia a boca quando falava aos vizinhos, parentes e amigos, do filho militar, principalmente, quando eu chegava uniformizado em seu apartamento em Laranjeiras no Rio. Em uma destas oportunidades ele exigiu que eu fosse fardado de azulo, para um determinado fim de semana em sua casa. Nesta poca, ele estava fazendo novamente suas investidas na poltica, e o ex-presidente Juscelino Kubitschek, pensava em se

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reeleger para o cargo de presidente do Brasil. Para minha surpresa, encontrei o ex-presidente na casa de meu pai, numa festa que ele tinha preparado para alguns polticos da moda, que participavam das rodas sociais e polticas do Rio. Apesar de todo o meu respeito por este senhor, que planejou e ajudou a construir a nova capital federal, eu fiquei assustado com tanta promessa sem fundamento que ele me fez, quando meu pai me apresentou fardado sua pessoa. Mais tarde eu vim saber, que isso era um costume muito comum a todos os polticos que pretendiam se candidatar a qualquer cargo. Esta experincia, apesar da oportunidade de conhecer algum importante, me fez criar certa averso, por qualquer possibilidade de me envolver politicamente ao longo da minha vida. Como nada por acaso, isso me levou, a partir de certo momento, a me enveredar pela busca espiritual, que hoje a minha razo de viver. No segundo ano da AMAN, com minha boa classificao (quarto lugar) pude escolher em primeiro lugar o curso de COMUNICAES, que tinha como patrono o insigne Mal. Cndido Mariano da Silva Rondon. Ele adotou como lema pessoal, em seu passado de realizaes nas construes de linhas telegrficas pelo interior do Brasil, a famosa frase: MORRER SE PRECISO FOR, MATAR NUNCA! Este lema maravilhoso me acompanhou toda a minha vida dentro do Exrcito e como NADA POR ACASO, ele continua sendo at hoje uma das minhas bandeiras morais e espirituais. No incio do segundo ano cheguei a ser convocado como atleta da equipe de ginstica acrobtica da AMAN. Era, a meu ver, uma das equipes mais bonitas, embora no fizesse parte das competies entre as foras militares. Em suas apresentaes no Cinema Acadmico, durante o primeiro ano, fiquei sabendo que ela se apresentava em vrias cidades do Brasil e isto me deixou encantado em pertencer ao seu grupo, embora, ela no fazia parte das competies entre as Academias Militares do Exrcito, Marinha e Aeronutica. Mas como esta no era minha misso dentro da AMAN, funcionou mais uma vez a lei do NADA POR ACASO

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e a equipe em questo, depois de anos de funcionamento, foi extinta exatamente naquele ano em que fui convocado. A minha classificao em primeiro lugar, dentro do Curso de Comunicaes, me deu uma srie de prerrogativas, entre elas um lugar de destaque em todas as formaturas, mas tambm me deu muita responsabilidade. Passei a ser visto por meus superiores, professores e colegas como um exemplo a ser seguido, ou pelo menos a ser observado. A partir da, esta passou a ser minha principal misso at o final do terceiro ano: estudar muito para manter aquela situao conquistada pelo meu esforo e estudo. Durante o primeiro ano, tinha sido realizado um teste psicotcnico em todos os cadetes da minha turma e o resultado para surpresa de muitos e de mim mesmo, mostrou que meu QI (Coeficiente de Inteligncia) era mediano e que muitos dos cadetes que estavam classificados depois de mim, nos resultados das provas tinham o QI bem mais alto que o meu. Isto me levava a concluir que se eu estava bem classificado, era mais por meu entusiasmo e esforo pessoal do que por dons adquiridos geneticamente. Esta peculiaridade me acompanhou por toda a minha histria de vida, mesmo na busca espiritual. Assim sendo, bastava um descuido da minha parte que eu perderia a classificao alcanada, e no momento eu no desejava isto, pois aquela posio, embora hoje eu reconhea como um valor do ego, naquela ocasio me dava suporte para me sentir valorizado, diante das dificuldades que eu havia passado na minha fase infantojuvenil. No terceiro e ltimo ano da AMAN, consegui com muito esforo e um pouco de sorte, manter a classificao obtida. Continuei a participar de vrias modalidades esportivas como atleta do Curso de Comunicaes, mas nunca mais fui convocado para as equipes que representavam a escola como um todo. Embora na poca, como j disse antes, isso representasse uma pequena frustrao, hoje eu tenho uma convico que no teria sustentado a classificao de primeiro lugar se a convocao para atleta de competies externas tivesse ocorrido.

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Hoje sei que este ttulo de primeiro da arma uma qualidade da personalidade e do ego, com pouco valor para a busca espiritual, mas durante certo tempo ele teve valia para despertar entre meus colegas e superiores certo respeito e admirao, que fizeram com que eu chegasse aonde cheguei. De alguma maneira isto tambm influiu, quando mais tarde comecei a busca espiritual, para levar alguns dos meus pares a avaliar com considerao o que eu estava buscando, como uma hiptese a ser seguida, uma vez que, certos ttulos, dentro da carreira militar, do um aval s atitudes tomadas pelos seus detentores. O terceiro ano parecia demorar mais que os outros anos, talvez pela ansiedade que cercava a todos os que aguardavam a formatura final, que representava o incio da carreira de oficial do Exrcito Brasileiro. Naquele ano de 1964, os meios polticos do Brasil estavam todos em polvorosa e acabaram por eclodir numa srie de fatos no governo do pas, aos quais eu no dava muita importncia, pois toda minha ateno estava dirigida para meus estudos. Alm disso, devido s minhas relaes com a poltica atravs de meu pai, este era um tema que no me atraa. A AMAN chegou a participar do Movimento Militar, que eclodiu com a famosa Revoluo de 1964. A arma de Comunicaes pouco participou nas manobras dentro da AMAN e nas suas imediaes e com isso pude continuar meus estudos, com calma. Finalmente chegou a data da formatura. Para mim tinha um valor especial, pois poderia provar ao meu mundinho, que um filho de pais desquitados, sem recursos financeiros, nem para continuar os estudos, poderia ser considerado agora, no final da minha juventude, um homem de valor(para os interesses da poca), com uma profisso estvel. Pelo menos era assim que eu pensava naquela fase. E mal ou bem, o Exrcito me proporcionou muitos cursos, experincia e recursos financeiros que permitiriam mais tarde a aquisio e construo do espao onde hoje est situada a ILHA DO FUTURO. No final, antes da formatura da AMAN, aconteceu um fato interessante que serviu para baixar minha crista e me ensinar a ter

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mais humildade. Eu estava entre todos os formandos com a mdia mais alta em educao fsica e por isso teria o direito e a honraria de assinar o Livro de Ouro da Seo de Educao Fsica, por ter mantido durante os trs anos da AMAN esta mdia mais alta sem nenhuma punio disciplinar. O segundo colocado era atleta de xadrez da escola e todos os atletas da AMAN passaram a ter, somada nota de educao fsica, uma nota dez para compensar o sacrifcio de atleta. Com isto a mdia do colega aumentou e eu perdi a condio de assinar o famoso livro. Fiquei um pouco triste e frustrado pelo ocorrido e achei na poca que era uma injustia comigo, mas aprendi aos poucos que a fama estava fora do meu caminho, por motivos que mais tarde fui tomando conhecimento, que eram por razes espirituais. Vou dar um exemplo que confirmou esta intuio: no jornal nacional que publicou o nome dos melhores classificados da AMAN e que receberam prmios das instituies por este feito, saiu o nome de vrios colegas meus e dos classificados em primeiro lugar de cada arma. Eu me formei como primeiro colocado na Arma de Comunicaes e no pude receber a espada das mos de minha me, como era costume na formatura. Recebi das mos de um general de quem no me lembro o nome, j que o meu nome, bem como o do general foi omitido no jornal que publicou o evento. Outros casos semelhantes ocorreram ao longo da minha vida e no futuro recebi a informao, confirmada intuitivamente, que devido a uma vida anterior onde tive muito poder e fama, pisei na bola carmicamente e que era para nesta vida passar como um ser pouco percebido fora dos meus pares, colegas e amigos. Seria a vida como uma alta Autoridade Catlica, que mais tarde foi-me revelada por um mdium, onde possivelmente teria engendrado muitos crimes durante a Inquisio? Se isto for verdade, uma justificao lgica e plausvel.

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CAPTULO 8 A FORMATURA, A VIDA MILITAR E O CASAMENTO

CAPTULO 8 - A FORMATURA, A VIDA MILITAR E O CASAMENTOEm 19 de dezembro de 1964, poucos dias depois de completar 23 anos de vida, eu recebia numa das cerimnias mais pomposas e talvez importantes da minha vida, a espada de oficial do Exrcito. Devido minha classificao em primeiro lugar no curso de Comunicaes, a minha espada foi doada pelo Exrcito, e me foi entregue por uma autoridade. Recebi outros prmios e algumas condecoraes militares, mas o mais importante para mim foi reunir minha me, meu padrinho, minha noiva, alguns amigos e meu pai com suas duas filhas, que pela primeira vez depois de muitos anos se encontrava com minha me. Foi um dia de muita alegria, muita festa e de muito orgulho para mim e todos os meus familiares. Eu estava em estado de xtase e orgulhoso por tudo aquilo que eu havia conseguido ao longo dos ltimos sete anos, desde que minha me me havia pedido para parar de estudar, quando o dinheiro ento no dava nem para a alimentao. Tinha agora uma profisso, um salrio e a perspectiva de comear uma vida nova. Naquele mesmo ano, meses antes da formatura, tinha conhecido uma professora, de nome Rosa, da cidade de Barra Mansa, perto de Resende, tambm de origem humilde, com quem no final do ano vim a noivar, e cujo relacionamento parecia nos levar a um futuro casamento. O Exrcito no permitia o casamento at que o Aspirante fosse promovido a primeiro tenente, seis meses depois da formatura da AMAN. Como era da minha ndole respeitar todas as regras impostas, isto me ajudou muito a ter uma carreira tranquila, dentro do Exrcito. O casamento teve que ficar para mais tarde. Graas minha boa classificao pude escolher minha primeira unidade bem prxima de Porto Alegre, onde ainda residia minha me, desquitada, sozinha, mas feliz pelo filho. Fui para So

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Leopoldo, onde nos fins de semana podia visitar minha me e ajudla na manuteno do apartamento, que a esta altura estava precisando de umas boas reformas. As unidades da arma de Comunicaes, devido misso de fazer as ligaes de rdio e telefonia do Exrcito, muito pouco se envolviam com os problemas polticos que assolavam o pas. Por isso, o meu primeiro ano como oficial foi muito tranquilo. Apenas uma participao como ajuda das unidades militares na grande enchente do Rio dos Sinos, em So Leopoldo, RS, marcou o ano de 1965. Mexeu com minhas estruturas materialistas ver toda aquela populao pobre perder todos seus pertences e at a casa. Durante a escurido da noite, tnhamos que percorrer de barco as ruas alagadas para procurar vtimas vivas ou mortas, que insistiram em permanecer junto aos seus nicos bens materiais. Algumas delas tinham que ser retiradas praticamente fora, pois mesmo com risco de vida, queriam permanecer em cima do telhado durante a noite, com medo da perda total dos seus bens. Isto me lembra o conto espiritual, que anos depois vim a aprender. Era sobre um sujeito que acreditava tanto em Deus, que ignorara e recusava todas as tentativas de salv-lo de uma enchente. Ao morrer e chegar ao cu, perguntou a Deus o motivo porque ele no foi salvo. Deus teria respondido que Ele tinha mandado vrias pessoas fazer isso. Uma de lancha e outra de helicptero, mas que ele no havia atendido ao chamado. Como ento poderia ser salvo? Moral da histria: se ignorarmos as pequenas ajudas que recebemos de Deus, atravs de nossos irmos e semelhantes, como podemos reclamar e orar a Deus que nos ajude? ORAI, MAS TAMBM VIGIAI. Este o ensinamento. Outra experincia marcante deste primeiro ano, como oficial do exrcito, foi ver a atitude desesperada de um soldado, que ao receber a notcia que sua namorada o havia trocado por outro e que ela iria passar na porta do quartel com o novo namorado, arquitetou um plano macabro e desesperado. Ele trocou de servio com um colega, para ficar de sentinela na hora que ela ia passar. Consumiu escondido um pouco de maconha, para ter coragem suficiente. Aproveitando que a sentinela da Unidade recebia munio real,

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deixou a ex-namorada passar na sua frente. Levantou o fuzil na mira dos olhos e atirou nas suas costas, matando-a. Logo em seguida, explodiu sua prpria cabea com um tiro em baixo do queixo, apoiando o fuzil no cho. Matou e morreu por amor!, respondiam seus amigos ao inqurito realizado. Eu no entendia como o AMOR poderia matar e s ento pude compreender como uma droga, seja ela lcool, maconha ou cocana, pode dar coragem para os jovens, e at para os mais velhos, realizarem verdadeiros absurdos. Eu havia recebido na minha juventude convites para consumi-las, mas de alguma maneira, seja pela religio que professava na poca, seja pelos meus estudos, eu havia atendido o chamado de meus mentores fsicos, e quem sabe espirituais, para nunca fazer uso delas. Motivo, aparentemente, eu tinha de sobra: separao dos pais, falta de dinheiro, convites de colegas de juventude. Mas algo mais forte fez sempre eu dizer: NO S DROGAS!. Durante aquele ano, eu e um colega, tambm oficial do exrcito, fomos fazer um curso de analista de sistemas, depois do horrio de trabalho, na IBM, em Porto Alegre. No curso recebemos notas elevadas e conceitos positivos na avaliao dos resultados. No final do ano de 1965 minha Unidade foi transformada de Companhia de Comunicaes em Batalho e, transferida, com todo o seu contingente, para a cidade de Rio Negro, no Estado do Paran. Poucos meses antes, ainda em Porto Alegre, eu havia adquirido o meu primeiro carro. Era um Fusquinha usado, ano 1963, mas bem conservado. Eu passava os fins de tarde lavando e curtindo aquela minha nova aquisio. O interessante na hora desta compra foi que o antigo proprietrio tinha dado preferncia para mim, por ter simpatizado comigo e ter ficado sabendo da minha luta, devido aos gastos com minha me, para adquirir mesmo um carro usado. Ele acabou preterindo outras ofertas de outros compradores. Realmente eu tinha me apaixonado pela sua cor, azul claro, e pelo seu estado. Seu antigo dono, alm de militar aposentado, era um senhor de idade, muito cuidadoso. Ele percebeu que o amor que desenvolvi pelo fusquinha faria de mim um bom comprador, pois ele tambm havia desenvolvido uma afeio pelo carrinho e preferiu no

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aceitar as ofertas melhores. Acabamos por nos tornar amigos e algumas vezes eu levei o carro para ele v-lo e matar as saudades que ele tinha do seu antigo companheiro. Com a minha transferncia para o Paran, isso foi ficando mais difcil. Anos depois, ao ver o filme: Se meu Fusca falasse, pude entender aquela relao que desenvolvi por aquele pequeno, mas til carrinho. Foi com este Fusquinha que no ano seguinte fui at Barra Mansa, no Estado do Rio de Janeiro, para me casar com aquela que seria minha companheira por treze anos e com quem tive dois filhos. Quando ocorreu a separao de meus pais na minha infncia, eu havia feito uma promessa que, se um dia me casasse, esta unio seria permanente. Esta foi uma das promessas que no consegui cumprir. Hoje eu entendo que nossos companheiros de jornada no so nossas propriedades e sim, almas que passam por ns para uma troca de aprendizado e que nada neste mundo fsico permanente. Aquele soldado ainda no tinha atentado para este ensinamento e isto custou sua vida e a da sua namorada. Se existe a reencarnao, ele ter de voltar para aprender estes ensinamentos e ainda cumprir um carma junto quela moa. Nada disso invalida aquelas unies que duram quase uma vida inteira, apenas que nestes casos, foi necessrio que o aprendizado fosse mais longo e o carma adquirido fosse mais suave e talvez mais positivo. J em Rio Negro, eu e o colega que fez comigo curso na IBM, recebemos convites para deixar o Exrcito e trabalhar na IBM como analista, pois o curso na AMAN seria considerado de ensino superior e, portanto, bastaria uma atualizao na especialidade de analista. Neste momento, vi como a funo de oficial do exrcito era respeitada nas empresas civis. No tive coragem de abandonar a carreira militar. Mas meu colega, de nome Quevedo, aceitou o convite e largou o exrcito como tenente. Anos depois, fiquei sabendo que se tornara um gerente da IBM em Porto Alegre. No era meu caminho e hoje minha histria seria outra, talvez sem o liame espiritual que marcou minha vida com a construo da Ilha do Futuro.

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Viver em Rio Negro, PR, durante quatro anos foi uma experincia gratificante. Era uma cidade pequena, de colonizao polonesa, onde os militares eram muito respeitados e eram convidados para participar com suas famlias de todos os eventos da sociedade local. Junto desta cidade do Paran existe outra cidade colada, de nome Mafra, pertencente ao estado de Santa Catarina, separada por pontes sobre o rio que tem o mesmo nome da cidade do Paran: Rio Negro. Na realidade como se existisse apenas uma cidade, com uma nica populao, mas que devido divisa dos dois Estados, tem dois nomes. Em Rio Negro, nasceram meus dois primeiros filhos, de nomes Theo Mendes Junior e Eder Mendes. Ou eu estava muito ligado aos meus estudos e misses dentro do Exrcito, ou ento estava muito imaturo para ser pai, porque embora eu amasse meus filhos, no me dediquei inteiramente misso paternal com eles, o que talvez gerasse um pouco de desgaste no meu primeiro casamento. Recentemente eu li no livro Conversando com Deus, de Neale Donald Walsch, que nas sociedades mais evoludas, existentes em outros planetas, os filhos no so criados pelos jovens pais, por ainda serem imaturos para esta nobre misso, mas sim, por um conjunto de sbios, habitantes antigos daqueles planetas. Embora este seja um assunto discutido, pela sua complexidade com muito mais detalhes no referido livro, hoje, recordando esta minha fase de pai inconsequente, eu entendo melhor o porqu desta possibilidade de educao dos filhos descrita no livro em questo. Este um livro que eu recomendo para leitura aos hspedes da Ilha do Futuro e a todos os leitores destas minhas recordaes. Nesta cidade e nesta unidade conheci um mdico que se tornou, com sua esposa, um grande amigo. Seus nomes: Manfredine e Nilza. A amizade foi to forte que eles foram convidados para batizar um dos nossos filhos. Tornaram-se padrinhos do Eder.

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CAPTULO 9 VOLTA AO RIO E VIDA DE ESTUDANTE

CAPTULO 9 - VOLTA AO RIO E VIDA DE ESTUDANTEComo na AMAN eu havia estudado e me formado em um curso considerado tcnico, as matrias do ensino fundamental dos cadetes de Comunicaes, Material Blico e Engenharia, incluam as do curso bsico da engenharia do Instituto Militar de Engenharia (IME), no Rio de Janeiro. Assim sendo, depois de quatro anos em Rio Negro eu e meus colegas de turma que serviam no Batalho de Comunicaes daquela cidade, fomos chamados com nossas respectivas famlias. Ns, os oficiais de Comunicaes, fomos matriculados no terceiro ano do Curso de Engenharia de Telecomunicaes do IME. Estvamos muito despreparados para acompanhar os alunos que estavam cursando, desde o primeiro ano, oriundos de um concurso de alta seleo, realizado a nvel nacional, entre alunos dos cursinhos pr-vestibulares do Brasil inteiro. Quando cheguei ao Rio de Janeiro com minha famlia para residir num prdio prprio do Exrcito, na Praia Vermelha, no bairro da Urca, fiquei encantado com as belezas do local e tambm com a oportunidade de morar de novo na cidade em que nasci. No tinha ideia das dificuldades intelectuais que encontraria, para acompanhar o nvel de ensino que se desenvolvia no IME. Foram trs longos anos de muito estudo. No meu caso, j tendo sido alertado por outros militares que me precederam nesta jornada que se iniciaria em 1970, passei os dois ltimos anos, ainda em Rio Negro, aproveitando as horas vagas e noite, para estudar os livros de Matemtica Avanada que eram adotados no IME. Mesmo assim, encontrei muita dificuldade para acompanhar certas matrias na rea da Matemtica, durante meu primeiro ano de estudo, naquela escola (lembrando que este ano correspondia ao terceiro ano de Engenharia do curso em que fomos matriculados). Por azar, o professor de Matemtica Avanada tinha sido trocado e o novo

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CAPTULO 9 VOLTA AO RIO E VIDA DE ESTUDANTE

professor era um engenheiro militar que tinha recm chegado dos Estados Unidos, onde fora realizar por conta dele um curso de Mestrado nesta matria. Foi uma loucura para minha cabea de aluno de QI mediano e tambm por ter ficado afastado por cinco longos anos dos bancos escolares (1965 a1969). Para complicar mais a situao, a maioria dos professores do ensino bsico do IME, tinham a pssima mania de adotar livros em Ingls, recm lanados nos EUA, lngua que eu dominava muito pouco. Os alunos tinham que encomendar, em dlar, os livros adotados, que vinham de avio dos EUA. Alm do custo envolvido, os livros chegavam s nossas mos quando a matria j estava bem desenvolvida pelos professores, que pareciam se divertir com nossas dificuldades. Comecei a ter sintomas de esgotamento nervoso, que se caracterizavam por comear a suar na testa, sem nenhuma razo aparente de sade para justificar tal fato. Nesta fase, procurei os mdicos, que comearam a me encher de remdios. Estava me tornando um hipocondraco de primeira. Foi neste momento que ocorreu um fato que marcou o incio de uma nova fase na minha vida e que redundaria mais tarde na busca espiritual na qual estou at hoje.

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CAPTULO 10 UM AMIGO, UM ANJO, UM LIVRO

CAPTULO 10 - UM AMIGO, UM ANJO, UM LIVROUm dos meus colegas, oriundo da AMAN, mas fazendo no IME uma especialidade de engenharia diferente da minha, me viu naquele estado depressivo e, num momento de caridade, me emprestou um livro, tentando me ajudar a sair daquela situao. Na hora no dei muita importncia ao fato. Tanto que, at hoje, no me lembro do nome deste colega. O nome do livro, ao que me lembro, era Poder do Subconsciente e seu autor, consultei na Internet, seria Dr. Joseph Murphy. Este colega, de nome desconhecido, foi como um anjo que encontrei naquele momento e se soma queles todos, que modificaram minha vida em outros momentos. O livro, que lia nos intervalos dos estudos, comeou a mudar devagar a minha maneira estagnada de pensar. A viso da minha religio, at ento, era de que o mundo dependia mais da minha f e esforo do que dos meus pensamentos. O meu Deus estava muito longe de mim, muito brabo, e que me castigaria ao meu menor deslize. Foi uma mudana lenta que iniciei a partir da leitura daquele livro. No que o livro fosse milagroso, mas foi a dose certa para aquele momento que eu estava passando. Comecei a entender como minha av materna na minha infncia, obtinha curas com suas benzeduras e oraes simples. Ela, na sua simplicidade e crenas catlicas, acreditava do fundo do seu corao que sua benzedura com linhas, onde ela fazia um pequeno n, em torno da rea afetada pela doena, promovia a cura dos seus pacientes. Pura Fsica Quntica, sem o saber. Continuei meus estudos, com mais confiana em mim, sabendo da realidade e das minhas limitaes, mas no perdendo tempo nem energia com preocupaes ou depresses, por no entender este ou aquele assunto, ministrado pelos selecionados e exigentes professores.

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CAPTULO 10 UM AMIGO, UM ANJO, UM LIVRO

Foi um perodo de muita dedicao aos livros e pouca dedicao famlia. Com isso, meu casamento comeou a apresentar desgastes irreversveis, muito mais pela minha imaturidade e pouca ateno s necessidades familiares, do que pelo lado da minha esposa, que pelo seu histrico de vida, estava melhor preparada. Ela havia perdido o pai com pouca idade e, apresentava uma maturidade matrimonial bem acima da minha. Cansada da minha falta de ateno, comeou a me deixar sozinho no Rio, indo passar alguns fins de semana, com sua me, em Barra Mansa. O tempo foi passando e eu acabei, ao fim de trs anos, me formando em Engenharia de Telecomunicaes pelo famoso e valorizado Instituto Militar de Engenharia, isto ao final do ano de 1972. Consegui lograr uma boa classificao dentro do curso e alguns professores me deram carta de recomendao para estagiar nas frias, entre eles, o ento capito Alcione, professor da cadeira de Televiso.

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CAPTULO 11 VIDA DE ILUSES E DE COMANDANTE MILITAR

CAPTULO 11 - VIDA DE ILUSES E DE COMANDANTE MILITAREscolhi uma Unidade de Comunicaes em Belo Horizonte, e acabei usando uma das cartas de recomendao para tentar fazer um estgio nas horas vagas na antiga TV Itacolomy e na TV Globo, na capital de Minas Gerais. Nesta poca, 1973, a ento Rede Tupi de televiso estava falindo e o diretor da emissora local (TV Itacolomy) a quem eu levei a carta, acabou me destinando uma funo, como professor no Instituto Politcnico da Universidade Catlica de Minas Gerais. Isto me fez inaugurar a minha atividade de professor universitrio, que me acompanhou at o incio da dcada de 1990. O comandante da Unidade qual eu fui destinado para continuar minhas funes militares, exercia tambm nas horas vagas ( noite e fins de semana) a funo de professor universitrio. Seu nome era, salvo engano de alguma letra: Crisgano. Com isso, ele permitia que eu tambm ministrasse as aulas, desde que isso no prejudicasse os horrios e as atividades dentro da funo militar. Nesta poca eu j estava no posto de capito e como era o oficial mais graduado depois do comandante, acabei exercendo dentro da unidade militar, a funo de subcomandante. Meu casamento se arrastava entre brigas e tentativas de reconciliao. O conhecimento espiritual ainda se posicionava dentro da religio catlica, mas algumas perguntas, despertadas pela leitura do livro no Rio, comearam a dar os primeiros sinais de inquietao nos dogmas que eu recebia dos sacerdotes. A minha promessa de adolescente, de nunca me separar da minha esposa, comeava a receber os primeiros abalos, embora mascarados pela busca das coisas materiais (carros, televiso, casa, lancha, etc.). Comprando uma lancha, fabricada na capital mineira, voltei a ter contato com a gua, nas represas de Belo Horizonte e s vezes

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em Angra dos Reis, durante as frias. Como minha esposa tinha medo de guas profundas, estes passeios eram feitos com amigos, com os quais no poderia contar em horas de dificuldade. Foi uma fase em que as iluses, da vida fcil e prazerosa, subiram minha cabea, me esquecendo dos compromissos cristos. Esquecia tambm que a misso de pai e esposo deveria ser mais importante do que as alegrias passageiras. Comearam a acontecer algumas quebras na fidelidade conjugal, como se isso validasse a atitude de manter uma promessa antiga de no terminar o casamento. Em termos espirituais, foi uma etapa negra e com pouca evoluo. Sem perceber, eu estava repetindo um padro que aprendi com meus tios de origem italiana, na minha juventude de Porto Alegre. Neste padro, os homens tinham suas amantes, s vezes at com filhos, com um conhecimento velado de suas esposas, desde que mantivessem as obrigaes de bom marido em casa. Isto na dcada de 1950 era muito comum na sociedade catlica gacha, recebendo um respaldo velado da Igreja, desde que boas contribuies fossem feitas pelos infratores e, referendadas por uma confisso com a comunho dominical. A sociedade assinava embaixo tambm de maneira velada. Acredito que em outras religies ocorria algo parecido. Aos poucos, isto fazia com que eu desacreditasse dos ensinamentos religiosos e me levava a cumprir seus rituais, quase que sem conscincia, traduzida em atitudes dirias. Hoje, eu tenho mais claro, que o erro no estava nos ensinamentos religiosos, que tiveram e tm sua validade na escada da busca espiritual, mas sim na ignorncia humana, que procura adaptar os ensinamentos dos avatares mandados por Deus, s suas vontades humanas. Nesta poca comecei a me interessar por assuntos msticos. Pensei em me inscrever na Ordem Rosa Cruz e comecei a ter contato com o conceito da reencarnao. Mas isso ser um assunto que desenvolverei com mais detalhes na segunda parte deste modesto livro. Para mim se torna difcil separar o passado, que estou recordando, do presente no qual

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estou escrevendo, onde minha compreenso dos fatos passados bem diferente da poca em que os prprios fatos ocorreram. Justificava erradamente minhas aes, colocando a culpa no casamento que no se desenvolvia da maneira como eu esperava. No percebia que o maior desafio, que se requeria, era o meu amadurecer para o relacionamento, respeitando as diferenas de temperamento, deixando de lado os anseios do ego, que naquele momento estava bem inflado, pelos ttulos e funes que exercia. Isto se agravou mais ainda, quando por uma questo de necessidade, o comandante da minha Unidade pediu transferncia para a cidade de Resende, para servir na AMAN, onde a famlia de sua esposa residia. Assumi assim as funes de comandante da Unidade, por ser o oficial mais antigo. Comecei a ser convidado para encontros e coquetis com o Governador do Estado de Minas Gerais. Fui designado para fiscalizar os Correios e rgos de comunicaes da capital e do Estado de Minas. Nesta fase, ano de 1974, o pas estava passando por uma crise poltica, com as atividades dos guerrilheiros no perodo da Ditadura Militar. Na minha Unidade, foram colocados a mando dos escales superiores do Exrcito, vrios presos polticos, capturados na guerrinha, que ocorria na poca entre estes guerrilheiros e os rgos de segurana do governo. Por uma questo de ndole e formao religiosa, nunca fui ligado a qualquer atividade que envolvesse violncia, portanto, eu dava aos presos polticos o melhor tratamento que a situao permitia. Numa ocasio, um desses presos, num ato de desespero, talvez com saudades de sua famlia, deu uma gravata no pescoo de um dos soldados, que havia entrado para levar a refeio para os presos que estavam sob a guarda da nossa Unidade. Ele havia escondido um garfo de uma refeio anterior e transformado este garfo num estilete. Usou-o ento como arma, para ameaar a vida do soldado, caso no lhe fosse dada a fuga que desejava. Criado o impasse, temendo pela vida do soldado, um dos tenentes da Unidade, que havia se tornado campeo de tiro nas competies da AMAN, pediu-me autorizao para abater o preso,

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de uma posio de mira, em que a vida do soldado seria preservada. Talvez esta tenha sido uma das decises mais difceis que tomei naquela poca. Eu estava sendo pressionado entre as opes de vida do soldado e a do preso. Eram ambos, seres humanos, colocados pelo destino em lados diferentes de uma luta, criada pela ignorncia da disputa de um poder temporal. Lgico que na poca eu no tinha a clareza de sentimentos em relao ao fato, que tenho hoje. Mas de alguma maneira, por educao religiosa, por ndole ou mesmo por medo de ter que enfrentar a deciso entre a vida e a morte, eu decidi colocar a minha prpria vida em risco. Entrei, totalmente desarmado, dentro do alojamento dos presos e depois de uma longa conversa, tentei mostrar as desvantagens daquela atitude desesperada dele. Ele, o preso, era um ser humano, mas que estava sob a responsabilidade da nossa Unidade. Depois de muito dilogo, consegui convencer o referido preso poltico a entregar, aos prantos, o estilete que ameaava a vida do soldado. Este por sua vez, estava ali, no por sua opo, mas porque as leis em vigor o obrigaram a servir ao Exrcito. Nesta poca estava sendo editado no Brasil o livro Brasil Nunca Mais, se no me engano, com o respaldo dos bispos da Igreja Catlica, que estavam tentando manter os direitos humanos dos presos polticos. Eu recebi na minha Unidade, em carter sigiloso, uma prvia de sua publicao, onde no final do livro existia uma lista de nomes de comandantes de Unidade, por todo o Brasil em que existiam presos polticos, torturados ou no. Meu nome constava inicialmente desta lista, mas at hoje no sei por qual motivo, meu nome foi retirado da relao. Talvez pelo fato relatado acima ou talvez porque, entre aqueles presos, onde alguns foram julgados e soltos, existiam pessoas que reconheceram que eu no pratiquei, nem deixei praticar torturas, com os presos que estavam sob minha responsabilidade, muito embora o simples fato de estarem presos j era uma tortura, mas que no dependia de minha deciso. Ao final de dois anos, naquela Unidade, recebi uma mensagem, de que um major, posto necessrio para exercer as funes de comandante, iria me substituir e que eu seria transferido

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para o Rio de Janeiro, numa nova misso de Engenheiro de Comunicaes, funo para a qual havia me preparado no IME. Mas algo dentro de mim dizia que as facilidades e iluses da vida no Rio no me dariam as respostas que procurava internamente. Assim foi que, num impulso, resolvi ir at Braslia e pedir retificao da minha transferncia do Rio de Janeiro para Resende, onde mais perto ficaria da famlia da minha esposa e j sonhando ento com a possibilidade de entrar para o Magistrio Militar, como professor da AMAN. Recebi um convite do Major Alcione, que ento servia na AMAN como Engenheiro do Servio de Comunicaes daquela Escola Militar, onde se formavam os futuros oficiais do Exrcito Brasileiro. O Major Alcione foi o meu professor na cadeira de televiso no IME. Como eu havia sido um bom aluno na sua matria, ele foi um dos professores que havia me dado uma das cartas de recomendao, para estagiar nas emissoras de televiso. Ele foi o criador do sistema PAL-M, que era considerada uma das grandes invenes nos meios de tecnologia da TV, que permitiu ao Brasil adotar o sistema europeu de televiso a cores, sem que nos submetssemos ao poderio americano, que estava nos impondo o sistema NTSC. Este sistema americano era considerado obsoleto comparado ao sistema europeu. Tudo isto me motivara a vir para a AMAN e no para a j problemtica cidade do Rio. Sem falar na possibilidade de atuar na educao dos futuros oficiais do Exrcito. E assim aconteceu. Vim para a AMAN para residir em Resende, na prpria vila militar da Unidade.

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CAPTULO 12 CARREIRA DE PROFESSOR E A INSATISFAO INTERNA

CAPTULO 12 - CARREIRA DE PROFESSOR E A INSATISFAO INTERNATrabalhar com o Alcione na AMAN foi naquela poca um dos grandes desafios que encontrei em termos profissionais, mas deste fato tirei, olhando com a viso que tenho hoje, dois grande