Livro - Metodologia Da Pesquisa Em Ciencias Sociais - Kerlinger

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Livro de Metodologia Cientifica

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  • Metodologia da Pesquisa em Cincias Sociais Um tratamento conceitual

  • CIPBrasil. Catalogao-na-Fonte .. ~ Cmara Brasileira do Livro. SP /./:f\.

    K47m

    r' ! l : f

    Kerlinger, Fred NicholsL~j Metodologia da pe5~ em Ciencias sociais:

    um tratamento conceitual f Fred N. Kerlinger; [traduo Helena Mendes Rotundo; reviso tcica Jos Roberto Malufe]. So Paulo: EPU.

    Bibliografia.

    1. Cincias soctais - Metodologia 2. Pesquisa 3 . Pesquisa social I. Ttulo.

    CDD-300. 72 -300.18

    80-1332 507 .2

    lndices para catlogo sistemtico: 1. Metodologia: Cincias sociais 300.18 2. Pesquisa cientfica 507. 2 3. Pesquisa comportamental: Cincias sociais 300. 72 4. Pesquisa social: Cincias sociais 300.72

  • f.red N. Kerlinge: Universidade de Amsterd

    etodologia da Pesquisa em C i-ncias Sociais Um tratamento coii~eitual

  • Traduo do original em ingls: Behavioral R~h - a conceptual approach Copyright ~by Holt, Rinehart and Winston

    -6

    Traduo: Helena Mendes Rotundo

    Reviso tcnica: Jos Roberto Malufe Professor-Assistente de Metodologia da Pesquisa em Educao, na PUC/SP

    ga. reimpresso

    ISBN 85-12-60340-2 E.P.U.- Editora Pedaggica c Universitria Ltda., So Paulo, 1980. Todos os direitos reservados. A reproduo desta obra, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorizao expressa c por escrito da Editora, sujeitar o infrator, nos termos da lei n 6.895, de 17-12-1980, penalidade prevista nos artigos 184 c 186 do Cdigo Penal, a saber: recluso de um a quatro anos.

    E. P. U.- Telefone (O++ I I) 3168-6077- Fax. (0++11) 3078-5803 E-Mail: [email protected] Sitc na Internet: http://www.cpu.com.br

    Rua Joaquim Floriano, 72 - 6 andar- conjunto 65/68 - 04534-000 So Paulo - SP Impresso no Brasil Printcd in Brazil

  • Para William Clark Trow

    -= Theodore M. Newcomb "'-

  • Sumrio

    Prefcio

    .. -tl. A natureza da cincia e da pesquisa cientfica -?2. Conceitos comportamentais cientficos e definies

    ,_,~3. Problemas, hipteses e variveis 4. Relaes e explicaes 5. Probabilidade e estatstica 6. O delineamento da pesquisa experimental: delineamentos de

    uma s varivel

    XV 1

    22 33 51 74

    94 7. Delineamento da pesquisa experimental: delineamentos fatoriais 105 ~. Pesquisa experimental e nCH:xperimental 120 ~9. Observao e mensu'?;o de variveis 144

    10. Investigao soci~lgica, levantamentos e anlise de freqncias 162 11. A abordagem multivariada: regresso mltipla e partio da

    varincia 179 12. A abordagem multivariada: anlise fatorial 202 13. A abord~gem multivariada: correlao cannica, anlise dis-

    criminante e anlise de estruturas de covarlncia 235 14. O computador 271 15. Concepes errneas e controvrsias: questes metodolgicas 296 16. Concepes errneas e controvrsias: pesquisa e prtica 317 Apndice - Tipos de pesquisa, mtodos de observao e testes de significncia estatstica

    Bibliografia

    lndice onomstico 1ndice analtico

    347 363 369 372

    VII

  • Sobre o autor

    Fred N. Kerlinger, nascido em 1910, professor convidado do Laboratrio de Psicologia da Universidade de Amsterd, Holanda, desde 1975. Doutorou-se em 1953, pela Universidade de Michigan, Estados Unidos, em psicologia educacional. Foi professor de psicologia educa-cional na Universidade de Nova Iorque de 1960 a 1975, e dirigiu a Diviso de Cincias Comportamentais dessa universidade de 1968 a 1971. Kerlinger autor do j clssico Foundations of Behavioral Re-search (2.a ed.) e co-autor, juntamente com E.J. Pedhazur, de Multiple Regression in Behavioral Research. O presente volume, seu mais recente trabalho, figura entre os melhores livros j escritos no gnero.

    f.R.M.

  • Prefcio

    O propsito deste livro auxiliar as pessoas a compreenderem a cincia e a pesquisa cientfica. Embora focalize a cincia comportamental e a pesquisa psicol6gica, sociol6gica e educacional, sua preocupao central a abordagem e os princpios bsicos de todas as cincias. As disciplinas cientficas diferem em contedo e substncia, mas sua abor-dagem ampla investigao , no geral, a mesma. E neste ncleo de semelhana que se concentra este livro.

    Uma das grandes necessidades do momento a de que as pessoas compreendam a cincia. Existe, naturalmente, muita popularizao da cincia e das realizaes cientficas, nos meios de comunicao. H tam-bm livros tentando explicar a cincia. Entretanto, a maioria dos espe-cialistas, provavelmente, concordaria que preciso fazer ainda muito mais para tomar a cincia compreensvel para um maior nmero de pessoas, e os prprios ci&~tas devem assumir uma parte da responsa-bilidade por tais esforos.-~;.

    O objetivo especfico de Metodologia da Pesquisa em Cincias So-ciais: Um Tratamento Conceitual explica,r as complexidades abstratas da pesquisa cientfica de modo significativo e no-tcnico, sem sacrificar a profundidade e a exatido. O livro tenta conseguir isto concentrando-se nas bases conceituais da cincia e da pesquisa, e limitando as discusses tcnicas e metodolgicas a umas poucas reas e temas bsicos. Tenta tambm explicar o que a cincia , e o que no ; quais os seus propsi-tos e como funciona.

    Outro objetivo do livro preencher o hiato de compreenso entre o cientista comportamental e o no-cientista. A natureza abstrata da cincia e as tecnicidades da pesquisa podem ser obstculos compre-enso. Alm disso, podem obscurecer sua simplicidade essencial e econo-mia de propsitos. ~ uma sria deficincia educacional o fato de que muitas pessoas, talvez a maioria, sabem pouco a respeito do que um experimento, para que serve, a respeito de mensurao, sua natureza e propsitos, ou a respeito da funo e lugar da estatstica na pesquisa. A pessoa que tiver lido atentamente este livro dever ter uma slida compreenso conceitual da cincia comportamental e da pesquisa com-portamental - do ponto de vista do pesquisador.

    XI

  • Uma terceira finalidade do livro definir e explicar algumas das principais questes controvertidas associadas pesquisa scio-cientfica. As controvrsias surgem e multiplicam-se devido a conflitos e diferenas de valores. s vezes, entretanto, nascem de concepes errneas a respeito dos problemas que esto subjacentes a elas. Para que serve a pesquisa? Por que fazer pesquisas? O que objetividade? Por que a objetividade considerada to importante pelos cientistas? O que so pesquisa bsica e pesquisa aplicada? Pode-se medir a inteligncia humana? Como os valo-res afetam a cincia e a pesquisa? Mal-entendidos sobre tais problemas dificultam a compreenso da cincia e da pesquisa. O presente livro, portanto, tenta analisar e colocar esses. problemas em perspectiva, embora no pretenda resolv-los.

    H dois pblicos que so especialmente visados por este texto. O primeiro formado por aqueles que desejam conhecer algo. da natureza e dos problemas da cincia e da pesquisa em psicologia, sociologia, educao e outras disciplinas comportamentais. O que significa, por exemplo, estudar cientificamente a inteligncia e o preconceito? Como so abordados problemas assim to complexos e difceis de apreender?

    O segundo tipo de pblico o formado por estudantes universitrios que esto terminando seus cursos de graduao, ou iniciando a ps-graduao, em praticamente qualquer disciplina, inclusive disciplinas no-cientficas, e que necessitam compreender a cincia e a pesquisa comportamentais. Os estudantes de cincias comportamentais acharo o livro particularmente pertinente e til. Entretanto, eu o concebi como um texto geral e um guia para estudantes de vrias disciplinas, ainda que sua nfase seja psicolgica, sociolgica e educacional.

    _ O livro tem trs partes principais. Na primeira parte, que abrange os captulos 1, 2 e 3, discutida a natureza da cincia e da pesquisa cientfica. Os termos necessrios so definidos, as idias fundamentais so explicadas e ilustradas, e so introduzidos um ou dois pontos contro-vertidos - por exemplo, a questo da objetividade. Os captulos 1 e 3 so, provavelmente, os captulos mais importantes do livro, porque discutem qual a meta da cincia e por que, e revelam a essncia e o propsito dos problemas e hipteses da pesquisa cientfica. Esta parte, portanto, poderia ser chamada de fundamentos conceituais do tema.

    A segunda parte - captulos de 4 a 13 - trata dos aspectos tcnicos da pesquisa comportamental que so, em minha opinio, os mais importantes. Ningum pode compreender realmente a cincia e a pesquisa comportamental sem compreender pelo menos as mais funda-mentais das idias tcnicas. Por exemplo, a idia de aleatoriedade fundamental. No se pode compreender experimentos ou ter qualquer tipo de idi2 clara do que seja estatstica e delineamento de pesquisa sem com}treender funes e processos aleatrios e o seu uso na pesquisa

    Xll

  • :ontempornea. A cobertura desta parte ampla e diversificada. Inclui relaes, probabilidade, delineamento de pesquisa, mensurao e anlise multivariada. o ncleo tcnico do livro, mas na sua maior parte :!Xpresso em linguagem no-tcnica.

    O captulo 4 estabelece a base: examina relaes e explicaes e tenta mostrar como esto subjacentes a todo o empreendimento cientfico. O captulo 5 apresenta uma abordagem intuitiva probabilidade e estatstica. A importncia da idia de aleatoriedade, mencionada acima, fortemente enfatizada. Os captulos 6, 7 e 8 formam uma unidade sobre experimentao e delineamento de pesquisa. Os delineamentos de pesquisa tm o propsito essencial de fornecer quadros de referncia que tornem possvel responder diferentes questes de pesquisa. Os captulos 6 e 7 esboam os princpios de tais quadros de referncia. O captulo 8 mostra as semelhanas e diferenas entre a pesquisa experimental e a no-experimental. Raramente essa distino to importante discutida na bibliografia. Considero-a suficientemente importante para justificar um captulo inteiramente dedicado a ela. A distino e as suas con-seqncias, tais como apresentadas no captulo 8 e em outros trechos do livro, podem ser questionadas. Todavia, por mais corretas ou incorretas que sejam julgadas a definio, as distines e as conseqncias, no h dvida de que o terna requer divulgao e compreenso.

    Mensurao a pdn2.pal preocupao do captulo 9. Assim como a estatstica, a mensurao )'Siolgica uma das maiores conquistas de nossos tempos. Embora tenh- ainda um longo caminho pela frente, boa parte deste j conhecido, e uma parcela do ncleo desse conhecimento est condensada no captulo 9. A despeito de ser utna grande realizao, a mensurao tem sido tambm o calcanhar de Aquiles de grande parte da pesquisa comportamental. O captulo ajuda a esclarecer suas foras e fraquezas.

    O captulo 1 O procura descrever um volumoso e importante tipo de pesquisa - em termos gerais denominado "investigao sociolgica" -cujas principais caractersticas so sua natureza no-experimental, sua mensurao e seus modos de anlise. Temos este tipo de pesquisa quando, por exemplo, os pesquisadores estudam principalmente o que pode ser chamado de "variveis sociolgicas" - classe social, status ocupacional, sexo, preferncias religiosas e polticas, e assim por diante -e quando o mtodo predominante de observao a contagem, geralmente a conta-gem de caractersticas "sociolgicas" de indivduos. O captulo ocupa-se de suas caractersticas e de seu uso na pesquisa comportamental.

    A incluso dos captulos 11, 12 e 13, sobre a abordagem multiva-riada, essencial em um livro sobre a pesquisa comportamental contem-pornea. Algumas pessoas podero achar que o assunto muito complexo para um livro deste tipo. Como se poderia explicar anlise fatorial,

    vnr

  • regresso mltipla e anlise discriminante de modo preciso e no-tcnico? Essa uma boa pergunta, e para a qual no existe uma resposta pronta e fcil. O problema que, se no forem discutide..s as abordagens multi-variadas pesquisa e anlise de dados, deixa-se uma grande lacuna no conhecimento e na compreenso que ter o leitor sobre a pesquisa com-portamental. A pesquisa comportamental passa, atualmente, por uma verdadeira revoluo, a meu ver, precisamente por causa, em grande parte, da abordagem multivariada e do ultra-rpido computador moderno. Problemas de pesquisa, que antes no poderiam ser contemplados por uma incapacidade de se fazer as complexas anlises envolvidas, so hoje abordados quase rotineiramente. Assim, decidiu-se incluir o assunto, a um nvel conceptual e semitcnico. H a conseqente supersimplifica-o, ignorando-se diversos problemas importantes. Os riscos, entretanto, talvez sejam compensados por uma imagem melhor e mais completa que o leitor poder adquirir. Pelo menos, estes captulos podero aumentar o interesse e difundir uma abordagem fascinante, com muitas probabili-dades para a teoria e a pesquisa significativas e criativas.

    A terceira parte do livro, captulos 14, 15 e 16, discute e explora diversos problemas controvertidos e mal compreendidos, que trazem considervel preocupao cincia e aos cientistas. Um deles - feliz-mente, relativamente fcil de manejar - a natureza e a finalidade do computador. No h dvida de que o computador foi e uma das influncias mais fortes na pesquisa comportamental contempornea. Esta influncia examinada no captulo 14. Os notveis poderes do com-putador so descritos e analisados com o propsito de se compreender o que o computador pode fazer e, o que praticamente to importante quanto isso, o que o computador no pode fazer. Depois de estabelecida essa base, procurou-se tambm esclarecer um ou outro mal-entendido sobre o computador e o seu lugar na pesquisa e na ordem das coisas.

    Os dois ltimos captulos do livro, captulo 15 e 16, exploram basica-mente um certo nmero de problemas mal compreendidos e contro-vertidos, que intrigam e desorientam os pesquisadores e os indivduos que observam a cincia e a pesquisa. Por exemplo, a questo de para que serve a cincia atacada diretamente, e so tiradas concluses que podero desconcertar alguns leitores. Qualquer atividade humana com-plexa controvertida. A cincia no exceo. Decidi, portanto, que alguns dos mal-entendidos mais perturbadores e importantes sobre a. cincia e a pesquisa teriam que ser abordados. Naturalmente, ao se fazer isso, h um risco considervel. Poder parecer que se est tomando partido em um debate. Na realidade, o que se est assunndo menos um partido em um debate do que uma posio baseada no que se considera ser a natureza da cincia. Novamente, isto se torna um obstculo compreenso. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que o

    XIV

  • propsito da pesquisa cientfica aumentar o bem-estar humano. Quando isso categoricamente negado, e se afirma que o propsito da pesquisa cientfica a teoria, ou a compreenso e explicao, no de se admirar que surjam dificuldades. Pretende-se, entretanto, explicar de tal maneira as coisas, que as razes para as afirmaes feitas possam ser compreendi-das e, pelo menos, consideradas. Assim, os ltimos dois captulos do livro exploram controvrsias e mal-entendidos. Tentam colocar em perspectiva trs ou quatro das maiores questes, em parte filosficas, da cincia e da pesquisa.

    Embora possa ser considerado metodolgico, num sentido amplo, este no um livro de mtodos. No se tenta ensinar como fazer pesquisa. Toda a nfase posta em compreender pesquisa. Na verdade, provavel-mente impossvel compreender qualquer assunto complexo sem trabalhar ativamente com ele. Para compreender realmente a estatstica, a maioria das pessoas precisaria trabalhar com problemas estatsticos, por exemplo. Todavia, um nvel substancial de compreenso pode ser alcanado por uma forma vicria de trabalhar com os problemas. Muitos de tais "trabalhos vicrios" so dados no livro. Por exemplo, uma caracterstica importante do livro a descrio de pesquisas reais, geralmente acom-panhada da teoria em que se baseiam os estudos, bem como as questes colocadas pelos pesquisadores. Assim, o livro descreve a maneira pela qual as pesquisas tm sido feitas e , portanto, numa certa medida, metodolgico. Mas d~~ quase que completamente de lado os mtodos reais de fazer observaes. medir variveis, analisar dados e assim por diante. A necessidade de informaes sobre esses tpicos atendida, numa certa medida, pelo Apndice, no qual so discutidos tipos de pesquisa diferentes dos tratados no texto, bem como alguns mtodos de observao.

    Embora saiba o quanto me ajudou, no creio que minha mulher compreenda realmente at que ponto ela uma parte importante deste livro. Em todo caso, por suportar minhas rabugices e frustraes, deixando de lado o que ela considerava obstculos menores, dando-me apoio e nimo, eu lhe agradeo.

    Amsterd, Holanda junho de 197 8 Pred N. Kerlinger

    XV

  • 1. A natureza da cincia e da pesquisa cientfica

    Como "conhecemos" o mundo? Como conseguimos entender as pessoas e o que elas fazem? Podemos ler a respeito do mundo e das pessoas e aprender muita coisa. Por exemplo, o conhecimento das pes-soas, de seus motivos e comportamento, pode ser tirado de poemas, novelas e textos de psicologia. Para investigar mais profundamente os sentimentos e motivao das pessoas, podemos ler Freud e Dostoievsky. Outra maneira de nos informarmos . a respeito do mundo ouvir os outros. Pais e professores descrevem o mundo para as crianas. Polticos, jornalistas e professores esto constantemente nos dizendo o que eles acham que deveramos saber. Tal conhecimento derivado da autori-dade; alguma fonte que aceitamos como digna de crdito nos d esse conhecimento.

    Outro caminho importante para o conhecimento a observa-o. Observamos o m~do e outras pessoas durante toda a nossa vida. Usamos nossos serifil:os para receber e interpretar as informa-es que recebemos de fora. Vejo um carro vindo em minha direo grande velocidade. Fuio dele. Observei o carro em velocidade, inferi perigo e agi. A observao ento, obviamente, uma importante fonte de conhecimento ..

    Infelizmente, a observao comum e a autoridade nem sempre so guias de toda confiana. Populaes inteiras de indivduos lem, ouvem e acreditam no que dizem os demagogos. H muito se sabe que a maioria das pessoas so ms observadoras at dos fenmenos mais simples. Por exemplo, duas pessoas observam uma terceira fazer gestos; pergunte-lhes o que o indivduo fez. Se ambas concordarem em sua observao, ser incrvel. Se concordarem na interpretac do que o indivduo fez, mais incrvel ainda. Uma das dificuldades que nenhum acontecimento to simples assim. Outra que os observadores interagem com e afetam o que observam. Assim, a observao um processo ativo que raramente simples.

    A cinia se desenvolveu, em parte, pela necessidade de um mtodo de conhecimento e compreenso mais seguro e digno de confiana do que os mtodos relativamente desprovidos de controle geralmente usados. Foi preciso inventar uma abordagem do conhecimento, apta a permitir

    1

  • informao vlida e fidedigna sobre fenmenos complexos, inclusive o complexo fenmeno do prprio homem. Era preciso superar explicaes absolutistas, metafsicas e mitolgicas de fenmenos naturais - ou pelo menos suplement-Ias - com uma abordagem at certo ponto exterior ao homem O sucesso da cincia como abordagem do conhecimento e compreenso de fenmenos naturais tem sido notvel. Mas a compreen-so da cincia e da abordagem usada pelos cientistas tem sido conside-ravelmente menos notvel. Pode-se dizer que a cincia seriamente mal compreendida.

    O objetivo bsico deste livro ajudar o leitor a compreender a abordagem, o pensamento e os mtodos da -cincia e da pesquisa cien-tfica. Seu foco especial se dirigir para a pesquisa em psicologia, socio-logia e educao. A abordagem geral a mesma, ou pelo menos basica-mente semelhante, em todas as cincias. Estudaremos. esta abordagem muito cuidadosamente. Entretanto, h dificuldades e problemas especiais na cincia e pesquisa comportamentais que precisamos conhecer se qui-sermos entender tal pesquisa. 1 Em outras palavras ,a abordagem geral do conhecimento e compreenso da fsica e da psicologia a mesma, mas os detalhes da teoria e investigao so muito diferentes. Por exemplo, a complexidade e a ambigidade do comportamento humano, geralmente considerado como mais complexo e ambguo do que os objetos do mundo fsico, criam grandes problemas de observao e inferncia vlidas e fidedignas. Medir aspectos do comportamento humano- agressividade, preconceito, preferndas polticas e realizao escolar, por exemplo - geralmente mais difcil do que medir as propriedades dos corpos fsicos.

    : grande a necessidade de compreender a cincia e a abordagem cientfica. Esta necessidade grande principalmente na psicologia, socio-logia e educao, dada a urgncia dos problemas humanos e sociais que os pesquisadores estudam, e dada a natureza controvertida de alguns dos problemas e mtodos das cincias comportamentais. Este livro se concentra nesta necessidade.

    I As cincias comportamentais so as que estudam e procuram entender o homem, as instituies humanas, aes e comportamentos humanos: sociologia, psicologia, antropologia, economia, cincia poltica. O termo "cincias sociais" tambm usado, mas "cincias comportamentais" parece um termo mais geral, mais abran-gente.- Esta definio correta apenas no plano geral. Embora as disciplinas com-portamentais possam ser claramente definidas, muitas vezes as distines entre elas so atenuadas na teoria e na pesquisa reais. Socilogos e psiclogos, por exemplo, freqentemente penetram uns no campo dos outros. Alm disso, outros cientistas comportamentais, apesar da definio da pesquisa comportamental, estudam animais, s vezes com grande impacto no conhecimento cientfico do comportamento.

    2

  • Natureza geral da cincia

    A cincia um empreendimento preocupado exclusivamente com o conhecimento e a compreenso de fenmenos naturais. Os cientistas desejam conhecer e compreender as coisas. Eles querem poder dizer: se fizermos isto aqui, acontecer aquilo ali. Se frustrarmos as crianas, provavelmente elas agrediro outras, seus pais, seus professores e at a si prprias. Se observarmos uma organizao com regras relativamente rgidas a restringir seus membros, digamos, os professores de uma escola, poderemos esperar encontrar considervel insatisfao entre eles.

    Os cientistas, ento, querem Hconhecer" os fenmenos. Eles querem saber, entre outras coisas, o que produz o comportamento agressivo em crianas e adultos. Querem saber se a frustrao conduz agresso. Querem saber os efeitos dos meios restritivos ou permissivos de admi-nistrao sobre os membros de uma organizao. Em resumo, querem rccompreendei" de que maJ1.era se relacionam os fenmenos psicol~ gicos, sociolgicos e educacionais.

    Dois exemplos de pesquisa

    Para termos algo especfico com que trabalhar, examinemos dois estudos. Um um .e~erimento, o outro no . Por enquanto, vamos considerar experiment~-qm estudo no qual se fazem coisas diferentes com grupos diferentes de sujeito - pombos, ratos, crianas, adultos -para ver se o que se faz com eles produz efeitos diferentes nos diferentes grupos. Por exemplo, um pesquisador educacional pode pedir a professo-res que escrevam notas elogiosas nos testes de um grupo de alunos e nada nos testes de outro grupo de alunos. (Ver Page, 1958). 2 Ento, o pesqui-sador v como esta "manipulao", como chamada, afeta o desempenho dos dois grupos em testes subseqentes.

    Por outro lado, em um estudo no-experimental, no h "manipu-lao", no h tentativa deliberada e controlada de produzir efeitos diferentes atravs de diferentes manipulaes. As relaes entre fen-menos so estudadas sem interveno experimental. As caractersticas dos sujeitos, "como eles so", so observadas e as relaes entre as caractersticas avaliadas sem tentar mudar nada. Por exemplo, quando os socilogos estudam a relao entre classe social e realizao escolar, eles tomam a classe social e a realizao escolar Hcomo eles so,. Medem as duas "variveis", como so chamadas, e ento estudam as relaces entre elas. No procuram mudar uma das variveis para estudar o efeito

    2 As referncias citadas desta maneira so dadas no fim do livro.

    3

  • da mudana sobre a outra varivel. Estas idias devem ficar claras depois de lermos a discusso dos dois estudos que vm a seguir.

    1. Um experimento: recompensa macia e aproveitamento na leitura

    Muitas pesquisas vm se devotando a entender como o homem e os animais aprendem. Uma das descobertas mais bem documentadas que a recompensa aumenta a aprendizagem. Se as respostas forem recom-pensadas de alguma forma, as mesmas respostas, ou respostas seme-lhantes, sero repetidas quando ocorrerem condies semelhantes nova-mente. Se, por exemplo, a criana elogiada quando pronuncia uma palavra corretamente, a pronncia correta tender a ser lembrada e usada subseqentemente. (Os resultados no so to previsveis quando se usa punio.) A teoria por detrs da pesquisa, chamada .teoria do reforamento, est sendo aplicada agora na educao, s vezes com resul-tados gratificantes. 3

    Clark e Walberg (1968) desejavam saber se a recompensa macia ajudaria a dar melhores resultados na leitura entre alunos potencialmente reprovados. Criaram um experimento simples para testar esta idia. Usa-ram crianas negras de 1 O a 13 anos e com um atraso de vida escolar de um a quatro anos.

    Dois grupos foram formados de tal maneira 4 que se poderia admi-tir serem aproxii.Tiadamente iguais em caractersticas que pudessem afetar o resultado. Sabe-se, por exemplo, que a inteligncia afeta o trabalho escolar, como leitura e aritmtica. Os pesquisadores devem, portanto, tentar formar grupos iguais em inteligncia antes de comear o estudo. Do contrrio, o resultado pode ser devido no ao que for feito no xperimento, mas ao fato de um grupo ter em mdia um nivel de

    3 Se o ]eitor acha que o princpio do reforarnento positivo bvio, deve levar em considerao que ele no era usado em escolas de outras pocas, exceto, naturalmente, por professores muito compreensivos. Antes, a punio era eviden-temente o princpio fundamental. Esperava-se que as crianas tivessem uma con-duta correta e que estudassem, e eram punidas se no o faziam. Sem dvida, o castigo ou reforamento negativo ainda um mtodo amplamente usado na motivao escolar. 4 R~unirarn as crianas em dois grupos "ao acaso". Urna das maneiras de fazer isso atando uma moeda para cada criana. Se der cara, coloque a criana

    ~m um grupo. Se der coroa, coloque a criana em outro. O princpio que o acaso governa a formao dos grupos, e nada mais. H vrios outros mtodos, por exemplo, tabelas de nmeros equiprovveis. Todos os mtodos so inspirados pelo mesmo princpio. O objetivo bsico da diviso ao acaso "igualar" os grupos experimentais. Desde que Clark e Walberg usaram a escolha ao acaso, podiam admitir que os grupos eram iguais antes do experimento. Discutiremos essa questo do acaso num captulo posterior.

    4

  • inteligncia superior ao do outro. No tipo de pesquisa em que se usam dois grupos e um tratamento especial aplicado a um deles, este grupo freqentemente chamado "grupo experimental". O outro, ao qual no se faz nada e1n especial, chama-se "grupo de controle".

    No incio do experimento, todos os alunos foram elogiados por seu trabalho. Isto foi usado para estabelecer mdias de recompensa para os professores das crianas. (Naturalmente os professores diferem quanto recompensa qtJe usam.) Depois de seis sesses, as mdias de recom-pensa ficaram estabHizadas e o experimento propriamente dito comeou. Os professores do grupo experimental, das crianas a receberem trata-mento especial ou experimental, foram avisados para dobrarem ou tripli-carem a recompensa, enquanto os professores do -grupo de controle foram avisados para ~'manterem o trabalho em ordem". No fim de um perodo de trs semanas foi feito um teste de leitura com as crianas.

    A anlise dos resultados dos testes mostrou que o grupo experi-mental ou da "recompensa macia" fez o teste melhor do que o grupo de controle. Esta concluso foi inferida de um teste estatstico da dife-rena entre a mdia de pontos de leitura entre os dois grupos: a mdia do grupo experimental foi maior do que a mdia d grupo de controle. Mais tarde explicaremos o princpio que rege tais testes estatsticos. Por enquanto, pode-se dizer que a recompensa macia teve resultados aumentando a contagem de pontos do grupo experimental em compa-rao c?m o nmero d~tos ~eitos pel~ grupo de c~ntrole. Se se pode dtzer que recompensas mactas funciOnam com cnanas negras carentes e que possam ou devam ser usadas com elas, depender de outras pesquisas, destinadas a averiguar se os mesmos resultados so obtidos repetidamente - isso se chama replicao - e testando o reforamento em geral com diferentes tipos de crianas. Em outras palavras, os resultados de um estudo so sugestivos, embora no conclu~ sivos. Talvez as crianas negras carentes necessitem de reforo macio -mas talvez no.

    2. Um estudo no-experimental: classes sociais e tipos de criao

    Vamos examinar agora um estudo no-experimental. Sabemos que em tal estudo no h manipulao experimental; no h tratamento diferencial de grupos de sujeitos. Tomamos pessoas e grupos "como eles so" e estudamos as supostas influncias das variveis em outras vari-veis, as relaes entre variveis. ("Varivel" definida no captulo 2. Por ora, o tempo usado para significar um conceito psicolgico ou sociolgico no qual pessoas ou coisas diferem ou variam, por exemplo, sexo, classe social, habilidade verbal, realizao.) Uma "relao" em cincia sempre significa uma relao entre variveis. Quando dizemos

    5

  • que as variveis A e B esto relacionadas, queremos dizer que existe algo em comum entre as duas variveis, alguma ligao entre elas. Suponhamos que os dois crculos da figura 1.1 representem essncias do que sejam A e B. Isto , A representa a essncia do que seja a va-rivel A. a substncia de A. O crculo B, naturalmente, representa a essncia de B. Observe que os crculos A e B se sobrepem e que a superposio indicada por traos horizontais. Isso indica que algo das essncias de A e B compartilhado. Uma parte de A igual a uma parte de B e vice-versa. Esta faixa compartilhada, indicada pela rea de traos finos, representa a relao entre A e B. A pode ser inteligncia e B aproveitamento escolar. A superposio na figura 1.1 a relao entre as duas. O que esta propriedade dividida? difcil dizer sem outras evidncias. Pode ser aptido ou habilidade verbal; pode ser o que se denominou inteligncia geral. Mas voltemos ao nosso exemplo.

    Os psiclogos e socilogos fizeram grande nmero de pesquisas sobre classes sociais e descobriram sua importncia para a explicao de diferentes tipos de comportamento: recreao, eleies e criao dos filhos, por exemplo, so fenmenos associados s classes sociais. Miller e Swanson (1960) levantaram a hiptese, entre outras coisas, de uma relao entre a classe social dos pais e o tempo que levavam para desmamar os filhos. Foi perguntado a uma amostra de 103 mes d1:1. classe mdia e da classe trabalhadora de uma grande cidade do meio-oeste como estavam criando seus filhos. O resultado de uma per-gunta sobre o tempo do desmame apresentado na tabela 1.1. Os nmeros nas casas representam a quantidade de mes que eram da classe mdia ou da classe trabalhadora e que haviam desmamado os filhos mais cedo ou mais tarde.

    O estudo dos nmeros nas diferentes casas da tabela indica que as PJiles da classe mdia parecem desmamar os filhos mais cedo do que

    as mes da classe trabalhadora. Das 55 mes de classe mdia. 33 des-mamavam cedo enquanto 22 desmamavam tarde; das 48 mes da classe

    Fig.urcJ 1.1

    6

  • Tabela 1.1 Classe social e tempo de desmame, estudo de Miller e Swanson (1960).

    Classe social Desmame

    Cedo Tarde

    Classe mdia 33 22 (0,60) (0,40) 55

    Classe trabalhadora 17 31 (0,35} (0,65) 48

    50 53 103

    ~ As entradas nas casas so freqncias: nmero de mes. As cifras entre parn-teses so propor.es! por exemplo, 33/55 = 0,60. Se as propores forem multi-plicadas por 100, obtm-se as porcentagens: (33/55) (100) = (0,60) (100) = 60 por cento, ou 60 por cento das mes da classe mdia disseram que desmamaram seus filhos cedo.

    trabalhadora, 17 desmamavam cedo e 31 desmamavam tarde. 5 H, apa-rentemente, uma rela~bor~ no muito for~e . entre a classe social e o tempo do desmame. s -maes da classe medta desmamavam seus filhos mais cedo; as mes da classe trabalhadora desmamavam mais tarde. Se se calcularem as propores e porcentagens, o que acabou de ser dito torna-se um pouco mais claro: 33/55 == 0,60, 22/55 = 0,40, 17/48 == 0,35, 31/48 = 0,65 (multiplicando cada um destes por 100 obtm-se a porcentagem). Essas propores esto na tabela, no canto inferior direito das casas. Observe que eles exprimem mais claramente a relao sob discusso do que as freqncias (os nmeros originais). Podemos dizer que h uma tendncia entre as mes da classe mdia a desmamar seus filhos mais cedo e entre as mes da classe trabalha-dora, mais tarde. Sempre que pudermos fazer um:a afirmao "se-ento", temos uma relao. Neste caso, pe>demos dizer, embora cautelosamente: se me classe mdia, ento desmame mais cedo e se me classe traba-lhadora, ento desmame mais tarde. Naturalmente no se pode dizer que esta tendncia se apresenta entre todas as mes classe -mdia e mes classe trabaihadora. Esta apenas-uma amostra e a tendncia pode o~

    5 No se preocupe muito se no conseguir entender completamente como se deve ler e enteder esta e outras tabelas. As tabelas esto sendo usadas apenas com o objetivo de ilustrar. O entendimento maior vir mais tarde.

    7

  • no estar presente entre todas as mes. "f. necessrio mais pesquisa para reforar a afirmao e a certeza que se pode ter quanto sua H verdade".

    Estes dois estudos tm um bom nmero de aspectos que so caracte-rsticos da pesquisa comportamental. Primeiro, um um estudo experi-mental, o outro no-experimental. Segundo, eles ilustram a objetividade, uma caracterstica da pesquisa cientfica que logo examinaremos. Ter-ceiro, seu uso de anlise quantitativa elementar ir nos ajudar a apro-fundar mais na anlise e estatstica. Por exemplo, no estudo de Clark e \Valberg, foram calculadas e comparadas as mdias e no estudo de Miller e Swanson, foram tabuladas e comparadas as freqncias. Estes so 'dois dos modos mais comuns de se fazer anlise quantitativa. Quarto, os problemas, relaes e metodologia de ambos os estudos so simples e claros; sero teis para ilustrar colocaes a serem feitas em discusses subseqentes.

    Mais pertinentes ao tema principal deste captulo o que os estudos tentaram fazer, quais foram seus objetivos. Um dos objetivos do estudo de Clark e Walberg foi compreender e explicar o aproveitamento, ou antes, um certo aspecto do aproveitamento, o chamado subaproveita-mento. Um dos objetivos do estudo de Miller e . Swanson foi explicar o desmame, que , naturalmente, um aspecto do trabalho de cuidar de uma criana. s palavras "compreender" e "explicar" devem ser interpretadas num aentido amplo. Quando dizemos que "compreendemos" um fen-meno, queremos dizer que conhecemos suas caractersticas - pelo menos algumas - o que o produz e quais as suas relaes com outros fenmenos. Queremos dizer que tentamos H explicar" o fenmeno. Po-demos dizer o que provavelmente o tenha causado, o que o influencia agora, o que o influenciar e no que ele influencia. importante obser-y,ar aqui que nossa compreenso de um fenmeno sempre incompleta, parcial e probabilstica. Sem dvida, muito do nosso conhecimento do mundo, especialmente do fenmeno social e humano; parcial e at falho.

    A realizao um fenmeno importante no mundo ocidental. Quando dizemos que procuramos "compreend-lo", em parte queremos dizer que desejamos saber por que certas pessoas conseguem grandes coisas, enquanto outras conseguem muito pouco. Ou, mais ambiciosa-mente, queremos saber por que certos grupos conseguem tanto e outros to pouco. Por exemplo, McClelland (1961), num livro estimulante, The Achieving Society, relatou uma pesquisa voltada para uma questo geral: Como e por que as pessoas de diferentes pases diferem em sua motivao para a realizao? possvel se estender muiL; uiscutindo um conceito to rico quanto o de realizao. O ncleo da idia de com-preenso e explicao, entretanto, que explicamos um fenmeno espe-cificando o. que est relacionado a ele.

    8

  • Clark e Walberg se interessaram por explicar um aspecto relativa-mente limitado da realizao. Eles desejavam explicar e compreender a realizao em leitura, de crianas negras que eram geralmente defi-cientes, na realizao escolar. Queriam saber se o reforamento macio da realizao iria afet-la positivamente. Estudaram, ento, a relao entre o reforamento e a realizao em leitura. Conseguiram mostrar que o reforamento macio afetava positivamente a realizao das crianas em leitura. Eles, at certo ponto, "explicaram" a realizao por-que mostraram uma coisa que a afetou. 6

    O fenmen ''explicado" por Miller e Swanson foi o desmame, ou, talvez mais exatamente, a tcnica de cuidar de crianas, que inclui entre outras coisas mtodos disciplinares, tipos de recompensas usadas e m-todos para induzir obedincia. Eles mostraram, por exemplo, que mes da classe mdia e da classe operria diferem nas suas prticas de des-mame. Assim estabeleceram uma relao, por um lado, entre classes sociais e por outro, no mtodo de desmame. Mostraram que algumas diferenas observadas no desmame eram devidas classe social, em outras palavras. Assim, at certo ponto, eles crexplicaram'' as diferenas nas prticas de desmame.

    Vamos interromper nossa discusso a respeito das metas e prop-sitos cientficos para discutirmos duas caractersticas importantssimas da cincia. A primeira, objetividade, uma caracterstica metodolgica controvertida e difcil d~ender. A segunda a natureza emprica da cincia. Aps discutirmos 'estas caractersticas, estaremos em melhor posio para continuar a discusso principal. Pode ser dito clara e categoricamente que sem o "mtodo" ou "critrio" de objetividade, ou sem a abordagem e a atitude emprica, a cincia como conhecida no mundo moderno no seria possvel~ O que significa esta afirmativa? E o que ela tem a ver com a natureza da pesquisa cientfica?

    Objetividade e pesquisa cientfica Embora fcil de definir, a objetividade no fcil de ser com-

    preendida por causa de sua sutileza e de suas implicaes complexas. um aspecto metodolgico muito importante da Cincia, especialmente da psicologia, porque sua implementao possibilita aos cientistas testa-rem suas idias fora de si prprios. Eles montam seus experimentos rrl foraJJ. Os experimentos acontecem, por assim dizer, fora deles, de

    6 Ele> esclareceram um pouco mais outro fenmeno importante, o reforamento. Parece que mostraram que, ~om algumas crianas, quantidaci~::; comuns de elogio e enc,rsjamento no so suficientes; tais crianas evidentemente exigem grandes quan;,...: .. :les de ambos ~ pelo menos no que diz respeito .realizao em leitura.

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  • sua influncia e predilees. Em vez de estarem em suas cabeas, as idias testadas so objetivadas, feitas objetos u do lado de fora", objetos que tm uma existncia, por assim dizer, separada de seus inventores. Qualquer um pode observar um experimento e como ele feito; coisa pblica.

    :rodo conhecimento do mundo afetado, e at distorcido de certa forma, pelas predisposies dos observadores. Quanto mais complexas as observaes, mais se afastam da realidade fsica, e quanto maiores as inferncias feitas, maiores as probabilidades de distoro. Quando o cientista fsico lida com pesos, por exemplo, h uma baixa probabilidade de distoro: existem pequenas oportunidades para pontos de vista pessoais, inclinaes e prenoes entrarem no processo. Mas considerem-se as possibilidades de distoro no estudo e mensurao de autoritaris-mo, dogmatismo, inteligncia, nvel de aspirao, realizao, classe social, ansiedade e criatividade.

    Tomemos apenas uma destas variveis, a criatividade. Embora concordemos que vamos estudar e medir a criatividade, podemos ter idias muito diferentes do que seja a criatividade. Essas idias diferentes, estas percepes diferentes, podem influenciar nossas observaes de, digamos, criatividade em crianas. Um ato comportamental que para um indica criatividade pode no indicar criatividade para outro e essas diferenas em percepo podem afetar nossa mensurao. Em outras palavras, as verdadeiras observaes do comportamento criativo podem ser muito diferentes, dependendo de quem observa, a no ser que se concorde em adotar um mtodo de observao - e se ater rigidamente a ele.

    Objf!tvidade um acordo entre juzes "especialistas" relativo ao que observado, ou o que deve ser ou o que foi feito em pesquisa. Suponhamos que um cientista observe alguma coisa e anote essa -obser-vao, digamos, em forma numrica. Outro, de igual competncia, observa a mesma coisa, independentemente, e registra sua observao.

    ~ Se o processo puder ser repetido com resultado idntico ou parecido -isto , se h acordo entre as observaes dos cientistas- consegue-se objetividade. Em algumas reas da cincia, como na qumica e fsica, por exemplo, a objetividade no problema srio, graas aos instru-I mentos de alta preciso, como os microscpios eletrnicos. Tais instru-mentos aumentam a probabilidade de acordo entre os juzes, porque, ao us-los, juzes diferentes provavelmente obtero e anotaro os mesmos resultados. Alm disso, a mquina tem menos possibilidade de influen-ciar observaes e de ser influenciada pela natureza do que estiver sendo observado.

    A definio de objetividade como acordo entre juzes no deve ser interpretada com estreiteza: bastante ampla. O que significa isto?

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  • A condio principal para satisfazer o critrio de objetividade , ideal-mente, que quaisquer observadores com um mnimo de competncia concordem em seus resultados. Em psicologia e educao, por exemplo, usam-se testes e escalas objetivas. So chamados Hobjetivos" porque qualquer pessoa, devidamente orientada, pode avali-los e obter os mes-mos resultados (com -pequena margem de erro). A expresso Htestes objetivos" no significa que os teste~ sejam em si mesmos ~~objetivos". Eles o so porque a contagem de pontos a mesma, no impor-tando quem os avalie. Por outro lado, a correo de respostas em redaes depende muito mais do julgamento pessoal do juiz, enquanto tais julgamentos so virtualmente excludos em testes objetivos .. (Deve ser notado, entretanto, que a avaliao de redaes pode ser feita de maneira muito mais objetiva do que geralmente se faz.)

    Mudemos um pouco a perspectiva. No estudo Clark e Walberg a mensuraijo do aproveitamento em leitura foi mais objetiva do que a mensurao de tempo de desmame no estudo de Miller e Swanson por-que o primeiro foi medido com um teste de tipo objetivo, enquanto o segundo foi medido atravs de entrevistas. Qualquer um que avaliasse o teste de leitura obteria os mesmos resultados. Mas dois entrevistadores poderiam mostrar diferenas na mensurao de tempo de desmame, no caso por dois motivos: O primeiro acaba de ser dado: juzes diferentes podem interpretar as respostas do entrevistado diferentemente. Uma me pode dizer que de~ou seu filho quando a criana tinha entre 7 e 9 meses. Um entrevistador pode se satisfazer com esta resposta e anot-la, mas outro pode querer se aprofundar mais e acabar descobrindo que a me desmamou o filho aos seis meses. O segundo motivo se deve falta de memria da me: ela pode simplesmente no se lembrar quando desmamou o filho e dizer que foi aos dez meses, quando de fato foi aos oito. No existe tal ambigidade com mensurao de tipo objetivo (embora no esteja isenta de outros tipos de dificuldades). Um teste de leitura de tipo objetivo, por exemplo, tem regras expl~itas para a ava-liao das respostas. A resposta a qualquer pergunta s pode ser ou cor-reta ou incorreta: h pouca margem para a iniciativa ou o julgamento do avaliador.

    A importncia da objetividade exige mais explicao ainda. Embor~i' seja aplicada geralmente a observaes e mensurao cientficas, a idia mais ampla. Quando os psiclogos fazem experimentos, lutam por objetividade. Isso significa que fazem sua pesquisa controlando de tal modo a situao experimental e descrevendo de tal modo o que fazem que outros psiclogos podero repetir o experimento e obter resultados iguais ou semelhantes. Em outras palavras, a objetividade ajuda o pes-quisador a "sair" de si mesmo, ajuda-o a conseguir condies publica-mente replicveis e, conseqentemente, descobertas publicamente averi-

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  • guveis. A cincia um empreendimento social e pblico, como tantos outros empreendimentos humanos, mas uma regra importantssima do empreendimento cientfico que todos os procedimentos sejam objetivos --:- feitos de tal forma que haja ou possa haver acordo entre juzes especialistas. Esta regra d cincia uma natureza distinta, quase remota, porque quanto maior a objetividade mais o procedimento se afasta das caractersticas humanas - e de suas limitaes. Por exemplo, a obje-tividade quase glacial de partes das cincias naturais, cujos experimentos so feitos em laboratrios e em circunstncias altamente controladas, cujas observaes so feitas quase inteiramente por mquinas de alta preciso e fidedignidade, parece coisa muitssimo distante de gente e de suas preocupaes sociais e pessoais. (Isto no significa que os cientistas que pesquisam e controlam as mquinas sejam imunes a erros.)

    Comparem-se agora os procedimentos em psicologia e educao. O cientista fsico pode "sair de si mesmo" mais facilmente do que o cien-tista comportamental, porque mais fcil para ele preparar uma pesquisa e testar hipteses "fora" e longe de suas prprias predilees e inclina-es e de outros. Isto acontece porque os procedimentos so mais fceis de ser "objetivados" _ Uma vez que o funcionamento de _um processo fsico fique compreendido, pode ser repetido e medido pela maioria de tcnicos e cientistas competentes. Em outras palavras, h uma replica-bilidade relativamente alta.

    Em pesquisa sociolgica, psicolgica e educacional, entretanto, isto verdadeiro em grau muito menor. A manipulao de variveis psicol-gicas, como a coeso de grupo, a atmosfera em sala de aula, estilos de liderana e ansiedade, muito mais difcil de ser feita objetivamente por causa da maior complexidade, amplitude de variao e acessibili--dade a influncias outras que as do pesquisador. Igualmente, a mensu-rao de variveis comportamentais, tais como inteligncia, realizao, atitudes, classe social e motivao mais sujeita a influncias sistem-ticas e casuais, tomando mais difcil - embora no impossvel. como pretendem alguns crticos - vrios observadores concordarem em suas observaes e mensuraes. Isto no significa, entretanto, que os proce dimentos do psiclogo no sejam objetivos. Na verdade, eles freqente-mente podem possuir um nvel de objetividade relativamente alto. Eles so simplesmente menos objetivos do que os do cientista fsico.

    No h qualquer diferena de_ princpio, por outro lado, entre o uso do critrio de objetividade pelo Cientista fsico e pelo cientista com-portamental. A nica diferena est no grau de objetividade. J foi dito que as c~ncias comportamentais nO. podem ser verdadeiramente cient-ficas porque no podem usar. os mtdos das cincias fsicas. Isto no assim, a no ser num sentido purmente literal. Em todas as cincias so usados a mesma abordagem e os mesmos mtodos gerais. Assim est

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  • longe de ser impossvel chegar~se objetividade nas cincias comporta-mentais; isto j foi conseguido com sucesso, muitas vezes. f. apenas mais difcil.

    Objetividade e explicao

    medida que avanarmos veremos que a objetividade, tanto ex-pressa quanto implicitamente, estar presente em toda a nossa discusso e estudo. E preciso que assim seja. Sem objetividade a cincia e a pesquisa cientfica perdem seu carter nico e especial. Sem dvida. no haveria cincia sem objetividade, como j ficou dito. Deve-se acres-centar, entretanto, que objetividade em e por si prpria tem pouca importncia. Isto , o objetivo bsico da cincia a explicao de fen-menos naturais; no simplesmente ser objetiva. Objetividade im~ portante porque pode auxiliar . fornecer explicaes mais exatas dos fenmenos naturais. Ser apenas objetivo no significa ser cientfico. Um procedimento pode ser altamente objetivo e conter observaes engano-sas e concluses falsas. Um pesquisador pode, por exemplo, fazer um estudo que seja um modelo de objetividade mas cujos resultados sejam enganosos. Pode haver testado o que julgou ser ainfluncia de A sobre B . e obtido resultados que parecem mostrar que A, sem dvida, influenciou B. Ele no pe~be outra influncia: K foi a "verdadeira" causa da mudana em B. sna manipulao de A ativou K, que produziu a mu-dana observada em B. Isto mostrado na figura 1.2. A seta interrom-pida mostra a influncia de A sobre B, que o pesquisador estava estu- dando; ele pensou que A tivesse influenciado B. A seta contnua indica a verdadeira influncia: A ativou K, que influenciou B.

    Objetividade, alm disso, no significa importncia. Uma pessoa pode ser muitssimo objetiva com problemas mais triviais do que com problemas mais importantes. Podemos, por exemplo, estudar a relao entre o nmero de carteiras nas classes e o aproveitamento verbal das crianas. Tanto o nmero de carteiras quanto o aproveitamento verbal podem ser medidos com um alto grau de objetividade. Mas e da? A

    Figura 1 . .!

    13

  • objetividade, entretanto, uma caracterstica indispensvel e inseparvel da cincia e da pesquisa cientfica.

    Objetividade como caracterstica e como procedimento

    Antes de deixarmos o assunto objetividade, tentaremos esclarecer e corrigir uma importante concepo errnea. Muitas pessoas, mesmo alguns cientistas comportamentais, pensam que objetividade refere-se a uma qualidade ou caracterstica de pessoas. Embora provavelmente seja verdade que os indivduos diferem em grau de objetividade - consi-derando objetividade como um trao que o indivduo possua - isto tem pouco ou nada a ver com objetividade em cincia. Objetividade em cincia um procedimento, um mtodo, uma maneira de dirigir um assunto cientfico. No quer dizer que pessoalmente os cientistas sejam mais objetivos que outras pessoas, embora muitos deles possam s-lo.

    Esta concepo errnea infelizmente cria confuso. Certos crticos da cincia dirigem sua crtica principal objetividade, dizendo, por exemplo, que a distncia e a frieza da cincia destroem valores humanos e assim a cincia fundamentalmente prejudicial. Esta distncia e frieza, dizem, levam desumanizao do cientista e da~ pessoas afetadas pela cincia - todos ns. Os cientistas so at descritos como monstros, ainda mais perigosos porque aparecem envoltos em um manto de virtude.

    O argumento totalmente sem sentido. verdade - no ma-neira romntica dos crticos, porm - que a cincia distante e talvez fria. Isto deriva de sua meta de abstrao e de seu critrio de objetivi-dade. Leis gerais, enunciados gerais de relaes so necessariamente abstratos porque tm que se aplicar a muitos casos especficos. A lei cientfica ideal uma equao matemtica, no porque os cientistas amem smbolos misteriosos e esotricos e a matemtica (alguns, sim, claro), mas porque a equao matemtica altamente abstrata e geral. Se vlida empiricamente, ela pode explicar muitas manifestaes dife-rentes da lei ou enunciado de relao. "A frustrao leva agresso" um amplo enunciado geral de relao. Tem valor porque abrange muitas, seno todas as manifestaes de frustrao e agresso. 7 tam-bm distante e talvez mesmo um pouco frio comparado descrio de um menino ou menina agressivos feita por um professor ou um terapeuta.

    7 Tais enunciados no podem ser gerais demais porque, se forem, no podem ser refutados. Como veremos mais tarde, os enunciados cientficos tm que ser pas-sveis de serem submetidos a teste e acessveis a serem mostrados como falsos se realmente o forem.

    l4

  • A abstrao, parte do poder da cincia, est sempre distante das preocupaes comuns e do calor do relacionamento humano. Isto por definio; parte da natureza da cincia. Sem tal abstrao, no h cincia. O mesmo quanto a objetividade, que tambm tende a fazer a cincia parecer fria e distante. Parece distante e fria porque os testes das proposies cientficas so feitos Hl fora", o mais longe possvel das pessoas e suas emoes, desejos, valores e atitudes, incluindo os do prprio cientista. Mas isto precisamente o que deve ser feito. Deve-se obedecer ao cnone da objetividade - ou abandonar a cincia.

    O carter emprico da cincia

    O carter emprico da cincia muito mais fcil de compreender do que .a objetividade, talvez porque esteja associado ao que se tornou quase um esteretipo do cientista: um esmiuador de fatos vestido de branco. verdade que a maioria dos cientistas vive preocupada com rrfatos", mas devemos substituir idias estereotipadas pela compreenso das razes da preocupao com a evidncia fatual. Por esta altura o leitor j ter percebido que o ponto de vista deste livro fortemente influenciado pelo cuidado e preocupao com a teoria e explicao. Os no-cientistas pgdem dizer que tambm eles ~sto mu.!!2~J:?.r~~ocu:ea~ com teorias e ex!lli~es. E assim...L.DJi1~Qf9. ... =RQ:r,~,gx~mp,m,,,,-Pl.'l11l'a exphcar como sabemos das cQ.Sa~,.. O historiador deseja explicar a ori-gm a movimentos e fatos histricos, por exemplo, as causas e conse-qncias da Guerra Civil ou da Revoluo Russa. O terico poltico procura explicao para movimentos polticos, como a influncia do-pensamento conservador sobre os atos de partidos ou figuras polticas.

    A explicao, como explicao, no , pois, prerrogativa nica da cincia. Nem a nfase cientfica sobre a evidncia uma obsesso exclusiva. Historiadores e tericos polticos, entre outros, invocam a evidncia para apoiar suas explicaes de fenmenos histricos e pol-ticos. Ento, qual a diferena? Por que a cincia peculiar? Grande parte deste livro dedicada a responder a estas perguntas. Mas podemos agora pelo menos comear a explicao.

    A maior parte da cin~J!lE,_Or~amen~~-- f!10de~na_ ~~~ por uma .fQrt~Q~_u..Qgr~K~Ill.~mp{rif~.!,._)nfelizmente a palavra

    -f'emprico" foi usada de duas formas com significados muito diferentes. Em uma, H emprico" significa guiado pela experincia prtica e obser-vao e no pela cincia e pela teoria. Este um ponto de vista pragm- ~ tico que afirma que use funciona, est certo". Os motivos no importam; \ o que importa que funcione. Este no o significado de Hemprico" ~ usado pelos cientistas (embora eles no deixem de ser pragmticos). -~ Para o cientista, H emprico" significa guiado pela evidncia o~ticl~_-j;:ffi t

    ---~~:l>~.;...-:ztt,= ... ~~,-...=;.. ... -:..-7'=:'""~--"':.;..::~...:.~-;,-:.---..:-:"".;::-...;.-...:.:-~:-.--::.- .. ,;.,: ... ; ~,~~:.~-"'.!:..;:-~--:..:->:-""':;'-:. ~!- . -

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  • pe~g_l!g;_a c~entifjca ~~i~t~_l_!l-.~_sq_!!trolada. Aqui est um exemplo que ~nos ajudar a compreender o que "einpmco" significa para a cincia.

    Uma pesquisa cientfica foi feita para determinar se possvel animais e seres humanos aprenderem a controlar reaes do sistema nervoso autnomo. Podem, por exemplo, diminuir as batidas cardacas ou aumentar a secreo da urina vontade? (Miller, 1971, caps. 55, 56). Tanto velhas quanto novas crenas dizem que isso no possvel. Ento, a generalizao : as pessoas no conseguem controlar reaes gover-nadas pelo sistema nervoso autnomo. Acontece que a afirmao talvez no seja verdadeira: descobriu-se que animais (e talvez pessoas) podem ser treinados para fazerem coisas tais como aumentar e diminuir as batidas cardacas, aumentar e diminuh sua secreo urinria e at alterar sua presso sangunea (Miller, 1971, Parte XI). Um enunciado empiri-camente orientado seria: os animais podem, dentro de certos limites, controlar reaces do sistema nervoso autnomo, recebendo "instruco'' apropriada. s animais podem ser ensinados a, por exemplo, aumintar ou diminuir as batidas cardacas e aumentar ou diminuir sua secreco urinria. No fcil, mas j foi feito. So afirmavas empricas, j que esto baseadas em evidncia cientfica.

    Por ser emprica, no significa necessariamente que uma afirma-tiva seja verdadeira. Se baseada em pesquisa cientfica e evidncia, mais provavelmente verdadeira do que uma afirmativa baseada intei-ramente em crenas. Entretanto, pode ainda no ser verdadeira. A afirmativa acima, de que possvel aprender a controlar o sistema ner-voso autnomo at certo ponto, embora apoiada pela evidncia da pes guisa cientfica, pode acabar sendo refutada a longo prazo. Pode no ser possvel obter os mesmos resultados no prximo ou no ano seguinte,

    ,~ ou na Austrlia assim como na Amrica. possvel que as descobertas de pesquisa apoiando o enunciado fossem o resultado de alguma causa temporria e no reconhecida, caracterstica apenas da situao parti-cular em que foi feita a pesquisa. No obstante, a probabilidade de uma afirmativa baseada em evidncia emprica ser verdadeira maior do que a probabilidade de uma afirmativa no-emprica ser verdadeira. Evi-dncia emprica cuidadosamente obtida, como veremos, um corretivo saudvel e necessrio para as crendices do homem e um meio salutar de diminuir sua ignorncia. Evidncia no-emprica, por outro lado, pode e s vezes ajuda a perpetuar a ignorncia, como fazem os velhos provrbios. E, em resumo, a evidncia emprica freqentemente controla nossa mania desenfreada de fazer afirmaes sobre as coisas, afirmaes que podem ou no ser verdadeiras.

    A palavra "emprica" ento import'lnte porqu~ __ m~:ra 1:!!!1-.}~-~:.... neira de olhar o ,mundo -~......L~~Qiii:t_J].te'-->".d.ii~r-~.D.!.~ .. --4-

    maneii~~ ~!!:~~~ifionaL,Sl-~=t!XQ.f11!:9.~ex.plica_q.~s. apelJl,(:lt.P.ra -'- .~:~J9!.i.Q.le,.. 16

  • seps_Q comurn~P.--lUlra,~a,xa,Z_;o. O homem basicamente egosta? Po-demos citar a Bblia, Freud ou Shakespeare;. podemos dizer que auto-evidente ou bvio que o homem basicamente egosta ou no-egosta; ou podemos raciocinar cuidadosamente na base da autoridade e da observao e concluir que o homem basicamente egosta ou no-egosta. Esta mais ou menos a maneira tradicional.

    Os cientistas, entretanto, no est?.u satisfeitos com essa maneira. Se acham que a questo cientificamente respondvel - muitas questes no podem ser respondidas cientificamente - ento eles abordam o problema diferentemente. Embora possam apresentar uma explanao terica, sempre fica em suas cabeas uma p~igunta a importunar: O que dir a evidncia cientfica? Decidindo primeiro como definir e medir o egosmo, o cientista preparar um estudo ou uma srie de estudos para tentar determinar at onde o egosmo motiva o comporta-mento humano e como isto feito. Far, ento o estudo sob condies controladas e, depois de analisar os resultados obtidos, chegar a con-cluses que parecero saltar da evidncia. A evidncia, ento, o centro de todo o processo. Sem ela as concluses geralmente no tm valor cientfico.

    Alguns leitores podem ficar em dvida quanto importncia desta distino entre abordagens empricas e no-empricas. Podem dizer que bvio, at auto-evidente, que procuramos evidncias para as afirma- tivas que faz~s. Pessoas racionais sempre faro isto. Mas a questo justamente est:r- s vezes fazem, mas muitas vezes no. Nossos siste-mas de crenas -religiosas, polticas, econmicas, ~ducacionais - so sem dvida poderosos e freqentemente guiam nosso comportamento, no a evidncia. Parece que muito difcil usar a evidncia emprica como hbito. Se no o fosse, muitos dos problemas sociais que enfren-tamos poderiam ser resolvidos, admitindo-se a existncia de boa vontde e motivao adequada. Para compreender a cincia e a pesqui ;a cient-ficas, portanto, necessrjo um esforo contnuo e consciente, nada fcil, porque a necessria atitude emprica exige no mnimo uma suspenso temporria de poderosos sistemas de crenas. Em outras palavras, a primeira e ltima corte de apelao da cincia a evidncia emprica.

    O objetivo da cincia: teoria e explic!i!9 O objetivo da cincia j foi determinado. Precisamos agora rea-

    firmar este objetivo formalmente e tentar dissipar certas noes equi-~ vocadas sobre suas metas. O propsito da cincia a teoriJb_ Examine-mos esta afirmativa simples ~ um bocado controvertida. Uma teoria uma exposio sistemtica das relaes entre um conjunto de vari-~ veis. uma explicao geralmente de um fenmeno particular, ainda

    17

  • Figura 1.3

    que amplo. Um psiclogo poder propor uma teoria da liderana em grupos e organizaes ou, como Freud, uma teoria da motivao hu-mana, ou, como o influente socilogo europeu, Weber, uma teoria para esclarecer o capitalismo moderno ou, como o psiclogo suo, Piaget, uma teoria do conhecer humano. Tais teorias so tentativas sistemticas de "explicar'" os vrios fenmenos, postulando as relaes entre os fe-nmenos a serem explicados e um certo nmero de "variveis explica-tivas" que tambm esto relacionadas entre si de modo sistemtico. O

    {( ~t~;l~:~"'~ _:j_~gcia ch~~!E_~~~oria~-i~~~!~r e__~sf:p_lp'ir ex_p! jd ~!~~~ya ~-~~s __ e ____ en?!Een.~-:IJ.atu~,~-~ t Para tirar um pouco do mistrio da palavra, vamos examinar um -"exemplo fictcio de uma Hpequena teoria", cujo propsito explicar a

    realizao escolar. Vamos relacionar quatro variveis - inteligncia, situao econmica familiar, classe social e motivao para a realizao - com realizao escolar de tal forma a "explic-la" satisfatoriamente. Para isso, vamos usar a idia de influncias diretas e indiretas. Os estudantes universitrios diferem muito quanto ao sucesso na faculdade e queremos explicar essas diferenas. Por que alguns estudantes se saem bem e outros nem tanto? Suponhamos que podemos medir todas as varjveis satisfatoriamente. A "pequena teoria" dada em forma de diagrama na figura 1.3. 8 5 2 ~

    ~ ~

    B Este exemplo parcialmente realista, parcialmente fictcio. O leitor no dever ~ tom-lo como "teoria estabelecida". Embora se saiba muito a respeito de reali-

    zao, em cursos superiores e em outros contextos, muita coisa ainda no ficou _f compreendida. As teorias na cincia comportamental podem ser consideradas tenta-~ ti v as de desbastar nossa ignorncia. Neste sentido o exemplo no artificiaL

    18

  • Na teoria, duas vartaveis, inteligncia e motivao para a realiza-o, so influncias diretas; acredita-se que ambas influenciem a reali-zao escolar sem passarem pelas outras variveis. Estas influncias diretas so mostradas pela figura 1.3: as setas de inteligncia e motiva-o para a realizao vo para realizao na universidade. Acredita-se que as outras duas variveis, situao econmica familiar e classe social, tenham influncia indireta na realizaco escolar; elas "atravessam'' a motivao para a realizao. Acredit~-se, por exemplo, que em geraL quanto mais afluente a famlia, maior a motivao para a realizao. Igualmente a classe social influencia a motivao para a realizao: ra-pazes e moas da classe mdia tm maiores motivos para desejarem progredir que os jovens das classes trabalhadoras. A inteligncia. alm de sua influncia direta na realizao escolar - quanto maior a inteli-gncia, maior a realizao - tem influnCia indireta na realizao esco-lar atravs da motivao para a realizao: quanto maior a inteligncia, maior a motivao para a realizao.

    Temos ento uma teoria da realizao escolar, que pode ser boa ou m, dependendo de quo bem explique a realizao escolar. bas-tante testvel. Todas as variveis so suscetveis de rnensurao satisfa-tria (embora uma teoria no tenha necessariamente que ter apenas variveis mensurveis) e h tcnicas analticas que podem permitir testes bastante claros das relaes especificadas na teoria.

    Outras f~jdades da cincia, alm da teoria e explicao, foram propostas. No .ptecisamos elaborar as mais tcnicas destas, pois geral-mente j so dedutveis da teoria como propsito. H um alegado pro-psito da cincia, entretanto, que d muitos problemas e que confundiu um bocado a compreenso clara da finalidade da cincia. Essa alegada finalidade est contida em afirmaes como as que se seguem, todas elas estreitamente relacionadas: "A finalidade da cincia melhQU!X-=--~; ''~~Jl~.~liqQ._fl~~P-~!f.o.logia..e_sociologia~._aju_dar ~melhora~ socie19

  • H um paradoxo aqui. Parece bvio que o propsito da cincia melhorar a humanidade. Entretanto, uma posio perigosa porque conduz, entre outras coisas, a distores. As distores resultam de duas ou trs razes. Uma, a mistura de forte compromisso e a exigncia de programas sociais e polticos, por um lado, e a pesquisa cientfica de problemas de tais programas, por outro, parecem induzir preconceitos e o que foi chamado percepo seletiva. Isto significa que vemos o que desejamos ou precisamos ver em vez do que realmente existe. Esta tendncia to forte que quase cheguei ao ponto de pensar que cien-tistas comportamentais no deveriam pesquisar coisas que advogam apaixonadamente. Ou melhor, quando pesquisarem, devem criar e usar salvaguardas excepcionalmente elaboradas contra suas prprias incli-naes.

    Uma segunda razo para distores que tendemos a confundir misses sociais e cientficas e isto leva a distorcer o que vemos, a des-gastar nossa objetividade e, mais importante, nosso compromisso com a objetividade. O desgaste do compromisso com a objetividade peri-goso para um cientista, pois, como j ficou dito, a objetividade uma caracterstica cientfica inconfundvel e indispensvel. Sua perda destri a prpria cincia.

    Voltando ao argumento principal, a cincia e a pesquisa cientfica so absolutamente neutras. Os resultados de pesquisas cientficas podem e so usados tanto para bons propsitos quanto para maus. Fazemos uso de bombas. atmicas, instrumentos de destruio baseados na teoria cientfica, pesquisa em fsica e campos relacionados; usamos tambm descobertas atmicas para a dessalinizao da gua, para a criao de energia praticamente ilimitada, e assim por diante. Bondade e maldade, melhora e deteriorao, felicidade e sofrimento humanos, so assuntos para as pessoas que resolveram fazer certas coisas que tm boas ou ms conseqncias, que melhoram ou pioram as coisas, que promovem a felicidade humana ou que aumentam seu sofrimento. Naturalmente os resultados da cincia podem ser usados para ajudar a tomar tais deci-ses, e os cientistas, como seres humanos, podem participar na tomada de decises, mas a cincia em si, estritamente falando, no tem nada a ver com as decises. Isto porque a preocupao da cincia - e a nica atividade humana em larga escala cuja preocupao to desin~ teressada - diz respeito apenas compreenso e explicao de fen-menos naturais.

    Enfatizo fortemente a finalidade da cincia desta forma porque a concepo errada exposta acima, levada ao extremo lgico de colocar o bem~estar humano como finalidade fundamental da cincia, conduz finalmente a um desgaste da prpria cincia e conseqente diminuio da compreenso dos fenmenos fsicos e humanos. O ltimo captulo

    20

  • deste livro examinar novamente este problema com mais detalhes. O motivo por que o propsito da cincia como teoria foi enfatizado aqui que a tentativa de sua aceitao a esta altura muito nos ajudar a compreender o contedo deste livro. Esta nfase nos manter ligados essncia e natureza da cincia e no nos permitir sermos distrados por consideraes estranhas. Por exemplo, se falarmos do chamado subaproveitamento de crianas brilhantes, vamos poder focalizar a com-preenso do aproveitamento ao invs de remdios especficos para o problema. Ao fazer isto, naturalmente, j teremos assumido que a com-preenso cientfica do problema pode aumentar as possibilidades nossas e dos outros de encontrar solues prticas para o problema.

    21

  • 2. Conceitos comportamentais cientficos e definies

    Uma das maiores dificuldades ao abordar um assunto novo o seu vocabulrio. No se inventam e se usam palavras novas apenas; velhas palavras so usadas de maneira nova e diferente. Este, naturalmente, o caso na cincia. Teremos que nos .familiarizar com termos e expresses que so usados constantemente na pesquisa psicolgica, sociolgica e educacional. A finalidade deste curto captulo promover esta fami-liaridade.

    As definices raramente so interessantes para o leitor, mas so essenciais__Qorgue virtua1ne-iite 1mpQ~gyf -E_~j_yg_~J-~1nteligentemente sobre cincia e.-P-~Mi~.a -=--QJ..L_s_obre .. qualquer _m:gq_omplex_o_-:::::Ji.~m usar termos abl)tratos e tcnicos.._desconhecidos do leitor. Os cientistas

    comportame~t~is- -us-m-fnll~-~omo . -~-~uns1raCa5uain-~-t, varivel inde-pendente", "manipulao experimental" e "significncia estatstica". Ao passo que tais expresses so familiares e fceis para o cientista, podem ser estranhas, perturbadoras e mesmo assustadoras para o leigo. Assim, elas podero ser uma forte barreira para a compreenso de um livro como este. O truque de costume, usado para resolver o problema. definir os termos medida que forem aparecendo. Na pesquisa compor-

    '3-tamental, entretanto, h termos demais, usados quase todos de uma vez. Assim, alm de definirmos os termos medida que formos avanando, inclumos este captulo de definies no incio do livro.

    Variveis

    O termo 'rvarivel" talvez seja o mais usado na linguagem da cincia comportamental. literalmente impossvel escapar dele. Por exemplo, pretendi escrever o captulo 1 sem nenhum termo tcnico. No

    , foi possvel: tive que usar Hvarivel" junto com uma ou outra palavra

    11

    tcnica. O termo "varivel" um conceito ou "constructo", como dizem . os psic]Qg__o~. Um conceito, naturalm~nte, um substantivo ~e repre-senta uma cla~se de obJetos: homem, sexo, agresso, habilidade verbal,

    . classe socil, inteligncia e conformidade, so exemplos. fcil perceber que uhomem" significa organismo de duas pernas, que fala. escreve e

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  • algumas vezes exibe inteligncia. No fcil ver o que uagresso" repre-senta. Para o psiclogo, "agresso" pode significar um estado interior que predispe a pessoa a certos tipos de comportamentos chamados "agressivos". Para o pesquisador psicolgico, entretanto, "agresso" significa tipos diferentes de comportamentos que tm as caractersticas de ferir outros ou a si prprio, fsica e psicologicamente. Devem ser bastante especficos; devem definir "agresso" especificando de alguma forma o que so comportamentos "agressivos". Fazem isto para poderem medir ou manipular a H agresso". A idia de "vari ver' deve ficar clara depois que examinarmos tipos e exemplos de variveis.

    Variveis categricas, medidas e manipuladas

    Quando alguma coisa pode ser classificada em duas. ou mais cate-gorias, pode ser uma varivel. "Sexo" uma varivel, o tipo de varivel mais simples porque existe apenas em duas categorias, masculina e femi-nina. "Preferncia religiosa", "preferncia poltica", e a classe social" so variveis com mais de duas categorias. Tais variveis so chamadas variveis categricas. Tm por caracterstica o fato de todos os membros de uma categoria- todos os do sexo feminino, por exemplo - serem considerados iguais no que diz respeito quela varivel. Outros exemplos so nacionalidade, raa, escolha ocupacional.

    Se uma1ftepriedade de objetos pode ser medida, ela pode ser uma varivel. Ser umedida", por ora, significa que algarismos podem ser atribudos a pessoas diferentes ou objetos diferentes com base na posse de quantidades de alguma propriedade ou caracterstica. Altura e peso so exemplos fceis e bvios. Mas podemos atribuir os algarismos 1, 2, 3, 4 e 5 a determinadas crianas com base em sua suposta ansie-dade, 5 significando muita ansiedade, 4 uma boa quantidade de ansieda-de e assim at 1, que significa pouca ansiedade. Se pudermos fazer

    isso~ temos a varivel H ansiedade". Em termos de senso comum, varivel algo que varia. Ou pode ser dito que uma varivel uma propriedade que assume valores diferentes. Um psiclogo, por exemplo, pode atribuir a diferentes crianas valores diferentes, dependendo de sua posse de quantidades diferentes de habilidade verbal. Para isso ele pode usar um teste de habilidade verbal e atribuir criana nmeros de 10 a 50, sendo que 10 significa baixa quantidade de habilidade verbal e 50, alta quantidade. A varivel "sexo" foi mencionada acima: pode-se atribuir 1 ou O aos indivduos, dependendo de serem homens ou mulheres. Mesmo atribuindo-lhe somente dois algarismos, 1 e O, sexo uma varivel.

    Na discusso do estudo de Clark e Walberg no primeiro captulo, o rdoramento foi "manipulado" como uma varivel experimental, dando

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  • a um grupo de crianas um reforamento macio e a um segundo grupo, reforamento regular. Esta manipulao, com efeito, cria uma varivel. Sempre que os pesquisadores preparam condies experimentais, eles criam variveis. Ns chamamos tais variveis variveis experimentais ou variveis manipuladas. Pode-se demonstrar que elas satisfazem a defini-o dada acima, embora no faamos isto aqui.

    H, ento, trs tipos gerais de variveis na pesquisa comporta-mental: variveis categricas, variveis medidas e variveis experimen-tais ou manipuladas. O reforamento, no estudo de Clark e Walberg, , como ficou dito, uma varivel experimental. Classe social (classe mdia e trabalhadora) no estudo de Miller e Swanson sobre classe social e criao dos filhos, descrito no captulo 1, uma varivel categrica. Exemplos de variveis medidas so inleligncia, ansiedade, autoritarismo,

    ap.~ido verbal e realizao escolar. So chamadas variveis medidas porque so "medidas" com um teste ou outro instrumento que produz resultados. que vo de altos a baixos.

    Variveis dependentes e independentes

    Dois termos que so bastante usados em pesquisa comportamental e neste livro so "varivel independente" e "varivel dependente". Uma varivel independente uma varivel que se supe influenciar outra varivel, chamada varivel dependente. Quando dizemos: "O refora-menta aumenta a aprendizagem."; reforamento a varivel indepen-dente e aprendizagem a varivel dependente. Os cientistas fazem pre-dies a partir de variveis independentes para variveis dependentes. Eles dizem, por exemplo, "Se os professores elogiarem as crianas, o 'trabalho escolar das crianas melhorar H.

    A varivel independente numa pesquisa o antecedente; a varivel dependente o conseqente. Os termos vm da matemtica. Sempre que uma equao matemtica ou estatstica escrita, a varivel depen-dente fica esquerda da equao e a independente direita. Por exem-plo, uma equao muito usada pelos pesquisadores comportamentais: y = a + bx. Aqui y a varivel dependente e x a independente. como dizer, embora mais precisamente, "Se x, ento y". Com o problema de Clark e Walberg, diramos "Se reforamento (x), ento realizao (y)". (a e b na equao so constantes cujos valores so determinados pela pesquisa. Seu significado e uso sero explicados mais adiante.) Quando so desenhados grficos, como veremos mais adiante, a varivel independente o eixo horizontal (das abscissas) e a varivel dependente o eixo vertical (das ordenadas).

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  • Outros tipos de variveis

    H outras classificaes de variveis, mas geralmente no so to im-portantes quanto as dadas no item anterior. Mas j que so usadas 11:a bi-. bliografia e na conversao dos pesquisadores comportamentais, os leito-res devem se familiarizar com elas. A primeira destas classificaes carac-teriza variveis de acordo com o campo em que so usadas: variveis psicolgicas, variveis sociolgkas, variveis econmicas e assim por diante. Inteligncia, ansiedade e conformidade so variveis psicolgicas; classe social, escolaridade (nmero de anos de freqncia escola, por exemplo) e profisso do pai, so variveis sociolgicas; renda, produ.to nacional bruto e lucros so variveis econmicas. Outras possibilidades so variveis polticas, antropolgicas e fisiolgicas. As variveis na pesquisa educacional so principalmente psicolgicas, sociolgicas e scio-p.sicolgicas. Por exemplo, a realizao, a aptido verbal, motivao para a realizao e nvel de aspirao so psicolgicas; classe social, escolaridade dos pais, nvel de escolaridade e profisso do pai so socio-lgicas.

    Outra maneira de distinguir as variveis atravs de disciplinas de um campo. Em psicologia, por exemplo, ouve-se falar de variveis de personalidade (introvertido-extrovertido, agressividade, autoritaris-mo), variveis~iolgicas (reflexo psicogalvnico, transpirao palmar, batida cardaca}~~ariveis scio-psicolgicas (conformidade, presso grupal, coeso) e assim por diante. Mas tais distines no parecem muito importantes. Sem dvida, algumas vezes difcil classificar as variveis :desta forma porque elas podem pertencer simultaneamente a duas ou trs categorias.

    Normalmente no possvel estudar fenmenos e relaes entre fenmenos sem definir e usar diversas variveis. Para estudar a realiza-o escolar de crianas, por exemplo, os pesquisadores precisam ucriar" a varivel H realizao". Isso significa que eles precisam definir e medir essa varivel; devem atribuir algarismos ao aproveitamento escolar de crianas diferentes. A importncia da idia de varivel e da idia conco-mitante de variabilidade, variao ou varincia (ver abaixo) no pode ser superenfatizada.

    Uma varivel, ento, um constructo, um conceito com um signi-ficado especificado "construdo" dado por um pesquisador. Uma vari-vel pode tambm ser vista como um nome ou um smbolo ao qual se atribui valores, os valores diferentes indicando quantidades ou graus da varivel descrita pelo nome ou smbolo. Assim, inteligncia e confor-mismo e x e y so variveis se se atriburem valores (algarismos) a eles sistematicamente.

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  • "Relaes

    "Relao" provavelmente a palavra mais fundamental em cincia. Ela ser usada amplamente em todo este livro. Grande parte do cap-tulo 4 ser dedicada a definir o termo, explicando seu significado e dando exemplos de seu uso. Por enquanto, usaremos uma definio mui-tssimo simplificada. Relao um "ir junto" de duas variveis: o que as duas variveis tm em comum. A idia comparativa: uma relao um elo, uma ligao entre dois fenmenos, duas variveis. Dizemos que h uma relao positiva entre, por exemplo, inteligncia e realizao escolar ou entre classe social e renda, ou ainda entre auto-ritarismo e preconceito. Isto significa que crianas de maior inteligncia se saem bem na escola e crianas menos inteligentes tendem a se sarem menos bem (embora haja muitas excees); que as classes .sociais mais altas recebem maiores rendas que as mais baixas; e que quanto maior o autoritarismo, maior o preconceito. H, ento, uma ligao, um elo, entre estes trs pares de variveis. Em cada par, uma poro de cada varivel comum a ambas. Voltando figura 1.1, podemos ver o de-senho da idia da parte comum de duas variveis. A parte superposta dos dois crculos mostra que h algo em comum nas duas variveis.

    Estudos e experimentos

    Quando os cientistas fazem determinada pesquisa, diz-se que fize-ram um Hestudo". Estudo, ento, uma palavra geral abrangendo qual-quer tipo de pesquisa. Diz-se, por exemplo, uFizeram um estudo sobre inteligncia e reahzao escolar na Inglaterra, Frana e Estados Unidos"; "Ele estudou a influncia da ansiedade no desempenho de crianas su-burbanas em testes"; "Ela fez um estudo sobre os fatores de autorita-rismo e dogmatismo"; "O estudo experimental de Clark e Walberg sobre o efeito do reforamento na realizao em leitura entre crianas negras foi severamente criticado". Observe ento que "estudo" se refere tanto a investigaes experimentais quanto no-experimentais e a tipos diferentes de pesquisa.

    A maioria das pessoas pensa que sabe o que um experimento: uma coisa que os pesquisadores fazem em laboratrios com equipa-mento esotrico. A ve"rdadeira natureza do experimento obscurecida por idias vagas e estereotipadas como esta. Embora os experimentos sejam feitos na maioria em laboratrios, podem ser feitos em outros lugares - em escolas, lares, fbricas e at nas ruas. Mais importante, um experimento propriamente dito tem duas caractersticas bsicas. Uma delas uma caracterstica que todo experimento deveria ter: designao aleatria dos sujeitos para os diferentes grupos experimentais. Isto quer

    26

  • dizer, simplesmente, que os sujeitos so designados para os grupos experimentais de tal forma que qualquer um possa se tornar membro de qualquer grupo, sem ser possvel dizer de qual grupo ele participar. possvel fazer-se um experimento sem designao aleatria, embora no seja desejvel. Vamos deixar o assunto de designao aleatria para o captulo 6, porque o assunto exige explicaes mais completas e detalhadas.

    A segunda caracterstica bsica de um experimento foi mostrada no captulo 1 -manipulao. Agora podemos ser mais precisos: mani-pulao de variveis independentes. (Variveis dependentes quase nunca so manipuladas.) .Kepetnrlo: isto sil!nificR cme o pesquisador faz coisas diferentes com grupos diferentes de indivduos. Suponhamos que eu ensine quatro grupos de alunos do quarto ano com quatro mtodos dife-rentes. Isto uma manipulao. Suponhamos que eu queira estudar os efeitos dos tipos de tomada de deciso na produtividade do grupo. Tenho um grupo de 90 pessoas que divido em 3 grupos de 30, denominando-os A1, A2 e A3. As pessoas do grupo A1 tero o mximo de oportunidades de participar das decises do grupo (as quais so uma parte da manipu-lao), as do grupo A2 uma ou outra oportunidade de participar, e as do grupo A3 nenhuma oportunidade. Isto tambm uma ma-nipulao.

    A manim!Jao experimental varia da mais simples mais com-plexa. A manipulao da varivel independente de Clark e Walberg foi simples: dois grupos, um recebendo reforamento macio, o outro, re-gular. Para que o leitor no pense que toda ou mesmo a maioria das manipulaes se limitam a dois grupos, examinemos uma ligeira exten-so da manipulao at trs grupos. Aronson e Mills (1959), num inte-ressante experimento sCio-psicolgico, testaram a idia de que quanto mais dificuldade se encontrar para entrar em um grupo, mais os mem-bros deste grupo daro valor a ele. Os membros de um grupo receberam uma iniciao severa. os de outro, uma iniciao suave e aos membros do grupo restante no se exigiu nada para se tornarem membros do grupo (o "grupo de controle"). (A manipulao incluiu a leitura, por jovens do sexo feminino, de palavras que variavam em termos de obscenidade.) Foi predito que os membros do primeiro grupo valoriza-riam mais a participao no grupo, os membros do segundo, um pouco menos, e os do terceiro- o grupo de controle - valorizariam menos ainda. (A exnectativa foi r.onhrmada pelns resultados.) Isto tambm uma manipulao: foram feitas coisas diferentes sistematicamente com os trs grupos. As virtudes e outras caractersticas deste poderoso mtodo de obter conhecimento sero exploradas mais tarde. Veremos tambm que perfeitamente possvel manipular mais do que uma varivel inde-pendente por vez.

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  • H vrios tipos de estudo cientfico. Um experimento apenas um deles. Todos os outros so no-experimentais. Um levantamento de opinies no-experimental. Assim toda a investigao das relaes entre variveis quando no h manipulao. O estudo de Miller e Swanson sobre classe social e criao de filhos um exemplo. No foi um experimento porque no houve manipulao de uma vari-vel independente. Freqentemente a distino mal entendida. Estudos que so no-experimentais so s vezes chamados experimentos. Entre-tanto, a distino muito importante porque as concluses de um expe-rimento bem conduzido geralmente so mais fortes do que as concluses de um estudo bem conduzido que no seja um experimento. Voltaremos a esta distino no captulo 8.

    Dados

    Os cientistas usam comumente a palavra "dados" (data) e sabem muito bem o que ela significa. 1 O leigo poder se confundir com a palavra, porque nem sempre fica claro o que se quer dizer com ela. A palavra "dados" significa alguma coisa dada ou aceita como dada, da qual se podem fazer inferncias. Por exemplo, algum me diz que 60 por cento do povo da Blgica a favor do Mercado Comum, mas que apenas 40 por cento do povo da Inglaterra a favor. Ento tenho dados que me permitem fazer uma inferncia ou duas e at mais: o povo da Blgica aprova o Mercado Comum mais do que o povo da Inglaterra (outras coisas sendo iguais, claro); o apoio ao Mercado Comum no muito forte na Blgica e Inglaterra. Neste exemplo, as percentagens definidas so dados que permitem certas inferncias. Mas dados no se limitam a resultados nmericos ou estatsticos. Material verbal, como editoriais de jornais ou redaes infantis, podem ser consi-derados dados.

    Os cientistas, ento, geralmente usam a palavra "dados" para se referirem a resultados obtidos em pesquisas, embora nem sempre resul-tados numricos e estatsticos, dos quais tiram concluses e inferncias. Eles podem dizer: "Os dados indicam que, quanto mais severa a inicia-o, mais as pessoas valorizaro sua participao no grupo". Querem dizer que alguma espcie de resultados quantitativos - por exemplo, as mdias dos pontos nos trs grupos do experimento de Aronson e Mills - foram tais que permitiram fazer a afirmativa.

    1 "Data" uma dessas palavras curiosas que realmente plural - o singular

    "datum" - mas s vezes tratada como singular. O uso no plural sempre prefervel.

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  • Apesar de seu uso. especfico, "dados" tambm se refere a quase qualquer evidncia obtida em pesquisas. Pode-se at afirmar que "dadosn e '"'evidncia" so usados quase como sinnimos. As observaes feitas por ministrios de educao e anotadas sob detenninada forma so cha-madas H dados". Sadas de computador so chamadas H dados,. Pontos obtidos em testes so chamados "dados".

    Medidas, pontos, testes, escalas

    Constantemente os cientistas comportamentais precisam obter esti-mativas quantitativas das magnitudes de propriedades ou caractersticas apresentadas por grupos ou indivduos. Eles obtm tais estimativas, em primeho lugar, para poderem avaliar a magnitude de relaes entre as variveis. Dados brutos -respostas a perguntas, descrio do compor-tamento das pessoas atravs da ob~ervao, coisas deste tipo - geral-mente precisam, de alguma forma, serem convertidos em nmeros. Os nmeros, que presumivelmente mostram os dados brutos de forma redu-zida, so, ento, tratados de forma que as relaes entre os nmeros e assim entre as caractersticas possam .ser estudadas.

    Estimativas quantit.ativas da magnitude de uma propriedade ou ca-. racterstica de grupos ou indivduos s chamadas medidas. Medidas obtidas em te~~~s _so chamadas pontos (scores). "Medida" uma palavra mais abrangente,.,.-tiq, que "ponto1', embora pontos sejam medi~as.

    Um teste um procedimento sistemtico no qual os indivduos so colocados diante de um conjunto de estmulos construdos: chamados itens, aos . quais reagem de uma forma ou de outra. As respostas possibi-litam ao aplicador do teste atribuir pontos individuais ou nmeros indi-cando o grau em que o indivduo possui certo atributo ou propriedade ou at que grau uconhece" a coisa que foi testada. Falamos sobre testes de inteligncia, testes de realizao, testes cie aptido e muitos outros tipos.

    Uma escala como um teste, s6 que lhe falta o aspecto competitivo do teste. A palavra Hteste" tem um sabor de sucesso ou fracasso; a pa-lavra Hescala", no. um instrumento construdo de modo que nmeros difere.ntes podem ser atribudos a indivduos diferentes para indicar quantidades diferentes de algum atributo ou propriedade. H escalas para medir atitudes, valores, compulsividade, rigidez, interesses, precon-ceito e muitas outras.

    Variao e variincia

    Um conceito estatstico fundamental na pesquisa cientfica "va-rincia". E fundamental porque os fenmenos s podem ser comparados

    29

  • e relacionados atravs das suas variaes. O que significa esta afirmao ligeiramente estranha? Virtualmente nenhum conhecimento cientfico seria ~ssvel se o fegmeno _n~~---.Y-~ria~~.!.-P psiclogc: nao poderia

    .).o .J_t-, -~dar a mt~Ug~IJ.i?._..e -~]}!t~J!~Rc_ia~s p_~S-~9,~_~ _ _E_2_._yaria4'~, O soci-r __ ......--- logo no poderia estudar classes sociais e suas relaes com outras

    variveis se as pessoas e grupos no diferissem em classes sociais. Diz-se que um grupo de pessoas, por exemplo, alunos de quarta srie. alta-mente varivel em inteligncia. Outra maneira de dizer isto : a varincia de inteligncia da classe grande. Por outro lado, a varincia de inteli-gncia de um grupo de candidatos ao doutorado pode ser pequena. Se por ora o leito.r puder confiar na veracidade destas afirmaes sobre _variao, vamcis poiar esta r.onfiana cor.. razes ~m um captulo posterior.

    Embora no se discuta bastante estatstica neste livro, imperativo que conheamos alguns termos estatsticos e seu significado geral. r~Varintia" um termo tanto estatstico quanto geral. geral enquanto significa a variabilidade do fenmeno, como discutido acima. Os cien-tistas comportamentais usam-no muito desta forma. "Varincia" tam-bm uma medida estatstica que expressa a variabilidade de qualquer conjunto de medidas, e, assim, indiretamente, de qualquer conjunto de indivduos. 2 Os cientistas comportamentais falam muito sobre a va-. rincia de um fenmeno ou sobre a varincia de uma varivel afetada pela varincia de outra varivel. O pesquisador educacional poder per-guntar: "Quanto da varincia de realizao devida varincia de inte-ligncia, varincia de motivao, varincia de background familiar?'' Isto simplesmente uma maneira resumida e semi tcnica de dizer: H As crianas de alto grau de inteligncia tm alta realizao e as crianas de inteligncia inferior tm baixa realizao? As crianas com alta motiva-

    ,. o se saem bem e as criana