LIVRO Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística

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Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística

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  • Mdia, Tecnologia e Linguagem Jornalstica

  • Mdia, Tecnologia e Linguagem Jornalstica

    Organizadores:

    Emilia BarretoVirgnia S Barreto

    Cludio Cardoso de PaivaSandra MouraThiago Soares

    Editora do CCTAJoo Pessoa

    2014

  • CapaEmilia Barreto

    Projeto GrficoEmilia BarretoFilipe AlmeidaDiagramao

    Filipe Almeida

    Ficha catalogrfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraba

    M629 Mdia, tecnologia e linguagem jornalstica / Emilia Barreto...[etal.], organizadores.- Joo Pessoa: Editora do CCTA, 2014.231p.ISBN: 978-8567818-04-71. Comunicao de massa. 2. Mdia. 3. Comunicao -

    aspectos tecnolgicos. 4. Linguagens jornalsticas. I. Barreto, Emlia.

    CDU: 659.3

  • Sumrio

    APRESENTAO ...................................................................................................................... 6

    Midiativismo, tecnologias mveis e cobertura jornalstica

    D@niel na cova dos lees: Mdia Ninja no programa Roda Viva Claudio Cardoso de Paiva ...................................................................................................................... 10

    Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos ao vivo e da rua Fernando Firmino da Silva Adriana Alves Rodrigues ........................................................................................................................ 26

    Midiativismo, redes e espao pblico autnomo: as novas mdias na redefinio das relaes de poder Thiago Dangelo Ribeiro Almeida Claudio Cardoso de Paiva ...................................................................................................................... 44

    Jornalismo Colaborativo, rotina e produo da notcia

    A TV Digital interativa e a reconfigurao do processo de produo de notcias Luciellen Souza Lima Sandra Moura .......................................................................................................................................... 60

    As rotinas jornalsticas na Era da Rede: um estudo sobre as transformaes na produo da notcia no jornal Correio da Paraba Amanda Carvalho de Andrade Joana Belarmino ..................................................................................................................................... 75

    Telejornalismo colaborativo: o uso de materiais da internet e de novas plataformas no JPB da Rede Globo Roberta Matias ......................................................................................................................................... 90

    tica e resistncia jornalstica

    50 Anos do golpe militar no Brasil: uma anlise do jornalismo de resistncia na Paraba Sandra Moura Emlia Barreto ........................................................................................................................................ 105

  • tica jornalstica sob uma perspectiva bucciniana: The Newsroom, o fantasma da manipulao miditica e o jornalismo idealSinaldo de Luna Barbosa ...................................................................................................................... 119

    Fotografia em sites de redes sociais: anlise de imagens de uma manifestao popular Raul Augusto Ramalho Luiz Custdio da Silva .......................................................................................................................... 133

    Cultura da mdia, corpo e recepo telejornalstica

    Midiatizao, convergncia e circulao: apontamentos para os estudos de recepo em telejornalismo Virgnia S Barreto ................................................................................................................................ 148

    Jornalismo e cultura da mdia: contribuio de Douglas Kellner na abordagem analtica dos produtos jornalsticos Thiago Soares ......................................................................................................................................... 159

    Corpo e discurso no movimento Passe Livre: Patrcia Poeta, estratgias enunciativas do JN e crticas nas redes sociais Amanda Falco Evangelista Virgnia S Barreto ................................................................................................................................ 173

    Midiatizao, teoria da experincia e polticas pblicas de comunicao

    A natureza meditica da experincia Adriano D. Rodrigues Adriana A. Braga ................................................................................................................................... 188

    Processo miditico e o vnculo entre parte e todo Pedro Benevides .................................................................................................................................... 202

    Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e dilogo no governo Lula Ana Paula Costa de Lucena Heitor Costa Lima da Rocha Patrcia Rakel de Castro Sena .............................................................................................................. 217

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    Apresentao

    Metforas servem para explicar, ou poetizar, fenmenos. Pensemos na metfora do terremoto. Placas tectnicas em movimento. Desestabilidade. Destruio. Queda. Runas? Foi atravs da imagem das placas tectnicas em movimento que Clay Shirky comentou sobre o estado atual do jornalismo: a instabilidade de novas prticas ancoradas nas lgicas da cibercultura e das redes sociais no enfrentamento das dinmicas hegemnicas da grande imprensa. H algo de instvel, de fato, no jornalismo. E desta instabilidade que emerge uma srie de questes que permeiam este livro que apresentamos como resultado de investigao de um conjunto de professores, pesquisadores e estudantes do Mestrado Profissional em Jornalismo da Universidade Federal da Paraba (UFPB), mais precisamente, do Laboratrio de Tecnologia e Linguagem Jornalstica (TecJor). Como um trabalho que emerge do campo produtivo, h um gancho jornalstico que abre as discusses: reflexes evocadas pelos protestos de junho de 2013, em que a atividade de reprteres, produtores e praticantes do jornalismo foram colocadas em confronto. Por isso, no toa, que, dividida em cinco partes, a obra aberta com uma discusso sobre Midialivrismo e cobertura jornalstica. Como se costuma dizer no jargo jornalstico, trata-se do tema quente, da reflexo da hora, para que possamos construir pontes tericas.

  • 7Outra caracterstica marcante no conjunto da obra que lhe confere uma especificidade e cumpre aqui destac-la, a experincia vivenciada no campo profissional em interao dinmica com o exerccio de investigao cientfica. No amplo espectro de uma coletnea voltada para apreciar as mdias, as tecnologias e linguagens, instalam-se aqui subtemas diversos, os quais se apresentam sob o signo dos protestos, engajamento, netativismo, eticidade, inteligncia coletiva conectada, o quarto poder da imprensa, o empoderamento social, as identidades dos jornais e dos jornalistas, os atos de fala, gramtica da empresa, sintaxe dos reprteres.

    O resultado rico medida que as problematizaes dos textos somam a pacincia do conceito ao savoir faire dos profissionais, a partir da atualizao das estratgias de linguagem, da necessidade de dominar a linguagem (o software) e o modo de usar os equipamentos (o hardware), partes indissociveis da comunicao contempornea.

    Para alm dessas questes, a obra se compromete com a discusso social do jornalismo, com seu lugar de praa pblica, na era da virtualidade real (na rua e nas redes sociais) e em outros momentos histricos, a exemplo da ditadura brasileira, com fins de pensar as bases crticas para o exerccio da comunicao libertria e das mdias alternativas. As formulaes tericas, epistemolgicas e metodolgicas propostas buscam encontrar palavras geradoras de sentido para a reflexo sobre o jornalismo e suas profundas transformaes atuais. As pistas para a compreenso dessas mutaes e experincias no amplo espectro jornalstico espalham-se nas teias de sentido que formam o livro. Os textos se estruturam em temticas que organizam proximidades, alinhando tpicos: midialivrismo, tecnologias mveis e cobertura jornalstica; jornalismo colaborativo, rotina e produo da notcia; tica e resistncia jornalstica; jornalismo e cultura da mdia; cultura da mdia, corpo e recepo telejornalstica, concluindo com valiosas contribuies de textos sobre temas transversais ao jornalismo no tpico a natureza miditica da experincia e polticas pblicas de comunicao.

    Apresentao

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    O livro pode despertar o interesse dos leitores preocupados com as formulaes que intentam configurar expressivas modalidades para interpretar (e explicar) os paradoxos e controvrsias atuais. Com efeito, so apreciados na obra os objetos, processos e interfaces no campo da comunicao (e do jornalismo), com ateno s mutaes que envolvem a problemtica trazida pelos processos de midiatizao da sociedade que criam as condies para fenmenos como o neojornalismo (Ramonet). No mais, o livro instigante, na maneira como introduz criticamente a (des)ordem causada pela conjuno, disjuno e transmutao das palavras e as coisas no universo desse novo jornalismo.

  • Midiativismo, tecnologias mveis e cobertura jornalstica

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    D@niel na cova dos lees: Mdia Ninja no programa Roda Viva

    Claudio Cardoso de Paiva1

    ResumoA informao compartilhada pela Mdia Ninja (e circuito FORA DO EIXO) tem gerado surpresas para o jornalismo tradicional, ameaado pelo seu modus operandi (ao direta, liberdade e resistncia do grupo). A divulgao dos protestos urbanos e da represso policial, junho 2013 em tempo real concedeu evidncia ao grupo ativista. E a entrevista com seus mentores (Bruno Torturra e Pablo Capil) no programa Roda Viva (TV Cultura) reforou a visibilidade do fenmeno, que exige um olhar crtico, analtico, problematizador, pois mobiliza questionamentos no campo do jornalismo e da comunicao. Propomos uma interpretao do significado e da qualidade do fenmeno Mdia Ninja, observando a entrevista, e sua repercusso nas matrias monitoradas no site Observatrio da Imprensa, referncia bsica para a pesquisa em comunicao.

    Palavras-chave: Mdia Ninja; Programa Roda Viva; Observatrio da Imprensa.

    1 Prof. Associado, Departamento de Comunicao CCTA/UFPB; Programa de Ps Graduao em Comunicao/UFPB; Programa de Ps Graduao Mestrado Profissional em Jornalismo/UFPB; pesquisador em Mdias Digitais, Jornalismo, Cultura Miditica Audiovisual. Autor dos livros: Dionsio na Idade Mdia. Ed. UFPB, 2010; Hermes no Ciberespao. Ed. UFPB, 2013. [email protected]

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    Introduo

    A informatizao, a internet, as redes sociais e a comunicao colaborativa implicam mutaes radicais nas esferas da economia, poltica, arte, educao, entretenimento, e de forma marcante no jornalismo. O ciberespao alterou os modos de produo, as formas de circulao, as estratgias de consumo e compartilhamento da informao. Mais do que isso, a engenharia da informao distribuda pelas inteligncias coletivas conectadas como no caso Mdia Ninja2 (e sua base logstica e operacional no circuito Fora do Eixo3) tem gerado surpresas. A Ps-TV, como uma expresso do neojornalismo (sem editoria, sem pauta, sem patro) enfrenta o monoplio das empresas jornalsticas, que parecem ameaadas pelo modus operandi da nova mdia (ao direta, liberdade radical, resistncia e ocupao).

    Apostamos no ethos comunitrio que norteia as aes das mdias livres (Ninjas), dos circuitos alternativos (Fora do Eixo) e do jornalismo colaborativo (Ps-TV).

    Os protestos no Brasil, em junho de 2013 - filmados e distribudos pela Mdia Ninja - ficaro na memria social pelas imagens do despertar do gigante adormecido, projetadas em cartazes na rua e narrativas da internet. As multides protestam em rede contra os abusos do Estado e do Capital, e a Mdia Ninja compartilha as suas imagens e vozes, ampliando o espectro da indignao e as estratgias de luta pela liberdade.

    Essa experincia, de matizes sociotcnicos e tico-polticos sem precedentes, concedeu evidncia s tticas do grupo Mdia Ninja e a notcia se irradiou pelas capilaridades miditicas, imprensa, internet, redes sociais (Facebook, Twitter, YouTube). Entretanto, a ao afirmativa Mdia Ninja adquiriu mais popularidade (no Brasil e no mundo) aps a entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura.

    2 MDIA NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ao), grupo de mdia formado em 2011. Sua atuao conhecida pelo ativismo poltico e como alternativa imprensa tradicional. As transmisses da Mdia Ninja so em fluxo de vdeo em tempo real, pela internet, usando cmeras de celulares e unidade mvel montada em um carrinho de supermercado. A estrutura da Mdia Ninja descentralizada e faz uso das redes sociais, especialmente o Facebook, na divulgao de notcias. O grupo teve origem por meio da Ps-TV, mdia digital do circuito Fora do Eixo. Wikipedia, 2013. Disponvel em: . Acesso em: 24.10.2013

    3 FORA DO EIXO, originalmente Circuito Fora do Eixo, uma rede de coletivos atuando na rea da cultura em todo o Brasil, mais alguns pases da Amrica Latina. Iniciada em 2005, por produtores e artistas de estados brasileiros fora do eixo Rio-So Paulo, inicialmente focava no intercmbio solidrio de atraes e conhecimento sobre produo de eventos, mas cresceu para abranger outras formas de expresso como o audiovisual, o teatro e as artes visuais, ainda que a msica ainda tenha uma maior participao na rede. Disponvel em: .

    D@niel na cova dos lees: Mdia Ninja no programa Roda Viva

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    O enfoque do programa Roda Viva importante, pois flagra o momento em que a Mdia Ninja penetra no espao blindado da mdia corporativa. E registra o instante em que a mdia radical se transforma em notcia, multiplicada por todas as outras mdias, escancarando o momento histrico, quando o povo invade as ruas e o debate sobre a economia, a poltica e a narrativa da mdia global colocado na ordem do dia4.

    Para entender a Mdia Ninja preciso compreender o sentido da comunicao colaborativa e o estado da arte do jornalismo, na era da conexo e da mobilidade. Logo, interessante escutar os argumentos de seus mentores (Bruno Torturra e Pablo Capil), que causaram rebulio, inquietao e solidariedade na entrevista do Roda Viva.

    O mtodo que norteia esta reflexo parte de uma arqueologia das notcias em circulao na internet. Recorremos s reportagens, comentrios e crticas sobre a participao dos Ninjas no programa Roda Viva, uma escolha gratificante, pois o evento se irradiou como vrus pelos sites, blogs, redes sociais. Mas preciso prestar ateno na qualidade da informao. necessrio separar o contedo e a embalagem da notcia porque a internet um terreno frtil, mas poludo. Assim, capturamos os dados na rede, relativos Mdia Ninja e entrevista no programa Roda Viva, e rastreamos as matrias publicadas e monitoradas no site Observatrio da Imprensa, um ambiente privilegiado para o exerccio da pesquisa em jornalismo, tecnologia e poltica.

    4 Em 05.08.2013 estiveram no programa Roda Viva o jornalista Bruno Torturra e o produtor cultural Pablo Capil, ambos idealizadores do grupo Mdia Ninja. O projeto ficou conhecido por transmitir em tempo real os principais protestos que eclodiram pelo Brasil. O jornalismo feito com ativismo, mas sem ligaes diretas com partidos polticos. Eles criticam a imprensa convencional pela falta de imparcialidade e dizem que a ideia disseminar essa nova forma de transmitir a notcia segundo eles, sem filtro: Um dos objetivos se tornar desnecessrio, diz Capil. Sobre os rumores de ligao com partidos polticos, o produtor afirma: No somos organizados por partidos, no somos financiados por partidos e no nos encontramos apenas com o PT. Pablo explica que procuram dilogos com representantes dispostos a ouvi-los. Nas mos, um celular potente, na mochila, um notebook para servir de bateria e a cara e a coragem de ir atrs da informao: assim trabalha um Mdia Ninja. O trabalho dos jornalistas independentes ainda visto com receio na mdia tradicional e Torturra diz que acha curioso as pessoas questionarem se o que fazem jornalismo. O que pode ser discutido a forma como ele feito. O coletivo pretende agora ampliar o alcance e conseguir mais estrutura para o trabalho. Estiveram na bancada de entrevistadores Suzana Singer, ombudsman da Folha de S. Paulo; Alberto Dines, editor do site e do programa Observatrio da Imprensa; Eugnio Bucci, colunista dO Estado de S. Paulo e da revista poca; Wilson Moherdaui, diretor da revista Telecom; e Caio Tlio Costa, professor da ESPM e consultor de mdia digital. O programa foi conduzido por Mario Sergio Conti e contou com a participao fixa do cartunista Paulo Caruso. In: site da TV Cultura Roda Viva, 02/08/13.

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    Viso e vertigem do programa Roda Viva

    So estratgicos os usos e apropriaes das tecnologias colaborativas pelos ativistas, pois estes atualizam - de modo semitico, cognitivo e poltico os protestos e manifestaes sociais, revigorando as estratgias de mediao, interao e colaborao, como a Mdia Ninja, o circuito Fora do Eixo e a Ps-TV.

    A insero da Mdia Ninja, no mbito dos protestos urbanos, ocorreu desde a Marcha pela Legalizao da Maconha (2011), mas teve como estopim o Movimento Passe Livre, em junho de 2013. O fenmeno Ninja se tornou o foco das atenes, aps a participao de Torturra e Capil, no Roda Viva. Isto algo como um choque entre dois mundos, uma mudana importante no estado da arte da comunicao (e do jornalismo), um momento de passagem e de transio.

    O Roda Viva apreciado pelo pblico de vrias camadas sociais, ideolgicas e goza de prestgio entre os jornalistas, professores, estudantes, polticos, profissionais de vrias reas. Muitos dos seus participantes j foram ativistas, militantes e conhecem os meandros da mdia alternativa, a resistncia e a contracultura.

    Os entrevistadores esto naturalmente dispostos a provocar um debate de qualidade, sabem que este um acontecimento histrico: uma espcie de confronto entre os rebeldes do passado (hoje, mais conformados) e os rebeldes do presente (atpicos, inconformistas, querendo mudar o mundo).

    O programa sabiamente se empenha na arte de promover controvrsias, flagrar contradies e arrancar confisses dos entrevistados, fisgando o interesse (e a audincia) do grande pblico. Tem-se assim a modelao de uma esfera pblica midiatizada, um espao crtico, cuja caracterstica principal interrogar os entrevistados, numa arena conversacional giratria, em que as perguntas vm de varias direes, o que impe dinmica, movimento e vitalidade ao formato do programa.

    um produto consagrado pelas entrevistas com celebridades nacionais e estrangeiras, convidados ilustres, formadores de opinio5. Isto lhe confere a legitimidade enquanto um prestigiado lugar de fala, de produo de discurso e de sentido que virtualmente pode esclarecer os telespectadores.

    Os compromissos financeiros, publicitrios, polticos, ideolgicos no obliteram a sua importncia nos espaos intelectuais, no debate econmico, poltico e cultural. Com efeito, a aproximao de fronteiras entre o Roda Viva e a Mdia Ninja no deixa de causar formidveis discusses no mbito da crtica da economia poltica da mdia.

    5 Cf. Compilao no livro do ex-apresentador, Paulo Markun, O melhor do Roda Viva (2005).

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    Os interesses, as intenes, a filosofia e o modus operandi so distintas para a velha e a nova mdia e preciso discerni-las, reconhecendo as virtudes e defeitos de cada uma, respeitando as suas limitaes e apreciando os seus avanos.

    Antecedentes do Movimento Passe-Livre

    sempre a experincia vivida, em carne e osso, que informa os pesquisadores em mdia, sociedade e poltica (a salvo em seus laboratrios). Contudo, h um novo dado na espessura sociocultural, um ethos midiatizado (SODR, 2002), que imprime um novo sentido aos movimentos sociais. Esta experincia dos grupelhos em rede, em curso desde o ps-68, retorna com fora no sculo XXI6.

    Com efeito, as manifestaes em rede e em tempo real, aquecem a temperatura social e tm influncia direta nas rotinas do mercado, da poltica, da educao e demais estruturas da vida cotidiana.

    Considerando que o Movimento Passe Livre (jun.2013) parece ser o piv das contestaes, convm listar alguns exemplos de luta similares que o precederam, no Brasil, para compreendermos o significado dos protestos mais recentes:

    Revolta do Buzu (Salvador, 2003); Revolta da Catraca (Florianpolis, 2004/2005); Frum Mundial Social (POA, 2005); Encontro Nacional Movimento Passe Livre (S. Paulo, 2006); Luta contra o Aumento Transporte (BSB, 2008); Aprovao Passe Livre Estudantil (BSB, 2009) / Ocupao Secretaria de Transportes (SP, 2009); Luta contra Aumento Transportes (SP, 2010); Luta contra aumento em SP e outras capitais (2011); Lutas na regio metropolitana de So Paulo / Jornadas de Junho conquistam revogao do aumento em mais de cem cidades (2013).

    In: Cidades Rebeldes, 2013, p. 18.

    Guardando as especificidades locais e histricas, esses eventos tm em comum o fato de se realizarem em rede. Isto , mediados pelos equipamentos interativos (celulares, cmeras, notebook) conectados s redes telemticas de distribuio. No tm lideranas no sentido clssico do termo, seus objetivos so difusos, no se restringem a uma nica causa, mas enredam-se com outras formas de contestao. So movimentos pacficos, mas freqentemente atravessados pelas ondas violentas dos

    6 MICHEL MAFFESOLI (entrevista). Vejo esses movimentos como Maios de 68 ps-modernos. In: Jornal O Globo, 22.06.2013. Disponvel em: http://migre.me/gmsmh Acesso em: 21.10.2013.

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    grupos radicais e agentes da represso infiltrados, que invertem o sentido democrtico das manifestaes.

    Imprensa alternativa e mdia radical: encontros & confrontos

    O jornalismo alternativo, historicamente, tem se empenhado nas formas de resistncia aos regimes autoritrios, como a ditadura de Vargas, a ditadura militar e nos protestos (na Nova Repblica e na era Collor). Seja como militncia ou como stira, tem atuado na desmontagem e reconstruo do sentido, mostrando as formas opressivas e violentas, a exemplo da contracultura digital, hoje em fluxo nas redes sociais. Em tempo, caberia citar o livro recente, As Capas da Histria (Ricardo Carvalho, 2013), compilando as capas dos jornais alternativos, que podem sinalizar os caminhos estratgicos, as razes e antenas dos protestos, para as novas geraes rebeldes.

    justo citar os peridicos de resistncia, primeiramente para mostrar que os jornalistas tm uma tradio de participao nas lutas polticas, mesmo invisveis na construo social da realidade; depois, para mostrar como os atores sociais sempre foram sensveis s narrativas do cotidiano, permanentemente em tenso e conflito. Finalmente, cabe mostrar como a Mdia Ninja sofre hoje as mesmas crticas que os jornalistas veteranos e as proezas deste grupo netativista j fazem parte do imaginrio coletivo e da cultura poltica nacional7.

    O Programa Roda Viva: o Espao Pblico Eletrnico

    Dentre os programas de TV, no mbito da grande mdia, o Roda Viva se destaca pela atitude interativa e democrtica, e sua dinmica favorece configurao de um estilo singular de programa de entrevistas; consiste numa

    7 A existncia do (circuito) Fora do Eixo, e por conseqncia da Midia Ninja, est atrelada a transformaes por que passamos nos ltimos anos com o surgimento de novas formas de comunicao pela internet. Est longe de ser um fenmeno no qual se esgota a possibilidade de compreenso e os rumos que pode tomar. Mas, importante frisar, o FdE, como a Mdia Ninja, fruto de um momento em que est em pauta uma nova maneira de se provocar debates no nvel da cultura e no fluxo das notcias. Mas parece claro que, como fenmeno de mdia, estamos diante de uma situao que coloca em xeque a maneira habitual com a qual lidamos com a comunicao de massa. Na era das redes sociais, para o bem e para o mal, o alcance de uma notcia, de um acontecimento contornvel, est alm do que qualquer canal de comunicao antes podia sonhar, at a Rede Globo. Cf. In: site Fora do Eixo, 21.08.2013.

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    mesa redonda eletrnica, gil, crtica e questionadora, uma modalidade rara de telejornalismo, no ar desde 20028.

    Na atual cultura de convergncia, quando os jornais, revistas, rdio, TV, mdias impressas e audiovisuais migram para o ciberespao, cria-se uma hipermdia que concorre para a elucidao dos acontecimentos, com novos olhares. Pode-se apreciar melhor a atuao das mdias livres, ao se reconhecer que estas abrem o caminho para a liberao das vozes e imagens ocultas, historicamente reprimidas, e para a articulao dos sistemas mentais e tecnolgicos de resposta do coletivo.

    A Mdia Ninja e a mediao do Observatrio da Imprensa

    Os Ninja, capazes de entender o conceito de renovao, podero dar sentido e direo a uma mdia engessada e baratinada. DINES, OI, 20/08/2013.

    O desafio de separar as verdades e iluses no que respeita reportagem dos protestos se coloca, de maneira crucial, para jornalistas, pesquisadores e especialistas, considerando-se a atuao das manifestaes por todo o pas, em 2013, s vsperas de um ano excepcional, devido realizao da Copa do Mundo no Brasil e s eleies.

    Para decifrar o fenmeno, preciso dissipar as nuvens de dados, fazer uma depurao nos arquivos e se eleger um dispositivo de monitoramento das notcias em circulao, atento aos movimentos sociais, aos protestos e, ao comportamento tico da imprensa, dos jornalistas e profissionais de mdia, incluindo as mdias livres.

    Nessa direo se destaca a atuao do Observatrio da Imprensa, que serve de mediador entre as diversas camadas de informao acerca da Mdia Ninja no programa Roda Viva. Primeiramente, porque em sua ambincia comunicacional circulam as notcias, narrativas e conversaes que atualizam o imaginrio poltico nacional; depois porque os comentrios e anlises dos fenmenos jornalsticos passam

    8 O cenrio (do programa Roda Viva) circular, com trs bancadas em teros de crculo, separadas por trs corredores relativamente estreitos. Atrs das trs bancadas, outras trs em um nvel mais alto completam o palco da ao na forma de dois crculos concntricos, em meio aos quais ficar o convidado, em uma cadeira giratria, de modo a poder voltar-se rapidamente para qualquer ponto desse panptico, de onde lhe vir a prxima questo. A referncia ao panptico no casual o convidado visto por todos os lados e no sabe de onde ser assestada a prxima pergunta. Cf. BRAGA, 2006.

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    pelo crivo da crtica rigorosa, avaliao coletiva dos contedos e monitoramento dos especialistas.

    Jornalistas, educadores e profissionais em rede formam uma massa cognitiva conectada que legitima o Observatrio como vigoroso dispositivo mediador.

    A apario dos Ninjas na TV, aps as manifestaes de protesto, em mais de cem cidades no Brasil, catalisou a vontade geral de saber acerca dos acontecimentos de junho, pelas vozes das multides, veiculadas pelos Ninjas, testemunhos oculares da indignao social. Os Ninjas no Roda Viva consiste num acontecimento marcante, pois representa o encontro dos jovens jornalistas engajados com os grandes arcanos do jornalismo brasileiro, numa entrevista inflamada e de durao relativamente longa.

    A ttulo de avaliao recolhemos uma lista na internet, sublinhando as dez frases mais marcantes nas falas dos entrevistados, que podem esclarecer o significado da experincia Mdia Ninja e sua atuao no Roda Viva, que atingiu altos ndices de audincia, gerando milhares de micronarrativas, de cunho ativista, nas redes sociais.

    A gente faz jornalismo sim. Acho at curioso que ainda uma dvida se o que a gente faz ou no jornalismo. (Bruno Torturra, respondendo se o Mdia Ninja faz jornalismo ou no); O PSDB tem como poltica no dialogar com os movimentos sociais (Pablo Capil, sobre os apoios de partidos); Dependendo do partido cartel, dependendo do partido quadrilha (Pablo Capil, sobre a postura da grande mdia); Seria mais honesto se ela assumisse uma parcialidade ( Pablo Capil, sobre a imparcialidade da grande mdia); No acredito que exista um arauto da imparcialidade (Pablo Capil, sobre o mesmo assunto); A grande mdia precisa entender que a nova objetividade vem da transparncia (Bruno Torturra, sobre a objetividade); No somos organizados pelo PT. No somos financiados pelo PT (Pablo Capil, sobre o suposto apoio do PT); uma pauta que a mdia no tem coragem ou no tem estudo suficiente para entrar como deveria (Bruno Torturra, sobre a postura da mdia frente ao assunto drogas); A mdia, em geral, tem muito medo de assumir a obviedade do fracasso da guerra s drogas (Bruno Torturra, sobre o mesmo assunto).

    In: site AdNews, 06.08.2013.

    Mdias velhas, novas mdias e o mito da imparcialidade

    A Mdia Ninja tem sido vista como um processo que traduz uma nova modalidade de jornalismo, pois cumpre a funo de reportar o acontecimento, informar a opinio pblica e criar quadros de referncia para os telespectadores formarem juzos de valor e tomarem decises. Entretanto, h o problema da

    D@niel na cova dos lees: Mdia Ninja no programa Roda Viva

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    credibilidade das fontes, h ausncia de pautas e falta de elaborao da notcia, como na clssica redao de jornal.

    E h tambm a questo da imparcialidade, uma das mitologias das empresas jornalsticas, cujas intenes se mostram democrticas, mas so refns dos interesses dos patres, dos anunciantes, do Estado ou dos grupos ideolgicos que o apiam. Ou seja, no h imparcialidade. O comuniclogo Mauro Wolfe, em suas Teorias da Comunicao (2001), formula uma crtica do mito da imparcialidade, atravs dos conceitos de agenda setting, news making e gate keeper, que revelam as estratgias corporativas de agendamento, fabricao e blindagem das notcias.

    Cobraram a imparcialidade dos Ninjas e do Grupo Fora do Eixo. Alis, a maior parte da crtica, no que respeita entrevista, referiu-se justamente insistncia dos entrevistadores em bater na tecla do financiamento do projeto Fora do Eixo pelas instncias governamentais, colocando em dvida a sua suposta autonomia.

    Com efeito, no pouparam os Ninjas quanto s ligaes com o PT e os poderes institudos, buscaram ainda vincular suas aes s experincias complexas, como a defesa da legalizao da maconha. Buscaram apontar as contradies entre o projeto utpico de autonomia e liberdade, encampado pela Mdia Ninja e pelo Fora do Eixo.

    Todavia, foroso se reconhecer a qualidade do programa, na medida em que instiga o debate no espao pblico eletrnico. Mas os Ninjas foram corajosos enfrentando os temas-tabus, e sobretudo, falaram com desembarao e perspiccia.

    Contudo, o programa perdeu a chance de problematizar o fundamental: as novas estratgias operacionais e discursivas no mbito do jornalismo colaborativo, o novo empoderamento da esfera pblica atravs das mediaes tecnolgicas que favorecem a ampliao da inteligncia coletiva e politizao da comunidade conectada.

    Os jovens jornalistas Bruno Torturra e o produtor cultural Pablo Capil, fundadores da rede de jornalismo independente Mdia Ninja, realmente deram ol nos entrevistadores. Comearam dando um corte perfeito pergunta que o mediador Mario Sergio Conti fez se o que eles fazem jornalismo. Destaque para a resposta que deram eterna armadilha da imparcialidade que a mdia os acusa de no ter, como se algum veculo no Brasil fosse imparcial. Expuseram na cara da ombudsman da Folha a parcialidade da Folha e de Veja no tratamento do escndalo dos trens do Metr e confrontaram Conti com a parcialidade da TV Cultura no episdio da demisso do Herdoto a mando do PSDB. H outros pontos que responderam bem, como a questo do vandalismo durante as manifestaes. Demonstraram o fracasso da grande imprensa em

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    tentar entender os manifestantes que fazem o quebra-quebra durante os protestos. Conseguiram a todo momento fugir da lgica Fla x Flu a que eram empurrados a responder.

    Luis Nassif (blog), 06.08.2013.

    Os depoimentos e conversaes sobre os tabus instigam reflexes, lanando esfera do debate tico uma temtica tradicionalmente restrita s sees do jornalismo policial, aos estudos clnicos, teraputicos e s revistas sensacionalistas. Logo, a entrevista historicamente significa elevao da qualidade do debate pblico na TV.

    A Mdia Ninja considerada uma forma legtima de jornalismo por muitos profissionais de respeito, conforme se pode depreender dos argumentos que se seguem:

    O modelo tradicional de jornalismo anda abalado pelo desenvolvimento da web, que veio bem antes dos ninjas e que mudou, de forma drstica, a maneira como nos informamos. Na web, todo cidado pode ser, em tese, fornecedor de notcias. O mrito da Mdia Ninja reunir alguns desses cidados num projeto comum, oferecendo-lhes o canal para chegar ao pblico; juntar debaixo do mesmo teto virtual fabricantes de contedo que, antes, se espalhavam pelas mdias sociais, dando-lhes, de quebra, a oportunidade de mostrarem o que vem em tempo real.

    Cora Roni, O Globo Cultura, 22.10.2013

    A entrevista dos ativistas do Fora do Eixo e Mdia Ninja, Pablo Capil e Bruno Torturra, no Roda Viva desta segunda-feira (05), demonstra com pouca margem dvida o total descompasso entre uma parte significativa dos velhos jornalistas da velha mdia e a nova realidade que se apresenta nas ruas e nas mdias, construda atravs de luta, coletividade e protagonismo popular.

    Jornalismo B (on line), 05.08.2013.

    A disposio de Torturra para abrir o corao em pblico , alm de inspirador, algo bonito e desconcertante. O debate acentuou em mim a convico de que o melhor jornalismo anda lado a lado com o compromisso social. Foi assim com os grandes jornais, em especial o Jornal do Brasil e o Estado de S. Paulo, que souberam aliar a qualidade jornalstica com a escolha do lado mais inglrio durante o regime militar: o lado dos que se opunham ao arbtrio imposto pela fora e pela tortura. Ou com a variada e criativa imprensa alternativa que floresceu sobretudo nos anos finais da ditadura. Ou com a Folha de S. Paulo dos anos 70 e 80, que, primeiro, levou pluralidade e inteligncia para as

    D@niel na cova dos lees: Mdia Ninja no programa Roda Viva

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    pginas de opinio e, depois, a audcia de se engajar no movimento pelas diretas-j, tambm na contramo do poder. O Brasil de 2013 um poderoso convite para que todos ns jornalistas, veculos e profissionais de comunicao em geral lembremos que jornalismo , acima de tudo, servio pblico. Quando o pblico comea a botar fogo nos carros das empresas em que trabalhamos ou a nos hostilizar com palavras e gestos, porque, apesar dos nossos melhores esforos (porque turminha que rala), o nosso show no est agradando. Por que ser?

    Congresso em foco (site), 06.08.2013

    Entretanto cumpre estabelecer aqui os termos de uma abordagem do tema, Mdia Ninja no Roda Viva, reconhecendo a sua complexidade. Lanamos um olhar sobre o fenmeno, percebendo que este traduz os depoimentos dos jovens empenhados na publicizao e compartilhamento das imagens dos protestos, e confrontos policiais, de maneira direta, sem a mediao das empresas jornalsticas e deste modo, fundam um novo modo de ver e de mandar ver (FAUSTO NETO, 2006).

    Como eles prprios afirmam, so vetores de novas narrativas miditicas, que vo fundo nas tenses e conflitos da vida social. Mais do que isso, suas aes comunicativas so performativas, isto , levam os atores sociais a pensar, falar e agir, indicando-lhes o caminho seguro e a metodologia de ataque. Os Ninjas geram redes de comunicabilidade e encorajam as biolutas, resistncias e ocupaes, cuidando de defender a segurana dos manifestantes, dando-lhes voz e visibilidade, o que propicia a emergncia de novas reflexes, narrativas e aes afirmativas que enfrentam os poderes opressivos.

    exemplar, neste sentido, o compartilhamento do vdeo do Ninja no camburo, preso arbitrariamente, durante o protesto, em So Paulo, e em seguida liberado, graas ao apoio popular estimulado pelas imagens da Ps-TV e da Mdia Ninja.

    No muito fcil compreender o sentido da Mdia Ninja, principalmente porque sua base ideolgica operacional o circuito Fora do Eixo est ligada a uma polmica que envolve aspectos legais, financeiros, ideolgicos e polticos pouco claros; alm disso, h a questo controversa da sua proximidade com os Black Blocs (vistos pela grande mdia como vndalos e baderneiros, o que merece uma anlise particular).

    No contexto geral da experincia poltica atual, h vrias camadas de sentido, multiplicidade de interesses e aes controversas, no plano da tica, do Direito, da cognio e da poltica. Neste sentido, a filosofia e cincia da linguagem, formulada por Mikhail Bakhtin (1995), pode nos ajudar a elaborar uma hermenutica (uma interpretao) para

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    apreendermos o sentido da atual complexidade histrica, pelo vis de um princpio dialgico. H pluralidade com relao aos efeitos de verdade que nos chegam atravs das vrias mdias e mediaes sociais; h uma polifonia de vozes.

    Os fatos envolvem as noes de pblico e privado, subjetividade e objetividade, vontade e legislao, liberdade e neoliberalismo, direitos e deveres. E o expediente hermenutico pode nos orientar e ajudar a repensar a reportagem dos acontecimentos pelas mdias livres e mdias tradicionais, assim como as relaes entre a comunicao atrelada ao mercado e a comunicao empenhada na justia social.

    Quanto Mdia Ninja como um novo estilo de jornalismo, a se faz necessrio ir mais fundo, discutindo dialeticamente (dialogicamente) o papel histrico do jornalismo. Ou seja, ao mesmo tempo, como um brao do capitalismo e extenso da gesto poltica vigente, e como um canal da liberdade de expresso, reivindicao, ocupao e protesto. E quanto ao Roda Viva, no se pode negar a legitimidade de um discurso que, historicamente, tem sido responsvel pela manuteno do princpio democrtico.

    preciso avaliar o programa Roda Viva, respeitando a sua histria como uma referncia importante no imaginrio poltico nacional. O que no nos exime de fazer a sua crtica - por exemplo - no que respeita sua falta de viso acerca do empoderamento coletivo gerado pela Mdia Ninja. Mas preciso tambm discutir como as novas mdias tentam superar as antigas limitaes jornalsticas, tais como as hierarquias, o clientelismo, as editoriais cooptadas, a mercantilizao da notcia, o dead line e o desequilbrio na sua diviso social do trabalho. Os Ninjas articulam uma linguagem gil, instantnea, em durao contnua, assegurando a captura dos fatos em tempo real.

    preciso enfrentar o estado atual da crise do jornalismo (no tocante economia, poltica e linguagem), e simultaneamente, reconhecer o valor das novas tcnicas e linguagens jornalsticas se desenham com as novas mdias mveis e interativas. Isto tem sido feito pela Mdia Ninja, que economicamente se estrutura a partir de outra matriz organizacional (criativa, independente, comunitria).

    A Mdia Ninja desafia o poder do Estado e seus aparelhos ideolgicos, pois se recusa a dar espao s mdias capitalistas. Mas libera espao, voz e visibilidade s narrativas populares e s multides nas ruas, alm de defend-los da violncia policial e dos grupos extremistas, pois usando as telas e redes compartilhadas - revela o mapa dos conflitos, alertando para as zonas de perigo e de segurana pblica.

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    O fato de a TV Cultura trazer os rebeldes para o centro da cena j implica numa situao poltica favorvel aos movimentos alternativos, pois, segundo Foucault (Microfsica do Poder, 1985), dar voz e visibilidade j conferir poder, mesmo que as intenes e estratgias dos entrevistadores de algum modo possam a prejudicar a imagem, o significado e a qualidade do trabalho da Mdia Ninja.

    Enfim, a Mdia Ninja no Roda Viva uma experincia de valor jornalstico, cognitivo e tico-poltico, porque face ao debate gerado na ambincia conversacional, durante a entrevista, brotam camadas de sentidos reveladoras, a partir das prprias controvrsias que envolvem a experincia poltica dos protestos e sua midiatizao.

    Para concluir

    preciso perceber a importncia da transparncia que resulta das guerras e divises de linguagem travadas na praa pblica (em nveis presenciais e virtuais). As vises compartilhadas pelas mdias e redes sociais do comportamento dos manifestantes, do Estado e das foras repressivas constituem um fato indito na histria da comunicao e da cultura poltica. As telas e redes totais, instantneas, ubquas e virais, foram o agenciamento poltico de respostas dos poderes pblicos s reivindicaes por mais que estas se manifestem dispersas e difusas. importante perceber a positividade resultante das convergncias sociais e tecnolgicas: as mediaes feitas pelas mdias clssicas e as ocupaes do espao pblico pelas redes alternativas, conjuntamente transportadas para o domnio efervescente do Observatrio da Imprensa, permitem-nos acessar um rico material que se oferece interpretao, distinguindo os nveis de qualidade das experincias, em seus matizes ticos, polticos, cognitivos e comunicacionais. Deste modo, vale a pena ver, rever, desmontar e remontar as imagens e vozes das mdias livres, como a Mdia Ninja, dentro e fora do Roda Viva.

    Referncias

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    D@niel na cova dos lees: Mdia Ninja no programa Roda Viva

  • Mdia, Tecnologia e Linguagem Jornalstica24

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    Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos ao vivo e da rua

    Fernando Firmino da Silva1 Adriana Alves Rodrigues2

    ResumoO texto contempla a interface jornalismo e mobilidade, observando a insero das tecnologias digitais e redes sociais mveis na cobertura dos protestos, a exemplo das jornadas de junho (Brasil, 2013), greve dos garis (Carnaval do Rio, 2014) e manifestaes #NaoVaiTerCopa. Observa a atuao da Globo News e Folha de So Paulo, e da independente Mdia NINJA, e examina as coberturas, considerando as mudanas no jornalismo, com o advento das tecnologias mveis, convergncia e mobilidade. Parte da premissa que a NINJA promoveu mudanas nas estratgias da mdia corporativa, que adotou os seus mtodos de transmisso.Assim, o trabalho explora a tenso entre jornalismo tradicional e jornalismo alternativo, a forma e o sentido da cobertura dos protestos baseada em tecnologias 3G e 4G, smartphones, drones e tecnologias vestveis como o Google Glass.

    1 Doutor em Comunicao e Cultura Contemporneas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Professor do Departamento de Comunicao Social - Jornalismo da Universidade Estadual da Paraba (UEPB). Pesquisador membro do Projeto Laboratrio de Jornalismo Convergente da Faculdade de Comunicao - FACOM/UFBA. E-mail: .

    2 Mestre em Comunicao e Cultura Contemporneas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Professora do Departamento de Comunicao Social - Jornalismo da Universidade Estadual da Paraba - UEPB e curso de Ps-Graduao Lato Sensu em Jornalismo e Convergncia Miditica da Faculdade Social da Bahia - FSBA. Email: [email protected]

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    Introduo

    As tecnologias mveis digitais - no espectro da relao conceitual entre jornalismo e mobilidade3 - esto cada vez mais evienciadas nas operaes das organizaes jornalsticas como Folha de S. Paulo e de movimentos cidados como Mdia Ninja. Em ambas situaes, h a caracterizao do uso intensivo de smartphones, tablets, celulares, conexes de redes sem fio como 3G, 4G, Wi-Fi e aplicativos de streaming na cobertura de eventos em tempo real. Para o jornalismo, o contexto se mostra propenso reflexo em torno das metamorfoses na prtica jornalstica e, consequentemente, sobre o impacto no campo da pesquisa em comunicao (metodologias, teorias, referncias e aplicaes).

    O admirvel mundo novo se mostra mais complexo quando se faz uma anlise mais criteriosa da relao entre o jornalismo e a mobilidade, considerando as tecnologias mveis em perspectiva epistemolgica e sociotcnica.

    A complexidade da cobertura de acontecimentos, como os protestos de junho de 2013 e a greve dos garis, no Rio de Janeiro, em maro de 2014, apresenta desafios no processo de apurao, edio e difuso das notcias, pois se reveste de uma nova processualidade na rotina jornalstica. De algum modo, o contexto remete s dimenses polticas, tecnolgicas, comunicacionais e profissionais que envolvem o debate suscitado pela mobilidade expandida e a convergncia jornalstica.

    No que se refere aos estudos de jornalismo, especificamente, a partir da nossa pesquisa, de natureza emprica, percebemos que o contexto atual tem ensejado uma srie de problematizaes. A partir das experincias observadas, reconhecemos novas reconfiguraes no campo, provocadas pelas tecnologias da mobilidade e pelas novas narrativas4 que se desdobram no espao pblico.

    Anteriormente, os conflitos e guerras traziam em si a delimitao geogrfica de um front definido e campos de batalha com fronteiras demarcadas. Hoje, o cenrio

    3 Quando tratamos dos conceitos de jornalismo e mobilidade nesse trabalho, nos referimos dimenso da mobilidade dentro do jornalismo numa acepo histrica e, ao mesmo tempo, renovada para o enquadramento a partir das tecnologias mveis e as formas de transmisso. Como aproximao para o panorama atual podemos traduzir o jornalismo e a mobilidade como compreenso do jornalismo mvel com a considerao de uma modalidade de jornalismo sendo realizada, em seus rituais, em condies de mobilidade (fsica e informacional).

    4 No seria exagero afirmar que as transmisses ao vivo por celular ou smartphone observadas em circunstncias como as dos protestos no Brasil e em vrias partes do mundo inauguram (ou ampliam) uma nova esttica de narrativa de carter jornalstico com a introduo de elementos novos que provocam olhares e mudanas para e no ao vivo consagrado pela televiso. A instantaneidade, a hiperrealidade das imagens e o movimento do deslocamento na ao trazem tona experincias ambivalentes que merecem uma investigao de natureza emprica e reflexiva.

    Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos ao vivo e da rua

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    de guerra est tambm nos centros urbanos, exigindo coberturas jornalsticas ou de midialivrismo com aparato similar ao de reprteres correspondentes em circunstncias como a Guerra do Iraque.

    O empoderamento de jovens ativistas (CASTELLS, 2009) atravs da apropriao de tecnologias mveis, redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram, aplicativos de streaming) e outros dispositivos visam a transmisso ao vivo (smartphones e tecnologia 3G e 4G) exige, igualmente, o aparelhamento da mdia tradicional para fazer frente instantaneidade e ao volume de notcias em circulao. Concorre nesse processo, o uso das redes pelos cidados, sob o efeito da compresso espao-temporal (HARVEY, 1992) e da conduo de novas narrativas com o enquadramento ao vivo, do agora, da rua, sem filtro.

    No caso da mdia tradicional, vimos a relevncia desse aspecto sendo levado a cabo como contraponto midialivrista ou a incorporao da produo de contedos desta, como reconhecimento do trabalho gil de ativistas e cidados com seus equipamentos portteis e instantneos subvertendo a lgica da grande mdia.

    Figura 1 - Forte presena do Mdia Ninja nas redes sociais com o compartilhamento de contedos

    Fonte: captura de tela5

    Nesse sentido, o artigo versa sobre a extenso pragmtica que os novos dispositivos implicam para a prtica jornalstica e a visualizao do tensionamento existente entre os reprteres profissionais das organizaes jornalsticas tradicionais e os reprteres-ninjas no tocante aos formatos ou narrativas de cobertura dos protestos. Sendo assim, formulamos duas questes problematizadoras no sentido de estabelecer uma discusso no horizonte e um enquadramento analtico: (1) De que modo a apropriao das tecnologias mveis digitais, com a expanso da mobilidade, interfere no jornalismo e suas prticas nas coberturas de protestos e conflitos na

    5 Disponvel em http://midianinja.tumblr.com/ . Acesso em 21 mar. 2014

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    considerao da atuao dos reprteres das organizaes jornalsticas e dos reprteres ninjas das organizaes ativistas? (2) Em que implica para o jornalismo as narrativas em tempo real via streaming observadas durante a cobertura das manifestaes tanto por meio de reprteres profissionais dos veculos de comunicao tradicionais quanto de reprteres ninjas?

    No mbito do captulo, tratamos o debate a partir de conceitos como convergncia (JENKINS, 2009; BARBOSA, 2009), mobilidade (URRY, 2007; LEMOS, 2009; KELLERMAN, 2006), jornalismo mvel (SILVA, 2013; QUINN, 2009), redes sociais (RECUERO, 2013) e midialivrismo (MALINI; ANTOUN, 2013; ALMEIDA; EVANGELISTA, 2013), arregimentados para a compreenso dos novos tensionamentos e controvrsias visualizados nesse panorama, em desdobramento por meio da atuao no epicentro dos protestos na perspectiva da cibercultura e da sociedade em rede mvel (CASTELLS et al., 2006) que emerge como paradigma.

    A partir desses conceitos e do referencial do estado da arte, abordamos a cobertura de manifestaes colocando tambm em cena, para o arcabouo terico de explorao, a noo de mediadores humanos e no-humanos (LATOUR, 2005; LEMOS, 2013) de modo a conceder visibilidade s associaes nem sempre perceptveis nas aes netativistas.

    Lemos (2013), a partir da Teoria Ator-Rede6, defende que h mediadores no-humanos atuando em aes e formados por objetos inteligentes, computadores, servidores, redes telemticas, smart phones, sensores e etc (LEMOS, 2013, p.20).

    Logo, no podemos deixar de reconhecer o aspecto da relao ator-rede, ao examinarmos a complexa rede hbrida presente nos processos sociopolticos e que podem ser remetidos a outras situaes, como a cobertura dos protestos de junho 2013, com os actantes humanos (ativistas, manifestantes, policiais, jornalistas) e no-humanos (smartphones, drones, Google Glass).7

    No obstante, esse processo inclui a convergncia jornalstica em sua

    6 A Teoria Ator-Rede tem sua gnese na dcada de 1980 a partir de Bruno Latour, Michel Callon, Madeleine Akrich, John Law, Wiebe Bijker voltada para os estudos em torno da cincia e tecnologia com influncia de Foucault, Deleuze e Guattari, Michel Serres e Gabriel Tarde. Se constituiu em uma crtica sociologia, mais especificamente noo de sociologia do social. No artigo, no faremos uma aplicao metodolgica ou terica da Teoria Ator-Rede, mas no deixaremos de mencionar as aproximaes.

    7 Outro exemplo de atuao de actantes no-humanos no jornalismo pode ser ilustrado com o caso em que a primeira notcia sobre o terremoto nos Estados Unidos, em maro de 2014, foi produzida por um rob-jornalista, que se utilizando de inteligncia artificial por meio de algoritmos, extraiu dados de forma instantnea dos computadores do Servio de Pesquisa Geolgica do pas. O jornalismo de dados comea a avanar por sistemas inteligentes no-humanos para a produo de contedo original. In: Portal Imprensa, 18.03.2014. Disponvel em . Acesso em: 18 mar. 2014

    Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos ao vivo e da rua

  • Mdia, Tecnologia e Linguagem Jornalstica30

    conjuntura (mudanas no jornalismo, perfil profissional, estruturao das redaes, adoo intensiva de tecnologias, emergncia de reprteres cidados) e se constitui em um operador analtico pertinente capaz de adentrar o cenrio em busca de respostas e de compreenso das transformaes em curso.

    Com as redaes em processo de integrao (SALAVERRA; NEGREDO, 2008; BARBOSA, 2009), na perspectiva da cultura de convergncia defendida por Jenkins (2009), o trabalho multiplataforma enxerga, nas tecnologias mveis e redes sociais mveis, angulaes para o cumprimento da atualizao contnua das plataformas online e mvel.

    Nessa abordagem de atuao, o jornalismo tradicional ancorado pela cobertura por tecnologias de transmisso instantnea busca no smartphone e no drone uma atuao de proximidade com a mdia independente como o Mdia Ninja, como forma de reposicionamento do seu aspecto de inovao e confiabilidade para manter credibilidade junto ao pblico. Ao adotar novos instrumentos de trabalho, as rotinas dos reprteres se alteram para o vis multitarefa e polivalente, cujo aspecto visto por Kischinhevsky (2009) como um impacto sobre o fazer jornalstico medida que sobrecarrega os reprteres ao tentar naturalizar essas multifunes como aspecto incorporado da rotina de produo.

    Portanto, o processo de convergncia nas redaes com a incorporao das tecnologias mveis digitais ou as tecnologias vestveis, a exemplo do Google Glass (utilizado pela Folha de S.Paulo) conduz o trabalho do reprter para um comprometimento da produo e da prtica jornalstica em condies de mobilidade, por um lado, e para a potencializao ou otimizao da produo (SILVA, 2013).

    Essa conjuno de fatores e de artefatos/objetos enriquece o debate em torno das controvrsias, de modo a demarcar a discusso em dimenses de anlise como lugar, mobilidade, convergncia, actantes, redes sociais com enfoque central no jornalismo mvel.

    Para aprofundar esses aspectos centrais desdobramos uma tentativa de compreenso perpassando pela natureza do que est em cena, na abordagem como o lugar e a mobilidade porque, de fato, pertinente essa relao quando enquadramos a cobertura das manifestaes atravs da modalidade do jornalismo mvel, considerando o locativo como um dos fatores medida que o local expressamente delimitado em algumas transmisses ou postagens de contedos atravs das redes sociais mveis ou do streaming realizado em tempo real.

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    A dimenso do lugar na emisso em mobilidade

    A experincia de jornalismo mvel vincula-se ao hiperlocal, ao lugar da emisso. Mobilidade e lugar so dois conceitos-chaves para pensar sobre a produo jornalstica geolocalizada que se utiliza de ambas vertentes: a mobilidade e o lugar. Para Medeiros (2011) a comunicao locativa restabelece a relevncia do lugar na comunicao

    Em decorrncia do uso dos artefatos mveis digitais como celulares, notebooks e tablets, surge uma forma de comunicao - a Comunicao Locativa - caracterizada pelo envio de informaes que emanam do lugar diretamente para estes dispositivos, capaz de retomar o alto grau de relevncia do lugar na comunicao. (MEDEIROS, 2011, p.26).

    O lugar, portanto, se relaciona diretamente com o fenmeno da mobilidade com suas mltiplas concepes e interdisciplinaridade (sociologia, urbanismo, geografia, comunicao, entre outras disciplinas), trazendo novas implicaes para o campo da comunicao, em particular o jornalismo, com as dimenses associadas produo e difuso de contedos, como durante as apropriaes das manifestaes no Brasil com a emisso do lugar dos acontecimentos como um fator de realidade e de expresso do lugar dos confrontos.

    Para Urry (2007) a mobilidade pode ser pensada como movimentos fsico, imaginativo e virtual. Assim, a mobilidade fsica e informacional enquadra-se na perspectiva aqui delineada, medida que a reportagem ou o consumo de informaes est carregado de potenciais da expanso da mobilidade, por meio de dispositivos mveis digitais e redes conectadas, que tambm so redimensionadas pelo jornalismo independente ou participativo.

    Uma das condies para compreenso desse contexto o jornalismo mvel digital8, (SILVA, 2013) enquanto modalidade que incide sobre as rotinas produtivas dos jornalistas, sobre as formas de consumo (CUNHA, 2012) e, ao mesmo tempo, condiciona uma estrutura mvel calcada em tecnologia porttil para apropriaes dos cidados como vista pelo Mdia Ninja e em outras coberturas pelo mundo (Primavera rabe, Occupy Wall Street) com o movimento de pessoas, objetos e informaes

    8 O conceito de jornalismo mvel digital compreendido aqui como a prtica jornalstica baseada no uso de tecnologias mveis digitais como tablets, smartphones e celulares, alm do conjunto de conexes sem fio a exemplo da tecnologia 3G, 4G, Bluetooth, Wi-Fi. Essa estrutura mvel de produo pode ser utilizada tanto no jornalismo profissional das organizaes jornalsticas, quanto apropriada pelos cidados para a cobertura com valor jornalstico.

    Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos ao vivo e da rua

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    (URRY, 2007), com o enunciado da relao de hibridismo entre humanos e no-humanos defendida por Latour (2005).

    O jornalismo mvel, numa dimenso histrica, pode ser localizado no trabalho dos correspondentes de guerra e no trabalho dos reprteres de agncias de notcias (MATHESON; ALLAN, 2009; SILVA JUNIOR, 2006) como no caso da cobertura no Afeganisto em 2001 e no Iraque com o uso de videofones (celular via satlite, notebook) para transmisso ao vivo direto do front para televiso a exemplo do uso feito pela CNN e TV Globo. Para Pedro (2009) essa construo pode ser considerada uma nova narrativa de guerra baseada na tecnologia mvel.

    A cobertura de TV, com a presena do reprter e da tecnologia mvel, no deixa dvidas de quando a guerra est acontecendo nem onde. So utilizadas as imagens ao vivo do teatro de operaes, via satlite atravs do videofone, de onde quer que o reprter queira estar, para os telespectadores nos seus respectivos sofs (PEDRO, 2009, p.1).

    Neste sentido, nossa tese de que a cultura do jornalismo mvel reposiciona o sentido de lugar na interseco entre os artefatos e a mobilidade expandida presentes na produo de campo na espacializao construda no nexo entre jornalismo mvel e jornalismo locativo numa relao tnue oriunda das apropriaes das tecnologias mveis digitais. Defendemos que as notcias breaking news, atravs de elementos de geolocalizao, a temperatura do acontecimento no lugar, os elementos visuais e sensoriais do lugar ( vdeos, imagens e udio) e o reprter no lugar, redimensionam a mobilidade informacional e da mobilidade fsica (KELLERMAN, 2006). Deste modo, temos uma relao tnue entre jornalismo mvel e jornalismo locativo a ser considerada.

    Primeiramente, pressupe-se que o jornalismo mvel tem impacto direto sobre o breaking news ou hard news tendo em vista que as possibilidades de atualizao imediata do lugar, remota e deslocada se efetiva nas condies do exerccio do reprter em mobilidade que o aparato porttil digital permite (a exemplo do smartphone e tablet).

    Em segundo lugar, a conexo em nuvem dilui a fronteira entre o local de apurao e o local de distribuio (antes, concentrado na redao fsica) gerando um espao de fluxo contnuo entre a redao fsica e a redao mvel, de modo a estabelecer uma nova dinmica.

    Esses dois sentidos tambm podem ser atribudos ao trabalho da Mdia Ninja tendo, inclusive, o estabelecimento de outra relao pelo envolvimento mais imersivo

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    nas narrativas de proximidade. Para tal, poderamos chamar de ambivalncia mvel no sentido de atribuio indiferente do lugar (fsico, em movimento). O lugar adquire um novo significado comunicacional e pertencimento temporrio a essa notcia no contexto (o deslocamento, a geolocalizao, presena in loco do reprter), seja nos meios tradicionais ou na mdia alternativa como a Mdia Ninja que a observao emprica do fenmeno revela.

    Mdia Ninja e jornalismo: narrativa em movimento ao vivo por smartphone

    As manifestaes de junho de 2013 trouxeram uma nova repercusso para o uso de tecnologias mveis na cobertura jornalstica. De um lado, o movimento de jornalismo alternativo do Mdia Ninja, com o uso de smartphones com tecnologia 3G e 4G na cobertura coletiva e em tempo real atravs de aplicativos de streaming como o Twitcasting e a articulao em redes sociais; por outro lado, a cobertura da mdia tradicional como da Globo News com smartphones e da Folha de S.Paulo com experimentaes como o uso de drones9 para viso area e da tecnologia Google Glass com transmisso em tempo real (figura 2).

    Figura 2 - Folha transmite ao vivo via Google Glass

    Fonte: captura de tela10

    9 Drones so pequenas aeronveis no tripuladas, utilizadas em conflitos e apropriada para o jornalismo para coberturas areas atravs da instalao de cmeras portteis.

    10 Cf. Folha de S. Paulo, 15.08.2013. Disponvel em: . Acesso em: 02.03.2014

    Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos ao vivo e da rua

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    No caso do drone, a equipe da Folha de So Paulo acoplou um celular ao equipamento para captura de imagens panormicas e areas. Estas duas tecnologias - drones e Google Glass - alteram o modus operandi dos reprteres porque instauram novos modos de ver os eventos ou novos modos de construo da notcia. Alm da Folha de S.Paulo, posteriormente os reprteres da Globo News se utilizaram da mesma estratgia do Mdia Ninja e construram suas narrativas de dentro das manifestaes, podendo assim transmitir o calor dos acontecimentos.

    Para Antonio Brasil (2013), os reprteres ninjas globais enveredaram pelo processo de convergncia na transio da televiso para a Internet com um telejornalismo baseado no ao vivo pelo celular como uma estratgia emergente.

    Os ninjas globais no subiram nos telhados ou restringiram a cobertura s cabines dos helicpteros. Trata-se de uma grande evoluo da estratgia abelha de cobertura jornalstica para TV. No passado, outros reprteres como Aldo Quiroga, na TV Cultura de So Paulo e Lus Nachbin, na Globo, para citar poucos exemplos, adotaram essa nova forma de narrativa audiovisual mas jamais transmitiram eventos ao vivo pela TV. (BRASIL, 2013, n.p)

    Nessas circunstncias, a rotina dos reprteres envolve novos elementos na narrativa dos fatos com uma imerso maior sobre a cena e os personagens, alm de exigir um perfil profissional distinto (polivalente, multitarefa, multimdia e mvel). So arranjos de carter profissional e tecnolgico que determinam um olhar sobre o habitus do jornalista (BOURDIEU, 1989).

    A conexo em rede, o uso de tecnologias mveis digitais e as apropriaes das redes sociais como disseminadoras de informaes e modo de interao mediada por celulares e smartphones trazem uma ressignificao para a narrativa televisiva e para os movimentos como no caso dos protestos numa relao estreita entre o espao urbano e a conexo generalizada que se verifica.

    Os movimentos sociais contemporneos ganharam roupagens novas na sociedade do sculo XXI ao engajarem suas prticas e formas de mobilizao em outra esfera pblica, agora, conectada e em Rede. As transformaes das tecnologias digitais na vida social amplificam, deste modo, os rearranjos comunicacionais num contexto contnuo de mutaes. (RODRIGUES, 2013, p.32).

    Assim sendo, a explorao das tecnologias mveis, aliada mediao pelas redes sociais mveis, determinante no que se refere disseminao das informaes,

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    em contexto de mdias com funes ps-massivas11 e ocupao do espao urbano por parte dos manifestantes. Munidos de celulares, smartphones e outros dispositivos mveis, o Mdia Ninja12 amplificou a cobertura dos protestos sob uma perspectiva de mostrar os acontecimentos sem corte e sem filtros, revelando a realidade das ruas marginalizadas e ignoradas pelos meios de comunicao de massa. Essa forma de atuao denominada por Malini e Antoun (2013) como midialivrismo 13.

    No contexto da cibercultura e da filosofia da cultura hacker, trata-se de aes ciberativistas que produzem e compartilham processos no mbito das tecnologias digitais, sem intermediaes ou hierarquia das corporaes miditicas. O midialivrista o hacker das narrativas, tipo de sujeito que produz, continuamente, narrativas sobre acontecimentos sociais que destoam das vises editadas pelos jornais, canais de TV e emissoras de rdio de grandes conglomerados de comunicao. (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 23).

    Ao refletir sobre o conceito de midialivrismo14, percebem-se novas possibilidades na emisso de contedos em rede, em distintas plataformas comunicacionais (sites, blogs, Youtube, sites de redes sociais), sendo uma alternativa aos meios de comunicao de massa, e com isso, amplificando sua rede de informao e compartilhamento. Em perspectiva semelhante, pode-se afirmar que os reprteres ninjas (figura 3) exercem aspectos do midialivrismo, ao realizar a cobertura dos

    11 Para Lemos (2010), mdias com funes ps-massivas so aquelas sem um controle do fluxo centralizado da informao como ocorre com os meios de comunicao de massa. Na perspectiva das mdias com funes ps-massivas qualquer um pode produzir informao, ou seja, h uma liberao do plo de emisso.

    12 Mdia Ninja (denominao para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ao) um grupo ativista criado em 2011 e participante do Coletivo Cultural Fora do Eixo. Os ativistas procuram fazer uma cobertura aberta e em contraposio mdia tradicional. A partir das transmisses ao vivo dos protestos em junho o grupo se consolidou.

    13 Entretanto, apesar do termo ser uma contraposio (inclusive ideolgica) aos meios de comunicao de massa e sua forma de atuao, acreditamos que o cenrio ideal o composto por uma paisagem miditica em que possa coexistir ambas as esferas: a mdia tradicional e a mdia independente como modelo de democracia. Neste sentido, o pblico tem a oportunidade de conviver com diferentes fontes de informao e, deste modo, construir sua posio sobre os diferentes temas da atualidade. Neste aspecto, a digitalizao e as redes digitais quebraram o monoplio abrindo espao para a liberao do plo emissor (LEMOS, 2010) com a participao do cidado que pode confrontar pontos de vista nesse ambiente.

    14 A noo de mdia livre, conforme explorado pelo movimento do Mdia Ninja, j vinha sendo explorado pelo Centro de Mdia Independente (CMI), conhecido tambm como Indymedia, surgido em 1999 por organizaes e ativistas de mdia independente em Seatle que teve papel essencial na cobertura de protestos contra a Organizao Mundial do Comrcio - OMC. O Intervozes uma das iniciativas vinculadas ao midialivrismo ou o Occupy Wall Street, alm da Primavera rabe.

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    protestos disponibilizando em live streaming em seu canal no Youtube15. Sem dvida, estamos diante de novas narrativas que precisam ser problematizadas nos estudos do jornalismo.

    Figura 3 - Um dos idealizadores do Mdia Ninja, Bruno Torturra, na cobertura dos protestos

    Fonte: captura de tela16

    A partir das transmisses ao vivo dos protestos pelo Mdia Ninja, as imagens tentam revelar o lado B das manifestaes, muitas vezes no explorado na mdia massiva, razo pela qual eles declaram praticar um jornalismo nu e cru e divulgar fortemente em seus canais digitais. Neste modelo de ao colaborativa, no h restries para ser um reprter ninja ou um transmissor, para tal, pode-se munir-se de celulares, estar acompanhando as manifestaes e fatos sociais e transmitir ao vivo pelo TwitCasting. A ideia que mais reprteres-ninja se aglutinem no Mdia Ninja para expandir as transmisses aumentando a capilaridade do movimento em coberturas para uma pulverizao comunicacional. Para Malini (2014) emerge o que ele denomina de nova grande mdia17 como antagonista aos meios de comunicao de massa dominantes.

    15 Canal oficial do Mdia Ninja no YouTube: http://www.youtube.com/user/7VHD

    16 Cf. YouTube. Disponvel em: . Acesso em: 02 01.2014

    17 Malini (2014) constri o seu argumento de nova grande mdia a partir de pesquisa emprica de seleo de 300 canais que atuam como divulgadores de aes midialivrista na rede social Facebook. O autor obtem como resultado do cruzamento de dados de que esses 300 canais arregimentam em torno de 15 milhes de usurios. Deste modo, conclui Malini, estaramos diante de uma nova grande mdia funcionando fora do circuito tradicional de formao da opinio pblica. Numa comparao j estabelecida na dcada de 2000, seria algo como blogosfera e mdiaesfera.

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    Essa GRANDE MDIA no parece ser dialtica, no mais depende de qualquer sistema de comunicao de massa para se constituir. E a rede j possui a cerca de 15 milhes de usurios. Mas deve ser mais, porque se estes usurios compartilharem apenas um post de uma dessas pginas, o alcance se multiplica. As pginas so o ncleo da emisso de mensagens no Facebook. E os perfis individuais, as clulas que ecoam, por meio do compartilhamento, esses contedos. (MALINI, 2014, n/p).

    Em entrevista para a Revista Brasileiros18, um dos idealizadores da rede colaborativa do Mdia Ninja, Bruno Torturra, explica que a prtica do jornalismo alternativo no diminui a importncia da grande mdia na sociedade, e v com bons olhos quando as imagens dos reprteres-ninja so exibidas na mdia massiva, uma vez que esto contribuindo para fazer a diferena para a cobertura de uma narrativa tica. Para Torturra, o objetivo maior no monetizar o movimento, mas fazer justia social a partir de sua logstica. O que realmente nos interessa que um inocente no seja preso, que o policial saia para a rua identificado, que a gente saiba de onde partem os comandos e que o governo se responsabilize pessoalmente ou aponte um culpado quando problemas dessa natureza so revelados. (TORTURRA, 2013, on line). Alm da cobertura em mobilidade e em tempo real praticado pelo Mdia Ninja, atravs de smartphones com conexes sem fio, a apropriao e sites de redes sociais tem sido um ponto de congruncia das manifestaes e como espao conversacionais e divulgao, alterando o panorama miditico contemporneo.

    [...] a metfora da rede, assim, oferece um modo interessante de compreender fenmenos contemporneos da comunicao mediada pelo computador, que, sem dvidas, complexificou em larga escala os fluxos comunicativos de nossa sociedade contempornea. (RECUERO, 2009)

    A apropriao dos sites de redes sociais e das tecnologias mveis tem reverberado a ao da Mdia Ninja, inserindo-a no vigoroso ambiente da cultura da mobilidade. As transmisses so feitas em grande parte por celulares e dispositivos 4G, mais na base do improviso do que de um roteiro predefinido. Se a prtica de transmitir atos pblicos no nova, a visibilidade que ela ganhou com o grupo surpreende, chegando a atingir a marca dos 100 mil espectadores. (MAZOTTE, 2013, online). Alm do Facebook, que contabiliza 13. 777 curtidas em sua fanpage, o grupo

    18 Revista Brasileiros. Entrevista com Bruno Torturra. Disponvel: . Acesso: 02.03.14

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    tambm mantm penetrao pelo Tumblr,19 Google Plus20 e Twitter21, canais em que ampliam-se as informaes divulgadas e alargando o capital social por meio das redes digitais (figura 4).

    A articulao das movimentaes com os dispositivos miditicos e principalmente as novas tecnologias marcou essa nova fase da sociedade, que une elementos como cultura da convergncia (JENKINS, 2009), computao ubqua, tecnologias portteis (celulares, iPads, tablets, notebooks) e redes mveis de conexo internet, redes sociais da internet (RECUERO, 2009), ciberativismo e lutas polticas. (ALMEIDA, 2013, p.85).

    Essa combinao entre tecnologias mveis e a apropriao das redes sociais tem imprimido uma marca ao movimento de cobertura engajada e colaborativa. Cada reprter ninja tem um perfil de atuao, mas todos tm o mesmo objetivo: quebrar a narrativa unssona da grande imprensa usando a prpria mdia como arma (DINIZ, 2013, online).

    Figura 4 - Web-realidade reune os canais online de transmisso ao vivo como os do Mdia Ninja

    Fonte: captura de tela.

    Alm das manifestaes de junho de 2013, outros atos ocorreram ao longo do ano de 2013 e 2014 como os protestos denominados #naovaitercopa contra a Copa do Mundo e tambm as manifestaes dos garis do Rio de Janeiro que mobilizou

    19 Cf. Mdia Ninja Tumbrl. Disponvel em: . Acesso em: 2 mar de 2014

    20 Cf. Mdia Ninja blogspot.com. Google Plus, Disponvel em: . Acesso em: 02.03.2014

    21 Cf. Ninja Perfil no FaceBook. Disponvel em: . Acesso em: 2 mar de 2014

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    a Mdia Ninja e os prprios garis em maro de 2014 na utilizao das tecnologias mveis para amplificar a greve e suas reivindicaes. Bentes (2014) denominou essa articulao de mdias-redes e chamou a ateno para a atuao do Mdia Ninja com as transmisses ao vivo e dos prprios garis na contra-guerra de informao.

    Formao politica de rua e mdias-redes! E a mdia de mobilizao nas redes impulsionou a onda laranja para alm das ruas e dos guetos. Depois de uma semana de desqualificao, suspeitas e dissuaso do movimento dos garis, pela mdia corporativa, o Jornal Nacional deu uma linha seca e rpida sobre o fim da greve, sem qualquer imagem da vitria dos garis. Nas redes, as imagens e memes dos midialivristas inundaram as timelines. A transmisso ao vivo pela Midia Ninja mostrou o movimento desde o primeiro ato e fez circular fotos lindssimas. Imagens que do cara, singularizam e produzem comoo. O ao vivo nas redes traz a experincia de estar na rua e hoje uma ferramenta decisiva para os movimentos populares. Muitos garis compartilharam suas imagens pelos celulares. [...] Viva os garis e a mdia livre e a autnoma varrendo a velha politica, o sindicalismo engessado a velha mdia! Formao politica de rua, agitprop e mdias-redes! (BENTES, 2014, online).22

    Na contemporaneidade, as percepes so mltiplas sobre o desenvolvimento desencadeado pelas tecnologias mveis e seus processos reconfigurantes. A sociedade em rede defendida por Castells (2009) , de fato, uma sociedade em rede mvel (CASTELLS et al., 2006) com implicaes sociotcnicas e desafios terico-conceituais para a compreenso das redefinies em jogo em torno dos formatos e narrativas em desenvolvimento dentro do jornalismo tradicional e fora do mainstream.

    Concluses

    Neste captulo discutimos a insero das tecnologias mveis na cobertura dos protestos em junho de 2013 e outros usos cotidianos com enfoque no trabalho da mdia com funes massivas (como Folha de S.Paulo e Globo News) e da mdia com funes ps-massivas (Mdia Ninja). O antagonismo que verificamos no tocante discusso sobre a mdia alternativa em relao mdia tradicional pertinente como posicionamento dos lugares de fala e dos aspectos de complexidade envolvendo o contexto. No obstante, o hibridismo dessa relao se configura mais consistente na

    22 Cf. FaceBook, perfil Ninja Mdia de mobilizao. Disponvel em: . Acesso em: 08.09.2013

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    atualidade com implicaes amplas para a comunicao com os atores humanos e no-humanos como mediadores das controvrsias.

    O assunto no se esgota nesse captulo proposto. Como observamos, o campo do jornalismo torna-se cada vez mais instigante com as lutas pelo poder simblico que se enxerga entre os emergentes do midialivrismo como o Mdia Ninja e a mdia tradicional de modo a configurar novas relaes em torno da mdia-rede dos novos protagonistas que emergem estabelecendo novas categorias dentro dos valores jornalsticos. Durante o acompanhamento dos desdobramentos da cobertura jornalstica das manifestaes, observou-se que a mdia tradicional foi forada a adotar a mesma estratgia e tecnologias da Mdia Ninja, ou seja, smartphones, Drones e Google Glass como forma de reafirmao do carter de inovao, mas tambm, para no ficar para trs tendo em vista o espao miditico que a Mdia Ninja ocupou com a esttica do ao vivo e acompanhamento colado aos manifestantes. A estratgia tambm se deu em funo dos perigos que a cobertura representou para as equipes, identificadas pelos crachs e veculos de reportagens.

    Examinar as mudanas via convergncia jornalstica e mobilidade pelo vis do conceito-chave do jornalismo mvel, conforme exploramos, permitiu especular sobre os rumos do jornalismo diante de protagonistas emergentes atuando em paralelo.

    Num primeiro momento, identificamos que as tecnologias mveis implicam novas funes para as prticas jornalsticas, alm das habilidades habituais e exigem um nvel de treinamento para operar o fluxo de trabalho baseado em um dispositivo porttil conectado e com aplicativos variados (de captura, de edio e de distribuio ou de transmisso ao vivo).

    Num segundo momento, percebemos que o modelo de emisso de contedos do campo baseado no celular instaura narrativas diferenciadas, principalmente para televiso que necessita recompor seus valores diante de uma esttica fora do padro tradicional e com qualidade inferior, porm, que indica novos elementos como a contextualizao do lugar, a mobilidade expandida no processo e o sentido de presena viva direto da cena representada pela participao ativa do reprter como uma espcie de etngrafo em tempo real.

    Concluimos, portanto, que o jornalismo mvel se constitui em uma modalidade de prtica jornalstica que reposiciona um conjunto de aspectos do jornalismo contemporneo como o domnio da gramtica das tecnologias mveis e seus aplicativos, noo de trabalho multitarefa e multiplataforma em redaes integradas ou convergentes. Ao mesmo tempo visualizamos o nascimento de novos atores - o Mdia Ninja - com perfil e valores distintos do estabelecido ao longo do tempo na

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    chamada grande mdia. O tensionamento deve perdurar diante das transformaes ainda em curso.

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    Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos ao vivo e da rua

  • Mdia, Tecnologia e Linguagem Jornalstica44

    Midiativismo, redes e espao pblico autnomo: as novas mdias na redefinio

    das relaes de poderThiago Dangelo Ribeiro Almeida 1

    Claudio Cardoso de Paiva 2

    ResumoEste artigo busca observar como as relaes miditicas podem ser redefinidas a partir da tomada de posse dos meios de comunicao favorecida pelas novas mdias e tecnologias, abrindo novas possibilidades de usos destas mdias como instrumentos de contrapoder, resistncia e contestao dos poderes estabelecidos. Com base nos estudos de Cas