LIVRO - POLÍTIC A - Políticas Públicas e Desenvolvimento

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OLITICAS PUBLICA Francisco G. Heidemann José Francisco Salm Organizadores

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OLITICAS PUBLICA

Francisco G. HeidemannJosé Francisco Salm

Organizadores

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

ReitorJosé Geraldo de Sousa júnior

Vice-ReitorJoão Batista de Sousa

EDITORA

UnB

EDITORA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DiretorNorberto Abreue Silva Neto

Conselho EditorialDenise Imbroisi

José Carlos Córdova Coutinho

José Otávio Nogueira Guimarães

Lúcia Mercês de AvelarLuís Eduardo de Lacerda Abreu

Maria José MoreiraSerra da SilvaNorberto Abreu e Silva Neto - Presidente

Francisco G . Heidemann e José Francisco Salm

Organizadores

Políticas públicas

e desenvolvimento:bases epistemológicas emodelos de análise

Apresentação

Tomás de Aquino Guimarães

Introdução, notas, compilações e complementosFrancisco G. Heidemann

EDITORA

UnB

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Equipe editorial

Dívai Porto Lomba • Supervisão editorial

Rejane de Meneses • Coordenação editorial

Sonja Cavalcanti - Acompanhamento editorial

Danúzia Maria Queiroz Cruz Gama • Preparação de originais e revisãoRaímunda Dias • Projeto grafico e diagramação

Elmano R. Pinheiro e Luiz A. R. Ribeiro • Supervisão gráfica

Ivanise Oliveira de Brito - Capa

Copyright © 2006 by Francisco G. Heidemann e José Francisco Saím

Direitos exclusivos para esta edição:

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70302-907 - Brasília-DF

Tel.: (061} 3035-4200Fax: (061} 3225-5611

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ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por

escrito da Editora.

Impresso no Brasil

Ficha catalográfica elaborada pelaBiblioteca Central da Universidade de Brasília

P769 Políticas públicas e desenvolvimento : bases epistemológicas emodelos de análise / Francisco G. Heidemann e José Francisco

Salm,organizadores ;Tomás de Aquino Guimarães,apresentação.

- Brasília: Editora Universidade deBrasília, 2009.

340 p. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-230-0906-9

1. Políticas públicas. 2. Tomada de decisão. 3. Racionalidade

político-administrativa. 4. Modelo de possibilidade. 5. Desenvol-

vimento e modernidade. 6. Sistemas de avaliação. I. Heidemann,Francisco G. II. Salm, José F. III. Guimarães, Tomás de Aquino.IV Título.

CDU 351

Por ter acreditado e, com sua confiança,

ter tornado esta obra possível,seus organizadores dedicam-na, co m orgulho,

a seu principal incentivador:Fernando Ferreira de Mello Jr.

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C o m o sugere Cassiano Ricardo,"o tradutor... pode mesmo atingir o

nível de co-autor da obra traduzida".Para corresponder à estatura das obras aqui

traduzidas, nos entregamos, comconsciência e determinação, ao desafio de realizar

ao m áx im o do nosso alcance um trabalho de co-autor ia.

Francisco G. Heidemann

(tradutor)

 

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Organizadores daedição

Esta obra é uma realização dos professores José Francisco Salm e Francisco G.Heidemann. Em seu áes ign , participou também Burton Terence Harwick,

professor da Caí StateUniversity de Northridge, Califórnia.Como artífices e organizadores, coube a seus autores, além da concepção, a

apresentação, a definição do conteúdo, o desenvolvimento e a conclusão material

e intelectual de todo o projeto, o que envolveu desde contatos e negociações com

os colaboradores (sobretudo autores e comentaristas) e com os órgãos editoriais,

até tradução de artigos escritos em língua estrangeira, produção de um capítulo

ad hoc, elaboração de textos de introdução, notas editoriais e passagens de amar-

ração, compilação de informações complementares e, enfim, inúmeras revisões

redacionais e editoração geral. No lado mais mundano de sua execução, o projeto

consumiu esforços pacientes de suporte para que pudesse chegar a bom termo.

O professor J. E Salm, além da concepção e construção crítica da obra,

envidou esforço obstinado para que o projeto se concretizasse. Suas credenciais

de executivo e acadêmicas para este empreendimento estão evidenciadas em duas

trajetórias de sua carreira profissional: a de servidor público do Estado de Santa

Catarina e a de professor nas duas principais universidades do Estado. Com dou-

toramento em Administração Pública, pela University of Southern Califórnia, é

à Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) que o professor Salm dedica

hoje primordialmente seu trabalho, depois de ter trabalhado na Universidade Fe-

deral de Santa Catarina (UFSC) e na administração direta do Estado, onde che-gou a exercer o cargo de secretário de Estado da Fazenda de Santa Catarina. Nas

universidades, sua contribuição em ensino, pesquisa e orientação de dissertações e

teses é prestada aos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Além do trabalho

de ensino e pesquisa, J. E Salm presta consultorias a universidades, a empresas

privadas e a repartições públicas de todas as instâncias do governo.

A execução literária do trabalho cobrou dedicação diligente e meticulosa do

professor E G. Heidemann. Tendo anteriormente transitado pela área editorial de

algumas editoras e da Fundação Getúlio Vargas, havendo traduzido alguns livrose outras publicações para a língua portuguesa e conhecido a dinâmica de uma em-presa pública, com sua passagem pela Eletrosul, F. G. Heidemann também tomou

 

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a decisão de trabalhar para a educação superior, ingressando na UFSC em 1976.

Obteve seu doutoramento em Administração Pública, na University of Southern

Califórnia, e deu sua colaboração de professor integralmente aos programas de

graduação e de mestrado em Administração, na UFSC, até 1995. Nesta universi-dade exerceua chefia do Departamento de Ciências da Administração e, em duas

gestões, a coordenação do programa de mestrado em Administração (CPGA/

UFSC), no início da década de 1990. Nesse período, colaborou também com a

Escola de Governo na condição de palestrante e debatedor e como presidente da

Associação Catarinense de Formação de Dirigentes Públicos, a mantenedora da

Escola de Governo. De 1995 a 2000, contribuiu para a implantação do programa

de mestrado em Administração de Negócios na Universidade Regional de Blu-

menau. De 2000 a 2002, associou-se à Pontifícia Universidade Católica (PUC)

do Paraná (PR) para colaborar com a implantação de seu curso de mestrado em

Administração, tendo em março de 2001 até mesmo assumido a coordenação do

mesmo. Em 2002, ingressou na Escola Superior de Administração e Gerência

(Esag/Udesc), onde ministra aulas para os cursos de mestrado em Administração

profissional e de graduação em Administração de Serviços Públicos e realiza pes-

quisas na área de gestão pública.

Sumário

10 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases e pis emo lógicas e modelos de análise

Apresentação, 15

Introdução, 17

F A R T E IO DESENVOLVIMENTOAOALCANCEDA POLÍTICA:

MODELOS DE POSSIBILIDADE V E R S U S MODELOS DE NECESSIDADE, 21

Capítulo l

Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento, 23Francisco G. Heidemann

Capítulo 2A modernização em nova perspectiva: em busca

do modelo da possibilidade, 41Alberto Guerreiro Ramos

ComentárioAntropologia fundamental e teoria das organizações, 79

Ubiratan Simões Rezende

ComentárioTeoria Pé as alternativas para a co-produção do bem público, 84

José Francisco Salm

PARTE IIMODELOS P A R A A N Á L I S E DE DECISÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS, 93

Capítulo 3Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas, 99

Thomas R. Dye

 

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ComentárioModelos: da teoria à prática, 129

Donald R. Winkler

Capítulo 4Modelo comportamento] de decisão racional, 133

Herbert A. Simon

ComentárioModelo racíonalista de decisão: na busca de operacionalização, 1 54

Edvaído Alves de Santana

Capítulo 5.1Muddling tbrough 1:a ciência da decisão incrementai, 161

Charles E. Lindblom

Capítulo 5.2Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai, 181

Charles E. Lindblom

ComentárioAlém da "raiz" e da "ramescêncía": por uma nova ciência

para a formulação de políticas públicas, 20 3Charles M. Dennis

Capítulo 6. lMixed scanning: uma "terceira" abordagem de tomada de decisão, 219

Amitai Etzioni

Capítulo 6.2

Reexame da estratégia mista de decisão, 233Amitai Etzioni

Comentár ioProgressos na capacidade cognitiva e o poder de arbítrio do deliberador, 250

Belmiro Valverde Jobim Castor

Capítulo 7Em busca de uma "terceira" forma de fortalecer o processo de políticas

públicas: apreciação crítica da "sondagem mista" e das principaisteorias sobre formulação de políticas, 259

Burton Terence Harwick

PARTE IIIACCOUNTABILIIYE PESQUISA DE AVALIAÇÃO A SERVIÇO

DA GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 283

Capítulo 8Concepções alternativas de accountability. o exemplo

dagestão da saúde, 287

Amitai Etzioni

Comentár ioÉtica de respon sabilidade: sensibilidade e correspondên cia

a promessas e expectativas contratada s, 3 01Francisco G. Heidemann

Capítulo 9Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política:

evolução histórica e guia prático, 311Anne Larason Schneider

ComentárioAvaliação política das políticas públicas, 328

João B enjamim da Cruz Júnior

ComentárioAvaliação a serviço da decisão política:

perspectivas atuais, 334Joseph S. Wholey

 

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Apresentação

A iniciativa dos professores José Francisco Salm e Francisco G. Heidemann

de criar e oferecer ao público esta coletânea de textos clássicos de adminis-

tração pública é bastante oportuna, dada a importância da obra para o seu

público-alvo, em especial aos docentes e aos pesquisadores que mintam com o tema

e àqueles que venham a estudá-lo. A análise do processo de desenvolvimento de um

país passa, necessariamente, pela análise de sua relação com o processo de formulação,implementação e avaliação de políticas públicas. Parece óbvia, portanto, a associação

entre políticas públicas e desenvolvimento, objetivo central do livro. No entanto,

essa possível obviedade por vezes mascara uma realidade ora distinta de governos que

nem sempre utilizam, de forma adequada, as políticas públicas como mecanismos depromoção do desenvolvimento e do bem-estar sociais.

Do lado de pesquisadores e demais estudiosos do tema, (re)visitaros clássi-

cos de Políticas Públicas é tarefa necessária para a (re)construção do conhecimento

a respeito de gestão pública. Do lado de políticos, na qualidade de representan-

tes dos cidadãos, e de práticos da administração pública - técnicos e gestores

governamentais — o conhecimento de conceitos inerentes à gestão de políticas

públicas constitui fator primordial para uma gestão mais eficiente, democrática e

humanizada das relações entre governo e usuários de serviços públicos. Este livro

atende a esses dois lados de uma mesma moeda e contribui, também, como fonte

de informação original, para evitar a tendência, muito comum entre acadêmicos

da área de gestão pública, de "tentar reinventar a roda".Os textos clássicos, como é o caso dos capítulos mais antigos que com-

põem este livro, costumam ser raros e, portanto, de difícil localização. Tornam-

se, assim, uma espécie de "presa fácil" para alguns autores com princípios éticos

inadequados, que costumam realizar uma espécie particular de "apropriação ina-

dequada de conceitos" (na exptessão de Guerreiro Ramos), dessa forma utilizan-do idéias e conceitos sem indicação das fontes de referência. Infelizmente, esse

padrão de conduta está se tornando uma prática muito comum no Brasil. Assim

sendo, o presente livro pode contribuir para a diminuição dessa prática, na medi-fd a em que disponibiliza de forma ampliada algumas das mais importantes bases

epistemológicas e modelos de análise de políticas públicas. Afinal, é dever ético

 

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de quem escreve um texto, seja este acadêmico, profissional ou administrativo,indicar as fontes utilizadas na sua elaboração.

Os comentários competentes e cuidadosos, de autoria de distintos auto-res, inseridos após cada capítulo, tornam a leitura deste livro mais leve e fluida,contribuindo para que os leitores, em especial os iniciantes, interpretem com umatinta maís contemporânea as formulações, os conceitos e, às vezes, as fórmulasutilizadas pelos autores. Mais um ponto positivo para a iniciativa de Salm e Hei-

dermann.O ensino na área de administração pública no Brasil está longe de ocupar

um lugar de destaque. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pes-quisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), dentre os 2.046 cursos de graduaçãopresenciais existentes no país, em 2004, na área de gerenciamento e administra-ção, apenas 19deles, menos de 1% do total, são cursos de administração pública.Felizmente, esse desequilíbrio não é tão gritante, quando se analisa os dados re -lativos a grupos de pesquisa no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq. Emconsulta realizada em setembro de 2006 nessa base de dados foram encontradosos seguintes números: 277 e 58 grupos de pesquisa, respectivamente, quando se

utilizam as palavras-chave (presentes no nome do grupo, título e palavras-chaveda linha de pesquisa) administração e administração pública.

Certamente qu e esses dados não refletem, de forma necessária, a situaçãodo ensino e da pesquisa nesse tema no país. Isto porque o estudo de políticaspúblicas está presente, também, em áreas como ciência política, economia, educa-ção, saúde pública, planejamento urbano etc. No entanto, esses dados constituemum sinal de que é necessário investir no ensino e na pesquisa nessa área no Brasil.Este livro certamente aparece em momento adequado e pode contribuir para estefim.

Bo a leitura a todos.

Professor Tomás de Aquino GuimarãesUniversidade de Brasília

Introdução

1 6 • Políticas públicas c desenvolvimento:bases epistem o lógicas e modelos de análise

E ste é um livro a respeito de políticas públicas para o desenvolvimento. E mespecial, é um compêndio qu e trata das possibilidades e dos limites dos pro-cessos político-administrativos em geral na sociedade. Embora o número

daqueles que fazem a lei, isto é, dos legisladores propriamente ditos, seja proporcio-nalmente pequeno, todos os cidadãos são poücymakers^ ou seja, contribuem de algu-ma forma para o processo de formulação das decisões que governam e desenvolvema sociedade.

Para que as políticas representem ações e mudanças efetivas, seus agentesprecisam de teorias e modelos que os auxiliem a pensá-las e operacionalizá-las.

Estes modelose

teoriassão

instrumentos práticos; conscientementeou

não, todasas pessoas são governadas po r orientações teóricas. Po r isso, como lembra, supos-tamente, Kurt Lewin, "nada mais prático que uma boa teoria!" Afinal, no mundoda práxis, a teoria e a prática são indissociáveis.

Os textos reunidos nesta antologia pretendem contribuir para a explici-taçao do s princípios fundamentais qu e sustentam as instituições políticas e eco-nômicas que nos governam, explorar suas virtudes, seus impasses e seus dilemase apoiar o esforço de superação das incapacidades e limitações institucionaisdas sociedades modernas. Por exemplo, Simon e Lindblom são autores clássicoscujo pensamento teve impacto decisivo no desenvolvimento dos sistemas de go-

verno público e privado na sociedade moderna pós-Segunda Guerra Mundial.

A contribuição teórica de Ramos, por sua vez, representa um contraponto crí-tico que nos faz refletir a respeito do s valores sacrificados pelos "devaneios" da steorias bem-sucedidas; além de pôr a nu os princípios viabilizados pelas teoriasvigentes, ele nos oferece um referencial teórico consentâneo com os períodosmais representativos da civilização.

O conteúdo do livro está organizado em três partes. Na primeira, o leitorencontra um texto de caráter introdutório e genérico qu e puxa o fio da meadade todo o compêndio. Em seguida, vem o artigo de Guerreiro Ramos com aínspiradora análise comparativa entre os modelos de possibilidade e os modelosde necessidade, feita para quem não se contenta com os modelos estabelecidos edeseja ver um avanço crítico no estudo e n a prática da governança pública.

 

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Na segunda parte, estão enfeixadas duas tipologias de modelos clássicos de-senvolvidos para a produção de políticas. Os modelos revistos por Dye mapeíam

em forma bem esquemática e simples as fórmulas mais encontradas na literatura

sobre o assunto. Os cinco textos — de Simon, Lindblom e Etzioni — tipificam os

modelos de tomada de decisão racional, incrementai e misto. A análise crítica que

segue, de Harwick, se concentra em rever a abordagem mista de Etzioni, embora

parcialmente também qualifique as proposições de Simon e Lindblom.

A terceira parte trata da responsabilidade dos servidores de prestar contas

aos usuários de serviços públicos e da pesquisa de avaliação que produz infor-

mações sobre as políticas e os programas e, assim, permite aperfeiçoá-los. No

primeiro caso, Etzioní ilustra os vários conceitos de "prestação de contas", ou

accountability, a partir do caso da gestão de serviços de saúde. Schneider, por

sua vez, clama por uma relação de dependência entre o sistema de produção de

informações, ou pesquisa de avaliação, e o sistema de tomada de decisão, ao qualo primeiro deve servir.

Todos os textos foram comentados pelo menos por um crítico, brasileiro

ou estrangeiro, com o objetivo de colocá-lo em perspectiva, em termos de tempo

e espaço, e ressaltar sua contribuição para a política pública em nosso tempo. Os

comentaristas têm background e interesse no assunto de que tratam. A análise

de Harwick evoluiu para uma revisão crítica e acabou recebendo status de capí-

tulo autônomo; por se tratar de um estudo inédito e atual, não foi submetido à

apreciação de um comentador. O capítulo I, de F. G. Heidemann, tem interesse

introdutório, informativo e didático; este também é inédito.

Os autores dos artigos enfeixados na antologia foram contatados por razõesacadêmicas e também por razões legais.

O intercâmbio acadêmico se fez necessário sobretudo para o enquadramento

apropriado das contribuições individuais no projeto geral e para que a tradução re-

presentasse com a maior fidelidade possível o argumento de cada um. Para este fim,

porém, não foi preciso acionar a totalidade dos autores. Mas todos foram consulta-

dos a respeito da autorização e da concessão dos direitos de tradução e publicação

de suas obras em língua portuguesa. Suas respostas e as dos detentores dos direitos

autorais sobre os textos vieram invariavelmente em forma afirmativa.

A produção dos comentaristase a revisão crítica de Burton T. Harwick fo-

ram encomendadas pelos organizadores e confiadas pelos autores especificamente

para compor a obra. São, portanto, part e constitutiva do compêndio e preenchemaí sua razão de ser.

\ O diálogo com os comentaristas teve a mesma qualidade e fluência pro-

porcionadas pelos autores dos trabalhos de fundo. O leitor é o maior beneficiáriodesse esforço de tornar o conteúdo o mais direto, simples e relevante possível.

18 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

As mensagens deste volume certamente podem interessar a um espectro

bem amplo de scholars e usuários da decisão de impacto social e de interesse indi-

vidual. Entre os leitores bem-vindos a fazer uso do livro espera-se contar:

• os estudiosos e os pesquisadores dos processos de formulação, implementação e

avaliação de decisões em geral, do setor público como também do setor empresa-

rial privado e do terceiro setor;• os executivos e os funcionários de repartições federais, estaduais e municipais,

nos três poderes, além dos dirigentes da administração pública indireta de todos

os níveis;

• os presidentes, os diretores e os gerentesde empresas industriais, comerciais e de

serviços;• os executivos de organizações do terceiro setor, como órgãos de representação,

sindicatos, associações de trabalhadores, Ongs, Quangos, etc.;

• os dirigentes e os administradores dos sistemas universitários e dos órgãos ou dos

institutos depesquisa;

• os líderes e os dirigentes de associações comunitárias ou de bairros;

• os deliberadores em quaisquer organizações que tenham algum grau de comple-

xidaderelacionai;

• os estudantes em nível depós-graduação;

• qualquer pessoa movida por curiosidade ou solicitude em favor dos esforços de

governança da sociedade.

Introdução " 1 9

 

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ParteIO desenvolvimento ao alcance da política:

modelos de possibilidade versus modelos de

necessidade

Nesta primeira parte do livro enfeixamos dois capítulos. O primeiro preten-de ser uma introdução e uma espécie de mapa para o conteúdo de todo o

volume. Seu texto evolve em torno dos sonhos de progresso e desenvolvi-mento alimentados pela humanidade, sobretudo a partir do século 18, sonhos que

hoje dependem em grande parte do esforço societário expresso na s políticas públicasdas jurisdições subnacionais, nacionais e supranacionais. Até a terceira década do

século 20, o sonho do progresso era alavancado de forma dominante pelo sistema de

mercado auto-regulado. Quando este talhou, o Estado passou a regular a economia, e

o desenvolvimento foi de então em diante alavancado por um mercado politicamenteregulado, ou seja, pela iniciativa conjunta do Estado e_do mercado, ainda qu e paramuitos pensadores nascia então um novo mito, o mito do desenvolvimento. Nos

últimos anos, porém, em função da s deficiências do s modelos institucionais vigentes,outros agentes societários estão se alistando entre os promotores do desenvolvimentosonhado pelas comunidades humanas. O conceito de governança pública, po r exem-í jpio, presume a participação de três atores distintos na condução polít ico-econômica' /das sociedades atuais, ainda que sob a coordenação imprescindível do Estado,: o go-

verno, como um agente coordenador e supervisor; o setorjmr^sarial privado, pormeio de suas iniciativas de responsabilidade social; e o terceirojietpr, na forma deorganizações distintas da s governamentais ou empresariais privadas.

O segundo capítulo, de Ramos, representa a referência principal a nos ins-pirar ao longo de todo o volume. Trata-se de uma peça substancial e crítica a res-peito das teorias de desenvolvimento e modernização estabelecidas na literatura

 

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internacional até o início da passada década de 1970- O capítulo de Ramos

"A modernização em nova perspectiva: rumo ao modelo da possibilidade"

preenche à plenitude o objetivo de oferecer um esquema de referência peculiar,

útil e relevante ao nosso tempo, para que o estudioso ou o usuário do livro possa

imaginar, construir e administtar sistemas e mecanismos de produção e prestação

de serviços a contento das carências e dos anseios da sociedade contemporânea.

O leitor tem diante de si um texto extremamente oportuno, rico e auspicioso.Para o lugar das teorias de caráter necessário, impositivo, Ramos oferece

a fórmula pqssibilística. Esta fórmula ou modelo de possibilidade parte da con-

sideração dos determinismos contextuais, mas não se limita ou se rende a eles.

Segundo Ramos, a evolução histórica de um país, região, comunidade ou cidade,

ou mesmo de uma organização, não está presa de forma inevitável aos padrões de

seu passado ou de histórias alheias. A mudança genuína é possível, e o desenvolvi-

mento diferenciado é uma possibilidade humana objetiva. Como afirma Ramos,

j "o curso dos acontecimentos resulta continuamente da interação entre fatoresf objetivos e escolhas humanas". Mesmo numa economia globalizada, é necessário

que seja possível ser diferente e particular. A salvação está na diversidade também

na história política.Esta segunda versão, até agora inédita em português, do texto de Ramos

está dividida em sete partes e uma conclusão, com os seguintes subtítulos: (1)

Teoria N e teoria P; (2) Breve história do modelo de possibilidade; (3) Carac-

terísticas da teoria P; (4) Persistência da teoria A'; (5) Por uma reformulação do

problema da modernização; (6) Enfoque sinóptico e contextualismodialético; (7)Modernização em novo estilo; e (8) Conclusão.

Ao comentar o capítulo de Ramos, Ubiratan S. Rezende afirma que a obra

. de Ramos representa uma tentativa de construir uma nova antropologia com base

l no conceito da razão noética. Com a nova antropologia, Ramos visa a superar o1 reducionismo da ciência social ou do conhecimento moderno, que se estriba na

noção dominantemente funcional da razão, no cogito cartesiano. A razão, em suaacepção noética, isto é, além e acima de seu interesse meramente pragmático,

deve informar a busca e a obtenção do conhecimento.Em seu comentário, por sua vez, José Francisco Salm argumenta que é

possível produzir um espaço para a produção do bem público que seja diferente

daquele que é caracterizado pelos sistemas burocráticos que predominam hoje. A

construção desse novo espaço compete ao escalão superior da burocracia, que é o

responsável último pela modernização desse modelo de produção. Para elaborar

. sua análise e discussão, Salm toma por base a teoria da delimitaçãodos sistemas\sociais^Ja^m como as correlações entre os conceitos de liberdade e os de bem

22 " Políticas públicase desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de analise

Do sonho do progresso àspolíticas dedesenvolvimento

Francisco G. Heídemann

Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc)/Esag

Aidéia do progresso embala a humanidade (ocidental) há quase quatro sécu-los. Em seu curso, ela iniciou e consolidou uma revolução paradigmáticana

cosmovisão humana. Depois de superada sua visão romântica e simplista,

ela gerou um novo ideal, o ideal do desenvolvimento, que, por sua vez, reclamou

o surgimento do conceito de políticas públicas, como também os desdobramentos

conceituais e operacionais que estas políticas implicavam. Neste capítulo, ptetendo

de uma forma sucinta evocar e inter-relacionar as idéias de progresso, desenvol-vimento, Estado e mercado, políticas públicas e os principais processos político-

administrativos que caracterizam a formulação, a implementação e a avaliação de

programas e projetos de desenvolvimento.Co m isso, desejo retratar, ainda que poralto, o quadro de referência teórico que ocasionou o surgimento de políticas públicascomo um dos conceitos decisivos do desenvolvimento moderno. Pretende-se que ocapítulo represente uma ante-sala de apresentação, apesar de modesta, dos textos

clássicos contidos no livro.

Do progressoaodesenvolvimento

O mito do progresso nasceu apenas no século 17, como um dos elementos

que deslancharam a Modernidade. Como se lê no Dicionário de filosofia,de Nic-

cola Abbagnano (1999), na Idade Média européia prevalecia a idéia da decadên-

cia. O presente era percebido como um estado decadente em relação a um estado

anterior de glória e esplendor. A idéia do progresso surgiu durante o período

da Renascença, significando uma "noção de que os acontecimentos históricos

desenvolvem-se no sentido mais desejável, realizando um aperfeiçoamento cres-

cente". Nessa acepção, a palavra passou a designar "não só um balanço da história

passada, mas também uma profecia para o futuro".

 

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-•• A idéia do progresso é, em geral, atribuída a uma analogia elaborada por

Francis Bacon, no livro Novum organum (1620). Segundo Bacon, seria razoávelimaginar que um homem idoso tivesse mais conhecimentos que um homem jo-

vem e, por comparação, seria igualmente razoável supor que a era presente - aentão nascente Era Moderna, mais avançada no tempo e, portanto, mais "idosa"

- também detivesse mais conhecimentos do que a Era Antiga.

No séculoJ.9j o conceito de progresso at ingiu seu ápice, tornando-se ban-

deira do romantismo e assumindo o caráterde necessidade. A realização material

do progresso seria uma condição necessária para que as pessoas comuns pudessem

superar seu destino de danação social. Quem não fosse nobre ou clérigo poderia,

afinal, sonhar com a redenção social. O mito do progresso dominou todas as ma-

nifestações da cultura ocidental durante aquele século. E não foi por mero acaso

que o lema do progresso acabou então estampado na bandeira do Brasil.As principais teses ou implicações da noção do progresso, de acordo com

Abbagnano, eram as seguintes: (1) o curso dos eventos naturais e históricos cons-

titui uma série unilínear; (2) cada termo da série é necessário, no sentido de não

poder ser diferente do que é; (3) cada termo da série realiza um incremento de

valor em relação ao precedente; e (4) qualquer regressão é apenas aparente e cons-

titui condição de um progresso maior.

No século 20, porém, segundo os estudiosos, a noção do progresso assim

entendido já não encontraria mais amparo no domínio da historiografia cientí-fica. As regras da metodologia historiográfica, que permitem delimitar o campo

da "história", já não sustentavam suas teses. Na cultura moderna, a crença no

progresso foi igualmente abalada pela experiência das duas guerras mundiais e

pela mudança que elas proporcionaram no campo da filosofia, pondo por terra a

tendência romântica que a acalentara com tanto entusiasmo durante o século 19.A soberba humana (húbris] sofria então um choque de realismo.

Po r conseqüência, no estágio atual dos estudos, a idéia do progresso só

pode ser considerada como uma esperança ou um empenho moral para o futu-ro, não como um princípio diretivo de interpretação historiográfica, apesar de

continuar sendo pano de fundo para muitas concepções filosóficas e científicas.

Suas esperanças e suas promessas foram em parte assumidas pela idéia do,desen-volvimento.

A té as primeiras décadas do século 20, a promoção do progresso esteve,

mormente, a cargo das forças da economia de mercado sob o comando teórico da

economia política. O século 19 foi o tempo em que a filosofia e a prática do libe-

, ralismo tiveram sua expressão áurea. Naquela época, o Estado praticamente não

(j • tinha um papel a exercer em relação à economia. Administração da Justiça, di-\O plomacia e, incipientemente, educação constituíam seus encargos essenciais. Não

24 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epis em o lógicas e modelos de análise

existia uma política de progresso nos moldes das políticas de desenvolvimento

de hoje, muito embora a tradição luso-brasileíra tivesse consagrado certo tipo de

dirigismo estatal à economia. Sem a presença ou a iniciativa do Estado, regulandopoliticamente a economia, não havia política pública para estabelecer contornos e

condicionar as ações econômicas, que dependiam, pois, quase exclusivamente de

um mercado auto-regulado.

Para poder funcionar, o mercado como expressão econômica da esfera pri-

vada dependia da liberdade dos indivíduos, também conhecida como liberdade

negativa (BERLIN, 1981; SKINNER, 2002). O chamado Estado mínimo garan-

tia ao indivíduo plena liberdade de iniciativa em todos os campos de ação, pois o

Estado não interferia ou interpunha entraves em seu caminho, na forma de leise regulamentações ou políticas governamentais ou públicas. Em grande parte do

mundo ocidental, essa era a regra do jogo que sustentava o arcabouço de mercado

no século 19 - O tamanho da liberdade individual era diretamente proporcional

ao tamanho da esfera privada e vice-versa. Quanto maior era o espaço privado,

menor era a ingerência do Estado sobre sua atuação e vice-versa. Num contexto

tão favorável, os negócios privados floresciam em plena liberdade.

Mas a liberdade quase absoluta dos indivíduos trouxe problemas, por des-considerar as dimensões comunaisda vida humana, com seus problemas e soluções

pela via política. Por isso, no contrato social que prevaleceu no século 20, a líber-r i * - » — — ™ — ™ — .dade individual foi reduzida na proporção do poder exercido pela comunidadepolítica para estabelecer leis e impor limites às atividades individuais, sobretudo

no campo econômico. Cresceu então o papel do Estado e diminuiu a importância

do mercado auto-regulado na regra do jogo da vida humana associada.

Quando o mercado como força quase exclusiva de condução da econo-

mi a entrou em crise, no período entre as duas guerras mundiais, os Estados e os

mercados passaram a promover em conjunto o desenvolvimento das sociedades.

A ação política dos governos, no campo da economia, chamada pelos liberais de

intervenção, veio a se expressar de duas formas: (1) como ação reguladora, pelacriação de leis que imprimiam direcionamentos específicos de ordem política àsiniciativas econômicas; e (2) pela participação direta do Estado na economia, com

runção empresarial, como, por exemplo, na criação e na administração de empre-

sas estatais. E então que aparecem as assim chamadas políticas governamentais,

mais tarde melhor entendidas como políticas públicas.

Até quase a metade do século 20, não se usava no Brasil o conceito ins-

titucional abrangente e integrador de desenvolvimento, em suas acepções hoje

familiares de desenvolvimento político, econômico, social, sustentável, humano

etc. As grandes iniciativas, que posteriormente seriam conhecidas como progra-mas ou como projetos de desenvolvimento, eram até essa época tratadas em seus

Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento * 25

 

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méritos próprios e de forma circunscrita. O esforço de industrialização, por exem-pio, não fazia parte de um projeto de dejeJiyolvimento integrado^ qu e levasse emconta outras preocupações sociais, como educação, saúde, meio ambiente. E raum projeto setorial que em boa parte se esgotava em si mesmo e se norteava po rum a noção ainda forte de progresso, embora um tanto difusa e sem uma diretrizbe m definida.

Na década de 1930, quando a Grande Depressão foi enfrentada nos EUA

com o New Deal (Novo Pacto) do presidente Franklin D. Roosevelt, no Brasiliniciou-se um período de regulação da economia, sobretudo com a criação das

leis trabalhistas, destinadas a regulamentar as relações de trabalho, no início deum novo processo de desenvolvimento, calcado fortemente sobre a indústria de

transformação.Mas a idéia propriamente dita do desenvolvimento só foi semeada e culti-

vada por projeto político no Brasil após a II Guerra Mundial. Em 1955, chegoua ser criado, no Ministério da Educação e Cultura, um think tank chamado Ins-tituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), com o propósito de introduzir no

país a ideologia do desenvolvimento. O polêmico instituto deu origem à correntepolítico-ídeológica do nacional-desenvolvimentismo. Dele participaram grandesnomes da intelectualidade brasileira de então, como Alberto Guerreiro Ramos,Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Hélio Jaguaribe, Nelson Werneck Sodré e

Roland Corbisier (TOLEDO, 1982). O Iseb teve suas portas cerradas em 1964,ma s suas idéias ainda continuam vivas entre alguns grupos de estudiosos e formu-ladores de políticas no país.

Durante as décadas subseqüentes, os países foram classificados, po r indi-\ cadores de desenvolvimento, em países desenvolvidos, subdesenvolvidos e países

em desenvolvimento. O grau de industrialização era quase sinônimo do grau de

desenvolvimento. Estes termos tentavam descrever principalmente o status eco-nômico de cada país e suscitavam expectativas auspiciosas de evolução social, à

semelhança do que inspirara a velha idéia do progresso. O ideal era ser desenvol-vido e manter-se nesse patamar sociopolítico. Os principais indicadores eram denatureza econômica. Desenvolver um país significava, e ainda significa, basica-mente, implantar um a economia de mercado qu e inclua, se não a totalidade, pelomenos a maior parte de seus cidadãos.

Embora houvessem debates isolados, entre os cientistas sociais, sobre ostipos de desenvolvimento, esta não era geralmente um a preocupação central da ssociedades, dos governos e de seus estudiosos em geral. Ser ou nã o ser desenvol-vido era o que contava. De um significado origínariamente genérico e neutro, apalavra "desenvolvimento" assumiu rapidamente a conotação de um estado posi-tivo e desejável. Era o que passou a importar.

26 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

N a prática, os países industrialmente avançados passaram a representarmodelos qu e foram seguidos pelos demais, sobretudo pelo efeito demonstração.Os subdesenvolvidos olhavam para os desenvolvidos e deixavam-se fascinar po rsuas conquistas, desejando emulá-los. Tinham dificuldades para resistir à tentaçãode copiá-los e para tentar seu próprio projeto, segundo possibilidades objetivasqu e melhor lhes servissem.

Entretanto, as conseqüências perversas, não previstas ne m desejadas pe -

los paladinos do ideal desenvolvímentista, levaram os pesquisadores a estudar aspremissas que sustentavam seus modelos. Só os efeitos negativos do desenvolvi-

\ mento passado levaram os estudiosos a pensar que a noção do desenvolvimentol sem qualificações já não era satisfatória. Hoje se pergunta: "Que desenvolvimento

:$ ] queremos?" E é longa a lista do s adjetivos empregados para descrever o desen-;volvimento desejado e desejável: político, econômico, social, sustentável, justo,inclusivo, humano, harmônico, cultural, material, etc. Alguns do s adjetivos refe-rem-se ao desenvolvimento em seu sentido integral; outros, ao desenvolvimentode certos setores ou aspectos da totalidade.

Po r outra parte, at é alguns países desenvolvidos hoje já não se sen-te m muito felizes e repensam seus modelos de desenvolvimento. A s crises

avolumam-se cada vez mais e criam perplexidade. Muitos cidadãos de paí-ses desenvolvidos chegam mesmo a invejar certos traços culturais de paísessubdesenvolvidos. Se u desenvolvimento é apenas material e, portanto, nessamedida, insatisfatório.

Para chegar ao desenvolvimento, principalmente a um desenvolvimentosatisfatório à maioria de seus cidadãos, não basta que o país subdesenvolvido

busque inspiração no s países desenvolvidos. Esta estratégia fo i muito seguida eestimulada no passado, mas provou-se inadequada, como esclarece, por exemplo,o estudo de Guerreiro Ramos (1970) a respeito da s teorias de modernização, pu -blicado neste volume. O esgotamento do sistema econômico vigente e os novosvalores, como a preservação do meio ambiente natural e a prática da redução

sociológica (RAMOS, 1958), com o correspondente respeito à natureza e à cul-tura autóctone e suas potencialidades, são fatores essenciais para um a política dedesenvolvimento sensível as possibilidades e aos interesses primordiais da huma-nidade em geral e de cada povo ou nação em particular.

Após a derrocada do socialismo real, apareceram outras designações pararotular os países em sua relação com os demais. O Brasil, por exemplo, é hoje com

freqüência referido, ao lado de alguns outros, como país emergente. E le estariase aproximando da porta de entrada do clube das nações desenvolvidas. O novoqualificativo, porém, em essência nã o muda a noção que tem caracterizado o Bra-su como um país em desenvolvimento durante os últimos cinqüenta anos.

Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento « 27

 

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Enquanto o velho progresso dependia das forças de mercado para se con-I sumar, o desenvolvimento é levado a termo pela iniciativa conjunta do Estado e

do mercado. O Estado é um agente unitário que atua em prol dos interesses de

um corpo político coletivo, a cidadania brasileira.O mercado é um agente "plu-

ral", cujos membros tomam decisões e agem po r moto individual, levados peloauto-interesse. O grau de participação de cada um desses agentes depende de cadarealidade social e do seu momento histórico. Em vez de auto-reguíado, o mercado

é hoje politicamente regulado.

Da política àspolíticas públicas

E m termos político-administrativos, o desenvolvimento de uma sociedaderesulta de decisões formuladas e implementadas pelos governos dos Estados na-

cionais, subnacionais e supranacionais em conjunto com as demais forças vivas da

v sociedade, sobretudo as forças de mercado em seu sentido lato. Em seu conjunto,/] essas decisões e ações de governo e de outros atores sociais constituem o que se' ; conhece com o nome genérico az políticas públ icas .

A expressão "política pública" (no inglês, public policy] causa espécie emlíngua portuguesa. Por que seria necessário reassegurar o caráter público a uma

palavra derivada de polis, o Estado helênico clássico? A própria palavra "política",por si só, já suscita um mundo de discordâncias no diálogo e nos debates entreas pessoas. Po r isso, cabe fazer aqui um pequeno esclarecimento para tentar com-preender e superar a poüssemia; isto é, torna-se necessário discernir as principaissignificações atribuídas ao termo "política". Só então se pode firmar a noção depolítica pública.

Entre os estudiosos, o termo "política" encerra várias acepções claramentediferenciáveis e retratadas em distintas obras de referência, como no Dicionário depolít ica, de Norberto Bobbio (1986c), ou no livro Understanãing publicpolicy, deThomas R. Dye (2005), entre tantas outras. Eis, a seguir, algumas definições.

De acordo com uma primeira categoria, a política engloba tudo o que diz

respeito à vida coletiva das pessoas em sociedade e e m suas organizações. N a fraseclássica de Aristóteles, "o homem é um animal político", um ser político por na-tureza. N as relações sociais, as pessoas influenciam e deixam-se influenciar umasàs outras. Entretanto , a natureza "política" do homem, na verdade, caracterizaapenas um a dimensão do ser humano e não sua totalidade, como sugere absolutae perigosamente o termo "natureza", ou o verbo "ser" constante na sentença aris-totélica. Independentemente de seu valor prático e operacional, todo reducíonís-mo conceituai contém em si um vírus de destruição.

28 * Políticas públicas e desenvolvimento; bases epistemológicas e modelos de análise

E m segundo lugar, a política trata do conjunto de processos, métodos e

expedientes usados po r indivíduos ou grupos de interesse para influenciar, con-quistar e manter poder. A conjuntura prevalece sobre a estrutura. Em vez de Aris-tóteles, é Maquiavel a figura emblemática nesta acepção. "Entrar na política" eno "submundo da política" são expressões que traduzem esse sentido. Quando

predomina esse significado, por sua vez, os interesses conjunturais, particulares,podem comprometer, se não corromper, as instituições comuns.

A política, em terceiro lugar, é também a arte de governar e realizar o bempúblico. Nesse sentido, ela é o ramo da ética qu e trata do organismo social comoum a totalidade e não apenas das pessoas como entidades individuais. Por isso,o "desenvolvimento" como um alvo a ser perseguido deve se r qualificado pararepresentar de fato um "bem público"; um processo de desenvolvimento que cris-taliza desigualdades sociais, ou que destrói a natureza, po r exemplo, nã o será vistocomo um "bem público". Desenvolve-se o que, para quem, com que benefício e

a qu e custo? Que dimensões do ser humano são satisfeitas po r ele?Em sua acepção mais operacional, a política é entendida como ações,

práticas, diretrizes políticas, fundadas em leis e empreendidas como funções deEstado por um governo, para resolver questões gerais e específicasda sociedade.

Nesse sentido, o Estado passa a exercer uma presença mais prática e direta nasociedade, sobretudo por meio do uso do planejamento, que pressupõe políti-cas previamente definidas tanto de alcance geral ou "horizontal" (por exemplo,política econômica), como de alcance ou impacto "setorial" (por exemplo, po-

lítica de saúde).A política é concebida, finalmente, como a teoria política ou o conheci-

mento do s fenômenos ligados à regulamentação e ao controle da vida humanaem sociedade, como também à organização, ao ordenamento e à administraçãodas jurisdiçõespolítico-admínistrativas (nações, estados, municípios ou distritosespecializados). Nesse sentido, ela estuda e sistematiza o "fato político básico"assim caracterizado e engloba, portanto, todas as acepções anteriores. Estas são

as principais definições encontradas para esta noção tão arredia a delimitaçõesconceituais quanto ao mesmo tempo essencial para a vida comunal.

Depois deste pequeno esquema de distinções, pode-se definir com maispropriedade a expressão "política pública", já iniciada na quarta acepção anterior.M as nesse caso também abundam as divergências.

Para David Easton, a política pública significa "a alocação oficial de valoresPara toda a sociedade" (1953, p. 129). Já H. Lasswell e A. Kaplan definem polí-tica como "um programa projetado com metas, valores e práticas" (Í970, p. 71).

^- rriedrich garante que "é essencialao conceito de política que contenha umameta, objetivo ou propósito" (1963, p. 70).

Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento • 29

 

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Outra fo rma de definir política pública é desdobrar esta noção geral em

suas partes constitutivas. O cientista político C. O. Jones (1977, p. 4), por exem-

plo, propõe que se considere a distinção entre as várias propostas de políticas

(meios especificados para atingir as metas), os programas (meios autorizados para

atingir as metas), as decisões (ações específicas assumidas para implementar as

metas) e os efeitos (os impactos mensuráveis dos programas).

De acordo com H. Eulau e K. Prewitt, "define-se a política como uma 'de-

cisão existente', caracterizada por consistência e repetitividade comportamentaltanto de quem a formula quanto também de quem a cumpre" (1973, p. 465).

f Entretanto, para o cientista político Thomas R. Dye, "a política pública é

j tudo o que os governos decidem fazer ou deixar de fazer" (2005, p. 1). Segundo

l ele, portanto, as definições anteriores seriam insatisfatórias, já que seus termos

não se verificam empiricamente na prática político-administrativa.

A definição de Dye, efetivamente, é de ordem descritiva e tem um sentido

de conformidade com o que se pode observar na prática. É por isso que ele incluí

a inação como uma política, embora ela seja de natureza negativa; a ausência de

ações em relação a uma questão traduz a decisão de nada se fazer em relação a

ela ou a própria inação como fato objetivo. As definições anteriores, porém, são

mais parciais que a de Dye e refletem, sobretudo, um estado de coisas de caráterprescritivo. Se o resultado que implicam não se verifica, então não há política. De

resto, as duas visões implicam mais ou menos a mesma avaliação.

Mais recentemente, surgiram referências a "políticas de Estado" em lugar

de políticas públicas ou governamentais. Elas teriam caráter particularmente es-

tável e inflexível e obrigariam todos os governos de um Estado em particular a

implementá-las, independentemente dos mandatos que os eleitores lhes confias-

sem, em momentos históricos distintos. Na prática, a noção de política de Estado

difere pouco do conceito de política pública, pois se limita aos valores consa-

grados na Constituição. Afinal, governos democráticos não disputam princípios

constitucionais, que se presumem universais; simplesmente, cumprem-nos.

A expressão "políticas sociais" refere-se às políticas consideradas do pontol_f , n — i i i • . i •^^*H- i r

de vista setorial, ou de uma questão pública em particular da sociedade. Entre elas

se incluem as de educação, saúde, transportes, entre tantas mais.

Para o leitor de língua portuguesa, se faz mister ressalvar que a definiçãode política pública incluí ao mesmo tempo dois elementos-chave, a saber: a^Óo^in tenção. Pode até haver uma poiítica sem uma intenção formalmente manifes-tada, mas não haverá de forma alguma uma política positiva se não houver ações

que materializem uma intenção ou propósito oficial eventualmente enunciado.

Portanto, não há política pública sem ação, ressalvando-se, obviamente, as even-

tuais políticas deliberadamente omissivas prefiguradas por Dye. Sua formalização

30 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistcmológicas e modelos de análise

favorece a comunicação, o entendimento entre governo e cidadania e se coloca

como base de referência. Mas boas intenções e discursos formais podem ser ape-

nas floreios, que são, em essência, dispensáveis.

Da administração públicaà gestão de políticas públicas

A administração pública no Brasil, por um lado, caracteriza-se em boa par-te por um processo de caráter eminentemente formal e também patrimonialista.

Tem sua base de operação na instituição da "repartição pública". Nessa concepção,

prevalece o império dos meios e do seu administrador, o funcionário público. É o

reino da burocracia pública, de intensa apropriação corporativa e política, e pou-

co sensível à cidadania. A contribuição do governo, assim entendida, à sociedade

praticamente se esgota com o gerenciamento de sua estrutura administrativa.

Por outra parte, desde a década de 1950, uma outra visão veio se incorporar

ao quadro brasileiro da administração pública. Em vez da preocupação exclusiva

com a gestão da "máquina administrativa", emergeo foco nas políticas de governo

a serem geridas com o concurso da estrutura administrativa estabelecida para resol-

ve r ou, pelo menos, minorar os problemas sociais, global ou setorialmente especi-ficados. Segundo a nova perspectiva, as repartições públicas são concebidas como

um meio logístico para operar a prestação dos serviços preconizados nas, políticas

eleitas; as repartições passam a ser vistas como prestadoras de serviços. Usando-se

a imagem do trem, o foco de atenção principal passa a ser o carregamento, e não

mais o comboio; este último é apenas seuveículo de transporte e como tal deve ser

tratado. Esta é a perspectiva da política governamental, que dá ênfase secundária

à estrutura formal ou funcional, para preocupar-se precipuamente com o alívio

das carências sociais, implementando programas de governo. Pode-se dizer que a

segunda ênfase cobra maior preocupação com a eficácia sociaJjip governo.

A perspectiva de política pública vai além da perspectiva de políticas go-

vernamentais, na medida em que o governo, com sua estrutura administrativa,

não é a única instituição a servir à comunidade política, isto é, a promover "polí-

ticas públicas". Uma associação de moradores, por exemplo, pode perfeitamente

realizar um "serviço público local", movida por seu senso de bem comum e sem

contar com o auxílio de uma instância governamental superior ou distante. Ou-

fras entidades, como as organizações não governamentais (ONGs), as empresas

concessionárias e as associações diversas da sociedade também se incluem entre

°s agentes de políticas públicas, em toda parte. Terceiro setor é o nome dado hojeao esforço de produção do bem público por agentes não governamentais, mas ao

mesmo tempo distinto do setor empresarial de mercado.

Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento "31

 

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Além disso, a crescente conscientização sobre a função social do capital(econômico) transforma o próprio empresário ou o executivo da empresa priva-da em agente de políticas públicas, sobretudo por força de sua responsabilidadesocial e da necessária produtividade dos recursos e dos sistemas produtivos queprivativamente administra. Quando está em jogo a própria sustentabilidade do

meio ambiente natural, a postura do empresário torna-se ainda mais crítica, poisnão faz sentido algum que os ganhos do processo econômico ponham a perder

a própria base de sustentação da empresa e da sociedade. Afinal, as empresasnão são tolas nem santas. Elas têm um papel legítimo na sociedade e devem ser

coerentes com ele. Enfim, quem não estaria a serviço, ou desserviço, de algumapolítica pública?

Agência necessária

Quanto ao ator governo, em particular, o objetivo último da reconcei-tuação e do novo design da administração públ ica é ensejar que os serviçosrequeridos pelos cidadãos lhes sejam prestados por sensibilidade e por corres-

pondência a seus mais legítimos anseios. É essa a diferença principal entre aadministração pública passada e a administração que a cidadania de hoje estáa reclamar.

Embora, na aurora do século 21, a fé na instituição governamental estejaem baixa em todo o mundo, os governos jam ais irão desaparecer; em seu sentidoestrito, ou residual, eles resistirão. Eles apenas mudam sua configuração, seu papele/ou sua dimensão na sociedade, aumentando ou diminuindo suas atribuições.Não há sociedade sem governo, apesar dos sonhos dos anarquistas, que, por sinal,andam meio desaparecidos. Quiçá vítimas do sonho e das experiências estatizan-tes, quando não totalitárias, do século 20!

Há boas razoes para o cidadão preocupar-se com a instituição governo.

Pelo menos três destacam-se hoje, no caso brasileiro: (1) o mercado não substituio Estado, e os dois precisam um governo societário; (2) as atribuições pertinentesa uma governança societária estão crescendo; (3) os cidadãos-contribuintes que-rem melhor desempenho do que estão recebendo em troca dos elevados impostosque estão pagando.

O "sistema de mercado" nasceu com a pretensão de representar um arranjoalternativo para a condução política da sociedade, anco rado na ciência da economiapolítica. Seu modelo de hom em era o hom o economicus, e seu postulado primordialera o individualismo, conforme preconizou Adam Smith, ao advogar o princípioda "mão invisível". Desde a década de 1930 do século 20, porém, a economia de

32 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epis emo ógicas e modelos de análise

mercado perdeu força como u ma filosofia pública de condução da sociedade, aindaque sua mentalidade não tenha esmorecido (POLANYI, 1947).

N a verdade, quando se fala em "sistema de mercado", nos dias de hoje, oque de fato se subente nde é um sistema de oligopólios e monopólios, ou "sistemade planejamento" dos grandes capitais, como diria J. K. Galbraíth (1988). Emboradeixando de lado as diferentes concepções com que se define mercado, cabe aquiafirmar que o esforço de governo de uma comunidade política pode contar co m

um sistema de mercado qu e seja poli t icamente regulado para organizar e adminis-trar sua economia, uma vez que os problemas de natureza comum em geral nãoapetecem aos agentes de um sistema que depende de compensações de base indi-vidualística pa ra funcionar, como é o caso do sistema de mercado auto-regulado.

E m segundo lugar, preocupações de caráter comunal, que são funções tí-picas de governo, estão tomando dimensões assombrosas e angustiantes. Entre osproblemas enfrentados no Brasil, em particular, pode-se incluir hoje: a educaçãodemocrática da cidadania, a proteção ao patrimônio natural, a função social do

capital econômico, a defesa da dignidade humana na "sociedade de mercado" e

no ambiente de trabalho, as profundas Desigualdades socioeconômicas. Se não aprodução, ou a administração, de uma forma direta, pelo menos a regulamenta-

ção e a fiscalização dessas qu estões são atribuições de um governo societário.E, enfim, a questão fiscal. O governo também interessa ao cidadão por

sua performance econômica. Esta é uma questão particularmente vital a explicartodo o movimento por reforma administrativa que hoje domina o mundo. Com

o nome de "administração pública gerencial" (ou newpublic management ) , o que

mais se busca é a eficiência do esforço de governo. Na percepção das sociedades,os governos estão muito caros ou estão prestando serviços em volume e qualidadeinferiores aos justificados pelos custos. Para ser razoável e viável, o governo devefuncionar de acordo com a disposição e a capacidade de financiamento dos cida-dãos-contribuintes. No caso do Brasil, a dívida pública alcança hoje proporçõesdramáticas.

Por-essas e outras razões, o desafio da administração pública torna-se cadave z mais ingente e requer maior empenho dos estudiosos e dos profissionais daárea para aàr^llíe a resposta cobrada. O t aman ho do Estado está diminuindo, mas

o trabalho de administrá-lo está aumentando. Para contar com os serviços públi-cos de que precisa, a sociedade já não pode m ais depender apenas de um governoentendido e definido em termos estritos e tradicionais; outros atores, sobretudo^f^prg^as^organízacões não governamentais em geral, devem tomar a iniciativae assumir funções de governança paraTesolver os problemas de natureza comum,ainda que sob a coordenação imprescindível de um governo (co-produção dobe m público).

Do sonho do progresso às políticas de desenvolvimento • 33

 

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Processo depolíticaspúblicas

O ciclo conceituai das políticas públicas compreende pelo menos quatro

etapas: a primeira refere-se às decisões políticas tomadas para resolver proble-

mas sociais previamente estudados. Depois de formuladas, as políticas decididas

precisam ser implementadas, pois sem ações elas não passam de boas intenções.

Numa terceira etapa, procura-se verificar se as partes interessadasnuma política

foram satisfeitas em suas demandas. E, enfim, as políticas devem ser avaliadas,com vistas a sua continuidade, aperfeiçoamento, reformulaçãoou, simplesmente,

descontinuidade.

Em primeiro lugar, como dito anteriormente, só existem políticas se exis-tem ações, decisões. Todos os dias são tomadas, em todo o mundo, decisões po-

líticas, ou político-administrativas, que vinculam as coletividades humanas em

cujo nome são assumidas. Estas não são decisões individuais, no sentido de que

seriam tomadas por mera disposição individual, sem respeito a regras de formula-

ção. As decisões políticas refletem em maior ou menor grau a teoria das decisões

coletivas, núcleo da moderna teoria da democracia (BOBEIO, 1986c).

Os modelos referenciais pelos quais se pautam os formuladores de decisão

incluem abordagens de tipo institucional, racional, incrementai, ou outras inspi-radas em processos, grupos, elites, jogos, opção pública (public choice). Em grande

parte, as decisões ocorrem em contextos organizacionais, pois o entendimento

adequado da estratégia organizacional implica que a organização seja um instru-

mento a serviço da sociedade. A organização não tem sentido se for vista e tratada

de forma dissociada da sociedade à qual deve servir. A título de ilustração, um ma-

peamento das principais fó rmulas para a tomada de decisão pode ser encontrado

em Dye (2005). As decisões tomadas e implementadas nas organizações integram

a formulação geral de políticas públicas da respectiva unidade político-adminis-

itrativa. O bem público que dá substrato à maior parte das decisões é o desenvoí-

[vimento da sociedade em suas diversas definições e dimensões sociopolíticas.

Várias teorias ou conjuntos de teorias de decisão têm sido elaborados epropostos por estudiosos dos processos decisórios. Por exemplo, Allison e Zelikov

(1999) conceberam uma tipologia de três modelos para explicar as decisões toma-

das em relação à crise dos mísseis de Cuba, acontecida em outubro de 1962, entre

a então URSS e os EUA. Os modelos do "ator racional" (I), do "comportamento

organizacional" (II) e da "política governamental ou burocrática" (III) permitem ao

analista compreender o evento político a partir de diferentes amplitudes e horizon-

tes de visão. Cada modelo ajuda a montar uma dimensão específica e particular do

quadro inteiro. Mas uma visão mais completa e satisfatória emergirá apenas depois

de uma analise abrangente que se valha de modelos com escopo mais dilatado.

34 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episcemológicas e modelos de análise

Com base no modelo do "ator racional" (modelo I), um analista da cri-

se iniciaria, por exemplo, sua tentativa de explicação da crise com a seguinte

pergunta-chave: "Por que a URSS decidiu instalar mísseis em Cuba?" O antigo

governo soviético seria percebido ou tratado como um ator racional unitário. Os

atos e as decisões desse governo consti tuiriam sua unidade de análise. As metas e

os objetivos do governo seriam seus conceitos focais. O evento estaria explicado

a contento para o analista, nos termos do modelo I, na medida em que ele cons-

tatasse coerência entre as decisões e os atos, por um lado, e as metas ou objetivosdesse governo, por outro.

Apesar de sua grande utilidade, o modelo do ator racional, monolítico, é,

isoladamente, insuficiente para explicar satisfatoriamente o evento da crise dos

mísseis. Segundo a tipologia de Allison e Zelikow, outra fonte de explicação pode

ser encontrada nas organizações governamentais e nos atores políticos. Se recorrer

ao modelo do "comportamento organizacional" (modelo II) para explicar a deci-

são soviética de instalar mísseis no território de Cuba, o analista político poderá

dar prosseguimento a seu exame com a seguinte pergunta-guia: "Que contex-

to e que pressões organizacionais deram origem a esta decisão?" Como unidade

de análise, as decisões e o ato de instalar os mísseis seriam agora vistos como

um "produto organizacional". As características dominantes, os procedimentosoperacionais padrões e os repertórios históricos das organizações soviéticas cons-

tituiriam seus conceitos focais. A decisão de instalar os mísseis (produto organi-

zacional) seria compreendida a partir do padrão de comportamento emergente

desses traços, procedimentos e repertórios das principais organizações soviéticas.

Essas duas abordagens, porém, ainda não são suficientes. Se fizer uso do

modelo III, o analista formulará complementarmente mais uma pergunta direti-

va, nos seguintes termos: "Que resultados de que tipos de negociação e barganha

entre que atores conseguiram tornar críticas as decisões e ações do governo so-

viético?" Como unidade de análise, a decisão de instalar os mísseis seria defini-da como uma "resultante política". As percepções, as motivações, as posições, o

poder e as manobras dos atores políticos envolvidos constituiriam os conceitosde focalizaçáo necessários à identificação de um padrão de inferência. A decisão

estaria explicada quando o analista conseguisse determinar ou descobrir quem fez

o que a quem no processo de formulação da decisão.

Obviamente, essas perguntas sobre o a f f a i r dos mísseis de Cuba também

poderiam ser formuladas, mutatis mutandis, aos respectivos atores do lado norte-

americano da crise.

Como Allison e Zelikow, outros pesquisadores estudaram' o processo de

decisão político-administrativo segundo diferentes níveis de análise. Uma tipo-

logia de interesse particular aqui é a proposta por Etzioní (1967; 1986), que

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também vislum brou três abordagens para a tomada de decisão: uma racionalista,um a incrementalista e uma mista. Os textos contendo o argumento de Etzionifazem parte desse compêndio, o qual também reproduz os artigos de Lindblom eSimon, que são conjuntamente relevantes à sua tipologia.

O método racionalista provém diretamente das entranhas da teoria eco-nômica e do modelo de homem que a informa, isto é, do hom o economicus ,um ser imaginário abstrato que se governa por uma racionalidade calculista

ilimitada. Esse método corresponde ao primeiro elemento da tipologia tríplicede Etzioni.Pelo menos dois scholars de primeira grandeza foram decisivos em seus

internos de operacionalizar o axioma da racionalidade perfeita da teoria econô-mica, reconfigurando-o de algum modo. Simon (1955) concluiu que as decisõesdo mundo real se estribam numa racionalidade funcional limitada. De acordo

co m ele, os indivíduos não buscam decisões racionalmente ótimas, maximizantes,perfeitas, conforme requerem os pressupostos teóricos da ciência econômica; paraSimon, os indivíduos tomam decisões que lhes são satisfatórias, mesmo que elassejam pouc o racionais sob o pon to de vista estritamente econômico.

Outra forma de reagir a esta racionalidade absoluta da s decisões fo i pes-

quisada e proposta por Lindblom (1959; 1979). Segundo ele, os administradoresusam métodos pouco ou nada racionais para tomar decisões. Eles decidem e agemde forma incrementai, com pouco ou nenhum planejamento, organização; nã ose norteiam por algum rumo ou direção, preferindo avançar a esmo ( m m ld lm gthrough) . O método da tomada de decisão de Lindblom tomou mais tarde o nomede incrementalismo e representa a segunda abordagem da tipologia de Etzioni.

As contribuições de Simon e Lindblom sobre o processo decisório continuamatuais e influentes no debate da economia política e da ciência política.

Para superar as percebidas limitações da fórmula racionalista do pensa-

mento econômico ortodoxo e do método incrementalista de Lindblom, Etzio-ni vislumbrou e propôs uma "terceira" abordagem para completar sua tipologia.

Em seu argumento, ele refuta o axioma da racionalidade ilimitada presumidopela teoria econômica, mas também discorda da proposição incrementalista de

Lindblom, sobretudo por julgá-la conservadora; segundo Etzioni, ela não permi-tiria haver mudanças profundas, radicais. Com seu modelo de "sondagem mis-ta" (mixedscanning), Etzioni acredita poder conciliar os processos direcionadoresbásicos da formulação de políticas com os processos incrementais; segundo ele,estes últimos podem "preparar" as decisões fundamentais e pô-las em prática.O argumento de Etzioni, porém, não pareceu merecer a sobrevida que tiveram as

contribuições de Simon e Lindblom, conform e se pode depreender da análise atéagora inédita feita sobre ele por Harwíck, igualmente incluída no volume.

36 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epis emo ógicas e modelos de análise

—^ O segundo estágio do ciclo das políticas públicas diz respeito à imple-mentação. Sem ação, não há política pública. E as organizações de serviço são osprincipais instrumen tos de implementação de políticas. Sem essas estratégias deação, outras teriam de ser inventadas, sob pena de os propósitos oficiais e públicosnão se transformarem em políticas positivas.

A preocupação com a implementação de políticas não tem merecido tan-tos estudos quanto as iniciativas de modelagem teórica para a formulação e paraa avaliação de políticas. Po r muito temp o pre domin ou a visão, inconsciente porcerto, de que as decisões políticas teriam impacto automático, uma vez tomadas.N ão ocorria a idéia de que fosse necessário se preocupar em termos explícitos comsua implementação. A "descoberta" da idéia de que a implementação da s políticasdemandaria um esforço consciente e explícito cobrou um tempo precioso até ven-cer a ingenuidade. Os desafios e as perplexidades que cercam a matéria em partepodem ser encontrados num texto clássico intitulado Implementation (de Press-ma n e Wildawski), cuja 3 a e última edição apareceu em 1984. A literatura sobreimplementação tem hoje três gerações (GOGGIN et ai., 1990). Na exposiçãode Cline et ai. (2000), a primeira baseou-se na metodologia do estudo de caso; asegunda elaborou e testou modelos de análise; e a terceira dedica-se a desenvolver

pesquisa na área de implementação, revisando e sintetizando os modelos analíti-co s propostos. A definição do problema de implementação continua intrigandoos estudiosos, como mostra o estudo de Cline, segundo o qual o problema da im-

plementação de uma política deve ser concebido como um esforço para se obtercooperação entre as pessoas incumbidas de promovê-la, e não meramente comoum desafio gerencial para proporcionar as melhores condições de comunicaçãoentre estas pessoas; a cooperação p ressup õe uma abordag em decisória de naturezaparticipativa e díalógica, e não apenas uma abordagem gerencial de eficácia co -municativa._^-t? Em terceiro lugar, vem a prestação de contas dos gestores de políticas. Para

qu e se conheça o grau de satisfação que uma política está produzindo, incumbe-

lhes verificar o irnoa^ctodo projeto ou do programa específico sobre o públicoalvejado por ele. Os beneficiários-alvos (stakeholãers) de projetos específicos de-vem constituir preocupação central para os gestores de políticas, pois são eles oscredores de satisfação ou de prestação de contas (ETZIONI, 1975). Os própriossistemas de prestação de contas servem para identificar os diversos públicos, ouPartes interessadas, nem sempre tão óbvios, de uma política. Aefic^cia_Ê_a_cjua-^dade_dos_serviços dependem muito da relação direta e transparente entre osprestadores de serviços e os respectivos beneficiários.

(Finjlrriente, o processo de políticas p úblicas estriba-se em informações per-tinentes usadas pelos tomadores de decisão. Decisões e informações caminham

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juntas. Quem delibera precisa de informações pertinentes e relevantes e deixasaber de quais informações precisa. Quem "groduz" informações (pesquisado-

res de avaliação) nem sempre tem clareza ou consciência sobre o uso que terá ainformação gerada por seu empreendimento de pesquisa. Os sistemas de toma-da de decisão e os sistemas de avaliação se co-implicam (SCHNEIDER, 1986).A iniciativa de realizar pesquisa de avaliação decorre em grande parte das in-

formações demandadas pelos tomadores de decisão. E o sistema de tomada de

decisão, por sua vez, depende de informações relevantes e sólidas para qu e tenhaeficácia em seu empreendimento.Na prática, essa relação de mútua dependência

entre o conselho deliberativo e a pesquisade avaliação ainda tem um vasto campode crescimento a percorrer.

A título de conclusão, constata-seque o pensamento e a experiênciade de-

senvolvimento no último século desfiguraram a expressão românticado sonho de

progresso reinante nos séculos anteriores.As administrações públicas dos paísesdesenvolvidos e dos que aspiram ao desenvolvimento devem muito de sua subs-tância e naturezaao velho sonho de progresso, um sonho de fundo democratlzan-

te, pois o progresso seria a forma de promover a redenção da s grandes camadassociais excluídas do bem viver. Diferentemente do mito do progresso, o conceito

de desenvolvimento permiteoperacionalízaçáo por meio de políticas públicasde-cididas pelo conjunto do s atores sociais. Cabe elaborá-las, implementá-lase ava-liá-las para preencherem sua função no mundo concreto do aqui e agora.

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A modernização em nova perspectiva:

em busca do modelo dapossibilidade* 2Alberto GuerreiroRamos

University of Southern Califórnia

Não vos inquieteis,pois, pelo dia de Amanhã, porque o dia, de

amanhã cuidará de si mesmo. (Sermão da Montanha)

C'est 1'erreur de Ia philosophie contemporaine â'avoir confondu neces-

site et déterminisme... (Emile Boutroux)

... sociology ... shoulã l ook , not indeed for its Newton or Darwin, but

mtherfor its Gali leo, or its Pasteur. (Karl R. Popper)

Nos últimos vinte anos, a sociologia teve, nos Estados Unidos, um enorme

progresso; na verdade, o pensamento sociológico nos Estados Unidos atin-giu um momento áureo. Parece-me que um dos principais indícios dessa

transformação é o fato de que a sociologia norte-americana se libertou em grandeparte do jeducionismo. A té recentemente, esse país caracterizava-se por uma grave

fraqueza: grandemente influenciado por uma orientação reducíonista, co m freqüên-

cia favorecia dogmaticamente o fator psicológico ou outro aspecto parcial da reali-dade social. O reducionismo, como enfoque que tende a explicar a realidade social

mediante somente uma de suas partes, está hoje superado, e a ciência social norte-americana assimilou o conceito de totalidade.

Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

O presente trabalho foisubmetido pelo professor A. Guerreiro Ramos para publicação nosAnais

da 45 a Sessãodo Instituto de Assuntos Mundiais, da Universidade do Sul da Califórnia (USC),que teve lugar entre 26 e 28 de março de 1967. A Revista de Administração Púb l ica (RAP), daFundação Getúlio Vargas, publicou-o, em competente tradução de Hugo Wahrlich, no 2B se-mestre de 1967, p. 7-42; a mesma revista RAP republicou a versão de 1967, em seu número l,de 1983, p. 5-30. Em 1970, porém, o autor submetera à publicação uma versão mais elaboradadesse artigo, qu e apareceu no livro Devehping nations: quest or a moãel, organizado por W! A.B e l inge G. O.Totten (Princeton, N, J.: D. Von Nostrand, 1970. p. 21-59). É esca versão revista

 

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Esse conceito de totalidade tem origem na Europa. Surgindo como cate-

goria lógica na doutrina de Hegel, continua tendo um significado bastante lógico

não somente entre os marxistas, apesar do "materialismo histórico" de Marx, mas

igualmente entre muitos cientistas sociais europeus contemporâneos. Entretan-

to, nos EUA o conceito de totalidade foi, por assim dizer, operacionalizado -

e isso representa um progresso científico muito importante — , estabelecendo-se

correntes com as designações de: "teoriade sistemas" (Merton, Parsons, Easton,

Almond, Katz e Kahn, etc.), "cibernética" (KarfDeiitsch e outros) e "teoria geral

de sistemas" (Kenneth Boulding e outros). Mas esse avanço, no que se refere a

totalíciãclè", estará ameaçado, a menos que seja expurgado dos resíduos de um

evolucionismo metafísico do século 19.

No presente artigo, ocupar-me-ei dessa ambivalência na ciência social nor-

te-americana, focalizando um dos principais tópicos contemporâneos, a teoria damodernização.

TeoriaN c Teoria P

O atual estágio dos estudos sobre modernização é significativo e estimu-

lante, do ponto de vista acadêmico, mais pelas questões que têm sido suscitadas

do que por causa das clarificações e das soluções oferecidas. Para começar, não há

que agora é apresentada pela primeira vez ao público de língua portuguesa. O presente texto

diferencia-se da edição de 1967, nos seguintes termos: Nas seções 5, 6 e 7, foram acrescentados

cinco parágrafos em que o autor , respectivamente: (1) atribui o sucesso do parsonianismo à

exagerada institucionalização dessa corrente no meio acadêmico das ciências sociais; (2) exclui

o incrementalismo, de Braybrooke e Lindblom, e prefere assumir o contextualismo dialético

"como expressão mais apropriada de uma forma possível... de superar o enfoque sinóptico"

de compreensão da realidade; (3) caracteriza e rebate a "armadilha cognitiva" da nação como

í referência teórica para tratar de modernização; (4) sugere, com base no efeito demonstração,o surgimento de uma ética mundial contrária à tolerância com a pobreza, num mundo de

' abundância; e (5) concebe como instável, no contexto da teoria da dependência, o arranjo deequilíbrio entre as nações; esta instabilidade torna possível que um país hegemônico, num dado

momento histórico, possa deslocar-se para a área periférica, e outro possa assumir a área central.

e vice-versa. Além desses aperfeiçoamentos em relação ao texto publicado em 1967, encontram-

se cinco notas substanciais, quase inteiramente inéditas, na edição de 1970 (notas n. 20, 60,

81, 82 e 88), as duas primeiras sendo extensões de notas anteriores. Talvez, deva-se destacar,portanto, que, em termos de conteúdo teórico, a principal diferença constatadaseja o abandono

do incrementalismo, em favor do contextualismo dialético, como forma de superar as limitaçõesdo modelo sinóptico, mais tarde conhecido como modelo racional, de decisão.

Embora seja um nome estabelecido na antologiado s pesquisadores brasileiros, AlbertoGuerreiroRamos merece ser mais be m conhecido pelas novas gerações e at e po r aqueles qu e nã o tiveram

42 " Políticas pú blicas e desenvolvimento: bases epistemológicaS e modelos de análise

uma noção clara sobre o conceito de modernização. A maioria dos autores evita

enfrentar a tarefa de dar-lhe uma definição. A compreensão do fenômeno da mo-

dernização é muitas vezes presumida gratuitamente, e, partindo dessa premissa,

os autores têm se estendido largamente sobre a matéria. Entretanto, ao examinar

esses trabalhos, verificamos que eles podem ser situados num continuum, cujos

pólos designei, aqui, por Teoria Ne Teoria P.O postulado principal daJeoria N, no que tange à modernização, é que exis-

te uma lei^denecessidadehisrórica que compele toda sociedade a procurar alcançar3 estágio em que se encontram as chamadas sociedades desenvolvidas ou moderni-

zadas. Essas sociedades representam, para as assim chamadas sociedades "em desen-

volvimento", a imagem do futuro destas. Como conseqüência desse modo de ver,

os autores filiados à Teoria N apontam dicotomias, como "nações desenvolvidas

versus nações em desenvolvimento" e sociedades "paradigmáticas" versas sociedades

"seguidoras". Freqüentemente, os que falam em "obstáculos ao desenvolvimento"

ou "pré-requisitos da modernização" estão condicionados pelos postulados deter-

minísticos da Teoria T V , por um arquétipo rígido de modernização, mais ou menos

identificado com o estágio atual da Europa Ocidental ou dos Estados Unidos.

ATeoriaP, no entanto, apresenta duas características principais, relativa-

mente à modernização: 1) pressupõe que a "modernidade" não está localizadaprecisamente em algum lugar do mundo; que o processo de modernização não

tem de se orientar segundo algum arquétipo platônico; e 2) sustenta que toda

nação, qualquer que seja sua configuração atual, sempre terá possibilidades pró-prias de modernização, cuja efetivação pode ser perturbada""f>ela sobreposição

de um mod^cTnormativo rígido, estranho a suas possibilidades.

a oportunidade de conhecê-lo melhor no passado. Nascido em Santo Amaro da Purificação, es-

tado da Bahia, em 1915, Ramos formou-se em direito e sociologia, trabalhou no Depattamento

de Administração do Serviço Público (Dasp) e na Fundação Getúlio Vargas, Escola Brasileira de

Administração Pública (Ebap), como pesquisador e professor e integrou com outros expoentesda épocao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). Em 1966,viu-se forçado a deixar o

país, depois de ter perdido o mandato de deputado federal e os direitos políticos. Viveu o resto

de seus dias, até abril de 1982, na cidade de Los Angeles, região sul do Estado da Califórnia,

EUA, onde deu continuidade a seu trabalho de pesquisa e docência, na Escola de Administração

Pública da Uníversíty of Southern Califórnia (USC). Após a anistia, voltou momentaneamen-

te ao Brasil, em 1980 e 1981, para emprestar seu apoio e prestígio ao nascente programa de

mestrado em Planejamento Governamental (CPGA/UFSC), em Florianópolis. Entre suas nu-

merosíssimas contribuições acadêmicas, quer em forma de livros ou de artigos, destacam-se a

Redução sociológica, Adminis tração e contexto brasileiro e A nova ciência das organizações: um areconceituaçáo da riqueza da nações. Sua obra, de extraordinária acuidade e relevância para o seutempo, continua a ser de extrema importância e surpreendente atualidade também em nossosdias, como demonstra, por exemplo, o presente trabalho.

A modernização em nova perspectiva:em busca do modelo da possibilidade • 43

 

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As seguintes afirmações, de autores diferentes, têm estreita relação com aTeoria N:

Num mundo marcado por graus de atraso, o estudo comparativo da moderni-

zação tem que se preocupar com a sociedade paradigmática, que se torna o focode atenção da sociedade seguidora...1

Esta divisão do mundo em sociedades adiantadas e sociedades seguidorasconstitui um dos elementos básicos da definição de modernização.2

Considero modernizado o sistema que se aproxima do tipo de sistema vi-

gente nas modern as sociedades ocidentais, tomando, ao arbítrio, os EUA comoo extremo até hoje atingido nesse particular.3

Historicamente, modernização é o processo de mudança no sentido dos

tipos de sistemas sociais, econômicos e políticos que se desenvolveram na Eu-

ropa Ocidental e na América do Norte, entre os séculos 18 e 19, e que depois

se estenderam a outros países europeus, bem como, nos séculos 19 e 20, aos

continentes da América do Sul, Ásia e África.4

E bem verdade qu e estas citações nã o fazem inteira justiça ao pensa-mento dos autores. Se lermos os art igos de Bend ix e Levy, ou "Modernização:protesto e mudança", de Eisenstadt, observa-se que esses autores professamalgumas idéias pertinentes à Teoria P . Isso ocorre com quase todos os que,aqui nos Estados Unidos, escreveram a respeito de mode rnização. Evidencia-se, nesse terreno, uma espécie de complexo hamletiano, isto é, uma ambi-

valência metodológica. Encontramos a Teoria P embrionar iamente presenteno s trabalhos de maior profundidade publicados nos Estados Unidos sobremodernização. Somente poucos autores, porém, tais como C. Wright Mills,Albert O . Hirschman e Alexander Gerschenkrori, entre outros, podem serconsiderados decididamente associados à Teoria P. Ilustraremos concreta-

mente esta observação.E muito pertinente, por exemplo, a seguinte citação, tirada de um ensaiode Mills, apresentado no Brasil nu m simpósio sobre obstáculos ao desenvolvi-mento:

[...] não encontrareis a resposta na Europa histórica nem na América do Nor teou Rússia Soviética contemporâneas. Se pode ser encontrada entre vós, eu não

sei. Talvez seja bom que encontreis obstáculos a essas espécies de desenvolvi-mento. Meu voto é para que liberteis vossas imaginações culturais de todosesses outros modelos [...] e que mediteis livremente sobre o que realmente de-

sejais.5

44 • Políticas públicas edesenvolvimento: bases epistemológicas emodelosde análise

N o mesmo diapasão, temos as seguintes afirmações de Hirschman e Gers-chenkron:

[...] sempre que se enunciou alguma teoria que considerava determinado siste-

ma de valores como pré-requisisto para o desenvolvimento, em geral se pôde

contestá-la eficazmente com base em fatos empíricos: é que comprovadamente

houve desenvolvimento, em algum lugar, sem o auxílio de tal pré-requisito.6

[...] assim como não existe um conjunto certo de pré-requisitos de desen-volvimento econômico, também é impossível definir um número determinado

de características de atraso. O que representa um percalço ao progresso, num

dado cenário e estágio, pode favorecê-lo, em circunstâncias diferentes.'

Bo a parte de nossas cogitações acerca da industrialização dos países atra-

sados édominada - consciente ou nconscientemente - pela grande generaliza-

ção de Marx, segundo a qual é ahistória dos países adiantados ou estabelecidosindustrialmente que traça o caminho do desenvolvimento para os países mais

atrasados... Em vários aspectos muito importantes, o desenvolvimento de um

país atrasado pode, pela própria natureza desse atraso, tender a diferir funda-

mentalmente daquele verificado num país adiantado.8

A fim de m elhor d esenvolver a precisão das ciências sociais em nossos dias,torna-se nec essário explicitar ou articular, tão sistematicam ente quanto possível,o paradigma emergente a que nos referimos anteriormente e está implícito na súltimas transcrições. A essência desse paradigma é a noção de "possibilidade".9

Breve história do modelo de possibilidade

A primeira coisa a dizer quando p rocuramos um modelo de possibilidade

é que tal modelo não obriga a um enfoque indeterminista. Para salvar o deter-minismo - que é essencial à ciência social - de qualquer conotação metafísica,é necessátio compreender que determinismo e liberdade não se contrapõem. Seexcluirmos do critério determinista toda e qualquer margem para a liberdade oupara o papel das decisões ou das escolhas humanas, não teremos mais determ inis-m o, ma s fatalismo. Se afastarmos do processo social suas determinações objetivas,estaremos afirmando implicitamente a ausência de sentido da sociedade em si,ou seja, o niilismo, e, por conseguinte, a impossibilidade de uma ciência social.O determinismo é inconcebível sem liberdade, e a liberdade é inconcebível semlimitações objetivas, isto é, sem determinismo. Determinismo ou liberdade é umfalso dilema. N o processo histórico e social, há sempre determinismo e liberdade.10

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 45

 

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A maneira pela qual esses dois íàtores se combinam na dinâmica dos aconteci-

mentos é insuscetível de ser expressa numa fó rmula inequívoca. Teoricamente,

somos forçados a admitir que cada situação apresenta uma combinação própria

desses dois aspectos. Assim, escolher uma possibilidade em determinada situação

é escolher dentro de certos limites. O sujeito de uma opção, num processo de

mudança, só pode ser bem-sucedido se em seu comportamento considerar as

limitações concretas de sua escolha.

A Teoria P está implícita nas concepções de diversos autores que têm ten-tado explicar o processo social como resultante contínua de uma tensão dialética

entre determinismo e liberdade. Todavia, no campo da ciência social, não há atual-

mente uma percepção sistemática da possibilidade como um conceito-chave do

pensamento científico. A observação de Ernst Bloch, de que a possibilidade per-

tence a um "campo quase virgem" e que representa "o benjamim entre os grandes

conceitos",'1 é verdadeira, sobretudo no que diz respeito às ciências sociais.

Aliás, desde Aristóteles, os filósofos têm andado às voltas com essa idéia.

Não constitui objetivo deste artigo discutir a evolução do conceito em causa na

filosofia.Desejo apenas salientar alguns de seus aspectos filosóficos para melhor

entendimento das implicações sociológicas da questão.

Entre os filósofos, talvez tenham sido os estóicos os primeiros a estabeleceras linhas mestras da justificação da Teoria N. Para eles, os acontecimentos estão

sujeitos ao curso da natureza, e somente por causa da sua ignorância é o homem

levado a admitir a existência de "possíveis". Segundo Abelardo, até Deus é con-finado pela necessidade: Deus nada pode fazer diferente do que faz.12 Aqueles

filósofos consideram o "possível" como o oposto do "necessário". Hobbes dá eco

a essa tradição, quando afirma que não existem possíveis no mundo real. Nossa

ignorância das causas necessárias é que nos leva a dizer que uma coisa é possível.

Ele só admite possibilidades epistêmicas. A continuação desse modo de pensar

pode ser acompanhada até o presente, seja em fo rma consistentemente articulada

ou apenas implícita, nos trabalhos dos filósofos e dos cientistas sociais.

De interesse especial, nesse particular, é a obra do filósofo francês CharlesRenouvier, que foi professor de Émile Durkheim e influenciou William James.

Ele formulou uma crítica muito consistente das teorias da "evolução necessária",

como as de Hegel, Comte e Spencer, com base na categoria da possibilidade.

Antecipando-se a Eugène Dupréel, ele viu descontinuidade onde geralmente se

supõe haver continuidade. Os acontecimentos do mundo ocorrem como uma

série de começos. São "discretos" no tempo e no espaço. Quando B acontece

depois de A, isto é usado para explicar B em termos de um acontecimento ne-

cessário que presume o mundo como contínuo. Para Renouvier, o continuumnão existe no mundo. Por exemplo, poderia acontecer b em vez de B. Destarte,

46 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

a causa A "determina a trajetória de um evento, mas o rumo desse evento é

determinado por aquilo que dele participa".13 A fim de demonstrar seu pensa-

mento, Renouvier escreveu o extraordinário livro, publicado em 1857, Uchronie

(lutopie da m Vhistoire}; Esquisse historique apocryphe du développement de Ia c i-vil isation européenne te l quil na pás été, te l quil auraitpu être (Esboço histórico

apócrifo do desenvolvimento da civilização européia tal como ele não ocorreu, tal

como poderia ter ocorrido). Ucrân ia é umautopia do passado, uma exposição de

acontecimentos que não tiveram lugar. Na realidaoei o que Renouvier pretendiaera mostrar um rumo possível para a civilização ocidental, tivesse Marco Aurélio

tomado decisões diferentes das que efetivamente tomou. O curso de aconteci-

mentos descrito por Renouvier é tido como uma possibilidade real ou objetiva. Se

houvesse sido essa a possibilidade de fato ocorrida, com certeza os historiadores e

os sociólogos deterministas a considerariam como a única história absolutamente

necessária. Renouvier sustenta que "os que se inclinaram para a afirmação de

uma necessidade universal"'4 foram enganados pelo que ele chama "ilusão do

fato consumado"; em outras palavras, "o indivíduo em geral é vítima de uma

ilusão, quanto à necessidade incontestável que faz com que o fato consumado lhe

pareça ser o único, dentre todos os outros imagináveis, que efetivamente poderia

acontecer".15 Renouvier é incluído, pelos historiadores da filosofia, entre os repre-

sentantes do indeterminismo. Todavia, em sua concepção da causação histórica

e social, há certos pontos em que se aproxima muito de sociólogos teóricos que

não são índeterministas. "Possível" e "possibilidade" aparecem diversas vezes em

Uchronie como palavras-chave. Sem dúvida alguma, a visão que Renouvier teve

da realidade histórica e social implica o que neste ensaio denominamos Teoria P,

embora não apresentasse em seu livro uma exposição sistemática da matéria.

Parece que a palavra "possibilidade" apareceu pela primeira vez, comocon-ceito sociológico, em dois ensaios de Max Weber, intitulados "Qbjectivity in social

science and social policy" e "Criticai studies in the logic of cultural sciences",

publicados, respectivamente, em 1904e 1905, na revista Archivfir Sozialwissens-chaft una Sozialpol itík. Esse conceito não deixaria de ser familiar a Marx, pelo que

se pode deduzir do livro de Georges Luckacs, History and class consciousness. Con-tudo, foi Max Weber quem tratou diretamente do assunto, nas datas indicadas,

como ninguém o fizera antes, no campo das ciências sociais. A história, disse ele,efetivamente reconhece as possibilidades, uma vez que pretende ser ciência".16

Mas que espécie de possibilidades? Weber respondeu à pergunta cunhando

a expressão: "possibilidade objetiva". Para Weber, as possibilidades objetivas são

reais e sua existência pode ser demonstrada "segundo regras empíricas gerais".17

Assim, ele admite que, ao tempo da batalha de Maratona, Hellas poderia tersido levada a urna situação teocrático-religiosa se os persas tivessem derrotado

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os gregos. Esse julgamento de possibilidades não é arbitrário, se considerarmostanto a situação histórica e os "fatos" a ela relacionados, quanto o modo como osseres humanos reagem em determinadas circunstâncias; possui um teor mínimoessencial de certeza e suporte empírico. As possibilidades objetivas são na ver-dade conjeturas, mas conjeturas cuja imperiosidade pode ser demonstrada porum conhecimento positivo e controlável dos acontecimentos; não refletem "nossaignorância ou conhecimento incompleto"18 dos fatos.

Weber salienta que por meio dessa categoria torna-se possível julgar o quãoadequada é a relação entre a imaginação e a realidade.19 Utilizando essa cate-goria com base em suportes empíricos, ficamos em condições de compreender

os eventos ocorridos, passados e presentes, libertos do princípio metafísico da

necessidade histórica. Em outras palavras, podemos dissipar a ofuscação do fatoconsumado, como o fez Weber, por exemplo, ao estudar o caso da "decadênciada civilização da Antigüidade"; descobrimos outros rumos que poderiam ter sidotomados, mas não o foram . Ademais, essa categoria nos permite construir "tiposideais" à guisa de padrões de acontecimentos que podem emergir do presente, não"necessariamente", mas desde que determinadas tendências sejam estimuladas.

A burocracia, como "tipo ideal", não é algo que tenha de acontecer "ne-

cessariamente", mas representa uma possibilidade objetiva. Mais uma vez, Webervoltou ao tema que R enouvier denominou "a ilusão do fato consumado", ao es-crever:

Num dos casos, estamos contemplando aquilo que ocorreu, e isso se nos afigura

como "necessário", in clusiv e a decisão que de fato em algum momento se to-

mou. No caso da liberdade, porém, olhamos para o evento como algo que está

"em formação", isto é, como algo que ainda não ocorreu e, portanto, como algo

não "necessário"; nessas condições, ele constitui apenas uma entre miríades de

"possibilidades". T odavia, do ponto de vista de uma evolução em marcha, não

poderemos jamais afirmar que uma decisão humana não pudesse ter sido dife-

rente da que efetivamente acabou acontecendo. Na discussão da ação hu mana,"nunca se poderá transcender o eu quero.20

Aliás, a ilusão do fato consumado, conforme vista por Renouvier e Weber,e à qual têm sucumbido muitos historiadores e cientistas sociais, torna tautoló-gicas as exposições e as interpretações destes últimos. A ciência social não podeser científica se ela equipara o "ocorrido" com o necessário, isto é, se ela não reco-nhece que existe na causação histórica ou social um lugar para a opção humana.O conceito de possibilidade constitui, pois, um requisito essencial para a análisecientífica da realidade social. O cientista deve possuir uma imaginação treinada

48 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

e disciplinada que o capacite a enxergar a multiplicidade de caminhos dos fatosque se consumam. Essa imaginação é a qualidade de espírito que se faz necessá-ria, se nós, como cientistas sociais, não quisermos considerar-nos especialistasem interpretações tautológicas post hoc , mas, ao invés, tencionarmos atacar, defrente, problemas como "colapso", "auto-sustentação" e "arrancada", em matériade modernização ou desenvolvimento, bem como inovações e mudanças cons-cientemente controladas.

Todos esses tópicos implicam a Teoria P , isto é, uma concepção de realida-de histórica e social que a vê como o resultado p erman ente de u ma tensão entrepossibÜidadesobjetivase escolhashumanas. Toda explicação ou interpretação quese baseie unicamente nos aspectos mais evidentes dos fatos não merece o nome de

.ciência. "II n'y a science que du cachê", disse Gaston Bachelard.21

J] É esse o sentido da ênfase de Weber sobre a possibilidade objetiva como// instrumento analítico de análise sociológica. Ele utiliza essa categoria não so-{/ mente para formular "tipos ideais", mas também para encontrar uma explicação

mais satisfatória dos eventos ocorridos. V ale relem brar o estudo de Weber, "Thesocial causes of the decay of ancient civilízation", publicado em 1896, em que eletenta diagnosticar um caso de "colapso". Weber sustenta que muitos estudiosos

simplesmente não perceberam o ponto crucial quando citaram como causas de"colapso", por exemplo, o despotismo, o luxo, a decadência moral nos mais altosescalões do Império Romano. Sua explicação desce à essência da evolução doImpério. Apo nta as raízes da decadên cia da civilização antiga na contradição, nãoresolvida, entre uma "economia natural", baseada na escravidão, e um mercadourbano, ligado ao comércio internacional; ou seja, a causa está na falta de umaarticulação consistente da "divisão não livre do trabalho, nas propriedades rurais,produzindo para o consumo próprio do dono", com a "livre divisão do trabalhoregulada pelo regime de trocas do mercado urbano".22 Havia, pois, possibilidadesobjetivas para que o Im pério R omano evoluísse de maneira diferente da que severificou. Weber sugere que se poderia escrever uma história ucrônica do Império

Romano desde que se presumisse que, dadas as decisões apropriadas, tivessemocorrido certas possibilidades objetivas.Criticando a estreíteza da visão post mor tem do curso dos acontecimentos,

Mannheim sugere um novo "método de observação", que denomina comoenfoque in statu nascendí . Co m esse critério, o observador poderá libertar suaCiente da "ilusão do fato consumado" (Renouvier), isto é, de considerar "tudo o

qu e aconteceu como a única coisa qu e poderia de fato te r acontecido".23 "Todoobservador que acredita", observa Mannheim,

saber por antecipação [...] exatamente quais as estruturas que a sociedade ten-derá a adotar, enfraquece desde logo sua capacidade de observação empírica das

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mudanças emergentes, e trata um a estrutura em processo de evolução como seela já tivesse tomado su a forma definitiva.24

Tal como o concebe Mannheim, o enfoque in statu nascendi leva o observadorinteressado na efetuação de novas possibilidades a valer-se de sua condição departicipante no processo de mudança para tomar decisões estratégicas. O autorapresenta essa "atitude experimental" como o oposto da atitude alienada implícita

no dogmático critériopostmortem.Possibilidade objetiva é também a expressão qu e aparece diversas vezes

num dos mais importantes ensaios que em nossos dias procuram abrir novos ho-

rizontes para o raciocínio dialético. Refiro-me a Th e principie ofhope, de autoriado filósofo alemão Ernst Bloch.25 Esse autor situa-se na tradição marxiana. Assim,por exemplo, a afirmação que se segue tem um caráter bem marxiano:

A humanidade somente levanta problemas que ela própria pode resolver, m as

se o grande momento só encontra homens por demais pequenos para a solução,

então a solução, po r fortes razões, será apenas possível, isto é, será ainda preca-riamente possível. O fato de que a Alemanha, no dia 9 de novembro de 1918,

nã o experimentou um a seqüência revolucionária, é prova disso E...].26

Não podemos, neste ensaio, penetrar mu ito nas riquezas do pensamentode Bloch. Ele confere um significado positivo à palavra "utopia", consideran-do-a uma visão de possibilidades que estão sempre disfarçadas sob o mantoda realidade aparente.27 O raciocínio utópico, para Bloch, anuncia o que não

existe, mas se encontra concretamente em vias de realização. Destarte, a utopiaconstitui um instrumento do que Bloch denomina dialética antecipatória, umde cujos pressupostos é a possibilidade objetivamente real (das objektive-realMoegliche], que ele concebe como parcialmente condicionada. O condiciona-mento patcial é um dos elementos dessa espécie de possibilidade, porque um

evento ocorreria co m absoluta certeza, caso se verificassem todas as suas con-dições. A consistência das possibilidades é, de certa maneira, um problema de

opção humana. Bloch salienta explicitamente o papel do fator subjetivo noprocesso de mudança. Diz ele:

O fator subjetivo é o poder não realizado de mudar as coisas. O fator objetivoé a potencialidade não realizada da variabílidade do mundo no quadro de suasleis; e estas leis, todavia, dadas novas condições, variam elas próprias segun-do outras leis. Os dois fatores encontram-se permanentemente interligados no

movimento dialético de uma ação recíproca.28

50 • Políticas públicas e desenvolvimento:bases epistemológicas e modelos de análise

O papel sistemático do fator subjetivo na causação das coisas seria a con-dição que permite aos homens serem os "produtores conscientes de sua própriahistória", e não meros agentes passivos de ( ímfatum, o aparente movimento pró-

prio da história e da sociedade.N o livro intitulado Détermin i smes sociaux et libertehumaine, Georges Gur-

vitch explora a idéia da possibilidade de uma maneira original. Disfarçado sob adesignação de "regularidade tendencial", o conceito de possibilidade está, todavia,

presente em seu enfoque. Afirma o autot:

As regularidades tendenciais são conjuntos de orientações com rumos mais ou

menos precisos, porém incertos no que se refere à sua realização. E m todo tipo

de estrutura global, e por vezes mesmo em alguns de seus segmentos, podemosobservar diversas regularidades tendenciais. Antes de o jogo começar, não se

pode prever que lado vai vencer. Por exemplo, a sociedade feudal poderia ter

evoluído para uma teocracia, para uma federação de cidades livres ou para uma

monarquia territorial. Hoje, a sociedade capitalista pode evoluir para a tecno-

cracia, para a democracia econômica pluralista ou mesmo para o comunismo.

Pode, enfim, tomar um rumo imprevisível.29

A posição de Gurvitch contra a interpretação errônea do conceito de

determinismo, trouxe-o para a área da Teoria P. Gurvitch assinala que o de-

terminismo não eqüivale a uma "previsibilidade perfeita dos fenômenos", que

o determinismo não é fatalismo, necessidade metafísica, necessidade transcen-dental ou mesmo necessidade matemática. O referido autor vê determinismoe opção ou liberdade humana em relação recíproca e chega a uma noção de

possibilidade que se enquadra na perspectiva do presente ensaio. E le rejeita aconcepção metafísica ou teológica do possível. Para ele, a possibilidade só é dadaern estruturas, conjunturas e situações concretas. "A liberdade", diz ele, "em seumais alto grau, revela-se capaz, ao menos em princípio, de criar possibilidades

e destruir o impossível, de modificar ou inverter situações, de engendrar novasconjunturas e de identificar novas estruturas parciais e globais".30 E oportunomencionar aqui que Gurvitch inclui Hege!, Spengler, Toynbee e Burnham entreos que identificaram determinismo com necessidade ou fatalismo imanente.

Pode parecer paradoxal incluir Robert Merton entre os representantesa leoría P. Na realidade, a riqueza de seus escritos não tem sido suficíen-

emente explorada. Em certas ocasiões, suas opiniões têm sido distorcidasP°r terceiros. Apresentam-se, como inovações teóricas, às vezes, coisas que já°ram há muito formuladas por Merton. O fato de se associar Merton histo-

com a noção de pré-requlsiros não constitui, necessariamente, uma

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indicação de que ele professasse a Teoria jV : por vezes, os seguidores prejudi-cam os fundadores. Desde o começo, Merton formulava de modo consistentea idéia de pré-requisitos em termos muito apropriados. Referindo-se a essaquestão, ele advertia:

[...] esse conceito continua sendo um dos mais obscuros e empiricamente mais

discutíveis em toda a teoria funcional. Tal como empregado pelos sociólogos, o

conceito de requisito funcional tende a ser tautológico ou expostfacto.^

A crítica posterior de Hirschman (1958), a respeito do s pré-requisitos nateoria econômica, segue as mesmas linhas trilhadas po r Merton em 1948. Já na-quele ano, Merton não apenas tinha uma clara idéia do modelo de substituições,de Gerschenkron, mas ainda incluiu a categoria da "variação possível" em seu

"paradigma da análise funcional". Assim escreveu:

[...] uma vez abandonado o postulado gratuito da indispensabilídade funcio-

nal de determinadas estruturas sociais, imediatamente necessitamos de algum

conceito de alternativas, equivalentes ou substitutos funcionais. Isto dirige a

atenção para a gama de variação possível nos elementos que, na hipótese em

exame, podem servir a um requisito funcional. Permite revelar a identidade do

existente e do inevitável. 32

Não devemos hesitar em colocar Merton na companhiados mais legítimos

representantes da Teoria P .Robett M. Maclver também parece ver a dinâmica do determinismo ba-

seada na presunção do que poderia ser a Teoria P . Seu conceito de "causa comoptecipitante" implica a negação de um curso de acontecimentos "normal" e "ne-cessário", não sujeito a mudanças imprevisíveis. Ele sustenta que as teotias eco-nômicas clássicas de Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, Karl Marxe Alfred Marshall têm em comum o postulado de que existe um "sistema eco-nômico telativamente independente, que opera por meio de forças que lhe sãointrinsecamente próprias".33 Referindo-se aos que formam a escola de Marshall,Maclver salienta: "Pata eles, o equilíbrioé fundamental, tem dentro de si as forçasque o sustentam e recupera-se dos constantes impactos que sofre".34 Maclver nãocontesta que esse método tenha validade limitada. O que elecontesta é apremissade que as determinantes "pertutbadoras" nã o podem produzir novas formas deequilíbrio, e "apenas modificam, temporariamente e em grau limitado, o cursonormal do s acontecimentos", be m como "a fé no triunfo final da causa específicaqu e aqueles economistas em geral invocam,35

52 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

O modelo deles é o do "equilíbrio-perturbação". Maclver propõe que ele

seja substituído por um modelo "equilíbrio-precipitante" de acordo com o qualnão há "permanência" nem "ordem autoconservadora".Tudo o que está implícitonesse enfoque "é um estado de coisas qu e dure, po r pouco qu e seja, até que algu-ma intrusão ou fatot explosivo o converta em outro estado de coisas".36 Maclvervê a continuidade na realidade social como tesultado de um arranjo precário decircunstâncias que a qualquer momento pode ser profundamente rompido por

algum fatot precipítante qu e emerja interna ou externamente.Concluiremos esta parte do ensaio, examinando brevemente o conceito de

"intervalo" de Duptéel. Também para ele não há continuidade no mundo. Dizerqu e detetminado efeito é o único resultado "necessário", quando certa condiçãoestá presente ou ausente, é apelar pata a metafísica. Na realidade, existe sempreum intervalo, desprezível ou considerável, entre um a condição ou um fator, con-siderado como causa, e seu efeito admitido. Se esse intervalo fo r considerável,três espécies de eventos podem ocorrer: (1 ) eventos qu e impedem a consumação

de causa-efeito; (2) eventos não favoráveis ao efeito; (3 ) eventos indiferentes, qu enão favorecem ne m impedem o efeito. U m agente ativo — e a referência a tal fator

é apropriadanu m ensaio sobre modernização — pode, mediante comportamentoestratégico, tirar partido das possibilidades do intervalo e evitar o que metafisica-mente seria considerado um resultado "necessário".37

Características da Teoria P

Podemos agora apresentar em proposições analíticas as principais carac-terísticas da Teoria P. Discutiremos essa teoria, contrapondo seus traços aos da

Teoria A ^. Quanto à Teoria A ^ , construiremos um tipo ideal jamais enunciadoplenamente por qualquer teórico contemporâneo: mesmo os adeptos das teo-

rias de pré-requisitos inserem em seus trabalhos considerações pertinentes aocampo da Teoria P. A explicitação plena das tendências sadias desses autorese impedida por sua sujeição consciente ou subconsciente à Teoria N. Ter uma

percepção sistemática das implicações da Teoria A'' talvez seja uma das melhoresJaneiras de livrar a teoria contemporânea de seus preconceitos. Ofereceremos,aqui, sete pares de assertivas polares para descrever a essência tanto da Teoria Nquanto da Teoria P.

Por esquemáücas qu e sejam, essas enunciações provavelmente conterão im-precisões e talvez até erros. Entretanto, se nossa tentativa representar um a contri-buição para resolver o impasse atual em que se encontra a teoria da modernização,talvez possa ser perdoada su a margem de imprecisão e erro. Como dizia Bacon, "a

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verdade emerge mais do erro do que da confusão".38 Estamos certamente vivendo

uma fase transicional da história das ciências sociais.39 Conforme assinala Kuhn,

nesses momentos de transição coexistem e sobrepõem-se parcialmente paradig-

mas contraditórios de pensamento científico. Em geral, leva muito tempo até que

um paradigma emergente se imponha. É também da natureza do paradigma que

nunca se pode expressá-lo sem certo grau de obscurídade. A Teoria P, que está

emergindo em nossos dias, pode ser vista como um aspecto do paradigma cientí-

fico, no sentido de Kuhn. Ela tem sido antevista, nos trabalhos de muitos autores,mais comumente como uma espécie de "conhecimento tático" (Polanyi) do que

como um modelo sistemático. Se os seguintes sete pares de proposições revelarem

utilidade para a apresentação do modelo da possibilidade aos cientistas sociais,

terá sido atingido o principal objeto visado pelo presente ensaio.

Teoria N Teoria P

1. Tudo o que aconteceu é a única 1.

coisa que poderia ter acontecido.

2. O curso dos acontecimentos resulta 2.

da ação recíproca de causas absolu-

tamente necessárias. Uma mente

onisciente, que conhece todas essas

causas necessárias, poderia prever,

com absoluta certeza, o que terá de

acontecer a curto e longo prazos.

Presume-se como possível o conhe-

cimento sinóptico do processo so-

cial.

3- O que faz o homem pensar em pôs- 3.

sibilidades é sua ignorância ou seu

conhecimento incompleto do cur-so dos acontecimentos necessários.

Existem apenas possibilidades epis-

têmicas ou lógicas.

Tudo o que aconteceu é uma entre

as muitas possibilidades objetivas

que poderiam ter acontecido.Nenhum curso de acontecimentos

pode ser considerado resultante da

ação recíproca de causas absolu-

tamente necessárias. O curso dosacontecimentos resulta continua-

mente do jogo entre fatores obje-tivos e opções humanas. Assim, é

possível fazer previsões, mas apenas

com graus variáveis de certeza, de-

pendendo sempre das circunstân-

cias concretas. Jamais poder-se-iachegar a um conhecimento sinóp-

tico do processo social.

As possibilidades podem ser reais

e empiricamente demonstradas.

A possibilidade objetiva opõe-se à

possibilidade abstrata, eis que se re-

laciona necessariamente com umasituação dada; esta possibilidade

pode se realizar.

54 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

4. Existe um processo normal e uni- 4.linear de evolução, um caminho

ótimo e único a ser palmilhado

rumo ao futuro. Se observarmos os

pré-requisitos, podemos evitar des-

caminhos e colapsos.

5. No que tange ao presente, a tarefa 5-da ciência social é mostrar o que,em última análise, irá necessaria-

mente acontecer e estabelecer os

pré-requisitos ou requisitos parasua realização com base no que

aconteceu anteriormente,

6. É pernicioso ao cientista social ser 6.

protagonista no processo social. Eledeve ser um espectador, um obser-

vador afastado da arena dos interes-ses, a fim de ser capaz de ver,sem

idéias preconcebidas, a orientaçãoou rumo transcendente do processo.

7. Na história contemporânea, de- 7.vemos distinguir sociedades

desenvolvidas de sociedades em de-senvolvimento. As primeiras, comosociedades paradigmáticas, exibemàs subdesenvolvidas a imagem do

futuro destas. Deve-se elaborar in-dicadores de desenvolvimento oumodernização, para que os agentesincumbidos do aprimoramento dascondições nas sociedades em de-senvolvimento possam orientar-sequanto à melhor maneira de alcan-çar a modernização ou o desenvol-vimento.

Não existe processo normal unilinear.

A história sempre nos apresenta um

horizonte aberto a possibilidadesmúltiplas. A qualquer momento

podem ocorrer eventos inesperados,

conduzindo a sociedade a um novoestágio, a um estágio diferente da

imagem convencional de seu futuro.No que respeita ao presente, a ta-

refa da ciência social é descobrir o

horizonte de suas possibilidades, afim de contribuir para a participa-

ção humana na construção e para atransformação consciente das socie-

dades contemporâneas.

Sem ser protagonista no proces-

so social não se pode ser integral-

mente um cientista social. A idéia

de um pensar separado da práticaé uma contradição de termos. Nãohá pensat sem um rudímento de

prática, nem há prática sem um ru-dimento de teoria.

No momento atual da história, a

dicotomia entre sociedades desen-volvidas e sociedades em desenvol-

vimento é teoricamente desnortea-dora. Na realidade, a categoriacar-dinal das ciências sociais é o mundo,

que hoje possui as características deum sistema. Sob a ótica desse sis-tema, todas as sociedades estão emdesenvolvimento. Todas elas são,em diferentes graus, ao mesmotempo atrasadas e modernas. Sópodem existir indicadores ad ho cde modernização, e sua natureza erelação só fazem sentido quandoestão associadas a possibilidades dedesenvolvimento ou modernizaçãode cada sociedade.

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 55

 

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Persistência da Teoria T V

Nenhum cientista social contemporâneo aceitaria explicitamente a Teoria

N. Todavia, como conjunto de pressupostos, essa teoria faz-se presente na maio-

ria das obras de influência sobre modernização e desenvolvimento. Este autor já

mostrou, por exemplo, o conteúdo tautológico de algumas assertivas de Lipset e

Lerner,40 relativas a modernização, e também apontou algumas ímpropriedades

dos indicadores de mobilização social, de Deutsch, aplicados às chamadas naçõesem vias de desenvolvimento. 4' Muitos autores que tratam de modernização e de-

senvolvimento freqüentemente equiparam meras correlações a relações necessárias

de causa e efeito. Algumas teorias de pré-requisitos são baseadas nessa confusão.

Por exemplo, é provavelmente certo que a capacidade empresarial ou a

necessidade de realização se correlacione positivamente com o desenvolvimento.

Se , entretanto, com fundamento nessa correlação, dissermos que a razão pr incipaldo atraso de uma nação é a ausência dessa característica na população e, portanto,

a considerarmos um pré-requisito do desenvolvimento, não estaremos absoluta-

mente certos. Observa-se necessidade potencialmente elevada de realização em

toda parte nas nações em desenvolvimento. Pode ocorrer que a estrutura social de

algumas dessas sociedades seja tal que ínflíja punição aos que se comportem comose tivessem grande necessidade de realização.42 Em outras palavras, as sociedades

diferem quanto ao grau de sensibilidade pela realização das pessoas. A sociedade

da Rússia czarista, destruída em 1917 pela Revolução bolchevista, era em grande

parte insensível à realização individual. Não obstante, sob o regime comunista,

a Rússia encontrou uma maneira de conseguir desenvolvimento, sem que apa-

rentemente se manifestasse uma necessidade generalizada e grande de realização

entre os cidadãos. Não quero dizer que o comunismo seja a única via de de-

senvolvimento possível para povos com necessidade de realização aparentemente

reduzida; diria antes que, mediante decisões adaptadas às condições desses povos,

os respectivos governos e elites políticas podem encontrar substitutos ad ho c para

seu baixo nível de necessidade de realização.Em meu livro Administração e estratégia do desenvolv imento, critiquei os

indicadores de Deutsch. Meu argumento tende a coincidir com o de Alex Inkeles

sobre o mesmo autor. Os indicadores em questão baseiam-se num empirismo

especulativo que deixa de levar na devida conta os "contextos estruturais apropria-

dos". Inkeles observou que a validade do conceito de mobilizaçãode Deutsch po-

deria ser contestada com fundamento nos resultados de pesquisas levadas a efeitoem várias nações, que mostram que os trabalhadores urbanos são mais passivos

do que os camponeses, condição essa que contraria o postulado de Deutsch. -> e

quisermos preservar as noções de pré-requisitos e indicadores como instrumentos

conceituais de comparação, teremos de usá-las em situações próprias. É sempre

enganoso extrapolar pré-requisitos e indicadores, que são adequados a determi-

nada situação, para uma situação diferente. Existem, evidentemente, pré-requi-

cjtos de modernização e desenvolvimento; restringem-se, porém, ao que Chester

T Barnard denomina fatores limitativos ou estratégicos. Variam de caso a caso,

de situação em situação e precisam ser descobertos sempre "na fo rma certa, no

tempo e lugar certos".44 A "teoria do oportunismo", de Barnard, é o equivalente

norte-americano do critério de possibilidade, adotado por certos cientistas sociaiseuropeus.

Podemos associar à Teoria ./V a noção de uma só e melhor maneira. Emmui to do que tem sido escrito sobre modernização e desenvolvimento, vemos

maís oposição aparente do que efetiva libertação desse postulado. A propósito,

cabe um breve comentário sobre o livro Industrialism and the industrial man,

de Kerr, Dunlop, Harbison e Meyers. Esse livro seria perfeitamente representa-

;! tívo da Teoria P, caso fossem eliminadas certas partes de seu texto. Os autores

afirmam que, em última análise, em toda situação histórica a industrialização

é sempre um problema de possibilidades. Escrevem: "[...] nem rodas as coisas

são possíveis em todas as situações".45 Eles postulam a necessidade de um "mé-

todo estratégico" a ser empregado na orientação efetiva de uma sociedade quese industrializa. Esse "método estratégico" seria, com efeito, uma das implica-

ções principais do que aqui designamos por Teoria P. Os autores dizem, por

exemplo: "O curso da industrialização não obedece a um modelo único, a um

padrão determinado. Os países subdesenvolvidos não necessitam de crescimen-

to em todos os aspectos, 'segundo a imagem* de qualquer país desenvolvido".46

Contudo, após descrever em detalhe as estratégias concretas das elites indus-

tnalizantes, eles sugerem paradoxalmente que "a melhor" de todas as estratégias

seria a da classe média. Introduzem, assim, o dogmatísmo dos que procuram oúnico e me lhor caminho.

• E evidente que não se pode descrever tipos de estratégias com o fim de

f';; emonstrar, em termos conclusivos e abstratos, qual deles seja o "melhor". Essaitude de "apologia" não se ajusta ao método científico.

.i°r urna reformulação do problema da modernização

U problema da modernização necessita de uma reformulação. A prolife-

de trabalhos sobre esse assunto está a indicar sua relevância. Entretanto, há

t de que grande parte da literatura sobre modernização se encontra numae de beco sem saída. Uma das razões do impasse é a persistente influência

56 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise A modernização em nova perspectiva:em buscado modelo da possibilidade• 57

 

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que a Teoria A^ ainda exerce sobre os que tratam da matéria. Um traço comum éessa literatura que se alicerça nas variáveis de padrão de Parsons.47 Essas variáveisdenotam um enfoque neo-evolucionário que, não obstante alguns argumentosem seu favor, é teórica e praticamente falacioso, quando empregado em tom nor-mativo. Nos textos clássicos de Tònnies, Maine, Durkheim e Weber,48 nos quaisParsons se inspirou, aquelas variáveis eram antes critérios descritivos para com-preender a história morta, o processo social em particípio passado. Na medida em

qu e sejam utilizadas co m inflexão normativa, co m referência à história viva ou ao

processo social em particípio presente, tornam-se muito discutíveis, conformetêm evidenciado algumas pesquisas empíricas.49

O parsonianismo representa hoje, neste país, um caso de uma correnteexcessivamente institucionalizada no campo das ciências sociais. E m outras pala-vras, neste momento, o sucesso do parsonianismo talvez se deva antes aos requisi-

tos institucionais vigentes no meio convencional do mundo acadêmico do que à

sua fertilidade teórica ou a méritos intrínsecos. N a medida em que os jovens cien-tistas sociais julgam necessário seguiros preceitos parsonianos, como um a espéciede ritual profissional compulsório, eles impedem que seu potencial de inovação ecriatividade encontre outros padrões conceituais mais apropriados.

Podemos mencionar, por exemplo, o caso de uma das mais destacadas e

festejadas autoridades no campo da modernização: S. N. Eisenstadt. Ele se revelafortemente influenciado pelas opiniões de Parsons, e podemos notar em seus nu-

merosos trabalhos um a ambivalência teórica qu e torna difícil, quiçá impossível,descobrir ou articular suas premissas conceituais. Eisenstadt oscila entre a TeoriaTV e a Teoria P. E esplêndido quando explica eventos pretéritos. Mas quando tra-ta de problemas vivos, tais como auto-sustentaçao ou colapso da modernização,

torna-se às vezes obscuro ou ininteligível, coisa que poderia ter evitado se tivessesido perfeitamente coerente com as introvisÓes possibilísticas contidas em seusnumerosos escritos.

Não é fácil criticar as teorias de Parsons porque são muito descon-certantes em certos aspectos decisivos. Conforme observou Buckley, encon-

tram-se na obra de Parsons assertivas "que aparentemente refut am qualquercrítica que se lhe faça".50 Contudo, a orientação dominante do parsonianismoexpressa a Teoria N. Consideremos, por exemplo, as variáveis de padrão, deParsons. Mesmo que se admita a alegada importânc ia dos estudos sociológicos

para os indivíduos incumbidos de tarefas de modernização e desenvolvimen-to, as variáveis parsoníanas de padrão são de utilidade assaz limitada. Essasvariáveis, que constituíam instrumentos analíticos de clarificacão, na s mãosde sociólogos clássicos, tornam-se, nas mãos de Parsons, uma distorção, ovício de uma orientação sociológica completamente divorciada da realidade.

58 • Políricas públicas e desenvolvimento: bases ep  s temo ógicas e modelos de análise

Parsons define cada uma delas, sugestivamente, como "uma dicotomia, um decujos lados precisa ser escolhido pelo protagonista, antes que o significado deum a situação lh e esteja claro e, portanto, antes que ele possa agir co m respeitoà situação dada".51

Podemos compreender a razão pela qual o requisito estratégico do pro-blema da modernização é geralmente descuidado pelos que o examinam peloprisma das variáveis de padrão. Entendo por requisito estratégico, nesse parti-cular, o fato de que a modernização representa essencialmente uma transforma-ção social viva, em que se presume que o curso dos acontecimentos é dirigidoconscientemente, e nunca se pode determinar a importância de qualquer variá-ve l de modo abstrato. Nenhuma variável é intrinsecamente positiva ou negati-va . A importância de cada variável muda de acordo com o contexto sistêmico,isto é, a mesma variável X pode ser um trunfo em determinado sistema social e

um percalço em outro. Ou, no mesmo sistema social, essa variável pode ser umacoisa ou outra, conforme a ocasião. Em outras palavras, somente no terreno da

lógica abstrata podem as variáveis de padrão ser consideradas dilemas. Nos sis-temas sociais concretos, toda variável de padrão tem conseqüências funcionaiscontraditórias. Quanto à modernização, só poderemos saber se uma variável é

prejudicial ou não, ao considerarmos o saldo líquido real de suas conseqüências,ou seja, depois de "definido o sentido da situação". 52

Parsons parece ter uma concepção maniqueísta da s variáveis de padrão,qu e representariam os extremos opostos de um continuam, o bem e o mal. Em sua

concepção, não concede margem para ambigüidade. Se tomadas literalmente, asvariáveis de padrão conduzem a pseudo-explicaçóes, a generalizações ingênuas e

impressionísticas. P or exemplo, ao expor as idéias de Parsons a respeito do s "pro-blemas dos países subdesenvolvidos", William Mitchell, que se alinha fortementecom Parsons, assim escreve:

Destarte, uma nação subdesenvolvida que deseje industrializar-se terá que

abandonar suas orientações particularísticas, difusas, adscritícías, afetivas, aomenos no plano dos valores e da estrutura social, senão da própria personali-

dade, para qu e possa iniciar e pôr em operação um a ordem industrial. Em seus

lugares deverão se instaurar níveis mais elevados de universalismo, especifici-

dade funcional, busca de realização e imparcialidade afetiva. O industrialismo

e, talvez em menor grau, a democracia, exigem esses valores e normas novos eopostos.53

Entretanto, a observação empírica tem mostrado que nos sistemas so-

ciais concretos toda variável é ambivalente. Em artigo recente, A. O. Hírschman

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 59

 

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demonstrou, com documentação convincente, que certas condições, costumeira-

mente julgadas obstantes, podem ser, ao contrário, vantajosasao desenvolvimento

e à modernização. Por exemplo, a família extensiva pode constituir uma alterna-

tiva à escassez, permitindo a seus membros "criar um fundo comum de recursos,

não só para consumo, mas também para fins de investimento".54 Abegglen, em

seu estudo a respeito da indústria japonesa (e bem assim Cochran e Reina, no

estudo que fizeram a respeito do empresariado na Argentina), oferece suporte

empírico favorável à observação de Hirschman".55 Este último também salienta

que mesmo no Ocidente se reconhece que a expansão das empresas bancárias emercantis se beneficiou consideravelmente dos laços de parentesco. Assim, pois,

em algumas situações, as conseqüências de determinados elementos adscritícios

podem desapontar os que emprestam um sentido maniqueísta ao dilema; adscri-

ção versus realização (achievement) ,

Consideremos a variável "difusão versus especificidade", extensamente em-

pregada por Fred Riggs em diversas monografias em que apresenta sua teoria das

sociedades prismáticas. Os estudos de Riggs são muito estimulantes e provocati-

vos, mas, tal como Eisenstadt, ele parece estar preso num círculo vicioso. Seu "en-

foque ecológico" constitui um avanço em relação aos pontos de vista normativos

e dogmáticos, que supõem serem os sistemas sociais ocidentais os paradigmas da

modernização. Todavia, na medida em que baseia seu raciocínio nas variáveis depadrão, de Parsons, Riggs não tem êxito em suas investidas contra o dogmatismo.

Riggs equaciona, por exemplo, modernização com aumento de especifici-

dade, diferenciação ou, em sua própria terminologia, "difração". Diz ele:

[...] Creio que podemos constituir um argumento poderoso no sentido de que,

gostem ou não, existem forças no mundo que tendem a aumentar o grau dedifraçáo. Assim, embora as sociedades prismáticas não tenham qu e tornar-sedifratadas, muitas sè-lo-ão. De maneira semelhante, muitas sociedades emtransição poderão não ter êxito em seus esforços de modernização, mas algu-ma s terão.56

A palavra "forças" empresta a essa citação um nítido sabor de "necessi-

dade", enquanto o trecho todo implica um sentido dogmático de "difração" ou

diferenciação. Contudo, embora de maneira vaga, Riggs parece reagir contra essemodo de ver:

[...] Uma pressão avassaladora está sendo exercida em toda sociedade contem-

porânea no sentido de uma maior difração. Os resultados poderão ser bonsou maus. Deixo para o leitor esse julgamento. A s forças, porém, levam a umaevolução histórica sobre a qual temos hoje pouco controle.57

60 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episcemológicas e modelos de análise

O que desejo acentuar é que Riggs admite aqui a ambivalência da difração,

o que o torna menos dogmático do que em sua assertiva anterior. Parece, porém,

que para ele a avaliação do papel da difração pode ser feita num plano genérico e

que constitui também uma questão de orientação ética do indivíduo. A avaliação

do papel da difração, no entanto, bem como de quaisquer variáveis no processo

de modernização, não pode ser genérica e tampouco uma questão de ética pessoal;

ela se torna possível somente em situações concretas e unicamente de acordo com

regras sociológicas. Talvez tudo o que possamos dizer genericamente a respeito da

difração ou da diferenciação é, parafraseando Hirschman, que, em dose excessiva,

ela pode fazer tanto mal quanto o pode em dose insuficiente.58

A respeito desse pressuposto, estabelece a "lei do potencial evolutivo", de

Elman R. Service, que o potencial de uma sociedade para passar ao estágio se-

guinte é tanto menor quanto mais especializada e adaptada for a forma em que

se encontra um estágio dado. No tetreno da realidade histórica e social, essa "lei"

significa que as sociedades mais atrasadas teriam um "potencial evolutivo" para

um estágio original que faltaria às sociedades mais adiantadas.59 Eu diria que todoaquele que se deixa levar por uma orientação de pré-requisitos se torna cego ao

"potencial evolutivo" das nações periféricas.

Enfoque sinópticoe contextualismo dialético

Como a Teoria N presume que na realidade social histórica se verifica um

curso de acontecimentos definido, resultante do jogo de causas absolutamente

necessárias, seus adeptos consideiam que é possível obter um conhecimento ra-

cional global desse curso de acontecimentos. Comte e Stuart Mill tentaram apre-

sentar uma visão completa da história da humanidade, cada qual procedendo de

acordo com suas próprias peculiaridades filosóficas.60 Na concepção sinóptica, o

rumo do presente está inexoravelmente determinado, e temos que fazer um esfor-

ço para conhecê-lo exaustivamente. Só não conseguimos a compreensão total dopresente, porque nossa inteligência está turvada por interesses, preconceitos e dis-

torções. Essa concepção baseia-se num realismofilosófico de acordo com o qual o

Eu, que é capaz de saber, pode e deve estar separado da realidade a fim de podervê-la objetivamente. Os conceitos são reflexões da realidade na mente humana.

Urna mente poderosa, qual espelho fiel, pode obter um quadro exato da realida-

de. A participação no processo da realidade é uma condição perturbadora para o

funcionamento da razão. A Teoria P, pelo contrário, ao admitir que não há causas

Absolutamente necessárias e que as escolhas humanas estão sempre em interaçãoc°m fatores objetivos para que se produzam acontecimentos, afirma que a nossa

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade "61

 

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compreensão da realidade é sempre limitada por restrições contextuais, isto é, que

só podemos compreender a realidade porjienKmyasj^rro^por ganhos de preci-

são alcançáveis mediante uma espécie de dialética de participação e retraimento,

numa série de conjeturas que são "experimentadas, aítêrãdase tentadas em sua

fo rma alterada, e novamente alteradas, e assim por diante";61 ou, em outras pala-

vras, "num vaivém entre o concreto e o abstrato, tentando uma mudança aqui e

um sistema acolá".62 Destarte, a Teoria P, ou o contextualismo dialético, supõe que

a compreensão da realidade exige uma relativa participação na mesma. O Eu quesabe é, ele próprio, parte do campo cognitivo;63 toda teoria a respeito de qualquer

parcela desse campo deve ser ligada a uma certa prática. Evidentemente, a prática

científica tem qualificações e requisitos específicos que precisam ser preenchidos

e que a distinguem da prática usual do leigo. Apresso-me a esclarecer que não

estou afirmando ser impossível apreciar uma perspectiva teórica não relacionada

com nossa situação existencial. É, de fato, possível entender essa perspectiva não

relacionada, desde que não se descure a prática da qual deriva.

Por algum tempo julguei que o incrementalísmo, tal como concebido por

Braybrooke e Lindblom, constituía uma alternativa útil ao enfoque sinóptico.

Mais recentemente, porém, cheguei à conclusão de que o contextualismo dialéti-

co é uma expressão mais apropriada de uma forma possível, em minha opinião,de superar o enfoque sinóptico. Além disso, creio que a expressão não tem a

conotação conservadora que é atribuída ao incrementalismo.64 O contextualismo

dialético é talvez mais coerente com a tradição de William James e John Dewey.

Ela se contrapõe ao enfoque sinóptico no mesmo sentido em que Dewey, ao

interpretar James, opõe o pragmatismo a toda "teoria da cópia, em que as idéias

como idéias são ineficazes e impotentes, porquanto pretendem apenas espelhar a

realidade integral sem elas".65 O contextualismo dialético pressupõe a unidade en-

tre a teoria e a prática ou a transação deweyana entre o pensamento e o contexto,

segundo o que "o sentido de um objeto está nas mudanças que ele exige em nossa

atitude, e o sentido de uma idéia está nasmudanças que ela, como nossas atitudes,

efetua nos objetos".66

Com isso, se quer dizer que o contextuaíismo dialético é opostulado principal da Teoria P-, cuja expücitação cabal e analítica constitui tarefaespecífica que demanda tratamento à parte.

Merece atenção o fato de que as elaborações teóricas mais frutíferas a res-

peito da mudança social são oriundas de cientistas sociais que lidam com pro-

blemas de administração, gerência e organização. Os resultados de algumas das

explorações e experimentos desses cientistas atuantes terão um grande impacto no

terreno mais amplo da ciência social em geral.

Segundo Martindale, muitos sociólogos admitem que a "teoria da mu-dança social é o ramo mais fraco da teoria sociológica".*'1 Esse assunto, observa

62 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episcemológicas e modelosde análise

Wilbert Moore, faz com que "a maioria dos cientistas sociais pareça estar na

defensiva, em atitude furt iva, assustada ou carregada de culpa".68 Essa situação

não é meramente ocasional e não poderá ser superada enquanto a ciência social

continuar a ser influenciada pela Teoria T V . São dois os postulados da Teoria T V ,

conforme explicamos aqui, a saber: o enfoque sinóptico e a necessidade de o

cientista alienar-se do processo. Os termos intrínsecos do processo social são

tais que ninguém que lhe seja alheio poderá conhecê-lo ou ter dele uma com-

preensão integral em qualquer momento. Pela seguinte afirmação de Parsons,

podemos ver que o que ele considera uma fraqueza temporária da ciência socialem geral é, na realidade, uma fraqueza irremediável de uma corrente sociológica

influenciada pela Teoria jV :

[...] [Uma] teoria geral do s processos de mudança do s sistemassociais não é possível

no es tág io atual do conhecimento.A razão, muito simplesmente, é que esta teoria

implicaria o conhecimento completo das leis de processo do sistema, e nós não

possuímos esse conhecimento.69

Essa atitude metodológica, sinóptica e antiparticipativa é o principal fator

que levou ao beco sem saída em que se meteram muitas "teorias" de moderniza-

ção. Essas "teorias" geralmente não tratam da questão de dirigir e implementar a

mudança".70 Esta última observação é de um cientista social às voltas com proble-

mas de gestão, que acrescenta:

Com o que eu não concordo — e incluo aqui as teorias recentes de neoconflito,

neofuncionalismo e neo-evolução — é que tendam a identificare explicar as

interações dinâmicas de um sistema, sem se preocupar em dar indicações sobre

a identificação de alavancagens estratégicas para alternativas".71

Bennis, tal como Robert Chin, clama por teorias para mudança em ve z de teoriasde mudança (theoríes ofchanging , instead of theories ofchange). Essa questão sópode ser resolvida por uma ciência social concreta e existencial.

Mod ernização em novo estilo

Consideremos agora a dicotomia "nações desenvolvidas versus nações em

desenvolvimento". Os autores que adotam sem espírito crítico essa dicotomia

costumavam localizar a modernidade na Europa Ocidental e nos EUA e conceber

a modernização como um processo de disseminação, pelo resto do mundo, de

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 63

 

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certos tipos de objetos e comportamentos originados naqueles países. Assim, por

exemplo, o professor Bendix, em seu livro, declara que por modernização entende

"um tipo de mudança social que teve origem na revolução industrial da Inglaterra,

1760-1830, e na revolução política da França, 1789-1794".72 Afirma, outrossim,

que a modernização "é um tipo de mudança social que consiste, desde o século

18, no progresso econômico e político de uma certa sociedade pioneira e em sub-

seqüentes mudanças em sociedades seguidoras".73

Essas afirmações salientam alguns dos pontos principais da moderniza-

ção. A modernização certamente representa um novo tipo de mudança social

na história. A revolução industrial na Inglaterra e a revolução política na França

podem ser tomadas como pontos de referência. Antes desses eventos, não acon-

teceu a modernização principalmente porque se imaginava que toda sociedade se

transformaria "em virtude de suas próprias forças e propriedades".74 Em outras

palavras, o que Sorokin denomina "o princípio da mutação imanente" pode ser

considerado o principal instrumento heurístico para explicar o fenômeno da mu-

dança, segundo os cientistas sociais clássicos. A invocação freqüente desse prin-

cípio refletia as condições empíricas das diversas sociedades. Estas eram sistemas

mais ou menos fechados, e o intercâmbio e os contatos entre elas eram ocasionais,

raros e descontínuos.

Nessas circunstâncias, o mundo não poderia ser entendido como uma ca-

tegoria sociológica atuante".75 Quero dizer com isso que não existiam suportes

empíricos para esse conceito. A terra não constituía, realmente f um mundo uni-

ficado, mas um mosaico de sociedades diferentes e segregadas, com intercâmbio

limitado, resultante de empreendimentos ou expedições de indivíduos que via-

javam por terra, mar ou rio, ou de aventuras bizarras como as de Marco Polo,

um personagem quase tão irreal quanto o imaginado por Montesquieu em suas

Cartas pérsicas.

Diria que, até então, nenhum sistema de vinculaçóes, nenhuma rede de

relações culturais, políticas e econômicas reun ira as sociedades do mundo num

supersistema dinâmico. Foi sobretudo em função do que os antropólogos deno-minam "convergência" que as diferentes sociedades chegaram a estágios seme-

lhantes. Como se sabe, a convergência decorre de as sociedades modificarem-se

independentemente, e não por imitação ou origens comuns, e se explica pelo as-

sim chamado "princípio das possibilidades limitadas".76 Diverso da convergência

é o fenômeno da difusão, termo mais apropriado para designar um intercâmbio

ocasional entre sociedades diferentes.

A modernização torna-se um problema da história contemporânea quan-

do, pela primeira vez, surgiram condições como o mercado internacional e as

redes de transporte e comunicação, permitindo o funcionamento efetivo de um

64 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases ep   s temo ógicas e modelos de análise

-f?

supersistema mundial ou uma sociedade mundial, que hoje "penetra"77 toda

sociedade. Em outras palavras, a modernização é um subproduto do processo que

está criando a sociedade planetária e o homem planetário.78 Hoje toda sociedade

é penetrada por esse supersistema mundial, de modo que suas mudanças são cada

vez menos explicadas por "suas próprias forças e propriedades".

Assim, as teorias vigentes de modernização estão em grande parte atrasadas

e defasadas, em relação ao estágio contemporâneo da história mundial, na medida

em que seus autores têm ainda continuado a concebê-las a partir da perspectivados contextos nacionais. A menos que liberte sua mente da "armadilha cognitiva"

da nação,79 ninguém poderá hoje compreender os termos reais da questão da mo-

dernização. Os problemas críticos da modernização são impensáveis e insolúveis

no interior das bordas da categoria nacional.

Cumpre salientar dois efeitos da emergência de uma sociedade planetária,

relacionados com modernização:

a) o efeito demonstração-™ o conjunto de aspirações das nações em desenvol-

vimento é, em larga escala, moldado pelo tipo de consumo normalmente

encontrado nas nações desenvolvidas. Isso se deve não só à rede de transporte e

comunicação, mas ainda à pressão exercida pelas nações hegemônicas a procu-ra de mercados para seus produtos. As populações das nações periféricas estão

continuamente expostas à influência do padrão de vida vigente nas nações

desenvolvidas e procuram alcançá-lo também. Esse fato está na raiz de uma

das principais características de muitas nações novas: o desequilíbrio entre as

aspirações do povo e a capacidade do sistema produtivo de satisrazê-las, tanto

em termos quantitativos quanto qualitativos. As nações periféricas têm sido

definidas como aquelas em que o sistema econômico em geral não é capaz

de garantir para o povo um padrão mínimo de vida, no sentido em que esseconceito é entendido no contexto internacional.

A partir do "efeito demonstração" emergem padrões de ética mundial se-gundo os quais a pobreza se torna intolerável neste momento da história mundial

em que existem recursos para eliminá-la. As pessoas começaram a se dar conta1 cada vez mais de que a erradicação da pobreza é impedida menos pela escassez

de recursos materiais do que pelas restrições institucionais, em todo o mundo.81

Assim, como já foi salientado, a par t i r da perspectivade uma ética mundial emer-

gente, a opulência das sociedades hegemônicas torna-se hoje imoral e imprati-

cável. Os custos econômicos e psicológicos do atual sistema mundial, com áreas

restritas de abundância em meio a áreas maiores de fome ou pobreza, tendem aaumentar geometricamente para as nações hegemônicas.82

A modernização em nova perspectiva: em basca do modelo da possibilidade * 65

 

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b) o efeito dominação: embora cada nação seja penetrada por um supersistemainternacional, as nações hegemônicas podem ser consideradas centros de de-

cisão relativamente autônomos, sobretudo no campo do mercado mundial.A expressão "efeito dominação", proposta pelo economista francês François

Perroux,83 é usada para explicar a dinâmica da s relações assimétricas entre asnações hegemônicas e as demais. Há hoje uma economia mundial que fun-ciona de forma tal que certos países, mesmo sem qualquer intenção de fazê-lo,

condicionam de modo decisivo as outras economias nacionais muito mais doque eles próprios são condicionados. No estagio atual de evolução do mundo,

onde as nações possuem capacidades econômicas desiguais, as menos desen-volvidas acham-se permanentemente sujeitas a uma espécie de "bombardeiocósmico",84 pois não conseguem escapar ao efeito dominador exercido sobreelas pelas nações hegemônicas. Tudo o que podem fazer é adaptar-se a esseefeito. A adaptação pode se r passiva ou ativa. Normalmente, a modernizaçãobem-sucedida, como no caso do Japão, por exemplo, coincide com um ajusta-mento ativo, sendo então decisivo o papel exercido pelo governo no processode mudança social e econômica.

Conclusão

Acredito que as considerações seguintes ajudem a esclarecer o problema damodernização:

. 1. Pode-se dizer que os termos "desenvolvido" e "subdesenvolvido", ou "pionei-ro" e "seguidor", têm forte caráter ideológico. Parece sermais realístico distin-guir as nações em hegemônicas e periféricas.

E fácil compreender essa distinção co m base no efeito da dominação, ma s

ao se admitir o efeito de dominação não se quer dizer que as nações periféricas se-jam necessariamente seguidoras passivas das "nações pioneiras", e tampouco que asnações hegemônicas sejam completamente autônomas. A s duas são influenciadase condicionadas por um supersistema, a economia mundial, ou a sociedade mun-dial, cuja dinâmica se sobrepõe à d e qualquer sistema nacional em particular.85

A distinção entre países hegemônicos e periféricos tem conotações dinâmi-cas que precisam ser ressaltadas.Em termos de história, jamais a posição de qual-quer nação singular na área central ou periférica do mundo pode serconsideradapermanente. As nações periféricas, como os EUA do final do século 19, podemse deslocar para a área central. Uma nação central, como a Inglaterra anterior ao

66 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

século 20, pode ser colocada na posição de perda gradual de seu domínio, comose pode observar hoje. A o olharmos o supersistema mundial como um arranjo deequilíbrio instável, já podemos especular, como o fez Huntington, sobre o prová-

ve l processo de desintegração e decadência qu e afetará os EUA, a partir mais oumenos do ano 2000, e que coincidirá com a ascensão de nações como a Indonésiana região sudeste e a China na região continental da Ásia.86

2. Vem surgindo ultimamente uma corrente científica que contribui para aformação de uma metassociologia e uma metaeconomia da modernização.

Alguns autores, como J. K. Galbraith, C. Wright Mills e David Riesman, de~V ímonstram que existe um a patologia da sociedadeajàastada, como também da

--• 1 sociedade pobre. Tomando"pôTbáse ascríticas correntes sobre casos episódicost'de desenvolvimento excessivo, seria possível elaborar um conceito elíptico demodernidade capaz de servir como "referência" ou "foco" para avaliação tantodas sociedades hegemônicas como das periféricas.

Do ponto de vista da metassociologia da modernidade, ambos os tipos desociedade representam casos de modernização falha.87 Nenhuma sociedade em

particular, em sua forma episódica contemporânea, pode se caracterizar como pa -radigmática, como uma sociedade modelar de modernização.88 Se considerarmosqualquer sociedade como "sociedade de referência", no processo de moderniza-

ção, estaremos encorajando concepções tautológicas nessa matéria.Muitas inadequações das teorias de pré-requisitos resultam da identifi-

cação da "sociedade paradigmática" com uma sociedade hegemônica episódica.Naturalmente, se levarmos muito a sério a afirmação de Marx, de que "o paísmais desenvolvidp..^exibe ao menos desenvolvido a imagem de seu própriofuturo", corremos o risco de cristalizar como modelo normativo algo que é

apenas uma concretização casual de uma entre muitas possibilidades objetivasde modernidade.

A sociologia da modernização não pode se erigir sobre um conjunto depré-requisitos tomados de sociedades consideradas já modernizadas. Tal socio-logia tem seu calcanhar de Aquiles no fato de basear-se num ingênuo raciocíniopost hoc. Necessitamos de uma sociologia paripassu e dialética de modernização,

' pois que, como dizia Hartmann, "há no mundo muito mais de possível do que

de realizado".89 Em relação à modernização, o êxito de qualquer sociedade serásempre parcial, jamais total. A sociologia não pode sucumbir ante ao sucesso:qualquer corçiplacência seria perigosa. A modernização nunca termina.90

A modernidade é um fato ecumênico e universal. Não se confina a quaisquerpontos geográficos específicos da Terra. Moderno é hoje o mundo contemporâneo

A modernização em nova perspectiva: em btísca do modelo da possibilidade • 67

 

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em seu parcicípio presente, ou em suas possibilidades objetivas, e não alguma socie-

dade nacional em particular. Por isso, embora possamos compreender sua eficácia

tática, temporária, do ponto de vista político, qualquer forma de provincianismo

ou nacionalismo, hegemônico ou periférico, representa, em última análise, um

obstáculo à modernização. Atraso e modernidade tendem cada vez mais a perder

conotações geográficas. Hoje em dia, a comunidade universal instruída e científica

precisa considerar que todas as nações são atrasadas e modernas ao mesmo tempo,

embora em graus diferentes.

3. A modernização, como objeto de estudo, tem sido por demais circunscrita a

sistemas nacionais. Evidentemente, a modernização constitui um problema

para toda sociedade nacional. Entretanto, para clarificar o significado des-

se processo, temos de levar em consideração o supersistema internacional.

Nenhuma sociedade em particular pode desenvolver plenamente suas pos-

sibilidades de modernização sem que o supersistema internacional seja insti-

tucionalizado em termos que façam desaparecer as barreiras à constituição de

uma ordem planetária.

A modernização, em larga escala, das nações periféricas, depende da ins-titucionalização da sociedade planetária. Essa sociedade já existe, mas em estado

anárquico. Aliás, a persistência de irracionalidades e disfuncionalidades nesse su-

persistema transnacional torna-se cada vez mais perniciosa, não só para as nações

periféricas, mas também para as hegemônicas. Com efeito, elas ameaçam a pró-

pria sobrevivência das nações hegemônicas.

A modernização de qualquer sociedade nacional constitui, em certo senti-

do, um problema de alocação racional e funcional de fatores e recursos no mun-

do. Acresce que as nações hegemônicas não conseguem resolver perfeitamente

seus problemas internos específicos sem esses tipos de alocação. Podemos dizer,

parafraseando Gilbert Seldes, que o único luxo que as nações ricas não podem se

permitir é a pobreza das nações pobres.91

Temo que designações como "Terceiro Mundo", "Segundo Mundo" e

"Primeiro Mundo", na esfera acadêmica, induzam ao equívoco aqueles que ge-

nuinamente procuram compreender os problemas de nosso tempo. Essa com-

partimentalização do mundo é mais conveniente aos interesses radicados do que

às legítimas necessidades de conceitualização da dinâmica concreta do super-

sistema internacional. A comunidade universal de cientistas e intelectuais tem

agora a oportunidade de ser uma força política e um agente ubíquo de moder-nização deveras importante em toda parte, assumindo o papel de esclarecedora

de equívocos e incompreensões relativamente aos processos que ocorrem dentro

68 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episternológicas e modelos de análise

do supersistema internacional. Podemos reconhecer a utilidade da tricotomia

"Terceiro Mundo", "Segundo Mundo" e "Primeiro Mundo", mas não compete

aos cientistas sociais legitimá-la.

4. A modernização é uma preocupação humana constante. Quero dizer, as pes-

soas esperam dos cientistas sociais não só que eles compreendam esse processo,

mas também que o conduzam, que o dirijam. A modernidade não é uma

espécie de entidade metafísica, nem um conjunto de elementos prescritivos aserem adotados pelas nações periféricas como "a melhor maneira" de proceder,

se quiserem modernizar-se. Na prática, a modernização exige de cada governo

a capacidade de aprender com as situações e nelas descobrir atalhos para a

modernidade, ou seja, um comportamento estratégico. Penso sobre os muitos

casos de "colapso da modernização" e me pergunto se os cientistas sociais não

podem contribuir para evitar essas experiências dramáticas. Acredito que pos-

sam. Mas, para cumpr ir esta promessa, terão de superar o caráter provinciano,

especulativo e determinista que domina as teorias contemporâneas de moder-

nização.

Notas

1. BENDLX, Reinhard. What is modernization? Estudo apresentado à 45a Sessão do Ins-

títute of World Affairs dedicadaà temática de "Dynamics of development institutionsf

processes and techniques". University of Southern Califórnia, V on KleinSmid Center

of International and Public Afrairs, 1967. Também publicado no livro organizado po r

Belíng e Totten, cap. 2, p. 9, referido na noca editorial, sob asterisco (*), p. 41.

2. Id. ibid., p. 4.

3 . Ver LEVY, Jr., Marion J. Some social obstacles to capital formation in underdeve-

loped áreas. In: ABRAMOVITZ, M. (Ed.). Capital formation and economic growth,Princeton, N ew Jersey: National Bureau of Economic Research.

4. Ver EISENSTADT, S. N . Moâernizat ion:protestandcbange. Englewood Cíiífs, N ew

Jersey: Prentice-Hall, Inc., 1966, p. 1. Para um a visão geral sobre*modernização, verChong-Do Hah e Jeanne Schneider, em : Critique of current studies on political

development and modernization. Social Research, Jun. 1968.

5. V er MILLS, C. Wright. Power, politics an d people. N ew York: Ballantine Books,

1963. p. 156.

6. Ver HIRSCHMAN, Albert O. The strategy of development. N ew Haven: The YaleUniversity Press, 1966,p. 4. Ver também H I RS CH M AN , A. O. Developmentpro-jects observed. Washington: The Brookings Institution, 1967.

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 69

 

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7. Ver HIRSCHMAN. Thestrategyofdevelopment. p. 9.

8. Ver GERSCHENKRON, Alexander. Ecônomic backwardness in historicalperspective.

NewYork: Frederick A Praeger, 1962, p. 6-7. Vertambém GERSCHENKRON, A.

Cont inui ty in history an d other essays. Cambridge, Mass.: Belknap Press of Harvard

University Press, 1968.

9. O conceito de possibilidade cem sido focalizado com base em diferentes

pontos de vista. Ver, po r exemplo: ABBAGNANO, Nicola. Possibilita e li-

berta. Turim, Itália: Taylor (Ed.), 1956; BUCHANAN, Scott. Possibility.Londres: Kegan Paul, Trench, Trubner and Company, Ltd., 1927; ADAMS, Ge-

orge R.; LOEWENBERG, J.; PEPPER, Stephen C.; (Eds.). Posstbility. Berke-

ley, Califórnia: Califórnia University Press, 1934; COSTELLO, Harry Todd.

A philosophy of~therealand'thepossible. NewYork: Columbía University Press, 1954;

DARBON, André. Lê s catégoríes de Ia modalité. Paris: Presses Universkaires de Fran-

ce, 1956; BARNES, Hazel E . Humanis t ic existentialism, th e literature ofpossibility.

Lincoln, Nebraska: University ofNebraska Press, 1965; HACKING.Tom. Possibili-

ty. Philosophical Review,Açnl 1967; JOUVENEL, Bertrandde. The art ofconjecture.

New York: Basic Books, 1967.

10. "[..,] já examinamos as razões de estrutura probabilística das explicações históricas,

mas nenhuma delas tem fundamento para rejeitar o determinismo". NAGEL, Er-nest. The structure ofscience, problems in the logic ofscience. N ew York: Hartcourt,

Brace and World, Inc., 1961, p. 599.

11. V er BLOCH, Ernst. Sur Ia catégorie de Ia possibilite. Révue de Métaphisique et deMorale, Vol. I, p. 76, Jan./Mar. 1958.

12. Ver LOVEJOY, Arthur O. The great chain of be ing . Cambridge, Mass.: Harvard

University Press, 1957. Em relação a várias perspectivas sobre necessidade, ver

BLANSHARD, Brand. Th e nature of thought . Londres: George AJlen and Unwin,

Ltd., 1939, v. 2. Ver também CHENEY, Edward P. Law in history an d other essays.

N ew York: AlfredA. Knopf , 1927; BERLIM, Isaiah. Historical inevitability. Londres:

Oxford University Press, 1955.

13. Ver BOAS, George. Renouvier, Charles Bernard (1815-1903). In: EDWARDS, Paul

(Ed.). The encyclopediã ofphilosophy. N ew York: Th e Macmiílan Company and theFree Press. v. 7, 1967-p. 181.

14. Ver RENOUVIER, Charles. Uchronie (rutopie dans l 'histoire), esquisse historique

apocryfhe du développement de Ia civilization europêenne te l quil ri a pás été, tei quil

auraitpu être. 2. ed. Paris: Felix Alcan, 1901. p. 8. Sobre Renouvier, ver: BRIDEL,P. H. Charles Renouvier e t sã philosophie. Lausanne, Suíça: Georges Bridel & Cie, edi-

teurs, 1905; PICARD, Roger. La philosophie sociale de Renouvier. Paris: M. Rivière,1908. V er também: LONG, Wilburg Harry. The philosophy of Charles Renouvier andits influence on William James. Tese (Doutorado)—Universidade de Harvard, 1 Q dej u nh o de 1925. Mimeografado.

70 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

17.

18.

19.

20.

V er RENOUVIER, op. cit., p. 411. Apesar de não se referir a Renouvier, Bertrand

de Jouvenel usa a abordagem "ucrônica". Ele especula sobre como seria a história

contemporânea mundial, se a revolução comunista tivesse acontecido primeiramen-

te nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, conforme a previsão de Marx. Ver JOU-

VENEL, p. 77.WEBER, Max. Th e methodology of social stience. New York: The Free Press of Glen-

coe, 1964, p. 173. V er também FREUND, Julien. Th e sociology ofMax Weber. N ew

York: Pantheon Books, uma divisão da Random House, 1968. p. 71-79.ld.ibid.,p. 174.

Id . ibid., p. 174.

"É mediante essa categoria que a adequação de nossa imaginação, orientada e disci-

plinada pela realidade, é julgada". WEBER, op. cit., p. 93.

WEBER, op. cit., p. 119. Vale lembrar aqui o que escreveu Trotsky sobre a re-

volução bolchevista: "[...] poder-se-ia dar ouvidos à opinião de que se não ti-

véssemos tomado o poder em outubro, poderíamos tê-lo tomado dois ou

três meses mais tarde. Redondo engano! Se não tivéssemos tomado o po-

der em outubro, jamais o teríamos tomado" (citado em MERLEAU-PON-

TY, Maurice. Signs. Evanston, Illinois: Northwestern University Press, 1964,

p. 276). BertranddeJouvenel também assinala: "[.  .] parece tolice não reconhecer queas decisões individuais representam causas históricas em sentido próprio. Acho muito

difícil entender como autores eminentes, tais como Engels e muitos outros, possam tersustentadooupropostoocontrário...porquantooprocessoofereceaoportunidadepara

o acontecimento,mas não determina sua natureza. Podia-se prever bem melhor o que

Hítler íria fazer, se prestássemos ouvido a seus discursos, em vez de estudar o processo.

O fato, tão expressivo em conseqüências, de um Hítler e não um Roosevelt ter

tomado o poder na Alemanha também não podia ser previsto por um método mi-

croscópico. Pois, se perguntarmos, em termos de generalidades, qual dos dois países

era considerado mais rico em cultura (na época), a resposta certamente é a Alema-

nha. E, no entanto, ela escolheu um líder autodidata, enquanto Roosevelt recebera

um a educação excelente. Se perguntarmos ainda onde a indiferença quanto à origemfamiliar era uma questão de princípio, a resposta é os Estados Unidos. E este, no

entanto, se deu um presidente patrício, enquanto os alemães se submeteram a um

deracinèr In: JOUVENEL. B. de, p. 108-110.

- "II nyadesciencequeducache .BACHELARD, Gaston.LaformatíonefeFespritscien-

tifique. Paris: Presses Universkaires de France, 1938, p. 55-72. Apud GURVITCH,

Georges. Déterminismes soc iaux et l iberte humaine. Paris: Presses Universítaires de

France, 1955, p. 56.

. VerWEBER, Max. The social causes of the decay of ancient civilization. Journal of

General Educat ion, v. 5, p. 77, 1950.

A modernização em nova perspectiva:em busca do modelo da possibilidade • 71

 

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23. Ver MANNHEIM, Karl. M an an d society in an ag e of reconstructíon. N ew York:

Harcourt, Brace & World, Inc., 1967, p. 189-24. Id. ibid., p. 188.

25. BLOCH, Ernest. Da s Prinz ip Hoffnung. Frankfurt: Suhrkamp Verkg. 1959. 2. v.Sobre as idéias de Bloch, ver FURTER, Pierre. Utopia e marxismo, segundo ErnstBloch. Tempo Brasileiro, v. 3, n. 7, out. 1965. Nesse mesmo número de Tempo Bra-

sileiro há duas resenhas de P. Furter sobre Da s Prinzip Hoffhung e Thomas Munzerais Theolog der Revolution, de Bloch. Ver também FURTER, Pierre. Da utopia àrevolução. Revista Civilização Brasileira, v. l, n. 7, maio 1966. V er também R UHLE,

J. Ernst Bloch, the philosopher of hope. In: LABEDZ, Leopold. Revisionism, e s s a y s

on th e history ofmarxist ideas. Londres: Allen & Unwin, 1962; BLOCH, Ernst. Manan d citizen according to Marx. In: FROMM, Erich (Ed.). Socialist human ism . N ewYork: Doubleday & Company, Inc., 1966.

26. Ver BLOCH, E . Su r Ia catégorie de Ia possibilite, p. 65.

27. Conforme observou Pierre Furt er, David Riesman usou a palavra em sentido seme-lhante ao de Bloch. VerRIESMAN, D. Some observations on communi ty plans and

utopia. In: RIESMAN , D. Individualism reconsidered. Glencoe, Illinois: Free Press ofGlencoe, 1954. Na mesma linha, ver GOODMAN, Paul, Utopian e s s a y s andpracti-calproposals. N ew York: V intage Books, uma divisão da Random House, 1 962. V erainda: BOGUSLAW, Robert. Th e ne w utoptans: a study of systems design and socialchange. Englewood Cliffs, N ew Jersey: Prentice-Haíl, Inc., 1965; MANNHEIM,

Karl. Ideology an d utopia. New York: Harcourt, Brace & World, Inc., 1966.28. BLOCH. Su r Ia catégorie de lã possibilite, p. 81. V er nota 11.

29. Ver GURVITCH, op. cit., p. 65. Ver também BOSSERMAN, Philip. Dialect icalsodology. an analysis of the sociology of Georges Gurvítch. Boston: Porter Sargent,1968.

30. Id. ibid., p. 82-3.

31. Ver o ensaio de MERTON, Robert. Manifest and latent functions, 1948. In: M E R-TON, R. Social theory an d social structure. N ew York: The Free Press, 1967. p. 52.(Edição revista e ampliada).

32. Id. ibid., p. 52.

33 . Ver MACIVER, R. M. Social cawation. N ew York: Harper & Row, 1964,p. 166.

34. Id. ibid., p. 167.35. Id. ibid., p. 166.36. Id. ibid., p. 169.

37. Ver DUPREEL, Eugène. Essais pluralistes. Paris: Presses Universitaires de France,1949, p. 201.

38. Ver BACON. Novum organum, v. 8. In: S P E D D I N G, J.; ELLIS, R. L.; HEATH,

D. D. (Ed.). Works ofFrancis Bacon. N ew York, 1869. p. 210. KUHN, Thomas S.

72 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases ep s erno ógicas e modelos de análise

The structure of scientific revolutions. Chicago: Th e University of Chicago Press,

1964. p. 18.

3 9 . "Estamos no limiar de outra revolução científica", anuncia BRONOWSKI, J. The

common sense ofscience. N ew York: Vintage Books, um a divisão da Random House,

p. 9 5- Bronowski escreve ainda: "Este pensamento é revolucionário na ciência mo-derna. Sub stitui o conceito de e f e i t o inevi tável pelo de tendência provável. Op . cit., p.

87.40. Ao se referir, por exemplo, à idealização da sociedade norte-americana fei-

ta po r Lipset, assim escreve Christian Bay: "Considere-se a recente suges-tão de Lípset de que se pode encerrar a busca pela 'boa sociedade' que o

homem persegue desde tempos imemoriais, porquanto agora já a temos.

A democracia, como a conhecemos, 'é a própria boa sociedade em ação'. Não sequer dizer com isto que a nossa democracia não possa ser mais aprimorada, mas,grosso m o d o , parece que 'o toma-lá-dá-cá da s lutas internas de uma sociedade livre'é o máximo a que se pode aspirar. N ossa sociedade é tão boa que Lipset considerabem-vinda, pelo menos para o Ocidente, a tendência, que ele enxerga, de se subs-

t ituir a ideologia política p ela análise sociológica". BAY, Chr istian. Politics andpseudopolitics: an evaluation of some behavioral literature. The Amer i can Political

Science Review, v. 59, n. l, mar. 1955.41. Ver GUERREIRO-RAMOS. Administração e estratégia do desenvolvimento. Rio de

Janeiro: Editora Fundação G etúlio Vargas, 1 966.42. O leitor encontrará muitos dados qu e sustentam esta afirmação em MYRDAL,

Gunnar. The Asian drama: an inquiry into the poverty of nations. New York: Pan-

theon, um a divisão da Random House, 1968.43 . Ver GERMANI, G. In form e general: Conferência Internacional sobre Investigación

Social Comparada en los Paises en Desarrollo: Desniveles Internos en ei Processode Desarrollo Econômico y Social de América Latina. Revista Latinoamericana de

Sociologia, v. l, n. l, p. 151, mar. 1965.44. Ver BARNARD, Chester L The junctions of the executive. Cambridge, Mass.:

Harvard University Press, 1948, p. 203.45. KERR, Clark; DUNLOP, John T.; HARBISON, Frederick; MEYERS, CharlesA. Indmtrialism and the industr ial man. Londres: Oxford University Press, 1964.

p. 33.

46. Ap ud edição brasileira do livro de KER R et ai. Industr ialumo e sociedade industr iai

Ri o de Janeiro: Usaid. 1959 . p. 44.

47. Como é sobejamente sabido, as variáveis de padrão, de Parsons, consistem dasseguintes dícotomias: (1 ) afetividade vs . imparcialidade afetiva; (2) orientação in-dividual vs . orientação para a coletividade; (3 ) universalismo vs . particularismo;(4) adscrição vs. realização (acbievement); (5) difusão vs . especificidade.

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 73

 

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48. Sobre a interpretação incorreta de Weber, ve r MOUZELIS, Nicos P. Organization

an d bureaucracy: an anah/sis of modern theories. Chicago: Aldine Publishing Com-pany, 1967, p. 38-75-

49. V er, por exemplo, STEPAN, Alfred. Política! development theory: the Latin Ameri-can experience.Journal of InternationalAffairs, v. 20, n. 2, 1966.

50. Ver BUCKLEY, Walter. Sociology and modern systems theory. Englewood Cliffs, N ewJersey: Prentice-Hall, Inc., 1967. p. 24.

51. Ver PARSONS,Talcott; SHILLS, Edward A (Org.). Toward a general theory ofac-t ion. New York: Harper & Row, 1962. p. 77.

52. Em ensaio a ser publicado, este autor discute algumas implicações das noções de

"conseqüências funcionais contraditórias" e "balanço líquido de conseqüências",que já foram examinadas por Gideon Sjoberg e R obert Merton. Ver: MERTON,

R. ; SJOBERG, G. Contradictory functional requirements an d social systems. The

Journal ofConflict Resolution, v. 4, 1960.

53. Ver MITCHELL, William C. Sociological analysis an d politics: the theo-

ries of Talcott Parsons. Englewood Cliffs, N ew Jersey: Prentice-Hall, 1967.p. 161.

54. Ver HIRSCHMAN, Albert. Obstacles to development: a classification and a qua-

si-vanishíng act. Economic Development an d Cultural Change, v.13,

n.4,

parte I,p.387,jul. 1965.

55- Ver HIRSCHMAN. Albert O., op. cit., p. 389-390. Ver também N Y E , J. S. Cor-

ruption and political development: a cost-benefit analysis. Th e Amer ican Political

Science Review, v. 61, n. 2, jun. 1967. Nesse artigo, Nye procura mostrar as con-seqüências funcionais da corrupção e que esta pode até, às vezes, "causar benefíciopúblico".

56. Ver RIGGS, Fred. W. Administrat ion in developing countries. Boston. Houghton-

Miffling Company, 1964. p. 37.

57. RIGGS, p. 38.

58. Ver HIRSCHMAN, Albert O., op. cit., p. 387, em que ele escreve: "... umobstáculo

ao desenvolvimento em geral pode ser definido como a au sência de uma ce rta con-dição que estava presente num país que posteriormente veio a desenvolver-se. Emmuitos casos, porém, a pergunta que deveria ter sido feita é quanto desta condiçãoestava presente. O excesso pode ser tão deletério quanto a insuficiência".

59 . Ver SERVICE, Elman R. The law of evolucionary potential. In: SAHLINS, MarshallD.; SERVICE, E lman R. Evolution andcul ture. Ann Arbor: University of Michigan

Press, 1960.

60 . Karl Popper denomina "holísmo" o enfoque geral de Comte, Mill, Marx e outrosautores que admitem a possibilidade de se compreender inteiramente o curso doseventos. Em seu livro The poverty of historicism (New York: Harper & Row f 1964),

74 * Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemoíógicas e modelos de análise

ele contrapõe a "análise fragmentária" (piecemeai engeneeríng) ao "holismo". EscrevePopper: "O enfoque característico do analista fragmentário é o seguinte: Mesmoque possa simpatizar com alguns ideais que dizem respeito à sociedade como umtodo - seu bem-estar geral, quem sabe - ele não acredita nométodo da reformulaçãoglobal da sociedade. Quaisquer que sejam seus fins, ele procura atingi-los por meiode pequenos ajustes e reajustes, e estes podem ser continu ame nte aperfeiçoados" (op.cit., p. 66). Apesar de concordar com a tese central do livro de Popper, parece-mearbitrário o significado que ele atribui à palavra "holismo". Prefiro considerar que o

"holismo" eqüivale à "lei da situação" (ou "situacionismo"), de Mary Parker Follet,que representa uma sadia reação teórica contra o "reducionismo".

Da mesma forma, não creio que seja correto equiparar o holismo ao historicismo,

como o faz Popper. N a verdade, há correnteshistoricistas (por exemplo, M ax Weber)que não se harmonizam com o conceito de historicismo usado por Popper. Alémdisso, parece-me que Popper interpreta Mannheim incorretamente, ao considerá-loum representante do "holismo". Se, em vez de "holism", Popper houvesse empregadoa palavra "uiholism" em seu livro The poverty of historicism, minha concordância comele seria quase total. N um ensaio qu e aparentemente antecipou a tese de Popper,Hayek empregou o termo "whole" (inteiro, todo). Ver HAYEK, F. A. V. Scientísmand the study of society. Econômica., v. 9 , n. 35 (N ew Series), ago. 1942; e v. 10, n.

37 (New Series), ano 23, fev. 1943. Ver também a elaboração mais detalhada dasidéias de Popper em seu livro Th e open society an d tts enemies; v. 2. New York, Harper

& Row, 1963.61. Ver BRAYBROOKE, David; LINDBLOM, Charles L. A strategy of decision: policy

evaluation as a socialprocess. NewYorlc The Free Press, 1963. p. 73.

62. Id.ibid., p. 81.63 . Ver ROUANET, Sérgio Paulo. Os campos práticos-noéticos: notas introdutórias.

Tempo Brasileiro* ano 4, p. 11-12, ago./out. 1966. Ver também KOTARBINSKI, T.Praxiology: an introduction to the science of efficient action. N ew York: PergamonPress, 1965; B R U Y N , Severyn T. Th e human perspective in sodology: the methodo-logy of participam observation. Englewood Cliffs, N ew Jersey: Prentice-Hall, Inc.,

1966; BLUMER, Herbert. Society as symbolic interaction. In: ROSE, Arnold M.Human behavior an d socialprocesses. Boston: Houghton Mifflin Co., 1962.

64. Ver, po r exemplo, ETZIONI, Amitai . The active society. N ew York: Th e Free Press,1968. Especialmente, o capítulo 12:Mixed scanning: an active approach to decisionmaking.

65. V er DEWEY, John. Essays in experimentallogic. N ew York: Dover Publications, Inc.,s.d.,p. 304.

66. Id. ibid., p. 310, Ver taníbém DEWEY, John. O n experience, nature andjreedom.N ew York: Liberal Arts Press, 1960. Especialmente, o capítulo 4: "Context an dthought".

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 75

 

67. Ver MARTINDALE. Don. Introduction. In: ZOELSCHAN, George K.; HIRS- Government an d politics in the 20th century. N ew Frederick A. Praeger, 1965;

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CH , Walter (Org.). Explomtiow in social change. Boston: Houghton Mifflin Co.,

1964. p. 11.

68. Ver MOORE, W E. A reconsideratíon of theories of social change. Amer i can Socio-

logical Review, v. 25, p. 810-18, 1960. Apud BENNIS, Warren G. Changing organi-zat ions. New York: McGraw-Hill Book Co., 1966. p. 99.

69 - V er PARSONS, Talcott. The social system, N ew York: The Free Press, 1951. p. 486.70. Ver BENNIS, op. cit., p. 9 9 -

71. Id. ibid., p. 99. Ver também CHIN, Robert. The utility of system models and de-velopmental models for practitioners. In: B E N N I S . W. G.; BENNÉ, Kenneth D.;

CHIN, Robert (Eds.). The planning of change. New York: Hoít, Rinehart & Wins-ton, 1966.

72. BENDIX, op. cit., p. 6.

73. Id. ibid., p. 12.

74. Eis as palavras com que Sorokin explica o que ele chama "o princípio da mudançaimanente". V er SOROKIN, Pitirim A. Social an d cultural dynamics. N ew York: Th eBedminster Press, 1962. p. 590. v. 4.

75. O mund o, como categoria sociológica, representa uma nova ferramenta analítica,

tão útil hoje qua nto o foi o conceito de classe social no século 19 . O a utor deu aten-

ção a esta questão em seu livro Adminis tração e estratégia do desenvolvimento. Rio deJaneiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1966. Nota do tradutor: A 2a edição des-

te livro saiu, em 1983, com o tí tulo Adminis tração e contexto brasileiro, pela mesmaeditora.

76. Sobre a convergência e o princípio daspossibilidades limitadas, ver SOROKIN, op.

cit. Sorokin remete a: GOLDENWEISER. Th e principie of limited possibilites.Journal of Amer i can Folklore, v. 26, p. 259-90, 1913; THURNWALD. R. Th e spell

of limited possibilities. Amer i can Sodological Review, p. 195-203, abr. 1937; LO-WIE R. On the principie of convergence in ethnology. Journal of Amer i can Folklore,

v. 25, p. 33 segs., 1912.

77. N ão emprego este verbo exatamente no sentido em que foi proposto por Rosenau;

mas a idéia de "penetração", que uso neste texto, fo i inspirada por seu artigo: Pre-theories and theories of foreign policy. In: FARREL, R. Barry (Ed.). Approaches tocomparative an d intemanonal poli t ics . Evanston, Illinois: Northwestern UniversityPress, 1966.

78. Ver WARD. Barbara. Spaceship Eanh. New York: Columbia Universi-

ty Press, 1966; BOULDING, Kenneth E. Th e meaning o f t he 20th cm-

tury: the great transition. N ew York: Harper & Row, 1965; DESAN,Wilfrid. The planetary man: a noetic prelude to a united world. Washington:Georgetown University Press, 1966; CARTER, Gwendolen M.; HERZ, John H.

76 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epis emo ógicas e modelos de análise

MYRDALL, Gunnar. Beyonâ th e welfare state. N ew Haven: Yale University Press,1965; PARSONS, Talcott. Order an d community in the international social system.In: ROSENAU, J . N. International politics an d foreign policy. N ew York: The FreePress, 1961; GALTUNG, Johan. On the future of the international system. Journal

ofPeace Research, v. 4, 19 67; PEC CEI, Aurélio. World problems in the comingdecades. Amer i can Behavioral Scientist, v. 11, n. 6, jul./ago. 1968; MCHALE, John.Global ecology: toward the p lanetary society. American Behamoral Scientist, v. 11 , n.

6, jul./ago. 1968.79. "O estado-nação corre assim o perigo de tornar-se um a armadilha cognitiva para seu

povo, em tempos de paz, e uma armadilha de morte, em caso de guerra". DEUTS-CH, Karl. Nation and world. In: POOL, Ithiel de Sola (Ed.). Contempomrypoli t icat

science: toward empírica! theory. N ew York: McGraw-Hill Book Co., 1967. p. 218.80 . Este termo fo i proposto inicialmente pelo economista J. S. Duesenberry. V er tam-

bé m o meu conceito do "efeito de prestígio": GUERREIRO-RAMOS. A redução

sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965. V er ainda o trabalho (emmimeo) Towards an ecumenical social science, que apresentei aos membros do corpodocente das universidades de Stanford e Berkeley, no "Faculty Center" de Stanford,

em 25 de maio de 1967.

81. N a mesma l inha, afirma Robert Theobald: "Não há mais qualquer limite efetivo paranossas capacidades produtivas. Deixamos para trás a lúgubre ciência da economiatradicional. U Thant, Secretário-Geral da s N ações Unidas, expressou esta realidadecom as seguintes palavras: 'A verdade, a surpreendente verdade elementar, sobre ospaíses desenvolvidos de hoje, é que eles podem ter - em qualquer época, senãoem

prazo curtíssimo - todos os recursos, em espécie e escala, que quiserem ter. Já nã osão mais os recursos que limitam as decisões. E a decisão que cria os recursos. Esta éa mudança revolucionária fundamental - talvez a mais revolucionária de todas que a

humanidade tenha jamais conhecido"'. V er THEOBA LD, Robert. Cybernetics andth e problems of social reorganization. In : DECHERT, Charles R. The social impact

of cybernetics. N ew York: Simon & Schuster, 1967. p. 44.

82. "A viabilidade do atual sistema socioec onômico da escassez baseia-se numa relaçãomuito simples. Presume-se que praticamente todos os que procuram empregos te-nham efetivamente a possibilidade de encontrá-los e que a renda gerada por essesempregos torná-los-á aptos a agirem como consumidores ajustados. O funcionam en-to efetivo do atual sistema socioeconômico depende, portanto, totalmente da capa-cidade de se prover empregos em qu antidade suficiente para todos. A incapacidadecontínua de satisfazer a esta condição invalida o atu al mecanismo de distribuição derenda, que só funciona enquanto persistir a escassez. E nquanto o atual sistema socioe-conômico não for alterado, a abundância será um câncer, e as várias pa rtes do sistematerão que dar o melhor de si para inibir seu crescimento". Ibid., p. 49.

A modernização em nova perspectiva:em busca do modelo da possibilidade * 77

 

83. Ver PERROUX, François. UEurope sans rivages. Paris: Presses Universitaires de 89. Ver HARTMANN, Nicolai. Ontologia II: posibilidad y efectividad. México: Fo ndo

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France,1954.

84. Esta expressão consta num manuscrito inédito de Edwin Lieuwen.85. Pode-se considerar hegemônica a nação líder, no sentido de Thelen,

isto é, "um sistema integrante cuja produção exerce a máxima influên-

cia sobre os insumos dos outros sistemas integrantes e, por esse meio,controla as interações do supra-sistema". Apu d KATZ, Daniel; KAHN, Robert L.The social psychology of organ izat iow. N ew York: John Wiley & Sons, Inc., 1966.

p. 63.86. Ver HUNTINGTON, Samuel P. Political development and the decline o f t h e Ame-

rican system of world order. Daedalus. Summer 1967.

87. Ver HOROWITZ, J. L Three worlds of development: the theory and practice ofinternational stratification. N ew York: Oxford Universiry Press, 1966. Ele usa o ter-

mo "desenvolvimento falho" (mis-development) na p. 70. Para o estudo comparadoda s nações, em termos de uma estratificaçáo internacional, ver LAGOS, Gustavo.

International stratification an d underdeveloped countríes. Chapei Hill, N . C.: The

University of North Carolina Press, 1963; GALTUNG, Johan; M O RA Y ARAÚ-

JO, Manuel; SCHWARZMAN, Simon. El sistema latinoamericano de naciones: un

análisis estrucrural. América Latina, Rio de Janeiro, v. 9, n. l, jan./mar. 1966.

88. "Da mesma maneira que Hegel interpretou toda a história mundial como se esti-vesse culminando no estado germânico de seu tempo, assim também os teóricosmodernos têm se inclinado a interp retar a mu dança social e econômica como se esti-

vesse culminando, também ela, hoje, na versão deles de sociedade 'moderna'. Assim,para Lerner, Rostow e Ríggs, respectivamente, as sociedades que são 'tradicionais',

'subdesenvolvidas' ou 'mistas' (indiferenciadas) passam por estágios 'transicionais',

'de arrancada' e 'prismáticos', até que finalmente alcançam a 'modernidade', o 'con-

sumo de massa' ou a 'refração' (diferenciação elevada). Esse 'hegelianismo' dos diasde hoje permite que os estudiosos oriundos da s sociedades 'desenvolvidas' fujam

à tensão e às frustrações domésticas, e se concentrem sobre as 'subdesenvolvidas'.E isso provoca um senso gratificante de superioridade entre seus compatriotas,

livrando-os das incertezas que os acompanhariam se tentassem entender a naturezada mudança social em seu próprio país. Mas se observarmos conscienciosamente

os vários elementos na estrutura social das sociedades 'desenvolvidas', mal conse-

guiremos evitar os fatos surpreendentes que sugerem processos multidimensionaís

de mudança social extremamente rápida. Essas mudanças são tão grandes que, naverdade, devemos considerar os Estados Unidos e todos os outros países da E uropaOcidental como sociedades 'transicionaís'". GROSS, Bertram M. The state of the

nation: social systems accounting. In: BAUE R, Raymond A . Social indicators. Cam-

brídge, Mass.: The M. L T. Press, 1966. p. 212.

de Cultura Econômica, 1956. p. 8.

90 . Para uma exposição mais detalhada sobre este assunto, ver meu livro Administração

e estratégia do desenvolvimento.

91. A sentença de Seldes é a seguinte: "O único luxo que os ricos não podem se perm itiré a pobreza dos pobres". Apud AY RES. C. E. Towards a reasonable society. Austin,

Texas: University of Texas Press, 1961. p. 293.

Co men tá r io

Antropologia fundamental e teoria das organizaçõesUbiratan Simões Rezende

A idéia dum "modelo da possibilidade" está profundamente radicada na

postura existencial de Guerreiro Ramos diante da realidade como um todo. Sua

biografia reflete uma história pessoal determinada pela tensão dinâmica entre

o possível e o ideal ou desejável. É a partir daí que se deve entender duas das

preocupações fundamentais que não só permeiam sua obra intelectual, mas que

também condicionaram sua atividade política e acadêmica: a preocupação em

denunciar o caráter reducíonista da ideologia da modernidade e a preocupação

em afirmar a identidade única de cada fo rma de manifestação da vida humana,

individual e associada.Guerreiro Ramos sustentava que o reducionismo característico das cha-

madas ciências sociais tinha como origem um entendimento distorcido do que

é "conhecer". A raiz de tantas abordagens unidimensionais do real estava, para

ele, numa epistemologia defeituosa típica da era moderna. Em toda a sua obra

(e especialmente a partir da publicação da Redução sociológica), o problema do

Ubiratan Simões Rezende, advogado por formação e Ph. D. em Administração Pública pelaUniversity of Southern Califórnia, cem desempenhado suas atividades profissionais e acadêmicasem dois países: no Brasil e nos EUA. Entre as diversas posições que ocupou, destacam-se, no

Brasil: professor concursado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), presidente do

Insticuto de Planejamento Técnico e Econômico (Itep), vice-presidente executivo da indústriade alimentos Perdigão, consultor político, entre outras; e nos Estados Unidos: secretário exe-cutivo da Secretaria Geral da OEA, professor visitante na Johns Hopkins Universiry, diretordos Programas de Pós-Graduação e dos Programas Internacionais do La Roche College, emPittsburgh, sênior vice-president de operações internacionais da empresa de telecomunicações

Mastec, em Miami, Flórida, e consultor da vice-presidência de Tecnologia da Informação doBanco Mundial, em Washington, D. C. Em seu curr icu tum, consca também uma produçãoacadêmica constante, sobretudo na forma de artigos publicados em revisras especializadas.

78 • Políticas púb licas e desenvolvimento: bases epistemo ógicas e modelos de análise A modernizaçãoem nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 79

 

Embora Guerreiro Ramos tenha denunciado mais sistematicamente essa

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de "possibilidade" explorado no artigo "Amodernização em nova perspectiva: em

busca do modelo da possibilidade".

A revisão das bases epistemológicas do pensamento moderno deságua ne-

cessariamentenuma nova antropologia, isto é, numa maneira distinta de conceber

a condição humana manifesta, ou presente, em cada pessoa e em cada sociedade.

Embora nunca sistematicamente articulada por Guerreiro Ramos, é essa nova

antropologia que afirma o valor intrínseco de cada forma concreta e objetiva da

vida humana - individual e associada - que elecontrapõe às abstrações teórico-

ideológicas características da modernidade.

Como para outros cientistas sociais e personalidades políticas de seu tem-

po, a experiência que desencadeia o discurso e a práxis em Guerreiro Ramos é a

experiência duma situação social de escassez para a maioria das pessoas em países

"não-modernos" vis-à-vis a experiência de abundância usufruída pela maioria das

pessoas em países "modernos". Ele permanece único, entretanto, na sua recusa

em aceitar a explicação determinística de que essa situação resulta de estrutu-

ras e processos socioeconômicos padrões em cujos confins se esgotam todas as

formas e possibilidades de vida humana individual e associada. A superação da

polaridade "moderno/não-moderno" não depende da destruição das estruturas edos processos (preconizada, por exemplo, pela "teoria da dependência") nem da

emulação das estruturas e dos processos que tipificam um país como "moderno"

(preconizada pela assim chamada, por Guerreiro Ramos, "Teoria N"), por um

lado, e "não-moderno", por outro lado.

O caminho em direção às possibilidades objetivas dos indivíduos e das

coletividades, para além dos arquétipos sugeridos como os únicos possíveis pela

ideologia da modernidade, passa em Guerreiro Ramos por uma crítica à razão

moderna e à ideologização da realidade. Para ele, a proposta teórica das ciên-

cias sociais está ab initio limitada pela sua subordinação exclusiva a um só tipo

de racionalidade - racionalidade formal ou funcional. Por desconsiderar a outra

dimensão da razão humana — a razão noética ou substantiva -, a ciência socialconvencional é incapaz de se debruçar sobre a experiência concreta de identi-

dade pessoal vivida por indivíduos e sociedades. A vida humana, individual e

associada, não pode ser compreendida só pelo exercício da razão moderna. Esta

última, predicada sobre o cogi to cartesíano, é sempre intencional, isto é, está sem-

pre condicionada ao objetivo pelo qual é exercida: buscar o universal por meio

da abstração. O que é único e singular não pode, pois, ser por ela compreendido.

O possível concreto depende constitutivamente do universal necessário: cogi to,ergo sum e nã o sum, ergo cogito.

80 • Políticas públicase desenvolvimento:bases epistemológicase modelosde análise

redução epistemológica apenas no seu último livro A nova ciência das organiza-ções, sua preocupação com as implicações concretas da redução da "inteligência"

ou "razão" ao cogi to cartesiano pata a teoria e práxis da vida humana individual

e associada permeia toda sua obra. A inteligência (razão), que abstrai com o fim

de universalizare expressa suas descobertas em "leis" semelhantes às leis mate-

máticas, é a inteligência capaz de manipular, controlar e dominar espaços sociais

e pessoais, mas não de conhecê-los em suas manifestações únicas e singulares.

O trabalho de Guerreiro Ramos posiciona-se contra a tirania dessa inteligência.

Ao sustentar que a inteligência ou a razão não pode ser reduzida ao exercí-

cio sistemático do cogi to cartesiano, sempre em busca da universalidade por meio

de abstração, Guerreiro Ramos assume implicitamente uma visão do homem di-

ferente daquela ínsita à visão moderna. É certo que sua obra não se preocupa

diretamente com uma "nova antropologia", mas contém-na implicitamente.

A antropologia por trás do pensamento de Guerreiro Ramos é a antropolo-

gia sistematicamente articulada por Václav Havei, Karol Woj tyla (papa João Paulo

H), Joseph Ratzinger (papa Bento XVI), Maurice Blondel, Paul Ricoeur, Urs von

Balthasar e tantos outros. O presidente daTchecoslováquia tinha tal antropologia

em mente, ao relembrar ao papa João Paulo II - na primeira visita deste último

àquele país, em 1990 - uma das linhas dum poema escrito pelo futuro pontífice

em 1974: "Pode a história fluir contra a corrente da consciência?" Havei queria

com isto sublinhar que o colapso do comunismo - uma das receitas universalistas

de organização da vida humana - era precisamente a vitória da consciência sobre

a história. Sim, a consciência não só pode, mas se constitui como consciência na

medida em que resiste à história.

Uma das dimensões constitutivas do ser humano é precisamente a resistên-

cia inata a qualquer tipo de determinismo; nesse caso, determinismo histórico.Consciência não se reduz à apreensão formal de leis universais. Consciência é

também disponibilidade inteligente (noética ou substantiva) para o "aqui e ago-

ra", concreto, individual, único, singular. Por isso, muitas vezes, a consciência

rejeita o fluxo da história e permite o exercício do fator de deliberação por indi-

víduos e sociedades.

Aqui é preciso notar que quando se fala da "consciência" do homem não se

está falando dum "homem interior", que existe independentemente da história,quase como, por assim dizer, uma "consciência pura". O que existe é a pessoa

humana concreta, completa, total, necessariamente encarnada na história. Cons-ciência, pois, é a capacidade do homem de resistir às tentativas da história de

submergi-lo em seu fluxo, de se recusar a ser totalmente definido pela história: a

sua, pessoal, ou a do coletivo no qual ele se insere.

A modernização em nova perspectiva:em busca do modelo da possibilidade "81

 

A tirania da história tem a mesma origem da tirania da inteligência. Ela se a consciência permanecedesassossegada e incompleta. Esse amor primordial, cons-

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radica naquele já referido atrelamento do homem a uma "consciência" que se rea-

liza táo-só pelo exercício da razão formal ou funcional. É essa concepção redutiva

de "consciência" que acaba por aprisionar o ser humano em uma forma ou outrade determinismo histórico.

A ideologia da modernidade psicologizou o termo "consciência" e rou-

bou seu sentido original: o de ser a "inferioridade autêntica" de cada pessoa.Talconsciência psicologizada é incapaz de se opor à história, porque não passa du m

produto dessa mesma história. Su a única aspiração é se alinhar ou conformar aocurso linear da história — rotulado pela modernidade de "progresso".

Essa consciência superficial é prisioneira da "inteligência/razão formal". Defato, a primeira não passadu m produto da última. Assim sendo, ta l consciência sópode opor alternativas a realidades que, em última análise, são engendradas pelo

mesmo ripo de "inteligência" ou "processo do conhecimento" que a sustenta e legi-tima. Por isso, a categorias socioeconômicas, como "Terceiro Mundo", "moderno",

"industrializado", "rico", "cêntrico", "dependente", etc., a "consciência" moder-

na contrapõe outras categorias nascidas do mesmo tipo de "conhecimento", tais

como: "Primeiro Mundo", "atrasado", "não industrializado", "pobre", "periférico",

"independente", etc. Tais categorias não são instrumentos de confrontação coma história, mas de aceitação do fator inercial da história como prevalente sobre o

fator de deliberação pessoal. O movimento do "não-moderno" para o "moderno",

quaisquer que sejam os meios ou os processos, continua cativo dum mesmo uni-

verso: o universo criado pelas abstrações sistemáticas do cogito cartesiano.

O hoje rotulado pensamento "pós-moderno" está correto em afirmar quenão existe este fenômeno "história". N ão existe enredo, esquema a ser descober-

to, segredo a ser revelado, plano ou mistério naquilo que a modernidade chama

"história". Tudo nã o passa duma construção artificial, vi a abstração,da razão fun-cional. Seu falso universalismo redunda inevitavelmente em determinismo. Para

os "pós-modernos", contudo, o que resta da modernidade por eles desconstruída

é, no fim das contas, uma estória linear que termina com a morte.

Dirigindo-se à mesma questão por outro ângulo, o teólogo Urs von Bal-thasar sustentava qu e não há um "drama" (enredo) possível no s confins do pen-

samento e do mundo moderno. Drama só surge com a possibilidade do amor,

isto é, com a presença dum Outro concreto e verdadeiro. A estória dessa presençaé a única estória qu e existe de fato. E essa estória só pode se r contada a partir daexperiência singular possível de ser vivida em família, em genuína amizade e emvários tipos de comunidade.

O amor humano é sempre um a resposta a um querer que se revela e se co-munica primeiro, antes de tudo. Se esse querer/amor não é dado e experimentado,

titutivo duma consciência plena, é o amot daquele infinitamente Outro: Deus.

luta do homem pela su a realização como pessoa é manifesta precisamente naresistência existencial,e e m consciência, a qualquer tipo de estrutura que se erijacomo capaz de substituir e/ou reificar aquele personalíssimoOutro, po r mais uni-

versal que tal estrutura seja.A tensão original discutida po r Guerreiro Ramos entre o "moderno" e o

"não-moderno" tem de ser entendida no contexto anteriormente esboçado. Se as

sociedades contemporâneas estão se desintegrando é porque foram construídasco m base numa redução antropológica que só vê no ser humano um a criatura

exclusivamente engajada nu m cálculo utilitário de conseqüências, ou seja, capaz

de exercitar unicamente a dimensão funcional da razão. O espaço individual e

comunitário de tal criatura precisa, portanto, se r ordenado pelos critérios de efi-

ciência e maxímização de auto-interesse.Assim, por exemplo, do ponto de vista econômico, a práxis humana de

domínio sobre a criação acaba reduzindo "trabalho" à sua dimensão objetiva,mensurável, quantificável, em termos de maximização de utilidade. O que é sub-

jetivo no trabalho, isto é, nessa permanente interação do homem com o mundo

e com o outro homem, acaba suprimido. No entanto, o espaço político da vidahuman a individual e associada passaa ser entendido como existindo apenas para

servir às leis de ferro duma dinâmica social autônoma (centrada no mercado

ou controlada por um aparato burocrático de governo). O indivíduo é reduzi-

do a um mero componente duma estrutura social abrangente e determínística.O bem do indivíduo subordina-se ao funcionamento eficiente do mecanismo

socioeconômico.Nessa situação, o "coletivo" é entendido como um corpo unívoco racio-

nalmente organizado numa entidade chamada "sociedade". Um coletivo assim

estruturado ignora as diferentes "subjetividades" qu e constituem um a sociedade

verdadeiramente humana. A natureza humana, criada para comunhão interpes-

soal, não pode se r inteiramente realizada no binômio artificial Estado-Sociedade.El a se realiza também no s vários grupos intermediários, tais como a família, avizinhança, as associações de bairro, os clubes de futebol, etc.

Para Guerreiro Ramos, as forças vivas duma comunidade nacional, um ave z libertasdu m sistema cognitivo e dum discurso ínterpretativo superimpostos

e redutivos, acabariam po r chegar a um desenho político-econômico-social sin-

gular e autêntico. O "possível" intrínseco a cada circunstância da dia-a-dia das

pessoas e das comunidades poderia, então e finalmente, ser mais uma vez desco-berto e realizado.

82 • Políticas públicase desenvolvimento: basesep i s em ológicas e modelos de análise A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 83

 

Quem teve o privilégio de conviver com Guerreiro Ramos sabe que para orientar pelo bem comum. Quando não existe essa condição para a produção

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ele "conhecer" é ser surpreendido pelo real. E só o homem, entre todas as cria-

turas, consegue re-conhecer o mundo que o cerca e o outro homem, não como

uma extensão de si mesmo, mas como um Outro que o encontra e que é por ele

encontrado. A verdadeira identidade humana — pessoal ou coletiva - nasce desse

encontro inesperado e constante com um Outro e não da maximização do uso ou

da utilidade desse Outro via algum tipo de receita abstrata e ideal.

Para Guerreiro Ramos, a opção entre o real sempre possível e o ideal sem-

pre necessário nunca foi problemática: ele viveu seriamente o possível e se divertiuenormemente com o ideal necessário.

Comentário

Teoria/* e as alternativas para a co-produção do bem públicoJosé Francisco Salm*

A modernidade é usualmente entendida como um estágio de perfeição de

uma sociedade, que se propõe como modelo de emulação para as demais socie-

dades. Esse modelo constitui referência acabada e por isso mesmo dispensa qual-

quer nova participação da vontade humana no processo de seu desenvolvimento.

Diante dessa resignação e desse senso de impotência da vontade e da inteligência

humana, é paradoxal que a ciência, ainda hoje praticada, tenha vindo para pôr

fim ao imperativo de que a mente humana devesse se subordinar a verdades fun-dadas no absolutlsmo de dogmas.

O comentário feito aqui ao artigo a respeito de modernização, de A. Guer-

reiro Ramos, parte do princípio de que as categorias de entendimento capazes de

explicar a capacidade da mente humana de fazer escolhas —ou de subordinar-se,

em maior ou menor grau, às escolhas ditadas pela imponderável influência das

circunstâncias ou do destino — são constituídas pelo fatalismo, pelo determinismo

e pelas possibilidades, especialmente as possibilidades objetivas. Ele também par-

te do princípio de que a produção do bem público encontra condições superiores

de eficácia quando a liberdade de escolha perante possibilidades objetivas se deixa

Com sua formação superior inteiramente concentrada no campo da Administração, JoséFrancisco Salm t rabalhou por mais de trinta anos no serviço público federal e estadual, tendoocupado neles diversos cargos de relevo, inclusive o de Secretário de Estado,no governode SantaCatarina. Desde 1970, desenvolveu e implementou um sem número de cursos e consultoriaspara a administração pública, em seus níveis federal, estaduale mesmo municipal.

84 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

do bem público, eclipsa-se a liberdade e perde-se o sentido do bem comum, nos

termos em que este foi entendido pelos pensadores da Grécia clássica. É por issoque o autodomínio tem cedido espaço ao controle burocrático, hoje responsável

por muitas das dificuldades em que se encontra a produção do bem público.

Portanto, constitui questão central desse comentário a possibilidade objetiva de

se construir espaços de produção do bem público que sobrepujem os conhecidos

espaços burocráticos, sejam eles públicos ou privados. Discute-se também aqui a

responsabilidade dos diversos estratos da burocracia em favor da articulação e daconstrução desses espaços.

Para tratar desse assunto é necessário, em primeiro lugar, debater as prin-

cipais questões relativas à liberdade de escolha; em seguida, cabe considerar a

base ou o elo de ligação entre essa liberdade e a produção do bem comum para,

finalmente, tentar demonstrar a responsabilidade das elites da burocracia, em seusdiversos estratos, pela busca e pela implementação das alternativas de produção

do bem público.Essa discussão fundamenta-se na teoria da delimitação do s sistemas sociais,

cujas premissas postulam uma organização societária que seja consentânea com a

multidimensionalidade do ser humano, a sociedade mult icêntrica e as categorias

institucionalmente delimitadas do espaço societário, entre as quais se inclui oenclave de mercado. Ela também se vale dos conceitos da teoria P e da teoria jV ,bem como da modernidade, nos termos em que estes foram definidos pelo autor

do texto ora comentado.

Liberdade de escolha e a produção do bem público

Quando se discute liberdade de escolha, está-se falando sobre a natureza

racional do homem, sobre o intelecto humano. Pois é nele que se realiza o com-plexo relacionamento entre, de um lado, as escolhas próprias ou a sujeição a esco-

lhas alheias e, de outro, a apropriação individual de valores, com base nos quais

se legitimam ou não essas escolhas. Se for legítima, a escolha estará eticamente

justificada. A escolha que nasce da liberdade individual de escolher se subordina

à ética da convicção — sto é, a uma ética pessoal, vertical, de valor absoluto. Já

a escolha que nasce da interação e do concerto de vontades corresponderá aos

ditames da ética da responsabilidade - isto é, de uma ética social, horizontal, devalores compartilhados.

Paradoxalmente, todos os seres humanos, enquanto tais, são também se-

res de coletividade e convivialidade. Deve-se lembrar que, nesse caso, a escolha,

A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 85

 

ou o exercício da possibilidade hum ana , vai além do indivíduo, compreend endo Na Modernidade - se é que se pode utilizar este termo, em sentido genérico,

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também a coletividade. Pode-se dizer que, sem a coletividade, o homem não rea-liza nem exerce sua multidimensionalidade (RAMOS, 1981). Portanto, diante dapossibilidade objetiva do exercício da existência humana, nos primados da éticada convicção e diante da condição humana de ser o indivíduo também um entede coletividade, torna-se imperioso construir essa coletividade a partir do bemcomum. Sob esse prisma, para que o ser humano possa ser bom, vivenciandoo bem comum, é preciso que se construa uma sociedade em que se possa viver

este bem - ou a boa sociedade, como a denominavam os filósofos da polis grega(ARISTOTLE, 1958).

Falar, pois, em liberdade de escolha, ou possibilidade objetiva, dissociadado bem comum, é o mesmo que negar a essência do ser hum ano como um enteque se governa por ética. Por isso, uma sociedade só é eficaz quando ela consti-tuir um espaço capaz de promover a possibilidade de escolha, com uma ênfaseigualmente ética. A questão colocada nesses termos permite concluir que o bemcomum está firmemente ancorado no conceito de virtude, no sentido em que aentendiam os gregos clássicos. Mas, em sentido mais restrito, o bem comum tam-bém pode ser entendido como bem público. Assim, para que os membros de umasociedade possam exercer o bem c omum , necessita-se do sup orte da boa socieda-

de, que se constrói com a produção do bem público, hoje traduzido também emtermos de cultura, saú de, educação e segurança, entre outros valores. N ão se deveperder de vista, todavia, que a produção do bem público pelo serhumano - umser dotado de liberdade e da possibilidade objetiva de fazer escolhas eticamentequalificadas — só se torna eficaz quando se alicerça sobre o bem comum.

Liberdade de escolha e aestratégia de produção do bem público

O bem viver na coletividade implica que o bem público seja produzidode acordo com uma estratégia de produção que enseje um espaço, maior oumenor, para o exercício da liberdade de escolha — precondição para ação hu -m ana (ARENDT, 1958). N a Grécia antiga, âpólis só proporcionava espaço aoexercício da liberdade, ou da possibilidade objetiva, para a construção do bemcomum dos cidadãos. Não se permitia a os escravos e às mulhere s a possibilidadedo exercício da liberdade. Submetidas ao estado de servidão, as pessoas impe-didas de integrar o foro público deveriam conformar-se em produzir suas vidasna esfera privada (FINLEY, 1973). E m Roma, acontecia coisa semelhante. N aIdade M édia, também não se permitia à maioria das pessoas exercer livrementea produção do bem público, no sentido em que se emprega a expressão aqui.

para todos os povos que viveram após o período medieval -,a produção do bem

público também é realizada sem que as pessoas possam co ntar com a liberdadede escolha. Na Era Moderna, adotou-se, mais que em qualquer outra época, aestratégia burocrática para a produção do bem público; e, como já assinalaraWeber (1978), a burocracia é instrumento de uma estrutura de dominação cer-ceadora da liberdade de escolha.

As estratégias de produção empregadas para a produção do bem público,

nortanto, sempre foram marcadas pelo tolhimento da liberdade daqueles que oproduziam. É significativo que hoje a estratégia de produção do bem público sedê sob a égide da burocracia que, como sistema de dominação, tem seu fim apre-goado po r inúmeros arautos de uma nova era (PINCHOT, 1994; MITROFF etai., 1994). Sabe-se, porém , que o fim da burocracia é uma pregação imprópria e

destituída de caráter científico enquanto houver sociedade de massa (RAMOS,1983). N o entanto, cumpre lembrar que seus efeitos maléficos sobre a liberdadehuman a têm sido salientados por inúmeros autores, entre os quais M erton (1968)

e até mesmo Weber (1978).A burocracia pública, no entanto, consagrou-se co m base na crença de

que não havia outras formas de produção do bem público tão eficientes quan-

to ela. Qual ícone sagrado, esse dogma repousou durante décadas intocado porforça de um vezo fatalístico. A burocracia fo i consagrada, no decorrer de muitosanos, como a forma moderna de produção do bem público. Imaginava-se que sechegara ao fim da história, que não havia formas alternativas à burocracia/poisse alcançara a eficiência desejada para a produção do bem público, mesmo que aum custo elevado para a inteligência huma na. D e fato, por anos não se despertoupara a possibilidade objetiva de se conceber outras estratégias de produção dobem público que não a burocrática.

E is que surge agora outra crença de inspiração fatalística, um a nova ver-dade suprema, o dogma de que a melhor estratégia para a produção do bempúblico já não é mais a burocracia pública, mas a burocracia privada, que estáa serviço do livre mercado. Sob o ponto de vista da produção do bem público,esta nova estratégia irá trazer pouca ou nenhuma mudança, já que o ser hum ano,tanto na organização pública quanto na privada, continuará tendo su a liberdadeamplamente tolhida. Aliás, esses são espaços da existência humana que têm sidosobejamente caracterizados como alienantes. A raiz do problema não está nomercado em si, porquanto ele é apenas um a estratégia de alocação de bens e ser-viços, e não corresponde necessariamente a um modelo possessivo de sociedade(MACPHERSON, 1964). Mas o princ ipal valor desse espaço - o t irar vantagemem proveito próprio — nã o condiz com a produção do bem público, quando este

86 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episcemo ógicas e modelos de análise A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade * 87

 

é pensado sob a ótica do bem comum. A literatura é farta em argumentos para Todos esses autores apresentam alternativas para a produção do bem públi-

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demonstra r essa incongruência, cabendo apenas lemb rar como exemplo a fábulade Hardin (1973) sobre a tragédia dos condomínios. De fato, as organizaçõesprivadas que constituem o espaço de mercado têm como estratégia principal asobrevivência, sendo-lhes permitido praticar quaisquer ações - afora apenas as

ilegais - para alcançá-la. Por isso, as organizações privadas assim definidas nãosão compatíveis para a produção do bem público, no sentido do bem co mum.Conseqüentemente, não se sustenta a crença de que o bem p úblico deva serproduzido pela burocracia privada como uma instituição ordenada por valoresde mercado.

Mas, como já se comentou anteriormente, a burocracia pública é igual-mente incompatível para a produção do bem público no sentido do bem comum.Por conseguinte, o determinismo que divide a possibilidade de escolha para aprodução do bem público entre estatização, por meio da burocracia pública, porum lado, e privatização, por meio da burocracia privada, por outro, dá a entenderque não há opções além dessas duas. Ademais, considerando-se que a burocraciapública se estrutu ra sobre a mesma base de valores sobre a qual se assenta a pri-vada, a base paradigmática da estatização e a da privatização são uma e a mesma.

Nessecaso, de

fatonão há escolha, pois se está novamente

diantede uma opção

de caráter fatalista. Feitas essas observações, resta pergu ntar: H á alternativas para aprodução do bem público que transcendam o fatalismo entre estatização e priva-tização? Havendo alternativas e considerando-se os estratos da burocracia p ública,a quem compete o desenvolvimento e a implementação dessas alternativas? N opróximo tópico, procura-se responder a essas indagações.

Elite da burocracia e alternativas para aprodução do bem público

Antes, porém, de dar respostas às perguntas formuladas, é necessário ir à

busca de autores que, por sua atualidade e consistência, possam corroborar osargumentos que Ramos construiu há mais de um quarto de século sobre Mo-

dernidade, possibilidade objetiva e produção do bem público via organizaçãoburocrática. Recentemente, Korten (1996) e Mander e Goldsmith (1996) vêm

propondo a revisão dos primados do capitalismo e do mercado globalizado e, porconseqüência, da produção do bem público por meio de organizações privadas.Eles repetem o que Ramos havia escrito sobre a necessidade e a importância de

se dar ênfase à comunidade e a seu caráter eminentemente isonômico. TambémDenhardt, já em 1993, havia chamado a atenção dos estudiosos de administraçãopara a necessidade da busca de relevância, quando se produz o bem público.

co qu e superam o conformismo fatalista entre estatização e privatização. De umaforma ou de outra, eles propõem que se produza o bem público com o auxíliode estratégias que permitam articular as forças da sociedade. Similarmente, deacordo com a concepção teórica proposta por Ramos, a sociedade moderna é um

espaço global em que o mercado deve estar politicamente delimitado, permitin-do a possibilidade objetiva de sua convivência com os encJaves da isonomia, da

fenonomia e de outras categorias delimitativas do espaço societário. Assim, à luzdesses e de outros pensadores, toma forma uma estratégia de produção do bem

público que Ramos elaborou e caracterizou com o nome de organização subs-

tantiva (1981). Nessa forma de organização existe a possibilidade de se exercero caráter multidimensional do ser humano e, por isso, de se produzi r o bempúblico a part i r da perspectiva do bem comum. Mais ainda, essa organização não

elimina a burocracia, quer pública ou privada, que é julgada corno parcialmentenecessária enquanto ainda houvet sociedade de massa. Deve-se ressaltar que aburocracia espacialmente delimitada pode conviver com formas isonômicas deprodução do bem público. Entre essas formas estão as assim chamadas, generi-camente, organizações do terceiro setor, bem como as entidades integrantes da

economia social e da economia solidária. Todas essas formas já compõem umarica constelação de organizações que co-produzem o bem público, mesmo que

elas sejam pouco conhecidas no mundo acadêmico, em virtude de sua condição

pouco formal. Pode-se supor que elas estão delineando uma sociedade que Ramosdefiniu como multicêntrica, já que constituída po r enclaves diversos, como osformais de mercado ou os isonômicos e fenonômicos,

Feitas essas observações, importa saber em mãos de quem, no s diversosestratos da burocracia, ficará a decisão de mobilizar a sociedade, prom ovendoformas de co-produção do bem público com inspiração em modelos como o da

organização substantiva. A parte final deste comentário colocará essa questão

em foco.

Ao estudar o projeto de modernização da burocracia, Ramos chamou aatenção para a necessidade de se adequar essa forma de organização, criada para aprodução do bem público, aos imperativos modernízantes da eficiência e da efi-cácia. Além disso, argumentou que "a execução direta de toda estratégia adminis-trativa modernizante é sempre tarefa de elite, nas condições atuais de nossa época"(RAMOS, 1983, p. 206). Ao fazer essa argumentação, o autor caracterizou a buro-cracia púb lica em diversos estratos, a saber: burocracia eleita, burocracia diretoria!,burocracia técnica, burocracia auxiliar e burocracia proletária. Considerando-se,segundo argumenta Ramos, que em toda burocracia existe sempre elite e massa,caberá à burocracia eleita a tarefa de modernizá-la em sua totalidade, posto que

Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade • 89

 

esse estrato exerce o papel de elite. É necessário, portanto, que o estrato eleito da . Adminis tração e contexto brasileiro: esboço de uma teoria geral da administração.

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burocracia pública tenha o conhecimento necessário para a articulação das estra-

tégias autóctones de desenvolvimento e implementação das formas alternativas de

co-produçao do bem público. Esse conhecimento depende necessariamente do

entendimento das categorias essenciais que compõem aquilo que Ramos definiucomo a teoria da delimitação dossistemas sociais - suporte de uma sociedade mul-

ticêntrica, em que os diversos espaços necessários à existência humana facilitam a

construção do bem comum, f ruto da liberdade de escolha do ser humano.

Referências

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90 * Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo da possibilidade "91

 

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Parte I IModelos para análise de decisões

político-administrativas

N

o segundo bloco deste livro, incluímos dois conjuntos de textos que tratam

de modelos e teorias sobre formulação de decisões. No primeiro, Dye ma-

peia e revisa os modelos qu e servem para compreender e analisar políticas

públicas. Seu texto é didático e sumário, caracterizando essencialmente os modelos

mais comuns de tomada de decisão encontrados na literatura especializada. Não setrata de um texto crítico, ma s objetiva apresentar um quadro abrangente do s modelos

convencionais.Esta parte do volume, porém, é dominantemente marcada, em segundo

lugar, pelo conjunto de textos que formam sua face teórico-acadêmica. Trata-se

de textos clássicos de impacto profundo sobre a produção acadêmica e ação ge-

rencial a partir da segunda metade do século 20. Os artigos de Simon, Lindblome Etzioni, em número de cinco, constituem quadro referencial estabelecido para0estudo das teorias e dos modelos de decisão especialmente usados para a gestão

Qe organizações de trabalho em geral.

Os esquemas de Dye

Antes dos textos clássicos relativos à formulação de decisões, o leitor depa-a~ se com a referida tipologia de modelos que têm uma feição menos sofisticada,

"^ais simples e mais voltada a dar uma visão didática e global. Os modelos revistos

P°r Thomas R. Dye, na verdade, são bem conhecidos na literatura de ciências so-

ais aplicadas. O autor deu-lhes apenas a roupagem necessária para sua aplicação

 

ao campo das políticas p úblicas. Os diversos modelos (a saber: institucional, de econômica a partir do modelo de homem econômico que a informa. Simon e

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processo, de grupo, de elite, racional, incrementai, da teoria de jogos, da opçãopública e sistêmico) servem, principalmente, para orientar o policymaker no pro-cesso operacional de análise, form ulação e avaliação de políticas públicas. Do smodelos arrolados talvez o da opção pública (public choícé) seja o menos familiarao estudioso brasileiro, com provável exclusão dos economistas. Trata-se de umacorrente do pensamento econômico que, em essência, admite que os motivos

pelos quais as pessoas participam e realizam transações no mercado (por opção ouiniciativa privada) são os mesmos pelos quais elas form am associação no campoda política (pela opção pública). A satisfação do auto-interesse é obtida po r meiodo exercício das duas opções: pelo trilhamento tanto da via privada, individual(mercado) quanto da pública, coletiva (política).

O economista Donald R. Winkler redigiu e enviou um breve comentárioao texto de Dye, em que faz um a importante ressalva aos modelos propostos.Co m exceção do modelo da opção pública, segundo Winkler, os demais não têmcomprovação adequada em estudos empíricos. A ausência de suporte empírico,assinalada pelo comentarista, não invalida, porém , o poder ideal-típico de qual-quer construção heurística, que é sempre limitado e parcial por seu próprio ca-

ráter. Trata-se de um recurso que, para começar, não pode oferecer mais do queprometem seus termos. E cabe a seus usuários identificar e levar em conta todas aspeculiaridades e adaptações sugeridas e requeridas em cada situação específica. Osmodelos presumem que a realidade sob exame se amolde a seus termos; é de suanatureza. Esta é uma importante limitação de qualquer modelagem conceituai.Mas só a testagem nos pode dar indicações de suas potencialidades.

Formulação de decisões: escolhas racionais, incrementais ou mistas

Segundo a tipologia de decisão submetida nessa seção, as decisões podem

resultar de processos o u metodologias tidos como racionais, increm entais ou mis-tos. Partindo do modelo de homem da teoria econômica — o chamado homoeconômica -, iniciou-se entre os estudiosos um esforço para o desdobramentoprático, a operacionalização dessa concepção de homem. PressupÕe-se, aqui, queo modelo do h o mo economicus seja suficientemente conhecido, dispensando-se,pois, tratamen to especial a seu respeito. Em vez disso, parte-se diretamente paraalguns teóricos marcantes que se dedicaram a desdobrar os princípios econômi-cos em mod elos de decisão. Três autores são eleitos para representar a tipologiasugerida po r Etzioni em seu trabalho sobre a sondagem mista: Simon, Lindblome o próprio Etzioni. A decisão de caráter racional absoluto é prevista pela teoria

Lindblom supõem modelos de homem "mais realistas e menos perfeitos" que o

nornem econômico clássico, em suas construções teóricas. Etzioni propugna po ryjna posição intermediária.

Herbert A. Simon foi um dos primeiros pesquisadores a iniciar o esfor-ço para operadonalizar a decisão "racionalmente perfeita" do h o mo economicus,presumido pela ciência econômica, com a introdução de algumas pressuposiçõessimplificadoras. Segundo Simon, os atores sociais conte ntam- se com decisões quelhes sejam "satisfatórias" mesmo que sua racionalidade seja limitada. É este oargumento defendido por ele no artigo "Modelo comportamental de decisão ra-

cional", incluído na coletânea.Segundo observa o economista Edvaldo A. Santana, em seu comentário,

foi Simon quem concebeu de forma original a idéia de fazer reduções e simplifi-cações nos princípios da d ecisão racional e sua iniciativa de itou raízes. Por isso,ele é a fonte seminal de inspiração para aqueles que continuam a levar adiante oempenho de operacionalizar a tomada de decisão de base racional-funcional.

De acordo com M. Dennis, embora Simon não tenha, a rigor, lidado com

formulação de políticas, sua contribuição pioneira sobre a racionalidade indivi-dual na tomada de decisão foi essencial e indispensável ao trabalho de Lindblom.Por sua vez, Lindblom teria sido o prim eiro scholar a aplicar o enfoque decisórioindividualista de Simon e outros ao processo de formulação de políticas.

Charles E. Lindblom iniciou a elaboração do modo incrementalísta dedecisão, também na década de 1950, provavelmente por influência do conceito,então em voga, do "enfoque social fragmentário" (piecemeal social engineeríng),de Karl Popper, conforme confessou em carta ao periódico Current Content , em1983. Lindblom é comumente considerado o principal e mais competente arti-culador da fórmula incrementalista. Segundo resume ele, "o incrementalismo éum traço comum e óbvio, em bora não universal, e um método útil para a formu-lação de decisões em geral e também para a decisão pessoal". Neste volume estãoe

nfeixados os dois artigos que Lindblom escreveu sobre o método incrementa-I ista: "Muddling through 1:a ciência da decisão incrementai" e "Muddling throu-2: a ubiqüidade da decisão incrementai". Os dois textos são conjuntamente

essenciais à compreensão do argumento proposto. De acordo com Lindblom, osummistradores públicos não usam métodos racionais ou abrangentes ou "cien-

em suas decisões. Pelo contrário, por razões diversas, eles "avançam semesforço, rumo ou planejamento", isto é, decidem de modo incrementai,

Praticando pequenas variações a partir de uma situação dada. As decisões dosrnmistradores individuais, evidentemente, devem ser integradas às decisões

outros atores para formar o mosaico da política pública. Essa integração das

ín

94 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Modelos para análise de decisões político-administrativas • 95

 

decisões individuais tornou-se a principal preocupação da teoria das organiza- modelo racionalista de decisão é excessivamente exigente, pois cobra mais recur-sos do que dispõem os deliberadores; (este ponto de vista é compartilhado por ele

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ções, e a maneira como os indivíduos tomam decisões necessariamente afeta omodo como suas decisões se acomodam melhor com as decisões dos outros.

Mike Dennis comenta os dois artigos em tela assegurando que Lindblomdefiniu, em seu artigo de 1959, a agenda de estudos para o desenvolvimentosubseqüente dos estudos sobre formulação de políticas públicas. Segundo o co-

mentarista, o artigo seminal de Lindblom, no entanto, foi alicerçado em duasproposíçóes-chave: a proposição articulada - explícita — segundo a qual os va-

lores e os objetivos das políticas não tinham outra validade senão a de que os

envolvidos em seu processo político estavam de acordo entre si a seu respeito; ea proposição não articulada de que a formulação de políticas ocorreria em um

sistema social dominado por demandas econômicas operantes e por premissasparadigmáticas. Conseqüentemente, os desenvolvimentos posteriores da teoriasobre formulação depolíticas - como o "modelo operacional normativo" de Dror,a "sondagem mista" de Etzioni e a "sondagem mista iterativa" de Gershuny -tão-somente articularam alguns pontos intermediáriosde um espectro dominadopo r racionalidade instrumental e sem preocupação substantiva, que se limitava,num extremo, pela abordagem "racional compreensiva" e, no outro, pela aborda-gem das "sucessivas comparações limitadas". Esses desenvolvimentos lançaram ateoria relativa à formulação de políticas num "beco sem saída", levando críticoscomo Sternberg a observar, corretamente, que sua agenda teórica original estavapresa a condições históricas particulares e que ela era em grande parte irrelevan-te aos países em desenvolvimento, conforme demonstrou, po r exemplo, Saasa.Com base em Guerreiro Ramos, M. Dennis argumenta que a agenda teórica de

Lindblom não levou em conta que a economiaé apenas uma das várias dimensõesnecessárias da totalidade do tecido social, que pode ter muitos cenários dedesen-volvimento possíveis, e que são necessárias outras dimensões de sistemas sociais- como as delineadas no paradigma paraeconômico e pela teoria da delimitaçãodos sistemas sociais - para que a sociedade possa dar atenção plena aosanseiosde auto-realizaçáo de seus cidadãos. Segundo Dennis, no contexto do paradig-ma paraeconômico, as preocupações substantivas oferecem um a fundamentaçãoadequada para a ciência da formulação de políticas e uma base mais prática paraa teoria de sua formulação.

Reconhecendo as restrições da perspectiva racionalista, mas não tolerandoo conservadorismo da proposta de Lindblom, Amítai Etzioni desenvolveu um

modelo de decisão a que deu o nome de "sondagem mista". Os dois artigos emque desenvolveu e expôs sua proposição também integram o presente volume,sob os títulos: "'Mixeá scanning. um a 'terceira' abordagem à tomada de decisão e"Reexame da estratégia mista de decisão". Segundo o argumento de Etzioni, o

96 * Políticas púb licas e desenvolv imento: bases ep   ste mo ógicas e modelos de análise

com Símon e Lindblom). Na estratégia incrementai, por sua vez, as decisões to-

madas negligenciam inovações fundamentais para a sociedade. Segundo Etzioni,com um enfoque de "sondagem mista" (mixed scanning), o tomador de decisão

consegue, por um lado, reduzir os aspectos irrealistas do modelo racional, limitan-do o detalhísmo exigido nasdecisões básicas, e, por outro, consegue superar a ten-dência conservadora do incrementalismo, explorando alternativas de prazo mais

longo. Com o modelo da "sondagem mista", Etzioni propõe-se a tornar explícitoeste dualismo, conciliando (a) os processos superiores e fundamentais da formu-lação de políticas, destinados a estabelecer direcionamentos básicos, com (b) osprocessos incrementais, que "preparam" as decisões fundamentais e as executamdepois de tomadas. Na perspectiva de Etzioni, o modelo de "sondagem mista"oferece duas vantagens adicionais em relação à abordagem do incrementalismo:fornece uma estratégia de avaliação e não inclui premissas estruturais ocultas.A flexibilidade dos diferentes níveis de sondagem torna a "sondagem mista" um aestratégia útil para a tomada de decisão em contextos de estabilidade variável e

po r atores com capacidades variáveis de controle sobre a construção de consenso.Ao reexaminar sua proposta, no artigo de 1986, Etzioni admite e lamenta que,

embora tenha sido produzida alguma evidência empírica em favor do modelode sondagem mista, a maior parte da pesquisa necessária à consolidação de seumodelo ainda está por ser feita.

E m seu comentário, BelmiroV. J . Castor, professor aposentado da Univer-sidade Federal do Paraná, ressalta o aspecto operacional da proposição de Etzioni,sem maiores considerações por seu mérito teórico. Em suavisão, apesar de o limi-te cognitivo da tomada de decisão ter sido em boa parte superado pelo progressoda ciência e da tecnologia da informação, os detentores do poder e, em especial,os administradores sempre podem fazer uso de seu poder de árbitro, de seu fiatde executivo.

Mas o ensaio subseqüente, de Burton T. Harwick, substancia uma análise

crítica ao modelo da "sondagem mista" e, indireta e parcialmente, também al-cança os modelos racionalista e incrementalista de decisão. Trata-se de um textooriginal, escrito especialmente para esta coletânea. O autor fora inicialmente con-vidado a elaborar um comentário breve a respeito da contribuição de Etzioni paraa teotia da decisão a partir do s artigos deste scholar sobre sondagem mista. Se uestudo, porém, evoluiu para uma análise comparativa, em que - depois de apon-ta r algumas limitações que encontrou no tratamento dado por Simon à tomadade decisão e na caracterização feita por Lindblom do processo de políticas públi-cas - ele analisa em profundidade as tentativas de Etzioni e o desejo de Lindblom

Modelos para análise de decisões poli ico-administrai  vás • 97

 

por unia forma alternativa de fortalecimento do processo de políticas públicas.

Embora não a elabore neste trabalho, Harwick propõe que se adote, na condução

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de políticas públicas, a perspectiva de "processo-ação", cuja base teórica pode ser

encontrada, por exemplo, na obra de Mary Parker Follet.

Dadas a densidade e a originalidade da análise feita, o ensaio de Harwick

recebeu o status de capítulo e figura ao lado das contribuições clássicas de Simon,

Lindblom e Etzioni. Aliás, a análise de Harwick talvez represente a réplica mais

significativa jamais feita aos termos dados por Etzioni ao modelo de sondagem

mista.

Mapeamento dos modelosde análise de políticas públicas*

Thomas R. Dye**Florida State University

Modelos para analisar políticas públicas

Omodelo é uma representação simplificada de algum aspecto do mundo real.

Pode ser uma representação física real - um protótipo de avião, por exem-

plo, ou as maquetes de edifícios que os planejadores urbanos usam para

mostrar como as coisas vão se parecer quando os projetos propostos estiverem efeti-

vamenteconstruídos.

Oupode

o modelo ser umdiagrama

- omapa

de umaestrada,

po r exemplo, ou o fluxograma que os cientistas políticos usam para mostrar como um

projeto de lei se transforma em lei.

9 8 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episcemológicas e modelos deanálise

Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

DYE, Thomas R. Modeís of politics; some help in diínking about public policy. In: .

Unáerstandingpublicpolicy. 11- ed. Newjersey: Prentice-Hali, 2005. p. 11-30.

Thomas R. Dye é professor de ciência política e governo na Florida State University. Obteve

su a formação de graduação e mestrado na Pennsylvania State University e seu doutorado na

University of Pennsylvania. Dono de um estilo literário direto e fluente, Dye é autor de um semnúmero de livros e artigos sobre governo e políticas públicas. Entre suas obras de maior sucesso

editorial, cabe destacar Th e i rony ofdemocracy (em IO 1 edição), Understanding public policy (em11 a edição) e Wbos running America (em 6a edição). Seu livro mais recente chama-se Politics inAmer ica . Suas obras foram traduzidas para inúmeras línguas, até mesmo para o russo e o chinês,tjn matéria mais mundana, Dye exerceu os cargos de presidente da Southern Political Science

Association (SPSA) e da Policy Studies Organization (PSO) e de secretário da American PoliticalScience Association (APSA). Recebeu o prêmio Harold Lasswell, por suas contribuições à pes-

quisa sobre políticas públicas, e o prêmio Donald C. Stone, por seus estudos sobre federalismo.

exerceu a docência nas Universidades de Pennsylvania, Wisconsin e Geórgia e atuou como vi-s i t ingscho lar na Bar-Ilan University,em Israel, no Brookings Institution, em Washington, e emoutras instituições universitárias-

 

Serventia aos modelos. Os modelos que usaremos para estudar políticas Aauíj esses moa<elos rá° utilizados, isolada ou conjuntamente, para descrever e

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públicas são modelos conc eituais, Estes são modelos verbais que visam a:

simplificar e esclarecer nossas idéias sobre política e políticas públicas;

identificar aspectos importantes de questões político-sociais;

ajudar-nos a nos comunicarmos, focalizando as características essenciais da

vida política;

direcionar nossos esforços para compreender melhor as políticas públicas, su-

gerindo o que é importante e o que não é importante;

propor explicações para as políticas públicas e prever suas conseqüências.

Seleção dos modelos. Ao longo dos anos, a ciência política, à maneira de

outras disciplinas científicas, desenvolveu uma série de modelos para ajudar-nos a

entender a vida política. Aqui, procuramosverificar se esses modelos têm alguma

utilidade para o estudo de políticas públicas. Desejamos examinar as políticas

públicas especificamente a partir da ótica dos seguintes modelos:

modelo

modelo

modelo

modelo

modelo

modelo

modelo

modelo

modelo

institucional;

de processo;

de grupo;

de elite;

racional;

incrementai;

da teoria de jogos;

da opção pública;

sistêmico.

Cada um desses termos identifica um modelo conceituai básico que pode

ser encontrado na literatura de ciência política. Nenhum desses modelos foi de-

senvolvido especialmente com a finalidade de estudar política pública, mas cadaum oferece uma maneira diferente de pensar sobre política e até sugere algumas

causas e conseqüências gerais de políticas públicas.

Esses modelos não são competitivos, no sentido de que algum deles possa

ser julgado o "melhor". Cada um focaliza um aspecto distinto da vida política e

pode nos ajudar a entender coisas diferentes das políticas públicas. Embora algu-

mas políticas pareçam, à primeira vista, deixar-se explicar por um dos modelos em

particular, a maioria delas são uma composição de planejamento racional, incre-

mentalismo, atividade de grupos de interesse, preferências de elites, forcas sistêmi-cas, partida de jogo, opção pública, processos políticos e influências institucionais.

a uma descrição de

modelo, dando atenção especial às diferentes maneiras pelas quais as políticas pú-

blicas podem ser encaradas.

jftstitucionaltsmo: política como produto institucional

Há muito tempo, as instituições governamentais têm sido o centro das

atenções da ciência política. Tradicionalmente, a ciência política tem sido defini-

da como o estudo das instituições governamentais. As atividades políticas geral-

mente giram em torno de instituições governamentais específicas —o Congresso,

a Presidência, os Tribunais, os Estados, os Municípios e assim por diante. Essas

instituições oficialmente estabelecem, implementam e fazem cumprir aspolíticas

públicas.A relação entre políticas públicas e instituições governamentais é muito

íntima. Estritamente falando, uma política não se transforma em política pú-

blica antes que seja adotada, implementada e feita cumprir por alguma institui-

ção governamental. As instituições governamentais dão às políticas públicas trêscaracterísticas distintas. Em primeiro lugar, o governo empresta legitimidade às

políticas. As políticas governamentais são consideradas em geral obrigações legais

que cobram lealdade dos cidadãos. Os indivíduos podem considerar as políti-

cas de outros grupos e associações na sociedade - empresas, igrejas, organizações

profissionais, associações civis, etc. - como importantes e mesmo obrigatórias.

Entretanto, somente as políticas governamentais implicam obrigações legais. Em

segundo lugar, as políticas governamentais envolvem universal idade. Somente

as políticas governamentais dizem respeito a todas as pessoas na sociedade; as

políticas de outros grupos ou organizações referem-se somente a uma parte da

sociedade. Finalmente, o governo monopoliza a coerção na sociedade — somente0

governo pode legitimamente prender os violadores de suas políticas. Sãomais'jmitadas as sanções que os outros grupos ou organizações sociais podem aplicar.

£• precisamente esta capacidade do governo de cobrar lealdade de todos os seusC1dadãos, de adotar políticas que governam toda a sociedade e de monopolizar oUs° legítimo da força, que estimula os indivíduos e os grupos a se empenharempara que as políticas traduzam suas preferências.

Tradicionalmente, a abordagem institucional em ciência política não temaao muita atenção às conexões entre a estrutura das instituições governamentais

e°conteúdo das políticas públicas. Em vez disso, os estudos institucionais des-

Crevem geralmente instituições governamentais específicas — suas estruturas, su a

100 • Poíítícas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelosde análise Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas* 101

 

organização, suas atribuições e suas funções - sem indagar sistematicamente qüeA indivíduos e de grupos. Com o termo "estruturados", queremos dizer qu e esses

adróes de comportamento tendem a persistir ao longo do tempo. Esses padrões

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Arranjosconstitucionais e legais, como também inúmeros postos e repartições governa-mentais dos níveis federal, estadual e local, têm sido descritos em detalhe. (Para

uma descrição dos arranjos constitucionais da federação, ver a Fig. 1 .) Entreta n-to, a relação entre arranjos institucionais e políticas praticamente não tem sidoexaminada.

PODER LEGISLATIVO

Congresso:CâmaraSenado

A Câmara e o Senado podemrejeitar projetos de lei um do

outro.

O Congresso cria repartições eapcova o orçamento. O Senadoconfirma nomeações e deve dar seuconsentimento aos traçados.O Congresso pode derrubar veto eimpedir e temover o Presidente.

PODER EXECUTIVO

Presidência:Gabinetes executivosRepartições públicasÓrgãos independentes.

Supremo Tribunal FederalTribunais de ApelaçãoTribunais Regionais Federais

Figura l - Modelo institucional: freios e contrapesos constitucionais

Apesar da perspectiva limitada dos primeiros estudos institucionais naciência política, a abordagem institucional não é necessariamente improdutiva. ASinstituições governamentais são de fato padrões estruturado s de com portamento

táveis je comportamento dos indivíduos e dos grupos podem afetar o teor das

olíticas públicas. As instituições podem ser configuradas para facilitarem certasconseqüências políticas e obstruírem outras. Podem favorecer certos interesses nasociedade e desfavorecer outros. Certos indivíduos ou grupos podem ter maioracesso ao poder governamental em um conjunto de características estruturais doau e em outro. Em resumo, a estrutura das instituições governamentais pode ter

importantes conseqüências políticas.A abordag em institucion al não precisa ser restrita ou descritiva. Podemos

indagar qu e relações existem entre os arranjos institucionais e o conteúdo daspolíticas públicas e podemos e studar essas relações de um modo comparativo, sis-temático. Na área dos problemas urbanos, por exemplo, podemos perguntar: Aspolíticas dos órgãos federais correspondem em grau maior às preferências popula-res do que as políticas do s governos estadual e municipal? De que forma a divisãode responsabilidades entre os governos federal, estadual e local afeta o conteúdodas políticas públicas? Estas questões podem ser tratadas de forma sistemática edizem respeito a arranjos institucionais.

É importante lembrar que o impacto dos arranjos institucionais nas polí-

ticas públicas é um problema empírico que merece investigação. Muito freqüen-temente reformadores entusiastas tê m afirmado que uma mudança específica naestrutura institucional provocaria mudanças na s políticas públicas, sem que, po -rém, tenham estudado a verdadeira relação que existe entre a estrutura e as polí-ticas. Caíram na armad ilha de supor que as mudanças institucionais provocariammudanças nas políticas. Devemos ser cautelosos em nossa avaliação do impactoda estrutura sobre as políticas. Talvez descubram os qu e tanto a estrutura quantoas políticas são em grande parte determinadas po r forças econômicas ou sociais,eos diferentes arranjos institucionais terão pouco impacto independente sobre aspolíticas, se as forças subjacentes permanecerem constantes.

r°cesso: política como atividade política

Os processos e os comportamentos políticos têm absorvido a atenção cen-a^ da ciência política po r várias décadas. Desde a II Guerra Mundial, a moderna'encia política "comportamental" vem estudando as atividades dos eleitores, gru-

P°s de interesse, legisladores, presidentes, burocratas, ju izes e outros atores polí-c°s. Um de seus princip ais objetivos tem sido descob rir padrões identificáveis

atividades ou "processos". Recentemente, alguns cientistas políticos tentaram

102 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 103

 

agrupar várias atividades com base em sua relação com as políticas públicas. O re-sultado é um conjunto de processospolí t ico-aáministrat ivos qu e usualmente segue

Tabela l - Processo político: matriz de análise

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o seguinte esquema geral:

Identificar problemas Tornar manifestas as demandas, para a ação go -vernamental.

Montar agencia para deliberação Escolher as questões a serem decididas e os proble-

masa serem tratados.Formular propostas de políticas Desenvolver propostas de políticas, para resolver

as questões e os problemas.

Selecionar uma proposta.

Articular apoio político para ela.Transformá-la em lei.

Organizar burocracias.Prestar serviços ou prover pagamentos.Criar impostos.

Estudar os programas.Relatar os outputs dos programas governamentais.

Avaliar os impactos dos programas sobre os gru-pos-alvo e sobre os outros grupos.Propor mudanças e ajustes.

Legitimar políticas

Implementar políticas

Avaliar políticas

Em suma, pode-se visualizar o processo político como uma sétie de ativi-dades políticas - identificação deproblemas, organização de agenda, formulação,legitimação, implementação e avaliação. Na Tabela l, mostra-se um exemplo po-pular da abordagem de processo.

Tem-se argumentado que os cientistas políticos devem, em seus estudossobre políticas públicas, se ater a essesprocessos e evitar análises sobre a substânciadas políticas. Eis, por exemplo, o que escreve a respeito o cientista político Char-les O. Jones:

Eu advogo que o campo de competência específico do cientista político é o pro-cesso político e o modo como elefunciona. O interesse de alguém pela substânciados problemas e das políticas está, portanto, em como ele interage com o proces-

so , não necessariamente com a substância em si mesma ... o que também implicaquemeus remédios para o sistema social tendam a ser do tipo processo - que haja

mais acesso se houver maior interesse, que se garanta crítica e oposição, que sejampublicadas as decisões e o modo corno elas foram formuladas.1

104 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas c modelos de análise

Atividadesfuncionais

percepção "jDefinição

Agregação VOrganização

Representação J

FormulaçãoLegitimação >

Apropriação J

Organização 1Interpretação rAplicação J

EspecificaçãoMensuração ç ~

Análise J

Solução/ ~ ]Conclusão r

como categoriasno governo

Problemas parao governo

Ação dentro do

governo

Governo diantedo problema

Programa parao governo

Solução doproblema oumudança

e como sistemas

Identificaçãode problemas

Desenvolvimentodo programa

Implantação doprograma

Avaliação do

programa

Encerramentodo programa

co m produto

Problema a exigirsolução

Proposta a ser

incluída no

orçamento-programa

Varia (serviço, paga-mentos, instalações,controles etc.)

Varia (justificação, reco-mendação etc.)

Solução oumudança

Fonte: Charles O. Jones. An in troãuction to thestudy ofpubUc policy, 2. ed. Boston: Duxbury, 1978,

p. 12 . Copyright © by Wadsworth Publishing Co., Inc. Reimpresso com autorização do editor,Brooks/Cole PublishingCo., Pacific Grove, CA 93950

Esse argumento permite que os estudiosos de ciência política estudem

como as decisões são tomadas e talvez até mesmo como deveriam ser tomadas.M as não permite que eles comentem a substância das políticas públicas - quemganha o que e pot quê. Os livros organizados em torno da visão de processo têms^çoes sobre identificação de problemas, montagem de agenda para deliberação,°trnulação de propostas, legitimação de políticas e assim por diante. Não é o°nteúdo das políticas públicas que se deve estudar, ma s antes os processos po r cujo

tntermédio elas são desenvolvidas, implementadas e mudadas.Apesar do enfoque estteito do modelo de processo, ainda assim se trata

e um modelo útil para nos ajudar a entender as várias atividades envolvidas na°rmulação de políticas. Convém lembrar sempre que a formulação de políticas

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas -105

 

envolve a montagem de agenda (captar a atenção dos formuladores de políticas);

a formulação de propostas (divisar e escolher opções de políticas); a legitimação

por intermédio de ou a quaisquer das instituições governamentais".3 Os indivíduos

só são importantes na política quando agem como parte integrante ou em nome

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de políticas (desenvolver apoio político, conseguir aprovação do Congresso, do

presidente ou dos tribunais); a implementação de políticas (criar burocracias, des-

pender dinheiro, fazer cumprir as leis); e a avaliação de políticas (verificar se as

políticas funcionam, se são populares).

Na verdade, pode até ser que a maneira pela qual as políticas são formu-

ladas afete o conteúdo das políticas públicas e vice-versa. Pelo menos essa é uma

questão que metece atenção. Novamente, porém, da mesma forma que já havíamos

alertado os leitores em nossa discussão sobre o modelo institucional, não quere-

mos cair na armadilha de pressupor que uma mudança no processo de formu-lação de políticas irá sempre trazer mudanças no conteúdo das políticas. Talvez

as restrições sociais, econômicas ou tecnológicas a respeito dos formuladores de

políticas sejam tão grandes que faça pouca ou nenhuma diferença ao conteúdo

da política se o processo de formulação é aberto ou fechado, competitivo ou não

competitivo, pluralista ou elitista, ou o que quer que seja. Os cientistas políticos

gostam muito de discutir como um projeto de lei se transforma em lei, e tam-

bém de que maneira vários grupos de interesse conseguem ganhar batalhas sobre

questões políticas. Mas mudar tanto os processos formais quanto os informais de

tomada de decisão pode ou não alterar o conteúdo das políticas públicas.

Todos nós talvez prefiramos viver num sistema político em que cada um

tenha voz igual na formulação de políticas; em que muitos interesses distintos

proponham soluções para os problemas públicos; em que a discussão, o debate e a

decisão sejam abertos e acessíveis a todos; em que as escolhas políticas sejam feitasde forma democrática; em que a implementação seja razoável, justa e compassiva.

Mas só porque tenhamos preferência por um sistema político não significa que tal

sistema necessariamente vá produzir políticas de defesa nacional, educação, bem-

estar social, saúde ou justiça criminal, que sejam significativamente diferentes. As

relações entre processo e con teúdo devem ainda ser pesquisadas.

Teoria do s grupos: política como equilíbrio entre grupos

A teoria dos grupos começa com a proposição de que a interação entre os

grupos é o fato mais importante da política.2 Os indivíduos com interesses comuns

unem-se, formal ou informalmente, para apresentar suas demandas ao governo.

Segundo o cientista político David B. Truman, um grupo de interesse é "um gru-

po com atitudes compartilhadas que faz certas reivindicações a outros grupos na

sociedade"; esse grupo torna-se político "se e quando apresenta uma reivindicação

106 • Políticaspúblicas e desenvolvimento: bases episcemológicas e modelos de análise

de grupos de interesse. O grupo torna-se a ponte essencial entre o indivíduo e o

governo. A política é, na verdade, a luta entre os grupos para influenciar as polí-

ticas públicas. A tarefa do sistema político é administrar o conflito entre os grupos,mediante: (1) o estabelecimento das regras do jogo para a luta entre os grupos;

(2) a negociação de acordos e o equilíbrio dos interesses; (3) a oficialização dos

acordos na forma de políticas públicas; (4) o cumprimento efetivo desses acordos.

Segundo os teóricos de grupo, a política pública é, em qualquer momentono tempo, o equilíbtio alcançado na luta entre os grupos (ver Figura 2). Esse

equilíbrio é determinado pela influênc ia relativa de cada grupo de interesse. Pode-

se esperar que mudanças na influência relativa de quaisquer grupos de interesse

resultem em mudanças nas políticas públicas; a política orientar-se-á na direção

desejada pelos grupos que ganham influência e afastar-se-á das aspirações dos gru-

pos que perdem influência. O cientista político Earl Latham descreve a política,

do ponto de vista da teoria de grupo, da seguinte maneira:

O que se pode chamar de política pública é, na realidade, o equilíbrio alcan-

çado na luta entre os grupos, em qualquer momento dado, e representa uma

balança que as facções ou grupos contendores procuram constantemente fazerpender a seu favor [...] Os legisladores ju lgam a luta dos grupos, ratificam as

conquistas da coalizão vencedora e registram as condições dos perdedores, os

acordos e as conquistas, sob a forma de estatutos.4

Influência acrescida

Influência do> grupo B

Influência dogrupo A

Política

pública

Posicionamentospolíticos alternativos

Mudança nas Equilíbriopolít icas

Figura 2 - Modelo de grupo

Mapeamento dos modelosde análise de políticas públicas • 107

 

A influência dos grupos é determinada por seu tamanho, riqueza, poder

organizacional, liderança, acesso aos fbrmuladores de decisão e coesão interna.

cada grupo é testado pelo poder dos grupos competidores. Os centros de "com-

pensação" de poder funcionam com o objetivo de controlar a influência de qual-

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A teoria dos grupos pretende descrever toda atividade política significativa em

termos de luta entre os grupos. Os fbrmuladores de políticas são percebidos

como estando constantemente respondendo a pressões de grupos — barganhan-

do, negociando e estabelecendo acordos entre as demandas competitivas dos

grupos influentes. Os políticos procuram formar uma coalizão majoritária de

grupos. Ao fazê-lo, eles têm alguma margem de discrição para determinar que

grupos devem ser incluídos na coalizão majoritária. Quanto maior a clientela dopolítico, maior o número de interesses diversos e maior sua margem de discrição

para a seleção dos grupos a integrar a coalizão majoritária. Desse modo, os de-

putados têm menos flexibilidade que os senadores, que têm uma clientela maior

e em geral mais diversa; e o presidente tem flexibilidade ainda maior que os

deputados e senadores. Os órgãos executivos também são entendidos em termos

de suas clientelas grupais.

Os partidos são vistos como coalizões de grupos. Nos EUA, a coalizão do

Partido Democrata, desde a era Roosevelt até recentemente, era composta por tra-

balhadores, moradores dos centros das cidades, grupos étnicos, católicos, pobres,

intelectuais progressistas, negros e sulistas. As dificuldades do Partido Democra-

ta hoje podem ser amplamente atribuídas ao enfraquecimento desta coalizão degrupos - o descontentamento do Su l e osconflitos grupais entre os trabalhadores

brancos e os grupos étnicos e negros. Por sua vez, a coalizão do Partido Republi-

cano tem consistido de moradores da zona rural e de pequenas cidades, da classe

média, dos brancos, dos protestantes, dos trabalhadores de colarinho branco e de

moradores suburbanos.

Todo o sistema de grupos de interesse — o próprio sistema político — é

mantido em equilíbrio por várias forças. Em primeiro lugar, há um grupo laten-te grande, quase universal, na sociedade norte-americana, que apoia o sistema

constitucional e as "regras do jogo" vigentes. Esse grupo nem sempre é visível,

mas pode ser acionado a aplicar censura exemplar a qualquer grupo que ataque o

sistema e ameace destruir seu equilíbrio.

Em segundo lugar, a filiação simultânea a vários grupos ajuda a manter o

equilíbrio, evitando que qualquer grupo se afaste demais dos valores vigentes.

Os indivíduos que pertencem a um grupo qualquer também pertencem a outros

grupos, e este fato modera as demandas dos grupos, que devem evitar melindrar

os membros que estão filiados em outros grupos.

Finalmente, os freios e contrapesos (checks an d balances) resul tantes da c o m -petição entre grupos também ajudam a manter o equilíbrio no sistema. Nenhum

grupo isolado constitui uma maioria na sociedade norte-americana. O poder de

] 08 • Políticaspúblicas e desenvolvimento: basesepistemológicas e modelos de análise

quer gtupo isolado e proteger o indivíduo contra exploração.

Teoria da dite:polít icas c omo preferências das elites

A política pública pode também ser vista sob o prisma das preferências e

valores da elite governante.5 Ainda que freqüentemente afirmemos que a políti-ca pública reflete as demandas "do povo", esta afitmação talvez expresse mais o

mito do que a realidade da democracia de um país. A teoria elitista sugere que

"o povo" é apático e mal informado quanto às políticas públicas e que a elite

molda, na verdade, a opinião das massas sobre questões políticas mais do que

as massas formam a opinião da elite. Assim, as políticas públicas, na realidade,

traduzem as preferências das elites. Os administradores e os funcionários públi-

cos apenas executam as políticas estabelecidas pela elite. As políticas fluem "de

cima para baixo", das elites para as massas; não se originam nas demandas da

massa (Ver Fig. 3).

Orientação da spolíticas

Funcionários eadministradores

Execução das políticas

MA S S A

Figura 3-Modelo daelite

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 109

 

A teoria da elite pode ser resumida brevemente da seguinte maneira: Em segundo lugar, o elitismo considera as massas profundamente pas-sivas, apáticas e mal informadas; os sentimentos das massas são manipulados

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• A sociedade está dividida entre os poucos que têm poder e os muitos que não

têm. S omen te um peque no n úme ro de pessoas aloca valores para a sociedade;as massas não decidem políticas públicas.

• Os poucos que governam não representam tipicamente as massas que são go-vernadas. As elites são extraídas desp roporcion almente da camada socioeconô-mica superior da sociedade.

• A movimentação dos não pertencentes à elite para asposições de elite deve serlenta e cont ínua para se manter a estabilidade e se evitar a revolução. Apen asos que aceitarem o consenso básico da elite podem ser aceitos nos círculos dosque dominam.

• Há nas elites um consenso quanto aos valores básicos do sistema social e àpreservação do sistema. N os EUA , as bases do consenso da elite são o respeitoà propriedade privada, a delimitação do governo e a liberdade individual.

• Aspolíticas p úblicas não refletem as demandas das massas, masantes osvalo-res prevalentes da elite. As mudanças nas políticas públicas serão muito maisincrementais qu e revolucionárias.

• As elites ativas são relativamente pouco influenciadas de forma direta pelas

massas apáticas. As elites influenciam as massas mais do que as massas influen -ciam as elites.

Quais são as implicações da teoria da elite para a análise de políticas?Em primeiro lugar, o elitismo implica que as políticas públicas nã o refletem asdemandas do "povo" na mesma intensidade em que elas refletem os interesses eos valores das elites. A ssim, as mudanças e as inovações nas políticas públicas de-correm das redefiniçõe s que as elites fazem de seus valores. Em razão do conser-vadorismo geral daselites - isto é, seu interesse pela preservação do sistema -, asmudanças em políticas públicas serão mais incrementais que revolucionárias. Aspolíticas públicas são modificadas com freqüência, m as raramente substituídas.

Ocorrem mudanças na nature za do sistema político quando os acontecimentosameaçam o sistema, e as elites, agindo na base do auto-interesse esclarecido,promovem reformas para preservar o sistema e sua posição nele. Os valores daselites podem genuinamente "considerar o interesse público". Um senso de no -blesse oblige talvez permeie os valores das elites, e o bem-estar das massas podese r um elemento importante na s decisões da s elites. O elitismo não significaque as políticas públicas serão contra o bem-estar das massas, mas apenas que aresponsabilidade por esse bem-estar repousa sobre os ombros das elires, não dasmassas.

mais freqüentemente pelas elites do que os valores das elites são influenciadospelos sentimentos das massas; e, na maioria das vezes, as comunicações entre aselites e as massas fluem de cima para baixo. Dessa forma, as eleições popularese a competição partidária não permitem que as massas governem. As questõespolíticas são raras vezes resolvidas pelo povo por meio de eleições ou da apre-sentação de propostas políticas pelos partidos políticos. N a maioria da s vezes,

essas instituições "democráticas" - eleições e partidos - são importantes somen-te por seu valor simbólico. Elas ajudam a ligar as massas ao sistema político,dando-lhes um papel a desempenhar no dia da eleição e um partido políticocom o qual possam se identificar. O elitismo sustenta que as massas têm, namelhor da s hipóteses, apenas um a influência indireta sobre o comportamentodeliberativo das elites.

O elitismo afirma também que as elites partilham de um consenso so -bre as normas fundamentais que sustentam o sistema social, que elas estão deacordo quanto às "regras básicas do jogo", bem como quanto à perpetuação dopróprio sistema social. A estabilidade do sistema e até mesmo su a sobrevivênciadependem do consenso da elite em torno dos valores fundamentais do sistema,e somente as opções políticas que se enquadrem nesse consenso serão seriamen-te consideradas. Elitismo não significa, evidentemente, que os membros da elitenunca discordem ou nunca compitam entre si por proeminência. É improvávelque tenha havido alguma sociedade em que não existiu competição entre aselites. Mas o elit ismo implica que a competição gira em torno de um númeromuito limitado de assuntos e que há, entre as elites, muito mais concordânciaque discordância.

Nacionalismo: política co mo máximo ganho socia l

A política racional é a que produz "ganho social máximo", isto é, os go-vernos devem optar por políticas cujos ganhos sociais superem os custos pelomaior valor e devem evitar políticas cujos custos nã o sejam excedidos pelosganhos.

Note-se que há realmente duas importantes orientações incluídas nessadefinição de máxima vantagem social. Em primeiro íugar, não se deve adotar po-líticas cujos custos excedam seus benefícios. Em segundo lugar, os tomadores dedecisão devem selecionar, dentre as opções políticas, aquela que produ za o maiorbenefício em relação a seus custos.

110' Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemoíógicas e modelos de análiseMapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 111

 

Em outras palavras, uma política é racional quando a diferença entre 05valores que ela produz e os valores que ela sacrifica é positiva e maior que o saldo

• Não há benefícios societários sobre os quais normalmente se possa chegar a

um acordo, mas apenas benefícios a grupos e a indivíduos específicos e ainda

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de qualquer outra proposta, Não se deve encarar o racionalismo em termos estri-

tamente monetários com o sacrifício de valores sociais básicos em troca de eco-

nomia em dinheiro. O racionalismo envolve o cálculo de todos os valores sociais,

políticos e econômicos sacrificados ou alcançados por uma política pública, não

apenas aqueles que podem ser medidos em termos monetários.

Para selecionar uma política racional, os formuladores de políticas devem

(I) conhecer todas as preferências valorativas da sociedade e seus respectivos pesosrelativos; (2) conhecer todas as propostas disponíveis de políticas; (3) conhecer

todas as conseqüências de cada proposta alternativa; (4) calcular os quocientes

entre benefício/custo de cada proposta; (5) selecionar a proposta política mais

eficiente.6 Essa racionalidade pressupõe que as preferências valorativas da socie-dade como um todo possam ser conhecidas e ponderadas. Não basta conhecer

e ponderar os valores de alguns grupos e ignorar os de outros. Deve haver uma

compreensão completa dos valores societários. A formulação racional de políticas

requer também informações sobre as propostas alternativas, capacidade preditiva

para prever precisamente as conseqüências das diferentes propostas e conhec imen-to especializado para calcular corretamente a relação entre custos e benefícios. Fi-

nalmente, a formulação racional de políticas necessita de um sistema de tomadade decisão que facilite a racionalidade na formação de políticas. O diagrama da

Figura 4 ilustra esse sistema.

Esse modelo de máximo ganho social é muitas vezes usado para pensar

sobre o melhor tamanho do governo. Os orçamentos governamentais devem

crescer até o ponto em que se obtenha o máximo de ganho líquido; a partir daí

não se deve promover mais gastos. Aplica-se o modelo de máximo ganho social

à formulação de políticas públicas na análise de benefício/custo. As primeiras

aplicações foram desenvolvidas na década de 1930 pela Corporação dos Enge-

nheiros dos EUA (the U.S. Corps of Engineers) nos programas de desenvolvi-

mento de barragens e bacias fluviais. Hoje, aplica-se virtualmente em todas as

políticas e programas de governo. Trata-se da principal matriz analítica usada

para avaliar decisões de gastos públicos.

Há, entretanto, muitas barreiras à formulação racional de decisões.7 Na

verdade, há tantos empecilhos à decisão racional que ela praticamente nunca

acontece no governo. Mas o modelo continua a ser importante para fins analí-

ticos porque ajuda a identificar as barreiras à racionalidade. Ele ajuda a colocar

a questão: Por que a formulação de políticas não é um processo mais racional?Em princípio, podemos levantar várias hipóteses sobre importantes obstáculos à

formulação racional de políticas:

assim muitos deles de natureza conflitante.

• Os muitos benefícios e custos conflitantes não podem ser comparados e pon-

derados; por exemplo, é impossível comparar ou ponderar o valor da dignida-

de individual contra um aumento de imposto.

• Os formuladores de políticas não são estimulados a tomar decisões com base

em objetivos societários, mas, ao contrário, a procurar maximizar suas recom-

pensas - poder, status, reeleição, dinheiro etc.• Os formuladores de políticas não são motivados a maximizar o ganho social

líquido, mas apenas a satisfazer as aspirações de progresso; eles não procuram

exaustivamente "o melhor caminho", mas interrompem sua busca tão logo

encontrem uma alternativa que "funcione".

• Asgrandes inversões feitas em programas e políticas existentes ("custos enter-

rados") impedem que os formuladores de políticas reconsiderem propostas,

rejeitadas em decisões anteriores.

• Há inumeráveis barreiras à coleta de todas as informações necessárias ao co-

nhecimento de todas as possíveis propostas políticas e de suas conseqüências,

incluindo-se aí o custo da coleta de informações, a disponibilidade de infor-

mações e o tempo que essa coleta demandaria.

• A capacidade preditiva das ciências sociais e comportamentais, como também

das ciências físicas e biológicas, não é suficientemente desenvolvida para ca-

pacitar os formuladores de políticas a compreender em sua plena extensão os

benefícios ou os custos de cada proposta.

• Os formuladores de políticas, mesmo dispondo das mais avançadas técnicas

analíticas de computador, carecem de conhecimento especializado suficientepara avaliar cuidadosamente os custos e os benefícios quando entra em jogo

um grande númeto de diferentes valores políticos, sociais, econômicos e cul-

turais.

• A incerteza quanto às conseqüências das diversas propostas políticas leva os

formuladores de políticas a se afastarem o mínimo possível das políticas an-

teriores, para assim reduzir a probabilidade de conseqüências perturbadoras e

imprevisíveis.

• A natureza fragmentária da formulação de políticas nas grandes organizações

torna difícil coordenar a formulação de decisões de forma tal que a contribui-

ção de todos os vários especialistas se faça sentir no ponto de decisão.

1 1 2 * Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológícas e modelos de análise Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas « 1 1 3

 

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lnçrementalhmQ: política como variações sobre o passado

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O incrementalismo vê a polít ica pública como uma c ontinuação das ati-

vidades de governos anteriores co m apenas algum as modificações incrementais.O cientista político Charles E. Lindblom apresentou inicialmente o modelo in-

crementai no bojo de uma crítica ao modelo racional tradicional de formulaçãode decisões.8 Segundo Lindblorn, os tomadores de decisão nã o revêem anual-mente todo o conjunto das polít icas existentes e propostas, nem identificam

os objetivos societários, nem pesquisam os benefícios e os custos das propostasalternativas destinadas a alcançar esses objetivos, nem escalonam as preferênciasem relação à cada alternativa política, em termos de máximos benefícios líqui-dos, para então fazer a seleção, com base em todas as informações relevantes.Ao contrário, restrições de tempo, de informação e de custos impedem que osformuladores de polít icas iden tifiquem o leque de todas as propostas alternati-vas e suas conseqüências. A s restrições políticas imped em o estabelecimento demetas societárias bem definidas e o cálculo preciso dos custos e dos benefícios.O modelo incrementai reconhece a natureza nã o prática da formulação "abso-lutamente racional" de políticas e descreve um processo mais conservador deformulação de decisões.

O incrementalismo é conservador no sentido de que os atuais programas,políticas e despesas são considerados como pontos de partida, e a atenção éconcentrada sobre novos programas e políticas e sobre acréscimos, decréscimos

ou modificações nos programas em vigor. (Por exemplo, a política orçamentáriarelativa a qualquer atividade ou programa governamental para 2010 poderiaser visualizada incrementalmente, como ilustra a Figura 5). Os formulad oresde políticas geralmente aceitam a legitimidade dos programas estabelecidos econcordam tacitamente em dar continuidade às polít icas anteriores.

E m primeiro lugar, isso acontece porque eles nã o dispõem de tempo, in -formações ou dinheiro para p esquisa r todas as alternativas às políticas em vigor.Os custos de coleta de todas essas informações são muito elevados. Os formu-

ladores de políticas não têm capacidade preditiva suficiente, mesmo na era docomputador, para prever todas as conseqüências de cada proposta. Eles tambémnão conseguem calcular a relação entre os custos e os benefícios das propostasa'ternativas quando estão em jogo muitos valores diferentes — políticos, sociais,econômicos e culturais. Dessa maneira, uma política inteiramente "racional"talvez se torne "ineficiente" (apesar da contradição nos termos) se o tempo e oscustos necessários para desenvolvê-la forem excessivos.

1 1 4 » Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análiseMapeamento dos modelos de análise de políticas públicas "115

 

L NovasJ políticas

novos programas ou políticas a cada ano, mantêm-se nos anos subseqüentes as

conquistas políticas do passado, a menos que haja substancial realinhamento po-

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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Figura 5- Modelo incrementai

Compromissos' com políticas

anter iores

E m segundo lugar, os formuladores de políticas aceitam a legitimidadedas políticas anteriores por causa da incerteza quanto às conseqüências de po-líticas completamente novas ou diferentes. E mais seguro manter programasconhecidos quando as conseqüências de novos programas não podem ser pre-vistas. Em condições de incerteza, os formuladores de polít icas preferem darcontinuidade a políticas ou a programas anteriores, tenham eles provado ou

não sua eficácia.E m terceiro lugar, talvez tenham sido feitas inversões vultosas nos progra-

ma s atuais (de novo os "custos enterrados") que desaconselham qualquer mu-dança realmente radical. Esses investimentos podem ter sido feitos em dinheiro,construções, ou outros itens de natureza material, ou em disposições psico-lógicas, práticas administrativas ou estrutura organizacional. Aceita-se comoverdade indiscutível o fato de que as organizações tendem a sobreviver ao longodo tempo a despeito de sua utilidade, que elas criam rotinas difíceis de seremalteradas, e que os indivíduos desenvolvem interesse pessoal pela continuidadede organizações e práticas, e tudo isso torna muito difícil a mudança radical.Assim, ne m todas as alternativas políticas podem ser seriamente consideradas,

mas apenas aquelas que causam pequenas perturbações físicas, econômicas, or-ganizacionais e administrativas.

E m quarto lugar, o incrementalismo é politicamente conveniente. N a for-mulação de políticas, os acordos são mais facilmente alcançados quando os itensem discussão consistem apenas de acréscimos ou decréscimos no s orçamentos oude modificações nos programas existentes. Os conflitos exacerbam-se quand o asdecisões se voltam para mudanças políticas fundamentais, envolvendo grandesganhos ou perdas, ou decisões políticas do tipo "tudo ou nada", "sim ou não -

Já que seria muito grande a tensão política envolvida na aprovação efetiva de

116 • Políricas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

lítico. Assim, o incrementalismo é importante p ara diminuir conflitos, manter aestabilidade e preservar o próprio sistema político.

As características dos próprios formulado res de políticas também recomen-dam o modelo incrementai. Raramente os seres humanos agem no sentido demaximizar todos os seus valores; com maior freqüên cia, eles agem no sentido desatisfazer demanda s particulares. A s pessoas são pragmáticas; raramente procuram

a "melhor maneira"; ao contrário, terminam sua busca tão logo encontrem "umasolução que funcione". Essa procura em geral começa com a alternativa que lhesé mais familiar, isto é, aquela que está mais próxima das políticas atuais. O fo r-mulador de políticas aventurar-se-á em busca de inovações políticas mais radicaissomente quando essa alternativa familiar nã o lhe parecer satisfatória. Na maiorparte dos casos, as alterações em programas existentes satisfazem às demandasparticulares; e as mudanças políticas mais fundam entais, necessárias à maximiza-ção de valores, são deixadas de lado.

Finalmente, na ausência de um consenso sobre metas ou valores societá-rios, é mais fácil para o governo de uma sociedade pluralista dar continuidade aprogramas existentes do que engajar-se no planejamento global de políticas volta-

das a metas societárias específicas.

Teoria do s ogos:política co mo escolha racional em situações competitivas

A teoria dos jogos é o estudo de decisões racionais em situações em quedois ou mais participantes têm opções a fazer e o resultado depe nde das escolhasque cada um faça. Aplica-se a situações na formulação de políticas em que não

existe umaescolha a fazer que seja independentemente "melhor" que outras - emque os melhores resultados dependem daquilo que os outros façam.

A idéia de "jogo" deve-se ao fato de que os tomadores de decisão estãoenvolvidos em escolhas que são interdependentes. Cada "jogador" tem de ajustarsua conduta para refletir não só seus próprios desejos e habilidades, ma s t ambémsuas expectativas a respeito do que os outros farão. A conotação de "jogo" podenao se r feliz po r insinuar que a teoria do s jogos não é realmente apropriada pararazer frente a situações sérias de con flito. Mas justam ente o contrário é verdadei-r°: a teoria do s jogos pode ser aplicada a decisões envolvendo gu erra e paz, uso dearmas nucleares, diplomacia internacional, negociação e articulação de coalizões|*o Congresso ou nas Nações Unidas e a muitas outras importantes situações po-'ticas. O "jogador" pode ser um indivíduo, um grupo ou um governo nacional

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 1 1 7

 

— na verdade, qualquer agente qu e tenha metas be m definidas e seja capaz de ação

racional.

A teoria dos jogos é um modelo abstrato e dedutivo de formulação de

tentar prever de que maneira se comportará o outro. Essa forma de "desafiar até o

último limite" é comum em relações internacionais (Figura 6).

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políticas. Não descreve como as pessoas de fato tomam decisões, mas como proce-

deriam para tomar decisões em situações competitivas se elas fossem inteiramente

racionais. Portanto, a teoria dos jogos é uma forma de racionalísmo, mas que se

aplica a situações competitivas, em que o resultado depende do que dois ou maisparticipantes façam.

As regras do jogo descrevem as opções que estão à disposição de todos osjogadores. As escolhas são muitas vezes visualizadas numa "matriz" - um dia-

grama que apresenta as escolhas alternativas disponíveis a cada jogador e todos

os possíveis resultados do jogo. A mais simples é a matriz de dois por dois; são

apenas dois jogadores e cada jogador tem somente duas alternativas de onde

escolher:

JOGADORA

JOGADOR BAlternativa Bj

Alternativa B2

Alternativa A f Alternativa A2

Resultado

Resultado

Resultado

Resultado

Nesse jogo simples, há quatro resultados possíveis, cada qual representado

por uma célula na matriz. O resultado efetivo depende das escolhas que os dois

jogadores A e B decidam fazer.Na teoria dos jogos, o prêmio corresponde aos valores que cada jogador

recebe como resultado de suas escolhas e das de seus adversários. Os prêmios são

muitas vezes representados por valores numéricos; esses valores numéricos são

colocados dentro de cada célula da matriz e, presumivelmente, correspondem aosvalores que cada jogador dá a cada resultado. Uma vez que cada jogador atribui

valores diferentes a resultados diferentes, há dois valores numéricos dentro de

cada célula - um para cada jogador.

Consideremos o jogo do "covarde". Dois adolescentes dirigem seus carros

em alta velocidade, um contra o outro, no meio da pista. Se nenhum deles se

desviar do curso, os dois colidirão. Quem se desviar será "covarde". Ambos osmotoristas preferem evitar a morte, mas também querem evitar a "desonra" de

serem"covardes". O resultado depende do que os dois fizerem, e cada um tem de

118 • Políticas públi cas e desenvolvimento: bases episremológicas e modelos de análise

Manter-se no cursoMOTORISTA B

Desviar-se do curso

MOTORISTAA

Manter-se no curso Desviar-se do curso

A: -1 0B: -10

A: +5B: -5

A: -5B: + 5

A:-l

B:-l

Figura 6 - Matriz ludoteórica para o jogo do "covarde"

O próprio teórico de jogos atribui valores numéricos aos prêmios. Se o motorista A opta por manter-se no cursoe o motorista B também decide não arredar, a contagempode ser - 10 para ambos os jogadores, que destroçamseus carros. Mas se o motorista A decide manter-seno curso, e o motorista B desvia, então o motorista A faria+5("coragem") e o motorista B, -5 ("desonra").Se o motorista A desvia, mas o motorista B man tém-se no curso, osresultados invertem-se. Se amb os saem do curso, cada um seria levemente desonrado (-1),mas não tanto quantose um ou o outro se mantivesse no curso.

A análise da matriz de prêmios sugere que seria melhor que ambos osjoga-

dores desviassem do curso a fim de minimizarem a possibilidade de uma grande

perda (-10). Mas a matriz é muito simples. Um ou ambos os jogadores talvez

atribuam aos resultados valor diferente do que é sugerido pelos números. Por

exemplo, talvez um jogador prefira a morte à desonra no jogo. Cada jogador

deve tentar calcular os valores do outro, embora nenhum dos dois consiga in-

formações completas sobre os valores de seu oponente. Além disso, há sempre a

possibilidade de um blefar ou pseudo-representar deliberadamente seus valores

ou seus recursos ao oponente. Por exemplo, uma estratégia que você pode seguir

no jogo do covarde é permitir que seu adversário o veja beber desbragadamente

antes do jogo, cambalear como um bêbado em direção ao carro, e resmungar al-

guma coisa indicando que você estaria cansado de viver esta vida miserável neste

ttvundocheio de podridão. O efeito dessa comunicação sobre o oponente pode

tazê-lo convencer-se cada vez mais da possibilidade de você manter-se no curso e,

portanto, levá-lo a sair fora e assim possibilitar que você vença.

Um conceito-chave na teoria dos jogos é estratégia. A estratégia refere-se àtornada de decisão racional em que um conjunto de movimentos visa a alcançar o

melhor prêmio, mesmo depois de considerados todos os possíveis movimentos do

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 119

 

adversário. Os teóricos de jogos usam o termo "minimax" para referir-se à estraté-gia racional qu e tanto minimiza a perda, máxim a quanto maximiza o g anho m ín imode um jogador, independentemente do que faça seu oponente. A estratégia de

pressupunha um ator auto-interessado que procura m aximizar benefícios pes-soais; a d o homo polít icas imaginava um ator co m espírito p úblico qu e tenta ma -ximizar o bem-estar societário. Mas a teoria da opção pública contesta a noção de

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minimax objetiva proteger o jogador contra a melhor jogada de seu adversário.Talvez essa seja uma estratégia conservadora, no sentido de que objetiva reduzirperdas e garantir ganhos mínimos, em vez de tentar ganhos máximos à risca degrandes perdas. Mas a maioria dos teóricos de jogos vêem o "minimax" como amelhor estratégia racional. (N o jogo do covarde, o jogador racional irá desviar do

curso, porqu e essa opção minimiza sua perda máxima.)Fica claro nessa discussão que a teoria dos jogos incorpora tanto idéias

muito complexas quanto idéias bem simples. A questão cruc ial está em saber seessas idéias são realmente úteis para estudar política pública.

A teoria dos jogos é mais fre qüen tem ente proposta pelos cientistas sociaiscomo um instrumento analítico do que como um guia prático p ara formulaçãode políticas por func ionários de governo. As condições da teoria dos jogo s poucasvezes se aproximam das condições da vida real. Muito raramente as alternativasde políticas se apresentam de forma clara numa matriz. Mais significativamente,poucas vezes os formuladores de políticas conhecem os valores reais dos prêmiosque eles ou seus adversários obteriam das várias opções de políticas. Finalmente,

há muitos obstáculos à formulação racional de políticas po r parte do s governos,como já foi assinalado anteriormente.

N o en tanto, a teoria dos jogos oferece uma maneira interessante de se pen-

sar claramente sobre as opções de políticas em situações de conf lito. Talvez a realutilidade da teoria dos jogos para a análise de políticas no presente momentoesteja em sugerir questões interessantese oferecer um vocabulário para tratar daformulação de políticas em situações de conflito.

Teoria da opção pública fpublic choice^í;política como deliberação coletivade indiv íduos mov idos pelo auto-interesse

A opção pública é o estudo econômico da tomada de decisão fora do âm-bito do mercado, especialmente a aplicação de análises econômicas à formulaçãode políticas públicas. Tradicionalmente, a ciência econômica estudava o compor-tamento no ambiente de mercado e partia da presunção de que os indivíduos per-seguiam seus interesses privados; a ciência política estudava o com portam ento naarena pública e presu mia que os indivíduos corriam atrás de sua própria noção deinteresse público. Desenvolveram-se, portanto, versões diferentes de motivaçãohumana, na ciência econômica e na ciência política: a idéia do homo economicus

120 • Políticas públicas e desenvolvimen to: bases epistemológicas e modelos de análise

que os indivíduos agem de uma maneira no foro político e de outra no contextodo mercado. A teoria da opção pública parte da premissa de que todos os atorespolíticos - eleitores, contribuintes, candidatos, legisladores, burocratas, gruposde interesse, partidos, burocracias e governos — procuram tornar máximos seusbenefícios pessoais tanto no reino da política quanto no ambiente do mercado.

O econo mista James Buchanan, vencedor do Prêmio No b e l de Economia e prin-cipal autor da moderna teoria da opção pública, argumenta que os indivíduos seassociam politicamente pelo mesmo motivo pelo qual eles se reúnem no mercado,isto é, para se proporcion arem benefícios mútuos; e mediante acordo (contrato)entre si, podem aumentar seu próprio bem-estar da mesma forma que o fazemquando transacionam no mercado.9 Em suma, as pessoas perseguem o interessepróprio tanto na política quanto no mercado, e mesmo qu e sejam levadas po rmotivos interesseiros elas conseguem se beneficiar reciprocamente po r intermédio

da tomada de decisão coletiva.O próprio governo surge de um contrato social acordado entre indivíduos,

que, para seu mútuo benefício, concotdam em obedecer a leis e em bancar um

governo em troca de proteção pa ra suas vidas, suas liberdades e sua propriedade.Assim, os teóricos da opção pública dizem-se herdeiros intelectuais do filósofopolítico inglês John Locke, bem como de Thomas Jefferson, que incorporou essanoção de contrato social na Declaração Americana da Independência. O auto-interesse esclarecido leva os indivíduos a um co ntrato co nstitucional que instituium governo para proteger a vida, a liberdade e a propriedade.

A teoria da opção pública reconhece que o governo deve exercer certasfunções que o mercado não consegu e desempenhar, isto é, ele deve remediar cer-tas "falhas do mercado". Em primeiro lugar, o governo deve prover bens públ icos— bens e serviços que, se forem oferecidos a um indivíduo, devem ser oferecidosa todos. O mercado não consegue prover bens públicos, porque, para qualquer

comprador individual, os custos desses bens excedem a seu valor e um compra-dor individual nã o teria como evitar que os não-compradores usufruíssem deles.O exemplo mais comum é o da defesa nacional: a proteção contra a invasãoestrangeira é cara demais para um único indivíduo pagá-la, mas na hora em queela é oferecida ninguém pode ser excluído de seus benefícios. Por isso, as pessoasdevem agir coletivamente, por intermédio do governo, para providenciar sua de-fesa comum. E m segundo lugar, outra falha reconhecida do mercado e, portan-to, justificativa para a intervenção governamental são as externalidades. Ocorreum a externalidade quando a atividade de um indivíduo ou emp resa ou governo

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 121

 

locai impõe custos não compensados a outros. Os exemplos mais comuns são a

poluição do ar e a da água: a liberação de poluentes no ar e na água implicam

custos para terceiros. Para compensar os custos impostos à sociedade, os governos

Mas a teoria da opção pública desenvolveu sua própria crítica ao modelo

simplista do eleitor médio ao reconhecer que os interesses dos políticos e dos

burocratas são distintos dos interesses dos eleitores. Os políticos e os burocratas

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respondem ou mediante regulamentação das atividades que produzem as externa-

lidades, ou alternativamente via aplicação de penalidades (multas) sobre aquelas

atividades.

A teoria da opção pública ajuda a explicar por que os partidos políticos e

os candidatos em geral não conseguem apresentar propostas claras sobre políticas

nas campanhas eleitorais. Os partidos e os candidatos não estão interessados empromover princípios, mas em ganhar eleições. Eles articulam seus posicionamen-

tos quanto às políticas com o fim de ganhar eleições; não vencem eleições para

formular políticas. Assim, todo partido e todo candidato tentam posicionar-se

quanto às políticas para atrair o maior número possível de eleitores.10 Dada uma

distribuição unimodal de opinião sobre qualquer questão política (ver Figura 7),

os partidos e os candidatos convergem para o centro com o objetivo de maximizar

votos. Somente os "ideólogos" (pessoas movidas a ideologia e irracionais) igno-

ram a estratégia centrista da maximização de votos.

w<D

O-H-

JD

<DT3

eC D

E•3

Partido A Partido B

ProgressistaPosicionamento em relação

a uma decisão política

Conservador

Figura 7 - Opção pública: modelo de competição partidária paraamaximização de votos

1 22 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

estão interessados em reeleger-se, amealhar generosas contribuições de campanha,

engordar os orçamentos das repartições, conquis tar maior autor idade e prestígio

e aumentar o poder do governo. As regras constitucionais de tomada de decisão

governamental nem sempre garantem que os interesses dos políticos e dos buro-

cratas coincidem com os dos eleitores médios. Até mesmo o funcionário público

mais abnegado e altruís ta, que procura com diligência cumprir as preferências de

seus constituintes - os eleitores médios-,pode encontrar muitas dificuldades. Os

funcionários governamentais não dispõem de informações contínuas para avaliar

as mudanças de preferência dos contribuintes/consumidores. Diferentemente dos

consumidores do mercado, os consumidores eleitores não se envolvem em vota-

ções contínuas. Quando os políticos descobrirem o que os eleitores realmente

desejam, talvez seja tarde demais, porquanto a eleição já terá sido ganha ou per-

dida. Mesmo depois da disputa eleitoral, os eíeitos não conseguem fazer mais que

especulação sobre o que fizeram de certo ou de errado. Os resultados das votações

nem sempre conseguem elucidar políticas.

Na falta de boas informações sobre as preferências dos cidadãos, não sãocolocados freios às "tendências naturais" dos políticos e dos burocratas de expan-

direm seu poder na sociedade. Eles exageram os benefícios dos programas de gas-

tos governamentais e subestimam seus custos. Várias "ilusõesfiscais" - impostos

ocultos, deduções em folha e financiamento do déficit - contribuem adicional-

mente para que os cidadãos subestimem os custos do governo. Todas essas "falhas

políticas" contribuem para a oferta excessiva de bens e serviços públicos por parte

do governo e para a tributação desmedida dos cidadãos.

A teoria da opção pública também contribui para entendermos os grupos

de interesse e seus efeitos sobre as políticas públicas. Os programas governamen-

tais em sua maioria oferecem "bens quase públicos" - serviços que beneficiam

mais a alguns grupos na sociedade que a outros. Racionalmente, os indivíduosinteressados em benefícios específicos, subsídios, privilégios ou proteção se or-

ganizam para cobrar ações do governo. Os custos desses benefícios específicos

podem ser repartidos entre todos os contribuintes , nenhum dos quais consegue

srcar individualmente com custos em volume tão grande que o permita gastarseu tempo, sua energia ou seu dinheiro para organizar-se contra o dispêndio.

£-ssa concentração de benefícios em favor de poucos e a dispersão dos custos

entre a maioria acaba criando um sistema de grupos de pressão favorável a inte-resses bem-organizados, homogêneos e numericamente pequenos, que buscam a

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas "123

 

expansão da atividade governamental às custas dos grupos maiores, mas menos

organizados, de contribuintes/cidadãos. Quando perduram por períodos prolon-

gados de tempo, as atividades de muitos grupos especiais de interesse, cada qual

MEIOAMBIENTE MEIOAMBIENTE

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tentando fazer convergir para si benefícios pagos por todos, acabam produzindo

excesso de regulamentações, programas e serviços governamentais. Na verdade,

o efeito cumulativo das atividades dos grupos de interesse sobre a sociedade é

a "esclerose organizacional" - uma economia política tão eivada de subsídios,

benefícios, regulamentações, proteções e tratamentos especiais para grupos de

interesse organizados, que o trabalho, a produtividade e o investimento se vêemdesestimulados.

Para atrair membros e contribuições, os grupos de interesse têm de dra-

matizar e difundir sua causa. Os líderes dos grupos de interesse devem competir

por sócios e dinheiro, exagerando os perigos que a sociedade corre, se ignorar

suas demandas. Mesmo depois que os governos satisfaçam seus pleitos originais,

os grupos de interesse têm de criar novas demandas, com novos alertas sobre

perigos, se desejam se manter no mercado. Em suma, os grupos de interesse, à

semelhança de outros atores políticos, perseguem seu auto-interesse no merca-

do político.

Teoria sistêmica: política c omo produto do s is tema

Outra maneira de conceber políticas públicas é encará-las como respostas

de um sistema político às forças que o afetam a partir do meio ambiente." As

forcas geradas no meio ambiente e que afetam o sistema político são consideradas

inputs , ou entradas. O meio ambiente é qualquer condição ou circunstância defi-nida como externa às fronteiras do sistema político. O sistema polí tico é o conjun-

to de estruturas e processos inter-relacionados, que exerce as funções oficiais de

alocar valores para a sociedade. Os outputs, ou saídas, do sistema político são as

alocações oficiais de valores do sistema; essas alocações, por sua vez, constituem

apolítica pública.

Essa conceituação da atividade política e da política pública pode ser ilus-

trada como no gráfico da Figura 8. Este diagrama é uma versão simplificada da

idéia de sistema político amplamente descrita pelo cientista político Davíd Easton.

O conceito de sistema político tem sido empregado, implícita ou explicitamente,

por muitos estudiosos, que têm procurado analisar as causas e as conseqüências

das políticas públicas.

] 24 •Políticas

públicas edesenvolvimento: bases episte

mológicas

emodelos

deanálise

EN Demandas

RA Apoio

*A

S4

SISTEMAPOLÍTICO

SAí

Decisões ^ ne ações A

S

1

MEIOAMBIENTE MEIOAMBIENTE

Figura 8 - Modelo sistêmico

A teoria sistêmica retrata as políticas públicas como um produto do sistema

político. O conceito de sistema implica um conjunto identificável de instituições

e atividades na sociedade, que funcionam no sentido de transformar demandas

em decisões oficiais, com o apoio indispensável de toda a sociedade. A noção

de sistema implica também que os elementos do sistema são inter-relacionados,

que o sistema pode responder às forças em seu ambiente, e ele o fará para assim

se autopreservar. Os inputs são recebidos no sistema político tanto sob a fo rmade demandas como de apoio. As demandas ocorrem quando os indivíduos ou

°s grupos, em resposta às condições ambientais reais ou percebidas, agem parainfluenciar a política pública. O apoio é concedido quando os indivíduos ou os

grupos aceitam o resultado das eleições, obedecem às leis, pagam seus impostos e

conformam-se de maneira geral às decisões políticas. Todo sistema absorve umayariedade de demandas, algumas das quais conflitantes entre si. Para transformar

essas demandas em output (políticas públicas), o sistema deve promover acordos e

faze-los cumprir pelas partes interessadas. Reconhece-se que os outputs (políticas

publicas) podem exercer um efeito modificador sobre o ambiente e suas deman-

das, podendo também ter influência sobre o caráter do sistema político. O siste-

Jtta preserva-se por meio: (1) da produção de outputs razoavelmente satisfatórios;

U) da sujeição a suas próprias e profundas vinculaçóes internas; (3) do uso, ouameaça de uso, da força.

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 125

 

O valor do modelo sistêmico para a análise de políticas encontra-se nas

questões que ele levanta:

da s variáveis ou das circunstâncias irrelevantes para focalizar as causas reais e as

conseqüências significativas das políticas públicas. Evidentemente, o que é real,relevante, ou significativo depende, até certo ponto, dos valores pessoais de um

indivíduo. Podemos todos concordar, entretanto, que a utilidade de um conceito

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• Quais são as dimensões ambientais significativasque geram demandas sobre o

sistema político?

• Quais são as características relevantes do sistema político que o habilitam a

transformar demandas em políticas públicas e a preservar-se ao longo do tem-

po ?

• Como os inputs ambientais afetam o caráter do sistema político?• De que maneira as características do sistema político influenciam o conteúdo

das políticas públicas?

• De que modo os inputs ambientais influenciam o conteúdo das políticas pú-

blicas?• Como as políticas públicas afetam, via eedhack , o ambiente e o caráter do

sistema político?

Modelos: como reconhecer sua utilidade

Um modelo é meramente uma abstração ou uma representação da vida

política. Quando pensamos em sistemas políticos, ou elites, ou grupos, ou fo rmu-lação racional de decisões, ou incrementalismo, ou jogos, estamos nos abstraindo

do mundo real numa tentativa de simplificar, esclarecer e entender o que é real-

mente importante em política. Antes de iniciar o estudo de políticas públicas, é

importante a linhar alguns critérios gerais para a avaliação da utilidade dos concei-

tos e dos modelos aptesentados aqui.

Ordenar e simplificar a realidade. Certamente a utilidade de um mo-

delo reside em sua capacidade de ordenar e simplificar a vida política de maneira

que possamos refletir sobre ela mais claramente e compreender as relações que

encontramos no mundo real. Entretanto, simplificação demasiada pode condu-

zir a incorreções em nosso pensamento a respeito da realidade. Por um lado, se

um conceito é muito restrito ou identifica apenas fenômenos superficiais, talveznão possamos utilizá-lo para explicar políticas públicas. Por outro lado, se um

conceito é amplo demais e sugere relações excessivamente complexas, pode se

tornar tão complicado e difícil de se usar que, de fato, ele não serve para ajudara compreensão. Em outras palavras, a utilidade de algumas teorias políticas pode

ser prejudicadapor sua excessiva complexidade ou demasiada simplicidade.Identificar o que é relevante. Um modelo deve também identificar os

aspectos realmente significativos das políticas públicas. Sua atenção deve ir além

está relacionada com sua capacidade de identificar o que é realmente importante

na política.

Condizer com a realidade. Geralmente, um modelo deve corresponder à

realidade, isto é, ele deve ter efetivas referências empíricas. Não seria de estranhar

que tivéssemos dificuldades com um conceito que identifica um processo que na

realidade não ocorre, ou simboliza fenômenos que não existem no mundo real.

No entanto, não devemos nos apressar em abandonar conceitos não realistas, se

eles conseguem conduzir nossa atenção para as razoes pelas quais eles não são

realistas. Por exemplo, ninguém defende que a formulação de decisões por parte

do governo seja completamente racional - os funcionários públicos nem sempre

atuam no sentido de maximizar os valores societários e minimizar os custos so-

cietários. Mas o conceito de formulação racional de decisões ainda pode ser útil,

mesmo que não seja realista, se ele nos desperta para compreender quão irracional

a formulação governamental de decisões de fato é e nos prepara para indagar as

razões dessa irracionalidade.

Comunicar algo significativo. Umconceito

ou ummodelo deve também

comunicar alguma coisa significativa. Se muitas pessoas discordam quanto ao sen-

tido de um conceito, sua utilidade é diminuída na comunicação. Se, por exemplo,

ninguém realmente chega a um acordo sobre o que constitui uma elite, então o

conceito de elite não significa a mesma coisa para todos. Se um define elite como

um grupo de funcionários públicos eleitos democraticamente com a função de re-

presentar o público em geral, ele estará comunicando, ao usar o termo, uma idéia

diferente daquele que define elite como um grupo minoritário nãorepresentativo

que formula decisões para a sociedade com base em seus interesses.

Orientar a pesquisa e a investigação. Um modelo deve ajudar a orientar a

investigação e a pesquisa sobre políticas públicas. O conceito deve ser operacional

- isto é, deve referir-se diretamente a fenômenos do mundo real, que possamserobservados, medidos e verificados. Um conceito ou uma série de conceitos ínter-

relacionados (a que chamamos modelo} devem sugerir relações no mundo real,

que possam ser testadas e verificadas. Se não há como provar ou refutar as idéias

sugeridas por um conceito, então o conceito não é realmente útil para desenvolver

uma ciência política.

Propor explicações. Finalmente, uma abordagem baseada em modelos

sugerir uma explicação da política pública. Deve sugerir hipóteses sobre as

causas e asconseqüências da política pública - hipóteses que possam ser testadas

126 • Políticas públicase desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análiseMapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 127

 

contra os dados do inundo real. Um conceito que apenas descreva a política pú-

blica não é tão útil quanto outro que explique a política pública ou pelo menos

sugira possíveis explicações.

EASTON, David. A f ramework forpol i t ical analysis. Englewood ClifFs, N. J.: Prentice-Hall, 1965.

LINDBLOM, CharlesE.; WOODHOUSE, Edward J.. Thepolicy-makingprocess. 3- ed.

5/12/2018 LIVRO - POLÍTIC A - Políticas Públicas e Desenvolvimento - slidepdf.com

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Notas

1. JONES, Charles O. An introduction to the study ofpublic policy. 2. ed. Boston: Dux-

bury, 1978. p. 6.2. Para um tratado clássico sobre teoria dos grupos, ver: TRUMAN, Davíd B. T h e

governmentalprocess .NevfYork: Knopf, 1951.

3. Ibid. p. 37.4. LATHAM, Earl. The group basis of politics. In: E U L A U , Heinz; ELDERSVELD,

Samuel J.; JANOWITZ, Morris (Orgs.). Political behavior. N ew York: Free Press,

1956. p. 239.5. A teoria da elite é extensamente explicada por: DYE, Thomas R.; ZEIGLER, Har-

mon. The irony ofdemocracy, 9. ed. M onterey, Califórnia: Wadsworth, 1993.

6 . Ver DROR, Yehezdel. Public policy-making re-examined. Pane IV. An optional mo -

del of public policy-making. San Francisco: Chandler, 1968.

7 . Ver LINDBLOM, CharlesE. The science of muddling through. Public Adm inistra-tion Review, v. 19 , Spring,p. 79-88, 1959; WILDAVSKY, Aaron. Th e politics ofthe

budgetary process. Boston:Little, Brown, 1964.

8. LINDBLOM, 1959.9 . BUCHANAN, James M .; TULLOCK, Gordon. Th e calculus ofconsent. A nn Arbor:

Universiry of Míchigan Press, 1962.1 0. DOWNS, Anthony. A n economic theory ofdemocracy. N ew York: Harper & Row,

1957.11. Esta conceituação foi primeiramente proposta po t Easton, David A Jramework fo r

poli t ical analysis. Englewood Clíffs, N . J.: Prentice-Hall, 1965.

Referências

BUCHANAN, James M.; TULLOCK, Gordon. The calcutm ofconsent. An n Arbor: Uni-

versityof Michigan Press, 1962.

DOWNS, Anthony. An economic theory ofdemocracy. N ew York: Harper Ô C Row, 1957-

DYE, Thomas R.; ZEIGLER, Harmon. Th e irony ofdemocmcy. 9. ed. Belmont, CA : W»'

dsworch, 1993.

Englewood ClifFs, N. J.: Prentice-Hall, 1993.

TRUMAN, David B. lhe governmental process. NewYork: Knopf, 1954.

WILDAVSKY, Aaron. lhe politics ofthe bitdgetary process. 2. ed. New York: Harper-Coílins, 1992.

Comentário

Modelos: da teoria à prática

DonaldR. Winkler*

Muitas pessoas têm suas próprias visões a respeito de como se formula,

decide e implementa uma política pública. Essas visões são representações

simplificadas e muitas vezes simplistas do mundo real. Em poucas palavras,

essas visões são modelos não escritos de comportamento que permitem ao

indivíduo entender fenômenos complexos e prever as conseqüências de ações

específicas.

Os teóricos políticos também têm suas visões sobre a formulação e a

implementação de políticas e programas públicos. No entanto, essas visões

são expressas na forma de modelos escritos, com pressuposições explícitas

sobre as variáves fundamentais e a natureza das relações existentes entre elas.

No livro Undentandingpublicpolicy', Thomas R. Dye apresenta vários desses

modelos que nos ajudam a examimar melhor os diferentes aspectos do pro-cesso político.

Os modelos revistos por Dye e os aspectos do processo político-admi-ni

stracivo que eles procuram explicar estão tesumidos na tabela a seguir. Esses

Donald R. Winlder, economista, ex-professor da Escola de Administração Pública, da

Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles e ex-funcionário do Banco Mundial, em

Washington (Lashc). Integra atualmente o Research Triangle Institu te (RTI), o braço contratan-te de crês universidades da Caroüna do Norte volcado à realização de pesquisas sobre políticas

públicas - Norch Carolina, NC State e Duke. Dedica-se, principalmente, a pesquisas sobre

política educacional. Seu livro mais recente cem o título Etnicidad, Raza, Gênero y Educadón en

América Latina., organizado com Santiago Cueco e publicado por Education Revitalization inthe Américas (Preal), 2004.

128 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemo ógicas e modelos de análise Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 129

 

modelos compartilham certas características entre si. Cada qual é u rna represen-tação simplificada do mundo real. Em outras palavras, o modelo não pretendeoferecer uma previsão ou dar uma explicação cabal. Ao invés disso, cada um iden-

tão das políticas e dos programas de redistribuição de custos e benefícios. Váriosdesses modelos poderiam se r potencialmente adaptados para ajudar a explicaro processo de implementação. Por exemplo, o conhecimento dos objetivos dos

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tifica algumas variáves e relações-chave que, segundo a teoria, são muito impor-tantes. Poder-se-ia construir modelos mais reaíísticos, mas eles não permitiriamuma fácil compreensão.

Tabela - Seleção demodelospolitico-administrativos

Modelo

Institucional

De grupo

De elite

Racional

Incrementai

Da teoria de jogos

Da opção pública

Sistêmico

Processo político-administrativo

Formulação, implementação

Formulação, legislação, regula-mentação

Formulação, legislação, regula-mentação

Formulação,avaliação

Formulação

Formulação, legislação, regula-mentação

Formulação, legislação, regula-mentação

Formulação, implementação

Em foco

Instituições governamen-tais

Grupos de interesse

Poder da elite

Avaliação de propostas

Poucas propostas

Jogo racional

Grupos de interesse

Interações complexas

É elucidativo categorizar esses modelos de acordo com a parte do processopolítico-administrativo que cada um deles enfoca. Quase todos os modelos tratamprincipalmente da especificação e da escolha de propostas político-administrati-

vas. Poucos entre eles contribuem para o nosso entendimento do fosso que muitasvezes se observa entre a intenção do legislador e os resultados da política eleita,isto é, o processo pelo qual as decisões políticas são implementadas. A intençãodo legislador com freqüência é frustrada pela elaboração das regulamentações deimplementação, pelo financiamento inadequado da implementação e pela ges-

130 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episcemológicas e modelos de análise

diferentes stakeholãers ou grupos de interesse e do modo como essas políticas osafetam pode nos informa r sobre o que os estimula a atuar no sentido de facilitar

Ou de obstruir a implementação. No entanto, é só a teoria da opção pública que

trata diretamente da s questões de informação e accountability na implementação.

A falta de informações públicas e confiáveis permite que os grupos de interesse

trabalhem por trás da cena no sentido de frustrar a implementação e reduz emgrande parte a accountability de atores decisivos envolvidos na implementação.

Embora Dye apresente a ampla variedade dos modelos políticos comu-

mente usados, ele não discute inteiramente as contribuições e as deficiências dos

modelos específicos. Por exemplo, ele não avalia a "elegância" dos modelos. Sãoelegantes os modelos que ao mesmo tempo sãosimples e têm poder de explicação

e de previsão. Nesse sentido, a teoria sistêmica é particularmente deselegante,porquanto p rocura oferecer uma visão holística e acabada do mundo.

Dye também não examina o quão confiáveis e generalizáveis são os mode-los. A confiabilidade e a generalizabílidade representam a "folha de serviços" de

um modelo e, desse modo, informam o analista político quanto à credibilidade

que se pode esperar de suas explicações e previsões. A razão para não se discutira confiabilidade dos modelos políticos se encontra facilmente no fato de os pes-quisadores de políticas não testarem rigorosamente os modelos que propõem eusam. A teoria dos jogos e a teoria da opção pública prestam-se muito facilmentea quantificação e a testes formais, mas a teoria institucional e a teoria de gruposão raramente submetidas a testes rigorosos, apesar do potencial evidente que têmpara tanto.

Finalmente, Dye não debate o processo pelo qual os m odelos se aperfeiçoamem relação a seu poder explicativo e preditivo. Os m odelos nascem na imaginaçãodo cientista. Uma boa teoria é suscetível a emenda e a modificação diante de novascircunstâncias. São bem-sucedidas as teorias que se adaptam e se modificam parase tornarem poderosas ao íongo do tempo e em novos contextos. Obviamente,torna-se muito fácil adaptar e modificar os modelos quando se constata, depois detesta-los, que não corresp ondem à expectativa. Assim, a incapacidade de testá-losRigorosamente faz com que os modelos se ossifiquem e acabem na caixa de lixodo analista político.

Os modelos discutidos por Dye aplicam-se principalmente à formulaçãoe a implementação de políticas públicas. Esses modelos revolvem sobretudo emtorno dos papéis e dos interesses do s diferentes grupos de stakeholãers e, em es-cala menor, em torno da natureza dos arranjos institucionais. Como se observou

Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas • 131

 

anteriormente, esses modelos podem ajudar a explicar de que modo os stakeholders

exercem influência ramo na formulação de políricas e na voração de leis quanto

na implementação de políticas e na determinação dos beneficiários das ações go- Modelo comportamental /

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vernamentais. No entanto, os usuários desses modelos lamentam que as proposi-

ções teóricas que os suportam sejam frágeis e relativamente pouco restadas.

Por exemplo, suponha-se que um analísra político-administrativo no Brasil

desejasse usar teorias de política pública para assessorar uma organização politica-

mente engajada sobre como e onde intervir para elevar a qualidade da educação

oferecida aos pobres. Esse analista saberia, com base na literatura, que existeminúmeros pontos em que se pode intervir; esses pontos vão desde incluir a re-

forma da educação na agenda legislativa até elevar as expectativas dos pais e dos

eleitores pobres a respeito dos serviços que eles deveriam estar recebendo. Mas

essa mesma literatura não ofereceria praticamente orientação alguma quanto às

estratégias mais econômicas de fazê-lo.

Em suma, Dye apresenta uma série de modelos úteis para as políticas pú-

blicas, mas esses modelos explicam primordialmente a formulação e a escolha de

políticas e, praticamente, ignoram a implementação de políticas. O que talvez

mais salte à vista nesses modelos é a incapacidade dos pesquisadores de políticas

de testá-los em termos rigorosos e de modificá-los. A teoria da opção pública é

provavelmente a única exceção a essa crítica, Ela tem sido testada, adaptada e am-

pliada com o objetivo de explicar novos fenômenos, como o papel da assimetria

informacional na elucidação das divergências entre a intenção do legislador e o

impacto final da decisão política. Além disso, a teoria da opção pública parece ser

mais abrangente no sentido de que as outtas teorias podem ser entendidas como

subconjuntos dela.

132 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epis temo ógicas e modelos de análise

de decisão racional*"Herber tA . Sirnon**

Carnegie Institute of Technology

A teoria econômica tradicional postula um "homem econômico", que, por ser

econômico, também é "racional". Presume-se que esse homem tenha uni

conhecimento dos aspectos relevantes de seu meio, que - se não é abso-

lutamente completo - é pelo menos animadoramente claro e amplo. Pressupõe-se

também que ele tenha um sistema estável e bem organizado de preferências e uma

competência em cálculo que o torna apto a avaliar quais, entre os vários cursos alter-

nativos de ação disponíveis, hão de permitir-lhe alcançaro ponto possivelmente mais

elevado em sua escala de preferência.Em desenvolvimentos recentes na ciência econômica e, em particular, na

teoria da firma de negócios, surgiram dúvidas sérias quanto à capacidade de esse.^modelo esquemático de homem econômico oferecer um fundamento adequado

para sobre ele se erigir uma teoria: representa ele uma teoria sobre como as firmas

de fato se comportam, ou sobre como elas "deveriam" racionalmente se compor-

tar? Este artigo não se propõe a discutir essas dúvidas, ou a determinar se elas

procedem. Em vez disso, vou partir da suposição de que o conceito de "homem

econômico" (e, poderia acrescentar, de seu irmão "o homem administrativo") pre-

nsa de uma drástica revisão, e vou adiantar algumas sugestões sobre os rumos que

esta revisão deveria tomar.

Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

rofessor do Departamento de Psicologia da atual Carnegie-Mellon University, em Pittsburgh,

Pennsylvania, Herbert A. Simon recebeu em 1978 o prêmio Nobel de Economia por sua pro-icua, expressiva e marcante contribuição acadêmica para o campo da administração, partícu-

armente por suas teorias sobre a tomada de decisão nas organizações econômicas. Nascido em

916, manteve-se ativo e a brilhar em sua sede de produção intelectual, em Pittsburgh, até o fimde sua longa vida, em 2001.

O presente artigo foi publicado, originalmence, sob o título "A behavioral rnodel of rationalchoice", no Quanerly Journal of Economics , v. 69, p. 99-118, feb.1955.

 

Enunciada em termos amplos, a tarefa consiste em substituir a racionalida-

de global do homem econômico por uma espécie de comportamento racional que

seja compatível com o acesso à informação e com as capacidades computacionais

ou restrições em relação aos quais se deve operar a adaptação racional. Entre as

restrições comuns - que em si mesmas não são objeto de cálculo racional - cons-

tam: (1) o conjunto das propostas alternativas colocadas à escolha; (2) asrelações

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efetivamente possuídas pelas organizações, incluindo-se aí o homem, nos am-bientes em que essas organizações se encontram. Alguém poderia se sentir tenta-

do a buscar a resposta na literatura de psicologia. Os psicólogos, sem dúvida, têm

se pteocupado com o comportamento racional sobretudo em seu interesse pelos

fenômenos da aprendizagem. Mas é tão grande a distância que vai entre o nosso

conhecimento atual da psicologia dos processos de aprendizagem e de escolha e ostipos de conhecimento necessários à teoria econômica e administrativa que umapedra de marcação colocada a meio caminho poderia ajudar os viajantes das duas

trajetórias a manterem seus rumos.Na falta dos tipos de conhecimento empírico sobre processo decisório que

sãonecessários a uma teoria definitiva, os fetos relevantes do mundo real, no estágio

atual, só podem se incorporar na teoria de uma maneira relativamente assistemáticae não rigorosa. Mas ninguém desconhece inteiramente as características flagrantes

da escolha humana ou os aspectos amplos do ambiente em que essa escolha acon-tece. Sinto-me à vontade para valer-me dessa experiência comum como fonte das

hipóteses necessárias à teoria sobre a natureza do homem e de seu mundo.

O problema pode ser abordado primeiramente por meio do exame daspropriedades da organização que faz escolhas, ou via escrutínio do ambiente de

escolha. Neste artigo, optei pela primeira abordagem. Proponho-me, em outrotrabalho, a tratar das características do ambiente e das inter-relaçôes entre o am-

biente e a organização.Este artigo tenta então incorporar explicitamente algumas propriedades da

organização que faz escolhas à guisa de elementos que auxiliem a definir o que

se entende por comportamento racional em situações específicas e a discernir o

comportamento em termos de tal definição. Em parte, isso significa tornar maisexplícito o que já está implícito em alguns estudos recentes sobre o problema— que a situação informacional também pode ser vista como um a característica

quer do delíberador ou de seu ambiente. Em parte, inclui algumas novas consi-derações - sobretudo se leva em conta as simplificações que a organizaçãoqueexerce escolhas pode deliberadamente introduzir em seu modelo da situação com

a finalidade de pôr o modelo ao alcance de sua capacidade computacional.

Alguns aspectos gerais da decisão racional

O caráter dos vários modelos de escolha racional depende basicamente"dos tipos específicos de pressuposições que são introduzidos a título de "dados

que determinam ospayoffi*— "satisfações", "alcance dasmetas" - como uma fun-

ção da proposta escolhida; (3) a ordenação do s p a y o f f s po r ordem de preferência.

A adoção de certas restriçõese a exclusão de outras, com vistas à sua incorporação

no modelo de comportamento racional, envolvem pressupostos implícitos quan-

to às variáveis que a organização racional "controla" - e, por conseguinte, pode

"otimizar" como meio para a adaptação racional - e quanto às variáveis que eladeve tomar como fixas. Também encerram suposições prévias a respeito do caráterdas variáveis fixas. Por exemplo, ao fazer diferentes suposições relativamente ao

volume de informações que a organização possui sobre as relações entre as pro-

postas alternativas e ospayoffi, a otimização poderá envolver a seleção de um certo

ponto máximo, de um valor esperado, ou um minimax.

Outra maneira de caracterizar os dados e as variáveis comportamentais é

dizer que as últimas se referem à própria organização e que os primeiros dizem

respeito a seu ambiente. Mas, se adotarmos esse ponto de vista, teremos de estar

preparados para aceitar a possibilidade de que o assim chamado "ambiente" possa

estar situado, em parte, dentro do próprio organismo biológico. Isto é, algumas

restrições que devem ser tomadas como dadas, num problema de otimização,podem ser limitações fisiológicas e psicológicas do próprio organismo (biologica-

mente assim definido). Por exemplo, a velocidade máxima em que um organismo

pode se deslocar já põe um limite ao conjunto de alternativas de comportamento

disponíveis. De maneira semelhante, os limitesde capacidade computacional po-

dem constituir restrições importantes a compor a definição da escolha racionai

em circunstâncias específicas. Vamos explorar possíveis maneiras de formular o

processo de escolha racional em situações em que desejamos considerar de modo

explícito as restrições "internas" bem como as"externas" que definem o problema

da racionalidade para a organização.

Ja y°jfé comumenre traduzido em português po r prêmio, retribuição, ganho, lucro, resultado,

recompensa, dependendo do sentido específico em cada contexto e/ou da preferência do autor

da tradução.Aqui, o termo foi mantido em inglês para se evitar o uso necessário de mais de umdos usualmente empregados emportuguês.

ara garantira correção dos termos matemáticos, o tradutor contou com a assistência especiali-zada de Nilo Kühlkamp, professor do Departamento de Matemática da UFSC, que, entre outras

observações, assinalou o erro de notação na fórmula relativa à regra de certeza (regra III) e, assim,Possibilitou que os sinais 5 (conjunto de pontos) fossem substituídos pelos sinais f (elementosdesses conjuntos). As correções, aliás, foram efetuadas com o reconhecimentoe o estímulodoautor, em mensagem manuscritaao tradutor,via fax,em 30 de ju lh o de 1996.

134 - Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análiseModelo comportamental de decisão racional " !35

 

Quer nossos interesses situem-se no aspecto normativo ou no descritivo

da escolha racional, a construção de modelos desse tipo deveria se mostrar ins-

trutiva. Por causa dos limites psicológicos da organização (sobretudo quanto à

em pares os elementos de S — isto é, uma relação que afirme que s, é preferível

a Sy ou vice-versa — , mas, para evitar complicações desnecessárias nessa discus-

são, vamos admitir que já se definiu uma utilidade cardinal, V(s) .t

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capacidade computacional e predítiva), o verdadeiro esforço humano por racio-

nalidade pode se aproximar, quando muito de forma extremamente grosseira

e simplificada, do tipo de racionalidade global que se encontra implícito, por

exemplo, nos modelos da teoria de jogos. Embora as aproximações que as orga-

nizações usem possam não ser asmelhores - mesmo nos níveis de complexidade

computacional que elas são capazes de administrar — , é provável que se possaaprender muito sobre mecanismos possíveis a partir do exame dos esquemas

aproximativos que são efetivamente empregados pelas organizações humanas

e outras.Ao descrever o modelo proposto, vamos iniciar com os elementos que ele

tem em comum com os modelos mais globais e daí proceder à introdução de pres-

suposições simplificadoras e (o que é a mesma coisa) de procedimentos de aproxi-

mação.

Termos e definições elementares

Os modelos de comportamento racional — tanto os tipos globais, que são

usualmente construídos, quanto os tipos mais limitados, que serão discutidos aqui

— em geral requerem, senão todos, pelo menos alguns dos seguintes elementos:

1. Um conjunto de alternativas de comportamento (alternativas de escolha ou de-

cisão). Num modelo matemático, essas alternativas podem ser representadas

por um conjunto de pontos, A.2. O subconjunto de alternativas de comportamento que a organi zação "leva. em

consideração''ou "percebe". Isto é, a organização pode fazer sua escolha a partirde um conjunto de alternativas mais restrito que toda a gama objetivamente

disponível a ela. O subconjunto"considerado" pode ser representado por um

conjunto de pontos A , com o À contido em A (A d A).3. Ospossíveis estados futuros dos negócios , ou resultados da escolha, representados

por um conjunto de pontos, S. (Por enquanto não é preciso fazer adistinção

entre os resultados reais e os percebidos.)4. Uma função de " p a y o f f " que represente o "valor" ou a "utilidade" atribui da

pela organizaçãoa cada um dos possíveis resultados da escolha. O payoff"podese r representadopor uma função real, V(s), definida para todos os elementos,

s, de 5. Para muitas finalidades, precisa-se apenas de uma relação que ordene

13ó • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemo ógicas e modelos de análise

j. Informação sobre os resultados qu e irão de fato ocorrer em S , se for escolhida um a

certa alternativa, a, em A (ou em A). Essa informação pode ser incompleta

- isto é, pode haver mais de um resultado possível, j, para cada alternativa

de comportamento, a. Representamos então a informação pela associação de

cada elemento, a, de A, ao subconjunto Sá - o conjunto dos resultados que

podem ocorrer, se a alternativa de comportamento escolhida for a.6. Informação sobre a probabilidade de ocorrer um determinado resultado, se for

escolhida uma certa alternativa de comportamento. Essa é uma espécie de

informação mais precisa do que a requerida em (5), porque ela atribui a cada

elemento, s, no conjunto Sá, uma probabilidade, P a (s ) - a probabilidade de

que ocorrerá s, se for escolhido a. A probabilidade P a (s ) é uma função real, não

negativa, em que S Pa (s) = l.Sa

Dirige-se a atenção para a tríplice distinção estabelecida pelas definições

entre o conjunto de alternativas comportamentais, A, o conjunto dos resultados

ou dos estados futuros dos negócios, 5, e o payoff, V. Na representação ordinária

de um jogo, em forma reduzida, por sua matriz depayoffs, o conjunto 5 corres-ponde às células da matriz; o conjunto^, às estratégias do primeiro jogador; e a

função V, aos valores nas células. O conjunto Sa é, pois, o conjunto das células

na fila a. Ao guardar em sua mente essa interpretação, o leitor pode comparar a

presente formulação com a teoria "clássica" de jogos.

Conceitos " c l á s s i c o s " de racionalidade

Com esses elementos, podemos definir os procedimentos de escolha racio-nal que correspondem aos modelos ludoteóricos e probabilístícos ordinários.2

* • Regra de Max-Min. Suponha que, para qualquer alternativa escolhida, acon-

teça o pior resultado possível - que se realize o menor V(s) para s em Sa.Em

seguida, selecione a alternativa, a, para a qual esse^yo^péssimo é tão grandequanto possível.

V(â) = Min V(s) = Max Min V ( s ).se S, a < = A

Modelo compor tamental de decisão racional «137 

Podemos substituir o máximo de alternativas reais do conjunto A pelo má-

ximo de alternativas "consideradas" do conjunto Ã. A distribuição de probabilida-

de dos resultados (6) não desempenha qualquer função na regra de Max-Min.

verdade descrevam o processo de tomada de decisão, parece razoável que se examine

a possibilidade de que o processo real é bem diferente dos descritos pelas regras.

Nosso procedimento consistirá em introduzir algumas modificações que

parecem (com base em empirismo casual) corresponder aos processos comporta-

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II. Regra de probabilidade. Maximize o valor esperado de V(s) para a distribuição

de probabilidade (presumidamente conhecida), P a(s).

V(â) = I V(s)P â(s ) = Max S V(s)Pa(s )a < = A

III. Regra de cer teza: Dada a informação de que todo a em A (ou em A) está asso-

ciado a um ponto Sá especificado em S, selecione a alternativa de comporta-

mento que produza o maior payoff.

V(â) = V(s .) = Max V (s J

As simplificaçõesessenciais

Se examinarmos de perto os conceitos "clássicos" de racionalidade de-

lineados anteriormente, veremos imediatamente as demandas severas que eles

impõem à organização que faz escolhas. A organização deve ser capaz de atri-

buir payojft claros (ou pelo menos uma gama definida de payoffs) para cada re-

sultado possível. Isso, obviamente, envolve também a capacidade de especificara natureza exata dos resultados - não há lugar no esquema para "conseqüências

imprevistas". Qspayof f i devem ser todos dispostos em ordem - deve ser sempre

possível especificar, de forma consistente, que certo resultado é melhor, tão

bom quanto, ou pior do que qualquer outro. Se forem utilizadas as regras de

certeza ou de probabilidade, os resultados das alternativas específicas devemser conhecidos com certeza; caso contrário, deve-se peto menos poder atribuir

probabilidades claras aos resultados.

Minha primeira proposição empírica sugere que há uma total falta Qe

evidência de que, em situações reais de escolha humana de qualquer comple-

xidade, esses cálculos possam ser ou de fato sejam levados a efeito. A evidência

introspectiva é, sem dúvida, clara o suficiente, mas não podemos, obviamente, des-

cartar a possibilidade de que o inconsciente seja um deliberador melhor do queo consciente. Entretanto, não havendo evidência de que os conceitos clássicos na

138 • Políticas pú blicas e desenvolvimento: bases epis tecnológicas e modelos de análise

mentais observados em seres humanos e conduzem a substanciais simplificações

computacionais na formulação da escolha. Não se conclui que os seres humanos

usem todas essas modificações e essas simplificações o tempo todo. Tampouco é

esse o lugar para se empreender a formidável tarefo, empírica de se determinar até

que ponto, e em que circunstâncias, os seres humanos efetivamente usam essassimplificações. Em vez disso, trata-se de procedimentos que os seres humanos

parecem empregar com freqüência, em situações complexas de escolha, para en-

contrar um modelo aproximado de proporções administráveis.

Funções "simples" de payoff

Um caminho para a simplificação consiste em supor que V(s) necessaria-

mente assume um dos dois valores (l, 0) ou um dos três valores (l, O, -1), para

todos os s em S. Dependendo das circunstâncias, poderíamos querer interpretar

esses valores em termos de (a) (satisfatórios ou insatisfatórios) ou (b) (vitória,empate ou derrota).

A título de um exemplo de (b), suponhamos que S represente as posições

possíveis, numa partida de xadrez, no 2Q - movimento do jogador White. Na po-

sição (+1), White tem uma estratégia que o leva a vencer independentemente do

que faça Black. Na posição (0) , White pode forçar o empate, mas não vencer. Na

posição (-1), Black pode assegurar a vitória.

A título de um exemplo de (a), vamos supor que S represente os preços

possíveis de uma casa que um indivíduo está vendendo. Ele pode achar que $

15 mil é um preço "aceitável" e considerar que qualquer valor acima disso é "sa-

tisfatório" e qualquer valor abaixo disso é "insatisfatório". Na teoria psicológica,

estabeleceríamos o limite no "nível de aspiração"; na teoria econômica, fixaríamos° limite no preço que indica indiferença entre vender e não vender (uma noçãode custo de oportunidade).

Embora $ 16 mil e $ 25 mil sejam ambos preços "muito satisfatórios"

para a casa, poder-se-ia contrapor que o indivíduo racional preferiria vendê-la

pelo preço mais alto, e, por conseguinte, a função simples de payof f'seria uma

Apresentação inadequada da situação de escolha. A objeção pode ser rebatida

de várias maneiras diferentes com cada resposta correspondendo a uma classe desituações em que a função simples poderia ser apropriada.

Modelo comportamental de decisão racional • 139

 

segunda derivada acentuadamente negativa (utilidade margin al decrescente). E n-tão, a aproximação poderia ser V ( s ) = V{ W (s)}, como se mostra mais adiante.

Quando é admissível um a V ( s ) simples, que assume apenas os valores (+2,0) na s condições que acabam de ser discutidas, ou em outras c ircunstâncias, então,

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v = o

-U(s)

-V(s)

W{s)

Figura l

Em primeiro lugar, talvez o indivíduo não se defronte simultaneamentecom os inúmeros compradores que se oferecem a comprar sua casa por diferen-tes preços, mas pode receber uma seqüência de ofertas e talvez tenha de decidiraceitar ou rejeitar cada uma delas, antes de receber a próxima. (Ou, o que é maiscomum, ele pode receber uma seqüência de ofertas, em conjunto s ou lotes deduas, três ou de n ofertas, e talvez tenha de decidir se aceita a oferta mais altacontida nu m conjunto de n ofertas antes de receber o próximo de n ofertas.)Então, se os elementos S correspondem a conjuntos de n ofertas, V ( s ) seria igual

a /, sempre que a oferta mais alta no c onjun to de n ofertas excedesse ao "pre-ço de aceitação" que o vendedor determinara para aquele momento. Podemosentão fazer a pergunta conseqüente sobre o que seria um processo racional paraa determinação do preço de aceitação.3

Em segundo lugar, mesmo qu e houvesse um a função mais geral de p a y o f f ,

W(s); capaz de assumir mais de dois valores diferentes, a V ( s ) simplificada poderiaser uma aproximação satisfatória de W(s). Suponha, po r exemplo, qu e exista algu-ma maneira de inserir uma função cardinal de utilidade, definida em 5, digamosU ( s ) . Suponha também qu e U(W) seja um a função monótona crescente com uma

140 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episcemológicas e modelos de análise

pode-se definir um (quarto) processo de decisão racional, nos seguintes termos:

IV . (i) Procure um conjunto de resultados possíveis (um subconjunto, S' em S) ,de modo que o p a y o f f $ Q } & satisfatório (V(s ) = 1) para todos esses resultadospossíveis (para todos os s em 5').( i i ) Pesquise uma alternativa de comportamento (um a em Â), cujos resulta-do s possíveis estejam todos em S' (de tal forma qu e a esteja associado a umconjunto, Sá , contido em S').

Se, mediante esse procedimento, fo r possível en contrar um a alternativade comportamento, então garante-se um resultado satisfatório. O procedimento,obviamente, não garante a existência ou a unicidade de um a com as propriedadesdesejadas.

Coleta de informações

Um elemento de realismo qu e talvez desejemos introduz ir é que, enquantoV ( s ) pode ser conhecido antecipadamente, o mesmo pode não ocorrer com rela-ção à associação [dos elementos a] de Á ao s subconjuntos de S. N o caso extremo,cada elemento, a, pode de saída ser associado ao conjunto todo, S. Ao processode formulação de decisões, podemos então incorporar etapas de coleta de infor-mação que produzam uma associação mais precisa dos vários elementos de A asubconjuntos não idênticos de S. Se o processo de coleta de informações tivercusto, então um dos elementos da decisão consistirá em definir até que pontodever-se-á refinar a associação.

Agora, no caso das funções simples depayoffi (+1, O ), o processo de cole-ta de informações pode ser eficientem ente organizado n um aspecto importante.E m primeiro lugar, supomos que o indivíduo comece com uma associação umtanto primária [dos elementos a ] de A a [subconjuntos de] S. Em segundo lugar,ele procura um S' em 5, de modo que V ( s ) = l,para s em S'. Em terceiro lug ar, elereúne info rmações para aprimorar aquela parte da associação [dos elementos] deA a [subconjuntos de ] S em que estejam envolvidos elementos de 5'. Em quartolugar, depois de haver refinado a associação, ele procura um a qu e esteja associadoa um subco njunto de 5".

Modelo comportaniental de decisão racional • 141

 

Sob condições favoráveis, esse procedimento pode exigir que o indivíduo

colete apenas um pequeno volume de informações — uma parte insignificante

de roda a associação de elementos de A a elementos individuais de 5. Se tiver

êxito com a busca de um a que tenha as propriedades desejáveis, ele sabe com

Vê-se, pois, que o processo para se chegar a uma decisão racional pode ser

drasticamente simplificado, do ponto de vista computacional, mediante a intro-

dução de uma função simples de payoff z de um processo para aprimorar gradual-

mente a associação das alternativas de comportamento aos resultados possíveis.

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certeza que não conseguirá melhorar sua escolha com a obtenção de informa-

ções adicionais.4

Ao que parece, o processo de decisão que acaba de ser descrito é um dos

meios importantes usados pelos jogadores de xadrez para optar por certa jogada

no meio e no fim do jogo. Seja A o con jun to de movimentos de que dispõeWhite em seu 20° movimento. Seja S um conjunto de posições que poderiam

ser alcançadas, digamos, até o 30° movimento. Seja S' um certo subconjunto de

S que consiste de posições claras de "vitória". A partir de um conhecimento bem

rudimentar sobre a associação [dos elementos] de A com [subconjuntos de] S,

White escolhe por tentariva um movimenro, a, que (se Black jogar de uma certa

maneira) estará associado a um elemento de S'. Considerando até aí respostas

alternativas a Black, White "explora" todo o conjunto associado a a. Sua explora-

ção pode levar a pontos, í, que não estão em S' , mas que são agora reconhecidos

também como posições de vitória. Esses podem ser integrados a S'. No entanro,

pode-se descobrir uma seqüência que permita a Black executar uma posição cía-

ramenre não "vencedora" para White. Este último pode então rejeitar o pontooriginal, a, e tentar outro.

Para saber se esse procedimento leva a alguma simplificação essencial da

computação, precisa-se conhecer alguns fatos empíricos sobre o jogo. Emsen-tido objetivo, todas as posições podem ser claramente categorizadas como po-

sições de "vitória" ou "derrota ou "empate". Mas, do ponto de vista do jogador,

as posições podem ser categorizadas como posições de "vitória clara", "derrota

clara", "empate claro", "vitória ou empate", "empate ou derrota" e assim por

diante, dependendo da adequação dessa associação. Se as posições de "vitória cla-

ra" represenram um subconjunto significativo de posições objetivas de "vitória",

então a combinatória envolvida para ver se uma posição pode ser transformada

em posição clara de vitória, diante de todas as respostas possíveis de Black, torna-se administrável.5 A vantagem desse procedimento sobre a noção mais comum

(que, no entanto, talvez seja aplicável na abertura) de uma função geral de valor

que visa a posições e que assume valores de -l a l, é que ela implica critérios

de avaliação bem menos complexos e sutis. Basta que a função de avaliação sejarazoavelmente sensível para detectar quando uma posição num dos três estados

— vitória, derrota e empate — se transforma numa posição em outro estado. E mve z de se empenhar em conseguir uma jogada "ótima", o jogador precisa apenas

tentar uma "boa" jogada.

142 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases episremológicas e modelos de análise

Na teoria e na prática de programação linear, faz-se comumente uma distinção

entre os cálculos necessários para determinar a viabil idade de um programa e os

cálculos necessários para descobrir o programa ótimo, O teste de viabilidade con-siste em determinar se o programa satisfaz a certas desigualdades ou inequações

lineares que são dadas de saída. Por exemplo, um plano de mobilização poderomar como dadas a força de trabalho máxima e a capacidade de produção de

aço da economia. É viável, então, o programa que não exija força de trabalho e

instalações de produção de aço que excedam os limites dados.

Dentre os programas viáveis, é ótimo aquele que maximiza uma dada

função de payoff. Se, em vez de exigir que o payoff se.]^ maximizado, exigirmos

apenas que ele exceda a alguma quantia dada, então podemos encontrar um

programa que satisfaça a essa exigência mediante os métodos usuais de teste

de viabilidade. O requisito do payoff é representado simplesmente por uma

inequação linear adicional que deve ser satisfeita. Tão logo esse requisito sejaatendido, torna-se desnecessário determinar se existe algum plano alternativo

com payoff"superior.Para todos os fins práticos, esse procedimento pode representar uma abor-

dagem suficiente para a otimização, desde que se possa estabelecer "razoavelmen-

te" o payo f fmín imo requerido. Em seções posteriores deste artigo, vamos discutir

de que modo se poderia fazer isso e mostraremos também como o esquema pode

se r ampliado para incluir funções vetoriais A & payoff com. componentes múltiplos.

(A otimização exige, obviamente, a ordenação completa dos payoffs.}

Ordenação parcialdo s payoffs

A teoria clássica não tolera a incompatibilidade entre laranjas e maçãs. Ela

requer uma função escalar de payoffi, isto é, uma ordenação total dos payoffi. Em

vez de uma função escalar de payoffs, V(s), poderíamos ter uma função vetorial,

V(s) , em que V tem os componentes Vf V2 ... Pode-se introduzir uma funçãovetorial de/tójw^para lidar com um grande número de situações:

l. No caso de uma decisão a ser tomada por um grupo de pessoas, os componentespodem representar as funções de payoff aos membros individuais do grupo.O que um prefere pode não ser o que os outros preferem.

Modelo comportamental de decisão racional • 143

 

2. No caso de um indivíduo, talvez ele tente realizar um sem número de valoresque n ão têm um denominador comum - por exemplo, ele compara dois em-

pregos em termos de salário, condições ambientais, prestígio, atratividade dotrabalho, etc.

se Üdar com ele, e os assim chamados "princípios fracos de bem-estar" da teoria

econômica são tentativas de evitá-lo. O segundo caso em geral é tratado me-

diante a superposição da ordenação completa sobre os pontos do espaço vetorial

("curvas de indiferença") . Tem-se lidado com o terceiro caso, via introdução de

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3. Onde cada alternativa de comportamento, a, se associa a um conjunto de n

conseqüências possíveis, Sá , podemos colocar em seu lugar um modelo em que

cada alternativa se associa a uma única conseqüência, mas cada conseqüência

tem como seupayojfo vetor «-dimensional cujos componentes são ospayoffi

dos elementos de Sá .

C S :PAYQFFS

SATISFATÓRIOSx X V V v X v

v,

Figura 2 - Ordenação parcial dospayoffs

Essa representação mostra uma notável similaridade entre esses três casos

importantes em que o modelo tradicional de maximização não funciona por faltade uma ordenação completa dos payoffi. O primeiro caso jamais foi tratado defo rma satisfatória — a teoria do jogo da pessoa n é a tentativa mais arrojada de

144 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemo ógicas e modelos de análise

probabilidades à guisa de pesos para somar os componentes vetoriais, ou via uso

de princípios como o minimax de satisfação ou desapontamento.

Uma noção mais extensa da função simplificada de^tíEyojfpermite-nos tra-

tar de maneira muito semelhante todos os três casos. Suponha que consideremos

satisfatório o payoff, se V.>k. para todos os i. Nesse caso seria razoável a seguinteregra de decisão:

V . Procure um subconjunto de S'em S, de modo que V s) seja satisfatório para

todos os í em S' (isto é, V(s) > k).seS '

Procure então um a em A, de tal modo que Sá faça parte de S'.

Novamente, não segarante a existência ou a unicidade de soluções. A regraV

é ilustrada na Figura 2, para o caso de um vetor àepayoff com dois componentes.No primeiro dos três casos mencionados acima, o/wy^satisfatório corres-

ponde ao que denominei solução viáve l nos artigos "Teoria formal da relação de

emprego" e "Uma comparação de teorias organizacionais".6 No segundo caso, oscomponentes de V definem os níveis de aspiração com respeito aos vários compo-

nentes de payoff. No terceiro caso (em que é muito plausível se supor que todos

os componentes de k são iguais), k.pode ser interpretado como o payoff mínimo

garantido - igualmente um conceito que se refere à aspiração.

Existência e unicidade de soluções

Em toda a nossa discussão, admitimos procedimentos de decisão que não

garantem a existência ou a unicidade de soluções. Isso se fez com a finalidade de

construir um modelo que se aproxime, tanto quanto possível, dos procedimentosde decisão que parecem ser usados pelos seres humanos nas situações complexas

de tomada de decisão. Vamos agora acrescentar algumas regras suplementares

para preencher essa lacuna.

Obtenção de uma solução única

Na maior parte dos modelos globais de escolha racional, todas aspropostas

alternativas são avaliadas antes de se fazer uma escolha. No mundo real da decisão

Modelo comportamental dedecisão racional • 145

 

humana, aspropostas muitas vezes são examinadas de forma seqüencial. Talvez co-

nheçamos ou não o mecanismo que determina a ordem de procedimento. Quando

se examina as propostas de modo seqüencial, podemos achar que a primeira alter-

nativa que se julgue satisfatória já seja a proposta efetivamente selecionada.

integrar a A.7 Esse procedimento é meramente uma elaboração do processo de

coleta de informações descrito anteriormente. (Podemos considerar os elementos

de A que não estão em Á como elementos que estão inicialmente associados ao

conjunto todo, 5.)

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Se um jogador de xadrez encontrar uma alternativa que põe seu adversário

em xeque, ele em geral adota essa opção sem se preocupar se há outra alternativa

possível de colocá-lo em xeque. Nesse caso, acharíamos muito difícil predizer a

alternativa que seria escolhida, pois não temos teoria alguma que preveja a ordem

em que as alternativas devem ser examinadas. Mas no outro caso discutido ante-riormente -a venda de uma casa — , o ambiente oferece ao vendedor alternativas

em seqüência definida, e a seleção da primeira alternativa satisfatória tem umsignificado preciso.

No entanto, há algumas considerações dinâmicas, com boa fundamenta-

ção psicológica, que deveríamos propor neste ponto. Consideremos, em vez de

uma única situação estática de escolha, uma seqüência de tais situações. O nível

de aspiração, que define uma alternativa como satisfatória, pode se alterar de um

ponto a outro nessa seqüência de alternativas. Segundo um princípio vago, o

nível de aspiração de um indivíduo eleva-se, à medida que ele acha j£z«"/ descobrir

alternativas satisfatórias; e seu nível de aspiração cai à medida que julga difícil

encontrar alternativas satisfatórias. Talvez fosse possível expressar a facilidade ou adificuldade de exploração em termos do custo de se obter melhores informações

sobre a associação [dos elementos] de A a [subconjuntos de] S, ou da magnitude

combinatória da tarefe de redefinir essa associação. Há inúmeras maneiras possí-veis de se definir formalmente esse processo.

Essas mudanças no nível de aspiração levariam ao surgimento de uma "qua-

se unicídade" de soluções satisfatórias e também tenderiam a garantir a existência

de soluções satisfatórias. Pois a incapacidade de descobrir uma solução diminuiria

o nível de aspiração e faria surgir soluções satisfatórias.

Existência de soluções: outras possibil idades

Já discutimos o mecanismo pelo qual se garante a existência de soluções

de longo prazo. Há uma outra maneira de representar o processo descrito. Até

esse ponto se fez pouco uso da distinção entre A, o conjunto das alternativas de

comportamento, e Ã, o conjunto das alternativas de comportamento que a orga-nização toma em consideração. Suponhamos que o último seja um subconjunto

adequado do primeiro. Então, o insucesso na busca de uma alternativa satisfatóriaem à pode levar a unia busca de alternativas adicionais em A que podem se

qüência de escolhas pode depender fundamentalmente de ajustes no nível de

aspiração. Em outra, os ajustamentos podem ser basicamente no conjunto Ã: se

for fácil descobrir alternativas satisfatórias, A se reduz; se for difícil encontrá-las,

A se amplia. Quanto mais persis tente for a organização, maior será o papel exer-

cido pelo ajustamento de A relativamente ao papel desempenhado pelo ajusta-

mento do nível de aspiração. (É possível, obviamente, e até provável, que haja

uma assimetria entre os ajustamentos ascendentes e descendentes.)

Se o payoffíosse mensurável em termos de dinheiro ou de utilidade e se o

custo de descobrir alternativas fosse mensurável de maneira semelhante, pode-

ríamos substituir a ordenação parcial das alternativas mostrada na Figura 2 por

uma ordenação completa (uma ordenação em termos de uma soma ponderada

Ò .Q payof f t do custo de descobrir alternativas). Então, poderíamos falar em grau

ótimo de persistência em comportamento - poderíamos dizer que a organização

mais persistente é mais racional que qualquer outra ou vice-versa. Mas, de acordocom o argumento central deste artigo, a organização comportamental em geral

nã o conhece esses custos nem dispõe de um conjunto de pesos para comparar os

componentes de um/xzyojf múltiplo. E justamente por causa dessas limitações de

seu conhecimento e capacidades que os modelos menos globais de racionalidade

descritos aqui são relevantes e úteis. Indagar o que significa comportar-se "racio-

nalmente", dadas essas limitações, é diferente de indagar de que modo se pode

aumentar suas capacidades com vistas a ensejar uma ação que seja mais "racional",

se julgada a partir do pedestal de um modelo mais completo.8

É evidente que esses dois pontos de vista não são completamente diferen-

tes, muito menos antitéticos. Já ressaltamos que a organização pode possuir toda

uma hierarquia de mecanismos racionais — que, por exemplo, o próprio nível de

aspiração pode estar sujeito a um processo de ajustamento que, em certo sentidodinâmico, é racional. Além disso, em muitas situações, podemos estar interes-

sados precisamente em saber se um procedimento de tomada de decisão é mais

racional que outro e, para responder a essa questão, teremos em geral que montar

um critério mais amplo de racionalidade, que englobe os dois procedimentos

como aproximações. Todo o nosso argumento consiste em ressaltar que é impor-

tante tornar explícito o nível que estamos considerando nessa hierarquia de mo-

delos e que, para muitos fins, estamos interessados em modelos de racionalidade

'limitada", em vez de modelos de racionalidade relativamente "global".

1 46 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases ep istemológicas e modelos de análise Modelo comportamental de decisão racional • 147

 

Comentários complementares sobre dinâmica

Os modelos até aqui discutidos são dinâmicos apenas num sentido muitoespecial: o nível de aspiração no momento t depende da história anterior dosis-

tema (níveis anteriores de aspiração e níveis anteriores de satisfação). Uma outraespécie de ligação dinâmica poderia ser muito importante. Os p a y o f f i num a ten-

Conclusão

O objetivo deste artigo tem sido construir definições de "escolha racio-nal" que se modelem de modo mais conforme e estreito com os processos reaisde decisão observáveis no comp ortamento das organizações do que o fizeram as

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tativa particular poderiam depender não só da alternativa então escolhida, mastambém das propostas escolhidas em tentativas anteriores.

A representação mais direta dessa situação consiste em incluir, a título de

componentes de uma função vetorial de p t i y o f f , os p a y o f f s de toda a seqüência detentativas. Mas nesse caso a otimização exigiria a seleção, no começo da seqüên-cia, de uma estratégia para toda a seqüência (vero Apêndice). Esse procedimentohaveria novamente de complicar, em pouco tempo, o problema ao extrapolara capacidade computacional da organização. Um meio-termo possível é definirpara cada tentativa um a função de payof fcom. dois componentes. Um seria opayoff" imediato" (consumo); o outro, a "posição" em que se deixaria a organiza-ção para iniciativas futuras (poupança, liquidez).

Consideremos uma p artida de xadrez em que os jogadores são premiados,ao final de cada dez movimentos, em proporção aos valores atribuídos arbitraria-mente às peças que deixam no tabuleiro (digamos, para a rainha, l; para a torre,10; etc.). Então, o jogador poderia adotar algum tipo de horizonte de planeja-mento e incluir em seu^wj/<?^estimado o quanto é "boa"sua posição no ho rizonteplanejado. Uma noção comparável em economia é a do valor depreciado de umbem ativo no horizonte de planejamento. O cálculo preciso desse valor exigiriaque o jog ador projetasse sua estratégia para além do h orizonte. Se há desconto dosp a y o f f s no tempo, este tem a vantagem de reduzir a importância do s erros no cál-

culo desses valores depreciados. (O desconto no tempo pode às vezes ser essencialpara garantir a convergência dosp a y o f f i somados.)

E fácil conjeturar sobre outras complicações dinâmicas, qu e podem se rde considerável importância prática. Duas a mais podem ser mencionadas -

sem tentar incorporá-las formalm ente. As conseqüências experimentadas pelaorganização podem mudar a função depayoff- ninguém sabe o quanto gosta dequeijo antes de comer queijo. Da mesma forma, um método para refinar a asso-ciação [dos elementos] de^l a [subconjuntos de] 5pode consistir em selecionaruma certa alternativa e experimentar suas conseqüências. Nesses casos, um doselementos de payoff associados a uma alternativa particular é a informação qu ese coletou sobre a associação ou sobre a função de p a y o f f ' .

148 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

até propostas. Delineamos um modelo bem completo para o casoestático e representamos em dinâmica uma extensão desse modelo. Como se in-dicou na última seção, resta muito a ser feito antes de podermos realisticamente

contar com um sistema mais inteiramente dinâmico.

Na introdução, sugeri que as definições desse tipo poderiam ter um valortanto normativo quanto descritivo. Particularmente, elas podem sugerir aborda-gens para a escolha racional em áreas que parecem estar mu ito além das capaci-dades do equipamento de computação atual ou futuro. Comparar o Q. I. de um

computador ao de um ser humano é muito difícil. Se resolvêssemos discrim inarpo r fatores os pontos obtidos por cada qual num teste compreensivo de inteli-gência, sem dúvida descobriríamos que nos fatores em que um se revelasse umgênio, o outro se revelaria um débil mental — e vice-versa. Um levantamento dasdefinições possíveis de racionalidade poderia sugerir instruções para o design epara o uso de equipamentos de computação com escores razoavelmente bons

em relação a algunsfatores

de inteligência em que os computadores dehoje

têmgrandes deficiências.O objetivo mais amplo, no entanto, de comp or essas definições de raciona-

lidade "aproximada" é oferecer alguns subsídios para a construção de uma teoriasobre o comportamento do indivíduo ou de grupos de indivíduos que tomamdecisões no contexto organizacional. O paradoxo aparen te a ser enfrentad o é quea teoria econômica da firma e a teoria administrativa tentam lidar com um com-

portamento humano em situações em que "se espera" que esse comportamentopelo menos seja racional; enquanto , ao mesmo tempo , pode-se demonstrar que separtirmos dos tipos globais de racionalidade da teoria clássica, os problemas de es-trutura interna da firma ou de outra organização em grande parte desaparecem.9

O paradoxo desaparece e os esboços de uma teoria começam a surgir tão logo aorganização que escolhe, isto é, a organização de conhecimentos e capacidadeslimitados, tome o lugar do "homem econômico" ou do "homem administrati-vo". Para fins de escolha, as simplificações feitas por essa organização, no mundoreal, introduzem discrepâncias entre o modelo simplificado e a realidade; e essasdiscrepâncias, por sua vez, servem para explicar muitos problemas de comporta-

mento organizacional.

Modelo comportamental de decisão racional '149

 

APÊNDICEExemplo de determinação racional de

No corpo deste artigo, foi apresentada a noção de que o ajustamento ra-

será o valor esperado do preço de vendas.Agora desejamos estabelecer d(k), para cada k, ao nível que venha a maxi-

mizar (A.4). Os componentes k da função d(k) são independentes. Ao diferenciar

^parcialmente, em relação a cada componente, obtemos:

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cional pode operar em vários "níveis", isto é, a organização pode escolher racio-

nalmente a partir de um dado conjunto de limites postulado pelo modelo, mas

ela pode também se comprometer a estabelecer esses limites de modo racional.

A ilustração sobre a venda da casa, na seção "Funções simples de payoff" ' , serve

de exemplo.Supomos que um indivíduo está vendendo uma casa. A cada dia (ou ou-

tra unidade de tempo), ele estabelece um preço de aceite: d(k), digamos, para o

dia k. Se ele receber uma ou mais ofertas de valor superior a esse preço no dia

em questão, ele aceita a oferta de valor mais alto; se não receber ofertas de valor

superior a d(k), ele segura a casa para o dia seguinte e estabelece um novo preço

de aceite, d(k + 1).

Agora, se ele tem alguma informação sobre a distribuição de probabilidade

das ofertas, em base diária, ele pode estabelecer o preço ótimo de aceite, isto é, o

preço que venha a maximizar o valor esperado, V[d(k)], do preço de vendas.

Para demonstrar isso, procedemos da seguinte maneira. Seja pk(y) a proba-

bilidade de que y será o preço mais alto oferecido no dia k. Nesse caso,

(A.1) P k(d ) = ! Pk(y)dy

representa a probabilidade de que a casa será vendida no dia k, se já não foi ven-

dida antes.

(A.2) = Jd (k)

representará o valor esperado recebido pelo vendedor no dia k, se a casa já não

foi vendida antes. Levando-se em consideração a probabilidade de que a casa será

vendida antes do dia k,

k-l

(A.3) E k (d ) = £k (d ) U (l-P , (d))K. K J

será o valor esperado incondicional das receitas do vendedor no dia k, e

(A.4) V {d (k)} = ÍE.(d)k = i

150 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

(A.5)

Mas:

(A.6)

d d ( i )

d d ( i ) ô d ( i ) j = i

(A.8)õEk (d) _

d d (i ) o , para i > k.

Conseqüentemente, para um ponto máximo:

(A.9) _£!_ = _ d(i) p. (d ) D (l - P j (d))d d (i) j=i

k-1- ie . f t f ;nk=i+l j*i

Fatorando^ . (d), obtemos finalmente:

(A. 10) d(i) =k = i

k-l

U ( l -P

k-l

= I tk(d) H (l-Pj(d)).= =+

J

Modelo comportamental de decisão racional '151

 

Para que a resposta tenha sentido, a soma infinita em (A. 10) tem deconvergir. Se olharmos para a definição (A. 2), relativa a & k(d), vemos qu e issoaconteceria se a distribuição de probabilidade da s ofertas se mover para baixo,

em velocidade suficiente, ao longo do tempo. Esse movimento poderia corres-

ponder a (a) expectativas de queda de preços, ou (b) interpretação de y corno

sendo o valor atual do preço futuro, descontado a uma taxa de juros suficien-

Notas

\ As idéias incorporadas neste artigo foram inicialmente desenvolvidas numa série de

debates com Herbert Bohnert, Norman Dalkey, Gerald Thompson e Robert Wolf-son durante o verão de 1952. A esses colaboradores se deve grande parte do mérito

que essa abordagem de escolha racional possa ter. Preparei uma primeira versão deste

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temente elevada.

Entretanto, podemos evitar a questão da convergência, admitindo um pre-

ço de reserva a(n), para o dia n , que é baixo o suficiente para P (d) se r igual à

unidade. Tomaremos esta última alternativa, mas, antes de prosseguir, queremosinterpretar a equação (A. 10). De acordo com a equação (A. 10), o preço racional

de aceite no dia i, d(i), é igual ao valor esperado do preço de vendas, se a casaainda não estiver vendida no dia i, e os preços de aceite estiverem estabelecidos

em termos ótimos para os dias subseqüentes. Pode-se ver isso, ao se observar queo lado direito de (A. 10) é igual ao lado direito de (A. 4), mas com o somatório se

estendendo a partir de k = (i+1), e não a partir de (k = l).10

Por conseguinte, no caso em que o somatório termina no período n - istoé, a casa estará vendida co m certeza no período n , se ainda não foi vendida ante-

riormente, — podemos calcular o dia d(i) ótimo, computando de trás para a fren-te, a partir do período terminal e sem a necessidade de resolver simultaneamente

as equações (A. 10).É interessante observar a informação adicional que o vendedor precisa

ter para determinar o preço racional de aceite, além da informação de que ele

necessita tão logo esteja estabelecido o preço de aceite. Na verdade, ele precisa

virtualmente de informações completas sobre a distribuição de probabilidade

das ofertas relativas a todos os períodos de tempo relevantes que se seguem.

Agora, o vendedor qu e não dispõe dessas informações e se satisfaz co mum a espécie menos perfei ta de racionalidade, fará aproximações a fim de tornar

dispensáveis as informações de que carece. Em primeiro lugar, ele provavel-

mente irá limitar seu horizonte de planejamento, adotando um preço com o

qual com certeza pode vender e estará disposto a vender no período de tempo

n. Em segundo lugar, ele irá estabelecer em nível bem alto seu preço inicial

de aceite, irá observar a distribuição da s ofertas qu e receber e irá ajustar seupreço de aceite de modo gradativo e aproximado, para baixo ou para cima, até

receber uma oferta que ele aceita — sem jamais fazer cálculos de probabilidade.

Proponho que é esse o tipo de ajustamento racional que os seres humanos jul-

gam "suficientemente bom" e são capazes de exercer numa ampla extensão decircunstâncias práticas.

artigo enquanto trabalhava como consultor para a Rand Corporation. Em seguida,

o trabalho foi aperfeiçoado (recebendo inclusive o Apêndice) na Comissão Cowles

de Pesquisas Econômicas, que, em contrato com o Escritório de Pesquisa Naval, es-

tudou a "tomada de decisão em condições de incerteza", e foi enfim concluído com

a ajuda de uma verba da Fundação Ford.2. Ver ARROW, Kenneth J. "Alternative approaches to the theory of choice in risk-

taking situations". Econometr ica, v.19, p. 404-37, out. 1951.

3. Ver o Apêndice. Poder-se-ia observar aqui que a função simples de risco, introduzida

por Wald para conter os problemas da teoria estatística de decisão nos limites de

computabilidade, é um exemplo de uma função simples de p t t y o f f , nos termos em

que este é definido aqui.4. Esse procedimento também dispensa a necessidade de calcular explicitamente o cus-

to de obter informações adicionais. Para uma discussão complementar sobre esse

ponto, ver os comentários sobre dinâmica na última seção deste artigo.

5. Calculei mais ou menos o grau real de simplificação que se poderia obter na fase

intermédia do jogo de xadrez mediante a experimentação com duas posições dessafase do jogo. Pode-se esperar que uma seqüência de 16 movimentos, oito por cada

jogador, produza um total de aproximadamente IO 24 (um setilhão) de variações le-

galmente permissíveis. Seguindo-se o tipo geral de programa que acaba de ser descri-

to, foi possível reduzir o número das linhas de jogo, examinadas em cada uma dessas

posições, a pouco menos de cem variações - uma simplificação algo espetacular do

problema de escolha.6. SIMON, Herbert A. A formal theory of the employment relation. Econometr ica,

v. 19, p. 293-305, July 1951; e A comparison of organization theories . Review of

Ec o n o m i c Studies, v. 20 n. l, p. 40-49, 1952-53.7. Eu poderia mencionar que, movido pelo ânimo de puro empirismo, submeti a vários

estudantes e amigos um problema envolvendo um p a y o j f m úhi p lo — um problemaem que o payoff dependia drasticamente de um evento muito contingente e incer-

to - e constatei que eles relutaram até o fim a se limitar ao conjunto de alternati-

vas permitidas pelo problema. Repugnava-lhes a alternativa que prometesse lucro

ou ruína muito grande e cuja probabilidade relevante não pudesse ser calculada, e

eles tentavam inventar novas propostas em que os p a y o f f i fossem menos sensíveis aoevento contingente. Trata-se do problema do "quiosque de cachorro-quente", de

Modigliani, descrito na . American Ec o n o m i c Review, Anais, v. 39, p. 201-208, 1949.

152 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Modelo comportamental de decisão racional • 153

 

8. Alguém poderia acrescentar: "Ou se julgada em termos do valor de sobrevivência de

seu mecanismo de escolha".

9. Ver SIMON, Herbert A. Administrative behaviour. New York: Macmillan, 1947

p. 39-41, 80-84, 96-102, 240-44. N. T.: Dados referenciais da edição em português:

Co m p o r t a m e n t o administra t ivo . Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas1979.

O limite da racionalidade econômica

Talvez a maneira mais fácil de questionar os modelos de escolha racional- ou da racionalidade ilimitada, ou da maximização - seja direcionar os argu-mentos contra sua abrangência em relação à capacidade de conhecimento do

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10. Ao que parece, D. A. Darling e W. M. Kincaid chegaram à equação (A. 10) por cami-

nhos independentes. Ver seu resumo, An inventory problem. J o urna l ofOperat ions

Research Society of A me r i ca , I, 80, Fev. 1953.

ComentárioModelo racionalista de decisão: na busca de operacionalização

Edvaldo Alves de Santana*

Introdução

Os estudos de Herbert Simon acerca do limite da racionalidade destacam-

se por seu pioneirismo e, muito provavelmente, incorporam os elementos maisimportantes para a discussão do princípio da maximizaçáo, um dos pontos desustentação da teoria econômica neoclássica. O artigo seminal ora comentadoexpressa, na prática, a consolidação dos resultados das pesquisas efetuadas po rSimon e constitui o marco inicial para o redirecionamento dos estudos de umgrupo expressivo de economistas.

Meus comentários abordam as questões mais relevantes levantadas no pa-

p er em epígrafe, de Simon, e procuram reconhecer e incluir algumas contribui-ções e avanços logrados em relação a elas por alguns de seus sucessores ao longodos anos.

Economista de formação e doutor em Engenharia de Produção e Sistemas, Edvaldo Alves deSantana é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarinae exerceu, entre 1995 e 1997, o posto de Coordenador do Programa de Mestrado em EconomiaIndustrial (CPGE/UFSC). Desde 2001, exerce o cargo de superintendente de EstudosEconômicos de Mercado da agência reguladora ANEEL. Entre suas preocupações acadêmicasconstam estudos a respeito da teoria dos jogos e da organização industrial. Tem trabalhos publi-cados em diversas revistas nacionais e estrangeiras.

154 • Políticas pú blicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

"homem econômico". Dentre outras coisas, o modelo racional exige do decisor:um controle completo do ambiente de decisão; um sistema de preferência que secaracterize pela estabilidade, isto é, em que as regras de preferência do decisor nãovariem com as mudanças passíveis de ocorrer no ambiente; e uma habilidade a

toda prova para a realização dos cálculos necessários de mo do que torne o decisorcapaz de selecionar a melho r alternativa, entre as várias disponíveis, ou seja, aque-la que maximize um a dada função de p a y o f f .

A propósito, adotam o princípio da racionalidade ilimitada os modelosde escolha que admitem ser possível ao decisor: (i) selecionar, sempre, a melhoralternativa dentre as várias de um conjunto proposto; (ii) ter um conhecimen-to perfeito das conseqüências de cada alternativa; (iii) determinar as alternativasmais atrativas por meio de avaliações e comparações (complexas e ilimitadas); e(iv) associar a cada alternativa distribuições complexas de probabilidade, sobre asquais a organização deve ter entendimen to completo.

Não é preciso ser um especialista em psicologia ou em teoria econômica

para concluir que não existe uma organização ou ser humano que seja capaz dedominar tamanha amplitude de conhecimentos. De fato, "o verdadeiro esforçohum ano por racionalidade pode se aproximar, quando muito de forma extrema-mente grosseira e simplificada, do tipo de racionalidade global que se encontraimplícito, por exemplo, nos m odelos da teoria de jogos" (SIMON, 1955, p.101).Por causa disso, os modelos de escolha racional incorporam, normalmente, umconjunto de simplificações que, n a prática, tem como principal finalidade ajustaro problem a de decisão aos limites do modelo escolhido o u aos processos compor-tamentais que se aproximam das formas reais de decisão, o que, segundo Simon eMarch (1979), representa uma situação normal para o "homem administrativo".Em suma, os modelos "praticáveis" em geral buscam soluções satisfatórias (solu-

ções boas) e não soluções maximizadoras (soluções ó timas):

Enquanto o homem econômico maximiza seus esforços, selecionando a melhor

alternativa entre as que lhe são apresentadas, seu primo, a quem chamaremos

de homem administrativo, contemporiza, isto é, busca um curso de ação satis-

fatório ou razoavelmente bom (SIMON; MARCH, 1979, p. XXIV).

Simon e March acrescentam ainda:

Modelo comportamental de decisão racional '155

 

O homem econômico lida com o mundo real, com toda a sua complexidadeO homem administrativo reconhece, contudo, que o mundo por elepercebidoé apenas um modelo drasticamente simplificado, agitado e confuso do mundoreal (op. cit., p. XXIV).

Um dos resultados mais relevantes alcançados na conferência, realizada em

\ urna mesma base (misturam-se "laranjas e maçãs") e torna-se impossível, por-tanto, a maximização de uma função-objetivo. Ademais, os níveis de aspiraçãovariam de um decisor a outro e variam com o ambiente de decisão. Ou seja, em

urna situação de guerra iminente, é muito provável qu e seja favorecida a escolhado avião qu e tenha maior capacidade de destruição, mesmo que ele seja compara-tivamente muito mais caro. No entanto, em um cenário em que a guerra é pouco

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outubro de 1985, na Universidade de Chicago, onde se reuniram os principaisexpoentes dos estudos sobre racionalidade econômica, foi a consolidação de umconsenso sobre o paradigma da escolha racional.1 Segundo Hogarth e Reder (1986,p. S186):

Quando definem racionalidade de forma ampla, os economistas se referem aum paradigma e não a uma teoria em particular. Isto é, diz-se que os decisorestêm comportamento racional quando esse comportamento pode ser interpre-tado conforme o paradigma da escolha racional.

Vários requisitos para a tomada de decisão — no contexto do homem eco-nômico — eram extremamente difíceis de serem cumpridos antes que Simoncomeçasse a desenvolver sua teoria. A turbulência que condiciona o ambienteempresarial, nos períodos mais recentes, torna até certo ponto impossível a prá-tica de um processo de decisão que admita os quatro pressupostos dos modelosde escolha racional descritos acima. Nessas circunstâncias, nem mesmo as simpli-ficações propostas por Simon - como a utilização das funções simples de p a y o f f i- são suficientes para acomodar a realidade no modelo escolhido. Na verdade, tal

como admitido pelo próprio Simon, no artigo comentado aqui, "a teoria clássicanão tolera a incompatibilidade entre laranjas e maçãs", o que implica dizer que os

payoffi devem ser tratados em uma mesma base (monetária po r exemplo), e issoafasta mais ainda os modelos de escolha racional da realidade das organizações.

Como há muito tempo se sabe, as decisões empresariais quase sempre seapoiam em mais de um critério de avaliação (ou diferentes "níveis de aspiração")e, normalmente, pressupõem a existência de interesses conflitantes (e muitas ve-zes irredutíveis a uma mesma base ou a um denominador comum), o que torna

impossível a aplicação dos modelos tradicionais de maximização. Um problemaqu e ilustra muito be m essa situação é o da escolha de aeronaves de combate paracompra. Nesse caso, por exemplo, são seis os objetivos (ou critérios) a serematendidos com as aeronaves desejadas: velocidade, autonomia, capacidade de des-truição, facilidade de treinamento, confiabilidade e custo de aquisição. Dado umconjunto de "n" aeronaves, qual a melhor opção?

Nesse caso hipotético, verifica-se que a seleção da melhor alternativa decompra é um problema sobremaneira complexo. Os objetivos não são redutíveis

156 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

provável, ou em que o ministro da Defesa é defensor ardoroso da redução de

gastos, é quase certo que a aeronave selecionada venha a ser a mais barata, ainda

que sejam prejudicados os outros objetivos.Assim, pelas características da situação descrita, o decisor encontra-se dian-

te de um problema, que, dada a impossibilidade de otimizar, ele deve procurarresolver po r meio de soluções satisfatórias (conforme propõe Simon), o que seriamais adequadamente feito por meio de procedimentos que levam em conside-ração a existência de mais de um objetivo (ou critério de avaliação); mas essescritérios nem sempre são redutíveis a uma mesma base. Foi Eilon (1972) quemmelhor interpretou essas limitações dos modelos de escolha racional. Para ele:

[...] agora todos os objetivos são convertidos em restrições, e o problema, dessemodo, passa a ser encontrar uma solução possível, ou um conjunto de soluções

para uma matriz de restrições. [...] Em termos de programação matemática,agora temos um problema com restrições, porém, sem função-objetivo, e o que

se pretende é encontrar soluções possíveis e não soluções ótimas. [...] Os limites

definidos pelas novas restrições são chamados normas ou padrões, tendo em

vista que, em essência, eles descrevem níveis aceitáveis de desempenho. Dessemodo, argumento que nos princípios de satisfação não há diferençaentre obje-

tivos e restrições (EILON, 1972, p. 7).

A perspectiva de Eilon resolve o problema da quantificação dos p a y o f f s :estes são tratados como restrições e não mais como objetivos; inexiste a preocupa-çã o com a irredutibilidade entre "laranjas e maçãs", ou entre velocidade e custos;as restrições podem ser tratadas em suas bases reais; e, o que é mais importante, os

modelos ajustam-se mais ao problema, bem na linha do que pretendia Simon.Na verdade, desde meados dos anos 1960, um grande número de autorescomeçou a desenvolver modelos de tomada de decisão com o uso da teoria dos

critérios múltiplos de decisão (multiple criteria decision m a k i n g - M C D M ) . Es-ses modelos, de certa forma, são mais aptos à resolução de problemas, quandose pretende obter soluções satisfatórias em vez de resultados maximizadores; sãoperfeitamente consistentes com os argumentos de Eilon; e, de quebra, asseguramum a unicidade de soluções conforme sugeria Simon.2

Modelo comportamental de decisão racional • 157

 

Uma outra simplificação dada por Simon aos modelos de escolha ra-cional, e que, infelizmente, não é bem resolvida pelos métodos dos critériosmúltiplos, é a que diz respeito à dinâmica do processo de decisão ou ao valordas decisões no tempo. Uma das sugestões apresentadas por Simon consiste emdefinir para cada alternativa um a função de payo f fcom dois componentes, do squais o primeiro se associa ao s resultados imediatos da decisão, e o segundo

Na verdade, a década de 1950 foi muito rica em iniciativas de teóricos quearriscaram a se assentar em alicerces de racionalidade limitada para superar as

teorias baseadas nos postulados clássicos da racionalidade ilimitada. Esses estudostinham uma base empírica e partiam da hipótese primária de que as decisõesernpresariais não se enquadravam no princípio da racionalidade perfeita ou ili-

mitada.Desde meados da década de 1960, também começaram a aparecer estudos,

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vincula-se ao s resultados futuros. Embo ra esse seja um tratamento interessantepara o problema, as sugestões simplificadoras, propostas por Axelrod (1984) ,mostram-se ainda mais adequadas que as de Simon para os estudos da raciona-lidade econômica, no âmbito da teoria dos jogos. No caso, cada decisão futuratem um peso (w ) menor do que a decisão anterior (w = V i po r exemplo), o queresulta em uma série do tipo l + V i + 1A + ..., cuja soma, para w = Vi , é igual a2. Ou, generalizando, para O < w < l , tem-se:

l + w + w2 + ... = - w)

Assim, uma seqüência infinita de decisões (escolhas), em que cada decisãovale 0.8 da anterior, som a 10 (pontos, por exemplo). En tretanto, se as decisõesfuturas valessem apenas 0.2 das decisões anteriores, então, a seqüência infinita dedecisões teria como valor final 1,25. Portanto, pela proposta de Axelrod (1984),

o decisor — ou jogador — não precisa sequer se preocupar com o horizonte detempo da análise — o que será necessário, porém, no caso de ele adotar a sugestãode Simon — uma vez que, pela equação (1), essa preocupação será dispensável.Dessa forma, estará garantido o caráter dinâmico das escolhas racionais e, o que étambém relevante, a solução será única.

Considerações finais

Não resta dúvida de que o artigo de Simon, comentado aqui, é uma dasmais importantes contribuições até hoje feitas ao estudo do problema da escolha

racional. Com o passar do tempo, desenvolveu-se um elenco considerável de es-tudos interessantes que, de alguma maneira, tiveram no trabalho de Simon seuspontos de partida. Assim, ainda qu e tenham havido avanços significativos emrelação às idéias originais de Simon, o certo é que, em sua grande maioria, essesbuscavam, ou buscam, soluções que continuam a superar as limitações dos pro-blemas de decisão tratados sob a ótica da racionalidade ilimitada. As adaptaçõesefetuadas po r Eilon (1972) e a s facilidades criadas pela teoria dos critérios múlti-plos são exem plos disso.

158 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

no âmbito da teoria da decisão, como, po r exemplo, as proposições do s modelosde critérios m últiplos - que se contrapunham aos modelos tradicionais de ma-ximização. Estes, de alguma forma, vieram a ser instrumentos poderosos para a

busca de soluções satisfatórias, isto é, que atendessem a determinados níveis deaspiração menos que ótimos.

Todavia, deve-se destacar que tão-somente depois do trabalho de Simon éque começaram a ganhar espaço os estudos em busca de modelos cujas soluções,se bem que não maximizadoras, atendiam entretanto a determinado "nível deaspiração"; além disso, essas soluções resultavam de processos de decisão que nãoexigiam fidelidade ou submissão aos modelos de otimização.

Apesar de todos os avanços alcançados, o estudo da racionalidade econô-mica ainda é um campo bastante propício a pesquisas acadêmicas, não só por cau-sa da sua importância para a evolução da economia como ciência, mas tambémpor causa dos seus reflexos a respeito dos modelos e das teorias de decisão.

Notas

1. Ver também Arrow (l986).2. Para maiores detalhes so bre modelos de critérios m últiplos, ver, por exemplo, Hwang

e Yoon (1981) e Keeney (1982).

Referências

ARROW, K. J. Rationality of self an d others in an economic system. Th e J o u r n a l ofBusi-

ness, v. 59, n. 4, p. S385-S399,1986.

AXELROD, R. The evolution of coopemtion. New York: Basic Books, 1984.

EILON, S. Goals and constraints in decision-making. Operat íona l Research,v-23,n . l, p. 3-15, 1972.

Modelo comportamental de decisão racional -159

 

HOGARTH, R. M.; REDER, M. W. Perspectives from economics and psycholoey JLJournal of Business , v. 59, n.4, p. S185-S207, 1986.

KEENEY, R. L. Decision analysis: an overview. Operations Research, v 30 n çp. 803-838, 1982. ' ^>

HWANG, C. L.; YOON, K. Multiple attribute de c i s i o n-ma ki ng . methods and applica

tions. A state-of-art survey. Berlin: Springer-Verlag, 1981.

Muddling through 1: a ciência da

decisão incrementai* 5.1

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SIMON, H. A. A behavioral model of rational choice. Quarterly Journal of 'Economirv. 69, p. 99-118, 1955. '

SIMON, H. A.; MARCH. Teoria das organizações. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fun-dação Getúlio Vargas, 1979.

. Rationality in psychology and economics. Th e Journal o   Bus iness , v 59 n 4p. S209-S224, 1986.

160 • Políticas p úblicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Charles E. L ind b lom"University of Yale

I magine-se que um administrador receba a incumbência de formular uma po-lítica a respeito da inflação. Ele poderia começar procurando listar, em ordemde importância, todos os valores, ou todas as variáveis, que têm a ver com a

questão da inflação, como, po r exemplo, pleno emprego, nível aceitável de lucro

* Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.Este talvez seja o texto mais importante a gerar e a influenciar o chamado modelo incrementa-lista de decisão. Segundo Lindblom, a expressão muddling through, por sua concessão a um idio-

matismo muito feliz, foi em grande parte responsável pela repercussão extraordinária alcançadapela alternativa proposta por ele ao modelo racionalista de decisão. As denominações usadaspelo autor neste artigo - "método da raiz" e "método da ramescência" - são posteriormentesubstituídas por outras. O "método da raiz" passa a ser conhecido como modelo sinóptico, ouabordagem racional-compreensiva, ou racional-abrangente, ou racional-global, de decisão, ousimplesmente racionalismo. O "método da ramescência", por sua vez, corresponde ao métododo rmiddling through, do "avanço sem muito esforço ou organização", das sucessivas compara-ções limitadas, do incrementalismo desconexo ou desarticulado e acabou se consolidando como nom e de incrementalismo tout court. Segundo o dicionário Caldas Aulete, a ramescência, embotânica, é a qualidade daquilo que se ramifica ou tende para isso ou a disposição em ramos.Aqui, obviamente, usa-se o termo em sentido figurado, para sugerir ao deliberador que a ima-gem do manejo ou da poda das árvores é mais praticada e praticável que a imagem da soluçãopela erradicação das árvores.

Lindblom não esgota neste texto a exposição de sua proposta. No artigo "Muddlingthrough 2: a ubiqüidade da decisão incrementai", ele recoloca, refina e completa a argumentação.Os dois textos são complementares e indissociáveis para a compreensão adequada de seu argumen -to ern favor da viabilidade e praticidade do método incrementalista diante do racionalista.

O texto original, em inglês, do presente artigo de Lindblom, foi publicado na PublicAdministration Review, Washington, D. C., v. 19, n. 2, p. 79-88, Spring 1959, sob o título T h escience of "muddling through". O segundo saiu na mesma Public Admin istration Review, v. 39,n' 6, p. 517-526, nov./dez. 1979, com o sugestivo título "Still muddling, not yet through".

No artigo de 1959, C. E. Lindblom apresenta-se como "Associate Professor of Economics" daUniversidade de Yale, em Connecticut. Em 1979, aparece com o título de professor "esterlino"

 

empresarial, proteção das pequenas poupan ças, prevenção de quebra da bolsa de va-lores. Em seguida, ele classificaria todos os resultadosou todas as conseqüências pos-síveis da decisão política sob exame em termos de sua maior ou menor eficiência parao alcance máximo desses valores. Esse procedimento, obviamente, exigiria um levan-tamento enorme dos valores preferidos pelos membros da sociedade e um conjuntode cálculos não menos volumoso sobre as quantidadesde valores competitivamenteequivalentes. Aí, então, ele poderia ir adiante e delinear todas as possíveis opções para

no momento e por ora não tentaria sequer ordenar, em ordem de importância, ospoucos valores que julgasse serem de relevância im ediata. Se fosse colocado sobpressão, imediatamente admitiria que estava ignorando muitos valores pertinen-tes e muitas possíveis conseqüências im portantes de suas decisões.

Num segundo momen to, ele delinearia aquelas propostas relativamenteescassas que lhe haviam ocorrido antes. E daí as compararia entre si. Ao cotejar

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um a decisão política. Nu m terceiro momento, ele compararia sistematicamente suasmúltiplas alternativas para saber qual delas produziria a maior soma de valores.

Ao comparar essas propostas de formulação de um a po lítica a respeito dainflação, ele haveria de recorrer a uma teoria qu e versasse g enericamente sobreclasses de políticas. Para estudar o caso da inflação, por exemplo, ele comparariatodas as opções esboçadas sob a luz da teoria dos preços. Como suas alternativasnã o vão além do levantamento efetuado, ele consideraria, por um lado, o estritocontrole central e a abolição de todos os preços e mercados e, por ou tro, a elimi-nação de todos os controles públicos, co m total sujeição ao livre mercado, e fariaambas as considerações à luz dos fundam entos teóricos que viesse a encontrarsobre essas economias hipotéticas.

Finalmente, ele procuraria fazer a escolha que, de fato, maximizasse seusvalores.

Numa outra possível grande linha de abordagem, ele estabeleceria, como

seu objetivo principal, de forma consciente ou inconsciente, a meta relativamentesimples de manter o nível dos preços. Apenas algumas outras metas, como o ple-no emprego, poderiam condicionar ou atrapalhar esse objetivo. Na verdade, eledeixaria de lado a m aior parte dos outros valores sociais por náo lhe interessarem

de Economia e Ciência Política na mesma Yale e diretor de seu Instituto de Estudos Políticos eSociais. Com escritório ainda ativo no campus , continua a atender a quem, como o tradutor des-tes artigos, em 1996 precisou e desejou buscar e compartilhar de sua inspiração e orientação.

Dono de uma produção acadêmica extensa e de repercussão incomum, Lindblom é umdos autores mais citados e resenhados na literatura produzida em língua inglesa sobre econo-mia e política na segunda metade do século 20. A título de ilustração, o artigo aqui incluído"Muddlingthrough 1: A ciência da decisão incrementai", publicado originalmen te em 1959, foireferido em mais de 490 publicações, entre os anos de 1961 e 1983, de acordo com um levanta-mento efetuado pelos institutos de pesquisa bibliográfica Science Citation Index (SCI) e SocialScience Citation Index (SSCI).

Sua obra é pouco divulgada no Brasil, mas suas idéias estão presentes nos trabalhos deum grande número de estudiosos e autores em todo o mundo, até mesmo no Brasil. O principal

livro de Lindblom em língua portuguesa saiu pela Ed. Zahar, em 1979, com o título Polít icae mercados: os sistemas políticos e econômicos do mundo. Outros títulos mais conhecidos:O processo de decisão política (Editora Universidade de Brasília), Th e intelligence of democracy,A strategy ofdecision, Usable knowledge, The marke t system.

162 • Políticas púb licas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

suas poucas opções, a maioria da s quais já lhe sendo fam iliares em vir tude decontrovérsias passadas, ele não encontraria, normalmente, um corpo teóricopreciso o suficiente para guiá-lo na tarefa de comparar suas respectivas conse-qüências. Em vez disso, em termos de decisão política, ele confiaria firmementeno s registros de sua experiência passada, em verdade vivenciada em pequenospassos, para prever as conseqüências de passos semelhantes dados em direçãoao futuro.

Além do mais, ele verificaria que as propostas alternativas combinavamobjetivos ou valores de maneiras diferentes. Por exemplo, determinada decisãopolítica poderia oferecer estabilidade nos preços à custa de um certo risco dedesemprego; outra decisão poderia oferecer menor estabilidade de preços, mastambém menor risco de desemprego. Por isso, o próximo passo em sua aborda-gem —a seleção final — combinaria em uma só decisão a escolha dos valores e aescolha dos in strum entos necessários ao alcance desses valores. Essa abordagem

não se assemelharia, como o primeiro método de formulação de políticas, aoprocesso mais mecânico de escolher os meios que melhor satisfizessem as metaspreviamente esclarecidas e escalonadas. Já que os praticantes d o segun do métodoesperam alcançar apenas parcialmente suas metas, eles alimentarão a expectativade repetir incessantemente a seqüência recém-descrita, à medid a que mud arem ascondições e as aspirações e aumentar a precisão da previsão.

Método daraiz ou da ramescência

Em casos de problemas complexos, a primeira das duas abordagens é ob-

viamente impraticável. Em bora seja passível de descrição, ela somente pode seraplicada a problemas relativamente simples e, mesmo assim, apenas numa formaum pouco modificada. Ela pressupõe capacidades intelectuais e fon tes de infor-mação que as pessoas simplesmente nã o possuem e revela-se um a abordagemainda mais absurda para a decisão política quando se verifica que o tempo eo dinheiro alocáveis a um problema em apreço são limitados, como aliás sóiacontecer. É particularmente significativo para os administradores públicos ofato de que as repartições públicas são, de fato, habitualmente instruídas a não

Muddling through 1: a ciência da decisão incrementai • 163

 

praticarem o primeiro método. Isso quer dizer que as funções e as restrições —política ou legalmente possíveis -, que lhes são prescritas, limitam sua atenção a

relativamente poucos valores e a proporcionalmente poucas propostas alternativas

entre as incontáveis opções que poderiam ser imaginadas. Na realidade, pratica-seo segundo método.

Curiosamente, no entanto, a literatura sobre tomada de decisão, formu-

K Por ser o segundo método tão negligenciado na literatura, proponho-me,

f £ artigo, a esclarecê-lo e formalizá-lo. Ele poderia ser descrito como o método

j s sucessivas comparações limitadas.V ou contrastá-lo com a primeira abordagem,

se poderia chamar de método racional-compreensivo.3 De forma mais im-ssionística £ jjreve; estes métodos poderiam ser nominados como o método

Ja raiz e o método da ramescência - e, por isso, usam-se ordinariamente essesnomes neste trabalho; o primeiro, por pressupor que a decisão deve ser iniciada

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abordagem, em vez da segunda, deixando os administradores públicos, que lidam

com decisões complexas, na posição de praticar aquilo que poucos pregam. Paraefeito de ênfase, corro algum risco de exagerar. Na verdade, a literatura está bem

consciente dos limites da capacidade humana e do fato de que as decisões polí-ticas serão tratadas inevitavelmente de acordo com um método semelhante ao

segundo. Mas as atividades desenvolvidas para formalizar a decisão racional depolíticas - para expor explicitamente os passos necessários no processo - em geraldescrevem a primeira abordagem e não a segunda.1

A tendência comum de descrever a formulação de políticas, mesmo em

casos de problemas complexos, como se ela seguisse o primeiro método, deve-se

à atenção dada e aos sucessos alcançados pela pesquisa operacional, pela teoria

estatística da decisão e pela análise de sistemas. São as seguintes as características

marcantes desses procedimentos, típicos do primeiro método: objetivos claros,

avaliação explícita, uma perspectiva amplamente abrangente e, sempre que pos-

sível, valores quantificados para possibilitar análise matemática. M as esses proce-

dimentos avançados, em grande parte, continuam a ser técnicas apropriadas para

resolver apenas problemas de importância relativamente modesta, em que o nú-

mero total das variáveis a serem consideradas é pequeno e os problemas de valor

são restritos. Charles Hitch, chefe da Divisão de Economia da Rand Corporation,

um dos principais centros de aplicação dessas técnicas, escreveu:

A partir de minha experiência na Rand e em outros lugares, eu diria que de

modo geral a pesquisa operacional é a arte da subotimização, isto é, a arte de

resolver alguns problemas de nível inferior, e que nossas dificuldades aumen-

tam e nossa competência especial diminui em ordem de grandeza, sempre quetentamos ascender a um novo nível de decisão. O tipo de modelo explícito

simples, tão competentemente usado pelos pesquisadores operacionais, pode

com certeza refletir a maior parte dos fatores significativos que influenciam o

controle de tráfego na ponte George Washington, mas a proporção da realidade

relevante que podemos representar, por modelos como este, parece ser quase

trivial, quando estudamos, por exemplo, uma decisão importante de políticaexterna.2

164 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

cada vez de novo a partir dos fundamentos, edificando-se sobre o passado apenas

à medida da s experiências incorporadas na s teorias, e o deliberador deve estar

sempre disposto a recomeçar tudo de novo; o segundo, por admitir que a decisão

deve ser construída continuamente a partir da situação presente, passo a passo, eem pequenas etapas.

Coloquemos as características dos dois métodos lado a lado e em termos

bem simples.

Método racional -compreensivo (raiz)Método da s sucessivas comparações

l imi tadas (ramescência)

Ia. A elucidação dos valores ou objetivos éfeita de forma distinta e em geral comoum pré-requisito para a análise empírica

das propostas alternativas de decisão.

2a. A formulação de políticas é, portanto,

abordada via análise de meios e fins:

em primeiro lugar, isolam-se os fins

e, depois, buscam-se os meios para

atingir os fins.

3a. O teste de uma "boa" política consiste

em ela revelar-se o meio mais apropria-

do para atingir os fins desejados.

lb. A seleção das metas valorativas e a análise

empírica da respectiva ação necessária

não são coisas distintas uma da outra e

sim intimamente interligadas.

2b. Como os meios e os fins não são dis-

sociáveis uns dos outros, a análise dos

meios e dos fins é, muitas vezes, inad-

equada ou limitada.

3b. O teste de uma "boa" política consiste

tipicamente em que vários analistas con-

cordem diretamente sobre uma decisão

política (mesmo que eles não concordem

que essa decisão seja o meio mais apro-

priado para o objetivo acordado).

4a. A análise é compreensiva; todo fator 4b. A análise é drasticamente reduzida:

de relevância maior é tomado em

conta.

a) Importantes resultados possíveis são

deixados de lado.

(i) Importantes propostas potenciais de

solução são ignoradas.

Y ) Importantes valores afetados não são

levados em conta.

Muddling through 1: a ciência da decisão incrementai • 165

 

5a. Com freqüência, é forte a dependência 5b.Uma sucessão de comparações reduz oude teorias. elimina em grande parte a dependência

de teorias.

Admitindo-se que o m étodo da raiz é familiar e compreensível, passamosdiretamente, por contraste, à clarificaçáo do m étodo alternativo, da ramescência.

forma, os administradores, mu itas vezes, vêem-se compelidos a tomar uma deci-são antes de tornar claros seus objetivos.

Mesmo quando um administrador resolve seguir seus próprios valores,corno critério de decisão, com freqüência não saberá de que modo os escalonar,quando eles conflitam uns com outros, como em geral acontece. Suponhamos,por exemplo, que um administrador tenha de transferir para um novo local osinquilinos de um prédio condenado à demolição. E ntre os objetivos a serem aten-

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Ao explicar o segundo, estaremos descrevendo com o os administradores, em suamaior parte, tratam na verdade as questões complexas, pois o método da raiz,embora seja o "melhor" como esquema ou como modelo, de fato nã o funciona

para questões complexas, e os administradores vêem-se obrigados a usar o métod odas sucessivas comparações limitadas em suas decisões.

Fusão entre avaliação e análise empírica (lb)

A forma mais rápida de compreender como se lida com os valores, nométodo das sucessivas comparações limitadas, é observar como o método da raizfalha em se u tratamento dos valores ou dos objetivos. É tentadora a idéia de queos valores deveriam ser elucidados antes do exame das opções propostas. Mas

o que acontece quando procuram os aplicá-la a problemas sociais complexos?A primeira d ificuldade que surge é que os cidadãos, o s parlamentares e os admi-nistradores públicos discordam entre si em relação a m uitos valores ou objetivoscríticos. Mesmo que se prescreva um objetivo razoavelmente específico para o ad-ministrador, sempre resta uma amplitude considerável de desacordos quanto aossubobjetivos. Consideremos, po r exemplo, o conflito em torno da localização dascasas populares, descrito por Meyerson e Banfield, em seu estudo encomendadopela Chicago Housing Authority4

— discordância que ocorreu apesar do objetivoclaro de se dotar a cidade corn um certo nú mero de moradias populares. Possuemnatureza conflituosa semelhante a esta os objetivos que se referem ao traçado deestradas, ao controle de tráfego , à administração do salário-mínimo, à construção

de instalações para turistas em parques nacionais ou ao controle d e insetos.Os administradores não conseguem fugir desses conflitos pelo levantamen-to das preferências da maioria po rque as preferências em relação à maior parte dasquestões não são conhecidas ou registradas; na verdade, muitas vezes, as prefe-rências não existem pela falta de suficiente debate público qu e desperte a atençãodo eleitorado para uma certa questão. Além disso, faz-se a pergunta: Deve-seconsiderar a intensidade do sentimento ou da percepção bem como o número depessoas que preferem cada alternativa? Pela impossibilidade de agirem de outra

166 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

didos no caso podem ser enumerados pelo m enos os seguintes: evacuar o prédio oquanto antes possível; arranjar acomodações condizentes para as pessoas desloca-das; evitar atritos com os moradores d as áreas aonde não é bem-vinda uma grande

afluência de pessoas; lidar persuasivamente com todas as partes envolvidas, sepossível.

Como se determina, mesmo que seja apenas para si mesmo, a impo rtânciarelativa desses valores parcialmente conflitantes? Não basta somente os ordenarpor graus de importância; é preciso saber, em termos ideais, o quanto de um valorcompensa a gente sacrificar em troca de quanto de outro. Em resposta, pode-sedizer que normalmente o administrador escolhe - e tem de escolher - direta-mente a partir das opções propostas em que esses valores estão combinados demaneiras diversas. Ele não consegue, em primeiro lugar, elucidar seus valores e,em seguida, escolher a pa rtir das alternativas propostas.

Um terceiro ponto, mais sutil, está subjacente nos dois primeiros. Os ob je-tivos sociais nem sempre têm os mesmos valores relativos. Um objetivo pode seraltamente valorizado num a circunstância; e outro, numa circunstância diferente.Se, por exemplo, um administrador dá grande valor tanto à presteza com que suarepartição consegue levar a termo seus projetos quanto às boas relações públicas,pouco importa qual dos dois valores possivelmente conflitantes ele prefira, emalgum sentido abstrato ou geral. Os problemas relativos a políticas apresentam-seaos administradores na forma de perguntas como: Considerando o grau em quejá tenhamos, ou não, alcançado os valores da presteza de serviço e os valores dasboas relações públicas, valeria a p ena sacrificar um pouco a presteza em prol deuma clientela mais feliz, ou seria melhor correr o risco de ofendê-la para poder-mos levar adiante nosso trabalho? A resposta a uma p ergunta como essa varia deacordo com as circunstâncias.

O problema do valor é, como mostra o exemplo, sempre um problema deajustes à margem. Mas não há um jeito prático de expressar valores ou objetivosmarginais a não ser em termos de políticas específicas. Que se prefira um valora outro, numa dada situação de decisão, não significa que o mesmo será o valorpreferível em outra situação de decisão, em que ele só poderia ser alcançado sehouvesse um grande sacrifício de um terceiro valor. As tentativas de escalonar ou

Muddling through 1:a ciência da decisão incrementai • 167

 

de ordenar os valores em termos gerais e abstratos, de forma que eles não fiquenmudando entre uma decisão e outra, têm por efeito ignorar as preferências mar lginais relevantes. O significado deste terceiro ponto tem, portanto, um alcaric '

muito profundo. Mesmo que todos os administradores estivessem de acordo en-tre si a respeito do conju nto de seus valores, objetivos e restrições e a respeito da

ordem de preferência que cada um deles desejasse, ainda assim seria impraticávelformular seus valores marginais em situações reais de escolha.

avaliação marginal e análise empírica é que, para problemas complexos, a°tre ira é irrealizável e irrelevante, independen temente de ser mais ou menosfl0ie ai e a segunda é ao mesmo tempo realizável e relevante. A segunda é

rlrzável porque o administrador não precisa tentar analisar todos os valores,f "ea^ ; aqueles pelos quais as opções propostas se diferen ciam, e não precisa

* i.r- « 1 /""*s

com eles, a não ser quanto à sua diferença marginal. Compara-S£ amente ao método da raiz, a necessidade de que o administrador tem de

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Por isso, diante da incapacidade de , primeiramente, formular os valoresrelevantes e de, em seguida, escolher uma entre as decisões propostas para su a

consecução, os administradores têm de fazer sua escolha, diretamente, a partir das

opções alternativas que oferecem diferentes combinações marginais de valores.De maneira um tanto paradoxal, o único jeito prático de se descobrir os valoresmarginais relevantes de alguém, ainda que sejam os próprios, é descrever a decisãopolítica qu e cada um tomaria para os alcançar. A não ser de form a aproximada evaga, nã o conheço outra maneira de descrever, ou mesmo de entender, minhasavaliações relativas - por exemplo, sobre liberdade e segurança, sob re presteza eprecisão das decisões governamentais ou sobre impostos baixos e melhores esco-l a s — a nã o ser relatando minh as preferências em relação às escolhas específicas dedecisão possíveis, partindo das opções esboçadas em cada um dos pares.

Em su ma, pode-se distinguir d ois aspectos do processo pelo qual os valoressão realmente tratados. O primeiro é claro: a avaliação e a análise empírica são

interligadas; isto é, a pessoa escolhe valores e políticas a um tempo e ao mesmotempo. Ou, em termos um pouco mais elaborados, a pessoa escolhe simultanea-mente uma política para alcançar certos objetivos e escolhe os próprios ob jetivos.O segundo aspecto relaciona-se a este, mas é distinto: o administrador concentrasua atenção no s valores marginais ou nos incrementais. Esteja ou não conscientedisso, ele não acredita que as formulações gerais de objetivos lhe sejam de muitautilidade e acaba, de fato, fazendo comparações marginais ou incrementais espe-cíficas. Imaginemo s que ele esteja, por exemplo, diante de duas possíveis decisõespolíticas, X ç . Y. Ambas lhe prometem o mesmo grau de realização dos objetivosa, b, c, d t e. Mas a proposta X lhe promete algo mais de/clo que a proposta Y, aopasso que a proposta Flhe promete algo mais de g do que a proposta X. Ao esco-lher entre as duas, ele tem, efetivamente, diante de si a opção do valor marginalou incrementai Aefversus a opção do valor marginal ou incrementai de g . Os úni-cos valores que são relevantes à sua escolha são esses incrementos que distingu emàs duas políticas; e quando ele, finalmente, se decide por um dos dois valoresmarginais, ele o faz mediante a escolha de uma das duas decisões políticas.5

A principal diferença constatada entre, de um lado, a tentativa de es-clarecer objetivos antes de selecionar políticas e, de outro, a estreita ligação

168 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

"formações a respeito de valores ou objetivos é drasticamente reduzida e sua'a °acidade de abarcar, compreender e comparar valores entre as propostas não

l forçada além do ponto de equilíbrio.

Relações entre meios e fins (2b)

Comumente, o ato de decidir é formalizado como uma relação entre meiose fins: concebem-se os meios para que sejam avaliados e escolhidos à luz dos fins,que foram, afinal, eleitos, independente e previamente à escolha do s meios. Estaé a relação entre os meios e o s fins do método da raiz. Mas, de tudo o qu e se disseaté agora, conclui-se que essa relação entre meios e fins só é possível à medida queos valores sejam consensuais, conciliáveis e marginalm ente estáveis. Essa relação

entre meios e fins, caracteristicamente, portanto,não

faz parte do método da ra-mescência, em qu e os meios e os fins são escolhidos simultaneam ente.Entretanto^ qualquer afastamento da relação meios—fins do método da raiz

parecerá inconcebível a alguns leitores, pois parecer-lhes-á que somente por meiodessa relação é possível determ inar se uma escolha política é melhor ou pio r queoutra. Como poderá o ad ministrador saber se tomo u um a decisão sábia ou tola, senã o tem valores ou objetivos prévios para, com base neles, fazer um julgamento?A resposta a essa pergun ta leva-nos à terceira diferença distintiva entre o métododa raiz e o método da ramescência: como escolher a melhor política.

O teste da"boa" política (3b)

Segundo o método da raiz, a decisão é "correta", "boa" ou "racional", se fordemonstrado que ela atinge algum objetivo específico, em que se pode especifi-car o objetivo sem que se necessite descrever claramente a decisão em si. Mesmoquando os objetivos são definidos apenas po r meio da abordagem marginal ouincrementai de valores, descrita anteriormente, ainda é, às vezes, possível testarse uma decisão política alcança, de fato, os objetivos desejados; mas o enunciado

Muddling through 1: a ciência da decisão incrementai • 169

 

preciso dos objetivos toma a forma de uma descrição da política eleita ou de algu_ma alternativa a ela.Para mostrar que uma decisão política é equivocada, nã o cabealegar abstratamente que objetivos importantes não foram alcançados; deve-seem vez disso, argumentar qu e seria preferível um a outra decisão política.

Até aqui, o afastamento do s modos usuais de se encarar a solução de pro-blemas não é preocupante porque muitos administradores vão logo concordarque a discussão mais eficaz sobre a correção ou o acerto da decisão política torna

bo s os métodos. Mas,enquanto o método da raiz exige acordo prévio sobre osTmentos da decisão que constituem objetivos e sobre os objetivos que devem ser

"^seguidos, o método da ramescência contenta-se com o próprio acordo, ondenuer que ele possa ser obtido.

Po r conseguinte, num importante sentido, não e irracional o administra-dor qu e defende como boa uma certa política, mas não é capaz de especificar para

o que ela é boa.

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a forma de uma comparação com outras decisões que poderiam ter sido tomadas.Mas o que dizer das situações em que os administradores não conseguem chegar,quer abstrata ou marginalmente, a um acordo sobre valores ou objetivos? Qual

será então o teste da "boapolítica"? Para o método da raiz, não existe teste. Senãohouver acordo sobre objetivos, não haverá padrão de "acerto". Segundo o métododas sucessivas comparações limitadas, o teste consiste na concordância alcançadaem torno da política em si, e esta continua sendo possível mesmo que não hajaacordo sobre os valores.

Te m sido sugerido que o consenso contínuo no Congresso norte-ameri-cano, quanto à desejabilidade de se ampliar o seguro para idosos, se baseia no sdesejos dos progressistas* de fortalecer os programas sociais do governo federal enos desejos dos conservadores de reduzir as demandas dos sindicatos por planosprivados de pensão. Sendo assim, essa é uma demonstração excelente da facilida-de com que as pessoas de diferentes ideologias conseguem, muitas vezes, chegar aum acordo sobre uma decisão política concreta. Os mediadores dos trabalhadoresreferem-se a um fenômeno similar: os contendores nã o conseguem concordarsobre os critérios para resolver suas disputas, mas conseguem chegar a um acordosobre propostas específicas. De maneira semelhante, quando o objetivo de um ad-

ministrador se confunde com os meios de outro, com freqüência, eles conseguemchegar a um acordo sobre uma política.

A concordância em torno de uma decisão política torna-se assim o únicoteste praticável de que a decisão é correta. Além de provocar controvérsia de tododesnecessária, de nada adianta a um administrador tentar convencer o outro atambém concordar com seus fins.

Se o acordo direto em torno de uma política (o critério de uma "boa" po-lítica) parece ser um sucedâneo pobre para testá-la contra seus objetivos, deve-selembrar que os próprios objetivos somente têm validade quando são escolhidosde forma consensual. Por isso, a concordância é o teste da "melhor" política em

Fiel à linguagem usada em seu país, Lindblom emprega o termo "liberal" em oposição acon-servador e com sentido semelhante e próximo ao que se dá na Europa e no Brasil ao termo"progressista", usado na tradução.

170 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Análise não abrangente (4b)

Em princípio, na análise racional-compreensiva, nada que é importanteficade fora. Mas,é impraticável tomar em conta tudo o que é importante, a me-

nos que se defina de forma tão estrita o que é "importante" que a análise se tornade fato muito limitada. Os limites de capacidade intelectual e de informaçõesdisponíveis colocam restrições definitivas à capacidade do homem de ser comple-to, global. Por isso, na realidade, ninguém consegue aplicar o método racional-

compreensivo a problemas realmente complexos, e todo administrador que se

defronta com um problema minimamente complexo terá de encontrar modos de

simplificá-lo de forma drástica.Um administrador que contribui para a formulação de uma política agrí-

cola não é capaz de , antes de mais nada, ser competente em todas as opçõespolíticas possíveis. Ele não consegue compreender inteiramente sequer uma úni-ca opção de decisão. Ao planejar um programa de recuperação de solo, ele não

consegue prever efetivamente o impacto de uma maior ou menor renda agrícolasobre, digamos, a urbanização - o possível enfraquecimento dos laços familiares,a eventual necessidade de revisões no seguro social e as implicações adicionais deordem tributária decorrentes da s novas responsabilidades federais, com o segurosocial, e municipais, com os serviços urbanos. Seguindo por outra linha de conse-qüências, ele também não consegue prever os efeitos do programa de recuperaçãode solo sobre os preços do s produtos agrícolas nos mercados externos e a s conse-

qüentes implicações para as relações internacionais, incluindo-se aí as associadasà rivalidade econômica entre os EUA e a URSS.No método das sucessivas comparações limitadas, chega-se sistematica-

mente à simplificaçãopor meio de dois caminhos principais. Em primeiro lugar,chega-se a ela, limitando-se as comparações entre as decisões políticas àquelas quediferem proporcionalmente pouco em relação às políticas vigentes. Esta limitaçãoimediatamente reduz o número das opções em apreço e também simplifica dras-ticamente o caráter da investigação de cada uma.Por isso, não se torna necessário

Muddling througb 1:a ciência da decisão incrementai • 171

 

examinar a fundo cada opção e suas conseqüências; basta estudar os aspectos em lque a opção proposta e suas conseqüências diferem do status quo. A comparacã lempírica das diferenças marginais entre as opções propostas que diferem apenaem termos marginais é, obviamente, um a contrapartida à comparação incrernencal ou marginal de valores discutida anteriormente.6

qu e ;dadas as limitações de conhecimento a que estão sujeitos os formuladores

de políticas, a simplificação por meio da atenção restrita a pequenas variaçõesem torno da política vigente permite tirar o máximo proveito do conhecimentodisponível.

O segundo método de simplificação analítica consiste em se ignorar, na prá-tica, possíveis conseqüências importantes de diferentes opções políticas, bem comoem se ignorar os valores associados a essas conseq üências. Se esta parece ser uma

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Relevância , mas também rea l i smo

Observa-se com umen te q ue, nas democracias ocidentais, os administrado-res públicos e os analistas de políticas, em geral, de fato limitam, em boa parte,suas análises a suas diferenças incrementais ou marginais nas opções políticas qu esão eleitas para produzir diferença apenas incrementalmente. Mas eles não fazemisso apenas porque precisam desesperadamente de alguma maneira de simplificarseus problemas; eles o fazem também por uma questão de relevância. As democra-cias modificam suas políticas quase exclusivamente mediante ajustes incremen-tais. Aspolíticas não mudam a todo instante.

Tem-se destacado, com freqüência, o caráter incrementai da s mudançaspolíticas nos EUA. Os dois partidos políticos mais importantes do país concor-dam em questões fundamentais: eles oferecem aos eleitores opções alternativasapenas a respeito de pontos relativamente pouco diferentes. Ambos os partidossão favoráveis ao pleno emprego, mas o definem em termos um pouco distintos;os dois são a favor do desenvolvimento de recursos hidrelétricos, mas por meiosligeiramente diferentes; e ambos favorecem o salário-desemprego, mas não o mes-mo nível de benefícios. De maneira semelhante, as mud anças nas posições políti-cas, no seio do s partidos, em grande p arte, acontecem po r meio de uma série demudanças relativamente pequenas, como se pode ver na aceitação apenas gradualda idéia de responsabilidade governamental pela assistência aos desempregados,uma mudança que começou a acontecer nas posições partidárias, no início dadécada de 1930, e culminou em certo sentido com o E m p l o y m e n t Act de 1946.

O compo rtamento dos partidos tem, por sua vez, raízes nas atitudes públi-

cas, e os teóricos políticos não conseguem conceber a sobrevivência da democra-cia nos EUA sem um acordo fundamen tal em torno de questões potencialmentedesagregadoras, com a conseqüente limitação dos debates políticos a diferençaspolíticas relativamente p equenas.

Visto que as decisões políticas ignoradas pelo administrad or são politica-mente impraticáveis e, portanto, irrelevantes, a simplificação analítica a que sechega pela concentração sobre as decisões que diferem apenas incrementalmen-te não é uma espécie caprichosa de simplificação. Ademais, pod e-se argumen tar

172 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

deficiência clamorosa das sucessivas comparações limitadas, pode-se responderque, mesmo que as exclusóes sejam aleatórias, as decisões políticas podem ser for-muladas de forma mais inteligente com essas comparações limitadas do que com as

tentativas fúteis de se chegar a um a com preensividade que vai além da capacidadehumana. Na verdade, contudo, mesmo que as exclusóes pareçam, de certo pontode vista, arbitrárias ou aleatórias, não precisam ser uma coisa nem outra.

Alcance de a lgum grau de completude

Suponha que todo valor negligenciado por uma repartição formuladora depolíticas constitua preocupação básica de pelo menos uma outra. N esse caso, che-ga-se a uma divisão útil do trabalho, e nenhum a repartição precisa achar que suatarefa extrapola sua competência. A deficiência de um sistema desse tipo estariaem que um órgão poderia destruir um valor, antes que outro pudesse ser aciona-do p ara salvaguardá-lo, ou apesar dos esforços do outro. Mas a possibilidade dese perder valores importantes está presente em qualquer forma de organização,mesmo nos órgãos que tentam incluir em seu planejamento mais do que é huma-namen te possível.

A virtude de uma divisão de trabalho como essa reside em que todo in-teresse ou valor importante tem sua sentinela ou seu guardião. E essas sentinelaspodem proteger os interesses em sua jurisdição de duas maneiras bem distintas:em primeiro lugar, reparando os danos causados por o utros órgãos; e, em segund olugar, prevenindo e evitando o mal antes que ele aconteça.

Num a sociedade como a norte-americana, em que os indivíduos são livrespara se associar, na busca de p raticamente qualquer interesse comum que possamter, e em que os órgãos governamentais são sensíveis às pressões desses grupos,estamos bem perto do sistema descrito. Quase todo interesse tem sua sentinela.Sem afirmar que todos os interesses têm sentinelas suficientemente poderosas,pode-se argumentar que esse sistema, com freqüência, consegue assegurar umaconsideração mais abrangente em prol do s valores de toda a sociedade do quequalquer pretensão de compreensividade intelectual.

Muddling through 1: a ciência da decisão incrementai • 173

 

Nos EUA, por exemplo, nenhum segmento de governo procura apresentaruma visão compreensiva para a política de distribuição de renda. E, no entantodesenvolve-se uma política que atende a uma am pla variedade de interesses. Me-diante um processo d e ajustam ento mú tuo, associações de agricultores, sindicatosde trabalhadores, municípios e órgãos de educação, autoridades tributárias e re-partições de governo com responsabilidade nos campos da habitação, da saúdedas rodovias, dos parques nacionais, do corpo de bombeiros e da polícia alcançam

, liberadas, sistemáticas e defensáveis. É claro que, em princípio, o método daaiz não faz exclusões; na prática, porém, terá de fazê-las.

O método da ramescência também não negligencia necessariamente as con-'deraçóes e objetivos de longo prazo. É evidente que valores importantes terão queer omitidos na consideração de uma política e, às vezes, o único jeito de se dar

cão acjeqUada a objetivos de longo prazo é ignorar considerações de curto prazo.os valores omitidos podem tanto ser de curto quanto de longo prazo.

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uma distribuição de renda, em q ue os problemas particulares de renda, acaso ne-gligenciados em um ponto do processo de decisão, acabam se tornando centraisem outro.

O ajustamento mútuo está mais presente do que as formas explícitas quetoma a negociação entre os grupos; ele persiste por meio dos impactos mútuosentre os grupos, mesmo que estes não estejam em contato entre si. Apesar detodas as imperfeições e dos perigos latentes, nesse processo onipresente de ajustemútuo, ele consegue, m uitas vezes, acomodar ou ajustar as políticas a um con-j un to mais amplo de interesses do que um grupo só conseguiria fazê-lo de modocentralizado.

Observe-se também o modo pelo qual o padrão in crementai de tomada dedecisão se ajusta ao padrão de pressão múltipla. Pois quando as decisões são ape-nas incrementais — estreitamente relacionadas com políticas conhecidas —é maisfácil para um grupo prever os tipos possíveis de reação de outros grupos, como

também é mais fácil corrigir os danos já causados.7Mesmo o sectarismo político-ideológico e a estreiteza de visão, para usar

termos pejorativos, constituem, às vezes, um trunfo para a formulação racionalde decisões, pois podem garantir duplamente que o que é negligenciado por um

órgão, não o será por outro; eles estimulam os funcio nários a desenvolver pontosde vista diferentes. Afigura-se como válida a afirmação de que uma coordenaçãoracional efetiva da administração federal, se porve ntura possível, exigiria um con-junto devalores consensuais8 - se for definida como "racional" a prática do méto-do da raiz de tomar decisões. M as um alto grau de coordenação administrativa vaiacontecendo na medida que cada repartição ajusta suas políticas às preocupaçõesdas outras repartições no processo de formulação fragmentada da decisão queacabo de descrever.

Apesar de todas as deficiências aparentes da abordagem incrementai, naanálise da s opções de uma decisão política, o método da ramescência, com todaa sua exclusão arbitrária e sua fragmentação, m uitas vezes, parece muito superior,comparativamente ao método da raiz. No método da raiz, a exclusão inevitávelde fatores é acidental, não sistemática e não justificável po r qualquer argumentoaté agora desenvolvido, ao passo que, no m étodo da ramescência, as exclusões são

174 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Sucessão de comparações (5b)

Um elemento distintivo final a se fazer em relação ao método da rames-cência é que as comparações, juntamente com a escolha da política, procedemem seqüência cronológica. Não se decide uma política de um a vez por todas; elaé formulada e reformulada indefinidamente. Formular políticas é um processode sucessiva aproximação a alguns objetivos desejados, em que o próprio objetodesejado continua a mudar sempre que é reconsiderado.

A formulação de políticas é, na melhor das hipóteses, um processo muitoárduo. Nem os cientistas sociais ou os políticos ou mesmo os administradores p ú-blicos conhecem suficientem ente o mund o social para evitar que se repitam erros

na previsão de conseqüências d as medidas tomadas. E sábio, por co nseguinte, oformulador de políticas qu e admite qu e suas decisões políticas alcançam apenasparte daquilo que ele deseja, e essas decisões, ao mesmo tempo, produzem con-seqüências imprevistas e mesmo indesejadas por ele. Se proceder mediante umasucessão de mudanças incrementais, ele consegue evitar, de várias maneiras, errossérios de conseqüências duradouras.

Em primeiro lugar, seqüências passadas de medidas políticas deram-lheconhecimento sobre as conseqüências prováveis de passos semelhantes dados emrelação ao futuro. Em segundo lugar, ele não precisa tentar saltos enormes rumoa suas metas, avanços que exijam dele previsões que vão além de seu conheci-mento ou do co nhecimento de qualquer outra pessoa, pois ele jamais alimenta a

expectativa de que sua decisão irá representar a solução final de um problema. Emterceiro lugar, ele tem efetivamente condições de testar suas previsões anteriores, àCedida que se movimenta no sentido dos passos seguintes. Finalmente, ele pode,com freqüência, remediar erros passados comrazoável rapidez - mais rapidamen-te do que o faria se a política procedesse por passos mais distintos, extensamenteDistanciados no tempo.

Confronte essa análise comparativa de mudanças incrementais com aasPiração de se usar teoria no m étodo da raiz. O hom em não é capaz de pensar

MueMling through 1: a ciência da decisão incrementai « 1 7 5

 

sem classificar, sem subordinar um a experiência a uma categoria mais geral deexperiências. Com a palavra "teoria", refiro-me ao empenho de se levar a cate-

gorização às últimas conseqüências possíveis e encontrar proposições genéricas

qu e possam ser aplicadas às situações específicas. Se a análise da raiz, muitas

vezes, depende intensamente da teoria assim entendida, o método da rames-cência a dispensa.

Segundo a pressuposição do s analistas de raiz, a teoria é o meio mais sis-

leóricos e práticos

Esta diferença explica — pelo menos, em alguns casos — por que o adminis-

rador, freqüentemente, sente que o especialista de fora ou o solvedor acadêmico

H e problemas em algumas ocasiões não são úteis, e por que eles, ainda po r cima,

lhe cobram, não raro, a aplicação de mais teoria. E isso explica por que o adminis-

trador tantas vezesse sente ainda mais à vontade em confiar em sua experiência e

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temático e econômico de levar um conhecimento relevante a influir sobre umproblema específico. Mesmo que se aceite essa presunção, resta o fato lamentá-

vel de que não existem teorias adequadas a aplicar ao s problemas em todas as

áreas de políticas, embora haja teorias mais adequadas a algumas áreas do quea outras, corno, por exemplo, à política monetária. A análise comparativa, à

maneira do método da ramescência, às vezes, toma sistematicamente o lugar daabordagem teórica.

Suponha que um administrador tenha de escolher uma dentre algumaspoucas propostas de política que diferem apenas incrementalmente umas das ou-

tras ou em relação à política vigente. Ele poderia ter a pretensão de "compreen-

der" cada uma das propostas - por exemplo, conhecer todas as conseqüências de

cada aspecto de cada proposta. Nesse caso, de fato, ele necessitaria de uma teoria.

Na verdade, porém, normalmente ele decidiria que,p a r a fins de ormulação de p o -líticas, precisa conhecer apenas as conseqüências dos aspectos em que as propostas

diferem umas das outras, como se explicou anteriormente. Para essa ambição bemmais modesta, ele não precisa de uma teoria (embora ela possa ser útil, se existir),

porque pode proceder no sentido de isolar diferenças prováveis, ao examinar asdiferenças de conseqüências em conexão com as diferenças observadas em políti-

cas passadas, o que é um programa viável, pois ele pode fazer suas observações apartir de uma longa seqüência de mudanças incrementais.

A propósito, sem uma teoria social sobre delinqüência juvenil, que

seja mais genérica que as produzidas até agora pelos estudiosos, não há como

compreender a maneira pela qual as diversas políticas públicas - digamos, deeducação, habitação, lazer, emprego, relações raciais e policiamento - possam

desestimularou estimular a delinqüência. E quem assume uma visão global dos

problemas, conforme preconizam os modelos do método da raiz, precisa dessa

compreensão. Se, no entanto, o que se deseja é apenas mobilizar o conhecimen-

to suficiente para ajudar a fazer uma escolha a partir de um pequeno conjunto

de propostas políticas semelhantes - por exemplo, propostas alternativas sobre

procedimentos judiciais para menores - pode-se fazê-lo pela análise compa-

rativa dos resultados obtidos em medidas políticas semelhantes adotadas nopassado.

176 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

intuição do que em seguir conselhos teóricos. Os estudiosos muitas vezes fazem oadministrador percorrer caminhos longos para resolver seus problemas; na verda-

de, exigem que ele siga as regras mais fundamentais do método científico, quando

o administrador sabe que a melhor teoria porventura existente não funcionarátão bem quanto as comparações incrementais mais modestas. Os teóricos não se

dão conta de que o administrador com freqüência pratica, de fato, um método

sistemático. M as seria tolice se alongar nessa explicação, pois, às vezes, os delibe-

radores práticos nem seguem uma abordagem teórica ou comparações sucessivas

ou mesmo qualquer outro método sistemático.Talvez valha a pena destacar que a teoria, por vezes, é de uma utilidade ex-

tremamente limitada para a formulação de políticas, pelo menos por duas razões

bem distintas. Ela é ávida po r fatos; só pode ser construída a partir de um grande

volume de observações. E, de uma maneira característica, ela é insuficientemente

precisa para qu e possa ser aplicada a u m processo político-decisório que se desen-

rola à base de pequenas mudanças. Por seu turno, o método comparativo não só

dispensa boa parte desses fatos, como dirige a atenção do analista apenas para os

fatos relevantes às escolhas finais que o deliberador enfrenta.Tome-se a teoria econômica como, exemplo de precisão teórica. A teoria

econômica prevê que uma economia sem moeda ou sem preços alocada mal os

recursos em certas formas específicas, ma s essa conclusão diz respeito a uma alter-

nativa muito distante da espécie de decisão política para a qual os administradores

precisam de ajuda. No entanto, não basta prever as conseqüências da s políticas

qu e impõem restrições à fusão de negócios, e esse é u m tipo de problema para oqual os administradores precisam de ajuda. É apenas em áreas relativamenteres-

tritas que ateoria econômica consegue produzir precisão

suficientepara avançar

na solução de questões políticas; sua utilidade para a formulação de políticas é

sempre tão limitada que ela requer complementações via análise comparativa.

Sistema de comparações sucessivas

As sucessivas comparações limitadas são,portanto, um método ou umsis-terna; não uma falta de método, pela qual os administradores devam se desculpar.

Muddling through 1: a ciência da decisão incrementai • 177

 

No entanto, suas imperfeições, que não fo ram exploradas neste trabalho, são mui-tas. P or exemplo, o m étodo não contém salvaguarda interna para todos os valoresrelevantes e também pode levar o formulador de decisões a perd er excelentes opçõespolíticas, pela simples razão de elas não terem sido sugeridas pela cadeia das suces-sivas medidas políticas que ligam o passado à situação presente. Portanto, deve-sedizer que sob os auspícios desse método, como também sob os de algumas variantesmais sofisticadas do método da raiz — como a pesquisa operacional por exemplo —

utro insatisfatório. A relevância da cadeia sucessiva das políticas fica ainda maisIara quand o um cidadão norte-americano tenta discutir, por exemplo, a políticantitruste de seu país com um suíço, pois as cadeias trilhadas pelas políticas nos

dois países são notavelmente diversas, e os dois indivíduos, conseqüentemente,organizam seus conhecimentos de maneiras be m diferentes.

Se esse fenômen o é uma barreira à comunicação, sua compreensão prome-te enriquecer a interação intelectual na formulação de políticas. Quando entender

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as políticas continuarão a ser tão tolas quanto sábias.Por qu e então se preocupar em descrever o método proposto com todos

esses detalhes? Por duas razões. Porque ele é, de fato, um método comum de

formulação de políticas e é a base principal de apoio, com a qual contam osadministradores, be m como outros analistas políticos, para o tratamento de pro-blemas complexos.9 E porqu e ele será, em m uitas circunstâncias, superior a qual-quer outro método de decisão existente para a solução de problem as complexose certamente superior à vá tentativa de compreensividade sobre-humana. A rea-ção do administrador público diante da exposição do método será, sem dúvida,menos de descoberta de um método novo do que de familiarização maior comum velho. Mas, ao tornarem-se mais conscientes sobre a prática desse método,os administradores poderão aplicá-lo com mais competência e saberão quandoampliar ou restringir seu uso. (Que eles, às vezes, o pratiquem com sucesso e,outras vezes, sem sucesso, talvez explique as opiniões extremadas que se observamsobre o "avanço sem muito esforço ou planejamento", que ora é exaltado comoum a forma altamente sofisticada de resolver problemas e ora é denunciado comonão sendo método algum. Pois suspeito que, na medida em que o que se conhececomo "avanço sem m uito esforço ou rum o" venha a se configurar como um siste-ma, ele passa a ser o método.)

Uma das conseqüências incidentais de grande valia que se ganha com a elu-cidação do m étodo é a luz que ele lança sobre a suspeição do administrador, que,às vezes, entretém a idéia de que seu consultor ou conselheiro não está falandode modo relevante e responsável, quando todas as evidências comuns e objetivasindicam qu e ele, de fato, está. O problema reside em que a maioria de nós aborda

as questões referentes a políticas a partir de uma perspectiva dad a po r nossa visãoda cadeia de sucessivas escolhas políticas construída até o presente. Pensamossobre as políticas apropriadas para o controle do tráfego urbano, por exemplo,sob a forte influência de nosso conhecimento dos passos incrementais trilhadosaté agora. O administrador goza de um conhecimento íntimo de suas trajetóriaspassadas, do qual não compartilham os "estranhos"; e por isso seu pensamentoe o do "estranho" serão tão diferentes que podem deixar a ambos perplexos. Osdois podem parecer que estão falando de modo inteligível, mas cada um acha o

178 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

a razão da diferença, o administrador pode se sentir estimulado a procurar analis-tas políticos cuja experiência recente em cadeias políticas seja distinta da sua.

Isso traz à tona outra vez a questão, apenas brevemente referida anterior-

mente, dos méritos da afinidade observada entre os administradores públicos.Enq uanto boa parte da teoria das organizações exalta as virtudes dos valores co-muns e da concordância em torno dos objetivos organizacionais para o caso dosproblemas complexos aos quais não se pode aplicar o método da raiz, as repar-tições públicas desejarão ter dois tipos de diversificação no seio de seu própriopessoal: em primeiro lugar, administradores que organizem seu pensamento em

função de cadeias de políticas qu e sejam distintas daquelas familiares à maioriados membros; e, em segundo lugar, de modo ainda mais freqüente, administra-dores com valores ou interesses profissionais ou pessoais que favoreçam o u criemdiversidade de visão (talvez oriund os d e diferen tes especialidades, classes sociais,áreas geográficas), de modo que, mesmo no interior de uma única repartição, se

possa fragmentar a tomada de decisão, e algumas partes da repartição possamservir de sentinelas a outras.

Notas

l- James G. March e Herbert A. Simon caracterizam a literatura de maneira seme-

lhante. Eles também deram alguns passos importantes, como tem feito Simon, em

artigos recentes, no sentido de descrever um modelo menos heróico de formulação

de políticas. Ver Organization . New York: John Wiley and Sons, 1958, p. 137.

2. HITCH, Charles. Operations Research and National Planning - A Dissent, Opera-

tions Research, v. 5, p. 718, Oct. 1957. Hitch discorda de alguns pontos particulares

propostos no artigo ao qual replica; sua afirmação de que a pesquisa operacional seaplica a problemas de nível inferior é amplamente aceita. Para exemplos de tipos de

problemas aos quais se aplica a pesquisa operacional, ver CHURCHMAN, C. W.;

ACKOFF, R. L.; ARNOFF, E. L. Introduct ion to Operations Research. New York: John

Wiley and Sons, 1957; McCLOSKEY,J. F.; COPPINGER, J. M. (Eds.). Operations

Research or M a n a g em en t . Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1956. Vol. II .

Muddl ing through 1: a ciência da decisão incrementai «179

 

3. Estou supondo que os administradores, muitas vezes, formulam políticas e asses í

soram a formulação de políticas e, para fins deste artigo, estou usando tomada Jdecisão e formulação de políticas como sinônimos.

4 . MEYERSON, Martin; BANFIELD, Edward C. Politics, P lann ing and the PubU c

Interest. Ne w York: The Free Press,1955.

5 . O argumento aplica, obviamente, a teoria da escolha de mercado, sobretudo a teoride escolha do consumidor, às escolhas de políticas públicas.

Muddling through 2: a ubiqüidade

da decisão incrementai*

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6 . Para um a definição mais precisa da política incrementai e uma discussão sobre se

um a mudança, qu e parece "pequena" a um observador, poderia ser vista de modo

diferente po r outro, ver meu artigo: Policy Analysis. A me r ic an Econom ic Review v

48, n. 298, jun. 1958.7. A relação entre a prática do método das sucessivas comparações limitadas e o

ajustamento mútuo de interesses, nu m processo de tomada de decisão altamentefragmentado, acrescenta um a nova faceta às teorias pluralistas de governo e d e admi-

nistração.8. SIMON, Herbert; SMITHBURG, Donald W.; THOMPSON, Victor A. Public

A dmin i s t r a t ion , Alfred A. Knopf, p. 434, 1950.

9. Em outro lugar, abordei este mesmo método de formulação de políticas no s termosem que o usam seus analistas acadêmicos: LINDBLOM, Charles. Policy Analysis.

American Ec o n o m i c Review, v. 48, n. 298, Jun. 1958. Embora tenha sido apresenta-

do aqui como um método de administradores públicos, ele não é menos necessário

para os analistas mais afastados das questões públicas imediatas, apesar da tendênciadestes em descreverem seus próprios esforços analíticos como se constituíssem o

método racional-compreensivo, com seu apelo particularmente forte à teoria. Demaneira semelhante, este mesmo método é empregado para a solução de problemas

pessoais, onde às vezes é impossível separar meios de fins, em que aspirações e ob-

jetivos estão em constante evolução, e a drástica simplificação da complexidadedomundo real torna-se urgente, se os problemas têm de ser resolvidos em tempo hábil-

Para o economista acostumado a lidar com o conceito marginal ou incrementai, emprocessos de mercado, a idéia central no método consiste em que tanto a avaliação

quanto a análise empírica são incrementais. É por isso que em outra parte sempre mereferi a este método como "o método incrementai".

180 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Charles E. Lindblom**1

University of Yale

Para um povo farto de seu governo, Abraham Lincoln assegurava "o direito

revolucionário de derrubá-lo ou de desmembrar-se". Jefferson também chegou a

especular sobre a possibilidade de uma revolução ocasional ser salutar à comu-

nidade política. Não é para discordar desse povo que venho defendendo que o

muddling-through2- ou o incrementalismo, como é mais comumente chamado -

é e deve ser o método usual para a formulação de políticas. É, antes, porque nem

a revolução, nem as mudanças políticas drásticas ou até mesmo os grandes passos

cuidadosamente planejados, em geral, são exeqüíveis.

Talvez, no estágio atual do estudo e da prática da formulação de políticas,prevaleça a visão (gradualmente incorporada nos livros de estudo) de que somente

passos pequenos ou incrementais - apenas avanços que demandem pouco esforço

ou planejamento (muddling-through) - são de fato, ordinariamente, praticáveis.

Mas as pessoas, em sua maioria, até mesmo muitos analistas e formuladores de

políticas, querem separar o "deve ser" do "é". Eles acham que devemos tentar

melhorar. Eu também penso assim. O que nos resta fazer, então? Na verdade, é

possível esclarecer a questão. Muitos críticos do incrementalismo acreditam que

fazer melhor significa, de modo geral, afastar-se do incrementalismo. Já os incre-

mentalistas julgam que, para a solução de problemas complexos, melhorar quer

**

Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

A palavra "partisan", tantas vezes usada por Lindblom, deriva de partido ou parte, no sentido de

Partidarismo, parcialismo ou sectarismo, e também de parcialidade ou incompletude. De modo

geral, o tradutor recorreu ao termo "parcial" para traduzi-la (por exemplo, "análise parcial").

Para a expressão " 'partisan mutual adjustmenf ', já usou, principalmente, a expressão "entre par-

tes ' ou "inter-partes" e às vezes "entre facções" ou até "interpartidário" ("ajuste mútuo entre as

Partes").

A nota sobre o autor está no início do capítulo anterior.

 

dizer, usualmente, praticar o incrementalismo com mais competência e só rara-mente afastar-se dele.

Das várias formas de afastar-se do incrementalismo destacam-se duasA primeira é tomar m edidas mais arrojadas empolítica - não ficar brincando, por

exemplo, com os nossos problemas d e energia, mas tratá-los como um todo inte-grado. A segunda consiste em tentar analisar as propostas políticas de uma formamais completa e científica do que o fazem os incrementalistas.3 Estas duas ações— iniciativas de grande escala e análise compreensiva — evidentemente relacio-

é apenas um, e os demais estão listados em meu artigo de vinte anos atrás;5

ei-los, especificamente:

a limitação da análise a umas poucas propostas de decisão que sejam mais ou

menos familiares;b. uma fusão da análise das metas e o utros valores políticos com os aspectos

empíricos do problema;

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nam-se de forma íntima e afinam-se muito bem com as noções convencionais de"planejamento". Configura-se, portanto, claramente uma opção. Deve a fórmula

geral para melh orar a fo rmulaçã o de políticas consistir: (1) de mais ciência e maisambição política, ou (2) de um incrementalismo novo e melhorado, a opção que,aliás, tem a minha preferência?

Hoje, tenho condições de analisar melhor as opções do que há vinte anos.4

Inicio com um pedido de desculpas por ter, às vezes, confundido polít ica incre-mentai com análise incrementai e por ter diferenciado de modo inadequado trêsversões de análise incrementai. Essencialmente, é fácil especificar o incrementalis-mo como padrão polít ico. Nesse sentido, o incrementalismo consiste em mudan çapolítica por meio de pequenos passos (independentemente do método de análiseusado). Definido assim, o incrementalismo varia em grau. Elevar ou diminuir ataxa de desconto, de tempo s em tempos, é extremamente incrementai. A decisão

original de usar a taxa de desconto como método de controle monetário ainda éuma decisão modestamente, mas não excessivamente, increm entai. Reorganizar osistema bancário, mediante a criação do Banco Central, também é incrementai,embora menos. Eliminar o uso do dinheiro, como desejaram fazer tanto os sovié-ticos qua nto os cub anos, nos primeiros anos de suas revoluções, não é incremen-tai. Não imp orta em que po nto se trace a linha divisória, basta que se entenda queo tamanho do s passos, na formulação de políticas, pode ser distribuído ao longode um cont inuum de passos, que vai desde os pequenos até os grandes.

Com respeito aos três significados do incrementalismo como análise depolíticas, agora fica claro que, na literatura e até mesmo em m eu trabalh o, cadaum dos tipos de análise, apresentados a seguir, às vezes toma o nome de incre-

mentalismo:

1. A análise restrita à consideração das propostas políticas que diferem apenasincrementalmente do status quo.Este tipo chama-se análise incrementai simples.

2 . A análise caracterizada por um conjunto mutuamente favorável de estratage-mas simplificadores e focalizadores, do s quais a análise increm entai simples

182 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

c. uma preocup ação analítica m aior com os males a serem remediados do qu ecom as metas positivas a serem perseguidas;

d. uma seqüenciação de tentativas, erros e novas tentativas;

e. uma análise que explore, não todas, mas somente algumas possíveis conse-qüências importantes da proposta considerada;

f. um a fragmentação do trabalho analítico entre os muitos participantes (in-teressados) na f ormulação da política.

A este método complexo de análise dei o nome de incrementalismo desconexo.

3 . Qualquer análise limitada a certo conjunto calculado ou cuidadosamente es-colhido de estrategemas, que tem por fim simplificar os complexos problemaspolíticos, isto é, abreviar a análise "científica" convencionalmente abrangente.6

Passei a chamar, agora, a esta prática de análise estratégica.

O incrementalismo desconexo é uma entre várias formas possíveis deanálise estratégica, e a análise incrementai simples é um entre vários elemen-tos na análise incrementai desconexa. Podemos agora examiná-las uma a uma,para ver por que cada qual deve receber preferência diante da busca da análise'científica" convencional, que tenho em geral rotulado de "sinóptica" em re-conhecimento à sua pretensão de ser completa, cabal. 7 Vamos começar com aanálise estratégica.

O caso da análise estratégica

O caso da análise estratégica como norma ou ideal é simples: nenhumapessoa, comissão ou equipe de pesquisa, mesmo dispondo de todos os recursos daftioderna computação eletrônica, tem condições de esgotar a análise de um pro-blema complexo. Estão em jogo valores interativos em n úmero tão grande 8 e sãotantas as propostas possíveis e as conseqü ências a serem acompanh adas no cursode um futuro incerto — que o melhor que se pode fazer é chegar a uma análise par-cial ou, segundo o s termos d e Herbert Simon, a uma "racionalidade limitada".9

Mudãling through 2; a ubiqüidade da decisão incrementai • 183

 

Não preciso rever aqui as muitas razões, constantes na literatura de ciênciassociais, para explicar nossa incapacidade de chegar a um domínio intelectualsinóptico dos problemas sociais complexos.

Considere-se um continuum sobre o qual se ordene a análise, de acordocom sua completude ou qualidade sinóptica. Po r sobre ele podemos distribuirtanto as propostas hipotéticas como as reais.

^possível de atingir uma nota seis oitavas acima da nota mais alta jamaiscantada, ou a determinação de alcançar o lá superior ao dó máximo? De que

vale a uma pessoa que detesta listas telefônicas memorizar todos os números detelefone que possa um dia, por acaso, vir a usar, ou memorizar o conjunto menor,ainda qu e também difícil, do s números que usa com mais freqüência?A aspiraçãoà sinopse nã o ajuda o analista a escolher tarefas administráveis, ao passo que odesejo de desenvolver estratégias mais aprimoradas lhe é positivamente útil.

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Anál i se sinóptica:atendendo a todos os

requisitos teóricosconvencionais

— intervalo deimpossibilidades 1

\l NNNT

estamos todos| neste intervalo

Análise estratégica(Podemos aspirar a esteintervalo)

Análisegrosseiramente

i ncomple t a

O continuum sugere várias observações. Como formuladores de políticas,administradores, analistas de políticas e pesquisadores, em geral, nos saímos mui-to melhor do que a situação extrema mais indesejável que se possa imaginar. Emcasos de problemas complexos, no entanto, nunca chegamos perto da sinopse;pelo contrário, nos mantemos à grande distância dela. Alguns praticam melhora análise estratégica do que outros — isto é, empregam, de maneira inteligente eséria, um a variedade de estrategemas simplificadores, como a seqüenciação habi-

lidosa de tentativas de acerto e erro.Uma vez obtida a concessão, os críticos podem perguntar: Não representa

a extremidade esquerda do continuum - isto é, a análise completa ou sinóptica - oúnico ideal defensável? Nã o deveríamos, portanto, continuar a insistir nesta dire-ção? Para alguns críticos, as respostas parecem óbvias, ma l valendo a pena refletirsobre elas. Considere-se, no entanto, uma analogia simples. O ser humano semprealimentou o sonho de voar. A ambição de tentar voar sem auxílio, sem qualquerestratégia para lográ-la, por acaso algum dia representou um ideal ou uma normaútil? Embora o mito de ícaro de fato estimule a imaginação, o vôo só se torna uma

ambição útil para aqueles que aceitam que é impossível voar sem a ajuda mecânicae que admitem a idéia de usar asas artificiais e outros estrategemas para voar.

A realização de façanhas impossíveis de sinopse é um ideal inservível, inú-til. O desejo de aprimorar a análise de políticas mediante o uso de estratégiasé uma aspiração direcional e norteadora. Aponta para alguma coisa a ser feita,algo a ser estudado e aprendido, e algo a que se pode efetivamente chegar. Que

outro tipo de aspiração, norma ou ideal dá orientação ou guia especificamente o

escultor do corpo - que sonha em ter a força de um gorila ou acalenta a inten-ção de superar Arnold Schwarzenegger? De que serve a uma soprano a aspiração

184 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

sobre a solução de problemas, segundo moldes convencionais mais antigos, pre-tendem fazer sinopse; mas, por desconhecerem o caminho para chegar a ela, aca-

bam sucumbindo a padrões piores de análise e decisão do que aqueles que, comseus olhos abertos, entretêm o ideal norteador da análise estratégica. Novamente,co m o auxílio de um diagrama, tenho condições de saber o que de fato acontecena análise de políticas. Podemos dispor, ao longo de um continuum, a extensãodos graus realmente possíveis de completude da análise.

Incompletudemal concebidae muitas vezesarrogante na

análise

serm-estrategias baseadasi em empirismo pessoal

A maioria de nós está neste intervalo;

empinsmo pessoal maisestratégias estudadas

alguns de nós, aqui mais à direita

(Devemos estar neste interva o)

Análise estratégica:

escolha informadaecuidadosa dosmétodos de

simplificação de

problemas

Diante de problemas complexos e preso a uma aspiração inút il que simples-mente o adverte a "ser completo", o analista, de forma consciente ou inconscien-te, acaba confuso e desnorteado. Entretanto, quando segue um ideal orientadorde análise estratégica, ele consegue, de modo consciente e aberto, cambalear comalguma competência. Portanto, como ideal, a tentativa de desenvolver análiseses-

tratégicas melhores ser-lhe-á muito mais útil do que a opção de afastar-se da aná-lise estratégica, na busca impraticável de aproximações à sinopse. Qual é o idealadequado para a pessoa que se desloca, percorrendo regularmente os mesmos

trajetos de ida e volta (comuter): pernas miraculosamente longas ou um serviçode ônibus melhor? O que é que se pode efetivamente fazer em relação a uma oua outra opção?

Para problemas sociais complexos, até mesmo as técnicas analíticastorrnais — como análise de sistemas, pesquisa operacional, administração po r°bjetivos, Pert (Program Evaluation and Review Technique), por exemplo~ ~ precisam ser desenvolvidas em torno de estratégias e não como tentativas

visem à sinopse. Algumas formulações teóricas dessas técnicas e todos os

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «185

 

exemplos de sua aplicação bem-sucedida a problemas complexos ilustram esseponto importante.

O caso do incrementalismo desconexo

A essa altura deve estar claro por que endosso a análise estratégica corno

Têm-se identificado muitas deficiências específicas na análise incrementaidesconexa: por exemplo, observa-se que ela com freqüência consegue encontrarsomente uma solução ótima "local", uma p olítica melhor apenas que as políticaspróximas e incrementalmente diferentes, mas que é possivelmente bem inferiora uma proposta de decisão política mais distante e jamais examinada. A análiseincrementai desconexa tem muitas falhas, como as têm todas as formas possíveisou concretamente imagináveis de formulação e análise de políticas. Acho quesimplesmente não consegui comunicar aos leitores o quanto acredito que são

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norma e, além disso, o incrementalismo desconexo como uma de suas espécies.O incrementalismo desconexo é uma estratégia praticada com habilidad e variá-vel. O uso cuidadosamente sério do incrementalismo desconexo como norma

poderia melhorar o esforço analítico d e mu itos an alistas, pelas várias razões dadasa conhecer no artigo de vinte anos atrás. Colocá-los-ia num a linha produ tiva deanálise, enquanto os afastaria das tentativas convencionais de com pletude formalque sempre terminam, no caso de problemas complexos, em expedientes maljustificados. A tentativa (pretensamente) sinóptica e convencional de escolher ejustificar a localização de um conjunto novo de moradias populares, pela análisede todas as necessidades de terra e de todas as configurações de desenvolvimentopotenciais do município, sempre degenera em pelo menos superficialidade quan-do não em fraude. A análise incrementai desconexa pode fazer algo melhor.

A objeção válida que se levanta ao incrementalismo desconexo, como méto-do analítico prático, é que se pode encontrar tipos melhores de análise estratégica,e não que se pode recorrer à alternativa da sinopse. A objeção válida ao incre-mentalismo desconexo como n o r m a ou ideal para a análise é que existem ideaisestratégicos melhores, e não que a sinopse é o ideal útil. 10 Há outras espécies deanálise estratégica ou pelo menos outros ideais hipotéticos de análise estratégica?Eu diria que existem mais caminhos do que no s damos ao trabalho de descobrir;há, portanto, ainda muita pesquisa a ser feita. Uma primeira alternativa evidente,explorada num conceito com o qual o incrementalismo desconexo tem algo emcomum, é a "satisfação" (satisficing), de Simon.11 Dror e Etzioni também estuda-ram alternativas.12 Diante das estratégias alternativas freqüen temente disponíveis,é óbvio que a análise ne m sempre precise de incrementalismo desconexo.

Toda análise é incompleta, e toda análise inco mpleta pode deixar de foraalgo que acaba se revelando crítico a uma boa política. Mas - e este é um "masa que se deve dar um assento p roeminen te nas salas de aula da controvérsia sobreo incrementalismo - isso qu er dizer que, no caso de problemas complexos, todasas tentativas de sinopse são incompletas. A escolha entre sinopse e incrementa-lismo desconexo - ou entre sinopse e qualquer forma de análise estratégica -

e

simplesmente uma escolha entre uma incompletude muitas vezes acidental e malestudada, por um lado, e uma incompletude deliberada e planejada, por outro.

186 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

falhas a formulação e a análise de políticas, mesmo sob as melhores circunstân-cias. É evidência desse meu insucesso a afirmação atribuída a mim, por Langdon

Winner, de uma certa "lógica maravilhosa", que promete que "os planejadorespodem ser bem-sucedidos" e que "a incompreensão da grande escala não é umobstáculo à boa formulação de decisões."13É evidente que é um obstáculo e umobstáculo trágico. E é por isso que precisamos de estratégias analíticas, como oincrementalismo desconexo, para aproveitar ao máximo nossa capacidade redu-zida de compreender.

Um aspecto do incrementalismo desconexo que arquivei há alguns anos,a título de a ssunto inacabado, e ao qual pretendo retornar em breve, é a relaçãoentre sua orientação remedial - sua preocupação com os males identificáveis aserem sanados, em vez dos fins abstratos a serem perseguidos - e o que pareceser a necessidade da mente humana por um conjunto amplo (e alguns diriam

"mais elevado") de ideais ou ambições duradouras. Eu mesmo estou compro-metido com alguns desses ideais; isto é, eu os uso. Entretanto, eles muitas vezessão apenas distante e vagamente operacionais na análise específica dos problemaspolíticos. Na melhor das hipóteses, só podem ser analisados de modo incompleto- ficando vagamente guardados na mente, onde sãoassediados por contradiçõesinternas. Eles não representam, como tem sido sugerido, um a orientação sinóp-

tica distante de análise incrementai, p orque a sinopse dos valores continua sendoimpraticável. Eles talvez entrem em nossa reflexão de forma mais significativa pormeio da negociação de trocas compensatórias, em que os ganhos incrementaisnuma frente são compensados po r perdas em outras.

O caso da análise incrementai simples

A análise incrementai simples - que se restringe à análise dos possíveisafastamentos pequenos ou incrementais em relação ao status quo - não pode serdefendida isoladamente das estratégias mais complexas, como o incrementalis-ttio desconexo, do qual é parte. Ê apenas um aspecto da análise e é útil ou não,

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 187

 

dependendo das circunstâncias e do estrategema do qual faça parte. Na medidaem que, no entanto, podemos falar sobre um aspecto da análise (tendo em mente

sua relação com a estratégia mais ampla da qual é parte), podemos esclarecer al-

gumas confusões existentesna literatura. Para começar, é muito fácil provar que,

nas sociedades em que a mudança política real procede por etapas incrementais,

dificilmente dá para negar a relevância freqüente da análise incrementai simples.

Se os deliberadores políticos têm de escolher entre as propostas A, B e C, parece

útil que se analise um pouco tão-somente essas propostas.

: Drásticos em política não precisam ser mais raros que os passos incrementais.4 á certeza razoável, contudo, de que em quase todas as circunstâncias essa pro-

osiçáo é falsa. Os passos incrementais podem ser dados rapidamente porque

ao apenas incrementais. Eles não entornam o caldeirão, não suscitam grandes

ntagonismos e grandes dissidências paralisantes, como o fazem as propostas demudança mais drástica.

Nessa linha de argumentação, nada ameniza a profunda hostilidade que

muitas pessoas, com muita razão, sentem em relação ao incrementalismo político.

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Não é contra a análise incrementai simples de propostas incrementaisrealmente constantes na agenda política que se faz a objeção mais freqüente e

básica; ao contrário, é à prática política de mudanças apenas incrementais quese contrapõe. Isso quer dizer que a objeção não é contra a análise incrementai,

mas contra a política incrementai, com a qual a análise incrementai se enquadramuito bem.

Vamos, portanto, fazer um a digressão explícita da apreciação da análiseincrementai, para examinar a política incrementai. Pode-se dizer muita coisa afavor e contra a última, e estou cada ve z mais impressionado com o que se devedizer contra as formas de política incrementai praticadas na Europa Ocidental ena América do Norte.

Política incrementai

Quando vista em termos abstratos, a política incrementai parece sermuito

boa. Ela é racionalmente exploratória, quando é associada a seqüências de ten-

tativas de acerto e erro. Em toda controvérsia política, ela diminui a proporção

das apostas e, assim, anima os perdedores a suportar suas perdas, sem quebra dosistema político. Ajuda a manter o vago consenso geral em torno dos valores bá-

sicos (porque nenhuma questão política específica em essência jamais os afronta),o que muitas pessoas acreditam ser necessário para que a forma democrática degoverno tenha aceitação voluntária e generalizada.

Além do mais, na política o incrementalismo, em princípio, não é lento.

Ele não é, portanto, necessariamente uma tática conservadora. Uma seqüência

rápida de pequenas mudanças pode produzir alteração drástica no status quode uma forma mais rápida do que o faria uma grande mudança política, im-plementada apenas uma vez ou outra. Se a velocidade da mudança é o produto

do tamanho do passo pela freqüência do passo, as configurações de mudança

incrementai constituem, em circunstâncias ordinárias, o método mais rápido demudança de que se dispõe. Poder-se-ia, evidentemente, responder que os passos

188 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

por exemplo, muita gente vê os Estados Unidos de alguma forma presos a uma

política incrementai qu e torna seu governo incapaz de enfrentar eficazmente seus

grandes problemas, como a degradação ambiental, a escassez de energia, a infla-ção e o desemprego. Comparto essa preocupação e gostaria de elucidar a relação

deste país com o incrementalismo político.

A política norte-americana e européia ocidental sofre de sérias inabilidades

para resolver seus problemas. Um a delas, particularmente acentuada no s EUA, éa difusão do poder de veto em todo o sistema político. Além dos poderes de veto

encontrados na Constituição e nos procedimentos legislativos, há ainda os pode-

res de veto mais onipresentes que estão consagrados nos direitos de propriedade.

Nã o me refiro aos direitos qu e você e eu temos sobre nossos bens pessoais, mas aosdireitos de propriedade das empresas de negócios, qu e lhes facultam, com a ajudada interpretação jurídica, vetar muitas formas de regulamentação governamental,

a que — não fossem esses direitos — poder-se-ia recorrer para enfrentar nossos pro-blemas. Mesmo os direitos de propriedade sobre informação da s empresas põem

obstáculos no caminho dos reguladores, que não conseguem pôr a mão nos fatosnecessários.

Talvez uma forma melhor de demonstrar esse ponto - simultaneamente

ampliando-o um pouco mais — seja observar um a característica fundamental daspolíticas nos sistemas orientados pelo mercado. Tendo transferido muitas ou a

Maioria das grandes tarefas de organização e coordenação na sociedade às empre-

sas de negócios, sujeitando em seguida os administradores dessas empresas aosestímulos de mercado, e não a suas ordens (o que as regras constitucionais des-S£s sistemas essencialmente proíbem), a única forma de fazer com que as tarefasatribuídas sejam realizadas é dar aos empresários todo o estímulo que os motive

efetivamente a agir. Isso torna esses sistemas políticos incapazes de seguir mui-tos rumos políticos, que - por mais interessantesque possam parecer, para, por

{Xernplo, a conservação de energia ou a proteção ambiental — ameaçam cortar por

ixo os estímulos ao desempenho das empresas.14

Essa feição estrutural particular da política na s sociedades orientadas pelol ercado, ao lado de outras dificuldades na formulaçãode políticas, é muitas vezes

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 189

 

confundida com o incrementalismo político. Não é o incrementalismo que impe '•de de ver, com clareza, nossas dificuldades; é a estrutura dos poderes de veto 'dificulta e torna insuficientemente freqüentes até mesmo as medidas incremen-tais. (Essa mesma estrutura, além do mais, faz com que as iniciativas drásticas,

natureza menos incrementai, setornem ainda mais difíceis - de modo geral, sim.

plesmente impraticáveis.) Se pudéssemos imaginar uma política incrementai sem

os excessivos poderes de veto que atualmente a envolvem, creio que julgaríamos

à vista uma situação potencialmente revolucionária - como a que tiveram umLenin, um Castro ou um Mão, um Samuel Adams ou um Jefferson.

Salvo revolução, deveríamos quiçá tentar fazer então um a reforma cons-

titucional ampla do governo norte-americano? Se fosse possível realizá-la, essaproposta cairia na categoria das políticas dos grandes passos, que forçam ouultrapassam os limites da política incrementai. Eis outros exemplos de grandes

passos: a implantação efetiva de um programa compreensivo de energia, confor-

me desejam o presidente Carter e muitos norte-americanos; ou, em nível local,

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ser a política incrementai um instrumento adequado para lidar de forma maiseficaz com nossos problemas. Se estamos dispostos a comprar essa vantagem pe!0

preço que temos de pagar por ela - um papel menor para asempresas de mercadono sistema -, esta é outra questão.

Outra fonte de timidez na política norte-americana é o conservadorismo

ideológico, que tem sua origem nas muitas doutrinações que fluem daestruturade empresa privada. Muitos líderes políticos, bem como cidadãos comuns, têm

dificuldade de abrir suas mentes para admitir a possibilidade de que a Constitui-

ção norte-americana, com suas muitas restrições à vontade popular, incluindo-se

aí as garantias da Emenda na 14 às empresas, não é um conjunto adequado deregras para lidar com nossos grandes problemas atuais. E igualmente difícil para .

eles permitirem que suas mentes explorem livremente - e reconsiderem suas jus- ;tificativas tradicionais para — a autonomia extraordinária concedida à empresa d e * :

negócios e seu poder de obstruir ou impedir o governo de resolver problemas.

15

.<áEntretanto, um grau elevado de homogeneidade de opiniões políticas tímidas náo|é conseqüência de incrementalismo político. Se há qualquer relação entre os dois,{|o incrementalismo político é antes a conseqüência que a causa.

Creio que esses comentários são superiores à lógica duvidosa que muitosilcríticos do incrementalismo político têm usado: a formulação de decisões poli-5ticas nos Estados Unidos, que é incrementai, é inadequada. Livremo-nos, pois,da política incrementai. Minha cabeça, que está cheia de cabelos, está doendo.l

Tenho de raspá-la.A essa altura seria importante que o crítico do incrementalismo politicosj

mostrasse que, apesar de o incrementalismo não ser a fonte de nossos problernasf

de vetos generalizados e de timidez governamental, ainda assim a política incre-|mental não nos ofereceria uma saída - especificamente, um caminho para reduziros poderes de veto. A essa opinião poderiam serdadas várias respostas. Uma é que>'por mais popular que tenha sido a aspiração revolucionária alimentada por alde nossos jovens mais brilhantes, há apenas de z anos, um a causa revolucionaria!não tem defensores suficientes e militantes potenciais para merecer muita con lsideração. De qualquer modo, é sempre um método não confiável de mudanÇ fsocial, que tanto gratifica como decepciona seus agentes. Hoje já não se apresen

a efetiva reconstrução inteiramente planejada de uma cidade, em termos sociais

e físicos; ou a implementação de uma grande solução integrada contra a degra-

dação ambiental; ou um plano de desenvolvimento realmente operacional paraum país em desenvolvimento. Para muitas pessoas, essas são visões felizes, mas,exceto em raras circunstâncias, elas continuam sendo irrealizáveis. São bombar-

deadas por vetos de todo lado. Excessivos interesses conflitantes destroçam-nas.

;. A solução integrada e operacional de um problema depende da implementação

cabal de um conjunto extenso de compromissos específicos. As probabilidades

de consenso entre as elites políticas ou os cidadãos, em torno desses conjuntos

amplos de compromissos, são extremamente reduzidas.Além disso, entre os que se recusam a fazer acordo estarão muitos líderes

« e muitos cidadãos informados e cautelosos, qu e sabem qu e muitos elementos

; específicos incluídos no programa integrado estão fadados ao equívoco. Eles acre-; ditam que, de qualquer amostra ampla de tentativas empreendidas para resolver' problemas sociais, um grande número sempre acabará por ter errado o alvo oupiorado a situação. Eles hão de preferir ver o sistema político lidar individualmen-

, te com cada elemento. Não que os erros serão evitados, ma s porque cada elemen-

to receberá, em conseqüência, maior atenção e será observado com mais cuidado,

j. com vistas afeeãback e correção.16 É, mais um a vez, porque temos boas razões

para esperar que essas grandes tentativas fracassem se nós procedemos incremen-

; talrnente na política. Não é por causa da política incrementai qu e deixamos de', fezer essas tentativas.

Creio, portanto, que, por mais pobre que seja a política incrementai, ela

; erece a melhor chance de se introduzir no sistema político as modificações e as

\mudanças intermediárias provocadoras de mudança que o cidadão descontentel eseja. Isso não dá grande esperança, mas é o que se pode esperar que propor-Icione o estilo de política norte-americano. Se vivemos nu m sistema concebidol i JT

IP os pais da constituição para frustrar em grande parte a vontade popular, ot- cesso deles ao fazê-lo assim nos faz pensar que, mesmo que tentássemos reali-

urna nova convenção constitucional, as mesmas conseqüências poderiam vir^ acontecer.

190 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise MuMling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «191

 

A política incrementai é também um meio de se introduzir furtivamentemudanças no interior do sistema político. Mudanças importantes na política eno sistema político com freqüência acontecem de forma bem indireta e até sur.preendente para muitos participantes do sistema. A ascensão da grande empresae a expansão do governo burocratizaram pesadamente .a vida moderna - e estaburocratizaçáo invadiu sorrateiramente a vida da maioria dos cidadãos, sem que

eles jamais tivessem debatido a questão ou até mesmo tivessem compreendidoà época a transformação que estava se processando. As mudanças incrementais

política sedivida em formas politicamente perigosas - sempre que entrem em suaagenda política questões mais amplas, que impliquem perdas e ganhos maiores -faz-se necessário, ao que parece, pelo menos mais uma variável: a de quão firmeé a adesão de seus memb ros às várias causas, valores e percepções de seu próp riointeresse.

Nas sociedades contemporâneas, os participantes políticos vinculam-semenos pelos laços flexíveis ou adaptáveis da razão do que p ela doutrinação porintermédio da qual foram criados: pelos pais, pela escola e pelas constantes

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acumulam-se; m uitas vezes, acontecem mais coisas qu e alcança a vista. Se, por urnlado, esta é uma objeção à política increm entai, essa sua característica também

sugere que um reformador habilidoso poderia aprender caminhos de dissimula-ção e surpresa, chegando assim a objetivos que sofreriam resistência efetiva, se seuprograma fosse dado a conhecer em termos mais completos. Essa possibilidadeobviamente levanta importantes questões de moralidade política.

Uma última questão sobre política incrementai: Seria verdade, conformeé mu itas vezes sugerido na literatura de ciência política, qu e as democracias secomprometem com mudanças somente por via de medidas incrementais, en-quanto os governos autoritários conseguem avançar a passos mais largos? Parececlaro que os próprios sistemas autoritários em geral procedem por incrementos.Na verdade, alguns sistemas autoritários são relativamente bem-sucedidos emsuprimir qualquer tipo de mudança política. O ritmo de mudança na UniãoSoviética, por exemplo, seja ele incrementai ou não, não é demon stravelmentemais rápido do que nos EUA e pode até ser mais lento. No entanto, ossistemasautoritários, pelo meno s às vezes, são capazes — aparentemente com mais freqüênciado que os sistemas democráticos — de promover mudanças não incrementais,como ilustram a abrupta coletivização da agricultura, na União Soviética, eo Grande Salto para o Futuro e a Revolução Cultural , na China (bem como oHolocausto e a recente destruição de cidades e o extermínio de grande parte dapopulação no Camboja).

A razão mais comumen te alegada para a incapacidade dem ocrática de agircom vigor com parável, em tantas ocasiões equivalentes, é que a mudança política

não deve ofender o consenso fun dam ental que com preende as regras do jogo e osoutros valores básicos, sem os quais se torna impossível existir um governo demo-crático não coercitivo. Pequenos passos não transtorn am o esquema democrático;grandes passos, sim.

Embora esse argumento possa ser válido, não tem os evidência sólida a seurespeito, e eu o estou achando cada ve z menos confiável. É demasiadamente sim-ples, atribuindo efeitos em excesso a uma única causa. Para que uma comunidade

192 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

propagandas que a mídia promove sobre o estilo de vida norte-americano ( A m e -rican way), a empresa privada, a Constituição e outros fatores. É fácil imaginar

um corpo de cidadãos mais hábil que o nosso para lidar com as grandes questões,porque eles são menos doutrinados, menos vezeiros e mais reflexivos em sua con-sideração dessas matérias - e, particularmente, mais abertos a possíveis formasalternativas de satisfazer suas carências.

Portanto, num futuro bem distante, talvez possa haver passos políticosmaiores — não largos de todo, ma s significativamente menos incrementais do quehoje. Vale a pena pensarmos a respeito, mesmo qu e não possamos prevê-los.

De volta à anál i se incrementai simples

Ao voltar de nossa digressão à política incrementai, para dar continuidadeà apreciação da análise incrementai simples, temos de dar uma satisfação à obje-ção segundo a qual a análise incrementai simples, da mesma form a que a análiseincrementai desconexa, da qual faz parte, estimula o incrementalismo político.O hábito da análise, como se observa tanto em políticos como em professores,leva-nos todos a pensar sobre mudança social de uma forma pequena, tímida econservadora. Estou de acordo, apesar de a causaçáo vir de am bos os lados, e ofenômeno ser algo semelhante a u m círculo vicioso.

No entanto, a correção não significa a supressão ou o abandono da aná-lise incrementai, que continua sendo necessária e útil, por todas as razões arro-ladas anteriormente, m as sim a suplementação da análise incrementai com umareflexão ampla, muitas vezes altamente especulativa e até utópica, sobre suasorientações e possíveis características, próximas e d istantes no tempo. As obrasWalden two , de Skinner, Poverty ofpower, de Commoner , O medo e a liberdade,de Fromm, Modem capital ism, de Shonfield, O Estado n a sociedade capitalista,de Miliband, Um a teoria da justiça, de Rawls, e o Contra to social, de Rousseau,ilustram a variedade de ingredientes necessários, grandes e pequenos, para sepensar sobre política.

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «193

 

Essas análises têm alguns traços especialmente pertinentes. Elas não sãosinópticas - nem mesmo as mais amplamente ambiciosas dentre elas: os diálo-gos, de Platão, ou o Lev ia tã, de Hobbes. Muita coisa é omitida; poucas ques-tões são examinadas a fundo, e delas obtemos não uma conclusão definitivamas novos insights - sobretudo poderosos fragmentos de compreensão. Essesmétodos libertam-nos de procedimentos tanto sinópticos quanto incrementaisde análise.

Além disso, essas obras não nos oferecem um a base sólida para fazer

mútuo entre as facções, encontrado em graus variados em todos os sistemas polí-ticos, expressa-se como uma formulação fragmentada ou grandemente descentra-lizada de políticas, em que os vários participantes, semi-autônom os, influenciammutuamente uns aos outros (como sempre fazem), com a conseqüência de que atomada de decisão política revele certas características interessantes. Uma é a deque as políticas são fruto de ajustamento mútuo; é mais fácil descrever as políti-cas como fatos do que como decisões. Outra é que as políticas são influenciad aspor um amplo espectro de participantes e interesses (comparativamente às que

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escolhas políticas. Não visam a contribuir para a formulação de políticas pelaapuração dos prós e centras das alternativas propostas de decisão. Mas elevam

de modo considerável, o nível de sofisticação intelectual com que pensamossobre política. Por não terem em vista explicitamente problemas de formulaçãode políticas, muitas delas precisam de um trabalho substancial de interpretaçãoe tradução para terem significado prático - como algumas efetivamente acabamtendo para milhões de participantes na formulação de políticas.

Algumas dessas análises libertadoras têm menos o efeito de dar-nos infor-mações do que de despertar nossa consciência, e nisso reside seu grande impactoem nossas mentes. Elas no s dizem o que sabemos, ma s ignorávamos qu e sabía-mos; e o que sabemos, mas até então não tínhamos conseguido to rnar útil.17

Entre os vários tipos de análise que não pretendem ser sinópticos nem in-crementais, há um muito modesto que com freqüência oferece uma contribuição

altamente valiosa para a formulação de políticas. É a análise de uma ou poucasquestões ou variáveis centrais que são críticas às escolhas políticas. O estudo daquestão " P o r que Joãozinho não sabe ler" não é uma tentativa de sinopse nemde análise incrementai, é simplesmente uma tentativa de pôr às claras algumasinformações ou de desenvolver algum entendimento essencial à boa formulaçãode políticas. Essas intervenções modestas, mas criticas ou vitais, de pesquisa, naformulação de políticas, talvez representem a análise profissional em sua formamais proveitosa. Elas oferecem o tipo de contribuição que a pesquisa profissionalestá apta a prestar e deixam a maior parte da avaliação das propostas políticasnas mãos dos políticos e dos administradores, a quem mais compete, por direito,quiçá, fazê-la.

Ajuste mútuo entre interesses sectários e pluralismo

Alguns críticos do incrementalismo não conseguiram entender a distinçãoentre incrementalismo político e o que é denominado e analisado como ajusta-mento mútuo entre as partes em meu livro Th e intelligence ofdemocmcy. O ajuste

194 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

resultam de uma formulação mais centralizada). Um terceiro traço é que a relaçãoentre um a política e suas boas razões é obscura, porquanto os muitos participan-

tes atuarão por razões diversas.Segundo uma quarta característica, apesar da fraqueza ou da ausência deum a coordenação central dos participantes, seus ajustamentos mútuos de muitostipos (dos quais a barganha é apenas um) hão de coordená-los até certo pontocomo formuladores de políticas. Em muitas circunstâncias, seus ajustamentosmútuos alcançam uma coordenação superior, isto é, traduzem uma tentativa decoordenação central, que freqü entem ente é tão complexa que escapa à competên -cia de qualquer coordenador. Essa proposição não nega as falhas óbvias de coor-denação que marcam o governo e são especialmente evidentes em Washington.Apenas afirma que a coordenação, a duras penas alcançada por nossos governos,se deve freqüentemente rnais ao ajustamento interpartidário do que ao esforço de

coordenação central.É possível imaginar uma nação que pratique incrementalismo político sem

qualquer ajustamento mútuo entre as partes, ou com um mínimo de ajustes.Pode-se também imaginar ajustamento m útuo entre partes para uma formulaçãonão incrementai de políticas. Na realidade, os dois encontram-se intimamente in-terligados em todos os sistemas políticos nacionais; ambos têm o efeito de reduziras tarefas analíticas.

O "ajustamento mútuo entre as partes" define precisamente um dos sig-nificados do "pluralismo". As objecoes ao ajuste mútuo entre as partes, muitasyezes expressas como obj ecoes ao pluralismo , com f reqüên cia começam com aalegação de que nem todos os interesses são representados por seus participantese que os participantes não exercem influência proporcional ao número dos ci-dadãos em cujo nome atuam. Quem pode negar tamanha obviedade? Mas esta^ã o é uma objeção convincente contra o ajuste mútuo entre as partes, a menos^u e se possa demonstrar que a decisão política mais centralizada represente umc°njunto mais completo de interesses e o faça de forma mais consistente comPrincípios de igualdade democrática. Em muitos casos, não o faz. Para as pes-s°as comprometidas com democracia, a questão do ajustamento mútuo entre

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «19 5

 

as partes versus as formas mais centrais de formulação de políticas gira, portan-to , parcialmente, em torno de saber qual do s dois consegue lidar melhor co mas formidáveis desigualdades políticas. Como as desigualdades no ajustamentomútuo entre as partes são muito grandes, há quem admita simplesmente qUe

a formulação mais centralizada de decisões represente um avanço. Embora fre-qüente, essa opinião é simplesmente ingênua. Forte autoridade central pode ser- e historicamente tem sido, em caso após caso - um instrume nto p ara protegerdesigualdades historicamente herdadas.

um a lógica não mais cautelosa que a seguinte: não posso usar meu carro, porquete0i um pneu furado; é melhor vendê-lo.

po l í t ica e anál i se

Ao confundir o ajuste mútu o entre as partes com o incrementalismo emsuas várias formas, Charles L. Schultze associou incorretamente a análise incre-

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Uma segunda objeção importante ao ajustamento mútuo interpartes- de novo expressa comume nte como uma objeção ao pluralismo - é de que ele

é fraudulen to. Os vários participantes de fato não representam a variedade deinteresses e valores da população. Em vez disso, compartilham interesses e valo-res dominantes, e suas relações recíprocas desmen tem os que afirmam encontrarno pluralismo uma competição salutar de idéias. No caso extremo, segundoargumentam os críticos, a política é estabelecida por uma classe dirigen te co maparência de diversidade pluralista.

Acho difícil negar que há um grande teor de verdade nessa crítica. Di-vidamos as questões políticas em duas categorias: aquelas relativas às questõespolíticas ordinárias, e aquelas que constituem as grandes questões pertinentes àestrutura fun dam ental da vida político-econômica. A s grandes questões incluemas que se referem à distribuição de renda e de riqueza, à distribuição do poder

político e aos privilégios das empresas. O ajuste mútuo entre as partes atua sobreo primeiro conjunto, isto é, sobre as questões ordinárias (ainda que com víciosde desigualdade na participação e tendências preocu pantes de corporativismo). Jáem relação às grandes questões, o ajuste mútu o interpartes é fraco ou não acon-tece. O tratamento político das grandes questões é governado por um elevadograu de homogeneidade de opinião - e fortemente fundado em doutrinação, euacrescentaria. Como se tem observado com freqüência, graças à homogeneidadede opinião (isto é, à ausência de uma competição de idéias), as grandes questõessimplesmente não são incluídas na agenda.18

Uma terceira objeção contra o ajuste mútu o interpartes acaba sendo umaobjeção à forma particular que ele toma em muitos países, até mesmo nos EUA.

Trata-se de uma forma em que, embora nenhum dos participantes possa iniciaruma m udança isoladamente, muitos o u todos p odem vetá-la. Isso não é essencialao ajuste mútuo entre as partes, mas é a forma como a praticamos no s EUA. Essefato levanta a possibilidade de que uma resposta estudada para as imperfeiçõesexistentes na formulação de políticas via ajuste mútuo entre as partes pod eria exi-gir que se mudasse sua forma ou suas regras dominantes, em vez de tentar supri-mi-la. Os críticos do ajustam ento mú tuo interpartes às vezes parecem sucum bir a

196 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

mentai (especificamente, o incrementalismo desconexo) com as rudezas e as irra-cionalidades da "política" e equiparou suas formas mais convencionais de análise,

pretensamente sinópticas, à "análise" em si.19 Se conseguisse su stentar sua idéia- de que o incrementalismo resolve os problemas pelo poder, e seus métodos osresolvem com o cérebro -, ele obteria uma vitória fácil em seu ataque ao incre-mentalismo. Mas ele cometeu pelo m enos dois erros.

Em primeiro lugar, o incrementalismo analítico é análise. Não é simples-mente uma substituição de política por análise. O "incrementalismo" designa os

três tipos de análise discutidos antes — que são métodos mais modestos que osendossados por ele, mas ainda assim são métodos de análise. O que ele deveriater dito é que o ajuste mútuo entre as partes é, até certo ponto, uma substituiçãode política por análise, mas não incrementalismo. A coordenação de participan-tes é, em grande parte, deixada a suas interações políticas recíprocas e, em todo

caso, não é uma coordenação analítica dirigida centralmente, como seria se fosseidealizada por um coordenador suficientemente cerebral. Seus padrões de inte-ração podem ser deliberados - isto é, várias autoridades podem ser solicitadas ainteragir — ou os padrões podem se formar de modo não intencional. Em ambosos casos, sua coordenação emerge dos efeitos políticos que os afetam reciproca-mente, e não de uma coordenação centralmente analisada.

Incrementalismo à parte, o segundo erro de Schultze consiste em deixar es-capar o significado dos compon entes analíticos do ajustamen to mútuo interpartese> na verdade, de toda a "política". No ajuste mútuo entre as partes e na política

em geral, os participantes recorrem intensame nte à persuasão para se influencia-rem uns aos outros; por isso, eles estão constantemente envolvidos em análisesque visam a descortinar fundamentos para converter seus adversários políticos, ou°s participantes in diferen tes, em seus aliados ou em seus simpatizantes.

É este tipo de análise — a análise parcial que visa a influenciar o ajuste mú -tuo — um a forma adequada de reunir informações e conhecimentos para a formu-taçãode políticas? O conceito histórico da competição de idéias reconhece, pelorftenos vagamente, sua importância. Os procedim entos adversários, nos tribunaisClvis, mostram nossa extrema dependência dela, em algumas espécies de tomada

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «197

 

de decisão. Toda contribuição que os grupos de interesse dão à formulação depolíticas, em grande parte, eles a fazem mediante a análise parcial. Eu até achqu e a análise parcial é o ingrediente analítico mais característico e também o ma iprodutivo à política. A formulação de políticas pode se tornar mais competente 'medida que se tenta compreender de forma mais completa como a análise parcialpoderia ser aprimorada e não restringida, conforme parece insinuar Schultze.20

Finalmente, eu gostaria de evocar aspossibilidades ainda pouco exploradasda formulação inteligente e democraticamente responsável de políticas que exis-

ropósito se tenha servido com o esclarecimento das estratégias incrementais denálise e formulação de políticas, fazê-lo representava para mim apenas acres-entar um toque de articulação e organização às idéias que já circulavam am-larnente. Também não entendi bem a freqüência com que se resiste à análise

•jicremental como norma. Ainda me parece quase óbvio que os problemas com-plexos não possam ser analisados em sua totalidade, e que precisemos, portanto,de estratégias para uma parcialidade competente.

Pensei que havia me aventurado em território estranho a todos os cientistassociais e administradores somente quando assinalei que a fragmentação da formu-

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formas), na política incrementai e no ajustamento mútuo interpartes, incluindoa

análise parcial. Essas possibilidades são percebidas, ma s não inteiramente elabora-das, na obra Representative government , de John Stuart Mill, e e m outros tratadosliberais que versam a respeito de uma competição de idéias associada à educaçãopolítica via participação política. De forma mais surpreendente, elas aparecemnopensamento maoísta, com sua ênfase na obtenção do crescimento econômico,não pelo ajuste afinado do desenvolvimento via cúpula, mas pelo acionamentoamplo da inteligência e dos incentivos mediante a fragmentação de responsabi-lidades e a acumulação de ganhos incrementais crescentes.21 Os mesmos insights,novos ou relembrados, agora brotaram da tradição da ciência econômica orto-doxa, em conseqüência de uma nova linha de desenvolvimento, elaborada por

Harvey Leibenstein, e de seu conceito de eficiência-X. 22 Mais significativos ainda

para os céticos do incrementalismo e d o ajuste mútuo entre as partes são nossosnovos insights a respeito de como a ciência funciona. A formulação convencio-nalmente sinóptica ou "científica" de políticas acaba se revelando definit ivamentenão consistente com a ciência.

Michael Polanyi, Lakatos e Kuhn, entre outros, vêm mostrando, em seutrabalho científico, que as próprias comunidades científicas caracteristicamentepraticam tanto o incrementalismo como o ajuste mútuo interpartes, se bem que

com outros nomes.23 Até as "revoluções" científicas", de Kuhn, são realizações deincrementalistas parciais. Suas reconsiderações de como se pratica a ciência são,creio, objeçóes conclusivas ao ideal sinóptico.

Pós-escrito

Jamais compreendi bem por que o incrementalismo, em suas várias for-mas, veio a ter um lugar tão proeminente na literatura sobre formulação de po-líticas. O artigo original da Public Administration Review (PAR) foi reimpressoem aproximadamente quarenta antologias. Sempre pensei que, embora algum

lação de políticas e a conseqüente interação política entre os muitos participantesnão são apenas métodos para dobrar o poder (como têm sido vistos numa lon-ea tradição de pensamento, que inclui tanto Montesquieu como os fundadoresda república norte-americana), mas são métodos, em muitas circunstâncias, paraelevar o nível de informação e racionalidade a influir nas decisões. Isso me levoua examinar a análise de políticas como um processo social em si mesmo, não li-mitado ao que vai na cabeça do analista e, portanto, ao conceito de "inteligência"do ajuste mútuo entre as partes.

Também imaginei que era útil elaborar as formas em que os problemas so-ciais muitas vezes podem antes ser encarados (não bem, mas com um pouco me-nos de incompetência) pelas "resultantes" de interações do que pelas "decisões" dealguém que entende do problema em mãos. Se o jogo de "cara ou coroa" permiteresolver melhor alguns problemas do que podem as tentativas, fúteis, de analisaro que não é analisável (ou tentativas vãs de análise, quando há total carência deinformações), então nã o constitui surpresa qu e várias formas de interação socialpossam às vezes lidar melhor com problemas do que pode a análise, ainda maisquando esta é, quando muito, apenas um a análise grosseiramente incompleta.Nem sempre é necessário entender o problema social para aliviá-lo - um fatosimples, mas ainda largamente negligenciado.24

Em vez de querer estimular diferentes tentativas de questionar a utilidadeda análise incrementai e do ajustamento mútuo entre as partes, inicialmente eutinha a esperança de que o artigo da PAR e as publicações subseqüentes esti-mulassem os colegas a tentar articular outras estratégias qu e evitam a aspiração

impossível da sinopse, formular mais precisamente o incrementalismo desconexocorno essa estratégia e modelar o ajuste mútuo entre as partes como mecanismode "racionalidade" social, e não, como tem sido historicamente, um mecanismopara controlar a autoridade central. Estas expectativas mostraram-se totalmenteilusórias.

Alguns de meus colegas me dizem que não entendem como, ou se eu efeti-vamente concilio a visão benigna de pluralismo, presente em meu trabalho sobrelficrementalismo e ajuste mútuo entre as partes, com o ceticismo em torno do

198 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Muddling t hr ough 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 199

 

pluralismo, expresso em meu trabalho mais recente intitulado Política e mercadose sua ênfase sobre uma cidadania doutrinada e a influência e poder político des-

proporcionais que os negócios exercem sobre a política. Estou enganando a mim

mesmo ao acreditar que segui uma linha consistente de pensamento? Como já

observei, as questões políticas que entram na agenda política, nas assim chamadas

democracias ocidentais, são quase inteiramente questões secundárias, e sua for-

mulação decisória é de fato pluralística, mas flagrantemente adernada. Quanto às

grandes questões, que raramente entram na agenda, o pluralismo é fraco a ponto

a. Identificar e organizar, em relação coerente, a meta e os valores incidentais perti-

nentes à decisão política a ser feita.b. Identificar todas as importantes propostas políticas que poderão realizar os valores.

c. Analisar todas as possíveis conseqüências importantes de cada proposta política

considerada.

d. Escolher a proposta política cujas conseqüências se identificam melhor com o

passo a ..

4 O único aprofundamento significativo da idéia do incrementalismo que poderia

reivindicar para mim nesse meio tempo é a tentativa de colocar o incrementalismo,

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de ser invisível. É verdade que os estudos anteriores enfatizam o que funciona

(mesmo que mal) na política, e os mais recentes, o que não funciona (se bem que

persista). Em ambas as fases ou etapas, procurei por mecanismos semi-ocultos.A única coisa que acho errada em relação às duas etapas é sua ordem. Temo que

tenha me tornado mais ousado somente com a idade, embora prefira negar essa

interpretação. De qualquer modo, as pressões e as influências sutis dos colegas

de academia são poderosas no desenvolvimento do ensino e dos trabalhos acadê-

micos de um pesquisador. Se nos opomos a ceder-lhes em relação ao que acredi-

tamos, acabamos, quase inconscientemente, muitas vezes, cedendo naquilo quedecidimos estudar.

Para um incrementalista desconexo, nunca existe última palavra; e esta não

pretende ser a "última palavra sobre incrementalismo" - o que de vez em quando

tenho sido convidado a fazer. Tenho apenas uma compreensão limitada sobre

os conceitos discutidos aqui. Tendo me ocupado por alguns anos com políticae mercados, havendo, assim, direcionado meu interesse para a pesquisa maisex-

tensa do incrementalismo, voltei agora ao estudo do conhecimento e da análise

para a formulação de políticas e outras formas de solução de problemas sociais.25

"Com ou sem muito esforço ou planejamento", espero sempre chegar a algum

sucesso satisfatório.

Notas

1. Agradeço a James W. Fesler, David R. Mayhew e Edward W. Pauly por seus bonscomentários a uma versão anterior.

2. Tenho agora a oportunidade de agradecer a William B. Shore, ex-diretor execu-

tivo da revista, por ter intitulado meu artigo de 1959 com os termos "The science oi

muddling through" (Public Administratwn Review, v. 19, 1959), um título que talvez te-nha contribuído tanto quanto o próprio conteúdo para a atenção que o artigo recebeu.

3. Especificamente, são os seguintes os passos convencionais, com os refinamentos ade'quados para lidar com probabilidades:

bem como o ajuste mútuo entre as partes, na história intelectual, mostrando que ele

se ajusta a um modelo semi-implícito de "boa"organização social de larga circulaçãoe é contestado por outro. Ver o capítulo: Sociology of planning: Thougth and social

interaction, BORNSTEIN, Morris (Ed.). E c onomic p lann ing , Ea s t and West. Cam-

bridge, Mass.: Ballinger, 1975, que foi subseqüentemente revisto e transformado nos

capítulos 19 e 23 de meu livro Política e mercados: os sistemas políticos e econômicos

do mundo. Rio: Zahar, 1979. Nos anos intermédios, também explicitei o incre-

mentalismo desconexo em mais detalhe, incluindo junto à extensa discussão uma

análise de certos problemas tomados do discurso filosófico, em David Braybrooke e

Lindblom, Thestrategy ofdecision (New York: Free Press, 1963). Também desenvolvi

a correspondente análise do ajuste mútuo entre as partes, em T he intelligence ofde-

mocracy (New York: Free Press, 1965).

5. E de forma mais completa em Braybrooke e Lindblom, A strategy ofdecision, cap. 5 .6. A título de ilustração, os estratagemas mais conhecidos incluem formas como ten-

tativas de acerto e erro, rompimento de gargalo, limitação da análise a umas poucas

propostas, rotinização de decisões e recurso à decisão em situações de crise, entre

outros.

7. No artigo de há vinte anos, a sinopse chamava-se método da "raiz" (em oposição ao

método da "ramescência", que era outro termo para incrementalismo).

8 . A que se somam todas as complicações da análise axiológica que decorrem do caráter

evasivo dos valores e de sua resistência à verificação "científica".

9. SIMON, Herbert A. Models ofman. New York: John Wiley, 1957, p. 198.

10. Além disso, uma alternativa para o incrementalismo praticado é o incrementalismo

mais competente: por exemplo, dar mais atenção à monitorizaçáo de políticas como objetivo de obter feedback e correção.

H. SIMON, Herbert A. "A behavioral model of rational choice". Quarterly Journal of

E co no mi cs , v. 69, Feb. 1955.12. DROR, Yehezkel. Public policymaking reexamined. San Francisco: Chandler, 1968,

cap.14; ETZIONI, Amitai. Mixed-scanning. Public Adminis tration Review, v. 27,

1967.

200 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «201

 

13. Em LAPORTE, Todd R. (Ed.). Organizedsocial complexity. Princeton, NJ : Prince-ton University Press, 1975. p. 70.

14. Desenvolvido com mais detalhes em Política e mercados, parte V15. Ver Política e mercados, cap. 15 e 17.

16. Esta afirmação estou disposto a reivindicar a mim, apesar da s óbvias debilidadesdamonitoração dos resultados para fins de feedback e correção qu e marcam a maioparte da formulação incrementai de políticas.

17. Sobre a consciência como uma das duas formas de conhecer, ver uma discussão es-

clarecedora, em: GOULDNER, Alvin G. Th e c o m i n g crisis of Western sociology. Ne w

Comentário

Além da "raiz" e da "ramescência": por uma nova ciência para a

formulação de políticas públicasCharles M. Dennis*

Desde o final da década de 1950, os cientistas sociais vêm concentran-

do esforços sistemáticos de análise e elaboração teórica para determinar como se

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York: Basic Books, 1970. p. 491-495; Enter Plato. Ne w York: Basic Books, 1965

p. 267-272.18 . BACHRACH, Peter; BARATZ, Morton S. The two faces of power. 56 American

Poli t ical Science Review, Dez. 1962.

19. SCHULTZE, Charles L. Th e politics and economia ofpublic spending. Washington,D. C.: Brookings, 1968, cap. 3, passim.

20. Para um enunciado mais completo das razões, ver: LINDBLOM, Charles E. O pro-

c e s s o de decisão política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981. Schultze eeu concordamos pelo menos em torno de alguns benefíciosque se pode ter com umtipo de participante parcial - "o partidário da eficiência" interessado empesquisa.Mas é apenas a esta categoria muito especial de, partidário, ilustrada pelo economistaprofissional ou pelo analista de sistemas, qu e Schultze demonstra apreço elevado.

21. Minha própria reflexão é devida a Albert O. Hirschman, que me alertou cedo sobrea importância dos incentivos, além da capacidade intelectual, para a resolução deproblemas complexos. Ver: HIRSCHMAN, Albert O.; LINDBLOM, Charles E.

"Economic development, research and development, policy-making: Some conver-ging views". Behavioral Sience, Apr. 1962.

22 . LEIBENSTEIN, Harvey. Allocative efEciency vs. X -eficiency. American Economic

Review, v. 56, Jun. 1966. Também seu Beyond economic man. Cambridge, Mass.:Harvard University Press, 1976.

23. POLANYI, Michael. Th e republic of science. Minerva, v. I, out. 1962; LAKATOS,

Imre; MUSGRAVE, Alan (Ed.). Cristicism and the growth ofknowledge. Cambrid-ge : Cambridge University Press,1970; KUHN, Thomas S. A estrutura da s revoluções

científicas. São Paulo: Perspectiva, 1978. Para um estudo empírico e detalhado sobreo incrementalismo, o ajustamento mútuo interpartes e a análise parcial - especial-mente sobre a última - ver também MITROFF, lan. T he subjective side of science.New York: Elsevier, 1974.

24. Mais desenvolvido em: LINDBLOM, Charles E.; COHEN, David K. Usable k n o -wledge. Ne w Haven: Yale University Press, 1979. p. 19-29.

25. A título de introdução, Lindblom e Cohen, Usable knowledge.

202 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

formula políticas, quer públicas ou privadas. Pode-se encontrar a origem desses

esforços no artigo seminal de Charles E. Lindblom "The science of muddlingthrough", publicado pela primeira vez no início de 1959, na Public Adminis-

tration Review (LINDBLOM, 1978). Vinte anos mais tarde, Lindblom (1979)

retomou seu trabalho pioneiro com a finalidade de refinar seus argumentos.

O objetivo deste breve comentário é rever esses artigos de Lindblom com a fi-

nalidade de: a) identificar os principais pressupostos latentes que sustentam os

ins ights de Lindblom e mostrar como esses pressupostos subentendidos levaram

a busca teórica a um beco sem saída;1 b) reformular o empreendimento teórico

sobre uma base alternativa de ciência social; e c) delinear os parâmetros de uma

nova ciência para a formulação de políticas com base nas obras de Alberto G. Ra-

mos, sobretudo em seu livro A nova ciência das organizações: uma reconceituação

da riqueza das nações.

* Charles M. (Mike) Dennis participou, durante mais ou menos quarenta anos, no processo deformulação de políticas públicas em governos municipais, tendo exercido diversos papéis em

várias arenas políticas: planejador urbano, diretor de pesquisa e analista de orçamento público,

analista orçamentário numa repartição central de orçamento, gerente de contratos em progra-mas de saúde, diretor de orçamento numa entidade de saúde mental e consultor financeiro

do setor privado junto a vários órgãos públicos. A partir de 1983, foi o diretor financeiro e

o controlador do município-cidade de Santa Mônica, Califórnia, nos Estados Unidos. Nessaposição, concebeu e implementou sistemas de alocação e administração de recursos, visandoao desenvolvimento de sistemas sociais multicêntricos com o uso de verbas e técnicas diver-sas de participação do cidadão nos processos orçamentários e, ultimamente, com a criação de

parcerias colaborativas com outras entidades do setor privado, público e sem fim lucrativo, e oemprego da tecnologia de computação e telecomunicação. Mike Dennis estudou sob a orien-tação do professor A. G. Ramos e auxiliou-o na preparação do livro A nova ciência das or gani -zações: uma reconceituação da riqueza das nações. Tem alguns de seus estudos publicados nas

revistas Adminis trat ion ó1 Society e National Ta x Journal, e lecionou administração pública na

University of Southern Califórnia (USC) e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),em Florianópolis. Formado em Ciência Política, tem mestrado em Administração Pública pelaUniversity of Califórnia Los Angeles (Ucla) e doutoramento incompleto em Administração

Pública, na USC, em Los Angeles.

Muddling thwugb 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 203

 

Pressupostos subentendidos naciência da decisão incrementai

Não é possível compreender como os artigos de Lindblom, de 19591979, definiram e ao mesmo tempo limitaram o escopo dos estudos subseqüentes a respeito do desenvolvimento da teoria que trata da formulação de políticas

sem que se examine os principais pressupostos latentes sobre os quais sua obrasealicerça.

campo de atuação da repartição ou da estrutura política e social em que se devetomar a decisão, be m como todas as possíveis propostas políticas ou os fluxosde meios-e-fins qu e possam levar à concretização desses valores e objetivos. Emseguida, o formulador de políticas seleciona a proposta ou as propostas políticasque permitem maximizar a realização dos valores e dos objetivos pretendidos.Lindblom, porém, raciocina que o modelo da raiz é simplesmente inatingível,porque: a) o formulador de políticas defronta-se não só com a busca de valoresc objetivos impossíveis de serem conhecidos, ma s também com valores e obje-tivos conflitantes; b) é impossível a ele saber como avaliar ou ponderar esses va -

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Conc e i to de racionalidade

Tomemos inicialmente o conceito de racionalidade. Para fins da presenteanálise, devemos considerar a racionalidade sob duas perspectivas: uma substan-tiva e uma funcional. Define-se a racionalidade substantiva como o processo deestudo ordenado e d e identificaçãodo s padrões de ordenamento da vida humanaassociada que são auto-evidentes ao indivíduo, independentemente das estrutu-ras políticas e sociais específicas em cujo seio o estudante tenha de operar. Essespadrões nã o derivam e não dependem da opinião da maioria ou do resultadoda interação entre interesses divergentes. Eles são verdadeiros e auto-evidentesquando a pessoa se liberta da s restrições que, necessariamente, decorrem de suascondições históricas particulares. Entretanto, define-se a racionalidade funcional

como o estudo sistemático, que é moldado e limitado pelos modos de pensarprescritos e entranhados nas estruturas políticas e sociais específicas. A racionali-dade funcional é necessária para o emprego eficiente e eficaz do s recursos, a fim deque se possa alcançar os resultados desejados no interior dessas estruturas políticase sociais. Quando, no entanto, se rejeita ou se confunde e funde a racionalidadesubstantiva com a racionalidade funcional, o "é" torna-se determinante daquiloqu e "deve ser". Lindblom comete esse erro fundamental.

Lindblom começa apresentando dois modelos de formulação de polí-ticas: o modelo "racional-compreensivo (d a raiz)" e o modelo da s "sucessivascomparações limitadas (da ramescência ou muddl ing througti)" (1978, p. 204).Embora, em seu artigo de 1979, ele tenha deixado de referir-se ao s dois mo -delos de formulação de políticas com as palavras "raiz" e "ramescência", eu asus o neste comentário com o intuito de simbolizar o quanto Lindblom estavaaparentemente inconsciente do s pressupostos latentes qu e tanto influenciaramseu trabalho nessa área, e o quanto ele se empenhava em articular questõesde grande complexidade recorrendo a conceitos ou a noções assaz simplistas.O modelo da raiz exige que o formulador de políticas primeiramente identifi-que os valores e os objetivos qu e constituem o objeto de interesse próprio ao

204 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

lores e objetivos; e c) não há uma teoria empírica confiável qu e possa informar

ao formuladorde políticas qual seria a proposta política mais útil para o alcancedo s valores e dos objetivos almejados.

Diante desses problemas aflitivos, Lindblom conclui então que o for-mulador de políticas deve —e de fato assim o faz — orientar-se pelo modelo daramescência de formulação de políticas, em que de forma simples ele compa-ra marginalmente as propostas políticas competitivas, em termos do quantoelas se aproximam daquilo que os representantes e o s observadores do processopolítico, em sua maioria, concordam qu e seja a "melhor" política. Lindblomargumenta:

Qual será então o teste de uma "boa" política? Para o método da raiz não

existe teste. Não havendo concordância sobre objetivos, não haverá padrão de

"correto". Segundo o método das sucessivas comparações limitadas, o teste con-

siste no consenso obtido em torno de uma proposta política, e este consenso

continua sendo possível, mesmo que não haja acordo sobre valores [...] Se a

concordância direta sobre uma proposta política (o critério de uma "boa" polí-

tica) parece ser um sucedâneo fraco para testá-la frente a seus objetivos, deve-se

lembrar que os próprios objetivos somente têm validade quando são escolhidos

de forma consensual [...] Por isso, num importante sentido, não é irracional o

administrador que defende como sendo boa uma certa proposta política, mas

não é capaz de especificar para o que ela é boa (1959, p. 207).

Portanto, Lindblom não só rejeitou a racionalidade substantiva, ao equi-parar a racionalidade co m aquilo qu e funciona na prática, m as também redu-ziu se u conceito de racionalidade funcional a uma mera sombra da mesma.Em lugar nenhum encontram-se estratégias e métodos para aprimorar decisõesfuncionalmente racionais, mediante a mera remodelação dos contextos e dos

processos institucionais, políticos e sociais de formulação da s decisões.

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 205

 

Sistema democrático à guisa de mercado

Lindblom argumenta adiante que não só o modelo da raiz é inatingível

mas que se deve dar preferênciaao modelo da ramescência, especialmente quandoa questão política em jogo diz respeito a um problema complexo. Deve-se preferiro modelo da ramescência porque ele permite, de duas formas, que o forrnula-dor de políticas simplifiqueo problema complexo: primeiramente, a comparação

entre propostas alternativas limita-se apenas às propostas políticas qu e diferempouco em relação às políticas vigentes; depois, as outras possíveis conseqüências

gncurralamento teórico

Esses dois pressupostos latentes permaneceram em grande parte sem arti-

culação nos artigos de Lindblom. Em conseqüência disso, os artigos definiram elimitaram o escopo de toda a investigação teórica subseqüente sobre formulação

de políticas apenas ao modo de se proceder para superar o modelo da ramescên-

cia (isto é, das sucessivas comparações limitadas ou do incrementalismo e suas

variações), e dessa forma aproximar-se mais do modelo da raiz (isto é, racional-

compreensivo). Assim, vemos Dror (1964; 1968) apresentar o que chamou de

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das propostas alternativas devem ser ignoradas.

Afirma Lindblom qu e essas estratégias de simplificação não prejudicam oprocesso de formulação de políticas, porque as mudanças políticas ncrementais

devem ser preferidasàs não-incrementais na medida em que elas ajudam a garan-tir a estabilidade do sistema de formulação de políticas e produzem resultados po-

líticos mais previsíveis e, portanto, mais administráveis. Além do mais, Lindblom

sugere que se deve preferir o uso das sucessivas mudanças incrementais, em vezdo recurso a mudanças políticas descontínuas e fundamentais, porque: a) ao darcontinuidade a seqüências anteriores de mudanças incrementais, o formuladorde políticas sente-se mais seguro de que as novas mudanças incrementais irãoproduzir os efeitos desejados; b) reduz-sea necessidade de grandes avanços polí-

ticos porque sempre haverá oportunidade para outras mudanças incrementais; e

c) o formulador de políticas terá mais capacidade de testar a eficácia daspolíticasanteriores e de remediar os erros políticos cometidos no passado. Entretanto, por

trás desses argumentos de Lindblom se esconde seu segundo pressuposto latentefundamental, de acordo com o qual existe, de fato, uma estrutura política e so-

cial particular em que se valoriza a mudança política incrementai, porquanto el aajuda a manter o consenso amplo em torno do valor da continuidade dessa mes-

ma estrutura política e social. Mais tarde, em 1979, Lindblom reconheceu que

estabelecera um a conexão íntima entre a formulação incrementai de políticasea forma pela qual os regimes democráticos praticam a política incrementai.1M asele nã o avançou o bastante. Um a explicitação cabal requer que se reconheça que apolítica incrementai praticada pelos regimes democráticos - com base em seu res-

pectivo modelo incrementai de formulação de políticas —depende de modos depensar a respeito da matéria política dominados por pressupostos que são neces-

sários e alimentados por uma economia tocada a mercado, como, por exemplo-'a) a negação da racionalidade substantiva; b) a crença de que a livre interação

entre os participantes do processo — cada qual perseguindo seu auto-interesse

- proporciona o melhor resultado para o indivíduo e para a sociedade; e c) osinteresses devem ser medidos e ponderados em termos quantitativos.

206 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

"modelo ótimo de formulação de políticas", o qual inclui não só a noção de uma

"metaformulação de políticas", em que a mudança do contexto institucional deformulação de políticas serve para trazer vários conjuntos de valores à considera-

ção do processo de formulação de políticas, ma s também cria espaço para "fatoresextra-racionais", como a intuição, na formulação de políticas. Etzioni (1967) in-troduz sua estratégia de abordagem mista para a formulação de políticas, a qual

concilia as vantagens do s modelos da raiz e da ramescência (isto é, varre-se oespectro da s propostas políticas para identificar aquelas qu e parecem promisso-

ras e podem então ser submetidas a análises adicionais), e reconhece que a mera

concordância sobre a "melhor" proposta política pode ser significativamente in-

fluenciada pelo poder diferenciado daqueles que têm a chance de participar no

processo de consenso. Na tentativa de aproximar-se ainda mais do modelo de

Lindblom, Gershuny (1978) sugere um modelo de "sondagem mista iterativa"para a formulação de políticas, no qual propõe que o processo de formulação de

políticas deve distinguir entre a racionalidade prática (isto é, técnica), inerente em

todas as estratégias de tomada de decisão, e a racionalidade da "metaformulação

de políticas", (isto é, política), necessária à determinação da estratégia de decisão

apropriada à situação que se apresente.Entretanto, a insistência em simplesmente seguir esse caminho para desen-

volver um modelo de formulação de políticas tem levado a um encurralamentoteórico, como explicam Sternberg (1989) e Saasa (1985).

Sternberg observa que esta busca de modelos para a formulação de polí-

ticas aconteceu no período posterior à I I Guerra Mundial, quando se viu surgir

°s grupos de interesse e a política tecnocrática, que promoveram cada qual seuspróprios paradigmas para a formulação de decisões, a saber: o incrementalismoe asvárias técnicas de racionalismo calculado (conhecidas como "metodologia").

Ele conclui que nem o incrementalismo nem a metodologia são adequadamente

consistentes com os fatos históricos, e os dois também não são úteis como mo-delos objetivos para a formulação de políticas. "...[Tjanto a metodologia quan-

titativa como o incrementalismo desconexo estão recorrentemente presentes nas

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 207

 

estruturas que os tornam possíveis; eles estão intimamente associados com ahistória" (1989, p. 75). Os dois têm funcionado, até certo ponto, em virtude

das circunstâncias e das estruturas sociais e políticas específicas. Conforme ar-gumenta Sternberg, a solução para esse beco sem saída consiste em que "[...]

os formuladores de políticas devem ver com horizontes mais largos o caráterhistoricamente circunscrito de todas as convenções celebradas, e reconhecer que

a própria escolha dos acordos a celebrar é matéria de debate e reflexão" (1989p. 75-76).

De maneira semelhante, Saasa argumenta que nem a estratégia incremen-

teoria Af e teoria P, como pressupostos fundamentais da ciência social. A teoria

/V " postula que: a) tudo o que aconteceu ou acontecerá resulta necessariamentedo jogo entre causas absolutamente necessárias; b) é possível o conhecimento

sinóptico da s causas necessárias; c) a possibilidade é meramente um a ilusão

devida à nossa atual falta de conhecimento; e d) a tarefa da ciência social, en-

quanto praticada por um cientista social espectador, consiste em "[...] determi-

nar os pré-requisitos ou requisitos para a sua realização [isto é, para a realização

daquilo que irá necessariamente acontecer], com base naquilo que já aconteceu"

(1970, p. 38). Dessa forma, a teoria P postula que: a) o que aconteceu é apenas

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talista nem a racional-compreensiva são úteis ao s países em desenvolvimento,

pois as condições de desenvolvimento societário desses países não condizem comas condições requeridas para a implementação efetiva dessas duas estratégias.O incrernentalismo requer que as políticas vigentes sejam aceitáveis em geralaos formuladores de políticas e aos cidadãos, que a natureza dos problemas em

questão seja estável ao longo de um período extenso de tempo e que os meios

necessários à solução do s problemas sejam providos de forma relativamente con-

tínua. O modelo racional-compreensivo exige que haja informações adequadas

prontamente disponíveis e que a transformação contínua dos valores e das metas

subjacentes a uma sociedade não seja muito acelerada. Nos países em desenvolvi-

mento, essas condições requeridas simplesmente não existem. Saasa conclui que

"[...] para seobter um modelo geral de formulação de políticas, que seja aplicável

a todos os casos, talvez se necessite de uma síntese teórica dos pressupostos devários modelos" (1985, p. 318).

Para sair desse encurralamento teórico, precisamos rejeitar os dois pres-

supostos latentes, que sustentam os artigos de Lindblom, e reorientar a buscateórica em torno de dois pressupostos alternativos: o de que a racionalidade

substantiva oferece a fundamentação necessária à ciência da formulação de po-líticas, e o de que o mercado é apenas um entre os vários enclaves societários

qu e podem prover um marco conceituai e institucional para a formulação depolíticas. Entretanto, para fazer essa transição, temos de primeiramente pesqui-

sar mais a fundo o que estou chamando de nível dos pressupostos fundamentais

que se referem ao s alicerces da própria ciência social. É disso qu e vamos tratar

agora.

Pressupostos fundamentais da ciência social

Em sua análise e crítica às teorias da modernização e do desenvolvimento,

Ramos (1970) traça as características ideal-típicas das assim chamadas, por ele,

208 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

um a entre muitas possibilidades objetivas que poderiam ter acontecido; b) a

interação entre a escolha humana e as possibilidades objetivas inerentes no mo-

mento leva ao que aconteceu e ao que acontecerá; e c) a tarefa da ciência social,

enquanto praticada por um cientista social participante, consiste em descobrir

no momento presente "[...] o horizonte de suas possibilidades, com vistas acontribuir para a participação humana na construção da história e para a trans-

formação consciente das sociedades contemporâneas" (1970, p. 38).

As elaborações teóricas de Lindblom a respeito da formulação incremen-

tai de políticas recaem claramente no terreno da teoria N. Para Lindblom, oincrernentalismo preenche a lacuna deixada por nossa incapacidade de atingir oideal racional-compreensivo. Ele não se preocupa tanto com a noção das possi-

bilidades objetivas da teoria P, mas, antes, com a melhor forma de chegar mais

próximo do conhecimento sinóptico inatingível. Vendo para onde nos levaramos pressupostos fundamentais da teoria T V , tentemos tomar a teoria P como

fundamento para nossos pressupostos latentes alternativos.

Ramos, mais um a vez, define "possibilidades objetivas" — expressão cunha-

da por MaxWeber — com os seguintes termos:

As possibilidades objetivas são na verdade conjeturas, mas conjeturas cuja im-periosidade pode ser demonstrada por um conhecimento positivo e controlável

dos acontecimentos; não refletem "nossa ignorância ou conhecimento incom-

pleto" [Weber] dos fatos [...] A burocracia, enquanto tipo ideal, não é algo

que tenha de acontecer "necessariamente", mas representa uma possibilidade

objetiva (l970, p. 29).

Essas conjeturas a respeito das possibilidades objetivas provêm do que Ramos

chama de participação num processo de contextualismo dialético:

[...] [A ] teoria P — ao admitir que não há causas absolutamente necessárias

e que as escolhas humanas estão sempre em interação com fatores objetivos

para que se produzam os acontecimentos - garante que a nossa compreensão

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 209

 

da realidade é sempre limitada por restrições contextuais, isto é, ela dependenecessariamente de tentativas e erros e ganha mais precisão mediante urnaespécie de dialética de participação e retraimento, numa série de conjeturasque são "tentadas, alteradas e tentadas em suas formas alteradas e novamentealteradas, e assim por diante"; ou, em outras palavras, "num vaivém entre o

concreto e o abstrato, tentando uma mudança aqui e um sistema acolá". Des-sa forma, a teoria P, ou o contextualismo dialético, supõe que a compreen-são da realidade exige uma relativa participação na mesma (RAMOS, 1970,p. 47-48).

Prescrição

Economia

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Isolado

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Com as ferramentas do conceito de "possibilidades objetivas" e do processode "contextualismo dialético", estamos preparados para aplicar um entendim entode teoria P à ciência social, visando a definir um novo escopo de pesquisa para ateoria que trata da form ulação de políticas; um escopo de pesquisa construído empressupostos latentes alternativos.

Uma nova ciência para a formulação de políticas

O foco de atenção da nova ciência para a formu lação de políticas procuraidentificar, median te o processo do contextualismo dialético, as possibilidades

objetivas inerentes nas circunstâncias dadas e implementar as que nos aproxi-ma m mais de uma forma de vida qu e represente a realização concreta do s padrõessubstantivos de ordenamento da vida humana associada. Mas sobre qu e basesdevemos identificar um a possibilidade objetiva? Aqui, novamente, Ramos ofereceas ferramentas apropriadas, a saber: o paradigma paraeconômico e a delimitaçãoorganizacional (isto é, a teoria da delimitação dos sistemas sociais).

Identificação da s possibilidades objetivas: p a r a d igm a p a r a e c o nô m i c o

Ramos define o paradigma paraeconômico como um modelo ideal-ti-

pico, "[...] um modelo multidimensional para a análise e o design de sistemassociais, onde o mercado é considerado um enclave social legítimo e necessário,mas limitado e regulamentado" (RAMO S, 1981, p. 121). As dimensões dessemodelo são apresentadas no seguinte diagrama:2

210* Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

ü o

•US•2

Ô

Horda

o

Anomia

Ausência denormas

PARADIGMA PARAECONÔMICO

Foge ao escopo deste comentário descrever detalhadamente as dimensõesdo paradigma, mas podemos obter algum entendimento a seu respeito a partir deexcertos da explanação oferecida pelo próprio Ramos:

No mundo social visualizado pelo paradigma há espaços sem prescrições im-

postas para a produção e a realização individual [...] Em primeiro lugar, [...] [o]

paradigma paraeconômico parte do pressuposto de que aqui o mercado é um

enclave em uma realidade social multicêntrica, onde há descontinuidades de

vários tipos, critérios substantivos múltiplos de vida pessoal e uma variedade de

designs para relações interpessoais. Em segundo lugar, nessa realidade social o

indivíduo apenas acidentalmente é um maximizador de utilidades; nesse espaçoele basicamente trabalha para a ordenação de sua existência de acordo com suasnecessidades de realização pessoal. Em terceiro lugar, o indivíduo que tem aces-so a espaços sociais alternativos não se vê forçado a conformar-se inteiramente

ao sistema de preço de mercado" (RAMOS, 1981, p. 121-123).

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «211

 

Confrontado, portanto, com as estruturas políticas, sociais e econômi-cas concretas, a primeira tarefa do formulador de políticas da "nova ciência" éidentificar as possibilidades objetivas inerentes em todos os enclaves societárioscontidos nas circunstâncias existentes. Não basta olhar apenas para o enclave

econômico e, como fez Lindblom, tomá-lo equivocadamente pela totalidadedo tecido social, e/ou desconsiderar os outros enclaves, como se eles não ti-

vessem importância para a tarefa em questão. A completude da tarefa requer

entretanto, uma compreensão plena das diferenças características, de tipo ideal

que existem entre os enclaves, como os conceitos de tamanho, tempo, espaço,

realização pessoal, aos relacionamentos de convivência bem como às atividades

comunitárias entre os cidadãos (p. 135).

Especificamente, a lei dos requisitos adequados estabelece que a variedade

de sistemas sociais é qualificação essencial para qualquer sociedade sensível às

necessidades básicas de realização de seus membros, e que cada um desses siste-

ma s sociais determina seus próprios requisitos de planejamento (p. 136).

Assim, com um conjunto selecionado de possibilidades objetivas à sua dis-

posição, o formulador de políticas da "nova ciência" tem a tarefa final de estabe-

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cognição (por exemplo, a proeminência de formas de conhecimento ou de in-

teresses dominantes) e as tecnologias-chave empregadas, e uma apuração doquanto os enclaves existentes revelam ou explicitam essas diferenças. Ramos

de u início a este trabalho, m as ainda há muito o que fazer. É no fosso entre arealidade e o tipo ideal e nas interconexóes e no equilíbrio entre os enclaves que

se pode encontrar as possibilidades objetivas. Tendo completado esse processo

de identificação, o formulador de políticas da "nova ciência" se dirige então parao processo de implementação.

Implementação da s possibilidades objetivas: delimitação do s sistemas sociais

Toda implementação resume-se a tomar decisões de alocação. Se, por umlado, a seleção de um conjunto apropriado de possibilidades objetivas requerum processo de estudo e diálogo políticos, na acepção clássica que tinham es-

ses termos,3 por outro, Ramos oferece orientações ao formulador de políticas da"nova ciência" na forma de uma teoria de delimitação do s sistemas sociais e d euma lei de requisitos adequados. Uma vez mais, nas palavras do próprio Ramos(1981):

Esta noção [da delimitação] envolve: a) uma visão de sociedade como constituí-

da de uma variedade de enclaves (dentre os quais o mercado é apenas um), onde

o homem se engaja em tipos claramente diferentes, embora verdadeiramente

integrativos, de atividades substantivas; e b) um sistema de governo social capazde formular e implementar as políticas e a s decisões distributivas necessárias à

promoção de transações ótimas entre esses enclaves sociais (p. 121).

A sociedade multicêntrica é um empreendimento intencional. Elaenvolve

design e implementação de um novo tipo de estado, investido com o poder de

formular e pôr em prática políticas distributivas que favoreçam não apenasiniciativas orientadas ao mercado, mas também cenários sociais adequados a

212 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

lecer os processos alocativos que visem a facilitar e a orientar os desenvolvimentos

intra-enclaves e inter-enclaves. É aqui que poderemos sair do encurralamentoteórico em que Lindblom nos deixou. Este nos amarrou a um entendimento

unidimensional de formulação de políticas num eixo instrumentalmente racional

que se estende do incrementalismo, numa ponta, à análise política compreensiva,

na outra. Para superar Lindblom, necessitamos de pelo menos dois eixos subs-

tantivamente racionais, a saber: uma segunda dimensão de ações, que, em vez

de destruírem, promovam a resistência societária (isto é, a "sustentabilidade" da

infra-estrutura humana, social, econômica e ambiental da sociedade), e uma ter-ceira dimensão de ações, que, em vez de impedirem, contribuam favoravelmente

para a realização pessoal.Com o uso das três dimensões podem aparecer novos insights políticos

para as questões constantes, mas em grande parte não resolvidas, das políticaspúblicas. Por exemplo, numpapernáo publicado (DENNIS, 1979), examinei as

demandas conflitantes existentes nos EUA em torno da eficiência, e da eqüidadeeconômica. Da mesma forma que Lindblom unidimensionalizara o empreendi-

mento teórico a respeito de como se formula políticas, e assim o levara a um beco

sem saída, assim também essa questão foi unidimensionalizada e reduzida apenasa como diminuir o fosso entre ricos e pobres mediante a ampliação da participa-

ção no enclave de mercado da sociedade, quer pela redistribuição do aumento

incrementai de uma riqueza em expansão ou pela redistribuição de uma quan-tidade estática de riqueza. No entanto, se o observador considerar que o enclave

de mercado é somente um componente de todo o tecido social, uma estratégia

alternativa afigurar-se-lhe-á como possível. Fiz uma análise teórica sobre a rela-Ção existente entre aqueles participantes do mercado (por exemplo, percebedo-res de salários e proprietários de outros meios de produção) cujo controle sobre0 poder produtivo pessoal é maior que seu próprio poder produtivo pessoal, eaqueles cujo controle sobre o poder produtivo pessoal é menor que seu próprio

Poder produtivo pessoal. Ao final da análise, conclui que a redistribuição der'queza que visa a ensejar que os atuais participantes do mercado se afastem ate

Muddl ing through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai '213

 

certo grau dele (isto é, aumentem sua auto-suficiência econômica) custa muito

menos, em termos econômicos, do que a redistribuição de riqueza que visa a

permitir que eles controlem uma maior capacidade produtiva pessoal que seu

próprio poder produtivo pessoal... quiçá a metade. Assim, o equilíbrio entre a

eficiência econômica e a eqüidade econômica talvez seja administrável de urna

forma mais eficiente mediante a delimitação dos sistemas sociais do que por

meio da expansão do enclave de mercado e/ou de políticas puras de redistribui-

ção de riqueza.4

Assim como fora o pioneiro na exploração das características dos enclaves

imersos nos postulados de uma teoria. Operando dentro dos postulados e com eles,

estes pressupostos são, por assim dizer, 'parceiros silenciosos' na tarefa teórica. Os

pressupostos latentes oferecem algumas das bases de escolha e o cimento invisível de

integração dos postulados. Do começo ao fim, eles influenciam a formulação de uma

teoria e os respectivos autores" (1970, p. 29).

2. De acordo com Ramos (1981), os seguintes termos definem brevemente os vários

enclaves que constituem o paradigma paraeconômico:

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sociais, Ramos (1981) também iniciou a investigação sobre uma ciência política

multidimensional; mas também nessa área há muito a ser explorado ainda.

Conclusão

Neste comentário, tentei mudar um pouco a disposição mental do leitor

para facilitar-lhe a libertação da chave conceituai que o pensar baseado no mer-cado exerce sobre sua capacidade de observar e entender as circunstâncias socie-

tárias, em cujo seio terá de operar todos os dias. Temos muito mais a enxergar

do que temos sido capazes de enxergar. A tarefa com que nos deparamos não é

rejeitar os sucessos alcançados, mas construir algo de novas formas a partir deles.

O paradigma paraeconômico é uma ferramenta de importância extraordinária anos ajudar a enxergar de forma diferente. Enquanto colocamos os pés no limiar

do novo milênio, a humanidade merece pelo menos isso.

Notas

1. É de Gouldner (1970) o conceito de "pressupostos latentes, ou subentendidos ,

usado aqui. Segundo Gouldner: "As eorias sociais deliberadamente formuladas -

talvez devêssemos dizer formuladas deliberadamente com excesso de simplificação

- contêm pelo menos dois elementos distintivos. Os pressupostos explicitamente

formulados - que podem ser chamados 'postulados' — constituem um deles.Mas

elas encerram muito mais qu e isso. Elas também contêm um segundo conjunto de

pressupostos, que não são postulados nem recebem rótulos; a estes darei o nome de

'pressupostos latentes, ou subentendidos'. Denominei-os como pressupostos laten-

tes, porque, de um lado, eles oferecem o cenário de fundo sobre o qual os postulados

em parte emergem e, de outro — por não serem expressamente formulados — pel

'

manecem na penumbra da atenção do teorista [...]Os pressupostos latentes esta"

214 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

a vida pessoal e social se desvanece... [Ela] define um a condição em que os

indivíduos subsistem nas bordas do sistema social. Embora sejam des-

providos de normas ou raízes ou descompromissados com prescrições opera-

cionais, eles não têm capacidade de pautar suas vidas por um projeto pessoal"

(p. 128).

HORDA — "A horda refere-se a coletividades humanas sem normas, a cujos membros

falta o senso de ordem social. Quando deixa de ter representatividade e sentido para

seus membros, a sociedade pode eventualmente vir a ser perturbada por hordas"

(p. 128).

ECONOMIA — "E m termos gerais, um a economia é um sistema organizacional alta-

mente ordenado, estabelecido para a produção de bens e/ou prestação de serviços,possuindo as seguintes características:

1) Presta serviços a consumidores e/ou clientes...

2) Su a sobrevivência depende da eficácia com que produz os bens e presta os servi-

ços a consumidores e clientes...

3) Pode e comumente tem de assumir dimensões amplas, em termos de tamanho...

e complexidade...

4) Seus membros são detentores de emprego e como tais são principalmente avalia-

dos...

5) A informação flui assimetricamente entre seus membros bem como entre a eco-nomia como sistema e o público" (p. 129).

"De modo geral a isonomia pode ser definida como uma organização

em que seus membros são iguais. A polis, tal como a concebeu Aristóteles, era uma

isonomia, uma associação entre iguais, constituída 'em prol da boa vida'... São as

seguintes as principais características da isonomia:

Muddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai «215

 

1) Seu objetivo essencial é possibilitar a realização de seus membros, num ambiente

sem prescrições impostas...

2) É grandemente autogratificante no sentido de que nela os indivíduos livremente

associados realizam atividades que são compensadoras em si mesmas...

3) Suas atividades são empreendidas precipuamente enquanto vocações, não corno

empregos...

4 ) Seu sistema de tomada de decisão e formulação de políticas é amplamente inte-

grativo. Não há distinção entre a liderança, ou administradores, e os subordina-

dos...

4. A essência dessa análise está resumida nos dois diagramas seguintes:

Diagrama #1 Diagrama #2

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5) Su a eficácia exige que prevaleçam relações interpessoais primárias entre seusmembros" (p. 131-132).

FENONOMIA - "Como um verdadeiro achado, este é um espaço social auspicioso,com

caráter esporádico ou mais ou menos estável, iniciado e dirigido por um indivíduo

ou por um pequeno grupo de indivíduos e que enseja a seus membros o máximo de

escolha pessoal e o mínimo de subordinação a prescrições operacionais formais. Uma

fenonomia tem as seguintes características principais:

1) É constituída como um espaço necessário às pessoas para a liberação de sua cria-

tividade, com formas e meios escolhidos em total liberdade, e constitui parte

do esforço de expressão (em grego phainein significa "mostrar") que mobiliza a

atividade criadora de um pequeno grupo ou um único indivíduo...

2) Seus membros engajam-se somente em atividades de sua própria escolha...

3) Embora o produto das atividades levadas a cabo em fenonomias possa eventual-

mente ser comercializado, os critérios econômicos são acidentais à orientação de

seus membros...

4 ) Apesar de preocupar-se com sua singularidade, o membro de uma fenonomia

tem consciência social. Na verdade, sua opção não significa um afastamento da

sociedade em geral, mas um desejo de sensibilizar outros indivíduos para possí-

veis experiências que eles têm condições de partilhar ou apreciar" (p. 132-133).

SOLADO — "Enquanto o indivíduo anômico e os membros da horda são privados de

normas, o ator isolado tal corno representado no paradigma tem profundo compro-

misso com uma norma que lhe é particularíssima. Por uma série de razões, ele julga

que o mundo social em geral é inadministrável e não oferece esperança. Mas, apesarde sua total oposição interior ao sistema social em geral, ele encontra um lugar em

que consegue viver consistentemente em harmonia com seu sistema rígido e peculiar

de crenças" (p. 133-134).

3. Com relação à concepção clássica do termo "político" (adj.) e a uma análise sobre

como este conceito foi pervertido na era moderna, verVoegelin (1952).

1) A-B representa o número de pessoas que

participam no sistema de mercado (siste-

ma de troca baseado em preço).

2) A-C constitui o grupo cujo controle so-

bre o poder produtivo pessoal é maior do

que seu próprio poder produtivo pessoal.

3) C—B constitui o grupo cujo controle so-bre o poder produtivo pessoal é menor do

que seu próprio poder produtivo pessoal.

4 ) C— D representa o número total de pes-

soas na população.

5) E-D indica o número de pessoas que

controlam uma parte dos meios de pro-

dução na sociedade (por exemplo, mais

de 50%).

6) C-B-E representa o poder dos gruposqu e detêm posições vantajosas: A — C l

E-D.7) F — E — D representa o poder do s grupos

que sofrem desvantagem: C-B/C-E.

1) Para aumentar o poder dos grupos des-

favorecidos, a abordagem tradicional

prescreve a redistribuição da riqueza/

renda para, dessa forma, incrementar

o número das pessoas que controlamuma parte dos meios de produção — de

D-E para D-E1 — enquanto diminui o

número das pessoas com desvantagem

de poder no mercado — de B para B1.2) Poder-se-ia obter, alternativamente,

uma redução do mesmo número de

pessoas desfavorecidas de poder no

mercado mediante uma menor redistri-

buição de riqueza/renda — de E1 para

E" — c-om a remoção do grupo B-B1

dos processos de mercado.

216* Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análiseMuddling through 2: a ubiqüidade da decisão incrementai • 217

 

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Mixed scanning: uma"terceira" f -j

abordagem de tomada dedecisão* O.J.

Amitai Etzioni"

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218 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Columbia University

N a conceituação da decisão social, os compromissos vagos, de natureza nor-

mativa e política, são traduzidos em compromissos específicos com umou mais cursos definidos de ação. Como a decisão inclui um elemento de

* Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

Segundo o editor original, para produzir este artigo, Etzioni contou com recursos de uma bolsa

do Social Science Research Council, concedida durante 1967-1968. Uma discussão bem mais

detalhada sobre a formulação da decisão social encontra-se nos capítulos 11 e 12 do livro do au-

tor TheAct ive Society: A Theory ofSocietal an d Political Processes, programado por The Free Press

para publicação no início de 1968.O presente artigo foi inicialmente publicado, em inglês, na Public Administration Review.Washington, D. C., v. 27, n. 5, p. 385-392, dez. 1967, sob o título "Mixed-scanning: A 'third'approach to decision-making." Mas o argumento de Etzioni em favor da sondagem mista como

terceiro modelo de decisão é levado adiante por ele no artigo que se segue a este ("Reexame da

estratégia mista de decisão"), publicado originalmente na mesma Public Administration Review,

v. 46, n. l,p. 8-14, jan./fev. 1986.

Etzioni usa nos textos o termo scann ing pura expressar de forma figurativa o ato de inquirir, ras-

trear ou sondar o meio, com vistas a reunir informações que subsidiem o processo de produção

da decisão. O termo é traduzido aqui pelas palavras sondagem, rastreio ou varredura. Mixed

scann ing é traduzido principalmente por sondagem mista.

Embora nascido na Alemanha, Amitai Etzioni vive nos EUA desde 1957, onde se estabeleceu e

realizou sua carreira de scholar no campo das ciências sociais. É conhecido no Brasil sobretudo

por seus livros Análise comparativa de organizações complexas e Organizações modernas , publica-dos nos EUA, respectivamente, em 1961 e 1964. Etzioni tem atualmente sua base de atuação

na George Washington University, na capital norte-americana. No início dos anos 1990, fun-

dou uma filosofia social conhecida pelo nome de comuni tar i smo com o objetivo de combateros excessos do individualismo (direitos individuais) e resgatar o senso de responsabilidade co-

munitária. Entre 1991 e 2004, foi o editor da revista The Responsive C o m m u n i t y : Rights a ndResponsibili t ies. É autor de mais de trinta livros, entre os quais estão os mais recentes My BrothersKeeper: a Memoir andaMessage (2003); e How Patriotic is the Patriotic Actí: Freedom andSecur i t yin an Age ofTerrorism (2004) .

 

escolha, ela é o aspecto mais deliberado e voluntarista da conduta social. Como tal,suscita a questão: Até que ponto podem os atores sociais decidir que cursos hão de

seguir e até que ponto são eles compelidosa seguir um curso estabelecido por forçasque vão além de seu controle? Consideramos aqui três concepções de formulação de

decisões, cada qual com pressuposições que dão pesos diversos à escolha consciente

dos deliberadores.

Os modelos racionalistas tendem a pressupor que o tomador de decisão

tem alto grau de controle sobre a situação objeto de deliberação. A abordagem

incrementalista apresenta um modelo alternativo, referido como a arte de "avan-

çar sem muito esforço ou planejamento"; esta supõe muito menos controle no

de oferecer mais instalações médicas a pacientes negros. Estão envolvidas aquitanto uma questão de fato (se o hospital seria segregado, intencional ou nãointencionalmente, em conseqüência do caráter do bairro em que estaria loca-lizado), quanto uma questão de valor (se mesmo um hospitalexclusivamentepara negros seria preferível a hospital nenhum na área). Na realidade, contudo,

as facções alinharam-se de tal modo e o debate prosseguiu de tal forma que asquestões de fato e de valor se esvaziaram e o debate se concentrou em torno

da questão única de construir ou não construir. Os defensores da proposta

argumentam que os fatos não confirmam a acusação de "Jim Crowismo" -

"não achamos que o ponto proposto esteja localizado em área segregada, para

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ambiente. Finalmente, o artigo delineia uma terceira abordagem para a tomada

de decisão social, que, combinando os elementos das duas abordagens anteriores,não é tão utópica em suas suposições quanto o primeiro modelo nem é tão con-

servadora quanto o segundo. Por razões que se tornarão evidentes, esta terceira

abordagem é chamada de sondagem mista (mixed s c a n n i n g ) ou rastreio combi-

nado.

Abordagemracionalista

Os modelos racionalistas são concepções amplamente aceitas a respeito de

como as decisões são tomadas e como deveriam sê-lo. O ator conscientiza-se deum problema, propõe uma meta, pesa cuidadosamente os meios alternativos e

escolhe um deles com base no cálculo que faz de seus respectivos méritos, tendo

por referencial o estado de coisas que ele prefere. A crítica dos incrementalistas

a essa abordagem aponta para a disparidade entre os requisitos do modelo e a

capacidade dos tomadores de decisão.1 Salientam eles que os centros de decisão

social freqüentemente não têm um conjunto de valores específicos e acordados

em comum que possam prover os critérios para avaliar as propostas alternativas.

Os valores, ao contrário, são fluidos e afetam e são afetados pelas decisões toma-

das. Além disso, na prática, a suposição racionalista de que valores e fatos, meios

e fins podem ser claramente distinguidos parece não se aplicar:

A proposta de construção de uma unidade do Hospitaldo Condadode Cook,

na zona sul, dentro ou próximo da área do s negros, tem gerado... controvérsiapública. Várias questões de política estão envolvidas no assunto, mas uma que

chegou a provocar alguns debates públicos sobre a comunidade negra diz res-

peito a quanto a construção dessa filial resultaria ou não num hospital só para

negros ou hospital "Jim Crow", e se tal hospital seria desejável como um rnei°

220 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

uso exclusivo de um grupo racial ou minoritário"; ou "nenhuma autoridade

responsável tentaria construir um novo hospital para fomentar segregação"; ou"estabelecer uma unidade para o... atendimento mais adequadode pacientes in-

digentes, a partir do s fatos assim apresentados, não representa Jim Crowismo".

Ao mesmo tempo, estes proponentes alegam que, sejam quais forem os fatos, aquestão factual é secundária, diante da consideração maior de que "existe um a

necessidade aqui e agora de mais leitos hospitalares... A integração pode ser ameta de longo prazo, mas a curto prazo necessitamos de mais instalações. 2

Além disso, as informações sobre as conseqüências são, na melhor das hi-

póteses, fracionárias. Os tomadores de decisão não possuem recursos nem tempo

para coletar as informações necessárias à decisão racional. Embora a tecnologiade conhecimento, especialmente os computadores, de fato auxilie na coleta e

no processamento de informações, ela não consegue proporcionar a computação

requerida pelo modelo racionalista. (Isto se verifica até mesmo no jogo de xadrez,

quanto mais nas decisões da "vida real".) Finalmente, em vez de se confrontarem

com um universo limitado de conseqüências relevantes, os tomadores de decisão

enfrentam um sistema aberto de variáveis, um mundo em que as conseqüências

não podem ser todas levantadas.3 Um tomador de decisão, que tente seguir os

ditames do modelo racionalista, sairá frustrado, esgotará seus recursos sem chegar

a uma decisão e ficará sem um modelo efetivo de tomada de decisão para guiá-lo.

Os modelos racionalistas são, portanto, rejeitados por serem a um tempo irrealis-

tas e indesejáveis.

Abordagemincrementalista

Um modelo menos exigente de tomada de decisão foi delineado na es-tratégia do "incrementalismo desconexo", proposto por Charles E. Lindblom e

Mixed scann ing . uma "terceira" abordagemde tomada de decisão • 221

 

outros.4

O incrementalismo desconexo procura adaptar estratégias de decisão àslimitadas capacidades cognitivas do s tomadores de decisão e reduzir o raio deação e o custo de coleta e computação das informações. Lindblom resumiu destamaneira os seis requisitos primários do modelo:5

1. Em vez de tentar levantar e avaliar todas as alternativas, o tomador de decisãoconcentra-se somente em torno daquelas propostas que diferem incremental-mente das políticas vigentes.

2. O deliberador considera apenas um número relativamente pequeno de pro-postas para uma política.

individual de decisão incrementai e a incapacidade da sociedade de decidir efe-tivamente a partir de um governo central. Garante-se que a decisão incrementai' tanto um relato realístico de como a comunidade política norte-americana

outras democracias modernas tomam decisões, como também a abordagemjnais efetiva para a decisão societária, isto é, tanto um modelo descritivo quanto

normativo.

Crít ica à abordagem incrementai como modelo normativo

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3. Em cada proposta, ele examina apenas algumas conseqüências consideradas

"importantes".4. O problema que o deliberador tem diante de si se redefine continuamente: o

incrementalismo permite incontáveis ajustamentos de fins-meios e meios-fins,o que, efetivamente, torna o problema mais administrável.

5. Assim, não há uma decisão ou uma solução "certa", mas uma série infindávelde abordagens tentativas para as questões do momento, por meio de constan-tes análises e avaliações.

6. Como tal, a decisão incrementai é descrita como corretiva, voltada para oalívio de imperfeições sociais concretas e atuais, mais do que para a promoçãode objetivos sociais futuros.

Pressupostos m or fo lóg icos da abordagem incrementai

Além de um modelo e de uma estratégia de tomada de decisão, o incremen-talismo propõe também um modelo de estrutura; apresenta-se como o processotípico de formulação de decisões para as sociedades pluralistas, em contraste com

o planejamento central das sociedades totalitárias. Influenciados pelo modelo de

livre competição da ciência econômica, os incrementalistas rejeitam a noção deque as políticas podem ser conduzidas po r instituições centrais qu e expressem o"bem" coletivo. As políticas são, antes, o resultado de concessões mútuas entre as

numerosas facções da sociedade. O próprio acordo a que chegam osdeliberadoresé a indicação de que a decisão tomada é boa. São pobres as decisões que excluemos atores capazes de afetar seu curso projetado de ação; decisões desse tipo tendema ser bloqueadas ou modificadas mais tarde.

Acredita-se que o "ajuste mútuo" entre os grupos de interesse ofereçauma medida de coordenação das decisões entre os muitos tomadores de decisãoe, com efeito, contrabalance, em nível societário, as inadequações do tomador

222 • Políticas públicase desenvolvimento: bases epistemológicas e modelosde análise

Na ausência de um centro regulador e de instituições orientadoras em todaa sociedade, as decisões por consenso entre as facções não deveriam constituir aforma preferida de tomada de decisão. Em primeiro lugar, as decisões tomadasiriam refletir, necessariamente, os interesses dos mais poderosos, já que as facçõesinvariavelmente diferem em suas respectivas posições de poder; as demandas dossubprivilegiados e politicamente desorganizados ficariam sub-representadas.

Em segundo lugar, o incrementalismo tenderia a negligenciar inovações

societárias básicas, pois ele se atem ao curto prazo e busca apenas variações limi-tadas em relação a políticas passadas. Se bem que o acúmulo de pequenos passospossa levar a uma mudança significativa, nada há nessa abordagem que oriente a

acumulação; os passos podem ser circulares - levando de volta ao ponto de parti-

da ou à dispersão— ,

transportando simultaneamente a muitas direções, mas con-duzindo a lugar nenhum. Boulding comenta que, de acordo com essa abordagem,"cambaleamos pela história como bêbados que andam com um pé incrementai

desarticulado atrás do outro".6

Além disso, os incrementalistas parecem subestimar o impacto que sua

abordagem causa aos tomadores de decisão. Como propõe Dror, "ainda que atese de Lindblom aponte algumas restrições, estas são insuficientes para alterarsua principal influência como reforço ideológico das forças pró-inércia e antiino-

vação".7

Crít ica conceituai e empírica ao incrementalismo

A estratégia incrementalista reconhece claramente um subconjunto de si-

tuações às quais ela não se aplica - a saber, decisões "grandes" ou fundamentais,como, por exemplo, uma declaração de guerra. Conquanto as decisões incremen-tais superem as fundamentais, em número, a significação dessas para a tomadade decisão societária não é proporcional a seu número; é, portanto, um engano

Míxed scanning. um a "terceira" abordagemde tomada de decisão • 223

 

relegar as decisões náo incrementais à categoria de exceções. Além disso, são adecisões fundamentais que freqüentemente criam o contexto para as numerosãs decisões incrementais. Embora as decisões fundamentais sejam muitas veze"preparadas" pelas incrementais, a fim de que a decisão final passe a desencadeamudanças de forma menos abrupta, essas decisões podem ainda ser consideradasrelativamente fundamentais. Os passos incrementais que se seguem não podemser entendidos sem elas, e os passos precedentes são inúteis a menos que condu-zam a elas.

Portanto, mesmo que os incrementalistas mantenham que a formulaçãoda decisão envolva escolha entre os dois tipos de modelo de decisão, deve-se no-

e compreendendo a dinâmica dos processos incrementais, não poderia ignorarque, uma vez tendo assumido um compromisso fundamental, seria difícil rever-tê-lo. Ainda que o orçamento espacial inicial tenha sido relativamente pequeno,o pró prio ato d e criar a agência espacial eqüivalia a subscrever a aumentos orça-mentários em anos futuros. 13

Os incrementalistas alegam que as decisões incrementais tendem a sercorretivas; pequenos passos são dados na direção "certa", ou, quando se tornaevidente que a direção está "errada", o curso é alterado. Mas se o tomador dedecisão avaliar suas decisões incrementais e os pequenos passos — o que ele temde fazer para poder concluir se a direção está certa ou não - seu julgamento será

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tar que (a) a maioria das decisões incrementais especificam ou prevêem decisõesfundamentais, e (b) o valor cum ulativo d as decisões incrementais é grandementeafetado pelas respectivas decisões fundamentais.

Assim, não é suficiente mostrar, como fez Fenno, que o Congresso pro-move basicamente mu danças marginais no o rçamento federal (uma comparaçãoentre os orçamentos de dois exercícios consecutivos, referentes à mesma repar-tição federal, mostrou, em muitas ocasiões, uma diferença de apenas 10%),9 ouque, po r longos períodos, o orçamento da defesa não muda muito em termosde percentual do orçamento federal, ou que o orçamento federal muda pouco,a cada ano, em termos de percentagem do Produto Nacional Bruto (PNB).10

Essas mudanças incrementais são freqüentemente desdobramentos de tendências

iniciadas em momentos críticos, em que foram tomadas decisões fundamentais.O orçamento americano de defesa saltou, no início da Guerra da Coréia, em1950, de 5% do PNB para 10,3%, em 1951. O fato de ter permanecido em

torno desse nível, variando entre 9% e 11,3% do PNB, após o término da guerra(1954-1960), refletiu, de fato, em decisões incrementais, ma s essas foram toma-das no contexto da decisão de o país engajar-se na G uerra da Coréia.11 Os dadosdo próprio Fenno mostram um número quase igual de mudanças tanto acimaquanto abaixo do nível de 20%; sete mudanças representaram um aumento de100% ou mais, e 24 mudanças aumentaram 50% ou mais.12

É claro que, embora o Congresso ou outros órgãos societários de delibe-ração tomem de fato algumas decisões incrementais cumulativas, sem enfrentar

a decisão fundamental que está implícita, muitas outras decisões que parecemse r uma série de decisões incrementais constituem, na verdade, implementa-ção ou elaboração de uma decisão fundamental. Por exemplo, o Congresso,depois de fundar a agência espacial nacional em 1958 e consentir em apoiar asmetas espaciais do presidente Kennedy, assumiu compromissos "incrementaisadicionais por vários anos. Inicialmente, contudo, uma decisão fundamentahavia sido tomada. O Congresso, em 1958, com base em experiências passada5

224 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

grandemente afetado pelos critérios de avaliação que aplicar. Aqui, novamente,temos de sair do modelo incrementalista para determinar como esses critérios sãoestabelecidos.

Assim, conquanto os atores tomem ambos os tipos de decisão, o númeroe o papel das decisões fundamentais são significativamente maiores do que osincrementalistas afirmam, e quan do faltam decisões fundamentais, decidir incre-mentalmente significa flutuar à deriva — significa ação sem direção. Um a abor-dagem mais ativa para a decisão societária exige dois conjun tos de mecanismos:(a) processos de formulação de políticas, de ordem superior e fundamental, queestabeleçam direcionamentos básicos; e (b) processos incrementais, que "prepa-rem" as decisões fundamentais e asexecutem, depois de terem sido tomadas. Isto

é oferecido pela sondagem mista.

Método dasondagem mista

A sondagem mista proporciona tanto uma descrição realística da estra-tégia usada pelos atores, numa grande variedade de campos, como a estratégiapara os reais atores seguirem. Vamos primeiramente ilustrar essa abordagemnuma situação simples, explorando, em seguida, suas dimensões societárias.Vamos supor que estamos prestes a estabelecer um sistema mundial de ob-servação meteorológica, usando satélites. A abordagem racionalista faria um

levantamento exaustivo da s condições atmosféricas, usando câmeras capazes deobservações detalhadas e programando revisões de todo o céu tão freqüente-ttiente quanto possível. Isto proporcionaria uma avalanche de detalhes que setornariam caros de analisar e provavelme nte assoberbariam nossa capacidade dea?ão (por exemplo, "bombardear" formações de nuvens qu e poderiam evoluirem furacões ou trazer chuvas a regiões áridas). O incrementalismo concentrar-Se"ia naquelas áreas em que se desenvolveram recentemente padrões similares

Mixed scann ing . uma "terceira" abordagem de tomada de decisão • 225

 

e, talvez, em umas poucas regiões vizinhas; ignoraria, portanto, todas as forma-ções que poderiam merecer atenção, caso surgissem em áreas inesperadas.

A estratégia da sondagem mista incluiria elementos de ambas as abordagens,

empregando duas câmeras: uma grande-angular, de alcance panorâmico, que cobri-

ria todas as partes do céu, mas sem grandes detalhes, e uma segunda, que focalizariaaquelas áreas (reveladas pela primeira câmera) que exigissem um exame em maiorprofundidade. Embora a sondagem mista possa deixar escapar áreas problemáticas

que são detectáveis apenas por câmeras detalhistas, é menos provável que deixe de

perceber pontos problemáticos óbvios em áreas não conhecidas.

Do ponto de vista abstrato, a sondagem mista oferece um procedimento

Um aumento nos investimentos desse tipo é também eficaz quando o atorse dá conta de que o contexto muda radicalmente, ou quando observa que a série

inicial de incrementos não traz melhorias à situação, ou até provoca "piora". Se,

a essa altura, o ator decide abandonar o curso da ação, a eficácia de sua decisão

reduz-se, pois, por meio de alguma sondagem de cobertura ampla, ele poderia

constatar que a continuação do "prejuízo" está prestes a produzir a solução. (Um

exemplo óbvio é a venda de uma ação em queda, quando uma análise adicional

revela que se espera que a empresa melhore seus lucros no próximo ano, após

vários anos de declínio.) Não se pode supor que a realidade seja estruturada em

linhas retas, em que cada passo em direção a uma meta leve diretamente a outro,

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particular de coleta de informações (por exemplo, o levantamento ou o "rastreio"

das condições do tempo), uma estratégia de alocação de recursos (por exemplo,

"bombardeamento") e —como veremos —diretrizes para as relações entre os dois.

A estratégia combina o exame detalhado ("racionalista") de alguns setores - o

que, ao contrário do exame exaustivo de toda a área, é viável - com uma revisão"truncada" de outros setores. O investimento relativo nos dois tipos de rastreio

ou varredura - detalhado e truncado -, bem como no próprio ato de rastrear,

depende do custo, por exemplo, de deixar de identificar um furacão, do custo de

rastreio adicional e da quantidade de tempo que isso demandaria.

O rastreio pode ser dividido em mais de dois níveis: podem haver vários

níveis, com diferentes graus de detalhe e cobertura, embora pareça mais eficaz in-

cluir um nível de abrangência global (de modo que nenhuma opção básica fiquesem cobertura) e um nível altamente detalhado (de modo que a opção seleciona-

da possa ser explorada da forma mais completa possível).

A decisão a respeito de como os recursos materiais e o tempo devem

ser distribuídos entre os níveis de sondagem é, na verdade, parte da estratégia.

A quantia real de recursos e o tempo gastos depende da quantia total disponível

e da experimentação com várias combinações interníveis. Além disso, as quantias

gastas dimensionam-se da melhor forma ao longo do tempo. A decisão eficazrequer que, esporadicamente, ou a intervalos fixos, se aumentem os investimen-

tos em sondagem abrangente (cobertura ampla) para checar perigos ainda muito

distantes ou remotos, mas evidentes, e para pesquisar melhores linhas de aborda-

gem. As revisões orçamentárias anuais e as mensagens sobre o Estado da União*oferecem, em princípio, tais oportunidades.

Em alguns países existe a prática regular de o chefe do governo, numa data pré-determinada,

fazer um pronunciamento oficial sobre a situação geral da nação. É o caso, por exemplo, dos

Estados Unidos, referido aqui, onde o presidente, po r meio do State ofthe Union Address, sedirige ao Congresso e por seu intermédio ao povo norte-americano para falar sobre as ações dogoverno no passado recente e no presente e sobre seus planos para o futuro. Normalmente, fa z

226 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

e a soma dos pequenos passos resolva, de fato, o problema. Freqüentemente, o

que de um ponto de vista incrementai é um passo no sentido contrário da meta(uma "piora"), pode, de uma perspectiva mais ampla, ser um passo na direção

certa, como acontece quando se permite que a temperatura de um paciente se

eleve, porque isto irá acelerar sua recuperação. Assim, a sondagem mista não só

combina vários níveis de rastreio, mas também propicia um conjunto de critérios

para situações em que se deve enfatizar um ou outro nível.Ao explorar a sondagem mista, é essencial diferenciar as decisões funda-

mentais das incrementais. As decisões fundamentais são deliberadas mediante a

exploração de alternativas básicas que o ator vê com base em sua ótica de con-

ceber seus objetivos, ma s — diversamente do que o racionalismo indicaria — sãoomitidos os detalhes e as especificações para se obter uma visão geral. As deci-

sões incrementais são tomadas apenas a partir de contextos estipulados pelas

decisões fundamentais (e revisões fundamentais). Assim, os dois elementos da

sondagem mista ajudam a reduzir os efeitos das limitações particulares um do

outro; o incrementalismo reduz os aspectos irrealistas do racionalismo, ao limitar

os detalhes exigidos nas decisões fundamentais; e o racionalismo "contextuante"

ajuda a superar a tendência conservadora do incrementalismo por meio da explo-

ração de alternativas de prazos mais longos. Em conjunto, os testes empíricos e os

estudos comparativos dos tomadores de decisão mostrariam que esses elementos

contribuem para uma terceira abordagem que é, a um tempo, mais realista e mais

efetiva que as duas que a compõem.

menção em particular aos principais eventos mundiais do momento e à sua posição em relação

a eles. Em geral, esse pronunciamento é feito no mês de janeiro de cada ano. No México, El

Informe Presidencial é veiculado todos os anos no dia 1° de setembro. No Brasil, esse tipo e

comunicação do presidente da República ao Congresso e ao povo brasileiro não tem um caráterregular e por isso não lhe corresponde uma data específica no calendário político.

Mixedscanning. uma "terceira" abordagem de tomada de decisão • 227

 

Podem as decisões se r ava l iadas?

A discussão anterior supõe que tanto o observador quanto o ator têm con-dições de avaliar estratégias de decisão e determinar qual delas é a mais eficaz.Os incrementalistas, contudo, argumentam que, uma vez que os valores não po-dem ser medidos e reduzidos a uma expressão sintética, as "boas" decisões nãopodem ser definidas e, portanto, a avaliação não é possível. No entanto, é razoávelesperar que os tomadores de decisão, bem como os observadores, possam sinteti-zar seus valores e ordená-los, pelo menos, em escala o rdinal.

Po r exemplo, muitos projetos societários têm uma meta básica, como au-

por um número que represente a classificação de seus objetivos numa escala.Por exemplo, o intercâmbio de professores do Fulbright pode contribuir para

"o prestígio cultural e o respeito mútuo", "o desenvolvimento educacional" e

o "acesso", e a isso se pode atribuir graus numéricos como 8, 6 e 5, respecti-vamente. Estes números são então multiplicados pelos custos do programa, e

a cifra resultante é então multiplicada por um número engenhoso chamado o

"número do país". Este último expressa uma tentativa de se obter uma medida

grosseira da importância que têm para os EUA os países com os quais mantêm

relações culturais. Chega-se a este número por meio de uma complicada mon-tagem de certos dados-chave, aos quais se atribu em pesos para que reflitam as-

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mentaro controle da natalidade, dessalinizar economicamente água do mar, ou

reduzir a inflação pela metade num período de dois anos. Outras metas, tambématendidas, são secundárias, como, por exemp lo, aumen tar o setor de Pesquisa eDesenvolvimento (P&D) do país, via investimento em dessalinizaçáo. O ator,portanto, pode lidar com o grau em que a meta primária fo i realizada e fazerdesse grau a medida central de avaliação de uma "boa" política enquanto obser-va seus efeitos sobre as metas secundárias. Quando ele compara projetos nessestermos, na verdade está dando à meta p rimária pesos várias vezes maiores que atodas as metas secundárias junta s. Esse procedimento eqüivale a dizer: "Como meinteresso muito por uma meta e pouco pelas demais, se o projeto não atende àprimeira meta, então não é bom, e não tenho de me preocupar com medir e cal-

cular quaisquer outros ganhos que ele porventura possa estar oferecendo a meusvalores secundários".Quando há duas ou mesmo três metas primárias (por exemplo, ensino,

terapia e pesquisa, num hospital universitário), o ator pode ainda comparar osprojetos, em termos da extensão em que realizam cada meta p rimária. Ele pode es-tabelecer que o pro jeto X é bom para pesquisa, mas não para ensino, ao passo queo projeto Y é muito bo m para ensino, mas não tão bom para pesquisa etc., sem terde levantar as dificuldades adicionais de compor as medidas de eficácia num índicenumérico. Na verdade, ele procede como se eles tivessem pesos id ênticos.

Finalmente, co nstruir uma escala inform al de valores não é tão difícil quan -to imaginam os incrementalistas. A maioria do s atores consegue classificar suas

metas até certo ponto (por exemplo, o corpo docente de uma universidade estámais preocupado com a qualidade da pesquisa que com a qualidade do ensino).

Uma das tentativas mais imaginativas de avaliar a eficácia dos programas com

objetivos difíceis de se medir é o método idealizado por David Osborn, Vice-Secretário Assistente de Estado para Assuntos de Educação e Cultura... Osborn

recomenda um esquema de multiplicação cruzada dos custos das atividades

228 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

suntos culturais e educacionais, como a população do país, o PNB, número de

estudantes universitários, índice de analfabetismo etc. Os números resultantessão então revistos à luz da experiência de trabalho, como, por exemplo, quan-

do, devido a sua alta renda per capita, um certo país minúsculo do Oriente

Médio acaba se revelando mais importante para os EUA do que um grande paísdo leste europeu. Nesta altura, os dados numéricos dos países são revisados com

base em juízos e experiências, como o são outros números em outros pontos.

Aqueles, porém, que fazem tais revisões possuem um marco básico de referên-cia como ponto de partida, um conjunto de números organizados em relação a

muitos fatores, ao invés de apenas palpites arbitrários.14

Assim, tanto na avaliação quanto na própria tomada de decisão, emborao racionalismo detalhista possa m uito bem ser impossível, as revisões truncad assão viáveis, e pode-se esperar que essa abo rdagem seja mais efetiva, em termos dasmetas dos atores, do que o incrementalismo.

Fatores morfológicos

As estruturas nas quais ocorrem as interações entre os atores tornam-setanto m ais significativas quan to mais reconhecermo s que as bases de decisãonã o constituem e não podem constituir um con junto inteiramen te ordenado de

valores e um exame exaustivo da realidade. Em parte, a estratégia seguida nãoé determinada por valores, nem por informações, mas pelas posições dos toma-dores de decisão e pelas relações de poder que existem entre eles. Por exemplo,a relação entre os escalões organizacionais mais altos e os mais baixos afeta aextensão com que se enfatiza um elemento da sondagem mista em detrimentode outro. Em algumas situações, os escalões mais elevados, preocupado s apenascom o quadro global, mostram-se impacientes com detalhes, ao passo que os

Mixed scann ing . uma "terceira" abordagem de tomada de decisão • 229

 

escalões mais baixos - particularmente os especialistas - provavelmente apreciemmais os detalhes. Em outras situações, os escalões mais elevados, para nã o teremde enfrentar o quadro geral, procuram submeter a s i mesmos, su a administraçãoe o público ao império do s detalhes.

A seguir, dever-se-ia levar em conta o contexto. Por exemplo, uma aborda-gem altamente incrementai talvez seria adequada se a situação fosse mais estável èas decisões tomadas entrassem em vigor desde o início. Imagina-se que essa abor-dagem seja menos apropriada quando as condições estiverem em rápida mutaçãoe o curso inicial estiver errado. Assim, parece nã o haver qualquer estratégia eficazde tomada de decisão, no abstrato, alheia ao meio societário ao qual diga respeitoA sondagem mista é flexível; as mudanças nos investimentos relativos feitos em

necessidade que têm de obter, de parte de muitas subsociedades conflituosas,apoio para novas decisões, uma necessidade que reduz sua capacidade de seguiremum plano de longo prazo. É mais fácil alcançar consenso em situações não críticassobre incrementos similares a políticas estabelecidas do que ganhar apoio paraum a nova política. Contudo, o papel das crises é significativo; em democraciasrelativamente menos passivas, as crises servem para construir consenso em tornode mudanças fundamentais de direção há muito tempo sentidas (por exemplo, adessegregação racial).

As sociedades totalitárias, mais centralistas e dependentes de poderes maisrefratários a consenso, podem planejar mais, porém elas tendem a passar do s

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sondagem em geral, be m como entre os vários níveis de sondagem, permitemque ela se adapte às situações específicas. Por exemplo, exige-se sondagem maisabrangente quando o ambiente é mais maleável.

As capacidades do ator constituem outra consideração fundamental aqui.Isto é ilustrado, com respeito a relações interorganizacionais, com a seguinte de-

claração: "[...] o Departamento de Estado estava irremediavelmente atrasado. Seu

equipamento criptográfico era obsoleto (o que atrasava as comunicações) e nãopossuía sequer uma sala central de situação".15 O autor mostra ainda como, em

conseqüência, o Departamento de Estado estava menos preparado para agir doqu e o Departamento de Defesa.

O ator que tenha baixa capacidade de mobilizar o poder para implementar

suas decisões fará melhor se confiar menos em sondagem abrangente; mesmoque resultados remotos sejam previstos, ele pouco conseguirá fazer a seu'respeito.Em termos mais gerais, quanto maior a capacidade de controle de uma unidade,tanto mais abrangente a sondagem que ela pode assumir, e quanto mais dessasondagem tiver, mais eficaz será a decisão. Isto leva a um interessante paradoxo:as nações em desenvolvimento, com capacidades de controle bem mais baixas doque as modernas, tendem a favorecer muito mais o planejamento, embora talveztenham que se arranjar com um grau relativamente alto de incrementalismo. No

entanto, as modernas sociedades pluralísticas - que conseguem fazer muito maissondagem e, pelo menos em algumas dimensões, conseguem controlar muitomais - tendem a planejar menos.

São dois os fatores distintos que salientam a diferença a esse respeito en-tre as sociedades modernas. Embora todas possuam um a capacidade mais altade fazer sondagem e tenham vantagens de controle em relação a sociedades nãomodernas, elas diferem profundamente em sua capacidade de construir consenso.As democracias devem aceitar um grau relativamente alto de incrementalismo(embora não tão alto quanto as nações em desenvolvimento), po r causa da maior

230 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

limites. Diferentemente das democracias, que primeiramente buscam construirconsenso e prosseguem a partir daí, muitas vezes fazendo menos que o necessárioe mais tarde que o necessário, as sociedades totalitárias, sem a capacidade de cons-truir consenso ou mesmo de avaliar as várias resistências, em geral tentam fazerdemais, muito cedo. Elas sáo então forçadas a ajustar seus planos, depois de darinício, tendo de revisar as políticas originais, reduzindo-as muitas vezes a escalasmenores e envolvendo mais "consenso" do que haviam envolvido inicialmente.Embora o grosseiro e inadequado planejamento totalitário constitua grande des-perdício de recursos, algum planejamento inicial excessivo, com posterior redu-ção de escala, é uma estratégia de decisão tão válida quanto o é o incrementalismodesconexo, sendo aquele talvez o tipo para o qual as sociedades totalitárias estejammelhor adaptadas.

Para tornar-se mais apta a lidar efetivamente co m seus problemas, a socie-dade (referida em outra parte como uma sociedade ativa) 16 deveria contar com:

1. Uma capacidade maior de construir consenso do que a colocada à disposiçãoda s próprias democracias.

2 . Meios de controle mais efetivos (embora nã o necessariamente mais numero-sos) do que os empregados pelas sociedades totalitárias; (a nova tecnologia deconhecimentos e melhores análises, no seio da s ciências sociais, podem viabi-lizar esses meios).

3. Uma estratégia de sondagem mista que não seja tão racionalista quanto a que

as sociedades totalitárias tentam seguir, nem tão incrementai quanto a estraté-gia que as democracias defendem.

Notas

1. Ver BRAYBROOKE, David; LINDBLOM, Charles E. A Strategy of De-cision. New York: Free Press, 1963. p. 48-50 e p. 111-143; LINDBLOM,

Mixed scann ing . uma "terceira" abordagem de tomada de decisão «231

 

2.3.

Charles E. lhe Intelligence of Democracy. New York: Free Press,p. 137-139. Ver também BRUNER, Jerome S.; GOODNOW, JacquelineJ.;TIN, GeorgeA. A Study o fT hink ing . New York: John Wiley, 1956. Capítulos 4-5.

WILSON, James Q. Negro Politics. New York: Free Press, 1960. p. 189.

Ver resenha sobre A Strategy ofDecision, por Kenneth J. Arrow, em Political Science

Quarterly, v. 79, p. 585, 1964. Ve r também SIMON, Herbert A. Models o fAían.

Ne w York: Wiley, 1957. p. 198; WILDAVSKY, Aaron. Th e Politics ofthe BudgetaryProcess. Boston: Little, Brown, 1964. p. 147-152.

LINDBLOM, Charles E. The Science of "Muddling Through". Public Administra-

t ion Review, v. 19, p. 79-88, 1959. DAHL, Robert A. ; LINDBLOM, Charles E.

Reexame daestratégia mista f

de decisão* \J»

Amitai Etzioni"Th e George Washington University

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5.6.

7.

9.

10.

11.12.13.

14 .

15.

16.

Politics, Economics an d Welfare. Ne w York: Harper and Brothers, 1953; A Strategy of

Decision , op. cit.; The Intelligence of Democracy, op. cit.

LINDBLOM, The Intelligence o f 'Democracy, p. 144-148.

BOULDING, Kenneth E. A Strategy of Decision. AmericanSociological Review, v.29, p. 931, 1964.

DROR, Yehezkel. Muddling Through - Science' or Inertia?. Public Adm inis trationReview, v. 24, p. 155, 1964.

BRAYBROOKE; LINDBLOM. A Strategy ofDecision, p. 66-69.

FENNO, Richardjr. T he Power ofthe Purse. Boston: Litde, Brown, 1966. p. 266ss. Ver também DAVIS, Otto A.; DEMPSTER, M. A. H.; WILDAVSKY, Aaron.

A Theory of the Budgetary Process.A me r ic an Political Science Review, v. 60, esp.,

p. 530-531, 1966.

HUNTINGTON, SamuelP. apud POLSBY, Nelson E. Congress and the Presidency.Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1964. p. 86.

Ibid.

FENNO, The Power ofthe Purse, loc. cit.

Para um exemplo relativo à decisão da Suprema Corte sobre dessegrega-

ção racial, ve r SHAPIRO, Martin. Stability and Change in Judicial Decision-

Making: Incrementalism or stare decisis. Law in Transition Quaterly, v. 2,p. 134.-157, 1965. Ve r também o comentário de SMITH, Bruce L. R. AmericanPolitical Science Review, v. 61, esp., p. 151, 1967.

HELD, Virgínia. PPBS Comes to Washington. Th e Public Interest, n. 4,p. 102-115, Summer 1966; citação das p. 112-113.

HILSMAN, Roger. T o Move a Nation: Th e Politics of Foreign Policy in the Admi-

nistration of John F.Kennedy.Garden City, N. Y: Doubleday, 1967. p. 27.

ETZIONI, Amitai. Th e ActiveSociety: A Theory of Societal and Political Processes.Ne w York: Free Press, 1968.

232 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Em dezembro de 1967, foi publicado, na . Public Administration Review, a títu-

lo de "terceira" abordagem à tomada de decisão, um artigo sobre sondagem

mista (m ix ed s ca nning) , que recebeu o prêmio William Mosher e gerou um

fluxo contínuo de debates, críticas e aplicações, mas ensejou muito pouca pesquisa

empírica. A abordagem foi desenvolvida para contrastar com os modelos raciona-

lista e incrementalista de formulação de decisões. Argumentava-se então que os

modelos racionalistas eram utópicos, porque os atores não conseguiriam reunir

os recursos e as aptidões necessários à formulação racional de decisões. Mostrava-

se que o incrementalismo dava pouca importância a oportunidades relevantes de

inovação e ignorava o fato de que as decisões incrementais são mui tas vezes efetiva-

mente tomadas no contexto de decisões fundamentais. Por exemplo, desde que osEUA adotaram a doutrina Truman, após a II Guerra Mundial, e decidiram conter

a URSS no interior de suas fronteiras (em vez de permitir que ela se expandisse

ou que os próprios EUA tentassem libertar os países contidos no bloco soviético),

seguiram-se muitas decisões incrementais na Grécia, na Turquia e no Irã. No entan-

to, essas decisões foram implementadas e inspiradas pela decisão fundamental que

estabeleceu o contexto e não podem ser entendidas nos devidos termos sem levar

em conta essa decisão básica.

Sondagem mista: definição e exemplos

A sondagem mista é um modo hierárquico de tomada de decisão (GOLD-

BERG, 1975, p. 934) que concilia decisão fundamental, de ordem superior, com

* Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

** A nota sobre o autor está no início do capítulo 6.1.

 

decisões incrementais, de ordem inferior; estas abrem caminho para as de ordemsuperior e/ou levam-nas a cabo. O termo sondagem (scanning) é usado para refp

rir-se à busca, à coleta, ao processamento e à avaliação de informações, bem cornà firmação de conclusões - todos eles elementos a serviço da tomada de decisãoA sondagem mista também contém regras para a alocação de recursos entre o

níveis de tomada de decisão, bem como para a avaliação, provocando alterações

na proporção entre os níveis superior e inferior de sondagem, em virtude de mu-danças que ocorrem na situação.

Por exemplo, os jogadores de xadrez, como não conseguem avaliar todasas opções (HAYNES, 1974, p. 7-8) e tentam fazer mais do que apenas pensar

um ou dois passos adiante, fugindo de um problema aqui ou correndo atrás de

usuários focalizar instantaneamente subunidades (ou subconjunto de variáveis),po r exemplo, Estados dentro dos EUA, e Condados dentro dos Estados. Wallace

(1983) estudou os dez usos do sistema como casos de sondagem mista. Num dos

casos, a observação com a lente grande angular demonstrou que algumas áreas

estavam perdendo população, apesar de estarem localizadas em partes do con-

dado que, pelas tendências gerais, deveriam estar experimentando crescimento

populacional. A observação com lentes zoom revelou que nesses lugares estavam

sendo fechadas bases militares. Em quatro, possivelmente cinco, dos dez casos, a

abordagem levou ao que Wallace chama de constatações "inesperadas" (p. 318).

A sondagem ampla foi mais econômica do que a sondagem minuciosa de todos os

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uma oportunidade aparente acolá, dividem seu tempo e energia psíquica entre,em primeiro lugar, decidir sobre as abordagens fundamentais a escolher ("pron-

to para atacar" versus "necessidade de desenvolver mais as forças"; "ataque peloflanco do rei ou da rainha") e, só então, examinar com detalhe exclusivamente as

opções dentro da abordagem escolhida. (Com efeito, essa forma de fazer sonda-

gem pode acontecer em mais de dois níveis; por exemplo, escolher uma estratégia

fundamental, uma subestratégia, e daí examinar em detalhe algumas opções nessasubestratégia.) As regras de alocação são ilustradas no xadrez quando o jogo tem

de ser concluído em um período dado de tempo. Os jogadores então se envolvem

menos em sondagem de nível superior, isto é, dedicam-lhe menos tempo, durante

o desenrolar do jogo, embora se possa dar-lhes tempo "extra", caso a estratégiaseguida enfrente dificuldades.

Essa abordagem não exige um levantamento exaustivo de todas as opções,

como requer o racionalismo, e é mais "estratégica" e inovativa que o incremen-

talismo. No artigo de 1967, foi sugerido que ela tem ao mesmo tempo base em-

pírica, no sentido de que se espera que os deliberadores mais efetivos usem a

sondagem mista, e é a abordagem mais conveniente, isto é, a mais correta emtermos normativos.

Naquela publicação sugeria-se que a sondagem mista se assemelha ao ras-

treamento feito por satélites aparelhados com duas lentes: uma grande-angular e

outra de aproximação ( zoom) . Em vez de observar minuciosamente todas as for-mações (uma

tarefaproibitiva),

ouapenas

ospontos problemáticos anteriores,

aslentes grandes apontam lugares que precisam ser observados com lentes de apro-

ximação para análise detalhada. Nos anos que se passaram, desenvolveu-se uma

nova tecnologia que aplica a abordagem das "lentes duplas" da sondagem mista, o

Sistema de Controle de Informações para a Tomada de Decisão (DIDS). O siste-

ma fornece exposições gráficas computacionais de geodata, em geral, na forma de

mapas. O sistema tem uma capacidade de aproximação (zoom) que permite a seus

234 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

condados. Ao mesmo tempo, a observação detalhada dos condados, selecionados

pelo rastreio amplo, evitou a perda de informações que ocorreria, caso tivesse sido

feita apenas a sondagem ampla.

Operacionalização

Parte significativa dos estudos subseqüentes explicitou o modelo de sonda-

ge m mista em termos programáticos, ou seja, em termos que podem servir como

guia para os tomadores de decisão, como ponto de partida para programas de

computador, como base para projetos de pesquisa. Etzioni (1968, p. 286-288)

deu iníco a esta elaboração:

a. Em oportunidades estratégicas (ver d abaixo , para definições):

(i) Listar todas as propostas relevantes que venham à mente, que o staffs\\-

gira e que os conselheiros proponham (até mesmo as propostas que em

geral são consideradas inviáveis).

(ii) Examinar brevemente as propostas listadas em (i) (ver d abaixo para de-

finição de "brevemente") e recusar aquelas que contenham alguma "ob-

jeção impeditiva". Entre essas objeções contam-se: (a) objeções úteis, a

propostas que exigem meios não disponíveis; (b) objeções normativas, a

propostas que violam os valores básicos dos tomadores de decisão; e (c)objeções políticas, a propostas que ofendem os valores ou os interesses

básicos de outros atores, cujo apoio se mostre essencial para se tomar a

decisão e/ou implementá-la.(iii) Repetir (ii) com mais detalhes, mas não exaustivos em relação a todas as

propostas não rejeitadas em (ii) (ver d abaixo para definição de escala).

(iv) Para as propostas que ainda restarem, depois de (iii) repetir (ii) com de-

Reexame da estratégia mista de decisão • 235

 

talhes mais completos (ver d) . Continuar neste processo até que resteapenas uma proposta, ou escolher uma proposta de forma aleatória entreas que restam (e solicitar ao stajfque no futuro colete informações sufi.cientes para diferenciar entre si todas as propostas a serem examinadas).

b. Antes da imp lementação :

(i) Quando possível, fragmentar a implementação em diversos passos se-qüenciais (uma regra administrativa).

(ii) Quando possível, dividir o compromisso de implementação numa série

novas alternativas, não examinadas anteriormente); e (c) a meta talvez játenha sido alcançada e, portanto, não necessite incrementação adicional.Se isso ocorrer, propor nova(s) meta(s), ou considerar o encerramento doprojeto.

d. Formular um a regra para a alocação de recursos materiais e de tempo entre os vários

níveis de sondage m . A regra consiste em reservar "fatias" do bolo disponívelpara:

(i) Rotinas "normais" (quando a incrementaçáo "funciona").

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de diversas etapas (uma regra política).

(iii) Quando possível, dividir o comprometimento de recursos ou ativos numasérie de várias etapas e manter um a reserva estratégica (uma regra útil).

(iv) Preparar a implementação para que, se possível, as decisões mais carase menos reversíveis apareçam mais tarde no processo do que asdecisõesmais reversíveis e menos custosas.

(v) Providenciar um cronograma para a coleta e o processamento adicionaisde informação, de tal sorte que as informações estejam disponíveis nosmomentos cruciais de decisões subseqüentes, mas admitir atrasos "impre-vistos" na disponibilidade desses inputs . Recorrer a uma sondagem maisabrangente quando essas informações se tornarem disponíveis e antes

desses momentos críticos.

c. Reex aminar durante a imp lementação :

(i) Fazer sondagem em nível semi-abrangente após a implementação do pri-meiro subconjunto de incrementos. Se eles "funcionarem", continuar asondagem em nível semi-abrangente, a intervalos mais longos, reduzindocada vez mais as revisões completas e globais.

(ii) Fazer sondagem mais abrangente sempre que uma série de incrementosmergulhar em dificuldades mais sérias, mesmo que cada um pareça repre-sentar um passo certo no rumo original.

(iii) Não esquecer de promover, a intervalos regulares, revisões completas eabrangentes, mesmo que tudo pareça estar certo, porque: (a) um perigosério, não detectado em sondagens anteriores, torna-se observável agoraqu e está mais próximo, podendo assumir proporções assustadoras a pou-cos passos (ou incrementos) adiante; (b) uma certa estratégia descartadaem rodadas passadas pode-se vislumbrar mais adequada agora (ver seurnaou mais objeções impeditivas foram removidas, ma s também procurar

236 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

semi-abrangentes.

(iii) Revisões globais.(iv) Revisões de iniciação, quando se considera todo um novo problema ou

estratégia.(v) Um "gatilho" de tempo, que desperte a intervalos determinados, para pre-

cipitar revisões mais abrangentes, sem esperar que se antecipem crises.(vi) Um a revisão ocasional da regra de alocação, na revisão global, e o estabe-

lecimento de padrões de alocação, na revisão estratégica de iniciação.

Janis e Mann (1977, p. 37) introduziram um aperfeiçoamento importanteno programa. De acordo com eles, enquanto todas as propostas que não têm

"objeções impeditivas", durante a sondagem inicial, são mantidas para examemais cuidadoso, o que eqüivale a uma abordagem "quase satisfatória", "toda vez

que as alternativas remanescentes são reexaminadas, a regra de testagem pode sermudada no sentido da otimização pela elevação do padrão mínimo (de objeçõesimpeditivas a objeções de peso menor)".

Esses pesquisadores também aumentaram a amplitude das decisões à qualse pode aplicar a sondagem mista: "Embora destinado a formuladores de po-líticas, o mesmo programa, com modificações menos importantes, poderia seraplicado a decisões de trabalho de um indivíduo e a decisões pessoais envolven-do carreira, casamento, saúde ou segurança financeira" (1977, p. 38). Para essasaplicações, segundo eles, o passo (i) deve ser modificado: o stajfe. os conselheiros

seriam substituídos pela família ou pelos amigos.Starkie (1984, p. 75) concorda com Etzioni no sentido de que não se

espera que a mera acumulação de numerosas mudanças incrementais produza oequivalente a uma decisão contextual ou fundamental, porque o modelo incre-mentalista não adianta critérios diretivos a respeito da acumulação; é provávelque seja aleatório e disperso. Em contraste, na sondagem mista, as decisõesfundamentais oferecem esses critérios. Starkie salienta, corretamente, que a su-

Reexame da estratégia mista de decisão • 237

 

gestão de Etzioni, segundo a qual uma "rastejada" incrementai, seguida de umamudança súbita - quando as políticas vigentes não são mais sustentáveis pormera modificação" -, é apenas um padrão possível de combinação de decisõesincrementais e fundamentais ; a incrementação pode seguir-se a uma decisãofundamental tão facilmente quanto vice-versa. Chadwick (1971) relacionaos vários métodos de decisão a diferentes propósitos e técnicas de formulaçãode decisão. Ele vê o racionalismo associado a tentativas de explorar o longoprazo; e considera que suas técnicas são ao mesmo tempo previsão normativabem como exploração e simulação, isto é, carentes de conteúdo empírico. Vê asondagem m ista propondo-se a "oferecer conjuntos alternativos de políticas deação", usando a avaliação, os métodos de critérios (design methods) e o que ele

decisões estudadas por Fenno (12 anos, 37 repartições) corresponderam efetiva-mente a alterações de 20% ou mais em um ano; 24 decisões forçaram mudançasorçamentárias de 50% ou mais; sete, 100% ou mais (ETZIONI, 1968, p. 289) .Outras mudanças foram pequenas, mas somente após uma mudança importante.Por exemplo, o orçamento de defesa dos EUA aumentou, no início da Guerra daCoréia, em 1950, de 5% do Produto Nacional Bruto, para 10,3%, em 1951.

Outra maneira de distinguir decisões incrementais de decisões fundamen-tais é verificar se há uma relação de conjunto ou dependência. Se uma decisãoincrementai requer ou decorre de uma decisão contextual, esta é a decisão fun-damental. P or exemplo, as comissões de análise de P&D, que autorizam recursospara projetos federais, agem incrementalmente, se elas avaliam cada um dos mui-

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chama de "relatório demonstrativo do balanço de planejamento" (p. 34 0). Nãosão dados detalhes so bre essas técnicas, e o endosso por Chadwick da sondagemmista, "como metaprocedimento altamente aceitável", baseia-se em seu julga-men to de que ele é flexível e não em estu do em pírico. Wright (1977) segue umrumo semelhante.

A afirmação de que uma decisão fundamental deriva de uma decisão in-crementai tem com razão preocupado vários estudiosos do modelo de sondagemmista. Lee (1979, p. 486) concorda com a abordagem básica, a saber: "É maisracional na prática ser seletivo e sistemático a respeito do número de propostasviáveis do que examinar 'racionalmente' todas as opções". Ele acrescenta, porém ,

que a teoria "não nos diz em que ponto a seleção deixa de ser racional". Cates(1979, p. 52 7) escreve: "Meu pro blema é tentar id entificar como tal uma decisãogrande ou pequena. A s aparências enganam" (ver também FALCONE, 1981).

No entanto, Alexander (1972, p. 327) nã o sente essa dificuldade: eleacha que o exemplo usado por Braybrooke e Lindblom para mostrar como um apolítica é determinada por decisões incrementais - o "estado de emergência"declarado em 1940 por F. D. R oosevelt, antes da entrada dos EUA na II Guer raMundial - foi na verdade ao mesmo tempo um passo incrementai que levava atermo sua decisão fundam ental anterior de envolver os EUA na guerra, quantofo i o contrário.

Uma maneira de diferenciar decisões incrementais de decisões fundamen-

tais é o tamanho relativo. Por exemplo, Fenno (1966) usou o fato de o C ongressotender a fazer alterações de no máximo 10% nos orçamentos de numero sas repar-tições pú blicas federais, a cada ano, para argumentar que ele está apenas pratican-do incrementalismo. Dez por cento ou menos pode significar bilhões de dó lares,mas no contexto pode ser considerado pequeno ou incrementai. Etzioni, por suavez, usou a mesma regrinha prática, isto é, 10% ou menos é marginal para mos-trar que muitas das decisões reais tomadas não eram incrementais: 211 das 44 4

238 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

tos projetos em seus próprios méritos. Elas fazem sondagem mista se, em primei-ro lugar, estabelecem alguns critérios quanto às linhas de pesquisa que desejampromover e daí se guiam por esses quando tomam decisões específicas. De fato,alguns projetos que não se pautam, pelos critérios escolhidos, podem dispensarqualquer análise minunciosa já de saída.

Abordagem positiva e normativa

Todas as três abordagens de tomada de decisão são não apenas positivasno sentido de que pretendem descrever as maneiras como os deliberadores efe-tivamente agem, mas também são normativas, no sentido de que prescrevem deque modo as decisões efetivas devem ser tomadas. Alexander (1972) acrescentariaaqui "nas circunstâncias dadas", pois ele não acredita que haja uma estratégia dedecisão que se ajuste a todas as circunstâncias. Janis e Mann (1977, p. 38) su-gerem que diferentes tipos de tomadores de decisão hão de encontrar diferentesestratégias que se ajustem às suas diversas personalidades e aos seus níveis de edu-cação e preparo profissional. Entretanto, sustento que essas diferenças situacio-nais e de atores serão refletidas no investimento relativo entre os vários níveis desondagem. Por exemplo, quem tiver nível educacional inferior tenderá a investirmenos em sondagem superior. No entanto, nenhum ator, em qualquer circuns-

tância realística, poderá conformar-se com a abordagem racionalista. E todos osatores, em todas as circunstâncias, menos nas altamente improváveis, sofreriamperdas, caso se ativessem apenas ao m odo incrementalista, embora o prejuízo pu -desse ser menor que em outras circunstâncias se a situação fosse bem estável e osatores porventu ra usassem, para começar, a melhor estratégia.

Parkinson (1980) aplica a abordagem de sondagem mista na tentativade desenvolver um modelo superior d e formu lação de políticas para o sistema

Reexame da estratégia mista de decisão • 239

 

educacional de Ohio. A abordagem usada no sistema educacional antes dainiciativa de Parkinson era relativamente incrementai; considerações de or-

dem contextual eram deixadas de lado (1980, p. 161). Seguindo a abordagem

da sondagem mista, Parkinson desenvolveu um modelo que define a políticaprimeiramente em nível amplo e depois a avalia em nível incrementai. Para

incorporar a abordagem de sondagem mista, Parkinson propôs que se precisa

estabelecer um grupo de metapolítica, com a capacidade de alimentar ou

manter perspectivas amplas, necessárias ao planejamento de longo alcance.

A coleta e manutenção de informações amplas sobre políticas e sua pronta

disponibilidade a todos alargaria a visão da política, para incluir mais do que

A sondagem mista é sobretudo compatível com uma visão progressista,inovativa. Admite a capacidade dos atores de se adaptarem a circunstâncias quemudam, e mesmo a mudanças fundamentais, incluindo-se aí a estrutura dos

próprios atores. Mudanças revolucionárias que provocam o colapso do regime

antigo e a ascenção de um novo, a partir das cinzas, podem ocorrer a um ator

que pratica sondagem pobre, mas, na maioria das condições, podem ser evita-

das por uma sondagem adequada, se fo r dada a atenção devida às conclusões dasondagem realizada e forem feitas as adaptações cabíveis. De fato, Dyson (1975,

p. 160) relata que o modelo "deu estímulo aos intelectuais do S. P. D." O S. P.

D. mencionado é o Partido Social Democrata alemão. Nos termos de Bradley

(1973, p. 298):

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as preocupações do presente com o imediato - que é resolver os problemas domomento - sem destruir a necessidade de indivíduos e grupos pesquisarem

e fornecerem informações sobre questões políticas específicas que são de seuinteresse particular (1980, p. 169).

O estudo de Parkinson é normativo, na medida em que é prescritivo; elenão estu-

dou os efeitos da mudança para o modelo de sondagem mista, por ele favorecidoem seu estudo.

Hackett (1980) oferece um modelo para os administradores fazerem us odo poder. Grande parte de seu trabalho não diz respeito à sondagem mista, mas

ao modo como os "ativos" (recurso, personalidade) são convertidos em poder

intra-organizacional. Entretanto, a sondagem mista constitui um dos principais

componentes de seu modelo de poder. Ele a incorpora em seu modelo, associan-

do varreduras de sondagem ao desenvolvimento de planos para desenvolver ou

"ativar" os recursos de poder do administrador. Assim, por exemplo, se a sonda-

ge m revela um a perda de cooperação, deve-se desenvolver os recursos de poder

para se obter de novo a cooperação (ou "forçar a barra") ou , quiçá, modificar aabordagem usada (1980, p. 102 e p. 14).

Vendo de uma perspectiva mais ampla, as diferenças entre os modelos nor-

mativos são paralelas às diferenças entre as visões gerais de mundo. Os raciona-

listas tendem a estar filosoficamente em sintonia com as perspectivas libertárias

e liberais clássicasdo laissez-faire. Eles são também muito otimistas, pois julgam

que o deliberador individual é altamente autoconfiante e capaz. Nesse sentido

são ainda muito otimistas, utilitaristas e utópicos (BRADLEY, 1973, p. 297-

298). Os incrementalistas preferem conservar o status qu o porque são cegos àsoportunidades de mudanças radicais (DROR, 1969) ou a reformas básicas. Elestambém são bem pessimistas quanto à capacidade humana de conhecer e agir deforma sensata.

240 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

A sondagem mista procura evitar os problemas mais graves tanto do modelo

exageradamente racionalista quanto do modelo excessivamente pragmático...

Em termos normativos, ele assegura prestígio e previsibilidade, que, pelo me-

nos a longo prazo, são necessários a uma sociedade decente, além da aceitação

de inovações básicas necessárias...

Outros têm contestado que a sondagem mista evita as duas armadilhas.

Segundo Hanna (1980), o incrementalismo é compatível com as economias de

mercado e seus paladinos; o planejamento racional reflete um "autorizacionismo

de valores", e a sondagem mista "ignora questões normativas". Mas ele não adian,-ta as razões para chegar a essa conclusão. Smidi e May (1980, p. 153) levantaram

um desafio mais sério:

Mas, na verdade, não fica claro se as deficiências irrealistas e conservadoras

seriam de fato evitadas. Elas poderiam simplesmente ser confinadas ou trans-

feridas a diferentes setores do processo de tomada de decisão. Não há garantia

de que dentro destes limites elas não venham até a se tornar ainda mais acen-

tuadas. Precisaríamos examinar a sondagem mista na prática, antes de poder

julgar. Outras questões são deixadas de lado. Por exemplo, Etzioni continua a

presumir que os tomadores de decisão podem resumir e escalonar seus valores,

pelo menos em termos ordinários. Conforme mencionamos, já foi argumenta-

do de forma convincente que os valores são ordenados somente em contextos

de escolha específica.

De fato, se os valores podem ou não ser "reduzidos a uma forma sintética

é um a questão empírica, que, infelizmente, pelo menos neste contexto, não foiestudada.

Reexame da estratégia mista de decisão • 241

 

Fatores estruturais

O primeiro artigo (ETZIONI, 1967) e seus desdobramentos subseqüentes(id., 1968) ressaltaram o papel dos fatores estruturais. As decisões não são toma-das no vazio; elas são profundamente afetadas pela posição e pelo poder relativodo s deliberadores e por suas inter-relações.

O racionalismo presume um ator todo poderoso, como revela a noção deque o s atores devem d eterminar suas metas e pôr-se a imp lementá-las, sem se per-guntarem sobre seu lugar nas várias hierarquias de poder ou sobre as estratégiasnecessárias para lidar com elas. Por exemplo, um subordin ado talvez precise agirde forma diferente de um executivo de escalão superior. O incrementalismo é

estes casos tornam-se "matéria de preocupação" para estes últimos tribunais.Tem se observado um a relação semelhan te a esta entre as repartições fede-

rais e outros agentes e órgãos privados. Cardinal (1973) explorou um ato especí-fico sob a perspectiva da sondagem mista, a saber: a lei de política am biental dosEUA (National Environmental Policy Act) de 1969, relativamente à sua imple-mentação. Ele dedica atenção especial à Seção 4332(c), que cuida da instituciona-lização dos níveis de sondagem. "Observa-se que a liderança geral da política vemda Environmental Protection Agency (EPA) [...] para se tornar a primeira repar-tição de linha a criar e complemen tar políticas [...]" (p. 469). A implementaçãodetalhada e as respectivas decisões incrementais são muitas vezes deixadas a outrasrepartições ou a outras agências: Estados, entidades locais ou corporações.

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altamente compatível com a aceitação das relações existentes de poder. Segund oBradley (1973, p. 298): "Os não-organizados e os outros que não têm controlesobre recursos adequados para decidir, não têm papel a desempenhar no jogo doajuste mútuo entre as partes". (O ajustamento mútuo é em geral associado aoincrementalismo.) A sondagem mista sensibiliza o tomador de decisão a levarem conta outros atores; um dos fatores importantes que a sondagem encerra é apostura de outros atores e as relações entre eles.

O elemento estrutural recebeu pouca atenção nas mais de cinqüentapublicações que tratam da sondagem mista, talvez por causa da tendência mui-to difundida de se lidar com a formulação de decisões como uma estratégiaisolada, desincorporada. (O autor dispõe da lista completa de referências.)

Wimberley e Morrow (1981), que estão entre os poucos a examinar este fator,concluíram que o incrementalismo se inclina a favor do consenso, ao passo queo racionalismo tend e para a otimização e, portanto, a desconsiderar o consen-so . Segundo eles, a sondagem mista procura oferecer um a "conciliação" entreas duas abordagens. Os autores consideram qu e a sondagem mista é "inserida"e "consumidora de tempo" (p. 504), mas julgam que essas características sãoinevitáveis, quando um nível mínimo de sondagem se faz necessário, para nãose deixar escapar uma oportunidade importante, por um lado, e não se deixarmassacrar por detalhes intransponíveis, por outro. Eles concluem, portanto,que a sondagem mista é "sumamente conveniente para toda a amplitude dedecisões" (p . 506) .

Snortland e Stanga (1973) desenvolveram um argumento estrutural quandoaplicaram a sondagem mista às relações entre os tribunais. Os tribunais superiores(à semelhança dos executivos de escalões superiores) procuram reservar para si asdecisões fundamentais e esperam ou desejam que os tribunais inferiores pratiquemdecisões incrementais. Quando tribunais inferiores lidam com casos incrementais,em contextos sobre os quais os tribunais superiores ainda não se pronunciaram,

242 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Berry (1974, p. 358-359) examina o que ele chama de "relações comunitá-rias" sob diferentes estratégias de tomada de decisão, especificamente no contextodas relações entre os Órgãos de Planejamento Global da Saúde (CHPA) e seusrespectivos conselhos. Ele constata que o plano do s racionalistas é "tecnicamen-te sofisticado" e, por isso, requer um ambiente "razoavelmente estável"; o que,por sua vez, exige conselheiros que sejam tecnicamente competentes e, "após aaprovação deste documento [o plano diretor], a reação e os debates comunitá-rios esmoreçam [...]". O incrementalismo demanda alto grau de construção de

consenso; portanto, deve-se dar grande atenção a um conselho que se baseie emrepresentação justa. A sondagem mista requer profunda consciência pública dasdecisões fundamenta i s e dos principais esquemas alternativos. (Mas, por coerên-cia, menos envolvimento em decisões incrementais.)

Algumas evidências

Snortland e Stanga (1973, p. 1021-1031) aplicaram a sondagem mista aoestudo da lei. Em primeiro lugar, descobriram que o modelo se aplicava à Cons-

tituição.

A segunda fase da incorporação da Carta dos Direitos (Biü ofRights) oferece

um a ilustração de sondagem mista. Enquanto a primeira fase procedeu de for-ma desatenta, a segunda envolveu decisões fundamentais por parte da Corte, no

bojo de um referencial de sondagem mista de decisão tão fundamental quanto

parcial. O caso Mapp v. Ohio e, sem dúvida, o caso Gideon v. Wainwright pa-

recem representar decisões fundamentais importantes e conscientes no sentido

de se incorporar determinações da Carta dos Direitos à Emenda na 14. Poucosanos após estas decisões terem sido tomadas, a Corte virtualmente completou o

Reexame da estratégia mista de decisão • 243

 

processo de incorporação por meio de decisões incrementais. A Corte não adotoua posição do magistrado Black, que pedia a incorporação imediata e total. Em vezdisso, promoveu um a decisão fundamental sobre a questão da incorporação,ma sassegurou que o processo poderia ser interrompido, se ele se mostrasse prejudicialà administração da justiça criminal. A Corte resguardou a liberdade para reavaliar

esta importante decisão política e para se retrair, se necessário. Este é precisamen-te o processo prescrito pelo modelo de sondagem mista.

Snortland e Stanga mostram a relevância da sondagem mista para duasimportantes decisões da Suprema Corte: Miranda e Brown. No caso de Miran-

da , a decisão definidora do contexto envolveu tanto a formulação de critérios

que o método da sondagem mista era o mais relevante" (p. 104). O objeto deestudo é o Departamento de Saúde e Habitação da Escócia (SHHD), que com-preende 15 conselhos distritais de saúde e uma repartição central que contémuma unidade administrativa e uma de planejamento. Antes da reorganização,que é o foco do estudo, o SHHD estava "muito voltado para a administraçãoe a gerência dos serviços de saúde existentes, e o desenvolvimento de políticasrestringia-se sobretudo a respostas a estímulos externos" (p. 105). As questõessurgiam em base a d hoc , sem avaliações sistemáticas da situação, e as decisõesaconteciam em grande parte de forma incrementai, embora tenham havido ten-tativas esporádicas e fúteis de se introduzir racionalismos. Po r exemplo, tentou-

se certa feita usar técnicas de ciência gerencial para fins de planejamento de

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quanto a seleção do caso incrementai. No caso de Brown, a decisão fundamentaltanto seguiu-se às decisões incrementais como também estabeleceu seu contex-to.

Depois do caso Escobedo, a Corte tinha clara consciência da importância de

sua decisão inicial sobre as interrogações e confissões. O caso se reveste de im-

portância ainda maior, em termos de sondagem mista, quando se constata que

o caso Miranda e os de seu grupo "eram tão representativos das situações de

interrogação policial quanto o caso Escobedo fora singular". O caso Miranda

envolvia não apenas uma decisão consciente sobre uma questão fundamental,ma s também uma seleção de casos que estimularia uma aplicação ampla da

nova política aos casos de interrogação e confissão.[...] O acórdão Brown oferece um exemplo útil de aplicação do modelo

de sondagem mista. Brown foi precedido por uma série de casos que desgasta-

ram seriamente a doutrina do "distinto, mas igual". Devido à natureza incre-mentai desses casos, o resultado no caso Brown não deveria ter surpreendido a

um observador informado. No entanto, é evidente que o caso Brown foi uma

importante decisão política de significado fundamental. Não foi uma decisãoincrementai, embora seja provável, segundo sugere Shapiro, que a Corte já hou-

vesse resolvido decretar a ilegalidade da segregação. Muitas questões relativas àdiscriminação racial ficaram sem resposta no caso Brown. Elas deveriam serresolvidas incrementalmente, como mostra o segundo acórdão sobre Brown.

Muitos detalhes adicionais feitos pelos dois autores não podem ser reto-mados aqui.

Wiseman (1979) estudou a concepção e o desenvolvimento dos processosde planejamento usados no serviço de saúde na Escócia. São examinadas váriasabordagens de tomada de decisão e, "por razões especificadas abaixo, sentiu-se

244 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

mão-de-obra. Os resultados desoladores dessa abordagem levaram à busca de

um método mais efetivo.

[...] A abordagem racional-compreensiva foi rejeitada no início do processo,por causa dos escassos recursos disponíveis para o planejamento, das comple-xidades do ambiente instável, dos interesses diversos e da accountabi l i ty múlti-

pla dos indivíduos dentro do serviço de saúde. Por outro lado, havia tambémo desejo de introduzir-se mais racionalidade e mais equilíbrio na formulação

de políticas do que fora possível no passado. Isso implicava inevitavelmentetrilhar um caminho intermediário que permitisse avançar a partir das práticasdo passado. Propôs-se a abordagem de sondagem mista, que compreende três

componentes-chave (WISEMAN, 1979, p.107).

O primeiro elemento consistiu na introdução de um processo de sonda-gem cujo objetivo era rever de tempos em tempos "o que vinha acontecendo,para identificar e quando possível adiantar-se a questões importantes qu e possi-velmente requeressem atenção detalhada e em geral para oferecer uma síntese que

orientasse as possibilidades futuras de desenvolvimento dos serviços de saúde"(ibid.). Para garantir que o processo não se tornasse racionalista, concordou-seque "o processo de revisão consideraria o campo dos serviços de saúde em termosamplos, mas não exaustivos, e não cairia na tentação de produzir políticas ou

planos detalhados para qualquer aspecto específico (ibid., p. 107).O segundo elemento referiu-se a um procedimento de seleção para se-parar as questões fundamentais (identificadas pelo processo de revisão) a seremsubmetidas à análise detalhada e a o planejamento, levando-se em conta os recur-so s limitados. O terceiro elemento importou no planejamento detalhado de umsubconjunto relativamente pequeno de questões selecionadas para incrementaçaogradual. Wiseman (1979, p. 104 ) relata que o plano foi implementado, mas não

Reexame da estratégia mista de decisão • 245

 

fez observações a respeito de sua eficácia. (Outros dois estudos de Wiseman, de1978 e 1980, tratam da mesma iniciativa, mas não acrescentam detalhes sobre oresultado da implantação da sondagem mista.)

Berry (1974, p. 351-353) sugere brevemente como a sondagem mistapode ser aplicada a uma variedade de situações, incluindo a decisão de um pro-prietário de vários jornais em pequenas comunidades quanto a incluir ou nãoem sua rede mais uma cidade, e a utilidade das mudanças abruptas nos dadossobre morte ou sobre m orbidez para as autoridades de saúde pública iniciaremvários níveis de sondagem (o escopo da sondagem depende da proporção dedesvio do s dados em relação às normas estabelecidas). Berry mais adiante in-sinua a quantidade de recursos e de tempo que os vários m étodos de decisão

normas eram claríssimas; 13,40 quando não eram claras; e 19,07 quando nãoforam indicadas explicitamente.

A incrementação gradativa, operacionalizada mediante o ajustamento es-treito entre a pesquisa relativa a políticas e os "processos correntes e ordinários d etomada de decisão", revelou considerável impacto político (o mais alto, 17,60).A sondagem mista foi operacionalizada em termos de sondagem plena e não emtermos apenas de diagnose de problemas ou mera identificação de metapolíticas- contendo também opções de implementação. Esteve ligada ao uso mais intensoda pesquisa social aplicada. A leitura do impacto das políticas registrou 23,67.

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demandam: a abordagem racionalista exige "o máximo de tempo e de fundosantes da ação"; a incrementai, o mínimo; a sondagem mista cobra "tempo mo -derado" e relativamente poucos recursos, porém mais que os métodos incre-mentalistas; a abordagem radical é tão onerosa e consumidora de tempo quantoos métodos racionalistas (p. 356) .

Deshler (1974) treinou 56 administradores educacionais em sondagemmista, observou seus comportamentos antes e depois do treinamento e coletouinformações sobre eles por meio de questionários e entrevistas. Ele constatouque quase todos eles praticavam sondagem "naturalmente" de forma generalizadaantes mesmo de terem sido expostos à sondagem m ista (p. 89). Entretanto, antesde terem sido informado s sobre a sondagem m ista, mais ou menos a metade deles

limitava sua sondagem a questões locais, ignorando as estaduais e a s federais; e amaioria tendia a sond ar para baixo, não para cima; e para dentro, não para fora.A sondagem mista aumentou o escopo de suas sondagens para cima e para fora.Também diminuiu a tendência deles de afixar o rótulo de "excelente" a qualqu erprática estabelecida e acentuou sua tendência a considerar alternativas. "O pro-cesso prepara a pessoa a pensar sobre as questões com mais profundidade. Eleelimina sua visão de túnel. Estimula a pensar interdisciplinarm ente e abre novasáreas à consideração", segundo contaram os entrevistadores a Deshler (DESH-LER, 1974, p. 101).

DeVal, Bolas e Kang (1976) compararam as três abordagens de tomadade decisão em seu estudo sobre o uso dado à pesquisa social aplicada, envolven-do 240 projetos. Eles desenvolveram um a medida de "impacto político global"com base em entrevistas com os formulado res de políticas. (A medida tem cincoelementos e foram examinadas as correlações entr e eles. Para detalhes, ve r ibid.,Apêndice B .) A testagem subseqüente mostrou que a abordagem racionalista,definida em termos de "normas políticas" bem detalhadas e exaustivamente ex-plicadas, tem um impacto político pobre. O impacto foi de 12,56 quando as

246 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Conclusão

A sondagem mista parece ter um certo apelo intuitivo para um bom nú-mero de pesquisadores e estudiosos práticos da tomada de decisão. As formaspelas quais ela poderia ser operacionalizada, para fins de pesquisa ou de imple-mentação, foram se tornando claras ao longo do s anos, e a diferença essencialentre decisões fundam entais e increm entais não parece apresentar grandes di-ficuldades. Foram estudadas as relações en tre as três diferentes abordagens detomada de decisão e as várias estruturas de poder intra e interorganizacionais,be m como entre as abordagens de poder versus a construção de consenso. Noentanto, falta ainda comprovar empiricamente se, de fato, os modelos racionaissão mais adequados para o totalitarismo ou para as abordagens de poder con-centrado (por exemplo, planejamento central); se o incrementalismo se ajustamelhor às comunidades políticas altamente pluralísticas e dominadas po r inte-resses especiais; e se a sondagem mista é a que mais convém aos sistemas queconciliam um compromisso equilibrado entre a coletividade, por um lado, eo pluralismo, por outro (ETZIONI, 1984). A hipótese alternativa seria que o

racionalismo não funciona sequer em sistemas altamente centralizados (comosugerem as recentes mudanças na URSS e na C hina) e que o incrementalismoreforça a fraqueza do pluralismo destituído de referencial coletivo. Talvez todosprecisem de sondagem mista, ainda qu e usando diferentes composições de ní-

veis mais altos e níveis mais baixos de sondagem.Acima de tudo, a sondagem mista ainda se ressente da grande falta qu efazem estudos de caso e estudos q uantitativos de situações em que as estratégiasde tomada de decisão tenham se convertido de estratégias racionalistas ou in-crementalistas em estratégias de sondagem mista. É preciso conhecer melhor osresultados, quer em term os de eficácia ou em termos de fatores que impediram ouestimularam o uso da sondagem mista.

Reexame da estratégia mista de decisão • 247

 

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Comentár ioProgressos na capacidade cognitiva e opoder de arbítrio do

deliberadorBelmiro Valverde Jobim Castor*

Introdução

"Reexame da estratégia mista de decisão") verificará que as aplicações práticas deseu artigo, por meio da transform ação dos conceitos básicos da "sondagem mista"em procedimentos operacionais, que possam ser rotineiramente utilizados pelostomadores de decisão, ainda são limitadas e se encontravam em estágio quase em-brionário à época da publicação de seu artigo de revisão da matéria (1986 ).

O argumento de Etzioni pretende estabelecer uma ponte entre uma me-

tavisão racionalista de determinada realidade (que o autor compara a uma son-dagem feita a grande altura com uma lente grande angular) e a identificação dealguns subaspectos de tal realidade, para orientar um estudo mais detalhado (queEtzioni compara a uma sondagem feita com lentes de maior foco e menor ampli-tude), com o propósito de permitir mais facilmente o desenvolvimento de ações

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Passados mais de quarenta anos de sua publicação, o artigo de Amitai Et-zioni, propondo um a "terceira via" para as teorias decisórias, contin ua atualíssimopela contribuição que deu ao estudo das decisões no âmbito das organizaçõessempre às voltas com a difícil conciliação entre a busca da racionalidade e as limi-tações human as para atingi-la.

Etzioni foi um dos autores que estudei com maior interesse e entusiasmodurante me u doutoramento na University of Southern Califórnia, entusiasmoque manten ho intacto até hoje. No caso da proposta d e um sistema de "sondagemmista", a importância primária de sua contribuição está na tentativa de com-

patibilizar duas abordagens aparentemente antagônicas na tomada de decisõesorganizacionais, associando uma visão globalizante e racionalista com a práticainevitavelmente incrementalista na vida das organizações.

Infelizmente, apesar da seminalidade da contribuição de Etzioni à discus-são do processo decisório, um observador atento (como ele próprio o fez em seu

Belmiro Valverde Jobim Castor é PhD em Administração Pública pela University of SouthernCalifórnia, Los Angeles, desde 1982. Entre suas experiências profissionais destacam-se:Secretário de Planejamento dos governos Jayme Canet Jr. (1974-1979) e José Richa (1983-1984), e secretário da Educação do governo Álvaro Dias (1987-1988), no Estado do Paraná;e diretor de controle operacional (1984-87), diretor internacional (1989-1992) e diretor su -perintendente (1992-1996) do Banco Bamerindus do Brasil S. A., em Curitiba. Em 2004,

aposentou-se como professor titular da Universidade Federal do Paraná. Sua produção acadê-mica aparece publicada sobretudo em periódicos especializados, como, por exemplo, na Revistade Administração Pública, da F. G. V. Merece destaque seu livro O Brasil n ã o é par a amador es:estado, governo e burocracia na terra do jeitinho, publicado em 1 a edição em 2000 e em2 a edição em 2004. Em 2003, o mesmo fo i publicado em inglês no exterior com o nome Brazi lis notfor amateurs . Em 2001, publicou ainda o artigo "Os contornos do Estado e da burocraciano Brasil", para os Cadernos Adenauer, da Fundação Conrad Adenauer. Desde 2004 é professordo mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business School, em Curitiba.

250 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

de intervenção ou controle. Na abordagem da "sondagem mista" são abandona-dos aspectos da realidade observada na "sondagem superior" qu e aparentementenão apresentam importância suficiente.

De acordo com Etzioni, essa conjugação de dois pontos de visão, um maisamplo e globalizante e outro mais detalhado e específico, de alguns aspectos re-levantes da realidade observada (com o conseqüente abandono da tentativa dedeter informações completas a respeito de toda a realidade so b estudo), permitiriachegar a decisões que conteriam dois elementos intrínsecos: um grau de raciona-lidade assegurado pela análise global (comprehensive, em inglês) do problema; eum reconhecimento das limitações da capacidade humana de desenvolver solu-

ções totalmente racionais, o que levaria as pessoas e as organizações à prática desoluções fragmentárias e inconstantes de problemas, baseadas em informaçõessabidamente incompletas e sem o domínio do rol completo de alternativas viáveisde ação. Essa prática fo i batizada por Charles Lindblom de muddl ing through,traduzível livremente por avançar confusamente (to muddle = pensar ou agir demaneira confusa e sem rumo1) e serviu de base para a formulação de uma teoriadecisória, o chamado incrementalismo desarticulado.

Incrementalismo desarticulado e satisficing

Confesso qu e sempre tive dificuldades em entender claramente os limitesentre alguns pressupostos do chamado incrementalismo desarticulado, propostooriginalmente por Lindblom (1959), e o conceito de satisficing do modelo de"homem administrativo" de Herbert Simon.2 Ambos os conceitos reconhecemque é teórica e praticamente impossível possu ir todas as informações a respeito deum problema e muito menos de todas as alternativas de solução para o mesmo.

Reexame da estratégia mista de decisão • 251

 

Tanto o incrementalismo desarticulado como a teoria da racionalidade li-mitada das decisões "satisfatórias" reconhecem que o processo decisório não seinicia, a cada vez, do zero absoluto. Ao contrário, com o temp o e a experiência, otomador de decisões reduz e mesmo a bando na progressivamente o procedimentoinquisitivo e acaba por desenvolver repertórios de soluções ou, na visão de L ind-blom, por in trodu zir avanços incrementais em decisões anteriores.

É claro que enquanto o satisficing tem uma conotação crítica, quase resig-nada em relação à limitação da racionalidade, Lindblom desenvolveu contornos"científicos" para a racionalidade limitada, haja vista o nom e de seu clássico arti-go: "The science of muddling through".3

das teorias decisórias permanece na elevada carga de arbítrio (definido como "re-solução dependente só da vontade, ... opinião" 4 ), que é exercitada pelo tomadorde decisões tanto na definição de um problema quanto na escolha das formasde enfrentá-lo. E nesse aspecto não se encontra ajuda significativa na teoria da

"sondagem m ista".A arbitrariedade começa pela própria definição do campo de investigação.

Como definir a amplitude da "sondagem superior", global? Uma coisa é estabele-cer um campo de observação de fenômenos físicos imediatos (como os meteoro-lógicos qu e servem de ilustração no artigo); outra é definir o campo de observaçãode fenôm enos sociais, políticos e culturais, cujo nível de abstração é elevado e para

fazer

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Limites cognitivos do processo decisório

Nos últimos anos, a justificação para o muddl ing through e para o satis-f i c ing vem sofrendo algumas alterações importantes. Enquanto no passado ajustificativa para o abandono de uma visão globalizante e racionalista dos pro-blemas era de natureza essencialmente cognitiva (a incapacidade de dispor detodas as informações a respeito de um problema e de suas soluções possíveis),hoje essa dificuldade fo i significativamente reduzida. Com o desenvolvimentoda microeletrônica, houve um avanço dramático na capacidade cognitiva dos

indivíduos e das organizações, por meio do uso de computadores que proces-

sam quantidades assombrosas de informações em frações de segundo a custosdecrescentes. E o que é mais importante: essa capacidade de computação abaixo custo cresce exponencialmente a cada dia, existindo m esmo um axiomana indústria eletrônica: o poder de computação dobra a cada ano enquanto ocusto de processamento decresce 50% no mesmo período.

Em outras palavras, a cada dia q ue passa, o administrador está mais capaci-tado a dispor de inform ações rápidas, b aratas e cada vez mais detalhadas a respeitode um problema e de suas possibilidades de solução. Não se trata, portanto, deuma limitação cognitiva. No aspecto cognitivo puro e simples, a utilização deuma abordagem racionalista estaria mais e mais viabilizada com os instru mento smodernos de captação de dados e d e processamento.

Arbitrariedade do processo decisório

À medida q ue o pro blema cognitivo do processo decisório passa a ter me-nor importância, cresce a importância do problema interpretativo. O nó górdio

252 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

cujo entendimento é necessário em muitos casos estudos retrospectivos ecomparativos de grand e alcance.Em seguida, outra complicação: Como escolher os subconjuntos que

merecerão estudo mais detalhado? Imagine-se, por exemplo, que um grupo decientistas sociais resolvesse estudar o fenôm eno da dissolução política da União

Soviética. Um economista consideraria como fator fundamental o estudo das re-lações entre o desenvolvimento tecnológico do Ocidente e a crescente disparidad edos níveis de produtividade dos dois modelos econômicos (o da economia demercado e o da economia planificada), para explicar o esboroamento político daex-URSS. Já um estudioso de ciência política talvez se inclinasse mais pelos fato-res geopolíticos e de organização partidária para p rocurar estabelecer seus marcosreferenciais e escolher os subcampos que consideraria mais relevantes. Enquantoisso, um estudioso das estratégias militares tenderia a buscar na tecnologia bélica,nos orçamentos de defesa e nos avanços tecnológicos específicos da balística e dos

foguetes seus subcampos relevantes.Em síntese, a definição do campo de observação das "sondagens" supe-

riores tanto quanto das detalhadas é impregnada de arbítrio e de julgamentosvalorativos. Aliás, esse risco foi identificado por Lindblom (1959) na proposta domuddl ing through, ao alertar que os valores de uma agência definidora de políticaspoderiam sobrepujar os das outras agências envolvidas, em detrimento de uma

abordagem equilibrada:

A virtude de uma divisão hipotética do trabalho como essa é que todo inte-

resse ou valor impo rtante tem alguém a zelar por ele. E esses zeladores podem

proteger os interesses em sua jurisdição de duas formas bastante diferentes: a

primeira, reparando os danos feitos por outras agências; a segunda, prevenindo

e evitando os problemas antes que eles ocorram.5

Reexame da estratégia mista de decisão • 253

 

Formas "objetivas" e "científicas" de interpretação

Portanto, a questão continua a ser como interpretar um determinado p ro_blema. Interpretação pressupõe a pré-existência de valores e interesses a seremrespeitados bem como de expectativas por p arte daqueles que realizam a interpre-tação. E a prevalência de uma dada interpretação é obviamente uma questão depoder dentro da organização. Por mais rebuscadas que sejam as teorias decisóriaspo r mais sofisticados qu e sejam seus arsenais de fórmulas e algoritmos, po r maisdemocráticos que sejam os métodos de discussão, é preciso lembrar que uma de-cisão é essencialmente um ato de arbítrio por parte de alguém (ou de um grupo)que se julga capaz de exercitar o p oder.

Na formulação e/ou na identificação do problema a ser resolvido, a pro-posta de Etzioni foge completamente às abordagens tradicionais e representa umavanço conceituai considerável. No entanto, na s demais etapas do processo deci-sório (que podem ser sinteticamente descritas como a formulação de objetivos, alistagem das alternativas de solução e a medição das conseqüências prováveis decada uma delas, a definição dos critérios de decisão e o estabelecimento das regrasde decisão), a "sondagem mista" tem características muito parecidas com as dasduas abordagens propostas que pretende substituir.

É inegável que a idéia de associar uma visão global à vo l d'oiseau com umavisão detalhada e exaustiva de apenas parte dos elementos constitutivos de umproblema (ou de uma realidade qualquer sob estudo) é extremamente atraente do

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Como escolher os valores que guiarão a interpretação de um determina-do problema e a escolha das alternativas para sua solução? A resposta p ara essaquestão tem sido procurada em diversos domínios e em diversas épocas desde aproposta aristocrática de Maquiavel ("é necessário ser príncipe para entender anatureza do povo e para entender a natureza dos príncipes é necessário ser povo"6)até as tentativas modernas de "objetivar" a escolha de valores ou, no extremooposto, as tentativas de desenvolver consenso e coalizaçóes em torno dos valoresa preservar.

Entre as experiências de "objetivização" na discussão de valores e d e buscade consenso, podem os citar a técnica de análise multiatribu tiva d e desejabilidade(Multi-Attribute Desirability Analysis-Mada.) , o já consagrado e largamente utili-

zado D elphi e as técnicas de negociação de valores e interesses que são bem des-critas, por exemplo, em Fisher e Ury, Getting toyes: negotiating agreement without Jgivingin (1981).

O fato é que o processo decisório ainda está carregado de arbítrio e as ten-tativas de definir bases objetivas para a sistematização desse arbítrio não têm sidoespecialmente bem-sucedidas. Não acredito igualmente que a "sondagem mistaajude nesse sentido.

Uso da "sondagem mista" nas diversas etapas do processo decisório

Outro aspecto a considerar na proposta de Etzioni de um sistema qu£

combinasse as vantagens dos dois sistemas por assim dizer antagônicos, cornoo racionalismo e o incrementalismo desarticulado, ao mesmo tempo que mi'notasse suas deficiências, é que sua natureza inovadora é bastante evidente»quando se trata de uma das etapas do processo de decisão, e pouco visível na soutras.

ponto de vista prático. Mas, ao associar a visão geral com a visão particular, estariaEtzioni realmente associando a abordagem racionalista à abordagem incrementa-lista? As duas sondagens não poderiam ser, ambas, "racionalistas"? Ou , ainda, asduas sondagens não poderiam ser "incrementalistas"?

Freqüentemente, a idéia do incrementalismo desarticulado tem sidoconfundida com uma visão inercialista e imobilista da s organizações, as quaisfugiriam a decisões mais fu ndam entais po r meio de uma sucessão de pequenasdecisões de pequeno alcance (decisões incrementais). Na realidade, Lindblomacreditava que o método de decisões incrementais estava mais afinado com aprópria natureza do processo político interno da s organizações, em que inte-

resses e valores concorrentes (e não raro abertamente conflitantes) procuravamum "ajustamento mútuo". Mas isto não significaria fugir às decisões de maioralcance e maiores repercussões; apenas seria um a forma viável de chegar a elascom maior facilidade.

Apesar de todas as imperfeições e perigos latentes nesse processo onipresente deajuste mútuo, ele consegue muitas vezes acomodar ou ajustar as políticas a um

conjunto mais amplo de interesses do que conseguiria fazê-lo, centralmente,

um só grupo (LINDBLOM, 1959).7

No entanto, a abordagem dita "racionalista", baseada na análise extensivae

exaustiva do problema a ser enfrentado, de suas alternativas de solução e dasrespectivas conseqüências, permanece como paradigma central das organizaçõesem muitas situações. Em situações de risco, por ex emplo, as pessoas gostariam d eque aqueles que decidem tivessem a maior in formaçã o possível e dispusessem do

leque de opções imaginável. Afinal, essa pode ser a diferença entre sobre-e perecer... E é freqüentemen te impossível classificar um a abordagem como

lncrementalista" ou "racionalista" com um razoável grau de precisão.

254 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Reexame da estratégia mista de decisão • 255

 

Tomemos o exemplo meteorológico de Etzioni e o apliquemos a urnasituação concreta: o furacão Andrew que devastou parte da Flórida há algun s

anos. Fotos tiradas de um satélite que cobrisse todo o globo terrestre, identifi-cando áreas de perturbação, tempestades, furacões etc., constituiriam a "sonda-gem superior".

Uma dessas perturbações que essas fotos teriam identificado teria sido ofuracão Andrew, que estava prestes a chegar à costa da Flórida, carregando um

potencial de destruição enorme. Portanto, tratando-se de um subconjunto de in-

formações relevantes, a abordagem da "sondagem mista" preconizaria um estudoexaustivo e detalhado do mesmo.

Ma s essa segunda sondagem e todas as decisões d ecorrentes do estudo de-

Síntese e conclusão

A "sondagem mista" é uma importante tentativa de articular a busca daracionalidade na tomada de decisões com as limitações humanas que dificultamsua consecução. É especialmente útil na fase de identificação e conceituação dosproblemas, ao preconizar um rastreio global, uma "sondagem superior" que per-mita àquele que deve tomar a decisão apreender os dados gerais da situação sementrar em detalhes exaustivos a respeito de todo o conjunto de informações etodo o campo de investigação. Numa segunda etapa, um estudo mais detalhadode subconjuntos escolhidos facilitaria a formulação de alternativas de solução ouo estabelecimento de instrumentos de controle.

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talhado do subconjunto específico (o furacão Andrew) estariam afinadas com aabordagem "incrementalista"? Não necessariamente. Algumas pessoas poderiammesmo argumentar que a segunda sondagem é tão racionalista quanto a primeira,mudando apenas o nível de detalhe e o tamanho do campo de observação. Físicos,matemáticos e meteorologistas procurariam medir a intensidade, a velocidadee a direção do furacão, usando instrumentos sofisticadíssimos e acumulando amaior m assa possível de informações. Economistas procurariam levantar a maiorquantidade de informações possível para prognosticar os impactos do furacãosobre as colheitas, a propriedad e imobiliária, a indústria de seguros e o turismo.Políticos e governantes tomariam decisões radicais, qu e nada têm de incremen-

tais: decreta-se o estado de emergência, suspendem-se os direitos civis, autoriza-sea polícia a matar eventuais saqueadores on the spot , decreta-se o racionamento devíveres, de água, de energia, determina-se que as pessoas abandonem suas casascompulsoriamente...

Mas o argumento contrário poderia prevalecer: o incrementalismo desar-ticulado pode ser entendido como uma tentativa de estabelecer um processo de

aprendizagem permanente que possibilitasse a uma organização e seus membrosevitar recomeçar do zero, cada vez que se defrontassem com determinado proble-ma, trabalhando portanto apenas "na margem" quando o problema se repetisse.Assim entendidas, as decisões sobre o furacão Andrew seriam todas incrementais,pois aquele não foi o primeiro furacão enfrentado na Flórida e nem as ações

adotadas diferiam em profundidade das que foram adotadas em outras ocasiões,tendo sido apenas adaptadas.

Em síntese, teríamos nesse caso, dependendo do ponto de vista, a associa-ção de uma abordagem racionalista no nível da metavisão com uma abordagemigualmente racionalista num nível mais baixo, ou a associação entre uma aborda-gem racionalista e uma abordagem incrementalista.

256 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

No entanto, esses avanços não são suficientes para desatar o nó górdio dasteorias decisórias que é o estabelecimento de regras que permitam sistematizar ouso do a rbítrio nas decisões, permitindo que essas reflitam com maior clareza ouniverso de valores, interesses e expectativas que devem ser preservados e respei-tados pela organização.

Entretanto, é necessário estar atento às sutilezas que existem na classifi-cação das decisões (fundamentais e incrementais) e nos métodos para tomá-las(racionalista, incrementalista e de sondagem mista). Aquilo que parece a um ob-servador claramente incrementalista pode parecer a outro fortemente impregna-do de racionalismo. E vice-versa.

Notas

1. Webster Ne w Coüegiate Dictionary , 1977.2. SIMON, Herbert A. Administmtive Behavior. 2. ed. New York: lhe Free Press,

1957.3. Publicado originalmente na Public Administration Review, v. 19, p. 79-88,1959.

4 . NASCENTES, Antenor. Dicionário d a L í n g u a Portuguesa, 1988.

5. LINDBLOM, Charles, op. cit. (Nota 3).

6. A frase inteira, constante na dedicatória de Opríncipe, é a seguinte: "Não me alinhocom aqueles que consideram presunçoso se um homem de condição baixa e humilde

ousa discutir e julgar as preocupações dos príncipes; porque, da mesma forma comoaqueles que buscam desenhar as paisagens se colocam nas planícies para contemplara natureza das montanhas e dos lugares altos, e se colocam sobre as montanhas paracontemplar as planícies, da mesma forma é necessário ser príncipe para entender a

natureza do povo e é necessário ser povo para entender a natureza dos príncipes".

7. LINDBLOM, op. cit. (Nota 3).

Reexame da estratégia mista de decisão • 257

 

Embusca de uma "terceira" forma

de fortalecer o processo de políticas

públicas: apreciação crítica da

"sondagem mista" edas principais_teorias sobre formulação de políticas* /

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B u r ton Terence H ar w ic k* *Califórnia State University, Northridge

Introdução

Otítulo do artigo de Amitai Etzioni"'Mixed s c a n n i n g : uma 'terceira' aborda-

gem à tomada de decisão", que é amplamente referenciado na literatura

correspondente, pode nos levar a fazer várias perguntas . Que importância

teria uma terceira abordagem para os formuladores de políticas ou para os estu-

diosos de políticas públicas? Em que sentido a proposta de Etzioni representa uma

terceira abordagem? Precisa-se de uma terceira abordagem para a tomada , de decisão*.

Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

** B. Terence Harwick é Ph.D. em Administração Pública pela University of Southern Califórnia,

onde contou com a orientação acadêmica de Guerreiro Ramos. Como diretor de seu Action Learn

Network, em Los,Angeles, Califórnia, durante um largo período prestou serviços de consultoria na

área de qualidade e aprendizagem organizacional, respaldado sobretudo numa metodologia de pes-

quisa-açáo. Na condição de consultor, colaborou com o Programa de Desenvolvimento da ONU

para o leste europeu e com a Secretaria-Geral da OEA, em Washington, D. C. Em matéria aca-

dêmica, foi bolsista Fullbright em programas de educação superior em Varsóvia (Escola Nacional

de Administração Pública) e Cracóvia (Univ. Jagiellonia), na Polônia; também atuou como visi-t ing scholar na University of Southern Califórnia, U. C. Berkeley, Pepperdine Univ. e Califórnia

Lutheran Univ., no Estado da Califórnia, e como scholar-in-resídence na University of Virgínia.

Entre outras iniciativas, que se orientam pela linha da pesquisa-ação, Harwick esteve, pelo menos

desde 1996, envolvido num proje to visando fortalecer o sistema judiciário de instância superior doEstado da Califórnia. Atualmente, ocupa o cargo de diretor-executivo do Center for PublicValue:a Fórum for Reflective Practitioners e leciona no Programa de Gestão do Setor Público e mestrado

em Administração Pública da Califórnia State University, em Northridge, Califórnia.

 

É isso o que ele oferece? Em que bases teóricas ou insights distintos apoia Etzioniseus protestos de uma "sondagem mista"? É conceituai e operacionalmente claroseu modelo? Estratégica e metodologicamente, que orientaçãooferece a"sondagemmista" aos formuladores de políticas e aos administradores? Que evidências ternosde que essa abordagemde decisão melhorao processo de política pública?

Essa análise sugere que os pontos fortes e os pontos fracos da contribui-ção de Amitai Etzioni se encontram em sua pretensão de oferecer uma "terceiraabordagem para a tomada de decisão". A força de sua proposta está na s própriasquestões que ele articula e em algumas recomendações heurísticas. A fraquezaestá em conceituar a "sondagem mista" como um a "terceira abordagem de to-mada de decisão". Creio que se pode tirar vantagem do s pontos fortes ofereci-

dos na proposta de Etzioni sem pontos No em

"incrementais". Ele postula que as decisões "fundamentais" determinam o con-texto para as "incrementais". Num certo nível, essa presunção parece patente eaté inquestionável e com certeza merece atenção. Em outro nível, a distinçãoconceituai é problemática em termos qu e Etzioni, no entanto, não confronta.Numa passagem crucial para seu desenvolvimento conceituai da sondagem mista,Etzioni afirma:

Um a abordagem mais ativa para a decisão societária exige dois conjuntos d e m e-

canismos [grifos acrescentados]: (a) processos de formulação de políticas, de

ordem superior e fundamental, que estabeleçam direcionamentos básicos; e

(b) processos incrementais, que "preparem" as decisões fundamentais e as po-

nham em prática, depois de tomadas. Isso é oferecido pela sondagem mista.

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qualquer sentido que se tome seu conceito de "sondagem mista", o espírito deseu questionamento mantém-se pertinente e inquisitivo: Existe uma "terceira"forma de fortalecer o processo de política pública?

De fato, poder-se-ia perguntar: "É verdade?"E s e for,não constituiria essa posiçãoigualmente, num certo sentido racional, o calcanhar de Aquiles de suaproposta?

S o nd a ge m mista: entre o s modelosdo rac ional i smo e do incrementalismo

Etzioni situa a sondagem mista como um a "terceira" abordagem entre osmodelos racionalistas e o incrementalismo. Lindblom e Simon oferecem críticascontundentes ao modelo racionalista-compreensivo de tomada de decisão. Si-

mo n ressalta as restrições cognitivas dos modelos racionalistas típicos e postulaum a alternativa realisticamente "satisfatória". Lindblom oferece um a crítica po -lítico-econômica aos modelos racionalistas e argumenta que o "incrementalis-mo"proporciona um meio prático de gerar informação e entendimento de formamais confiável. Etzioni sugere em seu segundo artigo que a sondagem mista podeser entendida como uma abordagem "semi-satisfatória". Nesse caso, poder-se-iaperguntar se ela não seria também um a abordagem "semi-racional-compreen-

siva". Etzioni dirige sua crítica basicamente ao referencial incrementalista queLindblom analisa a fundo e advoga em bases sólidas. Etzioni se preocupa como conservadorismo que ele vê como inerente ao incrementalismo e propõe um aabordagem mais "progressista", que não é "tão utópica [...] quanto o modelo [ra-

cionalista] nem tão conservadora quanto o modelo [incrementalista]".1

S o nd a ge m mista: dois tipos de tomada de decisão

O âmago da "crítica conceituai e empírica" de Etzioni ao incrementalismoreside no contraste que ele estabelece entre decisões "fundamentais" e decisões

A l gu ns fundamentos: suposições, coerência interna e validade empírica

Antes de refletir a respeito da coerência interna da sondagem mista comomodelo, vista em microperspectiva po r meio do filtro das concepções centrais deEtzioni, talvez seja construtivo colocar o trabalho desse autor em macroperspec-tiva, considerando seu modelo em termos de suas suposições filosóficas funda-mentais. Creio que essas considerações são importantes na medida em que certaspressuposições fundamentais têm sustentado decisivamente não apenas a buscade Etzioni por uma terceira abordagem, mas o próprio debate contemporâneoem geral.

Abordagensracionalistas para determinação de contexto: que tipo de

racionalidade?

O que parece claro é que Etzioni procura - num certo sentido racio-lalista - tratar certos problemas contextuais de tomada de decisão com a in-tenção de suplementar as abordagens incrementalistas de decisão. A noção deracionalidade que ele emprega situa-se em algum ponto indefinido sobre umc°ntinuum, que ele imagina estar um pouco acima de uma abordagem "satis-

*atória" e u m pouco abaixo de uma abordagem "racionalmente compreensiva",alguma reflexão, poder-se-ia também reconhecer qu e esses parâmetros de

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racionalidade, bem como o meio-termo hipotético de Etzioni, são derivaçõesde categorias co nceituais do século 17, particularmente daquelas desenvolvidasde forma mais plena por Thomas Hobbes e René Descartes. Na medida emqu e isso fo r verdade, o debate político contemporâneo e a respectiva busca dealternativas têm sido empreendidos em parâmetros e suposições que continuamnão sendo reconhecidos.

Suposições e parâmetros re levantes do debate contemp orâneo

Se, por um lado, Hobbes inverteu e destruiu a idéia original grega da razão

e dos correlativos transculturais, mediante sua moderna concepção do "cálculo

Mais particularmente, Hobbes reduziu e inverteu a noção da razão hu-mana, a ponto de ser ela entendida desde então apenas como um certo tipo de"cálculo interesseiro de conseqüências". Enquanto a tradição das relações hum a-nas mantém uma dívida não reconhecida a Helvetius e à sua articulação da "ge-nealogia das paixões", as construções de Hobbes p ermitiram que se erigisse um asólida ponte sobre o fosso que separa as assim chamadas escolas gerenciais da ad-

ministração científica e das relações humanas. Independentemente da aparênciaestética, o debate entre os estudiosos de política, administração e organizações emgeral tem se limitado a descobrir o tipo de "cálculo" que fosse eficaz. Por exem-plo, em relação às contribuições clássicas de nosso tempo contidas neste volume,Herbert Simon é sobretudo conhecido por seu conceito de "racionalidade limi-tada"; ele concebe esta noção com o algo mais útil do que as "continhas de dedo"

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utilitário de conseqüências", como muito bem o demonstrou Eric Voegelin, espe-cialmente em relação ao pensamento ocidental, e em termos transculturais o mos-trou E. J. Urwick, por outro lado, a façanha anterior, de Descartes, talvez tenhasido ainda mais radical quando este redefiniu para a Era Moderna o lugar da razãono esquema geral das coisas. Alfred North Whitehead observou que os estudiosose os práticos, ao desconhecerem os fundamentos filosóficos de seus conceitos e

de suas categorias, correm o risco de tornarem-se notas inadvertidas à obra dealgum filósofo morto. No século 20 tem-se tornado muito comum dissociar os

estudos, na maioria das áreas do pensamento, de suas bases filosóficas. Talvez sejanesse sentido mais amplo que se devesse entend er a afirmação de Alberto Guer-

reiro Ramos, no campo político-administrativo, de que a teoria organizacionaldo século 20 é ingênua, já que a maior parte de suas categorias fundamen tais sãoempregadas de modo pré-analítico.

Poder-se-ia dizer q ue antes de Descartes as grandes civilizações do Orien-te e do Ocidente compartilhavam uma orientação ontológica com um quepode-ria ser expressa pelos termos "Existo, logo penso"... e faço muitas outras coisas.Na Id ade Mod erna, p orém, com a declaração de Descartes "Penso, logo existo",passou-se a compartilhar, em geral, um ponto de partida clássico e transculturalnitidamente restrito e sistematicamente contrário. De um só golpe, as suposi-ções de plenitude ontológica, comu ns às grandes civilizações do mundo, foramminadas, e a epistemologia tornou-se a ocupação central, e até mesmo única,

a dominar a filosofia no Ocidente. Ironicamente, aqueles que se apresentamhoje como pó s-modernistas em seu pensamento, em sua maior parte, de fato,são mais bem entendidos como ultramodernistas, pois só conseguem imaginarsoluções "deontológicas" para os enigmas conceituais e os dilemas existenciaiscom que se deparam. Com todas as suas qualificações, não passam de progêni'tos de Descartes.

usadas empiricam ente e algo menos utópico que os modelos racional-abrangentes

de tomada de decisão. Por mais construtivo que alguém julgue ser o conceito de"racionalidade limitada", em seu quadro de referência, seu uso para a solução deproblemas também deve ser reconhecido como uma abordagem analítica emba-sada no "cálculo utilitário de conseqüências". C onsciente ou inconscientemente,a obra de Simon continua a render tributo a Hobbes.

R a z ão , a ç ão e um universo mais amplo depossibilidades

Alberto Guerreiro Ramos empregou "razão substantiva", à guisa de índicelingüístico,2 para referir-se à idéia da razão como os gregos antigos originalmentea haviam diferenciado de sua experiência mais compacta. Essa noção psicológicae historicamente m ais inclusiva se alicerça tanto em suposições de plenitude onto-lógica quanto no reconhecimento da escassez existencial. A razão, em seu sentidooriginal, fo i entendida pelos seminais pensadores gregos como um a capacidademultidimensional e integral das pessoas que pode ser culturalmente alimentada.Ramos, no entanto, argumenteu que a tentativa de enxertar ou transplantar essacapacidade concreta de pessoas para sistemas sociais ou para a história eqüivale apraticar conceitos de forma equivocada. Sempretender explicar aqui esta noção

de Ramos, para fins desta análise é suficiente destacar que a idéia da razão subs-tantiva se refere à capacidade cognitiva de processamento enquanto apenas um as-pecto da capacidade humana de razão com o também sublinha o caráter distintivoe a centralidade da ação hum ana no s negócios humanos. E mbora as implicaçõesda idéia central de Ramos sejam tão entrelaçadas quanto o são o pensamento e aação, por ora põe-se a ênfase sobre o foco da ação, po r este ser mais imediatamen-te acessível e relevante aos formuladores de políticas e aos administradores, que

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í

andam à procura - numa época de transformações h istóricas - de uma terceir labordagem para fortalecer o processo de política pública.Para fins desta análise, é suficiente salientar que na medida em que algu^í

esteja procurando um a abordagem que se baseie na razão para a determinara 'de contextos, ele não conseguirá captar o universo das possibilidades dessa busrapenas com a consideração das possibilidades encontráveis em algum ponto im a

ginário ao longo de um c o n t i nu u m , entre os modelos "racional-compreensivos"e os "satisfatórios", ou entre os modelos "racional-compreensivos" e os "incrementalistas". Além disso, apesar das limitações que a abordagem incrementalistaevidentemente ostenta, à medida que emprega modos de interação como meiospara gerar informações contextuais, ela é inerentemente menos limitante do que

sugere Etzioni e é mais indicativa de formas confiáveis de extrair informações

foordination). Desse ponto de vista, o ajuste mútuo entre as partes e o incremen-talisrno, em suas diversas variantes, diferenciadas por L indblom, aparecem comosubconjuntos de uma gama ainda mais ampla de possibilidades para a ação e in-teração humanas. Partindo de uma perspectiva de pesquisa-açáo (action research),originalmente concebida, Mary Parker Follet ajuda a elucidar um a gama mais ex-tensa daquilo qu e Max Weber d enomin ou "possibilidades objetivas". Para evocaro entendimento e o compromisso das pessoas por meio de atividades concretas,ela desenvolveu um arcabouço referencial e elaborou um processo de forma maiscompleta qu e qualquer estudioso de organizações o fizera antes ou depois dela.Como observou recentemente Peter F. Drucker ao distingui-la com o epíteto de"profetisa da administração", sua contribuição escapou quase inteiramente à tela do

radar durante mais de meio século. Seu tratamento conspicuamente diferente das

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contextuais relevantes do que qualquer abordagem meramente racional. questões políticas e administrativas está apenas começando a ser redescoberto.

Abordagens de açãopara a evocação de contextos: que espécie de açãoeinteração?

Mary Parker Fol le t: ação com o meio de evocar entendimento e c o m p r o m i s so

Um insight que Lindblom articula de uma forma bem mais completa quea maior parte do s outros estudiosos contemporâneos é o de como os processosde ajustamento mútuo entre as partes não apenas servem à função de con trolar opoder, como assinalou Montesqu ieu, m as ajudam, por seus modos de interação, agerar info rmações e entendimen tos relevantes ao processo político. Do po nto devista dos incrementalistas, o desafio de fortalecer o processo político confunde-secom o próprio desafio de reforçar os processos incrementalistas. Em seu segundoartigo, Lindblom esclarece algumas acusações possivelmente incorretas que Etzio-ni lhe fizera, mas também manifesta preocupação com algumas das limitações daabordagem incrementalista identificadas pelo mesmo Etzioni. Para aqueles que,como Etzioni, têm sérias reservas ao incrementalismo como quadro referencial,mas não estão convencidos pela concepção da "sondagem mista" apresentada

como uma "terceira" alternativ a, poder-se-ia alimen tar a esperança de se descobriruma idéia teórica independente ou um insight prático a partir do qu al se pudessedesencadear um novo ponto de partida.

Talvez o arcabouço de referência teórica mais distinto e promissor paraesse empreendimento seja o que desenvolveu Mary Parker Follet 3 nas primeirasdécadas do século 20 (como atestam suas obras Th e n ew State e Creative experien-ce, bem como suas publicações póstumas Dynam ic adm inis t ration e Freedom an d

A essência da política e da admini st ração está n o "processo de a ç ão " , n ã o n o s" m o m e n t o s ana l í t i cos"

Em termos explícitos, Mary Parker Follet jamais construiu seu trabalhocom a finalidade de ser "uma abordagem contextual de tomada de decisão". Porum lado, nã o havia necessidade. Para ela, o processo de descobrir a "lei da situa-ção" (um processo de ação) — não a "tomada de decisão" (uma atividade analítica)- constituía o desafio central e o âmago da formulação de políticas e da adminis-tração. A "tomada de decisão" não era entendida como o centro d a atividade admi-nistrativa ou da ciência administrativa, até que Simon a formulasse nesses termosquase duas décadas após a morte de Follet. Realmente, o dilema conceituai emque se encontra Etzioni é e m grande parte um dilema pós-simoniano. Na medidaem que Simon conferiu um senso de alavancagem aos formu ladores de políticas eaos administradores com a codificação de um conjun to d e pressuposições simpli-ficadoras e emprestou ao estudo formal da política e da administração uma formacientífica e um maior senso de precisão, seu método também cobrou um pre-ço, encolhendo o foco das abordagens mais contextuais desenvolvidas por MaryParker Follet e estudadas por outros.

Antes de Simon e depois de Follet, pou cos estudiosos de negócios públicos,entre os quais talvez John Gauss seja quem mais se tenha notabilizado, ressaltarama importância das questões contextuais p ara a política e para a tomada de decisãoadministrativa. Sem reconhecê-la, Etzioni seguiu essa tradição. Entretanto, umacoisa é urgir os formuladores de política a darem atenção a u m contexto mais am -plo, a uma "ecologia" da política e da administração, ou a sondarem mais a fun do

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— e outra coisa é fazê-lo de uma maneira qu e explique ou seja capaz de deixarbe m claro o argumento solidamente estabelecido por Simon que diz respeito aos

limites cognitivos da capacidade humana de processamento de informações. POr

escrever bem depois de o argumento de Simon ter-se estabelecido amplamenteEtzioni não trata a questão. Por haver escrito bem antes de o argumento deSimonestabelecer-se, Follet explicou a questão de uma forma distinta.

Um dos aspectos fascinantes da abordagem de Mary Parker Follet sobre asquestões político-administrativas é a diferença sutil observável em seu ponto departida - e a diferença marcante que se pode observar nas conseqüências. Folletcolocou um processo e não um momento de processo no centro da política e da

administração. Situou um a pessoa de fato corporificada — no lugar de um analista

cartesiano sem corpo — no coração da política e da administração. Há um pro-

de solução de problemas político-administrativos, para depois simplesmentenã o reconhecerem o desafio fundamental qu e essas características "elefantinas"representam para a formulação sensata de políticas públicas e a administração

eficaz de organizações complexas.Deve-se mencionar aqui um outro elemento não reconhecido que dis-

tingue a contribuição de Mary Parker Follet ao campo. Em oposição à teoriagerencial, administrativa e organizacional do século 20, que ela herdara seja datradição da administração científica ou da de relações humanas, Follet desenvol-veu uma. abordagem rad ica lmente n ã o instrumental para a política pública e paraa administração. Esse tratamento notável dos problemas de política pública e de

administração, em nível de fundamentos, corre contra a subcorrente dominante

das assunções hobbesianas que, nesse aspecto, tomaram conta do campo neste

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cesso de ação que evoca contexto no centro de sua concepção de política públicae de administração. Empregar os processos evocadores de contexto, de Follet,para descobrir a "lei da situação" significa evocar em nível sistêmico o tipo deen tendimento discreto e part ic u larizado qu e respeita os limites cognitivos de pro-cessamento das pessoas — e que é relevante e oportuno aos propósitos particularescontemplados.

Abordagem n ã o reconhecida do s problemas "elefantinos" da política e daadministração

Merece menção aqui um elemento irreconhecido que distingue MaryParker Follet do s demais no campo político-administrativo.Ela compreendeu emtermos ilosóficos, há quase ce m anos, que os contextos da vida são inerentemen-te complexos, turbulentos e incertos. Reconhecer e tratar esse tipo de questãotem sido uma descoberta relativamente recente para a maioria dos supostospesquisadores "de ponta" no campo organizacional. Para ela, essas caracterís-ticas da vida humana associada já eram observáveis nos microcosmos da vida— e não era necessário esperar quase todo um século para serem escritas emescala tão ampla, a ponto de atordoarem nossas mentes, nos microcosmos da

vida contemporânea e em nível macrossocietário. Dwight Waldo caracterizou-as como os desafios "elefantinos" da política pública e da administração. Umaspecto facecioso da literatura administrativa contemporânea dos anos 1990é qu e alguns ruidosamente reconhecem, nessas "novas" condições, os desafioscontemporâneos da política e da administração. E um dos aspectos menos di-

vertidos e mais ignorantes da literatura administrativa contemporânea é queoutros ingenuamente saem alardeando "novas técnicas" ou "novos processos

século. Embora a elaboração desse ponto demande sua própria análise, uma im-plicação de efeito potencialmente abrangente merece observação aqui. D o ponto

de vista dos processos concretos, evocadores de contexto e radicalmente n ão in s trumen-talistas, iniciados po r Follet, é possível descobrir formas dê transformar concre-tamente a complexidade, a turbulência e a incerteza — de obstáculos à tomada dedecisão - em recursos para cultivar processos de ação de modo mais efetivo. RobertP. Biller tem caracterizado essa diferença em termos metafóricos como se ela en-volvesse nada menos que a transformação de arcos e flechas em maná e bênção.Basta salientar aqui que as diferenças fundamenta is existentes entre a abordagemde Mary Parker Follet e as abordagens qu e dominaram o século 2 0 continuam n ã o

sendo reconhecidas até a presente data — e que essas diferençasparecem pr om issor aspara alguns desafios relevantes — de política pública, administração pública e gestãoorganizacional em geral — e provavelmente ainda estarão conosco po r mais algum

tempo no futuro.

T o m a d a de decisão como quadro referencial limitado

Na medida em que a atenção de Etzioni se volta para melhorar a "tomadade decisão", creio que é sadia sua intuição de procurar uma abordagem que possa

tratar de forma mais satisfatória as "questões contextuais" da tomada de decisão.Entretanto, ao aceitar prima fade o ponto de partida conceituai da "tomada dedecisão" formulado po r Simon (juntamente com sua carga de suposições e subse-qüentes ônus de implantação), Etzioni talvez não tenha sido capaz de livrar-se da

maranha conceituai em que se encontra seu modelo. O ato de aceitar a tomadade decisão sem senso crítico e, além disso, de dividi-la em categorias mutuamenteexclusivas de decisões "fundamentais" (determinadoras de contexto) e decisões

266 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Em busca de uma "terceira" forma de fortalecer o processo de políticas públicas • 267

 

"incrementais" (marginais e detalhadas) poderia interessar ao historiador que sededica a construir interpretações retrospectivas de eventos. No entanto, mesmoem retrospectiva, como sugerem estudos de historiadores como J. G. Pocock, essestipos de distinção não são tão auto-evidentes como já se pensou que fossem. Sejaqual for o caso quan to aos historiadores, para os formuladores de políticas e para osadministradores que devem atuar em tempo real, dados os critérios oferecidos porEtzioni (a serem considerados a seguir), a distinção é simplesmente insustentável.A proposição adicional de "dois mecanismos diferentes" que sejam adequadospara duas decisões como estas significa apenas complicar ainda m ais o problema.O que não quer dizer que as recomendações de Etzioni não tenham um certo va-lor heurístico. O que se quer dizer é que sua idéia de "sondagem mista" como urna

"terceira" abordagem de "tomada de decisão" carece de caráter teórico distinto e éconceitualmente insustentável.

formulação e para a implementação de políticas públicas. Na medida em queessas preocupações são válidas, porém, nã o seria justo apenas mostrar a fragili-dade de sua conceituação; seria até irresponsável não reconh ecer de algum m odoas preocupações mais fundam entais qu e ensejaram a iniciativa de Etzioni.

Etzioni começa seu primeiro artigo a respeito de sondagem mista enfo-cando o papel da escolha no s negócios públicos. El e pergunta: "Até qu e pontopodem os atores sociais decidir os cursos de ação que hão de seguir, e até queponto são eles compelidos a seguir um curso estabelecido por forças que vãoalém de seu controle?" Os modelos racionalistas em geral pressupõem valoresdeterminados no ambiente externo e propósitos dados previamente - e antesda obra de Simon muitas vezes davam atenção mínima a restrições reais (por

exemplo, de tempo, informação e energia) para alcançar propósitos estabeleci-

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Sondagem mista: uma "terceira" abordagempara fortalecer a tomadade

decisão e o processo de política pública?

O que levou Etzioni a postular uma "terceira" abordagem de toma da de decisão?

Se , por um lado, este analista julga que é frágil a conceituação da son-dagem mista de Etzioni e que é insustentável sua pretensão de oferecer urna"terceira" abordagem , por outro , também p ond era que muitas da s preocupaçõesde fundo de Etzioni têm forte apelo intuitivo, a ponto de serem incontestáveis,e suas recomendações heurísticas po r vezes são construtivas. Efetivamente, su-ponho que é o apelo intuitivo despertado por Etzioni, de par com a necessidadeamplamente sentida de se aperfeiçoar a análise e o processo de políticas, queexplicam mais diretamente a atenção generalizada que a sondagem mista temrecebido. Quem negaria a relevância de se dar atenção tanto à floresta quan to àsárvores? Quem, em sã consciência, nã o se preocuparia com as questões de jus-tiça apontadas por Etzioni? Quem, na integrid ade de seu senso de visão, não sepreocuparia com o caráter remedial do incrementalismo, na forma em que esteem

geral tem sido elaborado?Quem

não seria favorável a inovações construtivasno processo de políticas? Quem não se preocuparia com o impacto que causarianos tomado res de decisão a promulgação de um m odelo profissional, descritivae normativamente válido, que deixasse de fora essas considerações? No entanto,levantar questões e assuntos de importância decisiva, como faz Etzioni, aindanã o significa dar-lhes um a resposta. Po r mais importantes qu e sejam essas ques-tões, apenas indagá-las nã o significa oferecer um a "terceira" abordagem para a

268 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

dos. O modelo incrementalista não postula objetivos prévios nem propósitoscomuns, apenas um processo de negociação entre as partes e um ajustamentom útuo cujo teste de validade é o "acordo" a que chegam os participantes (istoé, a concordância daqueles que têm "demanda efetiva" a negociar). O grau deescolha que alguém tem numa situação dessas é proporcional a suas fontes tran-sacionais de poder.

Para interpor-se a essas duas alternativas, Etzioni propôs um modelo desondagem mista; ele tentou reassegurar uma medida maior de escolha para arealização de propósitos comuns e ensejar um a atenção maior ao bem comumdo que a oferecida pelos processos de barganha do modelo incrementalista. Na

conclusão de seu "Reexame da estratégia mista de decisão", Etzioni resume suapretensão: "Conciliar um compromisso equilibrado entre a coletividade, de umlado, e o pluralismo, de outro". Para as pessoas de senso cívico ou comunitário,preocupadas com o bem comum (e não ideologicamente comprometidas com anoção de que o bem público ou o interesse público será atendido por um par-tido centralista beneficente ou pelo funcionamento automático de uma "mãoinvisível"), a preocupação fundamental de Etzioni tem um apelo extraordiná-rio. No entanto, na medida em que a sondagem mista visa a reforçar a tomadade decisão como um meio de fortalecer o processo de política pública, torna-se difícil enxergar de que modo seu modelo oferece, na melhor das hipóteses(deixando de lado, po r ora, os problemas de sua coerência interna), mais qu eum a abordagem esclarecida, que serve apenas a burocratas e a outro s tom adoresde decisão (já investidos de poder). Quando muito, outras pessoas e variáveisconseguem ser "sondadas" e incorporadas na equação. Por mais válidas quesejam suas preocupações e por mais heuristicamente valioso qu e possa ser suaabordagem em algumas circunstâncias, parece difícil justificar, com base numaidéia teórica ou insight prático distinto, sua postulação da "sondagem mista

Em busca de uma "terceira" forma de fortalecer o processo de políticas públicas •

 

como uma "terceira" abordagem de tomada de decisão ou como um métodoviável para fortalecer o processo de política pública.

Questões críticas sobre a sondagem mista

As questões e a s solicitudes que preocupam Etzioni devem ser lembradas,mas sem confundi-las com as respostas que ele lhes dá . Quanto aos conceitospostulados por ele, umas poucas questões parecem essenciais para avaliar sua pre-tensão de oferecer uma "terceira"" abordagem de tomada de decisão e um modelopara fortalecer operacionalmente o processo de política pública:

eventos. Todos os exemplos que ele invoca são exemplos retrospectivos. Pareceentão pertinente que se pergunte: Sã o confiáveis os critérios que ele sugere paraalertar os tomadores de decisão em tempo real quanto ao "mecanismo" de toma-

da de decisão qu e eles deveriam empregar?Etzioni quase sempre ilustra as "decisões fundamentais" com exemplos

dramáticos em vez de clarificá-las conceitualmente. Mas, como Mary ParkerFollet já assinalarahá muito tempo, as decisões dramáticas nunca, ou raramente,são decisivas. Muito antes do debate entre Simon, Lindblom e Etzioni, Follet já

no s havia ensinado que os momentos decisivos são melhor compreendidos comoconseqüência de um acúmulo de interações -, mas não meramente no sentidodo incrementalismo, o modelo de decisão que provavelmente teve em Lindblomseu melhor articulador. Ela nos ensinou que é o caráter da s interações em si mes-mas que está em jogo — e direcionou o foco de sua atenção para esclarecer con-

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(1) Fundamenta-se a "sondagem mista" nu m insightou. idéia teórica distinta?(2 ) Há coerência interna no conceito postulado por Etzioni?(3 ) Há correspondência entre o mundo empírico e o conceito proposto por

Etzioni?

(4 ) Tem o conceito de Etzioni utilidade operacional para os tomadores de decisãoem tempo real?

Etzioni afirma: "Deve-se notar que (a) em sua maior parte as decisõesincrementais especificam ou antevêem as decisões fundamentais, e (b) o valorcumulativo das decisões incrementais é grandemente afetado pelas respectivasdecisões fundamentais". Se, em certo nível, essa afirmação parece inquestioná-vel, em outro el a pode simplesmente se r irrelevante. Ela pode se r consideradainquestionável depois que os eventos já percorreram seus cursos e na medidaem que se entende qu e algumas decisões estabeleceram o contexto para outras.Que, no entanto, as decisões fundamentais sejam de antemão auto-evidentes éantes a exceção que a regra. Cabe lembrar aqui a situação angustiosa dos prota-gonistas do filme Rosecmns a n d Guilderstern are Dead ao tentarem descobrir erecompor a decisão qu e haviam tomado e que os levaria a um destino fatídico.Meu avô tinha em mãos o bilhete de passagem no Ti tanic e devolveu-o paraesperar por um amigo da Noruega antes de fazer a viagem transatlântica. Foi

essa um a decisão incrementai ou fundamental? Infelizmente, Etzioni não dáresposta às questões conceituais e, práticas qu e são cruciais para articular co mclareza se u modelo ou empregá-lo de modo confiável. Embora a distinção en -tre decisões "fundamentais" e "incrementais" talvez tenha em si algum apelointuitivo, não se oferece critérios analíticos suficientes nem um processo empí-

rico que ajude a distinguir umas das outras. O alcance intuitivo da postulaçãode Etzioni depende em grande parte de uma interpretação retrospectiva do s

270 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

ceitualmente e estudar em termos empíricos (a partir do que hoje chamaríamosde perspectiva de pesquisa-ação) as "possibilidades objetivas" de interações maisconstrutivas entre as pessoas — particularmente nos contextos de organizaçõeseconômicas, educação e negócios públicos. O pensamento e a prática de MaryParker Follet, com respeito ao caráter das interações em si, talvez acabem ofere-cendo um quadro de referência mais completo — qu e dispense a progenitura deDescartes ou Hobbes - para a preocupação mais ampla que Etzioni assumiu como intuito de identificar uma "terceira" abordagem a fortalecer o processo de polí-

tica pública. Embora esse tipo de alternativa possa corresponder às preocupações

de fundo de Etzioni e ao anseio de Lindblom po r outros quadros de referência,seu desenvolvimento foge ao escopo dessa análise.

"Decisões fundamentais" como "fato empírico"

Etzioni acusa os incrementalistas de ignorarem o "fato empírico" das "de-cisões fundam entais". No fundo, sua "terceira abordagem de tomada de decisão"

estriba-se nessa postulação (e na distinção conceituai entre decisões incrementaise fundamentais, sobre a qual se apoia). Se essa distinção conceituai fosse clara eválida, se a correspondente reivindicação empírica fosse correta e se esses concei-

tos estivessem operacionalizados de maneira qu e pudessem ser confiavelmenteempregados pelos tomadores de decisão e pelos administradores que atuam emtempo real, estaria selado o núcleo de seu argumento em favor de uma "terceira

abordagem de tomada de decisão.São então as "decisões fundamentais" simplesmente "fatos empíricos

como quer Etzioni? A validade da presunção empírica de Etzioni depende

Em busca de uma "terceira" forma de fortalecer o processo de políticas públicas • il

 

logicamente de suas concepções a respeito de decisões fundamentais e incre-mentais. Com isso se quer dizer que é difícil avaliar o que é ou não é um fatoempírico, a menos que se saiba o que implica o conceito que se afirma. Vale apena ressaltar qu e proposições do tipo "a árvore está ardendo em chamas" e "asdecisões fundamentais são um fato empírico" não são afirmações equivalentesNão me parece difícil aceitar o fato de algumas decisões estabelecerem o contex-to para outras. Entretanto, sobre esse tipo de reconhecimento intuitivo, para o

qual se pode arrolar muitos exemplos, Etzioni faz um salto lógico, reivindican-do validade empírica para um presumido conceito nebulosamente formulado,que ele gasta mais tempo advogando que analisando. O que parece lamentável é

que ele clame um tanto sobranceiramente pela resolução empírica de suas rein-

vindicaçóes, ao mesmo tempo em que passa ao largo de questões conceituaisbásicas que são indispensáveis ao trabalho empírico.

deseu artigo revela por que, nesse

ponto,eletinha de se equivocar - a questão daclareza e d a validade de sua distinção conceituai é levantada tão-somente para ser

evitada no corpo de seu trabalho (PAR,p. 9-10).Etzioni fundamenta su a pretensão de oferecer "uma 'terceira' abordagem

para a tomada de decisão" sobre a idéia de que há dois tipos de decisão para os

quais se requer o emprego de dois tipos diferentes de mecanismos. Em vez de

oferecer um a diferenciação clara desses dois conceitos, Etzioni enfatiza o que eleconsidera serem alguns exemplos eloqüentes, escolhidos retrospectivamente, de

pa r com a curiosa observação de que, apesar de a lguns analistas terem levantadoalgumas questões, outros não acharam o assunto problemático. Partindo de uma

complacência conceituai preocupante, ele prossegue com o intuito de inverter,

para não chamar a atenção, a lógica metodológica e de temerariamente cobrar aresolução empírica de questões de importância vital. De fato, ele vigorosamente

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"Diferença essencial entre decisões fundamentais e incrementais"

Etzioni refere-se "à diferença entre as decisões fundamentais e incremen-tais" apenas com a finalidade de tocar tangencialmente a questão no corpo de seusartigos. Numa passagem sucinta e extraordinariamente fascinante, na conclusãodo artigo "Reexame da estratégia mista de decisão",4 ele silenciosamente inverte arelação lógica entre conceituação e operacionalização ao avaliar o trabalho empí-

rico a respeito de sondagem mista. Afirma Etzioni:

As formas pelas quais [a sondagem mista] poderia ser operacionalizada, para

fins de pesquisa ou de implementação, foram se tornando claras ao longo dos

anos, e a diferença essencial entre decisões fundamentais e incrementais nã oparece apresentar grandes dificuldades (p.13).

A primeira afirmativa de Etzioni, acima, representa um a escamoteaçáo ver-bal; é, de fato, logicamente impossível ele ter desenvolvido um a operacionalizaçãoválida de "sondagem mista" —para fins de pesquisa ou de implementação — se mantes haver articulado conceitos centrais claros e válidos que pudessem se r operacio-

nalizados. Entretanto, é justamente em relação a esse esclarecimento, na segundaafirmação, que ele se equivoca; segundo Etzioni, "a diferença essencial entre de-cisões fundamentais e incrementais nã o parece apresentar grandes dificuldades"(grifo acrescentado). Causa espécie qu e Etzioni se equivoqueem relação à distinçãom a i s vital sobre a qualgira todo o seu argumento em favor d e uma "terceira" aborda-g e m d e tomad a de decisão. Lamentavelmente, um a leitura mais cuidadosa do teor

272 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

lamenta a ausência de estudos empíricos sobre sondagem mista. Entretanto,nos termos em que foi proposto, é difícil que o modelo de sondagem mistapossa se r validamente operacionalizado —quer para fins de pesquisa ou de im-plementação - sem que seja primeiramente atendido o desafio da clarificaçáode seus conceitos mais fundamentais. Sem haver o esclarecimento de critériossuficientes para os formuladores de políticas, administradores ou pesquisadoresdistinguirem de forma confiável os "dois tipos de decisão", a operacionalizaçãoque os proponentes da "sondagem mista" pretendem oferecer é, no mínimo,prematura.

A modelação de uma abordagem de tomada de decisão, com base na dis-tinção entre "dois tipos de decisão", suscita não apenas a questão dos critérios porintermédio dos quais os tomadores de decisão possam distinguir os dois tipos.Além da clareza, há a questão da validade. Sejam quais forem os critérios pos-tulados, corresponde efetivamente o mundo empírico das decisões à premissaaristotélica da proposição intermediária excluída, como se exige em lógica - istoé, recai a tomada de decisão de fato entre as categorias mutuamente excludentesde "fundamentais" e "incrementais"?

Ou o nosso uso da linguagem poderia ser melhor entendido como um

ponteiro, mais ou menos no sentido da dialética socrática, apontando aspectoscontrastantes do mundo em relação a diferentes fins contemplados. A mesma

decisão poderia muito bem ser entendida como incrementai ou fundamental,dependendo da perspectiva do sujeito e de seu propósito. Isso implicaria que di-ferentes "mecanismos de decisão" poderiam então se r apropriados para a mesmadecisão. Em caso de resposta afirmativa, não solaparia ela o postulado de que aos"dois tipos de decisão" correspondem "dois tipos de mecanismos"? Além disso,não se tornariam as "decisões incrementais", em termos retrospectivos, "decisões

Em busca de uma "terceira" forma de fortalecer o processo de políticas públicas • 273

 

fundamentais"? Não poderiam as decisões aparentemente "fundamentais" ser me-no s determinadoras de contexto e mais uma conseqüência dramática de uma sériede passos incrementais, que por sua vez poderiam vir a ser, estes sim, os determi-nadores do contexto? Qual dos dois mecanismos de decisão é mais convenienteaplicar? De que modo se resolve isso? Essas questões não são tratadas por Etzioni.Talvez seu uso de conceitos seja demasiadamente aristotélico, no sentido antesreferido, para dar azo a essas questões; entretanto, ao deixar de lado a questão davalidade empírica, Etzioni nã o resolve e não esclarece a tarefa mais elementar do scritérios analíticos por meio dos quais esses "tipos de decisão" podem ser distin-guidos de forma confiável.

Dois c ri tér ios propo s tos para distinguir "decisões fundamentais"

qualquer fundamento teórico ou insight claro para sobre el e construir essa pos-sibilidade. Se está sugerindo que os formuladores de decisão se inclinem po rum modelo racionalmente abrangente, ele o faz sem confrontar os argumentosepistemológicos e metodológicos de Lindblom, segundo os quais esse movi-rnento é absurdo. Por maior que seja o valor heurístico contido na sugestãode que os formuladores de decisão devam dar maior atenção às questões que

envolvem diferença significativa no "tamanho dos passos", certamente não há

insight peculiar ou novidade conceituai alguma nesse critério que possa lhe dar

a distinção ou estatura de uma "terceira" abordagem de tomada de decisão.A noção de uma "relação de ninhada" é o segundo critério proposto por

Etzioni. Em termos intuitivos, esse parece ser um critério necessário bem como

um a questão conceituai mais relevante para caracterizar as "decisões qu e deter-minam contexto". Na condição de lembrete heurístico, ele poderia ser útil para

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Em seu artigo "Reexame da estratégia mista de decisão", depois de tomarem consideração su a própria obra e uns cinqüenta e tantos artigos e dissertaçõesde doutorado a respeito do assunto, Etzioni indica dois critérios para distinguiros "tipos de decisão" para os quais ele julga necessários "dois tipos de mecanis-mos". Novamente, seus critérios para distinguir as decisões que determinam o

contexto são até certo ponto intuitivamente plausíveis; no entanto, esses crité-rios continuam sendo insatisfatórios para estabelecer um a correlação confiável eválida com os conceitos que ele postula. Os critérios propostos por ele carecem

de confiabilidade para os formuladores de políticas e para os administradoresatuantes (a quem cabe presumivelmente a incumbência de distinguir um "tipo"

de decisão de outro em cada caso); e igualmente para os pesquisadores (sobrequem se supõe recair ônus semelhante, ainda que sem as restrições de temporeal, mas com a tarefa epistemológica e metodológica de articular critérios ne-

cessários e suficientes, qu e sejam empiricamente válidos e disponíveis para fazeressas determinações). Sã o dois os critérios que ele oferece: "tamanho relativo" e"relação de ninhada".

A diferença relativa quanto ao tamanho do passo é intuitivamente plau-sível como fator. Ela pode se r heuristicamente construtiva ao alertar os toma-dores de decisão para a necessidade de se tomar mais cuidado quando a decisão

envolve grandes passos. Entretanto, essa não parece de longe ser uma idéiateórica que Lindblom tenha deixado de lado, sem explicação, em sua concep-ção do incrementalismo (PAR, p. 517), ou um in s ight específico não levado em

conta por Simon, em sua noção da tomada de decisão "satisfatória". Se Etzioniestá propondo algo que supere os limites de uma abordagem "satisfatória" (umaquestão sobre a qual seus artigos são ambíguos), co m certeza ele não oferece

274 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

concentrar a mente quando as conseqüências "de ninhada" de uma decisão são

auto-evidentes. No entanto, perde poder de persuasão como critério propostopara diferenciar um "tipo de decisão" distinto. Se alguém estivesse propondoum critério retrospectivo para escrever história ou para estratagemas interpre-tativos de cientistas sociais que usam metodologias convencionais de pesquisae podem se dar ao luxo de esperar até reunir toda a evidência antes de tirar as

conclusões, esse critério poderia ser mais convincente. Intuitivamente, pareceque as "relações de ninhada" são contrastadas de modo mais fácil e confiável emtermos retrospectivos que em termos prospectivos. De um ponto de vista intui-

tivo parece claro que há muitas instâncias em que as relações de ninhada de fatoexistem e que algumas delas podem ser identificadas de antemão. Entretanto,reconhecer intuitivamente sua existência não significa o mesmo que postularum meio para identificá-las de forma confiável - particularmente quando setem em vista uma ação prospectiva e o contexto de restrições representadas por

tempo, informação e energia física. Mesmo que se faça a hipótese em termosretrospectivos, a questão é altamente problemática. Po r exemplo, quer se olheretrospectiva ou prospectivamente, é mais fácil apontar decisões dramáticas(por exemplo, casamento ou declaração de guerra) como "fundamentais" do

que é identificar outros momentos que podem contribuir criticamente para a

determinação do contexto que leve a esses resultados. O que se considera como"decisões fundamentais" está longe de ser tão claro quanto parecem sugerir asilustrações e os exemplos dramáticos oferecidos por Etzioni. O que em temporeal parece constituir decisões incrementais, na verdade, pode ter os maioresefeitos de "ninhada". Os conceitos de tomada de decisão postulados por Etzionicarregam consigo o ônus epistemológico de saber de antemão precisamente o

que talvez não se possa saber.

Em busca de uma "terceira" forma de fortalecer o processo de políticas públicas • 275

 

Conclusão: rumo a uma "terceira" via

Falha con cei tua i e metodo lógica da sondagem mista

A postulação de Etzioni por uma "sondagem mista", à guisa de urna"terceira" abordagem para formular decisões e fortalecer o processo de políticapública , contém v árias deficiências em sua base. Em prim eiro lugar, Etzioni nãoancora se u conceito de uma "terceira" abordagem de tomada de decisão num aidéia teórica ou insight prático distinto. Em segundo lugar, o conceito que elepropõe carece de coerência conceituai interna; por isso a reclamada resoluçãoempírica das questões se torna metodologicamente prematura. Em terceiro lu-

gar, apesar do reconhecimento intuitivo quan to à importância e ao impacto docontexto sobre a tomada de decisão, os conceitos postulados por ele não têm

às preocupações expressas por Etzion i. Suas análises com certeza são suscetíveisa críticas normativas; Lindblom, particularmente, tem sido receptivo a essasconsiderações. Seus quadros de referência conceituais e empíricos são limitadose sujeitos a crítica, a vários títulos; de fato, creio que se poderia aprender m uitoa respeito de uma consideração construtiva do s limites de seus modelos.

Pela via da comparação, não está claro onde se situa a concepção desondagem mista, de Etzioni, em relação à abordagem de Simon. Etzioni acei-ta caracterizar sua sondagem mista como uma abordagem "semi-satisfatória"ainda que sem maiores explicações; no entanto, conforme sugere a presenteanálise, a "sondagem mista" poderia também ser considerada uma abordagem"semi-racional-abrangente", na medida em que postula conceitos cujo uso con-

fiáveldepende de requisitos epistemológicos e metodológicos que vão além da

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correspondência clara e válida no mundo empírico. Em quarto lugar, mesmoque se admitisse por um momento que esses problemas não existem, os concei-tos de Etzioni não passam pelo teste de estarem disponíveis de modo confiávele acessível aos formuladores de políticas e aos administradores nas condiçõesrestritivas de decisão em tempo real.

Lamentavelmente, as preocupações de melhorar os processos de tomadade decisão e fortalecer o processo de política pública, mu ito bem enun ciadas porEtzioni em termos de ilustrações e de apelos in tuitivos, não condizem com seutrabalho conceituai e metodológico. Nã o obstante a legitimidade de suas preocu-

pações e apesar de ele oferecer algumas sugestões heurísticas construtivas, falta cor-relação epistêmica en tre as seguintes considerações que observei em particular: suaintuição profundamente correta de que o contexto é importante; a clareza de suaspostulações conceituais para tratar dessa questão; e a correspondência e validadedesses conceitos no m undo empírico e sua disponibilidade prática em tempo real.

Cotejo e contraste entre a raciona l idade limitada de Simon e oincrementalismo de Lindblom

Pela via do contraste, as análises de Simon e Lindblom resistiram bem

ao teste do tempo, em relação a cada um a dessas q uestões críticas. Os concei-tos de Simon e Lindblom fundamentam-se numa idéia teórica ou num insightprático distinto, são coerentes e metodologicamente corretos, correspondema aspectos importantes da realidade empírica e constituem abordagens viáveispara o processo de política pública no contexto da s restrições de tempo real.Entretanto, suas análises não oferecem quadros de referência que correspondam

276 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

capacidade cognitiva de processamento dos tomadores de decisão. Quanto às

formulações de Lindblom, a "crítica conceituai e empírica" feita por Etzioni aoincrementalismo é apenas uma crítica aparente, sem profundidade; se não dis-ponho de tempo e espaço aqui para o demonstrar em detalhe, posso assegurarque tal haverá de se tornar evidente a qualquer estudioso que se dê ao trabalhode comparar, ponto a ponto, a exposição de Lindblom com a crítica aplicadapo r Etzioni. Também ficará claro a qualquer leitor mais cuidadoso que a críticade Etzioni ao incrementalismo no artigo "Reexame da estratégia mista de deci-são" não leva em consideração em qualquer ponto as importantes clarificaçóese qualificações feitas po r Lindblom ao incrementalismo em "Muddling through2: a ubiqüidade da decisão incrementai".5 Isso não quer dizer que não se possaformular uma vigorosa crítica conceituai e empírica ao incrementalismo; signi-fica apenas mostrar que já que Etzioni não a fez, esse não seria o melhor lugarpara começar.

Contribuição heurística para a tomada de decisão

Ao apontar, em vários níveis, as falhas de uma presumível "terceira" via,postulada por Etzioni, para fortalecer o processo de política pública, não preten-

do afirmar que as recomendações do autor não oferecem algumas regras práticase úteis a alguns tomadores de decisão em algumas circunstâncias. Por exemplo,a abordagem de Etzioni pode ter valor heurístico pa ra decisões que são auto-evi-dentem ente "fun damentais" (determinadoras de contexto e possuidoras de escoporelevante); em tais casos, quem iria argumentar que é irrelevante pensar um poucomelhor, sondar um pouco mais a fundo e investir um pouco mais de recursos paraavaliar as implicações, à medida que as considerações de tempo o permitirem.

Em busca de uma "terceira" forma de fortalecer o processo de políticas públicas • 277

 

M as elevar essa regra prárica ao nível de uma "terceira" abordagem de tomada dedecisão (e implicitamente a um patamar conceituai equivalente às contribuiçõesde Simon e Lindblom) é simplesmente um a presunção insustentável.

Necessidade contínua de tratar aspreoc upações que ensejaram a sondagem

mista

Diante das insuspeitas habilidades conceituais e metodológicas de Etzioni,os resultados específicos dessa análise me causam surpresa. Se a presente análiseestá fundamentalmente correta, como se explica que um estudioso insigne possadeixar tanto a desejar em relação a questões de ordem epistemológica, metodoló-

alternativa fundamental, então parece improvável qu e alguém venha a encon-trá-la em algum ponto imaginário, sobre um continuum, entre a abordagem"racional-compreensiva" e a "satisfatória" de tomada de decisão. É a nada maisque a isso que, à vista, se parece um a alternativa fundamental, ao impor um aforma "nova e melhorada" de "cálculo" ao incrementalismo. Na medida em que

fosse possível conceber uma alternativa fundamental, de que modo se poderiaempreender su a conceituaçáo? Sobre qu e fundamentos teóricos e interpretati-vos deveria ela se firmar?

Limitações conceituais epossibilidades emergentes no debate contemporâneo

No livro Parapolitics, 6 um a seminal obra contemporânea de teoria políti-

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gica e conceituai, que lhe deveriam se r tão ordinárias? Se a crítica feita nesta análi-se acerta o alvo, como se explica que essas falhas não tenham sido reconhecidas demaneira mais ampla? Só posso imaginar que as preocupações subjacentes à buscade uma "terceira" abordagem tenham sido tão fortes na mente de Etzioni que elaso deixaram cego a suas próprias insuficiências conceituais e metodológicas. Damesma forma, a grande atenção que o trabalho de Etzioni tem recebido talvezse deva ao fato insuficientemente reconhecido de que as preocupações expressaspor ele são, em si mesmas, relevantes, profundamente arraigadas e amplamentecompartilhadas.

Na medida em que isso é verdade, creio que Etzioni merece crédito porchamar a atenção para questões de importância crucial. Mais particularmente, ele

merece crédito po r despertar a atenção para um a questão específica de forte apelointuitivo - a de que o contexto é importante na tomada de decisão -, uma ques-tão que aliás até hoje continua sendo tratada de forma insatisfatória na literaturacontemporânea. Mesmo que se admita que a presente análise conceituai e meto-dológica do s conceitos fundamentais de Etzioni esteja inteiramente correta, nã ose nega o valor de sua contribuição. A busca de alternativas envolve inerentemen-te um processo de tentativa e erro. O conhecimento científico cresce por meiodo processo de descoberta de erros. E o negócio dos cientistas sociais consiste decontribuir para esse processo.

Uma das lições que acredito ter aprendido, ao estudar a proposta de Et-zioni de uma "terceira" abordagem de tomada de decisão, é que este é um cami-nho improvável para se dar novo alento ao processo de política pública; de fato,é provável que toda abordagem que ponha a "tomada de decisão" no centro desuas postulações visando a fortalecer o processo de política pública — à medidaqu e tente oferecer um a abordagem alternativa ou , hoje, "terceira" — meta-senu m beco se m saída. Se, por "terceira" abordagem, queremos significar um a

ca, Raghavan lyer mostra como tantos debates políticos de hoje estão presos aidéias e a conceitos de séculos passados, cujos rastros em grande parte perdemos.Se os seres humanos devem fazer escolhas mais autoconscientes seria bo m que,em nosso processo educacional e no processo de aprendizagem de toda a vida,tivéssemos de desenvolver um senso mais informado daquilo que está vivo e do

que está morto no mundo das idéias. Em sua obra de vários volumes Order and

history, Eric Voegelin7 argumenta metodologicamente que para tratar uma idéia

de maneira séria se deve cultivá-la não apenas como uma abstração analítica; o

tratamento sério de uma idéia exige que a pessoa empregue todas as suas facul-

dades humanas para penetrar e reapropriar, na medida do possível, a experiênciaque a ensejou.

Se Alberto Guerreiro Ramos estava correto em sublinhar a relevância dafilosofiacomo um modo de vida, para os negócios práticos da política pública e

da administração, esse tipo de insight também pode guiar a reflexão sobre comofortalecer os processos de política pública no mundo moderno. Isso talvez seja es-pecialmente verdadeiro hoje com respeito à desestruturação do mundo modernocomo o temos conhecido e à sua reestruturação em termos não tão seguros. Maisdo que nunca, talvez estejamos vivendo um momento histórico que está maduropara um novo pensar, para o reconhecimento daquilo que Max Weber chamoude "possibilidades objetivas" e para o desenvolvimento do que Ramos denominou"modelos de possibilidade".

Impressiona-me sobremaneira o caráter quintessencialmente cartesiano dese colocar a tomada de decisão no centro da formulação de políticas e da adminis-tração. Foi a obra de Simon que deu essa posição central à tomada de decisão noscampos político-administrativos.Trata-se de um precedente que a proposta de Et-zioni simplesmente seguiu. Quando é visto a partir de uma perspectiva histórica

278 • Políticas públic as e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análiseEm busca de uma "terceira" fo rma de fortalecer o processo de políticas públicas • 279

 

e transcultural, esse quadro de referência cartesiano representa urna restrição no-tável para o alcance das faculdades humanas. Essa observação pode ser relevanteauma ampla gama de desafios práticos, incluindo-se a concepção de uma "terceiravia" para fortalecer o processo de política pública.

Guerreiro Ramos levou-nos a conhecer os fundamentos epistemológicos

de Hobbes, implícitos no conceito de "racionalidade limitada", de Simon, e apon-

tou para uma noção de razão em grande parte esquecida no mundo moderno.8

Ficaram muito claras, em meu próprio pensar, quando escrevia esta análise crítica,

as implicações de ação contidas na noção de razão substantiva, de Ramos — bemcomo a conexão entre a idéia central de pensamento e ação, de Ramos, e os argu-

mentos distintos, de Mary Parker Follet, de colocar um processo concreto de pen-

samento e ação no centro da formulação de políticas e d a administração. A noçãode "delimitação dos sistemas sociais", de Ramos, pode ser entendida como um

descobrir por meio da ação e em articular em pensamento uma "terceira" formade fortalecer os processos político-administrativos, essa base comum, comparti-

lhada por dois dos mais profundos pensadores organizacionais do século 20, pode

representar um apreciável ponto de partida.

Notas

1. ETZIONI, Amitai. Mixed scanning: a 'third' approach to decision-making. Public

Administmtion Review, Washington, D. C., v. 27, n. 5, p. 385, dez. 1967. (Capítulo

6.1 desta coletânea.)

2. No livroAn a m n es i s (University of Notre Dame Press, 1978), Eric Voegelin caracteri-za e diferencia o termo "índice lingüístico" em relação aos "conceitos tipo". Segundo

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modo de atrair nossa atenção para a centralidade desse processo concreto. A to-

mada desse processo concreto como ponto de partida representaria um quadro de

referência notavelmente diferente daquele postulado pela noção de "satisfação",de Simon, ou pela noção de "incrementalismo", de Lindblom.

O que parece claro é que, enquanto adentramos o século 21, se impõe umareflexão mais profunda para se ampliar os círculos do debate contemporâneo eque se precisa de pesquisa-ação para descobrir de forma concreta como fortalecero processo de política pública. A abordagem original de pesquisa-ação, desenvol-

vida po r Mary Parker Follet para facilitar e articular os modos distintos de inte-

ração humana, pode ter pertinência direta, em pensamento e ação, para o desafiode fortalecer o processo de política pública; Follet declarou que seu interesse de

pesquisa era "não apenas o ideal, nem tão-só o real, mas o possível". O impulso

da pesquisa-ação, profundamente investigativa, de Follet, e da pesquisa textual,

profundamente inquiridora, de Ramos, aponta para um rumo impressionante-

mente semelhante. A obra desses dois autores oferece um quadro de referênciaextraordinariamente mais abrangente que o referencial oferecido pelo paradigma

cartesiano e hobbesiano. Sua produção acadêmica pode auxiliar os interessados

em fortalecer o processo de política pública a delinear um círculo mais amplo

e a enxergar os desafios contemporâneos de uma forma nova. Follet e Ramos

oferecem, cada um à sua maneira, idéias teóricas e insights práticos distintos em

termos dos quais se pode perceber "possibilidades objetivas" e se pode desenvol-ver "modelos de possibilidade". Cada um deles reconsidera em profundidade ocaráter e a qualidade da ação e interação humanas qu e podem se r requeridos no sprocessos de política pública e administração. Os dois oferecem nada menos que

um a reconceituação de política pública e de administração — concebidas em ter-

mos dos processos concretos que as sustentam. Para aqueles que se preocupam em

me parece, é nesse nível lingüístico e nesse sentido particular que se entende propria-

mente a noção de razão substantiva, de Ramos.

3. Para uma referência recente sobre sua obra, ver: GRAMAM, Pauline (Ed.). Mary

Parker Follet - prophet of m a n a g em en t : a celebration of wridngs from the 1920's.

Boston, Mass.: Harvard Business School Press, 1995.

4. ETZIONI, Amitai. Mixed scanning revisited. Public Adminis tration Review, Wa-

shington, D. C., v. 46, n. l, p. 8-14, jan./fev. 1986. (Capítulo 6.2 desta coletânea.)

5. LINDBLOM, Charles E. Still muddling, not yet through. Public Administration

Review, Washington, D. C., v. 39, n. 6, p. 517-26, nov./dez. 1979. (Capítulo 5.2

desta coletânea.)6. IYER, Raghavan.Parapolitics: toward the city of man. NewYork and Oxford: Oxford

University Press, 1979.7. VOEGELIN, Eric. Order and history. Baton Rouge: Louisiana State University

Press.Vol. I: Israel a nd revelation, 1956.

Vol. II: The worldof the polis, 1957.

Vol. III: Plato andArístot le, 1957.

Vol. IV : The ecumenic age, 1974.

Vol. V: In search oforder, 1985-8. O conceito de racionalidade é da essência da obra de A. G. Ramos. Conferir, por

exemplo, seu livro A nova ciência da s organizações: um a reconceituação da riquezada s nações, lançado simultaneamente no Canadá e no Brasil, respectivamente pela

Toronto University Press e pela Editora da Fundação Getúlio Vargas, em 1981.

280 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Em busca de uma "terceira" fo rma de fortalecer o processo de políticas públicas • 281

 

ParteI I I

Accountabil i ty e pesquisade avaliaçãoa

serviço da gestão de políticas públicas

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No terceiro bloco, incorporamos dois textos com a finalidade de fortalecera eficácia das ações e das iniciativas públicas inspiradas nas teorias e nos

modelos de decisão em uso, e principalmente naqueles consagrados neste

livro texto.

O penúltimo texto inserido no compêndio, de Amitai Etzioni, diz respeito

a uma questão um tanto ausente nas preocupações dos estudiosos e dos executivos

públicos. É a questão da ética da responsabilidade que felizmente aos poucos vem

voltando ao olho do debate. Etzioni procura oferecer um conceito mais amplo de

"prestação de contas" em seu trabalho "Concepções alternativas de accountabili ty:o exemplo da gestão da saúde". No capítulo 8, a seguir, ele discute quatro concei-

tos alternativos de accountabili ty , ilustrando-os com exemplos tomados da gestão

de organizações que prestam serviços de saúde. Segundo Etzioni, o uso simbólico

vale apenas como gesto; o administrador pode fazer promessas vagas a respeito

de melhorias nos mecanismos de prestação de contas, ou accountabi l i ty , mas ja-

mais cumprir o que promete. Ele pode usar a accountabili ty como um ponto de

convergência ou de arregimentação para mobilizar cidadãos ou para levantar ban-

deiras de educação moral. Numa segunda acepção, a accountabili ty pode ser um

processo político contínuo, à medida que o administrador reage às pressões dosgrupos de interesse, dependendo do poder ostentado por esses grupos; nesse caso,

só uma mudança no poder relativo de cada grupo produzirá mudança significa-

tiva na accountabi l i ty . Em terceiro lugar, o sistema formal de freios e contrapesos

(checks and balances) tem a finalidade de promover accountabili ty , mas muitas

vezes os manipuladores do poder real tomam decisões por trás da cena e depois as

 

legitimam no sistema formal. Finalmente, a abordagem de "orientação" concebea accountability como um a interação de todos esses fatores, acrescida de uma basemoral; o administrador exerce, então, um papel ativo de mobilização, educação,desenvolvimento de novas alternativas e construção de coalizões.

Accountability (palavra inglesa derivada do latim ad + computare , contar

para, contar com) representa um conceito particularmente desafiador para o es-

tudioso brasileiro em virtude do sentido extremamente elástico que tem. Em

português e na linguagem jurídica brasileira de origem latina, usam-se sobretu-

do as palavras "responsabilidade" e "imputabilidade" para tratar de sua essência.

Talvez a expressão mais genérica capaz de traduzir sua amplitude conceituai sejaconcebê-la como uma "questão de sensibilidade e condizência com as expectati-

vas" geradas e expressas nas leis e nas relações sociopolíticas em geral. Como sepode verificar nos textos submetidos (artigo e comentário), trata-se de uma visão

envolvidos na implementação da respectiva política ou programa", bem ao estiloda "neutralidade científica" requerida numa pesquisa científica de tipo clássico.De acordo com essa ótica, é de suma importância que se obtenha um acordo pré-

vio em torno das metas e das medidas de desempenho que traduzem a intenção

das políticas, bem como que se faça uma monitoração freqüente do desempenhodas repartições, segundo os termos das metas e das medidas consensualmente

acordadas.Embora aprecie a ótica de Schneider, por outro lado, o professor Joseph S.

Wholey, da University of Southern Califórnia (USC), Campus de Washington,

DC, alinha-se àvisão pela qual "o propósito mais importante da avaliação é aper-

feiçoar o que se avalia", e isso se alcança melhor po r meio da pesquisa partici-

pante. A corrente alternativa de Wholey é promissora, mas enfrenta dificuldadessignificativas no contexto dominantemente burocrático vigente nas repartições.

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cada vez mais relevante e invocada no mundo de dependências recíprocas sempremais acentuadas em que vivemos.

Finalmente, Anne L. Schneider, no capítulo "Pesquisa avaliativa e melho-

ria da decisão política: evolução histórica e guia prático", estuda o papel da ava-

liação no contexto da decisão político-administrativa. Segundo essa pesquisadora,

embora muitos esforços tenham sido feitos na década de 1970 para aumentar ouso da avaliação, os tomadores de decisão ainda acham que as avaliações feitascontêm muita informação irrelevante para suas decisões. É igualmente desalenta-

dor que os deliberadores freqüentemente precisem de certos tipos de informação

de pesquisa que as atividades de avaliação muito poucas vezes produzem. Inspi-rando-se na perspectiva da ciência político-administrativae num background in-terdisciplinar, a autora apresenta um modelo que integra as atividades da pesquisa

produtora de informações com a finalidade de alimentar as várias partes do pro-

cesso de tomada de decisão. Este modelo incorpora a avaliação, o levantamento

de necessidades, a análise de políticas, o treinamento e a assistência técnica e osestudos de implementação.

Em seu comentário sobre o artigo de Schneider, e inspirado por ele, o pro-

fessor João Benjamim da Cruz Júnior sugere que a avaliação daspolíticas públicas

não deve limitar-se ao domínio discricionário dos chamados "agentes técnicos",

ma s envolver a ação de outros atores políticos e as expectativas do público em

geral. Em virtude de sua natureza institucional e política, a avaliação de políticaspúblicas — conclui Da Cruz Jr. — deve ser entendida como um verdadeiro processode deliberação pública e, por isso, praticada com base numa perspectiva política.

A perspectiva a respeito da avaliação contemplada por Schneider é a maisusual nos sistemas de administração pública em toda parte, mas não é a úni-

ca. Segundo a visão de Schneider, "toda avaliação deve ser feita a distância dos'

284 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Além disso, tem contra si o ethos do establishment científico, nesse caso represen-

tado particularmente pelos órgãos que financiam estudos de relações sociais.

Accountability e pesquisa de avaliação a serviço da gestão de políticas públicas • 285

 

Concepções alternativasdeaccountability: o exemplo dagestão O

da saúde*

Amita i Etzioni **Columbia University

ste artigo trata das diversas concepções de accountability. *** Já que a accoun-

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E tability é um a questão de importância crescente para os administradores eminstituições de toda sorte, para efeito de clareza e de unidade, vamos contar

com o exemplo da administração do s serviços de saúde para ilustrar essas formulaçõesalternativas.

Usos simbólicos da accountability

Os oradores e os escritores que clamam por mais accountability usam,normalmente, o termo em três contextos concretos: para referir-se a mais res-

Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.Segundo o editor original deste artigo, este é um relatório preliminar de um projeto bem maisabrangente, realizado para a Comission on Education for Health Administration, com o apoioda Kellog Foundation. Foram incumbidos do projeto Amitai Etzioni e Harry Greenfield. ParnelaDotye e Nancy Castleman atuaram como assistentes de pesquisa para esta parte do relatório.O autor agradece a Charles Austin pelos comentários feitos a uma minuta anterior. Uma versãobem diferente desta foi publicada em: Hospital Progress, v. 55, n. 6, p. 34-39, jun. 1974; n. 7,p. 56-59, jul. 1974.O texto original, em inglês, deste artigo, foi publicado sob o título "Alternative Conceptionsof Accountability: The Example of Health Administration", na Public Administration Review,Washington, DC, v. 35, n. 3, p. 279-86, maio/jun. 1975. Sobre o autor, ver nota ao texto do ar-tigo "Mixed scanning: Uma 'terceira' abordagem à tomada de decisão", incluído neste volume.A nota sobre o autor está no início do capítulo 6.1.

*Em virtude da dificuldade de se encontrar uma palavra ou uma expressão em português queencerre a enorme amplitude conceituai contida no termo accountabili ty - isto é, que traduzaseu sentido genérico -, o tradutor preferiu manter intraduzida a palavra inglesa, em sua acepçãoampla, na versão em português. O significado da palavra accountability,no entanto, pode sercontextual, pontual e especificamente apreendido, entre outras, pelas seguintes palavras: respon-sabilidade, prestação de contas, satisfação, explicação, atendimento. Nas poucas vezes em que se

 

ponsabilidade e sensibilidade; para aludir a uma maior atenção ou consideração

para com a "comunidade" (em geral, um eufemismo para negros, norte-ame-ricanos de origem mexicana, índios norte-americanos ou outras minorias); ou

para exigir maior compromisso com "valores" (como na expressão "padrões maiselevados de moralidade", por exemplo). O que é comum a todos esses exemplos

é o uso simbólico do termo accountability . Embora este náo seja a rigor o sen-

tido conscientemente pretendido — e talvez pouquíssimas vezes venha a ser — , osignificado principal que de fato emerge do termo é o de "accountability como

gesto". A accountability como gesto tem a marca da norma pura, contendo em

si pouca ou nenhuma instrumentalidade. Ou seja, quando o orador ou o escri-

tor demanda accountability, ele não leva o uso do termo, de fato, a suas conse-

qüências, definindo arranjos específicos, como conceder aos pacientes o podercontrolador na s comissões hospitalares; ou, se sugestões desse tipo forem algum

Relatório da Comissão Kerner, qu e pouco fez efetivamente para a solução do caso

em questão, e o fez com o fim exclusivo de livrar-se das pressões para "se fazeralguma coisa" a respeito.

Murray Edelman dedicou boa parte de seu livro Th e symbolic uses ofpoliticsà discussão desses usos exortativos de slogans políticos. Segundo.ele, existe um en-

cantamento ritualístico solene de slogans políticos, por parte dos responsáveis pela

formulação ou pela implantação de políticas, a que não correspondem, porém,

quaisquer esforços efetivos para o alcance das metas encantadas. Isto é particular-

mente provável de acontecer a um grupo grande e politicamente desorganizado,

que, ao sentir-se ameaçado, almeja certos recursos ou a própria substância do

poder pelo qual luta.1 Nessas circunstâncias, os políticos e os administradores

sentem-se tentados a satisfazer os desejos dos grupos que chegam na frente por

intermédio da renovação de garantias simbólicas (de que eles não estão sendo

ignorados e de que seus interesses serão protegidos).

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dia aventadas, fazer com que a virtude que lhe é persistentemente atribuída ao

menos corresponda plenamente à sua vagueza (por exemplo, oferecer "mais in-formações" ao público).

O significado sociológico dessas expressões, gestos e/ou pronunciamentos,

no entanto, apresenta-se sob formas mais variadas do que se poderia imaginar à

primeira vista. Este ponto pode ser facilmente ilustrado com uma reflexão sobre

os sentidos distintos que a palavra "integração" continha, na forma em que era

usada, no início dos anos 1960, em cada caso, simbolicamente, pelos seguintes

personagens: um legislador branco, que endossava a integração em seus discursos

a eleitores negros, mas não apresentava ou apoiava projetos de lei que fortale-cessem aspectos específicos da integração; um líder negro de direitos civis, como

Martin Luther King ou Roy Wilkins, que construía um movimento social; um

pastor branco, que exortava seus fiéis brancos em Scarsdale contra o racismo.

O primeiro uso da palavra "integração" - isto é, o uso feito pelo legislador

branco — não é autêntico, é manipulativo. Quando dissociado de quaisquer esfor-ços sistemáticos para promover o alcance efetivo dos valores desejados, a accoun-tability torna-se um pretexto sutil para a inação, um valor "apenas de domingo",

reconhecido mecanicamente como uma forma mundana de protestos meramente

verbais. Esse tipo de accountability pode ser fácil e até veementemente endossado

por conselhos curadores, lobistas de seguros e outros atores que têm posições de

poder e cuja recitação da palavra serve de substituto para a accountability em si.Ela se torna então somente uma concessão verbal, semelhante à retórica usada no

traduziu accountabili ty ou accoun table nesta versão, a palavra portuguesa a que se recorreu esta

grafada em itálico. Pode-se, portanto, concluir qu e accountability di z respeito, genericamente, aalguma forma de prestação de contas ou de satisfação a detentores de expectativas diversas.

288 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Muitas vezes, a renovação das garantias simbólicas, por parte dos deten-

tores do poder, bastará para sossegar os ânimos de um grupo não organizado

- porque pelo menos corta a intensidade de sua insatisfação e aumenta as dificul-

dades de mobilização.2 Essa quietude, entretanto, pode ser assaz temporária, logo

cedendo lugar a uma nova consciência de demandas e ao ressentimento de terem

sido vítimas de manipulação. Mas quem apenas "verbaliza" accountability não se

preocupa com o longo prazo.Seguindo a analogia feita anteriormente à palavra "integração", os líderes

do smovimentos políticos

esociais também usam slogans

esenhas verbais

emseus esforços para arregimentar adeptos. Possivelmente, eles até usem as mesmas

palavras empregadas por aqueles que exercem o poder na tentativa de assegurar

garantias simbólicas ã seguidores potenciais. Nesse contexto, no entanto, embora

o uso da palavra ainda seja simbólico, seu sentido é muito diferente. Enquanto os

líderes dos grupos talvez estejam ainda lidando em grande parte com gestos e não

com mecanismos, a accountability nesse caso serve como ponto de convergência

em torno do qual se pode provocar a mobilização e construir um movimento.

Nessa situação, a demanda por accountability torna-se um símbolo compartilhado

por todos os indivíduos mobilizados em torno de uma força política que tem por

objetivo buscar e obter concessões específicas.3 Tão logo essa força organizada se

estabeleça, a questão de como realizar a accountability pode assumir a forma de :uma confrontação imediata, uma quase confrontação, ou um adiamento delibe-

rado a título de técnica de barganha.Em algum ponto entre o uso "cooptante" e não autêntico de slogans como

tranquilizadores políticos, não condizentes com as necessidades básicas, e o seuuso por líderes que procuram mobilizar eleitores com o intuito de levantar ban-

Concepçóes alternativasde accountabili ty: o exemplo da gestão da saúde • 289

 

deiras e constitu ir grupos, situa-se o uso da accountability como b andeira de uma

campanha de educação moral. Comumente, esse tipo de campanha é iniciadopor um profissional jun to a seus colegas, ou por uma pessoa de fora, preocupada,ma s não interesseira. O educador moral vê seus prosélitos de uma forma muitoparecida com a que um pastor de consciência social vê sua congregação, seus fiéis,a saber: como pessoas basicamen te ansiosas por fazer as coisas de acordo com seusvalores, cujo comportamento não corresponde ao que deveria ser, seja po r faltade conhecimento e por terem sido instruídas de forma imprópria, ou porque nãoforam lembradas de suas obrigações, ou porque não lhes foram apresentados, emnúmero suficiente, "bons" mod elos para neles se espelharem. Con fia-se, portanto,em admoestaçáo, persuasão moral, p regação laica e em exemplos oferecidos, emvez de se apoiar na criação de novos mecanismos de accountability - não que essas

abordagens não sejam autênticas, mas porque se acredita firmemente que sejameficazes.

Accountability como política realista

Uma visão contrastante de accountability é a do padrão vigente de admi-nistração e governo, que reflete em qualquer momento no tempo a totalidade dasforças que atuam no sistema: as que funcionam no sentido de manter o status qu oe as que procuram remodelá-lo. Essa visão corresponde às teorias políticas sobregrupos de interesse, esposadas por analistas políticos como Robert Dam, DavidTruman, V. O. K ey e Earl Latham.5 Co m base nessa perspectiva, o hospital, po rexemplo, é visto como uma comunidade política, influenciada por seus membrose po r forças externas, no ato contínuo de sua reestruturação. Além de suas funçõescontábeis e administrativas, no sentido esttito, a administração hospitalar é per-

cebida como um processo político pelo qual os vários grupos negociam, confro n-tam ou ajustam suas demandas. Assim, a accountability torna-se a instância efetivareal em que a administração hosp italar dá respostas aos reclamos e às demandas

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Segundo o doutor Avedis Donabidian, a tendência na administração dosserviços de saúde a se dar mais ênfase à educação m oral que à regulamentação sedeve à norm a do coleguismo entre os médicos e à fraqueza dos controles formais einformais de que dispõem os administradores em relação aos médicos. Ele escreve:

O administrador deve [...] estabelecer um equilíbrio adequado entre os objetivoseducacionais da apuração de qualidade e a necessidade de impedir e detectarpráticas negligentes ou incompetentes [...].

Na vida real a resposta parece depender parcialmente do papel e da influên-

cia dos médicos que atuam no programa. Onde esta influência é pequena, comoacontece em alguns programas de seguro de saúde, aí não há responsabilidade

alguma pela qualidade, ou, na melhor das hipóteses, dá-se ênfase à identificaçãoe correção dos abusos que já beiram a crime. Onde o papel do médico atuante

é significativamente grande ou dominante, a ênfase pode recair de forma tão

forte sobre o objetivo educacional que o objetivo disciplinar corre o risco de ser

ignorado ou explicitamente abandonado.4

Por diferentes que sejam os vários usos dados à palavra accountability , dis-cutidos até aqui, todos eles se apoiam nela como um símbolo, e não como um aforça social, e infelizmente tendem a "se chocar" uns com os outros. Por isso,em muitas ocasiões, quando os administradores falam de modo favorável sobreaccountability , é difícil distinguir se seus gestos expressam falta de autenticidade,convite a comício ou à pregação moral. Além disso, as conseqüências sociais des-ses usos dependerão, em parte, dos outros processos de accountability , que sãoestudados a seguir.

290 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

de interesse particular dos médicos, dos enferme iros, dos militantes sindicais, dos

pacientes, etc.O administrador hospitalar está preso, como responsável, no centro desse

processo — o ponto focai da pressão — nã o no topo. A posição do administradorhospitalar, nesse caso, é de fato análoga à da bola de bilhar, num diagrama de físi-ca, sobre a qual impactam várias forças. Normalmente, as ações do administradorsão vistas como quase totalmente determinad as pelos vários grupos de interesse;para prever o comportamento do administrador deve-se, portanto, conhecer os

coeficientes de força dos vários grupos.Mesmo que se admita que os administradores tenham visão própria e umaparcela de autonomia, não se lhes reconhece que representem os interesses detoda a comunidade política — , ma s seus "interesses próprio s", que são tão parciaisquanto os interesses de quaisquer outros grupos de pressão. Em geral, os interes-ses imputados aos administradores são aqueles do burocrata que busca expandirseu domínio, ou , muito particularmente, defender su a própria investidura naautoridade.6 Denom inamos "realismo político" ou "política realista" (realpolitik)a essa visão da administração e da accountability , porque ela se caracteriza por tero poder como sua única variável importante.

As regras da realpolitik são razoavelmente bem conhecidas. Ê claro que

listá-las brevemen te aqui significa fazer relatório, não significa aplaudir sua exis-tência. De modo geral, os grupos com mais status, renda e escolaridade têm maispoder e, portanto, tornam o sistema relativamente mais prestativo a eles. Isto é,eles possuem maior alavancagem. Po r isso, pode-se esperar que o hospital volun-tário típico nos EUA (e sua administtação e seu administrador) dará atenção má -xima ao s médicos e/o u curadores, terá um a consideração apenas secundária co m

Concepções alternativas de accountabili ty: o exemplo da gestão da saúde "291

 

os enfermeiros e auxiliares, será minim amen te solícito com os pacientes e trataráde forma particularmente desatenta os clientes pobres, sem escolaridade e nãopagantes. Já quanto à comunidade norte-americana típica, pode-se confiar qu eseu hospital há de corresponder muito de perto à comunidade empresarial local,e menos aos outros grupos. Em geral, a depender do realismo político, pode-seesperar que ele será mais solicito às repartições governamentais dos vários níveis doque aos "consumidores" e seus advogados.

Supõe-se que as categorias distintas de hospitais - municipais, privados,voluntários, etc. - se diferenciem quanto aos grupos de interesse a que servemcom maior presteza e quanto aos tipos que detêm uma base de poder mais ala-vancada. Po r exemplo, é de se esperar que os hospitais voluntários sejam menossujeitos às pressões da política municipal do que os hospitais municipais, massejam bem mais dependentes da boa vontade e da generosidade contínua das"principais famílias" da comunidade.7

No mundo acadêmico, esta abordagem já foi comum na ciência política. Embora

tenha perdido espaço ao longo do s últimos vinte anos, ela ainda é muito popularno campo da administração pública. A teoria dos jogos e a cibernética seguem

sobretudo essa linha de pensamento.Na administração hospitalar, de acordo com essa abordagem, os adminis-

tradores têm de se reportar a uma ou a várias autoridades, como, por exemplo,ao conselho, a seu sup erior, à lei, etc., e gasta-se muita tinta para clarificar essaslegalidades. É o caso levantado pela seguinte pergunta: Se um médico comp orta-se mal num hospital, quem é legalmente incriminãvel: só o médico, só o hospital

e seu administrador, ou ambos?Assim, fizeram-se muitas tentativas p ara que os hospitais dessem mais sa -

tisfação ao púb lico em geral, exigindo-se deles a apresentação de demon strativos

financeiros detalhados; e vários mecanismos têm sido propostos para tornar es-sas demonstrações financeiras facilmente acessíveis às partes interessadas. Além

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De acordo com a análise que se vale do realismo político, os grupos també mvariam ao longo do tempo em relação à sua alavancagem, dependendo do quan-to estejam organizados e mobilizados para influenciar sua comunidade política.Assim, se os médicos atuarem tão-somente como indivíduos, eles obterão m enosrecursos do que se estabelecerem comissões em todo o hospital para garantir quesuas preferências coletivas prevaleçam. E, via de regra, os trabalhadores sindicali-zados dos hospitais serão alvo de maior consideração do que os não organizados.Segundo essa visão, mesmo os pacientes que são representados po r defensores de

pacientes, ombudsmen , advogados ou representantes de consumidores - ainda quesendo fracos e facilmente dissuadidos — ganham mais do que ganhariam sem essasorganizações e expedientes de mobilização.

Desse modo, a política realista, por sua visão "teimosa", sugere que a ex-pressão "mais atencioso" não faz sentido; a pergunta é: A quem? A implicaçãoé qu e alguma accountability a um grupo significa, quase po r definição, menosaccountability a outro. Está implícito na posição da p olítica realista que os valoresàs . per si - por exemplo, na forma em que são representados pela educação moraldo administrador — significam quase nada. O único fator do qual se pode esperarque produza alguma mudança significativa em accountability é a ocorrência demudança no poder relativo dos vários grupos.

Abordagem formal, ou legal

Muitos autores endossam uma visão de accountability que a define em ter-mo s legais ou formais. A ênfase recai sobre a instituição de "freios e contrapesos".

292 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

disso, foram criadas leis exigindo a participação de consumidores nos conselhosconsultivos de Hill-Burton e nos órgãos estaduais e regionais do Plano Geral de

Saúde.8Mudanças recentes nos procedimentos de credenciamento dos hospitais

estão permitindo que consumidores e organizações de consumidores participemno processo de credenciamento. Os cidadãos fazem-no, descobrindo quando de-vem ocorrer os levantamentos (surveys) bianuais de credenciamento do s hospitaisem suas áreas e fazendo-se presentes, por ocasião das entrevistas informativas,para comunicar as queixas cabíveis em relação aos padrões da Comissão Con junta

de Credenciamento dos Hospitais.9

E, num esforço para fazer com que os médicos e os hospitais dêem maisexplicações ao governo, quando gastam dinheiro do Medicare e Medicaid, o Con-gresso norte-americano recentemente aprovou a legislação PSRO com a finalida-de de submeter a admissão de pacientes idosos e pobres em hospitais - exceto emcasos de emergência - a um exame de pré-admissão, a cargo de comissões locaisde médicos. Mas uma proposta mais drástica — que exigia a revisão das admissõesdo Medicare, por uma comissão interna do hospital, e que fora submetida com opropósito de atuar severamente contra a hospitalização desnecessária ou perma-nências prolongadas - foi abandonada pela administração da seguridade social,depois que a Associação Médica Norte-Americana (AMA) a atacou duramente.10

As mudanças estruturais dentro do hospital constituem medidas semelhan-tes, porque elas funcionam com base em mudanças nas definições formais. Assim,um exemplo ilustrativo é a exigência de que os hospitais tenham representantesde consumidores em seus conselhos; diz-se que torna o hospital mais acessível.Seguindo essa lógica, as diretrizes da Agência de Oportunidade Econômica (sigla

Concepções alternativas de accountability. o exemplo da gestão da saúde • 293

 

em inglês OEO) determinaram que esse órgão e outros centros distritais de saúde,financiados pelo serviço público de saúde, tinham de formar conselhos diretoresou comissões consultivas, com uma composição de pelo menos um terço de "re-presentantes democraticamente eleitos dentre os pobres".11

Muitos cientistas sociais mostram-se céticos diante desses mecanismos for-mais e legais de accountability. Segundo os termos de um livro muito popular deintrodução à sociologia:

As regras do sistema formal explicam muito, mas de nenhum modo explicam

todos os padrões de comportamento que se configuram nas associações. A ex-

pressão "estrutura informal" é usada para denotar os padrões que emergem da

interação espontânea das personalidades e dos grupos dentro da organização...

A estrutura informal de uma organização é formada pelas configurações que sedesenvolvem quando os participantes enfrentam problemas persistentes para os

À primeira vista, a advertência da ciência social, segundo a qual "nem tudo

o que brilha com a accountability de fato a promove", parece se confirmar a partirdo s dados do sistema de saúde. De resto, no entanto, os mecanismos formais têmde fato um efeito - especialmente quando estão associados a esforços para cons-truir consenso em torno de valores e para mobilizar o poder, por meio da constru-ção de coalizões, como se discute abaixo. Assim, um estudo sobre as realizações de37 Conselhos da Área de Saúde e Deficiência Mental, em Massachusetts, em que

a participação dos cidadãos era exigida por lei, revelou que os conselhos obtive-ram quatro tipos distintos de resultados. Cada um deles deveu-se a uma estratégiadiferente adotada pelo Conselho: criação de novos serviços, obtenção de recur-sos externos (dos governos estadual e federal), realizações da comunidade local(mobilização de recursos do setor privado ou do governo local) e coordenação

(integração dos esforços de vários agentes sociais).14

Mesmo que a representação do consumidor nos órgãos consultivos e de-

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quais não existem provisões no sistema formal.12

No sistema de atendimento à saúde, o representante do consumidor mui-tasvezes acaba não sendo o representante "do povo", mas um homem de negóciosmuito parecido, em formação e visão, com os outros membros do conselho. Alémdisso, os consumidores integrantes dos conselhos hospitalares, co m freqüência,aprendem que as atribuições formais de poderes não conferem necessariamentepoder real, como os acionistas já haviam descoberto, há muito tempo, nas em-

presas de negócios. Os detentores de poder podem promover sua própria reuniãonuma sala do s fundos, antes da reunião formal, tornando-se a última então um amera cerimônia. Ou os médicos e os administradores podem fazer o que bem

entendem mediante o fenômeno da "análise corporativista". Se os consumidoresnão tiverem uma fonte independente de informação, talvez não tenham manei-ra de formar e documentar um ponto de vista contrário ao administrativo. De

maneira semelhante, pode-se imaginar que a aura de competência qu e cerca osmédicos e o s administradores, diante do baixo status social do s representantes doconsumidor, contribua para a probabilidade de que os representantes do consu-midor se curvem ao arbítrio dos funcionários hospitalares. Além disso, enquantoos médicos e os administradores têm interesses pessoais contínuos nos negócios

do hospital, as motivações dos representantes do consumidor, por sua vez, ten-de m mais provavelmente a serem altruísticas. A menos que a posição do represen-tante do consumidor lhe confira grande prestígio em seu círculo social, ou hajauma outra compensação, resta-lhe pouco incentivo para participar de reuniões,de forma freqüente e regular, e para engajar-se na auto-educação necessária. Pare-ce quase inevitável que o entusiasmo esmoreça com o tempo.13

294 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

liberativos, que supervisionam as repartições de saúde, tenha recebido a atençãomáxima com vistas a resolver os problemas de instituição da accountability parao público em geral, este não é de forma alguma o único mecanismo disponível.Outra abordagem promissora é a Auditoria Compreensiva de Saúde (sigla em

inglês CHÁ), que é programada e levada a efeito regularmente. O princípio que

está por trás da noção da Auditoria Compreensiva de Saúde é essencialmente omesmo que fundamenta a auditoria financeira anual no mundo das empresas.No caso da auditoria financeira das empresas, a lei exige que um especialis-ta externo, habilitado pelo governo (auditor público certificado), examine a

cada ano os livros das companhias de capital acionário de forma que garantaaccountability da empresa e de seus administradores a seus acionistas ou a seus

proprietários legais.A Auditoria Compreensiva de Saúde implica um levantamento regular da

consciência de custos e da qualidade do atendimento prestado em cada hospitalpor uma equipe externa de auditores de saúde habilitados pelo governo. São as

seguintes as principais vantagens da Auditoria Compreensiva de Saúde: (1) ela seajusta bem à filosofia norte-americana de associar o motivo do lucro à prestaçãodo serviço público; (2) evita a necessidade de se estabelecer um aparato governa-mental caro e incômodo de regulamentação (que, como sabemos por experiência

histórica, acaba tipicamente por servir aos propósitos daqueles a quem se preten-de ter sob controle);e (3) conta com um mecanismo testado e confiável, conheci-do por ser eficiente numa área, e o transfere para um campo com o qual mantémestreita relação. A desvantagem principal da Auditoria Compreensiva de Saúde éque as medições dos insumos (inputs) são muito mais refinadas que as medidasdo serviço prestado (outpuí). Enquanto se apuram índices mais precisosde output,

Concepções alternativas de accountabil ity- . o exemplo da gestão da saúde'295

 

as CHAs terão de usar medidas ainda muito grosseiras e suas avaliações não serão

tão confiáveis quanto as tradicionais auditorias financeiras.15

Abordagemde "orientação"

A seguinte visão de accountabili ty — a abordagem de "orientação" — , apres-

so-me a admitir, é a visão que mais me agrada. Foram necessárias mais de seis-

centas páginas de outra obra para explicá-la.16Aqui vou simplesmente sugerir ospontos principais que são relevantes ao tema.

Como a vejo, a accountabili ty baseia-se numa variedade de forças inte-

rativas, não apenas num atributo ou num mecanismo isolado. O rumo que os

administradores tomam, em accountabili ty como também em outras matérias,depende de todos os fatores já listados e de mais alguns a serem mencionados. Em

O administrador não precisa ser meramente um agente do poder ou um

ponto de convergência de várias pressões internas e externas, que ele acomoda àmaneira do ajuste produzido por um diagrama de forças, adaptando-se à pressão

mais forte do momento - se bem que na realidade pouquíssimos administradores

atuem dessa forma. Paralelamente a seus valores pessoais e à posição de autorida-

de na estrutura, que lhe conferem um sustentáculo distinto, isto é, uma medida

de rumo diferente da política realista do "toma lá, dá cá", ainda lhe resta uma

oportunidade de exercer liderança criativa.Eu não vejo a capacidade de liderança consistindo de traços moralísticos

e abstratos de caráter; na minha opinião, esses traços são habilidades específicas.

A questão n ã o é desafiar com insolência e peito aberto a realidade ou os grupos

de poder, nem perseguir tresloucadamente noções utópicas de justiça social ou

de accountabili ty - esse administrador muito provavelmente será logo despedido

— mas ajudar a moldar, a mobilizar e a combinar os vetores que determinam o

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parte, os administradores respondem a articulações de "direitos" - apresentadas

pela "comunidade", por seus líderes - à imprensa, etc., isto é, a reclamos deac-

countability. Em parte, sua accountabili ty é circunscrita e demarcada pelas legali-

dades e, f o rmal i d ad es do Estado e assim por diante. Por conseguinte, as mudanças

em quaisquer e em todos esses fatores são maneiras efetivas de mudar o nível e oescopo da accountabi l i ty; nenhum deles abrange tudo.

Além disso, vários elementos faltantes devem ainda ser acrescentados para

completar a análise: por exemplo, diferentemente daqueles que vêem o poder

como o fator central de explicação, eu vejo a accountabili ty tendo ao mesmo tem-

po uma base de poder e uma base moral, no sentido de que os valores "interna-lizados" pelos dirigentes (bem como os acalentados pelos outros participantes,

internos ou externos ao órgão de saúde em questão) influenciam, por força de

ambos os fatores, o rumo que a unidade de saúde toma. Assim, num estudo

recente promovido pelo Center for Policy Research (estudo em que sou o pesqui-

sador principal, com o apoio do Instituto Nacional de Saúde Mental (sigla em

inglês NIMH)), o doutor Steven Beaver e a doutora Rosita Albert constataram

que os administradores de diversos hospitais estudados eram mais progressistas

em várias matérias do que as pessoas da área servida pelo hospital ou do que seuslíderes e militantes, defensores dos pacientes.

Esse estudo apenas ilustra o que todos sabemos por experiência pessoal:

os administradores não são seres neutros. Eles têm sentimentos, preferências e,sobretudo, valores —embora, é claro, divirjam profundamente entre si quanto aoque valorizam, o quão claramente percebem seus valores e até onde estão dispos-

tos a ir para fazer valer seus valores contra os valores de outros, caso se evidencie

diferença. O conteúdo e a intensidade desses comprometimentos com valoressão, em parte, influenciados pela educação do administrador.

296 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

rumo da repartição e o modelo de accountabili ty para dar-lhes a feição que mais se

aproxime do sistema desejado. Moldar essas forças requer educar os vários grupos

para as definições e demandas que se aproximam mais daquilo que é legal, ético e

justo. Essa talvez seja a parte mais difícil da tarefa do administrador criativo.

Igualmente, para que o administrador possa mobilizarum ou mais grupos

relevantes, é preciso que aconteçam mudanças no equilíbrio de vetores a que ele

deve mais tarde responder. Assim, se os médicos estão pressionando indevida-

mente um administrador para que tome um curso de ação que lhe parece indese-

jável, ele pode instigar uma mobilização maior do conselho ou dos representantes

do consumidor para que estes sirvam de contrapeso, alterando um pouco a com-

posição de forças. Muitas vezes, porém, não se pode seguir esse caminho, porque

ele leva a uma contramobilizaçáo por um outro grupo, nesse caso os "doutores da

medicina", o que não produz, praticamente, mudança líquida alguma e cria um

nível ainda mais elevado de conflito por toda parte.17

É na área da formação de coalizões que se abrem ao administrador oportu-

nidades um pouco melhores para a liderança criativa. As coalizões surgem, ainda

que não necessariamente de forma explícita, quando dois ou mais grupos favore-

cem o mesmo curso de ação ou cursos semelhantes. Elas podem ser formadas ape-

nas com pessoal da casa, apenas com pessoal de fora, ou em composições diversas.

Por exemplo, durante sua gestão como primeiro vice-diretor do Departamentode Saúde Pública de Nova York, o doutor Lowell Bellin foi bem-sucedido em sua

iniciativa de formar uma coalizão entre seus hospitais para oferecer mais recursos

e atenção ao serviço ambulatorial.18 Ao falar sobre as realizações possibilitadas

por essa colaboração ativa entre os consumidores e os profissionais em hospitais

voluntários privados, Bellin listou os avanços que conseguiu:

Concepções alternativas de accountabili ty: o exemplo da gestão da saúde • 2J/

 

9.

10 .

11.12.13.

Instituir um sistema de registros para a unidade.

Contratar um intérprete.Estabelecer um sistema médico básico.

Desenvolver uma lista de serviços para divulgação.

Contratar um diretor em tempo integral para o atendimento ambulatorial.Promover duas audiências públicas abertas.

Acrescentar serviços de medicina preventiva.

Lotar mais médicos, enfermeiros e funcionários no departamento de pacien-tes de ambulatórios.

Eliminar serviços clínicos subutilizados.

Iniciar programa de extensão à comunidade.

Iniciar mais uma clínica ou outros serviços.

Remodelar as áreas destinadas a salas de clínica e/ou emergência.

Realizar levantamentos sobre as atitudes dos pacientes.

consiste em que ele ao mesmo tempo corresponde às necessidades legítimas dos

médicos e é mais condizente com os pacientes do que a prática de um agente só;se este for efetivamente o caso, trata-se de uma alternativa muito criativa.21

Para promover todas e quaisquer dessas estratégias, o administrador precisa

compreender muito bem como funcionam os sistemas sociais, como atuam as

comunidades políticas, quais são os valores e os anseios dos vários grupos e que

alternativas de solução são práticas e aceitáveis. Em parte, ele pode obter o conhe-

cimento necessário mediante um treinamento apropriado; em parte, pode obtê-lo

por meio da interação contínua com os diversos grupos que lhe dizem respeito,

dentro ou fora da unidade. A experiência sugere que, sem as oportunidades fixas

e "institucionalizadas" de comunicação, é improvável que essa interação ocorra

com a freqüência suficiente. Não cabe tentar explicar aqui os mecanismos de

comunicação institucional, mas eles, com certeza, constituem elemento vital para

qualquer sistema de accountability.22

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14.15.

16.17.18.

Oferecer música e auto-serviço de lanche.

Estabelecer elos de comunicação entre o conselho médico, os administrado-res e os consumidores.

Alterar o sistema de encaminhamento.

Mudar o acompanhamento de laboratório e de raio-x.Estender as horas clínicas.19

A razão pela qual a construção de coalizões é muitas vezes eficaz é que, en-

quanto isolado, cada vetor é relativamente dado e imutável; no entanto, as formasem que os vetores podem ser combinados para neutralizar, reforçar parcialmente

ou apoiar inteiramente um ao outro são menos fixas. Em última análise, o sucesso

depende de se construir uma coalizão em prol de uma accountability maior, que

seja bem ampla - ou englobe tudo. Asmudanças desejadassãoentão introduzidasquase que por si mesmas.

Intimamente relacionada com a iniciativa de formar coalizões, mas ainda

mais produtiva que ela, é a formulação de novas alternativas. Raramente os grupos

têm posições inteiramente acabadas e quase sempre conseguem encontrar outros

meios para atingir suas metas.20 Se for possível encontrar outras maneiras que lhes

permitam atingir suas metas - o que diminui simultaneamente sua oposição a

outros grupos e a níveis mais elevados de accountability — , o programa terá grandechance de ser bem-sucedido. Por exemplo, diz-se que a força do padrão HMO

HMO é um sistema de preservação da saúde instituído nos EUA, em 1972, com o objetivo de

oferecer atendimento geral de saúde, por médicos associados, por região específica, a famílias e

a indivíduos voluntariamente inscritos, com limitado encaminhamento a especialistas externos,

298 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Notas

1. EDELMAN, Murray. T he symbolic uses ofpolitics. Urbana, Chicago e Londres: Uni-

versity of Illinois Press, 1964. (Cap. 2.)

2. Ibid.3. A tí tulo de um exemplo concreto sobre accountability como slogan de arregimenta-

ção, para construir movimento social, ver:NADER, Ralph (Ed.). T he consumer an dcorporate accountability. Center for th e Study of Responsive Law. Washington, DC ;

New York: Harcourt Brace, 1973.4. DONABIDIAN, Avedis. A guide to medicai care administration. Vol. II: Medicai care

appraisal. Washington, DC: American Public Health Association, 1969. p. 100-

101.5. O trabalho de Hans J. Morgenthau é outro exemplo desta abordagem. Ver: M O R-

GENTHAU. Politics among nations. New York: Knopf, 1954. Scientific man vs. po-

w er politics. Chicago:University of Chicago Press, Phoenix Edit ion, 1965.6. Ver: ELLING, Ray. The hospital support game in urban center. In: FREIDSON,

Eliot (Ed.). T h e hospital in modem society. Glencoe, 111.: Free Press, 1963. p. 73-111.

7. Ver:NEUHAUSER, Duncan; TURIOTTE, Fernand. Costs and quality of care in

different types of hospitais. TheAnnals of th e American Academy of Política! and SocialScience, The Nation's Health: Some Issues, p. 50-61, jan. 1972.

e financiado com pagamentos fixos, determinados antecipadamente. E também chamado de

Organização para a Preservação da Saúde.

Concepções alternativas de accountability: o exemplo da gestão da saúde • 299

 

8. Para mais informações a respeito, ver o capítulo intitulado: "Consumer inf luenceon the federal role". Healyoursel f , relatório da comissão civil de investigação dos

serviços de saúde oferecidos aos norte-americanos.

9. THE PUBLIC gets voice in accreditation of hospitais, notas ao consumidor, de

Gerald Gold. T h e New York T i m e s , 20 dez.1973.

10. HEW drops tough peer review plan. Medicai World News, p. 50, 5 out. 1973.

11. Para informações adicionais a respeito, ver: The health rights defenders: ali power to

the patients. Heal t h -Pac Bulletin, out.1969.

12. BROOM, Leonard; SELZNICK, Philip. Sociology. 3. ed. New York: Harper and

Row, 1963. p. 227-229.

13. Como exemplos e avaliações de esquemas mais ou menos bem-sucedidos de parti-

cipação de consumidores, ver: GORDON, Jeoffrey B. The politics of community

medicine projects: a conflict analysis. Medicai Care, v. 7, n. 6, p. 419-428, nov./dez. 1969. LARSON, Roger G. Reactions to social pressure. Annual Administrati-

ve Rev i ews of Hospitais, v. 46, p. 181-186, 1a abr. 1972. MANDERSON, Donna;

American A cademy ofPolitical and Social Sc ience , The Natiorís Health: Some Issues,

p. 100-113, jan.1972.

22. Para discussões adicionais, ver: ETZIONI. T he active society, cap. 20.

Comentário

Ética de responsabilidade: sensibilidadee correspondência apromessas e expectativas contratadas

Francisco G. Heidemann*

Depois de assinalar a relevância e a oportunidade da accountability para os

tempos atuais e seu significado para a manutenção e o aprimoramento da demo-

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KERR, Markay. Citizen influence in health services programs. American Journal of

Public Health, v. 61, n. 8, p. 1518-1523; SHEPARD, Frank M.; WILEY, Beulah.

A Community-University cooperative venture, Hospitais J. A. H. A., v. 46 (16 de

setembro, 1972), p. 64-70; HOLTON, Wilfred E.; NEW, Peter K.; MESSLER,

Richard M. Citizen participation and conflict. Administration in Mental Health.

p. 96-103, out.1973.

14. MEYERS, Willian R.; GRISELL, Jane et ai.Methods of measuring citizen board ac-

complishment in mental health and retardation. Community Mental Health Journal,

v. 8, n. 4, 1972.15. Como protótipo de uma auditoria compreensiva de saúde, ver:BRIERLY, Carol.

Hospital costs: what the figures really say. P r i s m , p. 12-17, 62-64, fev. 1974.

16. ETZIONI, Amitai. T h e active society. New York: Free Press,1968.

17. Ibid., cap. 15, 18.

18. BELLIN, Lowell Eliezer; KAVALER, Florence; SCHWATZ, Al. Phase one of con-

sumer participation in policies of 22 voluntary hospitais in New York City.American

Journal of Public Health, v. 62, p. 1370-1378, out. 1972.

19. BELLIN, Lowell Eliezer.How to make ambulatory care start ambulating. Apresentado

no workshop conjunto, patrocinado por AHA e ADAC, Cherry Hill, Pennsylvania,

novembro 1971. p. 11.

20. Para outras informações a respeito, ver: ALMOND, Gabriel A.; POWELL JR., G.Bingham. Comp arat ive pol i t ics: a developmental approach. Boston: Litt le, Brown

and Co., 1966.

21. Para examinar os prós e contras de alguns programas atuais, pré-pagos, como o

Kaiser-Permanente e o HIP, ver: GRUNLICK, Merwyn R. The impact of prepaid

group practice on American medicai care: a criticai evaluation. lhe Annals of the

300 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos deanálise

cracia, pretendo como principal objetivo deste comentário propor alguns arranjos

realísticos que tornem mais efetivas as "prestações de contas" nas organizações

formais, sobretudo em nossas repartições públicas.

Conceituaçáoe relevância

Duas manifestações na última década do século passado põem em pers-

pectiva a relevância e a atualidade da accountability ou a responsabilidade daprestação de contas em nosso tempo. Depois que dois ex-presidentes da Coréia

do Sul foram condenados a penas de prisão perpétua e morte, o jornal britânico

Financial Times declarou que o mundo estava entrando na era da accountability

(Time Magazine, 9 set. 1996, coluna Verbatim, p. 9). Já nenhum governante

pode mais ignorar as expectativas de seus cidadãos e passar impunemente sem

dar-lhes satisfação. A segunda menção vêm do então presidente da Associação

dos Magistrados Brasileiros, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, ao referir-se,

em entrevista, à impunidade dos deputados brasileiros envolvidos em casos de

Atualmente, professor da Esag/Udesc, Francisco G. Heidemann é ex-professor do s programas

de mestrado em Administraçãoda UFSC, FU R B e da PUCPR e consultor de organizaçõesdo setor público e privado nas áreas de políticas públicas, desenvolvimento de executivose

recursos humanos. Fo i coordenador do s programas de mestrado em Administração da UFSC(1991-1995), da PUCPR (2001-2002) e da Esag/Udesc (2004-2005). Obteve seu doutoradoem Administração Pública na University of Southern Califórnia, em Los Angeles, em 1984.

Além de ter sido um de seus organizadores, é o tradutor do s textos do s autores estrangeiros

contidos no livro e executor responsável da obra.

Concepções alternativas de accountability: o exemplo da gestão da saúde •301

 

corrupção: "A impunidade parlamentar, em sua extensão atual, não combina

mais com a sensibilidade social" (ISTOÉ, n. 1488, 8 abr. 1998, p. 4-8). Comoos deputados perderam o senso de sua representação, os cidadãos que os elege-

ram, agora também os repudiam, revelando que a virtude política da indigna-

ção não está entorpecida.

Embora os exemplos aludidos tenham ocorrido à grande distância de

nós e em proporções assombrosas, é na circunstância próxima e específica dodia-a-dia que o cidadão sofre os efeitos da presença ou da falta de accountabilitye em termos muito mais freqüentes.Bemperto de nós, por exemplo, osusuários

da biblioteca central da UFSC tiveram seu acesso a ela impedido durante quase

meio ano, no início de 1996, a pretexto dos estragos de uma chuva torrencial

de verão. M as seria essa a verdadeira razão de sua indisponibilidade ao público

estudantil? A resposta mais correta, porém, parece ser a falta de sensibilidade

quase atávica, que caracteriza boa parte do servidor público brasileiro, à mercê

da convicção, de origem individual, pessoal. De acordo com Ramos, "[a] éti-

ca da responsabilidade corresponde à ação racional referida a fins. Seu cri-tério fundamental é a racionalidade funcional ou 'pragmática' (Voegelin).

A ética... da convicção está implícita à toda ação referida a valores" (RAMOS,

1983, p. 42).Para Ramos, a observância da ética da responsabilidade era obrigação de

empregadores e empregados por causa do crescente conteúdo social da função do

empresário na sociedade de então. Hoje, além da função social do capital e dos

atores diretamente associados à sua administração, a aplicação da ética envolve

um mundo muito mais complexo de relações. A degradação ambiental, a defesada democracia, a qualidade de vida na sociedade de mercado, a dignidade hu-

mana no contexto das organizações de trabalho, a satisfação do consumidor pela

qualidade são exemplos de questões que angustiam o homem nesse início de umnovo século e que cobram uma parcela de responsabilidade de praticamente cada

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de sua cultura, que o faz o com e

A bem da verdade, o termo "servidor" já não se aplica mais, com justiça, a essefunc ionár io público, pois falta-lhe seu atributo principal, isto é, o senso ou apostura de servir; falta-lhe a accountability, a sensibilidade do munus público.

A accountability, em seu sentido amplo, corresponde à preocupação cen-

tral da ética da responsabilidade, como a define, por exemplo, Guerreiro Ramos

(ver a seguir). Mas, em seu sentido estrito e aplicado, ou contextual, refere-seobviamente apenas a relações sociais circunscritas, como as previstas no s sis-

temas racional-burocráticos de prestação de serviços, por exemplo. Quer em

sentido abrangente ou específico, trata-se de uma preocupação imprescindível

a todo funcionário ou administrador público às voltas com genuína eficáciaorganizacional.

É até certo ponto incompreensível que a preocupação com a ética tenha

estado por tanto tempo longe do campo de estudo da administração, sobretudo

quando se admite que a administração significa mais que tudo administração

de pessoas. Na verdade, porém, ela esteve distante apenas em termos expressos,

porque implicitamente as teorias administrativas estão impregnadas de princí-

pios éticos. Basta observar, po r exemplo, os postulados subjacentes às teorias

sobre motivação, participação ou liderança. Por razões de natureza ética, talvez

não conviesse, em geral, declarar aos quatro ventos que "o rei estava nu"!Se a literatura explícita sobre ética no campo da gestão de negócios pri-

vados e públicos era escassa no passado, nã o significa que ela não existia. Defato, em 1966, Guerreiro Ramos, fundamentado em Max Weber e outros au-tores, já estabelecia para o estudioso brasileiro a distinção primária entre a éti-

ca da responsabilidade, de origem social, externa, e a ética do valor absoluto ou

habitante do planeta.Quer em termos conceituais ou em termos operacionais, a questão da

accountability é particularmente complicada para o cidadão brasileiro, sobretu-

do em virtude de sua dependência histórica e cultural de regimes de governo

autocráticos e até despóticos. Ana Maria Campos (1990) estudou a relação

entre a história política e a democracia, no caso do Brasil, para explicar por que

esse conceito é tão estranho e desafiador para os brasileiros, ao mesmo tempo

que lhes é tão necessário à construção, à consolidação e à garantia do regime

democrático de governo. Segundo Campos, não existiria na cultura brasileira

o conceito de accountability, e por isso a democracia estaria permanentemente

em perigo no país.A ética da responsabilidade coloca frente a frente o detentor de expecta-

tivas e o agente encarregado de sua satisfação. É disso que trata a accountability,que em sentido lato se pode traduzir como a obrigação de prestar contas a por-

tadores de expectativas. Parafraseando Saint-Éxupery, poder-se-ia dizer a respeito

do sujeito obrigado a prestar contas: "Quem cativa é responsável!" E da promessa

! ; _ contida na linguagem de encantamento do marke t ing também se pode derivar aobrigação: "Quem 'encanta é responsável!" O encantamento só se sustenta com

uma perspectiva ética, duradoura, de longo prazo. O imediatismo ou a pressa de

uma venda pode matar para sempre a oportunidade de uma relação de serviço

significativa às partes.A palavra portuguesa qu e mais se aproxima do significado genérico de

accountability é responsabilidade. E esta deriva etimologicamente de dois ter-

m os latinos, a saber: ré + spondere, qu e juntas querem dizer "prometer em re-torno, em resposta; corresponder". Por sua vez, accountability deriva de "a d +

302 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Conicepções alternativas de accountability: o exemplo da gestão da saúde • 303

 

computare , isto é, contar para, prestar contas a, dar satisfação a, corresponder à

expectativa de".Diante desse qu adro e dos mecan ismos existentes de apuração de respon-

sabilidades na adm in is tração públ ica, propõe-se a pergunta-chave deste comen-tário: O que se pode realisticamente fazer hoje, na instância local, estadual oufederal, para assegurar um a maio r satisfação da s expectativas do s usuários deserviços públicos, sobretudo no nível das relações organizac ionais? Para respon-der a esta pergunta recorro à fórmula proposta por dois estudiosos norte-ame-ricanos da accountability na prestação do serviço público.

Accountability: uma estratégia para administrar expectativas

Os pesquisadores Romzek e D u b n i c k (1987) estudaram o relatório da

Graus de controle sobreas ações da repartição

Elevados

Baixos

Fontes de controle da repartiçãoInternas Externas

1. Burocrático

3. Profissional

2. Legal

4. Político

Tipos de sistema s de "prestação de contas"

Quanto à primeira dimensão, a administração das expectativas da re-partição por meio de mecanismos de "prestação de contas" requer que se es-tabeleça alguma fonte autorizada de controle. As fontes internas de controle

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Comissão Rogers, que fora encarregada de apurar as responsabilidades da tra-gédia ocorrida em 1986 com o ônib us espacial Challenger, e constataram queos memb ro s da Comissão se l imitaram a determinar as falhas técnicas e ge-renciais existentes no projeto. Para superar a compreensão apenas estrita da"prestação de contas", eles passaram a tratá-la como u m a estratégia para admi-nistração de expectativas. O termo que eles usam para "prestação de contas" éaccountability.

De acordo co m Romzek e Dubnick , a "prestação de contas", como um a

capacidade para dar respostas, é insatisfatória, pois envolve apenas respostas limi-tadas, diretas e sobretudo formalísticas, a deman das interpostas por instituiçõesou grupos específicos no amb iente operacional da repartição pública. Concebidaem termos mais amplos, "a prestação de contas da adm inistração pública envolveos meios pelos quais as repartições públicas e seus trabalhadores a dministram asdiversas expectativas geradas den tro e fora da organização" (ROMZEK; DUBNI-CK, 1986).

Vista como uma estratégia para a adminis tração de expectativas, a "pres-tação de contas" da administração pública toma várias formas. Os autores des-tacam quatro sistemas alternativos de "prestação de contas" pública, cada umbaseando-se em variações que envolvem duas dimensões críticas, a saber: (1 )

Existe alguma en tidade den tro ou fora da repartição, com competência para de-finir e controlar expectativas? (2) Que grau de controle tem esta entidade paradefinir as expectativas da repartição? A interação entre essas duas dimensõesgera os quatro tipos de sistemas de "prestação de contas" ilustrados a seguir.

304 • Polít icas p úblicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

baseiam-se na autoridade inerente nas relações hierárquicas formais bem comona s relações sociais informa is existentes dentro da repartição. As ontes externasde controle refletem uma distinção semelhante, pois sua autoridade pode serderivada tan to de arran jos formais, instituídos em leis ou contratos legais,como também do uso informal de poder pelos detentores de interesses situa-do s fora da repartição.

U m a segunda dimensão presente em todo sistema de "prestação de con-tas" é o grau de controle exercido por essas fontes de controle sobre as opções eas operações da repartição. U m grau elevado de controle reflete a capacidade docontrolador para determinar tanto a extensão quanto a profundidade da s açõesque a repartição pública e seus memb ros podem empreender. Um baixo grau decontrole, por outro lado, permite uma discrição considerável aos operadores da

repartição.Romzek e Dubnick caracterizaram um a um os quatro sistemas de "presta-

ção de contas", segundo os termos expostos a seguir.(1) Os sistemas de "prestação de contas" burocrática (célula 1) são me -

canismos amplamente util izados para administrar as expectativas da repartiçãopública. Segundo essa abordagem , as expectativas dos gestores público s são admi-

nistradas pela atenção que se dá às prioridades daqueles que ocupam as posiçõesde topo na hierarquia burocrática. Ao mesmo tem po, aplica-se intenso controlesupervisionai a uma ampla gama de atividades da repartição. O funcionamentode um sistema de "prestação de contas" burocrática envolve dois ingredientessimples: uma relação organizada e legítima entre um superior e um subordinado,em qu e nã o se questiona a necessidade de obedecer a "ordens"; e uma estreita

Concepções alternativas de accountability.o exemplo da gestão da saúde • 305

 

supervisão ou, em seu lugar, um sistema de procedimentos de operação padrões

ou regras e regulamentos claramente estabelecidos.

(2) A "prestação de contas" legal (célula 2) assemelha-se à fo rma burocrá-

tica, no sentido de que envolve a aplicação freqüente de controle a uma gama

extensa de atividades da administração pública. Contrariamente à "prestação

de contas" burocrática, no entanto, a "prestação de contas" legal baseia-se nas

relações entre um agente controlador externo à repartição e os membros dela.

O agente externo não é qualquer um; é o indivíduo ou o grupo que tem compe-

tência para impor sanções legais ou atestar obrigações contratuais formais. Nor-

malmente, são esses agentes externos qu e fazem as leis e a s outras ordens políticas

que o administrador público tem a obrigação de fazer cumprir ou implementar.

Emtermos

deformulação

depolíticas,

oagente externo

é o"legislador", enquan-to o administrador público exerce o papel de "executor".

A relação que seestabelece entre o controlador e o controlado na "prestação

organizacionais nas mãos dos empregados que têm a competência ou as aptidões

especiais necessárias à execução do trabalho. A chave do sistema de "prestaçãode contas" profissional, portanto , é a concessão ou a deferênciaà perícia dentroda repartição. Se, por um lado, as associações profissionais externas podem in-fluenciar indiretamente a tomada de decisão do exper t da casa (via formação epadrões profissionais), por outro, a fonte de autoridade continua essencialmen-

te nas mãos da repartição.Caracteristicamente, a organização que pratica a "prestação de contas" pro-

fissional se parece a qualquer outra repartição pública, em que um administrador

é responsável por um conjunto de trabalhadores, mas as relações entre eles sãomuito diferentes. No sistema de "prestação de contas" burocrática, a relação-cha-

ve é a da supervisão estreita. Por sua vez, na "prestação de contas" profissional a

relação central assemelha-se àquela que existe entre um leigo e os trabalhadoresqu e tomam as decisões importantes que sua especialidade exige.

(4 ) A "prestação de contas" política, (célula 4) é essencial às pressões demo-

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de contas" legal também difere da relação que existe entre o supervisor e o subor-

dinado nas formas de "prestação de contas" burocrática. No sistema burocrático,

a relação é hierárquica e baseia-se na capacidade dos supervisores de premiar ou

de punir seus subordinados. Na "prestação de contas" legal, no entanto, a relação

ocorre entre duas partes relativamente autônomas e envolve um acordo fo rmal ou

fiduciário implícito (comitente/agente) entre a repartição pública e seu sobrestan-

te legal. Por exemplo, o Congresso cria leis e monitora a implementação dessas

leis po r meio de repartições federais específicas; um tribunal federal regional

determina a uma diretoria escolar que promova a dessegregação racial em suasescolas e supervisiona a implementação da ordem; a prefeitura municipal con-

trata uma empresa privada e lhe confia a operação do lixão da cidade. Em cada

um desses casos, os implementadores são legal e contratualmente cometidos alevar a efeito suas obrigações, e é muito diferente fazer cumprir essas obrigaçõesdo que cobrar as obrigações relativas às situações em -que se aplicam os sistemas

de "prestação de contas" burocrática.

(3) A "prestação de contas" profissional (célula 3) ocorre co m maior fre-

qüência à medida que os governos lidam mais e mais com problemas tecnica-

mente difíceis e complexos. Nessas circunstâncias, os gestores públicos têm deconfiar em empregados que têm habilidade e perícia para produzir as soluções

apropriadas. Esses empregados desejam ser cabalmente cobrados po r suas açõese insistem que os líderes da s repartições confiem que seu trabalho será o me-lhor possível. Presume-se que possam ser repreendidos ou demitidos, caso não

consigam satisfazer as expectativas de desempenho desejadas. No entanto, eles

esperam contar com a discrição suficiente para poder realizar seu trabalho. As-

sim, a "prestação de contas" profissional caracteriza-se po r colocar as atividades

306 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

cráticas exercidas sobre a administração pública. Se a "deferência" à perícia carac-

teriza a "prestação de contas" profissional, a "sensibilidade" caracteriza os sistemas

de "prestação de contas" política. A relação-chave nesses sistemas é semelhante

àquela que existe entre um representante (nesse caso, o administrador público) esua clientela (aqueles a quem ele deve atender, ou dar uma satisfação). Na "presta-

ção de contas" política torna-se fundamental a pergunta: "Quem o administrador

público representa?" Entre as clientelas potenciais incluem-se o público em geral,

os funcionários eleitos, os chefes de repartição, os usuários da repartição, outros

grupos de interesse especial e as gerações futuras. Independentemente da defini-çã o operacional que se adote para clientela, espera-se que o administrador sejasensível a suas prioridades políticas e necessidades programáticas.

Romzek e Dubnick advertem que se, por um lado, os sistemas de "presta-

çã o de contas" política parecem favorecer o nepotismo e até mesmo a corrupção

na administração de programas governamentais, por outro, eles também servem

como base para um governo mais aberto e representativo. A insistência sobre a"prestação de contas" política reflete-se, po r exemplo, na s leis de livre associação,

nos atos em prol da liberdade de informação e nos estatutos criados por muitosgovernos estaduais e municipais para assegurar um "governo transparente".

A tabela a seguir resume as principais características do s quatro tipos ge-

rais de sistemas de "prestação de contas". No sistema burocrático, as expectativassão administradas por meio de um arranjo hierárquico baseado em relações desupervisão; o sistema de "prestação de contas" legal adminis tra as expectativas darepartição mediante uma relação contratual; o sistema profissional apóia-se nadeferência à perícia; e o sistema de "prestação de contas" política estimula a sensi-

bilidade à clientela como o principal meio de administrar expectativas múltiplas.

Concepções alternativas de accountability. o exemplo da gestão da saúde • 307

 

Tabela - Relações entreos sistemas deprestação decontas

T ipo de si st ema de pres taçãode contas

1. Burocrático

2. Legal

3. Profissional

4. Político

Relação análoga(Controlador/Administrador)

Superior/Subordinado

Legislador/Executor da lei

Comitente/Agente

Leigo/Exper t

Clientela/Representante

Base da relação

Supervisão

Fiduciária

Deferência à perícia

Sensibilidade à clien-

tela

Nesse caso, o desafio de administrar expectativas muda à medida que mudam as

condições institucionais. Se as mudanças ambientais forem muito drásticas, elaspoderão acionar um tipo diferente de sistema de "prestação de contas" que procu-

re refletir as novas condições institucionais.Finalmente, à proposição de Romzek e Dubnick aplica-se também a obser-

vação feita por Etzioni, no final de seu artigo, segundo a qual a abordagem múl-

tipla - ou de "orientação" - da accountctbility deve ser secundada por umabase

moral. Pois, além de tudo, como tão bem diz T. S. Eliot, "os sonhadores organi-

zacionais imaginam sistemas tã o perfeitos que o ser humano nã o precisa mais serbom" (apud VOEGELIN, 1981). Afinal, arranjos artificiais episódicos, por mais

funcionalmente perfeitos qu e possam ser, serão sempre apenas instrumentais, dis-

cretos e precários e jamais poderão substituir o caráter ético substancial, contínuo

e indissociável dos seres humanos. A responsabilidade por ações será sempre desujeitos morais, não de entidades artificiais abstratas, como as repartições ou os

agentes estritamente funcionais.

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O melhor sistema de prestação de contas

Dados esses meios alternativos de administrar expectativas, Romzek eDubnick esclarecem que o sistema de "prestação de contas" mais conveniente

a uma repartição específica depende de três fatores: da natureza das tarefas darepartição ("prestação de contas" de nível técnico); da estratégia gerencial adotada

pelos dirigentes da repartição ("prestação de contas" de nível gerencial); e do con-

texto institucional das operações ("prestação de contas" de nível institucional).

O ideal seria que toda organização do setor público estabelecesse mecanismos de"prestação de contas" que dessem conta de todos os três níveis ao mesmo tempo.

Teoricamente, cada um dos quatro sistemas de "prestação de contas" podegarantir a responsabilidade Ue nível institucional da repartição. Assim, em prin-

cípio uma repartição poderá administrar suas expectativas usando o sistema de"prestação de contas" que mais lhe convier à luz das considerações institucionais

relevantes. A mesma flexibilidade talvez não exista para os níveis técnico ou ge-

rencial, em que a adequação dos mecanismos de "prestação de contas" está maisintimamente ligada às tarefas específicas ou orientações estratégicas ou às idiossin-crasias dos administradores individuais.

De acordo com Romzek e Dubnick, a maior parte das repartições públicas

de seu país, os Estados Unidos, tende a adotar dois ou mais tipos de sistemas de"prestação de contas" em qualquer tempo, dependendo da natureza das condiçõesambientais (institucionais) reinantes, bem como de suas tarefas técnicas e orien-tações gerenciais. Segundo argumentam, no entanto, as pressões institucionaisgeradas pelo sistema político norte-americano são muitas vezes o fator preponde-

rante e freqüentemente prevalecem sobre as considerações técnicas ou gerenciais.

308 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

Referências

CAMPOS, Ana Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português?

Revis ta de Administração Pública, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, v. 24, n. 2,

p. 30-51,fev./abr. 1990.

RAMOS, Alberto Guerreiro. Administração e contexto brasileiro: esboço de uma teoria

geral de administração. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1983.(Nota: a primeira edição foi publicada em 1966, pela mesma editora, sob o título: Admi-

nistração e estratégia do desenvolv imento: elementos de uma sociologia da administração).

ROMZEK, Barbara S.; DUBNICK, Melvin J. Accountability and the management of

expectations: the Challeger tragedy and the costs of democracy. Trabalho apresentado por

Romzek e Dubnick no Encontro Anual da American Political Science Association, no

hotel Hilton de Washington, entre 28 e 31 de agosto de 1986, onde desenvolveram de

f o r m a mais completa esta visão de accountability.. Accountability in the public sector: lessons from the Challen-

ger tragedy. Public Administration Rev i ew , Washington, DC, Aspa, v. 47, n. 3>

p. 227-238, May/June 1987.

VOEGELIN, Eric. Wisdom and the magic of the extreme: a meditation. T he Southern

Review,v. 17, n. 2, p. 235-287, April 1981.

Concepções alternativas de accountability. o exemplo da gestão da saúde • 309

 

Pesquisa avaliativa emelhoria dadecisão política: evolução histórica e Q

á~ f *•4s\ <*^<*x 4a4 "*y - ^guia pratico

arason Schneider**Oklahoma State University

uito embora a pesquisa de avaliação tenha se tornado parte importante

da estrutura administrativa em muitas repartições públicas, sua contri-

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M buição para melhorar a formulação de políticas continua sendo dificul-

tada por dois problemas interdependentes. Em primeiro lugar, apesar de ter-se dado

maior atenção aos problemas de utilização da avaliação, os deliberadores acham que

as avaliações feitas são irrelevantes para as decisões qu e eles tomam (ver, po r exemplo,

CRONBACH, 1980; FREEMAN; SOLOMON, 1981; PATTON, 1978). Em se-

gundo lugar, os tomadores de decisão sentem falta de certas informações de pesquisa

que apenas raramente são produzidas pelos estudos de avaliação. Os dois problemas

têm uma mesma origem: o esquema conceituai que orienta a avaliação não tem dado

atenção suficiente aos sistemas de tomada de decisão a que devem servir.

Muitas mudanças têm ocorrido durante os últimos anos tanto na teoria

quanto na prática da avaliação, incluindo-se aí os inúmeros esforços feitos para

aumentar sua relevância por meio da maior atenção dada à política, aos grupos

de interesse ou clientelas. Mas esses esforços não são suficientes. Na verdade,

* Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

Este artigo foi publicado sob o título The Evolution of a Policy Orientation for Evaluation

Research: A Guide to Practice, na PublicAdministration Revi ew, v. 46, n. 4, p.356-363, 1986.

** Quando publicou o presente artigo, Anne L. Schneider era professora associada de ciência po-

lítica na Oklahoma State University (OSU). Aí esteve engajada em dois estudos de avaliação

de âmbito nacional (programas "Menores privados de tutela paterna" e "Reparação de furtospor menores") e conduziu muitas outras avaliações para autoridades estaduais e municipais.

E Ph. D. em Ciência Política pela Indiana University. Ministra aulas de análise de políticas pú-

blicas, metodologia de pesquisa e direito da juventude e da adolescência, entre outras disciplinas.

Desde 1989, integra o Departamento de Estudos de Justiça, na Arizona State University (ASU),

para onde fo i inicialmente como Dean do College of Public Programs, Entre suas últimas publi-cações está o livro em parceria com Helen M. Ingram: Deserv ing and entitled: social constructionsandpublicpolicy, publicado em 2005 pela Suny Press, em Albany, N. York.

 

precisa-se de um modelo de conteúdo político qu e seja mais abrangente para

integrar num só esquema referencial todas as atividades de pesquisa e semipes-quisa empreendidas por programas, repartições ou órgãos legislativos.

A avaliação precisa ser vista como pa rte de um sistema produto r de infor-mações, que alimente o processo cíclico de formulação de políticas. O objetivodeste artigo é apresentar um modelo que integre avaliação, análise de políticase outras atividades de pesquisa produtoras de informação num único processocontínuo e debater as implicações deste esquema para a organização e conduçãoda avaliação no setor público.

Este modelo deve servir para os funcionários de repartições e diretores deprogram as organiz arem seus esforços de planejam ento, av aliação e pesquisa e deveajudar a torna r valiosas essas atividades pa ra a tomada de decisão.

Embusca de umaperspectiva política

pertinente, mediante o levan tamento dos interesses da clientela ou via aplicação

de uma teoria.Entre as mais importantes m udanças verificadas no final dos anos 1970,

figuraram a introdução do referencial de sistemas para descrever as atividadesavaliativas, a ampliação dos tipos de pesquisa incluídos no quadro referencial deavaliação e uma guinada explícita no sentido de se adotar o uso como o mais im-portante indicador individual de valor do próprio empreendimen to avaliativo.

Análise de s i s t emas

Os esquemas sistêmicos mais complexos (como os encontrados em ROS-SI, 1983; FINSTERBUCH; MOTZ, 1980; LEAA, 1974) incluíam ingredientesde políticas (tais como recursos, diretrizes de repartições e leis estaduais), bemcomo elos de realimentação que envolviam desde as conseqüências das políticas

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As dificuldades experimentadas pelos funcio nários públicos, no sentido deobterem avaliações úteis, advêm, pelo menos em parte, do fato de a avaliação, aanálise de políticas e outras pesquisas sobre políticas terem tido sua origem emvárias disciplinas e pontos de vista diferentes. Essa evolução produziu um a massaconfusa de "tipos" de avaliação em vez de um quadro referencial coerente.

Perspec tiva tradicional

Quando a pesquisa de avaliação ensaiava seus primeiros passos, reconhe-ciam-se, em geral, três tipos de estudos: a avaliação de processo (também chama-da avaliação formativa ), a avaliação de resultado (também denominada avaliaçãode impacto ou avaliação somativa) e a monitoração (SUCHMAN, 1967; ROSSIet ai., 1983).

Segundo o paradigma tradicional, cabia aos gestores de projetos deter-minar quan ti tat ivamente as metas e prover os dados referenciais básicos qu eservissem de padrões para se ju lgar o desempenho de um projeto. O papel

do avaliador era muito l imitado. P or exemplo, os conceitos a serem medidos,os instrumentos de coleta de dados, o projeto de pesquisa, etc. eram todosestabelecidos por funcionários de repartições e não por um avaliador. Conse-qüentemente, as medidas de desempenho raras vezes se aventuravam para alémde objetivos imediatos, definidos em termos estritos. Era virtualmente impen-sável a idéia de um avaliador identifi car metas por m eio do exame da legislação

até as atividades das repartições que indicassem expectativa de alguma mudan çaa ser provocada pela informação produzida pelo estudo. Em alguns esquemas, osistema todo estava encapsulado em u m ambien te qu e ilustrava bem a importân-cia dada aos fatores políticos e sociais.

A complexidade crescente produziu mudanças nos "tipos" de avaliação, apartir do s quais os funcionáriosda s repartições supostamente deveriam fazer suasescolhas. O esquema sistêmico de Rossi, por exemplo, gera seis tipos distintos: o

estratégico, o deexecução, o degestão, o de intervenção, o deefeito e o de impac-to do programa. Mais tarde, ele acrescentou avaliações de eficiência econômica eavaliações compreensivas.

Finsterbuch e Motz (1980) identificaram três tipos de pesquisa social quedevem ser empreendidos para apoiar a formulação da decisão pública: análise dosproblemas sociais, determinação do impacto social (que é uma projeção pré-deci-são da s prováveis conseqüências) e pesquisa de avaliação.

Abordagens econômicas e custo/beneficio

Quando os economistas entraram na arena da avaliação, as opções au -mentaram ainda mais . Em geral, eles distinguem entre avaliação a pr íori (queprojetam as conseqüências da s políticas) e avaliações e x pos t ou pos t h oc (CAIN;

HOLLISTER, 1983; STEI^ER, 1983).A ênfase do s economistas em estudos de custo/benefício provocou um a

grande confusão, pois muitos funcionários de repartições e gestores de programas

312 • Polít icas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica e guia prático '313

 

acharam difícil conciliar tais abordagens com os modelos de sistema ou com a

tipologia de monitoração, processo e desempenho. Alguns sugeriram que os es-tudos de custo/benefício deveriam substituir os projetos experimentais, confun-

dindo assim o padrão estabelecido para julgar o valor de uma política (o cotejoentre seus benefícios e custos) com a técnica de fazer inferências causais sobre overdadeiro efeito do programa (o projeto experimental) (SCHNEIDER, 1982).

Outros pensaram que os estudos de custo/benefício deveriam substituir a avalia-

ção de desempenho, não reconhecendo que os estudos de custo/benefício consti-

tuem um tipo particular de avaliação de impacto.

Teor ia da decisão

Similarmente, aabordagem teórica dadecisão defendidaporWard Edwards,

Mareia Guttentag e outros psicólogos matemáticos era vista por alguns como

perspectiva de curto prazo — sem os distúrbios do s problemas da pesquisa de

campo, análise causai, coleta de dados e assim por diante.Outro desenvolvimento recente - iniciado principalmente porcientistaspo-

líticos - é o estudo da implementação de políticas (PRESSMAN; WILDAVSKY,1973; V AN HORN; V AN METER, 1975; PALUMBO; HARDER, 1981-

MAZMANIAN; SABATIER, 1981; SCHNEIDER, 1982; LEVIN; FERMAN,

1985). A literatura sobre implementação tem tido um impacto substancial so-br e a pesquisa de avaliação e sobre a análise de políticas, sobretudo porque

ambas as tradições têm geralmente ignorado o processo de implementação em

si e a possibilidade de uma má implementação produzir falhas.

Muitos estudiosos da implementação, no entanto, em geral não estão

cientes do trabalho que tem sido fei to sobre pesquisa de avaliação, e muitos

definem todo o processo pós-adoção como implementação de políticas. Umaconseqüência disso é que a implementação "bem-sucedida" é muitas vezes defi-nida (e medida) como alcance das metas da política. Trata-se de uma conclusão

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um a substituição do s estudos experimentais ou u m a substituição da s avaliaçõesde impacto (EDWARDS et ai., 1975). Mas, na verdade, a abordagem deles re-

presenta um a metodologia para agregar as preferências relativas à importância

comparativa das metas múltiplas bem como para determinar o valor de cada meta

em relação a uma escala padronizada (ainda qu e subjetiva).Po r conseguinte, a abordagem teórica da decisão, particularmente quando

representada pela medida de utilidade multiatributo (sigla em inglês MAUM),

serve, na fase pré-decisão, para auxiliar os tomadores de decisão a resolver suas

preferências diante de um conjunto de metas competitivas. Na fase avaliativa, elaé útil como uma técnica para identificar variáveis a incluir na avaliação ou como

um meio de agregar conclusões avaliativas a respeito de metas múltiplas. A medi-

da de utilidade multiatributo, no entanto, não substitui os estudos de avaliação,

qu e buscam evidência empírica sobre o impacto efetivo de um projeto.

Análise depolíticas e estudos de implementação

Outro possível remédio para o problema da baixa relevância da pesquisa

avaliativa consistiu em dar-se maior confiança à análise de políticas do que à suaavaliação. A análise de políticas (definida aqui como o cálculo das conseqüên-

cias e custos da s propostas alternativas de políticas, levado a efeito antes daimplementação da opção escolhida) parece ser mais útil à tomada de decisão.

Ela se baseia na estimativa do s efeitos (e não nas medidas reais do s efeitos) epor conseqüência pode-se fazer recomendações concretas de políticas em uma

314 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

infeliz, porque se a política não consegue atingir suas metas, é importante de-terminar se o malogro fo i causado po r pressupostos deficientes (por exemplo,

teoria falha), ou se foi porque os órgãos responsáveis por sua implementação

não conseguiram traduzir adequadamente a teoria subjacente à política em

um plano operacional, ou porque os responsáveis pela implementação não

contaram com os recursos necessários. Há muitos motivos para explicar o fra-

casso de uma política, e a implementação pobre é apenas um deles (INGRAM;

MANN, 1980).O sociólogo Michael Quinn Patton inflamou muitos debates com seus

argumentos de que a utilização era mais importante que a validade científica

como critério para analisar a qualidade da avaliação e com o respectivo argumen-

to de que as abordagens qualitativas eram mais apropriadas que as quantitativas

(PATTON, 1978).

Ciência da s políticas

Outro referencial — o que oferece a base para o modelo apresentado neste

artigo - é encontrado nos escritos dos estudiosos de políticas. O conceito deum empreendimento distinto chamado ciência das políticas fo i introduzido háun s trinta anos por Harold Lasswell e Daniel Lerner (1951). No início dos anos

1970, esse ponto de vista gozou de breve reemergênciana obra de Lasswell (1971)e Dror (1971); nos anos 1980, esses conceitos voltaram a aparecer nos livros de

Quade (1980), Brewer e DeLeon (1982), Miller (1984) e outros.

Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica & guia prático • 315

 

O paradigma da ciência das políticas caracteriza-se por um conjun to de

pressuposições normativas e por um modelo até certo ponto racional de processosde tomada de decisão. Dror (1971) dizia que as abordagens científicas contem -porâneas são inadequadas para da r conta da s exigências da ciência da s políticas eatribuía isso a sua falta de princípios normativos: "O teste principal para a ciênciada s políticas é a melhor formulação de políticas, ou seja, que ela produza melhorespolíticas; por sua vez, são definidas como melhores as políticas qu e proporcionamm a ior alcance da s metas preferidas" (p . 51). Lasswell reconheceu a base normativada ciência das políticas de fo rma tão explícita quanto Dror: "Constituem metase princípios da ciência das políticas [...] estabelecer e manter uma estrutura deautoridade e controle qu e exemplifique e contr ibua em escala máxima para arealização da ordem p ública co m dignidade humana" (p. 101).

Além da tarefa de determinar as conseqüências da s políticas, essa pers-pectiva estende a responsabilidade do s avaliadores à tarefa ainda mais difícil deincorporar no projeto de pesquisa aqu eles aspectos da política e respectivos efeitos

singular desse esquema referencial é a inclusão de várias atividades semi-analíti-

cas, que as repartições usam para produzir informações co m vistas à formulaçãode políticas, m as que não receberam muita atenção na l i teratura.

PROGRAMA/POLÍTICA

Expectativase percepçõesda clientela

NlVEL DE DESEMPENHO:Metas, objetivos...

AVALIAÇÃO

LEVANTAMENTO DE

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que (se a pesquisa conseguir calcular seu impacto causai) tenham m ais chance deproduzir melhores políticas c programas.

Os paladinos da ciência das políticas tendem a ver a tomada de decisãocomo um processo incrementai que contém racionalidade limitada. O papel da

pesquisa relativa a políticas consiste em produzir informações que aumentem acapacidade racional do sistema.

At é agora, a ciência das políticas não teve muito impacto nas repartiçõesou no modo como estas executam a avaliação, a análise de políticas e outros tiposde pesquisa. O modelo apresentado aqui se inspira fortemente na perspectiva daciência da s políticas, nu m esforço de oferecer um esquema referencial mais abran-gente para as atividades de pesquisa no setor público.

Integrando avaliação e formulação depolíticas

O sistema de formulação de políticas apresentado na figura a seguir nãoé único, pois paradigmas semelhantes de tomada de decisão têm sido propostospor m uitos outros autores. Mas cabe uma importante distinção: os processos de

tomada de decisão (indicados pela linha sólida no elo exterior) distinguem-se dosprocessos de pesquisa qu e produzem informações para a decisão (mostrados pelalinha pontilhada no elo interior).

Am bos os processos situam-se em um am biente que envolve a tradicionalinformação gerada pela clientela (como os eleitores e os grupos de interesse) eque é relevante em cada ponto do processo de tomada de decisão. Outro aspecto

316 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

ANAL SE DAIMPLEM NTAÇAO

TREINAMENTO E ANALISE

ASS. TÉCNICA ( T DA POLÍTICA

NECESSIDADES

IMPLEMENTAR/POLlTICAESCLARECER PROBLEMAS/

IDENTIFICAR OPÇÕES

daclientela

Figura - Tomada dedecisão, avaliação eoutras pesquisas sobrepo-

líticas

A linha sólida na Figura mostra um modelo de tomada de decisão que con-tém cinco etapas. Ele começa com a política ou o programa em sua condição deestado-firme, qu e está tendo um nível específico de desempenho em relação a seumandato, metas ou expectativas de suaclientela-chave. No momento em que essenível de desempenho já não satisfaz, ou quando se acredita que se possa alcançarum nível mais alto, inicia-se o ciclo de tomada de decisão com o esclarecimentodo s problemas e com a identificação da s opções de uma política, com a adoção de

Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica e guia prático • 317

 

uma política e com sua implementação e, depois, com a volta aos procedimen-

tos operacionais padronizados do novo (ou brevemente alterado) programa oupolítica, que se espera esteja alcançando novos níveis de produção. O processo

recicla-se mediante a identificação de problemas, opções de políticas e assim por

diante, o que indica a natureza cíclica da maior parte da formulação de políticas

na organização que as iniciou.

As decisões de mudar, continuar ou encerrar um programa são opções

existentes em cada rodada e podem ser tomadas até no ponto de adoção de uma

política. Portanto, nesse modelo não se apresenta um ponto de decisão distinto

para mudança ou término. O processo de políticas pode, obviamente, passar de

uma repartição (por exemplo, um corpo legislativo) para outra no mesmo nível,

ou para diferentes níveis de governo.

No elo interno da figura estão os tipos de análise qu e produzem as infor-mações usadas nos vários pontos de decisão.

Além disso, esses dados podem ser comparados com os de outras jurisdi-

ções, para se ter um a idéia aproximada de como a área local poderia ser melhora-

da, caso experimentasse alguma mudança em suas políticas.Esse tipo de avaliação (que poderia ser chamado de análise dos indicadores

do sistema, ou simplesmente "monitoração") é semelhante ao relatório anual de

acionistas no setor privado. Mesmo que não se possa atribuir uma relação de cau-

sa e efeito entre as estratégias do programa (ou da empresa) e seu nível de sucesso,

o relatório de informações por si só já é uma indicação de prestação de contas

(accountítbility) e, muitas vezes, oferece ao s clientes as informações necessárias

para se saber se o desempenho do sistema é satisfatório.As avaliações de processos também devem ser parte regular do sistema de

avaliação. Elas são definidas aqui como avaliações que envolvem comparações

dentro do programa, ou outras análises semelhantes, que se valem de dados doprópr io programa. Esses estudos têm muitas vezes po r objetivo aumentar a eficá-ci a ou reduzir os custos, ou ambos. No mínimo, o sistema de avaliação deve in-

cluir a coleta de diversas medidas básicas de desempenho, que possam ser usadas

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Avaliação

A avaliação envolve a análise de programas ou políticas, em termos deseu nível de desempenho. Ela procura responder a uma questão que apenas apa-

rentemente é simples: "Estão eles ou elas funcionando?" O desempenho pode

ser determinado em termos de conceitos indicados nominalmente na legislação

pertinente ou nas diretrizes, ou em relação às expectativas da clientela, ou pelaidentificação da s prováveis conseqüências, tanto positivas quanto negativas.

O relato rotineiro de informações descritivas sobre o desempenho de pro-

gramas, em termos de fatores como custos por unidade de serviço e nível de

benefícios aparentemente decorrentes do programa ou da política, deve ser con-

siderado um tipo de avaliação, mesmo que não se estabeleça, ou até não se tente

estabelecer, qualquer relação causai. O simples relato dos níveis absolutos dos

indicadores sociais, relevantes às metas, às expectativas ou aos mandatos de umapolítica em particular, produz uma série temporal de informações úteis sobre odesempenho do sistema.

À medida qu e esses dados se acumulam, pode-se fazer comparações com o

passado ou com outros sistemas. Seocorrerem mudanças nas políticas ou nos pro-gramas, os dados da série temporal podem oferecer meios de atribuir causalidade,

o que permite avaliar se a política atual representaum avanço em relação à anterior.

Se não ocorrerem mudanças, então o relato rotineiro dos indicadores do sistema

(incluindo custos, níveis de atividades e benefícios) indica o nível geral de desem-

penho como também quaisquer variaçõesnão previstas no nível de desempenho.

318 • Políticas pública s e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

regularmente para comparar a eficácia de diferentes tipos de atividades programá-

ticas, diferentes estratégias, diferentes assistências a casos ou a prestações de ser-

viços, diferentes contratantes e diferentes tipos de clientes. Por meio do processo

contínuo de comparar estratégias alternativas e testar diferentes modos de prestar

serviços, a repartição será capaz de manter ou aumentar su a produtividade.

Essas comparações intraprogramas assemelham-se um pouco aos compo-

nentes de "pesquisa e desenvolvimento", usados por muitas empresas do setor pri-

vado, para produzir uma fonte contínua de informações, com vistas a melhorar,co m base nelas, sua eficácia ou reduzir seus custos ou as duas coisas.

As avaliações de resultado envolvem comparações de custo e eficácia entre

programas e muitas vezes incluem indicadores de desempenho que são mais difí-ceis de se medir. A distinção primária entre as avaliações de processo e d e resulta-

do, nos termos em que elas são definidas aqui, consiste em que a primeira envolve

comparações em uma unidade administrativa particular, ao passo que a segunda

exige comparações entre programas distintos.

Levantamento de necessidades

Levantamentos de necessidades são definidos aqui como as análises qu eidentif icam ou esclarecem problemas públicos, determinam se devem haver

mudanças de ou em políticas ou programas e identificam um ou mais "mo-

delos de políticas", que possam ser levados em consideração pelos tomadores de

Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica e guia prático • 319

 

decisão. Levantamentos de necessidades diferem de avaliações, no sentido de

que não se fazem estudos específicos para medir o impacto de um programa.Em vez disso, os levantamentos de necessidades valem-se de avaliações anterio-

res e de quaisquer outros dados disponíveis, até mesmo depoimentos tomadosem audiências, surveys ou enquetes, indicadores sociais coligidos regularmente,

análise de programas semelhantes em outras áreas ou Estados e assim por diante.Esses tipos de análise estão entre os mais comumente contratados por re-

partições e órgãos legislativos e, no entanto, são raramente discutidos na literaturaacadêmica que trata de análise de políticas ou avaliação.

As apurações de necessidades muitas vezes são parcialmente ou até inteira-mente baseadas em surveys de pessoas que têm experiência direta com as políticas

ou os programas em questão. Seu propósito é coletar dados de indivíduos impor-

tantes (até mesmo clientes, funcionários de repartições, funcionários de governosestaduais ou municipais e assim por diante), a respeito do que eles pensam ou

esperam de uma política ou programa, sua percepção dos problemas e suas suges-tões para nova legislação ou novas diretrizes.

A identificação dos modelos de política é um tipo de atividade de pesqui-

sa que pode ocorrer como parte de um levantamento de necessidades ou comoparte da fase de análise da s políticas, ou como ambos. As opções iniciais de umapolítica podem variar substancialmente, ou outras inteiramente novas podem ser

sugeridas durante o processo de adoção. Para construir uma coalizão suficiente-

mente grande e capaz de produzir um a mudança de política, talvez seja necessário

identificar um modelo ainda não usado até então.

Treinamento e assistência técnica

Depois da adoção de uma política, o terceiro ponto no elo interior inclui

diversas atividades de semipesquisa comumente realizadas ou contratadas por re-partições quando desenvolvem diretrizes e implementam políticas. A maior parte

dessas atividades refere-se a treinamento, à assistência técnica e ao desenvolvimen-

to de materiais educacionais. Seu propósito é identificar questões de implementa-

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Outra forma de determinação de necessidades é a projeção da demanda

pública por serviços por meio da análise dos dados relativos à prestação de servi-ços, ou de outras informações demográficas, que sirvam para produzir recomen-

dações sobre o nível de serviços que deve ser provido.O trabalho de uma força-tarefa ou de uma comissão de reforma poderia

ser considerado um tipo de levantamento de necessidades ao envolver um exame

amplamente lastreado de informações relevantes a determinado problema, meta

ou mandato. Estas seapoiam em todo tipo de pesquisa pertinente ao assunto, in-clusive surveys, comparação de dados agregados, análise de modelos de programa,

pesquisa de ciência básica ou ciência social aplicada, avaliações anteriores e até

depoimentos colhidos em audiências.

Análise de políticas

O terceiro tipo de pesquisa mostrado na figura consiste na projeção das

possíveis conseqüências de uma ou mais políticas alternativas. A este tipo de pes-quisa tem-se dado muitos nomes diferentes, entre os quais estão pesquisa ope-

racional, análise de sistemas, avaliação, avaliações a príori, previsão, simulaçõesde políticas e relatórios de impacto ambiental. Todos eles têm propósitos seme-lhantes, m as diferem sobretudo em termos de sua metodologia ou da disciplinade origem. Essas projeções contribuem para esclarecer o impacto da s políticas

alternativas e reduzir a incerteza relativa ao s efeitos do s diferentes cursos de açãopassíveis de adoção.

ção, descrever modelos de programas qu e possam ser usados e estimar os recursos

necessários às repartições e aos indivíduos encarregados de implementá-las.Muitas vezes a adoção de uma política em particular — especialmente se

for no plano legislativo — nã o inclui a especificação do s programas ou dos pro-

cessos efetivos a serem implantados. Como preâmbulo para o desenvolvimento

de diretrizes mais específicas nas repartições, pode-se empreender uma pesquisa

de base sobre os modelos existentes com vistas a auxiliar o desenvolvimento de

diretrizes.Esse aspecto do ciclo de produção de informações nas repartições públicas

tem sido virtualmente ignorado pela literatura acadêmica. Essa omissão inadver-

tida provavelmente pode ser atribuída ao fato de essas atividades serem sobretudo

qualitativas e à s vezes envolverem simplesmente a síntese de outros materiais. Noentanto, as repartições federais e estaduais às vezes constatam que é essencial con-

tratar estudos sobre os modelos de programas existentes (filosofia, metas, procedi-

mentos operacionais, custos e assim por diante) para desenvolver suas diretrizes e

garantir que aqueles que conduzem o treinamento e a assistência técnica estejam

operando a partir de uma base adequada de conhecimento.

Estudos de implementação

O tipo seguinte de atividade produtora de informações é o estudo da im-

plementação de políticas. Os estudos de implementação podem direcionar seu

320 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica e guia prático • 321

 

foco tanto para a identificação de variáveis qu e sejam necessárias ou suficientesà implementação bem-sucedida, quanto para uma finalidade mais aplicada, queé a identificação do s fatores específicos qu e ameaçam a implementação de umprograma em particular.

Muitos trabalhos produzidos pela comunidade acadêmica sobre imple-mentação recaem na primeira categoria, embora sejam mais aplicados os estudosde implementação conduzidos como parte de uma avaliação. Os estudos maisaplicados de implementação têm por objetivo descrever os progressos alcançad osem termos de implementação adequada e corrigir deficiências de implementação.Portanto, esses tipos de estudos de implementação precisam operar com base emum a teoria adequada de êxito ou fracasso da implementação (já que necessitamdirigir sua atenção para variáveis qu e sejam influentes na determinação da imple-

mentação bem-sucedida), mas sua finalidade primordial não é testar proposiçõesde implementação.

Os estudos são empreendidos ao mesmo tempo em que os programas sãoimplementados e geralmente se caracterizam por um a estreita relação, ao m esmo

em cada um dos pontos mostrados na figura, têm sido providos com tipos bem

diferentes de pesquisas, da s quais co m certeza muito poucas foram conduzidaspor pessoas diferentes em diferentes repartições. Cada tipo talvez tenha sido pro-duzido com o uso de diferentes medidas de desempenho e diferentes padrões decomparação. As avaliações de resultado, por exemplo, são comumente realizadasco m pouco ou nenhum conhecimento da s necessidades inicialm ente a puradas (seé que alguma fo i apurada) ou das propostas de políticas qu e foram consideradasduran te o processo de sua formulação. Raramente os condutores de avaliação es-tudam o background ou a história política de um a política, que poderiam proverinformações valiosas a respeito dasconseqüências desejadas- segundo a ótica dosproponentes — bem como sobre os temores e as potenciais c onseqüências negati-vas, consoante a percepção de seus oponentes.

De maneira semelhante, aqueles que conduzem levantamentos de neces-sidades ou fazem projeções da s propostas de políticas, como partes do ciclo deinformações pré-decisão, talvez desconheçam as constatações da s avaliações. Asdefinições e as medidas "do problema" contidas na apuração de necessidades tal-

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tempo, c om a fonte financiadora e com as repartições implementadoras.Os estudos de implementação direcionam sua atenção para o escopo das

atividades (especialmente a população-alvo, e se a repartição está efetivamenteprovendo os serviços às pessoas ou às áreas especificadas na s diretrizes ou na legis-lação), para o nível da s atividades, para o custo po r unidade, para a integridadeteórica dos programas e para os efeitos imprevistos sobre outras operações darepartição (SCHNEIDER, 1982). A integridade teórica refere-se a uma análise

dos procedimentos operacionais do programa para determinar se eles são consis-tentes com as teorias e racionálias que, se espera, produzam as metas desejadaspela política.

Implicações para a repartição pública epara a avaliação

Este quadro referencial tem inúm eras conseqüências para a organizaçãopara a con dução da pesquisa que trata de políticas.

Integração da pe squisa no setor público

Uma das implicações é a necessidade de se integrar e coordenar a pesquisalevada a efeito com o objetivo de produzir informações para o setor público.Tipicamente, os indivíduos envolvidos em planejamento e tomada de decisão,

322 • Polít icas púb licas e desenvolvimento: bases epistemológicas c modelos de análise

vez nã o sejam as mesmas usadas pelos planejadores qu e conceberam a política.As medidas de "êxito" talvez difiram substancialmente entre os que analisaram aspropostas de políticas e os que mais tarde as avaliaram.

Deve-se reconhecer que qualquer estudo específico de pesquisa pode en-volver uma comb inação de propósitos. Um a avaliação, por exemplo, deve ideal-mente incorporar dados referentes à implementação, determinar o processo e osresultados da política e vislumbrar decisões futuras sobre políticas, identificando

as mudanças que se impõem, projetando seus efeitos e calculando os tipos detreinamento e assistência técnica necessários à sua implementação.

Se leção da s med idas de d e s e m p e n h o

Não só é importan te usar as mesmas medidas de desempenho quando seanalisa o mesmo ciclo de políticas, mas as medidas de desempenho devem serescolhidas pelos analistas em conjun to c om outros atores que n ão têm conflito deinteresse em relação aos resultados do estudo, seguindo-se uma análise da história

política do p rogra ma , revisões sobre os resultados de políticas semelhantes, imple-mentadas em outros lugares, e projeções teóricas do s efeitos potenciais.É essencial que as medidas de desempenho não se restrinjam simples-

men te a metas estabelecidas por repartições públicas, a enunciado s de propósi-tos legislativos, ou a medidas de desempenho que interessem particularmentea um a discip l ina acadêmica. Também é importan te que o s istema produtor de

Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica e guia prático • 323

 

informações esteja livre de um potencial conflito de interesses. A avaliação e a

análise da s políticas devem ser feitas f r iamente, bem à maneira de uma auditoriafinanceira.

As medidas de desempenho devem incluir as expectativas da s clientelasmais importantes e, quanto às conseqüências imprevistas e potenciais, devem in -cluir os principais temores ou objeções do s oponentes. Os possíveis efeitos dapolítica, que decorram de uma perspectiva teórica ou de outras avaliações, devemser examinados para possível inclusão no estudo. Mas a escolha das medidas dedesempenho e a seleção de outras questões de pesquisa nã o devem, de forma estri-ta , "olhar retrospectivamente", pois o que se objetiva é proporcionar informaçõespara a próxima rodada de decisão.

Gestão da avaliação

TPadrões para julgar a avaliação

No passado, as avaliações eram julgadas ou pelo rigor metodológico ou porsu a util ização. Este poderia continuar sendo o mecanismo de curto prazo paraverificar se um estudo em particular compensa afinal seu custo. Mas, em úl t imaanálise, o que deve ser julga do é todo o sistema de pesquisa concernente a políti-cas, e ele deve ser julgado de acordo com a contribuição qu e traga para a melhoria

da formula ção de políticas.As questões críticas são: (1 ) Dispõem os tomadores de decisão de infor-

mações adequadas para seu uso? (2) As in formações são pert inen tes às questõesconsideradas? (3) Conseguem elas guiar e i luminar a formulação de políticas,reduzindo as incertezas e esclarecendo as situações factuais? (4) E, acima de

tudo, consegue o processo de formulação de políticas produzir "melhores"decisões?

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U m princíp io fundamental d e u ma abordagem de conteúdo político éque o sistema de pesquisa deve estar próximo do sistema de tomada de decisãoa que serve. Isso nã o quer dizer que a pesquisa deva ser conduzida em uma re-partição (em vez de ser por contrato externo), mas significa que o mecanismo detomada de decisão deve ter acesso regular e rotineiro às pessoas qu e conduzem apesquisa e aos administradores do s contratos de pesquisa. Por causa do potencialde conflito de interesses aí envolvido e da conseqüente redução de credibilidadeda pesquisa, talvez seja aconselhável que se realize esse tipo de trabalho po r meiode contratos externos ou das unidades da repartição que são independentes da-quelas que estão sendo avaliadas.

O ciclo da pesquisa produto ra de informações imaginado aqu i é contínuo.Po r isso é requisito fundamental integrar os sistemas de informação gerenciaiscom o sistema de pesquisa.

Deve-se dar fim à era da avaliação de "um tiro só", realizada por gruposexternos, que conduzem os estudos com pouco conhecimento da história políticae depois deixam o programa sem a capacidade contínua de avaliação. De modosemelhante, tamb ém se deve da r cabo à era das avaliações domésticas conduzidaspor um gestor superocupado (ou secretário), que não tem treinamento em pesqui-

sa, em avaliação ou em análise de dados. Não se deve esperar qu e forças-tarefa oucomissões realizem pesquisa sobre políticas, sobretud o pesquisas de avaliação querequeiram aptidões técnicas mais especializadas. Ao contrário, elas devem contarcom pessoal treinado ou ter o poder de contrata r a realização da pesquisa. O qu e seespera é que as forças-tarefa coordenem a pesquisa e usem os resultados. Elas nãotêm o tempo nem a perícia qu e necessitariam para realizar o trabalho em si.

324 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de analise

Conclusões

O objetivo principal da avaliação e de outros tipos de pesquisa referentesa políticas é introduzir conhecimentos no processo de tomada de decisão comvistas a melhorar o desempenho do governo. Daí se segue que se deve da r atençãoconsiderável às necessidades informacionais em cada parte do sistema. É essencialqu e aqueles qu e conduzem avaliações e outros tipos de pesquisa relativas a polí-ticas compreendam a situação política na qual se conduz o estudo e direcionemsu a atenção para aqueles aspectos particulares da política e respectivos impactosque podem aperfeiçoar as políticas públicas. Isto requer não apenas conhecimen-to completo do programa e de seus impactos potenciais, mas a ausência de uminteresse pessoal no próprio resultado. O pessoal das repartições públicas e oslegisladores têm de reconhecer que a avaliação é um tipo d e pesquisa, e ela requer

habilidades de pesquisa.

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decodificar o artigo e, mais que isso, torná-lo palatável às pessoas que, na prática

profissional, exercem com freqüência a tomada de decisões políticas sem disporde uma quadro de referências adequado.O guia prático sugerido por Schneider, na verdade, caracteriza-se como

um modelo, uma tentativa de representação da realidade, que se propõe a servir

"para funcionários públicos e diretores de programas organizarem seus esforços de

planejamento, avaliação e pesquisa, e deve a judar a tornar valiosas essas atividades

para a tomada de decisão".Para facilitar o entendimento do modelo e a compreensão das sugestões da

autora, destacam-se os seguintes pontos:

1. Com base num alentado aparato conceituai, importado da ciência das po-

líticas e utilizando uma abordagem marcadamente interdisciplinar, a autorapropõe a integração de todas as atividades de busca e consolidação de informa-

ções, objetivando dar consistência e confiabilidade à tomada de decisões, num

processo avaliativo que contempla o levantamento de necessidades, a análise de

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ComentárioAvaliação política daspolíticas públicas

João Benjamim da Cruz Júnior*

Entre os textos clássicos e genéricos sobre política pública, escolhidos para

integrar este conjunto, o leitor encontra o artigo de Anne L. Schneider, apreciado

aqui. Com o presente comentário, pretende-se refletir de forma sistematizada so-

bre os argumentos submetidos pela autora. Para tanto e paralelamente, procura-se

Com doutorado em Administração Pública pela Universiry of Southern Califórnia, o professor

João Benjamim da Cruz Júnior tem se dedicado sobretudo à carreira de docente no magistériopúblico superior. Além da UFSC, onde tem hoje sua base principal de atuação, já trabalhou

como professor na Esag/Udesc,na EAESP/FGV,na USC, em LosAngeles, e na Universidadedo

Minho, em Portugal, colaborando com seus cursos de graduação e pós-graduação (stricto sensue lato sensu), na s áreas de administração pública e d e empresas. Suas numerosas publicações tra-ta m preferencialmente de aspectos institucionais e públicos da administração. Em seu portfoliocurricular consta igualmente uma longa relação de serviçosprestados, na forma de pesquisas e

328 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise

políticas, o treinamento, a assistência técnica e os estudos de implementação.

2. Nesse contexto, a prática da pesquisa avaliativa é entendida, simplesmente,

como uma produção de informações que dá apoio à formulação de políticas e

à tomada de decisões. Em decorrência, a avaliação propriamente dita, a aná-

lise de políticas públicas e a pesquisa produtora de informações passam a ser

vistas, e praticadas, como etapas contínuas, às vezes superpostas, de um único

processo.

3. Anne Schneider reconhece que nos últimos anos se passou a dar uma maioratenção à política pública, aos grupos de interesse e ao próprio interesse das

clientelas, ou seja, dos beneficiários das decisões políticas. Alerta, entretanto,

que isso não foi suficiente para dar à teoria e à prática da avaliação a relevância

devida. É por essa razão, inclusive, que sugere um modelo bem mais abran-

gente em termos de conteúdo político.

Reflexões sobreo modelo

A elaboração de um modelo de teor político mais abrangente, capaz de in-

tegrar num único quadro de referência todas as atividades de pesquisa avaliativa,

de consultorias, a inúmeras organizações públicas e privadas, no país e no exterior; exemplos:OECD, DGAA, Ministério da Saúde,em Portugal; Eletrosul, Celesc, Casan, no Brasil.Publ i couem co-autoria os livros Gestão de negócios, pela editora Atlas (2001) e Repensando as organizações,

pela editora J. Boiteux (2004).

Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica e guia prático • 3

 

ou de retroalimentação avaliativa, dá substância ao conteúdo, tornando instigante

e provocativa a proposta de Schneider.Na verdade, a autora remete o leitor à constatação de que o debate político

e o embate de idéias (ou de ideologias) são inerentes ao processo democrático

de formulação e avaliação de políticas públicas, e exatamente po r isso, regimes

verdadeiramente democráticos podem ser corretamente vistos como sistemasque

exercem o poder por meio do debate e da intermediação de conflitos políticos.Assim, ao se aceitar o debate político como fulcral a todos os estágios do processo

de formulação de políticas, se aceita também, de acordo com Schneider, que uma

da s contribuições mais nobres desse mesmo processo à sociedade democrática é

o aperfeiçoamento do discurso político e das condições em que ocorre o debatepolítico.

Nesse sentido, a "politização" do modelo bem como a amarração da deci-são política à pesquisa avaliativa conduz à aceitação de que, para poder efetiva-mente influenciar o debate e a prática da política, o analista de políticas precisa

dedicar séria atenção não só aos fundamentos teóricos, mas, principalmente, aos

proposta e, por isso, acabam por conduzir à inconsistência do próprio processo

avaliativo. O que Schneider permite vislumbrar, com base nessa visão, é que,num sistema social multicêntrico e num regime verdadeiramente pluralista, a

avaliação de políticas não deve limitar-se ao domínio discricionário do agente

técnico. Ou seja, não deve ocorrer dissociada da ação de outros atores políti-

cos, nem das expectativas do público em geral. Em outras palavras, a partir da

aceitação da crítica aos chamados tipos tradicionais de avaliação, o leitor acaba

por perguntar-se:

• Por que não aceitar e praticar o processo de formulação e análise de políticas

públicas como um verdadeiro processo de "deliberação pública"?

• Por que insistir na prática de um tipo de pesquisa avaliativa que procura levan-

ta r apenas informações quantificáveis?• Por que desconsiderar a natureza institucional e política da avaliação, ou, em

suma, por que não trabalhar a avaliação de políticas públicas com base numa

perspectiva política?

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aspectos retóricos do seu ofício e da sua arte. Ou seja, nem mesmo o mais técnico

formulador ou avaliador de políticas poderá exercitar sua competência, na práti-

ca, sem uma boa dose de poder de persuasão. Fatos e valores, na teoria e na prática

da formulação/avaliaçãode políticas, são tão indissociavelmente interligados que

argumentos técnicos corretos dificilmente serão considerados significativos, em

qualquer processo deliberativo, se forem pouco convincentes, ou se a seus propo-nentes faltar o poder de convencimento.

O modelo integrativo de Schneider reflete preocupações de natureza ope-racional e procura afirmar-se como um guia prático. Mas, ao integrar e ampliar o

conteúdo político da pesquisa avaliativa e d a tomada de decisão, ele faz o avalia-

dor de políticas dar-se conta de que a capacidade de argumentar, explicar, orientar

e defender é tão indispensável quanto o próprio conhecimento técnico, principal-

mente nas situações em que aquilo que possa ser considerado ótimo é inatingível,ou mesmo desconhecido.

Schneider argumenta, ao just ificar a busca de uma perspectiva política,

que "as dificuldades experimentadas pelos funcionários públicos, no sentido deobterem avaliações úteis, advêm, pelo menos em parte, do fato de a avaliação, aanálise de políticas e outras pesquisas sobre políticas terem tido su a origem em

várias disciplinas e pontos de vista diferentes". Para a autora, isso nã o resultou

num quadro de referências consistente e coerente, mas num confuso emaranhadode "tipos" de avaliação.

Na prática, esses "tipos" tradicionais de avaliação não passam de um con-

junto de técnicas para a solução de um problema ou para a escolha de uma

Schneider não chega a colocar essas perguntas a si própria ou a seus leito-

res, mas, ao propor um modelo que contempla bem mais que a simples avalia-

ção de informações quantificáveis, deixa claro que os "tipos" convencionais de

pesquisa avaliativa, por desconsiderarem a questão da viabilidade institucional e

política, acabam sendo inadequados à própria realidade política do ambiente em

que ocorrem a formulaçãoe a avaliação de políticas.

Na verdade, ao discutir-se o que é avaliação de políticas públicas, é ne-cessário considerar que aquilo que é politicamente viável em um dado contexto

político, na prática, depende do conhecimento que a opinião pública tenha, ou

não, sobre esse contexto. Nesse sentido, alienando-se a opinião pública, não se

conseguirá definir, e muito menos ampliar, as fronteiras do possível. A esse pro-

pósito, a contribuição de Keynes ao entendimento e à prática do debate político

a respeito da solução de problemas financeiros, em tempos de guerra, é um bom

exemplo da postura a ser assumida por políticos criativos: procurar soluções sob

condições restritivas, mas tentando, ao mesmo tempo, eliminar essas restrições.

Provocado por Schneider, então o leitor conclui que o formulador/avalia-dor de políticas, além de buscar seus objetivos e desincumbir-se competentemen-

te de suas funções sob condições existentes de restrições institucionais e políticas,

deve, igualmente, comprometer-se com a eliminação dessas restrições.

É preciso, ainda, levar em consideração, nesse ponto, que, po r alterarem aimportância relativa do s recursos e da própria informação, os diferentes arranjosinstitucionais afetam distintamente o poder e a influência do s formuladores de

330 • Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise A Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução histórica e guia prático • 331

 

políticas públicas. Por essa razão, nenhum modelo de avaliação de políticas públi-

cas, prescritivo ou descritivo, deverá serconsiderado completo se não contemplarestratégias de mudança político-institucional. Obviamente, não se deve esperar

qu e essas estratégias sejam capazes, por si sós, de produzir a mudança política

propriamente dita. Mas é preciso considerá-las importantes ao ponto de aceitar-se

qu e as ignorar, como ignorar o conceito de viabilidade política, significa despir o

processo avaliativo de qualquer conteúdo e significado político-institucional.

Cumpre não esquecer também que o espectro político do ambiente em

que ocorre a avaliação é o mesmo em que, normalmente, ocorre a tomada da de-

cisão política. Decorre disso, portanto, a necessidade de ampliar-se a perspectiva

política do modelo de avaliação se é que o exercício da avaliação de políticas deve

ser integrado ao de sua decisão, fazendo com que a prática da primeira venha a

promover a melhoria da segunda.

Conclusão

natureza humana. O trabalho de Schneider não se reduz à análise histórica, mas

transcende a condição de uma nova metodologia, porque, num certo sentido,ele chega a ser mesmo interpretativo, e nisso residem seu vigor, seu significado e,principalmente, sua utilidade.

Da análise da proposta de Schneider depreende-se que um modelo de ava-

liação de políticas públicas só fará sentido se, efetivamente, fo r capaz de permitir

a melhoria da decisão política. Um modelo útil, que realmente contribua para

a melhoria da decisão política, contemplará, obrigatoriamente, como propõe a

autora, as idéias, as ideologias e o s argumentos e contra-argumentos qu e consubs-

tanciam o debate e a deliberação política.

E essa constatação leva ao rompimento com modelos reducionistas, que

nã o passam de conjuntos de técnicas para a solução de problemas localizados eimediatos, forçando o retorno à tradição política, ao referente público, comum e

correto, daquilo que a decisão política de fato é, ou não é.Os caminhos possíveis? Schneider concebe uma proposta, sensata e crite-

riosa, que convida à reflexão sobre a superação da miopia conceituai e do reducio-

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Na construção de seu modelo, Schneider não se deixa enredar pelas gene-

ralizações excessivas, pelas simplificações demasiadas e pelas interpretações sim-

plificadas, comumente encontradas naquilo que ela própria denomina de "tipos"

tradicionais de avaliação.

Na verdade, ao analisar a evolução histórica da pesquisa avaliativa e propor

um guia prático para a melhoria da decisão política, a autora acaba estimulando

a reflexão sobre o papel e a importância da formulação e d a avaliação de políticas

públicas no cenário essencialmente político em que se desenrola a vida humana

associada. P or isso, flui naturalmente, após a leitura de Schneider, a reflexão sobre

o significado e a importância da decisão política propriamente dita para as con-

cepções a respeito da ordenação social e da política da vida humana em sociedade,

nos termos em que estas foram articuladas pelos grandes pensadores, desde Platão

até Hobbes.

Além disso, Schneider também logra êxito ao analisar a evolução das di-versas concepções sobre o caráter e a natureza do s tipos tradicionais de avaliação

de políticas públicas e de tomada de decisões políticas, caracterizando-os como

mero conjunto de técnicas para a solução de problemas ou para a escolha de

alternativas; e, por isso, eles acabam por tornar inconsistente o próprio processo

avaliativo.

N o bojo dessa análise histórica, a autora acaba instigando a reflexão sobre

o papel limitado de cada uma dessas concepções para a consecução dos destinosdo homem, bem como de suas respectivas relações com o próprio conceito de

nismo tecnicista atualmente em vigor, que são excessivos e socialmente diruptivos.

Ou talvez a conscientização de que efetivamente existe um bem comum, que égeral, generalizado e, acima de tudo, político, quem sabe mesmo a subordinação

da burocracia e da especialização, que não são por si sós suficientes, ou um fimem si mesmas.

Os aparelhos administrativos governamentais, os aparatos burocráticos

estatais, os grandes arranjos empresariais e os esquemas corporativos menorestambém devem ser subordinados. Eles não são, por si sós, o centro ou o objeto

da verdadeira decisão política, da vida política - que acaba sendo corrompida

e até mesmo destruída - quando as formas corporativas, maiores ou menores,

funcionam sob a ilusão de que são laboratórios apropriados para a formulação e aavaliação de políticas públicas, capazes de produzir e impor ao homem as decisõespolíticas adequadas a respeito de seus direitos e deveres na arena política.

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oferecer-lhes. O referencial, a diagnose e as prescrições propostos por Schneider

são particularmente admiráveis.Proponho-me aqui a comentar o artigo de Schneider a partir das pers-

pectivas dos teóricos da avaliação, dos praticantes da avaliação e daqueles queestão envolvidos no movimento atual de reforma da administração pública.

Esses comentários enfocam aspectos do artigo de Schneider que se revelaram

particularmente importantes e que provavelmente serão importantes também

no futuro.

A ótica dos teóricos da avaliação

De acordo co m Schneider, toda avaliação que se faça deve ser feita a dis-tância daqueles que se envolvem na implementação da política ou do programa

a ser avaliado. Em sua visão, a escolha da s medidas de desempenho deve ser feitapo r analistas e outros "que nã o tenham conflito de interesse com os resultados

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ComentárioAvaliação a serviço da decisão política: perspectivas atuais*

Jo s e ph S . Wholey**

Comentários iniciais

Schneider (1986) observou que grande parte dos estudos de avaliação tem

sido irrelevante para a formulação de decisões políticas e que os formuladoresdepolíticas muitas vezes precisam de informações que os avaliadores nã o conseguem

* Tradução: Francisco G. Heidemann, Esag/Udesc.

Joseph S. Wholey é Ph. D. em Filosofia pela Universidade de Harvard, professor e pesquisador

da Universityof Southern Califórnia, campus de Washington, D. C., EUA. Seu interesse acadê-

mico gira primordialmente em torno do uso do planejamento estratégicoe do monitoramento

do desempenho e avaliação de programas públicos co m vistas a melhorar o desempenho e aaccountability de organizações públicase d o terceiro setor. Serviua várias repartiçõesda adminis-

tração públicafederal em Washington, sobretudo na condição de Sênior Adviser, Defuty Assistante Director de diferentes órgãos. Também trabalhou como executivo-mor de repartições públicas

do Estado da Virgínia e da capital federal Washington. E membro da Associação Nacional deAdministração Publica Norte-Americana (sigla em inglês Aspa). Suas publicações tratam deavaliação de organizações e programas públicos.

334 • Políticas públicase desenvolvimento: bases epistemológicase modelos de análise

do estudo". Muitos teóricos da avaliação compartilham essa perspectiva (ver, por

exemplo, os capítulos dedicados a: SCRIVEN; CAMPBELL apud SHADISH;

COOK; LEVITON, 1991).A os olhos de outros teóricos da avaliação, no entanto, o propósito mais

importante da avaliação é aperfeiçoar o que se avalia, e a probabilidade de que

haja estudos úteis de avaliação cresce na medida em que haja estreita interação

entre os avaliadores e os usuários-alvo em cada estágio do processo de avaliação.Ver, por exemplo: PATTON, 1978; e os capítulos sobre Wholey e outros teóricos

da avaliação, em Shadish, Cook e Leviton, 1991.

A ótica dos praticantes da avaliação

Schneider cobra maior objetividade dos sistemas de formulação de deci-

são a serem servidos pelas avaliações específicas. Seus pontos de vista ajustam-se

be m aos daqueles que aconselham que se determine primeiro a avaliabilidade

como um passo preliminar para a proposição de avaliações qu e sejam a um

tempo viáveis e úteis (ver WHOLEY, 1994). Bell (1994), Chelimsky (1994) eSonnichsen (1994) representam alguns dos muitos praticantes da avaliação queenfatizam a importância de se fazer do trabalho da avaliação a contraparte do ssistemas de tomada de decisão a serem servidos pelos avaliadores.

Schneider insiste na importância dos estudos sobre implementação

de políticas e na importância da s avaliações qu e detectam e ajudam a explicar

Pesquisa avaliativa e melhoria da decisão política: evolução históricae guia prático • 335

 

variações no desempenho intraprogramas. Os praticantes da avaliação têm de-

senvolvido metodologias de "avaliação de processo" e "monitoração" que po-dem ser usadas para im plementar as proposições de Schneider. Numa série depublicações, Scheirer tem mostrado como conduzir avaliações qu e cotejam asaçóes implem entadora s de políticas ou os programas com o que se planejouinicialmente realizar - em termos de dimensões como a proporção em que são

servidos os beneficiários-alvo, a extensão em que de fato ocorrem as atividadescogitadas pelo programa e a medida em que estão efetivamente envolvidas ascategorias intencionadas de membros do stajf(ver, por exemplo, SCHEIRER,1994). Hatry e Fountain tê m instado que, para a judar a aperfeiçoar os progra-mas, os avaliadores deveriam discriminar as informações de desempenho po rárea geográfica, por unidade administrativa ou por categoria de cliente servido

(ver HATRY, 1989; HATRY; FOUNTAIN, 1990).

A ótica dos envolvidos nareforma administrativa

qu e Schneider advoga para a avaliação — melhor formulação da decisão política e

melhor desempenho do governo — estão entre os propósitos da lei sobre resulta-dos e desempenho do governo e entre as iniciativas correspondentes de reforma

da administração pública em todo o mu n d o .

Conclusão

Se o artigo de Schneider merecia atenção no ano de sua publicação, sualeitura ou releitura também continua a ser valiosa no s dias de hoje.

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Schneider enfatiza a importância do acordo prévio em torno das medidasde desempenho po r acreditar qu e essa concordância aumentaria a probabilidadede tornar relevante a pesquisa de avaliação. Ela aponta para a im portância do queé hoje chamado medida ou m onitoração de desempenho, um a forma de avaliaçãoqu e relata níveis de resultados associados às atividades dos programas, mas nãotenta estimar o grau em que os resultados obtidos seriam causados pela política

ou pelo programa em questão (AFFHOLTER, 1994).De fato, em todo o m undo, o pessoal engajado na reforma da administra-

ção pública está encorajando a que se chegue a um acordo prévio sobre as metasde desempenho e as medidas de desempenho que captam a intenção das políticase dos programas - e ressaltando a importância da monitoração anual, ou maisfreqüente, do desempenho das repartições e dos programas, em termos das medi-da s e das metas consensualmente decididas (ver OSBORNE; GAEBLER 1992;Congresso dos EUA, 1993; GORE, 1993). Conceda-se maior discrição adminis-trativa às repartições e aos programas, m as sejam estes cob rados no sentido de queproduzam resultados em termos das medidas de desempenho acordadas.

Nos EUA, por exemplo, a lei dos resultados e do desempenho do gover-no, de 1993 (P. L. 103-162), exige que o planejamento esclareça as metas e a smedidas de desempenho da repartição e do programa e que o relatório de de-sempenho seja elaborado em termos dessas metas e medidas de desempenho.A m ensuraçáo periódica requerida sobre o desempenho da repartição e do progra-m a corresponde ao tipo de "monitoração" desejado por Schneider. As finalidades

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