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Insucesso Escolar - Abordagem Psicopedaggica das Dificuldades de Aprendizagem

REFERNCIA

FONSECA, Vitor da. Insucesso escolar: Abordagem psicopedaggica s dificuldades de aprendizagem. 2 ed. Lisboa: ncora Editora,1999.

Insucesso Escolar - Abordagem Psicopedaggica das Dificuldades de Aprendizagem

Vitor da Fonseca

(1999). 2 Ed. Lisboa: ncora Editora.

ndice

PREFCIO DA 2. ^ EDIO... 7

INTRODUO 13

CAP'I'ULO 1

PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . . 17

Os grandes pioneiros... 17

Perspectivas lesionais e cerebrais... ... ... . . 22

Perspectivas perceptivo-motoras das DA 24

Perspectivas de linguagem... ... . 29

Perspectivas neuropsicolgicas das DA. 63

Perspectiva de integrao... ... . . 65

Algumas perspectivas actuais... . g2

Modelo interaccional, de Adelman... ... . . g3

Teoria integrada da informao, de Senf g4

Teoria do desenvolvimento das capacidades perceptivas e cognitivas, de Satz

e Van Nostrand... . . g6

Teoria do atraso de desenvolvimento da ateno selectiva, de Ross... ... . 88

Hiptese do dfice verbal, de Vellutino g9

Hiptese do educando inactivo, de Torgesen... . . 90

Modelo hierarquizado, de Wiener e Cromer... . 92

CAPTI. TLO 2

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS... . . 93

Definio de DA 95

Expectativas sobre as DA 97

Modelos de avaliao das DA... 9g

Mtodo de interveno nas DA. 1Q

Novos desafios para as DA... ... . . 101

Problemtica da dfinio da criana com dificuldades de prendizagem 105

Modelos tericos das dificuldades de aprendizagem... ... 113

CAPTULO 3

ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . 1I 9

565

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

Aspectos gerais, condies associadas e problemas de definio... ... ... . 119 Factores etiolgicos das dificuldades de aprendizagem 133 Factores biolgicos... 135 Factores genticos... ... . 137 Factores pr, peri e ps-natais. 140 Factores neurobiolgicos e neurofisiolgicos... 142 Factores sociais 148

CAPTULO 4

VISO INTEGRADA DA APRENDIZAGEM 163 Aprendizagem e comportamento. :. 163 Teorias da aprendizagem. 164 Aprendizagem humana e aprendizagem animal 166 Aprendizagem, estmulo, reflexo e condicionamento... 167 Aprendizagem e motivao... . . 168 Aprendizagem, habituao e reforo... . 168 Aprendizagem e encadeamento 168 Aprendizagem e discriminao 168 Aprendizagem e memria... ... . . 169 Aprendizagem, noo de desenvolvimento, noo de deficincia e de dificuldade de aprendizagem... ... . 170 Condies de aprendizagem: neurobiolgicas, socioculturais e psicoemocionais 175 Sistemas psiconeurolgicos de aprendizagem. . 177

CAPTULO 5

CONTRIBUIES DA PSICONEUROLOGIA PARA AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM. . 189

Relaes entre o crebro e o comportamento e entre o crebro e a aprendizagem 189 Interdependncia das capacidades psiconeurolgicas da aprendizagem 206 Alguns factores psiconeurolgicos implicados nas DA 224

CAPfTULo 6

TAXONOMIA DAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM 243 Definies. 244 Dificuldades e incapacidades de aprendizagem (agnosias, afasias e apraxias)... 249 Dificuldades de aprendizagem no verbais... . . 251 Dificuldades de aprendizagem primrias e secundrias 273 Taxonomia das DA e hierarquia da lingugem 277

CAPTULO 7

NECESSIDADES DA CRIANA EM IDADE PR-ESCOLAR... ... . . . 303

Introduo... . . . 303

Necessidades da criana em idade pr-escolar. 305

Algumas reflexes prticas para a criana em idade pr-escolar. 314

CaPrULo 8

DESPISTAGEM E IDENTIFICAO PRECOCE DE DIFICULDADES DE

APRENDIZAGEM. 323

CAPTULO 9

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM E APRENDIZAGEM... ... . . . 347

Factores psicodinmicos e sociodinmicos... ... . 350

566

NDICE

Funo do sistema nervoso perifrico (SNP)... . 351

Funes do sistema nervoso central (SNC)... ... . 355

CAPTULO 1O...

ALGUMAS CARACTERSTICAS DAS CRIANAS COM DIFICULDADES

DE APRENDIZAGEM... . 361

Problemas de ateno. . 362

Problemas perceptivos. 364

Problemas emocionais. . 377

Froblemas de memria 379

Problemas cognitivos... 384

Problemas psicolingusticos... ... 396

Problemas psicomotores 402

CAPTCTLO 11

PROFICINCIA MOTORA EM CRIANAS NORMAIS E EM CRIANAS

COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM... . 407

Estudo comparativo e correlativo com base no Teste de Proficincia Motora

de Bruininks- Oseretsky... . . 407

CAP1'CILo 12

ALGUNS ASPECTOS DA CARACTERIZAO PSICONEUROLGICA DA

CRIANA E DO JOVEM COM DISFUNO CEREBRAL M VIMA... . 441

Disfuno cerebral mnima (DCM) e confuso neurofuncional mxima 441

Caracterizao psicomotora... ... . 447

Caracterizao socioemocional e compQrtamental... ... ... 453

Caracterizao cognitiva 455

CAPfTULO

DISSECAO DO CONCEITO DE DISLEXIA 459

Causas exgenas e endgenas... 460

Processo de leitura... ... . 462

Dificuldades auditivas (dislexia e auditiva disfontica). . 471

Dificuldades visuais (dislexia visual discidtica) 472

CAP'I'LILO 14

ALGUNS FUNDAMENTOS PSICONEUROLGICOS E PSICOMOTORES

DA DISLEXIA... ... . 475

Substratos neurolgicos da leitura... ... ... 484

Perfil psicomotor da criana dislxica. Introduo sndroma dislexia mais dispraxia 494

Algumas implicaes para a mvestigaao futura 507

CAPfrutO 15

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VERSUS INSUCESSO ESCOLAR... 509

CAP'TULO 16

(IN)CONCLUSES... ... 521

BIBLIOGRAFIA 537

SIGLAS E ACRNIMOS... ... ... 563

567

PREFCIO DA 2. " EDIO

Pais, professores e responsveis pela educao em geral, todos sem excepo, tm-se preocupado e preocupam-se com a questo das dificuldades de aprendizagem (DA) em todos os graus de ensino e em todos os nveis de formao dos recursos humanos, visto que, em ltima anlise, se trata de preparar o futuro de uma sociedade.

Portugal certamente um pas onde o problema das DA e o consequente fenmeno sociocultural e socioeconmico do insucesso escolar e profissional no tem merecido dos lderes e dos responsveis do sector uma abordagem integrada nem longitudinal, uma vez que a implicao deste facto crucial e controverso dos sistemas de ensino e de formao joga cam a qualificao futura da fora de trabalho duma nao e com a integrao social plena dos seus cidados.

Com a taxa de ensino pr primrio muito baixa, com as percentagens ameaadoras de insucesso escolar nos ensinos bsico e secundrio, apesar dos novos sistemas de avaliao, com a pobreza de recursos humanos e t cnicos do ensino especial, com a vulnervel qualifica o cognitiva e social dos cursos tcnicos e dos programas de transio para a vida activa, com a impreparao cientifica e pedaggica assustadora de muitos cursos superiores, com cursos de formao profissional extremamente limitados na adaptabilidade mudana tecnolgica, com uma taxa de analfabetismo tcnico efi ncional critica em termos de desenvolvimento econmico, etc. , o panorama no animador e a meta da democracia cognitiva no ser certamente alcanada na prxima dcada.

A >.

A aprendizagem normal>> reflecte, portanto, a integridade total entre os trs processos acima indicados, ou seja:

- - - - Processo de transduo- - - -,

Processo; Processo

de - --I --- de

recepo , expresso

+ + +

- I

Feed-6ack

Figura 30 - Integridade dos processos da aprendizagem normal

A aprendizagem desviante reflecte, ao contrrio, a perturbao ou a afeco de um ou mais dos processos, ou de traduo (transduo) de uns processos noutros (Figura 31).

Por estes modelos, intencionalmente simplificados, podemos deduzir que os processos de recepo so mais significativos, em termos de aprendizagem simblica, do que os processos expressivos. Neste caso, podemos exemplificar com as afasias, na medida em que se reconhece que a afasia motora (tambm denominada por afasia da Broca>> - que impede o indivduo de se exprimir pela fala - mantendo a significao intacta) afecta muito menos a aprendizagem simblica do que a afasia central (tambm chamada afasia de Wemicke>> - que impede o indviduo de compreender e utilizar a linguagem como meio de expresso do seu pensamento), na medida em que afecta fundamentalmente a significao.

Outra concluso importante dos modelos atpicos de informao acima referidos compreende a funo vital e indispensvel da integridade total do crebro, como rgo privilegiado de assimilao, conservao e combinao da informao, que consubstancia no s a noo de aprendizagem ideal, como a noo de nteligncia.

Neste aspecto, e de acordo com o modelo de Guilford, a noo de inteligncia neste autor definida como: coleco sistemtica de capacidades ou fimes de processamento de informao.

Guilford 1967 baseou a estrutura do intelecto em: quatro tipos de informao ou contedos (figurativo, simblico, semntico e comportamental);

76

PASSADO E PRESEME NAS DIFfCULDADES DE APRENDI7AGEM

einco tipos de processamento ou operaes (cognio, memria, divergente, convergente e avaliao) e em seis resultados f:nais do processamento de informao ou produtos (unidades, classes, relaes, sistemas, tcansformaes e implicaes), totalizando um sistema com 120 clulas cognitivas (Figura 32).

PROCESSO DE INTEGRAO

PROCESSO PROCESSO

DE DE

RECEPO EXPRESSO __ ____ _ _

Modelo de multideficincia

Modelo de deficincia sensorial

pica (deficineia visual

ou deficincia auditiva)

Modelo de deficincia mental e de afasia

cenaal

Modelo de deficincia

de comunicao e de deficincia motora (ou de afasia motora)

Figura 31 - Modelos desviantes de aprendizagem

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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

OPERAES

Avaliao --------- sistema de valores, crtica

Produo convergente ---- associao de conhecimento

Produo divergente ---- --utilizao criativa

Memria ---------reteno, reproduo

Conceptualizao--- --- - compreenso, descoberta

PRODUTOS

Unidades U Classes C Relaes

Sistemas. Transformaes

Implicaes

CONTEDOS

Figurativo - concreto Simblico - abstracto

Semnt co - significado ' Comportamental - pensamentos, intenes

Figura 32 - Estrutura do intelecto, segundo Guilford

Independentemente de neste modelo estarem ausentes factores motivaci onais e emocionais, Guilford considera a inteligncia, entendida nas suas 120 subestruturas, como resultado dialctico entre o processamento da informao e um conjunto de princpios lgicos que a combinam.

dentro deste contexto e na base dos processos de informao intactos (ideais ou normais) e atpicos que devemos encontrar paralelamente a definio do conceito de aprendizagem normal. A partir daqui, podemos retomar de novo a crtica aos defensores do processo de informao como causador das DA.

No grupo dos defensores de alteraes no processo de informao, devemos destacar: Frostig, Maslow, Lafever, Whittlesey, criadores de um teste hoje chamado DTVP (Developmental Test of Visual Perception), como tambm McCarthy e Kirk, criadores de um teste notvel, e extremamente importante no campo das DA, o ITPA, a que j nos referimos atrs, quando analismos os contributos dos pioneiros mais significativos.

Vrios estudos se flzeram na base da aplicao do DTVP e do ITPA, seguidos posteriormente de programas reeducativos especficos. Dentro deles, destacam-se: Jacobs 1968, Anderson 1972, Hammill 1972, e Hammill e

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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Larsen 1974. Nenhum destes autores encontrou nos seus estudos longitudinais a eficcia do tratamento que os criadores de tais testes defenderam.

Os estudos de interveno neste domnio concluem que a relao entre os dfices perceptivos e os dfices da leitura no est suficientemente demonstrada. Para alm de os dados serem confusos, a inteno de compensar os dfices perceptivos para resolver os problemas da leitura controversa. Segundo tais estudos, os programas reeducativos baseados no processamento psicolingustico do ITPA, ou no processamento visual do DTVP, como meios de reeducao dos problemas dos DA, precisam de ser mais conclusivos e inequivocamente demonstrados.

Destes trabalhos podemos deduzir que:

1)no clara a relao entre os processos de informao da criana com DA e o aproveitamento escolar;

2)apenas os factores de ateno e de memria esto suficientemente estudados (Hallahan 1975, Hallahan e Kauffman 1976 e Torgesen 1975).

No grupo dos defensores dos dfices de orientao educacional, denota-se a concentrao, quanto a ns exagerada, sobre as variveis educacionais. Engelman 1969 e Bateman 1971 elaboraram os seus conceitos de DA com a base nos seguintes insa umentos de ensino: anlise de conceitos e anlise de tarefas, onde se pe em causa a relevncia entre o diagnstico educacional (ou da rea ou da disciplina) e a interveno concomitante. Aqui no clara a presena de dfices psicolgicos. O que caracteriza esta perspectiva a pesquisa de princpios operacionais de aprendizagem e a implementao de aquisies e sequencializaes cuidadosamente programadas. O enfoque centra-se preferencialmente sobre as condies externas ao educando, que englobam: estratgias pedaggicas estruturadas; materiais didccos adequados; modulao do controlo da ateno e da motivao; unidades de programao pedaggica; processos de reforo social; programao analtica de tarefas; compensao de dfices psicolgicos, etc.

Parece claro que as DA no so encaradas num modelo interaccionista e dialctico. Dum lado, os defensores que vm as DA na criana e nos seus dfices de processamento da informao. Do outro, os defensores que vm as DA no professor e nos seus processos de trabalho.

Dislexia ou dispedagogia? Problema da(s) criana(s) ou problema do(s) adulto(s)? Dificuldade de aprendizagm ou dificuldades de ensino?

A falta de uma perspectiva integrada, a delimitao de reas de contedo e o divrcio iriterdisciplinar entre profissionais fazem perder de vista uma dimenso global das DA.

O trabalho de grupo e cooperativo pode romper com a inadequao coneeptual e com os problmas metodolgicos que caracterizam os estudos neste domnio.

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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

Autores h que puxam pela perspectiva de o tratamento ser activado na base de afirmaes cuja validade discutvel.

Doman 1964, por exemplo, preconiza na sua teoria de organizao neurolgica a activao de clulas cerebrais atravs de exerccios motores padronizados. Outros autores, nomeadamente franceses, asseguiram que a psicomotricidade pode compensar os dflces psicolgicos e, por esse facto, garantir as aquisies de leitura. A exclusividade destas abordagens pode redundar, muitas vezes, em especulaes pouco fundamentadas sobre os vrios nveis do desenvolvimento humano.

Outros autores ainda descrevem variveis neurolgicas ou neuro psicolgicas, mas no avanam com quaisquer subsdios de ordem pedaggica.

Os defensores das teorias dos dfices perceptivos apresentam a impreciso perceptiva de letras e de palavras como a causadora de DA. A influncia de Piaget, Strauss e Werner marcante, pois tais autores assumem que a aprendizagem tem o alicerce na actividade sensoriomotora, que progride mais tarde para actividades perceptivomotoras, integrando consequentemente nveis mais elevados que estaro na base da estruturao hierarquizada do desenvolvimento cognitivo.

Segundo Inhelder e Piaget 1969, medida que o desenvolvimento intelectual decorre, as actividades pereeptivas surgem consideravelmente mais automticas e dirigidas pelos processos cognitivos daqui se depreende, de facto, o papel significativo que as correntes perceptivas desempenharam e desempenham no campo das DA. neste mbito que teremos de integrar os mtodos de interveno de vrios autores, nomeadamente: Werner, Strauss, Lehtinen, Kephart e muitos outros.

As teorias dos processos de informao, embora tragam novos dados de esclarecimento do problema, no satisfazem, e a prov-lo esto os estudos de Morrison, Giordani e Navy 1977. Estes autores apresentam uma teoria em que se toma necessrio separar o processo sensorial do processo perceptivo, e este do processo da memria (processo de codificao). Para Morrison o processo de informao decorre em duas fases: a I primeira fase decorre entre 0 e 300 milissegundos, constituindo a percepo;

a segunda fase, decorre entre 300 e 2000 milissegundos, constituindo acodificao ou o armazenamento (a memria) da informao. i Inicialmente, na fase perceptiva o sistema visual integra uma grande

quantidade de informao, seguindo-se posteriormente a fase de codificao, na qual aquela vai ser armazenada (VIS - visual information storage).

O mesmo autor, numa investigao conduzida entre bons e maus lei,

tores, chegou aos seguintes resultados:

1) Os maus leitores no diferem dos bons leitores na fase perceptiva; 2) Os bons leitores so significativamente melhores na fase de codifieao. Daqui se conclui que no basta abordar as DA pela via per

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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

ceptiva (como fizeram Frostig, Wepman, Kephart, etc. ). As DA envolvem processos de informao diferentes do processamento perceptivo.

De acordo com aqueles estudos, os maus leitores tm um dfice com`plicado durante 300 e 2000 milissegundos de intervalo no processo de infor:mao. Embora a um grau diferente, algo de semelhante se passa nos sujeitos com leses cerebrais que objectivamente apresentam redues de amplitude e de frequncia no ritmo alfa com alteraes nos processos de vigilncia, de deteco (processo pr-perceptivo) e de discriminao.

A conservao e, basicamente, a manuteno da ateno no tempo neces drio para processar a informao na memria parecem modificadas, a realarem significativas alteraes nos sistemas reticulo-cortico-reticulares (azrer).

Podemos avanar, com relativa segurana, que as DA envolvem problemas nas diferentes fases subsequentes percepo inicial, provavel ente m funes como a codificao, a organizao e a rememorizao idas aquisies.

Vellutino 1977 provou que o processo perceptivo dos maus leitores f co nos aspectos lgicos, conceptuais e empricos, verificando-se neles a :evidncia de dificuldades na etiquetagem e desetiquetagem de formas".

Para alm destes teorias, que tm influenciado o seu desenvolvimento, as DA apresentam variadssimos problemas de ordem metodolgica.

Sabemos hoje que no podemos negar a relao entre a DA e a disfun o cerebral, independentemente de muitos autores a combaterem. Comovimos atrs, a dificuldade subsiste em definir DA, e leso cerebral" (brain

ge). Enquanto se verificar este problema, haver sempre crticas a fazer. Outra diftculdade de ordem metodolgica pe em jogo a etiologia da disfuno cerebral minima (DCM), como j vimos. No se pode provar que a

-DCM a causadora das DA (Ross 1976), na medida em que seria antitico con:duzir uma experincia que comprovasse aquela afirmao.

Ainda outra dificuldade a que resulta da impossibilidade de observar anormalidades ou aberraes de um crebro funcional e vivo. As :medidas indirectas do electroencefalograma (EEG) exigem inferncias para a sua interpretao, de onde nascem os inevitveis problemas de vali

Freeman 1967, ao rever 50 trabalhos sobre EEG, concluiu que os seustesultados no se relacionam conclusivmente com o insucesso escolar, com condies psiguitricas ou com a hiperactividade.

Paine, Werry e Quay 1968 chegaram a resultados muito aproximados. Outras investigaes indicam que a leso cerebral no produz inevita elrnente uma diminui o do potencial de aprendizagem. Muitas outras mvestigaes adiantam que as leses cerebrais podem apresentar um compartatnento e um EEG normais.

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

A teoria da DCM est assim em causa em relao etiologia das DA. De facto, a teoria no imune sua desaprovao; da os problemas de

ordem metodolgica.

A teoria psicolinguistica das DA, proposta por Kirk e McCarthy 1961, embora adequada, merece outras crticas relevantes, semelhana de teoria da DCM que focmos atrs. A teoria psicolingustica que se alicera no ITPA precisa de ser refinada, e as suas validade e fidedignidade necessitam de ser inequivocamente aprofundadas. O ITPA no avalia as caractersticas essenciais da linguagem, segundo Berry 1969. O ITPA, ao permitir a organizao de testes psicolingusticos, facilita extraordinariamente a compreenso do problema, e esse talvez o seu grande valor, pois induz a criao de grupos de crianas e de estratgias de reeducao de inexcedvel interesse.

A teoria da integrao intersensorial, proposta por Birch e Belmont 1964, incompleta quanto s funes cognitivas que incidem particularmente na aprendizagem da leitura ou da escrita. Freids 1974 demonstrou que difcil o controlo das funes intramodais, dado que so uma concomitncia das funes intermodais, da que a proposta de Birch e Belmont merea algumas crticas, na medida em que as variveis utilizadas exigem aquisi es conceptuais e verbais.

A mediao verbal da equivalncia entre a audio e a viso colocada pelos materiais levanta outro problema metodolgico, ainda acrescido por funes de memria, que vem criar consequentemente mais confuso s suas propostas.

Dizer-se que os bons leitores obtm resultados na integrao auditivo i -visual no suflciente, visto que o atraso na leitura no apenas o resultado de problemas de integrao intersensorial (audio-viso). A hiptese avanada por estes autores precisa de ser aperfeioada no futuro, quer meto dologicamente, quer conceptualmente.

i Em resumo, as teorias das dificuldades de aprendizagem (DA) so conI

! troversas, conceptualmente confusas e raramente apresentam dados de aplicao educacional imediata. Mesmo com uma grande panornca e com um grande potencial de investigao, as teorias das DA continuam a ser

muito pouco consensuais e muito pouco consistentes.

Algumas persp< w actuais

Vejamos agora, muito rapidamente, algumas alternativas conceptuais mais actuais sobre as DA (sobre as dificuldades na leitura mais enfocadas).

Independentemente de se verificarem os tradicionais problemas metodolgicos, julgamos do maior interesse apresentar as conentes mais actuais das DA, pois nelas esto contidas dimenses originais e dados de investigao muito significativos.

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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM

"1-Modelo hierarquizado 1- Modelo interaccional (Wiener e Cromer) (Adelman)

l5- fIipbtese doCORRENTES

' educando ACTUAIS

inactivoDAS2- Teoria integrada

(Torgesen)DAda informao

(Senf)

5- Hiptese do 3- Teoria do

dbfice verbaldesenvolvimento

(Vellutino)das capacidades

perceptivas

4- Teoria do atrasoe lingusticas

do desenvolvimento(Satz e Van Nostrand)

da ateno selectiva

(Ross)

Figura 33 - Algumas coxrentes actuais das DA

interaccional, de Adelman

" Para este autor o sucesso ou o insucesso escolar da criana so funo :. a interaco entre as suas reas fortes (strengths) e as suas reas fracas -veaknesses), para alm das limitaes e dos factores especficos e situacida classe, incluindo as diferenas individuais dos professores e dos seus diferentes mtodos de instruo.

O modelo proposto por Adelman 1971 rejeita a lptese de o insucesso lar recair totalmente numa desordem da criana. A interaco entre a iana e o programa de instruo o enfoque primordial deste modelo, na

do qual, segundo o proponente, se deve encarar o sucesso ou o insuso escolar.

Quanto maior for a discrepncia ou o desajustamento entre as caracters"ticas da criana (que obviamente devem ser conhecidas e identificadas) e as

terfsticas ou exigncias do programa, tanto maior ser a falta de apro citamento escolar.

Para Adelman, a despersonalizao do programa escolar constitui um etor determinante no processo de aprendizagem da criana. O programa no

ser imposto criana, provocando ou originando comportamentos desa stados, desinteresse ou desmotivao.

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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

Os program (c >c os) devero acomodar-se efectivamente s diferenas individuais e peculiares que cacacterizam as crianas de uma classe. Cabe portanto ao professor uma g de responsabilidade no que respeita facilitao, ou no, da aprendizagem das crianas, todas elas com per Js ou eslos intraindividuais diferenciados de aprendizagem. Quanto maior for a personalizao da instruo, maior ser o xito na aprendizagem, o que pressupe da pane do professor um maior e mais ponnenorizado e evolutivo conhecimento dos seus alunos. Quanto menor ateno se tiver a este aspecto do cumculo, tanto maiores sero a diferena e a distncia entre as condies externas de instruo (do professor portanto) e as condies internas de aprendizagem (do aluno) e, consequentemente, maior a tendncia para se manifestarem DA dentco da prpria classe.

Em termos de xito escolar, h que ter em conta, naturalmente, as variveis da criana e as variveis situacionais da classe. Dentro das variveis da criana, ou melhor, das suas necessidades, teremos de observar e caracterizar as suas condies de aprendizagem, onde entram em linha de conta as aquisies (skills) perceptivas, cognitivas, psicomotoras e expressivas, os seus interesses, necessidades, movaes, etc. , que devero ser claramente e antecipadamente conhecidos. Aqui teremos de respeitar, por mais que custe a muitos tcnicos, os contributos da psicologia do desenvolvimento e da neuropsicologia, no sendo de se conhecer as necessidades individuais das crianas.

Dentro das variveis situacionais da classe, h que analisar as personalidades e as competncias dos professores, os objectivos, os processos, os materiais didcticos, os reforos e processos especficos de transmisso cultural e os esforos da escola que caracterizam a eficincia da inswo.

Segundo Adelman, o tipo de DA e o nvel das necessidades especficas de reeducao surgem posteriormente, como efeito e resultado de uma estratgia de ensino muitas vezes inadequada, mesmo que v servindo a maioria da classe. Da que este autor recomende a identificao precoce e a obser vao psicopedaggica, como formas de antecipao da preveno de problemas, evitando que a criana seja empurrada para as frustraes inerentes ao fraco aproveitamento escolar.

Tcoria integrada da informao, de Senf

A teoria integrada da informao, proposta por Senf 1971, fundamenta-se na psicologia cognitiva, nos modelos de processamento da informao e nas investigaes sobre a memria.

Este autor apresenta-nos, de uma forma clara, a complexidade da acvidade cognitiva humana e a sua interdependncia com os processos de aprendizagem simblica.

Para Senf, o organismo humano organiza selectivamente e integra a informao, para alm de a utilizar nas diversas manifestaes do comportamento.

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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Na base de uma ateno selectiva, face informao recebida (input), o vduo em situao de aprendizagem ter de a processar em unidades, intedo-as numa sequncia temporal que caracteriza a informao ordenada (irtformation array). Quer dizer, a integrao da informao requer uma orgao e um envolvimento internos que se passam no crebro do indivduo. Trata-se, portanto, de reaces mentais a situaes do envolvimento externo,

sejam as dimenses dos estmulos exteroceptivos e proprioceptivos e seus circuitos de retroestimulao (feed-back), isto , o resultado da aco da interaco sensorial que o indivduo estabelece com a informao rece: a.

Senf destaca ainda o papel da motivao, da ateno selectiva e do cforo, para alm de referir a importncia da degenerescncia da memria

ptiva no processo de aprendizagem. Assume igualmente uma dimenso tegral das diferentes modalidades ou dos diferentes canais sensoriais isual, auditivo e tactiloquinestsico) que podero envolver irregularidades eionais no processo de informao e nos sistemas de integrao, justifimndo, por esse facto, a manifestao de DA.

O contributo deste autor incorpora tambm outras condies cruciais a guir. So elas: o contedo irrelevante da tarefa emjogo e a ansiedade, ideradas, por Senf, variveis significativas a ter em conta na evidncia DA.

Senf apresenta quatro categorias de DA:

, 1) As dificuldades surgem por perturbao na recepo adequada da informao;

2) As dificuldades resultam do inxito em produzir informao ordenada; 3) As dificuldades surgem da fala na evocao de actividades neurolgicas no sistema das imagens;

4)As dificuldades resultam da falta de contedo da tarefa, que obviamente desordena a informao em causa.

Senf acrescenta ainda outras razes causadoras das DA, como por exemplo a inadequada actividade de orientao receptiva (problemas de ateno) que se manifesta secundariamente a partir das desordens do processo da n ormao. Quer dizer, como o processo de informao se encontra perturo, esta condio, segundo Senf, reflecte-se na ateno, prejudicando-a e oo sequentemente desorganizando-a.

Para este autor o processo de infrmao activamente estruturado e zado pelo prprio indivduo. O indivduo (neste caso, a criana) actua a informao assimilando-a no seu anteriorl repertrio cognitivo-experiencial. Trata-se de reconhecer o processo de informao e, evidentemente,

i No sentido de passado, ou melhor, de reteno da experincia em termos de conservao d vivncias passadas.

85

INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

a percepo, como um processo sensorial, e aberto, por manuteno e conservao de sistemas de retroaco (feed-back), como sejam os que vm dos msculos e que provocam sensaes quinestsicas, ou como os que vm dos aparelho fonador e que provocam sensaes auditivas.

ProcessoProcesso

sensorialProcesso cognitivo motor

VISUAL --l- MOTOR

0 0 0

AUDITIVO -- VOCAL

- (fala)

Feed-back (sensaes auditivas e quinestsicas)

Figura 34 - Modelo de integrao multissensorial, de Senf

Senf refora ainda que a experincia humana uma integrao multissensorial total (IMT), e essa totalidade traduz a aprendizagem normal. Quando efectivamente essa totalidade se apresenta fragmentada, ento podem surgir as DA.

De acordo com esta teoria integrada da informao, embora sofisticada, o xito da aprendizagem depende muito das caractersticas da tarefa, ou seja, da situao experimental a que a criana se encontra sujeita; da a defesa da metodologia da anlise de tarefas (task analysis), to importante na reeducao de crianas com DA e na educao de crianas deficientes mentais.

Teoria do desenvolvimento das capacidades perceptivas e cognitivas, de Satz e Van Nostrand

Estes autores apresentam uma teoria desenvolvimentista relacionada com as mudanas etrias mais relevantes e que constituem a apropriao das pr-aptides das aquisies escolares fundamentais.

Nesta linha, aqueles autores incidem inicialmente sobre as aquisies perceptivas e discriminativas da viso, que se encontram mais em foco na aprendizagem da leitura. Posteriormente analisam as aquisies lingustico-conceptuais, que surgem evolutivamente mais tarde (Gibson e Levin 1975).

As DA surgem, de acordo com estes autores, como corolrio de um atraso de desenvolvimento (developmental lag) e temporariamente relacionadas com a aprendizagem da leitura.

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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Esta perspectiva parte do pressuposto de que o sucesso escolar exige um certo nvel e um certo nmero de aptides para as aprendizagens escolares.

28 1. Aquisies conceptuais Discriminao visual Aquisies lingusticas

Percepo

FASES DA

APRENDIZAGEM DA LEITURA

Figura 35 - Fases de aprendizagem da leitura, segundo Satz e Van Nostrand

De facto, tais aprendizagens pressupem um nvel de prontido (readiness) que necessita de determinados requisitos de maturao, traduzindo-se obviamente numa certa hierarquia de aquisies e num certo nvel de desenvolvimento. Para Staz e Van Nostrand, o problema consiste na maturao cerebral hemisfrica, independentemente de a sua fundamentao hipottica ainda no ter sido suficientemente dmonstrada.

Inseridos numa viso evolutiva das DA, estes autores tm desenvolvido iatensa actividade investigativa na busca de escalas e de sinais predictivos do xito ou do inxito na aprendizagem da leitura. Neste sentido, destacam como sinais predictivos as aquisi es ontogenticas precoces da percepo, que paralelamente colocam em causa uma relao comparativa entre a imaturidade, a desmaturidade e a maturao. Sabemos que, em termos de desen olvimento, as aquisies perceptivas antecedem as aquisies conceptuais; da que se possa verificar uma desmaturidade numa fase que tenda a reflectir-se noutra fase com uma apropriao mais lenta de aquisies mais complexas.

A velocidade de aquisio (rate of aquisition) (a que j chammos biorritmo preferencial de cada criana), junta-se uma dificuldade na aquisio, e t ta varivel deve ser tomada em linha de conta a partir do nvel bsico de aquisies, que difere de criana para criana.

As variveis mais predictivas e discriminativas da aprendizagem da leitra podem e devem caracterizar os processos de identificao precoce das DA, pois muita da investigao feita nesta rea resulta, sem qualquer interpretao, de parmetros claros de desenvolvimento.

Daqui podemos adiantar que a fase de automatizao da leitura requer no s capacidade perceptiva como capacidade lingustica, s que a sua releVncia diferente no tempo. Na fase inicial, as capacidades perceptivas esto

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

em foco; na fase intermdia, estas tero de se automatizar, para na fase final da aprendizagem resultarem na edificao de capacidades lingusticas e conceptuais.

As implicaes educacionais so muito significativas, na medida em que a fase inicial da aprendizagem da leitura requer uma diversidade de aquisies perceptivo-visuais (discriminao, identificao, sequencializao, completamento, anlise, figura e fundo, constncia de forma, posio e relao de espao, ete. ).

A fase seguinte dever levar automatizao de tais aquisies como tambm introduo das aquisies linguisticas, nomeadamente a segmentao e o completamento gramatical, de base perceptiva auditivofontica.

A provar esta hierarquia, estes autores utilizaram anlises de escalogramas e demonstraram que se verificava uma sequncia evolutiva entre as aquisies perceptivas e as aquisies lingusticas, e que a sua interaco recproca se manifestava em diferentes perodos.

Desta perspectiva podemos concluir que a leitura envolve processos de interaco muito complexos e que obedecem naturalmente s leis da ontogenese do desenvolvimento, quer a criana revele, quer no DA.

Teoria do atraso de desenvolvimento da ateno selectiva, de Ross

Para Ross a ateno selectiva uma varivel que diferencia claramente o nvel de realizao entre a criana normal e a criana com DA.

A partir do trabalho de Senf, que vimos atrs, este autor d maior nfase capacidade de recodifica o (recode), ou seja, reorganizao da informao e sua subsequente, imediata e precisa rechamada, para efeitos de expresso ou de produo.

Na base das suas investigaes, Ross demonstrou que as funes de rememorizao e de reorganizao da informao dependem de factores de desenvolvimento e de maturao consubstanciados numa ateno selectiva mais controlada e intencional.

Tendo em conta que o xito acadmico ou escolar depende da aquisio de dados aprendidos anteriormente que resultam na passagem de uma classe ou fase para outra, Ross argumenta que a criana com DA tem mais problemas porque as aquisies mais simples, i. e. , das fases anteriores, no esto suficiente e consolidadamente aprendidas.

A este problema de reorganizao da informao aprendida naturalmente que se vm juntar problemas de personalidade (autoconceito, etc. ), acumulados nas frequentes situaes de frustrao e de insucesso.

De acordo com a proposta de Ross, a ateno selectiva depende significativamente de uma varivel cognitiva, variando directamente com a sua complexidade. Nesta perspectiva, o autor recomenda o exagero na distino de pormenores de pares de letras ou de pares de palavras em que

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PASSADO E PRESENTE NAS DlFICULDADES DE APRENDIZAGEM

a eriana manifeste dificuldades. Desta forma, o realce de pormenores reclama e motiva outros nveis de ateno, e consequentemente, de aprendizagem.

O problema desta teoria partir da noo de que a ateno selectiva apenas depende da criana, e no das condies situacionais e envolvimentais.

Porque no se toma em eonsiderao a relevncia dos estmulos dos materiais didcticos e do envolvimento da classe, provavelmente as situaes de instruo tendem a desenvolver DA. As condies exteriores tarefa em si, como sejam o excesso de barulho ou de rudos distrcteis (variveis auditivas), a exposio exagerada de quadros e painis na sala ou no espao imediato (variveis visuais), ou as dimenses da tarefa, os seus contexto e complexidade, e tambm o tipo de reforos imediatos (variveis cognitivas e motivacionais) podem dificultar criana a seleco entre variveis rele vantes e irrelevantes para a situao de aprendizagem considerada; da muitas vezes a razo de ser da sua dificuldade de concentrao e de organizao da informao.

Neste campo novas investigaes sero necessrias para determinar qual a significao e a importncia das variveis distrcteis e situacionais em gresena, variveis essas que se inter-relacionam na dialctica entre as condies internas (da criana) e externas (da situao educacional), e que podem faeilitar ou comprometer a ateno selectiva, pondo em risco as condies normais da aprendizagem.

Hiptese do dfce verbal, de Vellutino

Vellutino 1977 representa a nova vaga das DA. A sua hiptese do dfice verbal nos maus leitores, ou melhor nas crianas com DA, surge como a nifestao de uma dificuldade na rememorizao e na renomeao de palavras, provocada, segundo o autor, por uma falta ou carncia de informao disponvel. Esta falta de informao repercute-se na reduzida e limitada capacidade de utilizao e de produo, confirmando um dfice linguistico e uma eerta lentido na identificao e no uso das palavras.

Vellutino desenvolveu vrios trabalhos experimentais de lingustica, tendo coneludo que as crianas com DA apresentam dfices fonolgicos, semnticos e sintcticos associados a problemas de memria de curto ternto e de eodificao, sintese, e subsequentemente, de rechamada da informao.

A chamada da informao fundamental para a sua expresso. Nela esto ineludos complexos mecanismos e processos de seleco da palavra e das suas estruturas componentes.

Para alm destes processos de mobilizao e de formulao activas, que pneparam e planificam expresso (quer falada, quer escrita), necessrio que se observe processos de preeiso e fluncia.

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

A perspectiva de Vellutino est muito prxima da de Perfetti e Lesgold 1977, que falam em dftces de compreenso, argumentando que a lenta descodificao da palavra prejudica os maus leitores, diftcultando-lhes a lembrana da informao contida nas frases previamente lidas. Porque a integrao da informao no se opera adequadamente, a compreenso do texto lido feita com dificuldades.

Vellutino contrape s concepes perceptivas das DA uma concepo lin ustia, criticando aquela por falta de dados empricos. De facto, embora ng se podendo negar a importncia da sua concepo lingustica, no res' tam dvidas (nem to-pouco dados empricos) de que as DA e as dificuldades da leitura incluem, igualmente, dftces no lingusticos. No se deve defender concepes extremistas, ora argumentando que as DA dependem apenas de roblemas lingusticos, ora dizendo que dependem apenas de I problemas perceptivos. Quanto a ns, entre estes dois tipos de problema,

ediftcam-se interaces recprocas e complexas que convm identiftcar e minimizar atravs de programas de interveno especfica.

DA =Problemas Problemas perceptivos f- lingusticos

Figura 36 - Concepes perceptivas e lingusticas das DA, segundo Vellutino

Este autor inclina-se efectivamente para a anlise das funes da memria no processo de recepo, compreenso e produo lingustica. O dftce no cdigo verbal resulta, segundo ele, de problemas de reteno e de rememorizao, acentuando o papel da conservao e da combinao da informao, que antecede obviamente as suas expresso e utilizao.

Das investigaes de Vellutino podemos tirar uma concluso essencial: a reeducao de uma criana com DA no pode ser unicamente encarada na base de situaes perceptivovisuais (identificao, discriminao, etc. ); necessrio atender s aquisies linguisticas, pois Vellutino refora que uma reeducao perceptivovisual, s or si, no faz um leitor fluente.

Hiptese do educando inactivo, de Torgesen

Torgesen 1977 encontra-se na linha cognitivista das DA, especialmente virado para o estudo e o controlo das variveis que caracterizam o educando activo (active learner).

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PASSADO E PRESENTE NAS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Segundo este autor, a criana sem DA participa activamente na sua aprendizagem, adoptando inclusivamente estratgias apropriadas realizao das tarefas escolares. Estratgias essas que exigem uma consciencializao cognidva geral (general cognitive awareness) e uma actividade dirigida intencionalmente para um fim (purposive goaldirecteness).

A consciencializao cognitiva requer: uma conscincia dos processos cognitivos prprios do educando (metacognio), bem como uma conscincia das exigncias da tarefa em causa. A actividade dirigida intencionalmente para o fim reflecte o grau de motivao que caracteriza o educando, isto , a inteno de aprender, que verdadeiramente assegura, mantm e organiza os esforos necessrios aprendizagem propriamente dita.

Torgesen aflrma ainda que a inteno de aprender garante um plano de aco que culmina numa aprendizagem eficiente, adaptada e intencional. Ao contrrio, a criana ou o educando inactivo e com DA no manifesta as condies acima referenciadas. A imaturidade destas crianas revela-se cognitivamente e emocionalmente, como concluram os trabalhos de Hirsch, Jansky e Langford 1966 e de Koppitz 1963.

a imaturidade geral que interrompe a consciencializao cognitiva, condio responsvel pela aco intencional do indivduo em situao de aprendizagem, exigindo dele uma avaliao realista e ajustada dos seus recursos (negativos ou positivos).

Torgesen caracteriza a criana com DA como tendo maior dependncia nas suas actividades intelectuais, menos perseverana, mais impulsividade e maior dificuldade em compreender e realizar ordens, no podendo, portanto, assumir um papel activo na sua aprendizagem.

Devido a insucessos acumulados, amalgamados com as inevitveis frustraes face s aprendizagens ou tarefas escolares, compreensvel que as crianas ou os adolescentes com DA pequem por falta de participao e por inactividade e evitamento.

Este autor inclina-se mais para dfices de realizao do que para dfices de capacidade (ability defcits). No educando inactivo, o que falta so as estratgias adequadas, no obstante a manifestao de problemas de processamento da informao (ateno, memria, planificao, etc. ), ou sejam, dfices cognitivos. Torna-se por conseguinte relevante a necessidade de uma avaliao cuidadosa destes problemas, com o intuito de desenvolver meios de interveno educacional ajustados s necessidades dessas crianas.

A importncia desta teoria de Torgesen de extrema validade, realando o papel das aqnisies de estudo (study skills) e das aquisies de autoensino (teaching selfmonitoring skills), ou sejam, as aquisies por ele designadas como metacognitivas (metacognitive skills).

Independentemente da falta de especificidade, Torgesen remete-nos para uma perspectiva global das DA, embora a sua concepo de inactividade cognitiva necessite de veriflcao emprica.

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

Wong e colaboradores 1979 provaram que, de facto, as crianas com DA, ao contrrio das crianas com aproveitamento escolar, manifestam problemas de autoverificao e de autoavaliao das suas prprias produes e realizaes, confirmando o interesse desta perspectiva das DA.

Modelo hierarquizado, de Wiener e Cromer

Este modelo representa uma sequncia hierarquizada de aquisies especficas antecedentes (ABC. ) com correspondncia em tipos e classes de comportamento manifestados na aprendizagem da leitura (Xl, X2, X3. , Xn).

O modelo estabelece uma relao com base no exemplo: uSe se d A, ento manifesta-se X1; se se d X1, ento revela-se B"; se B, ento X2, etc. Se um dos antecedentes no ocorre, o comportamento na leitura no se revela nem se desenvolve, nem as aquisies subsequentes se viro a manifestar em termos hierarquizados.

A sequneia hierarquizada equaciona uma aprendizagem de subaquisies mais simples, implicando uma apropriao evolutiva de processos especficos que se vo complexificando progressivamente, quer conceptualmente, quer biologicamente.

Este processo, designado por anlise de tarefas (task analysis) e por anlise de contedos (content analysis), embora carecendo de variveis motivacionais, permite ao educando uma Kaprendizagem de sucesso em sucesso, concordante com as suas necessidades educacionais especficas.

Para alm das crticas que o modelo apresenta, a proposta de Wiener e Cromer obriga-nos a discriminar entre dois nveis envolvidos na aprendizagem da leitura. Um compreende as subaquisi es da leitura. O outro envolve os processos psicolgicos exigidos pela prpria leitura. Sem a observncia destas duas condies, segundo estes autores o exemplo dos mtodos de reeducao ou de preveno estaro em si limitados.

Eis, assim, perspectivados o passado e o presente das DA. Muitas pers pectivas no foram consideradas, no porque sejam de rejeitar, mas porque nos faltou tempo para as tratar com uma linguagem prpria.

evidente, depois desta sntese histriea, que o campo das DA nos surge com uma enorme disperso de abordagens e perspectivas. Aqui est provavelmente a razo de muitas eontradies e controvrsias, mas certamente tambm a razo de um campo de estudo to apaixonante e com tantas implicaes.

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CAPTULO i.

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:

ANLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

A excluso subl de crianas e jovens com dificuldades de aprendizagem (DA) da poltica de educao no tem sido acidental (Fonseca 1987).

As crianas e os jovens com DA no desfrutam ainda de uma categoria educacional prpria, por isso tm sido encarados como uma ameaa em termos de recursos financeiros, quando entre ns a aplicao do produto nacional bruto na educao ainda das mais baixas da Europa, apesar de ter sofrido nos lmos anos um ligeiro acrscimo.

As DA representam um dos maiores desafios educacionais e clnicos, e simultaneamente, um tpico esmvel da investigao cienfica (Keogh 1986).

Na ltima dcada, segundo os servios educacionais americanos, enquanto a percentagem das condies defectolgicas das crianas e dos jovens com deficincia, inerentes ao ensino especial, tenderam a diminuir consideravelmente, a percentagem das condies disfuncionais das crianas jovens com DA tenderam a triplicar (US Department of Education 1985, citado pela mesma autora).

Os directores escolares, os legisladores, os professores e os demais responsveis polticos da educao necessitam de informaes vlidas, e no de opinies, como ponto de referncia para fazerem os seus juzos e tomarem as suas decises. Todos os actores da educao possuem um conceito muito subjectivo do que uma criana ou um jovem com DA, sem contudo se avaliar os seus fundamentos cientficos. As decises de poltica educativa tm-se baseado preferencialmente em preocupaes econmicas ou administrdvas, em vez de se apoiarem tambm em informaes e em dados de pesquisa (Fonseca 1989).

De acordo com Bos e Vaughn 1988, as crianas e os jovens com DA representam o maior gnipo do sistema escolar (Figura 37).

O nmero de crianas e jovens com DA desconhecido no sistema escolar portugus, porque no h ainda um consenso quanto s respectivas elegibilidade ou idenficao, mas a taxa de insucesso escolar na escolaridade obgatria das mais altas dos pases europeus (Figura 38).

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

lnsucesso escolar No s

Disfuno

cerebral mfnima

Ensino especial

Dificuldades de aprendizagem

As crianas e os jovens com DA continuam a vaguear pendularmente entre a educao especial e a educao regular, em termos quer de diagnstico, quer de interveno ou de apoio psicoeducacional. e ' O nmero de repetncias na 1 fase ronda os 35%, e os 25% na 2. fase,

reduzindo-se consideravelmente no S. o e 6. o anos de escolaridade (GEP 1990), devido ao abandono escolar e ao trabalho infantil, que constituem situaes socioculturais deveras problemticas em termos de recursos humanos estratgicos.

; As crianas e os jovens com DA, para serem identificados como tal, deveriam implicar a observncia de uma gama de atributos e caractersticas cognitivos e comportamentais que constituiriam uma taxonomia educacional e consubstanciar com propriedade uma definio terica testvel.

/ rr, A

30 - -

/ ESPANHA III 'RANA 20 PORTUGAL

10

0 -'

o Sxundrio

Figura 38 - Taxas de insucesso (PIPSE, 1989)

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Figura 37 - DA no sistema de ensino

DIFICULDADES DE APRENDl7 AGEM: ANLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

de DA

lD que uma criana ou um jovem com DA?

Das inmeras definies de DA j avanadas por ilustres investigadores _ relevantes associaes cientficas (Fonseca 1987), a definio do onal Joint Committee of Learning Disabilities (1988) , presentemente,

rene internacionalmente maior consenso.

A sua definio compreende o seguinte contedo: Dificuldades de ndizagem (DA) uma designao geral que se refere a um grupo

terogneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisio e na utilizao da compreenso auditiva, da fala, da leitura, da escrita, e do raciocnio matemtico. Tais desordens, consideradas intrnsecas ao indivduo e presumindo-se que sejam devidas a uma disfuno do sistema nervoso central, podem ocorrer durante toda a vida. Problemas na auto-regulao do comportamento, na percepo social e na interaco social podem coexistir com as DA. Apesar de as DA ocorrerem com outras deficincias (ex. : deficincia sensorial, deficincia mental, distrbios socioemocionais) ou com influncias extrnsecas (ex. : diferenas culturais, insuficiente ou inapropriada instruo, etc. ), elas no so o resultado dessas condies.

De facto, a designao DA", como podemos avaliar por esta definio, t m sido usada para referir um fenmeno extremamente complexo (Torgesen 1990). O campo das DA agrupa, efectivamente, uma variedade desorganizada de conceitos, critrios, teorias, modelos e hipteses.

Para Senf 1981, as DA tm sido uma rea obscura situada entre a normalidade e a defectologia. No mbito educacional, os que ensinam ascrianas ou os jovens ditos normais" no raramente sugerem uma colocao ou encaminhamento especial" para os seus problemas, sem contudo perspectivarem modelos dinmicos de avaliao e de interveno.

O quadro das DA cada vez mais uma esponja sociolgica que cresceu muito rapidamente, porque foi utilizado para absorver uma diversidade :de problemas educacionais acrescidos de uma grande complexidade de acontecimentos externos a eles inerentes (Senf 1990).

No se conseguiu ainda, na arena do sistema de ensino, um consenso na definio das DA, porque elas tm emergido mais de presses e de necessidades sociais e polticas do que de pressupostos empricos e cientficos (Keogh 1986).

Dentro de uma anlise contextual, h necessidade de compreender que, mesmo na presena de uma pedagogia eficaz e de professores competentes, DA no desparecem nem se extinguem. O enfoque das DA est no individuo, que no rende ao nvel do que se poderia supor e esperar a partir do seu potencial intelectual, que, por motivo dessa especificidade cognitiva na aprendizagem, tende a revelar inxitos inesperados.

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

Para minimizarmos a confuso crnica que caracteriza o campo de

estudo das DA, precisamos de uma aproximao cientfica transdisciplinar que ultrapasse a demasiada fragmentao da maioria das suas investigaes. Para alm de aperfeioar a preciso diagnstica e clariflcar os resultados das investigaes, essencial evitar inferncias precipitadas e generalizaes inapropriadas.

A falta de uma teoria slida e coesa nos seus paradigmas e pressupostos e de uma taxonomia pormenorizada e compreensvel , assim, uma das razes que explicam a ambiguidade e a legitindade das DA. Da que a criao e a promulgao de servios educacionais seja presentemente muito restrita e ineficaz, porque no surge, nem se vislumbra, um critrio ou uma definio ftdedigna e aquiescente.

Entre ns, muitas crianas e muitos jovens so identificados com base em critrios pedaggicos arbitrrios, ou sustentados administrativamente em pareceres e avaliaes mdicas (ex. : peditricas, neurolgicas ou psiquitricas) ou psicolgicas tradicionais, sem qualquer traduo ou converso reeducativa.

At hoje no surgiu, ainda, uma identificao psicoeducacional no sentido cientfico que seja igualmente concordante com outros critrios mdicopsicopedaggicos relacionados com o potencial dinmico de aprendizagem e com o comportamento social, uma vez que muitos jovens e crianas com DA evidenciam uma competncia social inadequada (Bos e Vaughn 1988).

Devido a esta vulnerabilidade conceptual, muitos deles so neglicenciados ou mesmo excludos dos apoios escolares, mesmo tendo DA num sentido taxonmico, e, em contrapartida, muitos outros so includos nos servios de apoio disponveis, acusando todavia DA apesar de no terem sido identificados como tais.

Quais so as caractersticas, comuns e discordantes, entre os estudantes com DA? Havero subtipos de DA? Quais so as variveis mais relevantes no processo de ensino-aprendizagem? Como podero ser identificados os problemas mais subtis nas crianas e nos jovens com DA? Quem est treinado e preparado para detectar e (re)educar estas crianas e estes jovens? E que programas de reanimao cognitivocomportamental e psicolingustica devero ser experimentados e avaliados? Sem respostas a estas perguntas, muitas perturbaes continuaro a contribuir para a catalogao e a classificao inconsequente das crianas e dos jovens com DA e, como consequncia, muitas delas com pseudo-DA so tratadas como tendo DA, e muitas tendo DA no so classificadas sob qualquer critrio legtimo.

As autoridades educacionais, juntamente com vrias instituies, tm expressado preocupao com o grande nmero de crianas e jovens com DA, mas tm sido incapazes de estimular pesquisas sobre a etiologia, a elegibilidade, a identificao e os aspectos psicofuncionais nesta matria, de modo a reduzir a proliferao de mais confuso e de desnecessrios gastos flnanceiros. Noutro plo de presso contextual e social, associaes de pais e de

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

encarregados de educao reagem subincluso das crianas e dos jovens com DA nos programas de compensao pedaggica. Os pais esto cada vez mais ansiosos, porque os seus filhos no recebem adequada resposta s suas necessidades educacionais.

Enquanto dzias de comisses oficiais, de divises regionais e direces de edueao, regular e especial, de grupos de tcabalho superiormente nomeados e de outras entidades polticas, etc. , continuam a discordar de uma definio consensual, legal e operacional, felizmente que muitos professores e psiclogos continuam a praticar diariamente a sua identificao e a sua reedncao (Macgrady 1980).

Expectativas sobre as DA

A luta contra o insucesso escolar tem sido, e continua sendo, uma das p oridades do sistema escolar portugus, tendo levado mesmo criao do grograma interministerial para promoo do sucesso escolar (PIPSE 1988), programa inovador hoje extinto que, contudo, no foi avaliado e aperfeioado, cientfica e pedagogicamente, na totalidade das suas componentes estruturais, para efectivamente atacar as causas e os efeitos das DA.

Baseados no relatrio Warnock 1978, vrios responsveis do Ministrio da Educao adoptaram para os estudantes com DA o conceito abrangente de necessidades educativas especiai3 (Decreto-Lei n. o 319/91), outra medida que reflecte uma expectativa positiva sobre o assunto, sem porm atingir a mesma profundidade em termos de estratgias de diagnstico e interveno, e concomitantes coordenadas de formao permanente da parte dos professores.

A designao DA, constitui, todavia, uma simples designao que til por um lado, mas por outro no, na medida em que encerra uma significao sociopoltica e sociocultural. Ela evoluiu da necessidade de fornecer servios educacionais a uma populao escolar que foi, e ainda , subservida e negligenciada. Trata-se de uma questo que, em ltima anlise, ilustra o insucesso escolar, e nunca o insucesso individual do estudante, porque, num dado contexto, cada dislexia sinnimo de uma dispedagogia. A denominao revela elegibilidade, mas nenhuma verdadeira e bvia identificao elnica. As DA so um assunto conceptualmente confuso, decorrente de uma investigao terico-prtica ainda incipiente, contraditria e demasiado complexa nas suas variveis e nos seus pressupostos.

Em sntese, as DA referem-se, como sabemos, a uma populao heterognea, que incli vrios subtipos de dificuldades, idades e desordens. Para Ysseldyke 1983, no h caractersticas nem eomportamentos especficos para as DA, isto , as caractersticas que exibem as crianas e os jovens com DA so semelhantes s dos studantes sem DA, o que obviamente torna mais difcil o seu objecto de estudo e os limites da sua definio.

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INSUCESSO ESCOIAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

Modelos de avaGao das DA

A inadequabilidade cientfica que muitos testes psicomtricos tradicionais apresentam considerada uma das causas que caracterizam correntemente as decises educacionais incoerentes no mbito das DA. Nos nossos dias, no existe nenhum modelo ou mtodo de avaliao vlido conhecido que verdadeiramente identifique um estudante com DA, ou que detecte uma leitura ou uma escrita ineficientes, disfunes cognitivas na resoluo de problemas de clculo, ou mesmo, problemas na fala.

As DA no so uma condio ou sndroma simples, nem decorrem apenas de uma nica etiologia - trata-se de um conjunto de condies e de problemas

I:heterogneos e de uma diversidade de sintomas e de atributos que obviamente subtendem diversificadas e diferenciadas respostas clinicoeducacionais. Muitas das expresses de avaliao falharam ao supervalorizarem alguns dos

I atributos especficos do indivduo com DA (Jonhson 1990). Por outro lado, ', estimulante ver profissionais de muitas disciplinas envolvidos na investigao

das DA, e simultaneamente perturbador observar to reduzida interaco de dados e resultados entre eles. As investigaes dos vrios protagonistas tendem a ser paralelas, em vez de integradas, o que em si tende a uma fraca validade (descritiva e predictiva) em termos de relevncia educacional. ? Como regra geral, os que tm trabalhado s com crianas ou jovens ditos

normais no podem compreender como pequenos problemas de recepo, elaborao e expresso de informao, disfunes cognitivas de input, ela; borao ou output - Feuerstein, Rand e Hoffman 1979; Fonseca e Santos

1991- podem influenciar o desempenho escolar de crianas e jovens com DA, nem, to-pouco, como os parmetros limitados de cognio social, de privao cultural e de experincia mediatizada de aprendizagem inadequada podem interferir com o rendimento escolar.

A informao psicomtrica presente e disponvel, centrada no QI, ainda uma base crucial da maioria dos encaminhamentos educacionais, de onde podem emergir, consequentemente, alguns perigos para o sistema escolar, , quer de super ou subincluso de crianas e jovens com DA, quando aquele ' critrio exclusivo no explica porque que jovens com QIs superiores a 130 podem acusar sinais evidentes de dislexia, dissortografia ou discalculia. A avaliao psicoeducacional uma das reas fracas do campo das DA. I Inmeros estudantes identificados como apresentando insucesso escolar no

atingem as definies mais correntes da literatura internacional (Fonseca 1987), o que pressupe que a noo de DA nem sempre abrange a noo de insucesso escolar, exactamente porque no so noes mutuamente exclusivas. Se a avaliao psicoeducacional (avaliao do potencial de aprendizagem) pensada como um processo de captao de dados sobre a vulnerabilidade da aprendizagem de muitos estudantes, com o propsito de especificar os seus problemas de aprendizagem e tomar decises e planificar estratgias indi vidualizadas, a sua prtica quotidiana est muito longe do seu principal objec

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DIFICULDADES DE APRENDI7AGEM: ANLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

tivo. Um nmero importante de crianas e jovens que experimentam dificWdades na aula, e que consequentemente sofrem de rejeio e isolamento social, pode ultrapass-las atravs de uma adequada instruo ou interveno psicoeducacional. O objectivo da avaliao psicoeducacional deve levar-nos aos mais vlidos mtodos pedaggicos e (re)habilitativos, subentendendo uma streita e intnseca relao entre o diagnstico e a interveno.

Entre ns, existem j equipas de apoio pedaggico que utilizam um tipo de diagnstico multidisciplinar, todavia relativamente limitado na inferncia de mtodos e estratgias de interveno, e ainda pouco validado em amostras bem seleccionadas. Por acrscimo, no temos por ora equipas multidisciplinacoordenadas aos nveis nacional, disttal ou local, nas quais o pessoal mdico, psicolgico e pedaggico possua treino especfico no domnio das DA. No campo dos recursos humanos, os professores especializados no tm competncia de diagnstico, ao contrrio dos terapeutas da fala, que nas escolas e nos centros clnicos so responsveis pela avaliao e pela interveno junto de crianas com problemas na linguagem falada. Paradoxalmente, os p nfessores especializados conduzem a reeducao na linguagem escrita, mas no so responsveis pelo diagnstico. Os professores especializados em DA

pouco treinados, clnica e educacionalmente, para um campo to complexo t diversificado.

Em termos sincrticos, os processos de avaliao e de identificao continuam, oficialmente, nas mos de pediatras, neurologistas, psiquiatras, siclogos, orientadores escolares, etc. , que confiam demasiado nos testes e aos seus dados clnicos, omitindo frequentemente os dados oferecidos pelos prprios professores.

A demasiada confiana no QI, nas idades mentais e nos ndices mdios ziam, no nosso sistema escolar, muitas das decises educacionais das criane jovens com DA. A avaliao psicoeducacional das competncias simb cas no tem ainda relevncia educacional, ao contrrio da avaliao da teligncia, e no tem conduzido a programas educacionais individualizados apropriados contextual e cientificamente, o que, em si, ilustra o estado Aetual da organizao da resposta a uma populao escolar em acentuado escimento na ltima dcada.

:Apesar de a inteligncia ser definida, em termos clssicos, como a habide para aprender, tal como tem sido medida e tal como tem sido cono bida como constructo, essa definio no satisfaz as necessidades do trmpo das DA. A inteligncia no apenas o que mede o teste estandardi do - as suas medio e avaliao dmmica continuam sendo um grande Inigma das cincis humanas, e uma grande responsabilidade para o psicbgo escolar e para o pedagogo especializado.

A inteligncia como dispositivo computacional modular composta por I temas independentes de processamento de informao (competncia cogniWra), que no caso de indivduos com DA no funcionam sinergeticamente

nseca 1991).

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INSUCESSO ESCOl AR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

A inteligncia como capacidade de adaptao mudana diferente da inteligncia prtica ou da inteligncia acadmica (academic intelligence); ela transcende o que o teste pode objectivamente vislumbrar. A criana ou o jovem com DA apresenta dfices especficos de inteligncia no generalizados, nomeadamente na resoluo de problemas e na menor flexibilidade na seleco de estratgias para os resolver. Tal especificidade exige, claramente, um maior invesmento na avaliao do potencial de aprendizagem do indivduo, ou seja, um melhor domnio dos pressupostos da modificabilidade cogniva (Fonseca 1989) e da experincia de aprendizagem mediatizada, uma vez que os dfices cognitivos no so entidades isoladas em si prprias, pois constituem-se como partes integrantes do contexto envolvimental e cultural do indivduo (Fonseca 1991, 1992; Fonseca e Santos 1991).

Mtodos de interveno nas DA

A interveno reeducativa tradicional tem sido essencialmente centrada, na maioria dos casos, em mtodos de origem francesa (ex. : Borel-Maisonny, Chassagny, Freinet, etc. ), que usam atributos e variveis de produto, com pouca ateno sobre outras vaveis de processo, tambm importantes luz do processo de ensino-aprendizagem.

Os mtodos pedaggico-reeducativos de leitura, escrita (ortografia) e clculo tendem a ser empricos e, por vezes, inconsistentes e ambguos, sem qualquer teoria ou racional aprofundado que os enquadre. Frequentemente apresentam-se sem objectivos, sem estratgias de mediatizao e de interaco, sem contedos psicolingusticos (fonolgicos, semnticos, sintxicos, etc. ) e sem rotinas piscofuncionais, cognivas e metacognitivas compensativas e/ou corcectivas (ex. : descodificao, codificao, aquisies e subaquisies da leitura: sntese, anlise, compreenso, ideao, etc. ), bem como sem estratgias de interveno inovadoras, direccionadas para indicadores especficos de processamento de informao, sem reforos sociais, sem tcnicas de comportamento, e sem enfoque directo noutras variveis significativas da aprendizagem.

As DA no existem no vcuo, pois so dependentes das exigncias particulares das tarefas de aprendizagem, e so, naturalmente, baseadas num contexto:

A testagem de mtodos reeducativos ainda inexistente, assim como a investigao interventiva, pelos menos em termos de literatura publicada, e dever ser estimulada com a finalidade de aperfeioar e enriquecer os processos e as estratgias de interveno. Muitos profissionais do terreno defendem profusamente as suas metodologias de sucesso, mas a anlise cientfica e comparativa das mesmas desconhecida, pois os hbitos de produo escrita nesta matria so muito escassos. Paralelamente, dever-se-ia tentar aplicar com mais rigor modelos longitudinais para avaliar os

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANLISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

efeitos, prximos e distais (longitudinais), de programas reeducativos ditos Kcompetitivos, comparando grupos de controlo e grupos experimentais, visando fundamentalmente o apuramento da qualidade da interveno no campo das DA.

. A avaliao baseada no cumculo (ABC) ainda muito incipientemente utilizada porque globalmente centrada na escola local e nos juizos sub jectivos dos professores. A avaliao das crianas tende a ser vaga e sem ferncias cientificopedaggicas, sendo o seu desempenho comparado interindividualmente e raramente perspectivado em termos dinmicos e mti tindividuais. A ABC, com a sua ateno centrada nas necessidades tspecficas das crianas e dos jovens com DA, nas suas reas fortes e fi'acas, pode ser, no futuro, uma alternativa vlida capaz de as enfrentar e superar.

Novos desafios para as DA

O sistema de ensino tem de enfrentar uma srie de desafos para ajudar crianas e os jovens com DA; caso contrrio, ser-lhes-o negados os seus itos e oportunidades educacionais. Se os professores especializados em A no se dedicarem aos desafios, as grandes esperanas de pais e pioneiros educao e na pesquisa das DA tero os seus sonhos e esforos desfeitos (Cruickshank 1985). Em termos de pensamento estratgico, perspectivamos os seguintes desaf ios para o campo das DA:

Desafio n. o I

A definio de DA tem de adoptar um constructo historicamente e profissionalmente coerente. De facto, h necessidade de uma taxonomia que seja conceptualmente correcta, teoricamente testvel e pedagogicamente til. A tarefa de investigao no futuro deve vir a determinar sistemicamente a essncia das DA, bem como a identificar todas as caractersticas e variveis que se apresentam ao objecto complexo de estudo que as consubstancia. Precisamos realmente de determinar, pelo menos, o que no uma criana ou jovem com DA, utilizando, assim, um diagnstico por excluso.

A criana ou jovem com DA:

- no aprende normalmente;

- no tem deficincias sensoriais (visuais ou auditivas);

- no tem deficincia mental;

- no tem distrbios emocionais graves;

- no emergiu de um contexto de privao ambiental ou scio-cultural.

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INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSICOPEDAGGlC A

Efectivamente, o processo para identificar as DA tem de decidir se a criana ou o jovem:

- possui uma DA (sistema de referncia);

- possui outras condies (sistema de excluso);

- possui caractersticas especficas (sistema de incluso).

No mesmo quadro de referncia, quatro grandes conceitos de DA emergem superfcie:

1)Tem de haver uma DA especfica e no uma DA geral (os indivduos com DA diferenciam-se dos indivduos com deficincia mentalQI > = 80);

2)Tem de haver uma discrepncia entre capacidades, e no s mera mente de dfices;

3)As discrepncias tm de se situar no processamento de informao (funes de input, elaborao e output); e

4) Os factores de excluso devem ser considerados.

Todos estes parmetros, verdadeiros desafios tericos, requerem uma abordagem mais dinmica na avaliao psicoeducacional. O processo do diagnstico clnico envolve mais do que apenas a obteno de resultados ou quocientes nos testes psicomtricos, onde sabemos, por experincia investigativa, que h muitas interpretaes e aplicaes incorrectas.

Feuerstein, Rand e Hoffman 1979 desmonstraram que, tomando em considerao a avaliao do nvel de competncia cognitiva da criana ou do jovem, a aproximao dinmica deve avaliar a compreenso do processo e o potencial futuro de aprendizagem, contrariando a exclusiva tendncia da avaliao tradicional do produto, algo que, por si s, revolucionar no futuro o conceito de diagnstico em DA.

Desafio n. o 2

Devemos desde j reconhecer que existem dois grupos diferentes de crianas e jovens com DA: as crianas e os jovens com DA e as outras, com problemas de aprendizagem que so ecologicamente determinados, e que no revelam quaisquer disfunes neuropsicolgicas.

As DA tomam-se num estigma e num meio de fornecer servios para estudantes que no conseguem atingir as expectativas educacionais devido a uma enorme quantidade de razes. Entre ns, as DA so ainda um grave problema da escola pblica, uma vez que o sistema segregativo funciona, quer os estudantes sejam quer no identificados, sem contudo se prescrever programas de interveno alternativos especificamente concebidos para as suas necessidades especficas.

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: ANt LISE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

Desafio n. o 3

O Ministrio da Educao deve estimular a investigao epidemiolgica, tcalizando estudos aprofundados de populaes com DA num minimo de 2000 estudantes, para desse modo caracterizar e conhecer o nmero aproxi: mado de crianas e jovens com DA que frequentam as escolas portuguesas. A falta de teorizao resulta essencialmente da pobreza de pesquisas quantitativas rigorosas, da inexistente produo de estudos de casos (single-subject studies), e tambm da carncia de investigaes qualitativas. A muitos estudos sobre DA falta perspectiva e robustez cientfica, pois so quase sempre fragmentados e incoerentes (Keogh 1986). A investigao educacional necessita cruzar e integrar os limites de vrios campos cientficos (psicologia, : neuropsicologia, linguagem, pedagogia, sociologia, etc. ), isto , pr em pr ' tica um contexto interdisciplinar de investigao muito maior e muito mais diversificado.

Desafio n. o 4

Encorajar estudos longitudinais sobre a eficcia de uma ou mais metodologias (re)educacionais recomendadas para crianas e jovens com DA. Subsiste a necessidade para uma pesquisa de interveno com programas bem implemen tados (ex. : interveno ecolgica; estratgias de inovao; estratgias de enriquecimento cognitivo; desenvolvimento de pr- requisitos; etc. ). Continua-se a organizar e a dirigir a reeducao e a teraputica das crianas e dos jovens com DA sem conhecer, contudo, se os efeitos obtidos so eficazes e significativos (Kirk 1987), e se os procedimentos so pedagogicamente exequveis.

Desafio n. o 5

Todos os professores de crianas e jovens com DA devem adoptar uma abordagem neuroeducacional para compreenderem a complexidade dos pro blemas de aprendizagem.

Muitos casos de DA esto relacionados com subjacentes disfunes do sistema nervoso central, o que traduziu a viso de vrios pioneiros do terreno, como Stcauss, Lehtinen, Kephart, Cruickshank, etc. , e a noo mais actual de disfuno psiconeurolgica de Myklebust 1968, 1978, da qual emergem dfices no processamento de informao (Feuerstein, Rand e Hoffman 1979; Fonseca e Santos 1991) e no comportamento adaptativo, cujos indicadores no sto evidentes nos QIs. A queda de rendimento tende a ilustrar algumas relaes entne as funes neuronais e as cognitivas; umas tratam das componentcs estruturais e outras das componentes funcionais, sem as quais nenhuma aprendizagem ou tarefa simblica pode ser realizada favoravelmente.

Para alm destes dados indispensveis, surge a necessidade de conhecer como as crianas e os jovens com DA interagem com os professores e com

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

as exigncias das tarefas e do curriculo (Deno 1985; Mercer 1990), de modo a percepcionar-se a totalidade do processo de ensino-aprendizagem e a dialctica entre factores extrnsecos e intrnsecos das dificuldades nas habilidades crticas necessrias para a leitura, a escrita e o clculo, bem assim como na pesquisa de avaliao, na metodologia de interveno reabilitativa e na teoria de investigao.

Desafio n. o 6

Todo o director ou gestor pedaggico com funes de coordenao de recursos, todo o pessoal docente do ensino bsico e secundrio com funes de apoio e de compensao deveria frequentar, pelo menos, um curso introdutrio em DA. Muitos responsveis administrativos, que habitualmente esto em posio de tomar decises educacionais referentes ao curriculo, ao encaminhamento e colocao de estudantes no dimensionam a comple xidade das DA, no tiveram treino nem orientao para este problema educacional de crescente relevncia e, por vezes, negam mesmo o facto da existncia de DA. Dada a inexistncia de uma hierarquia profissional no campo das DA, muitos dos problemas so adiados e protelados por razes extrapedaggicas.

Desafio n. o 7

Todos os professores de qualquer nvel de ensino devem reflectir seria mente no facto de muitas crianas e muitos jovens com DA evidenciarem sinais psicomotores perceptivos e comportamentais disfuncionais que os impedem de ser colocados em salas de aula regulares sem um apoio pedaggico especfico.

Muitas das caractersticas reveladas por crianas e jovens com DA indi cam que elas no conseguem mudar facilmente, nas salas de aula regulares, do insucesso para o sucesso, mesmo com suportes e apoios pedaggicos. Para conhecer a heterogeneidade das necessidades dos estudantes com DA, h necessidade de um diagnstico multidisciplinar coerente com as exigncias de contedo e de estrutura das tarefas de ensino.

Desafio n. " 8

, A produo de materiais didcticos de ensino e de aprendizagem supos tamente benftcos para as crianas e os jovens com DA deve ser testada e aperfeioada. Caros, muitas vezes sem nenhuma orientao pedaggica em relao aos dfices cognitivos e aos processos motivacionais e de aprendizagem, alguns materiais didcticos prestam um mau servio aos professores e aos estudantes, e muitos deles no so baseados em qualquer tipo de investigao.

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DlFICULDADES DE APREN Dl7 AGEM: AN LlSE COMEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

Desa, o n. o 9

:e;: Todo o envolvimento educacional necessita de qualidade (melhores salas e aula e de apoio, melhor apoio familia, programas de enriquecimento insntal, etc. ). Qualidade e excelncia so necessrias no s nas salas de normais, mas, por vrias razes, nas salas de aula de apoio especial, nas de recursos, nas clnicas de apoio familiar, nos centros de diagnsco, equipas de investigao, etc.

Desafio n. o 10

:, t Finalmente, h necessidade de editar uma revista que seja benfica para la prticos de educao e para as crianas e os jovens com DA a quem tm I at, ender.

, ; :-. Q tores do futuro devem produzir ensaios que possam servir de basedc referncia a quem intervm nas DA, e fornecer programas realistas e quecidos nas componentes de aprendizagem. A dimenso criativa de ' tos professores deve ser cada vez mais disseminada, mas para tal tameles tero de escrever mais sobre a sua experincia transcendente.

r; Os vectores da futura investigao, sublinhados nestes 10 desafios que ntmos, fornecem uma pesada agenda de trabalho e de reflexo para

tns investigadores, professores, administradores e gestores de educao. mos votos de que eles se tomen realidade para bem do futuro de muitos vens e crianas com DA.

da definio da criana com difculdades de aprendizagem

A controvrsia sobre a definio da criana com dificuldades de aprenigem (DA) no um problema recente. O caos semnco em torno desta blemtica afecta a tomada de decises sobre a reforma do sistema de ioo, e, em ltima anlise, o futuro de seres humanos, e compromete, obvi nte, o desenvolvimento total de uma sociedade.

A negligncia que se tem do sobre esta matria confrangedora, e no do d corpo perspecva passiva e pessimista que se tem instalado scamente no seio do sistema de ensino, onde tardam as solues inte Algures (Fonseca 1988), j equacionmos a intercepo dos conceitos de e de insucesso escolar (IE), que, mbora no sendo mutuamente exclu s, inte 'am. e incluem paradigmas e enunciados de valor que convm

As consequncias das DA e do IE so conhecidas quer em termos sociais, rer em termos individuais. As implicaes aos nveis familiar e escolar so

tes. A severidade psicoeducacional do problema no est equaionada ticamente, nem se conhece, escolar e clinicamente, os seus contomos.

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lNSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGICA

A repercusso longitudinal deste problema ao nvel dos perodos crticos de desenvolvimento no est minimamente equacionada. As respostas da escola e dos seus agentes tm certamente de ser enriquecidas sobre todos os pontos de vista.

Dentro deste contexto, teremos de reflectir sobre o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, sobre as verdadeiras caractersticas da criana, i. e. , do aluno, e sobre as verdadeiras caractersticas do professor (mediatizador).

I A criana, o objecto de estudo mais complexo que se conhece, traz para a escola ardim de infncia, pr-primria, l. o ciclo, 2 ciclo) um conjunto de: atitudes e valores sobre o envolvimento; competncias e pr-requisitos de aprendizagem, processamento (visual, auditivo, tactiloquinestsico, etc. ), elaborao e comunicao de informao e conhecimentos e estratgias de aprendizagem que requerem um diagnstico psicoeducacional equacionado em reas fortes e fracas que possam perspectivar o seu potencial dinmico, e no esttico, de aprendizagem, pressupondo o seu nvel de desenvolvimento potencial (Vygotsky 1979 e Feuerstein 1986, 1987 e 1989).

O professor (mediatizador) traz tambm: conhecimentos pedaggicocientficos, atitudes e valores, crenas, estratgias, etc. O professor, hoje, um verdadeiro engenheiro educacional (Vaughn 1987) ou um neuroeducador" (Cruickshank 1981), gere e estrutura o envolvimento educacional de forma a promover as capacidades de aprendizagem dos alunos, provocando, reforando e optimizando os seus potenciais de adaptabilidade e sociabilidade.

i O professor converte, portanto, os conhecimentos e as aquisies em termos sistmicos e explcitos (cincia do ensino), pragmatizando as teorias de comportamento e de aprendizagem humanas base de estratgias de insI

truo e de interaco que visam, essencialmente, modificar e maximizar as i i suas capacidades de aprender a aprender a reaprender.

i A aprendizagem, encarada aqui como um processo dinmico, onde o ' aluno joga um papel activo, em constante interaco com o envolvimento e I com o grupo da turma onde est integrado, muda as suas noes, os seus 'i, ideais, atitudes e aquisies, mas tambm deve mudar as condies do envoli

;i vimento onde ela tem lugar.

'! A aprendizagemn no pode ser vista como mera acumulao de conheci mentos ou aquisies, mas como uma construo activa e uma transformao

das ideias, uma modificabilidade cognitiva estrutural, um processamento de , informao mais diversificado, transcendente e plstico, consubstanciando a funo de facilitao e de mediatizao intencional do professor (Fonseca e

Santos 1991, 1992).

A definio da criana e dojovem com DA exige, consequentemente, que todos estes componentes sejam sistematicamente considerados, e s nas suas observncia e abrangncia se pode abord-la. E dentro destes pressupostos tericos que passaremos sua discusso.

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AN LlSE CONTEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

A abordagem da defmio da criana e do jovem com DA deve considerar, portanto, os seguintes parmetros:

a) Adequada oportunidade de aprendizagem;

b)discrepncia entre o potencial de aprendizagem e os resultados escolares;

c) Disfunes no processo de informao;

d) Factores de excluso.

Adequada oportunidade de aprendizagem

Quando se aborda a vastido deste enunciado, temos de considerar mltiplos factores, nomeadamente: caractersticas do envolvimento, oportunidades em termos qualitativos e quantitativos, exposio e interaco lingustica (conceitos, vocabulrio, estrutura fraseolgica, etc. ), estimulao simblica (letras e nmeros), explicao do envolvimento, experincias mediatizadas de aprendizagem antes da entrada para a escola, privao sociocultural, etc. , etc.

Consequentemente, falar de adequada oportunidade de aprendizagem pe em jogo uma avaliao ecolgica total, ou seja, uma avaliao da criana, uma avaliao do envolvimento (micro-meso-exo e macro-ecossistemas de Brofenbrenner 1977) e uma avaliao das interaces dialcticas que materializam as relaes indivduo-mio.

A noo de DA pode emergir como resultado do processo de desenvolvimento que ocorre num determinado envolvimento, pode ser portanto a nepercusso da falta ou da carncia de oportunidades, algo diferente da noo de desordens de aprendizagem, que equivalem a problemas mais severos eomo as incapacidades de aprendizagem. consensual que estas noes, pertencentes ao campo defectolgico e ao ensino especial, transcendem os problemas na sala de aula regular.

Nas desordens ou incapacidades de aprendizagem a identificao de disfunes elinicamente bvia, pois subsistem anomalias neurolgicas expressivas ou leses cerebrais facilmente diagnosticadas pelos processos mais correntes (ex. : EEG, TAC, RM, etc. ).

Ao contrrio, as DA, em que no surgem sinais disfuncionais severos ou complexos, evidenciam apenas sinais disfuncionais ligeiros com implicaes exgenas mais do que endgenas, embora estas possam ser detectadas como ligeiras ou mnimas (Werner e Strauss 1940, Quiros e Schrager 1978).

As crianas com DA com intervenes pedaggicas adequadas, necessariamente enriquecidas em termos do processo de ensino-aprendizagem nos seus mltiplos subsistemas componenciais, adquirem informao e desbloqueiam as suas dificuldades, e podem mesmo modificar cognitivamente todo o seu potencial dinmico de aprendizagem (Feuerstein 1986, Debray 1989,

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INSUCESSO ESCOLAR - ABORDAGEM PSICOPEDAGGlCA

Haywood 1982, Fonseca e Santos 1992), onde podem caber as crianas normalmente com IE (histria de repetncias e privao sociocultural) e as crianas com DA supercompensadas.

As crianas com desordens ou disfunes cerebrais mnimas apresentam disfunes (handicaps) que requerem processos diferentes e estratgias instrumentais especiais e de alternativa. Aqui, as dif iculdades so o reflexo de uma leso cerebral (brain damage), e repercutem-se noutros processos comportamentais muito para alm da aprendizagem.

Feita a necessria fronteira conceptual entre desordens e dificuldades, as combinaes disfuncionais que as consubstanciam so mltiplas, pois subsistem constelaes de dificuldades; umas psicomotoras, outras comportamentais ou emocionais e de autoconceito, bem como de captao e de reteno neurossensoriai, com repercusso nas dificuldades cognitivas e metacognitivas, onde podem caber mesmo crianas ou jovens com ou sem DA, com ou sem IE.

: Figura 39 - Tipos de DA - Combinaes disfuncionais

Estudos avanados por Vaughn e Bos 1988, mostram que os sistemas de ensino apresentam, por aproximao, a seguinte distribuio da populao escolar:

-As crian as com DA respeitariam a mais ou menos 25% da populao escolar;

-As crianas com desordens (disfunes cerebrais mnimas) representariam cerca de 5%;

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: AN LlSE COMEXTUAL E NOVOS DESAFIOS

- As crianas com IE seriam 25% (com histria de repetncias numa ou mais disciplinas cumculares);

! -- As crianas com necessidades educacionais especificas (caracteriza. das com deficincias) 20%;

-As crianas KnormaisH, isto , sem histria de IE, representariam cerca de 25%.

Etn sntese, ter problemas de aprendizagem no sinnimo de ter DA, coloca em realce os limites da definio das DA.

Num recente estudo de Hammill 1990, onde foram comparadas as defires propostas por relevantes individualidades e instuies (Kirk 1962, ueman 1965, Wepman 1975, Comit Consultivo Nacionai das Crianasficientes - Nachc 1968, Instuto de Estudos Avanados de DA da iiversidade de Northwestern 1969, Departamento de Educao dos tados Unidos da Amrica do Norte - USOE 1977, Conselho da Criana xional - CEC, Associao Americana de DA - LDA. 1986, Comit

iaes em DA - ICLD 1987, Comit Nacional Integrado de DA CLD, 1988) foi possvel destacar os seguintes elementos conceptuais:

-Baixo aproveitamento escolar (leitura, ditado, clculo no ensino primrio, ou em disciplinas nucleares no ensino secundrio, reforando dificuldades especficas em algumas matrias particulares, mas em todas as reas, da emergindo as famigeradas discrepncias intracognitivas ou os udesequilirios de desenvolvimento diferenas intraindividuais etc. );

-Etiologia disjuncional do sistema nervoso central - SNC (muitas definies inclinam-se para apontar a causa das DA como o resultado de um problema no SNC):

-Envolvimento do processamento de informao (as DA concebidas como uma ruptura dos processos psico:gicos superiores que se projectam em disfunes de processamento de informao);

-Perpetuao das DA ao longo da vida (as DA podem manifestar-se em qualquer idade, e no apenas durante a idade escolar);

-Especificao de problemas de linguagem falada como indutores de DA (envolvendo problemas de recepo, integrao, elaborao e expresso);

-Especificao de problemas escolares (envolvendo os processos de raciocnio, de campo mental, de educao de relaes, de comportamento sumavo, de prosseguimento da evidncia lgica, de pensamento hipotco e inferencial, etc. );

-Especificao de outras condi es (envolvendo aquisies sociais, dificuldades inte_raccionais, baixo nvel frustracional, desmovao, comportamentos disputativos, hiperacvidade e impulsividade, desorientao espacial, perfil psicomotor disprxico, etc. - Fonseca 1984);

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INSUCESSO ESCOL4R - ABORDAGEM PSlCOPEDAGGICA

-Repercusso multidisfi ncional das DA (coexistncia de outros pro blemas, igualmente emergentes das condies defectolgicas: deflcincias sensoriais, mentais, motoras, emocionais, etc. ), que nos remetem para a distino de DA primrias e secundrias j equacionadas por Quiros e Schrager 1978.

Destes nove elementos nem todos apresentam semelhana conceptual ou concordncia total dos seus defmidores; porm, todos convergem para a noo consensual de que as DA evidenciam desordens bsicas no processo de aprendizagem que impedem muitas crianas e muitos jovens de atingir um rendimento escolar satisfatrio.

Discrepncia entre o potencial de aprendizagem e o rendimento escolar

A criana ou o jovem com DA apresenta discrepncias entre a capacidade ou a habilidade mental e o desempenho, reflectidas em resultados escolares insatisfatrios.

Enquanto a capacidade tem sido testada pelo QI (ex. : WISC-R, Weschler Intelligence Scale for Children Revised; Standford-Binet; Kauffman-ABC; Achievement Batteryfor Children; etc. ), o desempenho tem sido avaliado por testes estandardizados de leitura, de ditado, e de matemtica (ex. : Peabody, Woodccock- Jonhson, etc. ) onde se detecta diferenas significativas entre o potencial (consensualmente defmido com um QI > ou = 80) e o aproveitamento escolar, que apuram consistentemente resultados abaixo das expectativas.

Efectivamente, as DA surgem distintas da deficincia mental (princi