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Filosofia Sampaio Ges

Filosofia Sampaio Ges IBCCINSTITUTO BRASILEIRO DE CONTROLE DO CNCER

35 ANOS

FATIMA CAPUCCI E TATIANA GONALESEDITORA ACTIVA COMUNICAO C E N T R O D E E S T U D O S P R O F . D R . J O O S A M P A I O G E S J R.

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Coordenao editorial e pesquisa: ACTIVA C OMUNICAO Projeto editorial: T EREZA G ARCIA Redao: FATIMA C APUCCIE

TATIANA G ONALES

Edio literria: T EREZA G ARCIA Fotografia: J ULIO V ILELA Fotografias complementares: A RQUIVO FAMLIA S AMPAIO G ES (22,23,28,31,53 59 E 63) A RQUIVO FAMLIA M RIO M ACHADO DE L EMOS (59) A RQUIVO H OSPITAL S O C AMILO (39 E 59) A RQUIVO IBCC (43,45,47,49,50,71,73 E 77) A RQUIVO R EVISTA M ANCHETE , B LOCH E DITORES (33) Fotos O Cncer de Mama no Alvo da Moda: ( FALTA ) Reviso: J ANICE Y UNES Equipe de Produo: C ARINA B ALADI , C IBELE M ARTINS , C LUDIA S , F ERNANDO DE M ORAES , R ENATA T UTUMI , T HAS M URBACH Apoio s pesquisas mdicas e estatsticas: JOO GUIDUGLI NETO E JOS LUS BARBOSA BEVILACQUAApoio Cultural: TSA E VENTOS

Este livro dedicado ao professor doutor Joo Sampaio Ges Jr., por sua contribuio para o controle do cncer no Brasil, e s mulheres vtimas dessa doena em nosso pas

Ficha cadastral

Todos os direitos desta edio foram cedidos pela Activa Comunicao ao Centro de Estudos Prof. Dr. Joo Sampaio Ges Jr. A publicao parcial ou integral do contedo desta publicao dever ser efetuada com autorizao prvia e por escrito das autoras do livro e do Centro de Estudos do IBCC. Centro de Estudos Prof. Dr. Joo Sampaio Ges Jr. Av. Alcantara Machado, 2576 - Mooca - So Paulo - SP www.ibcc.org.br - [email protected] Activa Consultoria de Comunicao Empresarial S/C Ltda. Rua Cardeal Arcoverde, 1745, Bl. A conj. 113 Pinheiros - 05407-002 So Paulo, SP [email protected] www.activacomunicacao.com.br

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screver o prefcio da biografia que narra a vida e a obra do ilustre prof. dr. Joo Sampaio Ges Jr. representou, para mim, mais do que um dever, uma grande alegria e um preito de gratido. Alegria, porque sempre me encantei com a jovialidade, o dinamismo e a liderana do professor Sampaio Ges, com quem trabalhei desde o incio da minha vida profissional. Esta biografia no servir apenas como justa homenagem a um expoente da Medicina que engrandeceu enormemente nosso pas, mas proporcionar um modelo a ser seguido pelos profissionais que respondem por instituies ou desenvolvem suas atividades na rea da sade. Travei meus primeiros contatos com o professor Sampaio Ges quando assumi a administrao do Hospital e Maternidade So Camilo da Pompia, em So Paulo, em 1961. Ele internava seus pacientes neste hospital. Ao inaugurar uma nova ala a que hoje abriga o Pronto-Socorro Infantil , cedi as salas do andar trreo para que ele desenvolvesse ali, junto com um grupo de mdicos, sua atividade de preveno do cncer. Foi a partir da que o professor Sampaio Ges pde mostrar os esplendorosos predicados de que era portador e que podemos resumir em cinco princpios. Liderana Alm de desenvolver suas atividades dentro da sua especializao, o professor Sampaio Ges formou um grupo de profissionais que, com seu trabalho, beneficiaria no apenas a comunidade como um todo, mas, sobretudo, a rea mais carente, no campo da preveno e do tratamento do cncer. Constituiu e liderou, com a mais absoluta maestria, um grupo-tarefa que superou, de forma expressiva, os limites de um consultrio mdico ou de uma clnica, colocando disposio da populao e dos profissionais uma verdadeira instituio.

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Empreendedorismo Ao criar o Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC), o professor Sampaio Ges abriu os horizontes de uma nova atividade para todo o Pas e para o mundo. Uma instituio como o IBCC tem muito mais e melhores condies de multiplicar os benefcios de uma atividade profissional, especialmente na rea da sade. Constituda em pessoa jurdica e formada por um grupo expressivo de profissionais, a entidade tem plenas condies de aglutinar foras e firmar alianas com o Poder Pblico e as instituies privadas para colocar em prtica, de forma cabal, seus nobres ideais. Preceptoria Uma das grandes ddivas do IBCC foi encontrar em seu idealizador um mestre que ensinasse atravs da palavra e do exemplo. Foi o que fez o professor Sampaio Ges com muito esmero e correo. Podemos contar, aos milhares, os profissionais espalhados pelo Pas que receberam dele a formao necessria para manter vivo o ideal da luta pela preveno e tratamento do cncer. Estratgia A grande ambio que o professor Sampaio Ges sempre acalentou foi que houvesse em nosso pas uma campanha orquestrada na luta ampla, irrestrita e universal pela preveno e tratamento do cncer. Conseguiu o que perseguia e, nisso, foi um autntico divisor de guas, notadamente na preveno. O IBCC cristalizou esse ideal. Poderamos citar, ainda, as numerosas campanhas de esclarecimento, que levou a efeito as inmeras publicaes que divulgou, os incontveis cursos que ministrou e os seguidos seminrios que realizou. Nunca se furtou de marcar presena em qualquer lugar do Brasil para onde fosse convidado a fazer a sua apaixonada exposio sobre a imprescindvel necessidade de prevenir e tratar o cncer. Levava consigo um arsenal de dados para comprovar os benefcios que estava conseguindo com sua atividade e instituio. Estadista Quando ocupou o cargo de diretor da Diviso Nacional do Cncer, do Ministrio da Sade, o professor Sampaio Ges mostrou que tambm nisso era um grande expert. Envolveu desde o presidente da Repblica at os ministros da Sade e da Fazenda para a deflagrao de

uma verdadeira guerra em favor da preveno e do tratamento do cncer. Conseguiu implantar um programa que equipou e/ou reequipou os institutos de cncer existentes no Brasil e propiciou o surgimento de outros. Para consolidar essa prerrogativa, fazemos nossas as idias expressas pelo genial Ruy Barbosa no tema A Couve e o Carvalho e que se aplicam com toda a propriedade ao professor Sampaio Ges: Enquanto Deus nos d um resto de alento, no h que desesperar da sorte do bem. A injustia pode irritar-se; porque precria. A verdade no se impacienta; porque eterna. Quando praticamos uma ao boa, no sabemos se para hoje ou para quando. O caso que frutos podem ser tardios, mas so certos. Uns plantam a semente da couve para o prato de amanh, outros a semente do carvalho para o abrigo do futuro. Aqueles cavam para si mesmos. Estes lavram para seu pas, para a felicidade dos seus descendentes, para o benefcio do gnero humano.NIVERSINDO ANTONIO CHERUBINsuperintendente Instituto Brasileiro de Controle do Cncer

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embro-me de Joo Sampaio Ges Jr. no incio da dcada de 70, quando fui convidado a participar, juntamente com Charles Edward Corbertt, lvaro de Almeida Magalhes e Antonio Carlos Campos Junqueira, do Centro de Oncologia (Ceon) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), tanto de sua engenhosidade quanto de seu esprito empreendedor. Das reunies do Ceon surgiu a idia de montar na FMUSP um laboratrio de Oncologia Experimental que, durante a diretoria de Paulo de Almeida Toledo, se tornou realidade. Daquela data em diante tive o privilgio de gozar da amizade de Ges e assistir a implantao de muitas das iniciativas pioneiras e bem-sucedidas que esto, inclusive, muito bem retratadas neste livro. Parafraseando Maquiavel, nada mais difcil e perigoso do que desafiar o que est estabelecido e pude observar como a inveja e a pequenez de muitos contriburam com vrias tentativas para destruir a sua obra. Felizmente, apesar de percalos naturais, a fora de suas idias prevaleceu, e tanto a Fundao Oncocentro quanto o Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC), sua obra mxima, sobreviveram e perduram at hoje, desempenhando marcante papel na moderna luta contra o cncer. Este ltimo, agora sob a direo tcnico-cientfica segura de Joo Carlos Sampaio Ges, de quem tive o privilgio de ser orientador no seu doutorado, hoje uma instituio modelar, participando, juntamente com o Hospital do Cncer, de inmeros projetos que, indiscutivelmente, tero grande repercusso na nossa luta contra o cncer.RICARDO BRENTANI Presidente do Hospital do Cncer A.C. Camargo e diretor do Instituto Ludwig de pesquisas

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esde o incio, o IBCC faz parte da minha vida. Por ocasio de sua fundao, eu ainda estudante e sombra de meu pai, tive a oportunidade de compartilhar seus pensamentos e objetivos. Aprendi, nesta poca, a necessidade crist de dar parte de nossa produo para o benefcio do prximo ou da comunidade que nos cerca. O lema que moveu meu pai, Joo Sampaio Ges Jnior, a fundar o Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC) foi Levar a Preveno e o Tratamento do Cncer ao Alcance de Todos. Para tal objetivo, criou sistemtica assistencial, que, atravs da estrutura crescente do inicialmente Instituto Brasileiro de Pesquisa em Obstetrcia e Ginecologia (Ibepog) e posteriormente IBCC, se tornou, ento, modelo para o Brasil, o qual foi oficializado no Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC), em 1973, pelo Ministrio da Sade, como tambm modelo para pases em desenvolvimento, sendo referendado pela Organizao Panamericana da Sade (Opas) em publicao de 1978. Esses princpios, ento estabelecidos, so obedecidos at hoje. Nessa poca, j mdico, participei da sua luta como discpulo e, conseqentemente, nos tornamos compa-nheiros e confidentes em uma relao entre pai e filho de dimenso ilimitada, onde respeito, afeio, dedicao, admirao e amor sempre estiveram presentes. Na reformulao estatutria, em 1970, nominamos o Instituto Brasileiro de Controle do Cncer, onde o termo Controle foi introduzido com a filosofia de no apenas combater o cncer, mas sim de control-lo em sua dimenso epidemiolgica. O logotipo do IBCC foi, ento, por mim criado, representando seus objetivos estatutrios, que so os instrumentos

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da filosofia de controle do cncer. As suas quatro setas convergentes representam a Preveno, o Tratamento, o Ensino e a Pesquisa. Desta forma, pudemos atuar de maneira profcua: Realizamos o maior programa de preveno de cncer do colo uterino e de mama j efetuado por uma instituio, com mais de dois milhes de atendimentos. Nossa estrutura hospitalar realiza hoje 40 mil procedimentos mdicos mensais, utilizando os mais modernos equipamentos e tcnicas de cancerologia atual. O Centro de Estudos coordena o ensino, realizando cursos terico-prticos de especializao em vrias reas da Oncologia por onde j passaram 1850 mdicos, hoje especialistas. Organizamos grandes campanhas de informao e conscientizao popular em relao ao cncer da mulher, contando com forte apoio da mdia, exemplificado pela srie de Corridas e Caminhadas Contra o Cncer de Mama, organizadas em parceria com a Rede Globo. Pesquisas relevantes, como o trabalho indito que determinou o Papilomavirus Humano (HPV) como agente causador do cncer do colo uterino (1982) e os atuais testes clnicos da vacina contra esse mesmo vrus, colocam o IBCC na vanguarda mundial do combate ao cncer do colo uterino. A introduo da mamografia no Brasil (1971) e as tcnicas de cirurgia mamria de abordagem areolar, que so hoje a base dos novos conceitos da cirurgia das mamas, so contribuies nossas que modificaram significativamente a qualidade de vida da mulher que venceu o cncer de mama. O IBCC, atravs do Centro de Estudos, realiza anualmente 15 novas pesquisas, muitas em conjunto com laboratrios e outras instituies afins. Durante esses 35 anos, o IBCC passou por muitos desafios, mas obteve inmeros xitos. curioso hoje constatar como foi em seu perodo inicial, difcil desenvolver essa obra filantrpica, mesmo visando, fundamentalmente, a assistncia do canceroso carente. Experimentamos adversidades de ordens poltica, financeira, inveja e indiferena.

Hoje, entretanto, nos traz uma grande satisfao registrar que contamos com um cenrio oposto, onde a colaborao, o envolvimento e a conscincia social esto presentes em nossa sociedade e so co-responsveis pelas conquistas obtidas. O Brasil est mudando para melhor. Em funo da evoluo e da crescente complexidade do IBCC, em 1988, procuramos a Provncia Camiliana Brasileira, que, por meio do padre Niversindo Cherubin, estendeu a sua profcua mo. Essa composio trouxe grande segurana administrativa, colocando, atualmente, o IBCC ao lado da pujante rede dos hospitais da Sociedade Beneficente So Camilo. Nosso objetivo de desenvolvimento baseado em criar estrutura que permita beneficiar-se de um equilbrio inteligente de recursos provenientes de trs fontes que se complementam: Atendimento filantrpico amplo, atravs do Sistema nico de Sade (SUS), parcialmente subsidiado pelo prprio IBCC. Sistema privado, que compreende: seguros, convnios e pesquisas patrocinadas. Suporte do terceiro setor, mediante doaes e recursos gerados pelas campanhas desenvolvidas, onde se destaca, pela grande projeo e envolvimento com o IBCC, a campanha O Cncer de Mama no Alvo da Moda, licenciada pela Council of Fashion Designers of Amrica (CFDA). O referido equilbrio permite-nos manter e crescer de forma moderna e sustentada, sem desviarmos de nossos objetivos ideolgicos. Santa Clara, que ao abdicar uma vida nobre e optar pelo idealismo religioso, apontou que pelo caminho no perca de vista seu ponto de partida. Da mesma forma, o IBCC caminha para o futuro, porm sem perder os objetivos de seu fundador.

J O O C A R L O S S A M PA I O G E Sscio-instituidor e diretor tcnico-cientfico do IBCC

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SumrioP A R T E 1 Filosofia Sampaio Ges A Filosofia Sampaio Ges Em Busca da Cincia O Mdico A Semente O Comeo do IBCC Solidificao das Razes Curso de Citotecnologia Primeiro Mamgrafo Programa Nacional de Controle do Cncer Programa Estadual de Preveno e Controle do Cncer Fundao Centro de Pesquisa em Oncologia A Sade nas Estradas Um Passo a Mais para a Cura... da Alma Resultados Pa r t e 2 IBCC: O Sonho Realizado Sonho Realizado O Modelo Vivel A Crise So Camilo: a estabilidade administrativa O Cncer de Mama no Alvo da Moda A Morte do Professor Ampliao e Novos Equipamentos A Evoluo no Atendimento Humanizado De Mos Dadas com a Cincia A Filosofia Sampaio Ges Continua...Bastidores Relao de Entrevistados Agradecimentos Referncias Bibliogrficas Diretoria

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Filosofia Sampaio GesEle era um visionrio, pois enxergava muitos anos frente de seu tempoPERFIL DO PROFESSOR NA OPINIO DOS ENTREVISTADOS

iso. Isso realmente no faltava para o prof. dr. Joo Sampaio Ges Jnior. Ele via alm de seu tempo, como declararam seus amigos e companheiros, mas, sobretudo, demonstrava uma grande preocupao social e enxergava com o corao. Para o mdico acostumado a receber as mais abastadas clientes da sociedade paulistana em seu consultrio da Avenida Brasil, regio nobre da Capital, no era suficiente ser um dos mais conceituados mastologistas, ginecologistas e obstetras de So Paulo, nem ser reconhecido em todo o Brasil e no exterior, especialmente nos Estados Unidos. Ele queria muito mais do que isso. O consultrio era importante, mas era necessrio salvar vidas, muitas vidas. Ele precisava lutar contra o cncer, principalmente os da mulher, j que para Sampaio Ges, a me era insubstituvel e merecia todos os esforos no combate a essa doena, at ento quase sempre fatal. Mas a misso era muito abrangente, pois teria de romper as barreiras geogrficas, sociais, financeiras, polticas e culturais do Pas para poder levar a sade ao alcance de todos e sem distino, como sempre sonhou. O professor Sampaio Ges retrata fielmente o perfil de um homem que nasceu predestinado a fazer o bem ou, como disse um de seus amigos, Humberto Torloni: Ele tinha a luz que orienta apenas os pioneiros e visionrios. A gente que normal nasce com uma luzinha, mas ele tinha uma estrela.

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O formando Joo Sampaio Ges Jr. em 1946

J reconhecido e respeitado, Sampaio Ges era constantemente convidado a participar de eventos mdicos

Estrela que certamente iluminou o seu caminho quando foi estudar Mastologia e Anatomia Patolgica e trabalhar nos Estados Unidos, aps ter se formado em Medicina pela Universidade de So Paulo (USP). Mesmo tendo sido convidado pelos hospitais norte-americanos para que continuasse clinicando nos Estados Unidos, depois de quase trs anos ele decidiu voltar para o Brasil e para sua vocao: disseminar a preveno e o tratamento oncolgico no Pas. Ele tambm precisava estar aqui para se realizar como mdico e ser humano, pois sua viso do futuro estava embasada em determinao, competncia, profissionalismo e vontade de ajudar ao prximo. Nos dias atuais, ele provavelmente seria classificado como voluntrio na luta contra o

cncer, fazendo parte do quadro de pessoas despojadas que se dedicam ao prximo sem cobrar reconhecimento. Com essa inclinao, natural que ele tenha sido pioneiro e responsvel pela virada de pgina na histria da preveno e do tratamento do cncer no Brasil, especialmente os da mulher. Segundo seu filho, Joo Carlos Sampaio Ges, ele fez muito mais do que isso, pois escreveu o prefcio, o livro e as concluses, alm de ter servido como referncia bibliogrfica para o controle do cncer em nosso pas. Sua histria confirma isso. Em 1967, o professor inaugurou o Instituto So Camilo de Preveno e Tratamento do Cncer Ginecolgico, no bairro da Pompia, em So Paulo. Esse foi o incio efetivo da era Sampaio Ges, na qual o cncer seria

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prevenido, combatido e, muitas vezes, vencido. Ainda na dcada de 60, especificamente no ano de 1968, ele fundou o Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Obstetrcia e Ginecologia (Ibepog), que seria a origem de sua principal obra: o Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC). No ano seguinte, em 1969, Sampaio Ges iniciou um grande trabalho de preveno do cncer do colo uterino na cidade de So Caetano do Sul, na regio do ABC paulista, que serviu de base para todos os demais trabalhos desenvolvidos por ele no apenas no Estado de So Paulo, mas em todo o Brasil. A cidade de So Caetano foi mapeada e em trs anos mais de 50 mil mulheres consultadas. Um verdadeiro laboratrio humano. A sua viso de sade pblica e a vontade de mudar a realidade oncolgica no Brasil foram fatores determinantes para a realizao de suas obras. Tanto verdade que, na dcada de 70, o professor realizou o mais arrojado de seus feitos. Ao assumir o cargo de diretor da Diviso Nacional do Cncer (DNC), rgo ligado ao Ministrio da Sade, ele criou e implantou o Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC), um projeto revolucionrio que permanece atual e cujo modelo serve de base para aqueles que atuam no trabalho em prol da preveno e do tratamento da doena. Com o PNCC, ele equipou os hospitais oncolgicos de todo o Pas e foi premiado em vrias partes do mundo. Ainda na dcada de 70, ele criou a Fundao Centro de Pesquisa em Oncologia (FCPO), realizando importantes projetos em beneficio da populao. Um deles foi a implantao das unidades mveis, que levava mdicas e enfermeiras para viajar pelo Estado de So Paulo a bordo de trens e nibus adaptados em consultrios, realizando o maior nmero de exames ginecolgicos, mama, boca e pele possveis, para que fossem diagnosticados os casos suspeitos e tratados quando necessrio. Foram quilmetros e quilmetros rodados, milhares de exames realizados e muitas vidas poupadas. Esses projetos fizeram parte do Programa Estadual de Controle do Cncer, a verso paulista do PNCC. Em toda essa trajetria, importante citar um nome decisivo nas conquistas do professor: o mdico Mrio

Machado de Lemos, que exerceu os cargos de secretrio da Sade do Estado de So Paulo e ministro da Sade, oferecendo grande apoio aos seus projetos. Eles foram parceiros, amigos e responsveis por significativas obras. No plano familiar, Sampaio Ges foi mais uma vez bem-sucedido. Seu filho, Joo Carlos Sampaio Ges, a garantia da continuidade de seus ideais no IBCC. Alm disso, Joo Carlos mastologista e cirurgio plstico tambm seguiu os passos do pai e se destaca no mundo cientfico e no pioneirismo. Juntos, foram responsveis por trazer o primeiro mamgrafo para o Brasil, em 1971, e conseqentemente introduzir a tecnologia nos exames de mama.

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Em Busca da CinciaOs Estados Unidos estavam nossa frente no que se referia preveno do cncer. E como essa iniciativa fundamental para pases em desenvolvimento como o Brasil, era preciso aprender o que estava sendo feito por l para que pudesse ser aplicado aquiJ O O C A R L O S S A M PA I O G E S

ua carreira na Medicina estava apenas comeando, mas ele j sabia que precisava passar algum tempo nos Estados Unidos para se aperfeioar. Formado h quatro anos pela Faculdade de Medicina da USP, foi em 1950 que o professor e dona Lurdinha Sampaio Ges, sua esposa, embarcaram rumo ao pas onde a cincia e a Medicina oncolgica j andavam juntas e alguns anos frente do Brasil. Nesse mesmo perodo, comearam a surgir nos Estados Unidos os primeiros mtodos de preveno para o cncer do colo do tero, com o exame de Papanicolau.

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Diploma de bacharel pela Faculdade de Medicina da USP

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A oportunidade da viagem s foi possvel graas a duas bolsas de estudos conseguidas por meio da Kellogg Foundation, uma das principais entidades financiadoras de projetos educacionais e culturais do mundo e que, naquela poca, j investia em programas de especializao em sade. O destino era Baltimore, ou melhor, era onde o mdico Emil Novak, um dos expoentes em Ginecologia e Patologia estivesse. Foram quase trs anos trabalhando e estudando Anatomia Patolgica ao seu lado, no Bon Secours Hospital e no The Johns Hopkins Hospital. L a realidade era outra. A preveno do cncer j estava bastante avanada nos Estados Unidos e era preciso assimilar o que estava sendo feito por l para que pudesse ser aplicado no Brasil. Certamente, esse pensamento foi uma das molas propulsoras que mobilizou a ida de meu pai para os Estados Unidos, explica Joo Carlos Sampaio Ges, hoje diretor tcnico-cientfico do IBCC e filho mais velho do professor Sampaio Ges.Sampaio Ges e dona Lurdinha nos Estados Unidos

Acima, Sampaio Ges nos Estados Unidos. Abaixo, o grande nome em Ginecologia da poca, Emil Novak, ao lado de Sampaio Ges

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Se em relao ao estudo e aperfeioamento profissional tudo corria perfeitamente bem, no aspecto familiar aconteciam alguns entraves. Um surto de poliomielite nos Estados Unidos impediu o casal de levar com eles o filho primognito, ento com pouco mais de 1 ano, j que a vacina contra esta doena ainda no existia. Assim, os avs maternos foram tambm pais para Joo Carlos. Dona Lurdinha conta: Depois de oito meses, voltei para ver o Joo Carlos, porque estava morta de saudade e mal podia demonstrar... O Joo j estava sofrendo muito com a distncia. Esse perodo nos Estados Unidos, sem dvida, consolidou o professor Sampaio Ges como mdico e fortaleceu sua vontade de desenvolver um O INCIO DA PREVENO DO CNCER DO COLO DO TERO trabalho que desse respaldos clnico e educacional populao carente do Brasil. Ele O nome foi dado por causa de seu instituidor, George Papanicolaou, por volta de 1940, que, provavelmente, aprendera o que havia de mais moderno no nada faria sem os resultados de estudos antecedentes. mundo sobre preveno do cncer e dissemiAlguns anos antes, Aurel Babs, um patologista naria a nova cultura no Brasil. romeno, publicou o artigo intitulado A Possibilidade de Diagnstico do Cncer Uterino pela Tcnica de A Mastologia no Pas tambm surgiu Smear, apresentado durante a Conferncia da da. Como um rgo to importante na muSociedade de Ginecologia de Bucharest, em 23 de lher no possui uma especialidade para seu janeiro de 1927. Mais tarde, em 1928, o texto serviu de base para outra publicao no La Presse Medicale. estudo e tratamento?, indagava Sampaio Ges. A convivncia e aprendizagem Em 1941, mais de dez anos depois, Joseph Hinsey, ento presidente da Anatomy at Cornell, apoiou Papanicolaou adquiridas com Novak estabeleceram para publicar mais um artigo sobre o assunto, utilizado em metros e consolidaram seus pontos de vista. 1943 pelo ginecologista Herbert Traut para a elaborao No Brasil, paralelamente, o cncer de sua monografia Diagnstico de Cncer Uterino pelo Smear Vaginal. Esta publicao foi a grande avassalava. No havia preveno e os casos responsvel por introduzir a Citologia como mtodo em geral eram detectados em estado muito preventivo para o cncer do colo do tero. avanado para o sucesso dos tratamentos. No se sabe ao certo o grau de mortalidade da populao com a doena nesse perodo, dada a indisponibilidade de recursos que pudessem medir e registrar o nmero de vtimas. No entanto, sabe-se como era precria a infra-estrutura sanitria e at higinica da poca, alm da falta de informao que sofria a maioria da populao e os prprios mdicos, porque no havia, ainda na dcada de 50, especialistas em Oncologia. O cncer no era tratado como problema social e poucos faziam essa correlao.

Sampaio Ges, ainda nos Estados Unidos, durante seus estudos

Era importante frisar a necessidade de melhorias no ensino e pesquisa na rea, alm de um eficaz programa social de controle em massa da doena, mas tambm era necessrio criar meios para isso. Assim, o professor Sampaio Ges pensou e fez.

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O MdicoEle era um ginecologista capaz de sentar em um microscpio e fazer o diagnstico da doena. Isso mostra uma viso mais abrangente, mais completa da especialidade. E faz a diferenaRICARDO BRENTANI

ampaio Ges buscou uma formao profissional ampla durante toda a sua vida, especializando-se e se atualizando. Viveu em funo da Medicina assistencial, mas antes disso muitas vidas vieram ao mundo pelas mos do profissional em Obstetrcia e Ginecologia. E outras tantas foram salvas pelo cancerologista e mastologista, que tambm se especializou em Anatomia Patolgica. Seu jeito atencioso e sua tranqilidade sempre deixaram as pacientes confortveis em relao ao mdico, que, por sinal, elas tinham em alto conceito, embora ele mantivesse uma posio sria e austera em seu consultrio. O que importava era a sua inquestionvel competncia e a forma carinhosa com que se relacionava. Ele deixava as pacientes seguras e dava conselhos como um verdadeiro pai. Eu o ouvia conversar com elas da mesma forma que falava com a gente em casa, com um tom paternal. Nunca teve a formao psicanaltica em sua carreira, mas agia intuitivamente, fala orgulhoso o filho Joo Carlos. E o mdico deixou saudade, pois, at hoje, muitas de suas pacientes ainda freqentam a clnica Sampaio

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Sampaio Ges posa para foto antes de cirurgia no IBCC

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Ges, atualmente sob a responsabilidade exclusiva de seu filho, e relembram carinhosamente do seu fundador. A formao da especialidade em Mastologia, no Brasil, A esposa e eternamente apaixonada, deve-se, em parte, a Sampaio Ges. Alm de seu trabalho na USP, ele foi um dos fundadores da Sociedade dona Lurdinha, tambm reencontra pacientes Brasileira de Mastologia (SBM), juntamente com Alberto que se deixam levar por elogios e lembranas Coutinho e outros mdicos. Foi na sua gesto como agradveis. Elas ficam me dizendo coisas aspresidente da entidade que o Conselho de Especialidades da Associao Mdica Brasileira (AMB) sim: Como ele era bom. Um mdico maraviadmitiu a SBM, em 1978, criando o ttulo de especialista lhoso. E ele tambm era bonito. Eu fico feliz em Mastologia. com os comentrios e no ligo quando elas o O papel dele na Mastologia brasileira foi to amplo e chamam de lindo, porque ele era mesmo. importante quanto suas realizaes assistenciais. Desde A f crist tambm fazia parte da os anos de 1950, a cirurgia da mama era feita por cirurgies gerais em todo o mundo. Ele foi o primeiro maneira como ele praticava a Medicina, tanto ginecologista a operar mama. J nessa poca, Sampaio que era totalmente contrrio ao aborto. Para Ges anteviu a importncia da multidisciplinaridade ele, a famlia sempre esteve acima de qualpara o sucesso dos tratamentos do cncer de mama. quer coisa e essa forma de pensar foi uma das condutoras de sua luta pela sade da mulher, como fala o amigo Ivo Pezzotti: Uma vez ele me disse que considerava a mulher a clula da famlia, pois ela no s aquela que gera, mas quem ampara e compreende os filhos ao longo da vida. Ele considerava o homem importante para a famlia, mas a mulher insubstituvel e ficava muito preocupado porque exatamente a partir dos 40 anos, quanDona Lurdinha Sampaio Ges do os seus filhos esto na puberdade e mais precisam delas, que elas se tornam mais vulnerveis ao cncer. Talvez por isso ele tenha lutado tanto pelas mulheres e vencido muitos obstculos nesse pas de dimenses continentais e onde o acesso sade sempre foi um desafio para os governantes. E o mdico amigo, carinhoso e paternal queria mesmo se destacar na Medicina para poder mudar o quadro da sade pblica no Brasil. A experincia nos Estados Unidos foi decisiva. Trazendo na bagagem a especializao em Mastologia e Anatomia Patolgica, ele montou o Servio de Mastologia da USP, no Hospital das Clnicas, a pedido do professor Jos Medina, ento titular da cadeira de Ginecologia e Obstetrcia da Universidade. A Medicina brasileira praticamenteMASTOLOGIA: UMA ESPECIALIDADE

desconhecia a especialidade. Mais do que ser HUMANIDADE um dos pioneiros da rea no Brasil, ele foi o A preocupao de Sampaio Ges com o atendimento mais completo em sua poca, pois tambm humanizado aos pacientes estava intrnseca em sua estava embasado na Anatomia Patolgica. maneira de ser. Dois episdios retratam fielmente a sua S na USP foram cerca de 20 anos de grandiosidade. trabalho e estudos. Alm de chefiar o Servio Um deles relatado por Clia Tosello de Oliveira, que h de Mastologia, por ele implantado, Sampaio 25 anos trabalha no IBCC e hoje chefia o Departamento Ges fez o seu doutorado, livre-docncia e se de Oncologia Clnica do hospital: Um dia, eu estava atendendo no ambulatrio e quando fui levar uma tornou professor-adjunto do Departamento paciente at a porta, ao final da consulta, vi que o prode Anatomia Patolgica da Universidade. fessor estava sentado entre as trs ltimas pacientes que ainda aguardavam o atendimento. Foi quando ele Ele tambm trabalhou em outros cenme disse que precisava falar comigo. Convidei-o de imetros educacionais de So Paulo, como na diato para entrar e obtive a seguinte resposta: No, Faculdade de Medicina do ABC, onde foi o doutora, eu aguardo. Essas mulheres esto doentes e precisam mais prontamente da senhora. Eu posso espeprofessor titular da cadeira de Ginecologia, Faculdade Catlica de Medicina de Sorocaba, rar. Essa atitude emocionou-me e me fez refletir ainda mais sobre a minha profisso. atuando como professor titular da Clnica Um outro depoimento que demonstra a forma como ele Obsttrica, e Faculdade de Medicina da encarava o relacionamento mdico/paciente o de Lilia Universidade Santo Amaro (Unisa), onde foi Mesquita, amiga e companheira profissional de muitos anos: Eu estava no setor de Colposcopia da clnica paro titular de Oncologia. ticular do professor, que ficava no andar trreo do prO mdico e professor Joo Sampaio dio, quando ele chegou e pediu para usar a minha sala Ges Jnior foi sendo cada vez mais reco(que no era minha, mas dele), pois precisava atender nhecido como um dos principais especialistas uma paciente terminal que no poderia subir as escadas. Quando vi, ele estava trazendo a mulher pelas em Oncologia do Brasil e, como decorrncia mos, com todo o cuidado e carinho. Eu fiquei complede todo esse reconhecimento, tambm tamente emocionada e, se j o respeitava como mdico, enfrentou alguns dissabores, importando-se passei a respeit-lo como homem na acepo da palavra. Esse gesto demonstrou o que ele foi e o que ele apenas em ser um mdico capaz e um ser , porque, na verdade, ele sempre ser... humano dedicado aos seus semelhantes. Entretanto, como conseqncia de sua determinao e forte personalidade, no se aquietava perante aqueles que tentavam obstruir sua carreira e seus projetos, ou mesmo os que atuavam dentro do prottipo pirataria cientfica, copiando idias e resultados de trabalhos j desenvolvidos. Sua inquietao era notria tambm no levantamento de novas frentes de trabalho, sendo o Instituto So Camilo de Preveno e Tratamento do Cncer Ginecolgico um dos pontos dessa incessante busca, atravs da qual trilhou o seu caminho assistencial e passou a compor efetivamente parte da histria do controle do cncer no Brasil.

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A SementeOu a Medicina est para todos ou temos um srio caso de sade pblicaJ O O S A M PA I O G E S J R .

mdico bem-sucedido estava inquieto. Ele precisava colocar em prtica suas idias assistenciais. Afinal, no acreditava na Medicina seletiva, qual somente os privilegiados podem ter acesso. Mas tambm no esperava que apenas os governos resolvessem esse problema, ao contrrio, levava a soluo at eles. Como mdico do Hospital So Camilo, conversou com o padre Niversindo Cherubin, superintendente do Hospital na poca, e pediu o seu apoio para que o local abrigasse um servio de atendimento ginecolgico em massa. Ele j havia conseguido a adeso de outros mdicos e todos trabalhariam em prol da causa. Era 1966 e Laudo Natel conclua o ltimo ano frente de seu primeiro governo no Estado de So Paulo. O secretrio de Sade era Mrio Machado de Lemos, mdico-sanitarista que dedicou sua vida sade pblica. O professor entregou-lhe a proposta do Programa de Preveno do Cncer na Cidade de So Paulo, onde eram alarmantes os nmeros de casos graves e morbidade. Os objetivos do professor, porm, iam alm do atendimento em massa. Era necessrio conhecer a sade da populao de So Paulo e apresentar uma radiografia dos

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Hospital So Camilo: local onde foi instalado o Instituto So Camilo de Preveno e Tratamento do Cncer Ginecolgico

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diferentes tipos de cncer na regio, alm de sua incidncia e relao como causa de morOs nmeros apresentados na documentao encamitalidade. Ele tambm queria estudar e apronhada ao ento governador do Estado de So Paulo, fundar as teraputicas dos casos diagnosticaLaudo Natel, na poca da constituio do Instituto So dos. Para isso, previa invadir no apenas a Camilo de Preveno e Tratamento do Cncer Ginecolgico, eram referentes aos Estados Unidos, mas capital paulista, mas todo o Estado e cuidar os mesmos foram utilizados como base para que se da sade da populao. pudesse compreender o que acontecia em todo o Apesar de os registros da poca serem mundo incluindo o Brasil , j que as estatsticas sobre cncer eram quase inexistentes. bem escassos, importante colocar alguns nmeros e comentrios disponibilizados inforMorte anual por cncer, entre as mulheres, considerando uma populao de 100 mil habitantes: malmente por pesquisadores e que ilustram a importncia do trabalho do professor frente Tipo de Cncer Mortalidade (em %) ao Instituto So Camilo de Preveno e tero 12,7 Tratamento Ginecolgico. O cncer Mama 12,0 ginecolgico s era descoberto quando j se Intestino 8,0 apresentava em estgio avanado, ou seja, Estmago 7,4 infiltrativo, o que o tornava de maior mortaliTotal 40,1 dade na mulher quela poca. Com relao ao Ano: 1966 cncer de mama, 75% dos casos que Como concluso, pde-se perceber que os cnceres chegavam aos hospitais nesse perodo eram acima relacionados eram responsveis por 40,1% dos bitos femininos, sendo que tero e mama juntos praticamente incurveis ou, como enfatiza respondiam por 24,7% dessas mortes. Joo Carlos Sampaio Ges, era mastectomia Ainda segundo as estatsticas norte-americanas, radical. Mutilao total da mama. o cncer ginecolgico era o mais incidente entre No So Camilo, o padre Cherubin coloos tumores malignos da mulher, com 25,2% dos casos, cou a estrutura do Hospital disposio do seguido do cncer de mama que registrava uma incidncia de 22%, totalizando 47,2% dos casos. Entre professor e destinou toda a rea onde hoje os cnceres do rgos genitais femininos, 65% eram do est situado o Pronto-Socorro Infantil para colo do tero. que fosse instalado o servio. Os argumentos de Mrio Machado de Lemos, que destacava a preveno e o diagnstico precoce como o caminho mais curto e eficaz para salvar vidas, sensibilizaram o governador paulista Laudo Natel. As verbas para o projeto foram liberadas por meio de um convnio assinado com a Secretaria Estadual de Sade, que destinou Cr$ 20.000.000 (vinte milhes de cruzeiros) mensais, alm da integrao de dois mdicos da Secretaria ao programa. No dia 12 de janeiro de 1967, nascia o Instituto So Camilo de Preveno e Tratamento do Cncer Ginecolgico.ESTATSTICAS

Uma grande festa, que contou com a presena de autoridades e muitos mdicos. Foi o incio efetivo das atividades. No dia seguinte, o Instituto j realizava o I Simpsio Paulista de Preveno do Cncer Ginecolgico na cidade e no Estado de So Paulo, que reuniu os maiores especialistas em Oncologia do Pas no anfiteatro do Hospital So Camilo. Com o Simpsio, o Instituto mostrava que tambm existia para abrigar temas cientficos e discusses mdicas. As pretenses do professor Sampaio Ges eram to grandes que rapidamente o Instituto ficou pequeno. O atendimento cresceu, chegando a realizar de 100 a 150 exames ginecolgicos por dia, enquanto a mdia de outros servios era de 10 a 15 no mesmo perodo. Como um projeto que precisa amadurecer e continuar evoluindo, o Instituto So Camilo de Preveno e Tratamento do Cncer Ginecolgico tambm ansiava por mudanas.Abaixo, o atual Hospital So Camilo

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O Comeo do IBCCNo havia atendimento populacional em grande escala no Brasil quando o tema era preveno do cncer. Apenas os servios e clnicas de Ginecologia realizavam exames e diagnsticos, mas com um custo muito elevadoJ O O C A R L O S S A M PA I O G E S

Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Obstetrcia e Ginecologia (Ibepog), primeiro nome dado ao Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC), quando em sua fundao no ano de 1968, comeou a mudar o quadro da sade pblica oncolgica no Estado. A iniciativa surgiu da necessidade de se ter uma razo social independente do Hospital So Camilo. Quanto ao servio, esse nasceu da vontade do professor Sampaio Ges de expandir ainda mais o que estava sendo realizado, com sucesso, por meio do Hospital. O apoio do ento governador do Estado de So Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodr, foi decisivo para a criao da instituio. Nesse perodo, o quadro no era favorvel ao Brasil quando o assunto era sade pblica, principalmente relacionada ao cncer, at por no ser considerado prioridade pelo governo federal. A populao quase no dispunha de programas assistenciais de tratamento, muito menos de controle de uma doena que era responsvel por um grande nmero de mortes, figurando como o quarto maior fator de bitos no Pas. Mas j se sabia da gravidade do problema e da necessidade de ampliar a sistemtica do trabalho de preveno para diminuir os nmeros dessa estatstica a curto, mdio e longo prazos. O pequeno prdio onde se localizava o Ibepog, cedido pelo governo estadual em comodato por 30 anos, estava situado na Rua Galvo Bueno, bairro paulistano da Liberdade,

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onde foram instalados o ambulatrio e os laboratrios de Citopatologia e Anatomia Patolgica. Seguindo uma filosofia cooperativa, esse sistema idealizado por Sampaio Ges, ainda na poca do Instituto So Camilo, no s permitia atender amplamente a populao carente da forma mais humanizada possvel, como tambm instituir critrios cientficos, tcnicos e estatsticos sobre os cnceres ginecolgico e de mama. O foco foi estabelecido privilegiando casos com o nvel de atuao ainda primrio da doena, ou seja, os assintomticos precursores. Assim era feita a preveno do cncer do colo do tero com o exame de Papanicolau e o diagnstico precoce do cncer de mama, com exames de palpao e, um pouco mais adiante, com a mamografia. Cerca de 20 pessoas, entre ginecologistas e citologistas, trabalhavam no ambulatrio da Galvo Bueno. Logo esse quadro cresceria em funo da demanda gerada pela populao e pelos novos citotcnicos (responsveis pelo estudo do material colhido nas mulheres em exames de Papanicolau) formados no prprio Ibepog. Um curso para formao desses profissionais foi instaurado pelo professor, com o objetivo de dinamizar e dar suporte aos exames realizados tanto em So Paulo quanto em So Caetano do Sul, no ABC paulista. Cidade esta que proporcionou ao professor realizar uma grande pesquisa quantitativa e qualitativa sobre preveno e tratamento dos cnceres ginecolgico e de mama e, mais importante, controlar a doena naquele municpio.

A primeira equipe na preveno do cncer

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Solidificao das RazesNo adianta termos uma estrutura para atender a mulher se ela no estiver preparada ou motivada para issoVA L T E RDE

OLIVEIRA FILHO

o prefeito de So Caetano do Sul, Osvaldo Massei, ele iria chegar ao ento presidente da Repblica, general Emlio Garrastazu Mdici, passando pelo governador de So Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodr. Sampaio Ges estenderia suas idias iniciadas no ABC paulista, a todo o Brasil, atravs do Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC). A perspectiva ia longe, pois estamos falando de um dos projetos mais audaciosos do professor. So Caetano foi transformada em cidade laboratrio, pois apresentava o perfil ideal para isso, com uma populao estvel, pequena, homognea, com movimento migratrio reduzido, em pleno processo de industrializao e com permetro urbano limitado. Nessa poca, em cada mil mulheres brasileiras, 20 eram vtimas do cncer do colo do tero ou alguma leso precursora e duas tinham cncer de mama, segundo dados de hospitais universitrios. Com esse contexto, no bastava simplesmente realizar um trabalho de preveno da doena. Era preciso conscientizar. Valter de Oliveira Filho, que integrava a equipe mdica do professor e atualmente o gerentemdico do Instituto Brasileiro de

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Descerramento da placa de inaugurao do Centro de Preveno do Cncer na cidade de So Caetano do Sul (SP), em 1970

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PREVENO TAMBM PARA SO BERNARDO DO CAMPO E SANTO ANDRPrograma idntico foi realizado em So Bernardo do Campo. Com 267 038 habitantes, no incio na dcada de 70, a cidade possua uma populao com perfil socioeconmico de caractersticas anlogas. Ao todo, o Programa registrou 37 772 exames realizados em mulheres com idades propensas ao surgimento do cncer. Dessas, 613 estavam com a doena e receberam o tratamento adequado. A populao da cidade de Santo Andr tambm foi beneficiada e passou por um processo semelhante.

Valter de Oliveira Filho integrou a equipe mdica do Centro de Preveno no ABC paulista

Controle do Cncer (IBCC), no s acompanhou de perto todo o processo de implantao do projeto em So Caetano, como tambm foi o seu coordenador. Ele conta que a ponte para o primeiro contato com o prefeito da cidade foi Adib Joo Kirche, mdico e colega de turma do dr. Ges. O programa que o prefeito comprou visava atacar o problema em trs nveis: coleta do material pelos paramdicos, para a realizao do exame de Papanicolau; atendimento, pelos mdicos, dos casos suspeitos detectados por meio dos exames de Colposcopia ou bipsia; e tratamento hospitalar de todos os casos positivos. Essa foi a premissa escolhida para o trabalho realizado pelo Centro de Preveno do Cncer Dona ngela Massei, nome dado em homenagem irm do prefeito, que morrera de cncer de pele. Uma outra parte do projeto, de importncia fundamental, inclua a participao do maior nmero possvel de citotcnicos. A argumentao era simples: O funil da preveno do cncer a Citologia e um programa em massa requer um nmero alto de pessoas que faam essa primeira leitura e que sejam interessadas por isso, resume Oliveira. E disso dependia o crescimento do nmero de atendimentos. Foi viabilizado, no Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Oncologia e Obstetrcia (Ibepog), o curso para formao de citotcnicos, idealizado por Sampaio Ges. Com isso, o Instituto incrementou o seu quadro de citotcnicos e, conseqentemente, dinamizou o nmero de atendimentos. Em trs anos de intenso trabalho junto s moradoras de So Caetano (de 1970 a 1973), o Programa chegou a atingir 51 227 mulheres, das quais 969 eram casos foram considerados suspeitos e positivos. Para viabilizar o exame em mais de 90% das moradoras, uma equipe de assistentes sociais percorria as ruas, de casa em casa, chamando-as para comparecer ao ambulatrio e conscientizando-as sobre a importncia de prevenir o cncer. A Prefeitura tambm convocava as pacientes por meio de jornais, cartas e das professoras que procuravam transmitir a mensagem atravs dos alunos da rede pblica para que suas mes comparecessem ao posto de atendimento. O xito foi tal que em 1972, dois anos aps o incio efetivo do Programa, em uma primeira escrutinao

realizada em um grupo composto por 15 mil mulheres acima de 20 anos, foi encontrado 1,54% de leses suspeitas e positivas. Dois anos depois, em 1974, em uma segunda escrutinao, esse ndice havia cado para 0,38%, revelando que o cncer do colo do tero foi praticamente erradicado em So Caetano do Sul. Nesse mesmo perodo, mais de 85% dos casos diagnosticados positivos foram curados. O primeiro objetivo era fazer atendimento em grande escala e estudar uma metodologia compatvel com o custobenefcio entre a quantidade de casos descobertos e tratados. Era preciso saber se do ponto de vista de sade pblica o programa era vivel, declara Joo Carlos Sampaio Ges. Dessa forma, o Programa de Preveno em Massa do Cncer Ginecolgico foi posteriormente adaptado para o Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC), apresentado ao governo federal, aprovado, aplicado no Brasil inteiro e reconhecido como Programa de Impacto do governo Mdici. A Organizao Pan-Americana da Sade (Opas) tambm reconheceu a eficcia do Programa, em carta enviada ao Ministrio da Sade, no ano de 1973, pelo diretor e professor da entidade, Abraham Horwitz. A filosofia aplicada em So Caetano foi exposta no livro Modelo de programa para preveno e deteco do cncer ginecolgico em Pases em Desenvolvimento, de autoria do professor Sampaio Ges e de seu filho Joo Carlos e reconhecido, em junho de 1979, pela Academia Nacional de Medicina, com o Prmio Fernando Machado Moreira e, em 1983, com o prmio Mcio Athayde. Mais tarde, em 1980 e 1981, o Centro de Preveno do Cncer Dona ngela Massei foi citado como servio de excelncia na luta contra o cncer pelo relatrio anual da Organizao Mundial de Sade (OMS). Quanto a So Caetano do Sul, o municpio reconheceu o belo trabalho desempenhado, oferecendo ao professor Sampaio Ges o ttulo de Cidado Sulsancaetanense.

Tituto de Sulsancaetanense destinado a Sampaio Ges pelos trabalhos realizados no municpio.

Festa de inaugurao do Centro de Preveno do Cncer em So Caetano do Sul

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Curso de CitotecnologiaOs paraplgicos passaram a ser teis para eles mesmos, para a sociedade e para as milhares de mulheres que tiveram seus cnceres descobertos por elesIVO PEZZOTTI

demanda gerada pelos postos de atendimento de preveno do cncer do colo do tero em So Caetano do Sul e no Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Oncologia e Obstetrcia (Ibepog) aumentava a cada dia. Havia dificuldade em conseguir profissionais que executassem o trabalho de Citotecnologia com afinco. Mais do que tudo, era preciso que o trabalho tivesse continuidade, para que pudesse se tornar mais especializado e obtivesse resultados precisos. Naquela poca, em 1972, a maioria dos profissionais que executava essa tarefa, geralmente estudantes de Medicina, a via como trampolim ou uma fase profissional intermediria. Sampaio Ges sabia da importncia dessa profisso e reconhecia que se o citotcnico no fosse bom, o Programa de preveno acabaria logo na sada. Ento, resolveu instalar, ainda no Ibepog, a primeira Escola de Formao de Citotcnicos do Estado de So Paulo e a primeira a ser reconhecida pelo Ministrio de Educao e Cultura (MEC). Essa idia, no entanto, tinha um qu de especial. Alm de formar tcnicos sobre suas vistas e seguindo seus critrios, o professor decidiu inserir no mercado de trabalho um grupo com o perfil ideal para a funo: os paraplgicos. O advogado Ivo Pezzotti,

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Sampaio Ges durante o curso de Citotecnologia com os paraplgicos

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Laboratrio de Citotecnologia do IBCC

Luiz Henrique Medina (Caique) aluno das primeiras turmas do curso de Citotecnologia, hoje citotcnico profissional do IBCC

amigo pessoal do professor e companheiro das causas assistenciais, sintetiza muito bem o raciocnio: Foi uma idia genial. Ele dizia que os paraplgicos, devido deficincia, acabavam produzindo mais, j que permaneciam sentados e tinham plena competncia para manusear o microscpio. verdade tambm que ao dar uma profisso a essas pessoas, tornando-as especialistas em Citotecnologia, ele estava formando uma turma fidedigna de profissionais. Foram feitos contatos com associaes de assistncia aos portadores de deficincia fsica, a fim de serem contatadas pessoas com esse perfil. O interesse foi geral e o plano vingou. A integrao dos paraplgicos nova profisso foi mais do que satisfatria e o aproveitamento, extraordinrio. No demorou muito para que o Ibepog e o Centro de Preveno de So Caetano do Sul absorvessem toda a mo-de-obra gerada. Sueli Amorim Guimares, aluna do terceiro curso realizado na Escola de Citotcnicos, em 1976, conta que eram realizados mais de mil exames de Papanicolau por dia. Formvamos uma turma de 20 pessoas para conseguir analisar todo aquele material. Mais tarde, o Programa de Preveno e Controle do Cncer em So Paulo, principalmente por meio das unidades mveis, que trataremos adiante, passou igualmente a tomar muito tempo desses profissionais. Desenvolvido durante dois anos, o curso oferecia atividades dirias em regime de tempo integral. O primeiro ano era voltado para a formao bsica Citopatologia da Crvix Uterina , o que permitia ao aluno participar efetivamente do trabalho de seleo das lminas. J o segundo ano funcionava como uma especializao, um aperfeioamento dirigido Citopatologia Pulmonar, de Derrames etc. O curso no existe mais, mas o legado deixado foi de dezenas de profissionais, formados por oito cursos, completamente

aptos a exercer suas atividades, quer seja no Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC) nesse perodo j rebatizado , quer em outras instituies. Luiz Henrique Medina, ou Caque, como mais conhecido, tambm se formou com a turma de 1976 e no se esquece da rotina empenhada durante o curso. Segundo ele, as aulas aconteciam em perodo integral e eram divididas em tericas e prticas. Como ficvamos o dia todo, o IBCC disponibilizava transporte para locomover os alunos, justamente por causa das suas dificuldades. Caque foi uma exceo entre os alunos, pois seu problema no se resume aos membros inferiores. A falta de metade dos dois braos tampouco impediu que se tornasse um timo citotcnico e permanecesse no IBCC at hoje, juntamente com sua amiga de turma, Sueli, e outros paraplgicos.

PROFISSO FUNDAMENTALA formao de citotcnicos tambm representou um papel fundamental no apenas para capacitar as instituies ligadas ao professor Sampaio Ges, mas tambm para os demais laboratrios de anlises clnicas. So esses profissionais que filtram os casos que devem ou no receber um tratamento diferenciado, seja em virtude de suspeita de cncer, seja em razo de outras doenas ligadas ao tero. O processo envolve a importante e cuidadosa funo da escrutinao das lminas colhidas durante o exame ginecolgico. Aquelas que apresentam alguma anormalidade so enviadas ao mdico citopatologista, que, a essa altura, j tem a sua funo otimizada devido a esse trabalho inicial. Quando bem treinados, os citotcnicos conseguem examinar diariamente de 60 a 70 lminas, das quais cerca de 10% geralmente so diagnosticadas com resultado suspeito ou at mesmo positivo. medida que o profissional adquire mais experincia com as lminas, a preciso nos exames aumenta, ampliando a eficcia do diagnstico e reduzindo o tempo no processo de anlise das lminas.

Sueli Amorim: ex-aluna do curso e atual citotcnica do IBCC

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Primeiro MamgrafoCom o mamgrafo, mulheres brasileiras passariam a contar com a mais nova tecnologia disponvel em todo o mundo para o diagnstico precoce do cncer de mamaJ O O C A R L O S S A M PA I O G E S

o Memorial do Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC), onde so preservadas as histrias da vida profissional do professor Sampaio Ges e do prprio hospital, possvel encontrar o primeiro mamgrafo recebido no Brasil, em 1971, equipamento que protagonizou uma das maiores conquistas da Mastologia no Pas. O primeiro mamgrafo do Brasil no foi diretamente para o IBCC, que, na ocasio, ainda se chamava Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Oncologia e Obstetrcia (Ibepog). Ele foi para o consultrio particular do professor Sampaio Ges, pois era preciso conhecer o novo equipamento. Alis, ele acabara de ser lanado no mundo pela Companie Generale de Radiologie (CGR). O responsvel pelo seu desenvolvimento mamgrafo com ampola de molibideno foi o fsico e radiologista Charles Gros, professor do Hospital Dieux, da Universidade de Estrasburgo, na Frana. Esse exemplar da primeira srie mundial chegou ao Pas com agilidade, principalmente se considerarmos que nessa poca as restries s importaes eram muito grandes. Logo aps o lanamento do mamgrafo aconteceu no Pavilho de Exposies do Anhembi, em So Paulo, a Feira Brasil-Frana. Joo Carlos Sampaio Ges conta os detalhes da aquisio do equipamento: A CGR tinha um estande l e ns ficamos sabendo que eles haviam trazido o equipamento para exposio. Logo no primeiro dia, fomos at o Anhembi e,

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Joo Carlos Sampaio Ges, juntamente com seu pai, Joo Sampaio Ges Jr., foi o responsvel por instalar o primeiro mamgrafo no Brasil

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como conhecamos o pessoal da CGR, conseguimos adquirir o mamgrafo, que j tinha registro de entrada no Pas, o que facilitou o trmite burocrtico. A compra do aparelho em si j era um grande passo, mas tambm era preciso coloc-lo para funcionar e ningum sabia oper-lo no Brasil. Joo Carlos ainda cursava Medicina quando arrumou as malas e seguiu para a Frana, com o objetivo de aprender a fazer mamografia com o prprio Charles Gros. Trs meses depois, ele estava de volta e iniciou o treinamento de uma profissional em raios X, a tcnica Norma Pandolfi, indicada pelo professor titular da cadeira de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP, Paulo de Almeida Toledo, e que exerceu a atividade com os Sampaio Ges at aposentar-se. Aos poucos, o conhecimento adquirido foi sendo disseminado por todo o Pas, na medida em que os mamgrafos iam sendo importados por outros mdicos, clnicas de Primeiro mamgrafo do Brasil, hoje exposto no IBCC Radiologia e hospitais. De qualquer forma, o segundo equipamento aportou no Brasil quase trs anos depois, na cidade So Paulo. Durante esse tempo, somente Joo Carlos realizava exames de AVANOS TECNOLGICOS Mamografia no Pas, o que Antes da chegada do mamgrafo com ampola de molibideno no Brasil, os lhe rendeu um grande coexames da mama eram espordicos e feitos, geralmente, por meio de raios X convencional, empregando a chamada ductografia contrastada, onde se injenhecimento sobre o assunto e ta contraste pelo ducto, a fim de se observarem as alteraes da mama, tema lhe valeria para a futura que versou as teses de doutoramento e livre-docncia do professor Sampaio especializao em Ges, em 1966 e 1968, respectivamente. Mastologia. Sem falar no O aparelho convencional de raios X, porm, no permite a visualizao da reconhecimento: nesse peroestrutura glandular da mama, em funo do tipo de radiao emitida pelas ampolas de tungstnio. O mamgrafo, por sua vez, proporciona uma irradido, ele efetuou dezenas de ao diferente, em funo da ampola de molibideno, possibilitando observar palestras sobre Mamografia as diferenas de densidade dos tecidos moles que compem as mamas, perem todo o Brasil e, embora mitindo o diagnstico de pequenas leses tumorais ou microcalcificaes no ainda estudante de Medicina, parnquima mamrio.

j dava aulas no Departamento de Radiologia da USP. Ele tambm redigiu o captulo intitulado Radiografia Mamria, constante do livro de Paulo de Almeida Toledo, denominado Radiologia Bsica e publicado em 1978. No ano de 1979, Joo Carlos escreveu um atlas intitulado Diagnstico radiolgico das doenas da mama, juntamente com seu pai. At hoje, a publicao adotada nos cursos de especializao em Mastologia no Pas. O primeiro mamgrafo e os trabalhos at ento realizados pela famlia Sampaio Ges no Brasil iriam refletir em toda a metodologia empregada no Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC), da Diviso Nacional do Cncer (DNC), da qual Sampaio Ges foi diretor durante o perodo compreendido entre 1973 e 1975.

Diagstico Radiolgico das Doenas da Mama, publicao referncia no Brasil

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Programa Nacional de Controle do CncerCom o Ges dirigindo a Diviso Nacional do Cncer ocorreu um fato indito no Brasil, pois, pela primeira vez, o governo federal equipou os hospitais com base em critrios tcnicos e no polticosRICARDO BRENTANI

m 6 de setembro de 1973, o pronunciamento oficial do ento presidente da Republica, Emlio Garrastazu Mdici, fez o Brasil parar mais uma vez. A populao foi comunicada que o governo acabava de incrementar a Diviso Nacional do Cncer (DNC), subordinada ao Ministrio da Sade. O ministro Mrio Machado de Lemos falou por alguns segundos e o diretor da Diviso, Joo Sampaio Ges Jr., anunciou a implantao de um programa pioneiro e revolucionrio na preveno e no tratamento do cncer no Brasil: o Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC). O Brasil assumia, pela primeira vez, o verdadeiro front da batalha contra o cncer. As esperanas eram grandes e Sampaio Ges conhecia, como poucos, a dura realidade do cncer no Brasil. As estatsticas eram escassas, verdade, mas a sua experincia em lidar com programas de impacto no setor de sade pblica e a vontade de resolver os problemas existentes faziam dele um sbio no assunto. O Instituto So Camilo de Preveno e Tratamento Ginecolgico, So Caetano do Sul e o Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Obstetrcia e Ginecologia (Ibepog) j faziam parte de seu currculo. Alm disso, o professor estudava com afinco o que acontecia em todos os Estados e territrios brasileiros. Ele j sabia o que era preciso fazer em cada regio e quanto custaria a implantao do PNCC: 220 milhes de cruzeiros.

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Conjunto de livros que registra o Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC)

Sampaio Ges havia visitado todo o Pas para avaliar as condies do sistema de sade ligado Oncologia e mapear a rede hospitalar especializada, avaliando as suas necessidades e possveis adequaes em termos de equipamentos. A Organizao Pan-Americana de Sade (Opas) tambm participou da pesquisa e assim foi dimensionado o padro mnimo para que se pudesse implantar o PNCC. Com a anlise dos dados, foi possvel estabelecer as necessidades concretas de cada instituio, por regio, para que fosse montada uma rede nacional totalmente equipada para o controle do cncer. s instituies caberia atender gratuitamente os doentes, alm de formar um corpo clnico de alto padro e manter os equipamentos em bom estado de funcionamento. Todos os servios prestados populao seriam reembolsados aos hospitais pela DNC, de acordo com tabela predeterminada: 25% do salrio mnimo por dia de internao e 5% para os exames de preveno. Como o grande objetivo era a eficcia da preveno, estabeleceu-se a meta de realizao de 480 mil exames nos primeiros meses do Programa e 960 mil no ano de 1974. Mas a inteno era ir ainda mais longe, tanto que os laboratrios estavam sendo dimensionados para que, com o aprimoramento de mo-de-obra especializada, pudessem dobrar ou at mesmo triplicar o nmero de exames anuais. O PNCC tambm planejava implantar a dinmica de registros dos casos atendidos, para que o Brasil pudesse ter em mos os histricos de seus pacientes oncolgicos, possibilitando realizar diagnsticos mais seguros e criar um banco de dados que viabilizasse a pesquisa e a localizao de novos casos e tipos de cncer, alm de orientar a futura poltica de sade a ser adotada pela Diviso. At aquele momento, pouco se sabia sobre os nmeros da doena no Pas. A referncia mais prxima e confivel eram as estimativas da

Machado de Lemos, Sampaio Ges e Cherubin: trio que revolucionou a medicina assistencial no Brasil

SEMPRE AMIGOSA amizade entre Sampaio Ges e o ento ministro da Sade, Mrio Machado de Lemos, foi muito marcante. Mdicos por formao, ambos tinham como vocao a Medicina social e talvez por isso tenham se especializado em Oncologia e Sade Pblica, respectivamente. E pelo mesmo motivo encontraram-se em vrios momentos de suas vidas.

Organizao Mundial da Em 1966, foi Machado de Lemos, como secretrio da Sade do governo Sade (OMS), que apontava a Laudo Natel, em So Paulo, quem praticamente determinou a liberao da perspectiva de 200 mil a 300 verba necessria para a criao do Instituto So Camilo de Preveno e Tratamento do Cncer Ginecolgico. A tambm estava o outro pilar dessa mil novos casos/ano no amizade, o padre Niversindo Cherubin, na poca superintendente do Hospital Brasil, o que representava de So Camilo. Depois disso, o trio reencontrou-se no Ministrio da Sade e promoveu a maior revoluo j vista na Oncologia brasileira. dois a trs novos casos de cncer por mil habitantes. Sampaio Ges e Cherubin, mais tarde, foram deparar-se no IBCC, quando o professor Sampaio Ges e seu filho Joo Carlos, ambos membros instituO governo federal no idores do IBCC, transferiram a administrao da entidade Provncia escondia a sua preocupao Camiliana Brasileira. Eles, ento, voltaram a atuar em conjunto no auxlio aos com a sade pblica e estava portadores de cncer. consciente de que a adoo Foram realmente trs grandes nomes da rea da sade brasileira. Sampaio de uma poltica nacional de Ges e Mrio Machado de Lemos j se foram. Cherubin continua firme no preveno e diagnstico pre- desempenho do seu papel na sade. Considerado uma das maiores autoridades em administrao hospitalar do Brasil, ele um dos responsveis coce da doena no poderia pelos ideais do professor continuarem vivos no IBCC. mais ser adiada. Mas o custo do projeto estava acima do que as verbas federais permitiam. Questionado sobre o valor total do Programa, Sampaio Ges prontamente respondeu: Cabe a mim, como tcnico, mostrar o que o Brasil precisa; a vocs, decidir o que o Brasil merece. O Programa foi aprovado na ntegra

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e o Brasil passou a atuar de forma preventiva no controle do cncer. Em pouco mais de dois anos de muito trabalho e dedicao luta contra o cncer, 123 centros mdicos de todos os cantos do Pas foram reformados, equipados e receberam verbas para desempenhar seus papis. Os governos estaduais e municipais atuaram como parceiros do governo federal nessa trajetria, disponibilizando verbas complementares ou deslocando pessoal qualificaOS NMEROS COMEAM A SURGIR do, num esforo jamais visto em qualquer outro pas. Pela primeira vez em sua histria, o Brasil pde conhecer o perfil do quadro oncolgico no Pas, fruto do PNCC, que tambm priorizou a criao de um Dois episdios inditos banco de dados. ocorreram nessa unio de Em 1978, foi publicado um levantamento sobre o trabalho realizado entre esforos. O primeiro foi o os anos de 1974 e 1975, no qual se constatou que de cerca de 92 mil equipamento dos hospitais e a casos de cncer diagnosticados, os trs tipos mais freqentes eram: colo distribuio de verbas para as do tero, com 15 364 casos (16,6%) pele, com 13 179 (14,3%) e mama, com 11 975 (13%). No universo restrito apenas s mulheres, 52% eram aes necessrias atravs de referentes aos cnceres do colo do tero e de mama, sendo 29,7% do colo critrios tcnicos e no poldo tero. Esses cnceres femininos variavam como ainda acontece de ticos. O segundo foi a abranacordo com as diversas regies do Pas. gncia do Programa, que preRegies Colo uterino Mama via atuar nacionalmente e em Nordeste 5 738 (27,9%) 2 467 (12,1%) todas as reas necessrias: Sudeste 6 490 (13,3%) 6 779 (13,9%) educao, preveno, diagSul 1 824 (10,1%) 2 132 (11,8%) nstico e tratamento. Isso Fonte: PNCC tudo embasado em dados Com base no Registro Nacional de Patologia, criado pelo Ministrio da concretos obtidos durante as Sade, em 1976, onde se iniciou a coleta de dados sobre a doena em todos viagens do professor Sampaio os laboratrios de Anatomia Patolgica do Brasil, revelaram-se, no material Ges por todo o Brasil. recolhido entre os anos de 1976 a 1980, 319 767 casos de cncer no Pas, sendo 199 226 em mulheres, onde 44 935 (22,6%) desses casos eram de O padre Niversindo cncer do colo do tero. Cherubin tambm foi parceiro de estrada, assim como Mrio Machado de Lemos, e integrou a equipe do Ministrio da Sade como diretor da Coordenao da Assistncia MdicoHospitalar, indicado por Sampaio Ges. Ele conta que nem antes nem depois do professor Sampaio Ges se viu um programa que contemplasse os hospitais brasileiros. Algo parecido s aconteceu mais de 20 anos depois. Cherubin lembra de suas viagens com Sampaio Ges

para visitar os hospitais brasileiros: Ns amos com o jatinho do Ministrio da Sade e quando chegvamos nas cidades ele era recebido com muita festa e todas as honras, como se fosse o presidente da Repblica. Todos reconheciam seu trabalho. O PNCC foi um marco na histria da Oncologia brasileira. Ele foi destaque e recebeu tanta ateno quanto os demais programas de impacto do governo Mdici, mas o PNCC do Ges, como conhecido no meio cientfico, foi um ideal visionrio que realmente mudou o quadro oncolgico e melhorou a qualidade da sade pblica em nosso pas. Atualmente, muitos hospitais ainda realizam seus atendimentos com os equipamentos doados pelo PNCC. As estatsticas hoje mais disponveis apontam para uma inverso no tipo de cncer do colo uterino. Os invasivos so menos prevalecentes e cederam lugar aos carcinomas in situ (em estgio inicial, no-invasivos). sinal de que a populao est melhor tratada e mais consciente quanto importncia da preveno do cncer. So Paulo foi o maior exemplo do legado de Sampaio Ges e foi para a capital paulista que ele retornou depois de deixar a DNC, em 1975, dando continuidade ao seu projeto, com a implantao do Programa Estadual de Controle do Cncer. Para o seu lugar na DNC, ele convidou o patologista Humberto Torloni, que, naquele momento, trabalhava na Organizao Pan-Americana da Sade (Opas), em Washington, nos Estados Unidos.

Humberto Torloni substituiu Sampaio Ges na Diviso Nacional do Cncer, em 1975

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Sampaio Ges: tambm responsvel pela verso paulista do PNCC

Programa Estadual de Preveno e Controle do Cncer

ampaio Ges voltou a So Paulo, tendo na experincia com o Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC) e no apoio do governo paulista s esferas federais um grande incentivo para traar um programa exemplar para o Estado. So Paulo havia se estruturado para participar do PNCC e Sampaio Ges tinha a base para incrementar a verso local, pois a Fundao Centro de Pesquisa em Oncologia (FCPO) j estava constituda e ele tambm contava com o Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC), alm do apoio de vrias prefeituras, o que significava uma infra-estrutura de 152 postos espalhados pelo Estado. Para esse projeto, foi possvel equipar cinco unidades mveis (dois nibus e trs vages de trem) que partiram por todo o Estado de So Paulo, realizando consultas e exames em milhares de mulheres. A metodologia no seguiu a literatura cientfica, que indica a combinao da Colposcopia com a Citologia para se atingir uma preciso diagnstica de 99%. Um programa de preveno em massa no permite a utilizao de ambas no primeiro exame de todas as mulheres, em funo do custo gerado pelo volume de atendimentos. A triagem, ento, foi feita com exames de Papanicolau, que garantem reconheci-

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Joo Carlos Sampaio Ges foi quem coordenou o Programa Estadual de Preveno e Controle do Cncer

da eficcia e segurana no diagnstico e deteco do cncer do colo do tero. Os casos suspeitos foram submetidos Colposcopia e encaminhados para tratamento, quando necessrio. Sob a coordenao de Joo Carlos Sampaio Ges, esse Programa chegou a atender mais de mil mulheres por dia. Com tal abrangncia, tambm foi preciso formar pessoal ainda no existente na comunidade cientfica. Assim, foram treinados mais de 300 mdicos e tcnicos, como ginecologistas, colposcopistas, citologistas, patologistas, citotecnologistas, cirurgies ginecolgicos, mastologistas, quimioterapeutas, radioterapeutas, clnicos gerais, epidemiologistas, psiclogos, assistentes sociais e auxiliares de enfermagem. O Brasil dessa poca no reconhecia a Mastologia como uma especialidade mdica, mas o Programa Estadual sabia da importncia do diagnstico precoce e tratamento do cncer de mama. Por isso, ele contemplou uma ao especial, criando o Programa de Deteco em Massa do Cncer de Mama, que em dois anos e meio examinou quase 200 mil mulheres. A conscientizao da populao, ainda no habituada prtica da preveno, foi feita atravs de um programa educacional desenvolvido pela FCPO e pelo IBCC, com palestras em fbricas, escolas e centros religiosos e sociais, ministradas por professores e sacerdotes devidamente orientados, que desempenharam papel relevante no trabalho junto ao pblico feminino. A FCPO e o IBCC, que na poca estavam sob a administrao de Sampaio Ges, foram a base para esse projeto, que alm da conscientizao, educao cientfica, preveno, atendimento e tratamento, tambm contou com um trabalho pioneiro e exemplar referente reabilitao, seja por meio do desenvolvimento de cirurgia reparadora, do uso de prteses ou de tratamento fonoaudiolgico e fisioteraputico.

Fundao Centro de Pesquisa em OncologiaA vontade do professor Ges era fazer um extenso trabalho para sanar uma falha gigante que havia: exames de preveno, controle e tratamento do cncer, sobretudo em pessoas assintomticasIVO PEZZOTTI

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xistia uma falha em So Paulo, j que poucos centros realizavam preveno e deteco precoce do cncer de forma assistencial e nenhum investia em pesquisa. A idia era sanar essas deficincias e, mais do que isso, registrar os casos incidentes da doena em todo o Estado, por meio de uma instituio pblica, porm, de direito privado. No dia 25 de abril de 1974 foi aprovada pelo Governo do Estado de So Paulo a Lei de n 195, regulamentando a criao da Fundao Centro de Pesquisa em Oncologia (FCPO) / Centro de Excelncia. A lei estadual que viabilizou o projeto dispunha de alguns pontos bsicos e prioritrios a serem respeitados: Promover a rea cientfica em Cancerologia. Difundir as melhores tcnicas de tratamento do cncer e doenas correlatas. Incentivar a formao de novos profissionais na rea oncolgica. Iniciar um processo educativo em Oncologia com a populao em geral, incluindo a comunidade mdica. Registrar e compilar todos os casos diagnosticados de cncer. Estabelecer convnios com entidades pblicas ou particulares, a fim de desenvolver pesquisas, ensino e assistncia em cncer. Atuar de forma harmnica com o Programa Nacional de Controle do Cncer (PNCC). Para atingir o seu real objetivo e desenvolver todas as propostas citadas acima, a FCPO criou o Programa Estadual

Ivo Pezzotti, amigo e grande parceiro de Sampaio Ges

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Ieda Ribeiro de Souza: secretria do Professor Ges desde os tempos da Diviso Nacional do Cncer

de Preveno e Controle do Cncer, que visava o atendimento populao carente nas especialidades do colo uterino e mama, alm de cabea e pescoo e pele. Havia de ser elaborado, tambm, um setor de reabilitao, com o desenvolvimento de prteses buco-maxilofacial, bem como o aperfeioamento de tcnicas de Reconstruo Cirrgica Mamria PsMastectomia, Servio de Medicina Nuclear, Radioterapia, pesquisa bsica e ensino especializado. A aprovao do projeto fez com que surgisse o questionamento de onde seria a sede da instituio. A princpio, continuou onde comeou: nas dependncias da Faculdade de Medicina da USP, mais especificamente em um andar no Centro de Medicina Nuclear, espao conseguido graas ajuda de seu diretor na poca, Paulo de Almeida Toledo. A inteno era no se afastar do conglomerado composto pela Faculdade de Medicina e Hospital das Clnicas. Foi quando, em setembro de 1975, Sampaio Ges conseguiu com a Prefeitura de So Paulo, na gesto de Olavo Egidio Setubal, a cesso de um terreno localizado entre a Rua Oscar Freire e a Rua Galeno de Almeida, no bairro do Sumar. Em 6 de dezembro de 1977, houve a desapropriao do antigo prdio localizado naquela rea, para que ali fosse construdo o prdio da FCPO. Ieda Ribeiro de Souza, ento secretria do professor Sampaio Ges, lembra muito bem o porqu da necessidade de mudana: Com a nova sede, passamos a ter um espao fsico real para poder trabalhar. O Centro de Medicina Nuclear foi muito importante, mas no tnhamos como fazer o atendimento s mulheres. Em 1978, a Fundao comeava realmente a deslanchar com o novo prdio. Nesse mesmo perodo, o Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas em Obstetrcia e Ginecologia (Ibepog) passou a denominar-se Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC), atuante at hoje. Assim como a Fundao foi essencial para a conso-

lidao do IBCC, este tambm foi fundamental para o funcionamento pleno da Fundao. Em outras palavras, havia uma simbiose entre as duas instituies, onde a Fundao efetuava a triagem dos pacientes e estes eram tratados pelo IBCC, que tambm realizava a leitura das lminas com o material colhido para os exames de Papanicolau. Pode-se dizer que a filosofia de trabalho que hoje seguida pelo IBCC ganhou corpo a partir de ento, quando o atendimento massificado populao no o impedia de ser de forma humanizada e livre de discriminao. Essa sistemtica foi exposta no livro Modelo de programa para preveno e deteco do cncer ginecolgico em pases em desenvolvimento. De acordo com depoimentos encontrados em vrios livros de Sampaio Ges, a nica forma de estabelecer um controle do cncer do colo do tero atuar em seu nvel primrio, isto , investir nos casos assintomticos precursores da doena, por meio do atendimento em grande escala e principalmente em sua primeira fase, como o exame de Papanicolau, por exemplo. O Programa Estadual de Preveno e Controle do Cncer utilizava os postos da Secretaria do Estado de Sade e de prefeituras, incluindo a capital paulista. Consultrios mdicos foram adaptados em unidades mveis de atendimento. Assim, vages de trens e nibus foram levados at a populao rural para que fosse realizada a preveno do cncer. Para que tudo isso fosse vivel, os custos, inclusive do IBCC, eram indiretamente subsidiados pelo convnio estabelecido com a Casa Civil do Governo do Estado de So Paulo. Todos os casos positivos de cncer detectados pela FCPO eram operados e tratados no IBCC. Esse suporte dado pelo Estado, de certa forma, contrariava a poltica de sade da poca, pois no havia uma verba constante destinada a nenhum centro de sade, como faz o Sistema nico de Sade (SUS) hoje. Mais tarde, com a sada do professor Sampaio Ges da presidncia da Fundao, o IBCC sofrera com o rompimento desse convnio, quase posto a fechar suas portas. Sampaio Ges permaneceu frente da FCPO por dois mandatos e por 12 anos consecutivos de 1974 a 1986 ,

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perodo qualificado como tempos ureos da Fundao pela grande maioria dos entrevistados para este livro. Em 1984, com a inaugurao do ambulatrio, o nmero de mulheres atendidas cresceu vertiginosamente. Ns chegamos a uma variao de oito a 10 mil pacientes atendidas por ms, garante Ieda. Esse nmero imenso serviu tambm como um material extraordinrio para pesquisas e estudos, todos compilados e registrados pela Companhia de Processamento de Dados do Estado de So Paulo (Prodesp). Essa energia, movimentao e vontade de trabalhar s foram potencializadas com outros servios agregados ao atendimento ao pblico, como cursos profissionalizantes, a exemplo do elaborado para a formao de profissionais de Citotecnologia, realizados gratuitamente todos os anos. Da mesma forma que Sampaio Ges participava de diversos congressos internacionais voltados para a Medicina oncolgica, a Fundao tambm trouxe centenas de pessoas para os congressos inditos no Brasil. Fonoaudiologia e Dermatologia foram outras duas especialidades usufrudas pela populao. Os laringectomizados, por exemplo, adquiriam novos potenciais de fala com o trabalho executado pela equipe de fonoaudilogos da Fundao. J o cncer de pele tambm teve um avano muito grande no diagnstico e registro de casos, graas aos mdicos dermatologistas da FCPO. O servio de reabilitao foi de suma importncia para a Fundao e seus pacientes. Essa tarefa Sampaio Ges confiou a Edmundo Pinto da Fonseca. Ortodontista por formao, foi por opo que ele acabou se transformando em especialista em prteses buco-maxilofacial e de mama. Pacientes que acabavam perdendo parte do rosto em cirurgias mutiladoras de retirada de tumores ganhavam prteses mveis artisticamente trabalhadas por profissionais contratados pela FCPO. Essa especialidade no existia no Brasil e se caracterizou como mais uma obra pioneira de Sampaio Ges, viabilizada com muita maestria por Fonseca. Durante os dois mandatos do professor Sampaio Ges frente da Fundao, os casos diagnosticados positivos, ou mesmo os caracterizados como suspeitos, foram alvo de muita

ateno. Um grupo de assistentes sociais foi contratado e treinado para no deixar nenhum paciente sequer sem o tratamento adequado, alm de garantir a educao da comunidade. Valter de Oliveira Filho, mdico que participou no s do trabalho de So Caetano do Sul, mas tambm do realizado na capital paulista pela Fundao, lembra que durante aproximadamente seis anos eles acompanharam de perto cada paciente, o que possibilitava o controle de todos os casos atendidos. Palestras dirias tambm eram ministradas para os pacientes que se achassem no Ambulatrio da FCPO, a fim de esclarecer todas as dvidas e pontos concomitantes sobre o cncer. Durante 12 anos, o professor desenvolveu habilmente a tarefa de controlar o cncer em quase todo o Estado de So Paulo. Em 1986, como define Ieda, a poltica entrou na Fundao e tudo comeou a ser mudado. O que se v hoje na Fundao Oncocentro de So Paulo, novo nome adquirido com o trmino da gesto Sampaio Ges, um prdio na Rua Oscar Freire inteiramente reformado, modernizado e com pouco atendimento direto populao. Atualmente, a Oncocentro uma entidade voltada para a pesquisa, explica Jos Cndido de Souza Dias, chefe do Laboratrio da Fundao Oncocentro. Ele vem acompanhando todo o trabalho realizado pela FCPO desde o incio at os dias atuais e admite que tudo mudou muito, mas explica o porqu: o que mais diferencia a Fundao atual daquela administrada pelo Ges o atendimento direto ao paciente. Ainda hoje, atendemos na rea de reabilitao, mas no mais o ambulatorial, que transferimos para o Hospital Prola Byton, uma instituio tambm do Estado. No tem sentido permanecer com um pequeno ambulatrio, sendo que o Prola Byton pode atender bem mais. Mas o que no ficou claro foi o motivo pelo qual a Fundao abriu mo de trabalhar em parceria com o IBCC quando Sampaio Ges deixou a presidncia da instituio. Com o fim do acordo, o hospital continuou atendendo a demanda da populao, mas sem os recursos para sua manuteno. Ser que tanto o IBCC quanto o Prola Byton no poderiam, juntos, dar assistncia s mulheres? Por que isso no aconteceu? O IBCC j

Jos Cndido de Souza Dias, hoje chefe de laboratrio da Fundao Oncocentro

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havia se tornado referncia no tratamento oncolgico em So Paulo. Por que retirar de um hospital um mrito que j havia conquistado e quase impedi-lo de continuar a atender a populao? Ao longo do trabalho encabeado por Sampaio Ges, quase dois milhes de mulheres foram atendidas e os resultados muito compensadores, tanto em cura, como em conscientizao e preveno. sabido que os casos detectados em seu estgio primrio possuem maior probabilidade de restabelecimento. No entanto, em 1975, por exemplo, 58% dos casos de cncer diagnosticados foram classificados como invasivos, ou seja, mais avanados, e 42% foram considerados in situ, isto , em sua fase inicial. J em 1982, os nmeros praticamente se inverteram: 41% foram avaliados como invasivos e 59% in situ, o que comprova a eficcia do Programa. Esse resultado reproduziu em So Paulo o que Sampaio Ges j havia executado em todo o Brasil com o PNCC e seria visto mais uma vez quando a preveno viajou a bordo de trens e nibus pelo Estado de So Paulo para conscientizar e atender as mulheres carentes que necessitavam de ateno e recursos mdicos.

A Sade nas EstradasEle colocava a mo no bolso, tirava, olhava para o relgio e perguntava sobre tudo, principalmente se as mulheres atendidas calavam chinelo de dedo, pois ele queria que o projeto atingisse as mais necessitadasCECINA DUCATTI

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sade pblica estava a caminho. A bordo de nibus e trens adaptados em consultrios, equipes de mdicas e enfermeiras viajaram por vrias cidades do Estado de So Paulo para levar informaes sobre preveno do cncer e fazer o rastreamento e diagnstico da doena entre as populaes mais carentes, seguidos de tratamento, quando necessrio. Os exames eram voltados para colo do tero, mama, pele e boca. O projeto fazia parte do Programa Estadual de Preveno e Controle do Cncer, pilotado pela Fundao Centro de Pesquisa em Oncologia (FCPO) e pelo Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC) e contava com o apoio do Governo do Estado de So Paulo. Tudo sonhado, idealizado e planejado pelo professor em seus mnimos detalhes. Para isso, ele contou com o apoio da Ferrovia Paulista SA (Fepasa) e das prefeituras por onde passava a comitiva. A mdica responsvel pelo projeto, Lilia Mesquita, contatava com antecedncia os prefeitos municipais para saber da disponibilidade de cada prefeitura em aderir ao projeto. A FCPO, o IBCC e o governo estadual entrariam com nibus/trens, pessoal, material para exames, hospital e tratamento. As prefeituras deveriam oferecer assistncia equipe

Batizado de Hulk, o nibus levava a preveno do cncer para os lugares onde no tinha malha ferroviria

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A PROTAGONISTAAlm do professor Sampaio Ges, o projeto contou com uma personagem decisiva: a mdica Lilia Mesquita, que j trabalhava com ele em sua clnica particular e no IBCC. Como coordenadora, era ela quem negociava com os prefeitos a viabilidade da visita das unidades mveis s cidades. Mais do que isso, ela se instalava na regio antes da chegada dos nibus/trens e aclamava as mulheres para se dirigirem ao local das consultas. Para isso, no media esforos. Llia utilizava as estaes de rdios locais, ia s escolas, igrejas e onde quer que as mulheres estivessem, ou a quem pudesse lev-la at elas. As cadeias pblicas e os prostbulos tambm eram visitados. Ningum poderia ficar de fora. Antes das consultas e exames, ela cumpria outro importante papel: ministrava uma palestra de conscientizao para informar as mulheres sobre os cuidados que devem ser tomados com o corpo para evitar o aparecimento de doenas. Alm disso, essas palestras tambm serviam para desmitificar o medo que elas sentiam dos exames a que seriam submetidas. Depois que a comitiva seguia em frente, Llia retornava s cidades para fazer uma nova blitz. Ai do prefeito que no tivesse cumprido a sua parte e encaminhado os casos positivos para So Paulo. Ela enfrentava-os e no descansava enquanto eles no fizessem o que estava no acordo. Hoje, com mais de 80 anos, ela diz ter sido essa a melhor fase de sua vida profissional. Eu amava fazer aquele trabalho. Ainda sou uma meninamoa e vou voltar para o IBCC para trabalhar com as mulheres. Sinto muita saudade de tudo aquilo.

de sade, como hospedagem e alimentao, alm de cuidar da limpeza do local e do transporte das pacientes para o IBCC, em So Paulo, quando fosse preciso. Algumas delas tambm estavam capacitadas para fazer o tratamento na rede pblica local e deveriam arcar com esse compromisso. O atendimento populao permaneceria uma semana em cada cidade. As primeiras viagens aconteceram a bordo de um nibus, conhecido como Hulk, pela sua cor verde e por vencer os mais diversos obstculos: estradas avariadas, condies adversas de tempo e muitos quilmetros. Apesar de tudo, o Hulk permanecia imbatvel e cumpria a sua misso de atender populao situada prxima malha rodoviria do Estado. Disponibilizados pela Fepasa, trs vages de trem, cada um denominado Papatrem apelido dado como aluso ao exame de Papanicolau , tambm foram integrados ao projeto para contemplar os municpios servidos por ferrovias. Em dois anos de trabalho, 25 cidades foram visitadas, atendendo 20 323 mulheres, das quais 319 apresentaram diagnstico positivo de cncer. Todas elas foram tratadas. Sampaio Ges provava na prtica, mais uma vez, que a Medicina preventiva o principal remdio para o controle das doenas, especialmente o cncer. Cecina Ducatti, auxiliar de enfermagem que integrou a equipe, lembra do retorno da primeira viagem que fizeram de

Cecina Ducatti foi uma das enfermeiras que integrou a equipe do Papatrem

Llia Mesquita

Milhares de mulheres seguiam at o Ptio da Fepasa para serem examinadas

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MAPA DAS VIAGENSAs viagens com o Hulk e os Papatrens duraram dois anos e tiveram um roteiro bastante diversificado:

Um Passo a mais para a Cura... da AlmaA recuperao do deficiente uma obrigao da prpria sociedade para com os seus semelhantesJ O O S A M PA I O G E S J R .

CIDADE

EXAMES

CASOS POSITIVOS

lvares Machado Ana Dias Apia Buri Cndido Mota Itanham Itapeva Itarar Itariri Juqui Martinpolis Miracatu Mongagu Paraguau Paulista Pedro de Toledo Perube Pres. Epitcio Pres. Prudente Pres. Venceslau Quat Rancharia Regente Feij Registro Rio Claro Santo Anastcio TOTALFonte: FCPO e IBCC

524 70 922 600 841 402 1 415 1 233 471 716 941 265 609 913 385 807 646 1 484 1 775 425 642 478 1 024 2 001 734 20 323

7 1 17 4 6 4 13 31 4 8 12 3 17 14 5 10 20 24 37 5 12 5 28 22 10 319

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trem, quando o professor queria saber, principalmente, se as mulheres mais humildes haviam sido atingidas pelo projeto. As respostas no poderiam ser melhores: elas tiveram acesso ao atendimento. Apesar da timidez da maioria delas, sabiam que tudo aquilo havia sido montado em seu benefcio e sentiam-se gratificadas. Para corresponder, locomoviam-se como podiam e chegavam aos postos nas bolias de caminhes, a p, no lombo de cavalos, de carroa etc. O importante era cuidar da me do corpo como chamavam o tero para no ter aquela doena ruim.

e, de certa forma, o primeiro passo para o controle do cncer no Brasil foi dado por meio de iniciativas do professor Sampaio Ges, o segundo tambm viria com a sua preocupao e a conscincia de que a doena pode comprometer o contorno corporal, a funcionalidade e, inevitavelmente, o equilbrio emocional do paciente, o que quase sempre implica em preconceito, rejeio social, constrangimento, desconforto e tudo o que representa ver parte do corpo mutilada. Sendo assim, a recuperao de sua auto-estima fundamental e faz a diferena para o xito do tratamento. Conforme registrou Sampaio Ges no documento de 1983, intitulado Fundao Centro de Pesquisas em Oncologia, Estruturas, Objetivos e Realizaes, a recuperao do deficiente resultado da promoo de esforos para garantir aos pacientes a assistncia adequada, cuidados especiais, orientao e trabalho. Em outras palavras, eles tm o direito a um tratamento humanizado, digno. Com essa filosofia e sob a coordenao de Edmundo Pinto da Fonseca, militante no setor de reabilitao protica e na poca chefe dos departamentos de Cirurgia, Traumatologia e Bucomaxilofacial da Faculdade de Odondologia da USP, nasceu o Setor de Reabilitao da Fundao Centro de Pesquisas em Oncologia (FCPO). O centro previa a formao de pessoal na rea de reabilitao, com o objetivo de oferecer melhor qualidade de vida ao paciente, reforando sua auto-estima e ajudando-o na sua reinsero sociedade. A inteno era de que, tendo como parmetro os centros de excelncia dos pases

Edmundo Pinto da Fonseca doou FCPO a patente que ganhou pela idia da prtese mamria

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mais avanados, fosse implementada uma logstica para a identificao de todos os casos, curados ou no, que chegavam FCPO e precisavam de reabilitao. Dessa maneira, um servio interdisciplinar foi estabelecido com uma equipe que inclua assistente social, cirurgio plstico, fonoaudilogo, odontologista, prottico e psiclogo, cada qual desempenhando o seu papel. Tambm competia ao Servio de Reabilitao a promoo de estudos e troca de PRTESE MAMRIA: A IDIA QUE VIROU PATENTE experincias no que se referia reabilitao do cncer. Mais O Instituto Brasileiro de Controle do Cncer (IBCC) era o responsvel por grande parte do nmero de cirurgias dos pacientes atendidos na Fundao. de 60 cursos e eventos foram Para se ter uma idia, a maioria das pacientes que ia para a mesa cirrgica patrocinados ou contaram saa mastectomizada, pois at meados da dcada de 70 qualquer pequeno com a participao da tumor pedia uma grande margem de segurana na hora da cirurgia. Fundao. Os trabalhos cienUma das poucas opes para essas mulheres era a reconstruo cirrgica tficos publicados tambm mamria, financeiramente invivel para uma grande parte delas, ou a prtese mamria externa importada, quase inacessvel por ser igualmente ganharam notoriedade 17 cara. Elas improvisavam alguma coisa para colocar no suti, pois prereceberam a autoria do cisavam se defender. Era realmente humilhante, conta Edmundo Pinto da servio da Fundao, inclusive Fonseca. Assim tambm pensava Joo Sampaio Ges Jr., que, ao se dar conta do problema, solicitou imediatamente ao professor Edmundo: voc o da prtese mamria em PVC. capaz de desenvolver uma prtese de mama para minhas pacient