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enfoque Estudos Sociais no Primeiro Grau
Elza Nadai
pontos de vista A Criança, Novos Tempos, Novos Espaços: a História e a Geografia na Escola
Dulce Maria Pompêo de Camargo Ernesta Zamboni
Miguel Arroyo
Pátria Amada, Ignorada
resenhas O Ensino de História; uma Prática que Ultrapassa os Muros da Escola Pública
Nelma Baldin
A Geografia do Aluno Trabalhador. Caminhos para uma Prática de Ensino
Márcia Spyer Resende
bibliografia Estudos Sociais no Primeiro Grau
painel Notícias Educacionais
Em Aberto, Brasilia, ano 7, n.37, jan./mar. 1988
ENFOQUE
ESTUDOS SOCIAIS NO PRIMEIRO GRAU
Elza Nadai*
A história dos Estudos Sociais na escola de primeiro grau remonta praticamente às origens da organização do sistema público de ensino, se concordarmos com os estudiosos que têm na Revolução de 30 o "grande ponto de corte" do processo de definição do sistema escolar brasileiro.1 Portanto, um período que abrange um pouco mais de meio século, o que nas palavras de Fernand Braudel, corresponde a uma "fase conjuntural".2
A decorrência imediata que se segue é o reconhecimento de que os Estudos Sociais, em sua trajetória de implantação/desimplantação na escola brasileira, passaram por momentos e fases diferentes nas quais é possível captar nuances e modificações em sua própria natureza.
Reduzir, assim, os Estudos Sociais a uma só modalidade ou então articular os Estudos Sociais, preferencialmente, à política educacional pós
* Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
É quase consenso entre os estudiosos da educação brasileira a escolha da Revolução de 30, como o grande marco periodizador da educação no país. Cf. CHAGAS, Valnir. Educação brasileira, o ensino de primeiro e segundo graus: antes, agora e depois? ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930-1973. Petrópolis, Vozes, 1978; FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. 3.ed., São Paulo, Cortez e Moraes, 1979.
2 BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais. Trad. Carlos Braga e Inacia Canelas. Lisboa, Editorial Presença, 1972, p.7-70.
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
64, na verdade, não garante a totalidade necessária na qual a temática em questão deve ser abordada e explicitada.
Numa perspectiva mais abrangente, captar a historicidade dos Estudos Sociais na escola de primeiro grau significa focalizá-los em alguns momentos diversos, a saber:
• no início da década de 30, quando no contexto da divulgação/absorção do ideário da escola pragmática norte-americana no Brasil, são realizadas as primeiras discussões a respeito do assunto;
• nas décadas de 50/60, quando a partir de uma possibilidade criada pela Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 4.024, de 20.12.1961, são instituídas as primeiras inovações na escola oficial;
• na década de 70, quando, no contexto das políticas que se seguiram ao golpe militar de 1964, ocorreram reformas no sistema educacional abrangendo todos os graus e a criação da licenciatura curta;
• nas décadas de 70/80, quando no bojo de sua institucionalização, ocorreu também o movimento de resistência e de luta contra a sua implantação.
O nosso trabalho pretende, assim, explicitar a natureza, as preocupações, os objetivos e os temas fundamentais que caracterizaram os debates, acerca dos Estudos Sociais em cada um dos momentos focalizados, realizando, simultaneamente, um balanço das pesquisas produzidas, sobretudo no último decênio, acerca do tema.
Entretanto, face à procedência norte-americana dos Estudos Sociais, é conveniente explicitar o seu significado de origem.
Desenvolvimento dos Estudos Sociais nos Estados Unidos
Inúmeros autores3 têm chamado a atenção para as marcas de indefinição e amplitude que têm caracterizado sua existência, como área de ensino, desde que, pela primeira vez, foi utilizada a expressão Estudos Sociais: provavelmente, em 1983, no Report of the Committee of Ten of the National Education Association. A partir daí, os Estudos Sociais vincularam-se à pedagogia norte-americana, embora nem sempre com o mesmo significado ou ocupando igual papel no currículo.
Pode-se, pelo menos, arrolar três projetos que vêm caracterizando o campo dos Estudos Sociais, nem sempre Complementares ou guardando relações de sucessão e reciprocidade. Eles estão, muitas vezes, imbricados uns nos outros, a tal ponto que são confundidos e identificados como único, sobretudo a partir dos anos trinta.
Realmente, foi no bojo do projeto politico do New Deal, instituído por Franklin D. Roosevelt, democrata vencedor das eleições de 1932, que tinha por objetivo fundamental a recuperação e reforma do país, após a Grande Depressão que colocara em cheque o capitalismo norte-americano, que os Estudos Sociais ganharam maior alento. A partir daí, pode-se reconhecer a existência de um projeto dominante de Estudos Sociais para as escolas norte-americanas, sem perda, entretanto, de, na prática pedagógica, surgirem temas e objetivos não coincidentes aparentando divergência de natureza.
Quais são estes projetos que informam os Estudos Sociais? O primeiro deles, inclusive na perspectiva temporal (início do século XX), foi a identi-
3 METCALF, L Research on teaching the social Studies, ln: CAGE, ed. Handbook of research on teaching. Chicago, Rand Mac Nally, 1963, p.929; BARTH & SHERMIS. Defining the social Studies: an exploration of three traditions, ln: THE NATIONAL Council for the social Studies. Washington, D.C., 1970, p.743; ORLANDI, U Evaluation of learning in secondary school social Studies, ln: BLOON, ed. Handbook on formative and summative evaluation of Student learning. New York, MacGraw Hill, 1971, p.452; SHAVER & LARKINS. Research on teaching the social Studies, ln: TRAVERS, ed. Handbook of research on teaching. Chicago, Rand Mac Nally, 1973, p.1244 e segs.
ficação dos Estudos Sociais ao ensino das Ciências Sociais. O seu conteúdo, diretamente, era o conteúdo proveniente das diversas Ciências Humanas. O seu objetivo fundamental ligava-se à divulgação do conhecimento produzido no âmbito das Ciências Sociais.
Nesse período, a liderança dos Estudos Sociais esteve predominantemente com a História, daí a ênfase na memorização dos fatos e datas importantes. Com o passar dos anos, conteúdos de outras ciências foram acrescentados: Geografia, Sociologia, Política, Economia.
Outro projeto vincula-se mais diretamente à tradição de identificar a escola à vida (life adjustment) que, opondo-se à escola, dita de Artes Liberais (Liberal Arts), cuja meta principal é o conhecimento da herança cultural da humanidade, sugere uma variedade de objetivos, como os determinantes no trabalho de Estudos Sociais, abrangendo desde "(...) considerar seus semelhantes, dirigir um carro, relacionar-se com os familiares, participar do escotismo, até ler editoriais sofisticados dos jornais, para citar alguns poucos exemplos".4
Nesta perspectiva, não há um conteúdo definido a priori. O conteúdo dos Estudos Sociais é selecionado em função das necessidades imediatas e práticas dos alunos, podendo ser retirado das várias ciências sem a preocupação formal de vinculá-lo a nenhuma em particular. O conteúdo é selecionado em função de problemas específicos que os Estudos Sociais ajudavam a identificar e encaminhavam para soluções direcionados por uma visão pragmática: a vida em uma sociedade democrática.
Pretendendo ser uma terceira posição e simultaneamente uma síntese entre as duas correntes anteriores surgiu a da cidadania (Citizenship) que "(...) exorta o indivíduo a participar na reforma da sociedade através da discussão racional, que conduz a um consenso sobre os problemas e pressão para a mudança".5 Com o New Deal, os Estudos Sociais pas-
ORLANDI, L.R. Evaluation of learning in secondary school social Studies, ln: BLOON, ed. Handbook on formative and summative evaluation of Student learning. New York, Mac Graw Hill, 1971, p.455.
5 Idem, p.454.
sam a ser confundidos com estudos sobre a comunidade. Assim, fundem-se praticamente os projetos de formação "do cidadão para a vida democrática", privilegiando a necessidade de preparar o educando, de um lado, para "(...) viver em comunidade, no âmbito da democracia americana e partilhar os seus valores" e, de outro, a "obter um bom desempenho diante da forma como estava organizada a sociedade norte-americana".6
Portanto, esta vinculação dos Estudos Sociais à atuação dos indivíduos na vida prática está presente, invariavelmente, quando se aborda o papel que desempenha na educação norte-americana. Segundo John U. Mi-chaelis, os Estudos Sociais "constituem o núcleo para o desenvolvimento das aprendizagens sociais necessárias à vida democrática" e "ocupam-se com as pessoas e as ações recíprocas entre elas e o meio social e físico: seu campo são as relações humanas".7
A operacionalização desses objetivos é captada na variedade e abrangência temática que os diversos sistemas escolares norte-americanos incorporam em seus currículos - "programas bem planejados que incluem conteúdos, materiais e atividades referentes a relações humanas no lar, na escola, na comunidade e em outros lugares, tanto próximos como distantes, quer no tempo, quer no espaço", como por exemplo: Lar, Escola e Bairro (no primeiro grau); Nossa Cidade, a Padaria, a Biblioteca, a Polícia, Nossa Roupa, Nossos Lares (no segundo grau); História da Nossa Comunidade, os Bons Americanos, os Índios, a Vida numa Comunidade Primitiva, Crianças de Outras Terras, Comunidades dos Primeiros Tempos (no terceiro grau); Vida em Nosso Estado, Primeiros Colonizadores, Pessoas Famosas (no quarto grau); Vida Colonial, a Vida dos Pioneiros, Regiões dos Estados Unidos, Indústrias, Nossos Vizinhos do Sul, Possessões Americanas, Americanos Famosos (no quinto grau); Europa e Antecedentes Europeus da História Americana (no sexto grau); História dos Estados Unidos, os Direitos e Deveres do Cidadão, Nosso Governo, a Constituição, Trabalhando em Conjunto na Nossa Comunidade, A Comunidade Moderna (no sétimo grau); O Desenvolvimento das Instituições
6 WESLEY, Edgar. Social Studies, ln: ENCYCLOPEDIA of Educational Research, New York, 1968, p. 1234. v.4
7 MICHAELIS, John U. Estudos sociais para crianças numa democracia. Trad. Leonel Vallandro. Rio de Janeiro, Globo, 1963, p.3 e 5.
Americanas, O Crescimento da Democracia, O Governo Americano, A Revolução Industrial, Americanos Ilustres, Os Inícios e o Crescimento da Nossa Nação, Nossas Relações com Outros Países e Nações Unidas (no oitavo grau).8
Este breve arrazoado demonstra que a maioria dos currículos incorpora o ambiente imediato da criança como o ponto inicial dos estudos, para daí projetá-los para outros lugares e outros tempos mais recuados, seja no espaço ou no tempo. Entretanto, a ênfase maior recai sempre na história nacional e nos americanos ilustres que são tomados como referência e projetados como modelos a serem seguidos na formação do futuro cidadão.
Se, por um lado, há concordância entre os vários programas dos diversos sistemas de ensino, na vinculação dos Estudos Sociais à "formação da cidadania para a sociedade democrática", por outro lado, há divergências quanto à sua compreensão e ao seu significado e alcance.
Em alguns currículos, a cidadania é entendida como um compromisso anterior com os valores, preponderantes na comunidades na qual se localiza a escola e vivem os alunos e suas famílias, numa perspectiva conservadora e reacionária que preserva a manutenção do status quo e, em outros, a cidadania surge numa visão dinâmica e facilitadora da mudança como "um processo de capacitação para tomada de decisões dentro da estrutura sócio-política do país, pois, segundo seus adeptos, a democracia política necessita de indivíduos capazes de fazer escolhas e tomar decisões.9
Nos finais dos anos 50, os Estudos Sociais bem como todo o sistema educacional, em meio à reformulação que se seguiu após o êxito do programa espacial russo, passaram por uma revisão ampla. E neste contexto que emergem as teorias de J. Bruner baseadas na estrutura da
8 Idem, p.5, 7 e 8. 9 ESAÚ, Marília Alves Pedrosa. Avaliação de planos de ensino de estudos so
ciais; problemas conceituais e metodológicos. São Paulo, PUC, 1973. p.9. dissertação (mestrado)
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
matéria. Esta é buscada pelas diferentes áreas, primeiro pelas Ciências Físicas e depois pelas Humanas e Línguas.
A estrutura da matéria refere-se aos conceitos fundamentais, suas interrelações e aos métodos específicos utilizados pelos cientistas para elaborá-los. Assim, para J. Bruner, "captar a estrutura da matéria em estudo é compreendê-la, de modo que permita relacionar de maneira significativa, muitas outras coisas com ela. Aprender estrutura, em suma, é aprender como as coisas se relacionam (...) O ensino e a aprendizagem da estrutura, mais do que simples domínio de fatos e técnicas, estão no centro do clássico problema da transferência (...) O que um cientista faz à sua mesa, ou em seu laboratório, o que um crítico literário faz ao ler um poema são da mesma ordem do que o que qualquer um fará quando empenhado em atividade semelhante - se pretende chegar a compreender. A diferença é de grau, não de natureza".10
Baseados nesta teoria, que grande influência exerceu também no Brasil, surgem movimentos procurando identificar os conceitos básicos dos Estudos Sociais11 o que acabou por levar a uma delimitação mais nítida da área e a uma definição mais clara dos seus objetivos: a tendência observada neste processo foi a revalorização, em geral, do domínio cognitivo, ao invés da prática. Entretanto, os objetivos ligados à formação da cidadania são preservados em inúmeros programas de diferentes escolas americanas. Como destaca Michaelis, o aluno deve "tornar-se uma pessoa democrática cujo comportamento seja guiado por valores democráticos" e, ainda, "que seja leal ao sistema de vida americano e que saiba apreciar os sacrifícios e contribuições feitas para promover a vida democrática neste país e no resto do mundo".12
10 BRUNER, Jerome. O processo da educação. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. 3.ed., São Paulo, Nacional, 1972, p.7, 11,12 e 13.
II São desta época o Report to the California State Curriculum Commission by the California State Central Committee on Social Studies (1962). ln: ESAÚ, Marília Alves Pedrosa. Op.cit., p.11. O artigo de Ema Julia Massera, Estudos sociais: espécie em extinção?, recupera a influência de Bruner no currículo de Estudos Sociais planejado para a escola de 1º grau do Rio Grande do Sul. Cf. MASSERA, Ema Julia. Estudos sociais: espécie em extinção? História, Ensino & Pesquisa, Porto Alegre, 1(1):29-48, mar. 1985.
12 MICHAELIS, John U. Op.cit., p.14.
A Escola Nova e a introdução dos Estudos Sociais no Brasil
No Brasil, os Estudos Sociais aparecem, pela primeira vez, no bojo do movimento de renovação educacional que, segundo Fernando de Azevedo, caracterizou a década de 20 e início da década seguinte e foi expressão das novas condições sociais caracterizadas pela industrialização e urbanização que se intensificaram com o término da Primeira Guerra Mundial. Este movimento que se definiu por uma renovação metodológica e programática inspirou-se em traços alienígenas, sobretudo dos Estados Unidos e dos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental.
Neste contexto, os Estudos Sociais foram introduzidos no currículo da escola elementar do Distrito Federal na gestão de Anísio Teixeira, à frente do Departamento de Educação, da Secretaria da Educação e Cultura do Distrito Federal. Sob sua inspiração direta, foi publicado, em 1934, um Programa de Ciências Sociais para a escola elementar, que teve várias edições sucessivas até 1955. Reapareceu novamente, agora sob o título de Estudos Sociais na Escola Elementar, nos anos sessenta, quando, com pequenas modificações, foi incorporado à Biblioteca do Professor Brasileiro, no Programa de Emergência do Ministério da Educação e Cultura, à frente do qual, encontrava-se, então, o professor Darcy Ribeiro.13
Alguns autores têm insistido no fato de que a importação de novidades estrangeiras, o comportamento imitativo do que se passa nos países adiantados, sem a devida crítica ideológica, tem sido um dos pilares da modernização brasileira, sobretudo no século XX, sendo muito intenso nas questões educacionais, onde imperariam os modismos. Este processo explicaria, assim, a introdução dos Estudos Sociais na escola brasileira. Ora, pode-se perguntar, por que alguns comportamentos são aceitos e assimilados e outros não? Será esse processo mecânico e realizado de maneira ingênua, como querem uns, valorizado só pelo fato de ser estrangeiro? Denotaria um vício do bacharelismo moderno, deslumbrado ante os conceitos e as fórmulas importadas que pareciam ser corretos
13 Trata-se do livro Estudos sociais na escola primária. Rio de Janeiro, MEC, 1962. (Biblioteca do professor brasileiro) Orientação e redação de Josephina de Castro e Silvia Gaudenzi.
por serem estrangeiros, como afirma, por exemplo, Carlos Roberto Jamil Cury?14
Marta Maria Chagas de Carvalho, em sua tese Molde Nacional e Forma Cívica: Higiene, Moral e Trabalho no Projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931), descarta a tese da boa intenção ou da ingenuidade para explicar a absorção de novidades alienígenas, no caso da ação da Associação Brasileira de Educação (ABE) na divulgação do movimento da Escola Nova, detectanto em seu lugar "o sinal de uma percepção aguda das possibilidades disciplinares dos novos métodos" na construção de um novo projeto social que, segundo a autora, é constituído de dois processos inter-relacionados: de um lado, "a redefinição da escola, sob o paradigma da fábrica" e, de outro, "a moralização do espaço urbano", na qual a cidade, enquanto "espaço de concentração de operários desocupados em torno da fábrica", é proposta "como objeto de intervenção destinado a impor uma convivência harmoniosa das classes sociais".15
Quando examinamos os discursos daqueles que têm marcado a trajetória da implantação dos Estudos Sociais nas escolas brasileiras, salta aos nossos olhos uma diferença fundamental: há um discurso que, elaborado por volta de 1930, se repete, tanto na argumentação utilizada como nas teses defendidas, até a década de sessenta. Outro discurso completamente diferente surge na década de setenta.
O primeiro, como será analisado, tem como eixo central o destaque do papel dos Estudos Sociais na elaboração de uma sociedade harmônica e equilibrada, sem divergências e conflitos, resultante da contribuição igualitária de indivíduos, etnias e grupos.
14 CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira - católicos e liberais. São Paulo, Cortez, 1978. p.184. Ver também: SANTOS, Maria Luisa. Introdução à história da educação brasileira. São Paulo, Cortez & Moraes, p.83 e segs.
15 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e forma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). São Paulo, FEUSP, 1986, p.9-10. tese (doutorado)
Por outro lado, os documentos oficiais que sustentam a utilização dos Estudos Sociais, na década de 70, não valorizam mais a questão da formação social harmoniosa, mas sim, a questão da cidadania, como eixo central do discurso.
Queremos sugerir, neste trabalho, que os Estudos Sociais foram, entre as décadas de 40 e 60, um dos mediadores fundamentais na concretização do projeto social referido. Entretanto, isto não ocorreu de imediato e nem ganhou a totalidade da escola e da sociedade civil, só o fazendo após o golpe militar de 1964 e as reformas educacionais que se seguiram, quando, então, sustentado no discurso da cidadania, tornou-se dominante, por força da imposição legal e institucional, apesar das múltiplas resistências detectadas nos vários setores da sociedade civil. No período entre 1930 e 1964, nos momentos de vigência das liberdades públicas, de democracia política, esta proposta foi somente indicativa, sendo inclusive usada como ampliação do espaço da crítica social, sem se chegar, entretanto, à negação da sociedade de classes, numa direção reformista, mas contestadora. Pode-se detectar, assim, dois momentos peculiares na história da implantação/desimplantação dos Estudos Sociais no Brasil: um, aliado ao pensamento progressista educacional, foi incorporado em algumas práticas inovadoras de grande alcance e, outro, assumido como uma das expressões de uma política antidemocrática e autoritária.
Esta ambigüidade tem marcado, indelevelmente, a trajetória dos Estudos Sociais na escola brasileira. De certa forma, é esta ambigüidade que explica a seleção, ora de uma ciência, ora de outra, para funcionar como "a chave dos Estudos Sociais", nas palavras de Delgado de Carvalho.
No programa de 1934, foi usada a expressão Ciências Sociais na identificação da nova área curricular. Delgado de Carvalho, no prefácio à edição de 1955, insiste na diferença que deve haver entre Ciências Sociais e Estudos Sociais. Afirma ele: "As Ciências Sociais são ensinadas sob a forma de Estudos Sociais (...) Estes têm campo idêntico, pois tratam de relações humanas e compreendem as mesmas disciplinas [ele inclui a Sociologia, a História, a Política, a Economia, a Geografia e a Antropologia Cultural]. Mas seu objetivo não é propriamente a investigação, mas sim o ensino, a vulgarização. O seu propósito não é fazer progredir a
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
Ciência, mas educar. Sem ser ciência normativa, as Ciências Sociais guiam os Estudos Sociais e os levam a conclusões práticas instrutivas e úteis".16 A Instrução Cívica, embora devesse se somar aos Estudos Sociais, é descartada, devido ao seu caráter prescritivo, normativo e apologético, que, segundo ele, tem caracterizado o seu ensino nos países latinos.
Quais são os objetivos dos Estudos Sociais, desde o início enunciados, e que, a nosso ver, ajudam a corporificar o "projeto de moralização do espaço urbano" e de "organização da escola"?
Em primeiro lugar, há que se destacar a crença na contribuição harmoniosa de todos os indivíduos na edificação da sociedade; a cooperação individual na elaboração do bem comum - a interdependência entre eles - cada qual na sua função, desenvolvendo a consciência do lugar que cada um ocupa na sociedade. "Educação para a identificação", no dizer de James Henning, que revelaria "a cada operário suas relações com a fábrica" tal como os Estudos Sociais revelam aos jovens "os fatos e as relações que lhes permitem se identificar com os trabalhos, as festas e as proezas da humanidade".17
Estes processos de cooperação, interdependência, integração são destacados, igualmente, como sustentadores das relações entre indivíduos, etnias, nações e países. Os Estudos Sociais, por fim, anulam as atitudes extremadas e os radicalismos estéreis que só dificultam o aprofundamento dos laços de amizade entre os povos: "o radicalismo, o partidarismo incondicional, o extremismo das soluções, longe de favorecer a compreensão e a paz, criam os problemas que procuram resolver à violência e à agressão. Os Estudos Sociais disciplinam a ação criadora sem cerceá-la".18
16 CARVALHO, Delgado de. Introdução metodológica aos estudos sociais. Rio de Janeiro, Agir, 1957. p.11-2.
17 HEMMING, James. The teaching of social Studies. Citado por CARVALHO, Delgado de. Op.cit., p.66.
18 CARVALHO, Delgado de. Op.cit., p.69.
A colaboração dos diversos indivíduos e etnias na construção da nacionalidade brasileira é a tônica do primeiro programa de Estudos Sociais elaborado para o ensino fundamental do Distrito Federal. Na construção da nacionalidade, todos, igualmente - colonizadores portugueses, índios nativos, africanos, estrangeiros - despenderiam esforços nessa ação, estreitando os laços de solidariedade entre eles, o que indicaria para a criança a necessidade de se localizar nesse processo, com vistas a garantir sua continuidade. Desta forma, o devir - controlado nesta perspectiva - estaria garantido.
Em que medida substituir o ensino de História e de Geografia, para os propositores da Escola Nova, representaria um avanço no processo de educação e possibilitaria melhor servir à construção do projeto social referido?
Na década de 30, os argumentos utilizados, referem-se, principalmente, ao fato de que os Estudos Sociais, justamente pela sua amplitude, teriam melhores condições de responder, de forma adequada e conveniente, aos objetivos em questão. A História e a Geografia, de certa forma, por conterem, na própria definição, a delimitação do objeto, embora aparentemente ainda impreciso19, não ofereciam condições de maleabilidade suficientes para o trabalho interdisciplinar em direção aos objetivos defendidos. A delimitação do campo era por demais rígido. Ao mesmo tempo, tornando o conjunto das Ciências Humanas o suporte dos Estudos Sociais, era possível apropriar-se da contribuição de cada uma delas, o que beneficiaria, segundo eles, de imediato, as crianças, pois "alargam-se os campos de trabalho, interpretam-se tópicos de disciplinas diferentes; multiplicam-se as interdependências e apagam-se, também, as delimitações precisas".20
19 Delgado de Carvalho em sua obra Introdução metodológica aos estudos sociais insiste que a diversificação da História é, ao mesmo tempo, cronológica e espacial, com infinitas variações, o mesmo ocorrendo com a Geografia. Cf., op. cit., p.15.
20 Idem, ibidem.
Ao argumento da amplitude, acrescentava-se o fato de se reconhecer a ciência como una - sua subdivisão era feita somente por "comodidade do estudo, do ensino, da própria limitação do espírito".21
Estes dois elementos citados - a amplitude do campo de atuação e a univocidade da ciência - são unificados pelo papel do método, que precisa deixar espaço tanto à iniciativa da criança, como ao trabalho do professor, uma vez que este não pode ser pautado por uma rígida seqüência que a criança aceita, cegamente, "como se fosse uma coleção de fatos exatos que os autores e mestres conhecem, mas a criança, não", concluía Delgado de Carvalho, citando James Henning em seu trabalho de 1949, The Teaching of Social Studies".22
Assim, em Estudos Sociais, qualquer assunto pode levar o educando ao conhecimento humano se a aprendizagem exploradora e flexível for praticada, como uma lição de constante experiência, bem planejada. A criança aprende, assim, que nem livros, nem mestres são infalíveis e que a aprendizagem é "uma aventura contínua na qual ela também pode tomar parte".23
A partir dos anos 30, portanto, os Estudos Sociais penetram no currículo da escola elementar de forma mais duradoura em alguns estados, como por exemplo em Minas Gerais, onde a partir de um convênio do Ponto IV, entre o Governo brasileiro e o norte-americano, foi organizado, em 1953, um Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar, mais conhecido pela sigla que o popularizou - PABAEE.24 Entre seus objetivos principais, estava a produção e a adaptação de material didático e a promoção do aperfeiçoamento de professores das escolas normais e de orientadores do ensino primário.
21 Idem, ibidem. 22 idem, p.67. 23 idem, ibidem. 24 Foi neste contexto e em decorrência do Programa que foram traduzidos e publica
dos alguns livros de Estudos Sociais norte-americanos que exerceriam grande influência no Brasil: o de John U. Michaelis, já citado e o de Ralph C. Preston, Ensinando estudos sociais na escola primária, Rio de Janeiro, USAID, 1964.
Em São Paulo, no programa de 1967 para a Escola Primária, os Estudos Sociais são também delimitados como área "que tem como objeto de estudo o homem em sua interação com o meio físico e social e vale-se da contribuição de diversas ciências como: Economia, História, Geografia, Antropologia, Ciência Política, Sociologia e outras. Os conhecimentos de diversas ciências são integrados na área de Estudos Sociais e tratados de maneira simples com o objetivo de contribuir para socializar a criança, dando maior relevo à ação e ao comportamento e não à assimilação passiva dos conhecimentos".25
As inovações educacionais no ensino secundário e o papel dos Estudos Sociais
Os Estudos Sociais ganharam novo impulso no final dos anos 50, com a criação da possibilidade de funcionamento de classes experimentais relativas ao curso secundário (Portaria MEC, de 02.01.1959) nas quais se permitiria certa margem de liberdade na organização curricular. A própria Lei nº 4.024, de 1961, incluiu os Estudos Sociais entre as disciplinas optativas sugeridas pelo Conselho Federal de Educação (CFE) para o ensino médio.
Neste contexto surgiram algumas inovações26, dentre elas podendo ser citados, em São Paulo, os Ginásios Vocacionais e os Pluricurriculares que, ao lado da Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo, já existente, incorporaram os Estudos Sociais em seus currículos.
Em relação ao ensino superior, a Lei nº 3.998 de 15.12.1961 criou a Universidade de Brasília, cujo Plano Diretor, de autoria de Anísio Teixeira e
25 São Paulo. Secretaria Estadual da Educação. Programa da Escola Primária do Estado de São Paulo, 1969. Citado por ISSLER, Bernardo. A geografia e os estudos sociais. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Prudente, 1973. p.221-2. mimeo. 26 Sobre o significado do termo inovação, ver GARCIA, Walter E., org. Inovação educacional no Brasil, problemas e perspectivas. São Paulo, Cortez, 1980, especialmente o capitulo escrito por Maria Amélia Azevedo Goldberg: Inovação educacional: a saga de sua definição.
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
Darcy Ribeiro expressava uma nova forma de estruturação universitária, na qual a tônica era dada pela integração de dois tipos de unidades universitárias - os institutos centrais e as escolas -, tendo como unidade básica de ensino e pesquisa o departamento. Esta questão, ao lado de outras sugestões contidas no Plano como, por exemplo, os cursos superiores de curta duração (dois anos), a pós-graduação, a implantação de cursos básicos, de sistemas de crédito, chamam a atenção para o isolamento em que cada uma das Ciências Humanas se encontrava, reacendendo os debates em torno da integração curricular e da interdisciplinaridade.
O que foram os Estudos Sociais, no plano da realização, implantados nas escolas secundárias renovadoras? E possível explicitar o papel que eles desempenharam na moralização do espaço social e na organização escolar? Havia outros projetos, no plano do discurso, referentes aos Estudos Sociais?
Delgado de Carvalho publica, em 1957, o seu Introdução Metodológica aos Estudos Sociais, livro destinado a exercer considerável influência no tratamento do tema analisado. O autor situa o seu tempo como o de aceleradas mudanças, de progresso material, de intenso clima de competição que não encontra correspondência na educação, havendo, portanto, profunda décalage entre as duas instâncias - a social e a educacional. Constata ele: "... a educação de hoje tem de se adaptar a uma vida de aviões e rádios, televisões, cinemascope, refrigeradores e bombas atômicas (...) O abismo existente entre o progresso material da nossa civilização e o atraso mental do momento é a tragédia do mundo moderno e cada vez irá se acentuando, se a educação não preparar os indivíduos para o meio em que estão chamados a viver".27
Demonstrando profunda crença no poder mágico da ciência, como reveladora dos problemas mais graves de educação e da sociedade, acentua o papel dos Estudos Sociais - baseados na Sociologia (área núcleo) -como fundamental na preparação do aluno para a mudança; no treino de opções e como condição de resolução de problemas decorrentes da ins-
27 CARVALHO, Delgado de. Op. cit., p.73.
tabilidade e da falta de segurança no futuro; "no despertar atitudes, em relação às pessoas e às coisas que leve (o aluno) a ter consciência do lugar que ocupa na sociedade".28
A ênfase recai na valorização da cooperação como condição de superação da desarmonia, do conflito e da divergência: "o desajustamento social, provocado pelo isolamento, a apatia, o egoísmo do homem que se fecha em si mesmo, resulta da falta de cooperação nos anos de aprendizagem, muitas vezes", afirma Delgado de Carvalho.29 A ação escolar, como realizadora da mudança social, pela modificação do comportamento dos homens - de egoístas, individualistas, geradores de conflito, trans-formar-se-iam em solidários, amigos e companheiros - eis o poder mágico da educação e dos Estudos Sociais, a área prioritária para exercê-lo.
Até aqui temos tratado o tema no plano do discurso. Como síntese, percebe-se uma profunda vinculação entre os objetivos gerais da educação e dos Estudos Sociais. Estes são privilegiados, de um lado, como condição de realização dos primeiros. A ênfase recai sempre na necessidade de formação da criança e do adolescente para viver em um mundo em acelerado processo de mudança, no qual o progresso técnico é o seu motor. Por outro lado, essa sociedade é identificada de maneira orgânica, funcional, na qual o todo é somatório dos indivíduos envolvidos isoladamente, com interesses semelhantes ou, quando não, com possibilidade de a escola e, por extensão, os Estudos Sociais exercerem interferência positiva na sua constituição ou transformação.
E no plano da realização, qual o significado dos Estudos Sociais?
Como foi dito, os Ginásios Vocacionais se constituíram numa dentre as
28 Idem, p.66. A tendência em considerar a Sociologia como a área núcleo do currículo foi defendida e explicitada por outros autores, além de Delgado de Carvalho. Destacaremos, dentre eles, os seguintes: CARVALHO, Irene Mello. Introdução aos estudos sociais. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1961; TELLES, Antônio Xavier. Estudos sociais, nova perspectiva do programa. São Pauto, Ed. Nacional, 1969; LEITE, Miriam Moreira. Introdução aos estudos sociais. São Paulo, Cultrix, 1973.
29 CARVALHO, Delgado de. Op. cit., p.68.
diversas inovações do ensino secundário dos anos 60 e aqui serão priorizados como objeto de análise e espaço de reflexão.
Os Ginásios Vocacionais não nasceram prontos e acabados mas foram sendo constituídos, em seu cotidiano, pela atuação conjunta de seus professores, alunos, pais, orientadores, supervisores, funcionários e diretores, sendo possível, inclusive, captar algumas contradições vividas no interior de seu espaço social, bem como captar o plano da realização possível, da prática pedagógica no que temos referido até agora como sendo o do discurso hegemônico dos Estudos Sociais.
Como os Estudos Sociais foram entendidos e implantados nos Ginásios Vocacionais, particularmente no Ginásio Estadual Vocacional "Chanceler Raul Fernandes" de Rio Claro, onde o próprio prédio foi a materialização do projeto educacional, reproduzindo suas necessidades e objetivos?30
A linha dominante do espaço social da escola era ocupada pela integração dos vários Institutos - as áreas - de Educação Artística, Educação Comercial, Educação Física, Artes Cênicas, Laboratório de Ciências, dominados pelo prédio das Humanidades e Línguas, onde se encontrava a área núcleo dos Ginásios Vocacionais. Era um prédio de dois andares, cobrindo ioda a extensão do terreno, ocupando privilegiada posição e, internamente, distribuía-se em inúmeras salas de aulas, salas de professores e a biblioteca, peça importante da estrutura do ensino vocacional.
Portanto, integração (a começar do espaço) e área são dois dos elementos fundamentais na caracterização dos Estudos Sociais, baseados, sobretudo, nas ciências da História e da Geografia. Estas não perdiam suas respectivas identidades; pelo contrário, dos debates travados entre os seus professores e pelo trabalho coletivo elas se explicitavam cada vez mais intensamente, tanto em seu objeto quanto em seus métodos.
Entretanto, o discurso com ênfase na colaboração, na harmonia social, encontrou guarida em seus objetivos. Por exemplo, entre os objetivos da
30 A autora trabalhou durante três anos, de 1966 a 1968, ministrando aulas de História na área de Estudos Sociais, para as 5as, 6as, 7as e 8a s séries do primeiro grau.
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
área de Estudos Sociais do Ginásio João XXIII, de Americana, estão arrolados, entre outros, os seguintes: "Pôr o adolescente em contacto com o mundo que o cerca; formar o sentimento de nacionalidade; promover a valorização do elemento humano, desenvolvendo atitude de aceitação para com as diferentes raças, crenças e nacionalidades; valorizar a cultura e conseqüentemente a hierarquia de valores; desenvolver no educando a consciência histórica (consciência da união com o passado numa continuidade que prende e ilumina o futuro); contribuir para integrar o indivíduo na sociedade em que vive (desde a comunidade em que vive, até o país e o mundo dos quais participa como cidadão - levando o adolescente a tornar-se capaz e desejoso de desempenhar seus deveres cívicos...".31
Estes objetivos eram corporificados em outros momentos da vida escolar, o que ampliava o seu grau de expressão prática: na organização inicial das classes, baseada na mesma estrutura de classes do local em que ficava a escola, sendo as vagas distribuídas na mesma proporção; a preservação do espaço interno como um espaço possível da participação e da cooperação. Procurava-se, assim, manter elevado grau de coerência entre o discurso e a prática: o binômio participação/responsabilidade desdobrava-se em vários momentos do ensino, como exigência formal -nas sessões de orientação educacional, nas sessões de auto-avalia-ções, nos trabalhos de grupo, nas sessões de estudos, nas atividades livres, nos estudos do meio, etc...
Estas questões servem para indicar que se buscava superar a competitividade desenfreada, o individualismo marcante, a concorrência que, cada vez mais, eram percebidos como determinações que prefiguravam, aceleradamente, a formação social brasileira e, sobretudo, a de São Paulo, com a industrialização intensa, que se verificava pela substituição de importações de bens de consumo duráveis, e a urbanização - pela valorização dos laços de solidariedade, de cooperação e de colaboração harmoniosa entre as classes sociais. Na escola, o rico não era amigo do pobre? Por que não poderia acontecer o mesmo no plano do real? A iniciati-
31 BALZAN, Newton César. Estudos sociais - opiniões e atitudes de ex-alunos. Presidente Prudente, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1973. p.21-2. tese (doutorado)
va, a liderança, em determinadas atividades, não estava concentrada naquele adolescente pobre, filho de pedreiro? O mito do fracasso escolar não era introjetado na criança pobre. Ao contrário, pela pluralidade de oportunidades oferecidas pela escola, necessariamente, cada adolescente encontrava um lugar de destaque entre os colegas e sua auto-imagem se reforçava positivamente.
Desta forma, investindo na formação de jovens com grande capacidade de discernimento e de iniciativa, que pudessem efetivamente funcionar como fermento de mudança na organização de uma sociedade despojada dos vícios sociais, pode-se falar em projeto elitista: um grupo de bem formados teria condições de liderar a organização de um projeto social mais justo, menos viciado pela luta de classes que, se não era negada, também não era explicitada.
O ápice do curriculo escolar era a organização de projetos coletivos (professores, alunos e pais participavam) direcionados para a comunidade, com uma grande ênfase na constituição de alguma prática de intervenção social, destinada a valorizar sempre a cooperação, a iniciativa e a responsabilidade individual.
Entretanto, esta inovação, tal como ocorria com o Estado populista brasileiro, vivia contradições internas e externas, acentuadas a partir de 1964. Estas, caso a experiência de ensino tivesse continuidade, provavelmente, teriam conduzido à sua própria contestação. O processo políti-co-militar que golpeou os Ginásios Vocacionais foi a expressão de que o Estado ditatorial compreendera que o ensino neles ministrado poderia ter levado à contestação do próprio regime. A escalada do autoritarismo, da repressão e do controle sobre a sociedade civil, aliada à implantação de um modelo econômico concentrador de capital e de renda, destrói as escolas ou extrai delas somente os seus suportes técnico-pedagógicos, colocando-os a serviço de uma nova política educacional.
Maria José Werebe, abordando a fragilidade e a pequena duração das experiências de ensino, assim caracterizou esse processo: "Na análise dos ensaios de renovação pedagógica, deve-se considerar um outro problema importante, concernente a contradições que os educadores en
frentam: contradições internas, quando a própria instituição é incoerente; contradições externas, quando os propósitos da experiência estão em desacordo com o sistema social vigente. O primeiro caso ocorre, por exemplo, quando se procura incitar a imaginação do aluno, estimular sua capacidade de reflexão crítica, dentro de um contexto pedagógico inconsistente. Uma vez desenvolvida, a capacidade critica e criadora do aluno não pode ficar confinada dentro de limites restritos. E, assim, quando ela se volta contra as normas e padrões da própria instituição, contra os paradoxos da educação, a experiência entra em crise. Não raro, procura-se restabelecer a ordem tradicional, "em que o professor ordena e o aluno obedece". A escola renovada pode trazer assim, em seu bojo, a sua própria contestação. Em certos casos, o espírito crítico ultrapassa os muros da escola, e é a sociedade em que vivem os alunos que se torna o alvo da contestação. Por esta razão, as experiências incompatíveis com o sistema social não têm vida longa".32
As reformas educacionais após o golpe de 1964 e os Estudos Sociais
O golpe de 1964 definiu, como se sabe, um novo bloco no poder cuja fração hegemônica constituiu-se "da tecnoburocracia militar e civil, aliada ao capital multinacional de propriedade estrangeira (...) com o proletariado e seus aliados perdendo suas prerrogativas políticas e suas instituições representativas no plano social".33 Começava-se um período no qual a sociedade civil perdera o controle do Estado em função da ausência da democracia no plano político. Este novo bloco substituiu o modelo político baseado na Constituição de 1946 que havia se esgotado e que "pressupunha a aquiescência das massas urbanas a uma aliança de classes no poder, em que o papel hegemônico era desempenhado pela burguesia industrial".34
32 WEREBE, Maria José Garcia. Alcance e limitações da inovação educacional, ln: GARCIA, Walter. Op.cit., p.260.
33 SINGER, Paul. interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento. ln: FAUSTO, Boris, org. História geral da civilização brasileira. T. III: O Brasil Republicano; T.IV: Economia e Cultura(1930-1964). São Paulo, Difel, 1984. p.239.
34 SINGER, Paul. Op.cit., p.240.
Esta nova coligação de forças foi responsável pela institucionalização de uma "mudança de padrão de dependência e não seu aprofundamento", no dizer de Florestan Fernandes, na qual a tendência fundamental foi "a internacionalização da economia brasileira e o predomínio do capital monopolista no processo produtivo".35
É neste contexto que as diferentes reformas - salarial, fiscal, agrícola, sanitária e educacional - foram elaboradas, decididas no interior dos gabinetes, sem consulta, quase sempre, aos interesses estabelecidos, e funcionaram como reforço do poder da tecnoburocracia estatal.
A introdução do ensino profissionalizante ao nível de segundo grau, a proposta de nova estruturação para o ensino de 1º grau, agora concebido em oito anos de escolaridade mínima obrigatória, com a integração dos antigos primário e ginásio, a reorganização da estrutura universitária, na qual ganha relevo a fragmentação das faculdades de Filosofia e a introdução da licenciatura curta são algumas das medidas da reforma educacional realizada que têm outros desdobramentos que nos interessam: a proposta de novos objetivos para a educação nacional e a disseminação dos Estudos Sociais para todos os graus de ensino com nova organização curricular.
Os Estudos Sociais, agora concebidos como parte integrante do núcleo comum da escola de 1º e 2º graus, portanto extensivo a todas as escolas do país, incluíam, obrigatoriamente, por força dos aparatos legais, Geografia, História e Organização Social e Política do Brasil numa mesma disciplina e tinham, como objetivo geral, segundo o Parecer CFE n9
853/71, "o ajustamento crescente do educando ao meio, cada vez mais
35 "A chamada República Institucional (...) conseguiu acelerar o crescimento, não só da economia, mas à custa da incorporação do Brasil ao espaço histórico das nações capitalistas centrais e à sua superpotência. Isto não significa, apenas, um aprofundamento da dependência; significa mudança do padrão de dependência, ou seja, o aparecimento de uma dependência que tende a ajustar-se às estruturas e aos dinamismos e controles externos em nossa economia, nossa sociedade e nossa cultura; mas à presença interna, direta, maciça e ativa dos agentes e agências desta modernização". FERNANDES, Florestan. O novo ponto de partida. C.B.E. (Il Conferência Brasileira de Educação, Belo Horizonte), 10 a 13 de junho de 1982. (texto mimeografado)
Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
amplo e complexo em que não só deve viver, como conviver, sem deixar de atribuir a devida ênfase ao conhecimento do Brasil, na perspectiva atual de seu desenvolvimento". O "fulcro do ensino, a começar pelo 'estudo do meio', estará no aqui-e-agora do mundo em que vivemos e, particularmente, do Brasil e do seu desenvolvimento; (...) O legado de outras épocas e a experiência presente de outros povos, se de um lado devem levar à compreensão entre os indivíduos e as nações, têm que, de outra parte, contribuir para situar construtivamente o homem em sua circunstância".
Retoma-se, no plano do discurso, a vinculação estreita entre os Estudos Sociais e a formação da cidadania. Pelo citado Parecer, além da História e da Geografia, foi introduzido outro componente até então estranho aos Estudos Sociais, a Organização Social e Politica do Brasil: "Vincu-lando-se diretamente a um dos três objetivos do ensino de 1º e 2º graus -o preparo ao exercício consciente da cidadania - para a OSPB e para o Civismo devem convergir, em maior ou menor escala, não apenas a Geografia e a História como todas as demais matérias, com vistas a uma efetiva tomada de consciência da Cultura Brasileira, nas suas manifestações mais dinâmicas, e do processo em marcha do desenvolvimento nacional".
O mesmo Parecer que definiu a natureza e as diretrizes para a implantação dos Estudos Sociais, além de defender a importância da fusão de conteúdos originados sobretudo da História e da Geografia, superpostos pela Organização Social e Política do Brasil, chega a concebê-los em seus princípios, de maneira confusa e desordenada, como ciência: "A Geografia, a História e a Organização Social e Política do Brasil adquirem tanto mais sentido e vigor quanto mais se interpenetram com vistas à integração do aluno ao meio próximo e remoto (...) Sem esquecer, obviamente, que os princípios dos Estudos Sociais resultam em grau sempre maior do seu desenvolvimento como Ciência".36 O que isto quer dizer? Terá sido uma tentativa de constituir-se outra ciência humana, ou terá sido um cochilo do legislador? De qualquer forma, até onde acompanhamos os de-
Parecer nº 853 do Conselho Federal de Educação, de 12 de novembro de 1971. ln: MEC. Habilitações profissionais no ensino de 2º grau; diretrizes e normas de legislação. Brasília, Expressão e Cultura, 1972. p.56-8.
bates em torno do assunto, esta relação entre os Estudos Sociais e ciência não mais foi feita, o que parece indicar que a concepção dominante e usual centrou-se na sua compreensão como campo resultante de aplicação de conhecimentos de várias ciências.
Mais uma vez, enfatiza-se, também, a importância dos Estudos Sociais como mediador dos próprios objetivos da lei que define as diretrizes e bases para o ensino de 19 e 2° graus - a Lei n9 5.692/71, quais sejam, "proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania", extrapolando os limites e a demarcação de seu campo específico. A ênfase na "integração do adolescente ao meio e à sua circunstância" poderia deixar supor que os Estudos Sociais estivessem, mais uma vez, respondendo ao projeto de moralização da sociedade, pela acentuação do trabalho escolar na organização do projeto da harmonia social. Foi, a nosso ver, muito mais do que isto: ressaltando o papel de integração, o que no momento significava adaptação ao sistema em vigor, formação de homens conformistas e dóceis para com os valores hegemônicos, sem condições de contrapor, pela dúvida, pela reflexão crítica, qualquer possibilidade de reformulação ou de ação, os Estudos Sociais, malgrado alguns casos isolados, onde a exceção fica por conta da resistência dos agentes - professores, alunos, pais, direção, etc. - ocuparam o espaço ideológico por excelência: o de justificador da política então realizada.
A implantação dos Estudos Sociais não pode ser analisada de maneira isolada. Sua institucionalização como disciplina retirou praticamente do ensino de 1º grau os conteúdos sistematizados de História e de Geografia, reduziu drasticamente os seus estudos no 2° grau, com a implantação do ensino profissionalizante, além de outros desdobramentos que, mais do que qualquer aspecto, ajudam a compreender o papel e o significado que desempenharam na reforma do ensino da década de 70, merecendo ser lembrados:
• a implantação da licenciatura curta na formação do professor de Estudos Sociais, em geral ministrada pela iniciativa particular, reduzindo e empobrecendo sua formação;
• a redução drástica dos investimentos públicos na organização do ensino público e o privilegiamento da empresa particular como sorvedou-ro das verbas públicas, seja pelo não pagamento de impostos, devidos ao Estado, seja pela concessão de financiamentos diretos, de bolsas de estudos ou de outras inúmeras formas que acarretaram a transferência de verbas públicas para o setor privado, deixando à míngua os estabelecimentos públicos;
• a proletarização do professor, ocorrida tanto pela redução salarial a níveis ínfimos como pela deterioração das suas condições de trabalho e do funcionamento da escola;
• a produção em larga escala de obras didáticas de baixíssimo nível - os livros consumíveis e descartáveis - que se constituíam no elemento visível mais flagrante da deterioração do ensino público em geral.
Estas questões ganham em significado quando postas em confronto com as aspirações da sociedade. E se sabe que foram contemporâneas de um dos momentos mais significativos do aumento da demanda social pela escola pública - o final do exame de admissão ao antigo ginásio e a constituição da escola de 1º grau, com oito anos de duração, tornou possível, em maior escala, a concretização daquelas aspirações sociais. Desta forma, assim que se acenou com o acesso à escola de crianças originadas das classes trabalhadoras, retirou-se do professor e da escola seu know how, suas ferramentas culturais, teórico-metodológicas, que tornariam possível a organização de um projeto escolar compatível com os interesses dos trabalhadores. Pode-se dizer que, sintomaticamente, em relação ao 1º e 2º graus ocorreu também o processo de "recomposição dos mecanismos de discriminação", identificado por Luís Antonio Cunha, ao estudar a expansão do ensino superior no mesmo periodo.37 A escola se expande para os setores populares, mas, inegavelmente, é a antiga escola empobrecida culturalmente e com dificuldade na corporifi-
37 CUNHA, Luís Antônio CR. A expansão do ensino superior causas e conseqüências. Debate & Critica, 5:27-58, mar. 1975.
cação de um "novo projeto de ensino", no qual os interesses antes excludentes daquela população pudessem estar representados.38
Entretanto, demonstrando vitalidade interna, à medida que essa politica se institucionalizava, em seu bojo surgiam, também, núcleos de resistência. Nesse processo, para o assunto em pauta, devem ser destacados os trabalhos desenvolvidos pela: Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) e Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGES), cada qual congregando, respectivamente, professores de História e de Geografia dos três graus de ensino, bem como estudantes do ensino superior, que ao lado da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) tornaram-se grandes símbolos desta luta.
A resistência se fez, inicialmente, de maneira tímida, assistemática e isolada, ganhando força e organização à medida que normas, regulamentos e portarias eram baixados pelo CFE, visando a institucionalização dos Estudos Sociais, ou surgiam propostas e tentativas visando implantá-las nas universidades oficiais, como ocorreu em São Paulo, em 1974.
Nesse mesmo ano, a resistência foi engrossada pelos professores de diversas disciplinas abrangidas pelo alcance da Resolução n9 30, do Conselho Federal de Educação, de julho de 1974, criando a licenciatura curta também de Ciências.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em seu Congresso de 1976 manifestou-se oficialmente, pedindo a extinção das licenciaturas curtas, da Resolução CFE n9 30 e dos Estudos Sociais, bem como a participação das instituições universitárias, científicas e profissionais no processo de elaboração das políticas educacionais.
A Portaria n9 790 foi a resposta do MEC. Por ela, exigia-se formalmente a licenciatura em Estudos Sociais para o exercício do magistério de 1º e 2º graus, mas diante da reação esboçada por entidades estudantis, de docentes e profissionais, o MEC suspendeu sua aplicação.
38 Em São Paulo, é muito significativa esta questão por volta de 1983, quando da discussão pelo conjunto dos profissionais do ensino do documento preliminar para reorientação das atividades da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Cf. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, 10(1):127-64, jan./jun. 1984.
Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
Novo embate ocorreu em agosto de 1980 quando o Conselheiro Paulo Nathanael tornou público parecer de sua autoria organizando currículo para a licenciatura de Estudos Sociais, "com as habilitações plenas de História, Geografia, Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil. No caso da História e da Geografia, que eram cursos avulsos (Resolução de 19.12.1962), teremos sua transformação em habilitações do curso unificado de Estudos Sociais". Diante da intensa mobilização e da reação organizada de maneira sistemática e enfática pela ANPUH e AGB, o relator acabou retirando o projeto sob a alegação de que se tratava apenas de "um estudo preliminar".39
Em 1984, no XII Simpósio da Associação Nacional de Professores Universitários de História, realizado em Salvador, foi aprovada uma moção pela extinção dos Estudos Sociais, que diz o seguinte:
"a) pela extinção das licenciaturas curtas e plenas de Estudos Sociais e suas habilitações no ensino de 3º grau;
b) pela redistribuição do conteúdo e da carga horária de OSPB entre as disciplinas de Geografia e História;
c) pela substituição de Estudos Sociais por Geografia e História, nas quatro séries finais do ensino de 1º grau, em qualquer condição em que sejam ministradas e, conseqüentemente, a necessária ampliação da carga horária".40
Se, por um lado, o retorno de História e de Geografia aos currículos de primeiro grau em todos os estados brasileiros, com as novas reformulações curriculares pode atestar, inequivocamente, o descrédito e o desacerto dos Estudos Sociais, por outro, isto não significa a capitulação das autoridades federais diante do malogro de sua implantação.
39 O Parecer em tela, bem como o conjunto dos documentos, então produzidos pelos cursos de História contrários a ele, podem ser encontrados em GLEZER, Raquel. Estudos sociais: um problema contínuo. Revista Brasileira de História, São Paulo, 2(3): 117-49, mar. 1982.
40 Cf. FENELON, Déa Ribeiro. A questão de estudos sociais. Cadernos CEDES, São Paulo(10):11-22, 1984.
Em 1987, o CFE, pelo Parecer nº 233/87, interpretando a Indicação n5
9/85, volta a se pronunciar sobre a formação do professor em licenciatura curta e sobre Estudos Sociais, desta vez "a partir de ponderações feitas por motivos de consultas sobre a possibilidade da conversão de cursos de Ciências Sociais em cursos de Estudos Sociais".41 Trata-se do que se convencionou chamar de instituto de plenificação.
Mais uma vez, a comunidade científica se mobilizou, por meio da SBPC e encaminhou, no início desse ano, uma Manifestação ao CFE, na qual, depois de historiar as relações entre aquela instância e as sociedades científicas, indica as reivindicações: "O que se espera é que o CFE transforme em princípios válidos para todo o país tão-somente aquelas questões que são praticamente consensuais entre os professores e que não é demais repetir pela undécima vez: o fim das licenciaturas curtas e da polivalência; a extinção dos Estudos Sociais em todos os níveis de ensino; o fim da plenificação dos cursos 'curtos'; o estabelecimento de prazo e condições razoáveis para que os profissionais formados em curso de licenciatura curta possam complementar estudos e ter habilitação em uma disciplina. No mais, que os currículos mínimos que vierem a ser adotados sejam genéricos o suficiente para permitir toda a gama de experiências. E seria desejável que essas experiências pudessem ser acompanhadas e seus resultados divulgados em todo o país, pelo CFE ou pelo MEC".42
Este intenso movimento de mobilização girou em torno de dois eixos inter-relacionados: a implantação propriamente dita dos Estudos Sociais e das Ciências Integradas e a formação do professor em licenciatura curta, com a comunidade acadêmica rejeitando essas medidas políticas e reservando grande poder de resistência na sua luta contra elas.
41 MOKREJS, Elisabeth et alii. Subsídios para avaliação da proposta de conversão dos cursos superiores de ciências sociais em cursos superiores de estudos sociais (Parecer CFE 233/87). Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, 13(2):127-30, jul./dez. 1987.
42 MOÇÃO da comissão de licenciatura da SBPC ao CFE, em audiência realizada em 17 de março de 1988. (texto mimeografado)
À primeira vista, há quem diga que esse movimento procurava proteger interesses estritos de mercado de trabalho, pois um novo profissional viria dividir o minguado campo de atuação. Entretanto, se isto esteve presente, não o foi de maneira dominante. Somaram-se aspectos propriamente políticos e técnicos resultantes de avaliações dos significados das medidas. Pode-se perceber isto pela mudança na própria atuação docente e de suas entidades: no bojo da luta contra os Estudos Sociais, passaram a avaliar também o próprio campo de trabalho e sua atuação como professores de disciplinas específicas, ou seja de História e de Geografia.
Déa Fenelon, ao historiar o processo de resistência e de luta levado a efeito pela comunidade de historiadores, afirma: "Aliás, é preciso que se diga que somos nós os primeiros a estabelecer a crítica de nosso trabalho, e a considerar a necessidade de sua reformulação. Não estamos, portanto, dizendo que nosso trabalho é perfeito e que nada temos a aprender ou crescer na proposta de formação de professores".43
Uma primeira conseqüência foi a constituição, pela SESU/MEC, a partir de 1981, de um grupo de consultores para as áreas de Geografia e História, com o objetivo de "diagnosticar e avaliar os cursos existentes no Brasil, visando levantar as questões fundamentais e definir com clareza as linhas básicas de licenciatura e bacharelado, principalmente em termos de objetivos a alcançar". O trabalho se encerrou com a produção de um relatório final.44
Este documento teve outros desdobramentos, sobretudo referentes à continuidade dos debates que o produziram. Novas reorganizações curriculares dos cursos de História são tentadas em vários institutos de ensino superior com o apoio de alunos e professores, bem como a elaboração de propostas curriculares para a escola de 1º e 2º graus em vários estados brasileiros. Intensificam-se, ainda, os debates acerca do papel e do significado da História no currículo e na escola, ao mesmo tempo em
43 FENELON, Déa Ribeiro. Op. cit., p.21. 44 MEC/SESU. Diagnóstico e avaliação dos cursos de história no Brasil. Brasília,
1986, 42p. (Documento final)
que se reflete sobre sua tradição, procurando garantir, neste processo, a apropriação das novas produções teóricas produzidas nas décadas de 60 e 70, mas de divulgação recente no país.
Neste processo, mais uma vez, a ANPUH exerceu um papel de destaque e muito do que foi então realizado deve-se aos seus encontros regionais ou nacionais.45
Estas questões encontraram expressão também nas universidades, sobretudo nos cursos de pós-graduação, os quais produziram alguns trabalhos de pesquisa que procuravam responder às novas indagações da escola e às incertezas da História. Em um primeiro momento, é possível detectar que foi o livro-texto, o manual didático, aquele que centralizou as preocupações e os interesses dos pesquisadores. Do texto de Estudos Sociais evoluiu-se para o de História. Identificando suas mazelas, os interesses explícitos ou aparentes, as ausências e presenças constantes, procurava-se analisar a qualidade do seu texto desvendando sobretudo os compromissos e as vinculações do discurso histórico na escola, destronando, de uma vez por todas, a concepção da neutralidade da escola e da imparcialidade/objetividade do historiador.46
45 Merecem destaque, pelo grau de influência que exercem no ensino, as coletâneas: ANPUH (organizado por Marcos A. da Silva). Repensando a história. Rio de Janeiro, Marco Zero, 1984, 141p; A PRÁTICA do ensino de história. Cadernos do CEDES, São Paulo (10):1 -71, 1984, e ainda deve ser destacada a Revista Brasileira de História, publicação oficial da ANPUH.
46 A bibliografia é extensa em relação a esse tema e temos notícia de alguns projetos em andamento com o objetivo de arrolá-la e sistematizá-la. Somente para exemplificar, iremos citar alguns trabalhos: HÕFLING, Eloísa de Mattos. O livro didático em estudos sociais. Campinas, UNICAMP, 1986; ORLANDI, Eni Pulcinelli. O discurso da história para a escola, ln: A LINGUAGEM e seu funcionamento; as formas do discurso. São Paulo, Brasiliense, 1983; FRANCO, Maria Laura P.B. O livro didático de história do Brasil: a versão fabricada. São Paulo, Global, 1982; TELLES, Norma Abreu. Cartografia Brasilis ou esta história está mal contada. São Paulo, Loyola, 1984; GARRIDO, Elza. A técnica "cloze" e a compreensão da leitura: investigação em textos de estudos sociais para a 6ª série. São Paulo, FEUSP, 1979. dissertação (mestrado); PINTO, Regina Pahim. O livro didático e a democratização da escola. São Paulo, 1981. dissertação (mestrado); CERQUEIRA FILHO, Gisálio & NEDER, Gislene. Conciliação e violência na história do Brasil. Encontro com a Civilização Brasileira, Rio de Janeiro (2), 1978.
Da análise do texto didático, avança-se para novas propostas teórico-metodológicas, procurando-se desvendar as formas de pensamento e de compreensão dos novos alunos da escola, sobretudo dos jovens trabalhadores.47
À guisa de conclusão
O que mudou neste terceiro momento? Que papel efetivamente os Estudos Sociais ocuparam nessa época?
No plano político, ocorreu, pela primeira vez, a unificação da institucionalização dos Estudos Sociais e da formação do professor polivalente, ge-neralista e vulgarizador de conhecimentos obtidos de maneira rápida e pouco cuidadosa no plano científico.
Desde os discursos iniciais, situados nas origens dos debates sobre a implantação dos Estudos Sociais, ainda na década de trinta, defendia-se a formação de um professor não especialista para atuar com crianças de primeira a quarta séries, como a alternativa mais adequada, nesse grau de ensino.
Nos anos 70, entretanto, as autoridades educacionais apoderaram-se destes argumentos, estendendo a formação "curta" do professor para o conjunto do primeiro grau. E por diversas maneiras, desde o parecer do professor Paulo Nathanel até o do padre Antônio Geraldo Amaral Rosa, o CFE tem procurado implantar esta política não só localmente (antigos cursos de licenciatura curta estão funcionando plenificadamente), mas tomando-a válida em todo o território nacional. Ele só não o conseguiu,
Gostaríamos de citar os trabalhos de CABRINI, Conceição et alii. O ensino de história; revisão urgente. São Paulo, Brasiliense, 1986; RESENDE, Márcia Spyer. A geografia do aluno trabalhador, caminhos para uma prática de ensino. São Paulo, Loyola, 1986, além de nosso artigo A prática do ensino e a democratização da escola, ln: CARVALHO, Anna Maria Pessoa de, coord. A formação do professor e a prática de ensino. São Paulo, Pioneira, 1988.
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em função do grau de mobilização dos professores e demais interessados no ensino.
Este aligeiramento da formação do professor, a descaracterização das disciplinas História e Geografia, a indefinição e a salada pedagógica que marcam o campo dos Estudos Sociais são medidas que, conjuntamente,
ajudam a expressar o grau de autoritarismo e de repressão que caracterizaram a política do regime militar pós 68. Os Estudos Sociais corporifi-caram a plena realização desta política pois colaboraram para a formação de indivíduos dóceis, acríticos e adaptados ao sistema. Entretanto, a História, "a mais política das ciências - por isso vitimada por tantas mazelas e alterações"48, mostrou, mais uma vez, o seu poder de fênix, ressurgindo das cinzas mais fortalecida do que nunca.
48 SODRÉ, Nelson Werneck. A reação contra a história, ln: HISTÓRIA e materialismo histórico no Brasil. São Paulo, Global, p.13.
PONTOS DE VISTA
PÁTRIA AMADA, IGNORADA* Miguel Gonzalez Arroyo**
Ao abordar o terna Estudos Sociais em Questão, pretendo dar continudade à reflexão levada a efeito neste Seminário acerca da necessidade de se fazer uma avaliação crítica dos vinte anos da implantação dos Estudos Sociais no ensino de 1º grau. Essa crítica necessária pode privilegiar as conseqüências para os alunos que chegam à 5ª, à 8ª série, ao 2º grau, sem o necessário conhecimento do tempo e do espaço. É uma pista para a análise crítica. Entretanto, esses alunos, ao chegarem ao 2º grau e à universidade, possivelmente terão condições de recuperar o tempo perdido e refazer este estudo. Digo possivelmente porque isso não é tão certo assim. Há probabilidade de que eles cheguem à universidade e à pós-graduação e, não obstante, saiam com uma visão simplista e ingênua da formação social não só do seu país, mas, em geral, do mundo. É freqüente encontrarmos engenheiros, médicos, qualquer profissional que não tenha tido a oportunidade de estudar a área de Ciências Humanas, totalmente ignorante quanto à formação social de seu próprio país. Contudo, há possibilidade, com um pouco de imaginação, um pouco de intuição, de complementar o que a universidade e a escola não ofereceram.
Grave é pensar que 60% dos alunos da 1- série saem e não voltam, ou, se voltam, vão para um curso noturno apressado, freqüentado após a jornada de trabalho. Mais grave, ainda, é que mais alunos sairão da 2ª para a 3ª, depois da 3ª para a 4ª série, chegando apenas 10% do total à 5ª série. Desse total de alunos, se tirarmos a classe média e as elites, em
* Comunicação apresentada no II Seminário de Estudos Sociais, promovido pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em novembro de 1984. Publicada, originalmente, pela Faculdade de Educação da UFMG, em Cadernos (2) out 1985.
'* Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. (UFMG).
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
realidade, apenas uns 5% da classe trabalhadora chegam à 5ª série. Diríamos que as crianças que estão estudando hoje nas escolas populares, nas quatro primeiras séries, embora tenham no currículo os Estudos Sociais, vão ser trabalhadores totalmente ignorantes da história do seu país, da formação social, da produção, ocupação, privatização do espaço onde vivem e trabalham. Todavia, eles vão ter que aprender isso, porque terão que lutar pela terra, na cidade e no campo, ou por outros espaços sociais e políticos. Mas, certamente, não aprenderão na escola a noção do espaço real, a formação histórica real do espaço e do tempo.
Se queremos fazer uma avaliação crítica dos vinte anos dos Estudos Sociais, parece-me que uma pista fundamental seria esta: que conseqüências tem trazido para os trabalhadores deste país a manutenção dos Estudos Sociais no currículo das quatro primeiras séries? Ou seja, a que nivel de desinformação os Estudos Sociais têm condenado os trabalhadores deste país? Eis, ainda, uma questão que me parece muito séria: não se pode olhar apenas as conseqüências no interior da escola o que já é realmente crítico e mereceria ser levado em conta para uma revisão dos Estudos Sociais. Que o professor da 5ª série fique preocupado, porque os alunos não têm noção do tempo e do espaço, é sério, mas o mais sério é pensar naqueles que nem chegaram à 5ª série e correspondem a mais de 90% dos trabalhadores, hoje enfrentando o mundo do trabalho sem noção de espaço e de tempo. Há conseqüências, não só para os alunos na continuidade do processo educacional, mas também para os alunos operários no destino a que são lançados no mundo do trabalho, no mundo da cidadania incompleta. Essa questão é fundamental e deve ser aprofundada pelas suas conseqüências.
Trabalhador ignorante da formação do seu país
Uma conseqüência me parece muito grave: privá-los do saber sobre a história e a formação social e espacial do próprio país. Não falo privá-los
do saber sobre a história de outros países, sobre o mundo todo, mas do próprio país que é, afinal, onde eles vão trabalhar durante vinte, trinta, quarenta anos; onde vão gerar e educar os filhos - novos trabalhadores - para segurar este país que eles não sabem nem de onde veio e, menos ainda, para onde vai. Aqueles que produzem a riqueza do país, os trabalhadores, são privados de ter uma noção minima de por que este país chegou aonde está e, sobretudo, por que vai caminhar numa direção ou noutra. Essa é uma questão que merece nossa análise pelas conseqüências que acarreta. As conseqüências vocês já sabem. Se aqueles que são os produtores da riqueza nacional, da cultura, são privados da noção básica da história de sua própria formação social, na realidade, vão ser passivos, marginalizados das decisões sobre os rumos deste país. Eles não vão ser tão passivos, porque a vida vai lhes ensinar outras coisas. Mas se dependesse da escola, eles seriam tão-somente cidadãos passivos, trabalhadores passivos e mais nada. Seriam aqueles que produzem sem pensar, sem saber por que e para que produzem, pois, na realidade, o que a escola lhes ofereceu não permite uma visão um pouco mais larga sobre a formação social e espacial do país para o qual vão ser condenados a trabalhar.
Outra questão que merece ser aprofundada é esta: a escola, através dos Estudos Sociais e do currículo total, termina transmitindo uma interpretação do social e da formação brasileira, mas que saber social é transmitido? Através dos Estudos Sociais e da quantidade de festas que se comemoram, alguma coisa é dada. Nas escolas da zona rural e das periferias urbanas, não há tempo para Estudos Sociais, mas há muito tempo para festas, há muito tempo para integração social. Provavelmente, 1/3 do escasso tempo que passa a criança operária na escola é ocupada em festas da pátria, festa do índio, festa da ecologia, festa de... Essa quantidade de tempo que se ocupa em torno do social, em torno do integrativo, não passa pela disciplina Estudos Sociais.
A integração social muitas vezes está presente nas outras disciplinas. Eu diria que, quando se está dando Ciências, na realidade, está se dando Integração Social. Quando, por exemplo, num exercício para casa, se pergunta: o que ensina a você, criancinha, esse bichinho que nós estudamos em Ciências? Discutindo se a formiga nos ensina a trabalhar, que não se deve ser como a cigarra que vive cantando, porque cantando não
se progride na vida, estamos, na realidade, fazendo Integração Social. Ou seja, o problema no meu entender é que as outras disciplinas terminaram sendo tão integradoras ou mais do que Estudos Sociais. Por isso se dispensa, às vezes, os Estudos Sociais nas escolas do povo. A Comunicação e Expressão passa a ser integração no tema de uma redação, ou na análise de um texto, onde o fundamental não é ensinar a lógica da Iíngua, mas os exemplos que esse texto traz para o bom comportamento do futuro trabalhador. Essa é a Integração Social na nossa escola de 1º grau, sobretudo na escola dedicada às camadas subalternas.
Infantilização e moralização do social
Aprofundemos outro ponto: que integração social, que saber social é transmitido na escola do povo? Um saber social que não ultrapassa as relações primárias. Refere-se às relações da mãe com o pai, dos pais com os filhos, isto é, da familia, às relações com a comunidade, com o bairro, que se dão no mais imediato, no primário, através, fundamentalmente, da relação interpessoal. É curioso que se privilegie essa relação interpessoal na família, na vizinhança, num mundo totalmente desperso-nalizado. E isso para um trabalhador que vai ser um número na carteira, um número no cartão de ponto ou na fila do INPS, que não vai interessar a ninguém como pessoa, apenas como braço produtivo. A esse trabalhador despersonalizado se dá uma visão de mundo totalmente primária, como se estivéssemos na relação do paraíso: Adão, Eva, Caim e Abel. Nem isso, Caim e Abel brigaram, e a visão dada na escola não chega sequer aí. Não chega a mostrar o mundo real e conflituoso. Ainda se mostra um mundo onde todos somos iguais, onde todos nos amamos mutuamente - viva a fraternidade! É dada aos alunos uma visão do social bucólica, paradisíaca, extremamente primária. Eis o que se oferece a um futuro trabalhador, que não vai ser identificado como gente numa fábrica de 1.000, 2.000 trabalhadores, ou numa loja, ou em qualquer outro local de trabalho, e será apenas um número produtivo, alienado por relações exploradoras de trabalho.
A esse futuro trabalhador, inserido em antagonismos de classe, numa sociedade competitiva, se dá, portanto, um saber social e uma visão de mundo extremamente idealizada, como se estivéssemos ainda no mundo
do paraíso ou no mundo rural bucólico. Essa visão rural que a classe média tem quando chega na fazenda do vovô, ou quando sai de férias para o interior... Uma realidade que não existe, nem na cidade' nem no interior, onde as relações sociais capitalistas destruíram o mundo de nossos sonhos. Um mundo romântico do sol que nasce, do orvalho que cai... Ou seja, é uma visão extremamente idealizada. Prestem atenção e encontrarão essa visão em todos os textos de Estudos Sociais.
Deste modo, podemos observar mais um aspecto: não são as relações primárias que se privilegiam apenas, privilegia-se, ainda, uma visão do social extremamente infantil. É a infantilização do social, é o universo infantil, o universo do afetivo, o universo ainda das relações da criança quase na época do maternal, na época da pré-infância. E é tudo isso que não se supera nas quatro primeiras séries. Se vocês analisarem os textos encontrarão essa ênfase no universo infantil e afetivo.
Lembro-me de um livro de Integração Social que nas primeiras páginas enfatizava: "este livro oferece à criança uma seletividade que lhe possibilitará a aquisição de conceitos, atitudes e habilidades sociais e de estudos relativos à sua comunidade primeira. Isto é, às relações primárias, que lhe são mais chegadas geográfica e afetivamente". Está aí: a visão afetiva da comunidade e da família estende-se à escola e ao mundo, ou seja, a escola vai ser extensão da família, o bairro também. O mundo é considerado como sendo "o lar maior onde todos os homens são irmãos". Esta visão infantilizada do real, esta visão romantizada do real está presente em quase todos os textos de Estudos Sociais.
Acredito, inclusive, que o Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE) quando chegou aqui e estimulou os Estudos Sociais na escola não devia ter esta visão tão infantil do mundo, pois, o Ponto IV, integrante desse Programa, fazia parte de uma geo-polí-tica que tinha uma visão muito mais conflitiva do social. Acabávamos de sair da Segunda Guerra Mundial, em que a humanidade aprendeu que a visão romântica do mundo não tinha base. Estávamos na época da guerra fria, no final dos anos 40, no início dos 50. Nesse contexto político conflitivo, chegou o Ponto IV, chegou o PABAEE com toda esta visão de Integração Social. No entanto, tudo isto terminou caindo em mãos de peda
gogos ou de profissionais do ensino com uma visão bem mais romântica do que a visão real que a Guerra nos tinha ensinado, e passou-se a oferecer às crianças uma visão ingênua do mundo como se fosse um lar maior onde todos os homens se amam como irmãos. Isto me parece o mais grave, sobretudo quando pensamos que se trata de formar futuros operários que não vão encontrar, seja no mundo, na cidade ou na fábrica, nenhum romantismo ou irmandade, e sim muita exploração do grande pelo pequeno, de quem tem para quem não tem, de quem pode para quem não pode.
Enfim, essa visão infantilizada torna-se muito complicada quanto ao que se ensina ao trabalhador. Se essa educação fosse para os filhos das elites, ou até mesmo da classe média, para quem a realidade não é tão conflituosa e esmagadora, ainda vá: seria um mal menor. Mas, quando tudo isto é ensinado aos filhos da classe operária, futuros trabalhadores, é muito mais grave. Estas são as conseqüências que deveríamos aprofundar e pensar cada vez que vamos falar às crianças nas escolas do povo. Cada vez que a supervisora estivesse preparando suas atividades, deveria refletir: que conseqüências seriam trazidas para o futuro trabalhador passar essa visão às professoras, a fim de que elas as transmitam aos alunos? Aí, quem sabe, a supervisora rasgue o que estiver fazendo e tente criar outra visão do social junto com as professoras e os alunos...
Ignorando a base material da existência
Mais uma conseqüência deve ser analisada: os Estudos Sociais transmitem uma visão moralizante do real, moralizam a relação real, as relações sociais. Isso está presente também nos livros. O que se pretende não é apenas a aquisição de conceitos - o que menos se dá são conceitos -, pretende-se a formação de atitudes e de habilidades. E quais são essas atitudes e habilidades? O conteúdo dos livros revela "o caráter afetivo e os valores morais que devem ser cuidados nesta época de mudanças que atravessamos". A dimensão moralizadora está presente em tudo, não só nos Estudos Sociais. As Ciências que são dadas aos futuros trabalhadores são muito mais educação sanitária, educação para a saúde e educação para o bom comportamento do que ensino de Ciên-
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cias. Se se estuda os animais insiste-se em classificá-los em animais perigosos, não perigosos, etc. Essa visão moralizante do social e até da ciência é algo que, me parece, deve ser revisto criticamente ou colocado em questão nos Estudos Sociais, em particular, e no programa e currículo escolar do ensino elementar em geral.
Nossa esperança é que essas caracterfsticas dos Estudos Sociais aqui colocadas como o moralismo, o infantilismo, sejam contraditas pelo real. A própria realidade vai mostrar que tudo isso é ingênuo. No primeiro dia em que o indivíduo chegar à fábrica, ou até mesmo antes de chegar lá, já vai perceber que o mundo não é tão romântico, nem tão ordeiro, não é o lar maior onde todos se amam como irmãos.
Há outros aspectos que me parecem perigosos nos Estudos Sociais para o futuro trabalhador. É o seguinte: os Estudos Sociais tentam fugir de abordar a base material onde se produzem as relações sociais. É um dos pontos mais graves a merecer nossa atenção. As relações sociais na familia, na comunidade, não têm base material nos textos de Estudos Sociais. Que pretendo dizer com isso? Que se privilegiam de tal maneira as relações afetivas, sociais, interpessoais, intergrupais, etc, que nunca se coloca a questão de que tudo isso serve a um tipo de produção material de existência concreta. Nunca se fala das relações econômicas, do trabalho, das relações sociais em que se dá a produção, em que se dá a exploração da terra, em que se dá a exploração do homem. Nisso não se toca. Por exemplo, se se fala do bairro, vai se falar das relações entre os moradores, que devem ser de vizinhança, de amizade, de colaboração. Vai se falar de não sujar a rua, de, quem sabe, fazer um mutirão. Em nenhum momento se coloca a base material que produz e em que se produz o espaço urbano. Por exemplo: como aquele bairro foi fruto da exploração imobiliária, ou, ainda, da exploração da fábrica que se instalou de repente naquele lugar e tentou baratear o custo do próprio salário do trabalhador, dando-lhe condições mínimas e infra-humanas de moradia. Nada disso é colocado. Trata-se apenas do relacionai, do interpessoal, e em nenhum momento se mostra ao aluno a base material da existência, que, inclusive, nega essa visão romântica enfatizada na escola. Se ao menos se falasse da familia, do bairro, das boas relações e se colocasse a base material que regula a vida familiar, que são as relações de trabalho, a explo
ração imobiliária, a emigração, o desemprego... Mas nisso não se toca. Ou seja, dá-se uma visão do social tão idealizada que se nega a base onde ele é criado e recriado constantemente.
Esse ponto mereceria uma análise muito séria pelas conseqüências que traz para o estudante/futuro trabalhador. O trabalhador é, antes de tudo, o homem da produção, o homem do econômico, e, infelizmente, não tem tempo para o social, pois sai correndo de casa para trabalhar e volta à noite cansado para dormir, tendo que refazer suas forças para, no dia seguinte, novamente trabalhar; além disso, sábado e domingo tem que fazer um biscate para repor o salário que não dá. A casa, o bairro, é apenas dormitório. Ao homem que vive amarrado ao poder econômico de tal forma, que só vale como braço que produz, sem tempo para o social, o afetivo, o cultural, para nada, transmite-se, ainda, desde criança, toda uma visão exatamente contrária do social, como se o relacionai, o afetivo fosse o determinante de sua sorte. Essa ausência do que chamo de base material do social é constante nos Estudos Sociais e deve ser revista.
Desarticulando a visão social do aluno
Outro ponto que poderíamos considerar além de não colocar essa base material, a escola tenta desarticular uma visão do social que nasce colada à condição material de existência. A escola ignora essa condição e essa base material quando a criança já tem essa base material. Ela chega à escola mais lúcida que muitos professores e alguns livros. Muito mais lúcida, porque a própria realidade teve que fazê-la mais lúcida quanto ao peso das condições materiais de existência sobre a vida familiar e as relações sociais. Uma das coisas mais sérias na vida de qualquer criança das camadas subalternas é ter aprendido desde cedo que o material condiciona tudo na sua existência.
Lembro-me de um trabalho que fizemos junto aos professores da Prefeitura de Belo Horizonte. As crianças foram solicitadas a escrever sobre sua família. E colocavam a toda hora: "meu pai trabalha de biscateiro em tal lugar, meu pai não tem tempo de me levar ao Zoológico" (porque a professora tinha falado que o bom pai leva a criança para passear). E por
que não leva? "Porque sábado e domingo tem que trabalhar de biscate, porque o que ele ganha na prefeitura não dá para viver". A própria criança de sete anos, na 1ª série, já tinha uma visão de que a sua vida afetiva era negada, de que a impossibilidade do pai ser pai, e da mãe ser mãe está nessa base material. Entretanto, a escola desarticula, ou tenta desarticular (acho que não consegue), a consciência de que sua condição operária está marcada pelo sofrimento. A escola tenta desarticular tudo isso, dando uma visão invertida, contrária, de cabeça para baixo, colocando apenas que o afetivo, o moral, o relacionai governam o material e o social.
A criança operária chega à escola com uma visão mais global do que supõe a Psicopedagogia que inspira a prática pedagógica dos profissionais da escola primária, fato que é cada vez mais válido também para as crianças de classe média. Nas atuais condições de trabalho, a criança é forçada a aprender desde cedo que o pai e a mãe não são só pai e mãe, mas, antes de tudo, são trabalhadores, que trabalham na universidade, no escritório, na oficina, na fábrica. Enfim, que trabalham. A criança não pode mais ter uma visão primária das relações sociais; é obrigada a perceber que há um mundo fora da família, um mundo global, uma relação muito mais ampla que priva o filho do convívio, do carinho dos pais. Existe um mundo fora, o do trabalho, que condiciona a ter ou não uma casa boa, alimento e carinho, a brigar pela terra, enfrentar a polícia, fazer uma greve ou ser mandado embora do trabalho. O filho descobre logo que seu cotidiano, seu mundo afetivo, sua vida se inserem em relações globais, descobre a globalidade onde se inserem as relações primárias.
É exatamente isso que é desarticulado na escola através dos Estudos Sociais, que dizem às crianças: "não, vocês não têm que ultrapassar o nível do afetivo, do romântico, do bucólico e têm que ver o mundo como uma grande família governada pelo amor, pela poesia, pelo encanto". Esse processo de desarticulação da percepção da criança é um dos aspectos mais sérios da escola primária. Tenta-se desarticular algo que a criança já começava a identificar. Tenta-se infantilizar a visão do social real, enquanto a criança, já com oito, dez anos, é obrigada a sair cedo, de manhã, para ficar no semáforo, para pedir esmola ou vender balas, mamão, goiaba, vender o que for, ou para limpar o carro. Ela é introduzida no mundo do trabalho, no mundo que não tem nada de infantil, ela é feita adulta
precocemente e nós continuamos dando a ela aquela visão infantil das relações do social, quando ela é, às vezes, muito mais adulta do que nós, porque foi obrigada, foi pressionada a entrar nesse mundo brutal precocemente. Algo semelhante a essas frutas que, tiradas verdes, foram obrigadas a amadurecer à força, artificialmente, para quê? Para serem vendidas rapidamente na Ceasa, no mercado. O filho do trabalhador tem que ser "vendido" muito rápido, não pode esperar amadurecer afetiva, social e pessoalmente. Ele tem que ser amadurecido a carbureto, rápido, a choque, a pancadas. E tem que amadurecer, queira ou não, para ser vendido como força de trabalho barata. Chega à escola, depois de tudo isso, e vai ouvir aquela história romântica da professora e do livro de texto... Ele deve pensar: "essa dona, esse livro estão no mundo da lua, porque o que eu vi hoje de manhã, o que eu vi ontem à noite... Eu que dormi na rua e tive que brigar para comer e sobreviver, não vi nada de romântico, afetivo e harmônico".
O mundo real da infância operária não coincide com as teorias evolutivas construídas sobre uma imagem ideal de criança, de personalidade e de mundo. Esta questão me parece muito séria. Nós damos aos alunos um mundo de harmonia, de paz - quando ele tem que brigar desde criança para comer, para viver, para dormir, para amar. Este mundo conflitivo não é algo irreal para a maioria das crianças. É algo real.
Que fazer diante de todo este quadro? Esta é uma pergunta em que todo educador-professor tem que pensar durante toda sua prática pedagógica. Haverá educadores e, sobretudo, teóricos da didática, da Psicopedagogia que nos dirão que o processo evolutivo da personalidade não pode ser violentado, pois a criança que freqüenta as quatro primeiras séries - de 7 a 10 anos - está na fase X ou Y e tem que ser respeitada. Acontece que a história real não se constrói com modelos ideais, nem seguindo as leis e fases do que deveria ser. A história real da maioria dessas crianças tem que obedecer a outras leis, a outra lógica, que não respeita as fases evolutivas tidas como morais. É a lógica do capital, da exploração do trabalho, e especialmente do menor, a lógica que despreza o mundo do afetivo, da personalidade. O que fazer diante desse quadro real que nós educadores não criamos, nem queremos? Ignoramos o real e tratamos esse aluno como anormal de acordo com o modelo ideal? Permanecemos
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
no mundo do deve ser, ignorando o mundo do real? Ou tentamos partir do real, da lógica que o governa, para transformá-lo, e, sobretudo, para trabalhar pedagogicamente essa realidade dura, incorporá-la ao processo educativo para ajudar o aluno, a classe operária a transformá-lo na medida em que melhor o compreenda? Insisto muito neste ponto: há um saber que nasce da experiência material de vida, exatamente esse saber tem sido cortado, negado, podado pelos Estudos Sociais, pela escola, com essa visão falsa do real que se tenta impor sobre o trabalhador-estudan-te, ou em nome de teorias pedagógicas construídas para um mundo irreal.
A experiência social do professor em conflito
Outro grave problema é este mundo infantil, romântico, afetivo, moralizante entrar em contradição, não só com o mundo da criança, com o saber social da criança, mas com o próprio saber social do professor. Cada profissional do ensino percebe, hoje, as contradições entre sua prática pedagógica e experiência pessoal. Qual é a experiência social dos profissionais do ensino primário? Sua prática social mostra-lhes que as relações sociais não são tão afetivas, morais, primárias e infantis; ao contrário, como trabalhadores do ensino, têm que brigar pelos seus salários, pela estabilidade, têm que brigar contra o patrão, o Estado, o município, ou o dono do colégio, vão ter, enfim, que brigar pela sobrevivência material, ou seja, pelas condições materiais de existência. Os profissionais do ensino que lutam por essas condições materiais de existência, por dignidade e condições de trabalho, como poderão ensinar Estudos Sociais tranqüilamente, dando uma visão tão irreal, tão ingênua, tão contraditória com sua própria experiência social? Por isso é tão importante que os profissionais da escola avancem na consciência de melhores condições materiais de existência, para que não sejam instrumentos úteis, ensinando a outros trabalhadores belas mentiras! Tem que haver uma relação muito íntima entre nossa experiência profissional de assalariados, entre as condições trabalhistas a que estamos submetidos e a nossa prática pedagógica. Não é possível fazer qualquer separação; se houver alguma tentativa neste sentido, vai ficar no que está aí - a transmissão de uma visão do real contrária à nossa experiência e à experiência do aluno-trabalhador.
É muito importante a integração dos profissionais do ensino em suas entidades neste processo de renovação da escola, visando não simplesmente qualificar o trabalhador para ele ser mais rendoso ao capital ou ao Estado, mas possibilitando que este profissional perceba a existência de uma íntima relação entre suas condições materiais de existência e as dos seus alunos, entre o que é e o que deveria ser ensinado, e tente, a partir daí, recriar novos conteúdos e uma nova escola. Quem vai ter condições de dar uma nova dimensão social à escola será o próprio profissional; à medida que se descobre trabalhador, vai descobrindo as suas próprias condições materiais de existência. Assim, na condição de simples trabalhador, que vende uma força de trabalho qualificada, ele poderá, a partir de sua própria experiência material, ir recriando uma nova consciência e uma nova teoria capaz de modificar esta escola. Qualquer mudança que não venha por essa via será uma mera reforma.
Já escrevi sobre este ponto: trabalhadores e educadores se identificam; que rumos tomará a educação? Dessa identificação, dessa visão de que as condições materiais do professor, a cada dia, estão mais próximas das condições de 90% das crianças das nossas escolas públicas é que poderá surgir uma nova proposta de escola e de Estudos Sociais. Para redefinir os Estudos Sociais, portanto, é muito importante que nos voltemos para a nossa própria experiência profissional como trabalhadores assalariados.
Saídas ou armadilhas?
Diante do exposto, podemos fazer algumas perguntas: que saídas existem hoje como proposta? Essa questão será objeto de trabalho posterior neste Seminário. Mas permitam-me levantar alguns pontos. Há, hoje, uma tendência: eliminar os Estudos Sociais, a formação social, e insistir muito em instrumentalizar para a vida através da alfabetização, da leitura. Justifica-se que o fundamental para o futuro cidadão, futuro trabalhador, é que ele domine a língua escrita. Para quê? Para se inserir mais facilmente no mundo letrado e ser mais útil a si e ao capital? Alguns trabalhadores saberão ler um pouco mais ou escrever com menos dificuldade quando estiverem empregados num escritório ou no setor doméstico. Mas a questão me parece mais profunda. É necessário instrumentalizá-lo com a leitu-
ra, mas sabendo dos limites desse instrumento para o trabalhador. Não será um letrado, não terá tempo para ler, e o que irá escrever será, por exemplo, uma carta à filha - se ela for empregar-se lá em Belo Horizonte e ele morar no interior - e mais nada.
O conhecimento de uma realidade social que não permite que todos sejam letrados deve ser transmitido logo desde a 1 - série para que seja instrumentalizado, para que sejam alteradas as condições materiais de existência da classe trabalhadora, as quais não deixam tempo para ler ou escrever. Tem que haver espaço na escola, desde a 1ª série, para a organização do pensamento social.
Outra proposta que está sendo colocada, hoje, é a de integrai todas as disciplinas na área de Comunicação e Expressão. Através de uma composição, de um ditado, da escolha de um texto, deverá se ensinar Ciências, Estudos Sociais, Matemática. Essa mistura não vai muito longe. É o que está sendo feito por aí: cartilhas que não são cartilhas, onde não se aprende a ler, nem se aprende o social. É uma tendência bastante forte, hoje, a chamada integração de disciplinas numa disciplina única que seria Comunicação e Expressão e na qual o resto iria entrando um pouco por acréscimo. Tudo isso vai levar a uma consciência social muito complicada, um samba do crioulo doido. O ensino do social deve ser mais esquematizado a partir do próprio saber social que nasce da experiência material da criança, da classe social e da formação brasileira de que cada cidadão e trabalhador participa.
Outra proposta, hoje muito divulgada, é buscar não tanto a integração social, mas a integração econômica do aluno. É a escola integrada, escola para a vida. Dá-se ênfase não em integrar o aluno ao social, mas em integrá-lo na profissão, no trabalho, na produção. Temos programas de educação, sobretudo no campo e nas periferias urbanas, que insistem nessa integração do aluno como futuro produtor ou como atual produtor de banana, de batata, etc. Nessas propostas, as quatro primeiras séries deveriam preparar a criança para um desempenho melhor nas atividades produtivas. E, para isso, ensinar o quê? Por exemplo: problemas relativos à vida na cidade - como pegar o transporte, como conferir o preço da passagem -; ou relativos à vida no campo - plantar, colher ou armazenar a produção, etc.
Essa proposta está sendo defendida como solução, a chamada integração escola-comunidade. É a escola necessária para se fazer bons trabalhadores. Já que se vai ser trabalhador, a proposta é integrá-lo, para ser trabalhador bem preparado.
Cuidado com essa proposta! Ela é mais ameaçadora do que o PABAEE quando chegou aqui. Essa proposta está chegando, não através do Ponto IV, mas do Banco Mundial e do Banco Interamericano. No início dos anos 50 era o PABAEE, no início dos anos 80 são os bancos! Os bancos e agências internacionais vêm nos dizer o que nós temos que ensinar nas escolas para o futuro trabalhador rural, para o futuro trabalhador da fábrica ou do comércio. E o que nos dizem é isso: se naquela época havia certo clima para o social, para integração social, isso é o menos importante hoje. Atualmente, o que se pretende é a integração como agente de produção. Esse tema mereceria um encontro, para ser discutido com profundidade, face à influência que tem na constituição de uma nova filosofia de integração.
Neste Seminário, vamos estudar e avaliar outras propostas sobre a recuperação do tempo e do espaço, da Geografia e da História na escola elementar. Apenas queria deixar claro o seguinte: não vai ser possível colocar em questão os Estudos Sociais, assim como a Matemática, as Ciências ou a Língua Pátria, sem discutir a própria filosofia da escola para o povo. O que está em questão é a própria filosofia da integração. Não será possível questionar a filosofia dos Estudos Sociais sem envolver a própria visão de sociedade que está aí embutida e, sobretudo, sem analisar a visão do trabalhador acerca de seu próprio destino - como trabalhador e cidadão na nossa formação social e política. Enquanto o trabalhador for apenas um instrumento útil em mãos do capital, ou um cidadão amestrado em mãos do Estado totalitário ou pseudodemocrático, os Estudos Sociais não irão muito além do que é transmitido hoje. Não podemos questionar os Estudos Sociais sem questionar a sociedade, a ordem econômica, social e política, na qual esse cidadão-trabalhador pretende ser integrado, questionamento este que já está acontecendo na sociedade, nas organizações de classe, de moradores, nos partidos e que esperamos aconteça na escola do povo e na escola responsável pela formação de seus mestres.
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
A CRIANÇA, NOVOS TEMPOS, NOVOS ESPAÇOS: A HISTÓRIA E A GEOGRAFIA NA ESCOLA*
Dulce Maria Pompêo de Camargo** Ernesta Zamboni**
Introdução do problema
Este artigo decorre de uma enorme inquietação, no que diz respeito ao ensino de Hitória e Geografia, em contraposição ao ensino de Estudos Sociais, nas quatro primeiras séries do 1º grau.
Até o momento, muitas foram as manifestações que denunciaram a introdução dos Estudos Sociais como disciplina, em todas as séries do 19
grau, após as resoluções da Lei n9 5.692/71, focalizando, principalmente, os seguintes pontos:
• origem dos Estudos Sociais; • discordância quanto à nomenclatura da disciplina; • fusão de disciplinas, levando à descaracterização de ciências como a
História e a Geografia; • não inclusão da Sociologia nos Estudos Sociais; • prejuízos quanto à qualidade do ensino; • precária formação dos docentes, decorrente, principalmente, das li
cenciaturas curtas; • discutível polivalência do professor; • desvalorização do papel das Ciências Humanas para a formação da
consciência crítica e criadora dos alunos.
* Agradecemos a Eloísa de Mattos Hõfling a leitura cuidadosa e as sugestões apresentadas.
** Professoras do Departamento de Metodologia do Ensino, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
E, ainda, muitos outros foram os textos que salientaram a importância da reintrodução da História, da Geografia, da Sociologia e da Filosofia, enquanto disciplinas autônomas no ensino de 19 e 29 graus. Mas, poucos foram os artigos que trataram a questão relacionada, particularmente, às quatro séries iniciais do 19 grau, onde História e Geografia já deveriam estar explicitamente presentes em seu currículo. Assim, interrogações fundamentais permanecem:
• por que continuam os Estudos Sociais de 1ª a 4ª séries, enquanto estes desapareceram nas demais séries?
• por que as diferentes associações e instituições (ANPUH, AGB, APROPUC, USP, UNICAMP, UnB e outras) não abraçaram a luta pela eliminação definitiva dos Estudos Sociais nas primeiras séries do 1º grau?
• por que o professor tem dificuldades em trabalhar Estudos Sociais de 1ª a 4ª série, preferindo, muitas vezes, na prática, não trabalhar com a disciplina?
• qual a importância da disciplina nas séries iniciais do 1º grau? • qual a posição do professor polivalente frente aos Estudos Sociais? • que noções e conteúdo devem ser desenvolvidos?
Portanto, não podemos mais permanecer alheios a estas questões, sem dúvida, bastante importantes e relevantes. Assim, neste artigo, que é fruto de reflexões teóricas e da análise da prática cotidiana do professor na escola e na sala de aula, procuraremos esboçar uma perspectiva metodológica de trabalho para as primeiras séries do 1º grau.
Quando a forma e o conteúdo são diferentes
A apreciação do quadro geral do trabalho do professor em sala de aula é um importante ponto de partida para melhor situar as idéias que colocaremos posteriormente.
Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
Temos notado, freqüentemente, a inconsistência metodológica (aqui entendida como a relação teoria-prática, forma-conteúdo) do trabalho desenvolvido pelo professor. Muitas vezes, ele não percebe que essa relação forma-conteúdo apresenta diferentes configurações, dependendo da postura que ele professor apresenta frente à realidade e ao conhecimento e que, para se ter uma postura consistente, firme, é preciso dominar o conteúdo, obter o máximo de informações possíveis, refletir e criticar o conhecimento.
Senão, como pode o professor conseguir do aluno uma postura crítica, reflexiva e interpretativa, se ele próprio não as apresenta?
Neste caso, indubitavelmente, o professor tenderá a transmitir, aos seus alunos, o conhecimento de forma estática e fragmentada, ou seja: não será mais que um mero transmissor de informações. Ele não conseguirá ultrapassar o nivel aparente do conteúdo tratado. Limitar-se-á à descrição mecânica dos dados, contribuindo para a passividade do aluno.
Avançando um pouco, é possível afirmar que o conteúdo, até agora desenvolvido em Estudos Sociais (aqui entendido como História e Geografia), foi predominantemente descritivo, linear e factual, o que ocasionou, principalmente, por parte dos meios acadêmicos, um verdadeiro bombardeio crítico, sem que os professores tivessem a oportunidade de acompanhar esse movimento contestador, onde se salientava a necessidade de considerar e trabalhar com o aluno sua concreticidade, no sentido de melhor atender suas necessidades e anseios.
Assim, o professorado acompanhou, como expectador, as críticas, as colocações, as divergências, as novas sugestões, as propostas e publicações, sem, contudo, participar e receber condições de aprimoramento e renovação - requisitos mínimos para qualquer ação no sentido de romper com o programa tradicionalmente desenvolvido.
Frente a estas considerações, uma nova questão se coloca: essas constatações não explicariam o descuido com Estudos Sociais nas séries iniciais do 1ºgrau?
Parece-nos que o professor, ao perceber o que não deve ser feito metodologicamente (forma e conteúdo) em Estudos Sociais, e não sabendo como agir alternativamente, preferiu não trabalhar com a disciplina a correr o risco de, mais uma vez, ser criticado por não apresentar um trabalho de acordo com as expectativas dos especialistas.
Por outro lado, será suficiente um posicionamento por parte do professor, se ele ainda continuar separando a forma do conteúdo, ao trabalhar, por exemplo, um conteúdo que considera questionador, de uma maneira estática e parcial? Algumas experiências mostraram também, que o professor mais atento, no afã de tornar seus alunos participantes e críticos, transmite a estes apenas o conhecimento já interpretado, sem perceber a importância de lhe transmitir paralelamente o conteúdo pertinente ao tema e de exigir do aluno leituras Complementares. Nesse caso, o professor tem sua interpretação, tem seu posicionamento, sua verdade. Mas, não percebe que se o aluno não tiver acesso às informações, ele não terá sua análise pessoal. Da mesma forma que no procedimento exposto anteriormente, terá uma atitude passiva, de apenas repetir o que lhe foi transmitido pelo professor. Será um aluno sem consistência, pois carece do embasamento teórico que o levaria à reflexão.
Neste caso, o professor, apesar de ter uma posição questionadora frente à realidade, não percebeu a importância do conhecimento histórico e geográfico no ensino de 1º grau.
Então, como trabalhar uma postura metodológica que não separe a teoria da prática, a forma do conteúdo? Como envolver o aluno na dinâmica do processo social? Como conseguir sua identificação, tornando-o sujeito do processo de transformação?
No sentido de contribuir para o debate dessas questões apresentamos, a seguir, uma perspectiva de trabalho, que se, de um lado, não traz em seu bojo novidades significativas, por outro lado, apresenta, a nosso ver, uma orientação metodológica que avança qualitativamente.
Unidade da forma e do conteúdo: novos tempos? Novos espaços?
A criança, ao chegar à escola de 1º grau, traz consigo o referencial do mundo que a rodeia, sabe como se defender, proceder diante do desconhecido, conhece o espaço que a circunda, orienta-se; distingue os períodos do dia, as fases da lua, identifica as estações do ano, um animal do outro, conhece as letras, diferentes meios de transporte e comunicação, conhece os números. Portanto, é errôneo imaginar que a criança ao entrar na escola tudo vai aprender. O seu referencial de conhecimento pode ser diferente do da escola e até ser desconhecido pela professora.
Vivemos em uma sociedade letrada, cheia de símbolos e mensagens, com um código de interpretação próprio das cidades. A criança pode não saber ler, mas não desconhece as letras, os jornais, as revistas. No seu cotidiano, interpreta e introjeta as mensagens veiculadas pelo rádio, tevê e demais meios de comunicação.
Quando a criança é oriunda de segmentos da classe média, conhece os livros, e pode tê-los. Histórias são lidas para ela e, quando não as entende, pergunta. Na multiplicidade de suas vivências intui os princípios que norteiam as relações entre as pessoas. Ela vive a diferença, tem noção da desigualdade das e nas relações sociais. O seu referencial de mundo, na maioria das vezes, precisa ser escondido, anulado, ignorado na escola. É preciso sobreviver...
Entretanto, se nos colocamos do ponto de vista da instituição, a professora precisa transmitir aos seus alunos um conhecimento pré-determinado, obedecer e cumprir programas, onde não há espaço para o diferente, para a diversidade, para o inusitado.
São dois mundos, um da criança sem lugar na escola e, outro, da instituição, da professora que deve transmitir um conhecimento passivizante, absolutizado, fundamentalmente assentado em noções e informações contidas nos livros didáticos.
Há escolas que possuem clientelas distintas, assim como há, no interior das classes, alunos diferenciados entre si. Em Belo Horizonte, foi feito
Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
um estudo comparativo com turmas de 5ª série de uma escola, com alunos de alto poder aquisitivo e, outra, com uma clientela de baixo poder aquisitivo. Constatou-se que a visão de mundo dos alunos das duas escolas são diferentes: os alunos da primeira escola citada demonstraram uma visão cosmopolita em contraposição com uma visão de mundo mais restrita da segunda escola.1
Empiricamente, notamos que alunos de 1ª a 4ª série que têm possibilidades de assistir, à tevê, filmes, onde vêem imagens das guerras da Nicarágua, dos conflitos entre o Líbano e Israel, Irã-lraque, das eleições de deputados, saídas de ministros, etc. apresentam um referencial de mundo, de localização, mais amplo que outros alunos sem os mesmos recursos. Através de fotografias e vivências identificam as estações do ano e sabem que quando é frio aqui (hemisfério sul) é calor lá (hemisfério norte).
Por outro lado, o aluno que não tem acesso àqueles meios de comunicação, utiliza o transporte coletivo, anda muito pela rua, tem um conhecimento vivido do espaço que ocupa, tem noções de distância e tempo relacionados com a idéia de movimento. Este aluno pode não saber onde se localiza a Itália, mas, com certeza, tem um conhecimento empírico da natureza, do lugar em que mora, e, para sua própria sobrevivência, domina o espaço em que vive.
Ao mencionar estas diferenças chamamos a atenção para a não homogeneidade da escola e para o fato de que não há, nela, alunos que tudo ignoram.
Hoje, com maior facilidade de acesso às fotografias, o aluno vê fotos do passado, do casamento de seus pais, de quando era pequeno. E, ao observar tais fotografias, identifica diferentes períodos da vida das pessoas, percebe as mudanças e permanências, e naturalmente está adquirindo a noção de temporalidade.
FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Apuros de um professor recém-formado em história no 1º grau. Revista do Departamento de História, Belo Horizonte (4):137, jun. 1987.
No seu cotidiano, vivendo em uma sociedade cujo modo de produção é capitalista (o tempo é dinheiro), na qual as relações de trabalho são regidas pelo taylorismo - postura esta que se estende também para as relações sociais -, a criança vive condicionada pela hora, pelo relógio, pelo compromisso, pelo tempo. Ela pode não entender o que significam oito horas, mas sabe ler as horas, sabe que é hora de dormir ou do Jornal Nacional, etc.
Essas afirmações nos remetem a pensar na fragilidade da existência de programas pré-determinados e na publicação, a nivel nacional, de um mesmo material didático.
Quais seriam os papéis da História e da Geografia nas séries inciais?
Pelos trabalhos que temos orientado nas primeiras séries e pelas reflexões teóricas, pensamos que a História e a Geografia no currículo devem sistematizar o conhecimento do aluno a nível familiar, da própria História, da cidade e do cotidiano. Esta sistematização se inicia quando a criança explica, verbaliza e desenha o que já conhece.
No processo de explicitação e exploração do cotidiano infantil, o adulto identifica e conhece o mundo da criança. Ao contar, verbalizar seus sonhos e desejos ela explicita seu referencial valorativo, embutido de elementos culturais e sociais. Notamos entre os alunos de uma determinada classe diferentes hábitos e costumes no seu dia-a-dia. Esses hábitos, não raras vezes, expressam sua origem étnica como também o grupo social a que pertencem.
Ao trabalhar com o cotidiano dos alunos o professor lida também com o individual e o coletivo. Nesse entrelaçamento do individual com o coletivo aparece a ação da sistematização. Esta não se dá sobre um fato isolado e em uma única disciplina. A nosso ver, a sistematização do conhecimento é feita através de todas as disciplinas que compõem o 1º grau. E a interdisciplinaridade. Durante o processo de sistematização ocorre a introdução de novos conhecimentos que enriquecem o campo de conhecimento dos alunos. Esse procedimento só pode existir se houver a preocupação em fazê-lo através da reflexão. Na e para a reflexão está, tam
bém, embutido um referencial valorativo. Esse expressa a ideologia do professor, da escola e do próprio ato de educar. Podemos trabalhar melhor com História e Geografia quanto mais claro for o nosso referencial de análise.
Isso só será possível depois de garantido o domínio do conteúdo e o posicionamento do professor frente a ele, e se garantir a mesma coisa para os nossos alunos.
A metodologia de ensino, nestes termos, pode contribuir na medida em que garante uma dinâmica no trabalho, se for desenvolvida com o intuito de possibilitar uma inter-relação entre as partes, se permitir a percepção das contradições existentes, se for trabalhada numa visão multilinear.
Reforçamos, ainda, novamente, a importância da relação forma-conteúdo. A metodologia usada pelo professor precisa garantir o desenvolvimento do conhecimento ensinado situado num determinado contexto histórico (tempo) e num determinado espaço social. Em síntese, para permitir e facilitar o pensamento crítico do aluno, enquanto sujeito, é fundamental que o posicionamento do professor esteja bem definido. Não existe a neutralidade. A ausência de posição já é em si uma postura. O professor não conseguirá expressar sua visão de mundo sem uma teoria que o oriente. A postura frente à realidade é também uma postura metodológica.
É preciso lembrar que as várias teorias não são equivalentes entre si, têm pressupostos diferentes, não são formas distintas para se atingir o mesmo resultado e, muito menos, não são Complementares, não podendo, por isso, ser aplicadas simultaneamente.
Nesse procedimento não buscamos uma História e uma Geografia imparciais. Elas não o são. O campo de conhecimento dessas ciências é crítico, construído e transformado dia após dia, passo a passo.
Na explicitação dos critérios que norteiam esta análise, evidenciam-se a ideologia educacional e o referencial teórico que norteia a interpretação histórica e geográfica.
Como foi afirmado anteriormente, durante o processo de reflexão há a introdução de novos conhecimentos que vão permitir ampliar horizontal e verticalmente as informações, como também aprofundá-los, evitando estudar o cotidiano, o momento presente, apenas nos seus aspectos formais e aparentes. Esse mergulho vai nos possibilitar uma visão globalizante e não podemos prescindir do conteúdo, dos conhecimentos já produzidos, sistematizados e elaborados. A partir dessa postura o professor auxilia o aluno a ser o sujeito do seu próprio conhecimento e perceber o processo histórico. Para a construção do conhecimento histórico e geográfico o professor trabalha com um objeto especifico e usa a metodologia da construção.
Essa postura se opõe à visão tradicional de História e Geografia, que é a lembrança do passado, uma postura passiva do historiador diante do fato ocorrido e, como afirma Pierre Nora2, "deixa-se de falar do absoluto, de Deus, do progresso, da luta de classes".
Nesse procedimento, o professor e o pesquisador da História e Geografia têm um lugar comum - são produtores do conhecimento, com metodologias específicas de trabalho. Michel Certeau afirma que "há uma proliferação metodológica na historiografia científica e total ausência dela nos manuais didáticos".3
É realmente uma postura desafiante. E mais desafiante, ainda, se levarmos em conta a especificidade destas áreas. Somos um ser social (objeto) e desenvolvemos um conhecimento do mundo real do qual participamos (sujeito). Portanto, tanto o professor como o aluno são sujeitos e objetos do conhecimento. Devem juntos estar constantemente repensando o conhecimento, apreendendo seu movimento de evolução e, conseqüentemente, alargando o espaço enquanto campo de ação.
É também um desafio porque exige uma preocupação constante em encontrar e viabilizar condições para o estudo e a produção, evitando a re-
2 NORA, Pierre. A história: uma nova paixão, ln: LE GOFF, Jacques A nova história. Porto, Edições 70," s.d. p.9.
3 CERTEAU, Michel. A história: uma nova paixão, ln: LE GOFF, Jacques. Op.cit. p. 13.
petição. Portanto, é necessário refletir com mais seriedade sobre o significado deste partir do concreto do aluno, uma vez que, geralmente, o conteúdo desenvolvido está muito distante, tanto da realidade e necessidade do aluno, como da do professor, não conseguindo satisfazer nem mesmo idealmente esses anseios. O distanciamento do conteúdo trabalhado é tão grande que o conhecimento apresentado, que não é real nem ideal, não é nada. O tempo é só passado e o espaço é só exterior e estático, não criando, portanto, necessidades.
Então, como trabalhar o concreto do aluno, o seu cotidiano? Como? Se o professor não consegue estabelecer uma relação de diálogo, de troca com os alunos? Se ele não consegue se aproximar dos seus anseios mais simples? Se não ouve, não exige, não interroga, apenas transmite um conhecimento pronto, uma verdade que não é nada para ele e muito menos para o aluno? Entre a realidade do cotidiano e o que lhe é apresentado há uma distância imensa.
O que questionamos é a maneira de trabalhar este concreto, não sendo garantia de um bom trabalho o fato de se partir do cotidiano do aluno. O que precisamos, sim, é trabalhá-lo sob outra perspectiva, oferecendo-lhe condições para a transformação social.
A exclusão definitiva dos Estudos Sociais não é apenas uma questão metodológica
Na tentativa de tomar mais claras algumas interrogações apresentadas no início e no decorrer deste artigo, gostaríamos de reforçar a idéia de que, para superarmos a questão dos Estudos Sociais nas séries iniciais, não basta apenas ser proposto o desenvolvimento de atividades relacionadas a tempo, espaço e relações sociais, cujas noções, indiscutivelmente, são fundamentais para a área. Isto porque essas noções (quando não estão ausentes) são trabalhadas de forma diferenciadas, uma vez que o professor geralmente não tem consciência da dimensão com que trabalha ou não trabalha essas noções espaço-temporais. Estas, apesar de inseparáveis, acabam sendo tratadas separadamente. A questão agrava-se quando se constata que, muitas vezes, o trabalho com essas
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noções - quando não são ignoradas - não tem a continuidade e o aprofundamento necessário no desenvolvimento do conteúdo referente ao período da 5ª à 8ª série, 2º grau e mesmo 3º grau (tanto nos cursos de bacharelado como de licenciatura).
Então, como pretender que o professor polivalente domine o conteúdo e saiba operacionalizar essas noções propostas? A quem ele deve procurar, se mesmo na universidade uma pequena parcela de docentes se preocupa com essas questões, e muitos deles ainda em fase de iniciação? Serão suficientes os esporádicos cursos de 30 horas oferecidos ao cansado professor no seu período de férias? Será que essas interrogações explicam, ainda que em parte, porque os Estudos Sociais permanecem nas séries iniciais? Ou mesmo, porque a disciplina é, na prática, ignorada pelos professores?
Talvez, somente depois da analisadas essas questões, sejamos capazes de dar mais atenção e de valorizarmos mais o ensino de História e Geografia nas primeiras séries do 1º grau, reformulando inclusive suas metodologias de trabalho.
Quando essas questões estiverem mais claras, tanto para a universidade como para os professores do 1º grau, será possível repensarmos objetivamente estas séries, encampando inclusive a luta pela eliminação definitiva dos Estudos Sociais.
E ainda, num plano mais amplo, somente através das reflexões e mudanças metodológicas ocorridas no campo de cada uma das disciplinas que compõem o currículo da escola de 1º e 2º graus, será possível transformarmos a escola, criando, nela, um espaço mais coerente com as transformações sociais decorrentes da maior participação popular e com as mudanças tecnológicas que ocorrem no mundo contemporâneo, e que modificam os hábitos do nosso dia-a-dia.
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RESENHAS
BALDIN, Nelma. O ensino de história: uma prática que ultrapassa os muros da escola pública. São Paulo, PUC, 1985.423p. tese (doutorado)
Este estudo representa, na realidade, um desdobramento do trabalho que Nelma Baldin vem desenvolvendo desde que ingressou na Universidade Federal de Santa Catarina, como professora de Prática de Ensino de 1º e 2º graus na área das Ciências Humanas e Sociais. Desde então vem acompanhando os alunos no decorrer dos estágios práticos e se relacionando com professores de História que lecionam para o 1º e 2º graus.
O trabalho divide-se em duas partes.Na primeira, a autora conceitua a História, descreve suas linhas teóricas, mostra como vem ocorrendo no Brasil, ao longo do tempo, o ensino desta disciplina e questiona a formação dos futuros professores, além de citar as peculiaridades da unidade federada em que se desenvolveu a pesquisa e determinar o método de trabalho. Na segunda, desenvolve a pesquisa propriamente dita, analisando e comentando as informações levantadas no estudo de caso.
Ao analisar os pressupostos teóricos que fundamentam as orientações teóricas da História, a autora conduz os leitores aos preceitos positivistas, que a vêem não como um processo em transformação, mas como uma seqüência de fatos fragmentados e isolados do contexto social, dispostos cronologicamente, cabendo ao estudioso e produtor da história a simples interpretação passiva do fato em si. Esta mera exposição de fatos, realizada de forma abstrata e acrítica, encontrou determinadas resistências e, em 1929, na França, organiza-se o denominado Grupo dos Annales com o intuito de promover "uma História global ou total através da apreensão do conjunto das relações entre o econômico, o social, o mental e o político".
Os historiadores desta orientação teórica, denominada a História Nova, insatisfeitos com os episódios e atos heróicos dos positivistas, deixam de extrair o fato do processo social em que se encontra inserido e passam a
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considerá-lo no meio sócio-espacial e a dar-lhe vida, isto é, a reconhecer a sua duração temporal.
A dinâmica espaço-tempo do processo histórico é, então, estudada por Fernand Braudel que a decompõe em fato, conjuntura e estrutura. Diz a autora: "A partir dos pressupostos teóricos e metodológicos da História Nova, passou-se a perceber o fato histórico como um momento da conjuntura social. E o évènementiel, na imagem de Braudel. Isto é, são momentos ou fatos de curta duração. A síntese dos múltiplos momentos forma as conjunturas que, também de curta duração, devem ser abordadas nos vários aspectos do econômico, do político, do social e do cultural. Por sua vez, a síntese dos vários momentos conjunturais tem continuidade temporal, formando-se, daí, a estrutura social. É uma longue durée".
Com o aguçamento da crítica, os estudiosos passaram a verificar que este processo em constante transformação, que é a história, reserva aos homens o papel principal, pois são eles "que criam e desenvolvem as relações sociais de produção, e delas fazem parte". Esta nova compreensão da História como "produto existencial das relações entre os homens e os meios natural e social" constitui a terceira orientação teórica citada pela autora e denominada história crítica.
Após a exposição pormenorizada das orientações teóricas que fundamentam o trabalho de todos aqueles que lidam com a História, a autora passa a analisar o ensino de História em nosso país.
Até a República, o ensino de História consistia, de modo geral, em ministrar a História Universal para o curso secundário. No entanto, no período de afirmação do Estado Novo, o ensino de História do Brasil conquistou sua autonomia, para perdê-la a seguir e incorporar-se à História da América. Como diversos setores da sociedade reagiram a este retrocesso, em 1940 a autonomia torna a ser conquistada. Paralelamente, o modelo
Social Studies dos americanos influenciava determinados segmentos da educação brasileira que passaram a defender a unificação das disciplinas História e Geografia.
Em 1961, é concluída e aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que vinha sendo discutida desde 1948. Esta longa gestação contribuiu para uma sensível perda de qualidade.A LDB, no entanto, propiciou a articulação do primário aos demais níveis de ensino e uma certa descentralização do secundário, possibilitando aos professores a formulação de programas de ensino. Já em 1962, o MEC sugeria o ensino integrado de História e Geografia e, com a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus em 1971, reuniu História, Geografia, OSPB e EMC na área de Estudos Sociais.
A intenção destruidora dos organismos governamentais pós 64, que insistia em desarticular o ensino de História, faz-se sentir, também, no ensino superior.
Até 1920, o ensino superior no país era realizado por institutos isolados e "com algumas exceções, somente a Faculdade de Direito ministrava aulas de História da Civilização". A Reforma Francisco Campos, em 1931, contudo, altera bastante esta realidade ao estimular a criação de universidades e, já em 1934, com a criação da USP, ocorre a agregação de diversos institutos de ensino superior. A partir de então, a Faculdade de Filosofia da USP passou a oferecer um curso de História seguindo a orientação teórica positivista. No entanto, aos poucos, os estudiosos brasileiros entram em contato com os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo dos Annales e, já na década de sessenta, há um aumento significativo da produção/difusão de uma história mais crítica
Ocorre o Golpe de 64 e o governo que se instala reprime o debate intelectual e não tolera interpretações da História discordantes da que desejava impor. Conseqüentemente, "muitos professores foram afastados de cena e podados em suas melhores fases de produção intelectual" e "a História Tradicional (que não se afasta do cenário educacional brasileiro há já várias gerações) voltou a ter expressão política junto às bibliografias curri
culares do ensino superior no país, embora, reconheça-se, esta posição não poderá ser tomada como regra geral".
Vem a Reforma de 68 e com ela as licenciaturas curtas que terminam por infligir ao ensino de História e Geografia mais um golpe ferrenho.
Não obstante às inúmeras adversidades, a comunidade acadêmica resiste à repressão. Conforme explicita a autora, "a partir da década de 70, a nova clientela do ensino superior e das universidades, em especial, insatisfeita, buscou reaviver o estudo de fundamentações teóricas que lhe permitisse maior compreensão do processo histórico. Os estudantes dos cursos voltados para a formação pedagógica (no caso deste estudo, principalmente da área das Ciências Humanas e Sociais) passaram a exigir reformulações nos currículos e programas de ensino dos seus cursos. Combateram (e combatem ainda) a Licenciatura Curta e, particularmente, combateram a Licenciatura de Estudos Sociais. Pediram/pedem uma revisão bibliográfico-metodológica e, acima de tudo, lutaram/lutam por um repensar na historiografia brasileira que lhes era/é apresentada".
Antes de descrever a metodologia de trabalho da pesquisa, deve-se ressaltar que a autora apresenta e diagnostica "o 'espaço' onde se localizou o estudo de caso", bem como questiona "os rumos da transmissão do conhecimento histórico na escola pública" onde analisa a História como ciência e disciplina, a separação inaceitável entre ensino e pesquisa e a "distinção entre saber sistematizado (o conhecimento) e a atitude pedagógica do professor".
Deste tópico (os rumos da transmissão do conhecimento histórico na escola pública), são transcritos, por serem, segundo a autora, "básicos para a compreensão deste estudo", os questionamentos sobre a formação do professor de História: "Estará este professor sendo formado de acordo com uma História Tradicional (reprodutor, retórico), e que, posteriormente, irá influenciá-lo na sua prática pedagógica, tomando-a repetitiva (práxis reiterativa)? Ou estará sendo formado de acordo com uma visão dialética e percebendo a História como uma História mais crítica, através da qual vê a participação dos homens no processo de transformação da natureza e da sociedade? E como será a sua prática pedagógica?
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Quais as concepções filosóficas que metodologicamente fundamentam as aulas de História dos professores desta disciplina? Será uma História Tradicional, uma História Nova ou uma História crítica? No exercicio de suas atividades profissionais, este professor estará tentando levar os alunos a uma reflexão mais critica da realidade social (práxis criadora ou reflexiva)? E, em decorrência destas questões, levando-se em conta as condições da realidade econômica, política e sócio-cultural que o professor de História enfrenta na sua prática pedagógica, já como profissional, como estará sendo encaminhada a sua formação teórica9
Aplicada de abril a junho de 1984, a pesquisa abrangeu 140 professores da disciplina História, do 1º e 2º graus, de escolas públicas, distribuídos em oito cidades do Estado de Santa Catarina. O fato de este estado apresentar inúmeras peculiaridades levou a pesquisadora a recorrer à metodologia de pesquisa empírica, associando situações de abordagem quantitativa e qualitativa. Como técnica geral de investigação foi utilizado o estudo de caso "por ser um termo amplo incluindo uma família de métodos de pesquisa cuja decisão comum é o enfoque numa instância".
A coleta de informações processou-se por meio de entrevistas, observação de aulas, questionários e "coleta de material referente às diferentes regiões, através de consultas aos Arquivos Públicos e Prefeituras dos locais onde a pesquisa foi aplicada".
Nelma Baldin inicia a caracterização do perfil do professor de História levantando dados relativos ao nivel de escolaridade dos pais dos professores e constata que 67,5% só fizeram o curso primário, 18,6% estudaram e/ou concluíram o curso ginasial e 12% concluíram o curso colegial ou o ensino superior.
Da população pesquisada, 67,9% iniciaram a formação teórica no curso normal; 48,6% freqüentaram o curso de História, 22,9% Estudos Sociais, 12,1% Ciências Sociais e 15% outros cursos; 77,9% são do sexo feminino; 39,3% possuem de 35 a 45 anos, 37,9% de 25 a 35 e 7,9% até 25 anos, sendo que 15,9% não informaram a idade.
Chamou a atenção da pesquisadora o fato de a maioria dos professores
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se encontrar afastada há determinado tempo do ensino superior - 59,2% concluíram o curso superior há mais de seis anos -, principalmente porque data de 1975 o último curso de aperfeiçoamento oferecido para professores pela Secretaria de Educação; além disso, as Unidades de Coordenação Regional de Educação (UCREs) "quase nada têm feito em relação ao aperfeiçoamento dos seus professores (da área dos Estudos Sociais, no caso deste estudo)".
Com relação ao vínculo empregatício, percebe-se que 77,1% são efetivos (concursados) e 22,9% admitidos (professores que cobrem as vagas sobradas no início do ano letivo, não concursados) e, segundo alguns coordenadores, "os efetivos já estão acomodados, têm certeza de que estão garantidos no emprego, não se especializam e nem pesquisam mais, já caíram na rotina. Agora, o pobre do admitido não, este se esforça, se atualiza e dá boas aulas. Ainda quer garantir a segurança no emprego (...)".
A pesquisadora, no entanto, considera esta posição "bastante questionada e questionável". E continua: "Quem garante que a estabilidade e a segurança no emprego acomoda e faz o professor cair na rotina? Esta, a meu ver, é uma situação bem mais complexa, porque a acomodação ou a rotina não poderão resultar apenas da estabilidade, mas, principalmente, da falta de incentivo; de motivação; de oportunidade de aperfeiçoar-se e/ou especializar-se; do desinteresse dos órgãos competentes (UCREs e S.E.) em proporcionar um maior dinamismo à situação do ensino; e, dos baixos salários e das más condições de trabalho".
Perguntados se "participam dos movimentos grevistas em favor de melhorias para a categoria", 47,9% responderam afirmativamente, enquanto 50% negaram. Após analisar as justificativas daqueles que se negam a participar, a autora constata "que metade dos professores entrevistados ainda não está plenamente consciente da ação que podem desempenhar como intelectuais" e "que estes professores ainda não distinguem os direitos que têm como cidadãos e profissionais".
Cerca de 70% dos entrevistados "não têm clareza quanto às condições intelectuais e sócio-culturais que poderiam adquirir para si mesmos e, por
extensão, para os que com eles se relacionam, desde que tivessem uma formação teórica com um nível qualitativo que possa ser considerado, ao menos satisfatório".
Embora o ensino de História exija constante atualização, 51,4% dos professores não praticam leituras de estudo. Apesar de só 26% lerem revistas e jornais com certa regularidade, 78,6% vêem o Brasil como um país em difícil situação econômica, politica e social; com prioridades mal escolhidas; e sem perspectivas de melhorias (pelo menos imediatas) em determinados setores sociais como a educação, alimentação saúde e habitação" e para 87,1% a desigualdade social do país é provocada pela má distribuição de renda.
No que se refere à preparação do professor, 76% da população pesquisada afirmaram "que não receberam níveis de preparação considerados suficientes", sendo que suas "respostas concentraram-se nas alternativas regular para as disciplinas pedagógicas e ruim para as disciplinas de conteúdo".
Diz, ainda, a autora, quanto a este aspecto: "Para que as atividades dos professores da disciplina História do 19 e 29 graus possam ser consideradas satisfatórias, estes precisam ter o reforço de situações que exerçam maior ou menor influência nas suas práticas pedagógicas. Em vista destas considerações, apresentei aos professores uma relação de situações que continham qualificações e habilidades tidas, em hipótese de trabalho (mas não só, pois são tidas também pelos professores) como indispensáveis à atuação no magistério, e propus-lhes que apontassem as de maior significância (segundo os seus graus de importância) para os seus desempenhos como professores de História do 1º e 2º graus".
"As classificações variaram de acordo com as prioridades dos professores. Categorias como Cultura Geral (72,9% das respostas), conhecimento do conteúdo que ensinam (77,9% das respostas) e gosto pela profissão (71,4% das respostas) foram consideradas indispensáveis à bagagem de conhecimentos dos professores de História. Em contrapartida, categorias como habilidades em lidar com pessoas (60,1% das respos
tas) e necessidades de se manterem atualizados (68,6% das respostas) foram classificados como importantes, e categorias como domínio de métodos, teorias filosóficas e técnicas de ensino (56,5% das respostas) foram tidas como regularmente importantes".
"Por estes depoimentos, percebi que, para estes professores, as técnicas e metodologias pedagógicas, assim como as teorias filosóficas que devem embasar a linha de ação no magistério não são tidas como prioritárias para a prática pedagógica do professor de História do 19 e 29
graus. Estas posições, de certa forma uniformes (cerca de 78,3% dos entrevistados), mostraram uma coerência nas atitudes dos professores com os quais trabalhei. Tal coerência configurou-se com os tipos de orientações acadêmicas que receberam no ensino superior..."
Os professores não só deram pouca importância às categorias domínio de métodos, teorias filosóficas e técnicas de ensino como, também, praticamente as desconhecem. A pesquisadora sentira-o "ainda na busca do entendimento do que seja Teoria e/ou Método em História, bem como, na incerteza do domínio e da utilidade ou não desses pressupostos como fundamentação do conhecimento histórico que transmitem".
Por não haverem "recebido informações precisas sobre este assunto quando de suas formações teóricas no ensino superior", os professores terminam por difundir "uma História que não é Tradicional, não é Nova nem é crítica. Assim, as aulas de História tornam-se um misto de Teorias da História". Mas, apesar de não transmitirem um saber crítico, esses professores são competentes profissionalmente, pois norteiam suas atuações numa "certa elaboração do bom senso que lhes é próprio e, por isto, estão freqüentemente atentos às necessidades do saber (conteúdos programáticos) que transmitem/difundem e à realidade às suas voltas". No entanto, "a consciência política, que deveria levá-los a transmitir/difundir esse saber crítico, dilui-se no conhecimento histórico tradicional transmitido através de uma prática pedagógica também tradicional, por não terem, até o momento em que os entrevistei, condições físicas nem materiais para buscar (re)adquirir esse saber crítico."
No que toca à questão dos Estudos Sociais, 76,4% dos professores do
primeiro grau afirmaram que ministram a disciplina História de forma autônoma e com conteúdos próprios. Segundo os professores, "os Estudos Sociais não conseguiram firmar-se enquanto disciplina do primeiro grau, por dois motivos evidentes. Em primeiro lugar, porque na verdade este processo exige um trabalho de difícil realização: há falta de professores especialmente preparados para lecionar esta disciplina; há, também, falta de bibliografia e publicações a respeito. Em segundo lugar, porque esta foi uma medida arbitrária que acabou por desprestigiar a História e a Geografia enquanto disciplinas autônomas e, com isto, tirou do aluno um espaço que poderia possibilitar-lhe maior conhecimento a respeito destas disciplinas".
Esta falta de espaço para o ensino de História levou 88,6% dos professores a afirmarem "que a carga horária tanto no primeiro grau quanto no segundo grau é insuficiente para ministrar todo o conteúdo estabelecido nos programas de ensino da Secretaria de Educação". Dentre os professores do primeiro grau, 48% desejam que a disciplina História tenha três aulas semanais e 22% querem quatro no lugar das duas aulas semanais ministradas atualmente.
Quanto ao segundo grau, a reivindicação é praticamente a mesma, pois
40% dos professores querem o aumento da carga horária de duas aulas semanais, nas duas primeiras séries, para três aulas semanais. Destaca, ainda, a autora: "Paralelamente à questão da ampliação do espaço da carga horária escolar, também houve propostas de uma revisão ampla e completa nos programas de ensino. A maior reivindicação dos professores recaiu na questão de mais autonomia e liberdade para a elaboração de programas de ensino próprios, os quais levem em conta as condições físicas e materiais da realidade onde desenvolvem suas práticas pedagógicas".
Concluindo, a autora mostra "que será somente a partir de uma preocupação que possa vir a ser demonstrada pelo ensino superior com relação à escola pública de 1º e 2º graus, que o ensino de História poderá ser melhor adequado. A necessária integração do ensino superior com a escola pública poderá possibilitar, no caso, que a formação teórica do professor de História do 1º e 2º graus viabilize uma relação de unidade (observando-se as contradições inerentes ao processo) com a prática pedagógica".
Roberto Cossich Furtado
Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988 35
RESENDE, Márcia Spyer. A geografia do aluno trabalhador caminhos para uma prática de ensino. São Paulo, Loyola, 1986.
O trabalho de Márcia Resende, que resultou de sua dissertação de mestrado, pesquisa financiada pelo INEP/MEC, propõe um novo ensino alternativo de geografia crítica para alunos das camadas populares, tomando como ponto de partida, no ato de ensinar, o saber que o aluno trabalhador traz consigo e sua história de vida, numa relação dialética entre a realidade e o conhecimento.
É através de relatos simples e concretos que a autora mostra, de um lado, a vivência espacial e o saber geográfico que os alunos têm; de outro, o desinteresse que os mesmos demonstram com o ensino de uma Geografia fragmentada, mnemônica e desarticulada da realidade social.
Por isso, Márcia Resende critica, com fundamento, a concepção tradicional positivista do espaço e aponta direções para o ensino de uma Geografia em que o aluno é visto, não como objeto, mas como sujeito do processo ensino-aprendizagem.
Inicialmente, a autora focaliza o tema como conseqüência de três convicções: 1) a importância da escola formal para as classes populares, que se evidencia por sua experiência em educação popular, 2) a necessidade de redefinir o conteúdo de nosso ensino e encontrar formas pedagógicas capazes de socializá-lo; 3) no ato de ensinar Geografia ou História, dever-se-ia partir do saber experimental do aluno, como pressuposto pedagógico de uma aprendizagem eficiente.
No sentido de identificar melhor estas convicções, a pesquisadora questiona: "existe um saber geográfico, pré-escolar, que brota da experiência social do aluno trabalhador no seu espaço de vida? Afinal, quais são as caracterfsticas fundamentais, os traços distintivos dessa consciência
geográfica peculiar? Que importância ela pode ter para ensinar Geografia?"
Para responder a estas indagações, a autora apresenta relatos de vida de alunos de classes populares, da 5ª à 8a série do 1º grau, cujos resultados foram reproduzidos no capitulo III desse livro.
De forma clara e objetiva, Márcia Resende divide o conteúdo de seu livro em cinco capítulos.
No primeiro, ela faz uma síntese dos problemas gerais do ensino de Geografia, procurando detectar as possíveis causas da chamada crise da Geografia. Entre estas, foram apontadas "a má organização do conteúdo curricular; a maneira como a Geografia é encarada pelos professores, ou seja, de forma fragmentada e nunca como totalidade; o desprezo pelas Ciências Humanas em função das Ciências Físicas e Biológicas e a condição sócio-econômica dos alunos"... Tendo em vista estas falhas no ensino da Geografia, ou melhor, por não trabalhar a realidade vivida pelo aluno, tem ocorrido um processo de parcelamento da totalidade vivenciada, uma cristalização de tudo que não é estático e sim dinâmico.
No capítulo seguinte, aborda o conceito de espaço geográfico tradicional, fazendo uma sumária crítica de seus fundamentos e aponta alguns caminhos para sua superação. Neste aspecto, Márcia Resende mostra que os seguidores desta geografia tradicional optam por um método de pensar e ensinar, ocultando o papel central do trabalho social na construção do espaço geográfico.
Face a este tipo de Geografia, a autora critica, por exemplo, os capítulos 8 e 15 do Manual de Geografia, do professor Elian A. Lucci, explicando que não se trata de erro ou falha científica, passível de aperfeiçoamento em edição posterior, mas é questão de método de ensino, que expõe de forma arbitrária os fatos geográficos, excluindo o aspecto social. A seguir,
no terceiro capítulo, a pesquisadora relata, de forma detalhada, as histórias de vida de 8 alunos de 5ª a 8ª série do 1º grau, que serviram de amostra, caracterizando desta maneira, em linguagem simples e popular, a realidade espacial do aluno trabalhador.
Com referência ao quarto capítulo, a autora analisa e interpreta criticamente o universo físico e social da gente do povo, cujos relatos são antes experiências de pessoas comuns e anônimas, que demonstram uma espécie de heroísmo do cotidiano. Para estas pessoas, diz ela, "a Geografia é acima de tudo este espaço real, cuja vivência é necessária à ciência geográfica, em virtude de seu caráter de saber originário, produzido pela ação do homem sobre a natureza". Este saber, esclarece Márcia Resende é, via de regra, "deliberada ou inadvertidamente ignorado pela escola e muitas vezes considerado como um obstáculo ao verdadeiro saber"...
Nesta perspectiva, a autora entende que este conhecimento que brota de histórias de vida é considerado como categoria do espaço real, assim discriminado: 1) o espaço como integração natureza/trabalho; b) o espaço como produto da divisão social do trabalho; 3) o espaço urbano: luta pela moradia; 4) o espaço político; 5) do espaço vivido ao não vivido.
Márcia Resende analisa minuciosamente cada uma destas supostas categorias, em confronto com os depoimentos apresentados, evidenciando, deste modo, o saber próprio do aluno no espaço real e geográfico que, se devidamente considerado, poderá facilitar o acesso dele ao patamar do conhecimento científico.
Finalmente, no quinto capítulo, a autora, após ter demonstrado a existência deste saber espacial do aluno, esboça algumas sugestões de integração possível, no dia-a-dia da sala de aula, do saber espacial com o geográfico, que pretende levá-lo a assimilar como sujeito do processo de conhecimento.
A elaboração de estratégias e instrumentos didáticos específicos para esta experiência de ensino, diz Márcia Resende, "escapa ao objetivo central deste trabalho, que visa demonstrar, de modo empírico, a existên
cia desse saber do aluno trabalhador e localizar os seus traços distintivos".
Com modéstia, a autora informa que uma escola municipal de Belo Hori-zonte-MG já realiza experiências programática e metodológica à luz das idéias expostas neste seu trabalho sobre geografia alternativa, e que ela pretende acompanhar e avaliar.
Na análise final sobre integração do espaço real ao espaço geográfico no ensino desta disciplina, critica, ainda, o conteúdo programático do mesmo professor Lucci, não só como de concepção antidialética, como também, por se tratar de um ensino fracionado e parcial, e não como totalidade: o homem, sua história, sua cultura e seu trabalho sobre o espaço geográfico. Para o referido professor, diz a autora, "o homem é apenas mais um dado no espaço geográfico... algo exterior e acessório, jamais imanência, fator essencial na produção do espaço..." Por outro lado, esclarece, o aluno não participa de seu próprio espaço geográfico como ser histórico do processo.
Assim, Márcia Resende explicita que, embora não seja finalidade de seu trabalho elaborar qualquer material didático, contudo, ela apresenta uma proposta integradora do espaço real e geográfico como alternativa ao programa de Geografia da 5ª série do 1º grau.
Estas sugestões apresentadas, esclarece a autora, "não têm outra pretensão que não seja ilustrativa" e servirão ao menos para demonstrar o extenso caminho a percorrer na prática do ensino de Geografia, ou ainda como uma forma de estimular a imaginação e a criatividade dos professores que se interessam pela proposta de construir uma escola para o povo.
Márcia Resende, concluindo o seu trabalho, enfatiza a necessidade de se repensar coletivamente sobre o método e a práxis da Geografia, bem como de reconhecer a legitimidade do saber espacial do aluno da classe
Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988
trabalhadora como sujeito do processo de ensino e incorporá-lo à estratégia pedagógica, tendo como instrumental do processo de mudança uma nova Geografia escolar critica.
Portanto, a autora acredita que este trabalho possa prestar subsídio e
avanço no resgate da Geografia como ciência social, assim como abrir novos caminhos de reflexão fecunda para todos os geógrafos, pesquisadores e professores.
Samuel Aureliano da Silva
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