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enfoque Estudos Sociais no Primeiro Grau

Elza Nadai

pontos de vista A Criança, Novos Tempos, Novos Espaços: a História e a Geografia na Escola

Dulce Maria Pompêo de Camargo Ernesta Zamboni

Miguel Arroyo

Pátria Amada, Ignorada

resenhas O Ensino de História; uma Prática que Ultrapassa os Muros da Escola Pública

Nelma Baldin

A Geografia do Aluno Trabalhador. Caminhos para uma Prática de Ensino

Márcia Spyer Resende

bibliografia Estudos Sociais no Primeiro Grau

painel Notícias Educacionais

Em Aberto, Brasilia, ano 7, n.37, jan./mar. 1988

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ENFOQUE

ESTUDOS SOCIAIS NO PRIMEIRO GRAU

Elza Nadai*

A história dos Estudos Sociais na escola de primeiro grau remonta prati­camente às origens da organização do sistema público de ensino, se concordarmos com os estudiosos que têm na Revolução de 30 o "grande ponto de corte" do processo de definição do sistema escolar brasilei­ro.1 Portanto, um período que abrange um pouco mais de meio século, o que nas palavras de Fernand Braudel, corresponde a uma "fase conjuntu­ral".2

A decorrência imediata que se segue é o reconhecimento de que os Es­tudos Sociais, em sua trajetória de implantação/desimplantação na escola brasileira, passaram por momentos e fases diferentes nas quais é possí­vel captar nuances e modificações em sua própria natureza.

Reduzir, assim, os Estudos Sociais a uma só modalidade ou então arti­cular os Estudos Sociais, preferencialmente, à política educacional pós

* Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

É quase consenso entre os estudiosos da educação brasileira a escolha da Revolu­ção de 30, como o grande marco periodizador da educação no país. Cf. CHAGAS, Valnir. Educação brasileira, o ensino de primeiro e segundo graus: antes, agora e depois? ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930-1973. Petrópolis, Vozes, 1978; FREITAG, Bárbara. Escola, estado e socie­dade. 3.ed., São Paulo, Cortez e Moraes, 1979.

2 BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais. Trad. Carlos Braga e Inacia Ca­nelas. Lisboa, Editorial Presença, 1972, p.7-70.

Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

64, na verdade, não garante a totalidade necessária na qual a temática em questão deve ser abordada e explicitada.

Numa perspectiva mais abrangente, captar a historicidade dos Estudos Sociais na escola de primeiro grau significa focalizá-los em alguns mo­mentos diversos, a saber:

• no início da década de 30, quando no contexto da divulgação/absorção do ideário da escola pragmática norte-americana no Brasil, são reali­zadas as primeiras discussões a respeito do assunto;

• nas décadas de 50/60, quando a partir de uma possibilidade criada pela Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 4.024, de 20.12.1961, são insti­tuídas as primeiras inovações na escola oficial;

• na década de 70, quando, no contexto das políticas que se seguiram ao golpe militar de 1964, ocorreram reformas no sistema educacional abrangendo todos os graus e a criação da licenciatura curta;

• nas décadas de 70/80, quando no bojo de sua institucionalização, ocorreu também o movimento de resistência e de luta contra a sua im­plantação.

O nosso trabalho pretende, assim, explicitar a natureza, as preocupa­ções, os objetivos e os temas fundamentais que caracterizaram os de­bates, acerca dos Estudos Sociais em cada um dos momentos focaliza­dos, realizando, simultaneamente, um balanço das pesquisas produzidas, sobretudo no último decênio, acerca do tema.

Entretanto, face à procedência norte-americana dos Estudos Sociais, é conveniente explicitar o seu significado de origem.

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Desenvolvimento dos Estudos Sociais nos Estados Unidos

Inúmeros autores3 têm chamado a atenção para as marcas de indefinição e amplitude que têm caracterizado sua existência, como área de ensino, desde que, pela primeira vez, foi utilizada a expressão Estudos Sociais: provavelmente, em 1983, no Report of the Committee of Ten of the Na­tional Education Association. A partir daí, os Estudos Sociais vincula­ram-se à pedagogia norte-americana, embora nem sempre com o mesmo significado ou ocupando igual papel no currículo.

Pode-se, pelo menos, arrolar três projetos que vêm caracterizando o campo dos Estudos Sociais, nem sempre Complementares ou guardando relações de sucessão e reciprocidade. Eles estão, muitas vezes, imbri­cados uns nos outros, a tal ponto que são confundidos e identificados como único, sobretudo a partir dos anos trinta.

Realmente, foi no bojo do projeto politico do New Deal, instituído por Franklin D. Roosevelt, democrata vencedor das eleições de 1932, que ti­nha por objetivo fundamental a recuperação e reforma do país, após a Grande Depressão que colocara em cheque o capitalismo norte-america­no, que os Estudos Sociais ganharam maior alento. A partir daí, pode-se reconhecer a existência de um projeto dominante de Estudos Sociais pa­ra as escolas norte-americanas, sem perda, entretanto, de, na prática pe­dagógica, surgirem temas e objetivos não coincidentes aparentando di­vergência de natureza.

Quais são estes projetos que informam os Estudos Sociais? O primeiro deles, inclusive na perspectiva temporal (início do século XX), foi a identi-

3 METCALF, L Research on teaching the social Studies, ln: CAGE, ed. Handbook of research on teaching. Chicago, Rand Mac Nally, 1963, p.929; BARTH & SHERMIS. Defining the social Studies: an exploration of three traditions, ln: THE NATIONAL Council for the social Studies. Washington, D.C., 1970, p.743; OR­LANDI, U Evaluation of learning in secondary school social Studies, ln: BLOON, ed. Handbook on formative and summative evaluation of Student lear­ning. New York, MacGraw Hill, 1971, p.452; SHAVER & LARKINS. Research on teaching the social Studies, ln: TRAVERS, ed. Handbook of research on teaching. Chicago, Rand Mac Nally, 1973, p.1244 e segs.

ficação dos Estudos Sociais ao ensino das Ciências Sociais. O seu conteúdo, diretamente, era o conteúdo proveniente das diversas Ciências Humanas. O seu objetivo fundamental ligava-se à divulgação do conhe­cimento produzido no âmbito das Ciências Sociais.

Nesse período, a liderança dos Estudos Sociais esteve predominante­mente com a História, daí a ênfase na memorização dos fatos e datas im­portantes. Com o passar dos anos, conteúdos de outras ciências foram acrescentados: Geografia, Sociologia, Política, Economia.

Outro projeto vincula-se mais diretamente à tradição de identificar a es­cola à vida (life adjustment) que, opondo-se à escola, dita de Artes Libe­rais (Liberal Arts), cuja meta principal é o conhecimento da herança cultu­ral da humanidade, sugere uma variedade de objetivos, como os determi­nantes no trabalho de Estudos Sociais, abrangendo desde "(...) conside­rar seus semelhantes, dirigir um carro, relacionar-se com os familiares, participar do escotismo, até ler editoriais sofisticados dos jornais, para citar alguns poucos exemplos".4

Nesta perspectiva, não há um conteúdo definido a priori. O conteúdo dos Estudos Sociais é selecionado em função das necessidades imediatas e práticas dos alunos, podendo ser retirado das várias ciências sem a preocupação formal de vinculá-lo a nenhuma em particular. O conteúdo é selecionado em função de problemas específicos que os Estudos Sociais ajudavam a identificar e encaminhavam para soluções direcionados por uma visão pragmática: a vida em uma sociedade democrática.

Pretendendo ser uma terceira posição e simultaneamente uma síntese entre as duas correntes anteriores surgiu a da cidadania (Citizenship) que "(...) exorta o indivíduo a participar na reforma da sociedade através da discussão racional, que conduz a um consenso sobre os problemas e pressão para a mudança".5 Com o New Deal, os Estudos Sociais pas-

ORLANDI, L.R. Evaluation of learning in secondary school social Studies, ln: BLO­ON, ed. Handbook on formative and summative evaluation of Student learning. New York, Mac Graw Hill, 1971, p.455.

5 Idem, p.454.

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sam a ser confundidos com estudos sobre a comunidade. Assim, fun­dem-se praticamente os projetos de formação "do cidadão para a vida democrática", privilegiando a necessidade de preparar o educando, de um lado, para "(...) viver em comunidade, no âmbito da democracia ame­ricana e partilhar os seus valores" e, de outro, a "obter um bom desem­penho diante da forma como estava organizada a sociedade norte-ameri­cana".6

Portanto, esta vinculação dos Estudos Sociais à atuação dos indivíduos na vida prática está presente, invariavelmente, quando se aborda o papel que desempenha na educação norte-americana. Segundo John U. Mi-chaelis, os Estudos Sociais "constituem o núcleo para o desenvolvimento das aprendizagens sociais necessárias à vida democrática" e "ocupam-se com as pessoas e as ações recíprocas entre elas e o meio social e fí­sico: seu campo são as relações humanas".7

A operacionalização desses objetivos é captada na variedade e abran­gência temática que os diversos sistemas escolares norte-americanos incorporam em seus currículos - "programas bem planejados que incluem conteúdos, materiais e atividades referentes a relações humanas no lar, na escola, na comunidade e em outros lugares, tanto próximos como distantes, quer no tempo, quer no espaço", como por exemplo: Lar, Es­cola e Bairro (no primeiro grau); Nossa Cidade, a Padaria, a Biblioteca, a Polícia, Nossa Roupa, Nossos Lares (no segundo grau); História da Nossa Comunidade, os Bons Americanos, os Índios, a Vida numa Comu­nidade Primitiva, Crianças de Outras Terras, Comunidades dos Primeiros Tempos (no terceiro grau); Vida em Nosso Estado, Primeiros Colonizado­res, Pessoas Famosas (no quarto grau); Vida Colonial, a Vida dos Pionei­ros, Regiões dos Estados Unidos, Indústrias, Nossos Vizinhos do Sul, Possessões Americanas, Americanos Famosos (no quinto grau); Europa e Antecedentes Europeus da História Americana (no sexto grau); História dos Estados Unidos, os Direitos e Deveres do Cidadão, Nosso Governo, a Constituição, Trabalhando em Conjunto na Nossa Comunidade, A Co­munidade Moderna (no sétimo grau); O Desenvolvimento das Instituições

6 WESLEY, Edgar. Social Studies, ln: ENCYCLOPEDIA of Educational Research, New York, 1968, p. 1234. v.4

7 MICHAELIS, John U. Estudos sociais para crianças numa democracia. Trad. Leonel Vallandro. Rio de Janeiro, Globo, 1963, p.3 e 5.

Americanas, O Crescimento da Democracia, O Governo Americano, A Revolução Industrial, Americanos Ilustres, Os Inícios e o Crescimento da Nossa Nação, Nossas Relações com Outros Países e Nações Unidas (no oitavo grau).8

Este breve arrazoado demonstra que a maioria dos currículos incorpora o ambiente imediato da criança como o ponto inicial dos estudos, para daí projetá-los para outros lugares e outros tempos mais recuados, seja no espaço ou no tempo. Entretanto, a ênfase maior recai sempre na história nacional e nos americanos ilustres que são tomados como referência e projetados como modelos a serem seguidos na formação do futuro ci­dadão.

Se, por um lado, há concordância entre os vários programas dos diver­sos sistemas de ensino, na vinculação dos Estudos Sociais à "formação da cidadania para a sociedade democrática", por outro lado, há divergên­cias quanto à sua compreensão e ao seu significado e alcance.

Em alguns currículos, a cidadania é entendida como um compromisso anterior com os valores, preponderantes na comunidades na qual se lo­caliza a escola e vivem os alunos e suas famílias, numa perspectiva con­servadora e reacionária que preserva a manutenção do status quo e, em outros, a cidadania surge numa visão dinâmica e facilitadora da mu­dança como "um processo de capacitação para tomada de decisões dentro da estrutura sócio-política do país, pois, segundo seus adeptos, a democracia política necessita de indivíduos capazes de fazer escolhas e tomar decisões.9

Nos finais dos anos 50, os Estudos Sociais bem como todo o sistema educacional, em meio à reformulação que se seguiu após o êxito do pro­grama espacial russo, passaram por uma revisão ampla. E neste con­texto que emergem as teorias de J. Bruner baseadas na estrutura da

8 Idem, p.5, 7 e 8. 9 ESAÚ, Marília Alves Pedrosa. Avaliação de planos de ensino de estudos so­

ciais; problemas conceituais e metodológicos. São Paulo, PUC, 1973. p.9. dis­sertação (mestrado)

Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

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matéria. Esta é buscada pelas diferentes áreas, primeiro pelas Ciências Físicas e depois pelas Humanas e Línguas.

A estrutura da matéria refere-se aos conceitos fundamentais, suas inter­relações e aos métodos específicos utilizados pelos cientistas para ela­borá-los. Assim, para J. Bruner, "captar a estrutura da matéria em estudo é compreendê-la, de modo que permita relacionar de maneira significati­va, muitas outras coisas com ela. Aprender estrutura, em suma, é apren­der como as coisas se relacionam (...) O ensino e a aprendizagem da estrutura, mais do que simples domínio de fatos e técnicas, estão no centro do clássico problema da transferência (...) O que um cientista faz à sua mesa, ou em seu laboratório, o que um crítico literário faz ao ler um poema são da mesma ordem do que o que qualquer um fará quando em­penhado em atividade semelhante - se pretende chegar a compreender. A diferença é de grau, não de natureza".10

Baseados nesta teoria, que grande influência exerceu também no Brasil, surgem movimentos procurando identificar os conceitos básicos dos Es­tudos Sociais11 o que acabou por levar a uma delimitação mais nítida da área e a uma definição mais clara dos seus objetivos: a tendência obser­vada neste processo foi a revalorização, em geral, do domínio cognitivo, ao invés da prática. Entretanto, os objetivos ligados à formação da cida­dania são preservados em inúmeros programas de diferentes escolas americanas. Como destaca Michaelis, o aluno deve "tornar-se uma pes­soa democrática cujo comportamento seja guiado por valores democráti­cos" e, ainda, "que seja leal ao sistema de vida americano e que saiba apreciar os sacrifícios e contribuições feitas para promover a vida demo­crática neste país e no resto do mundo".12

10 BRUNER, Jerome. O processo da educação. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. 3.ed., São Paulo, Nacional, 1972, p.7, 11,12 e 13.

II São desta época o Report to the California State Curriculum Commission by the Ca­lifornia State Central Committee on Social Studies (1962). ln: ESAÚ, Marília Alves Pedrosa. Op.cit., p.11. O artigo de Ema Julia Massera, Estudos sociais: espécie em extinção?, recupera a influência de Bruner no currículo de Estudos Sociais pla­nejado para a escola de 1º grau do Rio Grande do Sul. Cf. MASSERA, Ema Julia. Estudos sociais: espécie em extinção? História, Ensino & Pesquisa, Porto Alegre, 1(1):29-48, mar. 1985.

12 MICHAELIS, John U. Op.cit., p.14.

A Escola Nova e a introdução dos Estudos Sociais no Brasil

No Brasil, os Estudos Sociais aparecem, pela primeira vez, no bojo do movimento de renovação educacional que, segundo Fernando de Azeve­do, caracterizou a década de 20 e início da década seguinte e foi expres­são das novas condições sociais caracterizadas pela industrialização e urbanização que se intensificaram com o término da Primeira Guerra Mundial. Este movimento que se definiu por uma renovação metodológica e programática inspirou-se em traços alienígenas, sobretudo dos Estados Unidos e dos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental.

Neste contexto, os Estudos Sociais foram introduzidos no currículo da escola elementar do Distrito Federal na gestão de Anísio Teixeira, à frente do Departamento de Educação, da Secretaria da Educação e Cultura do Distrito Federal. Sob sua inspiração direta, foi publicado, em 1934, um Programa de Ciências Sociais para a escola elementar, que teve várias edições sucessivas até 1955. Reapareceu novamente, agora sob o título de Estudos Sociais na Escola Elementar, nos anos sessenta, quando, com pequenas modificações, foi incorporado à Biblioteca do Professor Brasileiro, no Programa de Emergência do Ministério da Educação e Cultura, à frente do qual, encontrava-se, então, o professor Darcy Ribei­ro.13

Alguns autores têm insistido no fato de que a importação de novidades estrangeiras, o comportamento imitativo do que se passa nos países adiantados, sem a devida crítica ideológica, tem sido um dos pilares da modernização brasileira, sobretudo no século XX, sendo muito intenso nas questões educacionais, onde imperariam os modismos. Este proces­so explicaria, assim, a introdução dos Estudos Sociais na escola brasilei­ra. Ora, pode-se perguntar, por que alguns comportamentos são aceitos e assimilados e outros não? Será esse processo mecânico e realizado de maneira ingênua, como querem uns, valorizado só pelo fato de ser es­trangeiro? Denotaria um vício do bacharelismo moderno, deslumbrado ante os conceitos e as fórmulas importadas que pareciam ser corretos

13 Trata-se do livro Estudos sociais na escola primária. Rio de Janeiro, MEC, 1962. (Biblioteca do professor brasileiro) Orientação e redação de Josephina de Castro e Silvia Gaudenzi.

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por serem estrangeiros, como afirma, por exemplo, Carlos Roberto Jamil Cury?14

Marta Maria Chagas de Carvalho, em sua tese Molde Nacional e Forma Cívica: Higiene, Moral e Trabalho no Projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931), descarta a tese da boa intenção ou da inge­nuidade para explicar a absorção de novidades alienígenas, no caso da ação da Associação Brasileira de Educação (ABE) na divulgação do mo­vimento da Escola Nova, detectanto em seu lugar "o sinal de uma per­cepção aguda das possibilidades disciplinares dos novos métodos" na construção de um novo projeto social que, segundo a autora, é constituí­do de dois processos inter-relacionados: de um lado, "a redefinição da escola, sob o paradigma da fábrica" e, de outro, "a moralização do espa­ço urbano", na qual a cidade, enquanto "espaço de concentração de ope­rários desocupados em torno da fábrica", é proposta "como objeto de in­tervenção destinado a impor uma convivência harmoniosa das classes sociais".15

Quando examinamos os discursos daqueles que têm marcado a trajetória da implantação dos Estudos Sociais nas escolas brasileiras, salta aos nossos olhos uma diferença fundamental: há um discurso que, elaborado por volta de 1930, se repete, tanto na argumentação utilizada como nas teses defendidas, até a década de sessenta. Outro discurso completa­mente diferente surge na década de setenta.

O primeiro, como será analisado, tem como eixo central o destaque do papel dos Estudos Sociais na elaboração de uma sociedade harmônica e equilibrada, sem divergências e conflitos, resultante da contribuição igua­litária de indivíduos, etnias e grupos.

14 CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira - católicos e libe­rais. São Paulo, Cortez, 1978. p.184. Ver também: SANTOS, Maria Luisa. In­trodução à história da educação brasileira. São Paulo, Cortez & Moraes, p.83 e segs.

15 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e forma cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924-1931). São Paulo, FEUSP, 1986, p.9-10. tese (doutorado)

Por outro lado, os documentos oficiais que sustentam a utilização dos Estudos Sociais, na década de 70, não valorizam mais a questão da for­mação social harmoniosa, mas sim, a questão da cidadania, como eixo central do discurso.

Queremos sugerir, neste trabalho, que os Estudos Sociais foram, entre as décadas de 40 e 60, um dos mediadores fundamentais na concretiza­ção do projeto social referido. Entretanto, isto não ocorreu de imediato e nem ganhou a totalidade da escola e da sociedade civil, só o fazendo após o golpe militar de 1964 e as reformas educacionais que se segui­ram, quando, então, sustentado no discurso da cidadania, tornou-se do­minante, por força da imposição legal e institucional, apesar das múltiplas resistências detectadas nos vários setores da sociedade civil. No período entre 1930 e 1964, nos momentos de vigência das liberdades públicas, de democracia política, esta proposta foi somente indicativa, sendo inclusive usada como ampliação do espaço da crítica social, sem se chegar, en­tretanto, à negação da sociedade de classes, numa direção reformista, mas contestadora. Pode-se detectar, assim, dois momentos peculiares na história da implantação/desimplantação dos Estudos Sociais no Brasil: um, aliado ao pensamento progressista educacional, foi incorporado em algumas práticas inovadoras de grande alcance e, outro, assumido como uma das expressões de uma política antidemocrática e autoritária.

Esta ambigüidade tem marcado, indelevelmente, a trajetória dos Estudos Sociais na escola brasileira. De certa forma, é esta ambigüidade que ex­plica a seleção, ora de uma ciência, ora de outra, para funcionar como "a chave dos Estudos Sociais", nas palavras de Delgado de Carvalho.

No programa de 1934, foi usada a expressão Ciências Sociais na identi­ficação da nova área curricular. Delgado de Carvalho, no prefácio à edi­ção de 1955, insiste na diferença que deve haver entre Ciências Sociais e Estudos Sociais. Afirma ele: "As Ciências Sociais são ensinadas sob a forma de Estudos Sociais (...) Estes têm campo idêntico, pois tratam de relações humanas e compreendem as mesmas disciplinas [ele inclui a Sociologia, a História, a Política, a Economia, a Geografia e a Antropolo­gia Cultural]. Mas seu objetivo não é propriamente a investigação, mas sim o ensino, a vulgarização. O seu propósito não é fazer progredir a

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Ciência, mas educar. Sem ser ciência normativa, as Ciências Sociais guiam os Estudos Sociais e os levam a conclusões práticas instrutivas e úteis".16 A Instrução Cívica, embora devesse se somar aos Estudos So­ciais, é descartada, devido ao seu caráter prescritivo, normativo e apolo­gético, que, segundo ele, tem caracterizado o seu ensino nos países lati­nos.

Quais são os objetivos dos Estudos Sociais, desde o início enunciados, e que, a nosso ver, ajudam a corporificar o "projeto de moralização do es­paço urbano" e de "organização da escola"?

Em primeiro lugar, há que se destacar a crença na contribuição harmo­niosa de todos os indivíduos na edificação da sociedade; a cooperação individual na elaboração do bem comum - a interdependência entre eles - cada qual na sua função, desenvolvendo a consciência do lugar que cada um ocupa na sociedade. "Educação para a identificação", no dizer de James Henning, que revelaria "a cada operário suas relações com a fábrica" tal como os Estudos Sociais revelam aos jovens "os fatos e as relações que lhes permitem se identificar com os trabalhos, as festas e as proezas da humanidade".17

Estes processos de cooperação, interdependência, integração são des­tacados, igualmente, como sustentadores das relações entre indivíduos, etnias, nações e países. Os Estudos Sociais, por fim, anulam as atitudes extremadas e os radicalismos estéreis que só dificultam o aprofunda­mento dos laços de amizade entre os povos: "o radicalismo, o partidaris­mo incondicional, o extremismo das soluções, longe de favorecer a com­preensão e a paz, criam os problemas que procuram resolver à violência e à agressão. Os Estudos Sociais disciplinam a ação criadora sem cer­ceá-la".18

16 CARVALHO, Delgado de. Introdução metodológica aos estudos sociais. Rio de Janeiro, Agir, 1957. p.11-2.

17 HEMMING, James. The teaching of social Studies. Citado por CARVALHO, Delga­do de. Op.cit., p.66.

18 CARVALHO, Delgado de. Op.cit., p.69.

A colaboração dos diversos indivíduos e etnias na construção da nacio­nalidade brasileira é a tônica do primeiro programa de Estudos Sociais elaborado para o ensino fundamental do Distrito Federal. Na construção da nacionalidade, todos, igualmente - colonizadores portugueses, índios nativos, africanos, estrangeiros - despenderiam esforços nessa ação, estreitando os laços de solidariedade entre eles, o que indicaria para a criança a necessidade de se localizar nesse processo, com vistas a ga­rantir sua continuidade. Desta forma, o devir - controlado nesta perspec­tiva - estaria garantido.

Em que medida substituir o ensino de História e de Geografia, para os propositores da Escola Nova, representaria um avanço no processo de educação e possibilitaria melhor servir à construção do projeto social re­ferido?

Na década de 30, os argumentos utilizados, referem-se, principalmente, ao fato de que os Estudos Sociais, justamente pela sua amplitude, teriam melhores condições de responder, de forma adequada e conveniente, aos objetivos em questão. A História e a Geografia, de certa forma, por conterem, na própria definição, a delimitação do objeto, embora aparen­temente ainda impreciso19, não ofereciam condições de maleabilidade suficientes para o trabalho interdisciplinar em direção aos objetivos de­fendidos. A delimitação do campo era por demais rígido. Ao mesmo tem­po, tornando o conjunto das Ciências Humanas o suporte dos Estudos Sociais, era possível apropriar-se da contribuição de cada uma delas, o que beneficiaria, segundo eles, de imediato, as crianças, pois "alargam-se os campos de trabalho, interpretam-se tópicos de disciplinas diferen­tes; multiplicam-se as interdependências e apagam-se, também, as deli­mitações precisas".20

19 Delgado de Carvalho em sua obra Introdução metodológica aos estudos so­ciais insiste que a diversificação da História é, ao mesmo tempo, cronológica e es­pacial, com infinitas variações, o mesmo ocorrendo com a Geografia. Cf., op. cit., p.15.

20 Idem, ibidem.

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Ao argumento da amplitude, acrescentava-se o fato de se reconhecer a ciência como una - sua subdivisão era feita somente por "comodidade do estudo, do ensino, da própria limitação do espírito".21

Estes dois elementos citados - a amplitude do campo de atuação e a univocidade da ciência - são unificados pelo papel do método, que preci­sa deixar espaço tanto à iniciativa da criança, como ao trabalho do pro­fessor, uma vez que este não pode ser pautado por uma rígida seqüência que a criança aceita, cegamente, "como se fosse uma coleção de fatos exatos que os autores e mestres conhecem, mas a criança, não", con­cluía Delgado de Carvalho, citando James Henning em seu trabalho de 1949, The Teaching of Social Studies".22

Assim, em Estudos Sociais, qualquer assunto pode levar o educando ao conhecimento humano se a aprendizagem exploradora e flexível for prati­cada, como uma lição de constante experiência, bem planejada. A crian­ça aprende, assim, que nem livros, nem mestres são infalíveis e que a aprendizagem é "uma aventura contínua na qual ela também pode tomar parte".23

A partir dos anos 30, portanto, os Estudos Sociais penetram no currículo da escola elementar de forma mais duradoura em alguns estados, como por exemplo em Minas Gerais, onde a partir de um convênio do Ponto IV, entre o Governo brasileiro e o norte-americano, foi organizado, em 1953, um Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino Elementar, mais conhecido pela sigla que o popularizou - PABAEE.24 Entre seus objetivos principais, estava a produção e a adaptação de material didático e a promoção do aperfeiçoamento de professores das escolas normais e de orientadores do ensino primário.

21 Idem, ibidem. 22 idem, p.67. 23 idem, ibidem. 24 Foi neste contexto e em decorrência do Programa que foram traduzidos e publica­

dos alguns livros de Estudos Sociais norte-americanos que exerceriam grande in­fluência no Brasil: o de John U. Michaelis, já citado e o de Ralph C. Preston, Ensi­nando estudos sociais na escola primária, Rio de Janeiro, USAID, 1964.

Em São Paulo, no programa de 1967 para a Escola Primária, os Estudos Sociais são também delimitados como área "que tem como objeto de estudo o homem em sua interação com o meio físico e social e vale-se da contribuição de diversas ciências como: Economia, História, Geografia, Antropologia, Ciência Política, Sociologia e outras. Os conhecimentos de diversas ciências são integrados na área de Estudos Sociais e tratados de maneira simples com o objetivo de contribuir para socializar a criança, dando maior relevo à ação e ao comportamento e não à assimilação pas­siva dos conhecimentos".25

As inovações educacionais no ensino secundário e o papel dos Es­tudos Sociais

Os Estudos Sociais ganharam novo impulso no final dos anos 50, com a criação da possibilidade de funcionamento de classes experimentais rela­tivas ao curso secundário (Portaria MEC, de 02.01.1959) nas quais se permitiria certa margem de liberdade na organização curricular. A própria Lei nº 4.024, de 1961, incluiu os Estudos Sociais entre as disciplinas opta­tivas sugeridas pelo Conselho Federal de Educação (CFE) para o ensino médio.

Neste contexto surgiram algumas inovações26, dentre elas podendo ser citados, em São Paulo, os Ginásios Vocacionais e os Pluricurriculares que, ao lado da Escola de Aplicação da Universidade de São Paulo, já existente, incorporaram os Estudos Sociais em seus currículos.

Em relação ao ensino superior, a Lei nº 3.998 de 15.12.1961 criou a Uni­versidade de Brasília, cujo Plano Diretor, de autoria de Anísio Teixeira e

25 São Paulo. Secretaria Estadual da Educação. Programa da Escola Primária do Es­tado de São Paulo, 1969. Citado por ISSLER, Bernardo. A geografia e os estu­dos sociais. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Filosofia, Ciên­cias e Letras de Presidente Prudente, 1973. p.221-2. mimeo. 26 Sobre o significado do termo inovação, ver GARCIA, Walter E., org. Inovação educacional no Brasil, problemas e perspectivas. São Paulo, Cortez, 1980, espe­cialmente o capitulo escrito por Maria Amélia Azevedo Goldberg: Inovação educa­cional: a saga de sua definição.

Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

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Darcy Ribeiro expressava uma nova forma de estruturação universitária, na qual a tônica era dada pela integração de dois tipos de unidades uni­versitárias - os institutos centrais e as escolas -, tendo como unidade bá­sica de ensino e pesquisa o departamento. Esta questão, ao lado de ou­tras sugestões contidas no Plano como, por exemplo, os cursos superio­res de curta duração (dois anos), a pós-graduação, a implantação de cursos básicos, de sistemas de crédito, chamam a atenção para o isola­mento em que cada uma das Ciências Humanas se encontrava, reacen­dendo os debates em torno da integração curricular e da interdisciplina­ridade.

O que foram os Estudos Sociais, no plano da realização, implantados nas escolas secundárias renovadoras? E possível explicitar o papel que eles desempenharam na moralização do espaço social e na organização es­colar? Havia outros projetos, no plano do discurso, referentes aos Estu­dos Sociais?

Delgado de Carvalho publica, em 1957, o seu Introdução Metodológica aos Estudos Sociais, livro destinado a exercer considerável influência no tratamento do tema analisado. O autor situa o seu tempo como o de aceleradas mudanças, de progresso material, de intenso clima de com­petição que não encontra correspondência na educação, havendo, por­tanto, profunda décalage entre as duas instâncias - a social e a educa­cional. Constata ele: "... a educação de hoje tem de se adaptar a uma vi­da de aviões e rádios, televisões, cinemascope, refrigeradores e bombas atômicas (...) O abismo existente entre o progresso material da nossa ci­vilização e o atraso mental do momento é a tragédia do mundo moderno e cada vez irá se acentuando, se a educação não preparar os indivíduos para o meio em que estão chamados a viver".27

Demonstrando profunda crença no poder mágico da ciência, como reve­ladora dos problemas mais graves de educação e da sociedade, acentua o papel dos Estudos Sociais - baseados na Sociologia (área núcleo) -como fundamental na preparação do aluno para a mudança; no treino de opções e como condição de resolução de problemas decorrentes da ins-

27 CARVALHO, Delgado de. Op. cit., p.73.

tabilidade e da falta de segurança no futuro; "no despertar atitudes, em relação às pessoas e às coisas que leve (o aluno) a ter consciência do lugar que ocupa na sociedade".28

A ênfase recai na valorização da cooperação como condição de supera­ção da desarmonia, do conflito e da divergência: "o desajustamento so­cial, provocado pelo isolamento, a apatia, o egoísmo do homem que se fecha em si mesmo, resulta da falta de cooperação nos anos de aprendi­zagem, muitas vezes", afirma Delgado de Carvalho.29 A ação escolar, como realizadora da mudança social, pela modificação do comportamento dos homens - de egoístas, individualistas, geradores de conflito, trans-formar-se-iam em solidários, amigos e companheiros - eis o poder mági­co da educação e dos Estudos Sociais, a área prioritária para exercê-lo.

Até aqui temos tratado o tema no plano do discurso. Como síntese, per­cebe-se uma profunda vinculação entre os objetivos gerais da educação e dos Estudos Sociais. Estes são privilegiados, de um lado, como condi­ção de realização dos primeiros. A ênfase recai sempre na necessidade de formação da criança e do adolescente para viver em um mundo em acelerado processo de mudança, no qual o progresso técnico é o seu motor. Por outro lado, essa sociedade é identificada de maneira orgânica, funcional, na qual o todo é somatório dos indivíduos envolvidos isolada­mente, com interesses semelhantes ou, quando não, com possibilidade de a escola e, por extensão, os Estudos Sociais exercerem interferência positiva na sua constituição ou transformação.

E no plano da realização, qual o significado dos Estudos Sociais?

Como foi dito, os Ginásios Vocacionais se constituíram numa dentre as

28 Idem, p.66. A tendência em considerar a Sociologia como a área núcleo do currí­culo foi defendida e explicitada por outros autores, além de Delgado de Carvalho. Destacaremos, dentre eles, os seguintes: CARVALHO, Irene Mello. Introdução aos estudos sociais. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1961; TELLES, Antônio Xavier. Estudos sociais, nova perspectiva do programa. São Pauto, Ed. Nacional, 1969; LEITE, Miriam Moreira. Introdução aos estudos sociais. São Paulo, Cultrix, 1973.

29 CARVALHO, Delgado de. Op. cit., p.68.

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diversas inovações do ensino secundário dos anos 60 e aqui serão prio­rizados como objeto de análise e espaço de reflexão.

Os Ginásios Vocacionais não nasceram prontos e acabados mas foram sendo constituídos, em seu cotidiano, pela atuação conjunta de seus professores, alunos, pais, orientadores, supervisores, funcionários e di­retores, sendo possível, inclusive, captar algumas contradições vividas no interior de seu espaço social, bem como captar o plano da realização possível, da prática pedagógica no que temos referido até agora como sendo o do discurso hegemônico dos Estudos Sociais.

Como os Estudos Sociais foram entendidos e implantados nos Ginásios Vocacionais, particularmente no Ginásio Estadual Vocacional "Chanceler Raul Fernandes" de Rio Claro, onde o próprio prédio foi a materialização do projeto educacional, reproduzindo suas necessidades e objetivos?30

A linha dominante do espaço social da escola era ocupada pela integra­ção dos vários Institutos - as áreas - de Educação Artística, Educação Comercial, Educação Física, Artes Cênicas, Laboratório de Ciências, dominados pelo prédio das Humanidades e Línguas, onde se encontrava a área núcleo dos Ginásios Vocacionais. Era um prédio de dois andares, cobrindo ioda a extensão do terreno, ocupando privilegiada posição e, internamente, distribuía-se em inúmeras salas de aulas, salas de profes­sores e a biblioteca, peça importante da estrutura do ensino vocacional.

Portanto, integração (a começar do espaço) e área são dois dos ele­mentos fundamentais na caracterização dos Estudos Sociais, baseados, sobretudo, nas ciências da História e da Geografia. Estas não perdiam suas respectivas identidades; pelo contrário, dos debates travados entre os seus professores e pelo trabalho coletivo elas se explicitavam cada vez mais intensamente, tanto em seu objeto quanto em seus métodos.

Entretanto, o discurso com ênfase na colaboração, na harmonia social, encontrou guarida em seus objetivos. Por exemplo, entre os objetivos da

30 A autora trabalhou durante três anos, de 1966 a 1968, ministrando aulas de História na área de Estudos Sociais, para as 5as, 6as, 7as e 8a s séries do primeiro grau.

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área de Estudos Sociais do Ginásio João XXIII, de Americana, estão ar­rolados, entre outros, os seguintes: "Pôr o adolescente em contacto com o mundo que o cerca; formar o sentimento de nacionalidade; promover a valorização do elemento humano, desenvolvendo atitude de aceitação pa­ra com as diferentes raças, crenças e nacionalidades; valorizar a cultura e conseqüentemente a hierarquia de valores; desenvolver no educando a consciência histórica (consciência da união com o passado numa conti­nuidade que prende e ilumina o futuro); contribuir para integrar o indivíduo na sociedade em que vive (desde a comunidade em que vive, até o país e o mundo dos quais participa como cidadão - levando o adolescente a tornar-se capaz e desejoso de desempenhar seus deveres cívicos...".31

Estes objetivos eram corporificados em outros momentos da vida esco­lar, o que ampliava o seu grau de expressão prática: na organização ini­cial das classes, baseada na mesma estrutura de classes do local em que ficava a escola, sendo as vagas distribuídas na mesma proporção; a preservação do espaço interno como um espaço possível da participação e da cooperação. Procurava-se, assim, manter elevado grau de coerên­cia entre o discurso e a prática: o binômio participação/responsabilidade desdobrava-se em vários momentos do ensino, como exigência formal -nas sessões de orientação educacional, nas sessões de auto-avalia-ções, nos trabalhos de grupo, nas sessões de estudos, nas atividades livres, nos estudos do meio, etc...

Estas questões servem para indicar que se buscava superar a competiti­vidade desenfreada, o individualismo marcante, a concorrência que, cada vez mais, eram percebidos como determinações que prefiguravam, ace­leradamente, a formação social brasileira e, sobretudo, a de São Paulo, com a industrialização intensa, que se verificava pela substituição de im­portações de bens de consumo duráveis, e a urbanização - pela valori­zação dos laços de solidariedade, de cooperação e de colaboração har­moniosa entre as classes sociais. Na escola, o rico não era amigo do po­bre? Por que não poderia acontecer o mesmo no plano do real? A iniciati-

31 BALZAN, Newton César. Estudos sociais - opiniões e atitudes de ex-alunos. Presidente Prudente, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1973. p.21-2. tese (doutorado)

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va, a liderança, em determinadas atividades, não estava concentrada na­quele adolescente pobre, filho de pedreiro? O mito do fracasso escolar não era introjetado na criança pobre. Ao contrário, pela pluralidade de oportunidades oferecidas pela escola, necessariamente, cada adoles­cente encontrava um lugar de destaque entre os colegas e sua auto-ima­gem se reforçava positivamente.

Desta forma, investindo na formação de jovens com grande capacidade de discernimento e de iniciativa, que pudessem efetivamente funcionar como fermento de mudança na organização de uma sociedade despojada dos vícios sociais, pode-se falar em projeto elitista: um grupo de bem formados teria condições de liderar a organização de um projeto social mais justo, menos viciado pela luta de classes que, se não era negada, também não era explicitada.

O ápice do curriculo escolar era a organização de projetos coletivos (professores, alunos e pais participavam) direcionados para a comuni­dade, com uma grande ênfase na constituição de alguma prática de inter­venção social, destinada a valorizar sempre a cooperação, a iniciativa e a responsabilidade individual.

Entretanto, esta inovação, tal como ocorria com o Estado populista bra­sileiro, vivia contradições internas e externas, acentuadas a partir de 1964. Estas, caso a experiência de ensino tivesse continuidade, prova­velmente, teriam conduzido à sua própria contestação. O processo políti-co-militar que golpeou os Ginásios Vocacionais foi a expressão de que o Estado ditatorial compreendera que o ensino neles ministrado poderia ter levado à contestação do próprio regime. A escalada do autoritaris­mo, da repressão e do controle sobre a sociedade civil, aliada à implanta­ção de um modelo econômico concentrador de capital e de renda, destrói as escolas ou extrai delas somente os seus suportes técnico-pedagógi­cos, colocando-os a serviço de uma nova política educacional.

Maria José Werebe, abordando a fragilidade e a pequena duração das experiências de ensino, assim caracterizou esse processo: "Na análise dos ensaios de renovação pedagógica, deve-se considerar um outro pro­blema importante, concernente a contradições que os educadores en­

frentam: contradições internas, quando a própria instituição é incoerente; contradições externas, quando os propósitos da experiência estão em desacordo com o sistema social vigente. O primeiro caso ocorre, por exemplo, quando se procura incitar a imaginação do aluno, estimular sua capacidade de reflexão crítica, dentro de um contexto pedagógico incon­sistente. Uma vez desenvolvida, a capacidade critica e criadora do aluno não pode ficar confinada dentro de limites restritos. E, assim, quando ela se volta contra as normas e padrões da própria instituição, contra os pa­radoxos da educação, a experiência entra em crise. Não raro, procura-se restabelecer a ordem tradicional, "em que o professor ordena e o aluno obedece". A escola renovada pode trazer assim, em seu bojo, a sua pró­pria contestação. Em certos casos, o espírito crítico ultrapassa os muros da escola, e é a sociedade em que vivem os alunos que se torna o alvo da contestação. Por esta razão, as experiências incompatíveis com o sistema social não têm vida longa".32

As reformas educacionais após o golpe de 1964 e os Estudos Sociais

O golpe de 1964 definiu, como se sabe, um novo bloco no poder cuja fra­ção hegemônica constituiu-se "da tecnoburocracia militar e civil, aliada ao capital multinacional de propriedade estrangeira (...) com o proletariado e seus aliados perdendo suas prerrogativas políticas e suas instituições re­presentativas no plano social".33 Começava-se um período no qual a so­ciedade civil perdera o controle do Estado em função da ausência da de­mocracia no plano político. Este novo bloco substituiu o modelo político baseado na Constituição de 1946 que havia se esgotado e que "pressu­punha a aquiescência das massas urbanas a uma aliança de classes no poder, em que o papel hegemônico era desempenhado pela burguesia in­dustrial".34

32 WEREBE, Maria José Garcia. Alcance e limitações da inovação educacional, ln: GARCIA, Walter. Op.cit., p.260.

33 SINGER, Paul. interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvi­mento. ln: FAUSTO, Boris, org. História geral da civilização brasileira. T. III: O Brasil Republicano; T.IV: Economia e Cultura(1930-1964). São Paulo, Di­fel, 1984. p.239.

34 SINGER, Paul. Op.cit., p.240.

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Esta nova coligação de forças foi responsável pela institucionalização de uma "mudança de padrão de dependência e não seu aprofundamento", no dizer de Florestan Fernandes, na qual a tendência fundamental foi "a internacionalização da economia brasileira e o predomínio do capital mo­nopolista no processo produtivo".35

É neste contexto que as diferentes reformas - salarial, fiscal, agrícola, sanitária e educacional - foram elaboradas, decididas no interior dos ga­binetes, sem consulta, quase sempre, aos interesses estabelecidos, e funcionaram como reforço do poder da tecnoburocracia estatal.

A introdução do ensino profissionalizante ao nível de segundo grau, a proposta de nova estruturação para o ensino de 1º grau, agora concebido em oito anos de escolaridade mínima obrigatória, com a integração dos antigos primário e ginásio, a reorganização da estrutura universitária, na qual ganha relevo a fragmentação das faculdades de Filosofia e a intro­dução da licenciatura curta são algumas das medidas da reforma educa­cional realizada que têm outros desdobramentos que nos interessam: a proposta de novos objetivos para a educação nacional e a disseminação dos Estudos Sociais para todos os graus de ensino com nova organiza­ção curricular.

Os Estudos Sociais, agora concebidos como parte integrante do núcleo comum da escola de 1º e 2º graus, portanto extensivo a todas as escolas do país, incluíam, obrigatoriamente, por força dos aparatos legais, Geo­grafia, História e Organização Social e Política do Brasil numa mesma disciplina e tinham, como objetivo geral, segundo o Parecer CFE n9

853/71, "o ajustamento crescente do educando ao meio, cada vez mais

35 "A chamada República Institucional (...) conseguiu acelerar o crescimento, não só da economia, mas à custa da incorporação do Brasil ao espaço histórico das na­ções capitalistas centrais e à sua superpotência. Isto não significa, apenas, um aprofundamento da dependência; significa mudança do padrão de dependência, ou seja, o aparecimento de uma dependência que tende a ajustar-se às estruturas e aos dinamismos e controles externos em nossa economia, nossa sociedade e nossa cultura; mas à presença interna, direta, maciça e ativa dos agentes e agên­cias desta modernização". FERNANDES, Florestan. O novo ponto de partida. C.B.E. (Il Conferência Brasileira de Educação, Belo Horizonte), 10 a 13 de junho de 1982. (texto mimeografado)

Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

amplo e complexo em que não só deve viver, como conviver, sem deixar de atribuir a devida ênfase ao conhecimento do Brasil, na perspectiva atual de seu desenvolvimento". O "fulcro do ensino, a começar pelo 'es­tudo do meio', estará no aqui-e-agora do mundo em que vivemos e, parti­cularmente, do Brasil e do seu desenvolvimento; (...) O legado de outras épocas e a experiência presente de outros povos, se de um lado devem levar à compreensão entre os indivíduos e as nações, têm que, de outra parte, contribuir para situar construtivamente o homem em sua circuns­tância".

Retoma-se, no plano do discurso, a vinculação estreita entre os Estudos Sociais e a formação da cidadania. Pelo citado Parecer, além da Histó­ria e da Geografia, foi introduzido outro componente até então estranho aos Estudos Sociais, a Organização Social e Politica do Brasil: "Vincu-lando-se diretamente a um dos três objetivos do ensino de 1º e 2º graus -o preparo ao exercício consciente da cidadania - para a OSPB e para o Civismo devem convergir, em maior ou menor escala, não apenas a Geografia e a História como todas as demais matérias, com vistas a uma efetiva tomada de consciência da Cultura Brasileira, nas suas manifesta­ções mais dinâmicas, e do processo em marcha do desenvolvimento na­cional".

O mesmo Parecer que definiu a natureza e as diretrizes para a implantação dos Estudos Sociais, além de defender a importância da fusão de con­teúdos originados sobretudo da História e da Geografia, superpostos pela Organização Social e Política do Brasil, chega a concebê-los em seus princípios, de maneira confusa e desordenada, como ciência: "A Geogra­fia, a História e a Organização Social e Política do Brasil adquirem tanto mais sentido e vigor quanto mais se interpenetram com vistas à integra­ção do aluno ao meio próximo e remoto (...) Sem esquecer, obviamente, que os princípios dos Estudos Sociais resultam em grau sempre maior do seu desenvolvimento como Ciência".36 O que isto quer dizer? Terá sido uma tentativa de constituir-se outra ciência humana, ou terá sido um co­chilo do legislador? De qualquer forma, até onde acompanhamos os de-

Parecer nº 853 do Conselho Federal de Educação, de 12 de novembro de 1971. ln: MEC. Habilitações profissionais no ensino de 2º grau; diretrizes e normas de legislação. Brasília, Expressão e Cultura, 1972. p.56-8.

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bates em torno do assunto, esta relação entre os Estudos Sociais e ciên­cia não mais foi feita, o que parece indicar que a concepção dominante e usual centrou-se na sua compreensão como campo resultante de aplica­ção de conhecimentos de várias ciências.

Mais uma vez, enfatiza-se, também, a importância dos Estudos Sociais como mediador dos próprios objetivos da lei que define as diretrizes e ba­ses para o ensino de 19 e 2° graus - a Lei n9 5.692/71, quais sejam, "proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania", ex­trapolando os limites e a demarcação de seu campo específico. A ênfase na "integração do adolescente ao meio e à sua circunstância" poderia deixar supor que os Estudos Sociais estivessem, mais uma vez, respon­dendo ao projeto de moralização da sociedade, pela acentuação do tra­balho escolar na organização do projeto da harmonia social. Foi, a nosso ver, muito mais do que isto: ressaltando o papel de integração, o que no momento significava adaptação ao sistema em vigor, formação de ho­mens conformistas e dóceis para com os valores hegemônicos, sem condições de contrapor, pela dúvida, pela reflexão crítica, qualquer possi­bilidade de reformulação ou de ação, os Estudos Sociais, malgrado al­guns casos isolados, onde a exceção fica por conta da resistência dos agentes - professores, alunos, pais, direção, etc. - ocuparam o espaço ideológico por excelência: o de justificador da política então realizada.

A implantação dos Estudos Sociais não pode ser analisada de maneira isolada. Sua institucionalização como disciplina retirou praticamente do ensino de 1º grau os conteúdos sistematizados de História e de Geogra­fia, reduziu drasticamente os seus estudos no 2° grau, com a implantação do ensino profissionalizante, além de outros desdobramentos que, mais do que qualquer aspecto, ajudam a compreender o papel e o significado que desempenharam na reforma do ensino da década de 70, merecendo ser lembrados:

• a implantação da licenciatura curta na formação do professor de Estu­dos Sociais, em geral ministrada pela iniciativa particular, reduzindo e empobrecendo sua formação;

• a redução drástica dos investimentos públicos na organização do en­sino público e o privilegiamento da empresa particular como sorvedou-ro das verbas públicas, seja pelo não pagamento de impostos, devidos ao Estado, seja pela concessão de financiamentos diretos, de bolsas de estudos ou de outras inúmeras formas que acarretaram a transfe­rência de verbas públicas para o setor privado, deixando à míngua os estabelecimentos públicos;

• a proletarização do professor, ocorrida tanto pela redução salarial a ní­veis ínfimos como pela deterioração das suas condições de trabalho e do funcionamento da escola;

• a produção em larga escala de obras didáticas de baixíssimo nível - os livros consumíveis e descartáveis - que se constituíam no elemento visível mais flagrante da deterioração do ensino público em geral.

Estas questões ganham em significado quando postas em confronto com as aspirações da sociedade. E se sabe que foram contemporâneas de um dos momentos mais significativos do aumento da demanda social pela escola pública - o final do exame de admissão ao antigo ginásio e a constituição da escola de 1º grau, com oito anos de duração, tornou pos­sível, em maior escala, a concretização daquelas aspirações sociais. Desta forma, assim que se acenou com o acesso à escola de crianças originadas das classes trabalhadoras, retirou-se do professor e da escola seu know how, suas ferramentas culturais, teórico-metodológicas, que tornariam possível a organização de um projeto escolar compatível com os interesses dos trabalhadores. Pode-se dizer que, sintomaticamente, em relação ao 1º e 2º graus ocorreu também o processo de "recomposi­ção dos mecanismos de discriminação", identificado por Luís Antonio Cu­nha, ao estudar a expansão do ensino superior no mesmo periodo.37 A escola se expande para os setores populares, mas, inegavelmente, é a antiga escola empobrecida culturalmente e com dificuldade na corporifi-

37 CUNHA, Luís Antônio CR. A expansão do ensino superior causas e conseqüên­cias. Debate & Critica, 5:27-58, mar. 1975.

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cação de um "novo projeto de ensino", no qual os interesses antes ex­cludentes daquela população pudessem estar representados.38

Entretanto, demonstrando vitalidade interna, à medida que essa politica se institucionalizava, em seu bojo surgiam, também, núcleos de resis­tência. Nesse processo, para o assunto em pauta, devem ser destaca­dos os trabalhos desenvolvidos pela: Associação Nacional dos Professo­res Universitários de História (ANPUH) e Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGES), cada qual congregando, respectivamente, professores de História e de Geografia dos três graus de ensino, bem como estudan­tes do ensino superior, que ao lado da Sociedade Brasileira para o Pro­gresso da Ciência (SBPC) tornaram-se grandes símbolos desta luta.

A resistência se fez, inicialmente, de maneira tímida, assistemática e iso­lada, ganhando força e organização à medida que normas, regulamentos e portarias eram baixados pelo CFE, visando a institucionalização dos Estudos Sociais, ou surgiam propostas e tentativas visando implantá-las nas universidades oficiais, como ocorreu em São Paulo, em 1974.

Nesse mesmo ano, a resistência foi engrossada pelos professores de di­versas disciplinas abrangidas pelo alcance da Resolução n9 30, do Con­selho Federal de Educação, de julho de 1974, criando a licenciatura curta também de Ciências.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência em seu Congresso de 1976 manifestou-se oficialmente, pedindo a extinção das licenciaturas curtas, da Resolução CFE n9 30 e dos Estudos Sociais, bem como a participação das instituições universitárias, científicas e profissionais no processo de elaboração das políticas educacionais.

A Portaria n9 790 foi a resposta do MEC. Por ela, exigia-se formalmente a licenciatura em Estudos Sociais para o exercício do magistério de 1º e 2º graus, mas diante da reação esboçada por entidades estudantis, de do­centes e profissionais, o MEC suspendeu sua aplicação.

38 Em São Paulo, é muito significativa esta questão por volta de 1983, quando da dis­cussão pelo conjunto dos profissionais do ensino do documento preliminar para reorientação das atividades da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Cf. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, 10(1):127-64, jan./jun. 1984.

Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

Novo embate ocorreu em agosto de 1980 quando o Conselheiro Paulo Nathanael tornou público parecer de sua autoria organizando currículo pa­ra a licenciatura de Estudos Sociais, "com as habilitações plenas de História, Geografia, Educação Moral e Cívica e Organização Social e Po­lítica do Brasil. No caso da História e da Geografia, que eram cursos avulsos (Resolução de 19.12.1962), teremos sua transformação em habi­litações do curso unificado de Estudos Sociais". Diante da intensa mobili­zação e da reação organizada de maneira sistemática e enfática pela ANPUH e AGB, o relator acabou retirando o projeto sob a alegação de que se tratava apenas de "um estudo preliminar".39

Em 1984, no XII Simpósio da Associação Nacional de Professores Uni­versitários de História, realizado em Salvador, foi aprovada uma moção pela extinção dos Estudos Sociais, que diz o seguinte:

"a) pela extinção das licenciaturas curtas e plenas de Estudos Sociais e suas habilitações no ensino de 3º grau;

b) pela redistribuição do conteúdo e da carga horária de OSPB entre as disciplinas de Geografia e História;

c) pela substituição de Estudos Sociais por Geografia e História, nas quatro séries finais do ensino de 1º grau, em qualquer condição em que sejam ministradas e, conseqüentemente, a necessária ampliação da carga horária".40

Se, por um lado, o retorno de História e de Geografia aos currículos de primeiro grau em todos os estados brasileiros, com as novas reformula­ções curriculares pode atestar, inequivocamente, o descrédito e o de­sacerto dos Estudos Sociais, por outro, isto não significa a capitulação das autoridades federais diante do malogro de sua implantação.

39 O Parecer em tela, bem como o conjunto dos documentos, então produzidos pelos cursos de História contrários a ele, podem ser encontrados em GLEZER, Raquel. Estudos sociais: um problema contínuo. Revista Brasileira de História, São Paulo, 2(3): 117-49, mar. 1982.

40 Cf. FENELON, Déa Ribeiro. A questão de estudos sociais. Cadernos CEDES, São Paulo(10):11-22, 1984.

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Em 1987, o CFE, pelo Parecer nº 233/87, interpretando a Indicação n5

9/85, volta a se pronunciar sobre a formação do professor em licenciatura curta e sobre Estudos Sociais, desta vez "a partir de ponderações feitas por motivos de consultas sobre a possibilidade da conversão de cursos de Ciências Sociais em cursos de Estudos Sociais".41 Trata-se do que se convencionou chamar de instituto de plenificação.

Mais uma vez, a comunidade científica se mobilizou, por meio da SBPC e encaminhou, no início desse ano, uma Manifestação ao CFE, na qual, depois de historiar as relações entre aquela instância e as sociedades científicas, indica as reivindicações: "O que se espera é que o CFE transforme em princípios válidos para todo o país tão-somente aquelas questões que são praticamente consensuais entre os professores e que não é demais repetir pela undécima vez: o fim das licenciaturas curtas e da polivalência; a extinção dos Estudos Sociais em todos os níveis de ensino; o fim da plenificação dos cursos 'curtos'; o estabelecimento de prazo e condições razoáveis para que os profissionais formados em cur­so de licenciatura curta possam complementar estudos e ter habilitação em uma disciplina. No mais, que os currículos mínimos que vierem a ser adotados sejam genéricos o suficiente para permitir toda a gama de expe­riências. E seria desejável que essas experiências pudessem ser acom­panhadas e seus resultados divulgados em todo o país, pelo CFE ou pelo MEC".42

Este intenso movimento de mobilização girou em torno de dois eixos in­ter-relacionados: a implantação propriamente dita dos Estudos Sociais e das Ciências Integradas e a formação do professor em licenciatura curta, com a comunidade acadêmica rejeitando essas medidas políticas e re­servando grande poder de resistência na sua luta contra elas.

41 MOKREJS, Elisabeth et alii. Subsídios para avaliação da proposta de conversão dos cursos superiores de ciências sociais em cursos superiores de estudos sociais (Parecer CFE 233/87). Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, 13(2):127-30, jul./dez. 1987.

42 MOÇÃO da comissão de licenciatura da SBPC ao CFE, em audiência realizada em 17 de março de 1988. (texto mimeografado)

À primeira vista, há quem diga que esse movimento procurava proteger interesses estritos de mercado de trabalho, pois um novo profissional vi­ria dividir o minguado campo de atuação. Entretanto, se isto esteve pre­sente, não o foi de maneira dominante. Somaram-se aspectos propria­mente políticos e técnicos resultantes de avaliações dos significados das medidas. Pode-se perceber isto pela mudança na própria atuação do­cente e de suas entidades: no bojo da luta contra os Estudos Sociais, passaram a avaliar também o próprio campo de trabalho e sua atuação como professores de disciplinas específicas, ou seja de História e de Geografia.

Déa Fenelon, ao historiar o processo de resistência e de luta levado a efeito pela comunidade de historiadores, afirma: "Aliás, é preciso que se diga que somos nós os primeiros a estabelecer a crítica de nosso traba­lho, e a considerar a necessidade de sua reformulação. Não estamos, portanto, dizendo que nosso trabalho é perfeito e que nada temos a aprender ou crescer na proposta de formação de professores".43

Uma primeira conseqüência foi a constituição, pela SESU/MEC, a partir de 1981, de um grupo de consultores para as áreas de Geografia e Histó­ria, com o objetivo de "diagnosticar e avaliar os cursos existentes no Brasil, visando levantar as questões fundamentais e definir com clareza as linhas básicas de licenciatura e bacharelado, principalmente em ter­mos de objetivos a alcançar". O trabalho se encerrou com a produção de um relatório final.44

Este documento teve outros desdobramentos, sobretudo referentes à continuidade dos debates que o produziram. Novas reorganizações curri­culares dos cursos de História são tentadas em vários institutos de ensi­no superior com o apoio de alunos e professores, bem como a elabora­ção de propostas curriculares para a escola de 1º e 2º graus em vários estados brasileiros. Intensificam-se, ainda, os debates acerca do papel e do significado da História no currículo e na escola, ao mesmo tempo em

43 FENELON, Déa Ribeiro. Op. cit., p.21. 44 MEC/SESU. Diagnóstico e avaliação dos cursos de história no Brasil. Brasília,

1986, 42p. (Documento final)

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que se reflete sobre sua tradição, procurando garantir, neste processo, a apropriação das novas produções teóricas produzidas nas décadas de 60 e 70, mas de divulgação recente no país.

Neste processo, mais uma vez, a ANPUH exerceu um papel de destaque e muito do que foi então realizado deve-se aos seus encontros regionais ou nacionais.45

Estas questões encontraram expressão também nas universidades, so­bretudo nos cursos de pós-graduação, os quais produziram alguns tra­balhos de pesquisa que procuravam responder às novas indagações da escola e às incertezas da História. Em um primeiro momento, é possível detectar que foi o livro-texto, o manual didático, aquele que centralizou as preocupações e os interesses dos pesquisadores. Do texto de Estudos Sociais evoluiu-se para o de História. Identificando suas mazelas, os inte­resses explícitos ou aparentes, as ausências e presenças constantes, procurava-se analisar a qualidade do seu texto desvendando sobretudo os compromissos e as vinculações do discurso histórico na escola, des­tronando, de uma vez por todas, a concepção da neutralidade da escola e da imparcialidade/objetividade do historiador.46

45 Merecem destaque, pelo grau de influência que exercem no ensino, as coletâneas: ANPUH (organizado por Marcos A. da Silva). Repensando a história. Rio de Ja­neiro, Marco Zero, 1984, 141p; A PRÁTICA do ensino de história. Cadernos do CEDES, São Paulo (10):1 -71, 1984, e ainda deve ser destacada a Revista Brasi­leira de História, publicação oficial da ANPUH.

46 A bibliografia é extensa em relação a esse tema e temos notícia de alguns projetos em andamento com o objetivo de arrolá-la e sistematizá-la. Somente para exempli­ficar, iremos citar alguns trabalhos: HÕFLING, Eloísa de Mattos. O livro didático em estudos sociais. Campinas, UNICAMP, 1986; ORLANDI, Eni Pulcinelli. O dis­curso da história para a escola, ln: A LINGUAGEM e seu funcionamento; as formas do discurso. São Paulo, Brasiliense, 1983; FRANCO, Maria Laura P.B. O livro di­dático de história do Brasil: a versão fabricada. São Paulo, Global, 1982; TEL­LES, Norma Abreu. Cartografia Brasilis ou esta história está mal contada. São Paulo, Loyola, 1984; GARRIDO, Elza. A técnica "cloze" e a compreensão da leitura: investigação em textos de estudos sociais para a 6ª série. São Paulo, FEUSP, 1979. dissertação (mestrado); PINTO, Regina Pahim. O livro didático e a democratização da escola. São Paulo, 1981. dissertação (mestrado); CERQUEI­RA FILHO, Gisálio & NEDER, Gislene. Conciliação e violência na história do Brasil. Encontro com a Civilização Brasileira, Rio de Janeiro (2), 1978.

Da análise do texto didático, avança-se para novas propostas teórico-metodológicas, procurando-se desvendar as formas de pensamento e de compreensão dos novos alunos da escola, sobretudo dos jovens traba­lhadores.47

À guisa de conclusão

O que mudou neste terceiro momento? Que papel efetivamente os Estu­dos Sociais ocuparam nessa época?

No plano político, ocorreu, pela primeira vez, a unificação da instituciona­lização dos Estudos Sociais e da formação do professor polivalente, ge-neralista e vulgarizador de conhecimentos obtidos de maneira rápida e pouco cuidadosa no plano científico.

Desde os discursos iniciais, situados nas origens dos debates sobre a im­plantação dos Estudos Sociais, ainda na década de trinta, defendia-se a formação de um professor não especialista para atuar com crianças de primeira a quarta séries, como a alternativa mais adequada, nesse grau de ensino.

Nos anos 70, entretanto, as autoridades educacionais apoderaram-se destes argumentos, estendendo a formação "curta" do professor para o conjunto do primeiro grau. E por diversas maneiras, desde o parecer do professor Paulo Nathanel até o do padre Antônio Geraldo Amaral Rosa, o CFE tem procurado implantar esta política não só localmente (antigos cursos de licenciatura curta estão funcionando plenificadamente), mas tomando-a válida em todo o território nacional. Ele só não o conseguiu,

Gostaríamos de citar os trabalhos de CABRINI, Conceição et alii. O ensino de his­tória; revisão urgente. São Paulo, Brasiliense, 1986; RESENDE, Márcia Spyer. A geografia do aluno trabalhador, caminhos para uma prática de ensino. São Paulo, Loyola, 1986, além de nosso artigo A prática do ensino e a democratiza­ção da escola, ln: CARVALHO, Anna Maria Pessoa de, coord. A formação do professor e a prática de ensino. São Paulo, Pioneira, 1988.

Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

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em função do grau de mobilização dos professores e demais interessa­dos no ensino.

Este aligeiramento da formação do professor, a descaracterização das disciplinas História e Geografia, a indefinição e a salada pedagógica que marcam o campo dos Estudos Sociais são medidas que, conjuntamente,

ajudam a expressar o grau de autoritarismo e de repressão que caracte­rizaram a política do regime militar pós 68. Os Estudos Sociais corporifi-caram a plena realização desta política pois colaboraram para a formação de indivíduos dóceis, acríticos e adaptados ao sistema. Entretanto, a História, "a mais política das ciências - por isso vitimada por tantas ma­zelas e alterações"48, mostrou, mais uma vez, o seu poder de fênix, ressurgindo das cinzas mais fortalecida do que nunca.

48 SODRÉ, Nelson Werneck. A reação contra a história, ln: HISTÓRIA e materialismo histórico no Brasil. São Paulo, Global, p.13.

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PONTOS DE VISTA

PÁTRIA AMADA, IGNORADA* Miguel Gonzalez Arroyo**

Ao abordar o terna Estudos Sociais em Questão, pretendo dar continudade à reflexão levada a efeito neste Seminário acerca da necessidade de se fa­zer uma avaliação crítica dos vinte anos da implantação dos Estudos So­ciais no ensino de 1º grau. Essa crítica necessária pode privilegiar as conseqüências para os alunos que chegam à 5ª, à 8ª série, ao 2º grau, sem o necessário conhecimento do tempo e do espaço. É uma pista para a análise crítica. Entretanto, esses alunos, ao chegarem ao 2º grau e à universidade, possivelmente terão condições de recuperar o tempo perdi­do e refazer este estudo. Digo possivelmente porque isso não é tão certo assim. Há probabilidade de que eles cheguem à universidade e à pós-graduação e, não obstante, saiam com uma visão simplista e ingênua da formação social não só do seu país, mas, em geral, do mundo. É fre­qüente encontrarmos engenheiros, médicos, qualquer profissional que não tenha tido a oportunidade de estudar a área de Ciências Humanas, totalmente ignorante quanto à formação social de seu próprio país. Con­tudo, há possibilidade, com um pouco de imaginação, um pouco de intui­ção, de complementar o que a universidade e a escola não ofereceram.

Grave é pensar que 60% dos alunos da 1- série saem e não voltam, ou, se voltam, vão para um curso noturno apressado, freqüentado após a jornada de trabalho. Mais grave, ainda, é que mais alunos sairão da 2ª pa­ra a 3ª, depois da 3ª para a 4ª série, chegando apenas 10% do total à 5ª série. Desse total de alunos, se tirarmos a classe média e as elites, em

* Comunicação apresentada no II Seminário de Estudos Sociais, promovido pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em novembro de 1984. Publicada, originalmente, pela Faculdade de Educação da UFMG, em Cadernos (2) out 1985.

'* Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. (UFMG).

Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

realidade, apenas uns 5% da classe trabalhadora chegam à 5ª série. Di­ríamos que as crianças que estão estudando hoje nas escolas populares, nas quatro primeiras séries, embora tenham no currículo os Estudos So­ciais, vão ser trabalhadores totalmente ignorantes da história do seu país, da formação social, da produção, ocupação, privatização do espaço onde vivem e trabalham. Todavia, eles vão ter que aprender isso, porque terão que lutar pela terra, na cidade e no campo, ou por outros espaços sociais e políticos. Mas, certamente, não aprenderão na escola a noção do espa­ço real, a formação histórica real do espaço e do tempo.

Se queremos fazer uma avaliação crítica dos vinte anos dos Estudos So­ciais, parece-me que uma pista fundamental seria esta: que conseqüên­cias tem trazido para os trabalhadores deste país a manutenção dos Es­tudos Sociais no currículo das quatro primeiras séries? Ou seja, a que ni­vel de desinformação os Estudos Sociais têm condenado os trabalhado­res deste país? Eis, ainda, uma questão que me parece muito séria: não se pode olhar apenas as conseqüências no interior da escola o que já é realmente crítico e mereceria ser levado em conta para uma revisão dos Estudos Sociais. Que o professor da 5ª série fique preocupado, porque os alunos não têm noção do tempo e do espaço, é sério, mas o mais sé­rio é pensar naqueles que nem chegaram à 5ª série e correspondem a mais de 90% dos trabalhadores, hoje enfrentando o mundo do trabalho sem noção de espaço e de tempo. Há conseqüências, não só para os alunos na continuidade do processo educacional, mas também para os alunos operários no destino a que são lançados no mundo do trabalho, no mundo da cidadania incompleta. Essa questão é fundamental e deve ser aprofundada pelas suas conseqüências.

Trabalhador ignorante da formação do seu país

Uma conseqüência me parece muito grave: privá-los do saber sobre a história e a formação social e espacial do próprio país. Não falo privá-los

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do saber sobre a história de outros países, sobre o mundo todo, mas do próprio país que é, afinal, onde eles vão trabalhar durante vinte, trinta, quarenta anos; onde vão gerar e educar os filhos - novos trabalhadores - para segurar este país que eles não sabem nem de onde veio e, menos ainda, para onde vai. Aqueles que produzem a riqueza do país, os trabalhadores, são privados de ter uma noção minima de por que este país chegou aonde está e, sobretudo, por que vai caminhar numa di­reção ou noutra. Essa é uma questão que merece nossa análise pelas conseqüências que acarreta. As conseqüências vocês já sabem. Se aqueles que são os produtores da riqueza nacional, da cultura, são priva­dos da noção básica da história de sua própria formação social, na reali­dade, vão ser passivos, marginalizados das decisões sobre os rumos deste país. Eles não vão ser tão passivos, porque a vida vai lhes ensinar outras coisas. Mas se dependesse da escola, eles seriam tão-somente cidadãos passivos, trabalhadores passivos e mais nada. Seriam aqueles que produzem sem pensar, sem saber por que e para que produzem, pois, na realidade, o que a escola lhes ofereceu não permite uma visão um pouco mais larga sobre a formação social e espacial do país para o qual vão ser condenados a trabalhar.

Outra questão que merece ser aprofundada é esta: a escola, através dos Estudos Sociais e do currículo total, termina transmitindo uma interpreta­ção do social e da formação brasileira, mas que saber social é transmiti­do? Através dos Estudos Sociais e da quantidade de festas que se co­memoram, alguma coisa é dada. Nas escolas da zona rural e das perife­rias urbanas, não há tempo para Estudos Sociais, mas há muito tempo para festas, há muito tempo para integração social. Provavelmente, 1/3 do escasso tempo que passa a criança operária na escola é ocupada em festas da pátria, festa do índio, festa da ecologia, festa de... Essa quanti­dade de tempo que se ocupa em torno do social, em torno do integrativo, não passa pela disciplina Estudos Sociais.

A integração social muitas vezes está presente nas outras disciplinas. Eu diria que, quando se está dando Ciências, na realidade, está se dando Integração Social. Quando, por exemplo, num exercício para casa, se pergunta: o que ensina a você, criancinha, esse bichinho que nós estu­damos em Ciências? Discutindo se a formiga nos ensina a trabalhar, que não se deve ser como a cigarra que vive cantando, porque cantando não

se progride na vida, estamos, na realidade, fazendo Integração Social. Ou seja, o problema no meu entender é que as outras disciplinas terminaram sendo tão integradoras ou mais do que Estudos Sociais. Por isso se dis­pensa, às vezes, os Estudos Sociais nas escolas do povo. A Comunica­ção e Expressão passa a ser integração no tema de uma redação, ou na análise de um texto, onde o fundamental não é ensinar a lógica da Iíngua, mas os exemplos que esse texto traz para o bom comportamento do futu­ro trabalhador. Essa é a Integração Social na nossa escola de 1º grau, sobretudo na escola dedicada às camadas subalternas.

Infantilização e moralização do social

Aprofundemos outro ponto: que integração social, que saber social é transmitido na escola do povo? Um saber social que não ultrapassa as relações primárias. Refere-se às relações da mãe com o pai, dos pais com os filhos, isto é, da familia, às relações com a comunidade, com o bairro, que se dão no mais imediato, no primário, através, fundamental­mente, da relação interpessoal. É curioso que se privilegie essa relação interpessoal na família, na vizinhança, num mundo totalmente desperso-nalizado. E isso para um trabalhador que vai ser um número na carteira, um número no cartão de ponto ou na fila do INPS, que não vai interessar a ninguém como pessoa, apenas como braço produtivo. A esse trabalha­dor despersonalizado se dá uma visão de mundo totalmente primária, como se estivéssemos na relação do paraíso: Adão, Eva, Caim e Abel. Nem isso, Caim e Abel brigaram, e a visão dada na escola não chega se­quer aí. Não chega a mostrar o mundo real e conflituoso. Ainda se mostra um mundo onde todos somos iguais, onde todos nos amamos mutua­mente - viva a fraternidade! É dada aos alunos uma visão do social bu­cólica, paradisíaca, extremamente primária. Eis o que se oferece a um futuro trabalhador, que não vai ser identificado como gente numa fábrica de 1.000, 2.000 trabalhadores, ou numa loja, ou em qualquer outro local de trabalho, e será apenas um número produtivo, alienado por relações exploradoras de trabalho.

A esse futuro trabalhador, inserido em antagonismos de classe, numa sociedade competitiva, se dá, portanto, um saber social e uma visão de mundo extremamente idealizada, como se estivéssemos ainda no mundo

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do paraíso ou no mundo rural bucólico. Essa visão rural que a classe mé­dia tem quando chega na fazenda do vovô, ou quando sai de férias para o interior... Uma realidade que não existe, nem na cidade' nem no interior, onde as relações sociais capitalistas destruíram o mundo de nossos so­nhos. Um mundo romântico do sol que nasce, do orvalho que cai... Ou seja, é uma visão extremamente idealizada. Prestem atenção e encontra­rão essa visão em todos os textos de Estudos Sociais.

Deste modo, podemos observar mais um aspecto: não são as relações primárias que se privilegiam apenas, privilegia-se, ainda, uma visão do social extremamente infantil. É a infantilização do social, é o universo in­fantil, o universo do afetivo, o universo ainda das relações da criança quase na época do maternal, na época da pré-infância. E é tudo isso que não se supera nas quatro primeiras séries. Se vocês analisarem os tex­tos encontrarão essa ênfase no universo infantil e afetivo.

Lembro-me de um livro de Integração Social que nas primeiras páginas enfatizava: "este livro oferece à criança uma seletividade que lhe possibi­litará a aquisição de conceitos, atitudes e habilidades sociais e de estu­dos relativos à sua comunidade primeira. Isto é, às relações primárias, que lhe são mais chegadas geográfica e afetivamente". Está aí: a visão afetiva da comunidade e da família estende-se à escola e ao mundo, ou seja, a escola vai ser extensão da família, o bairro também. O mundo é considerado como sendo "o lar maior onde todos os homens são irmãos". Esta visão infantilizada do real, esta visão romantizada do real está pre­sente em quase todos os textos de Estudos Sociais.

Acredito, inclusive, que o Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE) quando chegou aqui e estimulou os Es­tudos Sociais na escola não devia ter esta visão tão infantil do mundo, pois, o Ponto IV, integrante desse Programa, fazia parte de uma geo-polí-tica que tinha uma visão muito mais conflitiva do social. Acabávamos de sair da Segunda Guerra Mundial, em que a humanidade aprendeu que a visão romântica do mundo não tinha base. Estávamos na época da guer­ra fria, no final dos anos 40, no início dos 50. Nesse contexto político con­flitivo, chegou o Ponto IV, chegou o PABAEE com toda esta visão de In­tegração Social. No entanto, tudo isto terminou caindo em mãos de peda­

gogos ou de profissionais do ensino com uma visão bem mais romântica do que a visão real que a Guerra nos tinha ensinado, e passou-se a ofe­recer às crianças uma visão ingênua do mundo como se fosse um lar maior onde todos os homens se amam como irmãos. Isto me parece o mais grave, sobretudo quando pensamos que se trata de formar futuros operários que não vão encontrar, seja no mundo, na cidade ou na fábrica, nenhum romantismo ou irmandade, e sim muita exploração do grande pelo pequeno, de quem tem para quem não tem, de quem pode para quem não pode.

Enfim, essa visão infantilizada torna-se muito complicada quanto ao que se ensina ao trabalhador. Se essa educação fosse para os filhos das eli­tes, ou até mesmo da classe média, para quem a realidade não é tão conflituosa e esmagadora, ainda vá: seria um mal menor. Mas, quando tudo isto é ensinado aos filhos da classe operária, futuros trabalhadores, é muito mais grave. Estas são as conseqüências que deveríamos apro­fundar e pensar cada vez que vamos falar às crianças nas escolas do povo. Cada vez que a supervisora estivesse preparando suas atividades, deveria refletir: que conseqüências seriam trazidas para o futuro traba­lhador passar essa visão às professoras, a fim de que elas as transmitam aos alunos? Aí, quem sabe, a supervisora rasgue o que estiver fazendo e tente criar outra visão do social junto com as professoras e os alunos...

Ignorando a base material da existência

Mais uma conseqüência deve ser analisada: os Estudos Sociais trans­mitem uma visão moralizante do real, moralizam a relação real, as rela­ções sociais. Isso está presente também nos livros. O que se pretende não é apenas a aquisição de conceitos - o que menos se dá são con­ceitos -, pretende-se a formação de atitudes e de habilidades. E quais são essas atitudes e habilidades? O conteúdo dos livros revela "o caráter afetivo e os valores morais que devem ser cuidados nesta época de mu­danças que atravessamos". A dimensão moralizadora está presente em tudo, não só nos Estudos Sociais. As Ciências que são dadas aos futu­ros trabalhadores são muito mais educação sanitária, educação para a saúde e educação para o bom comportamento do que ensino de Ciên-

Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

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cias. Se se estuda os animais insiste-se em classificá-los em animais pe­rigosos, não perigosos, etc. Essa visão moralizante do social e até da ciência é algo que, me parece, deve ser revisto criticamente ou colocado em questão nos Estudos Sociais, em particular, e no programa e currículo escolar do ensino elementar em geral.

Nossa esperança é que essas caracterfsticas dos Estudos Sociais aqui colocadas como o moralismo, o infantilismo, sejam contraditas pelo real. A própria realidade vai mostrar que tudo isso é ingênuo. No primeiro dia em que o indivíduo chegar à fábrica, ou até mesmo antes de chegar lá, já vai perceber que o mundo não é tão romântico, nem tão ordeiro, não é o lar maior onde todos se amam como irmãos.

Há outros aspectos que me parecem perigosos nos Estudos Sociais para o futuro trabalhador. É o seguinte: os Estudos Sociais tentam fugir de abordar a base material onde se produzem as relações sociais. É um dos pontos mais graves a merecer nossa atenção. As relações sociais na familia, na comunidade, não têm base material nos textos de Estudos So­ciais. Que pretendo dizer com isso? Que se privilegiam de tal maneira as relações afetivas, sociais, interpessoais, intergrupais, etc, que nunca se coloca a questão de que tudo isso serve a um tipo de produção material de existência concreta. Nunca se fala das relações econômicas, do tra­balho, das relações sociais em que se dá a produção, em que se dá a exploração da terra, em que se dá a exploração do homem. Nisso não se toca. Por exemplo, se se fala do bairro, vai se falar das relações entre os moradores, que devem ser de vizinhança, de amizade, de colaboração. Vai se falar de não sujar a rua, de, quem sabe, fazer um mutirão. Em ne­nhum momento se coloca a base material que produz e em que se produz o espaço urbano. Por exemplo: como aquele bairro foi fruto da exploração imobiliária, ou, ainda, da exploração da fábrica que se instalou de repente naquele lugar e tentou baratear o custo do próprio salário do trabalhador, dando-lhe condições mínimas e infra-humanas de moradia. Nada disso é colocado. Trata-se apenas do relacionai, do interpessoal, e em nenhum momento se mostra ao aluno a base material da existência, que, inclusi­ve, nega essa visão romântica enfatizada na escola. Se ao menos se fa­lasse da familia, do bairro, das boas relações e se colocasse a base ma­terial que regula a vida familiar, que são as relações de trabalho, a explo­

ração imobiliária, a emigração, o desemprego... Mas nisso não se toca. Ou seja, dá-se uma visão do social tão idealizada que se nega a base onde ele é criado e recriado constantemente.

Esse ponto mereceria uma análise muito séria pelas conseqüências que traz para o estudante/futuro trabalhador. O trabalhador é, antes de tudo, o homem da produção, o homem do econômico, e, infelizmente, não tem tempo para o social, pois sai correndo de casa para trabalhar e volta à noite cansado para dormir, tendo que refazer suas forças para, no dia se­guinte, novamente trabalhar; além disso, sábado e domingo tem que fazer um biscate para repor o salário que não dá. A casa, o bairro, é apenas dormitório. Ao homem que vive amarrado ao poder econômico de tal for­ma, que só vale como braço que produz, sem tempo para o social, o afe­tivo, o cultural, para nada, transmite-se, ainda, desde criança, toda uma visão exatamente contrária do social, como se o relacionai, o afetivo fos­se o determinante de sua sorte. Essa ausência do que chamo de base material do social é constante nos Estudos Sociais e deve ser revista.

Desarticulando a visão social do aluno

Outro ponto que poderíamos considerar além de não colocar essa base material, a escola tenta desarticular uma visão do social que nasce cola­da à condição material de existência. A escola ignora essa condição e essa base material quando a criança já tem essa base material. Ela che­ga à escola mais lúcida que muitos professores e alguns livros. Muito mais lúcida, porque a própria realidade teve que fazê-la mais lúcida quanto ao peso das condições materiais de existência sobre a vida fami­liar e as relações sociais. Uma das coisas mais sérias na vida de qual­quer criança das camadas subalternas é ter aprendido desde cedo que o material condiciona tudo na sua existência.

Lembro-me de um trabalho que fizemos junto aos professores da Prefei­tura de Belo Horizonte. As crianças foram solicitadas a escrever sobre sua família. E colocavam a toda hora: "meu pai trabalha de biscateiro em tal lugar, meu pai não tem tempo de me levar ao Zoológico" (porque a professora tinha falado que o bom pai leva a criança para passear). E por

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que não leva? "Porque sábado e domingo tem que trabalhar de biscate, porque o que ele ganha na prefeitura não dá para viver". A própria criança de sete anos, na 1ª série, já tinha uma visão de que a sua vida afetiva era negada, de que a impossibilidade do pai ser pai, e da mãe ser mãe está nessa base material. Entretanto, a escola desarticula, ou tenta desarticu­lar (acho que não consegue), a consciência de que sua condição operária está marcada pelo sofrimento. A escola tenta desarticular tudo isso, dan­do uma visão invertida, contrária, de cabeça para baixo, colocando ape­nas que o afetivo, o moral, o relacionai governam o material e o social.

A criança operária chega à escola com uma visão mais global do que su­põe a Psicopedagogia que inspira a prática pedagógica dos profissionais da escola primária, fato que é cada vez mais válido também para as crianças de classe média. Nas atuais condições de trabalho, a criança é forçada a aprender desde cedo que o pai e a mãe não são só pai e mãe, mas, antes de tudo, são trabalhadores, que trabalham na universi­dade, no escritório, na oficina, na fábrica. Enfim, que trabalham. A criança não pode mais ter uma visão primária das relações sociais; é obrigada a perceber que há um mundo fora da família, um mundo global, uma relação muito mais ampla que priva o filho do convívio, do carinho dos pais. Existe um mundo fora, o do trabalho, que condiciona a ter ou não uma casa boa, alimento e carinho, a brigar pela terra, enfrentar a polícia, fazer uma greve ou ser mandado embora do trabalho. O filho descobre logo que seu cotidiano, seu mundo afetivo, sua vida se inserem em relações globais, descobre a globalidade onde se inserem as relações primárias.

É exatamente isso que é desarticulado na escola através dos Estudos Sociais, que dizem às crianças: "não, vocês não têm que ultrapassar o nível do afetivo, do romântico, do bucólico e têm que ver o mundo como uma grande família governada pelo amor, pela poesia, pelo encanto". Es­se processo de desarticulação da percepção da criança é um dos as­pectos mais sérios da escola primária. Tenta-se desarticular algo que a criança já começava a identificar. Tenta-se infantilizar a visão do social real, enquanto a criança, já com oito, dez anos, é obrigada a sair cedo, de ma­nhã, para ficar no semáforo, para pedir esmola ou vender balas, mamão, goiaba, vender o que for, ou para limpar o carro. Ela é introduzida no mun­do do trabalho, no mundo que não tem nada de infantil, ela é feita adulta

precocemente e nós continuamos dando a ela aquela visão infantil das relações do social, quando ela é, às vezes, muito mais adulta do que nós, porque foi obrigada, foi pressionada a entrar nesse mundo brutal preco­cemente. Algo semelhante a essas frutas que, tiradas verdes, foram obri­gadas a amadurecer à força, artificialmente, para quê? Para serem vendi­das rapidamente na Ceasa, no mercado. O filho do trabalhador tem que ser "vendido" muito rápido, não pode esperar amadurecer afetiva, social e pessoalmente. Ele tem que ser amadurecido a carbureto, rápido, a cho­que, a pancadas. E tem que amadurecer, queira ou não, para ser vendido como força de trabalho barata. Chega à escola, depois de tudo isso, e vai ouvir aquela história romântica da professora e do livro de texto... Ele de­ve pensar: "essa dona, esse livro estão no mundo da lua, porque o que eu vi hoje de manhã, o que eu vi ontem à noite... Eu que dormi na rua e ti­ve que brigar para comer e sobreviver, não vi nada de romântico, afetivo e harmônico".

O mundo real da infância operária não coincide com as teorias evolutivas construídas sobre uma imagem ideal de criança, de personalidade e de mundo. Esta questão me parece muito séria. Nós damos aos alunos um mundo de harmonia, de paz - quando ele tem que brigar desde criança para comer, para viver, para dormir, para amar. Este mundo conflitivo não é algo irreal para a maioria das crianças. É algo real.

Que fazer diante de todo este quadro? Esta é uma pergunta em que todo educador-professor tem que pensar durante toda sua prática pedagógica. Haverá educadores e, sobretudo, teóricos da didática, da Psicopedagogia que nos dirão que o processo evolutivo da personalidade não pode ser violentado, pois a criança que freqüenta as quatro primeiras séries - de 7 a 10 anos - está na fase X ou Y e tem que ser respeitada. Acontece que a história real não se constrói com modelos ideais, nem seguindo as leis e fases do que deveria ser. A história real da maioria dessas crianças tem que obedecer a outras leis, a outra lógica, que não respeita as fases evolutivas tidas como morais. É a lógica do capital, da exploração do tra­balho, e especialmente do menor, a lógica que despreza o mundo do afe­tivo, da personalidade. O que fazer diante desse quadro real que nós educadores não criamos, nem queremos? Ignoramos o real e tratamos esse aluno como anormal de acordo com o modelo ideal? Permanecemos

Em Aberto, Brasília, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

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no mundo do deve ser, ignorando o mundo do real? Ou tentamos partir do real, da lógica que o governa, para transformá-lo, e, sobretudo, para tra­balhar pedagogicamente essa realidade dura, incorporá-la ao processo educativo para ajudar o aluno, a classe operária a transformá-lo na medi­da em que melhor o compreenda? Insisto muito neste ponto: há um saber que nasce da experiência material de vida, exatamente esse saber tem sido cortado, negado, podado pelos Estudos Sociais, pela escola, com essa visão falsa do real que se tenta impor sobre o trabalhador-estudan-te, ou em nome de teorias pedagógicas construídas para um mundo irreal.

A experiência social do professor em conflito

Outro grave problema é este mundo infantil, romântico, afetivo, morali­zante entrar em contradição, não só com o mundo da criança, com o sa­ber social da criança, mas com o próprio saber social do professor. Cada profissional do ensino percebe, hoje, as contradições entre sua prática pedagógica e experiência pessoal. Qual é a experiência social dos pro­fissionais do ensino primário? Sua prática social mostra-lhes que as rela­ções sociais não são tão afetivas, morais, primárias e infantis; ao contrá­rio, como trabalhadores do ensino, têm que brigar pelos seus salários, pela estabilidade, têm que brigar contra o patrão, o Estado, o município, ou o dono do colégio, vão ter, enfim, que brigar pela sobrevivência mate­rial, ou seja, pelas condições materiais de existência. Os profissionais do ensino que lutam por essas condições materiais de existência, por digni­dade e condições de trabalho, como poderão ensinar Estudos Sociais tranqüilamente, dando uma visão tão irreal, tão ingênua, tão contraditória com sua própria experiência social? Por isso é tão importante que os pro­fissionais da escola avancem na consciência de melhores condições materiais de existência, para que não sejam instrumentos úteis, ensinan­do a outros trabalhadores belas mentiras! Tem que haver uma relação muito íntima entre nossa experiência profissional de assalariados, entre as condições trabalhistas a que estamos submetidos e a nossa prática pedagógica. Não é possível fazer qualquer separação; se houver al­guma tentativa neste sentido, vai ficar no que está aí - a transmissão de uma visão do real contrária à nossa experiência e à experiência do aluno-trabalhador.

É muito importante a integração dos profissionais do ensino em suas en­tidades neste processo de renovação da escola, visando não simples­mente qualificar o trabalhador para ele ser mais rendoso ao capital ou ao Estado, mas possibilitando que este profissional perceba a existência de uma íntima relação entre suas condições materiais de existência e as dos seus alunos, entre o que é e o que deveria ser ensinado, e tente, a partir daí, recriar novos conteúdos e uma nova escola. Quem vai ter condições de dar uma nova dimensão social à escola será o próprio profissional; à medida que se descobre trabalhador, vai descobrindo as suas próprias condições materiais de existência. Assim, na condição de simples traba­lhador, que vende uma força de trabalho qualificada, ele poderá, a partir de sua própria experiência material, ir recriando uma nova consciência e uma nova teoria capaz de modificar esta escola. Qualquer mudança que não venha por essa via será uma mera reforma.

Já escrevi sobre este ponto: trabalhadores e educadores se identificam; que rumos tomará a educação? Dessa identificação, dessa visão de que as condições materiais do professor, a cada dia, estão mais próximas das condições de 90% das crianças das nossas escolas públicas é que poderá surgir uma nova proposta de escola e de Estudos Sociais. Para redefinir os Estudos Sociais, portanto, é muito importante que nos volte­mos para a nossa própria experiência profissional como trabalhadores assalariados.

Saídas ou armadilhas?

Diante do exposto, podemos fazer algumas perguntas: que saídas exis­tem hoje como proposta? Essa questão será objeto de trabalho posterior neste Seminário. Mas permitam-me levantar alguns pontos. Há, hoje, uma tendência: eliminar os Estudos Sociais, a formação social, e insistir muito em instrumentalizar para a vida através da alfabetização, da leitura. Justi­fica-se que o fundamental para o futuro cidadão, futuro trabalhador, é que ele domine a língua escrita. Para quê? Para se inserir mais facilmente no mundo letrado e ser mais útil a si e ao capital? Alguns trabalhadores sa­berão ler um pouco mais ou escrever com menos dificuldade quando es­tiverem empregados num escritório ou no setor doméstico. Mas a ques­tão me parece mais profunda. É necessário instrumentalizá-lo com a leitu-

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ra, mas sabendo dos limites desse instrumento para o trabalhador. Não será um letrado, não terá tempo para ler, e o que irá escrever será, por exemplo, uma carta à filha - se ela for empregar-se lá em Belo Horizonte e ele morar no interior - e mais nada.

O conhecimento de uma realidade social que não permite que todos se­jam letrados deve ser transmitido logo desde a 1 - série para que seja ins­trumentalizado, para que sejam alteradas as condições materiais de existência da classe trabalhadora, as quais não deixam tempo para ler ou escrever. Tem que haver espaço na escola, desde a 1ª série, para a or­ganização do pensamento social.

Outra proposta que está sendo colocada, hoje, é a de integrai todas as disciplinas na área de Comunicação e Expressão. Através de uma com­posição, de um ditado, da escolha de um texto, deverá se ensinar Ciên­cias, Estudos Sociais, Matemática. Essa mistura não vai muito longe. É o que está sendo feito por aí: cartilhas que não são cartilhas, onde não se aprende a ler, nem se aprende o social. É uma tendência bastante forte, hoje, a chamada integração de disciplinas numa disciplina única que seria Comunicação e Expressão e na qual o resto iria entrando um pouco por acréscimo. Tudo isso vai levar a uma consciência social muito complica­da, um samba do crioulo doido. O ensino do social deve ser mais esque­matizado a partir do próprio saber social que nasce da experiência mate­rial da criança, da classe social e da formação brasileira de que cada ci­dadão e trabalhador participa.

Outra proposta, hoje muito divulgada, é buscar não tanto a integração so­cial, mas a integração econômica do aluno. É a escola integrada, escola para a vida. Dá-se ênfase não em integrar o aluno ao social, mas em in­tegrá-lo na profissão, no trabalho, na produção. Temos programas de educação, sobretudo no campo e nas periferias urbanas, que insistem nessa integração do aluno como futuro produtor ou como atual produtor de banana, de batata, etc. Nessas propostas, as quatro primeiras séries deveriam preparar a criança para um desempenho melhor nas atividades produtivas. E, para isso, ensinar o quê? Por exemplo: problemas relativos à vida na cidade - como pegar o transporte, como conferir o preço da passagem -; ou relativos à vida no campo - plantar, colher ou armazenar a produção, etc.

Essa proposta está sendo defendida como solução, a chamada integra­ção escola-comunidade. É a escola necessária para se fazer bons tra­balhadores. Já que se vai ser trabalhador, a proposta é integrá-lo, para ser trabalhador bem preparado.

Cuidado com essa proposta! Ela é mais ameaçadora do que o PABAEE quando chegou aqui. Essa proposta está chegando, não através do Ponto IV, mas do Banco Mundial e do Banco Interamericano. No início dos anos 50 era o PABAEE, no início dos anos 80 são os bancos! Os bancos e agências internacionais vêm nos dizer o que nós temos que ensinar nas escolas para o futuro trabalhador rural, para o futuro traba­lhador da fábrica ou do comércio. E o que nos dizem é isso: se naquela época havia certo clima para o social, para integração social, isso é o menos importante hoje. Atualmente, o que se pretende é a integração como agente de produção. Esse tema mereceria um encontro, para ser discutido com profundidade, face à influência que tem na constituição de uma nova filosofia de integração.

Neste Seminário, vamos estudar e avaliar outras propostas sobre a recu­peração do tempo e do espaço, da Geografia e da História na escola elementar. Apenas queria deixar claro o seguinte: não vai ser possível colocar em questão os Estudos Sociais, assim como a Matemática, as Ciências ou a Língua Pátria, sem discutir a própria filosofia da escola para o povo. O que está em questão é a própria filosofia da integração. Não será possível questionar a filosofia dos Estudos Sociais sem envolver a própria visão de sociedade que está aí embutida e, sobretudo, sem anali­sar a visão do trabalhador acerca de seu próprio destino - como traba­lhador e cidadão na nossa formação social e política. Enquanto o traba­lhador for apenas um instrumento útil em mãos do capital, ou um cidadão amestrado em mãos do Estado totalitário ou pseudodemocrático, os Es­tudos Sociais não irão muito além do que é transmitido hoje. Não pode­mos questionar os Estudos Sociais sem questionar a sociedade, a ordem econômica, social e política, na qual esse cidadão-trabalhador pretende ser integrado, questionamento este que já está acontecendo na socieda­de, nas organizações de classe, de moradores, nos partidos e que espe­ramos aconteça na escola do povo e na escola responsável pela forma­ção de seus mestres.

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A CRIANÇA, NOVOS TEMPOS, NOVOS ESPAÇOS: A HISTÓRIA E A GEOGRAFIA NA ESCOLA*

Dulce Maria Pompêo de Camargo** Ernesta Zamboni**

Introdução do problema

Este artigo decorre de uma enorme inquietação, no que diz respeito ao ensino de Hitória e Geografia, em contraposição ao ensino de Estudos Sociais, nas quatro primeiras séries do 1º grau.

Até o momento, muitas foram as manifestações que denunciaram a intro­dução dos Estudos Sociais como disciplina, em todas as séries do 19

grau, após as resoluções da Lei n9 5.692/71, focalizando, principalmente, os seguintes pontos:

• origem dos Estudos Sociais; • discordância quanto à nomenclatura da disciplina; • fusão de disciplinas, levando à descaracterização de ciências como a

História e a Geografia; • não inclusão da Sociologia nos Estudos Sociais; • prejuízos quanto à qualidade do ensino; • precária formação dos docentes, decorrente, principalmente, das li­

cenciaturas curtas; • discutível polivalência do professor; • desvalorização do papel das Ciências Humanas para a formação da

consciência crítica e criadora dos alunos.

* Agradecemos a Eloísa de Mattos Hõfling a leitura cuidadosa e as sugestões apre­sentadas.

** Professoras do Departamento de Metodologia do Ensino, da Faculdade de Educa­ção da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

E, ainda, muitos outros foram os textos que salientaram a importância da reintrodução da História, da Geografia, da Sociologia e da Filosofia, en­quanto disciplinas autônomas no ensino de 19 e 29 graus. Mas, poucos foram os artigos que trataram a questão relacionada, particularmente, às quatro séries iniciais do 19 grau, onde História e Geografia já deveriam estar explicitamente presentes em seu currículo. Assim, interrogações fundamentais permanecem:

• por que continuam os Estudos Sociais de 1ª a 4ª séries, enquanto estes desapareceram nas demais séries?

• por que as diferentes associações e instituições (ANPUH, AGB, APROPUC, USP, UNICAMP, UnB e outras) não abraçaram a luta pela eliminação definitiva dos Estudos Sociais nas primeiras séries do 1º grau?

• por que o professor tem dificuldades em trabalhar Estudos Sociais de 1ª a 4ª série, preferindo, muitas vezes, na prática, não trabalhar com a disciplina?

• qual a importância da disciplina nas séries iniciais do 1º grau? • qual a posição do professor polivalente frente aos Estudos Sociais? • que noções e conteúdo devem ser desenvolvidos?

Portanto, não podemos mais permanecer alheios a estas questões, sem dúvida, bastante importantes e relevantes. Assim, neste artigo, que é fruto de reflexões teóricas e da análise da prática cotidiana do professor na escola e na sala de aula, procuraremos esboçar uma perspectiva metodológica de trabalho para as primeiras séries do 1º grau.

Quando a forma e o conteúdo são diferentes

A apreciação do quadro geral do trabalho do professor em sala de aula é um importante ponto de partida para melhor situar as idéias que coloca­remos posteriormente.

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Temos notado, freqüentemente, a inconsistência metodológica (aqui en­tendida como a relação teoria-prática, forma-conteúdo) do trabalho de­senvolvido pelo professor. Muitas vezes, ele não percebe que essa rela­ção forma-conteúdo apresenta diferentes configurações, dependendo da postura que ele professor apresenta frente à realidade e ao conhecimento e que, para se ter uma postura consistente, firme, é preciso dominar o conteúdo, obter o máximo de informações possíveis, refletir e criticar o conhecimento.

Senão, como pode o professor conseguir do aluno uma postura crítica, reflexiva e interpretativa, se ele próprio não as apresenta?

Neste caso, indubitavelmente, o professor tenderá a transmitir, aos seus alunos, o conhecimento de forma estática e fragmentada, ou seja: não se­rá mais que um mero transmissor de informações. Ele não conseguirá ul­trapassar o nivel aparente do conteúdo tratado. Limitar-se-á à descrição mecânica dos dados, contribuindo para a passividade do aluno.

Avançando um pouco, é possível afirmar que o conteúdo, até agora de­senvolvido em Estudos Sociais (aqui entendido como História e Geogra­fia), foi predominantemente descritivo, linear e factual, o que ocasionou, principalmente, por parte dos meios acadêmicos, um verdadeiro bombar­deio crítico, sem que os professores tivessem a oportunidade de acom­panhar esse movimento contestador, onde se salientava a necessidade de considerar e trabalhar com o aluno sua concreticidade, no sentido de melhor atender suas necessidades e anseios.

Assim, o professorado acompanhou, como expectador, as críticas, as colocações, as divergências, as novas sugestões, as propostas e publi­cações, sem, contudo, participar e receber condições de aprimoramento e renovação - requisitos mínimos para qualquer ação no sentido de rom­per com o programa tradicionalmente desenvolvido.

Frente a estas considerações, uma nova questão se coloca: essas constatações não explicariam o descuido com Estudos Sociais nas sé­ries iniciais do 1ºgrau?

Parece-nos que o professor, ao perceber o que não deve ser feito meto­dologicamente (forma e conteúdo) em Estudos Sociais, e não sabendo como agir alternativamente, preferiu não trabalhar com a disciplina a cor­rer o risco de, mais uma vez, ser criticado por não apresentar um trabalho de acordo com as expectativas dos especialistas.

Por outro lado, será suficiente um posicionamento por parte do professor, se ele ainda continuar separando a forma do conteúdo, ao trabalhar, por exemplo, um conteúdo que considera questionador, de uma maneira es­tática e parcial? Algumas experiências mostraram também, que o profes­sor mais atento, no afã de tornar seus alunos participantes e críticos, transmite a estes apenas o conhecimento já interpretado, sem perceber a importância de lhe transmitir paralelamente o conteúdo pertinente ao tema e de exigir do aluno leituras Complementares. Nesse caso, o professor tem sua interpretação, tem seu posicionamento, sua verdade. Mas, não percebe que se o aluno não tiver acesso às informações, ele não terá sua análise pessoal. Da mesma forma que no procedimento exposto ante­riormente, terá uma atitude passiva, de apenas repetir o que lhe foi trans­mitido pelo professor. Será um aluno sem consistência, pois carece do embasamento teórico que o levaria à reflexão.

Neste caso, o professor, apesar de ter uma posição questionadora frente à realidade, não percebeu a importância do conhecimento histórico e geográfico no ensino de 1º grau.

Então, como trabalhar uma postura metodológica que não separe a teoria da prática, a forma do conteúdo? Como envolver o aluno na dinâmica do processo social? Como conseguir sua identificação, tornando-o sujeito do processo de transformação?

No sentido de contribuir para o debate dessas questões apresentamos, a seguir, uma perspectiva de trabalho, que se, de um lado, não traz em seu bojo novidades significativas, por outro lado, apresenta, a nosso ver, uma orientação metodológica que avança qualitativamente.

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Unidade da forma e do conteúdo: novos tempos? Novos espaços?

A criança, ao chegar à escola de 1º grau, traz consigo o referencial do mundo que a rodeia, sabe como se defender, proceder diante do desco­nhecido, conhece o espaço que a circunda, orienta-se; distingue os pe­ríodos do dia, as fases da lua, identifica as estações do ano, um animal do outro, conhece as letras, diferentes meios de transporte e comunica­ção, conhece os números. Portanto, é errôneo imaginar que a criança ao entrar na escola tudo vai aprender. O seu referencial de conhecimento pode ser diferente do da escola e até ser desconhecido pela professora.

Vivemos em uma sociedade letrada, cheia de símbolos e mensagens, com um código de interpretação próprio das cidades. A criança pode não saber ler, mas não desconhece as letras, os jornais, as revistas. No seu cotidiano, interpreta e introjeta as mensagens veiculadas pelo rádio, tevê e demais meios de comunicação.

Quando a criança é oriunda de segmentos da classe média, conhece os livros, e pode tê-los. Histórias são lidas para ela e, quando não as enten­de, pergunta. Na multiplicidade de suas vivências intui os princípios que norteiam as relações entre as pessoas. Ela vive a diferença, tem noção da desigualdade das e nas relações sociais. O seu referencial de mundo, na maioria das vezes, precisa ser escondido, anulado, ignorado na es­cola. É preciso sobreviver...

Entretanto, se nos colocamos do ponto de vista da instituição, a professo­ra precisa transmitir aos seus alunos um conhecimento pré-determinado, obedecer e cumprir programas, onde não há espaço para o diferente, pa­ra a diversidade, para o inusitado.

São dois mundos, um da criança sem lugar na escola e, outro, da institui­ção, da professora que deve transmitir um conhecimento passivizante, absolutizado, fundamentalmente assentado em noções e informações contidas nos livros didáticos.

Há escolas que possuem clientelas distintas, assim como há, no interior das classes, alunos diferenciados entre si. Em Belo Horizonte, foi feito

Em Aberto, Brasilia, ano 7, n. 37, jan./mar. 1988

um estudo comparativo com turmas de 5ª série de uma escola, com alu­nos de alto poder aquisitivo e, outra, com uma clientela de baixo poder aquisitivo. Constatou-se que a visão de mundo dos alunos das duas es­colas são diferentes: os alunos da primeira escola citada demonstraram uma visão cosmopolita em contraposição com uma visão de mundo mais restrita da segunda escola.1

Empiricamente, notamos que alunos de 1ª a 4ª série que têm possibilida­des de assistir, à tevê, filmes, onde vêem imagens das guerras da Nica­rágua, dos conflitos entre o Líbano e Israel, Irã-lraque, das eleições de deputados, saídas de ministros, etc. apresentam um referencial de mun­do, de localização, mais amplo que outros alunos sem os mesmos recur­sos. Através de fotografias e vivências identificam as estações do ano e sabem que quando é frio aqui (hemisfério sul) é calor lá (hemisfério nor­te).

Por outro lado, o aluno que não tem acesso àqueles meios de comunica­ção, utiliza o transporte coletivo, anda muito pela rua, tem um conheci­mento vivido do espaço que ocupa, tem noções de distância e tempo re­lacionados com a idéia de movimento. Este aluno pode não saber onde se localiza a Itália, mas, com certeza, tem um conhecimento empírico da natureza, do lugar em que mora, e, para sua própria sobrevivência, domi­na o espaço em que vive.

Ao mencionar estas diferenças chamamos a atenção para a não homo­geneidade da escola e para o fato de que não há, nela, alunos que tudo ignoram.

Hoje, com maior facilidade de acesso às fotografias, o aluno vê fotos do passado, do casamento de seus pais, de quando era pequeno. E, ao ob­servar tais fotografias, identifica diferentes períodos da vida das pessoas, percebe as mudanças e permanências, e naturalmente está adquirindo a noção de temporalidade.

FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Apuros de um professor recém-formado em histó­ria no 1º grau. Revista do Departamento de História, Belo Horizonte (4):137, jun. 1987.

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No seu cotidiano, vivendo em uma sociedade cujo modo de produção é capitalista (o tempo é dinheiro), na qual as relações de trabalho são re­gidas pelo taylorismo - postura esta que se estende também para as re­lações sociais -, a criança vive condicionada pela hora, pelo relógio, pelo compromisso, pelo tempo. Ela pode não entender o que significam oito horas, mas sabe ler as horas, sabe que é hora de dormir ou do Jornal Nacional, etc.

Essas afirmações nos remetem a pensar na fragilidade da existência de programas pré-determinados e na publicação, a nivel nacional, de um mesmo material didático.

Quais seriam os papéis da História e da Geografia nas séries inciais?

Pelos trabalhos que temos orientado nas primeiras séries e pelas refle­xões teóricas, pensamos que a História e a Geografia no currículo devem sistematizar o conhecimento do aluno a nível familiar, da própria História, da cidade e do cotidiano. Esta sistematização se inicia quando a criança explica, verbaliza e desenha o que já conhece.

No processo de explicitação e exploração do cotidiano infantil, o adulto identifica e conhece o mundo da criança. Ao contar, verbalizar seus so­nhos e desejos ela explicita seu referencial valorativo, embutido de ele­mentos culturais e sociais. Notamos entre os alunos de uma determinada classe diferentes hábitos e costumes no seu dia-a-dia. Esses hábitos, não raras vezes, expressam sua origem étnica como também o grupo social a que pertencem.

Ao trabalhar com o cotidiano dos alunos o professor lida também com o individual e o coletivo. Nesse entrelaçamento do individual com o coletivo aparece a ação da sistematização. Esta não se dá sobre um fato isolado e em uma única disciplina. A nosso ver, a sistematização do conheci­mento é feita através de todas as disciplinas que compõem o 1º grau. E a interdisciplinaridade. Durante o processo de sistematização ocorre a in­trodução de novos conhecimentos que enriquecem o campo de conheci­mento dos alunos. Esse procedimento só pode existir se houver a preo­cupação em fazê-lo através da reflexão. Na e para a reflexão está, tam­

bém, embutido um referencial valorativo. Esse expressa a ideologia do professor, da escola e do próprio ato de educar. Podemos trabalhar me­lhor com História e Geografia quanto mais claro for o nosso referencial de análise.

Isso só será possível depois de garantido o domínio do conteúdo e o po­sicionamento do professor frente a ele, e se garantir a mesma coisa para os nossos alunos.

A metodologia de ensino, nestes termos, pode contribuir na medida em que garante uma dinâmica no trabalho, se for desenvolvida com o intuito de possibilitar uma inter-relação entre as partes, se permitir a percepção das contradições existentes, se for trabalhada numa visão multilinear.

Reforçamos, ainda, novamente, a importância da relação forma-conteúdo. A metodologia usada pelo professor precisa garantir o desenvolvimento do conhecimento ensinado situado num determinado contexto histórico (tempo) e num determinado espaço social. Em síntese, para permitir e fa­cilitar o pensamento crítico do aluno, enquanto sujeito, é fundamental que o posicionamento do professor esteja bem definido. Não existe a neutrali­dade. A ausência de posição já é em si uma postura. O professor não conseguirá expressar sua visão de mundo sem uma teoria que o oriente. A postura frente à realidade é também uma postura metodológica.

É preciso lembrar que as várias teorias não são equivalentes entre si, têm pressupostos diferentes, não são formas distintas para se atingir o mesmo resultado e, muito menos, não são Complementares, não poden­do, por isso, ser aplicadas simultaneamente.

Nesse procedimento não buscamos uma História e uma Geografia im­parciais. Elas não o são. O campo de conhecimento dessas ciências é crítico, construído e transformado dia após dia, passo a passo.

Na explicitação dos critérios que norteiam esta análise, evidenciam-se a ideologia educacional e o referencial teórico que norteia a interpretação histórica e geográfica.

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Como foi afirmado anteriormente, durante o processo de reflexão há a in­trodução de novos conhecimentos que vão permitir ampliar horizontal e verticalmente as informações, como também aprofundá-los, evitando es­tudar o cotidiano, o momento presente, apenas nos seus aspectos for­mais e aparentes. Esse mergulho vai nos possibilitar uma visão globali­zante e não podemos prescindir do conteúdo, dos conhecimentos já pro­duzidos, sistematizados e elaborados. A partir dessa postura o professor auxilia o aluno a ser o sujeito do seu próprio conhecimento e perceber o processo histórico. Para a construção do conhecimento histórico e geo­gráfico o professor trabalha com um objeto especifico e usa a metodolo­gia da construção.

Essa postura se opõe à visão tradicional de História e Geografia, que é a lembrança do passado, uma postura passiva do historiador diante do fato ocorrido e, como afirma Pierre Nora2, "deixa-se de falar do absoluto, de Deus, do progresso, da luta de classes".

Nesse procedimento, o professor e o pesquisador da História e Geografia têm um lugar comum - são produtores do conhecimento, com metodolo­gias específicas de trabalho. Michel Certeau afirma que "há uma prolife­ração metodológica na historiografia científica e total ausência dela nos manuais didáticos".3

É realmente uma postura desafiante. E mais desafiante, ainda, se levar­mos em conta a especificidade destas áreas. Somos um ser social (ob­jeto) e desenvolvemos um conhecimento do mundo real do qual partici­pamos (sujeito). Portanto, tanto o professor como o aluno são sujeitos e objetos do conhecimento. Devem juntos estar constantemente repensan­do o conhecimento, apreendendo seu movimento de evolução e, conse­qüentemente, alargando o espaço enquanto campo de ação.

É também um desafio porque exige uma preocupação constante em en­contrar e viabilizar condições para o estudo e a produção, evitando a re-

2 NORA, Pierre. A história: uma nova paixão, ln: LE GOFF, Jacques A nova história. Porto, Edições 70," s.d. p.9.

3 CERTEAU, Michel. A história: uma nova paixão, ln: LE GOFF, Jacques. Op.cit. p. 13.

petição. Portanto, é necessário refletir com mais seriedade sobre o signi­ficado deste partir do concreto do aluno, uma vez que, geralmente, o conteúdo desenvolvido está muito distante, tanto da realidade e necessi­dade do aluno, como da do professor, não conseguindo satisfazer nem mesmo idealmente esses anseios. O distanciamento do conteúdo traba­lhado é tão grande que o conhecimento apresentado, que não é real nem ideal, não é nada. O tempo é só passado e o espaço é só exterior e está­tico, não criando, portanto, necessidades.

Então, como trabalhar o concreto do aluno, o seu cotidiano? Como? Se o professor não consegue estabelecer uma relação de diálogo, de troca com os alunos? Se ele não consegue se aproximar dos seus anseios mais simples? Se não ouve, não exige, não interroga, apenas transmite um conhecimento pronto, uma verdade que não é nada para ele e muito menos para o aluno? Entre a realidade do cotidiano e o que lhe é apre­sentado há uma distância imensa.

O que questionamos é a maneira de trabalhar este concreto, não sendo garantia de um bom trabalho o fato de se partir do cotidiano do aluno. O que precisamos, sim, é trabalhá-lo sob outra perspectiva, oferecendo-lhe condições para a transformação social.

A exclusão definitiva dos Estudos Sociais não é apenas uma questão metodológica

Na tentativa de tomar mais claras algumas interrogações apresentadas no início e no decorrer deste artigo, gostaríamos de reforçar a idéia de que, para superarmos a questão dos Estudos Sociais nas séries iniciais, não basta apenas ser proposto o desenvolvimento de atividades relacio­nadas a tempo, espaço e relações sociais, cujas noções, indiscutivel­mente, são fundamentais para a área. Isto porque essas noções (quando não estão ausentes) são trabalhadas de forma diferenciadas, uma vez que o professor geralmente não tem consciência da dimensão com que trabalha ou não trabalha essas noções espaço-temporais. Estas, apesar de inseparáveis, acabam sendo tratadas separadamente. A questão agrava-se quando se constata que, muitas vezes, o trabalho com essas

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noções - quando não são ignoradas - não tem a continuidade e o apro­fundamento necessário no desenvolvimento do conteúdo referente ao pe­ríodo da 5ª à 8ª série, 2º grau e mesmo 3º grau (tanto nos cursos de ba­charelado como de licenciatura).

Então, como pretender que o professor polivalente domine o conteúdo e saiba operacionalizar essas noções propostas? A quem ele deve procu­rar, se mesmo na universidade uma pequena parcela de docentes se preocupa com essas questões, e muitos deles ainda em fase de inicia­ção? Serão suficientes os esporádicos cursos de 30 horas oferecidos ao cansado professor no seu período de férias? Será que essas interroga­ções explicam, ainda que em parte, porque os Estudos Sociais permane­cem nas séries iniciais? Ou mesmo, porque a disciplina é, na prática, ig­norada pelos professores?

Talvez, somente depois da analisadas essas questões, sejamos capazes de dar mais atenção e de valorizarmos mais o ensino de História e Geo­grafia nas primeiras séries do 1º grau, reformulando inclusive suas meto­dologias de trabalho.

Quando essas questões estiverem mais claras, tanto para a universidade como para os professores do 1º grau, será possível repensarmos objeti­vamente estas séries, encampando inclusive a luta pela eliminação defi­nitiva dos Estudos Sociais.

E ainda, num plano mais amplo, somente através das reflexões e mudan­ças metodológicas ocorridas no campo de cada uma das disciplinas que compõem o currículo da escola de 1º e 2º graus, será possível transfor­marmos a escola, criando, nela, um espaço mais coerente com as trans­formações sociais decorrentes da maior participação popular e com as mudanças tecnológicas que ocorrem no mundo contemporâneo, e que modificam os hábitos do nosso dia-a-dia.

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RESENHAS

BALDIN, Nelma. O ensino de história: uma prática que ultrapassa os muros da escola pública. São Paulo, PUC, 1985.423p. tese (douto­rado)

Este estudo representa, na realidade, um desdobramento do trabalho que Nelma Baldin vem desenvolvendo desde que ingressou na Universidade Federal de Santa Catarina, como professora de Prática de Ensino de 1º e 2º graus na área das Ciências Humanas e Sociais. Desde então vem acompanhando os alunos no decorrer dos estágios práticos e se relacio­nando com professores de História que lecionam para o 1º e 2º graus.

O trabalho divide-se em duas partes.Na primeira, a autora conceitua a História, descreve suas linhas teóricas, mostra como vem ocorrendo no Brasil, ao longo do tempo, o ensino desta disciplina e questiona a forma­ção dos futuros professores, além de citar as peculiaridades da unidade federada em que se desenvolveu a pesquisa e determinar o método de trabalho. Na segunda, desenvolve a pesquisa propriamente dita, anali­sando e comentando as informações levantadas no estudo de caso.

Ao analisar os pressupostos teóricos que fundamentam as orientações teóricas da História, a autora conduz os leitores aos preceitos positivis­tas, que a vêem não como um processo em transformação, mas como uma seqüência de fatos fragmentados e isolados do contexto social, dis­postos cronologicamente, cabendo ao estudioso e produtor da história a simples interpretação passiva do fato em si. Esta mera exposição de fa­tos, realizada de forma abstrata e acrítica, encontrou determinadas re­sistências e, em 1929, na França, organiza-se o denominado Grupo dos Annales com o intuito de promover "uma História global ou total através da apreensão do conjunto das relações entre o econômico, o social, o mental e o político".

Os historiadores desta orientação teórica, denominada a História Nova, insatisfeitos com os episódios e atos heróicos dos positivistas, deixam de extrair o fato do processo social em que se encontra inserido e passam a

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considerá-lo no meio sócio-espacial e a dar-lhe vida, isto é, a reconhecer a sua duração temporal.

A dinâmica espaço-tempo do processo histórico é, então, estudada por Fernand Braudel que a decompõe em fato, conjuntura e estrutura. Diz a autora: "A partir dos pressupostos teóricos e metodológicos da História Nova, passou-se a perceber o fato histórico como um momento da con­juntura social. E o évènementiel, na imagem de Braudel. Isto é, são mo­mentos ou fatos de curta duração. A síntese dos múltiplos momentos forma as conjunturas que, também de curta duração, devem ser aborda­das nos vários aspectos do econômico, do político, do social e do cultu­ral. Por sua vez, a síntese dos vários momentos conjunturais tem conti­nuidade temporal, formando-se, daí, a estrutura social. É uma longue du­rée".

Com o aguçamento da crítica, os estudiosos passaram a verificar que este processo em constante transformação, que é a história, reserva aos homens o papel principal, pois são eles "que criam e desenvolvem as re­lações sociais de produção, e delas fazem parte". Esta nova compreen­são da História como "produto existencial das relações entre os homens e os meios natural e social" constitui a terceira orientação teórica citada pela autora e denominada história crítica.

Após a exposição pormenorizada das orientações teóricas que funda­mentam o trabalho de todos aqueles que lidam com a História, a autora passa a analisar o ensino de História em nosso país.

Até a República, o ensino de História consistia, de modo geral, em minis­trar a História Universal para o curso secundário. No entanto, no período de afirmação do Estado Novo, o ensino de História do Brasil conquistou sua autonomia, para perdê-la a seguir e incorporar-se à História da Amé­rica. Como diversos setores da sociedade reagiram a este retrocesso, em 1940 a autonomia torna a ser conquistada. Paralelamente, o modelo

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Social Studies dos americanos influenciava determinados segmentos da educação brasileira que passaram a defender a unificação das disciplinas História e Geografia.

Em 1961, é concluída e aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educa­ção Nacional (LDB), que vinha sendo discutida desde 1948. Esta longa gestação contribuiu para uma sensível perda de qualidade.A LDB, no en­tanto, propiciou a articulação do primário aos demais níveis de ensino e uma certa descentralização do secundário, possibilitando aos professo­res a formulação de programas de ensino. Já em 1962, o MEC sugeria o ensino integrado de História e Geografia e, com a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus em 1971, reuniu História, Geografia, OSPB e EMC na área de Estudos Sociais.

A intenção destruidora dos organismos governamentais pós 64, que in­sistia em desarticular o ensino de História, faz-se sentir, também, no en­sino superior.

Até 1920, o ensino superior no país era realizado por institutos isolados e "com algumas exceções, somente a Faculdade de Direito ministrava au­las de História da Civilização". A Reforma Francisco Campos, em 1931, contudo, altera bastante esta realidade ao estimular a criação de univer­sidades e, já em 1934, com a criação da USP, ocorre a agregação de di­versos institutos de ensino superior. A partir de então, a Faculdade de Filosofia da USP passou a oferecer um curso de História seguindo a orientação teórica positivista. No entanto, aos poucos, os estudiosos bra­sileiros entram em contato com os trabalhos desenvolvidos pelo Grupo dos Annales e, já na década de sessenta, há um aumento significativo da produção/difusão de uma história mais crítica

Ocorre o Golpe de 64 e o governo que se instala reprime o debate intelec­tual e não tolera interpretações da História discordantes da que desejava impor. Conseqüentemente, "muitos professores foram afastados de cena e podados em suas melhores fases de produção intelectual" e "a História Tradicional (que não se afasta do cenário educacional brasileiro há já vá­rias gerações) voltou a ter expressão política junto às bibliografias curri­

culares do ensino superior no país, embora, reconheça-se, esta posição não poderá ser tomada como regra geral".

Vem a Reforma de 68 e com ela as licenciaturas curtas que terminam por infligir ao ensino de História e Geografia mais um golpe ferrenho.

Não obstante às inúmeras adversidades, a comunidade acadêmica re­siste à repressão. Conforme explicita a autora, "a partir da década de 70, a nova clientela do ensino superior e das universidades, em especial, in­satisfeita, buscou reaviver o estudo de fundamentações teóricas que lhe permitisse maior compreensão do processo histórico. Os estudantes dos cursos voltados para a formação pedagógica (no caso deste estudo, principalmente da área das Ciências Humanas e Sociais) passaram a exigir reformulações nos currículos e programas de ensino dos seus cur­sos. Combateram (e combatem ainda) a Licenciatura Curta e, particular­mente, combateram a Licenciatura de Estudos Sociais. Pediram/pedem uma revisão bibliográfico-metodológica e, acima de tudo, lutaram/lutam por um repensar na historiografia brasileira que lhes era/é apresentada".

Antes de descrever a metodologia de trabalho da pesquisa, deve-se res­saltar que a autora apresenta e diagnostica "o 'espaço' onde se localizou o estudo de caso", bem como questiona "os rumos da transmissão do conhecimento histórico na escola pública" onde analisa a História como ciência e disciplina, a separação inaceitável entre ensino e pesquisa e a "distinção entre saber sistematizado (o conhecimento) e a atitude peda­gógica do professor".

Deste tópico (os rumos da transmissão do conhecimento histórico na es­cola pública), são transcritos, por serem, segundo a autora, "básicos para a compreensão deste estudo", os questionamentos sobre a formação do professor de História: "Estará este professor sendo formado de acordo com uma História Tradicional (reprodutor, retórico), e que, posterior­mente, irá influenciá-lo na sua prática pedagógica, tomando-a repetitiva (práxis reiterativa)? Ou estará sendo formado de acordo com uma visão dialética e percebendo a História como uma História mais crítica, através da qual vê a participação dos homens no processo de transformação da natureza e da sociedade? E como será a sua prática pedagógica?

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Quais as concepções filosóficas que metodologicamente fundamentam as aulas de História dos professores desta disciplina? Será uma História Tradicional, uma História Nova ou uma História crítica? No exercicio de suas atividades profissionais, este professor estará tentando levar os alunos a uma reflexão mais critica da realidade social (práxis criadora ou reflexiva)? E, em decorrência destas questões, levando-se em conta as condições da realidade econômica, política e sócio-cultural que o profes­sor de História enfrenta na sua prática pedagógica, já como profissional, como estará sendo encaminhada a sua formação teórica9

Aplicada de abril a junho de 1984, a pesquisa abrangeu 140 professores da disciplina História, do 1º e 2º graus, de escolas públicas, distribuídos em oito cidades do Estado de Santa Catarina. O fato de este estado apresentar inúmeras peculiaridades levou a pesquisadora a recorrer à metodologia de pesquisa empírica, associando situações de abordagem quantitativa e qualitativa. Como técnica geral de investigação foi utilizado o estudo de caso "por ser um termo amplo incluindo uma família de méto­dos de pesquisa cuja decisão comum é o enfoque numa instância".

A coleta de informações processou-se por meio de entrevistas, observa­ção de aulas, questionários e "coleta de material referente às diferentes regiões, através de consultas aos Arquivos Públicos e Prefeituras dos lo­cais onde a pesquisa foi aplicada".

Nelma Baldin inicia a caracterização do perfil do professor de História le­vantando dados relativos ao nivel de escolaridade dos pais dos professo­res e constata que 67,5% só fizeram o curso primário, 18,6% estudaram e/ou concluíram o curso ginasial e 12% concluíram o curso colegial ou o ensino superior.

Da população pesquisada, 67,9% iniciaram a formação teórica no curso normal; 48,6% freqüentaram o curso de História, 22,9% Estudos Sociais, 12,1% Ciências Sociais e 15% outros cursos; 77,9% são do sexo femini­no; 39,3% possuem de 35 a 45 anos, 37,9% de 25 a 35 e 7,9% até 25 anos, sendo que 15,9% não informaram a idade.

Chamou a atenção da pesquisadora o fato de a maioria dos professores

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se encontrar afastada há determinado tempo do ensino superior - 59,2% concluíram o curso superior há mais de seis anos -, principalmente porque data de 1975 o último curso de aperfeiçoamento oferecido para professo­res pela Secretaria de Educação; além disso, as Unidades de Coordena­ção Regional de Educação (UCREs) "quase nada têm feito em relação ao aperfeiçoamento dos seus professores (da área dos Estudos Sociais, no caso deste estudo)".

Com relação ao vínculo empregatício, percebe-se que 77,1% são efetivos (concursados) e 22,9% admitidos (professores que cobrem as vagas so­bradas no início do ano letivo, não concursados) e, segundo alguns coor­denadores, "os efetivos já estão acomodados, têm certeza de que estão garantidos no emprego, não se especializam e nem pesquisam mais, já caíram na rotina. Agora, o pobre do admitido não, este se esforça, se atualiza e dá boas aulas. Ainda quer garantir a segurança no empre­go (...)".

A pesquisadora, no entanto, considera esta posição "bastante questionada e questionável". E continua: "Quem garante que a estabilidade e a segu­rança no emprego acomoda e faz o professor cair na rotina? Esta, a meu ver, é uma situação bem mais complexa, porque a acomodação ou a rotina não poderão resultar apenas da estabilidade, mas, principal­mente, da falta de incentivo; de motivação; de oportunidade de aperfei­çoar-se e/ou especializar-se; do desinteresse dos órgãos competentes (UCREs e S.E.) em proporcionar um maior dinamismo à situação do en­sino; e, dos baixos salários e das más condições de trabalho".

Perguntados se "participam dos movimentos grevistas em favor de me­lhorias para a categoria", 47,9% responderam afirmativamente, enquanto 50% negaram. Após analisar as justificativas daqueles que se negam a participar, a autora constata "que metade dos professores entrevistados ainda não está plenamente consciente da ação que podem desempenhar como intelectuais" e "que estes professores ainda não distinguem os di­reitos que têm como cidadãos e profissionais".

Cerca de 70% dos entrevistados "não têm clareza quanto às condições intelectuais e sócio-culturais que poderiam adquirir para si mesmos e, por

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extensão, para os que com eles se relacionam, desde que tivessem uma formação teórica com um nível qualitativo que possa ser considerado, ao menos satisfatório".

Embora o ensino de História exija constante atualização, 51,4% dos professores não praticam leituras de estudo. Apesar de só 26% le­rem revistas e jornais com certa regularidade, 78,6% vêem o Brasil como um país em difícil situação econômica, politica e social; com prioridades mal escolhidas; e sem perspectivas de melhorias (pelo menos imediatas) em determinados setores sociais como a educação, alimentação saúde e habitação" e para 87,1% a desigualdade social do país é provocada pela má distribuição de renda.

No que se refere à preparação do professor, 76% da população pesqui­sada afirmaram "que não receberam níveis de preparação considerados suficientes", sendo que suas "respostas concentraram-se nas alternati­vas regular para as disciplinas pedagógicas e ruim para as disciplinas de conteúdo".

Diz, ainda, a autora, quanto a este aspecto: "Para que as atividades dos professores da disciplina História do 19 e 29 graus possam ser conside­radas satisfatórias, estes precisam ter o reforço de situações que exer­çam maior ou menor influência nas suas práticas pedagógicas. Em vista destas considerações, apresentei aos professores uma relação de situa­ções que continham qualificações e habilidades tidas, em hipótese de trabalho (mas não só, pois são tidas também pelos professores) como indispensáveis à atuação no magistério, e propus-lhes que apontassem as de maior significância (segundo os seus graus de importância) para os seus desempenhos como professores de História do 1º e 2º graus".

"As classificações variaram de acordo com as prioridades dos professo­res. Categorias como Cultura Geral (72,9% das respostas), conheci­mento do conteúdo que ensinam (77,9% das respostas) e gosto pela pro­fissão (71,4% das respostas) foram consideradas indispensáveis à ba­gagem de conhecimentos dos professores de História. Em contrapartida, categorias como habilidades em lidar com pessoas (60,1% das respos­

tas) e necessidades de se manterem atualizados (68,6% das respostas) foram classificados como importantes, e categorias como domínio de métodos, teorias filosóficas e técnicas de ensino (56,5% das respostas) foram tidas como regularmente importantes".

"Por estes depoimentos, percebi que, para estes professores, as técni­cas e metodologias pedagógicas, assim como as teorias filosóficas que devem embasar a linha de ação no magistério não são tidas como priori­tárias para a prática pedagógica do professor de História do 19 e 29

graus. Estas posições, de certa forma uniformes (cerca de 78,3% dos entrevistados), mostraram uma coerência nas atitudes dos professores com os quais trabalhei. Tal coerência configurou-se com os tipos de orientações acadêmicas que receberam no ensino superior..."

Os professores não só deram pouca importância às categorias domínio de métodos, teorias filosóficas e técnicas de ensino como, também, prati­camente as desconhecem. A pesquisadora sentira-o "ainda na busca do entendimento do que seja Teoria e/ou Método em História, bem como, na incerteza do domínio e da utilidade ou não desses pressupostos como fundamentação do conhecimento histórico que transmitem".

Por não haverem "recebido informações precisas sobre este assunto quando de suas formações teóricas no ensino superior", os professores terminam por difundir "uma História que não é Tradicional, não é Nova nem é crítica. Assim, as aulas de História tornam-se um misto de Teo­rias da História". Mas, apesar de não transmitirem um saber crítico, es­ses professores são competentes profissionalmente, pois norteiam suas atuações numa "certa elaboração do bom senso que lhes é próprio e, por isto, estão freqüentemente atentos às necessidades do saber (conteúdos programáticos) que transmitem/difundem e à realidade às suas voltas". No entanto, "a consciência política, que deveria levá-los a transmitir/difundir esse saber crítico, dilui-se no conhecimento histórico tradicional transmitido através de uma prática pedagógica também tra­dicional, por não terem, até o momento em que os entrevistei, condições físicas nem materiais para buscar (re)adquirir esse saber crítico."

No que toca à questão dos Estudos Sociais, 76,4% dos professores do

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primeiro grau afirmaram que ministram a disciplina História de forma autô­noma e com conteúdos próprios. Segundo os professores, "os Estudos Sociais não conseguiram firmar-se enquanto disciplina do primeiro grau, por dois motivos evidentes. Em primeiro lugar, porque na verdade este processo exige um trabalho de difícil realização: há falta de professores especialmente preparados para lecionar esta disciplina; há, também, falta de bibliografia e publicações a respeito. Em segundo lugar, porque esta foi uma medida arbitrária que acabou por desprestigiar a História e a Geografia enquanto disciplinas autônomas e, com isto, tirou do aluno um espaço que poderia possibilitar-lhe maior conhecimento a respeito destas disciplinas".

Esta falta de espaço para o ensino de História levou 88,6% dos professo­res a afirmarem "que a carga horária tanto no primeiro grau quanto no se­gundo grau é insuficiente para ministrar todo o conteúdo estabelecido nos programas de ensino da Secretaria de Educação". Dentre os profes­sores do primeiro grau, 48% desejam que a disciplina História tenha três aulas semanais e 22% querem quatro no lugar das duas aulas semanais ministradas atualmente.

Quanto ao segundo grau, a reivindicação é praticamente a mesma, pois

40% dos professores querem o aumento da carga horária de duas aulas semanais, nas duas primeiras séries, para três aulas semanais. Destaca, ainda, a autora: "Paralelamente à questão da ampliação do espaço da carga horária escolar, também houve propostas de uma revisão ampla e completa nos programas de ensino. A maior reivindicação dos professores recaiu na questão de mais autonomia e liberdade para a elaboração de programas de ensino próprios, os quais levem em conta as condições fí­sicas e materiais da realidade onde desenvolvem suas práticas pedagó­gicas".

Concluindo, a autora mostra "que será somente a partir de uma preocu­pação que possa vir a ser demonstrada pelo ensino superior com relação à escola pública de 1º e 2º graus, que o ensino de História poderá ser melhor adequado. A necessária integração do ensino superior com a es­cola pública poderá possibilitar, no caso, que a formação teórica do pro­fessor de História do 1º e 2º graus viabilize uma relação de unidade (ob­servando-se as contradições inerentes ao processo) com a prática pe­dagógica".

Roberto Cossich Furtado

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RESENDE, Márcia Spyer. A geografia do aluno trabalhador caminhos para uma prática de ensino. São Paulo, Loyola, 1986.

O trabalho de Márcia Resende, que resultou de sua dissertação de mes­trado, pesquisa financiada pelo INEP/MEC, propõe um novo ensino alter­nativo de geografia crítica para alunos das camadas populares, tomando como ponto de partida, no ato de ensinar, o saber que o aluno trabalha­dor traz consigo e sua história de vida, numa relação dialética entre a rea­lidade e o conhecimento.

É através de relatos simples e concretos que a autora mostra, de um la­do, a vivência espacial e o saber geográfico que os alunos têm; de outro, o desinteresse que os mesmos demonstram com o ensino de uma Geo­grafia fragmentada, mnemônica e desarticulada da realidade social.

Por isso, Márcia Resende critica, com fundamento, a concepção tradicio­nal positivista do espaço e aponta direções para o ensino de uma Geo­grafia em que o aluno é visto, não como objeto, mas como sujeito do processo ensino-aprendizagem.

Inicialmente, a autora focaliza o tema como conseqüência de três convic­ções: 1) a importância da escola formal para as classes populares, que se evidencia por sua experiência em educação popular, 2) a necessidade de redefinir o conteúdo de nosso ensino e encontrar formas pedagógicas capazes de socializá-lo; 3) no ato de ensinar Geografia ou História, de­ver-se-ia partir do saber experimental do aluno, como pressuposto peda­gógico de uma aprendizagem eficiente.

No sentido de identificar melhor estas convicções, a pesquisadora ques­tiona: "existe um saber geográfico, pré-escolar, que brota da experiência social do aluno trabalhador no seu espaço de vida? Afinal, quais são as caracterfsticas fundamentais, os traços distintivos dessa consciência

geográfica peculiar? Que importância ela pode ter para ensinar Geogra­fia?"

Para responder a estas indagações, a autora apresenta relatos de vida de alunos de classes populares, da 5ª à 8a série do 1º grau, cujos resul­tados foram reproduzidos no capitulo III desse livro.

De forma clara e objetiva, Márcia Resende divide o conteúdo de seu livro em cinco capítulos.

No primeiro, ela faz uma síntese dos problemas gerais do ensino de Geo­grafia, procurando detectar as possíveis causas da chamada crise da Geografia. Entre estas, foram apontadas "a má organização do conteúdo curricular; a maneira como a Geografia é encarada pelos professores, ou seja, de forma fragmentada e nunca como totalidade; o desprezo pelas Ciências Humanas em função das Ciências Físicas e Biológicas e a con­dição sócio-econômica dos alunos"... Tendo em vista estas falhas no en­sino da Geografia, ou melhor, por não trabalhar a realidade vivida pelo aluno, tem ocorrido um processo de parcelamento da totalidade vivencia­da, uma cristalização de tudo que não é estático e sim dinâmico.

No capítulo seguinte, aborda o conceito de espaço geográfico tradicional, fazendo uma sumária crítica de seus fundamentos e aponta alguns cami­nhos para sua superação. Neste aspecto, Márcia Resende mostra que os seguidores desta geografia tradicional optam por um método de pensar e ensinar, ocultando o papel central do trabalho social na construção do espaço geográfico.

Face a este tipo de Geografia, a autora critica, por exemplo, os capítulos 8 e 15 do Manual de Geografia, do professor Elian A. Lucci, explicando que não se trata de erro ou falha científica, passível de aperfeiçoamento em edição posterior, mas é questão de método de ensino, que expõe de forma arbitrária os fatos geográficos, excluindo o aspecto social. A seguir,

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no terceiro capítulo, a pesquisadora relata, de forma detalhada, as histó­rias de vida de 8 alunos de 5ª a 8ª série do 1º grau, que serviram de amostra, caracterizando desta maneira, em linguagem simples e popular, a realidade espacial do aluno trabalhador.

Com referência ao quarto capítulo, a autora analisa e interpreta critica­mente o universo físico e social da gente do povo, cujos relatos são antes experiências de pessoas comuns e anônimas, que demonstram uma es­pécie de heroísmo do cotidiano. Para estas pessoas, diz ela, "a Geografia é acima de tudo este espaço real, cuja vivência é necessária à ciência geográfica, em virtude de seu caráter de saber originário, produzido pela ação do homem sobre a natureza". Este saber, esclarece Márcia Resen­de é, via de regra, "deliberada ou inadvertidamente ignorado pela escola e muitas vezes considerado como um obstáculo ao verdadeiro saber"...

Nesta perspectiva, a autora entende que este conhecimento que brota de histórias de vida é considerado como categoria do espaço real, assim discriminado: 1) o espaço como integração natureza/trabalho; b) o es­paço como produto da divisão social do trabalho; 3) o espaço urbano: luta pela moradia; 4) o espaço político; 5) do espaço vivido ao não vivido.

Márcia Resende analisa minuciosamente cada uma destas supostas ca­tegorias, em confronto com os depoimentos apresentados, evidenciando, deste modo, o saber próprio do aluno no espaço real e geográfico que, se devidamente considerado, poderá facilitar o acesso dele ao patamar do conhecimento científico.

Finalmente, no quinto capítulo, a autora, após ter demonstrado a existên­cia deste saber espacial do aluno, esboça algumas sugestões de integra­ção possível, no dia-a-dia da sala de aula, do saber espacial com o geo­gráfico, que pretende levá-lo a assimilar como sujeito do processo de conhecimento.

A elaboração de estratégias e instrumentos didáticos específicos para esta experiência de ensino, diz Márcia Resende, "escapa ao objetivo central deste trabalho, que visa demonstrar, de modo empírico, a existên­

cia desse saber do aluno trabalhador e localizar os seus traços distinti­vos".

Com modéstia, a autora informa que uma escola municipal de Belo Hori-zonte-MG já realiza experiências programática e metodológica à luz das idéias expostas neste seu trabalho sobre geografia alternativa, e que ela pretende acompanhar e avaliar.

Na análise final sobre integração do espaço real ao espaço geográfico no ensino desta disciplina, critica, ainda, o conteúdo programático do mesmo professor Lucci, não só como de concepção antidialética, como tam­bém, por se tratar de um ensino fracionado e parcial, e não como totali­dade: o homem, sua história, sua cultura e seu trabalho sobre o espaço geográfico. Para o referido professor, diz a autora, "o homem é apenas mais um dado no espaço geográfico... algo exterior e acessório, jamais imanência, fator essencial na produção do espaço..." Por outro lado, es­clarece, o aluno não participa de seu próprio espaço geográfico como ser histórico do processo.

Assim, Márcia Resende explicita que, embora não seja finalidade de seu trabalho elaborar qualquer material didático, contudo, ela apresenta uma proposta integradora do espaço real e geográfico como alternativa ao programa de Geografia da 5ª série do 1º grau.

Estas sugestões apresentadas, esclarece a autora, "não têm outra pre­tensão que não seja ilustrativa" e servirão ao menos para demonstrar o extenso caminho a percorrer na prática do ensino de Geografia, ou ain­da como uma forma de estimular a imaginação e a criatividade dos pro­fessores que se interessam pela proposta de construir uma escola para o povo.

Márcia Resende, concluindo o seu trabalho, enfatiza a necessidade de se repensar coletivamente sobre o método e a práxis da Geografia, bem como de reconhecer a legitimidade do saber espacial do aluno da classe

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trabalhadora como sujeito do processo de ensino e incorporá-lo à estra­tégia pedagógica, tendo como instrumental do processo de mudança uma nova Geografia escolar critica.

Portanto, a autora acredita que este trabalho possa prestar subsídio e

avanço no resgate da Geografia como ciência social, assim como abrir novos caminhos de reflexão fecunda para todos os geógrafos, pesquisa­dores e professores.

Samuel Aureliano da Silva

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