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Pedro Paulo Palazzo de Almeida
A ordem da distinçãoArquitetura cívica no período entre guerras
Dissertação de MestradoOrientadora: Prof.ª Dr.ª Sylvia Ficher
Brasília,
Termo de aprovação
Pedro Paulo Palazzo de AlmeidaA ordem da distinção: Arquitetura cívica no período entre guerras
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtençãodo título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo
Universidade de Brasília. Programa de Pós-graduação em Arquitetura e UrbanismoLinha de pesquisa: Teoria, História e Crítica da Arquitetura e do Urbanismo
Dissertação defendida em de dezembro de perantea banca examinadora composta pelos professores:
_________________________________________________Prof.ª Dr.ª Sylvia Ficher: OrientadoraUniversidade de Brasília, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo
_________________________________________________Prof. Dr. Estevão Chaves de Rezende MartinsUniversidade de Brasília, Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, Departamento de Relações Internacionais
_________________________________________________Prof. Dr. Andrey Rosenthal SchleeUniversidade de Brasília, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo
_________________________________________________Prof. Dr. Flávio René Kothe: Membro suplenteUniversidade de Brasília, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
Per la mia mamma
AgradecimentosA lista das pessoas que merecem ser lembradas sempre acaba sendo mais longa do que a
paciência do leitor, e sempre mais curta do que deveria ser. Tantos poderiam estar citados aqui, por
alguma palavra de apoio num momento crucial, uma idéia a esmo que acendeu a lampadinha da
inspiração, por compartilhar algum momento de trabalho ou de lazer ao longo desses dois anos de
“gestação” da pesquisa.
Em primeiríssimo lugar, minha mãe, meu pai e minha irmã, por me acompanharem em casa e
nas viagens, pelo carinho, pelos conselhos e pelo apoio estratégico e, é claro, logístico: nada como um
lanchinho da meia-noite quando se está mergulhado há horas no meio de papéis e livros.
Juliana, por todo o carinho e compreensão, por estar comigo na hora do lazer e na do estresse,
pela ajuda com a digitalização das imagens, e também por me lembrar de tempos em tempos que existe
arquitetura além da monumentalidade cívica, e que existe vida além da arquitetura.
Sylvia, pelas orientações na hora certa e fora de hora, pelo baú sem fundo de sabedoria e de
bibliografia, e pela liberdade que tive para trilhar o caminho das pedras sabendo que poderia contar
com o apoio quando dos inevitáveis tropeços.
Robert Lindley Vann, Tom Schumacher e Sandy Kita, mestres, mentores, modelos de excelência
acadêmica e de integridade pessoal, por terem inspirado os temas, os métodos, e a perseverança
necessários para levar a cabo esta pesquisa.
Kate, pela ajuda bibliográfica providencial.
CAPES, pelo apoio financeiro que me permitiu uma dedicação mais intensa à pesquisa.
Raquel, João e Júnior, por nos ajudarem a navegar pelos requisitos burocráticos da
pós-graduação e sempre terem todas as respostas para os nossos problemas.
Meus amigos, parentes, mestres e colegas, os de Brasília, os de Maryland, os de Porto Alegre, os
de outros lugares, pelas influências, exemplos e companhia nas mais diversas ocasiões.
À memória de José Truda Palazzo, Lucy Truda Palazzo, João e Laura Augusta de Almeida.
A todos, “muito obrigado” é pouco.
Resumo
A prática da arquitetura cívica responde a questões de ordem política e social e decorre de
certas técnicas projetuais que almejam expressar com clareza o propósito público dessa
arquitetura. No período entre as Guerras Mundiais, há uma importante atividade de construção
na esfera cívica e verifica-se a sobreposição do método acadêmico e das teorias modernistas
influenciando as expressões edificadas. Apesar das diferenças de estilo e de relação com a cidade
tradicional, ambos os métodos compartilham diversas características relacionadas a técnicas de
composição; isso se dá em parte devido à formação intelectual dos modernistas no ambiente do
ecletismo acadêmico e em parte por causa do potencial expressivo dessas técnicas de composição.
Essas técnicas se constituem no uso da tipologia para informar o projeto, o trabalho com massas
edificadas e a ênfase na sua forma, e diversas relações estabelecidas entre os elementos da
composição. Para além da oposição entre os estilos clássicos e modernistas, portanto, encontra-se
um substrato comum e diversas aproximações teóricas no que diz respeito à produção da
arquitetura cívica.
Palavras-chave
Arquitetura cívica, monumentalidade, análise visual, século xx, modernismo,
academicismo.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
Abstract
The practice of civic architecture relates to issues of political and social orders, and stems
from a number of design techniques which aim to express clearly the public purpose of this
architecture. In between the two World Wars, there is a significant campaign of civic building,
where one can see an overlap in the two methods of the Beaux-Arts and Modernism influencing
the built forms. In spite of the style differences and of contrasting outlooks on the traditional city,
both methods share several features in the domain of compositional tools and practices; this is
partly due to the early Modernist master’s education in the cultural environment of Beaux-Arts,
and partly to the expressive potential inherent in these techniques. These compositional
techniques involve a use of building types in the design process, a manipulation of massing of
form and the emphasizing of its shape, as well as a variety of relationships established among the
elements of the architectural composition. Going deeper than the differences between Classical
and Modernist styles, one can thus find a common ground and some theoretical similarities in the
making of civic architecture.
Keywords
Civic architecture, monumentality, visual analysis, 20t century, Modernism, Beaux-Arts.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
Lista de figuras
1. Nicodemus Tessin, o velho e Erik Gunnar Asplund. Tribunal de Gotemburgo, 1670, 1913-193723
2. Erik Gunnar Asplund. Projeto para o Tribunal de Gotemburgo, 1934 23
3. Erik Gunnar Asplund. Crematório do cemitério no bosque, Estocolmo, 1935-1940 24
4. Giuseppe Terragni. Casa del Fascio, Como, 1936 24
5. Marcello Piacentini. Plano urbanístico para o EUR '42, Roma, 1938-1942 25
6. Demolição do complexo residencial de Punta Perotti, Bari, 2006 26
7. Um bairro de Quioto, com os “machi” delimitados por nuvens douradas 62
8. Templo de Vesta no fórum romano 63
9. Léon Krier. La vraie ville 64
10. A.C. Quatremère de Quincy: púlpito da igreja de Saint-Germain des Prés, Paris, 1829 65
11. Panorama de Pompéia, um monumento histórico 66
12. Salomon de Brosse. Palais du Luxembourg, Paris, 1615-1617 67
13. Abade Laugier. A cabana primitiva, litografia por Eisen 68
14. Le Corbusier. Projeto para a sede da Liga das Nações, 1927 69
15. Afonso Hébert. Biblioteca pública de Porto Alegre, 1912-1921 90
16. Lucien Kroll. Projeto de intervenção no conjunto habitacional de Perseigne, Alençon, 1980 91
17. Molduras gregas aplicadas a diferentes condições de iluminação 91
18. Frank Gehry. Museu Guggenheim de Bilbao e a malha urbana 92
19. Le Corbusier. Maquete do projeto para o Centrosoyus, Moscou, 1928 92
20. Vladimir Tatlin. Projeto de torre comemorativa da III Internacional Socialista, 1919-1920 93
21. Ludwig Mies van der Rohe. Monumento a Karl Liebknecht e Rosa Luxembourg, Berlim, 192694
22. Le Corbusier. Projeto de monumento a Paul Vaillant-Couturier, Villejuif, 1938 94
23. Tipologias arquitetônicas em Le Corbusier 148
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
24. Carroll William Westfall. Tipos edilícios 148
25. Andrea Palladio. Teatro Olimpico, Vicenza, 1580 149
26. Exemplos de teatros com platéia em forma de ferradura 149
27. Auguste Perret. Teatro da exposição de artes decorativas, Paris, 1925 150
28. Hannes Meyer. Projeto para a sede da Liga das Nações, Genebra, 1927 151
29. David Varon. Temas de composição de fachadas 152
30. Templo de Apolo, Pompéia 153
31. Templo de Júpiter, Pompéia 153
32. Erik Gunnar Asplund. Tribunal de Gotemburgo, 1937, implantação 154
33. John Russell Pope. National Gallery of Art, Washington, 1937-1941 155
34. Watanabe Jin. Museu Nacional de Tóquio, 1932-1938 155
35. Ludwig Mies van der Rohe. Pavilhão da Alemanha, exposição de Barcelona, 1929 156
36. Emil Fahrenkampf. Casa da Alemanha, exposição de Liège, 1932 156
37. Albert Speer. Pavilhão da Alemanha, exposição de Paris, 1937 157
38. Edwin Landseer Lutyens. Palácio do Vice-Rei, Nova Delhi, 1912-1931 157
39. Jacques Carlu, Louis-Hippolyte Boileau, Léon Azéma. Palais de Chaillot, Paris, 1937 158
40. Giambattista Nolli. Planta de Roma 160
41. Centro universitário de Nîmes - site de Carmes 160
42. Paul Bigot. Institut d'Art et d'Archéologie, Paris, 1932 161
43. Le Corbusier. Projeto para o palácio dos Sovietes, 1931 161
44. Lucio Costa, Oscar Niemeyer e outros. Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1936-1945 163
45. Le Corbusier. Casa da Suíça, Cidade universitária, Paris, 1930 163
46. Brinkman, van der Vlugt e Stam. Fábrica Van Nelle, Rotterdã, 1926-1929 165
47. J.J.P. Oud. Casa da Shell, Haia, 1938-1942 165
48. Michael Thonet. Cadeira n.º 14, 1859 166
49. Marcel Breuer. Cadeira “Wassily”, 1926 166
50. Giuseppe Terragni e outros. Projeto para o Palazzo Littorio, Roma, 1932 167
51. Boris Iofan. Projeto para o palácio dos Sovietes, 1933 167
52. Exemplo de níveis de escala 168
53. Marcello Piacentini. Entrada principal da Cidade Universitária, Roma, 1935 168
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
54. Bertram Grosvenor Goodhue. Projeto para o memorial da Primeira Guerra de Kansas City, 1918 170
55. Albert Speer. Volkshalle, Berlim, 1939 171
56. Auguste Perret. Garde-meuble du Mobilier national, Paris, 1931 172
57. Le Corbusier. Projeto para os museus da cidade e do Estado, Paris, 1937 173
58. Capa do The Architect, janeiro de 1972 179
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
Sumário
Introdução 13
Capítulo 1: Arquitetura cívica 27
1. Considerações gerais 27
1.1. Arquitetura secular e religiosa 29
1.2. O cívico e o privado 32
2. Caráter e decoro 34
2.1. Boas maneiras em arquitetura 35
2.2. Caráter 39
2.3. Le beau, le vrai 44
3. O monumento cívico no século XX 47
3.1. O valor do monumento 47
3.2. O monumento prescindível? 51
3.3. Interpretações modernistas 53
Capítulo 2: A natureza do objeto cívico 70
1. Arquitetura da cidade 71
2. A importância da percepção visual 73
3. Teorias do século XX 75
3.1. O cívico e o trivial 75
3.2. Civismo e novas arquiteturas 84
3.3. Ordem e verdade 86
Capítulo 3: Métodos de composição 95
1. Ordem 95
1.1. A natureza da ordem, ou a ordem da natureza 96
1.2. Propriedades da ordem 100
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
2. Tipologia 107
2.1. A retórica da arquitetura 107
2.2. A forma característica 113
2.3. As tipologias da arquitetura cívica 117
3. Elementos enfatizados 120
3.1. Figuração 126
3.2. Implantação 128
3.3. Massa 131
3.4. Detalhe 136
4. Relações ordenadas 139
4.1. Escala 139
4.2. Proporções e contrastes 143
Conclusão 174
Referências bibliográficas 180
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Arquitetura cívica no período entre guerras
Se un edificio non porta nessuna insegna o figura,la sua stessa forma e il posto che occupa nell'ordine della
città bastano a indicarne la funzione
Italo Calvino. Le città invisibili: Le città e i segni, 1
Introdução
O Tribunal de Gotemburgo (Figura 1) apresenta ao observador contemporâneo o aspecto,
hoje habitual, de um edifício clássico dotado de um anexo moderno. Ele consiste em um palácio
de autoria do alemão Nicodemus Tessin, o velho (1615-1684), com uma ampliação projetada em
1936 pelo renomado arquiteto sueco Erik Gunnar Asplund (1885-1940). A atitude perante o
passado que orientou o projeto de Asplund, no entanto, é bastante diferente da que teria um
arquiteto atual diante de uma tarefa semelhante. Em 1930, Asplund já havia realizado um
conjunto de projetos para a Exposição de Estocolmo, na linguagem do Movimento Moderno.
Mas, quatro anos depois, Asplund projetou uma ampliação para o Tribunal empregando os
mesmos elementos encontrados no palácio original numa composição clássica estrita (Figura 2). A
este sucedeu o anexo modernista, construído em 1937. E ainda, poucos anos depois, em 1940, o
mesmo Asplund concluiria uma de suas últimas obras, o crematório do Skogskyrkogården
(Cemitério do Bosque) em Estocolmo, edifício de nítida inspiração clássica (Figura 3). Essa
trajetória soa confusa e cheia de idas e vindas sob o aspecto da convencional historiografia da
arquitetura no século xx, que enfatiza a sucessão linear de estilos e movimentos e o conceito de
que o modernismo é um partido ideológico para o qual é inadmissível o compromisso com os
“estilos históricos”. Na verdade, a trajetória de Asplund seria um resumo adequado para a
complexa situação da prática arquitetônica nas décadas de 1920 e 1930.
Por outro lado, as atitudes do arquiteto com respeito aos importantes marcos cívicos
elencados acima podem não se refletir na produção de edifícios com um caráter utilitário ou, em
todo caso, privado. Vale lembrar que, segundo o próprio discurso dos arquitetos, a arquitetura
privada é por natureza repetitiva e relativamente simples, ao passo que a arquitetura cívica se
caracteriza por uma maior elaboração formal e simbólica, além de uma clara “excepcionalidade”
com respeito ao conjunto da malha urbana. Enquanto a historiografia costuma ser criticada por
sua ênfase excessiva na arquitetura monumental do passado, no que diz respeito ao século xx essa
ênfase se inverte de modo bastante nítido: as histórias da arquitetura moderna dão um grande
espaço à discussão de projetos residenciais, e pouco destaque à arquitetura cívica. Não se pretende
contestar aqui a importância de uma abordagem mais ampla da arquitetura antiga, levando em
consideração não apenas os “grandes monumentos” mas também a arquitetura trivial das
civilizações. No entanto, essa abrangência deve valer para o estudo de todas as épocas, inclusive o
do século passado.
Com a presente pesquisa, pretende-se contribuir para uma melhor compreensão dos
“grandes monumentos” de um período do século xx no qual a diversidade de estilos era a norma.
Procura-se, também, respeitar essa diversidade de expressões arquitetônicas personificada na
ambigüidade estilística de Asplund. Sob esse ponto de vista, as duas décadas entre as guerras
mundiais são um campo fértil para o estudo da interação entre o modernismo e a arquitetura
tradicional na esfera da monumentalidade cívica. Em primeiro lugar, é ponto pacífico, para a
crítica atual, que o triunfo do Movimento Moderno no segundo pós-guerra afetou a ordem legível
da cidade tradicional. O que se procura, ao estudar a produção da arquitetura cívica no período
imediatamente anterior a esse triunfo, é compreender o contexto e os métodos de projeto que
resultaram na coexistência de aclamadas obras modernistas e célebres realizações tradicionais que
reforçavam, em vez de destruir, a distinção entre o cívico e o privado nas cidades anteriores à
Segunda Guerra Mundial.
Identificadas no imaginário popular e mesmo na literatura especializada com a ascensão
do modernismo no Ocidente, as primeiras décadas do século xx viram na realidade a
Por exemplo, Sibel Bozdogan. “Architectural History in Professional Education: Reflections onPostcolonial Challenges to the Modern Survey”. Journal of Architectural Education 52 (4), 1999, 207-215 .Na mesma edição, ver também Panayiota Pyla. “Historicizing Pedagogy: A Critique of Spiro Kostof's AHistory of Architecture”. Journal of Architectural Education 52 (4), 1999, 216-225 .
Ver as acusações ao ideal e à realidade da cidade modernista em Philippe Panerai. Análise urbana.Brasília: Editora UnB, 2006 , Vincent Scully. The Architecture of Community In: Peter Katz (org.), TheNew Urbanism: Toward an Architecture of Community. New York: McGraw-Hill, 1994, 224, e Frederico deHolanda. A determinação negativa do movimento moderno In: Frederico de Holanda (org.), Arquitetura& urbanidade. São Paulo: ProEditores, 2003, 30-31.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
predominância das arquiteturas tradicionais. Na linguagem arquitetônica erudita, o método de
composição acadêmico, também conhecido pelo nome da École des Beaux-Arts de Paris, seu
principal centro de irradiação, era o instrumento incontornável de qualquer arquiteto, cidade ou
país que se pretendesse civilizado. Era o sistema mais completo e sofisticado de que dispunha o
profissional para organizar o espaço cívico, e nele a situação topológica e hierárquica de cada
edificação. Apresentando-se como herdeira da tradição renascentista, a arquitetura acadêmica
reivindicava para a sua prática nada menos do que o “melhor” que toda a história da construção
ocidental tinha a oferecer, incluindo as tradições greco-romana e medieval — o que a tornava ao
mesmo tempo tradicional e inclusiva. No plano teórico, seu objetivo era constituir um
instrumental ao mesmo tempo moderno e eterno para informar a produção do espaço edificado e
urbano. Segundo Donald Drew Egbert, estudioso do sistema Beaux-Arts, a arquitetura acadêmica
traz para o século xx um patrimônio misto de teoria clássica, com sua visão de mundo
neoplatônica, e de racionalismo construtivo ao gosto moderno.
A ordem acadêmica colocava, sem maiores questionamentos, a arquitetura cívica e
religiosa no topo da hierarquia, e a utilitária no extremo inferior. Ao tratar da arquitetura cívica
no conjunto acadêmico, não se deve perder de vista uma das mais importantes realizações das
arquitetura tradicionais: a inserção do mais grandioso monumento na malha urbana mais
convencional, de modo que esta reconhecesse a supremacia do primeiro, e aquele contribuísse
para a dignidade desta última. A facilidade com que um edifício ou um conjunto monumental
acadêmico se insere no contexto é tanto mais surpreendente quanto se recorda a capacidade de
destruição do tecido urbano que a teoria da arquitetura moderna propiciou. Ainda que
freqüentemente acusado de fomentar um estilo internacional avant la lettre, a arquitetura cívica
Beaux-Arts se constitui ao mesmo tempo como resposta às necessidades internas do propósito e
da função, e aos condicionantes do contexto urbano no qual se insere.
Donald Drew Egbert. The Beaux-Arts Tradition in French Architecture. Princeton: Princeton UniversityPress, 1980 , 59.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
O projeto de desmonte do método acadêmico empreendido pelos modernistas
argumentava que a expressão acadêmica se limitava ao estilo decorativo aplicado a uma planta
convencional. Contudo, tal sistema transcendia meras questões estilísticas — uma transcendência
à qual o Modernismo também pretendeu — ainda que elas tivessem o seu lugar na retórica
acadêmica. Um dos temas em que se expressava a riqueza e a diversidade das arquiteturas
tradicionais, muito além do estilo, era a relação da arquitetura cívica com o tecido urbano. A
necessidade de diferenciar edifícios de caráter cívico — em geral, públicos ou religiosos — da
arquitetura menor era um problema crítico para a composição tradicional: dessa diferenciação
dependia a legibilidade e funcionalidade do espaço urbano num sentido bem mais amplo do que
aquele abarcado pelo “zoneamento funcionalista” do modernismo. Tratava-se de uma questão de
civilidade, ou seja, da própria essência da cidade.
Se no período entre guerras a maioria dos arquitetos era formada ou estava imersa, na
prática, neste contexto acadêmico no qual o debate eclético era a norma, a historiografia
contemporânea dá pouco espaço para as arquiteturas não-modernistas, que constituíam de fato a
maior parte do universo então sendo edificado, em particular no campo da expressão cívica.
Como exceção, merece destaque o livro do crítico de arquitetura Henry-Russell Hitchcock
(1903-1987), que já em 1958 reconhece a existência de uma produção tradicional no período;
contudo, o autor ressalva que se tratava apenas da “sobrevida” de uma “arquitetura dita
tradicional”, sugerindo desse modo que as arquitetura tradicionais no século xx seriam
inautênticas. De um modo geral, tanto os arquitetos do início do século xx quanto os
historiadores do período consideram, por um lado, a arquitetura acadêmica como indissociável da
monumentalidade cívica, e por outro, a arquitetura modernista como antitética a essa mesma
Sobre a distinção entre estilo e método na arquitetura acadêmica, ver Isabelle Gournay. Beaux-Arts styleIn: Jane Turner (org.), Dictionary of Art. New York: Grove's Dictionaries, 1996, 464-465.
Henry-Russell Hitchcock. Architecture: Nineteenth and Twentieth Centuries. Pelican History of Art. NewHaven: Yale University Press, 1987 (Pelican, 1958).
Ibid., 531.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
monumentalidade — uma elusiva forma de civismo não-monumental, a julgar pelas aspirações
democráticas presentes no discurso. É assim que Frampton reconhece que:
A tendência modernista a reduzir toda forma à abstração tornou-a umamaneira insatisfatória para representar o poder e a ideologia do Estado.Essa inadequação iconográfica explica em grande parte a sobrevivência deuma abordagem historicista da construção (…)
Mas o corolário, tanto na teoria dos arquitetos quanto na literatura subseqüente, acaba
sendo uma rejeição pura e simples de qualquer insinuação da importância que tem esta
arquitetura cívica. Mais grave, na escala de valores da historiografia corrente, é a associação dos
arquitetos não-vanguardistas do início do século xx com “a formação clássica, para não dizer
Beaux-Arts” (como se essa fosse a pior das injúrias) “da maioria dos arquitetos envolvidos” nos
regimes totalitários, em particular a Alemanha nazista e a União Soviética stalinista. Projetar com
o sistema de distribuição e ornamento clássico seria, no caso dos brilhantes arquitetos acadêmicos
de países democráticos que não cabiam nessa visão reducionista, resquícios de uma “inibição”, na
compadecida biografia de Victor Dubugras por Nestor Goulart Reis Filho, em vez de escolhas
artísticas legítimas.
É o americano Richard Etlin quem aponta a existência, nada incomum, de monumentos
modernistas patrocinados pela Itália fascista, ao lado do conhecido classicismo de Giovanni
Muzio e da postura ambígua de Marcello Piacentini. Como exemplo, cita o pavilhão italiano na
Exposição Universal de Chicago, em 1933, projetado por Adalberto Libera, ao qual podemos
acrescentar a famosa Casa del Fascio de Como (1936), obra de Giuseppe Terragni (Figura 4), bem
como o seu projeto não-construído para um monumento a Dante, produzido em 1942. O próprio
[The modernist tendency to reduce all form to abstraction made it an unsatisfactory manner in which torepresent the power and ideology of the state. This iconographic inadequacy largely accounts for thesurvival of an historicist approach to building (…)] Kenneth Frampton. Modern Architecture: A CriticalHistory. New York: Oxford University Press, 1980 , 210. A tradução de todas as citações é nossa.
[(…) the Classical, not to say Beaux-Arts, background of most of the architects involved (…)] Ibid., 212.
Nestor Goulart Reis Filho. Racionalismo e proto-modernismo na obra de Victor Dubugras. São Paulo:Fundação Bienal de São Paulo, 1997 , 56.
Richard A. Etlin. “Italian Rationalism”. Progressive Architecture 7, 1983, 86-94 .
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
Hitchcock, em seu livro clássico, minimiza tanto a importância dos neo-racionalistas italianos
quanto da sua associação com o regime fascista, dedicando a ambos os tópicos não mais do que
dois parágrafos nas suas quase setecentas páginas.
Naturalmente, tal rejeição não passa de uma generalização, procurando forçar a realidade
da prática a se adequar ao discurso: o próprio Frampton reconhece que, dentre os projetos
premiados no concurso para a sede da Liga das Nações, necessariamente monumentais e cívicos,
havia oito modernistas. Mesmo assim, em se tratando de comparar a arquitetura cívica
modernista com a clássica, o que vemos são dois pesos e duas medidas: o projeto da Exposição
Universal de Roma (eur '42, Figura 5) é severamente criticado porque a “implantação sonhadora
de uma nova capital (…) postulava uma monumentalidade que estava totalmente divorciada da
realidade social.” Os projetos modernistas de centros administrativos e conjuntos de habitação
social (Figura 6), igualmente divorciados dessa realidade, são de modo geral poupados de críticas
graças ao mérito de suas boas intenções. O pouco espaço dado à discussão da arquitetura não-
modernista se converte, portanto, em uma tribuna para catilinárias contra o ecletismo e o
classicismo, caracterizando-se por uma visão superficial que não ajuda a esclarecer sequer o papel
destes estilos no discurso acadêmico.
Há poucas fontes contestando esta visão engajada com o modernismo. Franco Borsi, em
L’ordre monumental, se destaca por abordar a amplitude do fenômeno da arquitetura cívica
durante a década de 1930. Nesse livro, Borsi reconhece as variadas formas que a monumentalidade
assume nos diferentes estilos, países e ideologias estudados, mas sem denegrir ou excluir qualquer
uma destas manifestações. O autor parte de um único princípio para definir esta
monumentalidade cívica: a monumentalidade é caracterizada primordialmente pela necessidade
de ordem, ainda que a ordem deva nesse caso ser expressada de maneira diferencia da ordem
Hitchcock, Architecture: Nineteenth and Twentieth Centuries, op. cit, 516-517.
Frampton, Modern Architecture: A Critical History, op. cit, 212.
[(…) wishful implantation of a new capital (…) posited a monumentality that was totally divorcedfrom social reality.] Ibid., 215.
Franco Borsi. L'ordre monumental : Europe 1929-1939. Paris: Hazan, 1986 .
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
trivial. A monumentalidade de Borsi, que inclui as grandes indústrias e os conjuntos
habitacionais, não tem identidade, contudo, com a arquitetura cívica, definida por sua função
política como a forma de representação do Estado.
Jean-Pierre Épron, estudioso do ecletismo, sustenta mesmo que a “École não exportou o
classicismo francês nem um estilo arquitetônico mas o ecletismo em arquitetura, isto é, uma
atitude, um processo, um método sempre específicos a certas situações e circunstâncias.” Assim,
propõe-se não uma doutrina, mas, no contexto de um debate sempre em aberto, a fórmula do
crítico de arquitetura César Daly (1811-1894): “a liberdade no presente, o respeito do passado, e a
fé no porvir.” Nesta perspectiva de reabilitação da arquitetura acadêmica como portadora de um
discurso não retrógrado, mas simplesmente como uma prática alinhada com as demandas técnicas
e artísticas deste período diversificado, podemos colocá-la em pé de igualdade com o
modernismo. Abre-se o caminho, então, para uma análise da arquitetura cívica pautada pelas suas
características visuais e espaciais, sem distinção de filiação ideológica ou estilística.
Dentro dessa perspectiva, desdobram-se dois aspectos principais no que diz respeito ao
estudo da arquitetura cívica: em primeiro lugar, determinar o que se entende, na teoria
arquitetônica, por um edifício cívico e quais as implicações desse entendimento para a relação do
edifício com a cidade e para a abordagem do projeto; em segundo lugar, estudar em que medida
essas conclusões teóricas são aplicáveis à prática do projeto arquitetônico, considerando a
transposição de uma articulação verbal do conceito de monumentalidade cívica para a sua
realização gráfica e finalmente edificada. O primeiro termo pressupõe um enfoque nos
antecedentes teóricos, o segundo enfatiza o estudo da forma dos edifícios produzidos durante o
período em estudo.
Ibid., 52.
Ibid., 27.
[L'École n'a pas exporté le classicisme français ni un style architectural mais l'éclectisme en architecture,c'est-à-dire une attitude, une démarche, une méthode toujours particulières à certaines situations et àcertaines circonstances.] Jean-Pierre Épron. Comprendre l'éclectisme. Paris: Norma, 1997 , 84.
[La Liberté dans le présent, le Respect du passé et la Foi dans l'avenir.] César Daly apud Ibid., 246.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
A historiografia da arquitetura do século xx é farta em estudos sobre todos os aspectos do
modernismo, com ênfase nas suas doutrinas sociais, mas conta com relativamente poucas obras de
análise visual, entre as quais predominam livros que são pouco mais que catálogos de croquis,
como os populares trabalhos de Francis D.K. Ching e de Geoffrey Baker, este último tratando da
forma na obra de Le Corbusier. A principal fraqueza desse enfoque, incluindo também o
influente “Mathematics of the Ideal Villa” de Colin Rowe, está em analisar a arquitetura
modernista tomando como ponto de partida o próprio discurso circunstancial dos arquitetos. Tal
atitude contribui para manter a reflexão crítica no campo (minado) da ética do projeto — terreno
escolhido pelos modernistas para travar a sua luta contra o academicismo — e afastada de estudos
mais respeitáveis.
Há pesquisas mais consistentes sobre análise visual em escala urbana bem como nas artes
plásticas, indiferentes a estilos ou épocas. Os trabalhos de Erwin Panofsky e E. H. Gombrich
abarcam um corpo considerável de análises de estilos históricos e vernáculos. Destacam-se
também o clássico Townscape, de Gordon Cullen, além da obra recente de Christopher Alexander,
The Nature of Order. Apesar desses trabalhos, a prática de análise visual continua sendo pouco
aplicada à arquitetura, e em particular à arquitetura acadêmica. Se os próprios arquitetos
acadêmicos, especialmente os bolsistas da Academia Francesa em Roma, legaram à posteridade
uma vasta biblioteca analítica sobre a arquitetura romana antiga e renascentista, a representação
Também popular no Brasil, por exemplo Francis D.K. Ching. Arquitetura, forma, espaço e ordem. SãoPaulo: Martins Fontes, 1998 (Architecture: Form, Space and Order. New York: Van Nostrand Reinhold,1996).
Geoffrey H. Baker. Le Corbusier: uma análise da forma. São Paulo: Martins Fontes, 1998 (Le Corbusier:An Analysis of Form. New York: Van Nostrand Reinhold, 1996).
Colin Rowe. The Mathematics of the Ideal Villa. In: Colin Rowe. The Mathematics of the Ideal Villa andOther Essays,. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1976, 1-28.
Ver, entre outros, Erwin Panofsky. Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento.Lisboa: Estampa, 1986 (Entwickwelte die Ikonologie, 1939), E. H. Gombrich. The Sense of Order: A study inthe psychology of decorative art. London: Phaidon, 1979 e Nold Egenter. Bauform als Zeichen und Symbol:Nichtdomestikales Bauen im japanischen Volkskult. Zürich: Eidgenössiche Technische Hochschule, 1980 .
Gordon Cullen. Townscape. New York: Van Nostrand Reinhold, 1961 e Christopher Alexander. TheNature of Order. Berkeley: Center for Environmental Structure, 2003, 4 v.
Destaque-se duas coletâneas importantes desse material: Hector d'Espouy. Greek and Roman
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
gráfica da arquitetura acadêmica, mesmo nos melhores estudos recentes, geralmente se resume a
fotografias e, ocasionalmente, à reprodução de desenhos originais, carecendo de material
verdadeiramente analítico. A situação é ainda mais crítica no que se refere às obras acadêmicas do
século xx, que padeceram da lei do silêncio imposta pela historiografia modernista. Uma exceção
digna de nota é o livro de Thomas Thiis-Evensen, Archetypes in Architecture, que, apesar do título
reminiscente da psicanálise jungiana, estuda formas arquitetônicas elementares com uma
perspectiva próxima da Gestalt.
O intuito desta pesquisa é superar a dicotomia na qual as manifestações modernistas e as
tradicionais têm tratamento diferenciado, e onde o estudo da prática está subordinado às
prescrições do discurso. Uma vez que o modernismo e o academicismo coexistiram durante as
primeiras décadas do século xx, é preciso colocá-los lado a lado, superando uma certa
historiografia convencional, que avalia uma variedade de tendências estilísticas sob a óptica do
modernismo, e submetendo as diversas manifestações da arquitetura cívica ao crivo de uma
mesma rotina, independente da filiação ideológica dos estilos mas envolvida com a sua
formulação teórica.
A arquitetura cívica será considerada primordialmente do ponto de vista do propósito
político incorporado pela sua forma, isto é, os fatores que influenciam a inteligibilidade do
projeto e a representação do decoro urbano. Por isso, a maior ênfase será dada ao estudo de
composições em fachada, com alguma consideração das implicações que a implantação do edifício
tem na malha urbana. Não serão considerados os interiores, por mais que estes possam se
constituir em “salões públicos” de grande importância, uma vez que se busca desvendar a relação
do edifício com a cidade, e não organizações próprias à lógica interna da obra. Por sua vez, os
espaços urbanos exteriores às edificações serão mencionados do ponto de vista da implantação dos
Architecture in Classic Drawings. New York: Dover, 1999 (Fragments d'architecture antique, 1905); e PaulLetarouilly. Édifices de Rome moderne. Paris: Firmin-Didot Frères, Bance, 1840, 3 v,.
Thomas Thiis-Evensen. Archetypes in Architecture. Oslo: Scandinavian University Press, 1987 .
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
edifícios, mas não cabe insistir nas suas características específicas, exaustivamente descritas e
interpretadas em diversos textos clássicos incontornáveis.
No decorrer da pesquisa será utilizado um instrumental de análise baseado tanto nos
precedentes teóricos da arquitetura do início do século xx quanto em estudos mais recentes sobre
percepção e produção da ordem geométrica em arquitetura. Conceitos como ordem, escala e
figuração, integrantes da análise visual em história da arte e portanto focados diretamente no
objeto, serão associados a ferramentas analíticas próprias à arquitetura, como decoro, tipologia e
implantação, mais claramente filiados a posições teóricas. De posse desse método de estudo,
poderemos submeter à análise indistintamente edifícios modernistas e tradicionais, para se tentar
estabelecer, então, um panorama da arquitetura cívica em que as realizações dos diferentes estilos
contribuam para uma visão mais abrangente das décadas de 1920 e 1930.
Ver Cullen, Townscape, op. cit.; Rob Krier. Architectural Composition. New York: Rizzoli, 1988 ; e PaulZucker. Town and Square: From the Agora to the Village Green. Cambridge: M.I.T. Press, 1970 (1959).
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Introdução
Figura Nicodemus Tessin, o velho e Erik Gunnar Asplund. Tribunal de
Gotemburgo, , -
Fonte: Claes Caldenby e Olof Hultin (orgs.) Asplund. Barcelona:G.Gili, (Asplund. Arkitektur Förlag, ), .
Figura Erik Gunnar Asplund. Projeto para o Tribunal de Gotemburgo,
Desenho nosso
Figura Erik Gunnar Asplund. Crematório do cemitério no bosque, Estocolmo,
-
Fonte: Borsi, L'ordre monumental, op. cit,
Figura Giuseppe Terragni. Casa del Fascio, Como,
Fonte: Marida Talamona. Modernité et fascisme : illusions croisées In:Jean-Louis Cohen (org.), Les années : l'architecture et les arts del'espace entre industrie et nostalgie. Paris: Éditions du Patrimoine,
,
Figura Marcello Piacentini. Plano urbanístico para o EUR ', Roma,
-
Fonte: Andrés Duany, Elizabeth Plater-Zyberk e Robert Alminana.The New Civic Art. New York: Rizzoli, figura .
Figura Demolição do complexo residencial de Punta Perotti, Bari,
Fonte: Punta Perotti va giù . Disponível em <http://www.puntaperottivagiu.com>. Acesso em //
capítulo
Arquitetura cívica
. Considerações gerais
O cívico (civicus) é o próprio do cidadão (cives). De fato, a glorificação do espaço público
só é possível quando precedida — senão cronologicamente, ao menos conceitualmente — pela
individualização do agente urbano. Enquanto que a etimologia grega aproxima πόλις de πολλοί,
“muitos”, a tradição latina gera “cidade” (civitas) a partir de cives, o cidadão. Paul Zucker associa o
surgimento de praças públicas a este processo de criação do conceito de indivíduo, já que:
(…) somente quando uma civilização onde o ser humano anônimo haviase tornado um “cidadão”, onde a democracia havia se desenvolvido atécerto ponto, poderia o lugar de encontro se tornar suficientementeimportante a ponto de tomar uma forma específica.
De modo semelhante, a palavra japonesa para “cidade” (machi) é idêntica a uma das
palavras que designam a via pública, por sua vez remetendo a certas associações de citadinos para
a defesa e a administração coletivas das ruas em Quioto durante o período das guerras civis
(Figura 7), nos séculos xiv a xvi. Pode-se associar a importância que alcança este espaço cívico,
centro da vida pública, com aquela do “lar”, centro da vida doméstica. Enquanto sede — literal
ou figurada — deste “lar comum” ( Ἕστια κοινή), o espaço cívico se contrapõe pela sua
valorização geométrica, segundo Choay, à malha urbana, cujos “elementos menores das casas, já
[(…) only within a civilization where the anonymous human being had become a “citizen,” wheredemocracy had unfolded to some extent, could the gathering place become important enough to take on aspecific shape.] Zucker, Town and Square, op. cit, 19.
Por outro lado, os nomes específicos das ruas, quando existem, nunca são usados para o endereçamentodos edifícios. Talvez este faso seja sintomático do notório coletivismo japonês. A grafia de machi, quandousada no sentido de “cidade” ( ), corresponde também à de um dos níveis de circunscriçãoadministrativa, o chō, este sim, usado no endereçamento.
agora similares e dotados de um peso semântico idêntico” remetem à “isonomia”, isto é, à
igualdade dos seus proprietários perante a lei. Tal como o “lar privado”, portanto, também o
espaço cívico, no papel de “lar do cidadão”, organiza-se em função desta vida pública em torno de
alguma “lareira” coletiva (Figura 8). Esse foco da vida pública, contrapartida e complemento do
espaço cívico, é a arquitetura cívica, seja ela sagrada ou secular.
Semelhante materialização da cidadania em elementos edificados corresponde, justamente,
à objetivação da πολιτέια em res publica. Esta, por sua vez, se contrapõe, e é definida por esta
contraposição, à res economica (no sentido estrito, o domínio do οῖχος), de cuja relativa
uniformidade tira a sua própria distinção (Figura 9). O filósofo político David Selbourne opõe o
conceito de cives (πόλιτες), o indivíduo enquanto participante da res publica (πολιτέια), ao
indivíduo isolado, enquanto entidade meramente privada, chamado pelo pouco elogioso nome de
ιδιοτής. A desintegração da harmonia entre a esfera cívica e a esfera particular, nos dias de hoje
em detrimento da primeira, corresponde à própria decadência da vida política. Léon Krier é
categórico, ainda que alarmista, ao afirmar que:
Se as usinas têm fachadas de catedrais e se as habitações têm cara depalácios reais, se os museus se parecem com fábricas e as igrejas comgalpões industriais, um valor fundamental da república está em crise, jáque a própria natureza do objeto arquitetônico está em perigo.
Mesmo assim, ele não diz nada que já não tivesse sido dito antes. John Summerson, em
1948, proclamava o mesmo: “Uma usina elétrica pode ser tão fortemente impressionante em
massa ou em silhueta quanto a catedral de Durham, mas seria pueril tentar elaborá-la ou ‘elevá-la’
ao grau requerido por um edifício religioso (…) A usina elétrica não é a catedral do século xx.”
[(…) éléments mineurs des maisons, désormais semblables et dotés d’un poids sémantique identique(…)] Françoise Choay. “Sémiologie et urbanisme”. L'architecture d'aujourd'hui 132, 1967 , 8.
David Selbourne. The Civic Order In: Norman Crowe, Michael Lykoudis, e Richard Economakis(orgs.), Building Cities: Towards a Civil Society and Sustainable Environment. London: Artmedia, 1999, 18.
[Si les usines ont des façades de cathédrales et si les habitations ont l'air de palais royaux, si les muséesressemblent à des fabriques et les églises à des dépôts industriels, une valeur fondamentale de la républiqueest en crise, car la nature même de l'objet architectural est en péril.] Léon Krier. Architecture : choix oufatalité. Paris: Norma, 1996 , 31.
[A power-station may be as vividly striking in mass and silhouette as Durham Cathedral, but it would be
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
Mas por que as usinas não podem ter “fachadas de catedrais” e as residências não podem
ser palácios? A ênfase histórica em “ser o que se é” e não outra coisa permeia a moral moderna em
incontáveis perspectivas; em Shakespeare, a vilania de Iago é evidenciada pela negativa: “eu não
sou o que eu sou” , também relacionada à afirmativa explícita no tetragrama divino: “Eu sou
[quem eu sou]”. Em arquitetura, basta chamar a atenção para a máxima racionalista do arquiteto
eclético Simon Constant-Dufeux (1801-1870), “o belo, o verdadeiro, o útil” . Para além de uma
superficial aproximação mecânica da aparência ao programa — superficial porque, como afirma
Stanford Anderson, “nenhuma descrição de função, por mais completa que seja, se traduz
automaticamente em forma de arquitetura” , o que se busca é uma verossimilhança na intenção,
isto é, um paralelo com algum aspecto da realidade expresso no propósito do objeto
arquitetônico.
.. Arquitetura secular e religiosa
O escopo da arquitetura cívica abrange tanto edificações destinadas à exaltação da ordem
política, isto é, do coletivo civil, quanto edifícios para a glória do sagrado. Não se deve forçar uma
distinção, de origem Iluminista, logo, recente e de cunho intelectual, entre a esfera da religião
coletiva e a vida política. A extensiva ritualização da vida pública e jurídica romana já foi
amplamente demonstrada, a começar pela personificação de Fides, a boa-fé invariavelmente
invocada nos contratos, e em particular a daquele domínio que nos diz respeito, o Terminus
responsável pela delimitação do espaço, do território e da propriedade — uma vez que a
childish to attempt to elaborate or ‘heighten’ it to the degree required by a religious building (…) Thepower-station is not the 20t-century cathedral.] John Summerson. The Mischievous Analogy. In:.Heavenly Mansions. New York: Norton, 1963 (1948), 203.
[I am not what I am.] William Shakespeare: Othello, I, 1. .
[(…) le beau, le vrai, l'utile (…)] Simon Constant-Dufeux apud Épron, Comprendre l'éclectisme, op. cit,83.
Stanford Anderson. A ficção da função. In: Anais do 4.º SEDUR — Seminário sobre Desenho Urbanono Brasil, 1995. Brasília: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, 1995, 11.
Georges Dumézil. Mythes et dieux des Indo-Européens. Paris: Flammarion, 1992 , 22.Ver também GeorgesDumézil. La religion romaine archaïque. Paris: Payot, 1966 .
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
construção de uma cidade devia começar pela atividade litúrgica de estabelecer o seu centro e os
seus limites. Pode ser irônico que o urbanismo, essa disciplina que se quis tornar científica na era
moderna, em sendo derivado de urbs remeta justamente à prática ritual de se fundar a cidade
traçando (urvo) os seus limites com um soco de arado (urvum) puxado por uma junta de touros
(taurus, também urus), como registra Varro:
No Lácio etrusco, fundavam-se praças fortes por meio de um rito, isto é:com uma junta de bois, um touro [por fora] e uma vaca do lado de dentro,circundava-se [o sítio] com um sulco por meio do arado (…). À terra quese havia assim escavado, chamava-se de fosso, e do lado de dentro delacolocava-se o muro. Depois que o círculo fora feito, começava a cidade(…)
O círculo, orbis, também remete ao orbis terrarum, o globo terrestre, donde a
aplicabilidade das decisões pontificais, urbi et orbi. Aparece aqui a associação entre a criação de
um conjunto arquitetônico e a criação de um “mundo” ou “universo” fechado, que tem especial
relevância para a arquitetura cívica. No mesmo parágrafo, Varro conclui mencionando as estacas
que seriam fincadas para estabelecer a posição desse sulco. Curiosamente, o ideograma chinês
usado para escrever a palavra “cidade”, em japonês ( machi), é composto por uma quadrícula de
parcelamento agrícola ( ) junto ao ideograma que representa a fração “quarto” ( ), o que
remete também à nomenclatura ocidental (quarteirão, quartier, quarter, viertel, entre outros). A
literatura sobre as implicações místicas do quadrado, e por extensão da quadrícula, é farta,
bastando citar a descrição da Jerusalém celeste, repleta do número 4 e da potência quadrada,
assim como em 12 (4×3) e 144 (4²×3²):
A cidade é quadrangular, seu comprimento é igual à sua largura.[O mensageiro] mede a cidade com a vara, em doze mil estádios.Seu comprimento, sua largura e sua altura são iguais.Ele mede a sua muralha, cento e quarenta e quatro côvados.
[Oppida condebant in Latio Etrusco ritu multi, id est iunctis bobus, tauro et vacca interiore, aratrocircumagebant sulcum (…). Terram unde exculpserant, fossam vocabant et introrsum jactam murum. Postea qui fiebat orbis, urbis principium (…)] M. Terentius Varro De linguā latinā (The Latin Library). AdFontes Academy. Disponível em <http://www.thelatinlibrary.com/varro.html>. Acesso em 08/11/2006 V,xxxii.
Ap. 25, 15-16. A edição usada como referência é: La Bible. André Chouraqui. Paris: Desclée de Brouwer,
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
Por outro lado, a própria prática arquitetônica adota procedimentos com conotações
ritualísticas. A preocupação com o aspecto integral e abrangente da disciplina de arquitetura, de
tal modo presente na teoria moderna e reivindicando com pompa, como fez Walter Gropius, a
“grande tarefa do arquiteto” como a “reconstrução efetiva de nosso mundo-ambiente” , tem
raízes evidentes na filosofia antiga. Emendatus, “sem falhas”, é como Vitrúvio descreve o corpus
architecturae, aponta Indra Kagis McEwen, historiadora da teoria da arquitetura na Antigüidade.
Em sua preocupação com a exegese do texto do ponto de vista filosófico e político, contudo,
McEwen não dá maior atenção à insistência, com a repetição por catorze vezes no texto, no
aspecto emendatus da disciplina, o seu aspecto de totalidade, de campo do conhecimento
completo e correto. Essa qualidade, entretanto, também é um requisito óbvio para qualquer
atividade religiosa: basta lembrar que o antigo sacrifício hebreu requeria um animal “intacto”, isto
é, sem falhas ou defeitos físicos, fossem eles congênitos ou adquiridos.
Assim como emendatus é o corpo da arquitetura e o corpo do sacrifício, também o corpo
do governante é necessariamente sem falhas. Por isso, o deus nórdico Týr, apesar de ser “o mais
corajoso e mais valoroso”, havia perdido uma mão e, conseqüentemente “ele não é considerado
um promotor de acordos entre as pessoas” , o que contrasta com o papel de seu equivalente
romano, Dius Fidius, como patrono dos contratos, além de formar com Júpiter o par régio do
panteão romano.
Naturalmente, não é o objetivo dessa enumeração sugerir associações místicas entre o
trabalho do arquiteto e esferas supranaturais — ao menos não para além da influência, evidente,
1989 .
Walter Gropius. Bauhaus: novarquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1972 , 118.
Indra Kagis McEwen. Vitruvius: Writing the Body of Architecture. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 2003 ,6.
Explicitado em Lv 3: 1, 6.
[(…) the bravest and most valiant (…) he is not considered a promoter of settlements between people.]Snorri Sturluson. Edda. London: Everyman, 1995 (ca. 1220), 24-25. Por causa deste defeito físico, portanto,Týr não apenas perde a sua posição na dualidade régia que ele dividiria com Óðinn, como também nãopode exercer seu papel de “deus jurista”, depositário da boa-fé nos contratos, uma vez que perdeu a mãojustamente ao apresentá-la como garantia de uma promessa logo quebrada.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
que a vida religiosa do arquiteto e do seu ambiente social tem sobre o projeto. O que essas práticas
religiosas e mitos tradicionais têm em comum com a prática da arquitetura, em particular da
arquitetura cívica, é o seu caráter de expressão dual. Num primeiro passo, enquanto reprodução
na Terra, no ambiente de ação material do ser humano, de uma ordem suposta universal, que
deve necessariamente permear tanto o mundo sagrado quanto o profano, uma ordem que é
garantia de estabilidade e propiciamento com relação às incertezas. Em seguida, esta reprodução
tem como objetivo replicar também alguma estrutura de poder; isso fica bastante evidente no caso
das divindades Indo-Européias mencionadas, uma vez que a trifuncionalidade explícita associada
ao caráter duplo da realeza persiste na cultura ocidental muito além da cristianização e do
conseqüente abandono das religiões pagãs. Veja-se, por exemplo, a divisão trifuncional entre
pregatores, bellatores e laboratores, os quais correspondem à primeira, segunda e terceira função e,
mais importante ainda, preservam uma ordem social milenar. Essa divisão está evidente na rígida
separação tipológica entre edifícios das três funções, em contraste, por exemplo, com a
semelhança entre a arquitetura religiosa e a palaciana no Japão.
.. O cívico e o privado
A potencial diluição da significação cívica por obra da própria democracia emergente na
sociedade liberal já era uma preocupação desde o final do século xviii. A nova discussão
acadêmica, que surge então e se afirma no século xix é, curiosamente, inaugurada por um
conservador, o arquiteto e futuro secretário da Académie des Beaux-Arts, Antoine-Chrysosthome
Entenda-se aqui a distinção entre sagrado e profano tal qual definida por Mircea Eliade, isto é, uma naqual a separação entre os dois mundos se dá não apenas na clivagem entre o material e o etéreo, mastambém — o que tem especial relevância para a arquitetura — na divisão do território entre o espaçoocupado pelo ser humano, onde se dá a sua ação material, e o espaço — fisicamente não menos tangível doque o primeiro, ainda que funcionalmente irredutível ao mecanicismo daquele — sagrado, onde oengenho material humano se dobra perante o poder da deidade. Ver Mircea Eliade. Le sacré et le profane.Paris: Gallimard, 1965 (Das Heilige und das Profane. Hamburg: Rowohlt, 1957), 25.
Dumézil, Mythes et dieux des Indo-Européens, op. cit., por ex. 112-115.
Ver藤田勝也 e古賀秀策 (Fujita, Masaya e Koga, Shūsaku).『日本建築史』 (Nihon kenchiku shi).Tōkyō: 昭和堂 (Shōwadō), 1999 , 22.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
Quatremère de Quincy (1755-1849), refletindo sobre os conceitos de imitação, ideal e contexto que
até então faziam parte do substrato cultural implícito da Academia. Quatremère previa que:
Quando numa cidade o abuso de poder e de riqueza fizeram com que umgrande número de pessoas fosse deslocado do seu nível de qualquer real, ouao menos aparente, igualdade, e quando esse abuso chegou ao ponto de sevalerem abertamente dele, e de contar entre os seus prazeres o de insultarabertamente a miséria alheia, então despreza-se a simplicidade das moradascomuns dos cidadãos.
Arquiteto pela Académie Royale d’Architecture de Paris e vencedor do Prêmio de Roma,
Quatremère fora sucessivamente deputado na primeira Assembléia nacional, perseguido pelo
governo jacobino, anistiado por Napoleão para em seguida se opor à pilhagem de obras de arte
promovida por este durante suas campanhas militares, e ser finalmente reabilitado durante a
Restauração, quando se tornou secretário vitalício da Academia. Sua produção construída é
limitada (Figura 10), mas o impacto dos seus escritos teóricos marcou a École des Beaux-Arts de
maneira duradoura. Não obstante a sua preferência pela monarquia como forma de sucessão
política, Quatremère era um liberal no que dizia respeito à ordem social e econômica, e
condenava a possibilidade de que, desfazendo da já referida isonomia entre os cidadãos, uma certa
elite:
(…) não vive mais em casas, e quer ter templos e monumentos públicos.(…) A arquitetura sofre, na medida que, sob o domínio dessa moralcorrompida, os monumentos públicos encolhem verdadeira enecessariamente, na medida da exaltação das casas particulares. (…) Ecomo esperar que as nuanças próprias a cada caráter de edifício serão
[Lorsque dans une ville l'abus du pouvoir & de la richesse ont fait sortir un grand nombre d’hommesdu niveau réel, ou du moins apparent d’une égalité quelconque, & lorsque cet abus est arrivé au point des’en prévaloir ouvertement & de même au nombre de ses plaisirs le choix d’insulter publiquement à lamisère d’autrui, alors on dédaigne la simplicité des demeures ordinaires des citoyens.] A.C. Quatremère deQuincy. Caractère In: Denis Diderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C. Quatremère de Quincy (orgs.),Architecture. Paris: Panckouke, 1788, 506.
Édouard Pommier. La Révolution et le destin des œuvres d'art. In: A.C. Quatremère de Quincy. Lettresà Miranda sur le déplacement des monuments de l'art de l'Italie. Paris: Macula, 1989, 8-9.
Egbert, The Beaux-Arts Tradition, op. cit, 42.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
respeitadas, sentidas e apreciadas num povo que não respeitará nemmesmo as gradações mais elementares na ordem das distinções inerentes àsdiversas classes de edifícios?
Os próprios palácios, a residência dos governantes, segundo Quatremère, “em geral não
devem abandonar as formas e a maneira de ser das casas particulares.” Essa restrição suntuária,
aplicável mesmo àqueles que detêm a — ou, na sociedade liberal, são depositários da —
autoridade política, está em franca oposição à tradicional exuberância da arquitetura palaciana. Ao
condenar o fasto da arquitetura absolutista e os seus êmulos na era democrática, em que pese uma
retratação parcial no verbete “Monument”, publicado após a Restauração, Quatremère
estabelece um precedente de controle suntuário que dará a tônica para a questão do decoro em
arquitetura até o advento do Modernismo.
. Caráter e decoro
O cerne da crítica de Quatremère a uma grandiosidade excessiva das residências está no
fato, acima notado, de que “os monumentos públicos encolhem na medida da exaltação das casas
particulares”. O arquiteto da era liberal já não se contenta com a contraposição simples entre os
[(…) n’habite plus des maisons, on veut avoir des temples & des monumens publics. (…) l'architectureperd, en ce que, sous l'empire de ces mœurs corrompues, les monumens publics décroissent réellement &nécessairement, en raison de l'accroissement des maisons particulières. (…) Et comment espérer que lesnuances propres à chaque caractère d’édifice seront observées, senties & appréciées chez un peuple quin’observera pas même les gradations les plus ordinaires dans l'ordre des distinctions inhérentes auxdifférentes classes de bâtimens ?] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 506.
[(…) en général, ne doivent pas sortir des formes & de la manière d’être des maisons particulières.]Ibid., 507.
“C’est ainsi qu’on a vu, dans certains temps, de simples particuliers faire de leurs maisons desmonumens publics, & qui sont encore réputés tels, par la grandeur & la richesse qui y furentdéployées”. A.C. Quatremère de Quincy. Monument In: Denis Diderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C.Quatremère de Quincy (orgs.), Architecture. Paris: Panckouke, 1820, 722. Os três volumes de arquiteturaredigidos por Quatremère de Quincy, pertencem à Encyclopédie Méthodique inicialmente organizada porDiderot e d’Alembert, publicada em fascículos e, como era de praxe para os livros de interesseespecializado, financiada por subscrições prévias. O primeiro volume, no qual se encontra o verbete“Caractère”, foi publicado em 1788, e a segunda parte do volume 2, onde está o verbete “Monument”, em1820. Quatremère não era nenhum simpatizante do Antigo Regime, muito menos da ostentação, mascertamente tinha, entre a nobreza, protetores que o reabilitaram após 1815 e que convinha respeitar.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
suntuosos palácios do monarca e a residência ordinária do seu súdito. Com o século xix, não é
apenas a complexidade dos programas que aumenta, mas também — e principalmente — a
complexidade das relações sociais entre os indivíduos, levando a uma sofisticação na gama dos
propósitos da arquitetura. Começa, então, a ganhar importância uma hierarquização cada vez
mais clara entre os programas arquitetônicos, não somente distinguindo o cívico do privado, mas
também estabelecendo classificações dentro da própria categoria de “arquitetura cívica”.
.. Boas maneiras em arquitetura
Se ampliarmos a analogia do cives na civitas para incluir a da res aedificatoria na urbs,
constatamos que a etiqueta da sociedade liberal também se aplica à arquitetura. Uma ilusão
retórica bastante comum, neste caso, é confundir a expressão arquitetônica de uma democracia
com a ordem social de uma sociedade anarquista ou igualitária — ilusão, aliás, na qual a
arquitetura dos países ditos comunistas nunca caiu. Essa ilusão consiste em considerar que, em
sendo todas as pessoas iguais — a isonomia à qual se refere Choay — todos os edifícios também
devem ser iguais; ou, na visão conformista do Pós-Modernismo, em sendo as pessoas desiguais, a
arquitetura urbana deve refletir as relações de poder econômico entre as pessoas. Ian Bentley e
outros estudiosos ingleses, no livro Responsive Environments (1985), atacam esses pressupostos:
Antes do século xx, as cidades funcionavam adequadamente em termos delegibilidade. Lugares que aparentavam ser importantes eram importantes, elugares que tinham relevância pública podiam ser facilmente identificados.
A cidade moderna é legível apenas no sentido de que ‘edifícios nãomentem’: grandes prismas de escritórios, de propriedade de fundos depensão e seguradoras, ocupam posições-chave no centro da cidade,expressando o poder das grandes instituições financeiras. Mas essesenclaves burocráticos — irrelevantes com respeito à apropriação da cidadepela maioria das pessoas — ofuscam a visualização de lugares eequipamentos relevantes para a vida pública, jogando confusão emimportantes padrões de atividade.
Essa confusão fica ainda pior porque edifícios públicos importantes eedifícios privados irrelevantes para o público muitas vezes se parecem.
[Before the twentieth century, cities worked well in terms of legibility. Places that looked important wereimportant, and places of public relevance could easily be identified. / The modern city is legible only in the
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O cerne da questão, portanto, não é saber qual edifício é mais “importante” no sentido do
poder econômico — uma atitude refletida, na outra ponta do espectro, nos padrões repetitivos
das moradias para as classes baixas, onde todos se igualam pelo menor denominador comum — e
sim, qual a relevância de cada um para a vida pública. O decoro apropriado a cada categoria de
edifício, então, decorre não do seu papel na ordem econômica, essencialmente privada, mas da
sua importância na esfera política, na res publica da civitas.
Estritamente falando, então, todos os cidadãos são iguais perante a lei e diferentes perante
a economia. Mas o que os edifícios expressam não é nem a situação jurídica nem o poder
econômico dos cidadãos, e sim o seu ofício. Neste sentido, a pessoa enquanto cidadã, na sua
qualidade de agente público, detém um ofício superior à sua própria qualidade enquanto
indivídio privado, donde tiramos a distinção básica entre res publica e res economica. Indo mais a
fundo, ainda se opera a distinção entre o cidadão que detém algum ofício político, e o cidadão
comum — novamente, duas pessoas que são (ou deveriam ser) juridicamente iguais, onde o ofício
exercido por uma delas é superior ao exercido por outra; ao contrário do que acontece na
sociedade tradicional, em que as posições sociais são determinadas pelo nascimento, na sociedade
liberal essas posições podem, teoricamente, se inverter.
A mobilidade na sociedade liberal e as transformações que ocorrem ao longo do tempo na
ordem social, no entanto, não devem ser entendidas como modelo para uma hipotética
“mobilidade” dos edifícios — ou, na evidente impraticabilidade de se “mover” socialmente os
edifícios, um igualitarismo monumentófobo em arquitetura. Existe, como lembra o pesquisador
François Loyer no colóquio L’abus monumental ? Actes des entretiens du patrimoine (1998), uma
solução perfeitamente viável para o problema das transformações sociais e políticas no caso da
arquitetura:
sense that ‘buildings cannot lie’: large office blocks, owned by pension funds and insurance companies,occupy key city centre positions, expressing the power of big financial institutions. But these bureaucraticenclaves—irrelevant to how most people use the city—visually overwhelm publicly-relevant places andfacilities, confusing important activity patterns. / This confusion is made worse because important publicbuildings and publicly-irrelevant private ones often look alike.] Ian Bentley et al. Responsive environments:A manual for designers. Oxford: Architectural Press, 1985 , 42.
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Quanto à representação das instituições mais comum e aparentementemais estável, aquela dos edifícios públicos, ela própria aceita a mudançacom uma desenvoltura formidável. Os palácios reais se tornaram aquelesda república na onda das revoluções.
A solução, portanto, é muito simples: mudem-se os ocupantes dos palácios, et le tour est
joué ! Essa prática, associada à renovação de edifícios antigos para novos fins, aproveita o
investimento já realizado numa edificação durável — posto que construída com materiais nobres
e com a melhor qualidade de mão de obra possível. E se os edifícios da res privata se distinguem
dos da res publica, estes por extensão também se distinguem uns dos outros de acordo com a
importância relativa dos seus “ofícios”. A hierarquia nas expressões do decoro se manifesta, na
forma arquitetônica, através do recurso à monumentalidade. A palavra “monumento” se origina
do latim moneo, comumente traduzida por “lembrar” — donde monumenta, “anais” — mas
significando também “anunciar”, “engajar” — donde monita, “admoestação” — e “fazer pensar”.
A definição etimológica do monumento, no léxico, se presta a digressões filosóficas, sem
dúvida importantes, mas que escapam ao âmbito de um trabalho de análise da composição. O
vocabulário arquitetônico remete a esta definição, contudo, ao falar do monumento histórico. Sob
este aspecto, não se “produz” um monumento no instante da fabricação de um objeto
arquitetônico; ele se torna monumento somente quando o seu legado é recebido e assumido pela
posteridade.
O estudioso da comunicação social Régis Debray, abrindo o colóquio L’abus
monumental ?, classifica o monumento, no sentido histórico, em duas categorias. O “monumento
rastro”, por um lado, equivale ao documento histórico: trata-se de uma “marca”, mas deixada de
maneira não intencional para a posteridade: talvez um sítio arqueológico ou uma obra de
arquitetura vernácula (Figura 11). A segunda categoria de Debray, a do “monumento mensagem” é
[Quant à la représentation des institutions qui est la plus courante et aparemment la plus stable, celledes édifices publics, elle-même subit le changement avec une formidable aisance. Les palais royaux sontdevenus ceux de la République au gré des révolutions.] François Loyer. Les échelles de la monumentalitéIn: Régis Debray (org.), L'abus monumental ? Paris: Fayard / Éditions du Patrimoine, 1998, 182.
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análoga à definição clássica do monumento enunciada por, entre outros, Alois Riegl (1858-1905).
O historiador e conservador de arte abria assim sua obra maior, Der moderne Denkmalkultus:
No seu sentido mais antigo e original o monumento é uma obra humanaerigida com o propósito específico de perpetuar certos feitos ou destinoshumanos (ou uma acumulação complexa deles), mantendo-os vivos epresentes na consciência das gerações futuras.
O monumento histórico, portanto, tem na antigüidade o seu traço distintivo: uma criação
humana, por definição, não pode já nascer histórica. Contudo, é preciso ter em mente que “a
antigüidade enquanto valor é um sinal de modernidade” , reflexo do ato de se colocar o passado
como um lugar (τόπος) diverso do presente, isto é, de modo que ele seja observável e emulável.
Isso implica que a idade do monumento é valorizada na medida em que a arquitetura antiga passa
a ser considerada como intrinsecamente diversa da atual, e por isso inatingível tanto do ponto de
vista de uma plena compreensão científica quanto de uma possível continuidade na tradição. As
motivações para esta valorização do antigo estão inseridas no contexto da transformação do
enfoque historiográfico da arte e também na produção arquitetônica do início do século xx.
A terceira categoria proposta por Debray se aproxima de uma abordagem arquitetônica:
O monumento enquanto forma, por sua vez, é o herdeiro do castelo e daigreja. Pode ser um tribunal, uma estação ferroviária, uma agência centralde correios (…). É, então, um fato arquitetônico, civil ou religioso, deordem estética ou decorativa, independentemente das suas funçõesutilitárias ou do seu valor como testemunho.
[In its oldest and most original sense a monument is a work of man erected for the specific purpose ofkeeping particular human deeds or destinies (or a complex accumulation thereof ) alive and present in theconsciousness of future generations.] Alois Riegl. “The Modern Cult of Monuments: Its Essence and itsOrigin”. Oppositions 25, 1982 (Der moderne Denkmalkultus: sein Wesen und seine Entstehung. 1903), 69.
[(…) l'ancienneté comme valeur est signe de modernité (…)] Régis Debray. Le monument ou latransmission comme tragédie In: Régis Debray (org.), L'abus monumental ? Paris: Fayard / Éditions duPatrimoine, 1998, 13.
[Le monument forme, lui, est l'héritier du château et de l'église. Ce peut être un palais de justice, unegare, une poste centrale (…). Soit un fait architectural, civil ou religieux, ancien ou contemporain, quis’impose pour ses qualités intrinsèques, d’ordre esthétique ou décoratif, indépendamment de ses fonctionsutilitaires ou de sa valeur de témoignage.] Ibid., 16.
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Segundo esta categoria, é o aspecto físico do edifício que lhe confere o seu caráter de
monumento. Trata-se, portanto, de uma monumentalização baseada não naquilo com que o
edifício está relacionado (a rememoração de algum evento), tampouco em valores incutidos com o
passar dos anos (a apreciação de sua antigüidade), muito menos em considerações funcionais ou
técnicas, mas uma monumentalização fundamentada simplesmente na sua natureza, ou seja,
naquilo que o edifício é.
.. Caráter
Uma vez estabelecido o recurso à monumentalidade para expressar a hierarquia da
arquitetura cívica, resta determinar as técnicas de distinção dos edifícios monumentais entre si. A
preocupação em fazer o edifício “ser o que ele é” já foi mencionada. Esta é a razão fundamental da
necessidade de se observar “as nuanças próprias a cada caráter de edifício”, como prega
Quatremère. Mas determinar “cada caráter” não é de todo simples. Donald Drew Egbert
(1902-1973), importante estudioso da tradição acadêmica francesa, indica a existência de três níveis
de caráter que se sobrepõem em toda obra de arquitetura:
Há três principais variedades de caráter que são freqüentementeconfundidas e que deram significados algo diferentes à palavra. As trêsvariedades podem ser caracterizadas de maneira mais precisa como: ocaráter geral, independente do problema arquitetônico específico; o carátertipológico, refletindo o caráter adequado a cada tipo de edifício; e o caráterespecífico, que reflete fatores peculiares ao edifício em questão, que podemsurgir diretamente de requisitos funcionais e estruturais ou da mente doarquiteto.
Também em três níveis se define o caráter em Quatremère, como o essencial, o distintivo, e
o relativo. Mas, ao contrário da hierarquia proposta por Egbert, a de Quatremère coloca a
identificação do tipo funcional do edifício no caráter mais baixo, o relativo:
[There are three chief varieties of character that are often confused and have given somewhat differentmeanings to the term. The three varieties can best be characterized as general character, independent of theparticular architectural problem; type character, reflecting character appropriate to the type of building;and specific character, reflecting factors peculiar to the particular building which may arise directly fromspecific functional and structural requirements or from the genius of the architect.] Egbert, The Beaux-ArtsTradition, op. cit, 122.
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O caráter relativo é uma indicação mais específica das faculdades relativasaos diferentes gêneros de propriedades que a natureza forneceu a certasespécies ou a certos indivíduos, e que os torna reconhecíveis com respeitoao uso para o qual eles estão mais nitidamente destinados.
Mesmo assim, Quatremère adverte contra uma valorização excessiva de uma analogia
funcional na expressão do caráter em arquitetura:
A terceira espécie de caráter, aquela que consiste na adequação aparentedos objetos à sua destinação, na conformidade da sua maneira de ser comaquilo que eles são, é uma coisa ainda rara na natureza.
E adiante, de maneira mais incisiva ainda, Quatremère condena a associação direta entre a
expressão arquitetônica do edifício e um certo “funcionalismo” zoobotânico, que estava sendo
propalado por seu contemporâneo Georges Cuvier (1769-1832) — que, por sinal, não teve
nenhum papel na aplicação das suas teorias à arquitetura. Contra os arquitetos partidários dessa
“analogia biológica”, Quatremère proclama:
Seria um engano bastante grave na expressão do caráter ou das qualidadespróprias a cada edifício, se se tomasse, como modelo dessa convenção,idéias indecisas ou relações pueris entre a aparência do edifício e os seususos. (…) Essas idéias são falsas por serem tão verdadeiras, e é aqui que overdadeiro não seria em nada verossímil.
Quanto ao caráter específico, descrito por Egbert como o resultado de especificidades
funcionais, estruturais e do “gênio” do arquiteto, ele não tem uma equivalência direta com uma
categoria do caráter segundo Quatremère. Para este, toda a expressão do caráter se dá no
desdobramento sutil e sofisticado do caráter em tantos graus quanto for apropriado — longe do
[Le caractère relatif est une indication plus particulière des facultés relatives aux différens genres depropriétés dont la nature a doté certaines espèces ou certains individus, & qui fait reconnoitre à quelemploi ils sont plus spécialement destinés.] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 478.
[La troisième espèce de caractère, celle qui consiste dans la propriété apparente des objets à leurdestination, dans la conformité de leur manière d’être avec ce qu’ils sont, est encore une chose rare dans lanature.] Ibid., 482.
[On se tromperoit assez gravement dans l'expression du caractère ou des qualités propres de chaqueédifice, si l'on alloit prendre pour modèle de cette convenance, ou des idées indécises, ou des rapportspuérils entre l'apparence de l'édifice & ses usages. (…) Ces idées sont fausses à force de vérité, & c’est icique le vrai ne seroit point vraisemblable.] Ibid., 509.
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arquiteto acadêmico querer expressar o seu estilo pessoal ou outra semelhante trivialidade! Tanto a
composição geral do edifício quanto a sua ornamentação devem contribuir para demonstrar o seu
caráter com a maior precisão possível:
Este feliz talento de sentir e de tornar sensível a fisionomia própria a cadamonumento; este discernimento seguro e delicado, que faz perceber asnuanças diferenciais, em edifícios que à primeira vista não parecemsuscetíveis de qualquer distinção característica; este emprego sábio ediscreto dos diversos modos, que são como que os tons da arquitetura; acombinação habilidosa dos signos que esta arte pode empregar para falaraos olhos e ao espírito; este tato preciso e refinado, que não engana nem arespeito da disposição das massas e do emprego dos detalhes, nem de umajusta aplicação de riqueza e simplicidade, e que sabe fazer colaborar com averídica expressão do caráter o acorde harmônico de todas as qualidadesque a arte pode pôr em prática; tudo isso só poderia ser descrito, na teoria,com imperfeição.
Se essa sutileza na expressão do caráter é tão difícil de se explicar no texto, na obra
edificada do século xix ela se manifesta em toda a sua grandeza e complexidade. François Loyer
explica o problema da representação na arquitetura do século xix:
Enquanto fosse possível distinguir a casa do camponês daquela do burguês,do senhor feudal ou do príncipe, a situação estava livre de ambigüidade.Mas assim que é preciso saber se um monumento representa o governocentral ou o departamental, ou o municipal (a menos que ele evoque obairro, como fazem a agência de correios ou a escola primária), torna-senecessário elaborar ao extremo as nuanças nos graus da monumentalidade.
[Cet heureux talent de sentir & de faire sentir la physionomie propre à chaque monument ; cediscernement sûr & délicat, qui fait appercevoir les nuances différentielles d’édifices, qui ne semblentd’abord susceptibles d’aucunes distinctions caractéristiques ; cet emploi sage & discret des différens modes,qui sont comme les tons de l'architecture ; le mélange adroit des signes que cet art peut employer pourparler aux yeux & à l'esprit ; ce tact précis & fin, qui ne méprend ni sur la disposition des masses &l'emploi des détails, ni sur une juste dispensation de richesses & de simplicité & qui sait faire concourir àla véritable expression du caractère l'harmonieux accord de toutes les qualités que l'art peut mettre enœuvre ; tout cela ne sauroit se rendre qu’imparfaitement en théorie.] Ibid., 502. O “accord harmonieux”pode ser entendido tanto como a concordância harmoniosa dos elementos quanto no sentido de acordemusical, metáfora legitimada pela menção aos “tons da arquitetura”.
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O século xix se dedicou a isso com uma verdadeira perseverança (…) Elecodificou um sistema que permitia estabelecer uma espécie de convençãomonumental, isto é, uma adequação entre os recursos e o produto.
Esse sistema tem, para Loyer, o “paradoxo surpreendente de que o monumento codifica a
si próprio. (…) Há uma norma da exceção” . Ou, para retomar o termo usado por Quatremère,
uma ordem da distinção. Göran Therborn, geógrafo, descreve a transformação da paisagem cívica
européia durante o século xix como uma transição entre uma ordem monumental simples e uma
mais complexa, que ocorre concomitantemente com a substituição da celebração dos autocratas
pela celebração da nação enquanto entidade coletiva (Figura 12). Os palácios das autoridades,
então, seguem de um modo geral a prescrição de Quatremère: “na verdade, todos os atuais
palácios de Estado parisienses, o [Palais de] l'Élysée do presidente, [o Hôtel de] Matignon para o
primeiro-ministro, e [o Palais] Bourbon [da Assembléia nacional] são surpreendentemente
discretos e desprovidos de ambição arquitetônica.” Reciprocamente, a celebração coletiva ganha
ênfase:
O padrão subseqüente tinha quatro componentes-chave, cada qual com asua função específica. Um era o conjunto de edifícios para as instituiçõescentrais do Estado nacional, em especial o corpo legislativo, o judiciário, eos ministérios do executivo. (…) Uma segunda característica era oplanejamento de uma ou mais ruas principais, em grande parte criadaspara o comércio elegante e o passeio (…) Em terceiro, uma capitalnacional tinha que ter um conjunto de instituições nacionais de alta
[Tant qu’on pouvait distinguer la maison du paysan de celle du bourgeois, du seigneur ou du prince, leschoses étaient sans ambigüité. Dès lors qu’il faut pouvoir deviner si un monument est représentatif del'État, ou du département, ou de la commune (à moins qu’il n’évoque le quartier, comme le font la posteou l'école primaire), il devient nécessaire de nuancer à l'extrême les degrés de la monumentalité. / Le xixesiècle s’y est employé avec une réelle constance (…) Il a codifié un système qui permettait d’établir unesorte de convenance monumentale, c’est-à-dire une adéquation entre les ressources et le produit.] Loyer,Les échelles de la monumentalité, op. cit, 184.
[(…) surprenant paradoxe, que le monument se codifie lui-même. (…) Il y a une norme del'exception.] Ibid., 185.
[In fact, all the current main Parisian palaces of state, l'Élysée of the president, Matignon for the PrimeMinister, and Bourbon are remarkably discreet and lacking in architectural ambition.] Göran Therborn.“Monumental Europe: The National Years. On the Iconography of European Capital Cities”. Housing,Theory and Society 19, 2002 , 31.
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cultura, e a sua materialização era considerada uma das principais tarefasna construção de cidades capitais. A função no caso era a de identidadenacional por meio de um patrimônio cultural comum.
Finalmente, e não menos importante, as cidades capitais européiasembarcaram numa politização e monumentalização notáveis do espaçourbano.
Mas se essa expressão do caráter é complexa, posto que ao mesmo tempo hierarquizada e
sutil, e que a distinção tem a sua própria ordem, não é menos verdadeiro que ela deve —
justamente por causa da sua complexidade — ser elaborada sobre um fundamento
compartilhado, de modo a se tornar amplamente inteligível. É esse fundamento que, na teoria de
Quatremère, determina o caráter imitativo da arquitetura:
Esse caráter imitativo tem o objetivo de mostrar, pela concordância econvenção de todas as partes constituintes de um edifício, a sua natureza, asua adequação, os seus usos e o seu propósito. Esse gênero de caráter, que,sem dúvida, ainda que inferior ao primeiro [o caráter intelectual oufilosófico] na medida dos conceitos que ele demanda, deve formar umtodo com este, tem no entanto uma diferença: ele é aplicável a todos osedifícios possíveis, ele pode ser encontrado em maior ou menor grau emtodas as regiões, e ele pode ser submetido a observações uniformes e aregras constantes.
Em que consiste, finalmente, esse “caráter imitativo” da arquitetura? O que é o objeto
imitado, diante da diferença entre o “verdadeiro” e o “verossímil” vista acima?
[The ensuing pattern had four key components, each with its specific function. One was a set of buildingsfor central national state institutions, in particular the legislative body, the judiciary and the executiveministries. (…) A second feature was a layout of (a) major street(s), mainly for elegant commerce andpromenading (…) Thirdly, a national capital had to have a set of institutions of national high culture, andtheir architectural materializations were considered major tasks of capital city building. The function wasnational identity through a shared national heritage. / Finally, and not less important, European capitalcities embarked upon a remarkable politicization and monumentalization of urban space.] Ibid., 35-36.
[Ce caractère imitatif a pour objet de faire connoitre, par l'accord & la convenance de toutes les partiesconstitutives d’un édifice, sa nature, sa propriété, ses usages & sa destination. Ce genre de caractère, quisans doute, quoique inférieur au premier par la mesure des conceptions qu’il exige, ne doit faire qu’un aveclui, a cependant cette différence, qu’il est applicable à tous les édifices possibles, qu’il peut plus ou moins serencontrer dans tous les pays, & qu’il peut être soumis à des observations uniformes & à des règlesconstantes.] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 502.
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.. Le beau, le vrai
Quatremère explica o sentido da “imitação” no contexto da arquitetura:
Não é preciso, para que uma arte possa ser chamada de arte imitativa, queo seu modelo seja tirado de modo evidente e sensível da natureza física ematerial. Essa classe de modelo só é dada às duas artes que falam aos olhospor meio da imitação dos corpos e das cores. Não é preciso, ainda, quetodas as artes que são do domínio da poesia tirem suas regras de ummodelo tão fácil de se entender, ou de se conceber, que é o modelo dadramaturgia (…)
As “artes da poesia” mencionadas por Quatremère correspondem à arte poética de
Aristóteles, que ao tratar da literatura estabelece regras tidas como válidas, pelos teóricos da arte
desde a Idade Média, para todas as práticas relacionadas ao ato de criar (ποίησις). Aristóteles
declara, no início da Poética, que essas artes compartilham a característica de que “são todas
miméticas” , isto é, baseiam-se na representação de uma realidade. Aristóteles não explica o
sentido exato de mímese, mas ele pode ser esclarecido por um trecho seguinte do mesmo texto: “e
por meio de cores, e por meio de figuras, as pessoas imitam qualquer coisa, representando-a” .
Tal mímese, portanto, não é a recriação do original, mas uma imagem — uma semelhança ou
mesmo descrição. Quatremère de Quincy, comentando esta afirmação de Aristóteles no seu ensaio
sobre L’imitation dans les beaux-arts, especifica a separação conceitual entre uma coisa e o seu
εἰκών:
[Il n’est pas nécessaire, pour qu’un art puisse être appelé art d’imitation, que son modèle repose d’unemanière évidente & sensible sur la nature physique et matérielle. Cette sorte de modèle n’est accordéequ’aux deux arts qui s’adressent aux yeux par l'imitation des corps & des couleurs. Il n’est pas nécessaireencore que tous les arts qui sont du domaine de la poésie, trouvent à se régler sur un modèle aussi facile àsaisir, ou à faire concevoir, qu’est celui de l'art dramatique (…)] A.C. Quatremère de Quincy. Imitation.In: Denis Diderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C. Quatremère de Quincy. Encyclopédie méthodique desarts, des sciences et des lettres, Architecture, v. 2. Paris: Panckouke, 1820, 543.
[(…) οὖσαι μιμήσεισ τὸ σύνολον (…)] Αριστοτέλης (Aristotélēs). Ποιήτικη (Poiêtikē) (Perseus DigitalLibrary). Boston: Tufts University (Aristotle. Aristotle's Ars Poetica. Editado por R. Kassel. Oxford:Clarendon Press. 1966). Disponível em <http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?lookup=Aristot.+Poet.>. Acesso em 29/10/2006, 1447a: 10.
[(…) καί χρώμασι καί σχήμασι πολλὰ μιμοῦταί τινες ἀπεικάζοντες (…)] Ibid., 1447a: 15.
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É (…) da essência da imitação das belas-artes não mostrar a realidade senãoatravés da aparência. (…) Devemos concluir que a imitação não seria maisimitação, e sim repetição idêntica, se ela fosse adequada para reproduzir asemelhança real do objeto, isto é, para mostrá-lo sob todos os aspectos queconstituem a sua realidade.
Ou, de maneira mais clara e analógica, na Enciclopédia:
Assim, trata-se de tomar a natureza como modelo, de imitá-la, o ato deadotar como regras, em certos trabalhos artísticos, as regras que a próprianatureza segue (…) Imita-se, portanto, a natureza, fazendo não aquilo queela faz, mas do modo como ela faz, isto é, pode-se imitá-la na sua atuação,quando não se imita a natureza na sua obra.
Trata-se, portanto, não da reprodução de objetos naturais, e sim da perpetuação no
artifício humano de certos princípios tidos como naturais. Não são, portanto, os ornamentos e os
detalhes escultóricos que dão o caráter imitativo à arquitetura clássica, e sim suas características
mais gerais, em que a “imitação que é verdadeiramente própria à arquitetura e ao arquiteto, (…)
se baseia na natureza, mas considerada em termos das leis gerais de ordem e de harmonia, nas
razões que explicam todas as obras” . Essas “leis gerais”, portanto, decorrem de princípios de
organização na natureza que não são diretamente análogos ao objeto arquitetônico, mas passam
por uma transposição de linguagem para se obter a forma do edifício a partir dos princípios
estruturadores “verdadeiros” (Figura 13). Esta transposição, na tradição acadêmica, também segue
um conjunto de regras:
[Il est (…) de l'essence de l'imitation des beaux-arts, de ne faire voir la réalité que par l'apparence. (…)Concluons que l'imitation ne seroit plus imitation, mais répétition identique, si elle étoit propre àreproduire la ressemblance réelle de l'objet, c’est-à-dire le faire voir sous tous les rapports qui en constituentla réalité.] A.C. Quatremère de Quincy. Essai sur la nature, le but et les moyens de l'imitation dans les beaux-arts. Paris: Treuttel et Würz, 1823 , 11-12.
[Ainsi, c’est prendre la nature pour modèle, c’est l'imiter, que de se donner pour règles, dans certainsouvrages de l'art, les règles qu’elle suit elle-même (…) On imite donc la nature, en faisant non pas cequ’elle fait, mais comme elle fait, c’est-à-dire, qu’on peut l'imiter dans son action, lorsqu’on ne l'imite pasdans son ouvrage.] Quatremère de Quincy, Imitation, op. cit, 543.
[(…) imitation qui est véritablement propre & de l'architecture & de l'architecte, (…) repose sur lanature, mais considérée dans les lois générales d’ordre & d’harmonie, dans les raisons qui expliquent tousles ouvrages (…)] Ibid., 543.
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As convenções são, para a teoria, os meios da imitação, já que sem elas suaação não poderia ser realizada. Assim, elas são extremamente numerosas.
Quase tudo, no campo da arte, depende de convenções, e seria mesmoverdade que toda arte é ela própria convenção.
Como que reconhecendo a potencial ameaça ao predomínio desse modo convencional,
implícita no neoclassicismo arqueológico e nas teorias primitivistas sobre a origem da arquitetura,
bastante difundidas em finais do século xviii, Quatremère justifica por analogia a legitimidade
destas convenções:
A decoração, considerada nos seus recursos parciais ou nos seus detalhes, éuma linguagem cujos signos, as expressões devem ser dotados de umsignificado preciso e capaz de representar as idéias. Sem isso, nada haveriaalém de um jargão ininteligível composto de fórmulas pueris einsignificativas, ou de caracteres mudos para o espírito (…)
Mesmo assim, ele não deixa de expressar um certo conformismo pragmático,
reconhecendo a importância tanto de “signos dotados de um significado preciso” quanto de
hábitos sociais e culturais aos quais é difícil escapar:
Há formas dadas, há certas atribuições convencionais que é precisoadmitir: existem até mesmo preconceitos que é preciso respeitar, tirandopartido deles.
Dentre as “atribuições convencionais”, pode-se contar o ornamento clássico, que desde a
Querelle des anciens et des modernes assume esse papel de “hábito cultural”, respeitado mas não tido
como um ordenamento eterno e imutável. No sistema acadêmico, conforme descrito por
Quatremère, o edifício precisa expressar o seu caráter — precisa ter caráter — de modo a ocupar a
[Les conventions sont, théoriquement parlant, les moyens de l'imitation, puisque sans elles son actionne sauroit avoir lieu. Aussi sont-elles extrêmement nombreuses. / Presque tout, en fait d’art, repose sur desconventions, s’il est vrai que tout art est lui-même convention.] Quatremère de Quincy, L'imitation dansles beaux-arts, op. cit, 262.
[La décoration, considérée dans ses ressources partielles ou dans ses détails, est un langage dont lessignes, les expressions doivent être doués d’une signification précise & capable de rendre les idées. Sanscela, l'on n’y voit plus qu’un jargon inintelligible composé de formules puériles & insignificatives, ou decaractères muets pour l'esprit (…)] Quatremère de Quincy, Caractère, op. cit, 515.
[Il est des formes données, il est certaines attributions convenues qu’il faut ménager : il y a même despréjugés qu’il faut respecter en en tirant parti.] Ibid., 516.
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devida posição na escala do decoro arquitetônico. A definição desse caráter se dá de maneira
bastante complexa, uma vez que os programas arquitetônicos se diversificam durante o século xix.
A hierarquização do caráter, neste caso, segue tanto um conjunto de regras inspiradas no conceito
de natureza, quanto convenções sociais e hábitos culturais, formando assim uma rica teia de
significados na arquitetura.
. O monumento cívico no século XX
.. O valor do monumento
A modernidade do conceito de “antigo enquanto valor” foi reconhecida talvez pela
primeira vez por Alois Riegl, cujo Moderne Denkmalkultus sugere, sem contudo explicitá-lo como
o faria Rodin alguns anos depois, o desconforto da sociedade contemporânea com respeito à
substituição de edifícios antigos por edifícios novos. O historiador da arte ocidental já estava há
algum tempo confrontado com o dilema do valor do objeto artístico. O suíço Heinrich Wölfflin
(1864-1945) certamente não foi o primeiro a descobrir que “não existia olhar objetivo” , mas
coube-lhe dar a formulação atual ao reconhecimento de que é impossível avaliar a arte de outras
culturas com base no conjunto de valores da nossa própria. Logo na introdução de
Kunstgeschichtliche Grundbegriffe (1915), obra dedicada à análise estilística e a problemas específicos
da arte dos séculos xvii e xviii, Wölfflin sintetiza o fundamento da pesquisa histórica moderna,
antecipando mesmo em várias décadas a abordagem da chamada “história das mentalidades”:
“nem tudo é viável para todas as épocas. A própria visão tem a sua história, e a revelação desses
‘períodos visuais’ deverá ser considerada a tarefa mais elementar da história da arte.”
[(…) es ein objektives Sehen nicht gäbe (…)] Heinrich Wölfflin. Kunstgeschichtliche Grundbegriffe: dasProblem der Stilentwicklung in der neueren Kunst. Basel: Benno Schwabe, 1948 (1915), 11.
[Nicht alles ist zu allen Zeiten möglich. Das Sehen an sich hat seine Geschichte, und die Aufdeckungdieser „optischen Schichten“ muß als die elementarste Aufgabe der Kunstgeschichte betrachtet werden.]Ibid., 22. De Schicht (camada ou estrato) deriva Geschichte (história), donde a tradução daquela por“período” nesse contexto.
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A afirmação acima, que num contexto estritamente hegeliano poderia se prestar a uma
interpretação positivista, enfatizando a excelência da visão greco-romana e da tradição ocidental
subseqüente, é cuidadosamente contrabalançada pouco mais adiante. Neste trecho, Wölfflin
demonstra a ruptura do pensamento histórico moderno com a concepção renascentista e
etimológica do clássico:
(…) no que diz respeito ao valor, a arte (clássica) do século xvi e a arte(barroca) do século xvii estão no mesmo nível. A palavra clássico não indicaaqui nenhum juízo de valor, pois também há um classicismo do barroco.O barroco não é nem um declínio nem uma evolução do clássico, masuma arte em tudo diferente. O desenvolvimento ocidental dos temposmodernos não admite uma redução a uma simples curva comdesenvolvimento, auge e decadência (…). Pode-se demonstrar simpatia porum ou por outro: é preciso estar sempre consciente da arbitrariedade que éesse juízo, assim como é arbitrário dizer que a roseira vive o seu auge nodesabrochar da flor, e a macieira na produção da fruta.
Para se ter uma percepção de como essa abordagem não era um dado à época, basta
lembrar Geoffrey Scott, que no ano anterior publicara The Architecture of Humanism, justamente
uma exaltação daquela visão de mundo renascentista, em que o clássico (classicus) adota o seu
significado original de referente à classe — isto é, à única que tradicionalmente recebia este nome,
a classe superior — e por extensão à excelência em todos os domínios. Mesmo assim, Scott é um
homem do seu tempo, e demonstra a moderna rejeição à idéia de progresso em arte:
Os valores da arte não se encontram na seqüência mas nos estágiosindividuais. Para Brunelleschi, nunca houve Bramante; a sua arquiteturanão era a preparação para a de Bramante, mas a realização da sua própria.
[(…) steht die (klassische) Kunst des Cinquecento und die (barocke) Kunst des Seicento dem Wertenach auf einer Linie. Das Wort klassisch bezeichnet hier kein Werturteil, denn es gibt auch eine Klassizitätdes Barock. Der Barock ist weder ein Niedergang noch eine Höherführung des klassischen, sondern isteine generell andere Kunst. Die abendländische Entwicklung der neueren Zeit läßt sich nicht auf dasSchema einer einfachen Kurve mit Anstieg, Höhe und Abstieg bringen (…). Man mag seine Sympathiendem einen oder dem anderen zuwenden : jedenfalls muß man sich bewußt sein, dabei willkürlich zuurteilen, wie es willkürlich ist, zu sagen, der Rosenstrauch erlebe seine Höhe in der Bildung der Blüte undder Apfelbaum in der Bildung der Frucht.] Ibid., 24-25.
[The values of art do not lie in the sequence but in the individual terms. To Brunelleschi there was noBramante; his architecture was not Bramante’s unachieved, but his own fulfilled.] Geoffrey Scott. TheArchitecture of Humanism: A Study in the History of Taste. New York: Norton, 1974 (1914), 176.
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O contexto dessa afirmação, contudo, recoloca a obra de Scott na linhagem ideológica do
Renascimento — uma linhagem até então muito transformada, mas pouco discutida. Ele não
esconde a sua preferência pelo “modo clássico” em detrimento do “modo barroco”, valendo-se da
generalização proposta pelo historiador da arte catalão Eugenio d’Ors (1881-1954) para abarcar a
todos os ciclos estilísticos. Scott considera que:
Algumas obras de arte nos afetam como se fosse por infiltração, e sãocalculados para produzir uma impressão que é lenta, abrangente eprofunda. Estes não buscam nem capturar a atenção nem retê-la; mesmoassim, satisfazem-na quando ela lhes é dada. Outras obras nos seguram, ecom um incisivo ataque sobre os sentidos ou a curiosidade, insistem nanossa rendição. A sua função é estimular e excitar. Mas como, é sabido,não podemos reagir durante muito tempo a um estímulo desse tipo, éessencial que a atenção seja, nesses casos, liberada rapidamente. Casocontrário, presos e provocados, estamos confrontados com um apeloinsistente que, já que não podemos mais reagir a ele, acaba com o tempo setornando cansativo ou desprezível.
Geoffrey Scott, portanto, rejeita abertamente um estudo da arquitetura em que não caiba
elogio ou condenação; nesse sentido, ele se coloca em clara oposição ao emergente “relativismo
expressionista” em que se transformaria a crítica da arte nas décadas mais recentes. Entretanto,
Scott, do mesmo modo que Wölfflin, não admite que um juízo sobre a obra de arte seja exercido
por meio de um discuro heterônomo. Ele qualifica de “falácia da ética” uma certa postura diante
do objeto artístico, que o avalia não pelo seu aspecto formal, mas por uma ordem moral que ele
representa:
“Que signifie dans l'histoire des arts ce terme de « gothique fleuri » ? Il signifie qu’il y eut unautre gothique non fleuri, un gothique d’une structure pure. Ou, pour s’exprimer clairement, ungothique classique — aussi classique que l'art grec put l'être à son époque avant le grec baroque.”Eugenio d'Ors. Du Baroque. Paris: Gallimard, 2000 (Lo Barroco, 1935), 26.
[Some works of art affect us, as it were, by infiltration, and are calculated to produce an impression thatis slow, pervasive and profound. These seek neither to capture the attention nor to retain it; yet they satisfyit when it is given. Other works arrest us, and by a sharp attack upon the senses or the curiosity, insist onour surrender. Their function is to stimulate and excite. But since, as is well known, we cannot long reactto a stimulus of this type, it is essential that the attention should, in these cases, be soon enough released.Otherwise, held captive and provoked, we are confronted with an insistent appeal which, since we can nolonger respond to it, must become in time fatiguing or contemptible.] Scott, Architecture of Humanism, op.cit, 84.
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Isto não é ruim porque é feio; é feio porque, sendo falso, ostentatório,caótico e grotesco, será obviamente e literalmente ruim.
Essa representação crítica — algo não é ruim porque é feio, mas é feio porque é ruim —
pode parecer caricata e exagerada, mas o que se encontra nas apologias ao Movimento Moderno, e
mesmo nas histórias, em princípio, desinteressadas, é surpreendentemente parecido com o resumo
proposto por Scott. Kenneth Frampton, em História crítica da arquitetura moderna, publicada
pela primeira vez já nos anos do Pós-modernismo, em 1980, concede um espaço considerável à
discussão de estilos não-modernistas no início do século xx. Ainda assim, o próprio Frampton
recai com freqüência na analogia fácil entre forma arquitetônica, ideologia e moral:
A retórica cintilante mas exagerada do Grand Palais, por exemplo, eraobviamente inadequada para representar a ideologia progressista de umasociedade avançada e industrializada. O que poderia ser, afinal, maissimbólico de repressão do que o interior ferro-vítreo do Grand Palaisencarcerado numa elaborada cenografia de pedra?
Curiosamente, ninguém menos do que Reyner Banham corrobora a crítica de Scott
contra esse gênero de perspectiva, apontanto, já com uma visão retrospectiva (1962), mas ainda
bem anterior à de Frampton, um problema causado por uma obsessão pela arquitetura ética:
(…) a arquitetura moderna foi assassinada por seus defensores, tãocuidadosos em evitar uma representação enganosa dela que eles nãoconseguiram representá-la a não ser como um deprimente e deprimidoexemplo moral.
A tragédia ética da historiografia e da arte moderna, porém, consiste na fraqueza inerente
a generalizações estabelecidas sobre o arcabouço da ausência de olhar objetivo, uma vez que essa
postura poderia com plausibilidade justificar qualquer conclusão que fosse conveniente. Em sendo
[This is not bad because it is ugly; it is ugly because, being false, ostentatious, slovenly and gross, it isobviously and literally bad.] Ibid., 147.
[The scintillating yet overblown rhetoric of the Grand Palais, for example, was patently ill-equipped torepresent the progressive ideology of an advanced industrialized society. What could after all be moresymbolic of repression than the ferrovitreous interior of the Grand Palais incarcerated in an elaboratescenography of stone?] Frampton, Modern Architecture: A Critical History, op. cit, 210.
[(…) modern architecture has been murdered by its apologists, so careful to prevent itsmisrepresentation that they failed to represent it as anything but an unlovable and unlovely moralexample.] Reyner Banham. Guide to Modern Architecture. London: Architectural Press, 1962 , 10.
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inadequado falar de “crescimento, ápice e declínio” da arte, só resta ao historiador um olhar
supostamente desinteressado sobre o “espírito” próprio a cada época artística. Riegl, apesar de sua
filiação teórica na linhagem que vai de Hegel a Wölfflin, estava consciente do problema:
O ponto de vista mais recente avalia o valor artístico de um monumentode acordo com o grau em que ele contempla os requisitos do Kunstwollen(vontade artística) contemporâneo, requisitos que são ainda menosclaramente formulados e que, em termos estritos, também nunca o serãoporque eles mudam incessantemente entre um indivíduo e outro e entreum movimento e outro.
Desse enunciado, Riegl depreende que o historiador “abre mão de qualquer possibilidade
de falar de ‘monumentos artísticos’ por causa disso” . Uma vez estabelecida tal impossibilidade
de se erigir certas obras em “monumentos artísticos” em virtude do juízo de valor sobre o seu
conteúdo artístico variar de cultura para cultura, resta apenas abrir mão da crítica de arte e
considerar o monumento tão-somente do ponto de vista de testemunho histórico: logo,
retornando ao sentido etimológico estrito da palavra e adotando como parâmetro de avaliação a
única quantidade mensurável do monumento, que é a sua idade.
.. O monumento prescindível?
A argumentação de Alois Riegl deixa, no entanto, uma brecha aberta para a necessidade
de se fazer um juízo de valor da arquitetura monumental. Essa necessidade parte da condição
imprescindível para a expressão do valor histórico do monumento:
O valor histórico de um monumento aumenta na medida em que elepermanece imaculado e revela o estado da sua criação original: distorções edesintegrações parciais são ingredientes incômodos e rejeitados no que dizrespeito ao valor histórico.
[The more recent point of view assesses the artistic value of a monument according to the extent towhich it meets the requirements of contemporary Kunstwollen (artistic volition), requirements that areeven less clearly formulated and, strictly speaking, also never will be because they change incessantly fromsubject to subject and from movement to movement.] Riegl, “The Modern Cult of Monuments: ItsEssence and its Origin”, op. cit, 71.
[(…) forfeits any possibility of speaking about ‘artistic monuments’ because of that.] Ibid., 72.
[A monument’s historical value increases the more it remains uncorrupted and reveals its original stateof creation: distortions and partial disintegrations are disturbing, unwelcome ingredients for historical
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Isso implica que, de modo a preservar o valor documental do monumento histórico —
sem nos determos na controvérsia sobre o “estado original” e as “distorções” — é preciso
interromper o seu processo de envelhecimento natural, isto é, preservar o máximo possível em
estado identificável e funcional para agregar valor histórico e valor de uso, sobrepondo-se assim ao
valor de um edifício novo equivalente:
Se [os edifícios antigos] fossem ser abandonados, substitutos seriamnecessários na maioria dos casos. Essa demanda é tão forte que oargumento sobre o valor da idade, de deixar os monumentos sedegradarem naturalmente, só poderia ser considerado se houvesse aintenção de produzir substitutos com uma qualidade pelo menos igual àdos edifícios antigos.
Há um termo dado, não explicitado na proposição acima, que subverte o aparente
equilíbrio sintático entre as duas alternativas apresentadas. Este dado, evidente para os
contemporâneos de Riegl, Scott e Wölfflin, é a absoluta incapacidade dos arquitetos seus
contemporâneos produzirem os substitutos de alta qualidade. Que o antigo havia se tornado
realmente insubstituível fica claro com a indignação do escultor Rodin, em 1908, contra o
“progresso” da humanidade:
O homem que constrói as pavorosas casas novas deve detestar as belas casasantigas; ele as marcou, condenou, irá demoli-las. Ó belas casas, esperai apicareta!
O sentimento de Rodin pelo charme da malha urbana, no entanto, não se estende à
maioria dos seus contemporâneos. Mesmo os arquitetos de vanguarda no início do século xx
operam uma distinção entre esta malha, tida como decrépita e necessitando renovação segundo os
princípios sanitaristas levados ao extremo, e alguns monumentos individuais que vale a pena
value.] Ibid., 75.
[If they were to go out of use, substitutions would be required in most cases. This demand is socompelling that age value’s counterclaim to leave monuments to their natural fate could only beconsidered if one intended to produce substitutions of at least equal quality.] Ibid., 79.
Auguste Rodin. Grandes catedrais. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (Les cathédrales de france, 1908),16.
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preservar. Ainda assim, reduzida pelo discurso à simples extensão da res publica, a cidade
tradicional se apresenta para o arquiteto como um desafio tipológico.
Em que pese a atitude vanguardista, de rejeição ao ecletismo acadêmico dominante no
século xix, o arquiteto Modernista está necessariamente medindo a sua prática contra o padrão de
excelência monumental e urbana oferecido pela arquitetura acadêmica. Se a questão da
arquitetura trivial pode ser facilmente resolvida lançando mão dos bem conhecidos argumentos
sanitarista, industrialista, e, dependendo do caso, socialista ou contra-revolucionário, a arquitetura
cívica evade uma discussão meramente funcional.
.. Interpretações modernistas
Nesse contexto, é evidente que não se deve tomar as afirmações da historiografia
modernista pela teoria, muito menos pela prática, dos arquitetos do início do século xx. Sigfried
Giedion (1888-1968), autor da obra inaugural dessa historiografia, Space, Time and Architecture
(1941), dedica um esforço descomunal a denegrir a arquitetura acadêmica, antes mesmo de tecer
qualquer consideração sobre os modernistas. Nas 21 primeiras páginas do capítulo 1 do seu livro, o
século xix é mencionado, explícita ou implicitamente, e sempre de modo pejorativo, nada menos
do que onze vezes: não passam duas páginas sem que o leitor seja lembrado de que aquele século
foi, para Giedion, uma espécie de Idade das Trevas na história da arquitetura.
Por este prisma da interpretação modernista passaram não apenas os primeiros
historiadores da arquitetura do século xx — e alguns mais recentes também — mas também pelo
menos duas gerações de discípulos. Convém lembrar que antes dessa época não era costume
escrever a história do passado recente; Auguste Choisy encerra a sua Histoire de l'architecture
(1899), após mencionar resumidamente alguns pontos altos da primeira metade do século xix,
com a justificativa: “seria fácil mostrar que há nesses primícios algo mais do que meras promessas,
se não acreditássemos que uma história da arquitetura deva parar antes das obras cujos autores são
Sigfried Giedion. Space, Time and Architecture: The growth of a new tradition. Cambridge: HarvardUniversity Press, 1962 , 1-21.
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nossos contemporâneos.” Abre-se, então, um fosso entre a interrupção da historiografia
tradicional e a entrada em cena da historiografia modernista, situação que permitiu a esta ser a
primeira a escrever sobre os episódios mais recentes da tradição acadêmica. Affonso Romano de
Sant’Anna recorda que:
Somos de uma geração que aprendeu a ironizar autores do século xix etodo o passado, porque éramos modernos e eles não. Era como setivéssemos tido a felicidade de ter nascido no topo de um monte, com umavisão privilegiada da história e externávamos uma certa pena dos queviveram antes.
No que tange especificamente às questões do decoro e do caráter, a visão engajada e
superficial da historiografia modernista impregna até aqueles autores que se propõem a reabilitar
um entendimento mais aberto das convenções tradicionais. Entre eles, o arquiteto Marcos Moraes
de Sá, ao tratar da codificação das ordens clássicas, pretende que
O ornamento passou então a apresentar, muitas vezes, um valor intrínsecotal que o sobrepunha às características construtivas e mesmo à composiçãoarquitetônica.
Além do fato de que, como foi visto acima, o ornamento pertence à categoria das
convenções artísticas a serviço da expressão do caráter, e por isso se encontrava necessariamente
subordinado à composição, é impressionante a conformidade desta afirmação com uma certa
ideologia do modernismo. Até mesmo um leigo, como o escritor Michel Ragon, adota o discurso
militante ao descrever a arquitetura eclética:
[Il serait aisé de montrer qu’il y a dans ces débuts plus que des promesses, si nous ne croyions qu’unehistoire de l'architecture doit s’arrêter aux œuvres dont les auteurs sont nos contemporains.] AugusteChoisy. Histoire de l'architecture. Paris: Bibliothèque de l'image, 1996 (1899), t. 2, 764.
A respeito da historiografia modernista e da degradação historiográfica do ecletismo, ver MarceloPuppi. Por uma história não moderna da arquitetura brasileira: questões de historiografia. Campinas: Pontes/Unicamp, 1998 .
Affonso Romano de Sant’Anna. Prefácio. In: Marcos Moraes de Sá. Ornamento e modernismo. Rio deJaneiro: Rocco, 2005, 12.
Marcos Moraes de Sá. Ornamento e modernismo: a construção de imagens na arquitetura. Rio de Janeiro:Rocco, 2005 , 16.
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(…) George Gilbert Scott constrói um hotel de ligação com a nova estaçãode Saint Pancras, em Londres, em estilo gótico, camuflando a estruturametálica do edifício (…) Essa estrutura (…), no entanto, não precisava demodo algum de uma decoração.
Uma conseqüência dessa ideologia retroativa é a atribuição, à arquitetura das primeiras
décadas do século xx, uma intenção iconoclasta que está longe de ser generalizada, senão no
discurso, ao menos na prática. Giedion acredita poder sistematizar essa arquitetura, que ele
presenciou, por conta de uma “uma unidade verdadeira, mesmo se oculta, uma síntese secreta, na
nossa civilização atual.” Esta consistiria, entre outros, numa suposta rejeição a um certo
estilismo, tido — sem outro fundamento que um olhar superficial sobre a guerra dos estilos —
como a verdadeira essência da arquitetura no século xix. Ao contrário desta, segundo Giedion:
“O movimento contemporâneo não é um ‘estilo’ no sentido usado no século xix de caracterização
da forma. É uma abordagem para a vida que dorme profunda e inconscientemente dentro de
todos nós.” Sem dar excessivo crédito à busca pela misteriosa natureza dessa vida que dorme no
nosso subconsciente, pode-se recorrer, mais uma vez, a Reyner Banham, para desfazer noções pré-
concebidas. Banham, pertencente à primeira geração de discípulos dos mestres modernistas,
discorda da posição de Giedion, pelo menos no que diz respeito ao período ao qual ambos se
referem, a primeira metade do século xx:
Qualquer discussão da arquitetura moderna deve se preocupar em grandeparte com este período de conformidade juvenil quase paranóica, quandoparedes eram brancas, janelas eram amplas, coberturas eram planas,senão… (…)
[(…) George Gilbert Scott construit un hôtel de liaison avec la nouvelle gare Saint-Pancras, à Londres,en style gothique, camouflant la structure métallique de l'édifice (…) Cette structure (…) n’avait pourtantaucunement besoin d’un décor.] Michel Ragon. Histoire de l'architecture et de l'urbanisme modernes. Paris:Casterman, 1986 v. 1: Idéologies et pionniers 1800-1910, 176.
[(…) a true, if hidden, unity, a secret synthesis, in our present civilization.] Giedion, Space, Time andArchitecture, op. cit, vii.
[Contemporary movement is not a “style” in the nineteenth-century meaning of form characterization.It is an approach to the life that slumbers unconsciously within all of us.] Ibid., xxvi-xxvii.
[Any discussion of modern architecture must concern itself largely with this period of almost paranoidteenage conformity, when walls where white, windows large, roofs flat, or else (…)] Banham, Guide toModern Architecture, op. cit, 18.
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Ou seja, aqueles eram os tempos em que o Modernismo era um estilo e não uma causa…
Mesmo para arquitetos partidários de uma renovação arquitetônica, estilo estava longe de ser um
anátema. Joseph Rykwert argumenta que até mesmo Adolf Loos (1870-1933), famoso pelo
bombástico título Ornament und Verbrechen (ornamento e delito), tinha a intenção, mais modesta
do que registra a historiografia, e mais clássica, de se opor ao arbitrário e voluntarioso Art
Nouveau:
Loos empregava livremente ornamentos históricos — não apenas tapetespersas e cadeiras Chippendale, mas até colunas clássicas —, uma vez que osconsiderava objetos perfeitamente legítimos para serem emulados e mesmo[apropriar-se deles].
Loos tampouco previu a modernidade ornamentada do Art Déco. Pelocontrário, ele via o retorno francês ao classicismo como um sinal de que ahumanidade estava retomando o bom senso.
Ainda assim, Ornament und Verbrechen foi rapidamente lido como Ornament ist
Verbrechen, e amplamente entendido como a essência do Movimento Moderno. Um
tradicionalista, o Inspetor dos Monumentos Henri Laffillée, criticava em 1941, mesmo ano da
publicação de Space, Time and Architecture:
Dentre esses cavaleiros da tavola rasa, o mais agressivo de todos preconiza,com uma intensa campanha publicitária, a exclusão total de todos osornamentos, quaisquer que sejam, considerando-os como a sobrevivênciade costumes selvagens tal como era o da tatuagem.
Aparentemente, o que Laffillée menciona é a divulgação da obra do austríaco feita por Le
Corbusier. De maneira semelhante, o volume da Œuvre complète corbusiana referente ao período
1910-1929 vê a dissimulação dos aspectos claramente monumentais do projeto para a Liga das
Nações (Figura 14) sob um memorial de inspiração funcionalista, talvez mais ao gosto de uma
audiência já convertida. Rykwert explica que:
Joseph Rykwert. A sedução do lugar: A história e o futuro da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2004(The Seduction of Place. New York: Pantheon, 2000), 177.
[Parmi ces chevaliers de la table rase, le plus agressif de tous préconise, à grand renfort de publicité,l'exclusion totale de tous les ornements quels qu’ils soient, considérant ceux-ci comme une survivance decoutumes sauvages telle que l'était celle du tatouage.] Henri Laffillée. L'architecture et la décoration de l'âgede pierre à nos jours. Paris: Éditions historiques et religieuses, 1941 v. 3, 1294.
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(…) Corbusier, de maneira mais ou menos deliberada, escondeu a suaintenção narrativa insistindo que o seu projeto não era para um palácio,mas para uma residência — uma residência eficiente e totalmente racionalpara um novo governo mundial. Será que ele achou que o seu aceno parauma compreensão mais convencional da natureza pública de um edifícioseria um tanto [quanto] “não-moderna”?
Não contente, no entanto, em deixar subjacente a associação entre o palácio e a
“residência do governo”, aproximando, portanto, o residencial do monumental, Le Corbusier ainda
acrescenta um toque bucólico em 1943, com um comentário sobre a interação do seu projeto com
o “tema idílico” da zona rural genebrina. Apenas a escala gregária é notória pela sua ausência das
justificativas…
Essa desconstrução historiográfica do pensamento arquitetônico tradicional, que estava
longe de ser sistemática, mas nem por isto era menos eficaz, tem duas conseqüências que se
manifestam no discurso arquitetônico a partir da década de 1940. A primeira diz respeito ao
propósito da arquitetura cívica. Durante a primeira metade do século xx, a principal preocupação
teórica dos modernistas é com a habitação; então, ao final da Segunda Guerra Mundial, os
modernistas se tornam o grupo dominante — para não dizer monopolista — do universo
arquitetônico. Junto à farta discussão sobre as funções básicas de moradia, trabalho e lazer —
todas partes da res economica — falta-lhes uma atitude mais elaborada para com a res publica da
cidade, para além da preocupação, ela própria utilitária, com os transportes. Incentivadas por essa
situação, sucedem-se neste período reflexões a respeito da (e, geralmente, engajadas a favor ou
contra a) relação entre arquitetura cívica e monumentalidade.
A tendência é inaugurada com a obra coletiva Nine points on monumentality, por Josep
Lluís Sert, Fernand Léger e Sigfried Giedion — texto sintético que propõe uma “nova”
monumentalidade, desta feita justificando o hiato cronológico na teoria do monumental como
uma fase de transição — e culmina no ciam de 1951, Heart of the City. Merece destaque um texto
de John Summerson (1948), no qual ele argumenta que o século xx não deve, nem pode, ter uma
Rykwert, A sedução do lugar, op. cit, 191.
Le Corbusier. Mensagem aos estudantes de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2005 (Entretien avecles étudiants des écoles d'architecture, 1943), 40.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
arquitetura monumental, uma vez que a sua característica é a democracia. A justificativa é
bastante erudita e retórica, mas repousa no sofisma da identidade entre estruturas sociais e
princípios artísticos, e é tão ilustrativa da ideologia modernista do pós-guerra que merece uma
transcrição mais extensa:
Devemos acatar, positivamente e sem nos compadecermos de nós mesmos,o fato de que a arquitetura hoje não pode ser monumental. A razão é aseguinte. A arquitetura monumental começa com o templo. O templo éum edifício para além da escala humana, construído para abrigar umapersonagem para além da condição humana — um Deus. O templo é umedifício cuja escala é deliberadamente aumentada para além da escalatrivial das necessidades humanas, para expressar a idéia de algo maior doque a humanidade. (…) A monumentalidade em arquitetura (…) foiassumida pelos palácios de reis, imperadores, duques e senhores muitoricos; mais tarde para os palácios de empresas e instituições; ainda maistarde para os locais (a rigor, palácios) de grandes organizações comerciais.Em todos esses casos é principalmente a arquitetura dos templos que foiusada — ou seja, a arquitetura clássica. (…)
Hoje, procurar ser monumental é ser falso perante o nosso próprio tempo.Excetuadas as igrejas e algumas outras coisas muito excepcionais, osgêneros de edifícios que necessitamos não têm aptidão para omonumental. (…) Até mesmo teatros e grandes salões parecem terperdido totalmente aquele caráter de serem lugares de reunião formal quejustificaria sua concepção em termos monumentais.
A segunda conseqüência da destruição do sistema acadêmico está ligada à técnica da
composição arquitetônica. Uma vez que as regras que regiam o decoro e o caráter, na tradição
[We must accept, willingly and without self-pity, the fact that architecture today cannot bemonumental. Reason is thus. Monumental architecture begins with the temple. The temple is a buildingof more-than-human scale, built to house a more-than-human personage—a God. The temple is abuilding whose scale is deliberately increased beyond the ordinary scale of human needs to express the ideaof something greater than humanity. (…) Monumentality in architecture (…) has been appropriated forthe palaces of kings, emperors, dukes and very rich gentlemen; later for the palaces of corporations andinstitutions; later still for the premises (call them palaces if you must) of large commercial organizations.In all these cases it is principally the architecture of temples which has been used—in other words classicalarchitecture. (…) / Today, to endeavour to be monumental is to be untrue to our own times. Except forchurches and certain other very exceptional things, the kind of buildings we need have no aptitude to themonumental. (…) Even theatres and great halls seem entirely to have lost that character of being places offormal assembly which would warrant their being conceived on monumental lines.] Summerson, TheMischievous Analogy, op. cit, 203-204.
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acadêmica, eram essencialmente convenções, e que o caráter imitativo decorrente dessas
convenções “pode ser submetido a observações uniformes e a regras constantes”, estas convenções
e este caráter podiam ser, e de fato eram, ensinados e debatidos. O sistema garantia a produção de
obras que, mesmo quando desprovidas de genialidade, eram “sociáveis” no contexto urbano. Uma
vez que as vanguardas artísticas rejeitam, por princípio, a idéia de convenção, e que o caráter, em
sendo o veículo do tão detestado “estilo”, é degradado juntamente com este, perdem-se os pontos
de referência que permitem ao arquiteto situar a sua obra no conjunto.
Naturalmente, os primeiros mestres modernistas — as gerações de Behrens e Mies, Perret
e Le Corbusier — tinham um domínio fluente da contextualização, ainda que usando a estética
vanguardista. O mesmo não se aplica, no entanto, aos discípulos desses pioneiros: se o
Modernismo não apaga a formação acadêmica dos mestres, ele certamente interrompe a
transmissão dos conhecimentos dessa tradição; o resultado da interrupção é logo constatado, mas
não imediatamente compreendido. Giedion concede, aparentemente sem entender a implicação
mais geral para a qualidade do ambiente construído, que:
Com razão, tem-se ouvido advertências de vários lados como que oexemplo de Ronchamp nas mãos do arquiteto médio pode ser umainfluência desastrosa.
A “solução” proposta por Giedion, contudo, é a de fazer com que todo arquiteto tenha a
formação multidisciplinar de um Le Corbusier, o que lhe permitiria, supostamente, ter a mesma
genialidade. Será preciso esperar 1964 para ver Christopher Alexander, em Notes on the Synthesis of
Form, explicitar o problema do artista desprovido de regras de composição:
Espantado, o criador da forma está só. Ele tem que produzir formasclaramente concebidas sem a possibilidade de tentativa e erro ao longo dotempo. Ele deve ser encorajado agora a pensar na sua tarefa desde oprincípio, e a “criar” a forma que o interessa, já que o que antes se estendiapor várias gerações de desenvolvimento gradual agora é tentado por umúnico indivíduo.
[With good reason, warnings have come from many sides that the example of Romchamps [sic] in thehands of the average architect can be a disastrous influence.] Giedion, Space, Time and Architecture, op. cit,xlii-xliii.
[Bewildered, the form-maker stands alone. He has to make clearly conceived forms without the
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Alexander atribui essa solidão do criador, que não pode se pautar por regras consensuais
sobre a produção arquitetônica, a uma atitude exacerbada no século xx que consiste na
impossibilidade de se enunciar juízos de valor a não ser do ponto de vista de uma opinião pessoal.
É essa mesma atitude que, na obra de Alois Riegl, exclui com resignação fatalista a catagoria de
“monumento artístico” do instrumental do historiador da arte. Em The Nature of Order (2003),
Alexander critica:
No âmbito de uma visão de mundo na qual enunciados de valor nãopodem, dentro do cânone estabelecido, ser considerados comopotencialmente verdadeiros ou falsos, não podemos (em teoria) discutircom legitimidade o que estamos fazendo enquanto arquitetos, comqualquer esperança de alcançarmos um consenso. Se aceitarmos a idéiadominante no século xx, de que enunciados de valor são —necessariamente — apenas postulados de opinião, é por princípioimpossível chegar a qualquer conclusão razoável e coletiva com respeito aoprocesso de se fabricar o ambiente — somente a conclusões arbitrárias eindividuais.
Apesar de rejeitar, ostensivamente, um retorno à tradição do século xix, Alexander aceita,
sem lhe dar o crédito da autoria, a concepção tradicional, predominante na teoria acadêmica, de
que o decoro é tão parte integrante da composição arquitetônica quanto a distribuição funcional:
(…) a Ordem é profundamente funcional e profundamente ornamental.Não há diferença entre a ordem ornamental e a ordem funcional.Aprendemos a ver que, apesar de parecerem diferentes, na verdade elas sãoapenas aspectos diversos de uma única forma de ordem.
possibility of trial and error over time. He has to be encouraged now to think his task through from thebeginning, and to “create” the form he is concerned with, for what once took many generations of gradualdevelopment is now attempted by a single individual.] Christopher Alexander. Notes on the Synthesis ofForm. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1964 (1961), 4-5.
[Within a world-view in which statements about value are not allowed, by the accepted canon, to beconsidered as potentially true or false, we cannot (in theory) legitimately discuss what we are doing asarchitects with any hope of reaching consensus. If we accept the 20t-century idea that statements of valueare—of necessity—merely statements of opinion, it is in principle impossible to reach any sensible sharedconclusion in the process of making the environment—only arbitrary and private conclusions.]Christopher Alexander. The Nature of Order. Berkeley: Center for Environmental Structure, 2003, v. 1: ThePhenomenon of Life, 17.
[(…) Order is profoundly functional and profoundly ornamental. There is no difference betweenornamental order and functional order. We learn to see that while they seem different, they are really only
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
Era, talvez, esta integração que os primeiros mestres modernistas tinham em mente ao
proclamar que os elementos do programa eram o ornamento do século xx. De qualquer maneira,
é certo que estes mestres tinham um domínio da ordem arquitetônica muito mais amplo do que a
mera associação da celebração do programa funcional com a celebração da máquina. Esta ordem
tampouco era algo esotérico, como o que Giedion alegava ser o “novo regionalismo” do pós-
guerra: “realizado não por meio da adoção das formas do passado, mas pelo desenvolvimento de
uma ligação espiritual.” Ela consistia, na verdade, em grande parte na transposição — e em
alguns casos inversão consciente — dos princípios de ordem acadêmicos para a estética
modernista.
different aspects of a single kind of order.] Ibid., 22.
[(…) not achieved by adopting the forms of the past but by developing a spiritual bond.] Giedion,Space, Time and Architecture, op. cit, xxxi.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Arquitetura cívica
Figura Um bairro de Quioto, com os “machi” delimitados por nuvens
douradas
Fonte: Detalhe do par de biombos Funaki, do gênero Rakuchūrakugai zu, -, apud Penelope E Mason. History of Japanese
Art. New York: Abrams, , lâmina
Figura Templo de Vesta no fórum romano
O templo era depositário de um fogo que nunca era apagado, tidocomo essencial para a prosperidade de Roma
Fonte: Soprintendenza Archeologica di Roma. Il foro romano. Milano:Electa, , figura
Figura Léon Krier. La vraie ville
Fonte: Krier, Architecture : choix ou fatalité, op. cit, .
Figura A.C. Quatremère de Quincy: púlpito da igreja de Saint-Germain des
Prés, Paris,
Fonte: Robin Middleton e David Watkin. Architecture of theNineteenth Century. History of World Architecture. Milano: Electa,
, figura
Figura Panorama de Pompéia, um monumento histórico
Fotografia nossa
Figura Salomon de Brosse. Palais du Luxembourg, Paris, -
Antiga residência de Catarina de Médicis, sogra do rei Henrique iv, eatual sede do Senado da república francesa
Fotografia nossa
Figura Abade Laugier. A cabana primitiva, litografia por Eisen
Fonte: Gustavo Rocha-Peixoto. Reflexos das Luzes na terra do Sol:Sobre a Teoria da Arquitetura no Brasil da Independência, -.
São Paulo: ProEditores, , figura
Figura Le Corbusier. Projeto para a sede da Liga das Nações,
Fonte: Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Œuvre complète. Zürich:Éditions d’Architecture, v. : -,
capítulo
A natureza do objeto cívico
Como ponto de partida, consideramos que existem diferentes maneiras de fazer a
monumentalidade, enquanto elemento excepcional da malha urbana, coexistindo na produção
arquitetônica do período entre guerras, as quais podem ser encontradas sem distinção de estilo
nos exemplares monumentais elaborados seja segundo o método Beaux-Arts, seja segundo o
modernista.
O principal argumento demonstrando que o método Beaux-Arts não era uma questão de
estilo é a sua persistência no ensino da arquitetura modernista. O arquiteto argentino Alfonso
Corona Martinez mostra que o método didático acadêmico, centrado no atelier de projeto,
continua predominante nas escolas de arquitetura atuais. Especificamente, Corona Martinez
explica que:
O sistema da École de[s] Beaux-Arts tem um efeito mais geral que suasparticularidades, algumas de pertinaz sobrevivência em sistemas de ensinoque, sob outros aspectos, nada têm a ver com ele. Refiro-me ao postulado,com valor de axioma, segundo o qual se aprende a ser arquiteto pelarealização de uma série de projetos teóricos, de complexidadeconvencionalmente crescente, sem que haja uma verificação prática e semuma relação estreita com as disciplinas auxiliares que se ocupam dosaspectos materiais dos objetos que são projetados.
Este sistema continua estruturando as escolas de arquitetura (…).Nenhuma dessas influências que rodeiam o tronco central do currículo,constituído por uma sucessão de projetos, consegue transformar essedesenvolvimento autônomo que confirma sua origem naquele processoidealizado há mais de dois séculos.
Alfonso Corona Martínez. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Editora UnB, 2000 (Ensayo sobre el proyecto.Librería Técnica, 1991), 27.
Distingue-se apenas o método moderno, batizado com a inadequada metonímia “projeto
funcionalista”, pela imitação de modelos aclamados no lugar da imitação de tipos ideais. Além
disso, aponta Corona Martinez, “um terceiro e surpreendente critério é a originalidade da
proposta” — originalidade essa que, obviamente, não pode ser descrita por nenhum “método”
pedagógico, por mais elevado que seja o seu prestígio no contexto arquitetônico do século xx.
. Arquitetura da cidade
O enfoque tradicional coloca, sem maiores questionamentos, a arquitetura cívica e
religiosa no topo da hierarquia, e a utilitária no extremo inferior. Ao tratar da arquitetura cívica
no conjunto acadêmico, não devemos perder de vista o principal tour de force que o método
Beaux-Arts tornava possível: a inserção do mais grandioso monumento na malha urbana mais
convencional, de modo que esta reconhecesse a supremacia do primeiro, e aquele contribuísse
para a dignidade desta última. A facilidade com que um edifício ou um conjunto monumental
acadêmico se insere no contexto (Figura 15) é tanto mais surpreendente quanto se recorda a
capacidade de destruição do tecido urbano que a teoria da arquitetura moderna propiciou (Figura
16). Ainda que freqüentemente acusado de fomentar um estilo internacional avant la lettre, a
arquitetura cívica Beaux-Arts invariavelmente se constitui ao mesmo tempo como resposta às
necessidades internas do programa e aos condicionantes do contexto urbano no qual se insere.
A integração entre monumento e contexto se traduz, na prática, por uma proximidade
considerável entre a arquitetura utilitária e a cívica. As diferenças entre ambas não tocam na
essência do que seja arquitetura ou na natureza da construção. O objeto cívico, simplesmente,
pode ter uma implantação monumental, e responderá na sua forma a esta situação. Argumenta-se,
Ibid., 62.
Ibid., 62.
Krier, Architecture : choix ou fatalité, op. cit, 31.
Épron, Comprendre l'éclectisme, op. cit, 142.
Julien Guadet. Éléments et théorie de l’architecture. Paris: Aulanier, 1901, v. 1, 143.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
freqüentemente, que a arquitetura modernista não se relaciona com o contexto urbano da cidade
tradicional, ou, na crítica mais sofisticada do historiador da arquitetura Thomas Schumacher, que
o edifício modernista é incapaz de assumir os compromissos e as deformações inerentes a um
enfoque tipológico da inserção na malha urbana. Sem contestar a existência de inúmeros
exemplos de modernismo anti-urbano, podemos contudo avançar que todo edifício está em
relação com o seu entorno, e essa relação pode ser analisada de um ponto de vista externo às
prescrições teóricas do movimento.
É lícito e produtivo, portanto, estudar a implantação de edifícios modernistas do mesmo
modo que se estuda a implantação daqueles acadêmicos — na verdade, o argumento pela
especificidade modernista tem, muitas vezes, o intuito velado de eximir as manifestações do
Movimento Moderno de críticas pertinentes quanto à sua condição de objetos urbanos. Para
proceder a uma análise frutífera, é preciso ficar indiferente ao enfoque teleológico da obra
modernista como promotora de uma nova e hipotética ordem urbana. O que interessa não é saber
como o monumento cívico ficaria na ville contemporaine, mas como ele de fato fica quando
inserido na vieille ville. Usar os mesmos modelos para avaliar a implantação da arquitetura
modernista e da acadêmica, como faz por exemplo Holston com o método do fundo-figura
aplicado à cidade modernista, pode parecer um vício na medida em que o modernismo propõe
uma realidade sócio-espacial diversa daquela criada pela arquitetura tradicional. Mas, como já foi
advertido, não devemos dar excessivo crédito ao discurso em detrimento do objeto, nem temos
que acatar as prescrições modernistas: pesquisas que não se rendem ao relativismo do discurso,
como a Sintaxe Espacial, apontam para a existência de parâmetros mensuráveis que tornam
legítima a análise da implantação.
Por exemplo, em Krier, Architecture : choix ou fatalité, op. cit, 59.
Thomas L. Schumacher. “Contestualismo: ideali urbani deformati”. Casabella 359-360, 1971 , 80.
James Holston. The Modernist City: An Anthropological Critique of Brasília. Chicago: Chicago UniversityPress, 1989 , 119-127.
Frederico de Holanda. O espaço de exceção. Brasília: Editora UnB, 2002 , 86.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
É importante destacar, ainda, que se há uma teoria modernista que busca eliminar
qualquer resquício da espacialidade tradicional, não são poucos os exemplos que, sem prescindir
da estética “nova”, valem-se dos princípios de implantação legados pela cidade tradicional:
podemos citar as ampliações de Amsterdã e as cidades fundadas pela Itália fascista (Littoria,
Pontinia, Sabaudia, Aprilia e Adis Abeba), que contam com um grande número de edifícios
indubitavelmente modernistas, como exemplos notáveis deste fato.
. A importância da percepção visual
Philippe Panerai denuncia, a propósito do urbanismo modernista, a tendência de se
valorizar excessivamente o desenho, a “figura no chão”, em detrimento de outros elementos de
projeto — ironicamente, a mesma acusação que Le Corbusier fazia aos arquitetos acadêmicos
supostamente mais preocupados com o traçado dos eixos (faire l'étoile) do que com a distribuição
funcional. Não obstante essa troca de acusações entre modernistas e anti-modernistas, cada qual
acusando o outro de dar mais importância à concepção abstrata do projeto do que à sua percepção
prática, é preciso reconhecer que uma preocupação maior da tradição clássica e, por extensão,
acadêmica, era justamente o efeito visual da composição na prática. Os tratados de arquitetura
raramente justificam os programas ornamentais propostos sem se referir aos seus efeitos ópticos
sob a luz, como um fator tão ou mais importante do que a origem construtiva das molduras. Até
mesmo Choisy, que na sua famosa História da arquitetura anunciava a remoção de “detalhes
supérfluos” das ilustrações para não perder de vista o conjunto, explica longamente as diferentes
formas de molduras gregas com respeito às diversas condições de iluminação (Figura 17).
Em Archetypes in Architecture, Thomas Thiis-Evensen estuda as diversas configurações
possíveis de paredes, pilares, pisos e coberturas, determinando para cada variação o seu efeito no
Panerai, Análise urbana, op. cit..
Le Corbusier. Vers une architecture. Paris: Flammarion, 1977 (Paris: Crès, 1923).
Auguste Choisy. Histoire de l'architecture. Paris: Vincent, Fréal & cie, 1964 , 7.
Choisy, Histoire de l'architecture (1899), op. cit, 318-327.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
observador. A argumentação se dá com croquis analíticos amparados em exemplos concretos,
conferindo credibilidade à análise e permitindo que o seu método seja reaproveitado em pesquisas
subseqüentes.
Se Thiis-Evensen trata da experiência da forma construída, Alexander, por outro lado,
concentra-se no processo de criação da ordem. Ainda que enfatizando a natureza holística da
produção arquitetônica, ele enumera quinze “propriedades fundamentais” , dentre as quais a
existência de uma variedade de campos simétricos (local symmetries) é a mais característica. O
mesmo Alexander concorre com o historiador da arte Ernst H. Gombrich (1909-2001) ao atentar
para a importância de três fatores na composição: a escala visual, as bordas e os contrastes.
Destes, a escala é o elemento mais “arquitetônico”, fundamentalmente relacionado à medida do
corpo humano. Ainda que autores como Lucio Costa pretendessem abstrair o corpo, sobrepondo-
lhe a consciência como unidade de medida, Gombrich alerta que a configuração geométrica não
é percebida de maneira independente de suas medidas físicas. Os autores do manual britânico
Responsive Environments vão pelo mesmo caminho, apresentando de modo muito pragmático a
série de escalas em que um objeto arquitetônico pode ser percebido no meio urbano.
A simetria, assunto polêmico na estética modernista, é entendida de uma maneira bastante
elementar, ainda que pouco óbvia, e parecida, na obra do acadêmico Guadet e na do cientista
Alexander. Este ataca as simplórias simetrias neoclássicas, na medida em que seus eixos bilaterais
repetitivos são lidos como construções mecânicas, avessas às redes de simetrias mais complexas
Christopher Alexander. The Nature of Order. Berkeley: Center for Environmental Structure, 2003, v. 2:The Process of Creating Life, 8.
Alexander, The Nature of Order, op. cit, 144.
Ibid., 20.
Ibid., 144 e Gombrich, The Sense of Order, op. cit., 117, 165.
Lucio Costa. Arquitetura. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005 , 23.
Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 117.
Bentley et al., Responsive environments: A manual for designers, op. cit, 94.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
encontradas na natureza e nas grandes obras do gênio humano. Para ambos os autores, a simetria
ou assimetria no conjunto de uma obra não se constituem em decisões de projeto a priori, mas
são resultado de um processo que integra condicionantes de programa, de sítio e contexto, e de
percepção. Nessa linha de pensamento, um elemento será simétrico sempre que não houverem
fatores determinantes pedindo a assimetria. A “beleza da simetria” faz parte da arquitetura tanto
quanto o emprego adequado das escalas, bordas, e outros elementos de projeto.
. Teorias do século XX
.. O cívico e o trivial
A primeira questão a ser abordada no domínio da composição cívica diz respeito à própria
natureza desta arquitetura. Se há, no plano conceitual, uma distinção entre a res economica e a res
publica, cabe então considerar como esta distinção se reflete na composição. Excluída, em virtude
das conclusões tiradas no capítulo 1, a possibilidade de que a arquitetura cívica e a trivial sejam de
caráter idêntico, existem, por definição, três possibilidades elementares para se efetuar esta
separação: a arquitetura cívica pode ser um subconjunto da arquitetura trivial; a arquitetura trivial
pode ser uma derivação da arquitetura cívica; ou finalmente, a arquitetura cívica e a trivial podem
ser de naturezas fundamentalmente diversas.
As três proposições não se referem a um estado de fato, que caberia desvendar de maneira
absoluta ao contrário da distinção entre res publica e res economica. Trata-se, pelo contrário, de três
atitudes diversas para com a arquitetura cívica e a sua inserção na malha da res privata. Nas
percepções atuais do papel da arquitetura, por exemplo, pode-se discernir uma tendência por
considerar o objeto cívico como tendo uma essência diferente da malha urbana. Andrés Duany,
profissional e teórico do urbanismo, sustenta em The New Civic Art que é preciso contrapor, à
regulamentação de gabarito e forma imposta às edificações da res privata, a excepcional liberdade
Alexander, The Nature of Order, op. cit, 186.
Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 128.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
para que edifícios importantes possam expressar seu “mérito” arquitetônico. A fotografia de capa
do livro, ainda que beirando o clichê, reafirma essa opinião ao mostrar o Museu Guggenheim de
Bilbao, por Frank Gehry, visto por entre os edifícios tradicionais alinhados numa rua-corredor da
cidade (Figura 18).
Uma atitude semelhante pode ser inferida das polêmicas declarações de Rem Koolhaas em
S, M, L, XL (1995). No capítulo “Whatever happened to urbanism?”, que de certa forma resume
e conclui o argumento do livro, Koolhaas sugere que o único campo de atuação que reta ao
arquiteto-urbanista na metrópole globalizada é o de contrapor, a uma malha viária — isto é, à
infra-estrutura da malha urbana tridimensional — monótona e tornada ilegível, a mais extrema
variedade de soluções na forma edilícia. Para Koolhaas, então, cada edifício, independentemente
do seu propósito, se torna um monumento cívico pela simples oposição à trivialidade do espaço
público. Essa postura, ao conferir um papel cívico à arquitetura da res privata, de modo algum
invalida a distinção entre monumental e trivial mas, ao contrário, exacerba a tensão entre ambos,
ao ver de forma fatalista e improdutiva a inversão de propósitos presente na monumentalização da
res privata frente à trivialização da res publica.
Nesse sentido, a coletânea de projetos New Public Architecture, apesar de sua reduzida
contribuição teórica, é relevante por expressar um ponto de vista característico do ambiente
arquitetônico contemporâneo — o seu autor, Jeremy Myerson, é um ex-editor de World
Architecture, a revista do Royal Institute of British Architects. Logo no primeiro parágrafo da
introdução, Myerson avisa o leitor que a arquitetura pública digna de entrar no livro se
caracteriza, antes de mais nada, pela mais absoluta diferença, alcançada por meio do culto à
novidade:
Andrés Duany, Elizabeth Plater-Zyberk, e Robert Alminana. The New Civic Art: Elements of TownPlanning. New York: Rizzoli, 2003 , passim.
Rem Koolhaas. Whatever happened to urbanism? In: Rem Koolhaas, Bruce Mau, Jennifer Sigler, eHans Werlemann (orgs.), S, M, L, XL. Rotterdam: 010 Publishers, 1995, 960-971.
Ibid., 964-965.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
Estes projetos, diversos em escala e em tipo, desde a menor cabine policialaté a mais grandiosa casa de ópera, foram escolhidos porque elesdemonstram abordagens novas e radicais para o projeto dos marcos e dosequipamentos públicos que dão às cidades, regiões e nações as suasidentidades. (…) a seleção também inclui vários outros exemplos menostradicionais de arquitetura pública — piscinas e uma sinagoga, um aquárioe uma embaixada.
O valor intrínseco da diferença “radical”, tal como retratado por Myerson, parece ser uma
herança do Movimento Moderno. À luz do texto de Koolhaas, contudo, essa contradição
implícita entre o cívico “radical” e a malha convencional parece mais uma reação conformista
diante da impossibilidade de se “radicalizar” o trivial. Ao contrário de Duany, que propõe
explicitamente o controle da arquitetura privada dentro de uma solução de uniformidade e a
liberdade para o monumento cívico, os autores vanguardistas subscrevem uma versão moderada
do culto à novidade de inspiração futurista.
Já os arquitetos do Movimento Moderno, mesmo quando não rejeitavam a simples noção
de monumentalidade cívica, não consideravam possível uma separação entre o projeto cívico e o
privado. Walter Gropius, ainda que elusivo quanto à definição de monumento e à sua pertinência,
considera o espaço urbano de maneira suficientemente holística para incluir uma breve discussão
do monumental na sua teoria da unidade de vizinhança.
Mas, à parte a polêmica conceituação da monumentalidade, assunto delicado para um
modernista, Gropius não deixa dúvidas sobre a importância da esfera cívica, para ele associada
exclusivamente — funcionalismo oblige — aos espaços abertos de atividade de encontro social:
[These projects, diverse in scale and type, from the smallest police booth to the grandest opera house,have been chosen because they demonstrate radical new approaches to the design of the public landmarksand facilities that give cities, regions and nations their identities. (…) the selection also includes manyother less traditional examples of public architecture—swimming baths and a synagogue, an aquarium andan embassy.] Jeremy Myerson e Jennifer Hudson. New Public Architecture. London: Laurence King, 1996 ,6.
Gropius, Bauhaus, op. cit, 187-188..
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
(...) nas cidades modernas, as praças seriam particularmente necessárias aospedestres, pois aí, no contacto e intercâmbio cotidianos entre os homens,uma forma de vida democrática lograria o seu melhor apoio.
Em todo caso, é difícil saber que forma essas praças tomavam na imaginação de Gropius,
que rejeitava tanto o clichê “dos caprichos modernistas de alguns arquitetos maníacos por
novidades” quanto “a idéia de procurar uma expressão monumental com a ajuda de símbolos
formais convencionais” .
Mesmo um modernista pouco convencional, como Eliel Saarinen, não demonstra
nenhum apreço pela monumentalização da esfera cívica. Para Saarinen, a arte cívica se resume às
quatro funções corbusianas — habitação, trabalho, locomoção e lazer. Nem em Search a Form,
nem no mais detalhado The City, o arquiteto finlandês faz a ponte entre a celebração das catedrais
da Idade Média e prescrições sobre a arquitetura cívica do presente.
O que se pode depreender de certos textos de inspiração modernista, inclusive os de
Saarinen, é a existência de uma mais ou menos elusiva sintonia entre as grandes obras da
arquitetura de cada época e o espírito geral — poderíamos dizer vernáculo — da construção
contemporânea. Saarinen generaliza essa sintonia para as obras-primas das outras artes, além da
arquitetura, com uma declaração bombástica: “Claro, Beethoven foi grande. Mas ele foi grande
justamente porque ele sentiu as características fundamentais do seu tempo e foi capaz de dar-lhes
a mais honesta interpretação musical. Em verdade, eis a sua real grandeza.”
Um tal ponto de vista acaba por sugerir, em última análise, que as grandes obras nada
mais são do que casos especiais dentro do conjunto da cultura de uma época, onde ocorre uma
feliz colusão das “características fundamentais” de uma sociedade. Edgar Graeff, um dos raros
Ibid., 187.
Ibid., 97.
Ibid., 188.
[For sure, Beethoven was great. But he was great just because he sensed the fundamental characteristicsof his time and was able to give them the truest musical interpretation. Indeed, herein lay his realgreatness.] Eliel Saarinen. The Search for Form in Art and Architecture. New York: Dover, 1985 (Search forForm: A Fundamental Approach to Art. New York: Reinhold, 1948), 160.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
teóricos modernistas a não evitar e nem mitigar o uso da palavra “monumentalidade”, não entra
no mérito do Zeitgeist, mas também contribui para esse entendimento do extraordinário como
advindo de uma simples distorção e elevação do ordinário: “A monumentalidade vem a ser,
portanto, a qualidade capaz de imprimir significação especial ao edifício, para destacá-los dos
demais.”
Walter Gropius, por sua vez, contrapõe à “grandeza física” do monumento sua preferência
pela “qualidade artística” e pelo “valor espiritual” de uma arquitetura cívica do século xx.
Igualmente ambígua com relação à natureza da arquitetura cívica é o memorial “Palais pour la
Société des Nations à Genève” de Le Corbusier, que acompanha as imagens do projeto na Œuvre
complète. No texto, a oposição se dá entre o “acadêmico” e o “novo”, e não entre “monumental” e
“utilitário”, apesar de que o projeto é descrito como “uma casa de trabalho prática e
correspondendo ao estado contemporâneo.” . Em 1929, no entanto, Le Corbusier publicara um
artigo na Architectural Record, iniciando com a exortação a respeito do uso e da expressão na
arquitetura moderna: “não devemos confundir a demonstração exterior, por mais impressionante
que seja, com uma verdade essencial que ainda está indistinta no turbilhão de uma época em
plena evolução.”
Aqui fica evidente que a “demonstração exterior” não se refere à grandiosidade, pois o
artigo é ilustrado com o projeto do Centrosoyus (Figura 19) e com o monumentalizado
cruzamento de auto-estradas no centro do Plan Voisin. Na verdade, o autor esclarece que ele
rejeita uma “eloqüência formal” excessivamente voltada para a representação forçada de novidades
tecnológicas.
Edgar Albuquerque Graeff. Uma sistemática para o estudo da teoria da arquitetura. Goiânia: Trilhasurbanas, 2006 (URGS: Tese de livre-docência, 1959), 21-22.
[une maison de travail pratique et correspondant à l'état contemporain] Le Corbusier e Jeanneret,Œuvre complète, op. cit, 160.
[Let us not confuse outward show, however impressive, with an essential truth which is still indistinctin the whirlpool of an epoch in the full tide of evolution.] Le Corbusier. “Architecture, the Expression ofthe Materials and Methods of Our Times”. Architectural Record 117(8), 1929 , 123.
Ibid., 123.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
Entretanto, raros são os escritos modernistas versando sobre o tema e datados do período
em estudo. Os textos de Gropius, Graeff e Saarinen, bem como o vazio Nine Points on
Monumentality, datam dos anos 1940 e 1950. Essa circunstância é bastante infeliz, uma vez que a
arquitetura cívica vive um declínio marcado justamente na época em que os modernistas mais
publicam. Frampton resume o estado de espírito pouco afeito à realização de obras monumentais:
Depois da guerra o clima ideológico geral do Ocidente estava hostil aqualquer modo de monumentalidade. A Liga das Nações foradesacreditada, os britânicos haviam conferido à Índia sua independência, eos regimes que haviam feito da Nova Tradição um instrumento de políticanacional eram vistos como anátema. Além disso, as vantagensmanipulativas de outros modos de representação ideológicas, menospermanentes mas mais baratos, mais flexíveis e mais penetrantes, foramlogo vistos como muito superiores à eficácia da arquitetura.
Esse declínio é sentido não apenas na produção de edifícios, mas também na sua
preservação. Na carta de Atenas dos restauradores como na do ciam, o monumento é descrito
enquanto objeto datado de existência autônoma. Já na carta de Veneza, de 1964, ele fica
relegado — com razão, convenhamos — ao papel de ponto de destaque dentro de um conjunto
histórico.
Talvez esse fato não seja de todo surpreendente, uma vez que o caráter cívico da
arquitetura é uma expressão formal, por definição, enquanto que a ênfase nos discursos
modernistas é de ordem sociológica e industrial, como lembra — devendo algumas ressalvas — o
crítico de arquitetura Colin Rowe (1974):
Assim, a leitura mais superficial de qualquer um dos pronunciamentos dosgrandes novadores da década de 1920 sugere que para personagens comoLe Corbusier, Mies van der Rohe, e Gropius, a existência de quaisquerditos princípios de composição tais como os acadêmicos presumiam não era
[After the war the general ideological climate of the West was hostile to any kind of monumentality.The League of Nations had been discredited, the British had granted India her independence and therégimes that had made the New Tradition into an instrument of national policy were regarded asanathema. Moreover, the manipulatory advantages of less permanent but cheaper, more flexible and morepenetrating modes of ideological representation were soon seen as far surpassing the effectiveness ofarchitecture.] Frampton, Modern Architecture: A Critical History, op. cit, 222.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
só duvidosa, era irrelevante. Esses homens estavam convencidos de queuma arquitetura autêntica só podia ser uma racionalização de fatosobjetivos.
Contudo, a cisão pretendida por Rowe entre uma arquitetura de “fatos objetivos” e outra
com bases empíricas e, por oposição, subjetivas, remete a uma dicotomia marxista entre estrutura
e ideologia, cuja relevância para o assunto em questão está longe de ser consensual. O próprio
movimento vanguardista batizado de Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade) estava fortemente
impregnado das atitudes pessoais de seus protagonistas. E Le Corbusier, num trecho de Vers une
Architecture tão famoso que poderia ser considerado um lugar-comum do modernismo, mostra os
limites do seu apreço pela “objetividade” dos engenheiros:
Utilizamos a pedra, a madeira, o cimento; com eles fazemos casas, palácios;é a construção. A engenhosidade trabalha.
Mas, de repente, você me interessa fortemente, você me faz bem, sou feliz,digo: é belo. Eis aí a arquitetura. A arte está aqui.
Minha casa é prática. Obrigado, assim como obrigado aos engenheiros dasestradas de ferro e à Companhia dos Telefones. Vocês não tocaram meucoração.
De qualquer maneira, mesmo com a relativa ausência da temática cívica dos textos
modernistas, na prática dos integrantes do Movimento Moderno o monumento comemorativo —
território por excelência da elaboração formal desprovida de qualquer preocupação
funcionalista — também está presente: basta citar o projeto para a torre da Terceira
Internacional, de Tatlin (1919, Figura 20), o memorial a Rosa Luxemburgo, de Mies van der Rohe
(1925, Figura 21), e aquele para o monumento a Paul Vaillant-Couturier, por Le Corbusier (1938,
Figura 22), além, é claro, dos pavilhões de exposição, dentre os quais se destacam o do Esprit
[Thus the most cursory reading of any of the pronouncements of the great innovators of the 1920’ssuggests that for such figures as Le Corbusier, Mies Van der Rohe, and Gropius, the existence of any suchprinciples of composition as the academicians presumed was not only dubious but irrelevant. These menwere convinced that an authentic architecture could only be a rationalization of objective facts.] ColinRowe. Character and Composition; Or Some Vicissitudes of Architectural Vocabulary in the NineteenthCentury. In:. The Mathematics of the Ideal Villa and Other Essays,. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1976(Oppositions 2, 1974), 60.
Le Corbusier. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1994 (Vers une architecture. Paris: Crès,1923), 105.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
Nouveau em 1925 e o da Alemanha em 1929. Na verdade, segundo Franco Borsi, os únicos
modernistas declaradamente anti-monumentais seriam os historiadores:
(…) o paradigma da modernidade, entendida no sentido mais estrito,impediu os historiadores de dar valor a essa tentativa; ela foi devidamenteliquidada enquanto compromisso conservador, ou então eles se limitaram aemitir juízos sem recurso a partir do que se supunha que correspondiamais ou menos aos dogmas do Movimento Moderno. Em todo caso, tudoisso foi julgado e condenado na íntegra, sem analisar seriamente ascomponentes e os pontos de amarração, ao contrário do que se deu naspesquisas exaustivas sobre o Art Nouveau e o Art Déco (…)
Se a concepção modernista com respeito à natureza da arquitetura cívica é elíptica nos
textos, os mesmos deixam claro que, qualquer que seja a expressão cívica apropriada para a
“modernidade”, ela estará submetida a uma espécie de civismo utilitário centrado na habitação e
nos transportes, como que um caso especial — lembrando as definições de Saarinen e Graeff —
no universo da arquitetura trivial. Mas, se a teoria e a prática da arquitetura cívica segundo o
Movimento Moderno são ambíguas e variadas, o mesmo não se pode dizer de certos arquitetos
tributários de outros movimentos.
Friedrich Tamms, arquiteto bastante prestigiado na Alemanha nazista, afirma, em uma
polêmica contra o organicismo da arquitetura trivial em 1944, que “não é o grande que nasce do
pequeno, mas o pequeno, o comum, o cotiniano que tira a sua existência do grande. No princípio
era o grande!” Tamms, enquanto êmulo de Albert Speer, se opõe, portanto, à primazia da
arquitetura trivial no modernismo mas também no Heimatstil de Schweizer e da escola de
Stuttgart, grupo de arquitetos que — com tanto apoio do regime quanto o grupo de Speer —
[(…) le paradigme de la modernité, entendue au sens strict, a empêché les historiens d’accorder de lavaleur à cette tentative ; ils l'ont proprement liquidée en tant que compromis conservateur ou ils se sontlimités à prononcer des jugements sans appel à partir de ce qui était censé plus ou moins correspondre auxdogmes du mouvement moderne. On a en tout cas jugé et liquidé tout cela en bloc, sans en analysersérieusement les composantes et les points d’ancrage, à l'inverse de ce qui s’est passé dans les recherchesexhaustives sur l'Art nouveau et l'Art déco (…)] Borsi, L'ordre monumental, op. cit, 55.
[(…) ce n’est pas le grand qui naît du petit, mais le petit, le commun, le quotidien qui tire son existencedu grand. Au début était le grand !] Apud Hartmut Frank. La loi dure et la loi douce : monument etarchitecture du quotidien dans l’Allemagne nazie In: Jean-Louis Cohen (org.), Les années 30 : l'architectureet les arts de l'espace entre industrie et nostalgie. Paris: Éditions du Patrimoine, 1997, 200.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
“buscava dar [à arquitetura moderna] um sentido regionalista e contextual, para usar uma
terminologia contemporânea, reconciliar o moderno e a tradição” , nas palavras de Hartmut
Frank.
Por outro lado, não cabe sobrepor a oposição entre a primazia do trivial e a primazia do
monumental à divisão entre o classicismo de Estado, de um lado, e os movimentos modernistas e
vernáculos do outro. Em primeiro lugar, é importante ter em mente que a associação fácil entre
classicismo e totalitarismo nunca existiu, como alerta Jean Louis Cohen:
Os regimes autoritários estão longe de serem os únicos patronos dosmonumentos clássicos, como demonstram as urbanizações da colina deChaillot em Paris, do Triângulo Federal de Washington e os grandesedifícios públicos britânicos.
Além disso, Franco Borsi oferece uma interpretação para um conjunto de abordagens do
problema da forma no início do século xx — do classicismo “simplificado” de Speer ao
Movimento Moderno — que, se não é de todo convincente, tem o mérito de mostrar o purismo
formal sob uma luz inusitada e intrigante:
(…) é justamente porque a linguagem do Novecento tende a umaprogressiva decantação da forma — em nome do purismo e da rejeição detoda referência direta à história — que ela almeja à própria essência damonumentalidade e que ela determina os seus efeitos. Eliminando-se osistema de símbolos constituídos pela decoração, pelo ornamento plásticoda arquitetura, pela referência às ordens canônicas, então almeja-se aosvalores essenciais de massa, de volume, de cores da matéria, e procura-sedesvendar em quais condições e por meio de quais modelos será possívelreencontrar a função de persuasão expressiva.
[(…) cherche à lui donner un sens régionaliste et contextuel, pour utiliser des termes contemporains, àréconcilier le moderne et la tradition] Ibid., 203.
[Les régimes autoritaires sont loin d’être les seuls commanditaires des monuments classiques, commeles aménagements de la colline de Chaillot à Paris, du Triangle Fédéral de Washington et les grandsbâtiments publics britanniques en font foi.] Jean-Louis Cohen. Les fronts mouvants de la modernité In:Jean-Louis Cohen (org.), Les années 30 : l'architecture et les arts de l'espace entre industrie et nostalgie. Paris:Éditions du Patrimoine, 1997, 26.
[(…) c’est justement parce que le langage du Novecento tend à une progressive décantation de laforme — au nom du purisme et du rejet de toute référence directe à l'histoire — qu’il vise à l'essencemême de la monumentalité et qu’il en détermine les effets. Si l'on élimine le système des symboles que
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
.. Civismo e novas arquiteturas
Mais instrutiva ainda é a situação dos arquitetos aos quais não é possível atribuir um dos
dois rótulos ideológicos convencionais — a favor do Movimento Moderno ou retrógrado. Desses,
o mais famoso e polêmico é o italiano Marcello Piacentini. Filho de um arquiteto eclético, como
informa o seu biógrafo Mario Pisani, Piacentini tem um papel de destaque na prática e na teoria
da arquitetura européia nas décadas de 1920 e 1930. Após a Segunda Guerra Mudial, ele foi
associado — juntamente com alguns outros, como o classicista Giovanni Muzio — à arquitetura
oficial do regime fascista, a fim de eximir de responsabilidade política outros colaboradores ou
mesmo entusiastas do fascismo, como os aclamados neo-racionalistas Adalberto Libera, Pietro
Maria Bardi e, postumamente, Giuseppe Terragni.
Na realidade, contudo, Piacentini fora um dos primeiros defensores de uma transformação
arquitetônica, tanto na prática quanto no ensino, e tem o mérito de ter atuado como agente
catalisador das diversas tendências representadas por diversos grupos ideológicos da arquitetura
italiana. Piacentini flertou com o neo-racionalismo, o classicismo simplificado e o nativismo até
desenvolver uma teoria da arquitetura moderna que contemplava uma gama mais ampla de
possibilidades formais do que as doutrinas do Movimento Moderno e do que Frampton chama de
“Nova Tradição”. “Na realidade”, registra Pisani, “ele não tinha apreço pela arquitetura
monumental dos projetistas alemães, dos quais lembra pouco mais que os resultados banais.”
Piacentini pouco se importa, nas suas resenhas, com manifestos abstratos, preferindo
concentrar-se no estudo de projetos de arquitetura propriamente ditos. Pisani continua:
constituent la décoration, l'ornementation plastique de l'architecture, la référence aux ordres canons, alorson vise aux valeurs essentielles de masse, de volume, de couleurs de la matière et l'on essaie de trouver dansquelles conditions et à travers quels modèles on pourra retrouver la fonction de persuasion expressive.]Borsi, L'ordre monumental, op. cit, 52.
Mario Pisani. Gli scritti di Marcello Piacentini sull’architettura del Novecento. In: Marcello Piacentini.Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996, 11.
Ibid., 27.
[In realtà, egli non apprezza l'architettura monumentale dei progettisti tedeschi, di cui ritiene poco piùche i banali risultati.] Ibid., 20.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
“[Piacentini] não se preocupa com aquelas [expressões arquitetônicas] que aparentam ser
unicamente declarações de princípios, não comprovadas por nenhum projeto, quanto mais por
construções.” Numa dessas resenhas, intitulada “Il momento architettonico all'estero” (1921),
Piacentini celebra o senso de decoro cívico, apesar de condenar uma certa manifestação da
monumentalidade:
Na Inglaterra a distinção entre a arquitetura monumental e a privada émais precisa. A primeira é teimosamente ligada às tradições clássicas, vistasprincipalmente através da catedral de São Paulo de Londres, com formaspesadas e na maioria dos casos desprovidas de invenções geniais e derefinamentos individuais.
Piacentini não define com clareza o que ele considera a essência da monumentalidade
cívica. Mas, ao contrário de Gropius e Saarinen, ele tampouco ignora o assunto. De um modo
geral, a teoria piacentiniesca da arquitetura é um exercício de conciliação liberal, em que cada
expressão tem vez e, mais importante, tem o seu ligar ditado pela conveniência prática e cívica:
(…) praticamente não existe esta grande antítese entre o novo e o velho, e(…) pode-se chegar a uma visão de uma arquitetura sã, que não será nemnova nem velha, mas simplesmente verdadeira, não por espírito conciliadora qualquer custo, mas pela lógica e natural valoração dos materiais e dasnecessidades.
[(…) non si preoccupa di quelle che appaiono unicamente dichiarazioni di principio, non dimostrateda nessun progetto o tanto meno da costruzioni.] Ibid., 33.
[In Inghilterra la distinzione tra l'architettura monumental e quella privata è più precisa. La prima ètenacemente legata alle tradizioni classiche, vedute specialmente attraverso S. Paolo di Londra, con formepesanti e per lo più prive di geniali trovate e di raffinatezze individuali.] Marcello Piacentini. Il momentoarchitettonico all’estero. In: Marcello Piacentini. Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996 (In:Architettura e arti decorative 1 (1), maggio-giugno 1921, 32-76), 93.
[(…) praticamente non esiste questa grande antitesi tra il nuovo e il vecchio, e (…) si può giungere aduna visione di sana architettura, che non sarà né nuova né vecchia, ma semplicemente vera, non per spiritodi conciliazione a tutti i costi, ma per logica e naturale valutazione dei materiali e dei bisogni.] MarcelloPiacentini. Bollettino bibliografico. In:. Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996 (In: Architettura earti decorative 2 (2), febbraio 1923, 220-224), 121.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
Seria então, para Piacentini, toda arquitetura de mesma natureza? Foi visto que o italiano
subscreve a distinção enunciada no capítulo 1; essa distinção é aqui bem mais sutil do que na visão
predominante atualmente:
A Roma imperial tinha, nos seus fóruns, templos coríntios de mármore ebasílicas de travertino: os dois milhões de plebeus viviam em casas simples,modestas, como aquelas encontradas em Ostia, anônimas, racionalíssimas.
É questão, portanto, de proporção e de critério.
A questão, portanto, não é de oposição mas de gradação; e essa gradação sofisticada não
diferencia apenas a casa do fórum: dentro do fórum, os “templos coríntios de mármore” são mais
importantes do que as “basílicas de travertino” em virtude da nobreza relativa dos materiais.
Piacentini despreza a arquitetura acadêmica do seu tempo, “caótica” e “plebéia” , mas a sua
concepção de arquitetura cívica como uma distinção de grau e não de essência é exatamente a do
mais importante teórico do método acadêmico no século xx, o professor de teoria da arquitetura
na École des Beaux-Arts, Julien Guadet.
.. Ordem e verdade
Guadet, que tivera um papel precoce na École ao liderar a revolta estudantil de 1863
contra as reformas de Viollet-le-Duc, foi catedrático de teoria na escola de 1884 até a sua morte
em 1908. Mesmo após essa data, o seu livro-texto Éléments et théorie de l'architecture continuou
sendo a bibliografia de referência não apenas em Paris mas também em incontáveis cursos de
arquitetura por todo o mundo. Na própria École, ele assim permaneceu até a reorganização
promovida em 1968, quando o curso já tinha uma orientação modernista havia vários anos.
[Roma imperiale aveva, nei suoi Fori, templi corinzi di marmo e basiliche di travertino: i due milioni dipopolo abitavano in case semplici, modeste, come quelle che si son trovate a Ostia, anonime,razionalissime. / E’ questione, dunque, di proporzione e di criterio.] Marcello Piacentini. Primainternazionale architettonica. In:. Architettura moderna. Venezia: Marsilio, 1996 (In Architettura e artidecorative, 7 (12), agosto 1928, 544-562), 131.
Piacentini, Il momento architettonico all’estero, op. cit, 105.
Egbert, The Beaux-Arts Tradition, op. cit, 66.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
Guadet baseia o seu discurso numa máxima comum a toda a tradição clássica acadêmica
francesa, bem como à maioria dos movimentos arquitetônicos do século xix, o conceito de
verdade. De fato, para Guadet — aliás, como para Saarinen e Piacentini — há arquitetura verídica
e arquitetura mendaz. Isso leva de volta à importância de “ser o que se é”, crucial para a expressão
do decoro. Sob essa óptica, a expressão honesta de todos os aspectos que norteiam a produção de
uma determinada forma arquitetônica resulta na expressão apropriada do decoro do edifício.
Assim sendo, tanto a arquitetura cívica quanto a trivial compartilham de um fundamento
comum. Guadet proclama, já em 1901 e com uma intenção didática, o que acabaria se tornando
um lema modernista:
(…) logo, a arte é a busca do belo na verdade, e por meio da verdade.
(…)
Procurem, portanto, essa verdade íntima e profunda, essa verdade daconsciência.
E insiste, mais adiante:
(…) podem vocês imaginar que o edifício executado expresse outra coisaque não essa estrutura, essa construção, outra coisa que não ele mesmo?Não, verdade? E no entanto isto existe, há mentiras em arquiteturatambém (…)
Uma vez esse princípio estabelecido, Guadet pode dar prosseguimento ao seu curso de
teoria considerando o conjunto do universo arquitetônico como uma unidade indivisível. Nesse
conjunto, no entanto, também cabe — e como — a expressão monumental:
O que é, de fato, o monumental? Uma definição completa seria complexa,mas o seu principal caráter é a impressão de grandeza que o homempercebe ao comparar o edifício com as suas próprias dimensões: vocêsmesmos, quando num desenho vocês querem ressaltar essa busca domonumental, inserem uma figura humana.
[(…) l'art est donc la poursuite du beau dans le vrai, et par le vrai. / (…) / Cherchez donc cette véritéintime et profonde, cette vérité de conscience.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 99.
[(…) pouvez-vous concevoir que l'édifice exécuté exprime autre chose que cette structure, que cetteconstruction, exprime autre chose que lui-même ? Non, n'est-ce pas ? Et cependant cela existe, il y a desmensonges en architecture aussi (…)] Ibid., 110.
[Qu'est-ce en effet que le monumental ? Une définition complète en serait complexe, mais son principal
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
Encontra-se aí, novamente, o entendimento da arquitetura monumental — apropriada
para o contexto cívico — como situada numa relação de grau, tendo como propriedade a
dimensão relativa, com a arquitetura trivial. E, realmente, excetuadas algumas poucas vozes
dissidentes como a de Tamms, observa-se um relativo consenso — tanto por afirmação quanto
por omissão — entre os arquitetos europeus no início do século xx com respeito à questão da
monumentalidade cívica. Ela é vista como um diferencial de grau, de quantidade, com relação à
arquitetura da res privata, com a qual ela compartilha essencialmente a mesma natureza, baseada
no conceito de “verdade” construtiva e ética. Arquitetos acadêmicos, como Guadet, arquitetos
pertencentes ao Movimento Moderno, como Gropius, e outros modernistas como Piacentini
concordam em defender o argumento ético onde se trata da interação entre arquitetura e
sociedade — aspecto fundamental, por definição, dos propósitos cívicos. David Watkin, em
Morality and Architecture, resume o argumento padrão dessa atitude:
(…) não é apenas um estilo, é uma maneira racional de construir que sedesenvolveu inevitavelmente em resposta às necessidades do que asociedade é na verdade ou do que ela deveria ser; logo, questionar as suasformas é certamente anti-social e provavelmente imoral.
Essa “maneira racional de construir” admite, como já foi visto nas teorias menos fixadas na
simploriedade de uma idéia única, as variações necessárias à devida distinção entre a res publica,
onde predomina a expressão monumental, e a res privata, domínio da arquitetura trivial. As
variações em questão, portanto, consistem em técnicas de projeto com o intuito de enfatizar a
aparência de grandiosidade, sem prejuízo da “verdade” construtiva e moral. Elas se situam no
intervalo a ser vencido entre a etapa da leitura honesta dos requisitos verbais de função e
caractère est l'impression de grandeur que perçoit l'homme en comparant l'édifice avec sa propregrandeur : vous-mêmes, lorsque dans un dessin vous voulez faire ressortir cette recherche du monumental,vous y placez une figure humaine.] Ibid., 161.
[(…) ce n'est pas qu'un style mais une façon rationnelle de construire qui s'est inévitablementdéveloppée en réponse aux besoins de ce que la société est véritablement ou de ce qu'elle devrait être ;mettre en question ses formes est donc certainement antisocial et probablement immoral.] David Watkin.Morale et architecture aux 19e et 20e siècles. Bruxelles: Mardaga, 1979 (Morality and Architecture: TheDevelopment of a Theme in Architectural History and Theory from the Gothic Revival to the ModernMovement. Oxford: Clarendon, 1977), 7.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
construção (propósito e programa) e a realização gráfica do projeto — intervalo que as intenções
reducionistas do funcionalismo estrito teria pretendido, em vão, fechar. “(…) a verdade nas
necessidades a suprir, a verdade na construção que fornece os meios para tanto: mas a verdade nas
mãos de um artista. Eis toda a arte da coisa.”
[(…) le vrai dans les besoins à satisfaire, le vrai dans la construction qui en présente les moyens : mais levrai dans les mais d'un artiste. Là est l'art tout entier.” Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit,166.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . A natureza do objeto cívico
Figura Afonso Hébert. Biblioteca pública de Porto Alegre, -
Um edifício cívico ao mesmo tempo inserido na malha urbana edistinto da arquitetura trivial. Fotografia nossa
Figura Lucien Kroll. Projeto de intervenção no conjunto habitacional de
Perseigne, Alençon,
Tentativa pós-modernista de requalificação dos desastrosos projetossociais do Movimento Moderno
Fonte: Diane Yvonne Ghirardo. Architecture after Modernism. Worldof Art. New York: Thames and Hudson, , figura
Figura Molduras gregas aplicadas a diferentes condições de iluminação
Fonte: Choisy, Histoire de l'architecture (), op. cit., t. ,
Figura Frank Gehry. Museu Guggenheim de Bilbao e a malha urbana
Fonte: Duany et al., The New Civic Art, op. cit., capa
Figura Le Corbusier. Maquete do projeto para o Centrosoyus, Moscou,
Fonte: William J.R. Curtis. Modern Architecture since . London:Phaidon, (London: Phaidon, ), figura
Figura Vladimir Tatlin. Projeto de torre comemorativa da III Internacional
Socialista, -
Fonte: Ibid., figura
Figura Ludwig Mies van der Rohe. Monumento a Karl Liebknecht e Rosa
Luxembourg, Berlim,
Fonte: Ibid.,
Figura Le Corbusier. Projeto de monumento a Paul Vaillant-Couturier,
Villejuif,
Fonte: Cohen, Les fronts mouvants de la modernité, op. cit,
capítulo
Métodos de composição
. Ordem
A devida expressão cívica em arquitetura, ou seja, aquilo que se entende por
monumentalidade, resulta, como foi mencionado, das operações de geração da forma quando da
interpretação dos requisitos não-visuais de função e construção. Essas operações são realizadas
tendo em vista a produção da forma edificada, percebida, entre outros meios, de maneira visual.
Uma vez que esta arquitetura cívica compartilha, no contexto teórico da primeira metade do
século xx, da mesma natureza, construtiva e moral, da arquitetura privada, não é surpreendente
que ambas as normas de linguagem arquitetônica se utilizem de um mesmo conjunto de técnicas,
de um mesmo dialeto, por assim dizer, encontrando-se apenas diferenças na incidência de certos
termos do léxico e na licença permitida no emprego da gramática arquitetônica.
A metáfora acima, associando a arquitetura cívica e a trivial, respectivamente, à norma
culta e à coloquial da linguagem verbal não deve ser forçada a uma correspondência
exageradamente rígida, mas tampouco é despropositada no contexto em questão. A arquitetura se
vale, como também a linguagem, da junção ordenada — por meio de uma gramática
compositiva — de elementos convencionais, isto é, que são tidos, socialmente, como indicadores
(signos) associados a um certo significado. Para citar apenas um exemplo, a forma da ferradura —
como será visto mais adiante — é universalmente identificada, na arquitetura do século xix, com
a função programática de “auditório”, tendo a forma trapezoidal o mesmo significado na
arquitetura modernista.
O ordenamento dos elementos arquitetônicos é, portanto, um elemento essencial da
linguagem formal, especialmente na “norma” cívica. Franco Borsi lembra que:
Na Europa dos anos trinta, para além das ideologias e dos regimespolíticos, é portanto uma linguagem comum que se instaura emarquitetura, paralelamente às reorientações que se dão nas artes plásticas,na presença — variável mas constante — de dois fatores: realismo etradição. Em arquitetura, porém, a componente ordem é indissociável doconceito de monumentalidade. (…) Todavia, mesmo no modo maiscomum de monumentalidade — isto é, amplidão espacial, grandesdimensões — trata-se implicitamente de uma arquitetura culta, (…) quebusca sempre o efeito expressivo.
Essa ordem, contudo, não é privilégio da monumentalidade cívica. De um modo bastante
amplo, o estudioso da percepção visual Rudolf Arnheim proclama:
A ordem é uma tendência tão fundamental na natureza orgânica einorgânica que nos cabe fazer a seguinte asserção: a ordem se realiza amenos que circunstâncias especial a evitem, ou então, em qualquersituação ter-se-á tanta ordem quanto o permitam as circunstâncias.
.. A natureza da ordem, ou a ordem da natureza
A busca por ordem, aqui entendida como uma organização geométrica da forma dotada
das características fundamentais de inteligibilidade, tem um alcance bastante amplo. E, se a
definição e a valorização da monumentalidade não estava ao gosto dos arquitetos modernistas, a
questão da ordem não lhes era de modo algum estranha. Eliel Saarinen chega mesmo a usar o
conceito de “ordem orgânica” aplicado à arquitetura, defendendo que uma forma orgânica possui
não apenas um, mas dois sistemas ordenadores que se sobrepõem:
[Dans l'Europe des années trente, au-delà des idéologies et des régimes politiques, c’est donc un langagecommun qui s’instaure en architecture, parallèlement aux remaniements qui s’opèrent dans les artsplastiques, en présence — variable mais constante — de deux facteurs: réalisme et tradition. Or pourl'architecture, la composante ordre est indissociable du concept de monumentalité. (…) Toutefois, mêmedans le mode le plus courant de la monumentalité — autrement dit ampleur spatiale, grandesdimensions — il s’agit implicitement d’une architecture cultivée, (…) qui recherche toujours l'effetexpressif.] Borsi, L'ordre monumental, op. cit, 52.
[El orden es una tendencia tan fundamental en la naturaleza orgánica e inorgánica que nos cabe hacer lasiguiente aseveración: el orden se realiza a menos que circunstancias especiales lo eviten, o bien encualquier situación se obtendrá tanto orden como lo permitan las circunstancias.] Rudolf Arnheim. Laforma visual de la arquitectura. Barcelona: Gustavo Gili, 2001 (The Dynamics of Architectural Form.Berkeley: University of California, 1977), 130.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Aqui nós temos também dois movimentos distintos na conformação danatureza. Em primeiro lugar, temos a tendência por “ordem expressiva”. E,em segundo, temos a tendência por “ordem de correlação”. (…) ambasprevalecem sempre e em toda parte, quando a ordem está preservada e anatureza está saudável.
Essa associação da “boa forma” com a saúde física e, por extensão, moral, é um tema
recorrente na teoria da arquitetura no período em questão — associações entre a aparência física e
a moral, como aquela feita pela frenologia, eram amplamente aceitas no início do século xx —
mas não é de modo algum uma novidade para a época, nem mesmo uma exclusividade do
pensamento arquitetônico e muito menos desapareceu após a década de 1930. Já no século xviii o
naturalista francês Buffon (1707-1788) privilegiava a beleza e a ordem da paisagem transformada
pela ação humana como superior à natureza intocada. Buffon, num trecho que deve soar familiar
ao leitor de Le Corbusier, exorta:
Nenhuma estrada, nenhum meio de comunicação, nenhum vestígio deinteligência nestes lugares selvagens; o homem, obrigado a trilhar oscaminhos do animal feroz, se quiser percorrê-los; forçado a estar de guardapermanentemente para evitar de se tornar presa do animal; atemorizadopor seus rugidos, espantado até pelo silêncio destas profundas e solitáriasterras, ele dá meia-volta e diz: a Natureza bruta é horrenda e moribunda;sou eu, somente eu, que posso torná-la agradável e viva: devemos drenarestes pântanos, animar estas águas mortas fazendo-as correr (…) em breve,em vez do junco, da vitória-régia, a partir da qual o sapo produz o seuveneno, veremos aparecer flores do campo, trevos, ervas doces e salutares;(…)
Como ela é bela, esta Natureza cultivada! Como pelos cuidados do homemela se torna brilhante e pomposamente paramentada!
[Here we also have two distinct trends in nature’s form-shaping. First, we have the trend toward“expressive order.” And second, we have the trend toward “correlative order.” (…) they both prevail alwaysand everywhere, where order is maintained and nature is healthy.] Saarinen, Search for Form, op. cit, 26.
Carmen Licia Palazzo. Entre mitos, utopias e razão: Os olhares franceses sobre o Brasil (séculos XVI a XVIII).Nova et Vetera. Porto Alegre: Edipucrs, 2002 , 137.
[Nulle route, nulle communication, nul vestige d’intelligence dans ces lieux sauvages ; l'homme obligé desuivre les sentiers de la bête farouche, s’il veut les parcourir ; contraint de veiller sans cesse pour éviter d’endevenir la proie ; effrayé de leurs rugissements, saisi du silence même de ces profondes solitudes, ilrebrousse chemin & dit : la Nature brute est hideuse & mourante ; c’est Moi, Moi seul qui peux la rendreagréable & vivante : déssechons ces marais, animons ces eaux mortes en les faisant couler (…) bientôt au
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
A impropriedade dos “caminhos do animal feroz” para a circulação humana é análoga à
dos “caminho dos asnos” na metáfora corbusiana. Nesse ambiente “bruto”, a missão civilizatória
do ser humano também apresenta nítidos componentes funcional, estético, e “salutar”. O pântano
de “águas mortas” e animais venenosos deve dar lugar à edificante intervenção humana, ao passo
que a natureza intocada embrutece o engenho humano. Predisposições horticulturistas à parte, o
constante e progressivo ordenamento do ambiente parece ser uma tendência natural — com
perdão da palavra — do ser humano mesmo quando esse ordenamento se inspira nas formas da
ordem natural que Buffon pouco apreciava. Gombrich, que estudou questões de ordem e
figuração, relaciona a busca por um ordenamento mais abrangente e mais elaborado com a
necessidade de se demonstrar a qualidade intrínseca do objeto ordenado: “Poucas civilizações
estiveram dispostas a negar que a beleza interior devesse ser enfatizada por uma demonstração
apropriada de riqueza exterior.” Essa ênfase contribui ainda mais para diferenciar o objeto
ordenado do entorno, já que “quanto mais uma pintura ou escultura refletem os aspectos naturais,
mas escassos serão os princípios de ordem e simetria que ela exibe. Inversamente, quanto mais
ordenada for uma configuração, menos provável será que ela reproduza a natureza.” A ordem,
então, pode se dar tanto no sentido de uma maior extensão do conjunto ordenado, quanto de um
detalhamento mais intricado do espaço, cobrindo toda a superfície do objeto; Gombrich descreve
esta qualidade: “A necessidade que leva o decorador a continuar preenchendo qualquer vazio
restante é geralmente expressada pelo termo horror vacui, que é supostamente característico de
várias obras não-clássicas.”
lieu du jonc, du nénuphar, dont le crapaud composoit son venin, nous verrons paraître la renoncule, letreffle, les herbes douces & salutaires ; (…) / Qu’elle est belle, cette Nature cultivée ! que par les soins del'homme elle est brillante & pompeusement parée !] Georges-Louis Leclerc Comte de Buffon. De laNature : Première vue. In: Philippe Taquet, Roland Fiszel, Jacques Garcia, Jean Dorst, Paul-MarieGrinevald, Yves Laissus, Bernard Rignault, Serge Benoît, Jean Piveteau, e Buffon. Buffon 1788-1988. Paris:Imprimerie Nationale, 1988 (Histoire naturelle. Paris: Imprimerie royale, 1764, t. 12, p. iii-xvi), 260.
[Few civilizations were disposed to deny that inner worth should be acknowledged by an appropriatedisplay of outward show.] Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 17.
E. H. Gombrich. Norma e forma: Estudos sobre a arte da Renascença. São Paulo: Martins Fontes, 1990(Norm and Form: Studies in the Art of the Renaissance. London: Phaidon, 1966), 122.
[The urge which drives the decorator to go on filling any resultant void is generally described as horror
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
No sentido oposto, a obra pode buscar uma maior quantidade de ordem na organização
do conjunto, criando, por assim dizer, um microcosmo onde nenhum aspecto escapa a um
esquema ordenador amplo. É essa a interpretação dos críticos de arquitetura Alexander Tzonis e
Liane Lefaivre, em seu livro Classical Architecture: The Poetics of Order (1986). Usando o exemplo
da arquitetura religiosa grega, os autores definem o sistema ordenado do classicismo como
resultado de preocupações ritualísticas:
(…) a começar pela obsessão da arquitetura clássica com a enumeraçãorigorosa, exatidão, e detalhe. Essa obsessão deita raízes no que osantropólogos e historiadores chamam de pensamento mágico, típico desociedades tribais. O temenos, o recinto meticulosamente ordenado dotemplo consagrado a um deus ou herói na Grécia arcaica, é o produtodesse pensamento mágico, por ser regido por tabus com respeito àpoluição e à pureza. (…) conceitos arcaicos de composição arquitetônicareemergiram durante a Idade Média e o início do Renascimento.
Apesar dos requisitos específicos no ritual grego, a preocupação com o ordenamento total
do ambiente não é exclusividade do classicismo antigo. Rudolf Arnheim ressalta que:
O significado do termo ordem foi deformado por uma controvérsia queidentifica ordem em geral com um tipo muito particular de ordempropugnado por uma geração de designers, artistas e arquitetos, erechaçado como restritivo por outra geração.
vacui, which is supposedly characteristic of many non-classical works.] Gombrich, The Sense of Order, op.cit, 80.
[(…) starting with classical architecture’s obsession with rigorous quantification, exactitude, and detail.This obsession has its roots in what anthropologists and historians call divinatory thinking, typical of tribalsocieties. The temenos, the meticulously ordered temple precinct dedicated to a god or hero in archaicGreece, is the product of such divinatory thinking, governed as it is by taboos of pollution and purity. (…)archaic concepts of architectural composition resurfaced during the Middle Ages and early Renaissance.]Alexander Tzonis e Liane Lefaivre. Classical Architecture: The Poetics of Order. Cambridge, Mass.: MITPress, 1986 , 1.
[El significado del término orden ha sido deformado por una controversia que identifica orden engeneral con un tipo muy particular de orden propugnado por una generación de dibujantes [diseñadores?],artistas y arquitectos, y rechazado como restrictivo por otra generación.] Arnheim, La forma visual de laarquitectura, op. cit, 129.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
.. Propriedades da ordem
A tradição arquitetônica ocidental, desde o Renascimento, exibe diversas séries de
desenvolvimento onde se alternam uma adesão mais estrita aos princípios de ordem do
classicismo e uma busca por parâmetros alternativos que informem uma composição ordenada.
Isto se dá porque se, por mais difunda que seja a tradição clássica, ela pode não ser incontornável,
ainda assim algum princípio ordenador deve existir. No entender de Edgar Albuquerque Graeff, a
importância de uma composição ordenada está subordinada a requisitos não-formais,
aproximando aparentemente a teoria de Graeff de um entendimento funcionalista convencional.
Para Graeff, o valor dos meios de composição em geral “vai ser medido em função da sua
capacidade de servir para os fins que os programas estabelecem.” Isso não significa, contudo, que
a composição ordenada seja eventualmente dispensável. Arnheim continua: “se não há ordem, não
há maneira de dizer o que a obra está tentando expressar.” E, para contestar qualquer teoria
despropositadamente relativista, acrescenta: “um objeto em desordem pode funcionar como um
sintoma de desordem, mas não como um símbolo ou interpretação de desordem.”
Um dos principais expoentes da teoria da arquitetura contemporânea, o matemático e
arquiteto inglês Christopher Alexander, também dedica a sua obra ao estudo da produção da
forma através da ordem. Já na sua tese de doutorado (1961), Alexander promove um estudo da
ordem enquanto disposição de padrões geométricos no espaço:
Cada componente tem esta natureza dual: ele é, em primeiro lugar, umaunidade, e, em segundo, um padrão, ao mesmo tempo um padrão e umaunidade. A sua natureza de unidade o torna uma entidade distinta do seuentorno. A sua natureza de padrão especifica a disposição das suas própriasunidades constitutivas. O ápice da tarefa do projetista é fazer com que cadaesquema seja ao mesmo tempo um padrão e uma unidade.
Graeff, Teoria da arquitetura, op. cit, 31.
[(…) si no hay orden, no hay manera de decir lo que la obra está tratando de expresar.] Arnheim, Laforma visual de la arquitectura, op. cit, 129.
[Un objeto en desorden puede actuar como síntoma de desorden, pero no como un símbolo óinterpretación de éste.] Ibid., 141.
[Every component has this twofold nature: it is first a unit, and second a pattern, both a pattern and aunit. Its nature as a unit makes it an entity distinct from its surroundings. Its nature as a pattern specifies
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Alexander deu seqüência ao seu trabalho com os padrões de ordem geométrica em A
Pattern Language (1977) e The Timeless Way of Building (1979). Nessas duas obras, ele define os
elementos de ordem espacial e os princípios gerais de produção da ordem como padrões
geométricos: “com certeza, não basta apenas afirmar evasivamente que todo padrão de eventos
está situado no espaço. Isso é óbvio, e não muito interessante. O que queremos saber é
exatamente como a estrutura do espaço permite os padrões de eventos” . Mesmo a abordagem
sociológica, portanto, acaba remetendo ao estudo do ordenamento físico da arquitetura: “para
além dos seus elementos, cada edifício é definido por certos padrões de relações entre os
elementos.”
Mais recentemente, Alexander tem levado adiante essa exploração teórica numa extensa
obra em quatro volumes, cujo título sugestivo — The Nature of Order — indica a importância
dada ao problema da geometria da composição em arquitetura. A preocupação em elaborar um
sistema formal prescritivo, constante na trajetória de Alexander, é enunciada claramente no início
do primeiro volume:
No que segue, eu tentarei mostrar que há uma maneira generalizada decompreender a ordem, que faz jus à natureza da construção e daarquitetura. (…) É, creio eu, um ponto de vista com bom-senso e poder,com resultados práticos.
the arrangement of its own component units. It is the culmination of the designer’s task to make everydiagram both a pattern and a unit].Alexander, Notes on the Synthesis of Form, op. cit, 131.
Christopher Alexander. The Timeless Way of Building. New York: Oxford University Press, 1979 ;Christopher Alexander et al. A Pattern Language: Towns, Buildings, Construction. New York: OxfordUniversity Press, 1977 .
[It is certainly not enough merely to say glibly that every pattern of events resides in space. That isobvious, and not very interesting. What we want to know is just how the structure of the space supportsthe patterns of events (…)] Alexander, Timeless Way, op. cit, 83.
[Beyond its elements, each building is defined by certain patterns of relationships among the elements.]Ibid., 85.
[In what follows I shall try to show that there is a way of understanding order which is general and doesjustice to the nature of building and of architecture. (…) It is, I believe, a common-sense and powerfulview, with practical results.] Alexander, The Nature of Order, op. cit, 1.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
A principal linha de análise seguida por Alexander se dá no sentido de unificar questões de
funcionalidade e estética, transcendendo a ambas dentro da questão mais geral de ordem. Nesse
sentido, cabe levantar a posição semelhante de Eliel Saarinen sobre o assunto da forma e da
função:
(…) argumenta-se que se a forma for funcional, ela só pode já ser bela,simplesmente em virtude disso. Isso não é uma declaração válida, contudo.
(…)
Conseqüentemente, quando falamos que “a forma segue a função”,estamos dispostos a aceitar o lema tão-somente no sentido mais amploindicado acima; isto é, que a forma deve satisfazer aqueles requisitosfuncionais que originaram a sua razão de ser — tanto materiais quantoespirituais.
Alexander pensa de modo semelhante, recusando-se a colocar a funcionalidade material
hierarquicamente acima da espiritual, ao propor, como já foi visto, que “a ordem é
profundamente funcional e profundamente ornamental”. A integração entre a funcionalidade
material e a espiritual ou ornamental é uma clara reação a certos excessos retóricos do
modernismo, que almejavam resolver mecanicamente questões de forma por intermédio de uma
exaltação do aspecto construtivo ou programático. É assim que o arquiteto alemão Ludwig Mies
van der Rohe se recusava ostensivamente “a reconhecer problemas de forma” . Mas, enquanto
Saarinen deixa a questão em aberto, favorecendo uma indefinição do problema de ordem que
pode resultar em um sem número de “conclusões arbitrárias e individuais”, Alexander busca dar
uma credibilidade quase científica ao seu estudo:
[(…) it is maintained that if form is functional, it is bound to be already beautiful for this sole reason.This is no valid statement, however. / (…) / Consequently, when we speak about “form follows function,”we are inclined to accept the slogan only in as broad a sense as above indicated; namely, that form mustsatisfy thos functional requirements that originated its reason for being—both physical and spiritual.]Saarinen, Search for Form, op. cit, 14.
[“We refuse,” writes Mies, “to recognise problems of form” (…)] Rowe, Character and Composition;Or Some Vicissitudes of Architectural Vocabulary in the Nineteenth Century, op. cit, 60.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
As entidades que surgem não são apenas cognitivas. Elas têm umaexistência matemática real, e são características que realmente ocorrem nopróprio espaço. Elas podem ser determinadas matematicamente segundo ashierarquias relativas de diferenciação do espaço. Elas são matematica efisicamente reais.
A fim de descrever com maior clareza a propriedade de ordem presente, em maior ou
menor grau de diferenciação, no espaço — ou seja, a geometria de uma composição — Alexander
enumera quinze “propriedades fundamentais” com as quais é possível explicar os fenômenos
geométricos de ordem. Essas quinze propriedades, na ordem em que elas são apresentadas no
texto, são: escalas, centralidades, limites, repetição alternada, espaço positivo, boa forma, simetrias
localizadas, interpenetração, contraste, gradientes, ajustes, ecos, vazio, simplicidade, e não-
separação. Extrapolando a partir dessa lista, pode-se agrupar as quinze propriedades em dois
conjuntos mais genéricos: forma dos elementos (centralidades, limites, espaço positivo, boa
forma, vazio, e simplicidade) e relações entre elementos (escalas, repetição alternada, simetrias
localizadas, interpenetração, contraste, gradiente, ajustes, ecos, e não-separação). Esse
agrupamento corresponde à distinção entre unidades e padrões, já mencionada, sendo uma
estrutura de análise bastante conveniente.
O aspecto talvez mais instigante na teoria de Alexander é que um sistema ordenado a
partir dessas propriedades já passa a ser, em virtude da sua própria ordem, um sistema funcional,
invertendo assim os termos da hierarquia funcionalista:
Por causa do nosso ponto de vista predominante ao longo do século xx, osestudantes estão convencidos de que a “beleza” surge como um resultado dapreocupação com a eficiência prática. Em outros termos, se você fizer algoprático e eficiente, então disso decorre que a forma será bela. A forma seguea função! (…) parece muito pouco provável que seja isso mesmo o queacontece (…) Exemplo após exemplo mostra insistentemente que isto é o
[The entities which come into existence are not merely cognitive. They have a real mathematicalexistence, and are actually occurring features of the space itself. They may be established mathematicallyaccording to the relative hierarchies of differentiation in the space. They are mathematically and physicallyreal.] Alexander, The Nature of Order, op. cit, 83.
No original: levels of scale, strong centers, boundaries, alternating repetition, positive space, good shape, localsymmetries, deep interlock and ambiguity, contrast, gradients, roughness, echos, the void, simplicity, not-separateness. Ibid., 145-230.
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que veio primeiro: fazer belas centralidades foi o fio condutor. A eficiênciaprática que surgiu junto foi uma parte vital do conjunto. Mas ela nunca foio fio condutor no sentido mecanicista em que se acredita atualmente.
Não vem ao caso, aqui, discutir o ovo e a galinha, mas indicar que essa atitude, que dá a
primazia à ordem sobre o programa, não é exclusividade do pensamento grego antigo ou mesmo
de teorias pré-modernas da arquitetura. A ênfase na “realidade física e matemática” tampouco
representa uma preocupação exclusiva de Alexander; o arquiteto francês David Varon, diplomado
da École des Beaux-Arts e professor nos Estados Unidos no início do século xx, publica em 1916
um manual de composição intitulado Indication in Architectural Design: A Natural Method of
Studying Architectural Design with the Help of Indication as a Means of Analysis. O “método
natural” de Varon, tanto quanto a “realidade física” de Alexander, não implica a redução do
projeto a um mero mecanismo biológico, e sim o exercício de uma sensibilidade constantemente
treinada pela observação e pelo aprendizado teórico. Varon explica:
(…) não estamos obrigados a seguir uma fórmula única, mas devemos nosorientar por meio de princípios. Para deixar claro, a única coisa quedevemos buscar é a expressividade. Estruturas são de certa maneirasimilares a organismos naturais. Alguns têm proporções delicadas, outrossão imponentes. À infinita variedade de expressões em seres podecorresponder semelhante variedade de proporções em arquitetura.
(…)
Cultura geral, bom-gosto, e acima de tudo, uma compreensão das leis danatureza sempre guiarão a mão.
[Because of our prevailing 20t-century viewpoint, students are convinced that “beauty” comes about asa result of the concern with practical efficiency. In other words, if you make it practical and efficient, thenit will follow that it becomes beautiful. Form follows function! (…) it seems very unlikely that this is whattook place (…) Example after example suggests emphatically that this is what came first: making thecenters beautiful was the driving force. The practical efficiency that came along with it was a vital part ofthe package. But it was never the driving force in the mechanistic sense that we believe in today.] Ibid.,423.
[(…) we are not bound to follow one single formula, but are to be guided by principles. The only thingwe must pursue is expression, clearly written. Structures are similar to some extent to natural organisms.Some have very delicate proportions, others are imposing. To the infinite variety of expressions in beingsmay correspond a like variety of proportions in architecture. / (…) / General culture, taste, and above all,understanding of natural laws will always guide the hand.] David Jacob Varon. Indication in ArchitecturalDesign: A Natural Method of Studying Architectural Design with the Help of Indication as a Means of Analysis.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Mesmo essa visão, combinando um certo entendimento de “leis naturais” com um
relativismo crítico, não era de modo algum novidade. O arquiteto e membro da Académie Claude
Perrault (1613-1688), no prefácio à sua Ordonnance des cinq espèces de colonnes selon la méthode des
anciens (1683) repara que:
(…) todos aqueles que escreveram sobre arquitetura contradizem uns aosoutros, de modo que não se encontra, nem nas ruínas dos edifícios dosantigos, nem dentre o grande número de arquitetos que trataram dasproporções das ordens, que não há dois edifícios nem dois arquitetos quetenham se coordenado e tenham seguido as mesmas regras.
Isso mostra qual fundamento pode ter a opinião dos que acreditam que asproporções que devem ser empregadas na arquitetura sejam coisa certa einvariável, tais como são as proporções que fazem a beleza e ocomplemento dos acordes musicais (…)
A atitude de Varon, portanto, tem precedentes na própria tradição acadêmica do
classicismo francês. No seu livro, Varon explica por meio de diversos exercícios a técnica de
“indicação”, definida como “a taquigrafia do desenho, (…) o tema deve ser considerado como que
a distância, onde os pequenos detalhes desaparecem, mas não todas as expressões da íntegra”
Uma das séries de exercícios onde mais claramente se mostra a utilidade do método é a que
consiste em treinar diversas composições com elementos ressaltados (emphasized) — partidos de
fachadas com corpos enfatizados, isto é.
Varon usa como exemplos apenas edifícios pertencentes à tradição clássica e aos estilos
ecléticos do século xix. O arquiteto N.C. Curtis, que em 1923 publica um manual mais
abrangente intitulado Architectural Composition, já menciona no texto o “credo dos promotores
New York: William T. Comstock, 1916 , 32.
[(…) tous ceux qui ont ecrit de l'architecture, sont contraires les uns aux autres ; en sorte qu'il ne setrouve point, ny dans les restes des Edifices des Anciens, ny parmy le grand nombre des Architectes qui onttraitté des proportions des Ordres, que deux Edifices ny deux Auteurs se soient accordez & ayent suivy lesmesmes regles. / Cela fait connoistre quel fondement peut avoir l'opinion de ceux qui croyent que lesproportions qui doivent estre gardées dans l'Architecture sont des choses certaines & invariables, telles quesont les proportions qui font la beauté et l'agrément des accords de la Musique (…)] Claude Perrault.Ordonnance des cinq espèces de colonnes selon la méthode des anciens. Paris: J.-B. Coignard, 1683 , ii-iii.
[“(…) the shorthand of drawing (…) the subject must be considered from a distance where smallerdetails vanish, but not the expression of the whole.”] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 27
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
do funcionalismo” . Como Varon, Curtis tampouco emprega qualquer exemplo pertencente às
vanguardas da época, tendo uma certa preferência por edifícios americanos da virada do século. E
em Architectural Composition encontra-se a mesma ênfase de Indication nas questões de ressaltos
das massas edificadas, principalmente em fachada.
A valorização do que Curtis e Varon chamam de massing — a organização das “massas”
tridimensionais da edificação — não é arbitrária. O conceito de “massa” parece ter sido, na
tradição acadêmica da arquitetura, um tópico teórico de grande importância, sendo também um
dos principais recursos usados para realçar os elementos da geometria.
Heinrich Wölfflin, na sua monografia Prolegomena zu einer Psychologie der Architektur
(1886), enumera as categorias de análise da forma propostas pelo filósofo alemão Friedrich
Theodor Vischer (1807-1887). No sistema de Vischer, “ele define dois momentos externos e quatro
momentos internos.” Os “momentos” são características formais que podem ser percebidos pelo
observador, e que agem seja na definição da forma com relação ao universo perceptivo — são os
momentos externos — quanto nas relações entre os elementos constituintes das subdivisões da
forma — os momentos internos. Os dois momentos externos são a delimitação do espaço e os
efeitos de massa. A esses juntam-se os quatro momentos internos: regularidade, simetria,
proporção e harmonia. Os momentos externos correspondem, nos textos de Varon e Curtis, aos
ressaltos da massa, e nas propriedades de Alexander, àquelas que enfatizam os elementos
constituintes da forma. Já os internos correspondem às propriedades de Alexander que tratam da
relação entre os elementos.
A associação entre essas classificações, oriundas de diversos autores, é relevante na medida
em que sugere não necessariamente uma validade a-histórica de certos princípios formais, como
por vezes se advoga a respeito das teorias de percepção visual, mas sim um contexto cultural mais
[(…) the creed of the advocates of functionalism (…)] N.C Curtis. Architectural Composition. J. H.Janson, 1923 , 117.
Heinrich Wölfflin. Prolegomena zu einer Psychologie der ArchitekturMünchen: Universität München,1886. Inaugural-Dissertation, Filosofia.
[Er unterscheidet 2 äußere un 4 innere Momente.] Ibid., 18.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
amplamente compartilhado. Acima da ruptura entre teorias tradicionais e teorias modernas da
arquitetura, e da celebrada expressão individual dos arquitetos ecléticos e modernistas — ambos
fatores indiscutivelmente em jogo nas décadas de 1920 e 1930 —, existe uma tradição analítica,
por assim dizer, que reconhece questões de forma e as enxerga de modo semelhante, estendendo-
se entre o século xix e o xx. Essa tradição não é válida apenas como estudo intelectual, mas tem
uma relevância para a prática do projeto, especialmente no que diz respeito aos requisitos de
distinção da forma no campo da arquitetura cívica.
. Tipologia
Uma vez estabelecido que uma composição arquitetônica de caráter cívico é antes de mais
nada uma composição ordenada — meticulosamente ordenada, até — é preciso definir em que
termos se dá a identificação do objeto cívico. Já foi visto que o simples ordenamento da
composição, ainda que indispensável, não é suficiente para essa determinação. Retomando a
metáfora da linguagem arquitetônica, cabe identificar como se da a relação entre o significante —
o objeto construído — e o significado — o caráter cívico que ele expressa. De modo mais
específico, importa saber quais características, na forma física da arquitetura, permitem a
identificação de um certo edifício com o seu propósito político — isto é, a sua função social na
πολιτέια.
.. A retórica da arquitetura
Assim como se usam diversos dialetos na comunicação verbal, no entanto, também a
linguagem arquitetônica pode ser vista como uma série de dialetos entre os quais os significados
atribuídos às formas podem variar. Uma identificação desses dialetos com os “estilos” ou
“movimentos” arquitetônicos seria, contudo, prematura neste estágio do estudo, e de qualquer
modo teria uma pertinência duvidosa. Alan Colquhoun, crítico de arquitetura britânico, alerta
para uma diferença fundamental entre a linguagem arquitetônica e a verbal:
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
No idioma, a relação indissolúvel entre o significante e o significado é umafunção do valor arbitrário do significante. Em sistemas estéticos, por outrolado, o significado que pode ser atribuído ao signo se deve ao fato de que osigno é ele próprio motivado e o significante está imbuído de significadopotencial.
Mesmo o “significado potencial” da forma estética, porém, opera num nível que se
relaciona, justamente, ao que Aristóteles chama κοινή αισθέσις, a “sensibilidade coletiva”
enquanto acordo tácito no domínio da experiência visual. Já a linguagem verbal, naturalmente, se
dirige ao entendimento racional, o λόγος. Geoffrey Scott contesta a acepção de um conceito de
“leitura” do edifício excessivamente literal e simplório:
Do fato que as esculturas de uma igreja aldeã têm, ou algum dia tiveram,um interesse inteligível para o camponês, argumenta-se que todaarquitetura deve dirigir-se ao nível do seu entendimento.
A inviabilidade de uma prática arquitetônica pautada pela busca da maior densidade
semântica é exposta por Umberto Eco, com respeito à residência do magnata William Randolph
Hearst:
O aspecto espantoso do conjunto não é a quantidade de peças antigassaqueadas de meia Europa, ou a desenvoltura com que o tecido artificialconecta sem emendas o falso e o genuíno, e sim o senso de preenchimento,a determinação obsessiva a não deixar espaço algum que não sugira algumacoisa, e portanto é a obra-prima de bricolagem, assombrada pelo horrorvacui, que é realizada aqui.
[In language, the indissoluble relationship between the signifier and the signified is a function of thearbitrary value of the signifier. In aesthetic systems, on the other hand, the meaning that can be attached tothe sign is due to the fact that the sign is itself motivated and the signifier is invested with potentialsignificance.] Alan Colquhoun. Historicism and the Limits of Semiology. In:. Essays in ArchitecturalCriticism: Modern Architecture and Historical Change,. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1981, 130-131.
[From the fact that the sculptures of a village church have, or once had, an intelligible interest for thepeasant, it is argued that all architecture should address itself to the level of his understanding.] Scott,Architecture of Humanism, op. cit, 138.
[The striking aspect os the whole is not the quantity of anqtique pieces plundered from half of Europe,or the nonchalance with which the artificial tissue seamlessly connects fake and genuine, but rather thesense of fullness, the obsessive determination not to leave a single space that doesn’t suggest something,and hence the masterpiece of bricolage, haunted by horror vacui, that is here achieved.] Umberto Eco.Travels in Hyperreality. In:. Travels in Hyper-Reality: Essays. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich, 1986,23.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Uma abordagem como essa empregada pelo arquiteto do “castelo” de Hearst, ainda que
legítima expressão social e merecedora eventualmente de algum estudo de cunho antropológico,
não se constitui numa referência útil para o problema da “linguagem” arquitetônica. Feitas as
ressalvas, pode-se encontrar uma abordagem mais proveitosa para o assunto. Uma vez que a
arquitetura cívica, para desempenhar o seu propósito político, precisa expressar de maneira
inteligível esse propósito, mas sem cair numa compreensão excessivamente literal do termo, é
lícito buscar analogias em outro domínio da comunicação verbal: a retórica.
As associações entre retórica e arquitetura têm precedentes respeitáveis na literatura
acadêmica. Em 1986, a historiadora da arquitetura Judith Wolin publica um artigo intitulado
“The Rhetorical Question” , onde ela enumera usos de figuras de linguagem aplicadas à
arquitetura. Para que essas figuras sejam inteligíveis, no entanto, é preciso reconhecer a existência
de alguma forma de linguagem compartilhada entre o produtor da obra e o receptor; Gombrich
alerta para o erro de se ignorar a necessidade desta ponte: “Eu já indiquei esta fraqueza básica
inerente a todas as teorias expressionistas da arte — a convicção de que a expressão é idêntica à
comunicação” . De fato, Wolin prefere o uso do termo “retórica a expressão; (…) o primeiro
aceita tacitamente a premissa de um artifício disciplinado e implica a existência tanto de um
orador quanto de um ouvinte” A comunicação entre “orador” e “ouvinte”, então, se dá através
de um canal mutuamente reconhecido:
De modo a fornecer um pouco de consistência a essas categorias vazias [defiguras de linguagem], devemos partir do princípio que a arquitetura édelimitada por cânones convencionais; devemos reconhecer, por exemplo,uma janela normal imaginária, assim como a linguagem depende daquelaárvore genérica que não possui espécie nem posição. (…) até obras anti-
Judith Wolin. “The Rhetorical Question”. Via 8, 1986, 16-31 .
[I have pointed to this basic weakness inherent in all expressionist theories of art—the conviction thatexpression is identical with communication] Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 43.
[(…) rhetoric to expression; (…) the former tacitly accepts a premise of disciplined artifice andimplies the existence of both speaker and listener.] Wolin, “The Rhetorical Question”, op. cit, 17.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
convencionais e vanguardistas podem ser descritas em termos dessa anlogiaretórica, ainda que seja somente na categoria de litotes (ênfase por meio danegação).
A figura da litote, contudo, não deve ser tida como marca característica, ou mesmo como
elemento especialmente importante, em todas as expressões não-tradicionais e vanguardistas. À
parte isso, merece destaque o fato de que a analogia lingüística, aqui por intermédio da retórica,
ganha uma ferramenta analítica importante. Superando as limitações conceituais vistas
anteriormente, a definição da arquitetura enquanto retórica da forma evidencia que não se trata
simplesmente de uma comunicação de significado, mas de uma relação ao mesmo tempo mais
complexa, indireta, e mais sutil entre forma significativa e significado político. O que se
compreende é algo mais do que o significado literal das palavras que são pronunciadas.
É nesse sentido que Indra Kagis McEwen interpreta o texto vitruviano, o mais antigo
testemunho preservado na íntegra de uma teoria da arquitetura, como sendo um argumento
retórico:
Se for possível entender, com Quintiliano, que toda oratio [discurso]consiste em verba (palavras) significantes e res (assunto) significada, entãosignificante e significado, além de pertencerem à linguagem em geral,pertencem nesse contexto especificamente à disciplina da retórica. Issotambém é o caso do (…) De architectura (…). Por exemplo, muitas daspalavras que Vitrúvio usa para os fatores dos quais depende aarquitetura — ordinatio, dispositio (disposição), eurythmia — são tambémtermos retóricos (…)
A associação da arquitetura à retórica, além de ter historicamente servido de instrumento
para erguer a disciplina “mecânica” ao nível de prestígio das “artes” liberais, também chama
[In order to give any substance to these empty categories [figures of speech] we must assume thatarchitecture is delimited by conventional canons; we must assume, for instance, an imaginary normalwindow, just as language depends on the generic tree that has no particular species or location. (…) evenanti-conventional, avant-garde work can be described within the terms of this rhetorical analogy, if onlywithin the category of litotes (emphasis by negation)] Ibid., 17.
[If one may, with Quintilian, understand that every oratio consists of signifying verba (words) andsignified res (matter), then signifier and signified, while belonging in general to language, belong in thiscontext specifically to the discipline of rhetoric. So too (…) does De architectura (…). For instance, manyof the words Vitruvius uses for the things on which architecture depends—ordinatio, dispositio(arrangement), eurythmia—are also rhetorical terms (…)] McEwen, Vitruvius, op. cit, 79.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
atenção para o papel das figuras de linguagem enquanto figuras (εἰκών). Aqui é preciso diferenciar
figura de forma, que é a propriedade de qualquer objeto existente no universo sensível. A figura
ou imagem não tem identidade com a forma por meio dos expedientes da arte. Em retórica,
ademais, esses expedientes encontram-se, freqüentemente, fora do escopo estrito do objeto, como
afirma Aristóteles:
Agora, por outro lado, outros que compilaram os conhecimentos sobreesta arte na verdade não forneceram senão a parte própria a ela, posto que apersuasão é a única coisa pertencente ao escopo da arte, sendo para além[desse domínio] tudo acréscimo, ainda que [não falem] nada acerca doselementos de argumentação, como a locução enfática, que formam o corpoda persuasão, mas elaboram em maior parte sobre fatos fora desse âmbito(…)
Reconhece-se aí, em primeiro lugar, a existência de elementos externos ao “corpo da
persuasão” propriamente dito, mas que são considerados por certos mestres como merecedores de
atenção; em segundo, é preciso notar que o “corpo” considerado por Aristóteles como a essência
da retórica também inclui elementos que, para o nosso senso comum, não pertenceriam
diretamente à disciplina de uma persuasão “honesta”, mas incluem uma ênfase emocional
estranha a um discurso puramente lógico. O mesmo ocorre em arquitetura, onde a comunicação
da mensagem através da figura envolve fatores que vão além da simples expressividade da forma,
englobando elementos cuja leitura é mais convencional — isto é, baseada em consenso social
relativo a signos arbitrários — do que exclusivamente intuitiva. Desse ponto de vista a leitura da
obra arquitetônica nunca se dá livre de conceitos. Alan Colquhoun critica os defensores da
posição contrária:
O que a teoria da expressão natural ignora é a importância, ao longo dahistória, do significado convencional em arquitetura. Em vez de ver aarquitetura moderna como a última etapa num processo evolutivo onde a
[Νῦν μὲν ούν οί τὰς τέχνας τῶν λόγων συντιθέντεσ οὐδὲν ὡς έιπεῖν πεπορίκοσιν αὐτης πόριοναἰ γὰρ πίστεις ἔντεχνόν εἰσι μόνον, τὰ δ’άλλα προσθῆκαί, οί δὲ περὶ μὲν ἐνθυμεμάτων οὐδὲνλέγουσιν, τῶν ἔξω τοῦ πράγματος τὰ πλεῖστα πραγματευονται (…)] Αριστοτέλης. Ποιήτικη, op. cit,1.1.4.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
relação natural entre forma e função teria sido constante, acredito que seriaútil enxergar o princípio da expressão natural como uma ruptura comuma tradição mais antiga.
Não é de todo pertinente, contudo, dividir a história da arquitetura em um período de
representação figurativa e um de expressão natural, e isso não porque a “relação natural entre
forma e função teria sido constante” mas, ao contrário, porque o uso de figuras em geral não foi
abolido junto com a proscrição do uso de figuras clássicas. A definição dos dois modos de
comunicação, por outro lado, tem a sua relevância para o tema. Colquhoun, que como já foi visto
não ignora o “potencial significativo” intrínseco à forma, reconhece também a especificidade da
figura:
Enquanto que a noção de figura inclua significados convencionais eassociativos, a de forma as exclui. Enquanto a noção de figura parte dopressuposto de que a arquitetura é uma linguagem dotada de um conjuntolimitado de elementos que já existem em sua especificidade histórica, a deforma sustenta que as formas arquitetônicas podem ser reduzidas a um“marco zero” a-histórico: a arquitetura como fenômeno histórico não édeterminada pelo que existiu antes mas por fatos sociais e tecnológicos emformação, operando sobre o menor número possível de leis fisiológicas epsicológicas constantes.
[What the theory of natural expression ignores is the importance throughout history of conventionalmeaning in architecture. Instead of seeing modern architecture as the last step in an evolutionary processin which the natural relationship between form and function has been a constant, I think it would beuseful to see the principle of natural expression as a break with an older tradition.] Alan Colquhoun. Formand Figure. In:. Essays in Architectural Criticism: Modern Architecture and Historical Change. Cambridge:MIT Press, 1981, 190.
[While the notion of figure includes conventional and associative meanings, that of form excludesthem. While the notion of figure assumes that architecture is a language with a limited set of elementswhich already exists in their historical specificity, that of form holds that architectural forms can bereduced to an a-historical “degree zero”: architecture as a historical phenomenon is not determined bywhat has existed before but by emergent social and technological facts operating on a minimum ofconstant physiological and psychological laws.] Ibid., 197.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
.. A forma característica
A forma arquitetônica, portanto, e especialmente a da arquitetura cívica, deve ser legível
em termos de uma figura cuja chave de leitura se encontra tanto em características intrínsecas
quanto em associações convencionais. Há, então, um sistema figural que distingue a arquitetura
cívica. Isso significa que a distinção se dá com a decodificação precisa de uma figura identificável
com o propósito cívico; “uma forma constantemente característica” nas palavras de Quatremère.
Essa “forma característica”, ligada ao propósito político da forma, é conhecida como
“tipo”. O conceito de tipo tem uma importância capital na teoria acadêmica da arquitetura, uma
vez que a expressão do careater cívico — assim como do privado — depende da comunicação de
uma mensagem de acordo com as “regras da arte” reconhecidas pela sociedade. Como numa das
cidades invisíveis na obra de Italo Calvino, “se um edifício não leva nenhuma placa ou figura, a
sua própria forma e o lugar que ocupa na ordem da cidade bastam para indicar a sua função” .
Transpondo a questão para os termos vitruvianos, o tipo é um elemento de decoro.
Decoro, ainda segundo Vitrúvio, consiste em expressar adequadamente a importância relativa de
cada edifício por meio da qualidade da sua construção, do esmero no seu acabamento, e do luxo
na sua ornamentação. Na expressão mais clara e direta de Gombrich, é “o tema apropriado no
lugar apropriado.”
[(…) une forme constamment caractéristique (…)] A.C. Quatremère de Quincy. Type. In: DenisDiderot, Jean le Rond d’Alembert, e A.C. Quatremère de Quincy. Encyclopédie méthodique des arts, dessciences et des lettres, Architecture, v. 3. Paris: Panckouke, 1825, 545.
[Se un edificio non porta nessuna insegna o figura, la sua stessa forma e il posto che occupanell'ordine della città bastano a indicarne la funzione (…)] Italo Calvino. Le città invisibili. Milano:Mondadori, 1993 (Torino: Einaudi, 1972), 13-14.
M. Vitruvius Pollio. De architectura. Roma: G. Herold, 1486 , I, v, 2.
[(…) the fitting subject for the fitting place.] Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 214.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Apesar da notoriedade que a tipologia tem reconquistado em décadas recentes, vale
lembrar as suas implicações históricas. No último volume sobre arquitetura da Encyclopédie,
publicado em 1825, Quatremère define o tipo — a palavra tipologia ainda não havia sido
cunhada — com extremo cuidado e para que não restem dúvidas sobre a acepção da palavra que
ele defende:
Usa-se também a palavra como sinônimo de modelo, ainda que haja entreambos uma diferença bastante fácil de se compreender. A palavra tipo nãoapresenta tanto a idéia de algo a ser copiado ou imitado inteiramente,quanto a idéia de um elemento que deve, ele próprio, servir de regra àconfecção de um modelo. (…) O modelo, entendido na execução práticada arte, é um objeto que deve ser repetido tal e qual. O tipo é, ao contrário,um objeto a partir do qual cada um pode conceber obras que não separeçam entre si. (…) tudo é mais ou menos vago no tipo.
O fio condutor do conceito, por sua vez, é o reconhecimento de uma continuidade
histórica entre os propósitos da arquitetura do passado e da atual. De modo mais amplo, continua
Quatremère, “é preciso um antecedente para tudo. Nada, em domínio algum, vem do nada” .
Ademais, Quatremère faz uma crítica nada velada aos seguidores do método politécnico, tal como
exposto nas duas obras de J.-N. L. Durand, o Recueil et parallèle e o Précis des Leçons , este último
tendo sido reeditado em 1823. Sem citar nomes, Quatremère adverte contra certas pessoas:
Para um apanhado geral da história remota e recente das questões de tipologia em arquitetura,ver Eneida Ripoll Ströher. Considerações sobre o conceito de tipologia arquitetônica In: EneidaRipoll Ströher (org.), O tipo na arquitetura: da teoria ao projeto. São Leopoldo: Editora Unisinos,2001, 25-41.
[On en use aussi comme d’un mot synonime de modèle, quoiqu’il y ait entre eux une différence assezfacile à comprendre. Le mot type présente moins l'idée d’une chose à copier ou à imiter complètement,que l'idée d’un élément qui doit lui-même servir de règle au modèle. (…) Le modèle, entendu dansl'exécution pratique de l'art, est un objet qu’on doit répéter tel quel. Le type est, au contraire, un objetd’après lequel chacun peut concevoir des ouvrages qui ne se ressembleroient pas entre eux. (…) tout estplus ou moins vague dans le type.] Quatremère de Quincy, Type, op. cit, 544.
[Il faut un antécédent à tout. Rien, en aucun genre, ne vient de rien (…)] Ibid., 544.
Jean-Nicolas-Louis Durand. Recueil et parallèle des édifices de tout genre anciens et modernes. Paris: GilléFils, 1799 ; Jean-Nicolas-Louis Durand. Précis des leçons d'architecture données à l'École polytechnique. Paris:Gillé Fils, 1802 .
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
(…) cuja visão curta e o espírito embotado não conseguem compreenderno domínio da imitação nada que não seja claramente definido. Elesaceitam, a rigor, a idéia de tipo, mas só a compreendem sob a forma e coma condição obrigatória de modelo imperativo.
Alfonso Corona Martinez, no seu Ensaio sobre o projeto, retoma essa materialização do tipo
condenada por Quatremère ao asseverar que “quanto ao nível de abstração, o tipo parece ocupar
um lugar equivalente ao do partido para a composição acadêmica.” Com respeito à arquitetura
acadêmica, portanto, Corona Martinez confunde o tipo com as atividades de distribution (a
localização dos diferentes elementos do programa) e composition (que envolve a determinação das
relações de forma, proporção e interação entre os elementos); no entanto a existência de um ou
mais partidos-modelo, por assim dizer, associados a certos tipos de arquitetura é uma constatação
importante. Para Rafael Moneo, ocorreu de fato uma substituição progressiva, ao longo do século
xix, de um método de projeto baseado na tipologia por outro que utilizava um catálogo de
“plantas esquemáticas vagas e imprecisas”, tendo como resultado que “aquela estrutura formal
integral e indestrutível que fora definida como tipo estava irremediavelmente simplificada. Ela
tinha se tornado um mero recurso de composição e esquematização.”
Essa suposta transposição do ponto de partida projetual, do tipo em direção a um partido
preestabelecido, parece justificar a reação modernista contra ambos: segundo Moneo, “os teóricos
do Movimento Moderno rejeitaram a idéia de tipo (…) pois para eles ela significava imobilidade,
um conjunto de restrições impostas ao criador” . Na verdade, essa seqüência de eventos parece
até surpreendentemente coerente, o que deve levantar suspeitas quanto à sua idoneidade histórica.
[(…) dont la vue courte et l'esprit borné ne peuvent comprendre dans la région de l'imitation, que cequi est positif. Ils admettent si l'on veut l'idée de type, mais ne la comprennent que sous la forme et avec lacondition obligatoire de modèle impératif.] Quatremère de Quincy, Type, op. cit, 545.
Corona Martínez, Ensaio sobre o projeto, op. cit, 109.
[(…) vague and imprecise schematic plans (…) That total and indestructible formal structurewhich has been defined as type was irrevocably flattened. It had become a mere compositionaland schematic device.] Rafael Moneo. “On Typology”. Oppositions 13, 1978 , 32.
[The theoreticians of the Modern Movement rejected the idea of type (…) for to them itmeant immobility, a set of restrictions imposed on the creator (…)]Ibid., 32.
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O historiador da arquitetura americano Carroll William Westfall, num ensaio publicado
em Architectural Principles in the Age of Historicism (1991), pode ajudar a esclarecer melhor esse
assunto. Westfall oferece uma definição de tipo próxima daquela de Quatremère:
Uma maneira útil de se definir tipo edilício é como uma idéia generalizadae inconstrutível de um edifício, que pode ser conhecida apenas nointelecto e que contém em si todos os exemplos possíveis de edifícios reaisdaquele tipo que foram e poderão ser construídos.
Dois aspectos dessa definição se mostram especialmente relevantes: o fato de que o tipo é
um construto exclusivamente intelectual e a capacidade do tipo de conter todos os exemplos
dependentes dele. O primeiro remete à teoria da arte imitativa, já discutida do ponto de vista
aristotélico da produção de uma figura, mas também a uma justificativa do trabalho artístico
numa visão neoplatônica. Nesses enfoques, cuja relevância para o método acadêmico foi apontada
por Egbert, como se sabe, é preciso compensar a condenação platônica de que “o artista
imitativo está três vezes afastado (…) da realidade” , compensação que se dá reivindicando a
imitação das idéias e não da sua forma contingente. O segundo aspecto está em clara oposição à
prática contemporânea de se distinguir a arquitetura cívica por meio da “inovação radical”,
postulando que a ordem existente na distinção está igualmente relacionada ao caráter imitativo da
arte.
[A useful way to define building type is as a generalized, unbuildable idea of a building knowable onlyin the intellect and containing within it all the possible examples of actual buildings of that type that havebeen and can be built] Carroll William Westfall. Building Types In: Carroll William Westfall, e Robert Janvan Pelt (orgs.), Architectural Principles in the Age of Historicism. New Haven: Yale University Press, 1991,139.
Egbert, The Beaux-Arts Tradition, op. cit, 42.
[(…) μιμητής ἐστι, τρίτος τις ἀπό (…) τῆς ἀληθείας πεφθκώς (…)] Πλάτων (Plátōn). Πολιτεία(Politeía) (Perseus Digital Library). Boston: Tufts University (In: Platonis Opera. Editado por John Burnet.Oxford University Press, 1903). Disponível em <http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?lookup=Plat.+Rep.>. Acesso em, 10597e.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
.. As tipologias da arquitetura cívica
Esse caráter imitativo, então, é essencial a toda a prática da arquitetura acadêmica, mas
também tem apelo — velado — para o Movimento Moderno. Walter Gropius celebra a existência
de formas ideais como uma realização positiva, deixando claro que isso não se limita à reprodução
industrial de um projeto em particular, mas inclui a existência de uma diversidade de exemplos
ligados a um certo “padrão”:
A existência de produtos padrões [sic] sempre caracteriza o apogeu de umacivilização, uma seleção de qualidade e uma separação entre o pessoal eocasional e o essencial e suprapessoal.
O valor desse exercício intelectual em prol da classificação e produção dos objetos por
meio de tipos também é constatado, de maneira mais sutil mas muito mais profundamente
implantada, na obra de Le Corbusier. O retrato da preocupação do arquiteto suíço com questões
de tipo vai desde a famosa declaração sobre o “jogo sábio, correto e magnífico dos volumes
associados sob a luz.” até a idealização do sistema Dom-Ino, cuja proposta é mais abstrata do
que a de um simples “modelo modular” pré-pronto. Mas a expressão mais elaborada de questões
tipológica explicitamente tratadas na obra corbusiana pode ser vista numa página do primeiro
volume da Œuvre complète. Num croquis ocupando a página inteira e sem maiores explicações, Le
Corbusier estabelece quatro tipos de composição que dão conta de abarcar todos os edifícios
produzidos por ele mesmo, desde as primeiras residências em La Chaux-de-Fonds até pelo menos
meados da década de 1930. Nas anotações, um dos tipos é descrito como “relativamente fácil,
pitoresco” porque derivado diretamente do programa; os outros três são chamados pelo autor de
“composições artísticas” e incluem um “muito difícil” (o prisma de formas puras), um “muito
fácil” (a interseção de uma malha estrutural com formas livres) e o último “muito generoso”
(Figura 23).
Gropius, Bauhaus, op. cit, 41.
[(…) le jeu savant, correct et magnifique des volumes assemblés sous la lumière.] Le Corbusier e PierreJeanneret. Œuvre complète. Zürich: Éditions d’Architecture, 1946 v. 1: 1910-1929, 33.
Ibid., 189.
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Os tipos corbusianos, todavia, ainda que fossem — e foram — aplicados tanto a edifícios
privados quanto a cívicos, não estabelecem distinção tipológica entre o cívico e o privado: um
mesmo tipo pode ser aplicado a ambos, e não traz embutida qualquer associação a um ou outro
propósito. Isso não quer dizer, contudo, que o tipo como marca de distinção esteja totalmente
alijado da arquitetura modernista, ou mesmo da corbusiana. Para chegar lá, é preciso ver como
Westfall elabora a questão; ele defende que a determinação do tipo se dá não por características
formais mas pelo “propósito político” da sociedade:
Os tipos edilícios são classificados de acordo com o modo em que elesservem aos propósitos das pessoas em unidades políticas. (…) Para saber [oque será construído], é preciso saber quais são as atividades da entidade e aquais propósitos elas servem.
Essa classificação dos tipos está relacionada à de Quatremère, para quem o tipo é a
necessária expressão do caráter inerente a cada classe de edifícios. Mas, ao contrário de
Quatremère, Westfall distingue com precisão seis tipos, suficientes para dar conta de todas as
atividades — lembrando que se trata aqui de diferenciar propósitos políticos, e não programas
funcionais. Dois dos tipos pertencem à res privata, a habitação (domus) e ao sustento (taberna).
Os outros quatro têm um caráter cívico: são os propósitos de veneração (tholus), congregação
(templum, mas talvez seja historicamente mais correto chamá-lo de aedes), governo (regia) e
imaginação (theatrum) (Figura 24).
A determinação desses tipos não é um mero exercício intelectual, e sim um ponto de
referência para estudar como os seus propósitos se relacionam na ordem social e como eles são
aplicados à criação de edifícios específicos. O propósito da imaginação, por exemplo, desdobra-se
historicamente em apenas três modelos de partido em planta. Dois deles são tradicionais, o
hemiciclo do teatro clássico e renascentista (Figura 25) e a ferradura dos teatros e salas de
concertos a partir do século xvii (Figura 26), e um modelo é modernista em forma de trapézio. A
[The building types are classified according to the way they serve the political purposes of people inpolities. (…) To know that [what to build], he must know what the activities in a polity are and whatpurposes they serve.] Westfall, Building Types, op. cit, 156.
Ibid., 157-160.
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adequação desses modelos ao propósito expresso na definição do seu tipo é tal, que em cada um
dos três contextos sociais mencionados a incidência de formas que fogem ao modelo é desprezível,
e isso mesmo em se tratando do inventivo modernismo — a sala retangular, bastante comum para
salas de concerto, é uma ligeira deformação da ferradura como do trapézio. Uns poucos exemplos
entre muitos são os Centrosoyus (1929) e o plenário da Liga das Nações, por Le Corbusier
(1927), e o auditório do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro (1936), que seguem o
modelo do trapézio; baseados no modelo em ferradura, há o teatro da Exposição das Artes
decorativas por Auguste Perret (1925, Figura 27) e o plenário no projeto Hannes Meyer para a Liga
das Nações (1927, Figura 28).
Os exemplos acima mostram ainda um outro aspecto da tipologia: a absoluta clareza na
distinção entre um tipo cívico e um privado, e entre um exemplo cívico e um privado. De fato,
seria impossível confundir qualquer um dos edifícios citados com uma construção pertencente à
malha trivial. O fato de que essa distinção possa ser fruto de um condicionamento cultural apenas
reforça as analogias entre a linguagem arquitetônica e a expressão verbal. Em ambas encontra-se
uma diferenciação entre um nível de linguagem “trivial” e outro, digamos, “importante”.
Aristóteles, na Poética, explica, com admirável simplicidade, qual a linguagem adequada a uma
obra literária: “a fala notável é clara, mas não ordinária” . Se a clareza se obtém, continua
Aristóteles, com o uso do vocabulário comum, isso pode resultar numa fala ordinária; o uso de
um vocabulário rebuscado, por outro lado, evita o trivial às custas da clareza. A “fala notável”,
portanto, se vale do vocabulário de uso corrente, parcimoniosamente temperado com a sua
recombinação em metáforas. Também segundo Jan Mukařovský (1891-1975), estudioso da estética
da linguagem e das artes, há uma ligeira diferenciação da linguagem “poética” com relação ao
fundo “normal” que lhe serve de base:
Le Corbusier e Jeanneret, Œuvre complète, op. cit, 206-213.
[Λέξεως δὲ ἀρετή σαφῆ καὶ ταπεινὴν εἶσαι.] Αριστοτέλης. Ποιήτικη, op. cit, 1458a.
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De facto, entre as componentes linguísticas de uma obra poética,encontram-se sempre muitas que se não afastam da norma da linguagem-padrão, pois o seu papel consiste em criar o fundo sobre que se projecta adeformação das outras componentes.
É essa sutil distinção de grau que caracteriza, segundo Tzonis e Lefaivre, “a identidade
poética de um edifício” , cujo propósito é o de “tornar as pessoas conscientes da condição de suas
vidas, produzindo um universo no qual os eventos conhecidos são reapresentados num
ordenamento ligeiramente diverso.”
O objetivo final dessa operação é, então, o de propor por meio do propósito: “o universo
do edifício neste caso não está apenas envolvido com o que é, mas também com o que deve ser,
não apenas com a verdade e a epistemologia mas também com o bem e a moral.” É, na mesma
linha de pensamento, a busca de Alexander para saber como “o que um sistema ‘deve ser’ emerge
naturalmente daquilo ‘que ele é’.”
. Elementos enfatizados
O caráter monumental da arquitetura cívica é expressado, sob o aspecto dos padrões
geométricos, por elementos enfatizados e por relações espaciais entre os elementos. Claro está que
essa divisão não implica que a forma dos elementos da arquitetura seja percebida individual e
independentemente da sua interação com o conjunto, muito menos que a interação entre os
elementos seja uma entidade em si separada da forma dos objetos. Também é preciso ter sempre
Jan Mukařovský. Linguagem-padrão e linguagem poética. In:. Escritos sobre estética e semiótica da arte.Lisboa: Estampa, 1993 (In: Boruslav Havránek e Milos Weingart (org.), Spisovná cestina a Jazykovákultura. Praha, 1932, 123-149), 322.
[(…) the poetic identity of a building (…)] Tzonis e Lefaivre, Classical Architecture, op. cit, 276.
[(…) to make people aware of the condition of their lives by making a world in which familiarthings are reset in a slightly different order.] Ibid., 277.
[The world of the building in this case is not only about what is but also about what must bedone, not only about truth and epistemology but also about goodness and morality.] Ibid., 276.
[(…) what a system ‘ought to be’ grows naturally from ‘what is.’] Alexander, Timeless Way, op.cit, 27.
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em mente que a forma edificada não é um objeto autônomo nem um fim em si, desinteressado,
mas um objeto que desempenha funções “materiais e espirituais” perante a sociedade, como
mencionou Saarinen.
No entanto, também é verdade que a produção da forma segue práticas e transformações
que não podem ser explicadas apenas pelo jogo dos condicionantes alheios a ela. Uma práxis
projetual entra em jogo ganhando relevância por efetuar a transição dos requisitos verbais para a
forma espacial. Não cabe aqui entrar em detalhes sobre as disputas ideológicas com respeito ao ato
de projetar, cujos argumentos alternam entre uma celebração da autonomia do arquiteto e a sua
dissimulação por trás do véu e irresistíveis forças sociais ou históricas. Ao primeiro grupo pertence
a declaração de Lucio Costa, para quem, ainda que seja “indubitável que a origem da arte é
interessada, pois a sua ocorrência depende sempre de fatores que lhe são alheios”, todavia “não é
menos verdadeiro que na sua essência, naquilo por que se distingue de todas as demais atividades
humanas, é manifestação isenta” . Walter Gropius subscreve o segundo grupo ao propor que
“devemos buscar novos valores que estejam fundamentados no conteúdo do pensamento e da
sensibilidade da nossa época” . Julien Guadet defende, e procura inculcar, essa mesma posição:
(…) não convém omitir, e não podemos fazer nada com respeito a isso, ogrande arquiteto de uma época é o seu estado social. O técnico é umrealizador, mas não é ele quem cria ou comanda as aspirações do seutempo, ele só pode adaptar-se a elas, para o bem do interesse da arte.Acima das obras, acima dos programas específicos, há o programa dosprogramas, é a própria civilização de cada século, a fé ou a descrença, aaristocracia ou a democracia, a severidade ou a decadência dos costumes.
Costa, Arquitetura, op. cit, 18.
Gropius, Bauhaus, op. cit, 17-18.
[(...) il ne faut pas se dissimuler, et à cela nous ne pouvons rien, le grand architecte d’une époque, c’estson état social. Le technicien est un réalisateur mais ce n’est pas lui qui crée ou qui gouverne les aspirationsde son temps, il ne peut que s’y adapter au mieux des intérêts de l’art. Au-dessus des oeuvres, ao-dessus desprogrammes spéciaux, il y a le programme des programmes, c’est la civilisation même de chaque siècle, lafoi ou l’incrédulité, l’aristocratie ou la démocratie, la sévérité ou le relâchement des moeurs.] Guadet,Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 135.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Mesmo assim, em qualquer caso, a transposição desse “programa social” para um risco
envolve operações mais ou menos convencionais, que acabam por se ritualizar em métodos.
Ocorre, no entender de Alfonso Corona Martinez, um desvio no intuito do projeto:
Os meios principais de projeto adquirem autonomia. Os cortes tendem ater uma certa harmonia, própria de cada época e que varia segundo amoda. As plantas mostram perfeccionismos gráficos, ajustes intermináveis,distribuições regulares de pontos estruturais, os quais muitas vezes não sãoencontrados nos cortes correspondentes.
Não é excessivo insistir, no entanto, que em meio a essa ênfase na lógica interna do
projeto, em última análise são os condicionantes externos — necessidades materiais e
espirituais — que têm a última palavra na determinação da forma. O “credo dos promotores do
funcionalismo” pode ser mais árido que a realidade da prática, mas um arquiteto como Gropius
não está dizendo palavras vazias quando proclama que “o provimento de luz e ar para a habitação
é naturalmente a meta de tôdas as leis de planejamento urbano.” E é claro que essa preocupação
não nasceu com o modernismo: várias décadas antes, Guadet já admoestava seus alunos nestes
termos:
(…) pensem bem que precisamos de luz e precisamos de ar (…)
(…) façam com que a água da chuva possa ser escoada facilmente, e comsegurança (…)
A arquitetura do início do século xx, então, aceita essa sobreposição de requisitos externos
e práticas internas, como parte integrante do processo de projeto. O resultado é uma composição
que se desdobra, sucessivamente, das questões políticas e sociais, fornecendo a tipologia e o
partido, funcionais — a distribuição do programa e a inserção de elementos figurativos — e
finalmente de questões mais puramente perceptivas. A respeito destas, Gropius reafirma a
Corona Martínez, Ensaio sobre o projeto, op. cit, 50.
Gropius, Bauhaus, op. cit, 153.
[(...) dites-vous bien qu’il nous faut de la lumière et qu’il nous faut de l’air (...) / (...) faites en sorte queles eaux puissent être rejetées facilement, sûrement (...)] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit,122.
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importância do “tratamento artístico de superfícies” : “Na realidade, o homem precisa de
impressões seguidamente cambiantes para permanecer receptivo, as situações inalteradas, por mais
perfeitas que sejam, o embrutecem e o entorpecem.” Guadet é mais sutil: “Essa variedade
legítima é apenas o caráter, identidade entre a impressão arquitetônica e a impressão moral do
programa.” A “impressão moral”, por sua vez, remete à determinação dos elementos
inicialmente de acordo com o propósito político da arquitetura, ou seja, de acordo com o seu
tipo. O próprio Le Corbusier sugere que, ainda que codependentes, massa e superfície têm cada
qual existência própria, sendo que a superfície deve ser composta de modo a realçar o volume que
ela delimita.
A distinção através da ênfase só é possível no contexto de uma malha urbana tradicional,
onde não apenas a arquitetura trivial se conforma a uma tipologia de fundo, razoavelmente
repetitiva, como também existe uma proximidade suficiente entre a malha e o cívico, permitindo
uma identificação visual simultânea de ambos. A ênfase enquanto técnica de composição está
intimamente ligada à questão tipológica, uma vez que esta determina, direta ou indiretamente, o
partido do edifício. O tipo — ou caráter — geral de uma residência, por exemplo, é bastante
diverso dos quatro tipos cívicos, na classificação de Westfall. Por mais que haja uma sobreposição
devido à metonímia entre os propósitos tipológicos, o lugar da moradia e da subsistência
permanece morfologicamente distinto dos lugares cívicos de veneração, conjugação e imaginação,
com o palácio formando um elo entre os dois grupos de propósitos.
No entanto, da mesma maneira que o tipo, na tradição acadêmica bem como na descrição
de Westfall, tem uma acepção mais ampla do que a simples classificação funcional, também a
ênfase segue princípios mais gerais. Para uma certa leitura dos preceitos modernistas, o edifício
Gropius, Bauhaus, op. cit, 67.
Ibid., 74.
[Cette variété légitime, ce n’est pas autre chose que le caractère, identité entre l’impressionarchitecturale et l’impression morale du programme.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit,132.
Le Corbusier e Jeanneret, Œuvre complète, op. cit, 33.
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seria como uma “bolha de sabão”. Seria difícil, contudo, encontrar exemplos de uma aplicação
literal deste princípio no modernismo do período entre-guerras. Um exemplo típico dessa atitude,
o Atelier Ozenfant de Le Corbusier (1923), combina uma expressão “direta” do espaço interior
com uma iconografia náutica sem relação com o programa funcional. O próprio Le Corbusier
adverte contra uma expressão estrutural e funcional excessivamente direta e prosaica, uma
“expressão exterior” de condicionantes materiais por demais desligada das questões de tratamento
geométrico das superfícies.
Não se deve esperar encontrar uma correlação direta entre elementos do programa
funcional e massas enfatizadas na fachada, ainda que Varon afirme em 1916 que “deve existir uma
razão de ser para toda ênfase, e o elemento resultante deve ser a expressão visível de uma
função.” Na tradição acadêmica, contudo, função não deve ser confundida com programa e a
“expressão de uma função” não é a demonstração de um elemento de um programa de
necessidades. Assim, para Varon, a expressão da função “igreja” equivale ao campanário —
nenhuma menção é feita à “expressão” da nave na fachada. Prova disso é que na lâmina xxix
Varon apresenta uma série de partidos de fachadas; cada um deles é então desenvolvido para um
exemplo cívico e um residencial — caracteres diversos, sem dúvida, o que não exclui a aplicação
dos mesmos princípios de composição (Figura 29).
O contemporâneo de Varon, N.C. Curtis, também defende que a fachada seja enfatizada
de acordo com a distribuição da planta. No mesmo ano em que Le Corbusier publicava a
coletânea Vers une Architecture, contendo a famosa afirmação “a planta é a geradora” . Curtis
defende, em Architectural Composition, que “a fachada é, especialmente, resultado da planta” .
Mas a expressão da função na fachada é temperada pelo genérico propósito, rejeitando uma
[(...) there must be a raison d’être for every emphasis, and the resulting feature must be theoutward expression of a function.] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 30.
Ibid., lâmina XXXI.
Le Corbusier, Por uma arquitetura, op. cit, 27.
[(...) a facade is particularly the resultant of the plan (...)] Curtis, Architectural Composition, op. cit,117.
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associação imediata entre programa e elevação. De fato, Curtis imediatamente ressalva que “em
certos tipos de edifícios a maior realização artística será acentuar de modo visível tanto o
propósito quanto a construção, no maior grau possível, e em outras obras será mais apropriado
buscar torná-los menos evidentes.”
A mensagem dos “promotores do funcionalismo”, por outro lado, está longe de ser tão
evidente. Thomas Schumacher mostra, no artigo “ ‘The Outside is the Result of an Inside’: Some
Sources of One of Modernism’s Most Persistent Doctrines” (2002), que em muitos casos os
arquitetos modernistas — entre eles o autor da “teoria da bolha de sabão”, Le Corbusier em
pessoa — não fizeram corresponder a ênfase exterior a algum elemento do programa interno. A
teoria da “leitura” do edifício, no Modernismo, tem dois aspectos:
Em boa parte da arquitetura do Movimento Moderno, duas premissasimportantes foram tacitamente aceitas sobre o interior e o exterior. Umadelas era que o programa social do edifício devia ser lido, literalmente, noexterior do edifício, sem a ajuda de inscrições. A outra premissa era que osespaços e volumes internos também deveriam ser legíveis no exterior.
A expressão literal do programa no exterior do edifício, argumenta Schumacher, decorre
da valorização de uma composição abstrata, substituindo o ornamento pelo jogo de formas e
volumes, com as vanguardas das décadas de 1910 e 1920. Além disso, ele mostra a ambivalência
do próprio Le Corbusier com relação ao seu preceito.
[In some types of buildings it will be the highest art to accentuate in a visible manner bothpurpose and construction as much as possible, in other wor[k]s it will be appropriate to strive tomake them less evident.] Ibid., 117.
[In much of the architecture of the Modern Movement, two important assumptions weretacitly made about the inside and the outside. One was that a building’s social program ought tobe read quite literally on the outside of the building, without the aid of inscription. The otherassumption was that the interior spaces and volumes ought to be read as well.] Thomas L.Schumacher. “‘The Outside Is the Result of an Inside’: Some Sources of One of Modernism's MostPersistent Doctrines”. Journal of Architectural Education 56 (1), 2001 , 23.
Ibid., 25.
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.. Figuração
A representação figurativa é talvez o expediente mais difundido para a expressão do caráter
na arquitetura tradicional. Ela se dá por meio do emprego de formas convencionalmente
reconhecíveis, que apontam para um significado externo a elas. Não se deve, contudo, associar a
“arquitetura figurativa” com o “pato” de Robert Venturi, ou mesmo com os casos mais extremos
de architecture parlante do século xviii. Isso seria o equivalente a cair no domínio das
“semelhanças pueris” condenadas por Quatremère de Quincy, e não dá conta de descrever o
universo da figuração arquitetônica. “O simbólico era”, nas palavras de Alan Colquhoun, “uma
transfiguração do real (arquitetura como transformação intelectual e representação da
estrutura).” O “real”, nesse caso, equivale à “verdade” promovida por Guadet e à imitação da
natureza em Quatremère, bem como, de modo mais livre, às quinze propriedades fundamentais
de Alexander: não é uma arquitetura de formas “orgânicas”, muito menos “icônicas”, no sentido
de reprodução de um modelo literalmente real. Trata-se, ao contrário, da criação de figuras cuja
legibilidade repousa sobre analogias mais genéricas a respeito do propósito e da solidez da
construção.
Apesar da tendência abstracionista do modernismo, o conceito de imitação da natureza
não lhe é de modo algum estranho, ao menos nesse sentido neoplatônico postulado na tradição
acadêmica. Colquhoun observa que “havia no modernismo a idéia da lei natural e de uma volta
aos princípios fundamentais da forma artística, o que estava próximo ao neoclassicismo
primitiv[ista] do Iluminismo.” O modernismo também tem em comum com o neoclassicismo
um questionamento severo das convenções sobre as quais repousa, nas artes clássicas, a
transposição das leis naturais para a imagem — ou seja, as convenções de linguagem que reforçam
a leitura do significado através da figura.
Alan Colquhoun. Introdução. In:. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre arquitetura 1980-1987.São Paulo: Cosac & Naify, 2004, 19.
Alan Colquhoun. Três tipos de historicismo. In:. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobrearquitetura 1980-1987. São Paulo: Cosac & Naify, 2004 (Architectural Design 53, 1983), 32.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Por outro lado, a persistência e sucessiva repetição de imagens figurativas não está excluída
do modernismo, assim como não o estava do neoclassicismo. Gombrich argumenta que o “senso
de ordem”, a capacidade humana de perceber padrões geométricos ordenados, é sempre
acompanhado pelo “senso de significação”, que permite ao observador identificar a figura e
compreender a natureza do objeto. Isso implica que mesmo uma arquitetura pautada pela
(relativa) rejeição da figura decorativa pode apresentar a figura significativa associada a alguma
linguagem formal. Pode até mesmo acontecer, como acusa Corona Martinez a respeito de um
certo modernismo “formalista”, que “repertórios completos de [elementos da] arquitetura são
criados para uma obra e descartados na seguinte.”
Essa profusão de linguagens e a sua redução a expressões exclusivamente individuais do
artista só foi possível por causa da teoria da expressão natural, a qual justamente pretendia
transpor sem intermediários a distância entre as supostas leis naturais e a forma, prescindindo da
ponte representada pelas convenções, e descuidou do estabelecimento de uma linguagem coletiva
que fosse explícita na mesma medida dos seus preceitos ideológicos. Mesmo com o seu discurso
sobre padronização e racionalização, Walter Gropius ressalva que a formação acadêmica por ele
dirigida na Bauhaus, pelo menos na cadeia de projeto, almeja mais ao “desenvolvimento da
personalidade do que a habilidade profissional.” Caso essa individualização da linguagem fosse
levada a cabo, ficaria patente a transformação do arquiteto de πόλιτες em ιδιοτής.
Ainda assim, é evidente a existência de certos padrões formais recorrentes nas obras do
modernismo dos anos 20 e 30, que correspondem senão na forma, pelo menos na função
figurativa, aos da arquitetura acadêmica contemporânea. Reyner Banham lembrou a existência de
certas conformidades estilísticas no modernismo, aquilo que Piacentini deplorava como sendo “o
produto da paixão atávica pela arte mediterrânea, vista e assimilada romanticamente” tanto no
Gombrich, The Sense of Order, op. cit, 143.
Corona Martínez, Ensaio sobre o projeto, op. cit, 133.
Gropius, Bauhaus, op. cit, 91.
[(…) il prodotto dell'innamoramento atavico per l'arte mediterranea, veduta e assimilataromanticamente (…)] Piacentini, Il momento architettonico all’estero, op. cit, 99.
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classicismo quanto no modernismo do norte da Europa. A ênfase dada por Piacentini à busca de
um modernismo impregnado de fatores regionais e bioclimáticos, aliás, reflete essa mesma
necessidade de figuração, retratando um dos elementos mais presentes da sociedade dos anos entre
as guerras mundiais: o caráter nacional.
.. Implantação
Um dos termos da legibilidade e da significação transmitida pela arquitetura cívica se dá
na sua diferenciação não apenas visual, mas também espacial, com relação à arquitetura trivial.
Diferenciar a implantação do edifício cívico é criar um temenos, no sentido clássico o recinto
sagrado no interior do qual tudo deve ser perfeito e não comprometido e, por extensão, a divisa
sólida ou vazia que separa um local importante do tecido urbano à sua volta. É, em suma, a
prática de se isolar o edifício, que deixa de pertencer a uma parcela urbana — quadra ou lote —
para ser uma entidade em separado, implantada de maneira idiossincrática na estrutura da cidade.
A existência de um temenos pode, por si só, indicar a importância de um edifício, mas ela é usada
mais freqüentemente para reforçar e permitir a expressão mais efetiva possível do decoro.
Enquanto que o modernismo pretendia elevar “da chaleira à cidade” ao nível do temenos,
mantendo sempre a pureza formal sonhada pelo projetista, o método acadêmico jamais permitia
que se perdesse de vista o contexto urbano, por mais excepcional que fosse o edifício. Mesmo um
ministério “seria totalmente diferente”, segundo Guade, “se concebido na Praça da Concorde, ou
numa rua qualquer.”
Tradicionalmente, a delimitação de um temenos é uma das maneiras mais comuns de se
definir o caráter cívico de um edifício; ele ocorre, de dois modos, nos fóruns de Pompéia. No caso
dos templos de Apolo (Figura 30) e Ísis, a delimitação é feita por um muro, no interior de cujo
perímetro (templum) o edifício (aedes) fica livre e sem interação com o restante da malha urbana.
Já o templo de Júpiter (Figura 31) está situado na extremidade norte do fórum romano, isolado no
espaço e exposto por todos os lados às fachadas dos edifícios adjacentes. Neste último caso, o
Tzonis e Lefaivre, Classical Architecture, op. cit, 5.
Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 103.
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edifício se torna um marco exposto na malha urbana, um “sólido figural” na linguagem da
Gestalt; na cidade tradicional, esse sólido figural fica em franca oposição ao “espaço figural”
característico da res privata.
Adotam esse modelo de implantação o Tribunal de Gotemburgo (Figura 32) e a National
Gallery of Art de Washington (Figura 33) — cada qual delimitando um quarteirão inteiro — bem
como o Museu Nacional de Tóquio (Figura 34), este situado no interior do Parque Ueno, espécie
de campus cultural da cidade. Por isso, os dois primeiros ajudam a definir a malha urbana,
enquanto que o terceiro compõe um conjunto de exceção interrompendo essa mesma malha. Em
situação semelhante a este último se encontram, por definição, todos os pavilhões de exposições
ao ar livre. São dignos de nota, por sua celebridade, três pavilhões da Alemanha, o de 1929 em
Barcelona, por Mies van der Rohe (Figura 35) , o de 1932 em Liège, por Emil Fahrenkampf
(Figura 36), e o de 1937 em Paris, por Albert Speer (Figura 37).
Edifícios cívicos que ocupam um quarteirão, por outro lado, revelam uma certa
ambigüidade com respeito ao caráter excepcional da sua implantação; afinal, se é verdade que eles
não compartilham esse trecho da malha urbana com arquiteturas privadas, também é verdade que
em termos sintáticos a qualidade da barreira por eles apresentada ao espaço urbano é idêntica à da
res privata. Para realçar o caráter excepcional em tal gênero de edifícios, pode-se recorrer a
deformações na própria malha urbana, situando o bloco da obra cívica de maneira diversa dos
demais quarteirões. Assim, um edifício-quarteirão que interrompa a rede viária, colocando-se
como a terminação de um eixo visual e de movimento, terá a sua importância claramente
expressada: se ao edifício é permitido interromper o desenrolar utilitário da malha urbana, então
entende-se que ele deva ter uma importância condizente com o grau dessa interrupção. Desse
modo, o Palácio do Vice-Rei em Nova Delhi, obra de Edwin Lutyens (1920, Figura 38), encerra de
maneira enfática a longa (e, devido a acidentes topográficos não terraplenados, oscilante)
perspectiva do Rajpath, a esplanada administrativa da então capital colonial do Império Indiano
(Figura). Mas esse expediente pode ser aplicado também ao outro gênero, o do pavilhão no
campus, produzindo um efeito de ordenamento parcial do espaço, sempre comprometido pelo
arranjo mais ou menos livre do conjunto. Isso vale para o Museu Nacional de Tóquio, que
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
bloqueia um eixo demarcado por canais e bordado por outras duas alas do museu, além de uma
sala de concerto.
Outra variação ocorre quanto o edifício, por suas dimensões, se exclui da malha urbana
trivial mas participa da criação de outro espaço, este de caráter monumental. É o caso do Palais
Chaillot (1937, Figura 39), o enorme complexo cultural projetado pelos acadêmicos Boileau, Carlu
e Azéma para a Exposição de Artes e Indústrias em Paris (Figura). As duas alas curvas do palácio
apresentam à cidade a sua face convexa, repudiando com bastante clareza qualquer continuidade
do tecido. Do outro lado, as alas abraçam uma esplanada ajardinada que se estende até o Sena,
criando um espaço monumental intra-urbano. Ao mesmo tempo, o palácio atua como a
terminação desse espaço urbano, reafirmando o seu papel de delimitador do espaço, mas deixando
um vão central além do qual se percebe uma solução de continuidade com a malha urbana.
Naturalmente, numa cidade projetada segundo o modelo da Ville radieuse, essa oposição
desaparece por completo, a menos que outros elementos do projeto venham resgatar uma
diferença aparente na implantação dos edifícios. Por outro lado, a questão não se coloca com
respeito a edifícios em áreas rurais ou suburbanas. Os projetos para a Liga das Nações têm um
caráter monumental devido às suas dimensões e tipologia, mas não faz sentido especular sobre a
sua relação com os demais edifícios da Suíça rural.
Todavia, a implantação diferenciada não é um instrumento indispensável à distinção da
arquitetura cívica. Na verdade, e principalmente no caso de níveis hierárquicos mais baixos de
edifícios da res publica, implanta-se o edifício cívico de modo semelhante a um edifício trivial. É o
caso, por exemplo, de inúmeras igrejas e outros tantos palácios de Roma, evidenciados na planta
elaborada por Giambattista Nolli em 1748 (Figura 40). Mesmo em épocas mais recentes, a
implantação de edifícios cívicos nem sempre o separa fisicamente da malha trivial. O atual centro
universitário de Nîmes (Site des Carmes, Figura 41), teatro de meados do século xix quase que
inteiramente reconstruído na década de 1990, é um bom exemplo desse procedimento. Situado
num lote de esquina, a construção ainda assim preserva o alinhamento de fachadas predominante
no quarteirão. Na mesma situação está o Institut d'Art et d'Archéologie de Paris, por Paul Bigot
(1932), situado numa esquina da Avenue de l'Observatoire (Figura 42). Guadet resume a
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
ocorrência de ambos os modelos de implantação: “numa cidade — por exemplo Paris — os
monumentos ficam geralmente em sítios monumentais; nem sempre, contudo.”
.. Massa
A forma física de um elemento, considerado — na medida do possível — isoladamente
pode ser subdividida, para efeitos de estudo, de modo muito simples: por um lado, a sua
configuração geral, isto é, o contorno determinando um volume geométrico, e por outro, a forma
dos elementos secundários que o constituem. Essa divisão corresponde à dupla natureza do
“elemento” de composição em Alexander, a de ser ao mesmo tempo uma unidade e um padrão de
unidades inscritas. Em termos mais estritamente arquitetônicos, é também o que se convenciona
chamar de “massas”, por um lado, e “detalhes”, por outro.
Pode-se supor, hipoteticamente, que numa situação em que os elementos de detalhe são
dados, haverá uma preocupação especial com os efeitos de massas, e, reciprocamente, se forem as
massas controladas por fatores externos preestabelecidos, o detalhamento das superfícies é que
merecerá explorações mais largas. Tais situações correspondem justamente ao espectro dos
movimentos e estilos no período entre guerras. De modo bastante simplificado, há de um lado a
tradição acadêmica, que compõe o seu detalhamento com os elementos canônicos da arquitetura
clássica e proclama a variedade nas combinações de massa, e do outro as vanguardas do
funcionalismo derivando as suas massas a partir de analogias diretas com elementos do programa
e desenvolvem detalhes decorativos originais. Entretando, a prática arquitetônica dificilmente
atinge os extremos representados por esses enunciados teóricos absolutistas. No modernismo mais
funcionalista há um certo grau de liberdade na composição plástica com os elementos do
programa, e estes por sua vez determinam até mesmo a mais plástica das composições acadêmicas.
No que diz respeito à estruturação das massas edificadas, os três livros didáticos já vistos
concordam em reconhecer a primazia da planta sobre a fachada. O que muda é o grau de
sofisticação intelectual com que essa relação hierárquica é apresentada nos textos de Guadet,
[Dans une ville — voyez Paris — les monuments sont en général dans des emplacementsmonumentaux ; pas toujours cependant.] Ibid., 103.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Varon e Curtis. Este, como já foi visto, é bastante claro e direto, ainda que procure se desmarcar
da posição funcionalista, e enfático quanto à sucessão dos termos determinantes:
Já que o propósito do edifício controla a disposição da planta, e o sistemaconstrutivo controla as proporções verticais, depreende-se que esses doisfatores essenciais de propósito e construção também controlam acomposição da fachada.
Varon também explica claramente a relação entre a distribuição em planta e a elevação da
massa edificada, mas o seu ensinamento é mais cuidadosamente mitigado:
Uma regra, porém, ainda que ela possa não ser imediatamente tida comoessencial, deve ser rigidamente adotada: sempre considerar a planta quandose estiver projetando a elevação. A criação bem-sucedida seráfreqüentemente um compromisso entre os requisitos materiais da planta eas necessidades estéticas da fachada.
Na opinião de Varon, portanto, as necessidades da planta e o efeito expressivo da fachada
não se encontram numa relação causal, como para a teoria da “bolha de sabão”, mas numa de
conflito e compromisso. Geoffrey Scott compartilha da mesma posição quando defende que os
três termos da definição vitruviana de arquitetura, a utilidade, a solidez e a beleza, não se
constituem num todo harmonioso nem em fatores relacionados, mas em requisitos independentes
e contraditórios. Varon adverte contra um emprego arbitrário da composição de massas,
relacionando esta sempre com o propósito do edifício: “deve haver uma razão de ser para toda
ênfase, e o elemento resultante deve ser a expressão visível de uma função.” A função, em Varon,
não é idêntica com um elemento do programa de necessidades: como já foi visto, a “função” da
[Since the purpose of the edifice controls the arrangement of the plan and the mode of constructioncontrols the vertical proportions, it follows that these two essential factors of purpose and constructionalso control the composition of the facade.] Curtis, Architectural Composition, op. cit, 117.
[One rule, however, though it may not at once be deemed essential, must be rigidly adhered to: Alwaysconsider the plan when designing the elevation. The successful creation will frequently be a compromisebetween the material requirements of the plan and the aesthetic needs of the elevation.] Varon, Indicationin Architectural Design, op. cit, 29-30.
Scott, Architecture of Humanism, op. cit, 8.
[(…) there must be a raison d'être for every emphasis, and the resulting feature must be the outwardexpression of a function.] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 30.
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igreja é representada por um campanário, e está, portanto, mais próxima da expressão do
propósito, ou seja, do tipo edilício.
Finalmente, Julien Guadet aponta para a necessidade de se considerar não apenas a
utilidade material da planta ou a sua exeqüibilidade construtiva, mas também o seu potencial
expressivo, isto é, a capacidade da planta gerar um sistema de massas atraente:
É mesmo necessário definir uma bela composição? Ela será antes de maisnada boa, mas ela permitirá também belas vistas. Os salões que vocêsprojetarem completar-se-ão cada qual pelo efeito do conjunto se vocêssouberem concertar belas suites; os seus pátios, se elas prolongarem umasàs outras por meio de perspectivas habilmente arranjadas; as suas fachadas,se vocês tiverem disposto belos bastiões, reentrâncias ou pavilhõesenfatizados, silhuetas enérgicas ou elegantes; se tudo isso for variado, sevocês tiverem oposições, até mesmo contrastes — enfim, se vocêssouberem ser artistas para a sua composição.
Nota-se que aqui não é questão de distribuir mecanicamente os espaços em planta e
aceitar qualquer composição resultante. Guadet valoriza os efeitos compositivos, a produção de
uma planta não apenas eficiente, mas também “bela”, de modo a permitir, assim, um igualmente
belo arranjo tridimensional de massas. E, na medida em que essas massas ganham importância
visual e significação, elas respondem de modo mais literal às indicações do propósito do edifício,
deixando de lado as especificidades dos espaços enunciados no programa de necessidades. Verifica-
se essa generalização das massas quando as formas são reutilizadas em edifícios subseqüentes; o
exemplo mais convencional desse processo é a expressão formal dos seis tipos edilícios
elementares, mas não é de modo algum a sua única ocorrência.
No projeto de Le Corbusier para o Palácio dos Sovietes (1931, Figura 43), o conjunto da
composição é determinado pelo equilíbrio entre as duas principais massas formadas pelos
[Est-il nécessaire de définir une belle composition ? Elle sera bonne d'abord, mais elle assurera aussi debeaux aspects. Vos salons se complèteront chacun par l'effet de tous si vous avez su ménager de bellesenfilades ; vos cours, si elles se prolongent l'une l'autre par des perspectives habilement ménagées; vosfaçades, si vous avez disposé de beaux avant-corps, des retraites ou des pavillons accentués, des silhouettesénergiques ou élégantes; si tout cela est varié, si vous avez des oppositions, des contrastes même — en unmot si vous avez su être artistes dans votre composition.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op.cit, 125-126.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
auditórios em forma de leque; estes, além disso, também são percebidos do ponto de vista
figurativo, remetendo, com sua forma derivada do trapézio, à interpretação modernista do tipo
tradicionalmente representado pela ferradura. Mais afastada da associação direta entre espaço
funcional e massa, a barra prismática, adjacente ao auditório menor, que compensa a diferença de
volume entre os dois leques, é outra forma extremamente comum na iconografia modernista.
Encontrada em projetos tão díspares quanto conjuntos habitacionais, sedes de governos e edifícios
comerciais, a barra tem a conotação de elemento repetitivo, contínuo e potencialmente extensível
ao infinito. Se o trapézio é o foco de um edifício cívico onde se dá reunião de pessoas, a barra é o
seu componente trivial, a malha urbana, por assim dizer, na imagem da cidade modernista.
O contraste entre um prisma “de fundo” e outro elemento, muitas vezes de menores
dimensões mas cuja geometria o destaca, é uma composição extremamente comum na arquitetura
cívica do modernismo: ele é encontrado, entre outros, no Ministério da Educação do Rio de
Janeiro (1936, Figura 44), na Casa da Suíça de Le Corbusier para a cidade universitária de Paris
(1932, Figura 45), na sua casa de refúgio do Exército da Salvação (onde o elemento diferenciado é
o diminuto mas evidente pórtico de entrada), na fábrica Van Nelle (1926, Figura 46) por
Brinkman, van der Vlugt e Stam em Rotterdam, e nos projetos de Hannes Meyer e Le Corbusier
para a Liga das Nações.
É possível que esse contraste tenha origem numa prescrição acadêmica, reafirmada por
Guadet, de que o elemento principal de uma composição seja claramente determinado no
projeto, relegando os demais elementos a uma posição de “fundo”. Também há, nesse sentido, a
tradição da arquitetura palaciana francesa, alternando massas proeminentes chamadas de corps de
logis com estruturas conectoras recuadas. Os corps de logis não evidenciam nenhum espaço interior
que demande para sua função essa protuberância, com a possível exceção do salon cuja forma
elíptica multiplica o perímetro de janelas com vista para os jardins; no entanto, eles reforçam uma
leitura do edifício com começo, meio e fim — e um elemento arquitetônico reforçando cada uma
dessas partes.
Ibid., 130.
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A articulação dos términos do edifício, portanto, também pode ser entendida como um
fator da composição de massas. Tzonis e Lefaivre mostram que, de um modo geral, há regras
importantes, ainda que pouco claras, para o tratamento das terminações na arquitetura clássica.
Usando uma analogia musical, os pesquisadores dividem os elementos de arquitetura em partes
fortes (stressed) e partes fracas (unstressed):
De modo a concretizar a idéia do limite, o cânone da arquitetura clássicadetermina que o elemento de terminação de um padrão métrico deva sernão apenas forte, mas duplamente forte. Também há outras possibilidades:alongar a unidade fraca anterior, isto é, “atrasar” a terminação forte,estendendo a seção junto ao seu término; ou o contrário, combinar umencurtamento da unidade fraca com uma ênfase dobrada na unidade forte(…)
O corps de logis, portanto, assume o papel de elemento forte, assim como na linguagem
modernista o paralelepípedo freqüentemente tem o papel de unidade fraca. É importante atentar
para o fato de que a definição de elemento forte é a de haver um “significado formal” na
percepção do elemento, e não a de existir algum efeito perceptivo que cause uma certa reação no
observador. Assim, os corps de logis terminais são elementos fortes maciços que arrematam os
términos de um palácio francês; no entanto, as estruturas em balanço que muitas vezes marcam os
limites dos prismas modernistas também podem ser consideradas fortes, desde que elas não sejam
suplantadas visualmente por outra expressão de massa, como uma demarcação forte da estrutura
vertical.
Na sobreposição de planos horizontais, há uma clara inversão entre a expressão dos limites
na arquitetura tradicional e naquela influenciada pelos “cinco pontos da nova arquitetura”.
Enquanto que, na primeira, as terminações inferior e superior — pódio e cornija — são fortes, no
modernismo canônico elas freqüentemente são fracas — pilotis e parapeito não articulado. A
[To manifest the idea of the boundary, the canon of classical architecture dictates that the terminationelement of a metric pattern should not only be stressed but doubly so. There are also other possibilities:making the previous unstressed unit longer, that is, “delaying” the accentuated termination, extending thesection toward its ends; or the reverse, combining a shortening of the unstressed unit with a doublestressing of the stressed unit (…)] Tzonis e Lefaivre, Classical Architecture, op. cit, 129.
[(…) formal meaning (…)] Ibid., 124.
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diferença fica clara comparando-se a embaixada alemã em São Petersburgo, por Peter Behrens,
com seu estilóbato na base e um pesado entablamento no topo, e o Museu Nacional de Tóquio,
dotado de um alto telhado, com o grande vão horizontal no monumento de Le Corbusier a Paul
Vaillant-Couturier, a mais recatada horizontalidade do monumento a Rosa Luxemburgo por Mies
van der Rohe, ou até mesmo com o minimalista Palazzo della Civiltà Italiana (1937), o “coliseu
quadrado” de Guerrini, la Padula e Romano.
.. Detalhe
Ostensivamente, a menor menção à palavra “ornamento”, para não falar no emprego do
próprio, é considerada uma heresia sob qualquer interpretação da ideologia do Movimento
Moderno. No entanto, não obstante as explorações ornamentais de Frank Lloyd Wright, que não
se reduzia ao discurso modernista, pode-se citar diversas obras célebres mais próximas da
ortodoxia vanguardista européia, como a sede da Shell na Haia, por J.J.P. Oud (1938-1942, Figura
47) ou o Ministério da Educação no Rio de Janeiro, com seus painéis de azulejos e outros
revestimentos nobres. Mas a “ornamentação” modernista não se limita à “força expressiva dos
materiais (…) como elementos de composição arquitetônica” , como sugere Marcos Moraes de
Sá, até porque os materiais são, no mais das vezes, percebidos como uma textura superficial. O
historiador da arquitetura Brent C. Brolin expõe a falácia do ornamento modernista na qual Sá
caiu: “sugerir que uma forma ‘funcional’ não é ornamentada porque ela não está dotada de
ornamento tradicional e imita as formas da máquina é cair num truque semântico do Movimento
Moderno.” E não é nem preciso insistir nos exemplos menos “canônicos” — basta comparar
uma cadeira tradicional da oficina Thonet, como a № 14 (1859, Figura 48), com a moderna Wassily
de Marcel Breuer (1925, Figura 49), e ver qual delas lança mão da maior complexidade de formas
para resolver o mesmo problema básico.
Sá, Ornamento e modernismo, op. cit, 85.
[To imply that a “functional” form is unornamented because it lacks traditional ornament and mimicsmachine forms is to fall victim to a semantic ruse of the Modern Movement.] Brent C. Brolin.Architectural Ornament: Banishment and Return. New York: Norton, 2000 (Flight of Fancy: TheBanishment and Return of Ornament. New York: Norton, 1985), 183.
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Marcello Piacentini, na contramão do discurso mas não necessariamente da prática do
Movimento Moderno, propõe uma certa sistematização de significado para as formas geométricas
mais ou menos abstratas que são empregadas pelos diversos estilos em voga nas décadas de 1920 e
1930. Piacentini começa criticando, por ocasião de uma resenha do primeiro ciam em 1929, a
própria intenção de se eliminar a decoração arquitetônica em nome da racionalidade, associada à
minimalização também das dimensões da habitação: “é o esforço que se torna acadêmico para
alcançar o estrito necessário com os espaços mínimos. Pão e água.” E, enfático, sobre “a
decoração. Não copiá-la dos outros estilos: ótimo, mas isso não deve significar renunciar a ela. Por
que, no seu traje racionalíssimo, vocês não renunciam à gravata (…) ?” A decoração, para
Piacentini, está justamente relacionada ao decoro da arquitetura, sendo mais essencial àquela mais
elevada na hierarquia de propósitos, assim como a gravata marca um traje elegante e não
esportivo.
Nos graus maiores da arquitetura podemos encontrar o prazer doornamento e a intensificação da expressão significativa na aplicação dasartes figurativas. A escultura e a pintura, a pintura mural, devem voltar acumprir as suas funções expressivo-decorativas.
Eliel Saarinen, modernista de filiação tão clara e de discurso tão ambíguo quanto
Piacentini, concorda:
Por que uma forma verdadeira deve necessariamente ser ascética eraquítica? Será honesto apenas aquele homem que ao falar não usa mais doque as palavras absolutamente necessárias para expor o seu pensamentocom clareza, e que nas suas maneiras é seco em mais alto grau? Não será eleassombroso em vez de honesto?
[È lo sforzo che diviene accademico per raggiungere il puro necessario con i minimi spazi. Pane eacqua.] Piacentini, Prima internazionale architettonica, op. cit, 130.
[(…) la decorazione. Non prenderla dagli altri stili: benissimo, ma questo non deve significarerinunciarvi. Perché, nel vostro abito razionalissimo, non rinunciate alla cravatta (…) ?] Ibid., 131.
[Nei gradi maggiori dell'architettura potremo trovare la gioia dell'ornato e la intensificazione dellaespressione significativa nell'applicazione delle arti figurative. La scultura e la pittura, la pittura murale,debbono tornare a compiere le loro funzioni espressive-decorative.] Ibid., 132.
[Why should the truthful form necessarily be ascetic and gaunt? Is only that man honest who in hisspeech uses nothing more than the absolutely necessary words to make his thought clear, and who in his
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Finalmente, Piacentini acaba por concluir, em 1931, que existe uma estética decorativa
apropriada à arquitetura trivial e outra à arquitetura monumental, criada a partir dos elementos
estruturais mas não subordinada a estes:
A horizontal convém, portanto, à arquitetura residencial, íntima, modesta;a vertical convém à monumental.
E um edifício que tenha vários andares, e ao mesmo tempo um propósitode caráter público, poderá exibir essa sobreposição de pisos como queembutidos nas linhas (a ordem, no sentido mais amplo) verticais.
Mesmo assim, há uma certa preferência ideológica por parte dos arquitetos vanguardistas
pela linha horizontal, e a prescrição de Piacentini acaba tendo pouca popularidade. Já em 1933,
uma equipe de neo-racionalistas incluindo Giuseppe Terragni apresenta o seu projeto para o
Palazzo Littorio (sede do partido fascista), tendo como maior destaque a monumentalização de
um enorme bloco horizontal em balanço sobre a calçada (Figura 50).
O emprego por Mies van der Rohe de perfis de aço com uma intenção puramente
decorativa no edifício Seagram é tão conhecido que só teria a perder a sua força como exemplo ao
acompanhá-lo de qualquer comentário explicativo. No entanto, cabe advertir que um
procedimento como esse, por vezes interpretado como uma idiossincrasia ou ironia formalista do
arquiteto, é racionalizado por seu compatriota Walter Gropius:
À distância, cumpre que a silhueta da obra arquitetônica seja bem simples,de modo a ser compreendida, à primeira vista, como um símbolo portodos, desde o observador mais primitivo, até por aquêle que passe por elaràpidamente de automóvel. Quando nos aproximamos, distinguimosprotuberâncias e reentrâncias de partes e entalhes da construção, cujassombras proporcionam o entendimento da escala para essa nova distância.
manner is dry to the utmost? Isn't he dreadful rather than honest?] Saarinen, Search for Form, op. cit, 202.
[L'orizzontale s'addice dunque all'architettura domestica, intima, modesta, la verticale a quellamonumentale. / E un edificio che abbia molti piani, e nello stesso tempo una destinazione di caratterepubblico, potrà far figurare questa sovrapposizione di solai come incastrati in linee (l'ordine, nel senso piùlato) verticali.] Marcello Piacentini. Dove è irragionevole l'architettura razionale. In:. Architettura moderna.Venezia: Marsilio, 1996 (In Dedalo, 11 (3), gennaio 1931, 527-540), 165.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
E quando finalmente estamos bem em frente e não podemos mais avistar oedifício inteiro, é preciso que o ôlho seja atraído por novas surprêsas, naforma de tratamento artístico de superfícies.
. Relações ordenadas
A importância visual da decoração que não ousa dizer o seu nome — pelo menos no
discurso de Gropius — na composição de massas e superfícies arquitetônicas está, portanto,
relacionada com as dimensões da obra construída. Gombrich lembra que:
A estrutura geométrica de um design visual nunca poderá, por si só,permitir-nos predizer o efeito que ela terá no observador. Em certosentido, isso é óbvio: a estrutura é independente de escala, enquanto que apercepção não o é. O simples fato de ampliar ou reduzir um padrão mudadrasticamente o seu efeito.
Além da estrutura geométrica dos seus elementos constituintes, portanto, uma obra de
arquitetura deve levar em consideração as dimensões absolutas desses membros, e sua relação com
a grandeza humana.
.. Escala
É da natureza do objeto arquitetônico ser grande demais para simultaneamente se abarcar
o seu conjunto e se perceber os seus detalhes. Aristóteles considera que a justa medida nas
dimensões de uma obra de arte se dá no meio-termo entre uma realização tão pequena que o todo
e as partes sejam compreendidos com um só olhar, causando um interesse efêmero, e outra tão
grande que se perca o senso do todo ao observar as partes e vice-versa. Devido à própria natureza
do processo projetual, contudo, é bastante fácil perder de vista a noção dessa justa medida,
caindo-se muitas vezes, no que diz respeito à monumentalidade cívica, no exagero do agigantado.
Gropius, Bauhaus, op. cit, 67.
[The geometrical structure of a visual design can never, by itself, allow us to predict the effect it willhave on the beholder. In one respect this is obvious: structure is independent of scale while perception isnot. Merely enlarging or reducing a pattern may change the effect dramatically.] Gombrich, The Sense ofOrder, op. cit, 117.
Αριστοτέλης. Ποιήτικη, op. cit, 1451a.
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Três décadas antes do projeto de Boris Iofan para o Palácio dos Sovietes (1933, Figura 51), Julien
Guadet já admoestava os seus alunos:
Vocês têm a doença do grande, ou melhor, do desmedido: vocês achamque a grandiosidade está no excessivo, vocês acreditam esmagar o vizinhocom esse artifício grosseiro e fácil das dimensões, e o que vocês alcançam éa monstruosidade.
De um modo geral, a questão da escala é um dos grandes dramas da arquitetura no século
xx. Os autores de Responsive Environments corroboram a afirmação de Gropius sobre as distâncias
de observação:
O espectro de distâncias prováveis de visualização afeta o espectro deescalas nas quais a riqueza visual deve ser considerada. (…) Então, demodo a manter a riqueza desde a maior distância até a maior proximidade,precisamos de uma hierarquia de elementos desde a grande escala até apequena escala.
Essa constatação é acompanhada por um elaborado estudo gráfico sobre ângulos,
distâncias e tempos de visualização. O exemplo final produzido para ilustrar a riqueza de escalas,
contudo, é um representante do mais insosso pós-modernismo (Figura 52). Mesmo assim,
enquanto contribuição teórica, a noção de uma hierarquia de elementos visuais tem grande
importância. Christopher Alexander enuncia o mesmo princípio de maneira mais precisa; para
ele, não basta haver um gradiente de dimensões, mas é preciso que existam também distinções
entre os diferentes níveis de escala:
(…) as centralidades que constituem esses objetos tendem a apresentar umbelo espectro de tamanhos, e (…) esses tamanhos existem ao longo de umasérie de níveis bem demarcados, com saltos definidos entre eles.
Além de haver elementos em escalas diversas, portanto, Alexander considera importante
que haja uma diferenciação nítida entre os níveis de escala, em vez de uma continuidade suave
[Vous avez la maladie du grand, ou plutôt du démesuré : vous croyez que la grandeur est dans l'excessif,vous croyez écraser le voisin par cet artifice grossier et facile de la dimension, et vous arrivez aumonstrueux.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op. cit, 188.
[(…) the centers these objects are made of tend to have a beautiful range of sizes, and (…) these sizesexist at a series of well-marked levels, with definite jumps between them.] Alexander, The Nature of Order,op. cit, 145.
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entre essas dimensões. Essa diferenciação ocorre de modo bastante claro no uso dos elementos da
arquitetura clássica. Um edifício clássico se desdobra em pelo menos cinco níveis de escala, todos
eles bem definidos e separados: a composição de conjunto, geralmente com base, corpo principal
e cornija; a ordem propriamente dita, isto é, a estrutura composta de pedestal, coluna e
entablamento; o nível dos elementos constituintes da ordem, por exemplo, a coluna; as partes em
que se subdividem esses elementos: no caso da coluna, base, fuste e capitel; finalmente, as
molduras que definem a forma de cada uma dessas partes: num capitel dórico, são ábaco, equino
e gola. Alexander também adverte que as diferenças de escala, apesar de nítidas, não devem ser
amplas demais, sugerindo que os saltos entre os níveis ocorram em etapas de uma ordem de
grandeza, ou menos, por vez.
De um modo geral, a diferenciação das escalas é bem menos rica na estética modernista;
observa-se uma grande preocupação com o efeito de massas edificadas, alguma definição de um
partido de composição na superfície, e então um salto direto para o detalhamento de partes
menores, prescindindo de elaborações formais numa escala intermediária. No pavilhão principal
da Cidade Universitária de Roma, obra de Marcello Piacentini (1935, Figura 53), pode-se ver essa
escassez de elementos intermediários: às principais massas da composição, projetando-se para a
frente demarcando o acesso, sucedem-se na escala os detalhes menores, como o entablamento
circundando o edifício, composto de apenas uma moldura formando cornija, e um friso separado
da arquitrave por um estreito filete. A essa terminação superior não corresponde nenhuma
articulação da base, assim como nenhum elemento continua nos pilares a composição decorativa
superior. Mesmo um projeto polemicamente ornamentado como a sede da Shell não oferece
elementos de escala intermediária entre os padrões decorativos e os grandes elementos do partido
arquitetônico.
Que dizer, então, de obras mais “convencionais” do Movimento Moderno? A Casa del
Fascio de Terragni apresenta como únicos elementos de composição o recorte das janelas na malha
estrutural e, abaixo desse nível, as pingadeiras e as juntas das placas de mármore que recobrem as
Ibid., 147.
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fachadas. Efeitos diversos, mas sintomáticos da mesma atitude displicente para com a composição,
apresentam as fachadas do Ministério da Educação e Saúde: numa, o plano inteiro da fachada é
tratado como uma unidade, sem um partido estruturador, sendo imediatamente subdividido pelas
diminutas — na escala do todo — células com quebra-sóis. Na outra, o salto é ainda mais
abrupto, pois a fachada é articulada unicamente pela caixilharia das vidraças, interrompida pelos
planos das lajes.
Por outro lado, considerar que os níveis de escala só se desdobram de maneira adequada
em composições clássicas canônicas é uma visão bitolada. Ainda assim, parece ser verdade que os
arquitetos bem-sucedidos em criar composições ricas de elementos nas diversas escalas nas décadas
de 1920 e 1930 têm uma relação com o classicismo diferente da dos vanguardistas anticlássicos
tanto quanto da dos racionalistas. O equilíbrio no uso de elementos arquitetônicos de todas as
escalas aparece no projeto de Bertram Grosvenor Goodhue que concorreu no concurso do
memorial da Primeira Guerra Mundial em Kansas City (1918, Figura 54). O Palais de Chaillot é o
exemplo ideal desse meio termo; projetado por três arquitetos acadêmicos, o edifício tem linhas
ortogonais formando uma composição severa, próxima da estética racionalista. Porém, ao
contrário desta, a arquitetura do Palais Chaillot apresenta toda a gama de escalas já descrita. As
duas alas do edifício são articuladas com um pedestal rusticado, um corpo central no qual se
elevam os pilares, e um coroamento de linhas simples mas fortes. A escala intermediária é
articulada, no corpo central, pela sobreposição de dois planos construtivos, a malha dos pilares
abraçando a parede perfurada por altas janelas. O detalhamento prossegue numa escala menor,
com a elaborada caixilharia das janelas e as molduras horizontais que definem a cornija e a
transição entre o pedestal e a colunata.
Dando um pouco de crédito ao conhecido argumento modernista de que a arquitetura
acadêmica, na primeira metade do século xx, tinha um certo caráter exagerado, como um prato
excessivamente ornamentado do qual seria incômodo comer, e lembrando também a franciscana
pobreza de detalhes em diversas escalas nos edifícios comumente associados ao Movimento
Le Corbusier, Por uma arquitetura, op. cit, 65.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Moderno, não seria exagerado sugerir que uma arquitetura como a do Palais Chaillot corresponde
a uma “terza maniera”, na terminologia renascentista retomada por Gombrich, um caminho do
meio entre os extremos do academicismo e do modernismo.
.. Proporções e contrastes
O estudo do Palais Chaillot mostra outro efeito reforçado pelo recurso dos níveis de escala
na composição: há uma sutil mas importante variação na ênfase dada às diferentes escalas ao
longo da extensão dos edifícios. Nos pavilhões das extremidades externas e internas, as
combinações de massa são mais complexas e interessantes, enquanto que nos longos trechos
curvos há um maior equilíbrio entre essa escala e os elementos menores. Essa diferença realça o
papel dominante dos pavilhões, que, apesar de suas reduzidas dimensões no conjunto, ganham
destaque contra o restante do palácio, cuja figura é lida como plano de fundo. Em outros termos,
os pavilhões terminais estão para o conjunto do edifício como este está para a malha urbana
trivial: o contraste entre res publica e res privata é espelhado, dentro da composição arquitetônica
individual, por um contraste análogo entre elementos dominantes e elementos dominados.
Johannes Itten (1888-1967), estudioso da cor e professor da Bauhaus, chama atenção para o
fato de que esse paradoxo do pequeno que assume um caráter dominante e do grande que recua
na mesma medida está presente também nos contrastes de matizes complementares: “A cor
minoritária, como que em desespero, reage defensivamente de modo a parecer mais viva do que se
(…) estivesse presente em quantidade harmoniosa.” É um efeito semelhante ao que ocorre no
Palais Chaillot, onde os elementos menores têm um maior peso visual do que as partes mais
extensas.
Como os demais termos da composição, os elementos constituintes da forma e as relações
de escala entre esses elementos, também as proporções são usadas para dar maior clareza à
Gombrich, Norma e Forma, op. cit, 123.
[The minority color, in distress, as it were, reacts defensively to seem relatively more vivid than if (…)it were present in a harmonious amount.] Johannes Itten e Faber Birren. The Elements of Color: A Treatiseon the Color System of Johannes Itten, Based on his Book The Art of Color. New York: Van NostrandReinhold, 1970 (The Art of Color, 1961), 62.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
expressão do propósito político da arquitetura. O objetivo da composição, no método acadêmico
de Guadet, é ressaltar a relação entre os espaços e elementos principais e os subordinados, e assim
expressar com clareza mas também simbolicamente as funções do edifício; para esse efeito, a
proporção entre esses elementos deve refletir a sua importância relativa. Guadet define o uso
correto das proporções:
E em toda essa planta, antes de ler qualquer legenda, como vocês percebemcom uma olhada apenas tudo aquilo que é principal, tudo o que ésecundário, tudo o que é acessório! Nada de precisar do compasso ou doescalímetro. Eis a proporção na composição!
Logo, o senso de proporção está intimamente ligado à relações de escala. Mas ele inclui
também toda uma gama de operações projetuais que vão além da simples manipulação de
dimensões. Em primeiro lugar, essas proporções, tanto quanto as dimensões absolutas do edifício,
têm um importante papel na determinação do caráter cívico ou privado da arquitetura:
(…) quanto mais vocês quiserem evocar a idéia do monumental, maisvocês deverão manter as proporções tradicionais na medida em que elasforem compatíveis com a sua composição.
Quando, ao contrário, a fantasia e o capricho forem justificados, vocês selibertarão dessa severidade que se tornaria pedante. Tudo é questão de justamedida e de bom-gosto.
Essa “justa medida”, que o observador afere “comparando o edifício com as suas próprias
dimensões”, foi bastante maltratada pela teoria do Movimento Moderno, senão pela sua prática.
Lucio Costa mitigava a admoestação de Guadet, que ele certamente estudara quando aluno, com
a elusiva “consciência” ou as “idéias” tomando o lugar da “dimensão” física do corpo humano. E
[Et dans tout ce plan, avant de lire une légende, comme vous voyez bien d'un coup d'œil tout ce quiest principal, tout ce qui est secondaire, tout ce qui n'est qu'accessoire ! Nul besoin n'est pour cela ducompas ou du décimètre. Voilà la proportion dans la composition !] Guadet, Éléments et théorie del’architecture, op. cit, 140.
[(…) plus vous voudrez éveiller l'idée du monumental, plus vous devrez conserver les proportionstraditionnelles dans ce qu'elles auront de compatible avec votre composition. / Lorsque, au contraire, lafantaisie et le caprice seront à propos, vous vous affranchirez de cette séverité qui deviendrait dupédantisme. Toutes questions de mesure et de goût.] Ibid., 156-157.
Costa, Arquitetura, op. cit, 23.
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Costa ainda propõe, talvez intencionalmente em coro com a pedagogia “purificadora” da
Bauhaus, que não se trata de “justa medida” ou de “bom-gosto”, mas simplesmente de uma
“intenção” : golpe mortal contra a mera insinuação de que o ensino pudesse transmitir algum
conhecimento objetivo em matéria de proporções e composição. E essa “desmedida”
intencionalmente contraposta à “justa medida” acadêmica não fica restrita à teoria; na largura do
Eixo Monumental de Brasília (projetado em 1957) caberia, com folga, o imenso Volkshalle,
epítome da desmesurada arquitetura nazista, projetado por Albert Speer exatos vinte anos antes
(Figura 54).
Ao que se chama hoje de proporção, Vitrúvio dava o nome de symmetria: “a correlação
adequada dos membros da obra entre si, e a relação das partes individuais com o aspecto de
conjunto da figura, segundo a razão de uma das partes.” Por extensão, o sentido moderno da
palavra simetria toma como uma “correlação adequada” a correspondência de elementos em torno
de um eixo ou ponto através do qual eles se espelham. Essa simetria ocorre, segundo modernistas
e críticos do Movimento, como um desdobramento da criação de sistemas ordenados seja na
natureza, seja no engenho humano. Para Saarinen, “na natureza, sempre que se vê uma forma
simétrica é porque há uma razão lógica e funcional para a coincidência entre a ‘beleza do
equilíbrio’ e a ‘beleza da simetria’.” Alexander enuncia, na mesma linha de pensamento, o que
ele entende por transformações que preservam a estrutura geométrica do espaço, fundamentais na
produção da forma:
À medida que o sistema evolui, ele procura destruir o mínimo possíveldessas simetrias e centralidades maiores. Ele mantém tanto da estrutura desimetrias e centralidades quanto possível, e destrói o mínimo possível daestrutura de simetrias e centralidades, sem deixar de avançar.
Ibid., 20.
[(…) ex ipsius operis membris conveniens consensus ex partibusque separatis ad universae figuraespeciem ratae partis responsus.] Vitruvius Pollio, De architectura, op. cit., I, ii, 4.
[In nature, always when one sees a symmetrical form there is a logical and functional reason for having“beauty of balance” coincide with “beauty of symmetry.”] Saarinen, Search for Form, op. cit, 284.
[As the system evolves, it destroys these symmetries and larger centers as little as possible. It maintainsas much of the structure of symmetries and centers as possibles, and destroys as little of the structure ofsymmetries and centers as can be managed while yet moving forward.] Alexander, The Nature of Order, op.
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O exemplo mais comumente citado de simetria em composições associadas a uma estética
moderna é provavelmente o dos edifícios de Mies van der Rohe no pós-guerra, e antes da Segunda
Guerra Mundial os de Auguste Perret, como o depósito do Acervo do Patrimônio (Mobilier
national) em Paris (1931, Figura 56). Mas ele é encontrado também em obras de arquitetos neo-
racionalistas, como no ginásio de Adalberto Libera para o eur '42, e até mesmo no projeto de Le
Corbusier para os Musées de la Ville et de l'État (1937, Figura 57) — não se trata apenas de algum
elemento simétrico na fachada, mas de toda a volumetria do edifício que se rende às exigências da
composição. Em Vers une architecture, Le Corbusier defende que:
O ritmo é um estado de equilíbrio procedente de simetrias simples oucomplexas ou procedentes de sábias compensações. O ritmo é umaequação: igualação (simetria, repetição) (…); compensação (movimentodos contrários) (…); modulação (desenvolvimento de uma invençãoplástica inicial) (…).
Varon defende a simetria bilateral como um elemento de elegante simplificação nas
formas da fachada — uma associação que certamente remete à profusão de temas nas assimétricas
composições pitorescas da arquitetura vitoriana. Ao contrário desta, implicitamente lembrada
ainda que não mencionada, uma boa fachada é mais “comportada”:
(…) simplicidade, regularidade e simetria podem por si sós constituircaracterísticas de fachadas, e elas são geralmente qualidades desejáveis — asimplicidade sempre o é. Uma fachada muito simples, simétrica euniforme, quando bem executada, possuirá em qualquer caso charme enobreza de expressão
Tal austeridade numa estrutura grande ou longa, contudo, pode serexcessivamente severa ou monótona, impedindo a beleza e divergindo dagrandiosidade que se busca num grande edifício.
cit, 46.
Le Corbusier, Por uma arquitetura, op. cit, 32.
[(…) simplicity, regularity and symmetry may of themselves constitute characteristics of elevations,and they are usually desirable qualities—simplicity always is. A very simple, symmetrical and uniformfaçade, well executed, invariably possesses charm and nobility of expression. / Such austerity in a large orlong façade, however, may be too severe or monotonous, precluding beauty and detracting from thegrandeur sought in a big building.] Varon, Indication in Architectural Design, op. cit, 29.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
Em suma, alerta Varon, apesar de todas as prescrições didáticas “o absolutismo sufoca a
arte.” Curtis concorda, acrescentando que “o olho deve ser o árbitro daquilo que agrada por sua
forma e daquilo que desagrada.” Guadet já dizia o mesmo, mas adverte que “se a liberdade é o
mais animador dos regimes, é também aquele que impõe o maior número de deveres. Na medida
em que a sua liberdade se expande, a sua responsabilidade aumenta.” O dever cívico do
arquiteto é, então, o de assumir a sua responsabilidade pelo decoro urbano na medida do alcance
da sua realização edificada.
[(…) absolutism stifles art.] Ibid., 29.
[The eye must be the judge of what is pleasing in form and what otherwise.] Curtis, ArchitecturalComposition, op. cit, 120.
[(…) si la liberté est le régime le plus vivifiant, il est aussi celui qui impose le plus de devoirs. A mesureque votre liberté s'affranchit, votre responsabilité s'élève.] Guadet, Éléments et théorie de l’architecture, op.cit, 139.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado . Métodos de composição
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Desenho nosso
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Conclusão
Em janeiro de 1972, a revista britânica The Architect acusava na sua capa (Figura 58) a
incapacidade dos arquitetos modernos para compor uma fachada dotada de um mínimo de
urbanidade. No início dos anos 70, uma década depois da publicação dos polêmicos, e hoje
clássicos, Townscape de Gordon Cullen e The Death and Life of Great American Cities de Jane
Jacobs (ambos de 1961), seis anos depois de Robert Venturi lançar Complexity and Contradiction in
Architecture (1966), e não menos de duas décadas após o ciam intitulado Heart of the City, a
paisagem urbana aparentemente continuava sendo maltratada pelas intervenções arquitetônicas
denunciadas direta ou indiretamente nesses trabalhos.
Na presente pesquisa foram estudados marcos teóricos e edificados relacionados à
transição entre uma visão tradicional da cidade e da arquitetura cívica e a visão vanguardista, anos
antes da infeliz situação retratada acima. Até o início do século xx, predominava um senso de
continuidade com os precedentes teóricos estabelecidos por Quatremère de Quincy no início do
século xix, precedentes reafirmados e atualizados por Julien Guadet no seu livro didático
publicado em 1901. Nas décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial, essa tradição coexistiu
com a ascensão do Movimento Moderno. Viu-se que alguns dos mais importantes teóricos do
Movimento Moderno, apesar de proporem uma transformação urbana em maior ou menor escala
e rejeitarem a linguagem arquitetônica do ecletismo acadêmico, não eram avessos aos métodos de
composição característicos da mesma.
A teoria da composição acadêmica foi ostensivamente criticada mas não imediatamente
eliminada pelos arquitetos do Movimento Moderno. A geração atuante nas décadas de 1920 e 1930
adotou, senão a estética clássica da tradição renascentista, ao menos a importante distinção entre
Cullen, Townscape, op. cit.; Jane Jacobs. The death and life of great American cities. New York: RandomHouse, 1961 ; e Robert Venturi. Complexity and Contradiction in Architecture. New York: Museum ofModern Art, 1966 .
requisitos verbais e composição geométrica, e em certa medida também respeitou aquela entre a
arquitetura cívica e a trivial. O edifício cívico, tal como concebido no sistema universalizante da
arquitetura acadêmica, compartilha das mesmas regras fundamentais aplicáveis à arquitetura
trivial, mas diferencia-se dela por meio de um sutil gradiente de distinções formais. Em primeiro
lugar, considera-se o propósito político da arquitetura, deixando em segundo plano as analogias
mais diretas entre elementos do programa de necessidades e elementos da forma física. Com isso,
os edifícios podem representar e servir os propósitos da sociedade democrática e liberal, com a
mesma facilidade com que anteriormente serviam a regimes absolutistas. Em conseqüência, o
edifício cívico se torna um signo de uma linguagem formal inteligível ao observador leigo, e se
diferencia claramente da arquitetura trivial. Essa linguagem, por sua vez, se desdobra em métodos
de composição, técnicas de projeto que permitem ao arquiteto organizar desde as massas
edificadas até os detalhes da decoração aplicada.
Evitando repetições excessivas e de conhecimento geral a respeito das diferenças entre o
método acadêmico e o Movimento Moderno, enfatizou-se ao contrário os pontos de
convergência, a importância dada por um e outro método ao propósito político da arquitetura, e
principalmente as semelhanças nas prescrições de importantes teóricos dos dois lados a respeito da
composição arquitetônica. Se a teoria do Movimento Moderno não dá muita atenção à
arquitetura cívica, as técnicas de composição pertencentes ao método acadêmico são utilizadas, e
por vezes reafirmadas no discurso por modernistas como Saarinen, Piacentini, Le Corbusier e
Walter Gropius. Composições de massas edificadas e até mesmo o uso de elementos ornamentais
se fazem presentes, repudiando a alcunha restritiva de “projeto funcionalista” e conferindo uma
certa legibilidade e distinção aos monumentos cívicos produzidos pelo Movimento Moderno no
período entre guerras. E, ainda que a parataxis clássica, a sucessão de edifícios-microcosmos
ordenados internamente e entre si, não apela à sensibilidade modernista, isso não quer dizer que
esta renegue o estudo das proporções, das escalas e da necessidade de ordem inerentes à leitura do
edifício no âmbito da vida urbana.
A importância da composição formal, degradada no pós-guerra a um exercício de
originalidade egotista, mostra nas diversas teorias da arquitetura da primeira metade do século xx
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão
uma vitalidade polêmica e criativa. O que não existe na prática da composição arquitetônica, ao
contrário da acusação proferida pelos modernistas, é um receituário restritivo que forneça soluções
prontas aos problemas de projeto. Algum modelo teórico e pedagógico deve existir para permitir a
aplicação e a transmissão de conhecimentos técnicos e artísticos. Mas, como faz questão de
lembrar Julien Guadet em diversos trechos do seu livro, acima de todos os preceitos metódicos
deve-se valorizar o bom-senso e a liberdade artística condicionada por uma atitude sincera para
com os condicionantes materiais, sociais e políticos da produção arquitetônica. Essa atitude
teórica de mesclar a liberdade criativa com um senso de disciplina bastante desenvolvido, aplicável
tanto aos estilos tradicionais quanto à estética modernista, foi interrompida com o advento da
segunda geração de arquitetos do Movimento Moderno no pós-guerra.
Pouca coisa parece ter mudado em anos recentes. Se em diversas revistas de arquitetura
voltadas para a prática profissional tudo parece ir muito bem no melhor dos mundos, pelo menos
para aqueles escritórios que protagonizam as matérias das mesmas, o ambiente da crítica continua
perplexo. Num número recente de L'architecture d'aujourd'hui dedicado ao tema do “senso
comum” , diversos arquitetos e teóricos desferem ininterruptas acusações contra o estado da
cidade contemporânea, e mais ainda contra todas as tentativas já empreendidas para remediá-lo.
As diversas propostas levantadas desde a década de 1950 oscilam entre a proclamação do fim da
modernidade e a denúncia da deturpação do ideal modernista honesto e verdadeiro. Os
partidários deste extremo insistem que, dada mais uma chance de se demonstrar a validade de
uma abordagem vanguardista, todos os problemas das anteriores soluções “comprometidas” serão
resolvidos; os radicais do extremo oposto imputam ao Movimento Moderno todos os males da
cidade do pós-guerra. Entre ambos os extremos, a realidade da prática arquitetônica se acomoda
com um misto de soluções empíricas e especulações teóricas, sobre o qual pode-se dizer que há
tantas variedades quanto arquitetos no mercado. O senso de um propósito comum, parte
essencial tanto ao método acadêmico quanto ao Movimento Moderno, ficou injustamente
desacreditado pela legítima reação contra os totalitarismos ideológicos do século xx, apesar de que
o monopólio ideológico do Movimento Moderno continuava a se firmar por meio do artifício da
L'architecture d'aujourd'hui 362, 2006 .
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão
autocrítica controlada. Como conseqüência, a esfera cívica da cidade democrática foi escamoteada
sob o pretexto de pluralismo, e o interesse cívico passou a ser definido como nada além da soma
dos direitos dos indivíduos.
A principal causa de consternação perante esse estado da arquitetura, e uma das razões que
sustentam o argumento da “deturpação dos ideais modernos”, é a constante degradação, desde
1945, da relação entre os grandes monumentos da arquitetura cívica e a malha urbana trivial. Mas,
por mais tentadora que seja a justificativa da prosperidade capitalista para o declínio da
arquitetura cívica, existem também motivos internos à prática arquitetônica.
Erik Gunnar Asplund faleceu em 1940, Giuseppe Terragni em 1943, Edwin Lutyens em
1944. Louis-Hippolyte Boileau, um dos arquitetos do Palais Chaillot, morreu em 1948, Eliel
Saarinen em 1950, Auguste Perret em 1954. Após a Segunda Guerra, arquitetos do Heimatstil
alemão como Schweizer e Poelzig assumiram personae calcadas nos estereótipos do Movimento
Moderno. Marcello Piacentini e Adalberto Libera tiveram seu prestígio reduzido depois de 1945,
assim como Henry van de Velde e Wilem Dudok.
Todos esses arquitetos haviam recebido uma formação seja nos moldes da École des
Beaux-Arts, seja segundo outros procedimentos tradicionais. Já a geração seguinte de arquitetos,
que atuou no pós-guerra, foi formada em sua maioria por instituições que haviam adotado, em
parte ou no todo, princípios didáticos da Bauhaus, ou ao menos o referencial teórico promovido
pelo discurso do Movimento Moderno. Le Corbusier e Mies van der Rohe tornaram-se os
arquitetos mais influentes do seu tempo, cada qual com suas idiossincrasias imitadas por
discípulos empolgados. E, como gosta de lembrar Thomas Schumacher em suas aulas e palestras,
aqueles mestres da primeira geração modernista legara às gerações seguintes tudo o que hoje nós
sabemos sobre a prática do projeto, mas não nos ensinaram tudo o que eles sabiam.
Os antecedentes Beaux-Arts que Frampton deplora foram, na verdade, essenciais para que
fosse possível conciliar uma estética vanguardista com o respeito ao decoro urbano característico
da arquitetura cívica. Foram esses antecedentes, elencados nos capítulos anteriores juntamente
com diversas semelhanças e contrapartidas presentes na teoria e na prática da arquitetura
modernista das décadas de 1920 e 1930, que permitiram a interação frutífera entre os diversos
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão
movimentos e estilos arquitetônicos no período entre guerras, sempre pautada pelo respeito à
malha urbana, senão no discurso, pelo menos na prática até mesmo do autor da Ville Radieuse.
Os exemplos mencionados ao longo desse trabalho já são bastante eloqüentes, e mostram como a
preocupação do arquiteto em conciliar os requisitos materiais do projeto com uma visão
abrangente da composição chegou a produzir algumas das mais notáveis obras da arquitetura do
século xx.
Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado Conclusão
Figura Capa do The Architect, janeiro de
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Pedro Paulo Palazzo de Almeida A ordem da distinçãoDissertação de mestrado
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