Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema...

93

Transcript of Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema...

Page 1: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura
Page 2: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

SALTO PARA O FUTURO

Reflexões sobre a educação

no próximo milênio

Brasília, 1998

Page 4: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Presidente da República Federativa do Brasil Fernando Henrique Cardoso

Ministro da Educação e do Desporto Paulo Renato Souza

Secretário de Educação a Distância Pedro Paulo Poppovic

SÉRIE DE ESTUDOS / EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SALTO PARA O FUTURO / REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO PRÓXIMO MILÊNIO

Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto - Acerp

Diretor-Presidente Mauro Garcia

Gerente de Educação Yonne Polli

Secretaria de Educação a Distância / MEC

Coordenador editorial Cícero Silva Júnior

Ministério da Educação

e do Desporto

FUNDESCOLA Ministério da Educação e do Desporto - Banco Mundial

Page 5: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

SÉRIE DE ESTUDOS EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

SALTO PARA O FUTURO

Reflexões sobre a educação

no próximo milênio

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Page 6: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Copyright © Ministério da Educação e do Desporto - MEC Direitos cedidos para esta edição pela

Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto - Acerp, 1998.

Edição

ESTAÇÃO DAS MÍDIAS

Edição de texto: Leonardo Chianca Edição de arte: Rabiscos

Ilustração da capa: Sandra Kaffka Revisão: José Batista de Carvalho

Impressão: Coronário Editora Gráfica

Tiragem: 110 mil exemplares ISSN 1516-2079

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Salto para o Futuro: Reflexões sobre a educação no próximo milênio / Secretaria de

Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto,

SEED, 1998.

96 p. - (Série de Estudos. Educação a Distância, ISSN 1516-2079; v.6)

1. Ensino a distância. I. Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria

de Educação a Distância. II. Série. CDU 37.018.43

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo 1, Sala 314 Caixa Postal 9659 - CEP 70001-970 - Brasília, DF

fax: (061) 321.1178 / e-mail: [email protected]

Outros títulos da Série de Estudos /Educação a Distância publicados pela Secretaria de Educação a Distância / MEC:

TV da Escola •

América Latina - Perspectivas da educação a distância, Seminário de Brasília, 1997

• TV e Informática na Educação

Educação do olhar, volumes 1 e 2 •

Construindo a Escola Cidadã Projeto político-pedagógico

Page 7: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Pluralidade de culturas, de linguagens, de sujeitos, de diálogos, de fontes de conhecimento e aprendizagem. A pluralidade - sem dúvida, uma das principais marcas da educação no próximo milênio - é o tema central de mais este livro da Série de Estudos, formado por uma seleção dos textos de base da Série 11 do Salto para o Futuro, transmitida pela TV Escola.

Inspirada no livro Seis propostas para o próximo milênio, do escritor italiano ítalo Calvino (Companhia das Letras), Reflexões sobre a educação no próximo milênio lembra o quanto há de plural até mesmo em uma só pessoa:

"Quem somos nós, quem é cada um de nós, senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis", diz o estudo, citando Calvino.

Pensar sobre essa e outras questões é um desafio lançado aos professores que constróem, no seu dia-a-dia, a educação do próximo milênio.

Secretaria de Educação a Distância

Page 8: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

SUMÁRIO

OBJETIVOS E DINÂMICA DA PROPOSTA 9

EXATIDÃO, A PALAVRA EXATA 11

MULTIPLICIDADE: CADA IDENTIDADE UMA CONSTELAÇÃO 17

VISIBILIDADE: CHOVE NA FANTASIA 23

VELOCIDADE E SENTIDO 33

CONSISTÊNCIA: IMPONDERÁVEL SOLIDEZ 37

LEVEZA: TUDO O QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR 41

DE TUDO, UM POUCO 49

MOVIMENTOS SOCIAIS: UM ESTUDO 57

A TRAMA DO DRAMA 67

LEITURA: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR 77

Só SEI QUE NADA SEI 85

Page 9: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

OBJETIVOS E DINÂMICA

DA PROPOSTA

O objetivo primordial desta obra é o de estudar os conteúdos e conceitos básicos das várias áreas do conhecimento, em seus aspectos específicos e interdisciplinares, articulados às propostas metodológicas mais adequadas às diversas regiões do país.

Nosso intuito é contribuir com o debate sobre a Educação nacio­nal, principalmente após a divulgação, pelo MEC/SEF, dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs.

Queremos, ainda, oferecer ao professor subsídios teóricos, técni­cos e pedagógicos para que ele possa usufruir, em seu trabalho cotidiano, dos recursos que a indústria cultural e informacional contemporânea oferece, sejam eles nacionais ou estrangeiros.

Pretendemos fomentar no professor uma postura perspicaz, investiga­dora e criativa diante de seus alunos, colegas e, é claro, diante do próprio conhecimento e das práticas pedagógicas com as quais trabalha. Acre­ditamos que, assim, o professor poderá conhecer um pouco mais sobre o modo de ser e viver do brasileiro, suas raízes, seu presente e seu futuro.

Os valores norteadores desta proposta pedagógica são as propostas que ítalo Calvino preconiza como fundamentais para transmitir à humanidade do próximo milênio.

Vivemos uma "crise de leitura" ou novas práticas de leitura estão sendo construídas em consonância com novos tempos e novas

1 CALVINO, ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1991.

Page 10: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

tecnologias? E, se assim for, as categorias apontadas por Calvino relativas à literatura persistirão? As novas tecnologias dispensarão a escrita e a leitura ou, pelo contrário, exigirão cada vez mais, dessas práticas, qualidades como exatidão, multiplicidade, visibilidade, rapidez, consistência e leveza? Serão esses valores também fundamentais às práticas educativas?

Reflexões sobre a Educação no próximo milênio apresenta os seis programas multidisciplinares inspirados nas propostas de Calvino. Neles, são discutidas questões relativas ao campo da Educação, a partir do enfoque de diferentes ciências e programas específicos das áreas de Matemática, Geografia, História, Artes, Língua Portuguesa e Ciências.

Concebido originalmente com 33 programas, selecionamos para este livro 11 programas básicos que, pela sua abrangência, foram considerados como bastante representativos dos objetivos propostos.2

Bibliografia complementar:

BOSI, Alfredo. Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo, Ática, 1992.

Revista Presença Pedagógica, n. 1. Entrevista com Paulo Freire. Dimensão, jan/ fev-1995.

FAZENDA, I. Interdisciplinaridade: História, teoria e pesquisa. Campinas, Papirus, 1994.

Page 11: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

EXATIDÃO, A PALAVRA EXATA

Ana Teresa de C. C. de Oliveira Christina Cardoso

Exatidão parece ser uma característica bastante simples que nos permite pensar, apenas, na objetividade.

Não resta dúvidas de que buscamos, ao educar, o conhecimento preciso, a prática pedagógica perfeita e eficaz. Contudo, ao lidarmos com as crianças, pais, colegas professores, descobrimos que a exatidão não se funda, apenas, na objetividade, mas também na sensação, no indeterminado, na multiplicidade, no fervilhar...

ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura pode ser "um projeto de obra bem definido e calculado."

Calvino, com essa forma de expressar a exatidão, permite que coloquemos, do mesmo modo, a discussão voltada para a Educação. Podemos, sem dúvida, entender o trabalho escolar como um projeto, um grande empreendimento que envolve diversas etapas e diversos ingredientes na sua realização. Entre esses ingredientes figuram os sonhos, as fantasias, a realidade, os projetos individuais e coletivos. O projeto deve ser o resultado de discussões, críticas e contribuições de toda a comunidade escolar.

Para que o projeto combine motivações, desejos, interesses e ne­cessidades de todos os que fazem parte dele, é preciso transitar, conti-

Ana Teresa de C. C. de Oliveira é mestre em Matemática pela PUC/RJ.

Christina Cardoso é professora de Matemática no Colégio Pedro II, RJ.

Page 12: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

nuamente, entre dois caminhos: o que nos leva junto com a trama de existências humanas, constituída pelas pessoas envolvidas, e o que nos conduz através da racionalidade.

Calvino ilustra muito bem essa discussão, demonstrando o encontro das duas direções com seu próprio exemplo, quando buscou a exatidão naquilo que escreveu: "De um lado, a redução dos acontecimentos contingentes a esquemas abstratos que permitissem o cálculo e a demonstração de teoremas; de outro, o esforço das palavras para dar conta, com a maior precisão possível, do aspecto sensível das coisas".

Em outros dois momentos do seu texto, utilizando-se da metáfora do cristal e da chama, ele reforça a importância que atribui a ambas como duas categorias para classificar fatos, idéias, estilos que devem ser complementares: "Cristal e chama, duas formas de beleza perfeita da qual o olhar não consegue desprender-se, duas maneiras de crescer no tempo, de despender a matéria circunstante, dois símbolos morais, dois absolutos, duas categorias para classificar fatos, idéias, estilos e sentimentos. Assim também gostaria que todos os que se consideram sequazes da chama não perdessem de vista a serena e dificil lição dos cristais."

O cristal, nas palavras de Calvino, é a imagem do que não varia, do que é regular, das estruturas específicas; a chama é a imagem de um todo que é global, exterior, mas que é internamente fervilhante.

Certamente, são muitos os momentos em que, na nossa prática, no nosso projeto, buscamos exatidão: nos prazos, no calendário de provas, no cumprimento do planejamento, na valorização de cada disciplina, na avaliação dos alunos. E deparamo-nos com a nossa dificuldade de transformar em diálogo o que pode ser traduzido pelas imagens do cristal e da chama.

De que forma é possível alcançarmos a competência pedagógica, de maneira a não termos a exatidão como algo que propõe limites exagerados, que reduz nossa ação a um conjunto de posturas que adestram os alunos?

Um projeto deve ser interpretado como algo dinâmico. Ele deve ser claro, com etapas e objetivos bem definidos. As pessoas com ele comprometidas devem submetê-lo a avaliação constante e terem a certeza de que ele pode e deve ser alterado sempre que houver necessidade.

A flexibilidade de um projeto, então, é fundamental. A sensibilidade é uma característica imprescindível a nós,

professores. É com ela que tentamos conhecer melhor nossos alunos para atuarmos como educadores. É com essa mesma sensibilidade que tentamos adequar, ao máximo, o nosso planejamento à nossa turma, às suas necessidades e aos seus desejos. Essa sensibilidade, então, vai permitir maior exatidão no nosso trabalho. Vai nos permitir perceber o que está diante de nós e que, muitas vezes, não vemos.

Page 13: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Quanto mais elementos utilizarmos para compreender o que está a nossa volta, nos tornaremos mais próximos da realidade e tere­mos mais segurança, clareza e exatidão para realizarmos nosso t rabalho. Por tanto , objetividade e subjetividade devem ser consideradas como complementares em um trabalho que desfrute de exatidão, da forma como Calvino nos coloca.

Vamos agora trazer nossa conversa para um dos aspectos envolvidos no projeto educacional: o currículo.

É preciso que seja definida uma estratégia de ação para as nossas aulas, que conduza nossa relação com os alunos e que permita atingir nossas metas. Essa estratégia é o currículo.

A estratégia que o currículo oferece deve ser, ao longo do traba­lho, aperfeiçoada. Objetivos, conteúdos e métodos, como elementos curriculares, devem estar relacionados, de forma que qualquer alteração de um desses componentes implique modificações nos outros. Isso quer dizer que, se alterarmos os objetivos, conseqüente­mente teremos que rever conteúdos e metodologias; se mudarmos os conteúdos, teremos que traçar novos objetivos e métodos e assim por diante. Ou seja, esses elementos se modificam solidariamente.

Algumas disciplinas curriculares são, sem dúvida, as que mais preocupam quando estamos tomando a defesa de um trabalho pedagógico flexível, que não se baseie, somente, na objetividade, mas também na subjetividade.

Ciências "pouco" exatas Nossos alunos e professores, em sua expressiva maioria, quando

pensam em exatidão, citam a Matemática como a primeira idéia que lhes vem à cabeça. Se perguntarmos as razões, referem-se à falta de segundas interpretações dos fatos matemáticos, à unicidade de soluções, ao sintetismo de sua linguagem.

Até mesmo aqueles que não freqüentam a escola e que, portan­to, não lidam mais com a Matemática escolar, podem não associar d i re tamente exat idão com Matemática, mas most ram essa identificação quando usam expressões do tipo "rigor matemático" ou "precisão dos matemáticos", quando querem dar o tom da perfeição a algo a que se referem. É freqüente, inclusive, ouvirmos a Matemática ser conceituada no senso comum da forma: "A Matemática é uma ciência em que ou é, ou não é".

A frase a que acabamos de fazer referência, além de muitas outras, revela o entendimento que se tem dessa ciência: um corpo de conhecimentos prontos e acabados, estáticos, que não estão subme-

Page 14: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

tidos aos questionamentos ou às interpretações: "Tudo está certo, como dois e dois são quatro."

Será que, com todo o desenvolvimento do conhecimento, com os crescentes desafios que têm instigado e conduzido a curiosidade humana ao longo da história, tem sido esse o perfil dessa e de outras ciências? Certamente não.

O prazeroso em estudar é perceber que a escola está viva. O que aprendemos, mesmo sendo conhecimentos ligados às Ciências Exatas, evolui e sofre transformações no tempo, de acordo com as necessidades. Exatamente como os organismos vivos se adaptam ao seu ambiente, para sobreviver em um universo em constante mutação. Novos fatos no mundo nos levam a novas questões, aos porquês de cada fato, de cada mudança, às novas ciências e às especializações.

Aliás, como seria cansativo estudar uma coisa que não muda nunca, que é sempre igual!

As Ciências Exatas, apesar do nome, que, equivocadamente, sugere que sejam aprendidas e não construídas, não são feitas só de exatidão e acertos. São produtos da história do homem, portanto falíveis, podendo ser questionadas ou construídas pelos nossos alunos.

Ao fazermos a defesa da busca da exatidão da maneira como conceituamos ao longo deste texto, que não deve ser interpretada como algo que coloca "amarras", não significa dizer que estamos negando a necessidade que temos, em alguns momentos, de entendê-la no seu sentido dicionarizável: "Exatidão: qualidade de exato; observância ou cumprimento rigoroso; perfeição, esmero" (Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

Em Ciências Naturais, por exemplo, a exatidão na descrição dos processos naturais é uma característica marcante e imprescindível da área. É preciso controlar variáveis em laboratório, é preciso exatidão de linguagem para que haja fidelidade na troca de informações e para descrição de processos.

Ao pensarmos em um projeto de Engenharia, certamente, a precisão de dados e cálculos para realização de uma grande obra é a garantia da segurança de milhares de cidadãos. Da mesma forma, alguns instrumentos de medição são primordiais para previsões meteorológicas ou estudos astronômicos.

Ao falarmos de exatidão de linguagem como necessidade das Ciências Naturais, retomamos uma vez mais Calvino, quando diz que "(...) a linguagem me parece sempre usada de modo apro-ximativo, casual e descuidado (...)".

Certamente, na nossa área de conhecimento, muitas vezes não podemos correr o risco de nos envolvermos com as várias idéias

Page 15: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

que nos ocorrem quando "as palavras se encontram". A exatidão e a precisão na linguagem escrita são de suma importância para que os conhecimentos e as descobertas se perpetuem ou se transfor­mem em novos conhecimentos. A assepsia de linguagem usada nesses registros, em fórmulas e observações que expressem, com praticidade e imediaticidade, o que se quer registrar, é a garantia de que serão entendidos e interpretados de acordo com o fenôme­no descrito ou observado.

Os avanços tecnológicos têm se apoiado, sem dúvida, em uma base sólida e exata de conhecimentos científicos, o que não se pode negar. A exatidão dos conhecimentos fornecidos pelas Ciências Exatas é vista, por muitos, como, talvez, o maior dos seus méritos. Os que pensam assim são os partidários do cristal.

O cristal, com seu facetado preciso, como nos diz Calvino, é predileto de muitos que valorizam o modelo de perfeição. Os algoritmos, as fórmulas, as simetrias, a ciência do único, os problemas já resolvidos constituem o cais no qual se ancora o trabalho escolar que segue padrões rígidos.

Nem só o cristal nem só a chama. Mesmo que sejam idéias usadas para simbolizar o nosso projeto, o conhecimento próprio das Ciências Exatas e a forma de ser dos alunos e professores não devem ser excludentes no trabalho escolar. A chama agitada, viva, constante em sua aparência global, quando justaposta ao cristal e valorizada como imagem de uma outra forma de pensar e sentir, torna nosso trabalho completo na medida em que uma multiplicidade de enfoques, abordagens e recursos dará lu­gar ao indeterminado, às várias alternativas, ao sentimento, aos proble­mas que ainda não resolvemos e que não sabemos se é possível resolver, enfim, tudo o que o espaço e o tempo podem envolver.

Pontos para reflexão • As Ciências Exatas não devem ser consideradas como conhe­

cimentos rígidos, que não são passíveis de modificação. Como trabalhar essa idéia associada à exatidão que, em alguns aspec­tos, elas apresentam?

• Uma proposta deve conter exatidão nos objetivos que pretende atingir, sem ser rígida nas regras e nos padrões. Como fazer um planejamento que abra espaço para o indeterminado e que não perca de vista seus objetivos?

• A Matemática é uma linguagem simbólica, sintética e universal. Como construí-la, produzi-la, sem, por outro lado, abandonar a exatidão que apresenta como linguagem?

Page 16: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Bibliografia ALMEIDA, Marcelo Ribeiro & OLIVEIRA, Ana Teresa C. C. Tecendo

uma História. Boletim da Série VI do Salto para o Futuro. TVE, Matemática, 1994. O texto discute uma proposta para o ensino de Matemática, em torno dos núcleos Espaço-Número-Medida.

ALMEIDA, Marcelo Ribeiro, OLIVEIRA, Ana Teresa C. C, TORNAGHI, Alberto & TAVARES, Carlos Alberto. Ciências pouco exatas, Boletim da Série VI do Salto para o Futuro. TVE, Programa Integrador de Matemática/Ciências Naturais, 1994. O texto trata da integração Matemática/Ciências Naturais, apon­tando para a convergência entre ambas como Ciências que são falíveis e que evoluem.

CALVINO, ítalo. Exatidão. In: Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. O livro trata de seis conferências que Calvino deixou escritas, embora não tenham sido proferidas, dedicadas a alguns valores que lhe eram particularmente caros, que devem estar presentes na obra literária, procurando situá-las no próximo milênio.

CHALMERS, A. F. O que é Ciência afinal? São Paulo, Brasiliense, 1995. O livro é uma introdução simples, clara e elementar às opiniões modernas sobre a natureza da Ciência.

DAMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo, Ática, 1990. O trabalho discute a Matemática que leva em conta os modelos culturais com os quais os alunos estão identificados, destacando a importância desse reconhecimento pela escola na contex­tualização do conhecimento matemático.

MACHADO, Nilson José. Matemática e língua materna, São Paulo, Cortez, 1991. O trabalho de Machado trata da interdependência entre a língua materna, entendida como a primeira que aprendemos, e a matemática.

Epistemologia e didática, São Paulo, Cortez, 1995. O livro discute novas imagens para a representação do conheci­mento e da inteligência. Machado analisa essas questões buscan­do uma articulação entre a Epistemologia e as ações docentes associadas às tarefas do professor.

Page 17: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

MULTIPLICIDADE: CADA

IDENTIDADE UMA CONSTELAÇÃO

Eliana Tereza de Andrade Freitas Caboclo Maria de Lourdes de Araújo Trindade

Quem somos nós, quem é cada um de nós, senão uma combinatória de experiências,

de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia,

uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo

pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.

ítalo Calvino

Ms práticas culturais, políticas, econômicas e estéticas, desde a década de 1970, vêm sofrendo mudanças rápidas e radicais. Essas mudanças vin­culam-se às novas maneiras pelas quais experimentamos o tempo e o espaço.

Depois do acelerado processo de "encurtamento das distâncias", via aumento da velocidade dos transportes, enfrentamos, hoje, a substituição dos deslocamentos humanos e seus vestígios pela transferência de arquivos digitais que integram todos num mesmo tempo e em diferentes espaços.

Há 30 anos, McLuhan suscitou controvérsias quando disse que os avanços das telecomunicações e a informatização transformariam o mundo numa "Aldeia Global".

Eliana Tereza de Andrade Freitas Caboclo é professora de História da rede pública do RJ.

Maria de Lourdes de Araújo Trindade é mestre em Educação pela PUC/RJ.

Page 18: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Hoje, a comunidade global de 25 milhões de pessoas ligadas à Internet prova que McLuhan estava na pista certa, e essa nova geração "antenada" está revendo as suas teorias, pois tudo isso implica profundas mudanças na psicologia humana. Está se criando uma temporalidade na estrutura dos sistemas de valores públicos e pessoais, gerando um contexto que caminha para a quebra do consenso e a diversificação de princípios.

É necessário, portanto, uma reforma no pensamento. A especiali­zação, que até a metade do século XX era usada como forma de conhecimento, agora precisa dar lugar à recomposição do todo, construindo uma relação com o contexto a partir da utilização do que o indivíduo sabe sobre o mundo.

Hoje, o contexto de todo conhecimento político, econômico, antropológico e ecológico é o próprio mundo. Esse conhecimento tornou-se uma necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital. Trata-se de um problema que se apresenta a todo cidadão: ter acesso às informações sobre o mundo e conseguir articulá-las e organizá-las. Para isso, é fundamental um diálogo ecumênico entre as várias disciplinas científicas. Esse diálogo pode promover a interação e a interpenetração entre elas, indo desde a simples comunicação das idéias até a integração mútua dos princípios, conceitos e metodologias. Para tal, exige-se muita criatividade, pois lidar com o plural é sempre dificil, exigindo que as várias partes abdiquem de posições fechadas e passem a se ouvir e a se enten­der mutuamente. Assim, é preciso que todos busquem, no universo da linguagem, a possibilidade de comunicação, de lidar com o outro e com ele partilhar as suas reflexões.

Outra questão em pauta diz respeito à convivência com a incerteza. O dogma do determinismo universal foi superado. O universo não está mais submetido à soberania da ordem, ele é campo de uma relação dialógica (ao mesmo tempo antagônica, concorrente e complementar) entre a ordem, a desordem e a organização. Esses três elementos estão constantemente em ação e serão eles que nos oferecerão diferentes caminhos possíveis, diversas soluções e infinitos recursos para resolver os problemas que se apresentam. As respostas, entretanto, serão parciais, pois vários elementos mutáveis estarão envolvidos nas soluções encontradas.

Transferindo toda essa problemática para a educação, e mais especificamente para a educação básica, percebe-se a necessidade de alteração em seus objetivos. Hoje, há premência de se direcionar a aprendizagem para a compreensão ampla de idéias e valores indispen­sáveis no momento atual; do mesmo modo, é importante ter conhecimentos e habilidades cognitivas que assegurem o preparo para o desempenho profissional, de acordo com os novos padrões tecnológicos e com as formas de gerenciamento do trabalho a eles

Page 19: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

associados; e, por fim, a formação de hábitos e valores que favoreçam o convívio com as mudanças e com as diferenças, para se produzirem a solidariedade e a rejeição às desigualdades sociais.

Isso poderá ser obtido a partir de uma metodologia baseada na interdisciplinaridade, na qual o professor seja um elemento mediador do conhecimento, exercitando a pesquisa de novos saberes, em sintonia com as necessidades dos tempos atuais.

Segundo Japiassu, "a famosa cabeça bem-arrumada, bem-feita, bem estruturada e objetiva não passa de uma cabeça malfeita, fechada, produto de escola e de modelagem. Por isso, trata-se de uma cabeça que precisa urgentemente ser refeita. E o interdisciplinar ajuda a se refazer essa cabeça. Pois cultiva o desejo de enriquecimentos por enfoques novos, o gosto pela combinação das perspectivas e alimenta a vontade de ultrapassagem dos caminhos já batidos e dos saberes já adquiridos".

Isso significa desenvolver um trabalho no qual a tônica seja centrada no aprender a aprender, saber pensar, informar-se e refazer todo dia a informação, questionar, selecionar conteúdos pertinentes e escutar os alunos em suas múltiplas possibilidades.

A escola, inserida num contexto em que a tecnologia predomina, pode formar cidadãos autônomos e conscientes, permitindo que os alunos tenham uma postura crítica diante da massa de informações com que são bombardeados continuamente.

Para a formação da autonomia, é necessário que os alunos se posicionem e se façam representar, considerando sua capacidade de produção simbólica nas múltiplas linguagens, o que é essencial para se apropriarem das diversas formas de diálogo do atual contexto.

Nessa perspectiva, é importante relacionarmos escola e tecnologia, objetivando a construção de uma sociedade em que todos tenham acesso aos meios de produção de discurso, estabelecendo diálogo em igualdade de condições e capacidade para tomar decisões que levem às mudanças futuras na sociedade.

A escola deverá permitir que os conflitos e as diferenças se explicitem, pois, dessa maneira, caminharemos para a construção de novas formas de ver, sentir, entender, organizar e representar o mundo, respeitando as diferentes visões dos indivíduos.

No atual contexto cultural e tecnológico somos, a todo momento, levados a enfrentar novos desafios, que nos exigem uma visão mais crítica e abrangente dos recursos que nos cercam, imprimindo uma nova ordem ao tempo e ao espaço em que vivemos. Outras relações se estabelecem entre o indivíduo e a construção da sua identidade, sendo significativo o papel das diversas linguagens na constituição dessas relações e na vida que se transforma, permanentemente.

Page 20: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

O processo de construção da cidadania autônoma e participa­tiva está l igado à apropr iação dos meios e l inguagens de comunicação. É importante, nesse processo, se estabelecer uma relação crítico-produtiva-participativa, capacitando o indivíduo a interagir com as diversas formas de tecnologia e permitindo o diálogo com a realidade em todos os níveis. Para tanto, é preciso que a escola tenha acesso às novas tecnologias (vídeo, computador, redes etc), em seus usos técnico e pedagógico.

Ocorre que, muitas vezes, esse acesso está condicionado à classe social, ao poder aquisitivo e ao tipo de escola freqüentada pelo aluno, o que acentua cada vez mais os contrastes sociais, nos inviabilizando como nação democrática.

"Resta à sociedade, portanto, chegar ao ponto de transformar em currículo o compromisso da escola em prover os meios e as lingua­gens cuja apropriação em nosso tempo, de fato, é exigida para que se esteja habilitado a participar do diálogo contemporâneo."

Como essas questões se traduzem no cotidiano da escola? O currículo escolar deve possibilitar ao aluno estabelecer rela­

ções com o meio ambiente, percebendo-se parte dele; entender as relações de trabalho estabelecidas entre os homens, bem como entender-se como integrante de uma cultura, valorizando suas formas próprias de pensar, de agir e de se expressar, sem desconsiderar o intercâmbio entre as diferentes culturas. E, finalmente, é preciso que a escola ofereça ao aluno oportunidades para ele se apropriar das linguagens do seu tempo.

Retomando as palavras de Calvino: "Quem somos nós, quem é cada um de nós, senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações?"

O nosso aluno, independente da camada social a que pertence, está estabelecendo novas relações com a cultura e elaborando novas formas de adquirir informações, de construir conhecimentos, conceitos e valores.

É preciso que nós, professores, percebamos que a escola não detém a hegemonia como fonte de "transmissão de saber", e que os meios de comunicação também atuam como mediadores entre o sujeito e a construção da sua identidade.

Por que, então, não valer-se dos meios de comunicação para que o aluno se aproprie das múltiplas linguagens, objetivando a construção da identidade autônoma e crítica?

A publicidade, as novelas, os filmes são instrumentais de que o professor pode lançar mão nesse processo: "Ler imagens

Proposta Multieducação 3, Secretaria Municipal de Educação-RJ, 1995.

Page 21: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

criticamente implica aprender como apreciar, decodificar e inter­pretar imagens, analisando tanto a forma como elas são construídas e operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comuni­cam em situações concretas."

Por meio da leitura crítica das imagens, entendemos como nossas experiências e nossos eus são socialmente construídos, determinados em parte por imagens, discursos e códigos.

Os anúncios de cigarro, por exemplo, devem ser amplamente debatidos, pois induzem ao vício, uma vez que associam o fumo a ima­gens positivas, como masculinidade, elegância, bom gosto, sucesso pessoal etc. O professor poderá, assim, utilizar anúncios de jornais, revistas e televisão e a partir deles discutir e criticar as mensagens que tentam não só vender o produto - associando-o a certas qualidades socialmente desejáveis -, como também passam uma visão de mundo, um estilo de vida, compatíveis com o capitalismo de consumo.

Pontos para a reflexão

• Até a metade do século XX, a maioria das Ciências tinha como método de conhecimento a especialização e a abstração. Seu conceito básico era o determinismo, a aplicação da lógica mecânica da máquina artificial aos problemas dos seres vivos e da sociedade.

• A partir da década de 1970, mudanças radicais aconteceram em diversos campos do conhecimento e exigiram da humanidade um redimensionamento de valores, princípios e métodos. Quais são eles? Como isso se deu?

• A multiplicidade de propostas, caminhos e justificativas para situa­ções apresentadas desde aquela década está levando homens e mulheres a pensar globalmente, recorrendo aos diversos saberes.

Bibliografia

CALVINO, ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. Textos escritos pelo autor, para conferências não proferidas na Uni­versidade de Harvard, nas quais identifica as qualidades mais importantes a serem salvas, para o próximo milênio, e que devem nortear a ação de cada indivíduo: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência (esta apenas indicada, não escrita).

Silva, Tomaz Tadeu da (org.). Alienígenas na sala de aula - Uma introdução aos estu­dos culturais em educação. Petrópolis, Vozes, 1995.

Page 22: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

DEMO, Pedro. Desafios modernos da Educação. Petrópolis, Vozes, 1993. Apresenta uma discussão sobre a valorização da educação, ciên­cia e tecnologia, como patrimônio diferencial na busca do desen­volvimento moderno e próprio. Indica como fundamental enfren­tar, de modo definitivo, questões da universalização qualitativa da educação básica, além da produção de conhecimento próprio e moderno, na universidade.

HARVEY, David. Condições pós-modernas. São Paulo, Edições Loyola, 1993. Neste livro, David Harvey procura determinar o que significa a expressão "pós-moderno" em seus diferentes contextos, bem como identificar seu grau de precisão e utilidade como descrição da ex­periência contemporânea.

Page 23: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

VISIBILIDADE:

CHOVE NA FANTASIA

Cida Ivas Márcia Feldman

Se incluí a Visibilidade em minha lista de valores a preservar foi para advertir que estamos correndo o

perigo de perder uma faculdade humana fundamental: a capacidade de pôr em foco visões de olhos

fechados, de fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres alfabéticos negros sobre uma página branca, de pensar por imagens. Penso numa possível pedagogia da imaginação que nos

habitue acontrolar a própria visão interior sem sufocá-la e sem, por outro lado, deixá-la cair num confuso e

passageiro fantasiar, mas permitindo que as imagens se cristalizem numa forma bem definida, memorável,

auto-suficiente, 'icástica'.

ítalo Calvino

Definir ou conceituar imaginação é uma tarefa muito mais dificil do que se possa pensar. Desde a Antigüidade, com os primeiros filó­sofos conhecidos, a humanidade busca entender a faculdade humana de produzir imagens, seja de simples reprodução de sensações, na ausência dos objetos, seja de criações de nossa fantasia. Isto é, para uns

Cidã Ivas é professora de Educação Musical do Colégio Pedro II, RJ. Márcia Feldman é mestre em Educação pela PUC/RJ.

Page 24: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

a imaginação teria uma relação direta com as nossas percepções e, para outros, nos possibilitaria uma libertação do mundo sensível.

Por isso cabe, ainda hoje, para nós educadores, a pergunta para a qual durante todos esses séculos os filósofos procuraram resposta: qual a importância da imaginação na formação de conhecimentos?

Não podemos esquecer que, nesta virada de século/milênio, a questão levantada adquire novos contornos, trazidos pelo advento de novas formas de linguagem, como a fotografia, o cinema, o vídeo, a realidade virtual, entre outras, e que realimentam nossas estruturas imaginárias com um arsenal infinito de possibilidades. A apropriação desse arsenal semiótico por parte da escola é o desafio deixado para nós por estudiosos como L. S. Vigotsky, que chamou atenção para a indissociável reiação entre forma e conteúdo, para a necessidade de entendermos as linguagens visando respostas para os mistérios que envolvem o pensamento humano.

Platão, mesmo valorizando o raciocínio discursivo (dianoia), o conhecimento científico (episteme) e a intuição racional (noesis), utilizou-se do mito para expressar seu pensamento, considerando o mythos e o "delírio divino", que põem em cena o exercício livre de uma imaginação poética ou religiosa, expressões criativas legítimas das experiências internas, extra-racionais e ponto máximo do logos (razão).

Aristóteles (384-322 a.C), distinguindo a imaginação da sensação e da opinião, coloca-a entre a percepção e o intelecto. Se, para ele, todo conhecimento é derivado das percepções dos sentidos, estas precisam ser incorporadas à faculdade imaginativa de alguma forma, para que possam tornar possível os processos superiores do pensamento racional (juízos, conceitos). Para ele, a imaginação confere à alma possibilidades várias, ativas ou passivas, mas "a alma nunca pensa sem uma imagem".

Francis Bacon, no seu plano de uma enciclopédia das ciências (1623), colocava a imaginação, ao lado da memória e da razão, como uma das faculdades fundamentais, exatamente aquela que é a base da poesia.

Descartes (1596-1650) reconhecia na imaginação a condição de atividades espirituais diversas, auxiliares do entendimento e da compreensão. E mesmo Kant (1724-1804), defensor da supremacia da razão, chegou a afirmar que a imaginação seria a ponte entre a sensibilidade e o entendimento, "função da alma cega mas indispensável, sem a qual não teríamos qualquer espécie de conhecimento, e da qual mal somos conscientes".

A psicologia vai nos trazer outros aspectos importantes. Os trabalhos de Binet (França) e da Escola de Würzburg (Alemanha) buscam mostrar a relação entre a imagem e o trabalho mental que conduz a idéia, demons­trando que a mobilidade da imagem na evocação possui um sentido muito mais significativo do que associativo. Uma mesma imagem pode ter diver-

Page 25: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

sas significações, pois o essencial não são suas qualidades sensoriais, mas o sentido que lhe é conferido.

Entretanto, é a fenomenologia que vai precisar o caráter da imagem em face da percepção. Para Husserl, a imaginação depende das percepções, mas elas se distinguem essencialmente, pois são atos diversos da consciência intencional.

Para Sartre, filósofo existencialista, é o sujeito que dá sentido às coisas, e esse é um dos atos fundamentais da consciência humana. O ato de imaginar é da subjetividade e se refere sempre a algo por ela imaginado, mas precisa se exteriorizar e somente assim o objeto se constitui em objeto para nós. Assim, o imaginário é uma relação indissociável da subjetividade e da objetividade, da totalidade da existência que se encontra aberta para o mundo da vida pessoal, social e cultural do tempo em que se vive, das tradições. O imaginário tem, portanto, um poder simbólico e é, ao mesmo tempo, uma forma expressiva.

Entretanto, Sartre nos alerta que somente se entendermos a nature­za do objeto imaginário e a sua força atuante é que poderemos compre­ender a atividade criadora na ciência, na arte, na invenção tecnológica.

A imaginação, para ele, é um ato mágico, presente em todas as épocas e culturas, destinado a produzir encantamento, mas também a fazer surgir o objeto do desejo para assim possuí-lo. Mas não pode­mos nos iludir: se o objeto nos encanta, também possui aquele que imagina possuí-lo! Assim, para Sartre, o ato intencional da vida imaginária carrega esta dimensão do desejo: busca a posse do objeto imaginário, mas também se torna possuído por ele.

Quando lemos um poema, um livro policial, um romance, ou quando assistimos a um filme, ou contemplamos um quadro, nos deixamos levar por uma música, vivemos uma crença na existência do objeto. Sentimo-nos mobilizados, fascinados pela magia que a imaginação, com seu poder de sedução, exerce sobre nós.

A partir dessas colocações, podemos concluir que, para alcançar o significado do imaginário, é preciso que dele nos distanciemos, por meio da reflexão, que permite explicitar o seu sentido. Por exemplo, o imaginário social produz estereótipos cujo significado deve ser trabalhado pela reflexão, por uma educação que busque desenvolver uma consciência crítica que torne possível revelar seus significados. O imaginário individual carrega consigo a existência em que o sujeito está inserido; afinal, como afirma Bakhtin, a consciência é de ordem sociológica e "adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações sociais" . O imaginário social (com sua atuação direta na política, na história, economia, educação, religião) expressa a relação vivida dos homens em seu

Page 26: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

m u n d o , que é investida de relações imaginárias. O real é sobredeterminado pelo imaginário.

A vida da imaginação tem um impacto sobre a totalidade da existência do homem. Como afirma Creusa Capalbo, "um futuro sem conteúdo de um objeto irreal, sem essa vivência do futuro como imaginário, não nos possibilitaria nenhuma maneira de estar dirigido para (...), de agir, em direção a algo que virá." Portanto, nos cabe refletir "se não seria o ato fundamental da educação o de possibilitar que o educando assuma e atribua, por si mesmo, sentido à sua existência."

Entretanto, a educação atual ainda prioriza a memorização e muitas vezes esquece que essa "consciência imaginante" é esponta­neidade, liberdade, criatividade. A imaginação faz parte dos nossos atos de consciência, ao mesmo tempo que a amplia e impulsiona e lhe permite a reflexão crítica.

Imaginário e psicanálise

Vejamos, agora, em que a Psicologia e, principalmente, a Psicanáli­se podem contribuir para uma compreensão do imaginário.

Para a Psicanálise, o imaginário constitui o cerne da instância comunicante do sujeito, motor do próprio aparelho psíquico. Portanto, não pode deixar de estar presente na inteligência, nas emoções, no raciocínio e nos sentimentos. Atua como articulador da linguagem (uma vez que busca uma forma de expressão, e esta se dá pelos sistemas simbólicos) e, portanto, do inconsciente, já que este se estrutura como uma linguagem. O simbólico estrutura o imaginário. O inconsciente é simbólico, pois a linguagem é sua condição.

O real, tal qual acreditavam os empiristas (a afirmação da identidade entre sensação e imagem e, como conseqüência, a identidade entre percepção e imaginação) e os racionalistas (o real é racional), não existe. O que temos é uma fabricação da realidade que a ela mesma não se importa.

Calvino nos diz que a fantasia leva em conta todas as com­binações possíveis e escolhe as que lhe sejam mais interessan­tes, mais significativas.

Para M. Klein, as fantasias são "a matéria de que são feitos os sonhos", e não somente estes, mas também os sintomas, a percepção, o pensamento e a criatividade. São uma escrita de sinais que nos falam

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1992. 2 In: Capalbo, 1992.

Page 27: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

sobre nós, sobre o que não somos capazes de racionalizar sob a forma de linguagem oral ou verbal, no nível da consciência.

A psicopedagoga Alicia Fernández nos alerta que, muitas vezes, o não-aprender é apenas um sintoma de uma inteligência que se "aprisionou".

O desejo e a inteligência partem da indiferenciação para a diferen­ciação, visando uma melhor articulação do sujeito com o real. A criatividade é gerada no encontro entre desejo e pensar, o qual articula o princípio do prazer com o princípio da realidade.

Não existe a essência, mas a sua busca é estrutural. O que se quer buscar nunca está lá (é a falta), mas é impossível não buscar. A produção de sonhos, a criação de um sintoma, os chistes, a criatividade são formas de busca. Impossível não utilizá-las. Em seus meio-dizeres, nos fazem caminhar no labirinto de seus significantes, onde é possível articular sentidos.

A criatividade, com todas as suas manifestações, é o encontro entre o saber inconsciente e a produção de conhecimento e não apenas um superdesabrochar do imaginário. Criamos com base no real, e o produto nos possibilita um melhor conhecimento do mes­mo. A imaginação e o criar se estabelecem como um espaço transicional, onde tudo é possível, mas onde só algumas coisas são viáveis. Principalmente o jogo, a brincadeira, a arte e o humor pro­piciam espaços de alteridade, de subjetividade e de uma sobre-reali-dade, onde o prazer e a realidade fluem, em interação com a cul­tura e o social. Na criatividade, o imaginário se articula com o real e o simbólico e constrói estes espaços de alteridade e subjetividade.

"Significar algo é um ato da consciência, pertence à subjetivi­dade humana" . Mas a subjetividade é constituída e construída no social, por meio da rede de significações que tecemos e na qual estamos presos. "A medida que uma parte da realidade é imaginada, a outra é real, e, inversamente, à medida que uma é realidade, a outra se torna imaginária."

Assim sendo, qualquer modificação de significação só se dá pelo confronto e este só é possível por meio da linguagem.

Manifestações da função imaginativa A função imaginativa, desde o começo do pensamento humano,

marca a sua presença na existência do mito. Essa manifestação,

3 CAPALBO, Creuza. Ibid. p. 189. 4 LACAN, J. Ibid. p. 100.

Page 28: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

simultaneamente intelectual e emotiva, nos mostra que, não poden­do explicar cientificamente (como diríamos agora) os fenômenos, o homem cria e imagina suas causas. Com uma base animista, o mito, entretanto, não visa apenas a explicar, mas também está ligado às formas religiosas, tendo, muitas vezes, apenas a função de consolidar o vínculo social e utilizando para isso um certo poder coercitivo. (De certa forma, as histórias da Cuca, do homem-do-saco que pega criancinhas, também exercem esse poder coercitivo, consolidando um vínculo social de obediência e não de formação de consciência.) Mas, se os mitos são meios de defesa, também são espaços de evasão, de aventura, de expressão, da necessidade do novo, do enfrentar e dominar riscos, sem preocupação utilitária (a história de Hércules traduz muito bem esse aspecto). Como diz Bernis: "(...) o mito apresenta-se mais como uma fonte de emoção do que como um ensino de conhecimento; o que o anima não é a busca de uma explicação, mas a necessidade humana de evasão e de liberdade. Já possui o caráter de uma atividade estética. Representa a primeira manifestação desse desejo humano tão profundo: viver por viver, nem que seja por mais de um breve momento, liberto das adaptações e restrições necessári­as. É o que explica a persistência dos mitos. A ciência pôde nascer, mas o mito não desapareceu. Subsistiu ao lado da explicação racional. Serviu, por vezes, para ilustrá-la."

A dança, como afirma Bernis, é a potência expressiva do corpo, que no querer desafiar as leis naturais recria o movimento, expressando por meio dele o que a inteligência exprime pela palavra.

A literatura, principalmente a poesia, tem a força de criar uma ligação com o sentimento humano, que propicia a expansão da vida afetiva pelo mágico poder de realizar a fusão da alma humana com a alma do mundo.

Como diz Calvino, "mesmo quando o impulso inicial vem da imaginação visiva, que põe em funcionamento sua lógica própria, mais cedo ou mais tarde ela vai cair nas malhas de uma outra lógica imposta pelo raciocínio e a expressão verbal". Mas "as soluções visuais continuam a ser determinantes, chegando a decidir situações que nem as conjecturas do pensamento nem os recursos da linguagem verbal conseguiriam resolver".

Ao perguntar a Drummond o que afinal significava a pedra no meio do caminho, obtivemos a resposta: "Eu queria fazer um poema árido, então me veio a imagem de um caminho, onde apenas se via uma pedra".

Na música, o som possui a característica de não pertencer a um objeto. Ela não tem um quadro espacial, se desenvolve num tempo,

BERNIS, Jeanne. A imaginação — do sensualismo epicurista à psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987.

Page 29: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

invadindo nosso sentir, não apenas auditivo, mas de emoção e senti­mentos. A música nos faz viajar por caminhos que talvez seu criador não tenha imaginado, mas que sua obra nos permitiu percorrer. Como dizia Beethoven, "sou eu quem dá aos homens a divina presença do espírito". Para ele, a música é um "meio direto de penetração das consciências, muito mais do que pela simpatia, pela empatia".

Se a pintura e a escultura aparentemente se destinariam a repro­duzir o que se vê, cada vez mais deixaram de ser mera cópia do real para assumir a representação do que se vê, mas do que se cria a partir do que se vê. No cubismo, condensando as linhas essenciais dos objetos, a pintura parece querer, exercitando essa função imaginativa, decifrar-lhes a significação.

No cinema, a imagem esforça-se por ser expressiva e busca uma reprodução do real. Mas basta ver um filme de Chaplin para perceber que a função imaginativa atravessa o real, revelando sua essência e nos possibilitando uma reflexão crítica e outra cons­ciência sobre ele. Também é no cinema, que atinge diretamente um número tão grande de pessoas, que podemos perceber e consta­tar a presença de todo um imaginário social, com seus pre­conceitos, estereótipos e valores.

A Ciência atual é a ciência de relações: classe, ordem, estrutura, conceitos abstratos ocupam o lugar das determinações objetivas. O conhecimento que mais usa e abusa dos símbolos é a Matemática. Basta citar as palavras de André Darbon, em seu livro La philosophie des mathématiques: "(...) abaixo da inteligência lógica e antes dela, existe uma outra inteligência... Uma tem mais intuição e mais instinto - a outra conhece melhor a gramática e a sintaxe que lhe é própria". Afinal, o homem é um animal simbólico. Até mesmo o pensamento mais racional, as matemáticas, encontram sua expressão nos símbolos.

E nós, na escola? Vem de Martha Kohl (1996) uma instigante pergunta, que nos

desafia a assumir de forma mais responsável o compromisso inadiável com a questão da relação escola vs. meios de comunicação: "Como fica o lugar da escola, como instituição privilegiada na promoção do desenvolvimento psicológico das crianças e jovens das sociedades letradas de hoje, com a marcante presença dos meios de comunicação de massa e o crescente desenvolvimento da informática? A questão é se ainda há conhecimentos que só a escola pode transmitir ou se, ao contrário, esses novos meios poderiam ser, de alguma forma, substitutos da escola. Isto é, esses novos meios produzem e transmitem, de forma

Page 30: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

nova, informações e modos de pensamento com os quais a escola já trabalhava, ou possibilitam novas formas de construção de conheci­mento, de natureza diferente daquelas possíveis na escola?"

Se, através da História, a relação da humanidade com os dizeres simbólicos vem sendo fonte inesgotável de expressão, autoconhecimento e desenvolvimento, é preciso que a escola reconheça a força desses dizeres dando-lhes visibilidade, criando permanentemente possibilidades para que quem a freqüenta possa ver-se, ver o mundo, ver o outro e por ele deixar-se ver por meio da expressão de si e das coisas.

O imaginário, expresso por meio da poesia, da literatura, da imagem, da música, da cena, do cinema, da dança, da pintura, é um precioso canal de produção de sentidos, que organiza nossa visão do mundo e dá a ela consistência, alma. Quando podemos ser autores de uma visão de mundo que faça sentido, podemos nos constituir como cidadãos deste mundo, mantendo com ele uma relação crítica, sensível, criadora, afetiva e feliz.

Martha Kohl dá continuidade à sua reflexão, perguntando, ainda: "Como se dá o desenvolvimento humano em culturas letradas, massificadas e informatizadas, nas quais convivem, por um lado, a escrita, a ciência e a escola, como instituições já consolidadas e valorizadas pela cultura dominante; e, agora, a imprensa de massa, o rádio, a televisão, o computador como artefatos culturais relativamente recentes, ainda sujeitos a avaliações extremadas por parte de diferentes subgrupos no interior da sociedade?"

Sem dúvida, há muito ainda a refletir e pesquisar sobre como os novos meios de comunicação influem e reorganizam nossa forma de pensar, de se comunicar e de aprender. Mas não há dúvida quanto ao fato de que esses meios continuam a representar, como aconteceu ao longo da História com os diversos meios de comunicação, uma janela que dá visibilidade a nós e ao mundo que nos cerca. Hoje, como sempre foi, ao longo dos tempos e por meio das linguagens, é por eles que temos acesso ao imaginário, ao sonho, ao símbolo: instrumentos que, como vimos, falam de nós e para nós. Ao se apropriar dessas linguagens, aprendendo com os teóricos e - por que não? - com as próprias crianças, a escola estará cumprindo seu papel de espaço privilegiado de construção de saberes.

Tanto nós, professores, quanto nossos alunos, temos que ser autores capazes de entender e de nos expressar claramente por meio das diversas linguagens. É preciso falar de nós mesmos para o mundo, utilizando-nos de cada uma delas, enviando mensagens sob a forma de poesia, com fotografias, via vídeo, fax ou Internet, mostrando ao mundo quem somos, o que fazemos todos os dias em nossa vida e

Page 31: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

em nossas salas de aula, bem como o que ainda não sabemos e queremos aprender. É preciso continuar sabendo como tornar visíveis nossas possibilidades e limites...

Pontos para reflexão • Vimos, no início e ao final do texto, que Marta Kohl, estudiosa

de Vigotsky e, portanto, das inter-relações entre pensamento, linguagem e desenvolvimento, coloca-nos algumas importantes reflexões sobre a questão emergente dos novos meios de comunicação. Ao respondê-las, em seu texto, diz, em certo mo­mento: "A estreita relação entre forma e conteúdo postulada por Vigotsky sugere uma atenção especial àquelas diferentes instânci­as da vida cultural: enquanto instrumentos de natureza simbóli­ca, esses meios de comunicação e informação são potenciais mediadores das relações entre sujeito e objeto e, portanto, possí­veis elementos constitutivos das modalidades de funcionamento psicológico dos membros dessas sociedades." É, então, momento de refletirmos: que tipo de atenção a escola vem dando à questão das novas formas de linguagem e suas implicações no desenvolvimento dos sujeitos? É de ítalo Calvino a provocação para mais esta reflexão: no cine­ma, a imagem que vemos na tela também passou por um texto escrito; foi primeiro "vista" mentalmente pelo diretor; em seguida reconstruída em sua corporeidade num set, para ser finalmente fixada em fotogramas de um filme. Todo filme é, pois, o resulta­do de uma sucessão de etapas, imateriais e materiais, nas quais as imagens tomam forma; nesse processo, "o cinema mental" da imaginação desempenha um papel tão importante quanto o das fases de realização efetiva das seqüências, de que a câmera permiti­rá o registro e a moviola, a montagem. Esse cinema mental funci­ona continuamente em nós - e sempre funcionou, mesmo antes da invenção do cinema - e não cessa nunca de projetar imagens em nossa tela interior. A nossa capacidade de imaginar (que quer dizer pensar por ima­gens), ressaltada por Calvino, pode e deve constituir-se em recurso de aprendizagem nas diversas áreas do conhecimento escolar. O que vemos e o que imaginamos pode nos ajudar na hora de calcular um percurso, desenhar um mapa, produzir ou interpretar um texto etc. De que forma nós, professores, estamos preparados para levar em conta a imaginação {no sentido do pensamento por imagens) em nossa prática escolar?

Page 32: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Bibliografia

CALVINO, ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. O capítulo "Visibilidade" - no qual ele trabalha a relação entre imagem, texto literário, pensamento e sentido - fundamenta e inspira este texto, que busca trazer suas reflexões para o âmbito da Educação.

CAPALBO, Creusa. Fundamentos filosóficos do imaginário. In: TEVÊS, Nilda (org.). Imaginário social e Educação. Rio de Janei­ro, Gryphus, UFRJ, 1992. Nesse texto, a autora discute alguns dos fundamentos filosóficos do conceito de imaginação e imaginário, principalmente em Sartre, apresentando reflexões e questionamentos em relação à educação.

KOHL, Martha et alii. Piaget e Vigotsky. São Paulo, Ática, 1996. No livro, quatro autores - além de Martha, Emilia Ferreiro, LAstorina e Delia Lerner - analisam as possibilidades de colocar em diálogo os pressupostos histórico-sociais e os psicogenéticos, traçando parâmetros e paradigmas para um Pensamento Pedagó­gico mais contemporâneo.

Page 33: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

VELOCIDADE E SENTIDO

Angela Thereza Lopes Rosa Helena Mendonça

ítalo Calvino, ensaísta e escritor, conhecedor da literatura universal, ao ser convidado a proferir as célebres conferências Norton, um ciclo de seis palestras anuais para as quais são escolhidos pensadores e literatos contemporâneos, tendo inteira liberdade para discorrer sobre qualquer tema, optou por apresentar seis propostas para redimensionar a importância da literatura no próximo milênio: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade (além destas, consistência também estava apontada por ele como proposta a ser desenvolvida, porém não chegou a ser escrita).

Calvino fora antecedido nessa tarefa pelo ilustre argentino Jorge Luís Borges, entre outros, e teria como sucessor Umberto Eco, famoso crítico, ensaísta e romancista, que apresentou nesse mesmo espaço os seus Seis passeios pelos bosques da ficção.

Nessa série de conferências, Eco tem em Calvino um interlocutor privilegiado, e retomando uma das conferências, a que trata justamente da rapidez como categoria da obra literária, nos diz: "A fim de prestar homenagem a Calvino, escolhi como ponto de partida a segunda de suas Seis propostas para o próximo milênio (suas conferências Norton), naquela dedicada à rapidez (...) Por enquanto, só quero dizer que qualquer narrativa de ficção é necessária e fatalmente rápida porque, ao construir um mundo que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, não

Angela Thereza Lopes é doutora em Literatura pela PUC/RJ.

Rosa Helena Mendonça é mestre em Educação pela PUC/RJ.

Page 34: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

pode dizer tudo sobre esse mundo. Alude a ele e pede ao leitor que preencha toda uma série de lacunas. Afinal (como já escrevi), todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho. Que problema teria se um texto tivesse de dizer tudo o que o receptor deve compreender - não terminaria nunca. Se eu ligar para você e disser: 'Vou pegar a estrada e dentro de uma hora estarei aí5, você não há de esperar que eu acrescente que vou de carro pela estrada."

Tanto para um quanto para outro, a rapidez é uma grande virtude narrativa. Rapidez e concisão na linguagem são atributos fundamentais da obra literária e, por extensão, do próprio processo de comunicação entre as pessoas. Calvino, no final de sua palestra sobre rapidez, apresenta, por meio de uma lenda, uma metáfora do próprio ato de criação literária: "Entre as múltiplas virtudes de Chuang-Tsê estava a habilidade para desenhar. O rei pediu-lhe que desenhasse um caranguejo. Chuang-Tsê disse que para fazê-lo precisaria de cinco anos e uma casa com 12 empregados. Passados cinco anos, não havia sequer começado o desenho. 'Preciso de outros cinco anos', disse Chuang-Tsê. O rei concordou. Ao completar o décimo ano, Chuang-Tsê pegou o pincel e num instante, com um único gesto, desenhou um caranguejo, o mais perfeito caranguejo que jamais se viu."

A rapidez e a concisão da narrativa é, então, ao contrário do que se pode imaginar, algo que demanda tempo, trabalho, pesquisa, sensibilida­de, precisão... incompletude. Ao leitor cabe outro trabalho, o de prosseguir, preenchendo os espaços com suas próprias experiências.

A rapidez não é tão-somente uma virtude norteadora da atividade do escritor, mas de cada um de nós ao formular indagações sobre o tempo que, simultaneamente, nos impõe duas tarefas, as quais se contrapõem e se completam: captar toda a complexidade do mundo que nos cerca, isto é, estar em sintonia com a contemporaneidade e, ao mesmo tempo, focalizar o que viabiliza uma possível construção.

A rapidez como uma categoria literária não pode limitar-se ao entendimento no sentido físico, mas deve levar em conta a velocidade mental que, como Calvino diz, não pode ser medida, não permite comparações nem disputas.

Vivemos num mundo onde a velocidade - na tecnologia, nos transportes, nas informações - já tinha sido prenunciada pela li­teratura, pela ficção. A ficção tem a propriedade de antecipar o que pode vir a acontecer.

' ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

Calvino, ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras.

Page 35: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Como fazer para que essa velocidade física que advem da tecnologia, abreviando a noção de tempo e aproximando espaços longínquos, não se sobreponha à nossa capacidade subjetiva de perceber o tempo e o espaço? Se hoje a comunicação é mediada por toda uma rede de veículos (TV, rádio, cinema, teatro, jornal, revistas e literatura de mercado) que permitem atingir simultaneamente as pessoas em maior escala, por outro lado esse processo vai nivelar a recepção, criando um leitor/espectador médio e trabalhando, portanto, com a idéia de média.

Como a escola, em termos de formação do leitor, pode lidar com toda essa complexidade e volume de informações?

Ela deve partir da rapidez como um atributo do texto literário, grau máximo da linguagem, e perceber como os textos da mídia se apropriam de nosso desejo, seduzindo com de recursos altamente elaborados e expressivos, preocupados com o efeito que será produzido no leitor/ espectador, fortemente influenciável pela ótica do mercado.

Rapidez para a literatura é qualidade do bom escritor, é concisão, é capacidade de síntese, é essencialização. Rapidez para a mídia é um efeito facilitador do que se deseja dizer para o "consumidor", sem que ele tenha, muitas vezes, sequer tempo de refletir ou de reelaborar o que captou. Tal como os mitos dos deuses Mercúrio e Vulcano, citados por ítalo Calvino, que apresenta Mercúrio como a sintonia, ou seja, a participação no mundo que nos rodeia; e Vulcano como a focalização, isto é, a concentração construtiva.

A escola tem de promover exatamente a união "dessas duas funções inseparáveis e complementares".

A escola pode ser um espaço privilegiado para o diálogo com a contemporaneidade, por meio do legado da literatura, cuja concisão e rapidez exigem do leitor fôlego para continuar, com a leitura, o trabalho de construção do texto.

O professor se defronta com interessantes questões, que mere­cem análise e reflexão: o que fazer com os diferentes textos dos meios de comunicação, impressos, televisivos e radiofônicos?

O texto literário impresso e uma versão cinematográfica ou televisiva têm a mesma recepção? Até que ponto os recursos da imagem determinam uma nova apropriação da leitura? O tempo de leitura de um texto impresso é o mesmo do texto televisivo? Como esse leitor/espectador reage diante de veículos como a TV, que dão intervalos entre os programas e fazem seriados que regem e dominam o tempo da leitura, manipulando a vontade e o prazer do espectador?

A escola tem que se voltar para esse novo leitor, cuja educação e formação têm que considerar a existência desses recursos altamente técnicos que devem contribuir para uma recepção mais crítica, criativa e não ingênua.

Page 36: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

E como seria esse leitor? Para Umberto Eco, seu leitor-modelo seria assim: "O leitor efetivamente faz o texto revelar sua multiplicidade potencial de associações. Tais associações são produto do trabalho da mente do leitor sobre o material bruto do texto, embora não sejam o texto em si - pois este consiste justamente em frases, afirmações, informação etc. (...) Essa interação obviamente não ocorre no texto em si, mas só pode existir com o processo de leitura. (...) Esse processo formula algo que não está formulado no texto e contudo representa sua 'intenção'."

Por isso, como diz Calvino, a literatura e os livros, ao contrário do que se vaticinou com o advento das novas tecnologias, têm um papel fundamental no limiar desse novo milênio. O trabalho em sala de aula com a oralidade, utilizando-se das narrativas tradicionais, e com a escrita, por meio da literatura, pode constituir-se em manancial pródigo para que o aluno seja esse leitor em sintonia com o seu tempo e com fôlego para a construção reflexiva, síntese de Mercúrio e Vulcano.

Pontos para reflexão

• Qual a importância de um leitor crítico e dinâmico na sociedade atual? • Todos os tipos de textos podem nos ajudar a sentir como o mundo

hoje se fragmenta nas múltiplas linguagens?

Bibliografia

CALVINO, ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1990. Texto das cinco conferências Norton, escritas por Calvino para serem proferidas na Universidade de Harvard, tratando sobre as qualidades da escritura: leveza, rapidez, exatidão, visibilida­de e multiplicidade.

ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo, Companhia das Letras. 1994. Texto das conferências Norton pronunciadas por Eco na Uni­versidade de Harvard, tratando do texto de ficção: o autor, lei­tor, ficção e verdade histórica. O autor também investiga os diversos aspectos da leitura, tanto do mundo ficcional quanto da própria realidade.

ECO, Humberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo, Companhia das Letras, 1994, p. 22.

Page 37: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

CONSISTÊNCIA:

IMPONDERÁVEL SOLIDEZ

Alberto Tornaghi

Eu sustento que o papel da Ciência é o de aliviar o cansaço da existência humana.

Galileu Galilei

Consistência. Imanência, efervescência, paciência, tendência, tenência, resistência, carência, repetência, insistência, desistência, persistência, saliência, sapiência, insolência, coerência, incoerência, pertinência, potência, impotência, ausência, pestilência, eficiência. Ciência.

Para que servem tantas "ências"? Onde cabem tantas "ências"? Há consis­tência no texto acima? Há insistência? Ah, lá isso há! Sua sonoridade tem alguma coisa de consistente. Mas será que é "aproveitavelmente" consisten­te? A quem serve essa aparente consistência sonora? Talvez aos poetas, os antigos, que tanto precisavam de rimas; ou aos repentistas, antigos e contem­porâneos, que fazem da rima seu meio de vida. Mas será que há poesia que possa ser feita com rimas tão pobres, com tendência tão, tão, tão... Haverá neste mundo repentista que careça de tanta repetência? Haja paciência!

Será possível ser consistente na vida? Seria a ciência uma forma de se tornar consistente? Ela poderia encontrar alguma consistên­cia no caos que parece ser todo esse mundo que nos cerca? A natureza poderia ser consistentemente domesticada pelas ciências? Conseguiriam tal proeza as ciências?

Alberto Tornaghi é professor de Informática Educativa no Colégio Santo Inácio, RJ.

Page 38: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

O mundo que nos rodeia, tal como ele é, não parece, nem de longe, que possa ser enquadrado dentro dos limites estritos e estrei­tos das matemáticas, filosofias, dialéticas e outros discursos que o homem, insistentemente, cria, tentando descrever essa que parece ser uma coleção infindável de surpresas.

Essa, parece, tem sido a busca mais insistente do homem: uma explicação coerente e consistente sobre como e por que o mun­do é como é. Seja pela via das ciências, ou pela via mística, esta parece ser uma necessidade básica do homem: explicar o inexplicável, domar a natureza e determinar como será seu futu­ro. Galileu dizia que a ciência procurava o pilar sobre o qual poderia assentar-se toda a explicação de como funcionava a cria­ção. Um pilar único? Explicação completa para a criação? Esta é a mesma aspiração das religiões.

No fundo, estamos sempre buscando um conhecimento que nos transcenda. Precisamos, pois nos é vital, procurar, buscar, acreditar que exista uma forma simples e consistente de explicar essa maravi­lhosa diversidade que nos rodeia.

Mas, quanto mais longe vamos nessa busca, quanto mais avan­çamos na compreensão do universo, mais paradoxos encontramos; e tanto mais dificil e vital é conseguir manter a coerência e a consistência de nossas explicações. Hoje, a Física e a Matemática deram-se as mãos para desenvolver a Teoria do Caos. Este modelo (o da Teoria do Caos), aceita o imprevisível e o imponderável como participantes dos fenômenos da natureza.

A Mecânica Quântica, no princípio deste século, criou o Princípio da Incerteza, que se tornou um dos pilares de toda a Física Moderna. E o que é esse princípio, que coloca como ca­tegoria científica a incerteza ou a dúvida? Ele diz que não podemos saber, ao mesmo tempo e com precisão absoluta, a ve­locidade e a posição de um objeto. Ora, dessa forma não podemos fazer previsões sobre onde estará, exatamente, esse objeto no futuro (sem saber sua velocidade, desconhecemos para onde vai). Começa a despencar, neste momento, a pretensão positivista de conseguir, com a ciência, prever como será todo o futuro. Pesso­almente, me sinto aliviado com isso: a ciência perde assim, cada vez mais, a obrigação de enunciar verdades absolutas.

Consistência não é, por certo, uma característica dos fenômenos do mundo real, seja ele físico, social, psicológico, teológico ou de qualquer outra natureza. Consistência é uma necessidade do homem, que precisa dela para bem viver, para poder aceitar e conviver com as explicações que encontra e constrói pela vida.

Page 39: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Se precisamos dela, se é tão vital para nosso conforto psicológico, então devemos aceitá-la como tal: uma necessidade nossa, e não uma categoria ou fato inerente aos fenômenos reais.

A realidade não é consistente, não obedece às nossas necessidades nem à nossa ciência. Nós, sim, precisamos aprender a viver em paz, sabendo que consistência, se há alguma, nós a construímos.

E se toda consistência é um constructo humano, passível de erros e equívocos, todo discurso que venha a carregar a pretensão de ser consistente estará fadado a perdê-la, a encontrar alguma inconsistência, mais cedo ou mais tarde.

Que proposta então podemos levar deste para o próximo milênio? De que forma se deve estruturar o discurso científico ou como devem se comportar seus autores, cada um de nós que faz e estuda ciência? Quais premissas, por trás de nossa ação como educadores, podem nos garantir ou, pelo menos, nos apontar caminhos para a superação dos limites que temos experimentado?

A busca da consistência interna, como instrumento de regulação do que propomos, do que vivemos e do que fazemos, é uma necessi­dade, um imperativo para diminuir as distâncias entre o que acredita­mos ideal e o que conseguimos viver. Viver o próximo milênio e poder crer nele como um novo tempo, com relações mais satisfatórias, assentadas na construção de um mundo equitativo; tudo isso pode ser viável se pudermos crer, ainda que localizadamente, no que é dito. Se há consistência entre o que se diz e o que se vive, então podemos confiar e bem viver neste lugar e neste tempo.

Este nos parece um princípio sadio para erigir nossa prática. Esta é a escola que deve ser construída e da qual nossa população carece: uma escola onde o aluno encontra uma ciência que trata das dificul­dades que ele vive. Onde, quando se estuda erosão, o exemplo é o terreno ao redor e não montanhas em qualquer outra parte do mun­do. Onde a aula de programa de saúde acontece em uma sala limpa e, se não foi limpa por quem deveria limpá-la, que seja limpa por todos, porque é assim que se fala de saúde, em um ambiente saudável; afinal, de nada nos adianta seguir falando de saúde em ambientes imundos; hábitos de saúde têm mais a ver com chão limpo na sala do que com discursos sobre quantas vezes se deve escovar os dentes.

A escola como um todo e o estudo das Ciências Naturais, em particular, precisam de uma postura consistente e coerente, para sobreviver ao tempo que se avizinha, em que a informação chega aos alunos pelas mais diversas vias e meios de comunicação. O que ali se trata, o que lá se vive e estuda é imprescindível para formar um corpo consistente e pertinente à vida dos que por ali passam.

Page 40: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Pontos para reflexão • Consistência nao tem a ver com aridez ou preciosismo. Consistên­

cia é uma qualidade que deve ser perseguida, se pretendemos que nossa prática educativa tenha conseqüências profundas e duradou­ras na vida de nossos alunos.

• Uma prática consistente e coerente aproxima as pessoas e as faz compreender e crer no trabalho desenvolvido.

• Todo discurso científico exige coerência e consistência interna para ser aceitável. A ciência é onde encontramos o que é verificável, e para ser verificável é necessário ser consistente.

Bibliografia

GERDES, Paulus. Sobre o despertar do pensamento geométrico. Editora da Universidade Federal do Paraná, 1992. Este livro trata da geometria a partir da cultura de povos africa­nos. Trabalhando conceitos de Geometria da arte da cestaria (construção de cestos) e outros elementos da cultura africana, Paulus mostra, de forma evidente e prática, como a escola valori­za a cultura local de uma comunidade.

LUNGARZO, Carlos. O que é Ciência. Coleção Primeiros Passos, n. 220. São Paulo, Brasiliense, 1992. O autor trata o tema de maneira simples e didática, diferenciando ciência do senso comum e de outras formas de conhecimento, chegando a discutir, brevemente, as relações entre ciência e ideologia.

Page 41: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

LEVEZA: TUDO O QUE É SÓLIDO

DESMANCHA NO AR

Maria Inês de Carvalho Delorme

Então, o que escolher? O peso ou a leveza? Foi a pergunta que Pãrmênides fez a si mesmo, no século VI a.C.

Segundo ele, o universo está dividido em duplas de contrários: a luz e a obscuridade, o grosso e o fino, o ser e o não-ser. Ele considera que um dos pólos da contradição é positivo

e o outro, negativo. Esta contradição pode se aplicar à grande maioria dos conceitos, menos em um dos casos:

o que é positivo, o peso ou a leveza?

Kundera

L surpreendente notar como essa discussão vem se mantendo presente ao longo dos séculos, tendo como representantes estudiosos, literatos, filósofos, políticos de épocas, historiadores, o que nos faz crer que essa não seja, propriamente, uma angústia que provenha deste fim de século e milênio.

Marx, por exemplo, no século XIX, pedindo ao seu povo que fizesse um exercício de reflexão sobre o cotidiano, solicitava que observasse como a atmosfera sob a qual se vivia "pesava várias toneladas sobre cada um de nós; mas vocês a sentem?"

Marx, sempre que possível, retomava determinado ponto que considerava incontestável e característico dos tempos modernos - "o fato de a vida ser radicalmente contraditória em sua base" -, confirmando notar em tudo o que via uma certa impregnação do "seu contrário". Como seus escritos eram famosos por seus fechos, concluiu, apresentando

Maria Inês de Carvalho Delorme é mestre em Educação pela PUC/RJ.

Page 42: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

como definitiva sua visão do ambiente moderno: "Aquele onde todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antigüidade e veneráveis pre­conceitos e opiniões, foram banidas; todas as relações se tornam anti­quadas antes que cheguem a se ossificar". E terminou implacável e genialmente convencido de que "tudo o que é sólido desmancha no ar".

Não estamos caminhando em sentido contrário ao de Kundera ou de Marx, ao escolhermos fazer, junto com ítalo Calvino, a defesa da leveza como um valor que precisaremos reforçar para a sustentação de idéias, de nossas próprias vidas e das criações que delas possam advir, quando estamos à beira do próximo milênio. Ao contrário, vamos reforçar a existência da leveza como um valor que se opõe ao pesadume e à opacidade do mundo, sem desconhecer o contraponto que dá vida e significação a ambos.

Ora, quando estamos falando em se tornarem leves as diferentes formas de narrativa, as linguagens que utilizamos e nossa própria maneira de viver num mundo moderno, impregnado de contradições, não nos parece tão simples a tarefa. Aliás, se pensarmos naqueles que são os verdadeiros "mestres-de-cerimônia" dos tempos em que vivemos, "os senhores da passagem" ou, ainda, como costumamos nos chamar - professores -, mais dificultada parece a tarefa.

Nos quatro cantos do mundo briga-se por uma escola que se quer construir, antenada com o mundo na qual se insere, conectada com a cultura e a história do povo a que serve e que lhe dá vida; no entanto, somos obrigados, ao mesmo tempo, a conhecer de perto ou a conviver com a violência nas cidades, com cidadãos destituídos de seus direitos mais simples, com problemas e questionamentos para os quais a "comunidade científica", com todos os seus avanços, não consegue dar resposta ou indicar saídas (como a Aids, o buraco na camada de ozônio etc). A vida cotidiana nem sempre é generosa em metáforas nem, tampouco, esbanja suavidade.

Onde, então, buscar esse nutriente desejado, meio mágico, quase insólito, chamado leveza, e trazê-lo para perto, para todas as nossas produções e para nos permitir voar, o mais alto possível, "com sandálias aladas como Perseu", sem perder de vista aonde se deseja chegar? Viajar como os pássaros e não como a pluma, que, sem vontade própria, toma 0 rumo que o vento lhe der?

Penso que sejam os poetas, artistas em geral e as crianças quem, com mais facilidade, consegue estabelecer, em algum momento, uma relação tão leve com o mundo em que vive, que se torna capaz "de se

1 Calvino, 1991, p. 16.

Idem, ibidem.

Page 43: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

sustentar sobre o que há de mais leve - as nuvens e o vento".2

Em que fonte será que bebem os pintores que, como Monet, por exemplo, conseguem dizer tanto, por meio de uma química de formas e cores tão bela e fantástica quanto aparentemente simples e leve?

Que elemento diferenciador e determinante há na personali­dade de dois pintores famosos como Monet e Van Gogh, que, ao retratarem "girassóis", alcancem um resul tado estético tão diferente? Podemos dizer que, enquanto Monet retrata girassóis leves e brandos, os de Van Gogh, tão belos quanto os de Monet, exprimem a dor e o trágico?

E os poetas-músicos brasileiros, como Gilberto Gil, Dorival Caymmi e Tom Jobim, entre outros, que são capazes de penetrar na essência humana sem perder a brandura?

Subo neste palco, minha alma cheira a talco, como bumbum de bebê!

Gil

O samba da Maria Luiza, É bonito pra chuchu, Ela canta ela dança, menina O samba da Marilu, Marilu

Jobim

Gosto de tudo o que é truta Cheiro de tudo o que é flor, Mato molhado por fora, por dentro Casa, carinho e amor

Caymmi

Qual terá sido o papel da escola na formação desses cidadãos que se permitem usar, abusar e brincar com as imagens e com sua língua, exprimir seus sentimentos e suas formas próprias de ver a vida, sem cerimônia? Qual poderá ser o nosso papel, como professores, de abrir as portas da imaginação, da fantasia, da inventividade ampla como requisitos de acesso à leveza e a uma maneira bem-humorada, e até poética, de levar a vida?

É certo que, em nenhum momento, desejamos significar como leve o que é trivial, banal ou supérfluo! O professor leve, bem-humorado, via de regra é competente e seguro no trabalho que desenvolve; quase sempre é feliz, por trabalhar no que gosta e, assim,

Page 44: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

entende-se por que a parceria que estabelece com seus alunos é facilitada, e esta, em hora nenhuma, ameaça seu lugar de professor na sala de aula. Parece-nos, então, que competência, escolha acerta­da da profissão e alegria de viver facilitam o desabrochar da leveza, da ternura e de relações fraternas, além de bem-humoradas.

Também não podemos associar, impunemente, no que se refere à ação escolar, leveza, liberdade e prazer às escolas ditas "alternativas" - se contrapondo a um trabalho sério, competente e rigoroso, supostamente atribuído às escolas a que chamamos "tradicionais". Esta é uma relação equivocada que atribui acertos e erros a instituições que, por si sós, ou pelos adjetivos pelos quais são conhecidas, não nos permitem compará-las, nem julgá-las, sob o risco de estarmos sendo injustas com ambas.

É parte do nosso oficio, portanto, buscar traduzir e fazer presente no cotidiano escolar a crença na importância de sermos livres para voar, para criar e para viver com leveza grande parte dos momentos de nossas vidas, principalmente aqueles que passamos juntos com nossos alunos sem, no entanto, perder o elo comprometido e crítico com a realidade que nos cerca. É desejado e possível!

São, em geral, nossos próprios alunos que nos abrem os olhos, as portas e as janelas para o que é insólito, às vezes nonsense, contra­ditório; alunos que, muitas vezes, nos ensinam a embutir uma boa dose de graça, humor e leveza, mesmo em situações adversas:

- Sabe que eu já sei falar ingrês? - diz P. P, de 7 anos. - Não é ingrês que se fala! - retruca alto a professora. - Qué vê? Adivinha o que é um pontinho azul no céu? - Não sei - responde a professora. - É aula de português?! - Não, é um urublue, é claro! - E a turma toda cai na gargalhada. A professora não acha a menor graça e devolve sua impaciência

a P.P.: - Engraçado... por que no seu INGRES, o URUBLUE não virou

URUBRU? - referindo-se à "fala errada"de P.P.. Desta vez, P.P. mostrou o quanto é capaz de pronunciar corretamente o encontro consonantal [br], quando o mesmo faz sentido para ele, não é mesmo?

- Quem bateu no Sena, na corrida, foi o Prost, mas quem chegou depois foi o... aquele loiro!

E a turma toda dá uma boa risada ao perceber que o amigo, por associação de idéias, chamou de loiro o piloto conhecido como Moreno.

Aqui, a professora aproveitou para explorar as diferenças e se­melhanças físicas associadas aos locais de origem de cada piloto, suas características quanto à etnia, às diferentes culturas, às empre­sas patrocinadoras etc.

Page 45: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Portanto, para que a leveza e o humor freqüentem a escola, nos seus variados níveis, é preciso que se favoreça uma primeira ruptura. O binômio vida/escola precisa romper a contraposição histórica que sustenta a oposição, entre o que é sério e verdadeiro, ao que é divertido, prazeroso e, até mesmo, engraçado. A ação escolar, para a ser válida, não precisa ser enrijecida, nem sisuda, sob o risco de acabar se desmanchando no ar...

Em segundo lugar, é preciso brincar com as idéias, com os diferentes significados (pessoais) para haver construção (coletiva) de sentidos na turma. Gianni Rodari, em seu livro A gramática da fantasia, mostra-nos como é possível trabalhar com a língua, em situações vivas de linguagem, de forma lúdica e extremamente competente. Para que isso se torne possível, reforça a importância da imaginação e da fantasia presentes o tempo todo na escola, de modo a se tornarem possíveis as mudanças: "Para mudar a sociedade são necessários homens criativos que saibam usar sua imaginação (...) de­senvolvamos a criatividade de todos para mudar o mundo" .

Lendo os Fragmentos, de Novalis (1772-1801), ele encontrou uma iluminura extraordinária, que veio ao encontro de suas idéias. Lembra Rodari: "Se tivéssemos uma FANTASIA, assim como temos uma LÓGICA, estaria descoberta a arte de INVENTAR".

Em terceiro lugar, é importante observar que a leveza, como um valor, costuma andar de mãos dadas com a fantasia e a imaginação e, em geral, trafega pelas ruas onde circula o prazer. Na escola, o prazer e o desejo de todos não devem submeter-se aos desígnios da razão, ou seja, importa desenvolver o pensamento lógico e a cognição, em parceria com as demais dimensões humanas.

No mais, não podemos esquecer do que nos ensina Vigotsky, ao se referir à relação de constituição mútua entre pensamento-linguagem, ampliando, sempre que possível, os espaços de diálogo, de troca e de interação entre os alunos. Ele diz que "as estruturas de linguagens dominadas pelas crianças passam a constituir as estruturas básicas de sua forma de pensar" e ressalta a importância do espaço escolar para a constituição dos sujeitos, na medida em que favorece suas interações inter e intra-psíquicas, especialmente por meio da mediação estabelecida pela linguagem.

Será que não poderíamos supor e, a partir daí, iniciar uma reflexão sobre o papel da escola na constituição dos sujeitos, levando em conta que o prazer de aprender, a alegria e também a leveza podem ser valores construídos na ação escolar cotidiana, tanto quanto a solidariedade, a ética, a responsabilidade, o respeito e tantos outros?

3 Rodari, 1982. 4 Vigotsky, 1969.

Page 46: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Pontos para reflexão • É possível ser leve, responsável e conseqüente, ainda que tenhamos

consciência de todas as dificuldades do mundo que nos cerca, dentro e fora da escola.

• A leveza não tem como sinônimo a trivialidade ou a superficialidade. • A leveza não é um ingrediente presente nas escolas ditas "alternati­

vas", em contraposição ao trabalho que é sério e pesado, erradamente atribuído às escolas ditas "tradicionais".

• Os alunos trazem as piadas, a brincadeira e o bom humor para a escola e nós precisamos favorecer o aparecimento do riso, da graça e da alegria no cotidiano escolar, sem que isso signifique uma ameaça à "autoridade" do professor.

Bibliografia

BERMAN, M. Tudo o que é sólido desmancha no ar. São Paulo, Companhia das Letras, 1990. O livro apresenta uma visão dos tempos modernos e investiga o espírito da sociedade e da cultura dos séculos XIX e XX, considerando as variadas áreas do saber: crítica literária, ciência econômica e política, arquitetura, urbanismo e estética.

CALVINO, ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo, Companhia das Letras, 1991. O livro apresenta, "em meio a uma aguda crise contemporânea da linguagem", quais são as qualidades que apenas a literatura pode salvar (leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência), no próximo milênio, visando nortear não apenas a literatura, mas os gestos da existência humana.

FOUCAMBERT, M. A leitura em questão. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994. O estudioso francês dedicou-se basicamente à leitura, diferenci-ando-a da realização e da leitura feita em voz alta, situações freqüentes na escola. Compreende-a como "uma linguagem que foi feita para os olhos" e garante que o processo de leitura re­sulta de 20% de informações visuais, provenientes do texto, e 80% de informações que provêm do leitor.

KUNDERA, M. A insustentável leveza do ser, Rio de Janeiro, Rio-Gráfica, 1986. O autor busca, nesse livro, desenvolver uma reflexão aguda sobre a condição humana e questiona as certezas pré-fabricadas pelas ideologias a partir da vida de quatro personagens principais.

Page 47: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

RODARI, G. A gramática da fantasia. São Paulo, Summus, 1982. O livro mostra como pode ser possível investigar a língua em situações de linguagem viva, de maneira lúdica e bastante criativa, daí sua importante contribuição para o trabalho escolar com produção de textos. O autor revela e analisa diferentes técnicas de invenção que contribuem para uma ação escolar produtiva, que não prescinde da imaginação e da criatividade.

VIGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fon­tes, 1969. Nesse livro, o autor mostra sua concepção sobre o desenvolvimento das funções mentais superiores e da constituição dos sujeitos, sob a óptica da vertente sócio-histórica da Psicologia.

Page 48: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

DE TUDO, UM POUCO

Ana Teresa de C. C. de Oliveira Christina Cardoso

Qual é o problema? Quando nós, educadores, nos reunimos para pensar sobre a prática

escolar, no que se refere à Matemática, e então traçamos as metas para o trabalho pedagógico, não hesitamos em reconhecer que o conhecimento matemático, no ensino fundamental, deve estar a serviço da formação da cidadania, pois a Matemática é uma lingua­gem que permite a leitura do mundo, a descrição e a relação entre vários aspectos da realidade com vistas à transformação.

Não raro, também, destacamos a importância crucial do contex­to para a construção de conceitos e suas significações, à medida que ele permite estabelecer as devidas conexões entre Matemática e vida, o que vem ao encontro da idéia de desenvolver uma educação que aponte para a formação do cidadão.

Contudo, quando nos voltamos para a prática propriamente dita, ainda encontramos um ensino, muitas vezes, centrado em instruções para aquisição de procedimentos e técnicas operatórias, com pouco investimento nas atividades que exigem elaboração própria, pesquisa,

Ana Teresa de C. C. de Oliveira é mestre em Matemática pela PUC/RJ.

Christina Cardoso é professora de Matemática no Colégio Pedro II, RJ.

Page 49: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

investigação, argumentação coerente, formulação de hipóteses, interpretação e testagem de resultados, habilidades tão necessárias à inserção de qualquer indivíduo no trabalho, no universo cultural e no espaço das relações sociais.

Tentar reverter esse quadro exige, certamente, clareza a respeito de qual aluno queremos formar e, conseqüentemente, uma redefinição do papel do professor, novos objetivos, conteúdos e estratégias metodológicas, de forma a conseguirmos mudanças significativas.

A resolução de problemas ocupa um lugar de muita importância, numa proposta que vise ao que acabamos de priorizar. Não como uma aplicação imediata de algoritmos e conceitos recentemente apreendidos, mas como uma atividade que realça a importância principal dos conteúdos matemáticos escolares. Esses são recursos disponíveis e necessários, além de outras habilidades a serem desenvolvidas, para que nossos alunos possam propor bons problemas e boas soluções às questões que surgem no cotidiano da escola e da vida.

Aliás, é o momento de lembrar que a literatura qualificada que trata da história da Matemática nos mostra, claramente, que o conhecimento matemático vem se construindo e evoluindo para atender a problemas propostos pelo ambiente no qual o homem vive, como a necessidade de demarcar terras, o que impulsionou o estudo da Geometria, controlar marés etc. E também para atender a desafios propostos pela própria Matemática ou áreas afins, como Física, Química e outras.

Não podemos deixar de destacar, também, a importância dos problemas para a construção de conceitos. "A resolução de problemas foi e é a coluna vertebral matemática desde o Papiro de 'Rhind'."

O problema a seguir é interessante para conceituarmos o que é medir e, com seus desdobramentos, será possível descobrir a neces­sidade de usarmos a unidade-padrão: "Medir a altura da porta utilizando diversos objetos."

O que pode ser considerado um bom problema? Certamente, aquele que envolve o aluno na sua solução-resposta, que,

apesar de rápida, curta e objetiva, é capaz de nos envolver numa conversa interminável. Se tivéssemos a pretensão de esgotar este assunto na sua totalidade, no decorrer deste texto, estaríamos diante de um problema sem solução, como vários outros na nossa vida!

Vamos, contudo, pensar em algumas das características impor­tantes de um bom problema.

Os problemas devem ser desafiadores e interessantes, a fim de que haja motivação para se buscar uma forma de resolvê-los. Precisa-

1 Polya, 1977.

Page 50: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

mos lembrar, contudo, que, muitas vezes, o que nos interessa pode não interessar aos nossos alunos e, muito mesmo, a todos eles. Sur­ge, então, a necessidade de trabalhar de forma diversificada, quem sabe com grupos de alunos, dando oportunidade para que cada grupo exponha seus problemas e soluções, idéias e argumentos, para justificar sua resposta e conhecer, também, quais encaminhamentos seus colegas dariam para os problemas que não foram os seus.

É importante que um problema permita solução por meio de vários encaminhamentos diferentes, os quais os alunos devem ser estimulados a descobrir. A utilização de recursos geométricos e gráficos, que muitas vezes não são valorizados, deve ser incentivada numa perspectiva de explorarmos o conceito nos vários contextos - aritmético, geométrico, algébrico...

Vamos observar a resolução dada por um aluno a um velho pro­blema que, para muitos, parece só ter solução algebricamente: "Entre galinhas e porcos, há nove cabeças e 28 patas. Quantas galinhas e quantos porcos possuo?"

Cada bicho, segundo ele, mora em uma casinha. Ele representou as nove casinhas porque percebeu que ao número de cabeças pode corresponder o número de animais:

Cada um deles tem, com certeza, pelo menos duas patas. Lá foi ele e colocou diante de cada casa as duas patas que cada um tem:

Mas não conseguiu dar conta de distribuir todas as 28 patas. Começou, então, a acrescentar as 10 patas restantes, duas a cada animal, até não sobrar nenhuma. E assim fez:

As últimas patas foram usadas na quinta casa. Quem tem quatro patas, galinhas ou porcos? Temos então o problema re­solvido: são cinco porcos e quatro galinhas.

Page 51: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Acabamos de ver a Geometria como um recurso para facilitar a visualização da situação proposta e de processos mentais envolvidos na resolução de um problema.

No decorrer das discussões com os alunos a respeito dos pro­blemas, constitui uma estratégia interessante criar novos proble­mas mudando as condições do problema inicial, depois que ele for solucionado, ou até mesmo introduzir algumas modificações na situação inicial, o que podemos fazer instigando-os com a per­gunta "o que aconteceria se...".

Imagine o problema proposto aos nossos alunos: "Pedro, Luiza e Cristiano se propuseram um desafio: quem chega mais rápido à banca de jornal, sem correr, somente andando depressa? Pedro completou a prova em três minutos e Luiza em quatro minutos. Quem chegou primeiro?"

Sem dúvida, é preciso perceber que um dado da maior impor­tância foi omitido: o tempo gasto por Cristiano para chegar à ban­ca. A partir desta descoberta, muitas outras questões podem ser propostas. Por exemplo: "Podemos escolher um tempo para Cristiano que lhe dê a vitória? Que tempo atribuir a Cristiano para Pedro ser o vencedor?"

Certamente, não é só a quantidade de problemas propostos que está em questão, mas a qualidade desses problemas. Os alunos precisam vivenciar tanto o prazer em encontrar soluções rapidamente quanto o esforço para descobrir o melhor caminho na solução de um problema que exige maior elaboração. E até, quem sabe, serem colocados diante de problemas impossíveis de serem resolvidos! Essas situações são estranhas a muitas crianças, por várias razões.

Algumas delas estão sempre diante de problemas que têm sua solução em pouquíssimos minutos. E aí passam a acreditar que os problemas podem, sempre, ser solucionados num piscar de olhos. Outras estão sempre diante de problemas mirabolantes. Não dá nem vontade de tentar resolvê-los. E muitas outras nunca foram colocadas diante de situações impossíveis. Por falar nisso, quem sabe propor aos nossos alunos, numa boa oportunidade, que tentem construir um quadrado usando seis peças do Tangram ?

Para que se tornem, então, brilhantes na resolução de proble­mas, devem se envolver com uma variedade deles, alguns mais simples, outros não. É fundamental que tenham experiências de sucesso, mas, também, que saibam lidar com situações de maior dificuldade, inclusive tolerar pequenas frustrações.

2 Antigo jogo chinês, de sete peças, que lembra um quebra-cabeças. (N.E)

Page 52: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Segue exemplo de um desafio bastante interessante: Reproduzir a figura abaixo, sem tirar o lápis do papel.

Falamos muito, até agora, dos tipos de problemas que podemos explorar na sala de aula. Mas qual deve ser a nossa postura e a dos alunos nessas atividades?

Antes de mais nada, é importante que nossos alunos sintam que nós somos pessoas que também resolvem problemas, e que nem sempre temos respostas para tudo. Uma boa maneira de nos colocarmos dessa forma diante deles é inverter os papéis e dar oportunidades aos alunos de proporem seus problemas a nós, aos colegas de outro grupo e vice-versa. O trabalho cooperativo encora­ja-os à discussão e à troca de soluções alternativas e variadas. As crianças, ao proporem problemas, sentem-se fortalecidas, ao mesmo tempo que se exercitam na sua capacidade de colocar em diálogo a lógica, a Matemática, a criatividade e a imaginação.

Quando os alunos estiverem resolvendo problemas, nosso lugar é o de orientador e incentivador para a busca de solução, e não de quem está ali para fazer julgamentos entre certo e errado, uma vez que conhece a resposta correta do problema proposto.

Veja quantas relações lógicas podem ser construídas pelas crianças diante da proposta que segue. A medida que vão avançando na solução, podemos fazer intervenções que permitam novas elaborações.

Podemos criar um problema sobre esses dados e pedir que nossos alunos resolvam, ou podemos oferecer uma lista para que montem seus próprios problemas.

Imagine a quantia acumulada por oito moedas de 50 centavos, cinco de 25 centavos, cinco de 10 centavos e 11 de cinco centavos. Os produtos listados abaixo estão disponíveis para venda:

- Uma caixa de cereais por R$ 1,60 - Uma caixa de leite em pó por R$ 0,40 - Uma dúzia de ovos por R$ 0,90 - Uma lata de goiabada por R$ 1,20 Agora, use essas informações e monte um problema.

Page 53: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Se pensarmos nas várias possibilidades de construção que os dados permitem, temos desde as mais simples até as mais sofisticadas.

Questões do tipo "quantas moedas temos ao todo?" envolvem um grau de elaboração bem menor do que, por exemplo, "você tem dinheiro que dê para comprar um de cada item?" Essa segunda indagação pode, ainda, ser complexifícada, se acrescentarmos: "Se não tem, quanto falta?"

É importante percebermos que o grau de complexidade de um problema não é determinado pela quantidade de informa­ções que ele envolve.

Compare, por exemplo, estas duas alternativas: a que pergun­ta "quanto falta para comprar um de cada?" e a que propõe algo do tipo "se eu comprar uma caixa de cereal, quantas caixas de leite em pó posso comprar?"

Na primeira pergunta, os preços de todos os produtos estão em questão, porém a situação envolve raciocínio elementar. Na segunda, somente dois preços estão em questão. Contudo, as estratégias de raciocínio exigidas envolvem maior elaboração.

Não podemos, mais uma vez, esquecer que a escolha dos problemas deve atender aos objetivos que queremos atingir: as construções conceituais a que visamos, os procedimentos e atitudes que queremos desenvolver. E, ainda, que a clareza do seu texto, quanto aos dados que fornece e às informações que pede como resposta, é da maior importância para que a solução esteja ao alcance dos alunos.

Há também uma questão de extrema importância quando pensamos na resolução de problemas. Resolver problemas tanto pode ser entendido como uma meta do nosso trabalho, quanto como uma estratégia para aprender. Estamos o tempo todo destacando a importância das explicações, argumentações, alternativas de solução e definição de estratégias como elementos necessários à construção da autonomia. Ao valorizarmos, então, a solução de problemas como metodologia, temos que entender a avaliação do desempenho de nossos alunos como um processo permanente, realizado com regula­ridade, que dê crédito não só às respostas corretas mas também às explicações e estratégias apresentadas.

Pontos para reflexão

• Os conteúdos matemáticos escolares devem ser entendidos como os recursos disponíveis e necessários, além de outras ha­bilidades a serem desenvolvidas, para que nossos alunos possam propor bons problemas e boas soluções às questões que surgem no cotidiano da escola e da vida. Que situações de vida o pro-

Page 54: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

fessor pode utilizar a fim de explorá-las utilizando-se da resolução de problemas?

• Nós, professores, devemos nos colocar diante dos alunos como indivíduos que também buscam soluções para problemas, e entender as crianças como indivíduos que não só resolvem, mas também propõem problemas. Qual a importância de mostrarmos às crianças essa diversidade de situações diante do entendimento do termo "problema"?

• Os problemas propostos devem variar entre simples, mais elaborados, que permitem mais de uma resposta e, até, incluir alguns sem solução possível.

• Como tornar o trabalho de resolução de problemas mais dinâmico?

Sugestão de atividades Partindo de situações de vida das crianças, o professor discutirá junto

com elas a possibilidade de as afirmativas apresentadas serem verdadeiras ou não. Vão, aqui, algumas sugestões: durante a conversa é fundamental que elas justifiquem suas respostas; no caso de situações impossíveis, quais seriam as possibilidades de termos uma situação possível?

- Eu sou 20 anos mais nova do que minha mãe. Seria possível ser cinco anos mais nova do que a mãe? Por quê? - Eu moro num prédio de 20 andares e meu apartamento fica

no 22° andar. Qual o andar mais alto onde se pode morar nesse prédio? - Minha avó é um ano mais velha do que minha mãe. Este cai na mesma discussão relacionada à primeira afirmação

desta lista. - Eu levo três dias para chegar à escola. É possível que esse aluno venha diariamente à aula, indo e voltando

todo dia para casa? - Com dez reais fiz uma compra de trinta reais e ainda recebi troco. Quais são as condições de compra que envolvem troco?

Bibliografia DANTE, Luiz R. Didática da resolução de problemas em Matemáti­

ca. São Paulo, Ática, 1991. O livro aborda a resolução de problemas de forma ampla: discute a importância desse recurso pedagógico para a construção de conceitos, a adequação dos problemas àqueles que irão resolvê-los, as várias formas de propor problemas e sugestões para o trabalho do professor.

Page 55: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

LORENZATO, Sérgio. Por que não ensinar Geometria? In: A educa­ção matemática em revista, SBEM, 3:3-13, Io sem. 1995. Lorenzato discute a ausência da Geometria na escola, o trabalho mal realizado, as razões de se estudar Geometria, bem como as tendências recentes para o trabalho de 1a a 4a séries.

McLEOD, Douglas B. Affective responses to problem solving. In: The Mathematics teacher, 86 (9): 761-763, dez. 1993. O texto aborda alguns aspectos envolvidos no trabalho com problemas, como problemas adequados, a postura do professor di­ante dos problemas e a importância de se colocar como quem tam­bém resolve problemas. A revista citada pode ser encontrada na biblioteca do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA/RJ).

National Council of Teachers of Mathematics. Curriculum and Evaluation Standards for School Mathematics. Association Drive, Reston, Virgínia, 1989. O trabalho consta de diretrizes para orientar a reforma do ensino de Matemática, em termos do que deve ser incluído, com que prioridade ou ênfase.

PIRES, Célia M. C. MANSUTTI, Maria A. & SOARES, Maria T. P. PCN. Parâmetros curriculares nacionais - Documento preliminar, Matemática, MEC/SEF, nov. 1995. O trabalho consta de uma proposta de parâmetros norteadores para a construção do novo currículo, abrangendo desde os objetivos que a Matemática no ensino fundamental deve ter até os conteúdos presentes em cada série e suas respectivas abordagens.

POLYA, G. A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro, Interciência, 1977. Nesse texto, encontramos uma ampla discussão a respeito de "problemas" e sua importância para o desenvolvimento dos alunos.

SOUZA, Eliane. A hora certa para o ensino da divisão. In: revista Nova Escola, 10(92), abril 1996. No texto, são abordadas diversas formas de realizar uma divi­são: material dourado, cálculo mental e representação gráfica, e a conta armada.

Page 56: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

MOVIMENTOS SOCIAIS:

UM ESTUDO

Eliana Tereza de Andrade Freitas Caboclo Maria de Lourdes de Araújo Trindade

A INFÂNCIA RECUPERADA

O dia é especial. O salão da Associação dos Moradores de Guandu, em Campos dos Goitacazes (RJ), está cheio de gente. Do lado de fora, grupos de pais e mães conversam sob o sol de 40° C. O fusquinha que vai trazer o pagamento está atrasado, teve problemas mecânicos. Nesse ambiente infor­mal, pais e educadores do Projeto Desafio conversam entre si sobre o traba­lho educacional que está sendo feito com as 280 crianças, de 7 a 14 anos, que foram retiradas dos canaviais e matriculadas em escolas públicas...

A FAVELA DE ALAGADOS CONSTRÓI UMA ESCOLA MODELO

A favela de Alagados, uma das maiores do mundo, construída sobre a água, com palafitas, está situada na área mais poluída da baía de Todos os Santos, na Bahia. A favela não possui esgoto, água encanada, energia elétrica nem escola para as crianças.

Cansados de esperar alguma ação do governo, seus habitantes fundaram a Sociedade 1° de Maio. Identificaram como necessidade mais urgente a cons­trução de uma escola. Mobilizaram-se com a ajuda de dois agentes pastorais e, com o dinheiro proveniente de quermesses promovidas pela igreja local, inaugura­ram a escola, no dia 12 de outubro, com espaço para atender a 70 crianças.

Eliana Tereza de Andrade Freitas Caboclo é professora de História da rede pública do RJ. Maria de Lourdes de Araújo Trindade é mestre em Educação pela PUC/RJ.

Page 57: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Esses são dois exemplos, entre muitos outros que poderíamos citar sobre como a organização da comunidade pode resolver problemas que muitas vezes se mostram insolúveis devido à inoperância dos órgãos governamentais.

Nos últimos anos, com as mudanças na conjuntura político/econômica do país, no que diz respeito a uma maior internacionalização da economia, vem-se percebendo que a identificação e propostas de solução dos problemas que afligem as comunidades deslocam-se do nível macro (instância governamental) para o nível micro (movimentos populares).

Os movimentos populares ou sociais são organizações que reúnem o povo com a finalidade de somar esforços para atingir objetivos comuns ou garantir certos direitos. Alguns exemplos: lavradores que lutam pela terra; moradores de um bairro, vila ou favela que se articulam para conseguir casa própria, rede de esgotos, transporte, postos de saúde, luz, creche para as crianças e centros de lazer.

Ao voltarmos no tempo, veremos que o povo sempre lutou e continua lutando. Não nos deixam mentir movimentos que tentaram resistir à opressão e mudar a sociedade brasileira: os cabanos, os balaios, os alfaiates da Conjuração Baiana, os seguidores de Antônio Conselheiro, em Canudos, e tantos outros mais.

Por que a história tradicional inventou o mito de que o povo brasileiro não luta?

Por trás do mito há o interesse das elites em manter seus privilégios. Por isso, a história oficial é feita pelos "grandes homens e pelos heróis da pátria", indivíduos que detêm o saber, a moral e a religião.

O povo é menosprezado e considerado "ignorante", "preguiçoso", "baderneiro", e assim sendo deve ser passivo, respeitando e aceitando o papel que lhe é destinado pela sociedade.

Mas o que vemos, na realidade, é um povo que no seu dia-a-dia trabalha e luta; enfrenta nas grandes metrópoles trens superlotados; no campo, viaja como gado nos caminhões de boias- frias. É esse mesmo povo que, apesar da adversidade, se organiza em movimentos para reivindicar seus direitos, denunciar injustiças e buscar soluções para os problemas cotidianos.

Um exemplo, vivido hoje na área rural, é o Movimento dos Trabalha­dores Rurais Sem-Terra. Fundado em 1982, surgiu em função da grande concentração de propriedades agrícolas nas mãos de poucos latifundiários, que ainda submetem os trabalhadores rurais ao desemprego, dificultando o acesso à terra, devido aos preços elevados, ou mesmo expulsando os que possuem pequenas propriedades.

Esse movimento visa agrupar todos os agricultores expulsos de suas terras na luta pela reforma agrária, baseado no princípio: Terra nas mãos de quem trabalha.

Page 58: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Do mesmo modo, nas cidades onde vive a maioria dos brasileiros, o desemprego e o subemprêgo se multiplicam. Nelas, os investimentos estatais se direcionam prioritariamente para obras e serviços que beneficiam as grandes empresas ou os bairros luxuosos; em conseqüência, as camadas populacionais mais desprovidas são normalmente entregues à própria sorte.

Essa situação faz surgir associações ou movimentos sociais urbanos, os "sem-teto", formados centenas de famílias que da noite para o dia se apossam dos terrenos ociosos que existem nas cidades e aí procuram fixar moradia. Os problemas, evidentemente, são inúmeros: repressão policial, conflitos com fiscais municipais e com "seguranças" etc. Mas a resistência desses invasores ou ocupantes faz, muitas vezes, com que saiam vitoriosos, garantindo um lugar para construírem suas casas.

Outros tipos de associação e movimentos poderiam ser citados. Segundo Frei Betto, eles são assim classificados:

• Movimentos pastorais: articulações ligadas às igrejas, como as Comunidades Eclesiais de Base, a Comissão Pastoral da Terra e a Pastoral Operária;

• Movimentos específicos: organizações que lutam pelos interesses de certos grupos sociais que sofrem discriminação, como é o caso dos grupos União e Consciência Negra e União das Nações Indígenas, ou grupos de militância homossexual, como o ATOBÁ;

• Movimentos sindicais: órgãos de representação das categorias profissionais. Há sindicatos patronais e sindicatos de trabalhadores;

• Movimentos políticos: agrupam pessoas dentro de um partido político ou uma organização pró-partidária, tendo em vista a conquista do poder político segundo um programa e uma ideologia.

Todo esse assunto deve ser levado para a sala de aula, pelas áreas de Geografia e História, entre outras. Isso porque uma das missões-chave do sistema educacional é contribuir para que alunos e alunas possam reconstruir a cultura que essa sociedade considera indispensável para poderem ser cidadãos e cidadãs ativos(as), solidários(as), críticos(as) e democráticos(as). Sendo assim, não podemos deixar que fatos como greves, invasões de ter­ras, massacres de indígenas, desapropriações etc. sejam meras notícias que, à noite, os alunos assistam nos jornais da TV, sem conseguir fazer as correlações necessárias para entendê-los.

É muito importante que os alunos vejam que suas bandeiras de luta não são apenas suas, mas de toda a sociedade. Assim, a luta do negro pelo reconhecimento de sua identidade, contra o preconceito e a discriminação é uma luta de todos. Do mesmo modo, a luta pelo saneamento básico não é uma luta dos bairros pobres e das favelas, mas de todos nós. Diante de uma epidemia como o cólera, de repente todos tomam consciência disso.

Page 59: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Atendendo à nossa solicitação, alguns Telepostos nos enviaram experiências bem-sucedidas de projetos sociais, com a participação de alunos e professores nas comunidades em que vivem e trabalham.

Projeto Serra da Mesa

O Projeto Serra da Mesa, desenvolvido junto à comunidade de Uruaçu (Goiás), teve o objetivo de analisar os impactos físicos, econômicos, sociais e políticos, em vista da construção de uma hidrelétrica na região. A partir do acompanhamento do projeto, procuraram identificar os problemas e os benefícios que essa construção acarretaria, inclusive com a projeção das mu­danças sociais e econômicas para o município de Uruaçu. O projeto constou de visitas de alunos e professores, que entrevistaram os responsáveis pela obra, e de reuniões com a população do município, bem como com as autoridades do Executivo e do Legislativo, para avaliar o entendimento do impacto da obra na região.

Houve exposições de fotografias, redações de alunos e retorno dos resultados obtidos aos responsáveis pela construção.

Segundo os participantes, esse trabalho surtiu efeitos junto aos construtores e à população, no que diz respeito a uma maior consci­ência sobre os impactos da obra em Uruaçu.

Vila Vintém

O outro trabalho foi desenvolvido pela professora Zenite, do CIEP (Centro Integrado e Educação Pública) Mestre André, em Vila Vintém, no Rio de Janeiro, na turma da 2a série/203.

O trabalho foi realizado em várias etapas: 1. Vôo da imaginação: a turma foi incentivada pela professora a

imaginar a Vila Vintém dentro de 104 anos. 2. Debate em rodinha: O que seria varrido de Vila Vintém? O que

poderíamos manter e trazer como novas formas de melhorias? As crianças compuseram a seguinte tabela:

VARRERÍAMOS APRIMORARÍAMOS

bandidos muita água tiros academia de ginástica

falta de privacidade e liberdade amizade entre vizinhos PMs padarias

sujeira shoppings bichos soltos pela rua restaurantes

museus etc.

Page 60: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

3. Construção de maquetes, representando a Vila Vintém no ano 2100. 4. Produção de textos, explicando cada elemento das maquetes,

como, por exemplo: "MUSEU: Neste museu estarão as relíquias do passado, quer dizer, 'coisas do passado', como: armas dos marginais, pedaços dos barracos, chicotes, pipas de alarme, fardas dos PMs etc." (Fábio)

COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, PASTORAL DO MIGRANTE

De Brumado, na Bahia, nos enviaram os projetos que estão sendo desenvolvidos pelas Comunidades Eclesiais de Base:

• Associação de moradores; • Clube de mães; • Movimento de mulheres - trabalho de ratificação de documentos

pessoais das trabalhadoras rurais para fins de aposentadoria; • Pastoral do Menor, Pastoral da Criança e Pastoral do Migrante. Em relação à Pastoral do Migrante, os seus projetos estão sendo desen­

volvidos pelo SPM (Serviço Pastoral dos Migrantes), organismo ligado ao Setor Pastoral Social da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que tem como objetivo a animação e articulação, em âmbito nacional, de todos os serviços realizados com migrantes internos e estrangeiros.

Suas áreas de atuação são:

1. Migrantes sazonais (temporários)

a) Quem são: Lavradores, pequenos proprietários, meeiros, camponeses sem terra

que vivem na roça, nos povoados ou periferias das cidades, nos estados do Nordeste, em Minas Gerais, Paraná (regiões de origem). Não encontrando as condições de sobrevivência, deslocam-se em busca de trabalho nas regiões da agroindústria (SP, MS, MT, PE, GO) para as colheitas de cana, café, laranja, algodão, para a construção civil e traba­lhos domésticos. São homens, mulheres, adolescentes e até crianças que, durante um período do ano, permanecem distantes de sua terra.

b) Atividades prioritárias: • Missões populares nas comunidades de origem; • Promoção de visitas pastorais de bispos e agentes das dioceses

de origem às regiões de destino dos migrantes; • Visitas e celebrações nos alojamentos e pensões; • Encontros de migrantes. Cursos de formação; • Apoio e assessoria em questões trabalhistas; • Elaboração de subsídios populares sobre migração; • Textos de informações e conscientização para os movimentos

comunitários.

Page 61: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

• Encontros nacionais sobre trabalho sazonal; • Eventos culturais: shows, festivais; • Publicação mensal do boletim Cá e Lá. c) Linhas de ação: • Intercâmbio entre as duas realidades: origem/destino; • Sensibilização da Igreja e da sociedade (poder público, sindica­

tos, meios de comunicação etc); • Articulação e aprofundamento em âmbito nacional sobre o tra­

balho sazonal/temporário; • Respeito e valorização da cultura dos migrantes; • Apoio às formas alternativas de resistência na terra e às reivindi­

cações dos trabalhadores migrantes; • Envolvimento das Igrejas de origem e destino, bem como de

sindicatos e outras organizações populares.

2. Migrantes nos centros urbanos

a) Quem são: Hoje, quase 80% da população brasileira vive na zona urbana.

Entre esses milhões que trocaram o campo pela cidade, há grupos específicos de nordestinos, mineiros, empregadas domésticas, estu­dantes, operários da construção civil, entre outros. A maioria vive em favelas, cortiços, loteamentos clandestinos ou na rua. Em geral, são analfabetos, desempregados ou subempregados. Embora subme­tidos às piores condições de vida e trabalho, são portadores de gran­de riqueza cultural e religiosa.

b) Atividades prioritárias: • Formação de grupos de acolhida nas comunidades e bairros; • Atividades culturais e religiosas: valorização da cultura do migrante; • Apoio à luta por moradia digna; • Pressão junto ao poder público na garantia dos direitos; • Acompanhamento a grupos específicos, por região de origem e

por categoria. c) Linhas de ação: • Apoio ao movimento pela reforma agrária e reforma urbana; • Luta contra todo tipo de discriminação dos migrantes; • Resgate da memória histórico-cultural dos grupos; • Conscientização em vista de uma inserção nas Cebs (Comuni­

dades Eclesiais de Base); • Movimentos populares e outras formas de organização de base; • Contribuição para a busca conjunta de uma pastoral urbana; • Apoio às lutas de conquista e/ou defesa dos direitos fundamen­

tais à vida.

Page 62: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

3. Estrangeiros latinos: hispano-americanos

a) Quem são: Imigrantes de países hispano-americanos da nossa "Pátria grande" latino-

americana, forçados a migrar para o Brasil por motivos políticos e/ou econômicos. A maioria vive uma clandestinidade forçada. A Lei dos Estrangeiros e a burocracia impedem sua legalização. Por estarem sem documentos, os seus filhos são impedidos de estudar. Por tudo isso, vivem uma negação da cidadania e conseqüente discriminação. São explorados por patrões, advogados e despachantes e não são atendidos nos órgãos governa­mentais, por estarem excluídos legalmente.

b) Atividades prioritárias: • Encontros celebrativos culturais/informativos; • Estudo e elaboração de proposta para uma nova Lei dos Estrangeiros; • Assessoria jurídica na documentação; • Reflexões bíblicas; • Promoção de visitas pastorais de bispos e equipes de pastoral

migratória dos países de origem; • Intercâmbio entre os grupos; • Elaboração do boletim Nosotros, em espanhol; • Encontros nacionais a cada dois anos; • Seminários de aprofundamento. c) Linhas de ação: • Defesa e/ou conquista da cidadania; • Organização em comunidades; • Resgate da cultura — memória de cada povo; • Formação de lideranças; • Articulação em âmbito nacional, d) Novos desafios: • Refugiados, marinheiros nômades; • Acompanhamento a outras etnias; • Brasileiros no EUA e no Japão.

4. Migrantes na Região Norte (fronteira agrícola)

a) Quem são: Nas últimas décadas, a Região Norte do país foi o local de destino de

muitos migrantes. Vinham sobretudo dos estados do Sul, mas muitos eram nordestinos com várias etapas migratórias, em busca da nova fronteira agrícola, "o Eldorado". A ilusão foi grande: as promessas não se cumpriam e as condições eram péssimas. Muitos acabaram se estabelecendo na periferia das cidades; outros migraram para mais além; outros, ainda, retornaram aos estados de origem ou de procedência. Hoje, verifica-se um grande re­fluxo, quase sempre de gente empobrecida.

Page 63: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

b) Atividades prioritárias: • Encontros de migrantes em âmbito local e regional; • Cursos de formação de lideranças; • Apelo às alternativas comunitárias e movimentos populares; • Promoção da Semana do Migrante; • Trabalho conjunto com Pastorais, entidades, movimentos, asso­

ciações; Festival de Música; • Elaboração do jornal O Migrante, de audiovisuais e de subsídios; • Romarias da terra; • Pesquisas; • Alojamento e assistência aos imigrantes. c) Linhas de ação: • Apoio às formas alternativas e populares de resistência na

terra; • Trabalho conjunto com outras forças e organizações de base; • Atenção especial à cultura e religiosidade do migrante; • Acompanhamento aos migrantes em trânsito; • Estudo e aprofundamento permanente do fenômeno das

migrações. Os projetos aqui apresentados exemplificam de que forma a escola

e a comunidade podem participar na formação de uma consciência crítica, objetivando a construção da cidadania.

Gostaríamos de finalizar este texto com palavras do jurista Dalmo de Abreu Dallari: "A melhor garantia de que os direitos de todos serão respeitados é o interesse de cada um pelos seus direitos. Quando muitos ficam indiferentes perante as injustiças e as ofensas ao direito, fica mais fácil para os arbitrários não respeitá-lo ou usá-lo com malícia para favorecer aos seus interesses".

Pontos para a reflexão • Os movimentos sociais fazem parte da vida cotidiana. É preciso

que façam parte do currículo? • É papel da escola ficar em sintonia com esses movimentos, trazendo

discussão de suas ações e conseqüências para a sala de aula. • O direito de ser cidadão tem que ser conquistado; ele só é

conquistado pelo exercício desse direito.

Sugestão de atividades Colocar para a classe o seguinte desafio:

Você já percebeu que participa de diferentes grupos?

Page 64: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

1. Observe a representação abaixo:

a) Coloque o seu nome no centro e pinte, usando cores diferen­tes, os grupos a que você pertence.

b) Você pertence a todos esses grupos? c) Compare o seu gráfico com o de um colega. O que você constatou? 2. Observe o esquema abaixo. Nele, estão representados diferen­

tes grupos. Pinte, utilizando cores diferentes, os grupos a que você e sua família pertencem.

3. Construa um gráfico representando os grupos aos quais pertencem as famílias dos alunos. Discuta os resultados com seus colegas.

Page 65: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Bibliografia

ANDRADE, Manuel Correia de. Lutas camponesas no Nordeste. São Paulo, Ática, 1989. A obra faz uma síntese das lutas travadas pelos camponeses em relação à propriedade da terra e por melhores condições de traba­lho. Inicialmente, mostra como se formou na região uma socieda­de de classes e como a terra foi apropriada, provocando os grandes desníveis econômicos e sociais existentes no Nordeste.

BETTO, Frei. Introdução à política brasileira. São Paulo, Ática, 1986. Livro didático que tem o objetivo de ajudar a formar a consciên­cia crítica e a percepção das contradições que acompanham o movimento histórico brasileiro. Recomendado a alunos e profes­sores que queiram discutir questões atuais brasileiras.

CHIAVENATO, Júlio José. As lutas do povo brasileiro (Coleção Polêmica). São Paulo, Moderna, 1988. No livro são apresentadas as lutas do povo brasileiro, desde a resistência indígena até o massacre de Canudos. Um texto que procura reconstruir a verdade e desmascarar a hipocrisia da história escrita pelos vencedores.

SILVA, Tomaz Tadeu. Alienígenas na sala de aula — Uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, Vozes, 1995. A pesquisa e a crítica educacional apenas começam a se dar conta da importância dos instrumentos e contribuições dos Estudos Culturais. Num mundo marcado pela diversidade cultural e a emergência de inúmeros e variados movimentos sociais, a escola não pode afastar-se dessa análise. Nesse livro, encontra-se uma recomendação bem argumentada para se desenvolver esse trabalho.

Page 66: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

A TRAMA DO DRAMA

Márcia Feldman Mônica Dias Pinto

O distinto público imagine à sua direita uma igreja, da qual o centro do palco será o pátio. A saída para a rua

é à sua esquerda. O resto é com os atores.

Palhaço, personagem da peça Auto da Compadecida,

de Ariano Suassuna

Sombras, silhuetas de corpos que se movem e fazem movimentos como se contassem uma história. Ouvimos apenas alguns sons. A luz, que revela a cena, é pálida e oscilante...

São cenas que hoje podem estar presentes em inúmeras tramas. Podem representar um grupo de fugitivos da lei, escondidos, ou um grupo de adolescentes em um acampamento, ou, ainda, pessoas orando e conversando baixinho em um velório.

Essas situações, tão díspares, são compostas por alguns elementos básicos: a ação e o movimento de corpos humanos e um fraco foco de luz.

Acreditamos que essas mesmas cenas, aplicáveis a distintos contextos dramáticos, representados nos últimos séculos, faziam também parte do cotidiano de agrupamentos pré-históricos. A partir

Márcia Feldman é mestre em Educação pela PUC/RJ.

Mônica Dias Pinto é mestre em Educação pela PUC/RJ.

Page 67: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

de certas pesquisas arqueológicas chega-se atualmente à conclusão de que, possivelmente, à noite, homens se reuniam em torno da fogueira e se comunicavam por meio de gestos e sons. Por isso, supomos que uma composição de ruídos e gestos, produzidos co rpo ra lmen te , tenha sido uma das pr imeiras formas de comunicação elaborada e utilizada pelo ser humano.

Hoje, as artes dramáticas se utilizam desses elementos principais -gestos e sons - somados a tantos outros, o que muitas vezes surpreende a nossa expectativa, dada a criatividade e engenhosidade com que são trabalhados. Músicas, instrumentos, luzes de diferentes cores e dirigidas para diferentes pontos com distintas intensidades, bonecos, máscaras, panos, sucata, móveis, tintas, água, figurinos, objetos e cenários são compostos de infinitas formas, em apresentações e espetáculos teatrais.

Esses elementos cênicos surgem e são utilizados em momen­tos distintos, nos contextos ocidental e oriental, sendo apropria­dos e articulados também de diferentes formas. Constituem o recheio, o sabor, a visualidade dando materialidade às tramas imaginadas por autores e espectadores.

Em seus estudos a respeito do Teatro de Formas Animadas, Ana Maria Amaral (1989) diz: "Há na matéria uma força invisível. Daí o poder do bastão do xamã, da vara de condão, dos objetos sagrados, dos elementos da natureza, das propriedades químicas das plantas e dos vegetais — de onde emana nossa fonte de energia. Energia é o que liga a matéria (forma, objetos) ao espírito. E animação é energia mais movimento, ou seja, ani­mação é energia ativada pelo movimento; sob seu impulso a matéria como que se volatiza e através dela o enigmático se manifesta."

Mesmo que o Palhaço, personagem do Auto da Compadecida, nos localize o invisível, convidando-nos a imaginar, no palco, a igreja, seu pátio e a saída para a rua, há um recurso material que irá estabelecer os elos de comunicação entre a trama imaginada pelo autor e o drama, a vida e a consciência dos espectadores: os próprios atores.

No gênero teatral Nô, criado no século XIV, no Japão, a encenação era feita a partir de interpretações, danças e cantos apresentados em ambientes completamente vazios. Os diversos locais e situações presentes na peça eram reproduzidos apenas por meio de gestos, palavras e músicas.

Sendo assim, o corpo é o primeiro recurso a ser pensado, quando queremos representar, encenar. O corpo é "energia mais movimento", é rico em elementos expressivos: os gestos, as expressões faciais, a postura, os sons que podemos produzir, o canto, a palavra etc.

No teatro da Grécia Antiga, o povo costumava assistir às tragédi­as e comédias dramatizadas em grandes arenas. Vistos das

Page 68: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

arquibancadas, os atores pareceriam minúsculos, se não fossem as roupas, sapatos de solas altas e máscaras, que muitas vezes também funcionavam como alto-falantes, ampliando a voz. Mas eram os atores o centro da atenção, aqueles que com energia e dramaticidade apresentavam à multidão a obra dos poetas.

No teatro chinês sabemos que os principais elementos criados e utilizados para realçar a expressividade dos atores são a maquiagem e as roupas, que dão mais plasticidade aos movimentos de dança e acrobacia.

Em várias culturas foram criados cenários, como recurso para ambientação da ação dos atores. Nos palcos construídos em gran­des salas ou carroças eram pintadas imagens em telas esticadas ao fundo. Com o passar do tempo, começaram também a ser construídos objetos e paisagens tridimensionais, ajudando na representação de diferentes lugares.

Foram também criados, a partir do século XVII, os maquinismos para mover elementos, como, por exemplo, inundar um palco no momento do dilúvio ou fazer descer do céu carruagens celestes.

Acessórios como leques, armas, chapéus e vários outros objetos pessoais aparecem tanto no teatro ocidental quanto no oriental, para caracterizar personagens, destacando o papel assumido por cada ator.

A manipulação de bonecos por atores no teatro oriental é uma prática muito antiga, não tendo apenas uma função de entreteni­mento, mas muitas vezes de manutenção das tradições, assumindo um caráter transcendente e espiritual. Os bonecos eram elementos importantes em uma arte mágica, podendo encarnar espíritos. Já no teatro ocidental os bonecos estão sempre próximos do homem do povo, sendo utilizados por seus manipuladores para encarnar caricaturas, fazer críticas, realçar aspectos fantasistas, tratando de um mundo irreal ou absurdo.

Luzes e sombras também são recursos utilizados na dramatur­gia, podendo, inclusive, chegar a ocupar o lugar do artista em sua corporeidade, o que ocorre, do mesmo modo, no teatro de bone­cos. O ator se faz presente pela criação e manipulação de sombras ou de focos de luz.

Na Ásia, o teatro de sombras era feito em sua origem com peles de animais, madeira, papel ou metal. As sombras eram projetadas com o uso de lâmpadas a óleo.

No século XIX, com o surgimento da eletricidade, tornou-se possível ambientar-se o alvorecer, o crepúsculo e tantas outras situações, a partir de efeitos com luzes coloridas, e de projeções de imagens com slides e outros elementos transparentes ou translúcidos postos em frente a fortes focos de luz.

Page 69: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Hoje, muitos desses recursos são colocados nos palcos, em parce­ria com outros elementos inusitados. Além de tudo o que já foi citado até agora, novas técnicas e materiais são utilizados, demonstrando que a cria-tividade humana é inesgotável. O teatro é parte da trajetória vivida pelas Artes, no final do século XIX e no século XX. Surge o uso de elementos cenográficos simbólicos, menos realísticos, passíveis de múltiplas leituras, tanto por parte de quem produz o espetáculo quanto da parte de quem o assiste. Novas matérias-primas e recursos são usa­dos, o que antes seria inconcebível.

Há pouco tempo, foi montado, no Rio de Janeiro, um espetáculo infantil baseado no texto de Clarice Iispector.Amuiíiergueínatoii os peixes.

O palco tinha um formato de arena, não havendo assim um fundo fixo para a cena. As personagens - apenas duas, mãe e filho - entravam e saíam do palco várias vezes, passando por diferentes lugares, até mesmo pela platéia. A mãe contava a história - narrador - e, de vez em quando, dialogava com seu filho. A mãe, por vezes, voltava no tempo e virava criança, brincando com os animais de estimação que tivera. Esses animais eram representados por objetos que a atriz manipulava. Por exemplo: o gato, uma almofada; o cachorro, um tapete felpudo. No cenário, só havia um sofá, uma mesa e um fogão, de onde eram retirados os objetos. A mãe usava também um quimono, como figurino, onde havia um bordado nas costas com a figura do animal de que falava. Ao mudar de história, tirava um quimono e por baixo aparecia outro, com o bordado de outro animal, que passaria a ser agora o centro da nova narrativa.

Para ambientar e dar o clima das histórias havia um pianista, quase escondido, que também fazia sons (sonoplastia) e, por algumas vezes, chegou a entrar em cena.

Para representar o ambiente de uma ilha, em um determinado momento da peça, as luzes se apagaram. Foi projetado no palco, com o auxílio de um retroprojetor, uma transparência com borboletas desenhadas e ondas do mar feitas com água tingida de anilina em um saco cheio de purpurina.

Outro espetáculo que vale a pena comentar chama-se Stomp, feito pelo grupo inglês Yes/No People, com dois integrantes brasileiros. Esse grupo articula sapateado, expressão corporal, batucada e exploração de ritmos e sons, feitos a partir de objetos e sucata.

O próprio cenário é uma verdadeira bateria, usada pelos atores durante todo o espetáculo: latões, placas e muita sucata de diferen­tes materiais, simulando um galpão.

Os atores dançam e fazem música com canos, jornais, sacos, caixas de fósforos, pias cheias d'água, vassouras, numa atuação de brilhantes

Page 70: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

musicalidade e criatividade. Histórias são contadas em pequenos esquetes de muito humor, sem que nenhuma palavra seja dita.

Sabemos que é função da escola de ensino fundamental desen­volver todas as habilidades do aluno, tornando-o consciente de seus mecanismos de comunicação e expressão e capaz de utilizá-los em seu beneficio e da comunidade. E o trabalho pedagógico com as artes dramáticas tem muito a contribuir nesse sentido.

Quando pensamos em sistematizar, em "escolarizar" as artes cênicas, não estamos pensando em decorar textos com as crianças ou fazê-las representar personagens previamente determinadas. Os objetivos que pretendemos alcançar devem ser bem mais amplos.

Em primeiro lugar, é preciso propiciar ao aluno experimentar o seu corpo e todas as possibi l idades que possui para que, gradativamente, tenha condições de utilizá-las intencionalmente. Assim, devemos trabalhar inicialmente com a sensibilidade, os sentidos, a consciência corporal, para que a criança tenha condições de desenvolver a expressão do corpo.

Soltar a voz de diferentes formas, os braços, as pernas, o corpo todo em diferentes direções e com diferentes ritmos, pode ser uma atividade interessante para iniciar esse trabalho.

Com as crianças das séries iniciais recomenda-se que esse trabalho seja sempre feito com ludicidade. Por exemplo, podemos cantar com as crianças a cantiga folclórica transcrita a seguir:

Tango, tango, tango, morena, É de carrapicho Vou jogar Josefa, morena, Na lata do lixo

A brincadeira consiste em nos juntarmos em roda, cantando a música. Uma criança deve ficar ao centro e, ao término da estrofe, puxar um colega para o meio. Esse colega deve transformar-se em uma estátua e assim ficar com os movimentos congelados por instantes. A brincadeira é fazer diferentes caretas e poses com o corpo. Podemos perguntar para as crianças: "Você imagina que 'fulano' tenha se transformado em quê?" Depois, voltamos a cantar e a rodar. Dentro da roda, os dois colegas também dão voltas em direção contrária à roda exterior. Quando a música acaba, o colega que antes foi estátua puxa agora um terceiro para junto de si e a brincadeira continua.

Outra questão a ser trabalhada em uma abordagem pedagógica das Artes na escola é a fantasia e o faz-de-conta. É fundamental que os alunos experimentem colocar-se no lugar do outro, imaginar situações em outros espaços geográficos, contextos sociais e tempos históricos.

Page 71: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Brincar com sons, ou seja, contar uma história apenas usando recursos de sonoplastia, é uma excelente atividade para fazer a criança perceber que esse recurso cênico é fundamental. Ou, ainda, contar a mesma história cantando uma música para cada personagem e situação no lugar dos diálogos e do narrador.

Essas e inúmeras outras atividades podem ser criadas e vividas por alunos e professores, trazendo para a escola uma herança que vem ajudando, por séculos, a humanidade a conhecer-se a si mesma, condenar seus horrores, sonhar e sorrir: a trama do drama.

LENDA DIVINA

A jovem Amaterasu, deusa do Sol, esconde-se numa gruta por estar triste, privando o mundo de luz. Os outros deuses encenam um espetáculo na entrada da gruta para fazê-la sair, devolvendo a luz ao mundo. É assim que a lenda japonesa explica o nascimento do teatro.

Pontos para reflexão

• "O teatro de bonecos tem uma relação direta com o pensamento animista infantil, tem todas as condições para satisfazer os anseios de transformações que a criança tem de tornar real os seus sonhos de poder. Torna fantástico o mundo real." (Ana Maria Amaral)

• Sabemos que é próprio da criança em seu desenvolvimento a vivência de inúmeros jogos dramáticos. Quais as relações que podemos estabelecer entre esses jogos e um trabalho sistematiza­do de artes dramáticas na escola?

• A partir das colocações feitas até então, como devem ser analisa­das as apresentações feitas em final de ano e datas comemorativas nas escolas? Elas devem ser deixadas de lado ou planejadas seguindo novos princípios?

• Representar, colocar-se no lugar do outro, assumir diferentes papéis, são vivências que possibilitam o desenvolvimento de aspectos emocionais e psicológicos. Quando essas experiências são promovidas pelo professor, na escola, como podem repercutir no processo de formação dos alunos?

Sugestão de atividades

• Contar histórias sempre foi uma atividade que fascinou crianças e adultos. Muitas histórias podem ser vividas e contadas, usando-se recursos diferentes de encenação, envolvendo toda a classe. Com ela, podemos escolher objetos para representar diferentes

Page 72: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

personagens, que vão surgindo e se movendo pela sala, conforme a história vai sendo narrada. No final deste capítulo, apresentamos a Lenda Desana da criação do Sol, publicada pela revista Ciência hoje das crianças. Por exemplo, para representar a Yabá Belo, uma criança pode usar panos com objetos pequenos pendurados; os rios, panos azuis e verdes; o universo-barriga, um globo terrestre ou uma bola; os trovões, latões ou radiografias em que se possa bater; a torre, um pau de chuva (instrumento indígena) etc. A luz da sala pode ser apagada para simular a escuridão e uma lanterna ou objeto similar pode indicar as poucas casas onde há luz. Por último, ler a lenda sugerida, ou tantas outras, e deixar a imaginação fluir!

• Brincar de ser o Curupira, com as crianças das séries iniciais, pode transformar-se em uma atividade informativa e que, ao mesmo tempo, trabalha o faz-de-conta e a consciência corpo­ral. O Curupira, que protege a fauna e a flora, vai para fora da sala. As crianças, na sala, dividem-se em três grupos: uns vão ser animais, outros plantas e outros caçadores, que vão tentar se esconder entre os primeiros. O Curupira é chamado para a sala, podendo usar uma máscara, com cabeleira laranja, colocada ao contrário, já que seus pés ficam para trás; e, então, deve tentar encontrar os caçadores e assustá-los.

• As histórias fantásticas, a partir das lendas dos monstros das águas, e as carrancas, são inúmeras, não só no Brasil, mas também em outros países. Podemos fazer barcos com os móveis da sala. Os perigos vão surgir das águas e nós vamos nos defender. Podem ser usados grandes fantoches para representar as ameaças, ou o próprio corpo, trabalhando-se postura e expressão facial.

Lenda Desana da criação do Sol1

Os Desana são índios que falam um dialeto da língua tukano. Habitam as margens dos rios Papuri e Tiquié, afluentes do rio Uaupés, tributário, por sua vez, do rio Negro, no Amazonas. A população indígena atual de toda a região do alto rio Negro é de cerca de dez mil indivíduos.

No começo o mundo não existia. E era tudo escuro. Quando não havia nada, brotou uma mulher. Apareceu suspensa

sobre bancos mágicos e cobriu-se de enfeites que se transformaram numa casa. O nome dessa mulher era Yebá Belo, que quer dizer avó do universo.

1 Extraído de KUMU, U.P. & KENHÍRI, T. Antes o mundo não existia. A mitologia dos índios Desana. Introdução e notas de Berta G. Ribeiro, São Paulo, Cultura, 1980.

Page 73: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Aconteceram coisas misteriosas pára que essa mulher pudesse apare­cer do nada. No começo existiam seis coisas mágicas, invisíveis: bancos, suportes de panelas, cuias com plantas, cuias com tapioca, pés de mandioca e cigarros. E foi delas que Yebá Belo surgiu.

Depois de ter aparecido, a mulher ficou pensando como iria ser o mundo. Enquanto pensava, mascou folhas mágicas e fumou cigarro mágico, invisíveis. E seu pensamento começou a tomar forma e ase erguer como se fosse uma esfera culminando numa torre. E dentro dessa esfera, que era o universo, ficou toda a escuridão. Só havia luz na casa branca de quartzo de Yebá Belo. E a mulher chamou a esfera de universo-barriga.

Depois, a mulher quis povoar a esfera. Voltou a mastigar folhas mágicas e a fumar cigarro mágico. Tirou a planta mascada da boca e com ela fez cinco trovões chamados quartzo, porque eram de pedra branca, e eram gente, mas eram imortais. Isso tudo ela fez na sua casa. E ela deu a cada um dos trovões uma casa para morar dentro do universo-barriga.

Mas ainda não havia luz. Só as casas dos cinco trovões e a de Yebá Belo tinham luz. Então, a mulher disse aos trovões:

- Criei vocês para criarem o mundo. Agora imaginem um jeito de fazer a luz, os rios e a humanidade.

Mas eles só fizeram os rios. Ficaram em suas casas e nem se lembraram do que Yebá Belo havia dito.

Ainda reinava a escuridão. Como os trovões não faziam nada, Yebá Belo voltou para sua morada e pensou:

- Não está dando resultado. Vou criar outro ser que me obedeça. E ela mascou a folha mágica e fumou o cigarro mágico. E da fumaça

formou-se um ser invisível, que não tinha corpo nem podia ser tocado. Yebá Belo agarrou-o e envolveu-o com uma esteira. E o nome dele era Yebá Ngoamãn, criador da terra. E Yebá Belo disse a Yebá Ngoamãn:

- Mandei meus irmãos trovões fazerem as coisas do mundo e a futura humanidade. E eles não souberam fazer. Agora faça-as você e eu hei de guiá-lo.

E Yebá Ngoamãn aceitou a palavra da avó do universo. Do compartimento de quartzo branco onde havia aparecido, ele

ergueu seu invisível bastão mágico com chocalho e o fez subir até a torre. Yebá Belo, vendo que o bastão se erguera, cumpriu a promessa de ajudar o bisneto. Enfeitou a ponta do bastão com as penas amarelas do tucano e as penas amarelas do japu e elas brilharam de diversas cores. E enfeitou o bastão com brincos especiais que existem na natureza. E esses adornos eram todos enfeites masculinos e femininos. Com esses enfeites colocados na ponta, o bastão tomou a forma de rosto humano, que deu luz ao que era escuridão.

Era o Sol que acabava de ser criado. Ele gira por si mesmo.

Page 74: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Bibliografia AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas: máscaras, bone­

cos, objetos. São Paulo, USP, 1991. Estudo profundo a respeito do uso de bonecos, máscaras e objetos no teatro, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Faz também uma análise de como esses mesmos elementos estão presentes no teatro contemporâneo.

FONTANEL, Béatrice. O teatro no mundo. São Paulo, Melhoramen­tos, 1995. Muito bonito, o livro foi feito para ler, olhar, tocar, brincar, aprender e divertir-se. Ele aborda as técnicas, os recursos e materi­ais utilizados pela humanidade em suas produções teatrais, bem como os principais gêneros e autores. Além de conter um peque­no glossário com termos principais, sugere uma pequena biblio­grafia sobre o assunto.

KOUDELA, Ingrid. Jogos teatrais. (Coleção Debates). São Paulo, Perspectiva, 1984. Além de fazer uma breve análise da relação Teatro/Educação, o livro enfoca a função simbólica própria do ser humano a partir de pressupostos piagetianos. Trata do jogo teatral e sugere um projeto experimental a ser feito com crianças e adolescentes.

SLADE, Peter. O jogo dramático infantil. São Paulo, Summus, 1978. O livro fornece, aos educadores em geral, sugestões de trabalhos que podem ser desenvolvidos com crianças e adolescentes, visando o autoconhecimento, a integração com o grupo etc.

Page 75: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

LEITURA: UMA PROPOSTA

INTERDISCIPLINAR

Angela Thereza Lopes Rosa Helena Mendonça

Entender a leitura - e entender o que é ensiná-la - é falar sobre ela, ser um leitor que sente prazer nessa prática, mediar textos e leitores. Esses são desafios do professor nos tempos atuais.

O ensino da leitura deve partir das experiências individuais do professor enquanto leitor, da discussão e diálogo com os alunos e outros professores e da consideração nas histórias de leitura de cada um.

Minhas estórias da Carochinha, meu melhor livro de leitura capa escura, parda, dura, desenhos preto e branco.

Eu me identificava com as estórias. Fui Maria e Joãozinho perdidos na floresta.

Fui a Bela Adormecida no bosque. Fui Pele de Burro. Fui companheira de Pequeno Polegar

e viajei com o Gato de Sete Botas. Morei com os anõezinhos. Fui a Gata Borralheira que perdeu o sapatinho de cristal

na correria da volta, sempre à espera do príncipe encantado, desencantada de tantos sonhos

nos reinos da minha cidade.

Cora Coralina

Angela Thereza Lopes é doutora em Literatura pela PUC/RJ.

Rosa Helena Mendonça é mestre em Educação pela PUC/RJ. 1 In: Vintém de cobre. Goiânia, Editora da Universidade Federal de Goiás, 1984.

Page 76: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

É assim que Cora Coralina nos fala em seu poema "Meu melhor livro de leitura", a nos mostrar que muitas experiências são indeléveis, deixando marcas no leitor.

São justamente essas experiências, de ouvir e ler histórias, muitas vezes excluídas da sala de aula, que se mostram significativas na lembrança dos leitores, como mostra Cora Coralina.

Pensar sobre as experiências prévias do leitor, aliando essa perspectiva à investigação sobre o que acontece enquanto se lê e "escreve a leitura", já se firmou como área de interesse em diferentes campos do saber científico.

Na década de 1970, no Brasil, a leitura se tornou um campo de investigação de ordem teórica e metodológica, não mais se restringindo aos estudos e propostas de alfabetização ou pesquisas ligadas aos hábitos do leitor e ao ensino da Literatura.

Novos rumos foram tomados em relação à leitura com a sua apropriação pelas ciências da linguagem, Iibertando-a dos vínculos com a alfabetização e com a aprendizagem da escrita.

O tema da leitura adveio não só das inovações no campo intelectual, de pesquisadores brasileiros ligados aos mais recentes estudos lingüísticos de outros países, mas também do fenômeno, hoje posto em dúvida como o da tão falada "crise de leitura", sus­citando o interesse de estudiosos de ciências, como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a História, concorrendo para o apro­fundamento dos estudos no campo da Educação, colocando em questão as práticas da própria instituição que detinha o poder sobre a leitura e a escrita: a escola.

Tais contribuições vieram mesmo a indicar questões problemáti­cas no campo da educação e, mais especificamente, da alfabetização, correlacionando-as à escassez de material e à má qualidade dos textos lidos na escola. Junto a isso, também se verificou a crescente "concorrência" dos meios de comunicação, que tendem a seduzir o público leitor para outras esferas de interesse, afastando-o do universo social e cultural que a Escola busca preservar, desconsiderando, no entanto, muitas vezes, as mudanças de nossa sociedade, altamente técnica e em processo de desenvolvimento.

É fundamental que nos voltemos para as discussões e para os trabalhos de pesquisadores de outras áreas, para que se possa avaliar esses avanços, permitindo aos que lidam com o ensino retomar, no dia-a-dia da sala de aula, o que já se tornou prática interdisciplinar.

Segundo estudiosos, a noção de leitura apresenta-se polissêmica, ou seja, com vários sentidos. Numa acepção mais ampla pode significar atribuição de sentidos. Por isso, podendo ser utilizada

Page 77: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

tanto para a oralidade quanto para a escrita, assim como em qualquer outro tipo de linguagem.

Quando falamos de leitura do mundo referimo-nos à leitura como concepção, refletindo a relação com a noção de ideologia.

Num sentido restrito, acadêmico, leitura pode significar "constru­ção de um aparato teórico e metodológico" de aproximação e análise do texto, de um autor, de sua poética.

Em termos de escolaridade, num outro sentido restrito, vinculado à alfabetização, a leitura pode significar a aprendizagem formal, isto é, aprender a ler e a escrever: decodificar e codificar.

A apropriação da leitura pela escola não possibilita a desco­berta do real caminho, que conduziria o ensino para fora da es­cola e ao encontro dos problemas sociais. A preocupação didática com métodos para alfabetizar, priorizando técnicas, ou a discus­são sobre condutas e modelos textuais para criar o hábito de ler são comportamentos comuns que afastam o leitor do Iivro e o prazer de ler da escola.

A "leitura não é um ato solitário e isolado dos problemas sociais", fora do mundo, segundo Magda Becker Soares bem nos define: "A leitura é interação verbal entre indivíduos, indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e os outros; entre os dois: enunciação e diálogo".

Enunciação é um processo de natureza social e o social é que determina a leitura, constituindo seu significado. Já Bakhtin nos esclarece sobre a língua que "qualquer enunciação, por mais significa­tiva que seja, constitui apenas uma fração de uma corrente de comunicação interrupta".

A leitura possui, então, múltiplos valores em nossa cultura. A posse e o uso da escrita, no entanto, ainda são privilégios das classes economicamente privilegiadas, o que acaba por determi­nar a utilização da sua norma lingüística, por ser a mais presti­giada socialmente.

Para esse segmento, atribui-se à leitura um valor positivo, benéfico ao indivíduo e à sociedade como forma de lazer, prazer, enriquecimento cultural e ampliação de horizontes. Já para as classes populares, a leitura funciona como instrumento para obter melhores condições de vida, ressaltando-se aí sua função utilitária.

A partir dessas questões podemos indagar: como a leitura vem sendo praticada nas escolas? O que se lê? Para que se lê? Como se lê?

Falar, ouvir, ler e escrever são manifestações do uso produtivo e criativo da língua. Ler e escrever não são atividades passivas e

Page 78: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

reprodutoras. O professor deve atentar para suas especificidades, diferenciando a leitura da escrita, pela construção do texto escrito. Enquanto este se faz etapa por etapa, de forma linear, na leitura o texto escrito está dado, mas não os seus sentidos; nele, estão apenas os elementos explícitos que o aluno vai decodificar, atribuindo, pela leitura, sentidos e significados. Também há elementos implícitos que dependem do indivíduo, de referências, pistas, índices pinçados no texto e que perpassam sua vivência, o lugar social que ocupa, ligado à sua experiência individual e à relação que ele, como leitor, estabelece com o outro e com o mundo.

Quais são os textos utilizados pelo professor no dia-a-dia da sala de aula? Em seu artigo "O cipoal das letras", Tânia Dauster destaca que

"práticas de oralidade e escrita são modeladas pelos recursos em cir­culação na sala de aula".

Sendo assim, o livro didático e o livro literário não são materiais suficientes para o desenvolvimento das habilidades de um leitor dinâmico e criativo. O professor deve trazer textos que circulem em nossa sociedade, de grupos letrados, com diferentes construções discursivas para que os alunos se apropriem desses modelos, a fim de ampliar suas possibilidades comunicativas.

Bilhetes, cartas, histórias em quadrinhos, propagandas e outros gêneros podem ser encontrados em jornais, revistas, sem contar com outros meios de comunicação que propiciam outras formas de leitu­ra pela junção de linguagens - como a da imagem e a verbal, no caso da televisão - e os altos recursos expressivos da linguagem falada uti­lizados pelo rádio.

Criar um cantinho de leitura em cada sala de aula, incrementar a biblioteca da escola por meio de eventos como exposições de livros, palestras com autores, leitura e dramatização de livros, sair para conhecer e pesquisar em bibliotecas públicas e outras atividades ligadas ao interesse da leitura são passos essenciais e significativos para a formação de um novo tipo de leitor.

A escola deve proporcionar aos alunos um ambiente rico, utilizando uma tipologia variada de textos que circulem em nossa esfera social, formando um novo público leitor capaz de entender a sociedade em que vive e de transformá-la.

Outro aspecto importante a ser considerado são as condições de produção da leitura de um texto. Cabe ao professor buscar oferecer as melhores situações para que os alunos progridam. Ler e escrever são práticas que fazem parte do crescimento, de um processo de autono­mia. Que tipos de atividade propiciam esse crescimento, com relação à leitura, ultrapassando a questão da mera verificação do que se leu?

Page 79: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

A leitura, por ser objeto de interesse comum a diferentes disciplinas do saber científico, constitui-se questão e tema para múltiplas abordagens e possibilidades de troca, numa perspectiva interdisciplinar.

Quais são as concepções de leitura que perpassam as práticas escolares? É pela via da interação e do diálogo que queremos propor essa

reflexão sobre práticas de leitura na escola, repensando o papel do professor como mediador entre textos e leitores, cujo papel é fundamental no sentido de repensar as condições de leitura que vêm sendo oferecidas pela escola.

É importante que o professor procure criar em sua sala de aula um circuito de leitura: lendo, contando histórias, estimulando a troca de livros, reservando um tempo para ler em classe, trazendo resenhas de livros infantis, abrindo espaço para a escolha, pelo aluno, do que ele quer ler, propondo textos correlacionados aos interesses do grupo etc. Enfim, cr iando ofertas múlt iplas e inst igantes, proporcionando, desse modo, uma imersão no mundo da leitura e oferecendo condições para que ela se torne, efetivamente, uma prática interdisciplinar e intertextual.

Pontos para reflexão

• Qual é a importância de o professor pensar-se como um leitor, na sua prática de mediação entre a criança e o texto?

• A seleção do material, aliada às condições de produção de lei­tura, são fatores importantíssimos que devem ser considerados quando o objetivo é a formação de um leitor crítico e criativo.

• A aprendizagem da leitura - e também a da escrita - deve ter na busca de atribuição de sentido ao que se lê/escreve seu principal objetivo.

Sugestão de atividades

Para o professor: Josette Jolibert, em seu livro Formando crianças leitoras, sugere que

o professor realize um trabalho prático para observar seu próprio comportamento de leitor adulto.

A atividade é assim (procure realizá-la em grupo, com outros professores, num Centro de Estudos, por exemplo):

Registrar o inventário das leituras realizadas pelos participantes do grupo no dia anterior:

• O que leram? • Em que situação?

Page 80: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

• Por quê / para quê? Feito o levantamento, reflitam sobre o que observaram (verifiquem

se não esqueceram nada, "nem sequer as placas de trânsito"), nos problemas surgidos para completar o quadro e, sobretudo, nas relações entre tais situações de leitura e as propostas na escola.

Para o aluno: Escolha uma narrativa de ficção - um conto ou um pequeno

romance - e faça um planejamento, distribuindo a leitura de trechos ou capítulos ao longo de uma semana de aula. Inicie ou finalize a aula com essa atividade, solicitando que, a cada dia, o grupo reconte a história, até o ponto em que ela havia sido lida.

O objetivo não é verificar se todos prestavam atenção ou, simplesmente, recuperar as informações do texto. Pretende-se, com essa atividade, criar uma situação em que os alunos possam negociar os diferentes sentidos atribuídos ao texto, compartilhando suas experiências de leitura e de vida, uma vez que a leitura não se dá desvinculada das experiências do leitor.

Bibliografia DAUSTEP, Tânia. O cipoal das letras. In: Leitura: teoria e práti­

ca. São Paulo, Associação de Leitura do Brasil/ALB, 13 (24), dez. 1994. Nesse texto, Dauster aborda, à luz da Antropologia e da História Cultural, questões como: o que é ler, o que é escrever, quem é o leitor e o que faz com suas leituras, buscando conhecer códigos, valores, significados, representações e práticas de leitura em diferentes espaços sociais.

JOLIBERT, Josette (e colaboradores). Formando crianças leitoras. Porto Alegre, Artes Médicas, 1991. O livro apóia-se nas hipóteses teóricas mais recentes ligadas à construção pelas próprias crianças do seu saber-ler. Ao lado das reflexões teóricas, apresenta sugestões de atividades para formar crianças leitoras.

LOPES, Angela Thereza & MENDONÇA, Rosa Helena. Horizon­tes da leitura. In: Boletim Salto para o Futuro, série VI, 1994, prog. n.56. O texto apresenta uma abordagem sobre a leitura como um processo que vai além da decifração de códigos e sinais. Reflete sobre a alfabetização e a leiturização como processos para a for­mação do novo leitor, crítico e dinâmico, o que cria o texto, indo além dos muros da escola.

Page 81: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

SOARES, Magda. As condições sociais da leitura: Uma reflexão em contraponto. In: Leitura —perspectivas interdisciplinares. São Paulo, Ática, 1988. Inserido em coletânea que propõe uma discussão interdisciplinar em torno da leitura, o artigo trata das condições sociais de acesso e de produção da leitura e suas contradições e, ainda, da leitura como interação verbal: enunciação e diálogo.

Page 82: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

SÓ SEI QUE NADA SEI

Alberto Tornaghi Carlos Tavares

A diversidade de formas de vida que se apresentam em nosso planeta é verdadeiramente grande. Há seres que voam, que nadam, que são verdes, que são pretos, que assobiam, que dormem de dia, que caçam, que constróem teias, que respiram na água, que nascem de ovos, que são grandes, que só comem carne, que são multicoloridos, que são pequenos, que produzem seu próprio alimento, que são minúsculos; enfim, a vida se apresenta das mais variadas formas.

Frente a toda essa diversidade cabe uma pergunta: como é possível uma variedade tão grande de formas de vida?

A origem e a evolução da vida são objetos de estudo de muitos cientistas há muito tempo. Muitas teorias foram propostas ao longo dos séculos. A origem da vida é uma questão que sempre despertou a curiosidade do homem.

Vamos ver como toda essa investigação começou. Embora os conteúdos que envolvem essa temática sejam, prioritariamente, trabalhados nas séries do ensino médio, é importante que professores que trabalham com as quatro primeiras séries também tenham esses dados, até porque os alunos das séries iniciais costumam apresentar dúvidas e curiosidade a esse respeito. Além disso, o trabalho com seres vivos (próprio das séries iniciais) se relaciona com o processo de

Alberto Tornaghi é professor de Informática Educativa no Colégio Santo Inácio, RJ.

Carlos Tavares é professor de ensino fundamental da Escola Oga Mitá, RJ.

Page 83: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

evolução das espécies. As teorias que foram criadas, ao longo do tempo, muito se aproximam de algumas hipóteses levantadas pelas crianças ao tomar contato com a natureza.

Dessa forma, o estudo da origem e evolução da vida está intimamente ligado aos estudos que fizemos acerca da vida, nas séries iniciais do ensino fundamental.

A vida nascendo do nada

Há mais de dois mil anos, na Grécia, um filósofo de nome Aristóteles já se debruçava sobre o assunto e propunha uma teoria. Aristóteles acreditava que a vida podia surgir espontaneamente, a partir da matéria bruta.

Segundo Aristóteles, toda matéria encerrava dentro de si um "prin­cípio ativo" segundo o qual a vida poderia brotar, se as condições fossem favoráveis para tal. A idéia de "princípio ativo", de Aristóteles, explicava que esse princípio era único em cada matéria, e cada um tinha uma capacidade organizacional diferente. Assim, por exemplo, um ovo de galinha tinha capacidade organizacional de gerar um pinto, e um ovo de peixe, por sua vez, a de gerar um alevino.

Lendo um trecho do que o filósofo escreveu, podemos ver, bem claramente, de que forma ele pensava: "Tais são os fatos, os seres vivos se originam não somente do cruzamento de animais, mas da decomposição da terra. (...) E entre as plantas, a matéria procede da mesma maneira, algumas se desenvolvem de sementes, outras por geração espon­tânea por meio de forças naturais; elas se originam do apodrecimento da terra ou de certas partes vegetais".

A idéia de que a vida poderia surgir a partir da matéria inanimada perdurou por séculos. No século XII ainda se acreditava que gansos pudessem se originar de árvores que cresciam à beira das águas.

No século XVI, o mais famoso médico daquela época, de nome Paracelso, descreveu uma série de observações a respeito da geração espontânea de mamíferos, peixes e répteis, a partir de materiais inanimados, tais como madeira, palha, água etc.

Durante o século XVII, o médico belga Jean Baptista Van Helmont divulgou uma "receita" segundo a qual se poderia produ­zir camundongos, num prazo de vinte e um dias, usando-se matéria bruta. A experiência deveria ser feita juntando-se germe de trigo a uma camisa molhada de suor. Todo esse conjunto deveria permanecer intacto em lugar quente e escuro, durante cerca de vinte e um dias. Segundo suas afirmações, o princípio ativo para a geração dos camundongos estava no suor humano.

Page 84: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Não ocorreu a Van Helmont o fato de que o trigo, o tecido da camisa e os locais escuros e quentes são ótimos ninhos para a procriação de camundongos. De fato, é bem provável que, feito dessa forma, em vinte e um dias haja uma cria de rato usufruindo do ninho.

Há que se dizer que não cabe aqui julgar a seriedade do trabalho de Van Helmont. Suas conclusões foram tecidas segundo observações feitas pela óptica de sua época. Na verdade, os cientistas que sucederam a ele puderam aprender muito com suas convicções.

Foram experiências desse tipo que levaram outros cientistas a entender que as experiências científicas precisam ser realizadas segundo alguns padrões de controle. Aqueles mesmos materiais usados na experiência de Van Helmont (camisa suada e trigo), quando postos em uma caixa fechada, não geram ratos.

Novas idéias sobre a vida

Ainda no século XVII, um biólogo e médico italiano, Francesco Redi, fez várias experiências relacionadas à idéia de geração espontâ­nea que levantaram muitas questões.

Redi utilizou animais mortos, colocando-os em frascos abertos. Depois de um tempo, ele constatou a existência de vários vermes que, após comerem toda a carne, ficavam parados e mudavam de aspecto, até que deles nasciam moscas.

Como ele havia visto moscas entrando e saindo dos frascos antes do surgimento dos vermes, resolveu, então, fazer um novo experimento. Dessa vez, preparou oito frascos contendo, dois a dois, carne de vitela, uma cobra morta, peixes mortos e enguias mortas. Quatro frascos foram deixados abertos e quatro foram tampados com gaze de trama muito estreita. Assim, Van Helmont pôde observar que, nos frascos abertos, moscas saíam e entravam, gerando, em poucos dias, muitos vermes. Nos frascos fechados, embora as moscas pousassem sobre a gaze, não surgiram vermes.

Dessa forma, ele concluiu que os vermes que devoravam a carne e depois tornavam-se moscas eram produto dos ovos ali colocados pelas moscas que saíam e entravam nos frascos.

A vida surgindo na água Hoje, depois de muitos estudos terem nos mostrado que a vida não

surge a partir da matéria inanimada, temos uma teoria que pretende explicar a origem da vida a partir da reunião de pequenas partes de matéria, principalmente a junção de hidrogênio e carbono.

Page 85: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

É interessante notar que todos os seres vivos existentes atualmente contêm em sua estrutura os mesmos materiais. Carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e fósforo são elementos comuns aos seres humanos. São esses elementos que formam as proteínas, os açúcares e as gorduras, fundamentais para a vida.

Segundo vários experimentos, a atmosfera primitiva da Terra, rica em gases, permitiu que fossem gerados vários tipos de molécu­las. A partir daí, surge o que chamamos de coacervado. A idéia da existência de coacervados é defendida por Oparin, bioquímico russo. A palavra coacervado vem do latim acertavus, que significa aglo­merado, agrupamento.

Segundo Oparin, um aglomerado de proteínas, envolto por uma fina camada de água, é o princípio da vida da Terra. Não podemos determinar, exatamente, quando ou como os aglomerados de proteínas se desenvolveram para formar as primeiras formas de vida. Aliás, nem sequer temos certeza se foi a partir dos coacervados que a vida se desenvolveu. Tudo o que podemos afirmar é que nos oceanos primitivos havia moléculas mais organizadas, fechadas em gotículas d'água.

Essas formas conseguiam sobreviver utilizando materiais dissolvi­dos na água. Depois de um longo período, essas substâncias foram rareando e só puderam sobreviver os organismos capazes de utilizar matéria não-viva para se sustentar.

A partir daí, muitas mudanças ocorreram. O ambiente aquático e a atmosfera da Terra sofreram muitas

modificações. Os organismos passaram a absorver gás carbônico e, valendo-se da energia do Sol, sintetizar seu próprio alimento, liberando oxigênio. Dessa forma, teriam surgido, então, os primeiros seres autotróficos, capazes de criar matéria viva a partir de substâncias brutas.

Desses seres teriam surgido as formas mais simples de algas aquáticas, que, utilizando a energia luminosa do Sol, eram capazes de produzir alimento e se sustentaram enquanto organismos vivos.

Há, todavia, em nosso planeta, hoje, muito mais do que apenas algas como formas de vida. Como surgiu toda essa variedade? O que levou a vida a se mostrar de formas tão diversas?

Para entendermos um pouco melhor esse assunto, vamos estudar duas teorias da evolução das espécies. Uma elaborada pelo francês Jean Baptiste Lamarck e a outra pelo inglês Charles Darwin.

Adaptação e evolução da vida O biólogo Jean Baptiste Lamarck foi o único, antes de Charles

Darwin, a propor uma teoria mais elaborada sobre a evolução das

Page 86: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

espécies. É interessante notar que ele publicou seu trabalho no ano de 1809, ano em que nascia Darwin.

Para Lamarck, os seres evoluíam para se adaptar ao habitat. Vamos entender melhor seu pensamento lendo um trecho do livro Filosofia zoológica, no qual ele escreve o seguinte: "A girafa, por viver em lugares onde o solo é invariavelmente seco e sem capim, foi obrigada a comer folhas e brotos no alto das árvores, sendo forçada, continuamente, a se esticar para cima. Esse hábito, mantido por longo período de tempo por todos os indivíduos da raça, resultou nas pernas anteriores se tornarem mais longas que as posteriores e o pescoço tão alongado que a girafa pode levantar a cabeça a uma altura maior que cinco metros, sem tirar as pernas anteriores do solo."

Da mesma forma, ele afirmou que as membranas existentes entre os dedos das patas das aves aquáticas (como no pato, por exemplo) eram fruto do seu hábito de nadar. Sobre as aves de pernas muito longas, como as garças, ele dizia que o tamanho de suas pernas era devido ao esforço de manter seu corpo fora d'água. Com relação aos vegetais, Lamarck defendia, por exemplo, que os cactos, por viverem em ambiente onde a água era escassa, teriam modificado suas folhas para transpirarem menos.

Para fundamentar sua teoria, Lamarck formulou dois princípios. Vejamos quais são:

1 - Lei do uso ou desuso — Lamarck dizia que, quanto mais se usa uma determinada parte do corpo, mais ela se desenvolve. Ao contrário, quanto menos se usa uma outra parte, ela vai se atrofiando e termina por desaparecer.

2 - Lei da herança dos caracteres adquiridos — Segundo essa lei, os caracteres originados pelo uso ou desuso poderiam ser transmitidos aos descendentes. Isto é, se um animal tivesse perdido uma parte do corpo por desuso, seus descendentes nasceriam com essa nova característica.

Como podemos observar, a teoria de Lamarck é bastante interessante e possui uma lógica fundamentada em duas leis. Vamos analisar essas leis.

A lei do uso e desuso é aparentemente provável e de fácil observa­ção. Os atletas que usam muito os músculos dos braços, como por exemplo os arremessadores de martelo, acabam por desenvolver esses músculos mais do que pessoas que pouco os usam.

A segunda lei - da herança dos caracteres adquiridos -, toda­via, não se mostra válida. O filho de um corredor de maratonas, por exemplo, não nasce com a musculatura das pernas mais de­senvolvida que a dos filhos de outra pessoa que não pratica es-

Page 87: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

portes. Para testar esses princípios, muitas experiências controladas foram realizadas. Na mais famosa delas, cortou-se a cauda de camundongos e permitiu-se que eles procriassem. A cada nova geração que nascia, eram retiradas as caudas. Ao final de vinte gerações, os camundongos continuavam a nascer com caudas dentro do padrão definido como normal.

Desse modo, podemos dizer que o trabalho de Jean Baptiste Lamarck, no que diz respeito à evolução das espécies, possui suas limitações. É importante dizer que Lamarck realizou vários estudos importantes na área da Biologia, sendo, até hoje, considerado um dos maiores biólogos de toda a História.

Vamos conhecer um pouco sobre o trabalho e a vida no naturalis­ta inglês Charles Darwin.

Desde muito cedo, Darwin mostrou-se interessado pelo estu­do da natureza, mais precisamente sobre os seres vivos. Esse inte­resse deveu-se, talvez, ao fato de seu avô - Erasmus Darwin - ter-se debruçado sobre a questão da evolução das espécies durante muito tempo, chegando a publicar em 1794 um trabalho sobre o assunto, chamado Zoonomia.

Com 22 anos de idades, Charles Darwin recebe a missão de embarcar no navio Beagle e, como naturalista, mapear e coletar espécies do litoral da América do Sul e de ilhas do Oceano Pa­cífico. Estudando o arquipélago das ilhas Galápagos (Oceano Pa­cífico), Darwin fez muitas descobertas importantes. Quando es­teve no litoral do Brasil (mais precisamente na Bahia), ficou tão maravilhado que escreveu: "(...) delícia é termo insuficiente para exprimir as emoções sentidas por um naturalista no seio de uma floresta brasileira".

Darwin propôs uma teoria, acerca da evolução das espécies, que até os dias de hoje é aceita. Sua teoria se baseia no princípio da seleção natural.

Vejamos como ele chegou a esse princípio e o que é seleção natural. Ele observou algumas colônias de animais e verificou que o

número de filhotes que nasciam na época de procriação era muito maior que o número de casais. Ou seja, cada casal (dois indivíduos) gerava um número superior a dois. Desse modo, essas colônias tenderiam a sofrer um efeito óbvio de superpopulação em pouco tempo. Entretanto, Darwin constatou que o número de indivíduos não variava muito. Pensando dessa forma, ele concluiu que, mesmo tendo muitos descendentes de uma espécie, só um determinado número chegava à idade adulta.

Ele também observou que nem todos os descendentes nasciam absolutamente iguais aos seus genitores. Isso significa que dentro

Page 88: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

de uma espécie há variações, ou seja, nascem indivíduos diferentes dos demais. Essas variações, se favoráveis à sobrevivência do indivíduo e, também, se transmitidas geneticamente aos descenden­tes, vão gerando seres cada vez mais adaptados e em melhores condições de sobrevivência.

Essas diferenciações podem permitir aos novos indivíduos migrar para outros espaços e sofrer outras mutações, a ponto de gerar novas espécies.

Depois de muito observar e estudar o assunto, Darwin publicou sua teoria no livro A origem das espécies. Inicialmente, ele escreveu 18 linhas; depois, aumentou-as para 230.

A partir daí, muitos especialistas passaram a fazer observações e estudos a respeito da seleção natural. Um dos mais interessantes foi realizado na Inglaterra, por E.B. Ford, em 1850, sobre mariposas que habitavam as áreas industriais. Ford percebeu que uma espécie desse inseto passou a apresentar indivíduos totalmente pretos, diferentes de sua coloração mais comum (pintas brancas e pretas misturadas). Por que teria isso acontecido?

Essa espécie de mariposa costuma ficar pousada no tronco das árvores. Como, antes da instalação das indústrias, a coloração dos troncos, cobertos de liquens, se assemelhava muito à coloração pintada da mariposa, ela se confundia com o tronco, não sendo caçada pelos pássaros. Porém, com o advento das indústrias, os troncos foram ficando cobertos de fuligem, tornando-se mais escuros. Com isso, os indivíduos pintados eram caçados pelos pássaros com maior facilidade, enquanto os indivíduos com uma mutação mais escura na sua coloração se "escondiam" melhor do predador. Como essa característica era transmitida aos descendentes, só sobreviveram aqueles que a receberam.

Outro bom exemplo que ilustra a teoria da seleção natural é o dos inseticidas domésticos. No início de sua utilização, con­seguiam exterminar os insetos com bastante competência. Com o passar do tempo começaram a se mostrar ineficazes. Isso aconteceu devido ao fato de as indústrias terem mantido suas fórmulas originais. Quando usados da primeira vez, os insetici­das matavam um grande número de insetos. Todavia, os que per­maneciam vivos, por serem resistentes ao veneno, deram origem a novos indivíduos também resistentes, gerando assim novas gera­ções não suscetíveis ao inseticida.

Por se mostrar mais consistente e passível de experimentação, a teoria de Charles Darwin se revelou mais eficiente do que a de Jean Baptiste Lamarck, sendo aceita até hoje.

Page 89: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

A evolução das espécies e do conhecimento Como já vimos antes, o conhecimento científico, assim como

a vida, não apareceu do nada, tampouco surgiu pronto e acabado. Assim como a vida, todo conhecimento é produto de um processo longo, lento e gradual, no qual todas as contr ibuições são importantes para o processo evolutivo.

Mesmo que as idéias e teorias de Paracelso ou Van Helmont tenham se mostrado infundadas, podemos afirmar que elas foram tão importantes quanto as de Oparin ou Darwin, posto que é a partir da rediscussão e do repensar de uma hipótese que se chega a descrições cada vez mais precisas acerca do funcionamento da natureza.

A produção de conhecimento não é mérito de um só cientista. É produto da contribuição de muitas pessoas que foram, ao longo do tempo, propondo questões e teorias sobre os mais diversos fenômenos.

Além disso, é importante ressaltar que muitas das teorias que adotamos hoje podem se mostrar falhas no futuro. Na verdade, as ciências não devem ser encaradas como geradoras de verdades absolutas e perpétuas; antes, porém, como um caminho de busca para saciar a sede de saber da espécie humana.

Pontos para reflexão

A origem da vida em nosso planeta é explicada a partir de teorias que foram se modificando ao longo dos anos. Todas essas teorias são de fundamental importância para a construção do conhecimento tal como o temos hoje. Além disso, o conhecimento atual não está pronto e acabado.

• Diante dessas premissas, o que podemos pensar a respeito das explicações que as crianças dão acerca dos fenômenos naturais?

• Além disso, como devemos encarar nossas convicções sobre o mundo e o ponto de vista do outro?

Sugestão de atividades

Confecção de álbum de gravuras de uma mesma espécie ani­mal ou vegetal, observando as variações quanto a tamanho, co­loração, hábitos etc.

Escolher uma determinada classe de animais (aves, répteis, mamíferos etc.) e estudar as semelhanças e diferenças entre as espécies.

Corresponder-se com escolas de outras regiões bem distintas para fazer levantamento das espécies (animais e vegetais) lá existentes e compará-las com as espécies locais.

Page 90: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Bibliografia Biological Sciences Curriculum Study. Biologia - das moléculas ao

homem. (Parte I). São Paulo, EDART, 1980. Organizado pelo Instituto Americano de Ciências Biológicas da Universidade do Colorado, EUA, o livro, destinado aos alunos de 2o grau, é apenas um dos volumes da coleção "Biologia - das moléculas ao homem". Nele encontramos um trabalho sério, detalhado e de linguagem acessível, onde são discutidas as diversas teorias que tratam desde a origem do planeta até as formas de vida que hoje encontramos.

CHASSOT, Attico. A Ciência através do tempo. São Paulo, Moderna, 1994. Esse livro mostra o processo de construção do conhecimento científico desde os mais remotos tempos até a nossa era. Sua leitura ajuda a compreender que, assim como a vida, o conhecimento é produto de um processo de evolução.

Page 91: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura
Page 92: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 93: Livros Grátislivros01.livrosgratis.com.br/me002688.pdf · ítalo Calvino, ao definir o tema exatidão em seu livro Seis propostas para o próximo milênio, diz que exatidão na literatura

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo