LIVROS NOVOS DESTAQUE Calouste...

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DESTAQUE "Memórias de Professores e Cientistas", Ana Simões (coord.), Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa,2001. Excelente volume de homanagem a profes- sores (já falecidos) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa: nas ciências físi- cas incluem-se Cyrillo Soares, Branca Mar- ques, Manuel Valadares e José Pinto Pe i xo t o. "O Discurso Pós-Moderno contra a Ciência", António Manuel Baptista, Gradiva,2002. O físico António Manuel Baptista entra em polémica com o sociólogo Boaventura So u s a Santos, autor de um "Discurso sobre as C i ê n- cias". O subtítulo "Obscurantismo e irre s p o n- sabilidade" elucida quais são as "acusações" fei- t a s a algumas correntes do pós-modernismo. LIVROS NOVOS Registam-se os seguinte títulos novos sobre temas de Física,ou ciência em geral,publicados nos últimos meses: "A Filosofia das Ciências do Século XX", Anouk Barberousse, Max Kistler e Pascal Ludwig, Instituto Piaget,2001 "Manual de Química Física",Gerd Wedler, Fundação Calouste Gulbenkian",2001. "Enteados de Galileu? A semiperiferia no sistema mundial de ciência",João Arriscado Nunes e Maria Eduarda Gonçalves (orgs.),Afrontamento, 2001. "O fim de um ciclo? A educação em Portugal no início do século XXI",Joaquim Azevedo, ASA, 2002. "Livro Branco da Física e da Química.Diagnóstico 2000. Recomendações 2002",Sociedade Portuguesa de Física e Sociedade Portuguesa de Química,2002. "Cognição e Aprendizagem de Conceitos-Chave de Física", Maria de Fátima Simões, Instituto de Inovação Educacional,2000. "Principia.Sobre os Elementos de Filosofia de Newton", Maria do Rosário Correia Branco, Principia,2001.. "Genealogia da Matéria", Michael Cassé, Instituto Piaget, 2001. "O Fim da Educação", Neil Postman, Relógio d’Água, 2002. "O Cérebro Humano",Susan A.Greenfield,Rocco/ Temas e Debates,2002. Agradece-se aos editores o envio à "Gazeta de Física" de livros nesta área a fim de serem divulgados,incluindo nalguns casos recensões críticas.

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DESTAQUE

"Memórias de Professores e Cientistas",

Ana Simões (coord.),

Faculdade de Ciências da Universidade de

Lisboa,2001.

Excelente volume de homanagem a pro f e s-s o res (já falecidos) da Faculdade de Ciênciasda Un i versidade de Lisboa: nas ciências físi-cas incluem-se Cyrillo So a res, Branca Ma r-ques, Manuel Va l a d a res e José Pinto Pe i xo t o.

"O Discurso Pós-Moderno contra a Ciência",António Manuel Baptista,Gradiva,2002.

O físico António Manuel Baptista entra empolémica com o sociólogo Boaventura So u s aSantos, autor de um "Discurso sobre as C i ê n-cias". O subtítulo "Obscurantismo e irre s p o n-sabilidade" elucida quais são as "acusações" fei-t a s a algumas correntes do pós-modernismo.

LIVROS NOVOS

Registam-se os seguinte títulos novos sobre temas de

Física,ou ciência em geral,publicados nos últimos meses:

"A Filosofia das Ciências do Século XX", Anouk

Barberousse, Max Kistler e Pascal Ludwig,

Instituto Piaget,2001

"Manual de Química Física",Gerd Wedler, Fundação

Calouste Gulbenkian",2001.

"Enteados de Galileu? A semiperiferia no sistema mundial

de ciência",João Arriscado Nunes e Maria Eduarda

Gonçalves (orgs.),Afrontamento, 2001.

"O fim de um ciclo? A educação em Portugal no início do

século XXI",Joaquim Azevedo,ASA, 2002.

"Livro Branco da Física e da Química.Diagnóstico 2000.

Recomendações 2002",Sociedade Portuguesa de Física e

Sociedade Portuguesa de Química,2002.

"Cognição e Aprendizagem de Conceitos-Chave de

Física", Maria de Fátima Simões, Instituto de Inovação

Educacional,2000.

"Principia.Sobre os Elementos de Filosofia de Newton",

Maria do Rosário Correia Branco, Principia,2001..

"Genealogia da Matéria", Michael Cassé, Instituto Piaget,

2001.

"O Fim da Educação", Neil Po s t m a n , Relógio d’Água, 2 0 0 2 .

"O Cérebro Humano",Susan A.Greenfield,Rocco/ Temas

e Debates,2002.

Agradece-se aos editores o envio à "Gazeta de Física" de livros

nesta área a fim de serem divulgados,incluindo nalguns casos

recensões críticas.

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MENTES BRILHANTES

"A Beautiful Mind"Sylvia NasarFaber and Faber, Londres e Nova Iorque, 1 9 9 9(tradução portuguesa a publicar pela Reló-gio d’Água)

"Copenhagen"Michael FraynMethuen Drama,2000(representação portuguesa a ser preparadapelo Novo Grupo, de Lisboa)

O filme "Uma Mente Brilhante" passourecentemente nas salas de cinema e ganhouóscares, nomeadamente o óscar para omelhor filme, recebido pelo realizadornorte-americano Ron Howard (o mesmode "Apollo 13").

O enredo tem, tal como "Apollo 13",uma base científica. Desta vez, não setrata de contar o drama dos astronautasque não sabem se salvarão depois de te-

rem lançado o desesperado alerta: "Hous-ton, we have a problem!". Trata-se antesde contar a história de um matemáticode génio, que trabalhou nos melhores sí-tios da ciência mundial (Instituto deEstudos Avançados de Princeton, ondeEinstein passou os últimos tempos dasua vida, e o Massachussetts Institute ofTechnology, MIT), que é depois atacadopor esquizofrenia e que consegue não sóresistir à doença como até, facto extra-ordinário, ganhar, já com mais de 60anos, o Prémio Nobel da Economia (em1994). John Nash, o cientista em causa,está vivo, como a película faz questão delembrar no final, e esteve até na cerimó-nia da entrega dos óscares.

Mas há importantes diferenças entre arealidade e a ficção do filme: alguns reali-zadores costumam, de resto, ser atacadospor este tipo de "esquizofrenia artística". Hollywood soube pintar com tons cor--de-rosa uma biografia que se encontranua e crua no livro que Sylvia Nasar, jor-nalista de economia do "New Yo rkTimes", publicou em 1998 e que dá otítulo ao o filme. Trata-se de uma exten-sa biografia, baseada em ampla pesquisa,de John Nash. O livro já era um êxitoantes do filme, mas o cinema projectou--o para o famoso t o p - t e n do "New Yo rkTi m e s " , onde ainda está o livro, muitomais do que o filme, retrata bem o que éa ciência em geral e a matemática emparticular. Na vida real, Nash mostratendências homossexuais na juventude etem um filho de uma enfermeira ao qualnão reconhece a paternidade. Nada dissoaparece no filme. Casa-se a seguir comuma estudante de física do MIT, AliciaLarde. Contudo, enquanto na vida realAlicia o abandona, incapaz de resistir aostress, no filme ela é uma heroína que seconserva sempre ao lado do génio des-graçado pela doença mental (os doisvoltaram a juntar-se recentemente, comoque confirmando o final feliz da ficçãocinematográfica). Na vida real o Nobelfoi partilhado com dois economistas, aopasso que no filme Nash aparece sozinhoa receber a medalha em Estocolmo.

A crítica não recebeu bem o filme(Mário Jorge Torres, no "Público" de 22

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de Fevereiro, dizia que o veículo para oóscar é um pastelão indigesto, destinado avender gato por lebre a quem quiser con-sumir, ao passo que Manuel Cintra Fer-reira, no "Expresso" do mesmo dia, es-crevia que é o exemplo de um vencedoranunciado, não pelas qualidades mas simpelo calculismo e oportunismo). Achou-osentimentalóide, piegas, lamechas (pordar a imagem de cientista louco salvo pelamulher a um público ávido de históriasextravagantes). O filme tem, porém, omérito de mostrar a vida e obra de umcientista ilustre. Está povoado de refe-rências científicas que poderão passard e s p e rcebidas à maioria dos especta-dores. Porém, pior do que a acentuaçãode uma história de novela ("coração salvacérebro perdido"), tem o demérito deampliar o estereótipo do cientista malu-co, alguém que vive apartado do mundoreal, permanentemente embrenhado emelucubrações e assaltado por fantasmas.É certo que alguns cientistas, em particu-lar matemáticos, conheceram a demên-cia ou pelo menos andaram lá perto (porexemplo, o austríaco Kurt Goedel, com-p a n h e i ro de Einstein em Pr i n c e t o n ) .Mas não é menos certo que não há qual-quer relação entre esquizofrenia e genia-lidade. A grave doença psiquiátrica, nor-malmente incurável, atinge cerca de umpor cento da população, apanhandotambém e como é óbvio os cientistas,que são, a este respeito, pessoas como asoutras.

A mostrar que está na moda a apropria-ção pelos meios artísticos de temas cien-tíficos, re p a re-se também na peça"Copenhagen", da autoria de MichaelFrayn, que explora o encontro de doisdos maiores físicos do século passado, od i n a m a rquês Niels Bohr e o alemãoWerner Heisenberg. Frayn é um drama-turgo nascido em Londres, que começoua sua carreira como jornalista no "TheGuardian" e no "The Observer". A peçaestreou primeiro em Londres em 1998 edepois em Nova Iorque em 2000. Ospersonagens são três: além de He i-senberg e Bohr, entra Margarethe Bohr,mulher deste último. O tema glosado é arelação de incert eza de He i s e n b e r g .Frayn dá a entender que a incerteza se

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aplica acima de tudo às acções humanas:Heisenberg não tem a certeza de quaiseram as suas intenções quando foi a Co-penhaga encontrar-se com Bohr... Osdois homens, duas mentes brilhantes,encontram-se em plena guerra mundial eem causa está nada mais nada menos doque o futuro do mundo: Bohr, o mestre,está do lado dos aliados e Heisenberg, odiscípulo, do lado dos alemães. Ambosestão ou poderão vir a estar de posse deimportantes segredos atómicos. Foramhá pouco re velados documentos quemostram o profundo desencanto deBohr relativamente à conduta de Hei-senberg (ver "Física no Mundo").

Quer "Uma Mente Brilhante" quer"Copenhagen" mostram como a ciênciapode chegar ao grande público. Estegosta de se alimentar de dramas, querseja o drama individual de um doenteque se cura como que por milagre, querseja o drama de todo o mundo, cujo des-tino depende do encontro de dois sábios.

CARLOS FIOLHAIS

[email protected]

POR QUE ACREDITAM

AS PESSOAS EM COISAS

ESTRANHAS

"Por que Acreditam as Pessoas em CoisasEstranhas.Pseudociência,Superstições eoutras Confusões do Nosso Tempo"Michael ShermerReplicação, 2001.

Na "Gazeta de Física" recebo muitas ve-zes artigos com conteúdos que, àprimeira vista, têm todo o aspecto de se-rem científicos mas que, à segunda vista,se revelam algo estranhos.

Um dos temas recorrentes consiste emmostrar que a teoria da relatividade estáerrada ou incompleta. Outro, por vezesrelacionado com o anterior, é a cosmolo-gia e, dentro deste tema, a tese favoritaconsiste em mostrar que o Big Bang nun-ca existiu. Os autores apresentam emgeral fórmulas matemáticas, o que atéfacilita a descoberta de erros. Mas, porvezes, a confusão é tão grande que é difí-cil descobrir o erro (como dizia Wolf-gang Pauli para rebater uma crítica: Oque diz nem sequer chega a estar errado!).

Em geral, os autores não aceitam bem arejeição do artigo, reclamando que sedeviam expor todas as ideias à livre críti-ca de todos. Mas não se pode fazer issopor uma questão de espaço e de tempo.De espaço, porque uma revista não temtodo o espaço, sendo por isso obrigada a

fazer uma escolha dos materiais que pu-blica de acordo com os objectivos quepersegue e com o público-alvo que tem.As contribuições científicas originaisdevem ser enviadas para revistas interna-cionais específicas e não para a revistanacional de divulgação da Física. Mas étambém um problema de tempo, porqueo tempo dos cientistas é limitado e elesnaturalmente preferem concentrá-lo naresolução dos seus próprios problemasou no exame de artigos de colegas seusconhecidos do que procurar erros emartigos obscuros, cujos autores não do-minam o método científico (não lhes de-vemos chamar cientistas, uma vez quenão aceitam o primado do reconheci-mento do erro).

É claro que a teoria da relatividade podeum dia vir a ser ultrapassada. Que existeuma pequena chance de o Big Bangnunca ter existido. Isto é: em ciência des-cobrem-se erros. Mas dificilmente essadescoberta será feita por quem não do-minar o aparato da ciência e, por isso,não conhecer profundamente o quadrocientífico estabelecido. Quem escre veesses artigos estranhos julga que é fácilf a zer ciência fundamental. Mas não:trata-se de uma das actividades humanasmais difíceis e exigentes, não estando aoalcance de diletantes. Há métodos emciências para não errar e a aquisição des-ses métodos exige um treino prolongadoe intenso.

Em suma, algumas pessoas, até cultas,são capazes de fabricar e acreditar emcoisas estranhas. E, se isto acontece comessas pessoas, por maioria de razão ocor-re com outras. As pessoas, em geral, sãocapazes de fabricar e de acreditar emcoisas muito, muito estranhas...

Pode pensar-se que tudo isso não faz mala ninguém. Mas pode fazer mal à car-teira! Mão amiga fez-me chegar hápouco um prospecto (autêntico, poistinha nomes, moradas, telefones e pre-ços de consulta) que re c o m e n d a va a"cura taquiónica" de várias doenças. Ostaquiões são partículas hipotéticas,baseadas em teorias que ultrapassam a darelatividade, que andariam com umavelocidade superior à da luz. Será queum ingénuo que comprar a dita "curataquiónica" vai viajar para trás no tem-po, até uma altura em que ainda nãoestivesse doente?

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O historiador de ciência norte-ameri-cano Michael Shermer intitulou um seulivro "Por que Acreditam as Pessoas emCoisas Estranhas". É uma leitura que serecomenda não só às pessoas que acre-ditam em coisas estranhas mas tambémàs outras. Aborda a pseudociência, a su-perstição, o criacionismo, a pseudohis-tória e até... a relatividade e a cosmologia(o autor ataca o livro "A Física da Imor-talidade: Cosmologia Moderna, Deus e aRessurreição dos Mortos", do astrofísicoFrank Tipler. Shermer é director da re-vista "Skeptic", editada na Califórnia, eque é uma das duas principais revistasque tentam enfrentar a pseudo-ciência ea paraciência (a outra é a "Skeptical In-quirer", editada na costa leste dos EUA).Shermer organiza as "palestras cépticas"do California Institut of Te c h n o l o g y,ensina história da ciência e da tecnologiae tem uma coluna no "Scientific Ame-rican". Esta sua obra é um retrato pene-trante da nossa imensa capacidade de nosiludirmos e é, em última análise, umahomenagem ao espírito científico.

Por que acreditam as pessoas em coisasestranhas? Por falta de uma cultura cien-tífica devidamente generalizada e en-raizada.

C. F.

O PAPEL DA HISTÓRIA

DAS CIÊNCIAS

"História das Ciências"Pascal AcotEdições 70, 2001.

É comum arrumar as ciências de um la-do e a história de um outro. Nas univer-sidades a ciência aparece nas faculdadesde ciências e de engenharia, enquanto ahistória surge nas faculdades de letras.Pelo contrário, não é comum encontrardisciplinas de ciências nas escolas de hu-manidades nem disciplinas de histórianas escolas de ciências. Os cientistas "du-ros" desconfiam da "moleza" da história,mesmo que seja das ciências. E os cien-tistas "moles" temem a "dureza" dasciências exactas e naturais. Mas tal arru-mação dicotómica esquece que existe,desde há muito, uma disciplina chamadahistória das ciências que está no cruza-mento preciso entre a história e a ciência.Exige tanto conhecimentos de históriacomo conhecimentos de ciência. Ondeestudar esse assunto? Devia ser nos doislados. Se ele apenas existir num doslados, dever-se-ia assegurar a frequênciadas pessoas do "outro lado". Mesmoantes do ensino superior, faz todo o sen-tido existir uma disciplina de história dasciências no final dos estudos secun-dários.

Por que é importante a história das ciên-cias? Como se vê logo do lugar queocupa entre história e ciência, pelo seupapel na eliminação ou pelo menos esba-timento de compartimentações rígidas etradicionais que fazem cada vez menossentido. Se a ciência é (erradamente) vis-ta como algo de impessoal, mesmo inu-mano, a história das ciências ensina-nosque a ciência é realizada por pessoasconcretas que, examinadas de perto, serevelam bem humanas (mesmo "deuses"como Isaac Newton e Albert Einsteintêm biografias completamente huma-nas). A história das ciências mostra-nosque a ciência não caiu dos céus aos tram-bolhões, mas resultou da aspiração e dotrabalho dos homens.

A ciência, por mais "fria" e "neutra" queseja apresentada em livros ou em aulas,traz sempre consigo a marca dos seuscriadores originais, das épocas em quesurgiu e dos sítios onde nasceu. A ciênciafeita em cada época é inseparável dore s p e c t i vo espírito do tempo – o Ze i t g e i s t –que, de algum modo, conserva à medidaque vai sendo absorvida por ciência maisrecente. Tal facto não representa ne-nhum defeito ou disfuncionalidade, masé antes uma marca que a ciência partilhacom outras formas de cultura e, portan-to, é uma virtude a admirar e uma fun-cionalidade a explorar. Por exemplo, éinteressante descobrir o espírito do tem-po tanto em obras científicas como emobras artísticas suas contemporâneas(um livro recente de Arthur Miller asso-cia a relatividade de Einstein ao cubismode Picasso; atenção que este Miller não éo dramaturgo de "A Morte do CaixeiroViajante").

A história da ciência ensina-nos que aciência é um empreendimento humanoque se realiza progressiva e paulatina-mente, ao longo dos tempos, num pro-cesso que é mais de acumulação do quede ruptura (o historiador e filósofo daciência Thomas Kuhn exagerou ao falarde mudança brusca de paradigmas). Ofacto de a ciência ser humana não sig-nifica que ela não se confronte com umarealidade objectiva – as ciências exactas enaturais tratam, sem dúvida, do conhe-

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cimento do mundo exterior ao homem–, mas sim que, na construção do edifí-cio científico, entram elementos que têma ver com as personalidades e com o queestas habitaram. Pode até entrar a dispu-ta e a intriga, tal como numa boa novela.A ciência não fica diminuída pelo factode ter uma história e até uma históriarecheada de incidentes. Bem pelo con-trário, a história da ciência acrescenta àciência uma dimensão não desprezável, adimensão das dificuldades, das hesita-ções e dos erros. E isso é a ciência com-pleta e verdadeira: não apenas um corpode conhecimentos, que se vai permanen-temente actualizando, mas o processo, ométodo que proporciona tal actualiza-ção.

Para que serve então a história da ciên-cia? A história da ciência permite-noscompreender melhor a ciência do pre-sente, iluminando-a com a luz do passa-do. E permite-nos compreender melhora ciência do passado, iluminando-a coma luz do presente. Embora o historiadorde ciência faça por vezes um grande es-forço para ver a ciência do passado só

com os olhos do passado, é inevitávelque a veja também com os olhos do pre-sente. O historiador de ciência PascalAcot, no seu livro "História das Ciên-cias" recentemente saído em português(o original francês saiu na colecção "QueSais-je?" das Presses Un i ve r s i t a i res deFrance), cita o historiador e filósofo deciências Gaston Bachelard para nos lem-brar precisamente a necessidade de oponto de partida ser sólido: O historia-dor das ciências, para bem julgar o passa-do, deve apreender o mais possível a ciên-cia cuja história se propõe escrever .

Por outras palavras: um historiador deciência deve começar por ser um espe-cialista no ramo que quer historiar. MasAcot acrescenta:

Mas esta necessidade não deve levar os his-toriadores das ciências a passarem ao crivoas obras científicas do passado, para sepa-rarem o que hoje é considerado verdadeirodaquilo que é considerado errado ou de re-ter apenas, na multidão de obras passadas,aquelas, que, retrospectivamente, parecemprogredir rumo à modernidade, como se

elas ‘avançassem ao nosso encontro’ e, por-tanto, como se a história fosse orientada.Num jogo como este, efectivamente, só po-deríamos sair perdedores, visto que o errocientífico pode ser de uma espantosa fecun-didade e trazer nele próprio as sementes deum discurso verdadeiro acerca dos fenó-menos estudados.

É possível que o historiador de ciênciaconsiga descortinar a ciência do futurocom os olhos do passado e do presente.Se o conseguir, terá alargado a dimensãoda disciplina que pratica. Terá até am-pliado a sua justificação. Nesse caso, otrabalho do historiador não será apenas ode esgravatar no passado para saber co-mo foi. Será também o de adivinhar co-mo será. A história das ciências poder--nos-á poupar algumas dificuldades, he-sitações e erros, permitindo-nos saber,com alguma economia de tempo, comoserá o futuro das ciências.

C. F.

ERRATA

Por lapso, não foi incluído na lista de colaboradores da última "Gazeta de Física" (vol.25,fasc. 1 – 2002) o nome deFrancisco Fatela.Também na mesma edição, "caíu" uma palavra no título do artigo de Jorge Buescu e João Paulo Teixeira.A formulação correcta é a que consta no sumário:"Galáxias infinitamente grandes e halos infinitesimais."

No artigo "Atrito entre sólidos:discussão de algumas dificuldades dos estudantes",de H.Caldas,E.Saltiel e A.Cunha,publicado no vol.24,fasc. 4:12-19 faltam,na Fig.2, as "setas" nas velocidades v12 e v1s e na legenda no lado direito deveser "força de atrito cinético que 2 exerce em 1" e "força de atrito cinético que 1 exerce em 2",em vez de “força deatrito estático que 2 exerce em 1” e “força de atrito estático que 1 exerce em 2”.

Na carta “Meia-vida e actividades”,de Fernando Pulido Valente, publicada no vol.24,fasc. 4:47,a primeira equação deveser

,

e a segunda

,

e o código postal,no fim,é 1495-158.

A todos as nossas desculpas.

A = Nln2T1/2

dNdt

= A = N