Lobato O JardineiroTimoteo e Maraba

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  • 7/27/2019 Lobato O JardineiroTimoteo e Maraba

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    Dois contos de Monteiro Lobato: O Jardineiro Timteo e Marabin LOBATO, Monteiro. Negrinha. Obras completas, Volume 3. So Paulo: Brasiliense, 1946.

    O JARDINEIRO TIMTEO

    O casaro da fazenda era ao jeito das velhas moradias coloniais: frente com varanda, uma ala eptio interno. Neste ficava o jardim, tambm moda antiga, cheio de plantas antigas cujas florespunham no ar um saudoso perfume dantanho. Quarenta anos havia que lhe zelava dos canteiros obom Timteo, um preto branco por dentro. Timteo o plantou quando a fazenda se abria e a casa indacheirava a reboco fresco e tintas dleo recentes, e desda l se iam quarenta anos ningummais teve licena de pr a mo em seu jardim.

    Verdadeiro poeta, o bom Timteo.

    No desses que fazem versos, mas dos que sentem a poesia sutil das coisas. Compusera, sem osaber, um maravilhoso poema onde cada plantinha era um verso que s ele conhecia, verso vivo,risonho ao reflorir anual da primavera, desmedrado e sofredor quando junho sibilava no ar os ltegosdo frio. O jardim tornara-se a memria viva da casa. Tudo nele correspondia a uma significaofamiliar de suave encanto, e assim foi desdo comeo, ao riscarem-se os canteiros na terra virgemainda recendente a escavao. O canteiro principal consagrava-o Timteo ao Sinh velho, tronco daestirpe e generoso amigo que lhe dera carta dalforria muito antes da Lei urea. Nasceu faceiro e bonito, cercado de tijolos novos vindos do forno para ali ainda quentes e embutidos no cho comorude cngulo de coral; hoje, semi-desfeitos pela usura do tempo e to tenros que a unha os penetra,esses tijolos esverdecem nos musgos da velhice.

    Veludo de muro velho, como chama Timteo a essa muscnea invasora, filha da sombra eda umidade. E bem isso, porque o musgo foge sempre aos muros secos, vidrentos, esfogueados desol, para estender devagarinho o seu veludo prenunciador de tapera sobre os muros alquebrados, deemboo j carcomido e todo aberto em fendas.

    Bem no centro erguia-se um nodoso p de jasmim-do-cabo, de galhos negros e copa dominante,ao qual o zeloso guardio nunca permitiu que outra planta sobreexcedesse em altura. Simbolizava ohomem que o havia comprado por dois contos de ris dum importador de escravos de Angola.

    Tenha pacincia, minha negra! conversa ele com as roseiras de setembro, teimosas emespichar para o cu brotos audazes. Tenha pacincia, que aqui ningum olha de cima para o Sinhvelho.

    E sua tesoura afiada punha abaixo, sem d, todos os rebentos temerrios.

    Cercando o jasmineiro havia uma coroa de periquitos e outra menor de cravinas. Mais nada.

    Ele era homem simples, pouco amigo de complicaes. Que fique ali sozinho com operiquito e as irmzinhas do cravo.

    Dos outros canteiros, dois eram em forma de corao.

    Este o de Sinhazinha; e como ela um dia h de casar, fica a par dele o canteiro do Sinhmoo.

    O canteiro de Sinhazinha era de todos o mais alegre, dando bem a imagem de um corao demulher rico de todas as flores do sentimento. Sempre risonho, tinha a propriedade de prender os olhosde quantos penetravam no jardim. Tal qual a moa, que desde menina se habituara a monopolizar os

    carinhos da famlia e a dedicao dos escravos, chegando esta a ponto de, ao sobrevir a Lei urea,

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    nenhum ter nimo de afastar-se da fazenda. Emancipao? Loucura! Quem, uma vez cativo deSinhazinha, podia jamais romper as algemas da doce escravido?

    Assim ela na famlia, assim o seu canteiro entre os demais. Livro aberto, smbolo vivo, crnicavegetal, dizia pela boca das flores toda a sua vidinha de moa. O p de flor-de-noiva, primeira plantasria ali brotada, marcou o dia em que foi pedida em casamento. At ento s vicejavam nele flores

    alegres de criana: esporinhas, bocas-de-leo, borboletas, ou flores amveis da adolescncia amores-perfeitos, damas-entre-verdes, beijos-de-frade, escovinhas, miostis.

    Quando lhe nasceu, entre dores, o primeiro filho, plantou Timteo os primeiros tufos de violeta.

    Comea a sofrer...

    E no dia em que lhe morreu esse malogrado botozinho de carne rsea, o jardineiro, emlgrimas, fincou na terra os primeiros goivos e as primeiras saudades. E fez ainda outras substituies:as alegres damas-entre-verdes cederam o lugar aos suspiros roxos e a sempre-viva foi para o cantoonde viavam as ridentes bocas-de-leo.

    J o canteiro de Sinh-moo revelava intenes simblicas de energia. Cravos vermelhos emquantidade, roseiras fortes, ouriadas de espinhos; palmas-de-santa-rita, de folhas laminadas;

    junquilhos nervosos.E tudo mais assim.

    Timteo compunha os anais vivos da famlia, anotando nos canteiros, um por um, todos osfatos dalgumas significaes. Depois, exagerando, fez do jardim um canhenho de notas, o verdadeirodirio da fazenda. Registrava tudo. Incidentes corriqueiros, pequenas rusgas de cozinha, um lembreteazedo dos patres, um namoro de mucama, um hspede, uma geada mais forte, um cavalo deestimao que morriatudo memorava ele com hierglifos vegetais em seu jardim maravilhoso.

    A hospedagem de certas famlias do Rio pai, me e trs sapequssimas filhas l ficouassinalada por cinco ps de ora-pro-nobis. E a venda do pampa caludo, o melhor cavalo dasredondezas, teve a mudana de dono marcada pela poda dum galho do jasmineiro.

    Alm desta comemorao anedtica, o jardim consagrava uma planta a cada subalterno ouanimal domstico. Havia a roseira-ch da mucama de Sinhazinha; o sangue-de-Ado do Tibrciococheiro; a rosa-maxixe da mulatinha Cesria, sirigaita enredeira, de cara fuxicada como essa flor. OVinagre, o Meteoro, a Mangerona, a Tetia, todos os ces que na fazenda nasceram e morreram aliestavam lembrados pelo seu pezinho de flor, um resed, um tufo de violetas, uma toua de perptuas.O co mais inteligente da casa, Otelo, morto hidrfobo, teve as honras duma sempre-viva rajada.

    Quem h-de esquecer um bicho daqueles que at parecia gente?

    Tambm os gatos tinham memria. L estava a cinerria da gata branca morta nos dentes doVinagre e o p de alecrim relembrativo do velho gato Romo.

    Ningum, a no ser Timteo, colhia flores naquele jardim. Sinhazinha o tolerava desde o dia

    em que ele explicou:Nosabem, Sinhazinha! Vo l e atrapalham tudo. Ningumsabe apanhar flor...

    Era verdade. S Timteo sabia escolh-las com inteno e sempre de acordo com o destino. Seas queriam para florir a mesa em dia de anos da moa, Timteo combinava os buqus como estrofesvivas. Colhia-as resmungando.

    Perptua? No. Voc no vai pra mesa hoje. festa alegre. Nem voc, dona violetinha! ...Rosa maxixe? Ah! Ah! Tinha graa a Cesria em festa de branco!...

    E sua tesoura ia cortando os caules com cincia de mestre. s vezes parava, a filosofar:

    Ningum se lembra hoje do anjinho... Pra que, ento, goivo nos vasos? Quieto fique aqui osenhor goivo, que no flor de vida, flor de cemitrio...

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    E sua linguagem de flores? Suas ironias, nunca percebidas de ningum? Seus louvores, deningum suspeitados? Quantas vezes no deps na mesa, sobre um prato, um aviso a um hospede, umlembrete patroa, uma censura ao senhor, composto sob forma dum ramalhete? Ignorantes da lnguado jardim, riam-se eles da maluquice do Timteo, incapazes de lhe alcanar o fino das intenes.

    Timteo era feliz. Raras criaturas realizam na vida mais formoso delrio de poeta. Sem famlia,

    criara uma famlia de flores; pobre, vivia ao p de um tesouro.Era feliz, sim. Trabalhava por amor, conversando com a terra e as plantas embora a copa e a

    cozinha implicassem com aquilo.

    Que tanto resmunga o Timteo! Fica ali mamparreando horas, a cochichar, a rir, como seestivesse no meio duma crianada! ...

    que na sua imaginao as flores se transfiguravam em seus seres vivos. Tinham cara, olhos,ouvidos... O jasmim-do-cabo, pois no que lhe dava a bno todas as manhs? Mal Timteoaparecia, murmurando A beno, Sinh e j o velho encarnado na planta respondia com voz alegre:Deus te abenoe, Timteo.

    Contar isso aos outros? Nunca! Est louco, haviam de dizer. Mas bem que as plantinhas

    falavam...E como no ho de falar, se tudo criatura de Deus, homessa!...

    Tambm dialogava com elas.

    Contentinha, hein? Boa chuva a de ontem, no?

    ...

    Sim, l isso verdade. As chuvas midas so mais criadeiras, mas voc bem sabe que no tempo. E o grilo? Voltou? Voltou, sim, o ladro... E aqui roeu mais esta folhinha... Mas deixe estar,que eu curo ele!

    E punha-se a procurar o grilo. Achava-o.

    So malfeitor!... Quero ver se continua agora a judiar das minhas flores.

    Matava-o, enterrava-o. Vira esterco, diabinho!.

    Pelo tempo da seca era um regalo ver Timteo a chuviscar amorosamente sobre as flores com oseu velho regador.

    O sol seca a terra? Bobice!... Como se o Timteo no estivesse aqui de chovedor na mo.

    Chega tambm, u! Ento quer sozinho um regador inteiro? Boa moda! No v que asesporinhas esto com a lngua de fora?

    E esta boca-de-leo, ah! ah! Est mesmo com uma boca de cachorro que correu veado!Tome l, beba, beba!

    E voc tambm, so resed, tome l seu banho pra depois namorar aquela dona hortnsia,moa bonita do zio azul...

    E l ia...

    Plantas novas que abrolhavam o primeiro boto punham alvoroo de noivo no peito do poeta,que falava do acontecimento na copa, provocando as risadinhas impertinentes da Cesria.

    Diabo do negro velho, cada vez caducando mais! Conversa com flor como se fosse gente.

    S a moa, com o seu fino instinto de mulher, lhe compreendia as delicadezas do corao.

    Est aqui, sinh, a primeira rainha margarida deste ano!

    Ela fingia-se extasiada e punha a flor no corpete.Que beleza!

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    E Timteo ria-se, feliz, feliz...

    Certa vez falou-se na reforma do jardim.

    Precisamos mudar istolembrou o moo de volta dum passeio a So Paulo. H tantasflores modernas, lindas, enormes, e ns toda a vida com estas cinerrias, estas esporinhas, estas florescaipiras... Vi l crisandlias magnficas, crisntemos deste tamanho e uma rosa nova, branca, togrande que at parece flor artificial.

    Quando soube da conversa Timteo sentiu gelo no corao. Foi agarrar-se com a moa. Eletambm conhecia essas flores de fora, vira crisntemos em casa do coronel Barroso e as tais dliasmestias no peito duma faceira no leilo do Esprito Santo.

    Mas aquilo nem flor, Sinh! Coisas da estranja que o Canhoto inventa para perder ascriaturas de Deus. Eles l que plantem. Ns aqui devemos zelar das plantas de famlia. Aquela dliarajada, est vendo? singela, no tem o crespo das dobradas; mas quem troca uma menina de sanhade chita cor de rosa por uma semostradeira da cidade, de muita seda no corpo, mas sem f no corao?De manh fica assim de abelhas e cuitelos em roda delas! ... E eles sabem, eles no ignoram quemmerece. Se as das cidades fossem de mais estimao, por que que esses bichinhos de Deus ficam

    aqui e no vo pra l? No, Sinh! preciso ainda, no sabe a vida. preciso respeitar as coisas dedantes...

    E o jardim ficou.

    Mas um dia... Ah! Bem se sentira Timteo tomado de averso pela famlia dos "ora-pro-nobis"!Pressentimento puro... O "ora-pro-nobis" pai voltou e esteve ali uma semana em concilibulo com omoo. Ao fim deste tempo explodiu como bomba a grande notcia: estava negociada a fazenda,devendo a escritura passar-se dentro de poucos dias.

    Timteo recebeu a nova como quem recebe uma sentena de morte. Na sua idade tal mudanalhe equivalia a um fim de tudo. Correu a agarrar-se moa, mas desta vez nada puderam contra asarmas do dinheiro os seus pobres argumentos de poeta.

    Vendeu-se a fazenda. E certa manh viu Timteo arrumarem-se no trole os antigos patres, asmucamas, tudo o que constitua alma do velho patrimnio.

    Adeus, Timteo!disseram alegremente os senhores-moos, acomodando-se no veculo.

    Adeus! Adeus!...

    E l partiu o trole, a galope... Dobrou a curva da estrada... Sumiu-se para sempre...

    Pela primeira vez na vida Timteo esqueceu de regar o jardim. Quedou-se plantado a um canto,a esmoer o dia inteiro o mesmo pensamento doloroso:

    Branco no tem corao...

    Os novos proprietrios eram gente da moda, amigos do luxo e das novidades. Entraram na casa

    com franzimentos de nariz para tudo.Velharias, velharias...

    E tudo reformaram. Em vez da austera moblia de cabina, adotaram mveis pechisbeques, comveludinhos e frisos. Determinaram o empapelamento das salas, abertura de um hall, mil coisasesquisitas... Diante do jardim, abriram-se em gargalhadas.

    incrvel! Um jardim destes, cheirando a Tom de Souza, em pleno sculo das crisandlias!

    E correram-no todo, a rir, como perfeitos malucos.

    Olhe Yvette, esporinhas! inconcebvel que inda haja esporinhas no mundo!

    E periquito, Odete! Pe-ri-qui-to!...disse uma das moas, torcendo-se em gargalhadas.

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    Timteo ouvia aquilo com mil mortes nalma. No restava dvida, era o fim de tudo, comopressentira: aqueles bugres da cidade arrasariam a casa, o jardim e o mais que lembrasse o tempoantigo. Queriam s o moderno.

    E o jardim foi condenado. Mandariam vir o Ambrogi para traar um plano novo de acordo coma arte modernssima dos jardins ingleses. Reformariam as flores todas, plantando as ltimas criaes

    da floricultura alem. Ficou decidido assim. E para no perder tempo, enquanto o Ambrogi no chega, ponho aquele macaco a me

    arrasar istodisse o homem apontando para Timteo.

    tio, vem c!

    Timteo aproximou-se, com ar apatetado.

    Olha, ficas encarregado de limpar este mato e deixar a terra nuazinha. Quero fazer aqui umlindo jardim. Arrasa-me isto bem arrasadinho, entendes?

    Timteo, trmulo, mal pde engrolar uma palavra:

    Eu?

    Sim, tu! Por que no?

    O velho jardineiro, atarantado e fora de si, repetiu a pergunta:

    Eu? Eu, arrasar o jardim?

    O fazendeiro encarou-o, espantado da sua audcia, sem nada compreender daquela resistncia.

    Eu? Pois me acha com cara de criminoso?

    E no podendo mais conter-se explodiu num assomo estupendo de clera o primeiro e onico de sua vida.

    Eu vou mas embora daqui, morrer l na porteira como um cachorro fiel. Mas olhe, moo,

    que hei de rogar tanta praga que isto h de virar uma tapera de lacraias! A geada h de torrar o caf. Apeste h de levar at as vacas de leite! No h de ficar aqui nem uma galinha, nem um p de vassoura!E a famlia amaldioada, coberta de lepra, h de comer na gamela com os cachorros lazarentos!...Deixa estar, gente amaldioada! No se assassina assim uma coisa que dinheiro nenhum paga. No semata assim um pobre negro velho que tem dentro do peito uma coisa que l na cidade ningum sabe oque . Deixa estar, branco de m casta! Deixa estar, caninana! Deixa estar! ...

    E fazendo com a mo espalmada o gesto fatdico, saiu s arrecuas, repetindo cem vezes amesma ameaa: Deixa estar! Deixa estar!....

    E longe, na porteira, ainda espalmava a mo para a fazenda, num gesto mudo:

    Deixa estar...

    Anoitecia. Os curiangos andavam a espacejar silenciosos vos de sombra pelas estradasdesertas. O cu era todo um recamo fulgurante de estrelas. Os sapos coaxavam nos brejos e vaga-lumes silenciosos piscavam piques de luz no sombrio das capoeiras.

    Tudo adormecera na terra, em breve pausa de vida para o ressurgir do dia seguinte.

    S no ressurgir Timteo. L agoniza ao p da porteira. L morre. E l o encontrar a manh,enrijecido pelo relento, de borco na grama orvalhada, com a mo estendida para a fazenda numderradeiro gesto de ameaa:

    Deixa estar!...

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    MARAB

    Bom tempo houve em que o romance era coisa de aviar com receitas vista, qual faz o honestoboticrio com os seus xaropes.

    Quer trabuco histrico? Tome tanto de Herculano, tanto de Walter Scott, um pajem, um escudeiroe o que baste de Briolanjas, Urracas e Guterres.Quer indianismo? Ponha duas arrobas de Alencar, uns laivos de Fenimore, pitadas de

    Chateaubriand, granas quan-tum satis, misture e mande.Receitas para tudo. Para comeo (frmula Herculano): Era por uma dessas tardes de vero em

    que o astro-rei, etc., etc.E para fim (frmula Alencar): E a palmeira desapareceu no horizonte...Arrumado o cenrio da natureza, surgia, l em Portugal, um lidador com o seu espadago, todo

    carapaado de ferro e ereto no lombo de ardego morzelo; ou, aqui no Brasil, um cacique de ferozcatadura, todo arco, flechas e inbias.

    E vinha, ou uma castel de olhos com cercadura de violetas, ou uma morena virgem nua, depulseira na canela e mel nos lbios.

    E no tardava um donzel trovadoresco que cantava a castel , ou um guerreiro branco que fugiacom a iracema garupa.

    Depois, a escada de corda, o luar, os beijosmultiplicao da espcie moda medieval; ou umsussurro na moitamultiplicao da espcie moda natural.

    A tantas o pai feroz descobria tudo e, frente dos seus pees, voava caa do sedutor emdesabalada corrida, rebentando dzia de corcis; ou o cacique de rabos de arara na cabea erguia asmos para o cu de Tup, implorando vingana.

    E dom Bermudo, apanhando o trovador pirata, o objurgava em estilo de catedral com a toledanaerguida sobre sua cabea:

    Mentes pela gorja, perro infame!"Ou o cacique, filando o guerreiro branco, o trazia para a taba ao som da inbia, e l o assava em

    fogueira de pau-brasil; vingana tremenda, porm no maior que a de dom Bermudo a fender o crniodo pajem e arrancar-lhe o corao fumegante, para dep-lo no regao da castel manchada.E a moa desmaiava, e o leitor chorava e a obra recebia etiqueta de histrica, se passada

    unicamente entre dons e donas, ou de indianista, se na manipulao entravam ingredientes do emprioGonalves Dias, Alencar & Cia.

    Veio depois Zola com o seu naturalismo, e veio a psicologia e a preocupao da verdade, tudopor contgio da cincia que Darwin, Spencer e outros demnios derramaram no esprito humano.

    Verdade, Verdade!... Que musa tirnica! Como faz mal aos romancistas e como osfora a tertalento!

    Foram-se as receitas, os figurinos. Cada qual faa como entender, contanto que no discrepe doverias super omnia, latim que em arte significa mentir com verossimilhana.

    Tudo isso para qu?perguntar o leitor atnito.

    que trago nos miolos uma novela to ao sabor antigo, to fora da moda, que no me animo aimpingi-la sem prembulo. E no feia, no. Vem de Alencar, esse filho dalguma Sherazade aimor,que a todos ns, na juventude, nos povoou a imaginao de lindas coisas inesquecveis. E compe-sede um guerreiro branco, duas virgens das selvas, caciques, danas guerreiras, fuga herica, etc.

    Chama-seMarab e principia assim:Era por uma dessas noites enluaradas de vero, em que a natureza parece chovida de cinzas

    brancas.Dorme a taba, e dorme a floresta circundante, sem sussurros de brisas, nem regorjeio de aves.S o urutau pia longe, e uma ou outra suindara perpassa, descrevendo vos de veludo ao som

    dum clu, clu, clu...que ora se aproxima, ora se perde distante.No centro do terreiro, atado a um poste de canjerana rija, o prisioneiro branco vela. Foi vencido

    em combate cruento, teve todos os seus homens trucidados e vai agora pagar com a vida o louco ousiode pisar terra aimor. Ser sacrificado pela manh ao romper do sol, cabendo ao potente Anhembira,

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    cacique invicto, a honra de fender-lhe o crnio com a iverapema de pau-ferro. Seu corpo serdestroado pelas horrendas megeras da tribo, sua carne devorada pelos ferozes canibais.

    O guerreiro branco rememorar com melancolia o viver to breve sua meninice de ontem, oengajamento numa nau, a viagem por mar, as aventuras nas terras novas de Santa Cruz, norteadas peladesmedida ambio do ouro.

    louro e tem olhos azuis. Em suas veias corre o melhor sangue do reino. Seu av caiu nasndias, varado duma zagaia cingalesa; seu pai, nos sertes inspitos dos Brasis, acabou na paralisia docurare que seta fatal lhe inoculou.

    Chegara a vez do mal-aventurado rebento ltimo dessa estirpe de heris...Em redor, guerreiros cor de bronze, exaustos da dana e bbados de cauim, jazem estirados, as

    mos soltas dos tacapes terrveis. Tambm dormita o velho paj, de ccras rente acara, com omarac em silncio ao lado.

    Quem mais? Sim, a lua... A lua que no alto passeia o seu crescente.Sbito, um vulto se destaca de moita vizinha e aproxima-se cauteloso, com ps sutis de cora

    arisca. In, a mais formosa virgem das selvas, oriunda do sangue cacical de Anhembira, o Morde-

    coraes.

    A virgem caminha em direo do prisioneiro. Para-lhe defronte e por instantes o contempla,como presa de indecisas idias.Por fim decide e, ligeira como a irara, desfaz os ns da mussurana fatal e d de beber ao

    guerreiro branco o trago de cauim desentorpecedor dos msculos adormentados. Em seguida mira-o afurto nos olhos, perturbada, e num gesto indica-lhe a mata, sussurando em lngua da terra:

    Foge!O guerreiro branco vacila. No conhece a mata, que imensa, e teme encontrar em seu seio

    morte mais cruel que a pelo tacape de Anhembira.In compreende o seu enleio e, tomando-lhe a mo, leva-o consigo; conhece a mata a palmo e

    sabe o caminho de p-la a seguro em stio at onde no ousa alongar-se a gente aimor.A noite inteira caminham, e s quando um grande rio de guas negras lhe tranca o passo que a

    virgem morena se detm. Aponta o rio ao moo guerreiro e nesse gesto diz que est finda a suamisso, pois que o rio leva ao mar e o mar o caminho dos guerreiros brancos.

    O moo tem o peito a estourar de gratido e como no pode signific-lo com palavras lusas,recorre ao esperanto da natureza: abraa a virgem morena, beija-a e, a cu aberto, ao som murmurodas guas eternas, louco de paixo, a possui.

    Reticncias.Ao romper da madrugada: a cotovia que canta!...diz ela.No; o rouxinolretruca Romeu. a cotovia... o rouxinol...Vence a cotovia. O moo beija-a pela ltima vez e parte. No esquece, porm, de enfiar no dedo

    de Julieta um aneljia indispensvel ao desfecho da nossa tragdia.Primeiro ato

    A tribo est apreensiva. As velhas murmuram e o paj inquieta-se.Marabsussurram todos.Castigo de Tup? Sinal do cu que marca o termo da glria de Anhembira, o chefe da tribo?Uma criana nascera ali, de olhos azuis e loura, evidentemente marab. E nascera de In, a virgem

    bronzeada em cujas veias corre o sangue do grande morubixaba.Traio!A me mentira raa, e do contato com o estrangeiro invasor, cruel inimigo que do seio do mar

    surgiu para desgraa do povo americano, teve aquela filha. O louro dos cabelos, o azul dos olhos, a

    alvura da pele, denunciavam claramente o imperdovel crime.Marab!sussurram todos.

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    E um vago terror espalha-se pela tribo.O paj rene em conclio os velhos para decidirem sobre o caso gravssimo. E aps longas

    ponderaes a assemblia resolve o sacrifcio da pequena marab, em holocausto aos manes irritadosda tribo.

    Levam a sentena ao cacique, que pai, mas que antes de pai o Chefe, o inexorvel guardio daLei velha como o tempo.

    Anhembira cerra o sobrecenho, baixa a cabea e queda-se imvel como a prpria esttua da dor.Entre parnteses.Uma coisa me espanta: que haja inda hoje, nestes nossos atropelados dias modernos, quem

    escreva romances! E quem os leia!...Conduzir por trezentas pginas a fio um enredo, que estafa!Nada disso. Sejamos da poca, apressada, automobilstica, aviatria, cinematogrfica, e estaminha, Marab, no andamento em que comeou, no chegaria nunca ao eplogo.

    Abreviemo-la, pois, transformando-a em entrecho de filme. Vantagem trplice: no maar opobre do leitor, no comer o escasso tempo do autor e ainda pode ser que acabe filmada, quandotivermos por c miolo e nimo para concorrer com a Fox ou a Paramount.

    V daqui para diante a cem quilmetros por hora, dividida em quadros e letreiros.

    Quadro

    Enquanto Anhembira, de cabea derrubada sobre o peito, medita sobre a sentena que condenoua criana loura, uma ndia velha corre a avisar In.

    In me e as mes no vacilam. Toma a filhinha nos braos e foge para as selvas...

    Quadro

    Lindo cenrio. Trecho de mata-virgem trancado de cipoeira, tranado de taquaruus. V-se direita um velho tronco de enorme jequitib. nesse oco que mora a menina loura de olhos azuis. Ame ajeitou-o para esconderijo seguro; tapetou-o de musgos macios; fez dele um ninho de meterinveja s aves.

    Ali dorme o lindo anjo, filho do mar a cu aberto. Ali recebe a me inquieta, que de fuga lhe trazo seio nutriz. De fuga, pois a tribo ignora o estratagema e est certa de que a filha de Anhembiraarrojou ao abismo das guas o fruto maldito do seu ventre.

    Letreiro

    Marab cresceu no sombrio da mata, como a ninfa mimosa do ermo. In ensinou-lhe a vida edeu-lhe armas com que abatesse as aves que piam no subosque, e a caa ligeira que entoca, e ospeixes faiscaste.s que se alapam nas pedras.

    QuadroMarab despede-se de sua me.J pode viver por si e quer seguir para ermos distantes onde no chegue o som das inbias de

    Anhembiral onde o rio como um deus irrequieto que ora escabuja nas fragas, ora brinca com asptalas mortas remoinhantes e seus remansos.

    In despede-se da filha e, repetindo o gesto do guerreiro branco, pe-lhe no dedo o anel denpcias.

    Quadro

    A vida solitria de Marab. Seu namoro com o rio. Nele banha-se e mergulha e nada, com a linda

    coma loura flutuante, e nele mira seus olhos feitos de pedaos do cu.

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    seu amante, seu deus o rio eterno. o ser vivo em cuja companhia refoge depresso do ermoabsoluto.

    Letreiro

    Em Marab confluem duas psquicas a da terra, herdada de sua me, e a do moo louro vindodalm-mar, duma plaga distante que em sonhos indecisos sua alma em boto adivinha.

    Mas pouco cisma, a linda Marab. O tempo lhe escasso para a delirante vida de ninfa que oseu viver ali.

    Ora perde a manh inteira na perseguio do gamo que veio beber ao rio; ora galga a pedranceiraem prodgios de arrojo para colher uma flor que se abriu no mais alto da penha.

    Persegue borboletase que quadro v-la no campo, veloz como a gazela, a loura cabeleira soltaao vento!

    Sua nudez de virgem esplende em fulgor de escultura divina. Deus a esculpiue escultor nenhumjamais concebeu corpo assim, de linhas mais puras, seios mais firmes, ancas mais esgalgas, braos detorneio mais fino.

    Tem a nudez divina, Marab porque existe nudez humana: das criaturas que convivem entrehumanos e sofrem todos os vcios da humanidade.Marab no viciou sua nudez no contato humano; nua como nu o lriosem saber que o .Mas mulher. Adivinha de instinto que as flores f-las Deus para a mulher, e colhe-as, e tece-as

    em guirlandas, e com elas enfeita os cabelos e o colo e a cintura. E assim, toda flores, mira-se noespelho das guas e sorri. E porque sorri, logo salta, alegre, e dana. E porque dana, anima as selvasda luz maravilhosa que os helenos ensinaram ao mundo.

    Sbito, um rumor f-la estacar. A filha de Dionsio se apaga e surge Diana. Ei-la de arco empunho, em louca desabalada, na pista do cervo incauto que lhe interrompeu a bela improvisaocoreogrfica.

    Quem lhe ensinou a danar?Tudo. O sangue estuante em suas veias, o vento que agita a fronde das juaras, o remoinho das

    guas, as aves. Viu danarem os tangars, um dia, e desde esse momento sua vida uma contnua emaravilhosa criao em que a alma da terra americana se exsolve em movimentos rtmicos.Sempre mulher, Marab amansou uma veadinha de leite e tem-na consigo como inseparvel

    companheira, dcil s suas expanses de carinho. Com a pequena cora brinca horas a fio, e abraa-a,e beija-a no mimoso focinho rseo.

    Que festa, a vida de Marab!Ningum a vence em riqueza. Ouro, d-lhe o sol s catadupas, e todo s para ela. Perfume, no

    em frascos microscpicos o tem, mas ambiente, perenal; as flores s exalam para ela, e todas as brisasse ocupam em traz-lo de longe, tomando da corola das orqudeas mais raras.

    E as abelhas ofertam-lhe o mel purssimo; e os ingazeiros de beira-rio do-lhe a nvea polpa dosseus frutos imaginados; e cem rvores da floresta parecem precipitar a maturescncia de suas bagasrubras, roxas, verdoengas, para que mais ceco os alvos dentes da ninfa as mordam com delcia.

    E os dias de Marab so assim um delrio de luz, de perfumes, de movimentos sadios e livres,capaz de enlouquecer a imaginao dos pobres seres chamados homens, que vivem em priseschamadas cidades, dentro de gaiolas chamadas casas, com poeira para os pulmes em vez de ar,catinga de gasolina em vez de vida.

    Nota a Mr. Cecil B. de Mille

    Este papel de Marab tem que ser feito por Annette Kellermann. Como, porm, Annette j estmadura e Marab o que existe de mais boto, torna-se preciso inventar um processo que rejuvenesade trinta anos a intrprete.

    Quadro

    Um dia, um caador tresmalhado surpreende a ninfa no banho.

  • 7/27/2019 Lobato O JardineiroTimoteo e Maraba

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    Ipojuca, o filho dileto de Anhemhira e seu sucessor no cacicado. Trs dias e trs noites correuele em perseguio de um jaguar; mas no momento em que dobrava o arco para desferir a flechacerteira, descaiu-lhe das mos a arma e seus olhos se dilataram de assombro.

    O corpo nu da virgem loura emergia das guas sua frente.Iara?

    No primeiro momento o medo sobressaltou-o mas o sangue de Anhembira reagiu em suasveias, e no seria o filho do guerreiro que jamais conheceu o medo quem tremesse diante de mulher,Iara que fosse.

    E Ipojuca imobilizou-se margem do rio, em muda contemplao, at que a ninfa, percebendo-o,fugisse para o lado oposto, mais arisca do que a tabarana.

    Ipojuca atravessou o rio e logo mergulhou na floresta, em sua perseguio.Jamais as ninfas venceram a faunos na corrida. Foi assim na Grcia; seria assim sob o cu de

    Colombo. O filho do cacique alcanou-a. Seu brao de ferro enlaou-a; suas mos potentesquebraram-lhe a resistncia e dobraram-lhe a cabea loura para o beijo de npcias.

    Mas a virgem vencida abriu para o macho vitorioso os grandes olhos azuis e, encarando-o afito, murmurou a tremenda palavra que afasta:

    Sou marab!Ipojuca estarrece, como fulminado pelo raio, e deixa que a presa loura fuja para o recesso dasselvas.

    Quadro

    Ipojuca, o vencedor vencido, caminha de cabea baixa, absorto em sonhos. Vai de regresso taba. O jaguar que vinha perseguindo cruza-lhe frente. Ipojuca no o v. A seta que lhe destinaracravou-lha Eros no corao.

    Quadro

    Na taba. Ipojuca, desde que regressou, vive arredio. Pensa.A cabea lhe estala. Travam-se de razes seu crebro e seu corao o dever de solidariedadepara com a tribo e o amor. Um impe-lhe o desprezo da criatura maldita; outro pede-a para o beijo.

    Letreiro

    Vence o Amoro eterno vencedor, e Ipojuca volta ao ermo em procura de Marab.

    Quadro

    A virgem loura, desde o encontro fatal, perdida tem a sua serenidade de lrio.Cisma.

    Horas e horas passa imvel, com o olhar absorto. Sua veadinha ao lado inutilmente espera ascarcias de sempre. Marab no v. Marab esqueceu-a. Como esqueceu as borboletas amarelas quedouram o mido em redor da laje on-ce jaz reclinada. Como no v o casal de martins-pescadoresque a trs passos a espiam curiosos.

    Marab s v o guerreiro de pele bronzeada que a subjugou com o brao potente, que lhe premiucom violncia a carne virgem, que lhe derramou nalma um veneno mortal.

    Marab s v o seu guerreiro.V-lhe o vulto ereto, firme e forte como os penedos. V-lhe a musculatura mais rija que o tronco

    da peroba. V o fogo que seus olhos chispam.E com tamanha nitidez o v, que para ele estende os braos, amorosamente.E Ipojuca, pois era Ipojuca em pessoa e no sua sombra o que ela via, cai-lhe nos braos e

    esmaga-lhe nos lbios o primeiro beijo.

    Quadro

  • 7/27/2019 Lobato O JardineiroTimoteo e Maraba

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    Idlio. Marab espera o seu guerreiro no alto de uma canjerana.Ipojuca chega, procura-a, chama-a, aflito.A resposta um punhado de bagas rubras que a virgem lhe lana da fronde.gil como o gorila, Ipojuca abarca o tronco da canjerana e marinha galhos acima.Ao ser alcanada, Marab despenha-se no rio e mergulha.Susto do ndio, logo seguido de alegria ao v-la emergir alm. Lana-se gua, persegue-a e

    so dois peixes de pasmosa agilidade que brincam.Agarra-ae a luta finda-se na doce quebreira dos beijos.

    Quadro

    Moema, a formosa virgem por Anhembira destinada para esposa de Ipojuca, desconfia dosmodos de seu noivo. Aquelas contnuas ausncias, aquele incessante cismar, seu alheamento a tudo,dizem-lhe com clareza que uma rival se interpe entre ambos.

    E, como desconfia, segue-o cautelosa. E tudo descobre, pois alcana o rio onde, o corao varadode crudelssima flecha, assiste, oculta em propcia moita, s expanses amorosas dos ternos amantes.

    Adivinha quem a rival, pois que ainda tem vivo na memria o caso da marabazinha misteriosamentedesaparecida.

    Quadro

    Moema regressa tribo e, sequiosa de vingana, denuncia ao paj o esconderijo da virgemmaldita.

    O velho rene os guerreiros, arenga-os, incita-os vingana antes que volte Anhembira,alongado numa expedio de vindita contra os brancos invasores. Receia que o cacique perdoe neta,movido pelas lgrimas da velha In.

    Quadro

    Os guerreiros em marcha para a vingana.

    Quadro

    Surpreendidos pelos ndios, os amantes fogem rio abaixo numa piroga. ( difcil explicar oaparecimento dessa providencial piroga, mas no impossvel. Derivou rio abaixo, por exemplo, e alificou enredada numa tranqueira. No esquecer de introduzir num dos quadros anteriores um close upda piroga.)

    Quadro

    Os ndios metem-se em outras pirogas. (Mais pirogas! que no derivou uma s, sim vrias...) Eremam com fria na esteira dos fugitivos.

    Quadro

    Continua a perseguio. No h flechaos, para evitar-se o perigo de ferir-se Ipojuca.Perseguio silenciosa, fora de remos que estalam.

    A noite vem e a regata continua ao luar.

    Quadro

    E descem os fugitivos at que, de sbito, do de cara com um fortim portugus.

    Letreiro

  • 7/27/2019 Lobato O JardineiroTimoteo e Maraba

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    Entre dois fogos!

    Quadro

    Os remos caem das mos de Ipojuca. Marab aninha-se-lhe ao peito rijo, indiferente morte que nada mais suave do que acabar assim, a dois, em pleno apogeu do delrio do amor.

    Quadro

    Os ndios perseguidores ganham terreno. So avistados pelos portugueses, que logo acodem comos seus trabucos de boca de sino e abrem fuzilaria.

    Quadro

    Os perseguidores fogem desordenadamente. Ipojuca, ferido no peito, aprisionado juntamente

    com Marab.

    Quadro

    Na praia, ao lado do seu arco, Ipojuca estorce-se nas dores da agonia, enquanto Marab levada presena do capito do forte, que demora um minuto para apresentar-se.

    Quadro

    Rodeiam-na os lusos e admiram-lhe a beleza do tipo europeu.Nisto, o capito do fortim aparece.Interroga-a; examina-a cheio de pasmo, como que tomado de vagos pressentimentos.

    Marab tem o anel que In lhe deu.O capito examina-o e, assombrado, o reconhece.Minha filha!exclama.E numa delirante exploso de amor paterno abraa-a e a beija com frenesi.

    Quadro

    Ipojuca, a distncia, estorce-se na agonia. V a cena e, sem compreender o que se passa, julgaque o capito, como um stiro, lhe rouba a amante querida. Rene as ltimas foras, toma do arco,ajusta uma flecha e despede-a contra Marab.

    Quadro

    A flecha crava-se no peito da virgem loura, que desfalece e morre nos braos do pai atnito,enquanto na praia o herico Ipojuca exala o derradeiro suspiro, murmurando:

    Letreiro

    Minha ou de ningum!(Acendem-se as luzes e enxugam-se as lgrimas.)

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