LOCAÇÃO URBA A: E FOQUE MATERIAL DA LEI 12.112/09 1 · Valadares/MG, e, Faculdades Unificadas...
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LOCAÇÃO URBA�A: E�FOQUE MATERIAL DA LEI 12.112/091
Leandro Lomeu Mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos (FDC/RJ), Professor de Direito Civil no curso de
graduação e pós-graduação “lato sensu” da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, em Governador Valadares/MG, e, Faculdades Unificadas Doctum – Teófilo Otoni/MG. Advogado. Corretor de Imóveis.
Gustavo Lomeu Corretor de Imóveis. Graduado em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce.
“Inquilinismo: O inquilinismo é uma relação ecológica intra-específica harmônica em que apenas uma das partes obtém benefício, sem prejuízo da outra.”
Conceito doutrinário amplo no campo da Biologia
Sumário: 1. Locação de imóveis urbanos: conceituação e elementos contratuais. 2. Posicionamento da lei do inquilinato no universo jurídico: teoria do diálogo das fontes e a lei do inquilinato. 3. Das alterações materiais à lei do inquilinato. 3.1 Proporcionalidade do pagamento da multa penal. 3.2 A sub-rogação do cônjuge ou companheiro na situação de locatário e a possibilidade da exoneração do fiador. 3.3 Da extensão das garantias até a efetiva entrega das chaves. 3.4 Exoneração do fiador em razão da prorrogação do contrato de locação por prazo indeterminado. 4. Considerações finais. 5. Referências bibliográficas.
1. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBA�OS: CO�CEITUAÇÃO E ELEME�TOS
CO�TRATUAIS
O contrato de locação é tradicionalmente, atrás apenas da compra e venda, o mais
importante e comum negócio jurídico em nossa sociedade, sendo um dos mais utilizados no
cotidiano. De fato, a locação está presente nos momentos de lazer, quando alugamos um
imóvel na praia, ou um sítio em datas comemorativas; nos transportes, alugueis de carros; em
1 ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA SÍNTESE DE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL, VOL 67, SET/OUT. 2010, P.
101-118.
momentos marcantes como os casamentos, alugueis de vestidos, ternos, salão de festas; e em
atos simples como alugar um filme para o final de semana. Mas, de todas as espécies
possíveis, o que mais preocupa todos, pelo seu caráter econômico e social, é a locação para
moradia e para o estabelecimento comercial. Trataremos, então, neste primeiro contato com a
matéria, em distinguir a locação predial urbana residencial e não-residencial das demais.
A locação de prédio urbano é subordinada à Lei do Inquilinato – LI – (Lei 8245/91,
com as alterações introduzidas pela Lei 12.112, de 09 de dezembro de 2009). O Código Civil
de 2002 não dispõe a respeito da locação de prédios, ficando sob sua regência a locação de
coisas, de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos, de
espaços destinados à publicidade, de apart-hoteis, hotéis residência, ou equiparados, assim
considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e, como tais, sejam
autorizados a funcionar. Por outro lado, as locações de imóveis de propriedade da União, dos
Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas; e o arrendamento
mercantil, em qualquer de suas modalidades, são dirigidas pelo Direito Administrativo.
Na locação que tem como locador o Poder Público, não se aplica nem a Lei de Locação nem o Código Civil. Sendo a União locadora, aplica-se o Decreto-Lei nº 9760/1946 e a Lei nº 8666/1993. Sendo o locador o Estado, o Município, suas autarquias e fundações públicas, haverá, neste âmbito, leis específicas variando de acordo com cada ente, porém respeitando, sempre os dispositivos constitucionais. Por fim, o arrendamento mercantil será tratado por lei própria, ou seja, a Lei nº 6099/1974 e as Resoluções do Bacen (Banco Central do Brasil). 2
Por conseguinte, quando o Poder Público, representados pela administração direta ou
indireta, se apresenta no outro pólo contratual, como locatário, será aplicado a Lei do
Inquilinato.
O Código Civil conceitua a locação em seu art. 565, com a seguinte redação: “Na
locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o
uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. No mesmo sentido, na locação
urbana, o locador dispõe ao locatário a posse direta de imóvel, destinado a sua residência
familiar ou a estabelecimento comercial, mediante o pagamento de remuneração (alugueres),
por certo tempo, restituindo-o ao término ao locador nos mesmos estados de conservação em
que fora recebido. Desta forma, o contrato de locação estabelece-se em três elementos
básicos: a) o objeto, imóvel urbano, assim classificado não pela localização geográfica, mas
2 CASSETARI, Christiano. O Código Civil e a Lei de Locações. In: Revista IOB de Direito Civil e Processual
Civil, Porto Alegre: Sintese, v. 60, 2009. p. 59.
pela sua destinação e utilização 3. Assim, exemplo comum na jurisprudência, os postos de
gasolina, mesmo que situados em zona rural, encontram-se sujeitos à Lei do Inquilinato, bem
como qualquer outra atividade industrial e comercial, ou ainda, servindo o imóvel rural
mesmo que para moradia, sem a utilização da terra para cultivo, labor ou subsistência, está, do
mesmo modo, sujeito a locação urbana – trata-se de interpretação teleológica da lei; b) a
remuneração, o pagamento de um aluguel, interessante expor que a remuneração não é
necessariamente fixada em dinheiro. “O preço na locação deve ser determinado ou ao menos
determinável, nada impedindo que o valor seja variável de acordo com indicies aceitos pela
lei” 4; c) o tempo; a locação pactuada por escrito deverá ser determinada, se por prazo
superior a 30 (trinta) meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo ajustado, podendo
o locador denunciar o contrato – o que se convencionou denominar de denúncia vazia –,
pedindo a desocupação do imóvel no prazo de 30 dias sem justificativa para o pedido, sendo o
fim do prazo a exigência suficiente. Se a locação, findo o prazo, continuar por mais de trinta
dias sem oposição do locador perdurará por prazo indeterminado.
De outra forma, quanto ao tempo, a locação constituída verbalmente ou por escrito por
prazo inferior a 30 (trinta) meses terá dogmática diferente quanto à resolução da locação. O
imóvel poderá ser retomado somente nos casos descritos na lei – denúncia cheia –. Assim, o
artigo 47 da LI dispõe que pode ser retomado o imóvel na ocorrência dos motivos de
desfazimento da locação, presentes no art. 9° da LI5; na extinção do contrato de trabalho, no
caso da locação em que o locatário se confunde na pessoa do empregado; para uso próprio, de
seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não
disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio; para
demolição e edificação licenciadas pelo Poder Público que aumentem no mínimo em vinte por
cento a área construída; para a exploração do imóvel como hotel ou pensão, em cinquenta por
3DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - RESCISÃO DE CONTRATO – LOCAÇÃO – IMÓVEL RURAL DESTINADO A DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADE EQUESTRE E RECREAÇÃO – APLICAÇÃO DA LEI DO INQUILINATO - BENFEITORIAS - RENÚNCIA DO DIREITO DE RETENÇÃO. - Em se tratando de imóvel localizado em zona rural, mas destinado a finalidade diversa daquela estabelecida no Estatuto da Terra, é de ser aplicada a Lei do Inquilinato como norma regulamentadora da relação jurídica. - A teor do disposto no art. 35 da Lei 8245/91, salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção. Consoante diversos precedentes desta Corte, é válida a cláusula firmada em contrato de locação, que prevê a renúncia, por parte do locatário, do direito de retenção ou indenização por benfeitorias, exegese do artigo 35 da Lei Federal 8.245/91. (TJMG, Ap. n° 1.0672.06.209099-4/001, Rel. Des. Domingos Coelho, DJ 16/05/2007.) 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 11. 5 Prediz o art. 9° da Lei n° 8.245/91: “A locação poderá ser desfeita: I) por mútuo acordo; II) em decorrência da prática de infração legal ou contratual; III) em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos; IV) para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executada com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.”
cento; por fim, o único caso de denúncia vazia (denúncia imotivada), presente no art. 47 da
LI: a vigência ininterrupta da locação por prazo superior a cinco anos, que deverá ser efetuada
mediante notificação prévia do inquilino, pois ao contrário do artigo 46, não há disposição
expressa quanto à dispensabilidade da notificação ou aviso6.
O descumprimento das justificativas para a desocupação, presentes no artigo 47 –
principalmente, por ser mais comum, o desvio de uso – possuem reflexos penais, sendo
punidas por detenção de três meses a um ano, que poderá ser substituída pela prestação de
serviços à comunidade, a fim de proteger o inquilino de simulações do locador, evitando
fraudes à lei.
Assim, o contrato de locação se caracteriza por ser bilateral, oneroso, comutativo,
típico, consensual, não formal e de trato sucessivo.
Desde a origem da locação, há para ambas as partes, locador e locatário, obrigações
recíprocas, daí sua bilateralidade. “O contrato de locação é bilateral por sua própria natureza,
não podendo a vontade das partes alterar essa característica” 7. Esta especialidade desprende-
se em importantes construções doutrinárias aplicadas à locação por sua bilateralidade. Neste
sentido, atua no contrato de locação o principio contratual de exceção de contrato não
cumprido.
Somente nos contratos bilaterais é aplicável a exceptio non adimpleti contractus,
exceção (defesa) substancial do contrato não cumprido, prevista expressamente no Código Civil brasileiro (art. 476 do CC-02; art. 1092 do CC-16), consistente na regra de que nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação (o que já afasta a sua incidência em contratos unilaterais), pode exigir o implemento da prestação do outro. Por conseqüência, a garantia de execução do contrato (outrora prevista no mesmo art. 1092 do CC-16 e, hoje, em dispositivo próprio, a saber, o art. 477 do CC-02) também pode ser invocada em tais avenças sinalagmáticas pela incompatibilidade estrutural com os contratos unilaterais.8
Está característica bilateral do contrato de locação confere-lhe importantes aplicações
práticas, atuando conjuntamente com os princípios da lealdade contratual ou boa-fé objetiva.
De fato, não poderá o inquilino cobrar consertos e exigir obrigações do locador se ele não
pagar o aluguel e encargos, do mesmo modo, não poderá o locador, sem cumprir com os seus 6 CONTRATO VERBAL DE LOCAÇÃO - DENÚNCIA IMOTIVADA - ARTIGO 47, V, DA LEI 8.245/91 - NOTIFICAÇÃO PRÉVIA - NECESSIDADE - AÇÃO DE DESPEJO - DOCUMENTO INDISPENSÁVEL. O artigo 47, V, da Lei 8.245/91 trata de denúncia imotivada do contato de locação, que de ser efetuada mediante notificação prévia do inquilino. A inexistência da notificação prévia macula a ação de despejo de ausência de pressuposto processual de desenvolvimento válido e regular do processo, sendo corolário legal a sua extinção, com base no artigo 267, IV, do Código de Processo Civil. (TJMG, Ap. n° 1.0145.05.222046-7/001, Rel. Otávio Portes, DJ 18/01/2006) 7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 07. 8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. ovo curso de direito civil: contratos, vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 114.
deveres, exigir do locatário o cumprimento de suas responsabilidades9, assim, a “exceção de
contrato não cumprido” firma-se no equilíbrio contratual das partes, característica típica da
bilateralidade.
Todo contrato bilateral é oneroso, possuindo reciprocidade de direitos e deveres para
ambos os contratantes. Na subdivisão de contrato oneroso, a locação se classifica como
contrato comutativo. É comutativo, pois os contratantes já conhecem a priori as suas
respectivas obrigações, contrapondo-se aos contratos aleatórios que se sujeitam a álea ou
sorte.
O contrato de locação é regulado e disciplinado por lei própria, a lei 8245/91, por isso
sua relação é típica.
Quanto a consensualidade, a locação se concretiza com a simples declaração de
vontade, e, por conseguinte, trata-se de contrato não-solene, pois a ordem jurídica não exige
forma prescrita, sendo possível até mesmo o contrato verbal de locação.
Quanto ao tempo, o contrato de locação classifica-se como de duração ou de trato
sucessivo, sendo por prazo determinado ou indeterminado. Esta característica molda a relação
contratual, pois no decurso do tempo a relação pode se modificar, quanto a valores, garantias,
aditivos contratuais, renovação – caso as partes agregam novas cláusula – ou recondução do
contrato – se este se mantém sem modificações. É importante salientar, que nos casos de
renovação do contrato, é necessário a anuência de todas as partes, assim perderá a garantia o
novo contrato ou aditivo que não possua as assinaturas dos fiadores ou a renovação da
garantia locatícia.
Assim, após a conceituação e classificação contratual, passamos ao posicionamento da
locação urbana no universo do direito, apresentando as relações da matéria locatícia com o
direito privado e suas novas tendências.
2. POSICIO�AME�TO DA LEI DO I�QUILI�ATO �O U�IVERSO JURÍDICO:
TEORIA DO DIÁLOGO DAS FO�TES E A LEI DO I�QUILI�ATO
9 AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - PENDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS - MUNICIPALIDADE - OBRIGAÇÃO DO LOCADOR - ENTREGA DO IMÓVEL - LIVRE E DESEMBARAÇADO - DESCUMPRIMENTO - DEVER DE BOA-FÉ E LEALDADE CONTRATUAIS. Prevê a Lei nº 8.245/91, em seu artigo 22, inciso I, ser obrigação do locador entregar o imóvel alugado ao locatário, em estado de servir ao uso a que se destina. O dever do locador de entregar o imóvel alugado em condições de uso pelo locatário ocasiona a obrigação de responder pelos vícios ocultos que o bem venha apresentar durante a vigência do contrato de locação e que, em caso de não observância, justifica-se a exceção do contrato não cumprido. (TJMG, Ap. cível nº 1.0024.05.856782-7/001, Rel. José Afonso da Costa Côrtes, DJ 18/09/2008)
Antes de atentarmos para o estudo da Lei do Inquilinato em si, propõe-se,
primeiramente, situarmos esta lei numa nova dogmática do Direito contemporâneo,
estabelecendo preceitos básicos, filiando este aprendizado com o que se estabeleceu chamar
de Direito Civil-Constitucional.
O Direito atual não se estabelece de forma fechada, em um positivismo extremado de
valorização da norma. Não que os moldes do cientificismo positivista esteja superado e
dispensável, trata-se de uma evolução do Direito que pós-guerra não poderia mais se construir
apenas em acepções técnicas.
E nesta realidade pós-moderna, há uma explosão legislativa (Big Bang), com absoluta
certeza, nenhum aplicador do Direito conhece todas as leis de seu país; assim, como se
encontrar neste universo legal?
Ricardo Lorenzetti 10 ensina-nos que se pode comparar o Direito Privado a um sistema
Solar, em que o Sol é a Constituição Federal, e os planetas em sua órbita seriam os códigos
tradicionais – Código de Processo Civil, Código Civil, Código Tributário Nacional, CLT –
com seus satélites em torno; por exemplo, Código Civil e suas “luas”, Código de Defesa do
Consumidor, Estatuto da Criança e do Adolescente e, dentre outros, em especial a este estudo,
a Lei do Inquilinato (Lei 8245/91).
E dentre estas “luas”, estão leis especiais denominadas pela expressão microssistema.
“É fundamental apontar que essas leis especiais não são fechadas, estando em interação com
as demais normas jurídicas, dentro de uma ideia unitária de sistema. De imediato, justifica-se
a teoria o ‘diálogo das fontes’” 11. Em opinião sobre a importância dos estatutos jurídicos,
com normas tanto materiais, cíveis e penais, quanto processuais, Silvio de Salvo Venosa
prediz que:
A tendência contemporânea é a legislação por microssistemas ou estatutos, devendo, em futuro não distante, ficarem os Códigos apenas com os princípios gerais. Por isso, a exemplo do que temos com relação a um Código de Defesa do Consumidor e uma Lei do Inquilinato, exemplos típicos de microssistemas jurídicos, dentre tantos, no futuro certamente teremos um Estatuto da Família e das Sucessões, dos Direitos Reais e Registrários etc” 12.
Há pouco tempo, os professores das primeiras disciplinas de Introdução ao Direito, ao
ensinar aos alunos a hierarquia das normas, desenhavam um grande triângulo com a
Constituição Federal no topo. De fato, o desenho que deve estar na mente do atual civilista e
10 LORENZETTI, Ricardo Luís. Fundamentos de direito privado. São Paulo: RT, 1998. p. 45. 11 TARTUCE, Flávio. Lei de Introdução e parte geral. Rio de Janeiro: Método, 2009. p. 91. 12 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 91.
alunos é a imagem do Sistema Solar. Substitui-se, assim, a “pirâmide das normas” – Hans
Kelsen: Teoria Pura do Direito – para o Universo do Direito, que após um Big Bang se
constrói à luz e à energia da Constituição Federal, permitindo a integração necessária do
Direito com o fato, o valor, e a norma. Ilustramos, a seguir:
Constituição
Normas Infra-constitucionais
CP
CC
CLT
ECA
CDC
Locação
CPP
CPC
CONSTITUIÇÃO
Assim, torna-se “imprescindível e urgente uma releitura do Código Civil e das leis
especiais à luz da Constituição” 13. Pietro Perlingeri adverte que “a solução para cada
controvérsia não pode mais ser encontrada levando em conta simplesmente o artigo de lei que
parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico, e, em
particular, de seus princípios fundamentais, considerados como opções de base que o
caracterizam” 14.
Nesta nova leitura do Direito Privado, constrói-se a teoria do diálogo das fontes,
mantendo entre os vários assuntos do Direito uma conversação que une a ciência em busca de
novos horizontes, permitindo uma complementaridade necessária na imensidão de normas
que, por vezes, estatui sobre o mesmo tema. Assim, são necessárias estas linhas sobre o
diálogo das fontes para compreendermos melhor a ligação do Código Civil e do Código de
Defesa do Consumidor (CDC) com o microssistema, a Lei do Inquilinato, que mantém neste
sistema unitário, possíveis interlocuções.
Passados a esta breve localização do atual Direito Civil, torna-se necessário distinguir
um possível conflito aparente de normas entre a Lei do Inquilinato com o Código de Defesa
do Consumidor, que por vezes confundem a comunidade jurídica.
Tanto o CDC quanto a Lei do Inquilinato buscam proteger o contratante, em tese,
juridicamente mais fraco. Para que se possa utilizar o Código de Defesa do consumidor
concomitante à lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) é necessário que exista uma relação de
consumo. Nesta relação teórica, “não apenas continua aplicável o Código Civil, no que não
conflitar com a lei especial, como também se aplicará o CDC, sem qualquer dúvida, à relação
inquilinária, se o conceito de locador for o de fornecedor de serviços” 15 ou se a classificação
do locatário for a de consumidor. Trata-se de uma categoria muito ampla que pode suscitar
dúvidas quanto aos limites. Atualmente, a jurisprudência é unânime em não admitir o Código
de Defesa do Consumidor às relações locatícias, desta forma, decidiu o Superior Tribunal de
Justiça (STJ), recentemente, sobre o assunto:
RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PARA COBRANÇA DE ALUGUÉIS. COMPROVAÇÃO DA TITULARIDADE DO BEM. DESNECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS CONTRATUAIS. ANÁLISE. INVIABILIDADE. SÚMULA N.º 7 DESTA CORTE. LEI DE USURA E CÓDIGO DE DEFESA DO CO�SUMIDOR. I�APLICABILIDADE.
13 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Temas de direito
civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. 14 PERLINGIERI, Pietro. Perfis de Direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 5. 15 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 23.
1. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que é possível a cobrança dos aluguéis pelo locador, sem a exigência de prova da propriedade, sendo suficiente a apresentação do contrato de locação para a instrução da execução extrajudicial. Precedentes. 2. Desconstituir o entendimento da instância a quo, soberana em matéria de prova, para reconhecer a inexistência de débitos contratuais, implicaria, necessariamente, reexame da matéria fático-probatória constante dos autos, impossível na via estreita do recurso especial, a teor do disposto no verbete sumular n.º 07 deste Tribunal Superior. 3. A Lei de Usura, destinada a regular os contratos de mútuo, assim como o Código de Defesa do Consumidor não são aplicáveis aos contratos locatícios. 4. Recurso especial desprovido. (grifos nossos).16
Sendo, também, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
DESPEJO - CONTRATO- PRORROGAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO - FIANÇA - EXONERAÇÃO - CONTRATO BENÉFICO - INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA-CDC -I�APLICABILIDADE- MULTA - VOTO VENCIDO. Prorrogado o prazo do contrato de locação por prazo indeterminado, fica o fiador exonerado de suas obrigações, por se tratar a fiança de contrato benéfico, devendo ser interpretado restritivamente. O contrato de locação não se inclui dentre aqueles denominados 'contratos de adesão ', sendo inaplicáveis as regras da legislação consumerista ao mesmo. A multa moratória fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor do débito não se mostra excessiva, atendendo aos fins sociais a que se dirige. Apelação provida parcialmente. VV.: Apesar de não se caracterizar como uma relação consumerista, o contrato de locação que prevê multa moratória no percentual de 10%, estaria a beneficiar o credor, com seu conseqüente enriquecimento ilícito – Des. Cabral da Silva.17
Em respeito ao principio da especialização, a Lei do Inquilinato tem afastado o
poder do CDC no que toca as relações locatícias, sendo, dificilmente, no campo prático a
consagração do locador como fornecedor ou do locatário como consumidor, sendo estes
conceitos, como dito, muito amplos. Possuindo, também, a Lei do Inquilinato, assim como o
CDC, princípios protetivos à parte em tese economicamente mais vulnerável.
Quanto ao possível conflito de normas com o Código Civil, a vontade do legislador
é clara no livro Das Disposições Finais e Transitória, art. 2036: “A locação de prédio urbano,
que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida”.
Mas em si tratando do diálogo do Código Civil com a Lei 8.245/91, fica claro a sua
importância principalmente na edificação da relação locatícia, emprestando a esta seus
princípios constitucionais da Teoria Geral dos Contratos, aplicados nos princípios da boa-fé
objetiva, na função social dos contratos e no equilíbrio econômico do contrato, em respeito à
eficácia normativa dos princípios da Constituição de 1988. “A livre determinação do conteúdo
do regulamento contratual encontra-se condicionada à observância das regras e princípios
16 STJ, REsp 706594 / PR, Quinta Turma, rel. Min. Laurita Vaz., DJ 10/09/2009. 17TJMG, Ap. Cív. 1.0702.03.090943-7/001, Des. Rel. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade, DJ 04/03/2008.
constitucionais, o que significa, no quadro de valores apresentado pela Constituição brasileira,
conceber o contrato como um instrumento a serviço da pessoa, sua dignidade e
desenvolvimento” 18. Estes são fundamentos de uma Constituição democrática.
De outro lado, o regime autoritário convive com a vestimenta constitucional, sem que a Lei Maior tenha capacidade normativa, adulterando-se no aparente constitucionalismo – o constitucionalismo nominal, no qual a Carta tem validade jurídica mas não se adapta ao processo político, ou o constitucionalismo semântico, no qual o ordenamento jurídico apenas reconhece a situação de poder dos detentores autoritários. 19.
Nosso direito constitucional, após a Constituição de 1988, progride em uma
constante evolução, devolvendo ao Direito a força normativa dos princípios constitucionais,
deixando para trás uma constituição que apenas estabelecia o Estado e sua organização, de
forma a legitimar o poder. No contrato de locação, o Estado estabelece normas que regem a
relação privada, trata-se de normas de ordem pública, por isso o contrato de locação inseriu-se
na categoria doutrinamente denominada de contrato dirigido. Complementa Nelson
Rosenvald, sobre a normatividade dos princípios civil-constitucionais, que “o fato da locação
urbana ser governada por legislação especial não torna a matéria infensa às diretrizes de
socialidade, eticidade e operabilidade” 20.
Deste modo, em diálogo com o Código Civil de 2002 surgiram possibilidades, não
prevista na Lei do Inquilinato de 1991, como a exoneração extrajudicial da fiança (art. 845
CC/02), o pagamento proporcional de multa compensatória, a sub-rogação do companheiro na
posição de locatário, dentre outros, que fez ser necessária uma atualização da lei de locação,
adequando-a normativamente ao Código Civil e eliminando os entraves antigos das normas
processuais nela presentes, instituindo a Lei 12.112 de 09 de dezembro de 2009.
3. DAS ALTERAÇÕES MATERIAIS À LEI DO I�QUILI�ATO
3.1 Proporcionalidade do pagamento da multa penal
18 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 107. 19 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo; Publifolha, 2000. p. 373. 20 ROSENVALD, Nelson. Código Civil Comentado. In: PELUSO, Cezar (coord.). Barueri, SP: Manole, 2008. p. 2.148.
“A multa, ou cláusula penal, é uma prefixação antecipada de perdas e danos. Trata-
se de obrigação acessória que onerará a parte que deixar de dar cumprimento à obrigação
acessória, ou apenas retardá-la. São duas, pois as faces da chamada cláusula penal: de um lado
tem a finalidade de uma indenização previa de perdas e danos, de outro a de penalizar o
devedor moroso. Daí então a multa compensatória e a multa moratória” 21. Cuidar-se-á neste
momento sobre o estuda da multa compensatória.
O art. 4° da Lei do Inquilinato, alterado pela novíssima lei 12.112/09, definiu
definitivamente o caráter especial da lei 8245/91, consolidando a proporcionalidade no
pagamento de multa penal compensatória por decorrência da devolução do imóvel pelo
locatário na vigência do prazo pactuado.
A lei 8245/91 firmava como técnica a proporção, remetendo-se ao art. 924 do Código
Civil de 1916. Antes da Lei 12.112/09, havia uma discussão doutrinária sobre qual artigo do
Código Civil seria usado para se interpretar a norma do art. 4°, 2° parte, da Lei do Inquilinato.
Para parte da doutrina, o novo Código Civil de 2002 estabelece, em seu artigo 413, a equidade
como critério para a redução da multa pactuada, e um dever do Juiz, decorrente da devolução
do imóvel pelo locatário antes do prazo determinado em contrato.
Desta forma, decidiu O Conselho Federal de Justiça (CJF), em seu Enunciado n° 357,
da Quarta Jornada de Direito Civil que “o art. 413 do Código Civil é o que complementa o art.
4° da Lei 8245/91. Revogado o Enunciado 179 da III Jornada.”.
Tamanha era a controvérsia, que o mesmo Conselho decidira no Enunciado nº 179, ora
revogado, da Terceira Jornada que:
“A regra do art. 572 do novo CC é aquela que atualmente complementa a norma do art. 4º, 2ª parte, da Lei n. 8245/91 (Lei de Locações), balizando o controle da multa mediante a denúncia antecipada do contrato de locação pelo locatário durante o prazo ajustado.”.
A posição doutrinária pela equidade, apesar de seu caráter social, trazia insegurança
jurídica ao determinar na estipulação da multa julgamentos de valor que se transformavam em
diferentes decisões a critério sempre do julgador, ficando muitas vezes difícil a resolução
bilateral e extrajudicial entre locador e locatário, que recorriam a árbitros judiciais ou
extrajudiciais. Com a lei 12.112/09, torna a relação locatícia mais pacificada ao determinar
em lei uma forma estática e firme, em respeito à liberdade contratual e, ao mesmo tempo,
propiciando a aplicação dos princípios da razoabilidade e da vedação do enriquecimento sem
21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 41.
causa; assim, determina-se que a penalidade imposta na cláusula penal deve levar em conta o
cumprimento parcial da obrigação.
Convém evidenciar que se mesmo após a redução proporcional da multa, esta se
mantiver excessivamente abusiva, poderá o juiz, ante a inexistência de critério legal objetivo
para aferir a excessividade, reduzi-la, baseando-se no princípio da função social do contrato,
cláusula geral que permite que o magistrado atenue os efeitos nocivos dos contratos em favor
da coletividade.
Deste modo, se a multa penal estabelecida em contrato de locação é correspondente ao
valor de três alugueis vigentes, mas o locatário morou metade do prazo determinado, deverá
pagar ao locador a metade de três alugueres. “Convém notar que não há qualquer limitação à
multa na Lei do Inquilinato que, a rigor, está limitada apenas ao valor do contrato nos termos
do art. 412 do Código Civil, ou seja, ao valor do aluguel multiplicado pelo número de vezes
da vigência contratada. Todavia, a praxe indica que normalmente é estipulada em três meses
de aluguel” 22.
É necessário discernir que a cobrança da multa “não se confunde com o pedido de
indenização de perdas e danos. Estas são apuradas na ação e devem corresponder ao exato
prejuízo demonstrado pelo lesado. A cláusula penal é prefixada de comum acordo pelas
partes, podendo ser cobrada mesmo sem alegação de prejuízo (CC, art. 416)” 23. Com efeito,
dispõe o parágrafo único do art. 416 do novo diploma civil:
“Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.”
Assim, deverá escolher o locador entre a multa compensatória ou a devida indenização
por perdas e danos.
Por fim, o art. 4° da lei especial prediz que na falta da multa pactuada o juiz deve
estipulá-la em juízo, seguindo a mesma regra da proporcionalidade.
3.2 A sub-rogação do cônjuge ou companheiro na situação de locatário e a possibilidade da exoneração do fiador.
22 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Comentários às alterações da Lei do Inquilinato. São Paulo: RT, 2009. p. 22. 23 GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, volume III: Contratos e atos unilaterais. 4. ed. rev. e atual. São Paulo Saraiva, 2007. p. 298.
Dispõe a nova redação do art. 12 da Lei 8245/91:
“Art. 12. Em casos de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, a locação residencial prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel. (Redação dada pela Lei nº 12.112, de 2009) § 1o Nas hipóteses previstas neste artigo e no art. 11, a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador e ao fiador, se esta for a modalidade de garantia locatícia. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009) § 2o O fiador poderá exonerar-se das suas responsabilidades no prazo de 30 (trinta) dias contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado, ficando responsável pelos efeitos da fiança durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. (Incluído pela Lei nº 12.112, de 2009)”.
Nos casos de morte, separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da
união estável, sub-rogará nos poderes do locatário o cônjuge ou companheiro sobrevivente, no
caso de morte, ou o que permanecer no imóvel, nos demais casos.
Tal prerrogativa contempla a proteção da moradia da família, por isso, “se nem o
locatário, nem seu consorte permanecer no imóvel, não há infração contratual se sua prole ali
permanece, ou seu ascendentes, se já residiam no imóvel, pois essa é a intenção da lei. O texto
deveria ser explicito a esse respeito, contudo.” 24.
O parágrafo único deste artigo 12 foi revogado, criando-se dois outros parágrafos que
corrige a antiga dogmática, possibilitando a exoneração do fiador que no prazo de 30 dias
contado do recebimento da comunicação oferecida pelo sub-rogado pode se dispensar de suas
responsabilidades, estando, ainda, obrigado durante 120 dias após a notificação ao locador.
Inova a lei ao permitir a exoneração extrajudicial da fiança, o que antes só era
conseguido mediante acordo ou sentença, mas não estabelece prazo para o aviso por escrito
do inquilino. Nisto, a lei não previu a situação do fiador ante a hipótese de o sub-rogado não
levar a conhecimento do locador e do fiador a comunicação da sub-rogação. É evidente que
esta exoneração deve ser proposta em tempo hábil, não tendo o fiador direito de se eximir da
obrigação na demanda judicial de um processo de despejo, por exemplo.
A sub-rogação automática do locatário em razão da lei não implica na exoneração de
imediato da fiança, esta deverá ser estabelecida nos ditames do parágrafo 2° do art. 12. Ou
seja, “Houve inversão do ônus. Antes, o fiador estava automaticamente exonerado em razão
da alteração do locatário. Com efeito, agora caberá ao fiador, igualmente notificado da sub-
rogação, também notificar o locador, informando-o que não permanecerá mais como garante,
24 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 82.
sob pena de, ao não tomar esta providencia no prazo de trinta dias, permanecer na condição de
fiança, garantindo o sub-rogado” 25.
Antes da lei 12.112/09, a jurisprudência decidia ora exonerando de imediato o fiador,
entendo pela pessoalidade do contrato de fiança, ora pela exegese do art. 12 da Lei que em sua
redação antiga determinava, também, a comunicação ao locador. Neste sentido, decidiu a 2ª
Câmara do Segundo Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo:
EMENTA: LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. EMBARGOS À EXECUÇAO. SEPARAÇAO JUDICIAL DO AFIANÇADO. SUB-ROGAÇÃO DO LOCATÁRIO. EXTINÇÃO DA FIANÇA. 1. A eficácia da sub-rogação do locatário, decorrente da separação judicial, depende da notificação do locador e a substituição da garantia da locação, quando por este exigida. Exegese do art. 12 § único, da lei 8245/91. 2. Os honorários advocatícios do contrato destinam-se à purgação da mora, não se confundindo ao sucumbencial, que somente ao juiz cabe fixar. Recurso parcialmente provido.26
Com as modificações em 2009, a Lei do Inquilinato posicionou-se a favor desta
interpretação do art. 12, e para ponderar os conflitos provenientes da fiança permitiu-se a
exoneração extrajudicial do fiador. Assim, ainda que não exista a notificação, poderá o fiador
exonerar-se, comunicando o locador, manifestando sua vontade.
Contudo, reiteramos que a lei não previu a situação do fiador no caso de o sub-rogado
não levar a efeito a comunicação que lhe compete. Assim, hipóteses práticas levam-nos às
indagações. Não recebendo o fiador nem o locador a notificação da sub-rogação, em processo
judicial poderá o fiador alegar que desconhecia o fato e por isso não se exonerou de acordo
com o art. 12? Acreditamos não ser o melhor entendimento a exoneração automática do
fiador, visto que o locador ficaria totalmente desprotegido de uma condição à qual não anuiu,
entendemos a versatilidade da Súmula 214/STJ, e a bilateralidade desta espécie contratual,
sugerida pelo próprio §1º do art. 12, respeitando o imperativo legal, “será comunicada por
escrito ao locador e ao fiador”, não havendo comunicado a ambos, considera-se sem efeitos
tal notificação. Mas caberá ao juiz verificar as peculiaridades do caso concreto.
Conclui-se, de toda a forma, que não comunicando o sub-rogado legal ao locador e ao
fiador, estará sujeito ao despejo por infração à norma legal (art. 9°, inc. II, da Lei 8245/91).
3.3 Da extensão das garantias até a efetiva entrega das chaves
25 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Comentários às alterações da Lei do Inquilinato. São Paulo: RT, 2009. p.29. 26 TJSP, 2ª Câmara, Tribunal de Alçada Civil, Ap. nº 702.125-0/3, Rel. Peçanha de Moraes, DJ 24/02/2002.
A redação do novo artigo 39, estabelece, esclarece e expande aquilo que a
jurisprudência já confirmava, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva
devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado.
Desta forma, Sílvio de Salvo Venosa conclui que:
“A Lei estampa regra que vinha sendo seguida na jurisprudência, mormente em relação ao fiador. Este vinha sendo responsável pela garantia até a efetiva entrega das chaves. O contrário só poderia resultar de disposição restritiva expressa no contrato. Assim, não é a sentença que faz extinguir as garantias, mas a efetiva
devolução do imóvel. A redação da lei atual é mais enfática, pois houve tentativas na jurisprudência de modificar esse entendimento.” 27 (grifos nossos)
Há tempo, decidia-se que a extensão das garantias locatícias se limitava ao prazo
pactuado em contrato. Com a determinação da Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça,
firmou-se entendimento quanto à fiança locatícia, que o fiador não responde por obrigações
resultantes ao aditamento ao qual não anuiu. Desta forma, esta súmula foi utilizada,
interpretando o art. 39 da Lei do Inquilinato, exonerando o fiador nas locações prorrogadas
por prazo indeterminado, o que ocorre depois de trinta dias do final do contrato sem
manifestação do locador ou devolução do imóvel por parte do locatário.
Atualmente, já se construiu, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
desde 2007, a extensão das garantias locatícias até a entrega efetiva das chaves, determinava,
porém, na maioria das decisões, que o contrato de locação contivesse cláusula expressa sobre
a extensão. Deste modo, é largamente comum encontrar decisões do tipo:
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROCAÇÃO. CLÁUSULA DE GARANTIA ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. Continuam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas dos arts. 1500 do CC/16 ou 835 do CC/02, a depender da época que firmaram a avença.”
28
“FIANÇA – FIADOR – LOCAÇÃO – EXONERAÇÃO DA FIANÇA – IMPOSSIBILIDADE – Responsabilidade dos fiadores até a entrega das chaves e desocupação efetiva do imóvel locado – Subsistência – Existência de expressa previsão contratual vinculando a garantia até a devolução do bem locado – Irrelevante o término do prazo contratual – Precedentes – Sentença reformada – Recurso provido” 29
27 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 175. 28 STJ, 3ª Turma, REsp 566.633/CE, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 12.03.08. 29 TJSP, 35ª Câmara de Direito Privado, Ap. Cível nº1.049.412-0/0, Rel. Melo Bueno, DJ 02.03.2009.
Neste entendimento, comentamos em artigo antecessor à Lei 12.112, acerca da
interpretação do STJ:
“Diante desta nova visão afronta-se a fiança locatícia e a inerência a este instituto da nova roupagem principiológica dos contratos, principalmente a importância da autonomia privada na relações locatícias, o que felizmente pode ser observado pelas recentes decisões dos tribunais pátrios, reconstruindo-se assim os dogmas do direito privado.” 30
Estabelecia, assim, o STJ, em respeito ao princípio da autonomia da vontade, o
cumprimento do contrato.
Desta forma, com o advento da lei 12.112/2009, o art. 39 adquire a seguinte redação:
“Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta lei.”
Tamanha eram as divergências doutrinárias durante 18 anos de variadas
interpretações, que o poder legislativo consolidou a força de seu poder constitucional na
expressão “por força desta lei”, determinando expressamente a vontade literal do artigo
modificado, agindo de forma cogente, firmando as decisões judiciais na vontade da lei. Este
dispositivo legal vai além das determinações da jurisprudência, prescrevendo de forma
taxativa a extensão das garantias, inclusive a fiança, ainda que prorrogada a locação por prazo
indeterminado, não necessitando de cláusula de garantia até a entrega efetiva das chaves.
“Não há lugar mais para se duvidar de que a extensão da fiança, em tal situação, não
está atrelada à anuência do fiador à prorrogação da locação.” 31
Em ponderação, a lei contrabalançou, quanto à fiança, em razão de sua característica
intuitu personae, permitindo a possibilidade da exoneração do fiador, estando o contrato por
prazo indeterminado.
3.4 Exoneração do fiador em razão da prorrogação do contrato de locação
por prazo indeterminado
30 LOMEU, Leandro Soares. A nova roupagem da autonomia privada e a relação de fiança locatícia: uma análise doutrinária e jurisprudencial a partir dos novos princípios contratuais. In: Revista Trimestral de Direito Civil, v. 39, 2009, p. 33-52. 31
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Inovações na lei do inquilinato: visão esquemática das alterações
provocadas pela Lei 12.112 de 09.12.2009. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2010. p. 10.
Ao lado da inovação do art. 39, ocorreu o acréscimo do inciso X ao art. 40:
Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia nos seguintes casos: (...) X – prorrogação da locação por prazo indeterminado uma vez notificado o locador pelo fiador de sua intenção de desoneração, ficando obrigado por todos os efeitos da fiança, durante 120 (cento e vinte) dias após a notificação ao locador. Parágrafo único. O locador poderá notificar o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de desfazimento da locação.
O Código Civil, em seu artigo 835, já estabelecia a possibilidade da exoneração
extrajudicial do fiador, mediante notificação por escrito (única formalidade exigida), ficando
este obrigado por todos os efeitos, durante sessenta dias após a notificação, mas, em
contraposição, não solucionava o estado de insegurança jurídica da locação que após a
exoneração se encontrava sem garantia.
Em referência a este artigo, comenta Sílvio de Salvo Venosa:
A importante inovação do dispositivo reside na simplificação que o legislador outorgou doravante para a exoneração da fiança nos contratos em geral. Esta não mais depende de intervenção judicial, como vinha se entendendo, mas de mera notificação ao credor, pois o fiador ainda responderá pelos efeitos da garantia até sessenta dias após a notificação. Aqui houve uma reviravolta no instituto, procurando a lei atingir os fins sociais da norma e do contrato. Mormente em sede de locação imobiliária, a jurisprudência do passado, por força do espírito das sucessivas leis do inquilinato, sempre colocaram óbices à livre exoneração do fiador, entendendo-se, da forma mais simplista, que o garante era responsável por todos os encargos da locação até a efetiva entrega do imóvel. O simples fato de se exigir decisão judicial para essa exoneração já era obstáculo a dificultar sobremaneira a exoneração do fiador 32.
Em situações práticas, a fiança locatícia se tornou um encargo de duração ilimitada,
pois a exoneração era necessariamente judicial, sobretudo porque o Judiciário é lento e
sempre vira com aversão essa exoneração. Assim, apesar das posições tradicionalmente
contrárias, após a novidade do Código, este em diálogo com a Lei do Inquilinato modificou a
forma de interpretação, adotando o Superior Tribunal de Justiça pela obrigação do fiador até a
entrega definitiva do imóvel, podendo se exonerar após o prazo determinado em contrato de
acordo com o art. 835 descrito.
A lei 12.112/09, a fim de pacificar a jurisprudência sobre o tema, ponderou a solução,
atendendo de forma objetiva ao interesse e à finalidade social do contrato, possibilitando a
exoneração extrajudicial do fiador, ficando obrigado por 120 dias após a notificação; e, por
32 VENOSA, Sílvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2010. p. 179.
outro lado, acrescentou ao art. 59, em proteção ao locador e à manutenção da boa ordem
econômica, a concessão de liminar, para desocupação em 15 dias, em decorrência do término
do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40, sem apresentação de nova
garantia.
Neste sentido, Humberto Theodoro Júnior conclui:
“a locação não ficará descoberta de garantia, pois, dentro dos cento e vinte dias de subsistência da fiança após a notificação exoneratória, será possível ao locador promover a retomada liminar, caso não providencie o locatário a apresentação de novo fiador ou de outra garantia idônea prevista na lei inquilinária.” 33
Desta maneira, com a nova lei a vontade do fiador é respeitada com a possibilidade de
exoneração extrajudicial, não se sujeitando a uma obrigação indefinida que poderia configurar
imposição insuportável e contrária a direito seu, conciliando a Lei do Inquilinato com o art.
835 do Código Civil, mas, ao mesmo tempo, proporcionando segurança jurídica à relação
locatícia, necessária ao bom andamento econômico dos empreendimentos imobiliários que
possibilitam a maior quantidade de imóveis disponíveis para a locação, com a possibilidade
do despejo liminarmente apreciado nos ditames do artigo 40 da Lei do Inquilinato.
4. CO�SIDERAÇÕES FI�AIS
A Lei n° 12.112/2009 veio inserir as mudanças necessárias para perpetuar a Lei do
Inquilinato como importante microssistema em nosso ordenamento, restabelecendo-a força
legal que porventura perdera nesta quase duas décadas de interpretações judiciais, mantendo-a
como legislação permanente e capaz de estabilizar o mercado econômico. Para isso, adequou-
se a Lei do Inquilinato à jurisprudência dos Tribunais pátrios, e dirimindo de vez as principais
dúvidas que surgiram nestes últimos dezoito anos que insistiam, devido às interpretações
diversas, em não ser resolvidas, exigindo a força da lei. Percebe-se com nitidez no campo
material do novo sistema imobiliário, a proteção do fiador, através da exoneração
extrajudicial da fiança, ficando responsável por mais 120 dias, e determinação de sua
responsabilidade, pela extensão das garantias locativas até a entrega definitiva do imóvel
alugado, afastando as variadas decisões e súmulas dos Tribunais.
5. REFERÊ�CIAS BIBLIOGRÁFICAS
33 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Inovações na lei do inquilinato: visão esquemática das alterações
provocadas pela Lei 12.112 de 09.12.2009. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2010. p. 12.
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