Lona 810 (Especial Leminski)

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lona.redeteia.com Entrevista A jornalista Aurea Leminski, filha do poeta, dá entrevista exclusiva para o Lona. EDIçãO ESPECIAL Curitiba, agosto de 2013 Edição 810

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JORNAL-LABORATÓRIO DIÁRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE POSITIVO.

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lona.redeteia.com

EntrevistaA jornalista Aurea Leminski, filha

do poeta, dá entrevista exclusiva para o Lona.

Edição EspEcialCuritiba, agosto de 2013 Edição 810

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2 ESPECIAL LEMINSKI

Vou confessar uma coisa a você antes de ser defenestrado: nunca fui adaptado ao universo de Pau-lo Leminski. Como a minha trajetória de oposição não é mui-to profunda, sequer escreve um conto de Marcelino Freire – aliás, se puderem, leiam Da Paz, verti-gem e calamidade em altas dosagens apócri-fas –, direi em breves tópicos o que me in-comoda na obra deste judoca e interessante compositor.[De sua obra musical, gosto especialmente de Luzes – essa noite vai ter sol – e de sua versão para Polonaise – choveram lágrimas límpidas, lágrimas ininterruptas –, como se vê, nada de muito incrível, mas bonito.]1. DesacordoUm leitor, é sobretu-do, um amante. Lem-bro-me de meu terror amoroso diante de minha primeira leitu-ra de Júlio Verne, aos sete anos. Era como se estivesse diante de mim um ciclone, co-locando tudo abaixo. Tive a mesma febre do rato quando co-nheci quase caniba-listicamente Charles

Bukowski, Rubem Braga, Fernando Pes-soa e Adélia Prado. Ainda na adoles-cência tive contato com os primeiros jo-grais literários de Le-minski. Lembro-me de ter gostado. Al-guns até enviei para amigos. Outros escre-vi no caderno. Mas sabe aquela moça que a gente se encanta e quer conhecer bibli-camente? Então, Le-minski não me impele ao corpo do texto, ao útero poético.Entro nele, rasgo-o e retorno do mesmo ta-manho. Por favor, não faça nenhuma alusão às prostitutas. Tenho maior respeito e ad-miração por elas.2. TrucoEscrevo crônicas de baixo calibre há mais de dez anos. Por que estou a navegar ma-res tão inexpressivos? Simples: escrever tem algumas boas doses de truque. Por exem-plo, já devo ter escri-to aproximadamente 213 crônicas articu-listas sobre a minha relação umbilical com Júlio Verne. É um ti-que. Entrevista: como você começou a ler? Júlio Verne. O que é literatura pra você?

Júlio Verne. O que as manifestações por todo o Brasil dizem de nosso espírito cívi-co? Júlio Verne, Júlio Verne, Júlio Verne.Somos, em larga es-cala, uma repetição de nossos amores e dores, sertanejistica-mente falando. O que Leminski faz? Ele tem um baralho diferen-ciado, um baralho de

muitas cartas, ele até combina estas car-tas de modo surpre-endente. Então, ele truca. Às vezes, a sua

poesia é casal maior, muitas vezes é ble-fe, uma sucessão de jingles publicitários, mágica para leitores de um livro ao ano, gente que mais gosta de dizer que gosta de poesia do que real-mente gosta de poe-sia. Entendeu?Entretanto, devo con-siderar que ele tem um castelinho, sim,

que volto para visitar todo verão. É esta po-esia aqui, que nunca sei se se chama Um homem com uma dor

ou Dor Elegante. Sei que já me disseram inúmeras vezes e por diversas vezes esque-ci. Porque memória também é tesão, a lembrança do corpo da mulher perdida:

um homem com uma dor

é muito mais elegantecaminha assim de ladocomo se chegando

atrasadoandasse mais adiante

carrega o peso da dorcomo se portasse me-

dalhasuma coroa um milhão

de dólaresou coisa que os valha

ópios édens analgési-cos

não me toquem nessa dor

ela é tudo o que me so-bra

sofrer vai ser minha última obra

Mas não se anime. O poema já foi até musi-cado pela Zélia Dun-can. Se quiser, arris-que. Avisei.3. Nunca perde essa maniaEm geral, sou pouco belicoso. Aceito que a mulher que eu amo me despreze, faço vis-ta grossa para dilemas

familiares, convivo com amigos trucu-lentos sem necessa-riamente me esforçar para delatá-los de suas incongruências – até porque as tenho aos sulcos. O que te-nho mesmo são im-plicâncias. Por exem-plo, Nando Reis. Não consigo com o que ele escreve. Possivelmente desde a canção Famí-lia.E, olha, se não bastasse não conseguir entrar no universo de Le-minski, que não pode ser reduzido a minha leitura lesmática de Toda Poesia e as pri-meiras 15 páginas de Catatau, não consigo com a família toda, papai, mamãe, titia. E eles estão por todos os cantos, jamais rene-gando o seio primeiro: deleite para os fãs, an-ticlímax contínuo para os surdos como eu.Concluo: Leminski é da minha prateleira de autores antípodas, ao largo de mim, em com-panhia de James Joyce, Marcel Proust, Home-ro, William Faulkner, gente que sempre me jogou pra fora do livro – o que me faz supor que o derrotado nesta história toda pode ser eu.

O AntípodaDaniel Zanella

Marietta Lopes

Leminski-se Tatiana Michaud

Como em toda for-ma de arte, há quem ame ou odeie Paulo Leminski e até mes-mo pessoas que não conhecem o trabalho do poeta curitibano – tampouco gostam de poesia. Eu faço parte da trupe que admi-ra a forma crua e sem muitos floreios que

expressa sentimentos mundanos. Paulo Leminski Filho partiu dessa para me-lhor um ano depois que eu nasci, em 1989 – e foi cedo, com ape-nas 44 anos de idade. Não posso dizer que marcou a minha in-fância, não aprendi sobre seus poemas no

colégio. Me ensinaram tudo sobre Clarice Lis-pector (outra grande admiração literária) e Carlos Drummond de Andrade. E por que Leminski não fez parte do currículo do Ensino Fundamental? Bem, talvez seja a for-ma que escreve, sem grandes pudores ou

preocupações com o convencional (e chato) “certo e errado”. Por esse mesmo moti-vo, o primeiro contato que tive com obras de Leminski foi ao aca-so – como quase todo vício cultural que cul-tivei até hoje. Estava na minibiblioteca que meu pai montou no “quarto de serviço” lá de casa e procurava algo novo para ler, ha-via cansado da minha própria prateleira. Puxei “Vidas Secas” de Graciliano Ramos, e “Ensaios e Anseios” caiu no chão. A par-tir daí, nunca mais abandonei os textos e poesias do poeta curi-tibano com o seu bi-gode enigmático. Leminski não fala só sobre o amor ou o (des)amor, fala muito

sobre a poesia em seus poemas. Descobrir em cada verso, desse tipo de poesia, uma dica de como funcio-nava o seu processo criativo de escrita era algo extraordinário aos olhos de uma ad-miradora literária.

pareça e desapareça

“Parece que foi ontem.Tudo parecia alguma coisa.O dia parecia noite.E o vinho parecia rosas.Até parece mentira,tudo parecia alguma coisa.O tempo parecia pouco,e a gente se parecia muito.A dor, sobretudo, parecia prazer. Parecer era tudoque as coisas sabiam fazer.

O próximo, eu mesmo.Tão fácil ser semelhan-te,quando eu tinha um es-pelhopra me servir de exem-plo.Mas vice versa e vide a vida.Nada se parece com nada. A fita não coincideCom a tragédia ence-nada.Parece que foi ontem.O resto, as próprias coi-sas contem”.

Talvez seja a forma de tratar a dor, com um descaso sem prece-dentes, ou até mesmo o jeito de sempre tra-duzir o que não conse-guimos falar, do jeito mais simples e bonito. Independente do mo-tivo, Leminski-se!

ExpedienteReitor: José Pio Martins Vice-Reitor e Pró-Reitor de Administração: Arno Gnoatto Pró-Reitora Acadêmica Marcia SebastianiCoordenadora do Curso de Jornalismo: Maria Zaclis Veiga Ferreira

Professora-orientadora: Ana Paula MiraEditores: Júlio Rocha, Lucas de Lavor e Marina Geronazzo

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3ESPECIAL LEMINSKI

loNa: Recentemente, a companhia das letras lançou o livro Toda poesia do leminski. Existia uma necessidade de realizar esse lançamento?

aurea leminski: Teve um momento em que os li-vros do Leminski começaram a ser editados cada título por uma editora diferente, não tínhamos uma editora única. Com algumas delas consegui-mos um retorno interessante, que os livros fossem encontrados com facilidade em qualquer livraria. Mas em outros casos não. Mesmo com uma fina-lização bonita, algumas obras sofreram com pro-blemas de distribuição e a estávamos ficando limi-tados. Chegou um momento em que a gente não podia mais ter essa limitação, falando de Paulo Le-minski. E a Companhia das Letras tem essa capa-cidade de estar em todos os lugares, onde quer que você vá, você vê aquela obra com o bigode preto e aquela capa laranja gritando. É impressionante. Hoje a gente vai para qualquer cidade e não há uma livraria que não dedique um espaço especial à obra do Leminski.

loNa: E o livro foi um sucesso, vendeu mais de vinte mil exemplares em um ano meio. a que você atribui essa repercussão?

al: No caso do Toda Poesia, a particularidade é que, em primeiro lugar, muitos do livros de poesia dele estavam esgotados já fazia muito tempo. Sempre se falou muito da poesia de Le-minski, mas as pessoas tinham uma dificulda-de muito grande de adquirir esses exemplares. A partir do momento em que a gente reuniu toda a obra dele em um único volume, todas as pessoas que quiseram adquirir as poesias tive-ram uma oportunidade com esse lançamento. E isso fez com que se voltasse a falar muito da poesia de Leminski. Fez com que ela ressur-gisse, tivesse uma nova vida. Muitas pessoas--chave começaram a falar sobre o livro, Nelson Motta falou, Pedro Bial falou. Ou seja, existe também o apelo das celebridades, das pessoas que são formadoras de opinião, são intelectuais e falam com um público muito amplo. Foi um processo no qual a poesia de Leminski quase se contagiou, ela voltou a ser falada nas universi-dades, em vários meios. Ele nunca deixou de ser falado, mas acho que nunca foi falado tanto sobre sua obra. E tem ainda a exposição, que é um projeto paralelo ao livro, mas que também acabou despertando o interesse nas pessoas.

loNa: E qual foi a motivação por trás da expo-sição?al: Essa exposição do Mon, que se chama Múlti-plo Leminski, foi um convite do museu para que eu, minha mãe (Alice Ruiz) e minha irmã (Estrela) fizéssemos a curadoria. Nosso desafio era encher uma área de 1700 m² que tradicionalmente rece-be grandes exposições de artes visuais com uma exposição sobre alguém cuja obra está ligada à pa-lavra e à música. Então, a gente chamou o Miguel Paladino, um designer argentino que está radica-do em SãoPaulo e já fez outras exposições do Le-minski, para a gente conseguir fazer a concepção toda dessa exposição, transformar todas as nossas ideias em algo que pudesse ser realizado de forma visual. Temos várias ambientações que mostram as facetas do Leminski, todas as áreas por onde ele atuou, muitas delas pouco conhecidas pelo gran-de público. Então, é lógico que a palavra, a poesia, está muito presente nessa exposição, mas a gente tem outras facetas desse multiartista que foi Paulo Leminski bem representadas lá. E a exposição tem grandes exemplos de várias obras finalizadas tanto na área de publicidade como na de jornalismo, ele atuava fortemente na área de comunicação. A gente leva todo esse material que estava guardado para que as pessoas tenham uma visão maior de quem foi Paulo Leminski.

loNa: E como vocês dividiram o trabalho nessa exposição?

al: A gente faz um trabalho de curadoria da ex-posição. É um trabalho conjunto, mas cada uma acaba se dedicando mais às áreas com as quais possui identidade maior. Minha mãe, por ser es-critora, tem uma facilidade maior para lidar com as editoras, para pensar na finalização de trabalhos como livros. A minha irmã, por compor, por cantar e ter seu projeto próprio nessa área musical, tem se dedicado muito no resgate da obra musical do Leminski. E eu tenho uma afinidade muito grande com a organização da documentação, é algo que eu estou fazendo já faz bastante tempo. Por isso acre-dito que nós, juntas, conseguimos fazer uma traba-lho muito diferenciado, mas que se complementa.

loNa: a arte está muito presente na família le-minski. sua mãe, alice Ruiz, também é escritora. a Estrela trabalha com música e você tem experi-ência nas artes cênicas e no jornalismo cultural. isso é influência familiar?

al: O que eu posso dizer com certeza que eu her-dei dessa convivência com Leminski e, também, Alice Ruiz é que a parte da comunicação sempre esteve muito presente. A gente, eu e minha irmã, nunca teve uma orientação dos meus pais no senti-do de que a gente devesse seguir uma carreira. Mas, só pelo fato de esse assunto ser recorrente dentro de casa desde que ainda éramos muito pequenas, acho que seria natural que seguíssemos esse ca-minho. Poderíamos ter seguido outros também, existem vários exemplos de outros filhos de artistas que seguiram outro tipo de carreira, mas no nosso caso houve um influência pois tudo isso sempre foi muito natural. Sempre tivemos a referência do que havia de melhor sendo promovido na área cultural pois era sempre um assunto recorrente dentro de casa. Mas nunca houve influência direta da parte deles.

loNa: se naquela época você tinha acesso ao melhor da cultura, o que acha das oportunidades que curitiba oferece hoje em dia?

al: Existem muitas opções. Na época em que eu trabalhava diretamente com jornalismo cultural, eu conseguia fazer um programa semanal, cobrindo boa parte da programação cultural, e precisava ser muito eclética para dar conta da variedade de coisas ofere-cidas. Hoje em dia, eu sou uma grande consumidora de arte - adoro ir ao cinema, teatro e shows – e não dou conta da quantidade de coisas que a cidade está oferecendo para a gente. Tem muita coisa que vem de fora, e muita coisa que está sendo produzida aqui com muita qualidade, atraindo muita gente de fora para cá e levando muita gente daqui para fazer sucesso lá fora. Curitiba está tendo uma produção cultural fantástica e recebendo muita coisa legal.

loNa: E o que pode adiantar sobre sua participa-ção na semana da comunicação?

al: Vou participar de duas palestras com minha irmã e minha mãe. Mas não vamos chamar de palestra e, sim, de bate-papo. Quando a gente vai falar de Le-minski, não consideramos que seja algo fechado como uma palestra ou uma aula e, sim, uma coisa aberta onde a gente conversa e conta muito sobre como é ter o privilégio de ter estado perto dele. Tem esse aspec-to, que eu chamo de testemunhas oculares da história, que nos traz um respaldo muito grande para falar de Leminski como pessoa e desmistificar um pouco a imagem que as pessoas têm de Paulo Leminski.

Aurea e o legado da família Leminski

Júlio Rocha

JúLIO ROCHA

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4 ESPECIAL LEMINSKI

KAWANE MARTYNOWICZ

Paulo Leminski é mais um dos artistas que não pôde ver o ápice de sua carreiraEnquanto vivo, Paulo Leminski já cativou um número grande de admiradores. Porém, com um best-seller tardio, exposições e uma enorme repercussão, o poeta voltou a ser destaque nos meios culturais brasileiros neste ano

“Não podemos descartar outro fato: a edição é alaran-jada, extremamente chama-tiva, e pode servir como um belo enfeite na sala da casa de quem não lê, mas gosta de parecer inteligente”.

Eder Alex dos Prazeres, sobre o livro “Toda Poesia”.

“Haja ontem para tanto hoje!”. Essa fra-se do escritor, poeta, músico, compositor, contista, tradutor, bi-ógrafo, jornalista, pu-blicitário, professor, grafiteiro, faixa preta de judô e autor de his-tórias em quadrinhos eróticas, além de ou-tras funções que exer-ceu ao longo de seus 44 anos de vida, como a de boê-mio po-l ê m i c o , diz tudo a res-peito do momen-to em que vive sua po-esia re-tumban-te.A s s i m como os cantores Elvis Presley, Michael Jackson e Amy Wi-nehouse, Paulo Le-minski teve sucesso, fãs, grandiosas obras, mas nada compara-do ao ápice póstumo que ele está tendo no ano de 2013. A úni-ca diferença é que os

demais cantores atin-giram o topo da lista de CD’s mais vendidos logo após morrerem, e o autor curitibano, que morreu aos 44 anos, em 1989, foi ter esse destaque quase 25 anos depois de sua morte: um livro que se tornou best-seller, uma exposição inédi-ta e seu nome na boca

das mais diversas pes-soas pelo Brasil afora.TODA POESIAEis o livro que des-bancou a trilogia de 50 Tons de Cinza - li-vro erótico que até en-tão estava no topo dos mais vendidos da Li-vraria Cultura. “Toda

Poesia” foi uma pro-posta das filhas e da mulher de Leminski com a editora Com-panhia das Letras, de reunir diversas poe-sias em uma só obra. São 424 páginas, 600 poemas e uma infini-dade de sentimentos e emoções ao longo de todo o livro.Apesar de ser sucesso

nas livrarias, o best-seller foi publicado mais de duas décadas de-pois de sua morte. Sem-pre admirado por leitores pouco con-v e n c i o n a i s , Leminski fez muito suces-so no início de sua carrei-ra, em 1976, conquistando os jovens de vinte e pou-

cos anos com sua po-esia lírica e coloquial, e também os mais in-telectuais, com uma poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, com linguagem formal. Capaz de compreen-der como poucos a

potência da expres-são literária, Leminski criou estilo próprio, forma, conteúdo e lin-guagem.O poeta ressurge, ago-ra, não só em livro, mas como uma espécie de sábio das palavras nas redes sociais. Tre-chos de suas poesias são frequentemente postados, e caíram no gosto não só dos mais experientes, que des-conheciam suas obras até então, mas dos jo-vens, assim como no início dos anos 70. O professor de história da arte e da cultu-ra, Leonardo Ferrari,

disse que começou a ler Leminski desde adolescente. “Leio a poesia dele como ob-jeto de arte, por pra-zer, mas acredito que essa repercussão se dê por curiosidade, da mesma forma que ou-tros escritores, como Cristóvão Tezza”, afir-ma. Fala também que a atemporalidade da poesia faz com que ela seja eterna, ainda mais hoje. “O jovem de agora lê mais, se interessa mais, tem uma diversidade de caminhos para procu-rar na internet, tem as redes sociais. É muito

bom valorizar o cená-rio curitibano, pois é uma arte não oficial, em processo de ex-pressão”, finaliza.Para o especialista em ensino da língua portuguesa e litera-tura brasileira, Eder Alex dos Prazeres, a obra merece ocupar o ranking. ““Toda Po-esia” é um livro im-portante, pois reuniu todas as fases do autor num só volume, fa-zendo com que aquele leitor que, porventu-ra, só tenha lido al-guns versos em apos-tilas de escola ou em grafites nos muros,

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5ESPECIAL LEMINSKI

Paulo Leminski é mais um dos artistas que não pôde ver o ápice de sua carreiraEnquanto vivo, Paulo Leminski já cativou um número grande de admiradores. Porém, com um best-seller tardio, exposições e uma enorme repercussão, o poeta voltou a ser destaque nos meios culturais brasileiros neste ano

agora tenha a oportu-nidade de verificar a plenitude de um gran-de escritor, de modo mais completo”, conta. Contudo, ele analisa outra face, que reme-te à popularidade do livro. “Não podemos descartar outro fato: a edição é alaranjada, ex-tremamente chamati-va, e pode servir como um belo enfeite na sala da casa de quem não lê, mas gosta de parecer inteligente”, afirma.Já para o advogado e amante da literatura, Clelio Toffoli Júnior, o livro não é tão bom as-sim. “Acho que é mui-to irregular, com uma poesia mais ligeira e preguiçosa, abusando de poemas curtos em forma de piada. O Po-laco era um escritor ansioso, publicava tudo o que escrevia. Faltou--lhe seguir o conselho de Ezra Pound, que dizia que “o poeta tem que aprender a usar o cesto de lixo””, argu-menta. Ele também opina sobre essa popu-laridade repentina. “O Leminski andou muito tempo “fora de catálo-go”, pois a poesia faz parte de uma “imensa

minoria”, o que acaba fazendo com que o mo-vimento seja mais sua-ve, de difícil percepção pelo grande público. A popularidade dele sem-pre foi maior mais por conta do personagem público do que pela sua escrita propriamente dita”, declara.

MÚlTiplo lEMiNsKi

Além do livro, a vas-ta obra de Paulo Le-minski ficou em cartaz na maior exposição já realizada sobre o curitibano, “Múltiplo Leminski”, no Museu Oscar Niemeyer, desde o dia 27 de outubro do ano passado. A expo-sição foi encerrada no último domingo, dia 9 de junho, e a despedi-da de Curitiba foi em grande estilo: um show especial, no Auditório Poty Lazzaroto, no dia 4 de junho, com a filha do poeta, Estrela Ruiz Leminski, e a partici-pação especial de Ar-naldo Antunes.O espaço contou com áreas nas quais o poeta atuava, como música, poesia, tradução, cine-ma, grafite, quadrinhos etc. “Esta exposição

contempla todas as fa-cetas de Leminski”, dis-se Alice Ruiz, poetisa e companheira do autor por duas décadas. Se-gundo a curadora do evento, a exposição em Curitiba recebeu mais de 180 mil visitas, o que motivou a expandi-la para outras regiões. “Sucesso total! Ago-ra ela vai itinerar pelo Brasil. Já tem agenda em Foz do Iguaçu, em julho, em Goiânia, em novembro e para 2014 começará em Recife”, conta.Clelio Toffoli Júnior diz ter gostado da ex-posição, e que ela foi muito bem organizada. “Achei a exposição do MON interessante, por trazer ao visitante uma visão que aproxima o escritor do leitor. Acre-dito que a finalidade foi plenamente satisfa-tória, ajudando muito na repercussão atual do Leminski, e alimen-tando a aura mítica que ele sempre teve”, afirma o advogado.

TRaJETÓRia

Antes de tudo isso, Le-minski é dono de uma extensa e relevante

obra. Desde cedo, in-ventou um jeito pró-prio de escrever poesia, trabalhando poemas breves, trocadilhos, brincando com dita-dos populares. Foi um importante divulga-dor do haikai no Bra-sil (gênero da poesia japonesa que utiliza apenas três versos, valorizando a objeti-vidade e a concisão) que praticava com maestria, resumindo o universo em poucas linhas. Sua poesia não estava apenas em suas obras, mas em sua vida, suas polêmicas, seu bigode, seu humor e seu carisma, além de seu paradoxo em ser considerado um poeta “marginal” e “concre-to” ao mesmo tempo, movimentos opostos que o tornam inclassi-ficável.O poeta foi homena-geado de várias ma-neiras, mostrando a dimensão de sua im-portância. Um exem-plo disso é a Pedreira Paulo Leminski, que inclui um palco ao ar livre que pode abrigar grandes apresenta-ções, e o Espaço Cul-tural Paulo Leminski,

onde obras, fotos e histórias do poeta e intelectual podem ser vistas e lidas.Outro exemplo foi a homenagem que Ca-etano Veloso fez para ele em seu livro “Ca-prichos e Relaxos”. “Esse livro de poe-mas é uma maravilha, porque os poemas do Leminski são muito sintéticos, muito con-cisos, muito rápidos, muito inspirados. Ele é um sujeito gozado. É um personagem mui-to único, no pano-rama da curtição de literatura no Brasil. Eu acho um barato. Leminski é um dos mais incríveis que apareceram”, escre-veu o músico.Mesmo não viven-do muito, Leminski soube aproveitar a vida. Casou, descasou, viveu em comunidade hippie, bebeu (morreu, inclusive, de cirro-se), escreveu músicas, deu aulas de judô, foi comentarista na TV, enfim, se tornou pop, hoje e sempre. Ape-sar de vários críticos de literatura acharem essa fama uma desva-lorização de sua traje-

tória em vida, o pró-prio poeta acharia normal, pois como ele mesmo diz em um de seus versos: “não discuto com o destino, o que pin-tar eu assino”.

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7ESPECIAL LEMINSKI

Polaco latino boêmio “loco paca” que sabia latim. A aparente in-coerência e poluição generalizada da frase inicial não poderiam ser mais adequadas, pois estamos falando de Paulo Leminski, o faixa-preta em judô que não abria mão do copo nem dos versos – muito pelo contrá-rio, um completava o outro. Essa combina-ção esteve presente ao longo dos anos nas in-cessantes publicações, de livros de poesia a romances, de tradu-ções a biografias. A história central, aqui, se passa nos idos dos anos 80, quando o poeta poliglota fez fama de boêmio pelos bares de Curitiba, sem jamais deixar para trás a relação natural que tinha com os ver-sos. Qual seria a pala-vra certa para definir

alguém que compôs o primeiro poema em latim?Começamos por uma parada sagrada: bar Stuart. Dino Chiu-mento, 76 anos, pro-prietário, conta que eram frequentes as visitas de Leminski ao bar, e não demo-rava muito para seus amigos se acomoda-rem com o passar do tempo. “Ele sentava ali [mostra uma ca-deira no canto], es-crevia poesias, nos guardanapos mesmo, algumas vezes. E fi-cava até as duas, três [horas], dependia.” O bar, que fica na es-quina da Praça Osó-rio com a Alameda Cabral, abriga uma quantia extraordiná-ria de rótulos de des-tilados à vista e exibe com orgulho em suas paredes “relíquias”: fotos antigas que mos-

tram o começo do bar e premiações da re-vista “Veja” como um dos melhores bares e restaurantes de Curi-tiba. O espaço não é grande, mas bastante aconchegante para ter inspirado Leminski a escrever dois versos perpetuados na histó-ria:

O Rio é o marCuritiba, o bar.

Dino nos entrega pa-péis com informações do bar e uma foto de Leminski tirada no estabelecimento. Com aparente orgulho, afirma que os versos acima foram escri-tos “ali” (aponta para uma mesa próxima à janela), onde o poe-ta costumava enxugar de 3 a 4 doses de Vo-dka Smirnoff enquan-to trabalhava em seus versos.

Assim, de bar em bar, Leminski é lembrado hoje como um boê-mio intelectual da ve-lha Curitiba. Mesmo que considerado por uns como um “poeta burguês”, seu rompi-mento com a poesia de vanguarda, aliado a um estilo próprio de brincar com as pala-vras em busca de rimas cruas, mas profundas, Leminski ganhou fama e, por consequência, o dinheiro que o permi-tia desfrutar de uma vida regada a álcool. Um dos bares que fre-quentava era o Alemão, no Largo da Ordem, onde religiosamente seria possível encon-trá-lo nos fins de se-mana. Foi palco para devaneios que resulta-vam em poesias. Nos domingos, disputa-va o reconhecimento em pequenos eventos chamados de “Semana

do Poeta”, em que era responsável por esco-lher o melhor poema da semana. “A Burguesia”, de Mau-ro Jorge Azevedo, hoje com 46 anos, foi uma vez escolhido como o melhor da semana. Participando com fre-quência das aventuras etílicas de Leminski, Mauro se viu em débi-to com a presença do já reconhecido poeta e, mesmo alegando que “não sabia es-crever”, acabou por compor os versos que ganharam reconheci-mento de seu parcei-ro de copo e de filo-sofia. Atualmente, Mauro cambaleia com fre-quência nas proxi-midades do Bar do Silvio, no bairro Pi-nheirinho, localizado na rua Nossa Senho-ra do Sagrado Cora-ção. Apesar de não ter ganhado visibili-dade, “A Burguesia” é seu grande motivo de satisfação. Con-sequentemente, ele não se cansa de re-petir que a escreveu, em certa instância, ao lado de Leminski e a seu pedido, tendo como motivo de or-gulho um exemplar emoldurado expos-to na parede do bar, assinado por “Bru-ce Lee de Leuroy”, apelido que Mauro ganhou após entrar numa briga e deixar o adversário em con-dições lamentáveis.A quem possa inte-ressar, na íntegra, os versos que um dia foram reconhecidos

Um brinde, um abraço, um poemaJOãO DUSI E LUCAS DE LAVOR

Marcia Alevi

pelo finado Polaco:

Nasci devendoAlgo que não entendoJá vim contratado pela burguesiaEstou chorando, men-tindo, fingindo, sorrin-doQuando não estou a fimMas vou caminhandoComo um poeta exta-siado da vidaEm busca de um sorrisoCheio de harmonia.

A simplicidade do Bar do Silvio contrasta com o luxo do Stuart e do Ale-mão, sendo algo próximo do Bife Sujo (outro bar que Leminski frequen-tou). A decoração não fica a desejar (repleto de quadros e vinis de bandas como Pink Floyd e Led Zeppelin, pendurados nas paredes), e a simpli-cidade também está nos frequentadores: clientes fiéis, que se conhecem bem, onde o bom e velho “fiado” sobrevive devido à confiança. Confian-ça que provavelmente deslumbraria Leminski, amante da cultura japo-nesa e de seus costumes tradicionais. Quem sabe não seria mais um des-ses clientes fiéis? Na breve estadia de Le-minki na Terra – ele morreu aos 45 anos, de cirrose hepática – ele foi impassível perante o próprio brilhantismo, sem se levar pela vaida-de. Restou a entidade do Polaco, que assombra positivamente qualquer um que deseje se aven-turar nas entranhas dos versos que tocam sem a pretensão do erudito, mas com toda a mes-ma sabedoria. Parade do bar do Sílvio que abriga a poesia “A Burguesia” de Mauro Jorge Azevedo

João Dusi/Lucas de Lavor

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8 ESPECIAL LEMINSKI

Múltiplo Leminski

Cristiane Macedo| Ricardo M

acedo

O Museu Oscar Niemeyer (MON) foi palco da mostra “Múltiplo Leminski” durante 8 meses. Vista por cerca de 180 mil pessoas, a curadoria da exposição contou com a presença de Alice Ruiz e as-sistência de Aurea e Estrela Leminski. O espaço da exposição, localizado no Salão Principal, Olho, foi dividido em diversos nichos com as diferentes áreas de atuação de Leminski, como música, poesia, prosa, traduções, quadrinhos, etc. A exposição agora se encontra em Foz do Iguaçu no Ecomuseu de Itaipu e estará aberta para visitação até 20 de outubro. Em menos de 21 dias já al-cançou um público de mais de 28 mil pessoas. Depois de Foz do Iguaçu, a exposição ainda deve passar por vários estados brasileiros; na lista estão capitais como Goiânia e Recife.

Cristiane Macedo| Ricardo M

acedoCristiane M

acedo| Ricardo Macedo