LOPES GALVÃO Cap III Fontes e História Da Educação

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CAPiTULO III -~ Fontes e Historia da Educa~ao FALAMOSDE ENSINO,DE LIVROE DE LEITURA, de crianl$as e jovens, de mulheres... Tantas hist6rias contadas e tantas ainda a contar. )a dissemos que a Hist6ria da Educal$aoe uma das maneiras de abordar 0 presente tornando-o estranho para que possamos compreende-Io; mas, entao, como saber 0 que aconteceu? Como saber 0 que se passou? Como reconstituir/reconstruir pedal$osde hist6rias? Em sua inteireza e completude, 0 pass ado nunca sera plenamente conhecido e compreendido; no limite, podemos entende-Io em seus fragmentos, em suas incertezas. Por mais que 0 pesquisador tente se aproximar de uma verdade sobre 0 passado, apostando no rigor metodol6gico, permanecem sempre fluidos e fugidiosos pedal$osde hist6ria que se quer reconstruir. Mas, mesmo em sua imponderabilidade, como ter acesso ao passado? Certamente atraves dos tral$0s que foram deixados, dos vestfgios nao apagados que representam ou que dizem sobre a vida de homens e mulheres das sociedades passadas. De uma forma geral, ja discutimos essas quest6es nos capftulos anteriores. Aqui, falaremos de uma forma mais detalhada sobre 0 que e a materia-prima basica do historiador, sobre 0 que encontra disponfvel ou procura e utiliza para fazer hist6ria: as fontes. Se a fonte e a necessaria e indispensavel materia-prima do historiador para que ele possa, de alguma forma, reconstruir esse passado, 0 que e "fonte"? Vamos encontrar a palavra [ante nas lfnguas com as quais lidamos mais comumente (isto e, ingles, frances, espanhol e

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CAPiTULO III

-~ Fontes e Historia da Educa~ao

FALAMOSDE ENSINO,DE LIVROE DE LEITURA,de crianl$as e jovens,de mulheres... Tantas hist6rias contadas e tantas ainda a contar.

)a dissemos que a Hist6ria da Educal$aoe uma das maneiras deabordar 0 presente tornando-o estranho para que possamoscompreende-Io; mas, entao, como saber 0 que aconteceu? Comosaber 0 que se passou?

Como reconstituir/reconstruir pedal$osde hist6rias?

Em sua inteireza e completude, 0 passado nunca seraplenamente conhecido e compreendido; no limite, podemosentende-Io em seus fragmentos, em suas incertezas. Por maisque 0 pesquisador tente se aproximar de uma verdade sobre 0passado, apostando no rigor metodol6gico, permanecem semprefluidos e fugidiosos pedal$osde hist6ria que se quer reconstruir.Mas, mesmo em sua imponderabilidade, como ter acesso aopassado? Certamente atraves dos tral$0sque foram deixados,dos vestfgiosnao apagados que representam ou que dizem sobrea vida de homens e mulheres das sociedades passadas. De umaforma geral, ja discutimos essasquest6es nos capftulos anteriores.Aqui, falaremos de uma forma mais detalhada sobre 0 que e amateria-prima basica do historiador, sobre 0 que encontradisponfvel ou procura e utiliza para fazer hist6ria: as fontes.

Se a fonte e a necessaria e indispensavel materia-prima dohistoriador para que ele possa, de alguma forma, reconstruiresse passado, 0 que e "fonte"?

Vamos encontrar a palavra [ante nas lfnguas com as quaislidamos mais comumente (isto e, ingles, frances, espanhol e

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it~diano) de duas maneiras. Em ingles e frances, a grafja e amesma (embora, evidentemente,' a pronuncia nao): sourc~;emespanhol, portugues e italiano, tam~em a grafia e parecida: fonteou fuente. 0 que e precisodestacare a origemdessaspalavras,para saber se nela existe alguma p'ista que nos permita pensar. ..no seu significado. Esse e 0 valor que podem ter as palavras e'

suas origens, aquilo que oseruditos chamam de etimologia.Source(quer em frances, quer em ingles) origina,se primariamente deuma "raiz indo,europeia "reg diriger en droite ligne", "dirigir, conduzir

, em linha retd, correta"; e t&imbemdessa raiz que temos, em latim,rei. Na sua deriva~ao, varias palavras poderiam ser elencadas,o ~e nao cabe aqui fazer, apenas assinalar que a raiz esta emdirigere,erigeree em surgere.Surgere, em seu sentido proprio,e levantar,se; daf, surgir, elevar,se, aparecer, sair. Foi surgereque deu origem, em frances, a sour~re (surgir)e source. Fonte

'vem de fonHis que, segundo 0 dicionario frances Robert, ternuma origem religiosa, pois foi usada pela lfngua da Igreja paradizer da agua do batismo ou do lugar onde se batiza - fonte ounascente, isto e, agua que surge, origem. E com isso chegamosao mesmo ponto. As duas palavras - source e fonte -" conternuma dimeilsao de origem e tambem de surgimento, 0 que serelaciona a uma ideia de espontaneidade. -

Se as palavras sac - na maioria das vezes - reveladoras, aquio que nos' revelam e urn engano, a saber, 0 carater espontaneo

que as fontes da "opera~ao historiografica" nao tern, pois 0material com que t.n~,balha 0 historiador, e que em algummomento passou a ser chamado de fonte, esta, ao mesmo tempo,disponfvel e indisponfvel. As fontes estao af, disponiveis,abundantes QUparcas, eloqiientes ou silenciosas, muitas oupoucas, mas vemos, pelos trabalhos que sac realizados, queexistem. Mas estao tamb,emindisponfveis porque, inicialmente,

e precise que aquele que se prop6e ao trabalho va atras delas eso fa~a 'isso se tiver urn problema ou, no minimo, urn tema.

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FONTES E HISTORIA DA EDUCA<;:AO . "~" 79

JDe safda, 0 que determina 0 que serae. ~ fontes, e' exatamenteisso: 0 problema. problematizado. E come~a urn arduo trabalho.

A escolha das fontes

E, portanto, 0 problema e 0 tema qu~0 pesquisadorse <;olocaque nortearao, em grande medida, a escolha das fontes queu~m~ ' ,

Trata,se pois, de identificar no conjunto dos materiaisproduzidos por uma determinada epoca, por determinado gruposocial, por determinada pessoa'- homem ou mulher e segun~o aetnia - aqueles que' poderao dar sentido a pergunta queinicialmente se propos; aqueles que, trabalh~dos, isto e,recortados e reagrupados" poderao servi~ de base a opera~aopropriamente historiografica,ou seja, a interpreta~ao e a escrita.

Mas que material sera esse? Servira qualquer coisa e tudo?Ecerto que a qualquer trabalho se imp6e um~sele~ao, mas nao

sejamos ingenuos pensando que apenas aquele que 0 conduzopera a sele~ao. A sele~ao ja foi feita tanto por aqueles queproduziram0 material, pelosque 0 conservaram ou que deixaram.. .

os rastros de uma destrui~ao - intencionalou nao -, por aque1esque 0 organizaramem acervose peloproprio'tempo.Nessesentidoe que a historia sera sempre urn "conhecimento mutilado", poisso .conta aquilo que wi possfvel saber a respeito do que se quersaber. 0 passado, nunca e demais repetir, e uma realidadeinapreensfvel.

Ate os primeiros trinta ana:; do seculo xx, como ja dissemosem outros mdmentos, exatamente pelo tipo de historia que sefazia, considerava,se fonte, isto e, material para escrever ahistoria, apenasos documeritos esci'itos vistas, ja na suaformula~ao,por sua propriaorig~m,confiaveis.Se se faziahistoriapol1ti~a, admi~istrativa, diplomatica,eram es~olhidos 0'Sdocumentos que podemos chamar de, "oficiais", em geraldocumentos escritos. ELucten FebVrJ ,0 ~utor ma~ dtado quando. ." ~~. ,... "

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80 HIST6RIA DA EDUCAC;:AO

se quer buscar um argumento contundente para dizer que sepode fazer a historia com tudo a que, sendo do homem, depende dohomem, serve para a homem, exprime a homem, significa apresenqa, a atividade, as gostos e as maneiras de ser do homem.

Acrestentemos e da mulher, para fugirmos do gene rico sexista eporque os documentos produzidos pela sociedade para um e outrosexo e por cad a um e diferente - como ja se sabe. E tambemFebvre quem afirma que, no limite, todo documento e

mentira, na medida em que so tomamos conhecimento daquiloque 0 passado quis que fosse memoravel. Para dar um exemplodisso, podemos imaginar um historiador que, daqui a cem anos,quisesse reconstruir um aspecto da historia polftica do Brasil no

final do seculo xx e se baseasse, para isso, em tres tipos dejornal: 0 Diario Oficial da Uniao, um jornal de grande apelopopular e um jornal considerado serio. Encontraria a mesma

versao para a mesma historia? Poderia confiar integralmente nosdados encontrados em tao dfspares vefculos?

Algumas fontes

Na Historia da Educa<.;ao,pelo proprio tipo de pesquisa que

predominantemente se fazia (de um lado, investiga<.;oes sobre

as transforma<.;oes ocorridas ao longo do tempo na organiza<.;aoescolar e, de outro, 0 estudo do pens amen to pedagogico),recorreu-se, durante muito tempo, as fontes oficiais escritas:

legisla<.;aoe atos do poder executivo, discussoes parlamentares,atas, relatorios escritos por autoridades (presidentes de provfncia,

inspetores escolares etc.), regulamentos, programas de ensino eestatfsticas. Alem dessas fontes, tinham muita importancia asproprias obras que os educadores ou pens adores mais eminentesde cada epoca haviam escrito. Elas constitufam, nesses trabalhos,a materia-prima do trabalho do historiador.

Com 0 alargamento dos temas abordados pela Historia da

Educa<.;ao, de que ja falamos anteriormente, os pesquisadores

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foram, aos poucos, tambem ampliando 0 uso das fontes. Tal comoocorreu em outros domfnios da Historia, os historiadores da

educa<.;ao incorporaram a ideia de que a Historia se faz a partirde qualquer tra<.;oou vestfgio deixado pelas sociedades passadase que, em muitos casos, as fontes oficiais sao insuficientes paracompreender aspectos fundamentais: e dificil, por exemplo, senao

impossivel, penetrar no cotidiano da escola de outras epocassomente atraves da legisla<.;ao ou de relatorios escritos porautoridades do ensino. Poderiamos novamente pensar em nosso

historiador imaginario. Se ele quisesse, desta vez, pesquisar aeduca<.;ao no Brasil no mesmo perfodo, poderia tomar comoexpressao da pratica pedagogica apenas aquilo que os programasoficiais de ensino dizem? E como 0 historiador analisaria esse ato

que voce, leitor, leitora, esta realizando neste momento? Pensando

nessas questoes, muitas outras fontes vem sendo utilizadas.

No entanto, embora a "revolu<.;ao documental" tambemtenha atingido e marcado profundamente 0 campo da Historiada Educa<.;ao,os pesquisadores tem insistido na necessidade de,

mesmo para aqueles que abordam novos temas e que se utilizamde fontes nao-tradicionais, de recorrerem aos arquivospropriamente ditos. Mas, em vez de fetichizarem 0 documento,acreditando que eles possam falar toda a verdade, os historiadorestem se esfor<.;ado para problematizar essas fontes. Em outraspalavras, e preciso discutir, por exemplo, 0 que presidiu a

publica<.;aode um ato oficial ou entender que, ao lado da inten<.;aoda lei, existem as praticas que fazem 0 dia-a-dia da escola.As pessoas que produzem esses documentos sabem, de uma ou

outra maneira, que serao lidos, quer para serem obedecidos,quer para serem divulgados, discutidos, aprovados oucontestados. 0 trabalho a ser realizado, a partir da escolha feita,

exige que se persigam 0 sujeito da produ<.;ao, as injun<.;oes naprodu<.;ao, as interven<.;oes, isto e, as modifica<.;oessofridas e 0destino e destinatarios desse material.

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Alem di~so,essas novas fontes gue vem sendo incorporadaspelas pesquisas mais recentes tern sido tambem transformadasno proprio Qbjeto de pesquisa. A imprensa pedagogica, 0 livroescolar;o caderno do aluno, 0 mobiliario,0 uniforme,por exemplo,nao servem ~penas para nos fazer aproximar de urn aspecto darealidade que estamos investigando, .mas eles proprios -suas condi~oes de produ~ao (e de circula~ao), seus usos,as transforma~oespor que passaram ao longo do tempo - passama interessar, pois dizem tambem sobre urn passado educacional.

. Tambem ganham importancia trabalhos que realizam aorganiza~o de tepertorios analfticos, inventarios de fontes, debibliografiase a sua informatiza~ao atraves de banco de dados,disponibilizados para a comunidade de pesquisadores. Emboraesses trabalhos, por si so, nao constituam uma pesq"uisapropriamente dita (ja que nao partem de urn problema nem deurn tema), nem abarquem 0 universo das fontes passfveisde serem utilizadas (na medida em que muitas fontes estao forados locais tradicionalmente criados para guarda-las, como osarquivos publicos), saD importantes porque chamam a aten~aopara a expressiva quantidade e potencialidade dos documentosdisponfveis e -certamente facilitam 0 trabalho dos futurospesquisadores.

Falaremos, aqui, mais detidamente, de algumas dessas"novas" fontes que vem sendo utilizadas em trabalhos recentesde Historia da Educa~ao. Mas deixaremos, por razoes diversas,

- rouitas outras de fora. Tambem a totalidade das fontes e

inapreenslvel, nunca se sabera se se acharam todas as fontes,nunca se sabera se todas foram perdidas. Nao falaremos, porexemplo, da importancia doautiliza~ao de arquivos de polfcia(e suas a~oes dveis e criminais), de inventarios e testamentos,das-fontes arqueologicas ou mesmo de discursos de pedagogos e

de m!dicos sobre a educa~ao.. .~

I .

FONTES E HISTORIA OA EOUCA<;:AO 83

Exami..ando espac;os e.objetos eSGolarese a representac;ao do outro

Ja nos referimos aos objetos utilizados na escola que tern setornado uma fonte fundamental nos estudos de H[storia da

Educa~ao. Carteiras, utensflios diversos, cadernetas de professores,exerdcios, provas, bole tins escolares, livros de ocorrencia,cadernos e trabalhos de alunos, uniformes, quadros-negros

(ou de ardosia), bibliotecas escolares, livros dirigidos ao estudante

ou ao professor muito podem dizer sobre metodos de ensino.disciplina, curriculo, saberes escolares, forma~ao de professores...

A. sensibilidade do p,esquisador e convocada, tanto quantoseu rigor, para analisar 0 que tern em maos, e ele, ela, tentaranao deixar nenhuma pergunta de fora, mesmo se for urn objetobanal, urn tinteiro, por exemplo: de que epoca e? A essa provavel

primeira pergunta, segue-se: mas como f0i que se constituiu emfonte? Pertence ou pertenceu a alguma institui~ao? Escola? Orgaoadministrativo? Tera pertencido a .alguma pessoa ffsica? Se sim,

por que e [onte? De que material e feito? Cristal da Bohemia,vidro fosco? Todas as perguntas, quando respondidas, oferecerao..dados (juntamente com outros objetos e outros ,tipos de fonte)ao que e a questao principal de uma pesquisa, porque urn tinteiro,certamente, nao e a questao principal de utna historia da

educa~ao. Eimportante real~ar, neste momento, que 0 trabalhodo historiador e ~lUito ~:liferente daquele do antiquario; este

toma cada objeto em si e pode deslumbrar-se com ele avontade,

pois seu valor vira desse deslumbramento. Ao historiador, mesmose for urn colecionador de antigiiidades, 0 valor do objeto que

tern em maos ou que procura vira da. rela~ao que podera set'estabelecida entre outros objetos identificados pela pe~uisa com.a sua problematica central.

. Muitos estudos utilizam metodologias ja consagradas no

campo da historia cultural, para analisar, por exemplo, os livros. .

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escolares. A bibliografia material tern sido urn poderosoinstrumental nessaspesquisas.Auxiliando na analise do impresso(capa, contracapa, pagina de rosto etc.), traz elementos parase compreenderem melhor, por exemplo, 0 leitor e a leitura.Os catalogos de editoras, como ocorre nos trabalhos de historia

do livro e da leitura, informam 0 que circulava em cada epoca.Mas muitos aspectos da escolade outras epocas estao registradosmenos em documentos produzidosespecificamentepara 0 mundoeducacional e mais em outros tra~os e vestfgiosdeixados em urnuniverso mais amplo de fontes.

Os espa~os planejados (ou nao) para a a~ao escolartambem dizem muito sobre a escola e a educa~ao em outrasepocas. Que dizer da arquitetura dos grupos escolares nomomenta de seu surgimento em varias cidades brasileiras?o que incorporavam do ideal republicano? 0 que se podeinferir a respeito da vigilancia e do disciplinamento moral,da disposi~ao do patio nos colegios, religiosos ou nao?o ordenamento dos espa~os faz parte da historia da propriainstitui~ao escolar e a arquitetura vem sendo, cada vez mais,considerada fonte para se entenderem as processoseducativos, ja que e, ao lado de outros dispositivos, umamaneira de forjar homens e mulheres.

Pinturas, desenhos, esculturas, fotografias, can6es postaistambem podem dizer sobre a passado e, particularmente, sobrea educa~ao em outras epocas. Tradicionalmente utilizadacomo ilustra~ao daquilo que os documentos escritos diziam,a iconografia vem sendo, crescentemente, considerada

importante e incorporada aos trabalhos de Historia da Educa~ao.Vma discussao sobre as exigencias impostas a sua utiliza~aonaspesquisas tambem tern sido feita, destacando~se a especificidadeque tern as condi~6es de sua produ~ao em cada epoca esociedade.

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Contando sobre si e sobre 0 outro:

obras literarias, autobiografias, correspondencias,diarios Intimos, relatos de viajantes, jornais e revistas

Nesse universo mais amplo de fontes esta a literatura. Pouco

usada pela Historia em geral, sua explora~ao, embora tenha que

ser submetida a determinadas regras que sao tanto da Historiaquanto da propria Literatura, pode permitir a descoberta demundos completamente diferentes daqueles exibidos por outro

tipo de texto escrito. Atualmente a escola, as rela~6es escolares,as brincadeiras e 0 mundo infantil saDobjetos das ciencias sociais,fazem~se disserta~6es e teses; no entanto, durante muitos anosessa realidade foi trazida por outro tipo de texto, os literarios:

romances, novelas, pequenos contos para crian~as, literatura

religiosa e moral, ate mesmo a poesia. Em Historia da Educa~ao,essa fonte come~a a ser mais bem aproveitada e tern propiciadoemergirem do desconhecido 0 cotidiano de escolas, formas desocializa~ao, maneiras de trajar, rela~6es, tudo isso que faz parteda vida de homens e mulheres...

As fronteiras entre fic~ao e verdade saD consideradas cad avez mais tenues no ambito das ciencias humanas, e tende~se a

concordar que a obra literaria nao reflete a realidade: a fra~aodo real que revel a e resultado de uma reinterpreta~ao e de uma

reelabora~ao. Ainda que condicionada socialmente, 0 seudomfnio e sobretudo estetico. No entanto, a verdade que a fic~ao

pode trazer importa mais do que uma suposta "realidade". Vmaverdade que escapa, as vezes, a pesquisa historica ou a pesquisaconsiderada cientffica. Os autores nao saD somente testemunhas

da escola de sua infancia ou da idade adulta, mas saD interpretes

sensfveis e apaixonados dos processos familiares, escolares esociais. As rela~6es entre literatura e historia saD caracterizadas

pela tensao e nao pelo reflexo ou correspondencia direta.o mesmo podemos dizer das autobiografias ou memorias que,

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como janos referimos,em algunscasosconstituemdocumentossingulares e importantissimos para a reconstru~ao de aspectosdos processos educativos de outras epocas. Sao, por exemplo,testemunhos raros sobre a aquisi~ao da leitura e da escrita ousobre a forma~ao de leitores, principalmente em processosautodidatas. 0 relato autobiografico mistura em uma mesmaobra a literatura e a historia e tem sido considerado como

qualquer outro tipo de fic~ao, pois e, principalmente, fruto dalinguagem, da narrativa. Tambem a escrita de si e reconstru~ao.

o uso da literatura ou da autobiografia nas pesquisas deHistoria da Educa~ao nos faz lembrar que usar certo tipode fonte exige que se fa~a calar os proprios pontos de referencia(se nao se quer cometer anacronismos) a fim de que seja possivelreconhecer 0 problema. Ora, nem sempre os pontos de apoio, ouaquilo que podera oferecer uma explica~aoou uma compreensao,poderao ser encontrados em fontes para as quais nosso saber dehoje poderia facilmente apontar. Por exemplo, nos seculos XVIe XVII, nao serao os higienistas que ditarao os criterios dehigiene e de limpeza. Ser:a preciso busca-Ios em manuais dedecoro e conveniencia, ou de regras de bons costumes e boasmaneiras. Tudo isso porque ha, ao longo da historia umdeslocamento dos discursos sobre os saberes, de um lugar deprodu~ao a outro. 0 historiador devera saber disso para naoprocurar onde nao ha aquilo que ha alhures, 0 que 0 levaria aum cansa~o inutil e a conclus6es equivocadas.

Outros tipos de fonte escrita, bastante interessantes, sao ascorrespondencias particulares e os diarios intimos. Trata-se dematerial pertencente a vida privada das pessoas que,provavelmente, se' fossem consultadas, nao dariam autoriza~aopara sua utiliza~ao como fonte. Em geral, esse tipo de objeto -dificil e raro, sobretudo no Brasil - chega as maos dopesquisador(a)de maneira ocasional e e preciso bastante cuidadopara a sua classifica~ao, organiza~ao, categoriza~ao, analise e

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interpreta~ao. Alguns desses diarios intimos nao passam deexerdcios escolares e se prestarao muito bem a quem estejainteressado em uma historia das estrategias de ensino, porexemplo. Alem disso, nem tudo que se registra, mesmo queseja so para si, e verdade. Os diarios sao 0 Ingar dos sonhos,das fantasias, das grandes emo~6es e, em geral sao/foramescritos por meninas ou mulheres. Assim, e preciso levar emconta, no minimo, tanto os estereotipos valorizados quando setrata de uma escrita feita por mulheres, quanto 0 genero, isto e,descobrir rela~6es, implica~6es da cultura que consideram ume outro sexo.

Tambem as narrativas dos viajantes que estiveram no Brasil,principalmente durante os seculos XVI, XVII, XVIII e XIX,registrando os habitos dos habitantes de um novo mundo, saoum material extremamente interessante e ainda muito poucoexplorado nas pesquisas de Historia da Educa~ao. Esses relatosoferecem descri~6es em que vao ficando claros, pelos olhos deum outro, que se surpreende, emociona ou escandaliza,costumes,trajes, modos de dizer e_defazer, espa~osdomesticos e publicos.Eevidente que nao sao espelho, nem da realidade vista/vivida,nem de nenhuma verdade; sao apenas a representa~ao que asurpresa, a emo~ao, ou os preconceitos e ate injun~6es econveniencias polfticas de um outro the permitiram construire contar.

Utilizados ha mais tempo, e gozando de maior prestigiona pesquisa historiografica, estao os jornais e as revistas.Os historiadores da educa~ao tem se voltado, sobretudo, paraos impressos que, pertencendo a esses generos, circulavamespecificamente junto a um publico escolar. Pesquisas queabordam a imprensa pedagogica (como fonte e/ou como objeto)e jomais produzidos por alunos, por exemplo, tem se tornadocada vez mais freqiientes. A analise dos editoriais, das cartasao/do lei tor e das se~6es componentes do impressa sao

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fundamentais para uma historia da educa~ao, do livro e da

leitura, das professoras....\

Ouvindo e cantando 0 outro: a "historia" oral e a musica

o que pode pretender urn historiador, cuja materia e 0 tempopassado, ouvir? 0 que, afinal, e mais importante: ver ou ouvir?Ou seja, e mais confiavel 0 que entra pelos olhos ou aquilo queentra pelosouvidos?Mesmoque ver tenha tido uma preeminenciacomo gesto constituidor de fonte, ouvirpassou a ocupar urn lugarbastante import ante na contemporanea historiografia, atravesda chamada historia oral, principalmente quando 0 pesquisador,em conseqiiencia do problema que se coloca, disp6e de poucostestemunhos escritos. Essa forma de fazer historia chama-se

oral porque a fonte fala e, se fala, e porque 0 pesquisador(a)pediu que falasse sobre determinado assuntOj ha umadirecionalidade em rela~ao a fonte, uma pretensao de que faleo que se quer ouvir.

Mas tambem aqui e precise reparo na sutileza da sucessaodos gestos: na historia oral alguem falaj quem escuta? Ouvir eescutar e a mesma coisa? Ouvir e sentir a impressao causada

pelo somno ouvido; escutar e prestar ouvido atento. 0 dicionariode sinonimos acrescenta "Quem escuta,de si ouve diz 0 ditado",o que aponta claramente na dire~ao da subjetividade dopesquisador.

Ora, toda a aparencia da opera~ao e de que ela e simples:identifica-se 0 problema, escolhe-se a historia oral comometodologia, elabora-se urn roteiro, descobre-se urn depoente,coloca-se urn manual de como fazerentrevistas debaixo do bra~o,

urn gravador em born estado de funcionamento na mao, muitasfitas e... esta dada a partida. Acontece que ninguem fala paraurn gravador, porque a fala pressup6e uma escuta. Podemosimaginar, por exemplo, que alguem vai dizer das dificuldadesque tern com proprio corpo, de se reconhecer nele, dos seus

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'II:

Iii:processos de envelhecimento, das perdas sucessivas de potenciaauditiva, visual, tactil, sexual, olfativa etc., se nao for a alguem

que tenha uma sensivel escuta? Uma sensivel escuta seria aquelaem que 0 ditado e levado a serio e 0 pesquisador(a) de si ouve.

Essa empatia entre aquele(a) que fala - daseu depoimento -e aquele(a) que escuta deve ser levada em conta no trabalho.Oesde 0 momenta em que escolheu 0 tema, recortou 0 problema,identificou tra~os do passado no hoje, escolheu o(a) depoente,elaborou 0 roteiro e partiu para campo, e sempre0 pesquisador(a)que ai esta. Oecerto, ha urn interesse genuine na fala do outropois e ela que permitira a elucida~aodo problema proposto. Mase preciso que 0 outro saiba disso, saiba que 0 interesse nao eapenas na realiza~aodo trabalho, e sim no desvelamento de urnproblema do qual faz parte; dessa maneira e preciso haverpartilhamento - na medida do possive! - do proprio objeto.Ao escutar esse outro, escuta-se a si, os questionamentos aoproblema, os proprios preconceitos, angustias e duvidas que asdeclara~6es vao provocando, as inseguran~asde uma teoria malassimilada e todos os elementos que fazem parte desse temido edesejado processo de produ~ao do conhecimento.

Oessa maneira, a utiliza~ao da historia oral, muitas vezesconsiderada simples pelos pesquisadores, prop6e, na verdade,uma serie de problemas. Inicialmente, destacam-se, como seviu, a imprevisibilidade e 0 nao-controle da situa~ao, 0 querequer do pesquisador a disposi~aoe a habilidade para a escuta.Em muitos casos,e necessario relativizaras respostas dadas pelosentrevistados.Sabe-seque amemoriae seletiva,que osdepoimentosmudam no decorrer do tempo, que muitas vezes os entrevistadosfalam 0 que imaginam que devem falar para aquele interlocutorespedfico, sobre 0 qual criam certas expectativas e ao qualatribuem determinados valores. Uma outra questao que mereceser objeto de reflexao e quanto ao retalhamento da vozdo sujeito,necessario a "opera~ao historiografica".Por urn lado, decompor

",(!!

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os depoimentos em partes, categoriza-Ios, separa-Ios e inerenteao proprio trabalho de pesquisa: se esse procedimento nao erealizado, corre-se 0 risco de transcreve-los integralmente,o que nao atende as exigenciasda pesquisa historica, na medidaem que nao ha analise, nao ha estabelecimento de relac;oes,nao ha indicac;oesde resultados para melhor se compreender 0objeto. Por outro, ao se optar pela realizac;aode uma analise deconteudo a partir de categorias pre-fixadas, corre-se 0 riscode dissolver os sujeitos e os seus modos de enunciac;ao em umaanalise generalizante. Ao lado do retalhamento necessario,e preciso manter tambem, na medida do possivel,a inteireza decada depoimento.

Urn outro ponto que merece ser destacado e quanto aocruzamento de fontes. Atraves da utilizac;ao de outrosdocumentos, corre-se menos 0 risco de considerar as entrevistascomo a "voz" daqueles que nao podem falar.A consulta a outrasfontes serve, ainda, para melhor formular as proprias questoesdas entre vistas e melhor compreender suas respostas. Por outrolado, os depoimentos nao podem ser tornados como merailustrac;ao para reafirmar aquilo que ja se tern como verdade,construfda principalmente a partir de fontes consideradas maisconfiaveis. Na verdade, as entrevistas, no caso de muitaspesquisas em que os testemunhos escritos SaGraros e esparsos,possibilitam a visualizac;ao de rostos e a escuta de vozes deparcelas da populac;ao muitas vezes consideradas de maneirahomogenea e que, embora expressem uma epoca, urn,pertencimento social, de genero, de etnia, de origem (ruralou urbana), SaG compostas de individuos singulares. Noentanto, vale a pena frisar, a "historia" oral nao deve serconsiderada 0 proprio produto da pesquisa historica, massubmetida as mesmas exigencias do tratamento requerido poroutras fontes documentais e inerentes ao trabalho

historiografico.

Alem disso, 0 historiador pode lanc;ar mao, de forma mais

abrangente, do ouvir e do escutar (por exemplo, musica e letrasde musica e fazer delas uma fonte). Tal como a literatura,a arte, a musica e as letras ainda nao gozam de muito status na

pesquisa historiografica. Eevidente que, como ja nos referimos,nem essa nem nenhuma outra fonte pod era ter valor sozinha,pois exige 0 trabalho de cruzamento e compatibilizac;ao comvarias outras fontes, mas pode ser muito interessante trabalharcom musica. }a pensaram que as operas SaG urn importante

material para a historia da condic;ao da mulher no seculo XIX?Qual seria a situac;ao dos negros e a relac;aocom autores e musicos,no Brasil, a epoca em que Lamartine Babo escreveu "0 teu cabelonao nega"? Ai estao todas as nossas canc;oes de amor a fazer-nosdizer eu s6 vou se voce for... eu niio existo sem voce... sem voce, meu

amor, eu niio sou ninguem... e a oferecer-nos urn extenso material

para urn trabalho sobre 0 amor no Brasil. Qual seria a importanciada musica e do canto orfeonico na formac;ao dos jovens durante 0Estado Novo, para 0 qual 0 grande compositor Villa-Lobos compostantos hinos e arranjos de canc;oes?

o tratamento das fontes: associar e relacionar

A "revoluc;aodocumental", todavia, nao trouxe implicac;oessomente para a selec;aodas fontes a serem usadas nas pesquisas.Mudou tambem, e talvez sobretudo, 0 tratamento dado a elas.Procura-se, cada vez mais (embora nem sempre se consiga),desmistificar 0 documento, ou seja, tentar superar 0 deslumbrediante dele. Ao contrario do que afirma a tradic;aopositivista,as perguntas que 0 pesquisador formula ao documento (impostaspelo presente em que esta mergulhado) SaGtao importantesquanto ele proprio. 0 ponto de partida nao e, desse modo,a pesquisa de urn documento, mas a colocac;ao de urnquestionamento. Mesmo quando a ideia de urn tema vem deuma descoberta arquivistica, somente quando 0 historiador faz

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92 HIST6RIA DA EDUCA~AO FONTES E HIST6RIA DA EDUCA~AO 93

perguntas se inicia a produ~ao da Historia. 0 documento em sinao e Historia, nao faz Historia.

E importante destacar que sao as perguntas que 0pesquisador(a) tern a fazer ao material que the conferem sentidoe, no limite, enquanto houver perguntas, 0 material nao estasuficientemente explorado. Nesse sentido e que se diz que umafonte nunca esta esgotada e que a historia e sempre reescrita,na medida em que depende do problema propos to a serenfrentado e, portanto, do tipo de pergunta que the e formulada.Esta, por sua vez, e sempre resultado de urn olhar que, dopresente, 0 pesquisador(a) lan~a ao passado. No trabalho com 0material escrito, mas nao so, e preciso levar em conta tanto ossilencios dos documentos quanto a sua ausencia. Urn "buraco",numa serie de arquivo, pode dizer ou do documento que falta,ou da propria organiza~aodesse arquivo, da epoca que 0 produziue 0 guardou e suscitara, muitas vezes, novas perguntas eproposi~ao de urn novo caminho de investiga~ao ainda naoimaginado. A falta de material, de fontes, para urn problemabem formulado, esconde urn misterio que, tanto quanto 0 quese acha, tanto quanto 0 que e explfcito, e preciso desvendar.

Esse alargamento e esse novo olhar sobre as fontes, por suavez, imp6em ao pesquisador uma serie de novas exigencias.Inicialmente, e dificil trabalhar com uma pluralidade de fontesporque 0 pesquisador(a) , alem de ter urn conhecimento doproblema que se coloca, da historiografia, metodologia e teoriada historia, deve tambem aprofundar-se nas teorias emetodologias proprias do tipo de fonte a que recorre.

o trabalho com as fontes exige, antes de tudo, paciencia.Quantas vezes ficamos horas, dias ou semanas para encontrarurn ou dois documentos que interessam a pesquisa? E quandoo(s) encontramos, quanto tempo tambem despendemos atedarmos significa~ao a uma palavra, uma frase, uma figura, urn

simbolo nele(s) contido, que insistentemente nos incomoda,nos remete a urn mundo que desconhecemos e do qual aindanao nos apropriamos?A ansiedade parece ser uma das principaisinimigas do historiador...

Como ja nos referimos, urn trabalho e mais rico e maisconfiavel quanto maior for 0 numero e tipos de fontes a que serecorreu e com quanto maior rigor tenha sido exercido 0 trabalhode confronto entre elas. Quanto mais se dispuser de umapluralidade de documentos, mais possibilidades se tern demelhor explora-Ios, compreende-Ios e produzir conhecimentosobre 0 tema da pesquisa. Cada fonte, cada documento, ternurn valor relativo estabelecido a partir da possibilidade decoerencia com os outros, conforme 0 trabalho a que esubmetido, e das rela~6es (em maior numero possivel) que 0pesquisador consegue estabelecer com informa~6es trazidas poroutros estudos sobre 0 tema, sobre a metodologia e teoria daHistoria. Uma palavra, uma expressao, uma categoria, urn estilode escrita encontrados em urn documento so adquirem sentidose nao se quer cometer anacronismos, quando colocadas emseus contextos proprios de produ~ao e circula~ao. Essescontextos sao dados ao pesquisador a partir de urn maior numeropossivel de rela~6es/associa~6esque conseguir estabelecer entreo que 0 documento traz e 0 que nao esta nele. Urn trabalho decompreensao e 0 que se pede.

o cruzamento e confronto das fontes podera tambem ajudarno. controle da subjetividade do pesquisador. Euma opera~aoindispensavel. Ha uma expressao antiga que diz bastante bemdo incansavel trabalho que se ha de ter com 0 entretecer doproblema, com as quest6es formuladas e a ida as fontes:"da bigomaa forja, da forjaa bigoma".Problematizar 0 problemaaluz da literatura que the e pertinente, propor quest6es, buscaras fontes, rever a literatura diante dos dados obtidos, checar asquest6es e reformula-Iasse for 0 caso, voltar as fontes ate que se

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94 HlsrORIA DA EDUCA';:AO

esgotem 0 problema e as fontes. Sao perguntas desse tipo quepermitirao ao pesquisador(a)/leitor(a) ir mais fundo no texto,relaciona-Io, senao a uma autoria personalizada, a uma autoriade epoca. Reafirmamosque saDas questoes que se fazem a cadaurn e ao conjunto do material e a rela<;:aoque se estabeleceentre elas e as respostas obtidas que criam a possibilidade de se"fazer historia". Assim, 0 trabalho com as fontes, que exigecuidado, aten<;:ao,intui<;:ao,criatividade, sensibilidade e rigor,nao prescinde de urn trabalho anterior com a teoria e com ametodologia da historia.

Esse cruzamento com outras fontes nem sempre eimediatamente proveitoso, pois muitas vezes 0 que faz e plantara duvida sobre 0 significado daquilo que vimos e obriga-nos alan<;:armao de outra fonte e outra e outra... A ciranda de

remissoes de uma fonte a outra, as delimita<;:oespropostas,a periodiza<;:ao,a teoria e a historiografia toma 0 trabalho dohistoriador infinito. Sua finitude tern uma configura<;:aoapenasmetodologica, isto e, quanto aos objetivos que se propuseram,ao recorte, as suas proprias possibilidades.

Mas como cruzar as fontes de modo a evitar, como tantas

vezes vemos em monografias de gradua<;:ao,disserta<;:oesdemestrado, teses de doutorado, relatorios de pesquisa, que 0tratamento, a analise e a escrita do texto se tomem uma descri<;:aodas diversas fontes encontradas?

Epreciso, antes de mais nada, que 0 pesquisador "invente"urn metodo que melhor fundone para explorar cada documentoe, ao mesmo tempo, 0 conjunto dos documentos. Epreciso queo pesquisador saiba lidar com a grande dose de imprevisibilidadeque sempre acompanha 0 fazer historico. Nao ha metodosinfallveis e cada historiador tern 0 seu; ha aqueles que preferema copia manual dos documentos, os que organizam fichas,os que separam 0 material por pastas, os que se utilizam docomputador, os que pintam trechos diferentes de cores diversas,

FONTES E HlsrORIA DA EDUCA';:AO 95

os que elaboram quadros... os que fazem tudo isso ao mesmo

tempo. 0 imprescindivel e dar inteligibilidade ao material de

que se dispoe e uma das ferramentas mais importantes para queisso ocorra e 0 necessario estabelecimento de categorias.

A categoriza<;:ao evita a mera descri<;:ao dos documentos;a logica da narrativa (que faz parte da propria escrita da historia)passa a ser dirigida por algumas perguntas centrais e norteadorasque permitiram a explora<;:ao das fontes, e nao documental.

Algumas dessascategorias saDdefinidasa priori pelo pesquisador;outras somente emergem do trabalho minucioso e cotidiano -de idas e vindas - com as fontes. Certamente, 0 alargamento da

no<;:aode documento, e portanto da ideia e da materializa<;:aodo que e fonte, permite-nos encarar 0 fazer historia de outra

maneira, e por isso obriga-nos a incluir 0 genero, a ra<;:a/etnia,

a gera<;:aoe a classe social como categorias postas a priori, porqueja estao (ou deveriam estar) incluidas em outros trabalhos da

area de ciencias sociais que, for<;:osamente, darao suporte aotrabalho do historiador. Tanto mudaram as perguntas quantomudaram as categorias e 0 tipo de rigor exigido.

Ao lado das categorias, 0 historiador, assim como qualquerpesquisador, tambem tern necessidade de operar com conceitos.

No entanto, quando os conceitos (ou, mais amplamente,as teorias) saD utilizados como fim (e nao como ferramenta)

corre-se 0 risco de tomar a conclusao da pesquisa apenas urnreferendar da hipotese que se tinha no inicio. Nesse caso,o trabalho consiste somente em encontrar nas fontes dados e

informa<;:oesque justifiquem a afirma<;:aoda qual 0 pesquisadorpartiu. Esse nao e, propriamente, urn comportamento desejado.

Depois de explorados e categorizados os documentos (as vezestudo ocorre ao mesmo tempo), cabe ao historiador, fazendo 0

maior numero possivel de associa<;:oese rela<;:oes,interpretar eexplicar aquele passado que busca apreender. A escrita da

historia materializa 0 trabalho realizado, e parte da propria

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96 HIST6RIA DA EDUCAi;AO

operac;aohistoriografica e urn dos momentos mais significativosda tarefa de interpretac;ao.Nao se trata simplesmente de relataros resultados da pesquisa: as opc;6ese as definic;6esem torno daorganizac;aodo texto definem e expressam, ao mesmo tempo eem grande medida, a configurac;aodo proprio objeto. Urn dosdesafios dos novos historiadores e quebrar, aos olhos do leitor,a impressao de que a historia narrada e coerente e isenta decontradic;6es. Na verdade, 0 relato ordenado que 0 historiadorapresenta como resultado de sua pesquisa e muito mais fruto dalinguagem e da narrativa do que da propria pesquisa historica.

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[0 que voce precisa saber sabre...]Titulo

Historia da Educa(jao

Eliane Marta TeixeiraLopesAna Maria de Oliveira Galtliio

Q,1c9K>[0que voce precisasabersabre...)

Organizadores

Paulo Ghiraldelli Jr. (Unesp, Maritia) e Nadja Hermann (UFRS)

Conse//ID Editorial

Alberto Tosi Rodrigues (UFES), James Marshall (Auckland University),

L. Henrique Araujo Dutra (UFSC), Michael Peters (Auckland University),

Waldomiro Jose da Silva Filho (UFBA)

Edilores Associados

Caetano Ernesto Plastino (USP), Marcus Vinicius Cunha (Unesp, Araraquara),

Pedro Pagni (Unesp, Maritia), Sitvio Gallo (Unicamp), Raquel Moraes (UnB),

Tarso Bonilha Mazotti (UFRJ), Sofia Stein (UFGO), Stella Accorinti (Argentina)

Historia da Educa~ao

Rellisiio de prOllas

Daniel Seidl

ProjelOgraftcoe diagrama,iioMaria Gabriela Delgado

Capa

Rodrigo Murtinho

ElianeMarta Teixeira LopesAna Maria de Oliveira Galvao

CIP.BRASIL.Cataloga(jao-na.fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

851h

Lopes, Eliane Marta Teixeira

Historia da Educa(jao / Eliane Marta Teixeira Lopes, Ana Maria de Oliveira

Galvao. - Rio de Janeiro: DP&A, 2005, 2. cd.

. - (0 que voce precisa saber sobre)

14x21cm\ZOp.

Inclui bibliografiaISBN: 85-7490-346-9

1. Educa(jao - Historia. I. Galvao, Ana Maria de Oliveira. 11.Titulo 111.Serie.

CDD370.9CDU 37(091)

-$-DP&Aeditora.